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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – I
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDO DE LINGUAGENS CURSO DE MESTRADO EM ESTUDO DE LINGUAGENS
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: ESTUDO DE LINGUAGENS
NA VIDA COM TODAS AS LETRAS
Manifestações Sociais da Escrita: Práticas Escolares e Usos Cotidianos
SALVADOR 2009
1
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – I
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDO DE LINGUAGENS CURSO DE MESTRADO EM ESTUDO DE LINGUAGENS
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: ESTUDO DE LINGUAGENS
LÍVIA DE CARVALHO MENDONÇA
Professora Orientadora: Drª Lígia Pellon de Lima Bulhões
NA VIDA COM TODAS AS LETRAS
Manifestações Sociais da Escrita: Práticas Escolares e Usos Cotidianos
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Estudo de
Linguagens da Universidade do Estado
da Bahia, como parte dos requisitos para
obtenção do grau de Mestre em Estudo
de Linguagens. .
SALVADOR 2009
2
EXAME DE DISSERTAÇÃO
MENDONÇA, Lívia de Carvalho. Na Vida Com Todas as Letras: Manifestações
Sociais da Escrita: Práticas Escolares e Usos Cotidianos. Dissertação de
Mestrado. Salvador: UNEB, 2009.
BANCA EXAMINADORA:
_______________________________________________________________
Professora Doutora Ligia Pellon de Lima Bulhões – Orientadora
_______________________________________________________________
Professora Doutora Carla Luzia Carneiro Borges - UEFS
_______________________________________________________________
Professor Doutor Gilberto Nazareno Telles Sobral – UNEB
3
FICHA CATALOGRÁFICA – Biblioteca Central da UNEB
Bibliotecária: Jacira Almeida Mendes – CRB: 5/592
Mendonça, Lívia de Carvalho
Na vida com todas as letras : manifestações sociais da escrita : práticas escolares e usos
cotidianos / Lívia de Carvalho Mendonça . - Salvador, 2009.
147f.
Orientadora: Lígia Pellon de Lima Bulhões.
Dissertação (Mestrado) - Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Ciências
Humanas. Campus I. 2009.
Contém referências e anexos.
1. Escrita - Aspectos sociais. 2. Linguagem. 3. Letramento. 4. Família. 5. Escolas. 6.
Língua portuguesa. I. Bulhões, Lígia Pellon de Lima . II. Universidade do Estado da Bahia,
Departamento de Ciências Humanas.
CDD: 401.93
4
Para Carlos, Amor!
Para Lisane e Ângela, amores da minha vida.
Ao meu pai Luiz, tão distante, nunca esquecido e sempre amado.
5
AGRADECIMENTOS
A Deus, por tudo o que tenho, tudo o que sou e o que vier a ser. Ao meu querido esposo Carlos. À minha mãe Ângela. À minha família. Aos queridos irmãos. Aos amigos inestimáveis: Adelvino Ribeiro, Ivaneide Cardoso, Ivete Teixeira, Miriam Passos e Pompílio Filho. À Profª Drª. Ligia Pellon de Lima Bulhões, por realizar muito mais do que orientações; por promover inesquecíveis aprendizagens que levarei para a vida. À Profª Drª. América Lúcia Silva César. À Profª Drª Carla Luzia Carneiro Borges. À Profª Drª. Denise Zoghbi. Ao Profº Dr. Gilberto Nazareno Telles Sobral. À Profª Drª Rita de Cássia Ribeiro de Queiroz. À Profª Drª Rosa Helena Blanco Machado. Aos professores e funcionários do PPGEL. Às escolas, professoras, e alunos que fizeram parte desse estudo. Às comunidades: Sobradinho e Baraúna. Ao Srº José Mota Silva e Valéria Costa Pinho. À Secretaria de Educação do Município de Feira de Santana. Aos meus alunos, colegas de profissão e amigos da UNEB - Campus XXIII: Anaci Santana, Cássio Jânio, Carla Liane, Claudilson Souza, Jaci Leal, Káthia Flôr e Valtir Vieira.
6
RESUMO
Este trabalho é resultado de pesquisa etnográfica, de base qualitativa, sobre a escrita enquanto um conjunto de práticas sócio-históricas. O seu objeto são as atividades de escrita desenvolvidas por duas escolas municipais de Feira de Santana – BA, cujos alunos são dos bairros de Sobradinho e Baraúna, e a sua relação com os usos cotidianos de escrita destes sujeitos no espaço familiar e comunitário. Uma escola é de educação regular, enquanto a outra apresenta uma proposta alternativa de ensino. Foram entrevistados quatro alunos e sete pais de alunos que residem há mais de quinze anos nos dois bairros. Os objetivos do trabalho foram: investigar se as práticas escolares de escrita atendem aos propósitos discursivos dos sujeitos; qual a atitude assumida pelos sujeitos com relação às suas práticas escolares de escrita; quais os gêneros textuais de escrita são contemplados na escola, e se eles se identificam com os gêneros textuais que circulam na vida cotidiana dos sujeitos; e, qual a relação que se estabelece entre oralidade, escrita e contexto de interação verbal. O referencial teórico utilizado pela pesquisa diz respeito a concepções de escrita em uma perspectiva sócio-cultural e no contexto de diferentes práticas discursivas dos diferentes sujeitos, com base em uma seleção de autores. Foi feita pesquisa de campo que contou, no total, com dezesseis visitas aos bairros. Escolheu-se um grupo representativo de sujeitos de acordo com os seguintes fatores ou variáveis sociais: gênero, faixa etária, escolaridade, tempo de moradia no local, profissão e renda familiar. Foram realizadas entrevistas abertas com temas gerais referentes às relações familiares, práticas de lazer, função na comunidade, práticas religiosas e práticas de escrita. Considerou-se também como procedimento de pesquisa a observação da atitude dos sujeitos com relação às suas práticas sociais, em especial às suas experiências enquanto leitores e redatores, tanto no contexto escolar quanto em sua vida cotidiana. Concluiu-se que os fatores ou variáveis: idade dos alunos, profissão e espaço comunitário são pertinentes para caracterizar as práticas de escrita dos sujeitos investigados. E que a escola tradicional ainda fundamenta o trabalho em língua portuguesa em uma concepção tradicional de língua e escrita, já que privilegia o estudo de regras da gramática normativa. Concluiu-se também que a escola complementar tem uma visão contraditória de língua e de escrita, por desenvolver uma prática tradicional de ensino do português, ao mesmo tempo em que, teoricamente, adota o texto como unidade do trabalho com a língua, considerando-a na perspectiva dos usos, como sugerem os Parâmetros Curriculares Nacionais da Educação Básica (1997). Portanto, de um modo geral, concluiu-se que não há relação entre as escritas escolares e as práticas sociais de escrita que fazem parte do cotidiano dos sujeitos. Por isso, conhecer os indivíduos torna-se imprescindível, o que mostra que não se pode simplesmente querer desenvolver atividades de leitura e de produção de textos na escola desvinculadas da realidade dos sujeitos, sob pena de estes estarem fadados a não se tornarem redatores e leitores eficientes, ou seja, a serem excluídos da vida com todas as letras.
Palavras-chave: Contexto social – família - escola - escrita - gêneros de escrita.
7
IN LIFE WITH ALL THE LETTERS: Social manifestations of reading and writing: school practice day by day.
ABSTRACT Such a paper has been made through a qualitative ethnography research about writing while a historic social practice, developed in two schools in Feira de Santana city from Sobradinho and Baraúna districts in order to perceive student´s writing day by day in school and community. Four students and seven parents have been interviewed. The main goal of such a research has been to verify whether the writing school practice has been coherent with student´s oral discourse practice and verbal interaction. Such visits have been executed sixteen times directed to specific groups including some factors such as age, gender , level of instruction, profession, familiar income through interviews about family, leisure practice, community, religion and writing practice as well as students´s social practice while readers and writers not only in the school but also in their day-by-day life. It was possible to realize that such factors investigated really help us to comprehend in a better way their writing process and that the teaching of Portuguese language is still traditional in which the text is the parameter in order to understand the language due to fact of following the traditional grammar within which the National Curriculum Parameters in elementary level demand it.( 1997).It has been possible perceive that there is no relation of the writing in such schools to its social practice. The fundamental thing is to know student´s reality and not only to promote activities in order to become and include them efficient writers and readers in society. Key-words: Social Context- family- school-writing-Types of writing.
8
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 11 2 A ESCRITA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS .......................... 14
2.1 A Escrita em uma perspectiva histórico-cultural .............................. 14 2.2 A Escrita e os Gêneros Textuais ......................................................... 28 2.3 Os eventos de escrita: oralidade, escrita e contexto social .............. 33 2.4 Escrita e o contexto Escolar ................................................................ 38 3 A PESQUISA DE CAMPO E O CENÁRIO DA PESQUISA .......................... 48 3.1 A experiência de campo ....................................................................... 48 3.2 Cenário de Pesquisa ............................................................................ 53 3.2.1 A Comunidade: situação histórica e atual ................................. 53 3.2.2 O Centro de Educação Complementar e a Escola Municipal
Tradicional........................................................................................................59
4 A PESQUISA EM UMA PERSPECTIVA ETNOGRÁFICA: PROCEDIMENTOS E INSTRUMENTOS DE TRABALHO .............................. 62 5 DESCRIÇÃO DOS DADOS: OS SUJEITOS, AS PRÁTICAS SOCIAIS E AS PRÁTICAS DE ESCRITA ................................................................................ 66 5.1 Os sujeitos da pesquisa ..................................................................... 66 5.1.1 Dados gerais dos sujeitos pesquisados: alunos ....................... 66 5.1.2 Dados gerais sobre pais ou responsáveis dos alunos pesquisados ......................................................................................... 70 5.2 As práticas sociais dos sujeitos .......................................................... 72 5.2.1 As atividades de lazer ................................................................... 72 A Televisão: novelas e telejornais ............................................... 72 B Computador: jogos e contatos pessoais ................................. 73 C Rádio: notícias e entrevistas .................................................... 73 D Bares: comunidade e outros bairros ....................................... 73 E Viagens ....................................................................................... 74 5.2.2 Atividades profissionais dos pais ................................................ 74 5.2.3 As práticas sociais de escrita: recepção e produção de textos 74 5.2.3.1 Adultos ............................................................................... 74 A O que lêem, escrevem e copiam nos espaços do cotidiano............................................................................. 74 A.1 Textos do domínio religioso .................................... 75 A.1.1 Leituras compartilhadas .................................. 75 A.1.2 Leituras particulares ........................................ 80 A.1.3 Cópia de textos ................................................ 81 A.2 Textos do domínio jornalístico: boletim, jornal e revista ............................................................................. 82 A.3 Textos digitais: leitura e escrita em e-mails e chats 83 A.3.1 Cartas pessoais e comerciais ...................... 83 A.3.2- Textos utilitários: receitas e listas ............. 84 5.2.3.2 Crianças ........................................................................... 85
9
A O que lêem, escrevem e copiam no espaço do cotidiano ........................................................................... 85 B O que lêem, escrevem e copiam no domínio escolar tradicional ........................................................................ 90 B.1 Exercícios gramaticais ........................................ 90 B.2 Poesias copiadas do livro e da lousa ................. 92 C O que lêem, escrevem e copiam na escola complementar .................................................................. 93 C.1 Poesia ................................................................... 93 C.2 Textos instrutivos ................................................ 95 C.3 Contos infantis ..................................................... 96 C.4 Relatos e narrativas sobre temas específicos... 98 C.5 Reescrituras de narrativas ................................ 100 C.6 Fábulas ............................................................... 101 6 INTERPRETAÇÃO DOS DADOS ............................................................... 102 7 CONCLUSÃO ............................................................................................. 110 ANEXOS ........................................................................................................ 115 REFERÊNCIAS .............................................................................................. 143
10
LISTA DE QUADROS
Quadro 1- QUADRO GERAL DOS SUJEITOS PESQUISADOS:
ESTUDANTES ..................................................................................................68
Quadro 2- QUADRO GERAL DOS SUJEITOS PESQUISADOS: PAIS OU
RESPONSÁVEIS...............................................................................................70
Quadro 3- SISTEMATIZAÇÃO DOS DADOS BIO-SOCIAIS: SUJEITOS ALUNOS da Escola Parceira e do Centro de Educação Complementar – CEC 4ª série TURMA 07........................................................................................ 129
Quadro 4- SISTEMATIZAÇÃO DOS DADOS BIO-SOCIAIS: SUJEITOS ALUNOS da Escola Parceira e do Centro de Educação Complementar – CEC 4ª série TURMA 02......................................................................................... 130
Quadro 5- SISTEMATIZAÇÃO GERAL DOS DADOS BIO-SOCIAIS: SUJEITOS ALUNOS Todos da Escola Parceira do Centro de Educação Complementar– CEC 4ª série..........................................................................131
Quadro 6 - SISTEMATIZAÇÃO DAS ENTREVISTAS COM OS ALUNOS....135
Quadro 6.1 - SISTEMATIZAÇÃO DAS ENTREVISTAS COM OS
ALUNOS......................................................................................................... 136
Quadro 6.2- SISTEMATIZAÇÃO DAS ENTREVISTAS COM OS
ALUNOS......................................................................................................... 137
Quadro 6.3 - SISTEMATIZAÇÃO DAS ENTREVISTAS COM OS
ALUNOS......................................................................................................... 138
Quadro 7 - SISTEMATIZAÇÃO DE ENTREVISTAS COM PAIS OU
RESPONSÁVEIS............................................................................................ 139
11
1 INTRODUÇÃO
Este estudo possuiu como tema central as práticas de escrita
desenvolvidas no contexto escolar de duas escolas municipais da cidade de
Feira de Santana, e a sua relação com os usos cotidianos de escrita que
fizeram parte da realidade sócio-cultural dos sujeitos investigados.
Confrontar as manifestações da escrita presentes no contexto escolar
com as que circulam no cotidiano constituiu um desafio, pois em geral
privilegiam-se a recepção e a produção de textos feitas na escola. E estas,
muitas vezes, não consideram a realidade sócio-cultural dos sujeitos, o que se
reflete nas múltiplas significações que o ato de escrever tem para eles, já que o
sistema de ensino perpetua os textos escritos utilizados, em sua maioria, para
fins escolares ou para avaliação de aprendizagem, e possui como meta o
domínio da prosa formal.
O estudo das práticas de escrita desenvolvidas por pessoas de grupos
populares, mesmo realizado em contexto escolar, deve-se fundamentar em
uma concepção de escrita diferente da visão tradicional, que se baseia em
regras prescritas pela gramática normativa, é elitista, excludente, e serve como
modelo de ―língua‖ para toda a sociedade. Trata-se de conceitos arquitetados
sócio-historicamente que se reproduzem, se perpetuam, e servem de modelo
para toda a sociedade, porque são próprios de grupos de prestígio, que os
legitimam.
Dessa maneira, faz-se necessário compreender a língua e,
conseqüentemente, a escrita como parte da realidade social. Gnerre (1998)
coloca que para isso faz-se necessário refletir sobre as atitudes e crenças que
diversos grupos podem ter sobre a escrita, incluindo-se as concepções
compartilhadas pelas minorias letradas.
Nesse contexto, foi importante examinar como as pessoas desenvolveram
ou caracterizaram estas manifestações ativa e criativamente para que estas se
adaptassem aos seus propósitos e necessidades, de acordo com o contexto
discursivo em que se encontrassem. Observou-se, no entanto, que
tradicionalmente tem-se dado uma ênfase muito grande aos textos escritos
produzidos fora de contextos discursivos, ou seja, sem considerar a interação
entre seus interlocutores, no caso escritor(es) e leitor(es), embora haja, hoje
12
em dia, um interesse crescente pelas diversas práticas de escrita,
considerando-se os contextos sócio-históricos em que ocorrem.
Nesta perspectiva, colocaram-se as seguintes questões:
1- Os sujeitos, no contexto escolar, adaptam as suas práticas de escrita aos
seus propósitos discursivos, considerando - se os usos sociais de escrita que
fazem parte da sua realidade sócio-cultural?
2- Qual a atitude assumida pelos sujeitos com relação às suas práticas
escolares de escrita?
3- Que gêneros textuais de escrita são contemplados na escola, e em que
medida eles se identificam com os gêneros textuais que circulam na vida
cotidiana dos sujeitos, constituindo para eles práticas significativas?
4- Qual a relação que se estabelece entre oralidade, escrita e contexto de
interação verbal, nas manifestações de escrita observadas?
A pesquisa que propusemos se baseou no pressuposto teórico geral de
que a língua é constitutiva da realidade social. Ela se referiu ao sujeito concreto
que é parte da realidade sócio-histórica, e aos diferentes usos que este fez da
língua nos diferentes contextos sócio-culturais.
Realizou-se um estudo etnográfico, no campo das pesquisas
qualitativas, e para tanto consideramos a etnografia uma abordagem de
investigação científica, de acordo com César (2001) e André (2004), que se
basearam em uma visão geral da cultura a partir da investigação dos homens
em sua vida cotidiana. A língua, neste sentido, é um fenômeno sócio-histórico
que faz parte das manifestações culturais próprias de determinado grupo
social.
Almejou-se, portanto, estudar o sujeito, considerado um ator social e as
suas práticas cotidianas, especificamente as práticas de escrita, próprias de
determinado contexto social. Um estudo desta natureza demandou observação
direta de práticas cotidianas de um grupo particular de sujeitos, através da
pesquisa de campo, para tentar revelar o significado e os valores de suas
ações.
O estudo das práticas escolares de escrita em confronto com as
manifestações cotidianas de escrita permite uma compreensão de como estas
atividades constituem diferentes práticas sociais e são por elas constituídas, de
acordo com os diferentes contextos de interação discursiva.
13
Assim sendo, este trabalho se refere à investigação da escrita enquanto
práticas sociais, constituídas e constitutivas da realidade histórico-cultural, ou
seja, as ações de escrita dos sujeitos não estão predeterminadas, podendo ser
desafiadas, reinterpretadas e alteradas pelos indivíduos. Baseia-se, portanto,
na concepção de língua enquanto ação e trabalho coletivo dos seus sujeitos.
Consideramos como universo da pesquisa duas escolas municipais: uma
com proposta de ensino tradicional e outra com sugestão de ensino
complementar, e o contexto familiar dos alunos investigados, que moram em
Sobradinho e Baraúna, duas comunidades da cidade de Feira de Santana.
Como sujeitos da pesquisa, consideramos um total de 04 (quatro) alunos das
respectivas escolas e 07 (sete) pais ou responsáveis por eles, que constituem
grupos representativos de pessoas que estudam na comunidade e pais que
residem por mais de quinze anos.
Pouco se sabe sobre os usos de escrita que fazem parte da vida cotidiana
das pessoas, principalmente as de grupos populares, que em sua maioria
freqüentam as escolas públicas. E, nesse sentido, as propostas de atividades
de recepção e de produção de textos feitas pelas instituições de ensino em
geral não consideram a diversidade cultural e lingüística dos sujeitos. Assim,
privilegiam-se alguns gêneros textuais legitimados pela escola, mas que são
considerados práticas estritamente escolares, para fins avaliativos, pela maioria
dos alunos.
Compreendemos, portanto, que este estudo, somado a muitos outros
estudos sobre diferentes manifestações de escrita, poderá contribuir para a
construção de um arcabouço teórico sobre a escrita, presente nos diversos
contextos de interação verbal, inclusive no espaço escolar.
Deve-se destacar a relevância social do trabalho que se propõe, já que
ele, ao sugerir reflexões teóricas sobre língua e, especificamente, sobre a
escrita, com base em dados da realidade e tendo como referência a escola
pública, poderá contribuir, conseqüentemente, para a elaboração de novas
propostas teórico-metodológicas para o ensino - aprendizagem da escrita.
14
2 A ESCRITA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS
2.1 A Escrita em uma perspectiva histórico-cultural
Este item do trabalho é constituído pela discussão dos textos que
apresentam, de modo geral, pontos de vistas de alguns autores que
compreendem as manifestações de escrita a partir de uma perspectiva
histórico-cultural, e que são considerados referência para a discussão sobre a
escrita neste contexto teórico.
De acordo com Street (1993), o campo de estudos sobre a escrita tem-se
expandido consideravelmente nos últimos anos, constituindo-se em novo
quadro da antropologia e das abordagens multi - culturais, que se apresentam
como alternativa às abordagens psicolingüísticas existentes anteriormente. Ele
argumenta que, de um lado, psicólogos e pedagogos focalizam em seus
trabalhos elementos que envolvem habilidades de leitura e escrita, ao passo
que antropólogos e sociolingüistas se concentram em questões sobre a própria
escrita.
Street (1993) faz referência aos estudos tradicionais sobre a língua,
baseado em concepção excludente sobre a escrita, a partir de um conjunto de
regras da gramática tradicional, que serve de modelo para a sociedade. Nesse
sentido, a escrita aqui é compreendida como uma entidade ‗neutra‘, que
representa uma tecnologia a ser dominada pelos indivíduos de acordo com as
necessidades institucionais do Estado. Esta concepção desconsidera os usos
específicos que são feitos em situações sócio-culturais concretas e representa
a reprodução de padrões históricos - culturais e de poder, próprios dos grupos
sociais de prestígio.
O autor aponta que pesquisas recentes em várias culturas têm mostrado
a criatividade, a originalidade e o estilo com que as pessoas utilizam a escrita
em atendimento aos seus vários interesses e necessidades. E os resultados
dessas investigações chamam a atenção para a ―neutralidade aparente‖
estabelecida a partir do que ele denomina ―modelo autônomo de escrita‖, que
se baseia em uma visão uniforme de escrita estabelecida dentro da sociedade.
Para tanto, Street sugere a necessidade de investimentos em pesquisas que
15
demonstrem situações de usos da língua e não naturalizem as ocorrências
ideológicas nas instâncias de utilização da linguagem escrita.
A escrita pressupõe redatores e leitores concretos e singulares em
determinados domínios discursivos. Nesta perspectiva sócio-cultural, os
estudos sobre o real significado das práticas de escrita nos usos cotidianos de
pessoas de diferentes grupos sociais estão de acordo com o modelo de
investigação defendido por Street (1993), que propõe que se estabeleçam
modelos teóricos que reconheçam o papel central das relações de poder nas
práticas da escrita. Nesta visão, tais atividades mudam o seu significado
quando estão em jogo as relações de domínio e autoridade na sociedade. Para
tanto, o autor sugere o ―modelo ideológico de escrita‖, que, em linhas gerais,
aponta a neutralidade aparente dessas práticas. A contribuição de um modelo
de escrita, nessa perspectiva, seria a de permitir que se elaborem
generalizações úteis sobre as manifestações da escrita que fazem parte da
realidade dos diversos grupos sociais, consideradas aqui como práticas
sociais.
Verifica-se que pouco se sabe sobre os usos de escrita e as práticas de
leitura que fazem parte da vida cotidiana das pessoas, principalmente as de
grupos populares, como é também a realidade da maioria dos grupos sociais
do Brasil. As escritas que se leva em conta são as que circulam no espaço
escolar. Contudo, abordagens de sociolingüistas e antropólogos que se
debruçam sobre o estudo das manifestações de escrita em diferentes culturas
têm demonstrado, segundo Street (1993), que a variação de gêneros de escrita
no contexto ocidental fornece o início de uma nova e menos restrita base de
dados para uma comparação inter-cultural. Deste modo, há vários
pesquisadores, como Heath (1983), interessados nessas manifestações de
escrita em diferentes culturas, visto que em abordagens anteriores foram
encontradas falhas nas investigações por se desconsiderar, de fato, como as
pessoas pensam e adaptam as habilidades de escrita às necessidades do seu
dia-a-dia.
As instituições escolares, principalmente no Brasil, têm desconsiderado a
perspectiva de que os alunos reconheçam as próprias habilidades de escrita e
assim, perpetuam ensinamentos em que as crianças se voltam para a escrita e
não estas se voltam para as crianças demonstrando, com isso, que a maneira
16
que se aprende a escrita na comunidade é conflituosa em relação ao ensino
proposto pela escola. Nesse sentido, podemos citar os resultados de pesquisa
propostos por Heath (1983), quando ela verificou que as comunidades de
Roadville e Trackton possuem diferentes orientações de letramento em casa e
na escola, o que refletiu diretamente no desempenho escolar das crianças. Em
Roadville, a partir da quarta série, começa a cair a atuação escolar das
crianças. O sucesso é garantido apenas nas três primeiras séries, pois
correspondem aos mesmos contextos situacionais dos eventos de letramento
que ocorrem na comunidade. Já as crianças de Trackton apresentam o
percentual de leitura mais baixo e demonstram bastante dificuldade nos
modelos de ensino escolar, pois nas orientações de letramento da comunidade
não há quaisquer exposições de participações de eventos de letramento que
envolva a leitura de livros infantis.
Desta forma, esses resultados demonstram que as manifestações sociais
de escrita que diferenciam usos cotidianos de práticas escolares ocasionarão
fracasso do desempenho dos sujeitos nas escolas.
A partir dessa visão, entende-se que a ausência desse conhecimento
prévio tem feito com que os interessados na escrita em uma perspectiva sócio-
cultural desconsiderem a criatividade de suas manifestações. Como resultado,
tem-se enfatizado o ensino da escrita com base em modelos pré-estabelecidos,
colocando supostamente seus usuários como objetos passivos e neutros
afetados por este tipo de atividade de produção.
Neste contexto é que Street (1993) propõe um modelo de escrita numa
perspectiva ideológica (‗ideological‘ model of literacy‘), que se situe na
intersecção entre as concepções teóricas da Antropologia e da Sociolingüística
de um lado e, do outro, as teorias do discurso e da etnografia.
Em conseqüência dessa concepção teórica, Street (1993) acaba por
fornecer as bases empíricas para o que ele denomina ‗modelo autônomo de
escrita‘ (‗autonomus‘ model of literacy), que contrapõe ao modelo ideológico
proposto por ele. O autor conceitua o modelo autônomo, em termos técnicos,
como sendo independente do contexto social e cujas conseqüências para a
sociedade e cognição podem ser provenientes de seu caráter intrínseco. De
acordo com Street,
17
The writers l characterise in this way do not necessarily themselves use the phrase ‗autonomous model of literacy‘ but I nevertheless found the term model useful to describe their perspective as it draws attention to the underlying coherence and relation- ship of ideas which on the surface might appear unconnected and hap-hazard. (STREET 1993, p.5)1
Olson (1977), no mesmo artigo, é citado como representante do modelo
autônomo de escrita justamente por ser aquele que tão bem advogou as
conseqüências da escrita para a sociedade, para o desenvolvimento cognitivo
dos indivíduos e para a língua em si mesma, conforme é possível se observar:
Olson holds enthusiastically to the strong version of the autonomus model, repeating in a recent article the claim that the media of communication, including writing, do not simply extend the existing structures of knowledge; they alter it. (…) writing did not simply extend the structure and uses of oral language and oral memory but altered the content and form in important ways(…) when writing began to serve the memory function, the mind could be redeployed to carry out more analytic activities such as examining contradictions and deriving logical implications. It is the availability of an explicit written record and its use for representing thought that impart to literacy its distinctive properties. (OLSON 1988, apud STREET, 1993, p.5-6)2.
1 Os autores que eu caracterizo deste modo não adotam, necessariamente, a expressão
―modelo autônomo de escrita‖, embora eu ache o termo ‗modelo‘ útil para descrever a sua perspectiva, já que ele chama a atenção para a coerência e a relação de idéias que podem, superficialmente, parecer desconexas e aleatórias. 2Olson adere com entusiasmo à versão forte do modelo autônomo, repetindo em um artigo
recente a alegação de que os meios de comunicação, inclusive o escrito, não apenas ampliam o conhecimento das estruturas existentes; eles o alteram. (...) A escrita não apenas amplia a estrutura e os usos da linguagem oral e da memória oral, mas alteraram o conteúdo e a forma de maneira importante (...) quando a escrita começou a ter função de memória, a mente pôde ser utilizada para realizar mais atividades analíticas, tais como a análise de contradições e de suas implicações lógicas. É o acesso a um registro escrito explícito e o seu uso para representar o pensamento que conferem à escrita as suas propriedades distintivas.
18
A partir das concepções de Street (1993) sobre o modelo ideológico da
escrita, surgiram, após a década de 1980, inúmeros textos acadêmicos que
discutiam a relação entre escrita e oralidade como um continum, e não mais
como uma dicotomia. Contudo, os argumentos utilizados revelam que existe,
nessa transição, um fosso que diferencia letramento de oralidade, o que se
confirma com o fato de que muitos dos escritores, neste campo, continuaram a
representar o letramento como suficientemente diferente da oralidade, cujos
achados pouco diferem do clássico conceito da "grande divisão‖. Segundo o
autor,
This was to be explained by reference to
the methodological and theoretical assumptions that underlay their work: in particular a narrow definition of social context; the reification of literacy in itself at the expense of recognition of its location in structures of power and ideology, related to assumptions about the 'neutrality' of the object of study: and, from the point of view of linguistics, the restriction of 'meaning' to the level of syntax. (STREET 1993, p.4)3
Street (1993) estende a sua crítica ao conceito de continum ao citar
Besnier (1988), que argumenta que o conceito de um "continum" é inadequado,
porque as práticas de oralidade e de escrita não estão de fato alinhadas como
um ‗continum‘, mas se diferenciam de forma multidimensional em comunidades
de fala e através delas. Nessa concepção, portanto, a relação entre fala e
escrita não ocorre a partir da consideração do ‗continum‘, visto que ambas co-
ocorrem de forma complexa e mediadas pelo contexto. Ou seja, pressupomos,
a partir daí, que em diferentes contextos, como o da escola e o contexto
familiar, as relações entre fala e escrita irão diferir de acordo com as diversas
situações discursivas.
Os estudos histórico-culturais sobre a escrita abordam primeiramente o
impacto da escrita em sociedades ágrafas. Posteriormente passam a ter cunho
3Este era para ser explicado através da referência aos pressupostos teóricos e metodológicos
que fundamentam seu trabalho: em particular uma definição restrita de contexto social e a reificação da escrita em si, às custas do reconhecimento de sua localização em estruturas do poder e ideologia, relacionados a suposições sobre a ‗neutralidade‘ do objeto de estudo: e, a partir do ponto de vista da lingüística, a restrição do "significado" ao nível da sintaxe. (STREET 1993, p.4)
19
comparativo com base na noção de dicotomia entre escrita e oralidade para,
em seguida, novos estudos considerá-las a partir do conceito de ‗continum’, o
que é rejeitado por Street (1993), como vimos anteriormente a partir da citação
de Besnier (1988). Neste contexto, surge um amplo debate sobre as relações
entre cultura oral e cultura escrita. Assim sendo, autores como Havelock
(1963), Olson (1977), Ong (1982), dentre outros, por exemplo, destacam-se por
tratar deste mesmo tema.
Street (1993) cita Goody e Watt em seu artigo The Consequences of
literacy (2006[1963]) com relação à discussão sobre as práticas de escrita nas
sociedades antigas, orais ou letradas como, por exemplo, a sociedade grega,
até a difusão da escrita alfabética no mundo ocidental. Goody e Watt (2006
[1963]) deslocam o foco de seus estudos para as implicações dos usos da
escrita em culturas tradicionais específicas, letradas ou não-letradas, a partir do
modelo autônomo de escrita. O seu objetivo é o de ―discutir as conseqüências
históricas e funcionais mais significativas da escrita‖ (GOODY E WATT 2006
[1963], p.77). Coloca-se, como questão inicial, o argumento de que as críticas à
visão etnocêntrica da antropologia e sociologia não podem desconhecer a
distinção significativa entre sociedades letradas e não-letradas. Segundo eles:
Essa posição parece contrária à nossa observação pessoal; e assim, parece ser proveitoso investigar se não pode haver, mesmo do ponto de vista empírico e relativista, algum esclarecimento a ser derivado de uma consideração adicional a respeito de certos problemas históricos e analíticos relacionados com a dicotomia tradicional entre sociedades letradas e não-letradas. (GOODY E WATT 2006 [1963], p.12)
A questão central da obra colocada pelos autores relaciona-se às
transformações existentes nas sociedades a partir da inserção do sistema de
escrita alfabética, com relação à maneira de se pensar sobre o mundo. De
acordo com eles, ao se compararem as experiências das sociedades com e
sem escrita é possível verificar que nas primeiras o pensamento privado irá
propiciar o desenvolvimento do raciocínio lógico, uma vez que, com o registro
escrito, é possível objetivar e (re)significar as experiências a partir da sua
individualização, e selecionar atitudes ou valores importantes para determinada
20
cultura. Deste modo há menos individualização de experiência pessoal nas
culturas ágrafas do que nas culturas escritas, ou seja, a construção do
pensamento pessoal é estimulado por meio da atividade de escrita. O que
compreendemos, nesta perspectiva, é que a escrita encoraja o pensamento
pessoal; permite a objetivação da própria experiência e, substitui a memória
como registro permanente.
Por outro lado o pensamento não lógico seria uma questão para outras
investigações, uma vez que a escrita é vista por Goody e Watt (2006[1963])
como complementar à oralidade.
Percebe-se, portanto, o interesse dos autores em discutir se há
problemas históricos que possam ser decorrentes da dicotomia entre
sociedade letrada e não-letrada. Pressupõe-se, tomando por base os
argumentos expostos, que o advento da escrita alfabética tenha promovido o
desenvolvimento das culturas, já que representou um elemento central para a
constituição do que hoje se compreende por civilização ocidental. De acordo
com o artigo:
A escrita micênica desapareceu completamente após o século XII a.C., fato que foi possível por causa do uso muito restrito do letramento e da conexão próxima entre a escrita e administração palaciana. É duvidoso que uma perda como essa poderia ter ocorrido na Grécia após a introdução de uma escrita completamente alfabética, provavelmente no século VIII a. C. (GOODY E WATT 2006 [1963], p.30)
Goody e Watt (2006 [1963]), ao tratarem dos efeitos sociais da escrita
alfabética, afirmam que o desenvolvimento que as sociedades letradas
puderam alcançar foi de várias ordens, desde o intelectual até econômico,
como se pode notar: ―O uso extensivo da escrita (...) parece ter ocorrido em um
grande conjunto de atividades, tanto intelectuais quanto econômicas, por um
grande conjunto de pessoas‖ (GOODY E WATT 2006 [1963], p. 35).
O uso efetivo da escrita alfabética ocorreu inicial e gradualmente na
sociedade grega, e esteve aliada ao desenvolvimento da democracia grega,
uma vez que diversos povos tinham um sistema administrativo comum e
herança cultural unidos por intermédio da palavra escrita. ―A democracia como
nós a conhecemos, então, está desde o princípio associada à alfabetização
21
difundida‖ (GOODY E WATT 2006, [1963] p.58). Nesse sentido, a escrita
passou a ser o ―símbolo principal da distância‖ (GOODY E WATT 2006 [1963],
p.58), embora a sua difusão entre os diferentes grupos sociais tenha ocorrido
somente a partir da invenção da imprensa, no século XV.
Os efeitos sociais causados por uma sociedade letrada passaram a ser
descritos em diversas sociedades que a adotaram como um expoente de
desenvolvimento e ascensão, ou seja, como inovação cultural. Goody e Watt
(2006 [1963]) exemplificam bem essa situação com a afirmação de um egípcio
do primeiro império: ―Colocando a escrita em seu coração, você pode se
proteger do trabalho duro de qualquer tipo (...). O escriba está liberto das
tarefas manuais; é ele quem comanda.‖ (GORDON CHILDE 1942, apud
GOODY E WATT, 2006, p. 27).
Ao discutir acerca da relação entre cultura alfabética e pensamento grego
no momento histórico de transição do mundo helênico, Goody e Watt (2006
[1963]) verificam uma tensão entre o símbolo da tradição não letrada, a
memória, aqui entendida, como ―repositório da tradição cultural em uma
sociedade oral‖; e o alfabeto, símbolo maior de uma sociedade letrada e que
―torna possível ler e escrever facilmente sem qualquer ambigüidade todas as
coisas sobre as quais a sociedade possa falar‖. (GOODY E WATT 2006 [1963],
p. 48 e 31).
Estes autores argumentam que nas sociedades sem escrita a memória é
vista como individual e mediada pela herança cultural, sendo que o dado novo
é ajustado pelo sujeito ao dado antigo, através do processo de interpretação e
de eliminação, quando o que não tem mais relevância social é eliminado pelo
esquecimento. A linguagem, sobretudo o vocabulário, é considerada como um
mecanismo imprescindível nesse processo. A língua, no entendimento da
sociedade não-letrada, ―é desenvolvida em associação íntima com a
experiência da comunidade e é aprendida pelo indivíduo no contato face a face
com os outros membros‖ (GOODY E WATT 2006 [1963], p.17).
Ao longo do processo de difusão social da escrita, de acordo com Goody
e Watt (2006 [1963]), verifica-se que esta ocorre como ajuda à memória, já que
nas sociedades sem escrita mito e história mesclam-se, ou seja, os elementos
da herança cultural que não têm mais tanta importância na contemporaneidade
passam a ser esquecidos ou se transformam; e como os sujeitos de diferentes
22
gerações constroem seus próprios vocabulários, muitos elementos
pertencentes à sua própria história são resignificados ou totalmente
descartados. Assim, o que é diferenciador adquire um caráter conflituoso entre
as sociedades letradas e não letradas; bem como dentro dos próprios grupos
sociais ―protoletrados‖. O divisor de águas está no fato de que nas sociedades
sem escrita predomina a ―amnésia estrutural‖ ou sistema de eliminação, e nas
sociedades com escritas predomina o processo de ―acumulação‖.
Por outro lado, segundo os autores, o que se verifica internamente às
culturas alfabéticas são as tensões do tipo: barreira forte entre escritores e não-
escritores; manipulação das ferramentas de leitura e escrita como
diferenciadores sociais; a transmissão de valores e atitudes no contato face a
face em descompasso com as culturas letradas, que se dá pela transmissão de
conteúdos percebida apenas por uma porção limitada da sociedade; e divisão
entre os vários matizes de letramento e não letramento, com um foco mais
dramático na escola.
De uma maneira geral, ―a tensão social entre as orientações orais e
letradas na sociedade ocidental, de fato, é complementada pelo intelectual‖
(GOODY E WATT 2006 [1963], p. 66).
Compreende-se, de maneira geral, que, para Goody e Watt (2006[1963]),
a escrita, nas sociedades letradas, promove a identidade individual e expressa
um esforço intelectual através do qual os sujeitos selecionam, rejeitam ou
acomodam as idéias e atitudes de sua cultura.
Segundo os autores, a tensão entre oralidade e escrita acentua-se na
cultura ocidental, já que a tradição oral persiste além da tradição escrita. E a
relação entre essas duas tradições é fonte de antagonismo, uma vez que
constitui um problema para o mundo ocidental. Conclui-se, portanto, que eles
compreendem a escrita como ―adição‖, e não como uma alternativa para a
oralidade.
Observamos que a visão autônoma da escrita ainda persiste, em nossa
realidade, nos contextos escolares e nas demais instâncias da vida social, já
que a escrita é compreendida como sendo desvinculada da oralidade e não se
leva em conta que os usos cotidianos de escrita se relacionam com a oralidade
de maneira diversa de acordo com os grupos sócio-culturais de que fazem
23
parte, como, por exemplo, as práticas de escrita que compõem as práticas
religiosas no contexto estudado.
Gnerre (1998) também faz reflexões sobre a escrita em uma perspectiva
histórico-cultural e cita, em linhas gerais, estudos sócio-históricos,
antropológicos e psicológicos já feitos sobre o tema a partir da segunda metade
do século XX. Observa que o final dos anos 50 foi um período marcado pelo
surgimento de ―autores de áreas diferentes, os quais produziram um conjunto
de obras que se tornaram referência obrigatória (...) levando ao
estabelecimento hoje do campo de estudo da escrita‖ (GNERRE, 1998, p. 72).
O autor enfatiza, em linhas gerais, que aquilo que se conhece como
escrita de acordo com o modelo hegemônico ―coexistiu com outras formas de
comunicação visual que não consideramos escrita‖ (GNERRE, 1998, p. 43). E
que os estudos das práticas de escrita desenvolvidas por pessoas de grupos
populares fundamentam-se em uma concepção de escrita diferente da visão
tradicional, que se baseia em regras prescritas pela gramática normativa, é
elitista, excludente, e serve como modelo de ―língua‖ para toda a sociedade.
Segundo o autor,
temos que refletir tanto sobre as atitudes, as expectativas e as crenças que outros grupos étnicos, outras classes sociais ou outros grupos de idade podem ter sobre a escrita, como sobre as atitudes e as crenças sobre a escrita compartilhadas dentro da própria tradição escrita, elaborada por minorias letradas ligadas ao poder político e econômico. (...) temos que encontrar estratégias que contribuam para novas atitudes com relação à escrita, que sugiram hipóteses interessantes sobre o uso e as funções da escrita e que (...), tratem de preparar o contexto psicológico e sócio-cultural mais adequado para que ele se realize. (GNERRE 1998, p. 46,47e 60)
Neste sentido, a oposição entre os pensamentos ―primitivo‖ e ―civilizado‖
atribuídos aos povos com escrita e sem escrita serve apenas para dar um
―caráter quase mítico‖ à escrita (GNERRE, 1998, p. 71).
Gnerre (1998) considera os estudos de Goody e Watt (1963) por serem
representantes importantes de algumas posições teóricas sobre a escrita.
Contudo, ele critica esses autores por ―pensaram somente as conseqüências
24
da escrita nas sociedades como totalidades e não como grupos sociais
privilegiados que controlavam o poder de uso da escrita‖ (GNERRE, 1998, p.
73).
O autor coloca que ―é impossível fazer generalizações como ‗sociedades
com escrita‘ por acreditar ser esta uma interpretação simplista, segundo a qual
não existe um sistema de ―amnésia estrutural‖ em comunidades com escrita. E
argumenta que ―existe uma forma de amnésia que em geral é controlada por
alguns grupos sociais‖ (GNERRE, 1998, p.74).
Goody e Watt (2006[1963]), segundo Gnerre (1998), destacam o caráter
cumulativo do léxico presente em sociedades com tradição escrita, e o sistema
de adaptação funcional da língua em sociedades sem tradição de escrita.
Todavia,
estas observações sobre linguagem são válidas não somente para sociedades orais, mas também para muitos dialetos chamados não-padrões em sociedades em que uma tradição escrita ficaram estabelecidas. Novamente o problema principal está em pensar em termos de sociedades como um todo e tentar fazer grandes generalizações em lugar de olhar para realidades específicas. (GNERRE, 1998, p.75)
A hipótese dos gregos terem-se desenvolvido cognitivamente graças ao
uso da escrita alfabética - defendida por Goody e Watt (2006[1963]) - é, na
opinião de Gnerre, por demais simplista, pois não considera as diferenças
existentes nas sociedades e ―... deixará de incluir articulações importantes de
diferenças dentro das sociedades.‖ (GNERRE, 1998, p.76)
Deste modo, a tensão entre oralidade e escrita, presente nas sociedades
modernas, é uma realidade e não um problema. Portanto, é necessário que a
escrita não seja vista como adição, mas como uma alternativa à oralidade nos
diferentes grupos sócio-históricos.
Marcuschi (2003) propõe o estudo da escrita e da oralidade como um
conjunto de práticas que se complementam de maneira complexa. Nesse
sentido, a língua é concebida essencialmente como um fenômeno social, sejam
os seus usos feitos no contexto escolar ou nos demais domínios discursivos.
25
Para tanto, o autor distingue oralidade de letramento, de um lado, e fala de
escrita, do outro.
De acordo com Marcuschi (2003), a oralidade ―seria uma prática social
que se apresenta sob variadas formas e gêneros textuais fundados na
realidade sonora‖ (MARCUSCHI, 2003, p.25).
O letramento, por seu turno, ―envolve as mais diversas práticas da escrita
(nas suas variadas formas) na sociedade‖ (MARCUSCHI, 2003, p.25). Essas
práticas vão desde as que requerem um domínio rudimentar do código gráfico,
uma vez que um indivíduo que participa de maneira expressiva na sociedade
sabe, por exemplo, identificar o valor do dinheiro, reconhecer determinadas
marcas de produtos, tomar um ônibus, dentre outras situações que requeiram o
seu envolvimento ativo nos grupos sociais em que esteja inserido. Portanto,
considera-se letrado não apenas os que escrevem, mas todos os que
participam de maneira significativa de práticas de letramento.
Na mesma perspectiva, Soares (2004) ao tratar do conceito de
letramento, afirma que ter-se apropriado da escrita é diferente de ter aprendido
a ler e a escrever, uma vez que ―aprender a ler e escrever significa adquirir
uma tecnologia, a de decodificar em língua escrita e de decodificar a língua
escrita; apropriar-se da escrita é tornar a escrita ―própria‖, ou seja, é assumi-la
como sua ―propriedade‖ (SOARES, 2004, p. 39). Enfim, o domínio do código
gráfico, a partir de um aprendizado seria, portanto, um tipo de letramento, que
é considerado o letramento formal.
Já a fala, segundo Marcuschi (2003, p.25), seria uma ―forma de produção
textual-discursiva para fins comunicativos na modalidade oral‖. Essa produção
revela que além dos recursos expressivos, a única necessidade que há para
desenvolvê-la é o que existe no próprio ser humano, no caso o aparelho
fonador, pois representa o uso da língua por meio de sons.
A escrita, por sua vez, representa uma forma de ―produção textual-
discursiva para fins comunicativos com certas especificidades materiais e se
caracterizaria por sua constituição gráfica‖ (MARCUSCHI, 2003, p.25). De
acordo com o autor, ela é uma modalidade de uso da língua que complementa
a fala.
26
Logo, escrita e fala se relacionam com os ―modos de representarmos a
língua em sua condição de código‖ (MARCUSCHI, 2003, p.26), em seus
aspectos sonoro e gráfico.
O autor afirma que pouco se sabe sobre a influência e o espaço ocupado
pela escrita na sociedade, quais os diversos usos de oralidade e de escrita que
são feitos nos diferentes contextos, e a relação entre as diversas atividades
comunicativas, o que justifica a importância do seu estudo e fundamenta a
investigação que propomos. De fato, geralmente, relacionamos as escritas aos
usos referendados pela escola e as relacionamos às diversas instâncias da
vida social em detrimento dos usos cotidianos de escrita, que são parte
fundamental da vida de pessoas de grupos populares.
Ao fazer considerações teóricas sobre a escrita numa perspectiva
histórico-cultural, ele lembra que a sua importância para a vida das pessoas é
reconhecida até mesmo pelos sujeitos que não a dominam e, nesse caso, é
importante constatar que ―(...) a escrita, após se tornar um fenômeno de massa
e desejável a todos os seres humanos, passou a receber um status singular no
contexto das atividades cognitivas de um modo geral‖ (MARCUSCHI, 2003,
p.21).
A partir de certo ponto do artigo, o autor introduz o conceito de ‗escrita‘,
que passa a ter o significado de ‗letramento‘. Do mesmo modo, o presente
trabalho utilizará o termo ‗escrita‘ neste sentido mais amplo, por considerá-la
um conjunto de ―práticas e usos da língua com características próprias‖
(MARCUSCHI, 2003, p.17), mas que mantêm relação complexa com a
oralidade.
Nesta perspectiva, não se pode tratar as relações entre oralidade e
escrita como opostas, uma vez que ―Mais do que uma simples mudança de
perspectiva, isto representa a construção de um novo objeto de análise e uma
nova concepção de língua e de texto, agora vistos como um conjunto de
práticas sociais‖ (MARCUSCHI, 2003, p.15).
O estudo das práticas de escrita desenvolvidas por pessoas de
determinados grupos populares, em seus diferentes contextos, sejam eles orais
ou escritos, durante muito tempo fundamentou-se em uma concepção
dicotômica, predominando, segundo Marcuschi (2003), a noção da supremacia
cognitiva da escrita como um bem em si mesma. Este fato confirma a
27
compreensão de escrita construída social e historicamente pelas elites, que é
excludente e está de acordo com o que Street (1993) chama de ―modelo
autônomo de escrita‖, visto acima.
Por sua vez, o conceito de ―oralidade e letramento como atividades
interativas e complementares no contexto das práticas sociais e culturais‖, a
partir de determinado momento dos estudos sobre a escrita, representa uma
reação aos estudos propostos até então, em que se ―examinavam a oralidade e
a escrita como opostas‖ (MARCUSCHI, 2003, p. 16).
Para o autor, a análise da natureza das práticas de escrita não considera
a sua hegemonia com relação à oralidade, e nem leva em conta a escrita como
simples representação da fala. Antes, ―oralidade e escrita são práticas de usos
da língua com características próprias, mas não o suficiente para caracterizar
(...) uma dicotomia‖ (MARCUSCHI, 2003, p.17). Por isso, se coloca como
(...) mais relevante do que identificar primazias ou supremacias entre oralidade e letramento, e até mesmo mais importante do que observar oralidade e letramentos como simples modos de usos da língua é a tarefa de esclarecer a natureza das práticas sociais que envolvem o uso da língua (escrita e falada) de um modo geral. Essas práticas determinam o lugar, o papel e o grau de relevância da oralidade e das práticas do letramento numa sociedade e justificam que a questão da relação entre ambos seja posta no eixo de um contínuo sócio-histórico de práticas. Este contínuo poderia ser traduzido em outras imagens, por exemplo,na forma de uma gradação ou de uma mesclagem. Tudo dependerá do ponto de vista observado e das realidades comparadas. (MARCUSCHI, 2003, p.18)
A concepção de escrita aqui delineada baseia-se, portanto, na relação
não dicotômica entre oralidade e escrita, ou seja, em um continum, uma vez
que ―fala e escrita são atividades comunicativas e práticas sociais situadas;
segundo, em ambos os casos temos um uso real da língua.‖ (MARCUSCHI,
2003, p.21). Ressalta-se, porém, que a oposição a esta visão dicotômica é
feita também por outros autores através da noção de ‗contínuo‘, mas em seu
sentido linear, o que foi criticado por Street (1993) e não está de acordo com o
28
conceito de escrita apresentado por Marcuschi, pois, em linhas gerais, não
considera as relações complexas entre as práticas orais e escritas.
Marcuschi (2003) argumenta, ainda, que as questões relativas à oralidade
e à escrita não são simples de serem tratadas, pois existem diferentes
perspectivas teóricas que não são unânimes em relação a elas.
Assim sendo, as relações entre oralidade e escrita não representam um
objeto de estudos único, por não serem lineares e sim dinâmicas, e se
basearem em um ‗contínuo‘ que se manifesta entre elas.
Neste contexto, o autor destaca especificamente a visão
sociointeracionista que ―(...) a rigor não forma um conjunto teórico sistemático e
coerente, mas representa uma série de postulados um tanto desconexos e
difusos‖ (MARCUSCHI, 2003, p.32 e 33). Compreende-se que isto se dá, pois
as relações que se estabelecem entre a fala e a escrita ocorrem por intermédio
da perspectiva dialógica e seus fundamentos principais estão fundamentados
nos usos estratégicos que, por sua vez, envolvem: ―(...) funções interacionais,
envolvimento, negociação, situacionalidade, coerência e dinamicidade.‖
(MARCUSCHI, 2003, p.32 e 33). De acordo com o autor, este fenômeno tem o
proveito de se entender com maior nitidez a língua enquanto fenômeno
interativo e dinâmico, cujas atividades se desenvolvem em tempo real.
Portanto, pensar a língua, nesta perspectiva, nada mais é do que propor uma
unicidade entre elementos como: habilidade, técnica, cognição e aspectos
sócio-culturais e históricos, todos esses relacionados à escrita.
2.2 A Escrita e os Gêneros Textuais
Os gêneros textuais, segundo Marcuschi (2005), são fenômenos
históricos associados à vida cultural e social. Trata-se de produtos que
contribuem para as atividades desenvolvidas no dia-a-dia, ou seja, ―são
entidades sócio-discursivas e formas de ação social (...)‖ (MARCUSCHI, 2005,
p.19). De acordo com o autor, os gêneros são dinâmicos e altamente
maleáveis, pois surgem a partir das necessidades e das ―atividades sócio-
culturais, bem como na relação com inovações tecnológicas (...)‖
(MARCUSCHI, 2005, p.19).
29
Do ponto de vista histórico, o autor coloca que o que fez multiplicarem-se
os gêneros típicos da escrita foi a invenção da escrita alfabética no século VII
A.C, sendo ampliados com o florescimento da cultura impressa e,
posteriormente, a industrializada. Segundo o autor:
Hoje, em plena fase da denominada
cultura eletrônica, como o telefone, o gravador, o rádio, a TV e, particularmente o computador pessoal e sua aplicação mais notável, a internet, presenciamos uma explosão de novos gêneros e novas formas de comunicação, tanto na oralidade como na escrita. (MARCUSCHI 2005, p.19).
Portanto, de acordo com Marcuschi (2005), nos últimos dois séculos, as
novas tecnologias ligadas à comunicação estiveram na base para fomentar o
surgimento de novos gêneros. Entretanto, convém observar que não são as
tecnologias em si que fazem surgir os novos gêneros, mas uma demanda
crescente por seus usos nas atividades discursivas da vida diária.
Marcuschi (2005) compartilha com Bakhtin (1997) e Bronckart (1999) a
idéia de que ―é impossível se comunicar verbalmente a não ser por algum
gênero, assim como é impossível se comunicar verbalmente a não ser por
algum texto‖ (MARCUSCHI, 2005, p.19). O autor destaca que a postura teórica
que desenvolve se insere nos quadros da hipótese sócio-interativa da língua,
para a qual, em linhas gerais, ―os gêneros textuais se constituem como ações
sócio-discursivas para agir sobre o mundo, constituindo-o de algum modo‖
(MARCUSCHI, 2005, p.22).
Conforme Marcuschi (2005), os chamados gêneros textuais emergentes
possuem identidade própria e instauram uma nova relação com os usos da
linguagem. É nesse sentido que Marcuschi afirma que, no contexto das
diversas mídias, emergem as formas de comunicação próprias ―com um certo
hibridismo que desafia as relações entre oralidade e escrita e inviabiliza de
forma definitiva a velha visão dicotômica (...)‖ (MARCUSCHI, 2005, p.21). Por
isso,
Inevitáveis relações entre escrita e contexto devem existir, fazendo surgir gêneros textuais e formas comunicativas, bem
30
como terminologias e expressões típicas. (MARCUSCHI, 2003, p.19).
Desta forma, Marcuschi (2003) sugere um contínuo de gêneros textuais
que corresponde a um ―eixo sócio-histórico de práticas (...)‖ (MARCUSCHI,
2003, p.18), em que se situa o que ele denominou domínios mistos, ou seja,
textos ―situados no entrecruzamento de fala e escrita‖ (MARCUSCHI, 2003,
p.18). Entre estes, há o que o autor chama de gêneros síncronos como, por
exemplo, os ‗chats‘, ou bate-papos on-line. Estes gêneros síncronos são novas
maneiras do homem se relacionar com a escrita, ―mas não propriamente uma
nova forma de escrita‖ (MARCUSCHI, 2003, p.18).
Além dessa relação complexa entre oralidade e escrita, também é
possível ―observar a maior integração entre os vários tipos de semioses: signos
verbais, sons, imagens e formas em movimento‖ (MARCUSCHI, 2005, p.21),
caracterizada por seus aspectos sócio-comunicativos e funcionais.
Porém, os novos gêneros ancoram-se em gêneros já existentes, só que
com novos objetivos. Temos, como exemplo, as mensagens eletrônicas
enviadas por e-mail, cujos antecessores são as cartas e os bilhetes, assim
como o telefonema, que tem na conversação a sua pré-existência.
Marcuschi (2005) faz a ressalva de que ―embora os gêneros textuais não
se caracterizem nem se definam por seus aspectos formais, sejam eles
estruturais ou lingüísticos, e sim sócio-comunicativos e funcionais, isso não
quer dizer que estejamos desprezando a forma‖ (MARCUSCHI, 2005, p.21).
Assim sendo, em alguns casos, ―são as formas que determinam o gênero e,
em outros tantos serão as funções. Contudo, haverá casos em que será o
próprio suporte ou o ambiente em que os textos aparecem que determinam o
gênero presente‖ (MARCUSCHI, 2005, p.21). Desta maneira, funções, formas
e suporte podem definir os gêneros que surjam na sociedade. Neste último
caso, por exemplo, um texto pode aparecer em uma ‗revista científica‘ e
constituir o ‗gênero artigo científico‘. Mas, esse mesmo texto, ao ser publicado
em um ‗jornal diário‘, se tornaria um ‗artigo de divulgação científica‘. Portanto,
embora sendo o mesmo texto, pertence a dois gêneros, uma vez que a sua
classificação é decorrente do suporte em que os textos são veiculados.
31
É importante destacar a noção de ‗domínio discursivo‘, que Marcuschi
(2005) distingue da noção de gênero textual. De acordo com o autor, domínio
discursivo constitui-se como ―(...) esfera ou instância de produção discursiva ou
atividade humana. Esses domínios não são textos nem discursos, mas
propiciam o surgimento de discursos bastante específicos. Do ponto de vista
dos domínios, falamos em discurso (...) religioso, literário, etc.‖ (MARCUSCHI,
2005, p. 23 e 24). Segundo o autor, as atividades religiosas, por exemplo,
―constituem práticas discursivas dentro das quais podemos identificar um
conjunto de gêneros textuais que, às vezes, lhe são próprios (em certos casos
exclusivos) como práticas ou rotinas comunicativas institucionalizadas‖
(MARCUSCHI, 2005, p.24).
Marcuschi (2005) frisa que, embora os gêneros sejam definidos a partir de
seus propósitos, funções, interesses e intenções, e não pelas formas, tem-se
que reconhecer ―o alto poder organizador das formas composicionais dos
gêneros‖ (MARCUSCHI, 2005, p.32). Nesse sentido, ele cita as três
características dos gêneros apresentadas por Bakhtin (1997), que são:
composição, estilo e conteúdo.
Portanto, Marcuschi (2005) propõe uma definição operacional de gênero
textual, em que predominam os critérios de ―ação prática, circulação sócio-
histórica, funcionalidade, conteúdo temático, estilo e composicionalidade,
sendo que os domínios discursivos são‖ as grandes esferas da atividade
humana em que os textos circulam‖ (MARCUSCHI, 2005, p.24 e 25).
Em suma, para Marcuschi (2005), ―gêneros são formas verbais de ação
social relativamente estáveis realizadas em textos situados em comunidades
de práticas sociais e em domínios discursivos específicos‖ (MARCUSCHI,
2005, p. 25).
Bakhtin (2003[1979]), na mesma perspectiva, defende, em linhas gerais,
que a linguagem se constitui pela prática social. Para o autor, o enunciado ou
texto é a unidade real da comunicação verbal, porque representa fenômeno
concreto da língua.
Bakhtin aborda a questão do uso da língua, relacionando-a a todas as
esferas da atividade humana. Para ele, a sua utilização refere-se aos
enunciados concretos e singulares, tanto orais como escritos, o que não
contradiz a noção de unidade da língua. Por seu turno, os enunciados refletem
32
condições que estão relacionadas a finalidades específicas de cada uma
destas esferas, levando em consideração o conteúdo temático, o estilo da
linguagem, a seleção de recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais e, acima
de tudo, a construção composicional. Nesse sentido, o autor considera que
―cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da
língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais
denominamos gêneros do discurso‖ (BAKHTIN, 2003[1979], p.262).
Os gêneros do discurso são inesgotáveis, pois se relacionam às
atividades humanas. Então, conforme Bakhtin (2003[1979]), quanto mais
complexa e diferenciada cada esfera de comunicação, mais complexo e
diferenciado será um repertório de gêneros do discurso. Por essa razão, o
autor coloca como relevante a heterogeneidade dos gêneros do discurso orais
e escritos, o que impossibilita um plano exclusivo para o estudo de material
lingüístico concreto, ou seja, enunciados concretos (orais e escritos), de acordo
com diferentes esferas da atividade e da comunicação.
Não há, nesta perspectiva, enunciado inteiramente neutro, uma vez que o
seu sentido concreto reflete a relação de valores que os sujeitos mantêm com o
objeto do discurso, o que gera a escolha dos recursos lexicais, gramaticais e
composicionais do enunciado, ou seja, os seus aspectos expressivos.
Bakhtin (2003[1979]) diferencia gêneros discursivos primários ou simples
de gêneros discursivos secundários ou complexos. Os primários, como, por
exemplo, o diálogo cotidiano, a carta no romance, dentre outros, se formam
nas condições da comunicação discursiva imediata e podem integrar os
gêneros complexos. Já os secundários, absorvem e transformam os gêneros
primários, dado o seu surgimento ocorrer em um convívio cultural mais
complexo e relativamente muito desenvolvido e organizado,
predominantemente escrito. Estes, nestes casos, perdem a sua relação
imediata com a realidade existente e com a realidade dos enunciados alheios.
Ou seja, gêneros secundários são uma interface dos gêneros primários. São,
por exemplo, os romances, as pesquisas, etc.
Desta forma, há gêneros que ocorrem nas duas esferas de comunicação
verbal. E são nas comunicações interativas da vida diária que o processo
combinatório dos gêneros discursivos desenvolve-se com maior intensidade,
porque decorrem diretamente de formas representativas do mundo cotidiano.
33
Entretanto, de acordo com Bakhtin (2003[1979]) há gêneros do discurso
que requerem uma forma padronizada e apresentam condições menos
favoráveis para refletir a individualidade do falante ou de quem escreve, como,
por exemplo, os documentos oficiais ou de ordem militar, dentre outros. Neste
caso, os gêneros do discurso refletem apenas aspectos superficiais da
individualidade.
Os gêneros são sócio-culturalmente marcados, e qualquer mudança
social que exista os gêneros irão acompanhar e refletir. Por isso, ―as mudanças
históricas dos estilos da linguagem estão indissoluvelmente ligadas às
mudanças dos gêneros do discurso‖ (BAKHTIN, 2003[1979], p.267). Logo, há
uma capacidade transformadora dos gêneros, pois eles fazem revelações
significativas sobre os homens e as suas ações no tempo e no espaço.
Esta pesquisa, a partir das exposições teóricas sobre gêneros feitas, de
acordo com os autores citados, considerará os dados de escrita coletados e
observados em função dos diversos gêneros do discurso a que pertencem,
analisados aqui como entidades sócio-historicamente situadas, de acordo com
os sujeitos, as finalidades discursivas, e as diferentes esferas contextuais da
atividade e da comunicação (BAKHTIN, 2003[1979]), no caso, o domínio
familiar e o contexto escolar, embora se reconheça que os gêneros também
são caracterizados pelas suas formas composicionais e pelo estilo.
2.3 Os eventos de escrita: oralidade, escrita e contexto social
Este item do trabalho tratará da escrita enquanto conjunto de eventos que
constitui as práticas cotidianas de determinados grupos sociais. O conceito de
―evento de escrita‖ foi proposto por Heath no capítulo sobre Tradições de
Escrita do seu livro Ways with words: language, life and work in communities
and classrooms (1983), que se refere a estudo realizado em três comunidades
americanas pela autora, em meados da década de 1970.
Este estudo é considerado referência de pesquisa etnográfica sobre a
escrita enquanto conjunto de eventos que constituem as ações do cotidiano.
Pesquisadores, como Street (1993), Kleiman (1995), Rojo (2006), Signorini
(2006), Marcuschi (2006), Souza (2006), Terzi (2006), Magalhães (2006),
dentre outros que se interessam pelas práticas cotidianas de escrita enquanto
34
práticas sociais, citam este seu estudo. Por isto ser pertinente incluir a sua
resenha neste item do trabalho.
Trata-se de uma pesquisa desenvolvida nas cidades de Trackton,
Roadville e Maintown, sendo a primeira uma comunidade negra com dezessete
famílias e a segunda uma comunidade branca do mesmo tamanho.
Em Trackton, os eventos de escrita das crianças não são estimuladas
pelas mães. O que ocorre, geralmente, é a exposição das crianças às
conversas dos adultos sobre diferentes assuntos, inclusive quando estes se
referem a textos lidos por eles em voz alta. Durante a leitura dos textos em
espaço coletivo, como por exemplo, os referentes à correspondência recebida,
o seu sentido é negociado oralmente pelas pessoas presentes, que fazem
comentários e questionamentos sobre eles, com a finalidade de ajudar a decidir
a ação que deve advir destes textos, como as repostas a serem dadas,
providências a serem tomadas, etc.
Os únicos textos cujos sentidos não são negociados pelos adultos a partir
da sua leitura, em Trackton, são aqueles que se referem a vantagens ou
disputas, como: propostas de emprego ou imposto de renda. Ou seja,
The meaning of whatever is read is
interpreted jointly and socially: "What does it mean?" becomes "What does it say about me, or someone or something. I know, and what do I do?" But such meaning is not built individualIy, except in financial matters, because the community members share their experiences to build interpretive bridges from
print to practice.4 (HEATH, 1983, p. 232)
Posteriormente, como nas residências de Trackton não há acúmulo de
materiais de leitura, as cartas que foram lidas são queimadas, utilizadas para
outros fins, ou imediatamente descartadas.
Segundo Heath (1983), as crianças, em Trackton, não têm livros. Porém,
as crianças pequenas, em fase pré-escolar, participam de manifestações
4O significado de tudo o que se lê é interpretado conjunta e socialmente: "O que significa isso?"
se torna "O que isso diz sobre mim, ou alguém ou alguma coisa. Eu sei, e o que eu faço‖? Mas tal significado não é construído individualmente, exceto em operações financeiras, porque os membros da comunidade compartilham suas experiências para construir pontes de interpretação do impresso para a prática.
35
cotidianas de escrita quando "lêem para aprender", ou seja, quando
conseguem identificar rótulos de produtos alimentícios de supermercado,
mensagens da televisão, dentre outros eventos, tanto em casa como em locais
públicos como a praça, lojas e o supermercado. Elas aprendem a rivalizar na
leitura quando esta é um jogo de competição para testarem o conhecimento ou
para fazer um favor. Lembram-se do significado de uma sentença a partir da
recriação da cena e do contexto em que ocorrem. Os suportes em que se
encontram os textos, como, por exemplo, um pote ou lata, ajudam a leitura
destas crianças, em fase pré-escolar, graças às cores, ao tamanho e aos tipos
de letras, ou seja, à linguagem visual. Portanto, o significado da escrita está
intrinsecamente relacionado ao contexto e, especificamente, ao evento de que
faz parte.
Assim, para as crianças serem bem sucedidas em sua comunidade, elas
lêem o que precisam saber em sua vida cotidiana antes de irem para a escola,
no fluxo diário de comer, comprar e jogar. Em resumo, segundo Heath (1983),
as práticas constituídas por esta leitura é que fazem com que os sujeitos leiam
para aprender.
Os únicos textos disponíveis para as crianças em idade escolar e os
adultos de Trackton lerem são os utilizados pela igreja local durante os seus
cultos religiosos, como: pregação, canto e oração, inclusive com troca de
turnos de fala entre os seus participantes.
Esses eventos caracterizam-se, neste contexto específico, pela relação
entre oralidade, escrita e expressão corporal como, por exemplo, palmas e
dança, e leitura coletiva em voz alta, tanto é que quem não faz parte deste
grupo de fiéis não consegue acompanhá-lo. Desta maneira, as palavras
escritas são ação, e fundem-se criativamente com a oralidade:
(…)Preachers, men of music, and the best playsong performers claim they cannot stick to written text. Seemingly thoughts which were once shaped into words on paper become recomposed in each time and space. Abiding by the written word limits one's performance from being created a new with
36
each audience and setting. (HEATH, 1983, p. 233)5
Estes textos religiosos aproximam um público diversificado formado por
crianças, adultos, idosos e pessoas de escolaridade e profissões variadas, já
que fiéis de outras localidades freqüentam o templo.
O texto religioso é renovado, ressignificado a cada culto, mas ao mesmo
tempo cristaliza-se, já que permanece como significante, ou seja, preserva-se
enquanto forma. Por isto o caráter recorrente, mas, ao mesmo tempo, singular
dos eventos de escrita que constituem os cultos religiosos, e que fazem parte
das tradições de escrita de Trackton.
Desta forma, não há qualquer espaço ou tempo atribuído para a leitura;
suas ocorrências seguem o fluxo diário de interações sociais e de tomada de
decisão na comunidade.
Em Trackton, de acordo com Heath (1983), escreve-se pouco. Cartas ou
cartões são escritos apenas quando há impossibilidade de comunicação oral. O
que é característico de poucas mulheres jovens em Trackton é a troca de
cartas com mulheres de outras cidades. Cada carta trocada representa o turno
de um diálogo, e só as suas autoras entendem o seu significado, visto que
instauram um ritual de perguntas e respostas.
Em Roadville, de acordo com Heath (1983), a leitura é valorizada pelos
adultos. Os homens apresentam especial interesse por artigos que informem
sobre comércio, esporte, dentre outros. Já as mulheres voltam a sua atenção
para as matérias que envolvem, dentre outras coisas, a culinária.
Já as leituras em voz alta de histórias infantis feitas pelos pais, nesta
comunidade, acompanhadas de perguntas e respostas sobre os textos lidos,
são constantes na vida das crianças, e, normalmente, ocorrem com mais
intensidade até elas completarem os três anos de idade, quando ainda não
freqüentam a escola, ou seja, quando ainda não sabem ler e escrever.
Portanto, as situações que representam as primeiras experiências com a
escrita ocorrem à margem do ensino formal. E desde criança os sujeitos podem
5(...) Pregadores, músicos e os melhores performers das canções alegam que não podem
manter-se fiéis ao texto escrito. Aparentemente, pensamentos que uma vez foram colocados em palavras no papel se recompõem em cada tempo e espaço. Novas frases são criadas a partir da observância da escrita e se repetem a cada público e se apresentam com configurações variadas. (HEATH, 1983, p. 233)
37
ter contato com o material estocado nas casas, já que os adultos consideram
estes materiais e os seus usos importantes para o desenvolvimento intelectual
e espiritual de cada criança.
A partir dos três anos de idade, os eventos de escrita que serviam para
instruir e/ ou entreter não mais ocorrem com a mesma intensidade, uma vez
que as crianças passam a freqüentar a escola, e a atenção dos pais, que
promoviam atividades de leitura, não é mais a mesma, pois, para eles, haverá
sobreposição das experiências pré-escolares com as experiências que a escola
poderá promover. Neste contexto, as crianças, ao chegarem à escola,
demonstram um desempenho satisfatório nas atividades de escrita nas três
primeiras séries, o que corresponde às práticas encorajadas pela família, ao
passo que, da quarta série em diante, este desempenho piora para a maioria
das crianças, já que os pais deixam as atividades de escrita sob a
responsabilidade da escola.
Por sua vez, as práticas de produção textual, em Roadville,
diferentemente das de Trackton, servem não apenas de auxílio para a
memória, mas também para se estabelecerem interações entre os adultos. Os
textos escritos são cartas agendas, listas de compras e de telefones, bilhetes,
receitas, dentre outros.
Por fim, em Maintown, as atividades de escrita são valorizadas pelos
sujeitos em suas atividades cotidianas, e a expectativa dos pais é a de que
seus filhos desenvolvam estas práticas em eventos específicos, que começam
desde cedo, quando as crianças aprendem a conviver com a escrita como
entretenimento, até o seu aprendizado formal. Um exemplo do incentivo a
estes usos de escrita, de acordo com Heath (1983), é o de que, ao primeiro
sinal de interesse da criança por algum evento de escrita, em casa, o adulto
interrompe o que está fazendo para encorajá-la.
Podemos afirmar, nesta perspectiva, que cada comunidade possui
padrões próprios de uso da escrita de acordo com as diferentes relações entre
escrita, oralidade e os eventos em que ocorrem. Portanto, a pesquisa de Heath
(1983) mostra, em uma perspectiva etnográfica, que os diferentes grupos se
caracterizam pelas tradições de escrita que mantêm, baseadas nas formas de
negociação de seu significado, nos valores histórico-culturais que os
constituem, no poder de decidir sobre a ação, nos usos dos espaços e do
38
tempo, e nas relações entre os diferentes sujeitos, nos diversos eventos do
cotidiano.
Heath (1983) deixa claro que não podemos considerar as três
comunidades nem totalmente orais e nem totalmente letradas, visto que os
padrões de escrita se constituem historicamente dentro de cada grupo social e
mantêm relações complexas com oralidade, a partir dos seus usos em
contextos diversos do cotidiano.
O estudo etnográfico realizado por Heath (1983) sobre eventos de escrita,
mostra a possibilidade de se investigar e descrever as atividades de recepção
e produção de textos que são próprias de determinado grupo social. Nesta
perspectiva, é pertinente para o nosso trabalho observar quais as escritas
fazem parte da vida dos sujeitos investigados, e examinar se as práticas
escolares de escrita têm relação com estas escritas do cotidiano, ou se pelo
menos aquelas lhes são familiares e se têm significado para eles enquanto
textos.
2.4 Escrita e o contexto Escolar
Este sub-item do trabalho abordará, em linhas gerais, conceitos de
letramento, tendo em vista as práticas escolares de escrita.
Marcuschi (2003), como já visto no item 2.1, introduz o conceito de
escrita, que passa a ter o significado de letramento, considerado um processo
histórico e social que constitui grande parte das práticas culturais nos diversos
contextos de interação verbal, incluindo os contextos informais. Letramento,
portanto, representa um conjunto de práticas e, nesse caso, há mais de um
letramento.
Existem, por exemplo, ‗letramentos sociais‘ que se desenvolvem à
margem da Escola, e que não devem ser desconsiderados. Já a escrita, em
seu caráter institucional, é fruto de um aprendizado mediante ensino e requer o
domínio ativo e sistemático das habilidades de leitura e escrita, ou seja, da
modalidade escrita da língua.
Dessa maneira, a escrita, na escola, representa, portanto, a
manifestação formal do letramento. Possui, neste sentido, grande prestígio
cultural como bem inquestionável. A sua apropriação permite aos sujeitos
39
participarem ativa e sistematicamente de diversas atividades que requerem
diferentes usos da língua.
Em suma, ressalta-se que letramento não é sinônimo de aquisição de
escrita. Neste sentido, Marcuschi (2003) faz distinções entre padrões de
alfabetização e processos de letramento. Ou seja, entre a apropriação e
domínio formal das habilidades de leitura e escrita, ou de uma tecnologia, e os
usos e funções de escrita enquanto um conjunto de práticas sociais mais
amplas.
Marcuschi (2003) acrescenta que muito se conhece sobre o processo de
alfabetização no contexto escolar. Entretanto, pouco se sabe sobre a influência
e o espaço ocupado pela escrita na sociedade, sobre os usos de escrita que
são feitos nos diferentes contextos, enquanto práticas sociais situadas, e as
relações entre as diversas atividades comunicativas. Os diferentes usos sociais
de escrita merecem, portanto, ser investigados, para que se possa refletir sobre
as escritas que são propostas aos diferentes sujeitos pela Escola.
Kleiman, no artigo Os Significados do Letramento (1995), propõe o
conceito de letramento como prática social e eventos, relacionando a escrita
aos seus usos, às funções que estes exercem nos diferentes contextos e ao
impacto que historicamente provocam nos diversos grupos sociais. Neste
sentido, Kleiman (2006) observa que a escrita está presente na oralidade em
sociedades tecnológicas, como é o caso da nossa. E como exemplo da relação
complexa entre escrita e oralidade, a autora cita o fato do sujeito, ao escutar
notícias no rádio, estar participando de um evento de letramento, já que este se
constitui de marcas típicas da modalidade escrita da língua. Desta maneira, o
letramento adquire múltiplas funções e significados a depender dos contextos e
dos eventos de que faz parte.
Já em Kleiman (2006), presente em Rojo (2006), a autora refere-se a dois
projetos de pesquisa sobre o processo de letramento entre sujeitos letrados e
não-letrados. O seu objetivo maior é investigar como ocorre a inserção de
adultos não-escolarizados na prática letrada do contexto escolar
A escola, segundo Kleiman (2006), é uma instituição ou agência de
letramento que, dentre outras funções, aproxima a oralidade de sujeitos não-
alfabetizados da oralidade letrada de outras pessoas. Nesta perspectiva, ela
modifica a oralidade de seus alunos, tendo em vista as interações discursivas
40
que requerem um monitoramento da fala, por meio da introdução do código
escrito. Ou seja, a escola impõe marcas formais da fala letrada,
complementares às de outros registros em diferentes contextos, cuja função se
restringe às situações da sala de aula e, desta forma, introduz alguns gêneros
textuais com a finalidade de descrever tarefas independentes das situações
que requerem o uso efetivo ou cotidiano da língua.
A autora destaca, também, em seu texto, que a família letrada constitui ―a
agência de letramento mais eficiente para garantir o sucesso escolar‖
(KLEIMAN, 2006, p. 182). Neste contexto, as práticas de escrita fazem parte
das ações cotidianas dos sujeitos em eventos como: leitura de jornal, redação
de um bilhete, consulta a uma agenda como suporte para a memória, rabisco
como ocupação manual durante concentração, leituras de livros de cabeceira,
dentre muitos outros. Ou seja, ―para a criança cujo letramento se inicia no lar,
no processo de socialização primária, não procede a preocupação sobre se ela
aprenderá a ler ou não, muito presente, entretanto, nos pais de grupos
marginalizados‖. (KLEIMAN, 2006, p. 183).
Embora a escola seja uma instância de socialização e a mais importante
agência de letramento, sua maior preocupação não tem sido com o letramento
enquanto prática social, mas apenas com o aprendizado do letramento formal,
que corresponde à alfabetização, ou ao domínio do código gráfico, concebido
como a aquisição de uma competência individual que é imprescindível para o
sucesso e promoção na escola e na vida social. Entretanto, a autora destaca
que ―outras agências de letramento, como: a família, a igreja, a rua como lugar
de trabalho, mostram orientações de letramentos muito diferentes.‖ (KLEIMAN,
2006, p. 20)
As manifestações de letramento, em seu nível mais elementar, e que
ocorrem fora do contexto escolar, são próprias de sujeitos que, sem saberem
ler e escrever, ao freqüentar, por exemplo, templos ou grupos religiosos
passam a participar de eventos de escrita, os quais mantêm uma relação
peculiar com a oralidade e com o contexto discursivo, a partir da necessidade
que estas pessoas têm de assumir ou desempenhar funções que requerem
esse domínio específico.
41
Assim como se observam sujeitos que, sem qualquer conhecimento
digital passam, por exemplo, a fazer uso básico do computador, a partir da
necessidade de contato e utilização desta tecnologia.
Kleiman (2006) cita os estudos de Carraher & Schliemann (1998), os
quais observam crianças que resolvem cotidianamente problemas de
matemática a partir da interação com seus pais que têm barraca em feira e, em
um primeiro momento, os acompanham ao trabalho sem qualquer
envolvimento nas atividades da barraca. Entretanto, normalmente, a partir dos
dez anos, eles assumem determinadas atividades e passam ao exercício de
vendedores ambulantes, o que lhes garante apropriação de sistemas abstratos
de cálculos matemáticos em meio às interações com os responsáveis e
fregueses.
As situações descritas pelos autores em seu artigo, segundo Kleiman
(2006), como a do exemplo acima, mostram que os sujeitos obtêm eficiência
nas transações ligadas à sobrevivência, bem como se tornam competentes no
aprendizado de outras orientações de letramento, as quais são manifestações
―extremamente eficientes, porém muito diferentes dos sistemas utilizados pela
escola no processo de alfabetização.‖ (KLEIMAN, 2006, p. 20). Por essa razão,
segundo a autora, as práticas de escrita priorizadas pela escola sustentam um
modelo de letramento dominante, institucionalizado, considerado por muitos
pesquisadores parcial e equivocado, visto considerarem apenas um tipo de
letramento e desconsiderarem as práticas de letramento plural que estão
presentes nos movimentos populares e nos diferentes contextos sócio-
culturais.
Rojo (2006), em seu artigo, discute as concepções não valorizadas de
escrita: a escrita como um outro modo de falar. Ela trata de algumas
concepções valorizadas sobre escrita, ou seja, mitologias cristalizadas na
prática social em contextos institucionais, tais como: família, escola, dentre
outros. Trataremos das considerações teóricas sobre concepções de escrita
que a autora apresenta, sem, entretanto, levar em conta os exemplos extraídos
de pesquisa realizada por ela e que ilustram o seu texto, e as discussões que
se seguem daí.
Dentre as concepções valorizadas na prática social, nos contextos
institucionais, sobre a escrita enquanto objeto , destacam-se, por exemplo:
42
―aquela que o caracteriza como um artefato contraposto à ‗naturalidade‘ da fala
e aquela que o caracteriza como uma transposição (...) da língua oral‖ (ROJO,
2006, p. 66). Crenças e mitos correspondem a estas concepções valorizadas
da escrita, com relação à sua construção pela criança no processo de
letramento. Destacam-se, entre eles, o mito da escrita dependente da fala.
Segundo Rojo, este se refere a um processo considerado natural e primitivo, ou
seja, a construção da escrita pelo sujeito em seu desenvolvimento desde a
fecundação até a maturidade para a reprodução só é possível tardiamente,
escolarmente. Desta maneira, esse processo se dá como aprendizado ―a partir
de técnicas (métodos, quaisquer que estes sejam), planejadas artificialmente‖
(ROJO, 2006, p. 66).
Um outro mito é o da escrita estando em segundo lugar em relação à fala,
por isso ―a escrita teria relações (uni) lineares (da fala para a escrita) e
regulares, não discursivas, mas representacionais, com esta primeira
modalidade‖ (ROJO, 2006, p. 66).
Outra concepção valorizada sobre a escrita é a que a caracteriza como
independente e acessível ao conhecimento geral, e que sustenta o mito de que
ela ―seria em si transparente e acessível imediatamente à criança, desde que
apresentada por ‗boas técnicas‘ (métodos)‖. (ROJO, 2006, p. 67).
Rojo ainda menciona a concepção que caracteriza o ―objeto‖ escrita como
uma forma simplificada e ‗arbitrária‘ de desenho, que evolui do pictograma ao
alfabetário. A escrita, portanto, seria um aparato gráfico arbitrário. Neste
contexto, ―seria mais ‗natural‘ que a ‗etapa‘ de grafização da fala como signo –
a escrita - sucedesse à ‗etapa‘ de grafização do mundo como símbolo‖ (ROJO,
2006, p. 66 e 67).
Assim, essas concepções institucionalizadas, e, por essa razão,
valorizadas, ainda se fazem presentes tanto na prática educativa quanto no
senso comum ou mesmo nos estudos acadêmicos sobre o campo da escrita.
A noção mais recente de letramento contrapõe-se às concepções míticas
sobre a escrita como as vistas acima, segundo Rojo (2006), e está de acordo
com a noção de letramento proposta por Kleiman (1995), que o caracteriza
como prática social e eventos que relacionam a escrita aos seus usos, às
funções que estes exercem nos diferentes contextos e ao impacto que
historicamente provocam nos diversos grupos sociais.
43
Esta noção mais recente de letramento contrapõe-se às concepções
institucionalizadas de escrita enquanto objeto. Segundo Catach (1986, p. 14),
por exemplo, para uma dada língua existirá um dado sistema gráfico
correspondente, ou seja, a questão seria apenas de mudança de ‗forma de
expressão‘ (de significantes), ou mesmo de signos lingüísticos (significantes e
significados).
Por outro lado, tendo em vista o processo de letramento emergente, há
autores, como os citados Garnton & Pratt (1989), que enfatizam a continuidade
entre as modalidades falada e escrita da língua, ao lembrar, dentre outras
questões, que se espera de pessoas letradas que demonstrem domínio da
linguagem falada. A autora também cita Lentin (1986, p. 114-117), quando ele
fala de um mesmo sistema sintático ainda imperfeitamente conhecido que rege
a língua oral e a língua escrita, as quais são consideradas como um conjunto
de variantes enunciativas ajustadas pelos sujeitos às necessidades do uso em
contextos discursivos. O autor considera que, de modo geral, as pessoas
dispõem de três conjuntos de variantes enunciativas (enunciações que podem
ser faladas ou escritas, e as que podem ser faladas e escritas), que ocorrem
em número praticamente ilimitado.
Logo a seguir, Rojo critica Lentin, no mesmo trabalho, quando este trata
do domínio da escrita pela criança. Segundo o seu pressuposto de base
socioconstrutivista, a criança passa automaticamente, sem ruptura, de
falar/pensar para pensar/ler /escrever, o que lhe exige autonomia enquanto
leitor e/ou enunciador de escrita, a partir de um treinamento realizado na
interação constante entre ela e o adulto, que lhe tenha garantido o domínio oral
do sistema sintático da língua. Segundo Rojo (2006), esta é uma visão
(uni)linear da relação entre oralidade e escrita, que se baseia numa visão geral
das exigências sócio-históricas para a construção da escrita com relação a um
povo ou aos sujeitos, e, por outro lado, nas necessidades discursivas que as
cercam.
Deste modo, ―concepções bastante variadas sobre o objeto ‗escrita‘
emergem nas interações sociais adulto/criança, e como estas são, por meio
dos mesmos procedimentos interacionais, desvalorizadas, ou cristalizadas /
mitificadas‖ (ROJO, 2006, p. 69). De acordo com Rojo, parte dessas
44
concepções se refere aos poderes da própria criança ―a quem nem sempre é
permitido ‗brincar‘ de ler/ escrever‖ (ROJO, 2006, p. 69).
Nesse sentido, Rojo (2006) critica, através de Lemos (1988), o fato de se
considerar a oralidade como um processo natural que precede a educação
formal da escrita. Assim, a autora coloca que é necessário pensar no jogo do
faz- de- conta no desenvolvimento do letramento, bem como no grau de
letramento das instituições sociais, tais como: família, (pré) escola, etc, em que
a criança esteja inserida. Deve-se pensar, portanto, nas práticas de leitura e de
escrita que fazem parte de seu cotidiano, e nas diferentes formas de
participação em práticas orais nas quais estas práticas de letramento ganham
significado.
Portanto, de acordo com Rojo (2006), o modo de participação oral de
crianças nas práticas de leitura/escritura que dependem do grau de letramento
escolar e/ou pré-escolar e familiar é que caracterizará a construção de uma
relação com a escrita enquanto prática discursiva e enquanto objeto.
São nas práticas orais, que Rojo enfatiza a importância do faz- de- conta
que se lê e se escreve. Para o processo de letramento emergente, são nelas
que se estabelecem ou não o sentido do objeto e das práticas de escrita para a
criança. Logo, estes jogos permitem às crianças desempenharem diversos
papéis: daqueles que fazem de conta que lêem e escrevem, dos que lêem e
escrevem, e dos que não podem porque não sabem, nas diferentes instituições
sociais. Assim,
―É na presença/ausência do brincar de ler para a criança (jogos de contar), no brincar de ler com a criança, no brincar de desenhar e escrever (jogos de faz-de-conta) que se reencontra o sentido social da escrita daquela subcultura letrada‖ (ROJO, 2006, p. 71).
Quanto à abordagem da escrita no contexto escolar, podemos considerar,
em linhas gerais, tendo em vista a nossa pesquisa, os Parâmetros Curriculares
Nacionais da Educação Básica (1997), neste caso, os direcionados para o 1º e
2º ciclos que tratam, dentre outras questões, das concepções teóricas sobre
língua, escrita e texto que devem subsidiar o trabalho com língua escrita neste
espaço.
45
Segundo um dos seus objetivos gerais, a escola deve priorizar o uso das
diferentes linguagens como meio para o sujeito se expressar e se comunicar,
atendendo às diferentes intenções e situações de comunicação. Diante disso, o
Ministério da Educação estabelece como meta, a ser atingida ao longo dos oito
anos do ensino fundamental, que os alunos ampliem a sua competência
comunicativa, tendo em vista as diferentes instâncias da vida social, a fim de
obter acesso aos bens culturais e alcançar a participação plena no mundo
letrado. Assim, para que essa perspectiva se concretize, o ensino de Língua
Portuguesa deve ―utilizar diferentes registros, inclusive os mais formais da
variedade lingüística valorizada socialmente, sabendo adequá-los às
circunstâncias da situação comunicativa de que participam‖ (PCN, 1997, p.41).
Nesse sentido, os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN (1997)
compreendem a língua enquanto um conjunto de usos orais e escritos
significativos que constituem práticas complementares, respeitando-se a
realidade lingüística dos falantes e os diversos contextos discursivos em que se
encontrem.
No que se refere às práticas de leitura e de escrita que se desenvolvem
no espaço escolar, o documento chama a atenção para o fato de que:
A relação que se estabelece entre leitura e escrita(...) não é mecânica: alguém que lê muito não é, automaticamente, alguém que escreve bem (...). É nesse contexto — considerando que o ensino deve ter como meta formar leitores que sejam também capazes de produzir textos coerentes, coesos, adequados e ortograficamente escritos - que a relação entre essas duas atividades deve ser compreendida. (PCN, 1997, p.40)
Deste modo, assim como não é mecânica a relação entre escrita,
oralidade, e seus usos fazem parte do contexto em que ocorrem, não há como
se legitimar uma separação entre as práticas de escrita e os usos efetivos da
comunicação humana. O texto escrito, nesta perspectiva, representa a
concretização de um discurso, situado sócio-historicamente .
Nesse sentido, não é papel da escola reproduzir irrefletida ou
automaticamente os aspectos gramaticais da língua, mas se constitui como
46
espaço modelizador dos eventos de escrita, como convém assinalar o que nos
trazem a esse respeito os PCN (1997), em que o trabalho com a leitura e a
escrita tem como finalidade a formação de leitores e escritores competentes,
visto que ― a possibilidade de produzirem textos eficazes tem sua origem na
prática de leitura, espaço de construção da intertextualidade e fonte de
referências modelizadoras.‖ (PCN, 1997, p.40)
A despeito do mito que caracteriza a escrita como transposição da língua
oral, os Parâmetros Curriculares Nacionais colocam que a escrita não é o
espelho da fala. O escritor competente será caracterizado como aquele que
planeja o seu discurso, bem como o seu texto em função do uso prático a que
se destina, sem desconsiderar as características específicas do gênero. É
aquele que olha para o próprio texto com um objetivo e verifica elementos que
o tornam adequado ou inadequado. Reprovando-o, o próprio sujeito o
reconstrói até considerá-lo satisfatório para a situação discursiva de que faz
parte.
Logo, partindo-se do pressuposto de que a concepção de evento de
escrita não se legitima apenas no contexto escolar, mas nos usos práticos,
observando a sua funcionalidade, conforme asseguram os PCN (1997), é
possível considerar que o aprendizado da escrita se dá no processo de
interação e é historicamente construído pelos sujeitos que a utilizam.
Portanto, as recomendações para o contexto escolar, presentes nesse
documento, servem de orientação para o trabalho com língua em sala de aula,
bem como têm uma visão de escrita que se relaciona com o conceito de
letramento até aqui visto.
Observa-se, no entanto, no processo de ensino-aprendizagem da língua
portuguesa, que o domínio teórico da maioria dos professores sobre os
conceitos de língua e escrita em que se baseia este documento ainda não se
transformou em domínio prático nas escolas públicas, uma vez que muitos
professores ainda trabalham com uma perspectiva conservadora e excludente
de língua, que não leva em conta as práticas cotidianas de escrita dos
alunos que se desenvolvem no contexto familiar, na rua, e nas demais
instâncias da vida social. Tradicionalmente, tem-se dado uma ênfase muito
grande aos textos escritos produzidos fora de contextos discursivos, ou seja,
sem considerar a interação entre seus interlocutores, no caso escritor(es) e
47
leitor(es). Ausentam-se da prática institucional de escolarização das primeiras
séries do ensino básico da rede pública as práticas de leitura e escrita que
envolvam interlocutores reais, incluindo os professores, os quais sejam
capazes de interagir através dos textos escritos de acordo com os seus
propósitos discursivos.
Nesta perspectiva, nosso trabalho poderá contribuir para o estudo das
práticas escolares de escrita, levando em conta as manifestações de
escrita que se desenvolvem no contexto familiar dos sujeitos, ao questionar se
existe uma relação entre estas atividades, e se as escritas escolares têm
significados para eles, considerando estes diferentes domínios discursivos.
Além disso, promover o reconhecimento da história oral das comunidades
pesquisadas; subsidiar o trabalho docente e, dentre outras coisas, possibilitar a
reflexão de que o contexto social em que o sujeito está inserido tem muito a
colaborar com relação ao ensino e aprendizagem da língua escrita.
48
3 A PESQUISA DE CAMPO E O CENÁRIO DA PESQUISA
3.1 A experiência de campo
O primeiro contato que estabelecemos com o campo ocorreu a partir do
pedido de autorização à Secretaria de Educação do Município da cidade de
Feira de Santana para que fosse possível o acesso às escolas pesquisadas. A
partir de então, em 2007.1, realizamos uma pesquisa-piloto para coletar e
testar os primeiros dados, de acordo com os objetivos traçados,
especificamente no que se refere ao contexto escolar. Fizemos contato nas
escolas com um total de dez pessoas: duas diretoras, sendo uma do Centro de
Educação Complementar e a outra da escola municipal, uma coordenadora,
uma psicopedagoga, um secretário administrativo do Centro de Educação
Complementar, e cinco professoras, sendo três do Centro de Educação
Complementar e duas da escola municipal. Aplicamos questionários aos
professores, e realizamos entrevistas com os demais.
Apesar de coletarmos dados dos docentes das duas escolas, não os
consideramos nessa pesquisa, uma vez que os nossos sujeitos foram os
alunos e as pessoas de seu contexto familiar. É importante mencionar, no
entanto, que estes professores, apesar de não serem sujeitos da pesquisa,
deram contribuição ao trabalho, pois conhecem os alunos selecionados pelo
pesquisador, e puderam auxiliar na sua descrição e na aplicação de alguns
questionários sobre dados bio-sociais.
Posteriormente, entre 2007.1 e 2007.2, além das dezessete visitas para a
realização da pesquisa-piloto, fizemos, no total, vinte visitas, seguidas de
observações, ao Centro de Educação Complementar e à Escola de Ensino
Tradicional. Nestes locais, houve quarenta e um minutos e quarenta e dois
segundos de gravações só com os alunos que são sujeitos da pesquisa e que
pertencem às duas escolas.
Salientamos que as visitas ao campo nem sempre foram produtivas, pois
muitas vezes deparamos com escola fechada por conta da greve de
professores, ausência desses profissionais em dias de aula, dentre outras
situações. Porém, a investigação nas escolas foi fácil de ser realizada, uma vez
que fatores como segurança, facilidade de se obterem informações precisas e
49
de se poder contar com a colaboração de outras pessoas, dentre outros,
contribuíram para tanto.
Fizemos vinte sessões de gravação de 20 aulas, sendo cinco na escola
municipal e quinze no Centro de Educação Complementar. Realizamos quatro
entrevistas, e aplicamos quatro questionários sobre dados pessoais a estes
sujeitos. Quatro sessões de gravação e quatro entrevistas foram realizadas
com os sujeitos pais e/ou responsáveis, três questionários foram aplicados aos
professores do Centro de Educação Complementar, e dois questionários
aplicados aos professores da Escola municipal. Cada sujeito foi entrevistado
uma vez e, a depender da sua disponibilidade, as entrevistas ocorreram outras
vezes.
A escolha das escolas justifica-se, inicialmente, por ser uma ação
pioneira na cidade em que, através da educação, objetiva-se diminuir a
vulnerabilidade social dos bairros onde estão localizadas. Ao passo que,
conhecer o contexto familiar dos alunos envolvidos na pesquisa foi possível
desde o início do estudo, pois forneceu indícios de como se estabelecem as
relações com os usos cotidianos das práticas de escrita que fazem parte da
realidade sócio-cultural de cada sujeito.
Antes de pesquisarmos as escolas, não as conhecíamos, apenas
ouvíamos falar delas, sobretudo da escola complementar, que foi construída
estrategicamente para atender aos bairros adjacentes, especificamente o da
Baraúna, comunidade de baixa renda conhecida de todos os moradores da
cidade. Entretanto, a construção de um Centro de Educação Complementar,
nesse lugar, causou uma corrida de diversas comunidades para ali, em que
todos, de diferentes classes sociais e de bairros distantes, iam em busca de
alternativa gratuita com educação diferenciada e de qualidade.
Por estarmos envolvidos com o trabalho em educação, termos nascido e
crescido em uma cidade em que foi possível observarmos o desenvolvimento
em vários setores, mas não tanto na educação, após a construção da
Universidade Estadual de Feira de Santana - UEFS, nenhuma iniciativa na
cidade em educação foi objeto de repercussão, curiosidade e de esperança
para a sociedade. Dessa maneira, ao nos colocarmos na posição de
pesquisador, o trabalho de campo já se colocava diante de nós, visto que
nenhum estudo de envergadura ainda tinha sido desenvolvido nesse local.
50
Os procedimentos e instrumentos de trabalho utilizados e necessários
nessa trajetória foram pensados a partir da realização de uma pesquisa-piloto,
em que conhecemos in loco o Centro de Educação Complementar. Durante a
visita inicial fomos apresentadas ao Sr. V., responsável pela infra-estrutura do
prédio e que nos apresentou à coordenadora pedagógica, bem como nos
permitiu realizar com ele a nossa primeira entrevista, e nos narrou as primeiras
histórias de um local que, até então, só era real no nosso desejo de conhecê-
lo.
Nesse momento, sentimos que, possivelmente, muitos anseios
poderiam ser correspondidos, e um deles é que, finalmente, tudo o que se
discutia na academia sobre Educação poderia começar a ser posto em prática
naquele contexto escolar. E este sentimento se deu ao observarmos a
estrutura física do prédio, os profissionais envolvidos, a proposta pedagógica
da escola a nós apresentada por intermédio da coordenadora e,
principalmente, a clientela que o Centro se propunha a atender.
A sensação de ouvir a proposta pedagógica após observar a escola é a
de que por ali funcionava tudo muito bem. Pensamos que, certamente, os
alunos seriam privilegiados por poder estudar ali, e que a demanda para
estudar naquele local deveria ser imensa, a ponto de quem ali estudasse
jamais quisesse sair ou voltar para a escola regular.
Posteriormente, a coordenadora orientou- nos para que nos dirigíssemos
à Secretaria de Educação do Município, pois lá alguns dados estariam ao
nosso alcance e a visão do Centro se tornaria mais concreta. Lá fomos
encaminhados a um de seus setores, o NAE: Núcleo de Apoio ao Estudante.
Coletamos dados referentes ao Projeto de Gerenciamento e
funcionamento do CEC, as escolas que ele atende, os objetivos daquela
instituição, quem são os alunos que fazem parte daquele contexto e quem são
os professores e demais pessoas envolvidas no projeto e, por fim, recolhemos
alguns dados referentes ao trabalho com escrita desenvolvido naquele contexto
específico.
Após esses contatos iniciais, passamos a realizar as observações tanto
no Centro de Educação Complementar – CEC, bem como na escola tradicional
do município atendida por ele. Contudo, tivemos dificuldade com relação à
assiduidade dos alunos à escola complementar, devido ao fato de esta ser uma
51
instituição com pretensa proposta de complementação ao ensino regular, mas
que não oferece aos alunos e a seus pais qualquer incentivo através do
Governo Federal, uma vez que já o recebem ao freqüentar a escola regular, o
que contribui para a evasão escolar no contexto complementar de ensino. Por
outro lado, dentre os fatores selecionados que cooperam para a freqüência ao
espaço complementar destacamos: o incentivo da família, a alimentação
garantida e as atividades desenvolvidas, que se diferenciam daquelas
elaboradas na escola tradicional.
O contexto comunitário demandou mais trabalho, pois algumas ruas da
comunidade Baraúna são de difícil localização, há mudanças de endereços dos
alunos não informadas pelas escolas, muitas vezes não foram encontrados os
sujeitos da pesquisa, que são os pais ou responsáveis pelos alunos, e alguns
sujeitos adultos selecionados tiveram receio de falar, além do perigo da entrada
do pesquisador em uma das comunidades, Baraúna, por conta da falta de
segurança com relação à presença rotineira de bandidos nesta área. Assim, foi
difícil e, às vezes, inviável o acesso de carro a algumas ruas dos bairros
pesquisados com instrumentos de trabalho, como câmera fotográfica, dentre
outros.
Houve momentos do trabalho de campo em que o desejo era tão grande
de registrar a comunidade através de imagens, que nos escondíamos para
fotografar. Nos colocávamos em distância considerada segura e, até onde o
carro poderia estar, de dentro dele, aumentávamos o zoom da máquina ao
máximo que ela oferecia e registrávamos as imagens, embora a maioria não
tenha ficado com boa visibilidade. Em outros momentos, a gravação das
entrevistas com os sujeitos, no campo, só foi possível com a utilização de um
gravador de 4,5 cm de altura por 3,0 cm de largura escondido embaixo da
roupa, sempre bem folgada. Nesses casos, auxiliou bastante o fato de os
alunos conviverem no contexto escolar com o pesquisador e o reconhecerem,
a ponto de facilitarem a sua circulação nesses espaços.
O contato com os bairros ocorreu a partir das visitas às residências dos
alunos. A entrada na comunidade do Sobradinho foi mais tranqüila do que na
Comunidade Baraúna, devido aos problemas de segurança já mencionados.
Realizamos uma média de quatro visitas à residência dos sujeitos, e a primeira
visita ocorreu para o reconhecimento destas localidades, sendo que a segunda
52
visita teve como objetivo a apresentação do pesquisador aos pais e/ou
responsáveis pelos sujeitos investigados, e na terceira visita realizamos as
entrevistas.
Na quarta visita, coletamos os textos produzidos pelos sujeitos. De modo
geral, houve grande dificuldade de coletarmos textos produzidos ou lidos pelos
sujeitos, porque observamos neles comportamentos e atitudes que
demonstraram insegurança, medo, vergonha ou timidez por se exporem ao
pesquisador, ou mesmo pelo fato de só considerarem textos escritos aqueles
legitimados pela instituição escolar, embora alguns textos tenham sido
recolhidos ou documentados nos contextos da pesquisa.
Fizemos também entrevistas com duas pessoas idosas que são
moradoras antigas dos bairros Baraúna e Sobradinho. Essas entrevistas
serviram para a coleta de dados sobre a história oral destas localidades, pois a
maior parte dos registros históricos sobre elas não se localiza em acervo
público.
Encontrar sujeitos com o perfil para a coleta de dados desta natureza se
constituiu em grande desafio para a realização desse trabalho, pois descobrir
moradores mais velhos que possuíssem todas as informações relevantes para
a pesquisa demandou muitos meses de busca e, quando os encontramos, ou
eles não tinham tempo de moradia suficiente, ou não possuíam conhecimento
relevante sobre o bairro.
Além disso, realizamos duas visitas ao bairro vizinho do Cruzeiro, por
localizar-se próximo às comunidades pesquisadas. Lá se encontra a Paróquia
do Bonfim, em que foi possível encontrar em seu livro de canto um mapa,
conforme anexo 01, com as localizações de parte dos bairros de Feira de
Santana, dentre eles os pesquisados. Esta igreja, por existir há cento e cinco
anos, serve de matriz para inúmeras capelas mais recentes construídas nos
bairros circunvizinhos, além de funcionar como sede para aqueles bairros que
não possuem nenhum templo católico. Houve resistência e, até mesmo, temor
por parte da administração desta igreja em contribuir com qualquer dado
gravado ou fotografado sobre a comunidade, o que não é uma atitude comum
por parte de entidades religiosas. Ao buscarmos informações com sujeitos da
comunidade externa sobre uma possível razão para este comportamento, foi-
53
nos dito que o padre local tinha sido afastado do próprio clero por questões
administrativas.
De um modo geral, podemos afirmar que o contato com os sujeitos
durante as entrevistas se deu de forma tranqüila, uma vez que estes não se
negaram a receber o pesquisador em suas casas e a responder as perguntas
durante as entrevistas. Entretanto, salientamos que alguns sujeitos da pesquisa
deram respostas evasivas, ou mesmo algumas que não correspondem à
verdade, de acordo com a observação do pesquisador, enquanto outros
silenciaram ao responder sobre a comunidade ou então sobre as suas práticas
de escrita.
3.2 O Cenário da Pesquisa
3.2.1 A Comunidade: situação histórica e atual
As comunidades de Baraúna e Sobradinho fazem parte dos cerca de
quarenta e quatro bairros localizados na cidade de Feira de Santana. Situada
na zona de planície entre o recôncavo e os tabuleiros semi-áridos do nordeste
baiano, este município de 1.344 km2, e, em sua sede municipal, com 111 km2,
possui, de acordo com o censo de julho de 2006, 535.820 habitantes e é
circundada por uma rodovia denominada Avenida Eduardo Fróes da Motta,
mais conhecida como Avenida Contorno ou Anel de Contorno. Esta avenida
demarca a área central da área periférica da cidade e é a principal via de
entrada e saída da cidade, conforme se observa no anexo 02. Distante da
capital em aproximadamente 108 km, Feira de Santana possui cerca de
sessenta e dois sub-bairros.
A partir do Projeto da Lei Complementar nº 018 de 18 de Julho de 2004,
presente no anexo 03, de autoria do Poder Executivo, pode-se encontrar a
delimitação dos bairros da cidade de Feira de Santana.
Nesse contexto, a comunidade de Baraúna, com uma média de cem
anos de idade, tem o seu ponto inicial no encontro da Rua Bartolomeu de
Gusmão com a Avenida Eduardo Fróes da Motta, e daí segue pela Avenida
Eduardo Fróes da Motta, Avenida José Falcão da Silva, Rua Carlos Valadares,
Rua São José, Rua Artur de Assis, Rua Voluntários da Pátria, Rua Marquês de
54
Abrantes, Rua João Vital, Rua Pojuca, e Rua Bartolomeu de Gusmão até o
ponto inicial. Situa-se entre o bairro Sobradinho e a Avenida José Falcão da
Silva, locais privilegiados , dentre outras coisas, por sua localização na cidade
de Feira de Santana.
A partir do relato oral da história do bairro feita por moradores lá nascidos
e criados há mais de 60 anos, sabe-se que a comunidade de Baraúna ganhou
esse nome em decorrência da presença dos muitos pés de árvore conhecidos
como baraúna. Hoje, há um número bastante reduzido dessa espécie no local,
pois cedeu lugar para os estabelecimentos comerciais e residências ali
presentes. Sabe-se também que seus antigos moradores e fundadores foram o
Sr. Afonso do Vinho, com a sua chácara, e a Srª Pombinha, hoje com 100 anos
de idade.
Segundo antigos moradores, este bairro surgiu porque em seu local havia
uma estrada chamada ―Boiadeiro‖, que servia de atalho para a passagem de
pessoas e de animais que iam ser comercializados na antiga Feira do Gado, ali
próxima. Esta era uma área privilegiada por abrigar nascentes de água, e as
pessoas que passavam por essa estrada precisavam conservar as carnes com
o sal, e isto fomentou a criação de salgadores em seus arredores, o que deu
início ao povoamento.
Baraúna possui terreno acidentado e grandes quantidades de pedras em
seu subsolo, o que levou as pessoas, durante muito tempo, a não quererem
construir as suas residências ali. Pode-se constatar esse fato hoje em dia, uma
vez que a construção do sistema de esgotos está sendo concluída agora neste
local.
Contudo, um dos antigos prefeitos da cidade, Colbert Martins da Silva,
em parceria com o Governo Federal, promoveu um mutirão com os
pretendentes a moradores e com algumas pessoas que já estavam residindo
neste bairro sem estrutura segura para as suas residências. Esses mutirões
ocorriam aos finais de semana e originaram, aproximadamente, vinte casas.
Nesse processo, promoveu-se a construção de um total de cerca de cento e
cinqüenta moradias populares com uma boa infra-estrutura.
Entretanto, o que parecia um grande projeto de utilidade pública, findada
a construção das moradias, serviu de base para um grave problema social,
pois seus proprietários passaram a vender as suas casas, uma vez que os
55
valores por elas oferecidos eram bem maiores do que realmente valiam. Esse
fato se deu, de acordo com antigos residentes, porque o dinheiro dos
traficantes de drogas promoveu um comércio bastante vantajoso e lucrativo
para os moradores, uma vez que com o valor de uma casa, em Baraúna,
compravam-se duas em outro bairro e ainda sobrava dinheiro. Pouco a pouco,
o perfil dos habitantes deste local mudou. E, constatado este fato pelas
autoridades públicas, uma vez que este bairro ficou conhecido pelo alto índice
de violência e periculosidade devido ao tráfico de drogas, houve uma
intensificação de combate a essas práticas, a partir de medidas sócio-
educativas.
Nesse sentido, o governo municipal atraiu, nos últimos anos, políticas de
integração e sociabilização dos sujeitos residentes em Baraúna. Hoje pode-se
contar, além do CEC, com uma creche que atende a uma média de oitenta a
cem crianças, uma escola municipal, uma escola estadual, e um lar de idosos
que recebe cerca de oitenta pessoas com mais de sessenta anos, que passam
o dia lá e à noite retornam para as suas residências.
A falta de segurança no bairro, pela ausência de módulos policiais, é
reconhecida pelos moradores, que são atendidos pelo policiamento do posto
existente na comunidade do Sobradinho.
Na área da saúde pode-se contar com um posto médico, auxiliando-o
nesse trabalho quinze agentes comunitários que trabalham por ruas
específicas, e seis agentes de combate à dengue da Superintendência de
Campanhas de Saúde Pública - SUCAM, Brasília, Brasil.
Como atividades de lazer oferecidas à comunidade, pode-se contar com
um campo de futebol, com a Estação da Música, Clube Riachuelo e a Escola
de Samba. Atualmente, está em fase de conclusão um empreendimento
municipal de aproveitamento dos espelhos d‘água potáveis ali existentes para a
construção de mais uma área de diversão, com pedalinhos, etc, uma vez que
essa área se localiza próximo ao maior complexo de viadutos em construção
na cidade de Feira de Santana.
Salienta-se que, apesar das associações de moradores serem relevantes
para uma comunidade por representá-la legitimamente junto às instituições
públicas, os moradores de Baraúna não possuem uma liderança comunitária
56
que atue de maneira eficaz. O que existe lá são tentativas de organização de
uma associação de moradores.
Com relação às práticas religiosas, é possível encontrar uma média de
cinco igrejas evangélicas de denominações diferentes que visam à reflexão
teológico-social de suas ações, desenvolvem com as crianças atividades de
lazer, recreação e de ensino, oferecem curso de alfabetização de adultos,
auxílio-alimentação aos carentes, além de outros movimentos e atividades de
socialização de seus moradores.
Além das igrejas evangélicas, há um templo da igreja católica que foi
desmembrado da igreja do atual Alto do Cruzeiro, um bairro próximo, e que
teve a sua sede erguida em 1º de janeiro de 1903 e inaugurada em 03 de maio
de 1918. Destaca-se o fato de que uma das imagens presentes nessa igreja,
adquirida em Portugal pelo benfeitor Joviano Ferreira Pinto, foi transladada
para a matriz de Santana e, durante a II Guerra Mundial, foi oferecida pela
sociedade feirense à guarnição de prata como ex-voto de paz. A área dessa
igreja compreende 6.130.685 m² e agrega uma população de 57.872 pessoas,
perfazendo um total de 16.680 residências e uma média de 3,46 pessoas por
residência, registrando um crescimento populacional de 12% no período de
1996 a 2000, enquanto que o crescimento da cidade foi de 1,98%, de acordo
com dados fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
no censo 2000. Nesses quarenta anos de paróquia, a igreja católica tem
desenvolvido atividades pastorais, realização de cursos profissionalizantes,
oficinas de alfabetização de adultos, cursinhos pré-vestibular comunitário,
feiras e festas para a construção de capelas, dentre elas a erguida no bairro
Baraúna. Esta igreja atende a mais de 14 comunidades vizinhas, e entre elas
encontram-se as comunidades de Sobradinho e Baraúna, locais caracterizados
por seus díspares aspectos sócio-culturais.
Todos esses esforços auxiliam, sobretudo, os ―parrudinhos‖, assim
denominados pelos próprios moradores como sendo a camada pobre da
população.
Baraúna ainda conta com um forte comércio, com cerca de cinco
mercados de grande porte e uma média de duzentos estabelecimentos
comerciais de vários tipos. Ressalta-se que o último censo contabilizou 7.125
habitantes nesta comunidade, e a estimativa dos seus antigos moradores é a
57
de que existam cerca de vinte sessões eleitorais com cerca de seis mil
votantes na região. Pode-se conferir grande parte das áreas descritas em
Baraúna, através de fotografias no anexo 04.
Já o bairro do Sobradinho tem como ponto inicial o encontro da Avenida
Eduardo Fróes da Mota com a Rua Bartolomeu de Gusmão, seguindo daí pela
Rua Bartolomeu de Gusmão, Rua Pojuca, Rua João Vital, Rua Marquês de
Abrantes, Rua Voluntários da Pátria, Avenida Padre José Anchieta (Avenida
Canal), Rua Marquês de Bragança, Rua Joaquim Laranjeiras, Rua Investigador
Bandeira, Rua Landulfo Alves, Avenida Eduardo Fróes da Mota (Antiga
Avenida do Contorno), até o ponto inicial.
Sua localização ocorre entre os bairros Baraúna, Cruzeiro e Jardim
Cruzeiro. E, atualmente, a sua extensão atingiu a expansão para além do anel
de contorno da cidade.
Atualmente, o primeiro motorista de marinete da cidade de Feira de
Santana, Srº Pedro, mora no bairro Sobradinho. Hoje, com 104 anos de idade,
é reconhecido como uma pessoa ilustre dentro desse grupo, por fazer parte da
história da cidade e desta comunidade que, segundo antigos moradores,
possui mais de cento e dez anos.
De acordo com os relatos orais colhidos sobre a sua história, sabe-se
que o bairro tem este nome porque ali se localizava um sobrado antigo e mal
assombrado que assustava toda a antiga população da Feira de Santana. Na
verdade, essa parte da história foi espalhada como uma lenda, pois os antigos
moradores explicam que no ano de 1900 houve uma grande epidemia e, como
se construiu, por conta deste fato, um cemitério no alto e longe da cidade, ao
qual, para se chegar, tinha-se que passar por uma grande área de terra em que
eram jogados os ossos de boi provenientes da feira do gado, conhecida como
campo do osso, pensava-se que estes eram ossos humanos que se
desenterravam e retornavam à superfície. Este fato causava no imaginário
popular uma impressão forte, que resultou em inúmeras histórias a esse
respeito, inclusive a de se afirmar que havia sobrado mal assombrado no local.
Por outro lado, outra versão contesta a primeira e afirma que o local onde
hoje é o bairro do Sobradinho tem esse nome por ter sediado um sobrado dos
padres Jesuítas que servia como depósito do ouro trazido pelos tropeiros das
minas de Mundo Novo e Jacobina.
58
Este bairro fazia parte de uma grande fazenda com muitas tarefas, todas
pertencentes às duas famílias: Coriolano de Carvalho e Maia. Compreende
área bastante privilegiada por ser plana e sem acidentes geográficos que
impeçam construções de residências. Uma das primeiras construções
erguidas, promovida por doação de terrenos feita pelas famílias Coriolano de
Carvalho e Maia, foi a do Seminário Teológico Batista Baianos, onde funciona a
Faculdade de Teologia, que oferece cursos de bacharelado em Teologia e pós-
graduação, mestrado e doutorado em Teologia.
Em seguida, foi doada pelas duas famílias outra extensão de terra
destinada à construção de um cemitério, denominado São Jorge e apelidado
pelos seus moradores de ―Bocão‖.
Posteriormente, procedeu-se a uma outra doação para a construção de
uma feira-livre, que funciona sempre aos domingos. Em frente à área da feira-
livre, construiu-se há quarenta e seis anos a segunda Igreja Batista da cidade
de Feira de Santana. Com cerca de quinhentos e cinqüenta fiéis, esta igreja
realiza um trabalho sócio-religioso em benefício da comunidade e da sociedade
como um todo, pois oferece tanto ao próprio bairro, como às demais
comunidades, cursos de capacitação, aperfeiçoamento, edificações de escolas,
dentre outros.
A doação de terras pelos Coriolano de Carvalho e Maia proporcionou
também a criação do Centro de Educação Assis Chateaubriand, colégio
estadual da cidade de Feira de Santana, que não faz parte das escolas
estudadas durante a pesquisa. Entretanto, a relevância desse colégio se dá por
atender a grande parte da sociedade feirense com inúmeros cursos, e a sua
história tem demonstrado um grande interesse da comunidade por ele, uma
vez que há um alto índice de aprovação de seus alunos nos vestibulares das
universidades públicas, sem a necessidade de passarem por cursinhos pré-
vestibulares. A grande dimensão desta instituição possibilitou o seu
desmembramento em uma outra escola, denominada Carmem. Esta atende
parte do público pertencente ao ensino fundamental de 5ª à 8ª séries.
Com relação ao comércio, a comunidade do Sobradinho possui as mais
famosas redes de supermercados, inclusive uma loja da rede G. Barbosa,
inaugurada recentemente, como também investe forte no comércio de material
de construção, postos de gasolina e atacadão de alimentos - bem maior que os
59
supermercados convencionais e que serve para a compra de alimentos, dentre
outros.
Atualmente Sobradinho é um bairro nobre formado por pessoas de classe
média, com renda que atinge aproximadamente doze salários mínimos, e
também de renda mais elevada. O perfil social do bairro, em linhas bem gerais,
é de moradores que são comerciantes, pequenos e médios empresários,
dentre outros. Pode-se conferir grande parte das áreas descritas em
Sobradinho, através de fotografias no anexo 05.
3.2.2. O Centro de Educação Complementar e a Escola Municipal
Tradicional
O Centro de educação Complementar – CEC Dom Silvério Albuquerque é
uma instituição da Rede Municipal de Ensino da cidade de Feira de Santana, e
funciona no bairro de Baraúna.
A sua criação tem origem em recente estudo sobre índice de
vulnerabilidade social, que é bastante alta em Baraúna, e, nesse sentido
buscou-se um espaço neste bairro que abrigasse a construção de um Projeto
de Educação Complementar. O local encontrado pertencia à Paróquia Sr. dos
Passos, que cedeu parte de um terreno e originou o Centro de Educação
Complementar Dom Silvério de Albuquerque ou CEC, local onde se
desenvolveu parte da pesquisa.
Ele foi construído em uma parceria entre a Prefeitura e a Fundação José
Carvalho e acolhe crianças das escolas públicas municipais Antonio Elói da
Costa e Elizabeth Johnson, que são matriculadas no turno oposto ao da escola
convencional. No CEC eles participam de uma série de atividades sócio-
educativas e são acompanhadas por professores em atividades de reforço
escolar.
O CEC possui excelentes instalações e está em perfeito estado de
conservação, já que não se percebe o menor risco de lápis ou caneta nas
paredes ou cadeiras escolares. Funciona nos turnos matutino e vespertino e
tem a peculiaridade de atender, em horário oposto ao que o aluno estuda na
escola regular, aqueles com dificuldades de aprendizado.
60
O projeto pedagógico da instituição inicialmente propôs que cada turma
fosse dividida a partir do nível de dificuldades apresentadas através de
diagnósticos dos professores, e que as atividades elaboradas pelos docentes
servissem para dirimir tais dificuldades. Entretanto, no ano de 2007, a pedido
dos pais, esta organização foi modificada em caráter experimental, para que a
escola funcionasse por divisão de turmas em série e não mais pelo nível de
dificuldades apresentadas, a fim de auxiliar nas tarefas encaminhadas para
casa pela escola regular, uma vez que os pais alegavam que em casa seus
filhos não tinham tempo de realizar essas atividades.
As aulas no CEC dispõem em cada turma de uma professora de matérias
gerais que auxilia nas tarefas de casa, outra de língua portuguesa, e
―oficineiros‖ para trabalhar com artes, música, teatro e informática. São ao todo
treze professores, sendo nove da rede municipal e quatro ―oficineiros‖.
A escola possui treze salas ao todo, sendo que cinco salas abrigam as
aulas de língua portuguesa e as aulas que auxiliam nas tarefas de casa, duas
salas são para as aulas de informática, uma para a aula música, além de um
auditório, um teatro, uma sala para artes, uma para meio ambiente, uma sala
para o funcionamento da psicopedagogia, uma quadra de esportes, um
refeitório, banheiros masculinos e femininos, e um pátio em que todas as
manhãs as crianças são acolhidas e dão início às rotinas de trabalho. Existe a
parte administrativa onde há uma sala de recepção, uma secretaria, sala
cozinha e banheiro para os professores, e uma sala da direção. Há uma guarita
com vigilantes e uma grande área não construída para a circulação e recreação
das crianças. Grande parte das instalações do Centro de Educação
Complementar - CEC pode ser conferida no anexo 06.
O CEC atende a um total de 200 a 250 crianças que são matriculadas
pelos responsáveis a partir do encaminhamento dado por duas escolas
municipais regulares já mencionadas. Os funcionários que atendem a essa
clientela são três merendeiras, uma psicopedagoga, uma coordenadora
pedagógica, uma diretora geral e um diretor administrativo.
A escola tradicional Elizabeth Johnson localiza-se no bairro Sobradinho e
atende as quatro primeiras séries do ensino fundamental, nos turnos matutino,
vespertino e noturno com a educação de jovens e adultos (EJA). Os alunos que
61
possuem dificuldades no acompanhamento das disciplinas nessa escola são
recomendados a freqüentar o Centro de Educação Complementar.
Ela funciona em um prédio alugado pela Prefeitura Municipal de Feira de
Santana na comunidade do Sobradinho. Atende a quatrocentos e quatorze
alunos matriculados nos três turnos, sendo o horário da noite destinado para os
que estão na faixa-etária acima de quinze anos. Possui uma secretaria, uma
garagem, uma área que dá acesso às sete salas de aula que estão distribuídas
no térreo e primeiro andar. Pode-se perceber que as salas estão conservadas
e pintadas. Contudo, há pouco espaço em seu interior, dada a quantidade de
alunos, e elas são abafadas, uma vez que só dispõem de ventiladores sem
muitas janelas que possam auxiliar na circulação do ar.
Os funcionários que atendem a essa escola são quatro auxiliares
administrativos, cinco agentes de serviços gerais, uma secretária escolar, uma
diretora e uma vice-diretora. Os professores são em número de quatorze,
sendo onze desses da rede municipal de Feira de Santana e três estagiários.
Grande parte das instalações da Escola Municipal Elizabeth Johnson pode ser
conferida no anexo 07.
62
4 A PESQUISA EM UMA PERSPECTIVA ETNOGRÁFICA:
PROCEDIMENTOS E INSTRUMENTOS DE TRABALHO
A pesquisa qualitativa que se propõe é de cunho etnográfico, e tem como
objeto as manifestações de escrita que circulam no cotidiano de determinados
sujeitos, tanto no contexto escolar quanto no contexto familiar de sujeitos de
duas comunidades.
Segundo César (2001), o trabalho etnográfico não é uma abordagem
narrativa cronológica, a partir da organização de fatos em um relatório. Trata-se
do acompanhamento do outro, com descrição de trajetória entre pesquisador e
pesquisado, a fim de que seja possível pinçar pontos que, uma vez
interligados, produzam sentido.
Na compreensão do já vivido, pode-se afirmar que esta pesquisa baseou-
se em uma rica experiência do campo. Através dela obtiveram-se dados sobre
as práticas de escrita que fazem parte do contexto escolar de alguns alunos, e
da vida cotidiana de suas famílias no espaço comunitário.
De acordo com André, em seu trabalho sobre Etnografia da Prática
Escolar (2004), há várias razões para a utilização de uma pesquisa de base
etnográfica no contexto específico da escola. A primeira delas leva em
consideração um contato direto do pesquisador com a situação pesquisada. A
segunda razão está fundamentada na possibilidade de documentar o não
documentado. Nesse sentido, a autora explica a possibilidade, dentre outras,
da descrição de ações de seus atores sociais, bem como da sua própria
linguagem. A terceira razão é a possibilidade que se tem de compreender
como se dão as relações de dominação e resistência e as atitudes de valores e
crenças daqueles que fazem parte do universo pesquisado. O quarto motivo é
se poder enxergar o universo pesquisado com uma lente de aumento e poder
compreender as interações presentes no dia-a-dia, em que as relações são
(re)construídas e modificadas. Já a quinta razão se volta para a possibilidade
de ruptura com uma visão estática caracterizada por pluralidade de linguagens
e objetivos conflitantes. De um modo geral, as considerações sobre a pesquisa
com perspectiva etnográfica na escola são de que:
63
O estudo da prática escolar não pode se restringir a um mero retrato do que se passa no seu cotidiano, mas se deve envolver um processo de reconstrução dessa prática, desvelando suas múltiplas dimensões, refazendo seu movimento, apontando suas contradições, recuperando a força viva que nela está presente. (ANDRÉ, 2004, p. 42)
Se um dos interesses centrais da descrição etnográfica é documentar o
que realmente acontece num dado grupo social, é possível com ela completar
as vestes com as quais o pesquisador vai a campo. Não só por essa razão,
mas também por outras.
A primeira está na relação que se estabelece entre o método e o sujeito.
A multiplicidade presente numa dada situação faz com que a investigação do
objeto deixe de lado o enfoque nas variáveis isoladas para considerá-las em
seu conjunto e em sua relação dinâmica. ―Deslocou, assim, o foco de atenção
das partes para o todo e dos elementos isolados para a sua inter-relação‖
(ANDRÉ, 2002, p.103).
A segunda decorre da ―atitude aberta e flexível‖ que deve manter o
pesquisador durante a coleta e análise de dados, o que lhe permite detectar
ângulos novos do problema estudado.
Erickson (1989) concebe a etnografia não como uma técnica ou um
conjunto delas e, sim, como método, com fundamentos teóricos que fazem dela
uma pesquisa interpretativa ou qualitativa e a distinguem de uma simples
técnica: ―Aquilo que torna este trabalho interpretativo ou qualitativo é o foco e a
intenção e menos o procedimento na coleta de dados, isto é, uma técnica de
pesquisa não constitui um método de pesquisa‖ (p.78).
Goldenberg (1997) trata da pesquisa qualitativa em ciências sociais, e
afirma que através dela é possível a reconstrução da experiência diária. Nesse
tipo de estudo, existe uma preocupação do pesquisador com o grupo social
pesquisado, sendo, portanto, necessário aprofundamento no campo para a
compreensão do vivido. Desta maneira, o ambiente natural é concebido como
fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal instrumento. A
pesquisa qualitativa pressupõe o contato direto e prolongado do pesquisador
com o ambiente e a situação que está sendo investigada. Pesquisas desta
ordem são ricas em descrições de pessoas, situações e acontecimentos.
64
Trazem fotografias, entrevistas transcritas, depoimentos e documentos
variados. O processo da pesquisa e o significado que as pessoas dão às
coisas e a sua vida são focos de interesse do pesquisador, observando como
determinado problema se manifesta nas interações cotidianas.
Esta autora, ao tratar do ponto de vista do pesquisador, coloca que o
objeto de pesquisa, na abordagem qualitativa, não é uma realidade totalmente
exterior ou objetiva, e, sim, fruto de um processo de intersubjetividade, ou seja,
nele se faz um esforço controlado para conter a subjetividade através da sua
objetivação, como propõe Bourdieu: ―Trata-se de um esforço porque não é
possível realizá-lo plenamente, mas é essencial conservar-se esta meta, para
não fazer do objeto construído um objeto inventado‖ (BOURDIEU apud
GOLDENBERG, 1997, p. 45).
Sobre a intersubjetividade de que trata Goldenberg, ao falar de pesquisa
qualitativa, Souza (2006), em seu estudo Para uma ecologia da escrita
indígena: a escrita multimodal Kaxinawá, afirma:
A etnografia exige que, ao observar um fato sociocultural, o sujeito observador se divida em sujeito e objeto; o objeto etnográfico, dessa forma, é fruto da capacidade do sujeito observador de se tornar objeto indefinidamente sem nunca se abolir como sujeito (SOUZA, 2006, p. 171)
Desta forma, este sujeito de que trata o autor é o próprio pesquisador
imerso no processo da intersubjetividade.
Segundo Goldenberg (1997), a simples escolha de um objeto já é
sinônimo de valor, na medida em que ele é destacado entre outros objetos
possíveis, e está de acordo com o contexto da pesquisa e o momento sócio-
histórico. E quanto mais o pesquisador tiver consciência e especificar as suas
escolhas e preferências pessoais, além das considerações teóricas, mais ele
evitará a parcialidade ao julgar. Em síntese, ―a totalidade de qualquer objeto de
estudo é uma construção do pesquisador, definida em termos do que lhe
parece mais útil para responder ao seu problema de pesquisa‖
(GOLDENBERG, 1997, p.51). De um modo geral, para a autora, é o conjunto
de diferentes pontos de vista, e diferentes maneiras de se coletar e analisar os
65
dados, tanto qualitativa quanto quantitativamente, que permite uma idéia mais
ampla e inteligível da complexidade de um problema.
Neste trabalho, para a investigação da escrita enquanto conjunto de
práticas sociais, constituídas e constitutivas da realidade histórico-cultural de
pessoas de determinado grupo social, adotou-se, como procedimento de
pesquisa para a escolha dos sujeitos e coleta de dados, a pré-definição e
utilização das variáveis sociais ou fatores: gênero, faixa etária, escolaridade,
local e tempo de moradia, profissão e renda familiar.
Escolheu-se previamente também o seguinte conjunto de temas gerais a
serem abordados com os sujeitos através de entrevistas abertas: relações
familiares, práticas de lazer, função na comunidade, práticas religiosas, tempo
de moradia na comunidade e práticas de escrita.
Foram também considerados como procedimentos de pesquisa, para a
coleta de dados, a observação das atitudes assumidas pelos sujeitos com
relação às suas ações, atividades, práticas sociais, em especial às suas
experiências enquanto leitores e redatores, tanto no contexto escolar quanto
em sua vida cotidiana. E também o que não foi dito, as hesitações, ou seja, o
que esteve implícito nos atos e nas falas e que se prestou à interpretação do
pesquisador. E que não pode ser pré-estabelecido pela pesquisa, pois se
revela durante o trabalho de campo.
Como instrumentos de trabalho, utilizou-se:
a) O gravador, na primeira etapa do estudo, para o registro das
entrevistas;
b) Questionários semi-estruturados aplicados aos sujeitos nas escolas,
conforme o anexo 08;
c) Textos escritos que circulam no contexto escolar e no contexto familiar,
e que foram recolhidos durante a pesquisa.
66
5 DESCRIÇÃO DOS DADOS: OS SUJEITOS, AS PRÁTICAS SOCIAIS E AS
PRÁTICAS DE ESCRITA
5.1 Os sujeitos da pesquisa:
Os critérios utilizados para a escolha dos sujeitos foram, entre os alunos,
que estudem na escola municipal com ensino tradicional, no turno vespertino,
que freqüentem a escola com proposta de ensino complementar no turno
matutino, cursem a 4ª série do ensino fundamental, e tenham nascido e/ou sido
criados em seus bairros. Já os critérios para a escolha dos adultos foram a
idade mínima de 42 anos de idade, que sejam moradores há mais de quinze
anos dos bairros Baraúnas, o qual apresenta grande vulnerabilidade social, e
Sobradinho, que apresenta menor vulnerabilidade social em relação a
Baraúnas, e que sejam pais ou os responsáveis pelos alunos investigados. As
variáveis bio-sociais utilizadas para a classificação dos sujeitos foram: gênero,
renda familiar, profissão, local de moradia e escolaridade, sendo que esta
última só foi aplicada aos dados dos adultos, já que os alunos cursam a mesma
série escolar. Observa-se que idade não funciona como variável da pesquisa
para o grupo de alunos sujeitos, pois estes pertencem à mesma faixa-etária.
Todos os dados sobre os sujeitos descritos, respectivamente, nos
quadros 1 e 2 abaixo, foram fornecidos por estes durante entrevista e aplicação
de questionário. Os dados referentes aos pais ou responsáveis foram coletados
através de entrevistas gravadas pelo pesquisador durante visitas às suas
residências, que foram transcritas e, posteriormente, sistematizadas no quadro
07 que encontra-se no anexo 15.
5.1.1 Dados gerais dos sujeitos pesquisados: alunos
Realizaram-se entrevistas gravadas com cinco alunos sujeitos, sendo três
do gênero feminino e dois do masculino. Ressalta-se que foram considerados
pela pesquisa apenas quatro deles, uma vez que um aluno evadiu da escola
complementar já próximo ao final do ano letivo. Optou-se, portanto, por
escolher aqueles alunos que fossem assíduos às duas escolas.
67
Para a sistematização dos dados presentes no quadro 1 a seguir, em um
primeiro momento, fez-se o levantamento total dos dados de todos os sujeitos
das duas escolas, conforme o quadro 3, presente no anexo 09, e quadro 4, no
anexo 10, ambos para os sujeitos da escola complementar. Para todos os
sujeitos da 4ª série da escola tradicional presentes no quadro 5, conforme
anexo 11. A evasão, principalmente na escola complementar, é muito grande,
conforme se constata no G1: gráfico demonstrativo de evasão, no anexo 12.
68
QUADRO 1
QUADRO GERAL DOS SUJEITOS PESQUISADOS:
ESTUDANTES
NO
ME
DO
S A
LU
NO
S
TU
RN
O E
M Q
UE
ES
TU
DA
M
GÊ
NE
RO
IDA
DE
VIDA ESCOLAR:
0 - Não é repetente
1- Repetente nesta série
2 - Repetente em
outra série
3 - Parou de estudar
0 1 2 3
BA
IRR
O E
M Q
UE
MO
RA
M
TE
MP
O D
E M
OR
AD
IA N
O B
AIR
RO
ALUNO TRABA
LHADOR
SIM NÃO
TIP
O D
E T
RA
BA
LH
O R
EA
LIZ
AD
O
RESPON SÁVEIS
1- Pai e Mãe X (Só Pai / Só Mãe :
Especificar) 2- Parentes: Especificar 3- Outros
1 2 3
QU
AN
TID
AD
E D
E M
OR
AD
OR
ES
NA
RE
SID
ÊN
CIA
A.
Matutino
e Vespertino
Feminino
12
anos
X 1x
Baraúna
Rua Petronílio Pinto Nº
400
Mais de 50 anos que
seus responsáveis residem ali
X
_
X
04 Pessoas
J.
Matutino
e Vespertino
Feminino
12
anos
X 1x
Sobradinho Rua Úrsula Catarina Nº 413
Mais de
quinze anos que seus
responsáveis residem ali
X
_ X
03
Pessoas
M.
Matutino
e Vespertino
Masculino
12
anos
X
Sobradinho
Rua Landulfo Alves Nº Nº 684
Mais de
trinta anos que seus
responsáveis residem ali
X
Gravação de CD e
DVD
X
04 Pessoas
R.
Matutino
e Vespertino
Masculino
15
anos
X 1x
X 1x
Baraúna
Rua Avenida
Riachuelo Nº 502
Mais de 30 anos que
seus responsáveis residem ali
X
_ X
05
Pessoas
69
Observa-se, com relação ao Quadro 1 descrito acima, que:
1- Foram escolhidos como sujeitos o aluno R. e a aluna A., que
moram na comunidade Baraúna, e o aluno M. e a aluna J., que moram em
Sobradinho.
2- No que se refere à vida escolar, observa-se que A. e J. repetiram
de ano uma vez só em outra série, ao passo que M. não é repetente e R. é
multi – repetente, ou seja, repetiu mais de uma vez a mesma série e uma vez
só em outra série.
3- Todos os sujeitos freqüentam a escola tradicional pela tarde. No
turno matutino, cursam a escola complementar. Eles estão na 4ª série do
ensino fundamental.
4- Somente M. é trabalhador, pois trabalha em casa, informalmente,
com gravação de CD e DVD.
5- A. M. e R. são criados pelo pai e pela mãe e J. pela tia. Apesar
de A. morar também com o pai, ela é criada apenas pela mãe, pois a presença
deste pai em casa é esporádica, além de ele apresentar problemas por
consumo excessivo de bebidas alcoólicas .
6- Verifica-se que a família de M. e a de A. são constituídas, cada
uma delas, por quatro pessoas. A família de J. é formada por três pessoas, e
a de R. por cinco pessoas. Portanto, os alunos pesquisados fazem parte de
um mesmo padrão familiar.
70
5.1.2 Dados gerais sobre pais ou responsáveis dos alunos pesquisados
QUADRO 2
QUADRO GERAL DOS SUJEITOS PESQUISADOS:
PAIS OU RESPONSÁVEIS
NO
ME
NO
ME
DO
S A
LU
NO
S P
EL
OS
QU
AIS
SÃ
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PO
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EIS
IDA
DE
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BA
IRR
O E
M Q
UE
MO
RA
M
TE
MP
O D
E M
OR
AD
IA N
O
BA
IRR
O
RENDA FAMILIAR
0-Abaixo de um salário
mínimo 1-Um salário
mínimo 2-Dois
salários mínimos
3-Acima de três salários
mínimos 0 1 2 3
ES
CO
LA
RID
AD
E
PR
OF
ISS
ÃO
DO
S
RE
SP
ON
SÁ
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QU
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E M
OR
AD
OR
ES
NA
RE
SID
ÊN
CIA
Mãe: A.L
Pai: N.L
01- A.
Mãe:
40 anos
Pai: 45 anos
Feminino
____________
Masculino
Baraúna
Rua Petronílio Pinto Nº 400
Mais de
cinqüenta anos. Antes de A.L. nascer, os
pais já moravam no
bairro
X
Mãe:
Até a 5ª série
Pai: Até a 5ª série
Mãe
=Vendedora em Loja de confecção
Pai = Mecânico/
04 Pessoas
Mãe:
J.P.Q.
Pai: Ø _____
02- J.
Mãe:
40 anos
Pai: Ø ______
Feminino
____________
Não tem pai
Sobradinho Rua Úrsula Catarina Nº
413
Mais de quinze
anos
X
Mãe:
Ensino Superior em
Contabilidade
Pai: Ø
Mãe
=Contadora
Pai: Ø
03 Pessoas
Mãe: A.O.L
Pai:
M.B dos S.
03- M.
Mãe:
44 anos
Pai: 77 anos
Feminino ___________
Masculino
Sobradinho Rua Landulfo Alves Nº Nº
684
Mais de trinta
anos
X
Mãe:
Até a 4ª série
Pai: Até a 4ª série
Mãe = Comerciante
(fornece marmitas/ Pai = Aposentado da Petrobrás, sem profissão especificada
04 Pessoas
Mãe: L.L.G
Pai: R.E
04-R.
Mãe:
37 anos
Pai: 40 anos
Feminino
____________
Masculino
Baraúna
Rua Avenida Riachuelo Nº
502
Mais de trinta
anos
X
Mãe:
Até a 8ª série
Pai: Até a 2ª série
Mãe = Dona
de casa Pai =
Açougueiro
05 Pessoas
71
Observa-se, com relação ao quadro 2 descrito acima, que:
1- Os dados dos pais foram fornecidos pelas suas respectivas
esposas, uma vez que raramente estes foram encontrados nos horários
marcados para as entrevistas, por não terem horário fixo para retornar do
trabalho.
2- Os sujeitos A., M, e R. moram com seus pais e mães. A aluna J.
reside com uma conhecida da família, a quem chama de tia. Trata-se de uma
senhora que exerce o papel de mãe, mas com a qual não possui qualquer
parentesco. Esta senhora a trouxe de uma comunidade extremamente pobre,
de um interior fora da cidade de Feira de Santana e o tempo de convívio com
ela é de aproximadamente dois anos. Esse dado só apareceu na pesquisa de
campo feita na comunidade onde reside, visto que a menina, até então, só
chamava a sua responsável de tia, sendo que foi esta senhora quem
esclareceu o fato. Desta maneira, a partir de agora, esta tia será tratada como
mãe da aluna investigada.
3- Os pais de M e a mãe de J. moram no Sobradinho, e os pais de A
e de R moram em Baraúna, de acordo também com o quadro 1.
4- Os pais de J., M. e R. possuem renda familiar acima de três
salários mínimos, e só os pais da aluna A. possui renda familiar de até dois
salários mínimos.
5- O nível de escolaridade dos sujeitos vai da 2ª série do ensino
fundamental ao nível superior. Constata-se que o nível de escolaridade dos
pais é mais baixo do que o nível de escolaridade das mães, já que um pai
estudou até a 4ª série, outro até a 5ª série, e um terceiro até a 2ª série do
ensino fundamental ou 1º ciclo, ao passo que três mães possuem,
respectivamente, a 4ª, 5ª e 8ª séries do ensino fundamental, enquanto uma
outra o nível superior em Contabilidade. Assim, o nível escolaridade é variável
entre os adultos e está relacionado à variável ‗gênero‘.
6- A idade dos sujeitos adultos varia de trinta e cinco a quarenta e
quatro anos, com exceção de M.B. dos S., que tem setenta e sete anos de
idade. Ou seja, o fator idade é variável da pesquisa considerando-se este
sujeito em relação aos outros, que pertencem a outra faixa etária.
72
5.2 As práticas sociais dos sujeitos
Neste item foram consideradas as práticas que fazem parte da vida
cotidiana e familiar dos sujeitos alunos, pais e/ou responsáveis e que se
referem, principalmente, aos temas abordados nas entrevistas, incluindo as
atividades de recepção e produção de textos, que as constituem e por elas são
constituídas.
A partir das entrevistas e aplicação de questionários, recolheram-se
dados sobre o que os sujeitos efetivamente lêem ou escrevem nos contextos
escolar e familiar, e sobre as suas práticas religiosas e de lazer, assim como as
atividades remuneradas ou profissão que tenham. Foram também recolhidos
dados sobre a atitude dos sujeitos com relação às práticas sociais
mencionadas, especificamente sobre a atitude dos alunos com relação às suas
práticas de recepção e produção de textos no contexto escolar e no contexto
familiar, e de seus pais e/ou responsáveis acerca das escritas que circulam em
sua vida diária.
Os dados sobre as atividades do cotidiano dos alunos foram
sistematizadas nos quadros 6, itens 6.1, 6.2 e 6.3 descritos no anexo 13. Essas
práticas se referem às ações dos sujeitos e expressam a sua singularidade no
contexto em que vivem e estudam.
5.2.1 As atividades de lazer
Observa-se que, embora o índice elevado de criminalidade no bairro
Baraúna seja alto, as principais atividades de lazer dos sujeitos ocorrem em
seu espaço. No bairro Sobradinho, ao contrário, muitos moradores saem, a
lazer, para outros locais. As principais atividades citadas foram:
A Televisão: novelas e telejornais
Todos os alunos gostam de assistir à televisão, preferencialmente aos
desenhos animados.
Entre os adultos, apenas as mulheres assistem preferencialmente às
novelas e, em segundo lugar, ao telejornal. Observa-se que J.P.Q., a única que
73
tem curso superior, disse se sentir pouco à vontade para assistir à TV, por
considerar perda de tempo, embora goste dos programas acima citados.
B Computador: jogos e contatos pessoais
O uso do computador foi a segunda atividade de lazer mais citada pelos
sujeitos, principalmente os do bairro Sobradinho, que possuem computador em
casa ao contrário dos sujeitos de Baraúna, que precisam ir à lan house para
utilizá-lo.
Entre os adultos, as duas mães J.P.Q e A.O.L., que moram no bairro
Sobradinho, disseram utilizar o computador em momentos de folga das
atividades diárias para trocar e-mails e participar de chats.
Do grupo de alunos, apenas os meninos M. e R. gostam de vídeo-game.
As meninas não declararam utilizar o micro. Ou seja, de todos os sujeitos
pesquisados de Baraúna, R. é o único que tem acesso a esse instrumento.
C Rádio: notícias e entrevistas
De todos os sujeitos, apenas L.L.G., que é dona-de-casa sem profissão,
passa a maior parte do tempo escutando música popular brasileira e
programas locais de entrevistas e notícias. Fato inclusive constatado durante a
entrevista, já que esta foi realizada com fundo musical que, em certos
momentos, impediu que se escutasse o que estava sendo dito, sendo
necessário L.L.G. desligar o rádio.
D Bares: comunidade e outros bairros
N.L e R.E., pais de A. e R. e moradores de Baraúna, são os únicos
sujeitos adultos da pesquisa que costumam freqüentar bares do local, que
constituem um universo predominantemente masculino.
Já A.O.L., mãe de M., costuma freqüentar bares fora de Sobradinho, onde
mora, para participar de sessões de Karaoquê.
74
E- Viagens
Essa foi a atividade de lazer mais citada pelas famílias de Sobradinho.
A.O.L. e sua família costumam ir à praia para veranear no litoral, e a
família de J.P.Q. participa de excursões a outras cidades do interior da Bahia
organizadas por grupo de amigos.
5.2.2 Atividades profissionais dos pais
Os homens, ao contrário das mulheres, saem do bairro para trabalhar,
sendo que N.L. é mecânico e R.E. é açougueiro. M.B.S. fica em casa durante a
semana, porque é aposentado da Petrobras, sem profissão especificada pela
pesquisa.
As mulheres, dentro do ambiente doméstico, exercem atividades
remuneradas, sendo que A.L. é vendedora de confecção em pequena loja da
vizinhança, J.P.Q. é contadora com escritório montado na própria residência, e
A.O.L. comercializa marmitas em sua própria casa. L.L.G. é a única mãe que
não trabalha fora, ou seja, é dona-de-casa.
Convém ressaltar que, apesar de essas três mulheres exercerem
atividades remuneradas dentro de casa, J.P.Q e A.O.L., que moram no bairro
Sobradinho, também saem de casa para trabalhar: J.P.Q presta serviços fora
como contadora e A.O.L tem um quiosque na praia de Bom Jesus, e aproveita
as oportunidades de lazer da família para vender refeições. Observa-se que
estas duas mães usam o computador para exercer tais atividades.
5.2.3 As práticas sociais de escrita: recepção e produção de textos
Nesse item, serão descritos os dados coletados sobre usos e atitudes
dos alunos referentes às escritas escolares e às manifestações de escrita que
fazem parte do contexto familiar de todos os sujeitos.
5.2.3.1 Adultos:
A O que lêem, escrevem e copiam nos espaços do cotidiano
75
Observa-se que somente A.L. e A.O.L entregaram textos à pesquisa, já que os
demais sujeitos não se sentiram à vontade para tanto.
A.1 Textos do domínio religioso
As atividades religiosas que fazem parte do cotidiano da maioria dos
sujeitos adultos entrevistados são constituídas por práticas de escrita. Por isso,
são descritas nesse item.
A.1.1 Leituras compartilhadas
Apenas A.L e A.O.L disponibilizaram textos referentes a este item.
A.L., J.P.Q., A.O.L. e M.B.S disseram ler em grupo, durante os cultos na
Igreja, em trechos da Bíblia e em revistas de estudos bíblicos, por exemplo,
salmos, orações, e hinos religiosos, sendo estes últimos cantados e
acompanhados por movimento corporal. Todas as crianças acompanham e
participam juntos com suas mães dessas atividades. Neste contexto, é feita a
leitura dos textos em voz alta por dirigentes da Igreja, que é acompanhada
silenciosamente, ou em voz alta, pelo grupo de leitores. Após a leitura dos
textos Bíblicos, o seu sentido é negociado pelos sujeitos ali presentes a partir
de comentários e preleção que são feitos.
J.P.Q. afirmou que, além da Bíblia, tudo o que lê está relacionado ao seu
trabalho em contabilidade, que não pode ser divulgado. Por isto, ela não nos
forneceu nenhum texto.
J.P.Q. também participa das leituras compartilhadas de relatórios
financeiros de prestação das contas da igreja que freqüenta, com entradas e
saídas de verbas, decorrentes das doações dos fiéis, e que são realizadas em
sessões específicas por seu dirigente para a aprovação pelos membros do
templo.
A.L. apenas nos mostrou a Bíblia lida nos cultos, e disse que ela era igual
a todas as outras e que, por isso, seria fácil saber o seu conteúdo. Porém nos
entregou letras de hinos que são lidos coletivamente ao se cantar, conforme o
exemplo 01 abaixo:
77
A.O.L., embora apenas acompanhe o seu marido, deficiente visual, nos
cultos da igreja, lê para ele em casa textos religiosos, como os salmos do
exemplo 2 abaixo, e juntos os interpretam.
EXEMPLO 02
78
A.O.L. também apresentou à pesquisa um texto de auto-ajuda de
inspiração religiosa, e um livro de orientação espiritual, que ela também lê para
o seu marido, conforme exemplos 03 e 04 a seguir.
EXEMPLO 03
80
A.1.2 Leituras particulares
A.L., J.P.Q.e A.O.L. e M.B.S disseram fazer leituras individuais de trechos
da Bíblia, principalmente dos Salmos, que servem para a meditação e
preparação em casa para a participação nos cultos. Vide a cópia de panfleto
religioso no exemplo 05 abaixo, entregue por A.O.L.
EXEMPLO 05
81
A.1.3 Cópia de textos
Somente A.O.L declarou que copia textos bíblicos, que depois são
recitados em voz alta como orações, junto com o marido, como se pode
verificar no exemplo 06 a seguir:
EXEMPLO 06
82
A.2 Textos do domínio jornalístico: boletim, jornal e revista
Apenas A.O.L disponibilizou textos de que trata este item.
Todas as mães disseram ler esporadicamente, em consultórios médicos
e outros locais, revistas como o periódico Sabrina, que é destinado a mulheres
preferencialmente de grupos populares. Nessas revistas elas lêem reportagens
sobre a vida dos artistas, dicas de beleza e sobre prevenção de doenças,
contos, resumos de novelas, etc.
A leitura de reportagens policiais em jornais diários só é feita por A.O.L.,
em voz alta, para o marido. Ela também lê para ele o boletim mensal da
Petros, fundação da Petrobras, que se constitui em uma ligação com o mundo
do trabalho para M.B.S., de acordo com exemplo 07 abaixo.
EXEMPLO 07
83
A.3 Textos digitais: leitura e escrita em e-mails e chats
A.O.L e J.P.Q, moradoras de Sobradinho, dizem que participam de
chats, sendo que. A.O.L troca e-mails com a irmã e J.P.Q. usa o e-mail
como ferramenta de trabalho.
A.3.1 Cartas pessoais e comerciais
Todos os sujeitos disseram ler e escrever ao trocar cartas com pessoas
da família, mas não disponibilizaram nenhuma para a pesquisa. Somente
A.O.L. entregou o envelope de uma carta comercial da Câmara Municipal a
ela endereçada, de acordo com o exemplo 08 abaixo.
EXEMPLO 08
84
A.3.2 Textos utilitários: receitas e listas
Todas as mães dizem que fazem cópias de receitas e escrevem listas de
compras, embora não tenham apresentado nenhum destes textos para a
pesquisa, com exceção de A.O.L, que disponibilizou o seu livro de receitas, que
ela lê de vez em quando, de acordo com o exemplo 09 a seguir:
EXEMPLO 09
85
5.2.3.2 Crianças:
A O que lêem, escrevem e copiam no espaço do cotidiano
R falou muito pouco sobre as suas experiências de escrita, parecendo
contrariado com o tema, e mostrou desinteresse, mesmo quando provocado,
em falar sobre as atividades de leitura e escrita desenvolvidas nos dois
contextos escolares: na escola complementar e na escola tradicional. As suas
respostas foram lacônicas, em um discurso ‗pronto‘, pois, ao ser questionado
sobre as suas práticas de produção e recepção de textos fora da escola, R.
afirmou sucintamente que gostava de ler os romances infantis de Monteiro
Lobato, embora não tenha conseguido apontar um título do autor. Acrescentou
que pedia ao pai para levá-lo para a Biblioteca Municipal, e que retirava livros
emprestados na biblioteca da escola e os lia lá mesmo.
Durante uma das atividades da escola complementar referente à
produção de textos instrutivos, escritos a partir de desenhos como pretexto
para a formação de hábitos de higiene, a professora escreveu o seguinte na
folha do trabalho de R., conforme o exemplo 10 abaixo:
87
R. se sentiu mais à vontade ao contar que vai a lan houses participar
de jogos virtuais e que joga bola no Centro de Educação Complementar - CEC.
Ao questionarmos a sua professora sobre o seu desempenho em atividades de
escrita no CEC, fomos informados de que ele é apenas copista, já tendo
repetido de ano mais de uma vez por conta desta situação.
A. também tentou se esquivar das perguntas sobre as suas atividades
de recepção e produção de textos fora da escola. Ela também disse que lia
romances infantis de Monteiro Lobato e freqüentava a Biblioteca Municipal com
o seu pai. Entretanto, sua mãe, ao ser entrevistada, afirmou que o único livro
que havia em casa para ler era a Bíblia, conforme descrito no item A.1.1 sobre
leituras compartilhadas, e que, recentemente, tinha jogado fora todos os livros
e papéis que possuía. E, segundo a avó de A., o pai de A. demorava a
aparecer em casa por ter problemas com álcool e, portanto, nunca a
acompanhou à biblioteca.
Porém, A. copia versinhos de poesias em casa, como mostra o exemplo
11 abaixo:
89
J. disse que as suas atividades de recepção e produção de textos em
casa se resumiam a exercícios da escola.
Entretanto, ela mostrou que gosta de escrever o que denomina conto,
mas que, na verdade, trata-se de depoimento, como no exemplo 12 abaixo.
Observa-se que o texto se refere às suas experiências no contexto da
escola alternativa.
EXEMPLO 12
90
Já M. afirmou preferir escutar as histórias da literatura infantil que são
contadas pela professora, do que ler textos. Observa-se que este aluno
costuma ouvir a mãe ler em voz alta para o seu pai, que é deficiente visual.
Ele também disse que costuma escrever e-mails e participar de jogos
virtuais na lan-house, sendo que também escreve e - mails em seu computador
em casa.
J. lê textos bíblicos diariamente em casa e faz contas que a mãe passa
para ela.
Observa-se que A. participa de leituras compartilhadas e em voz alta de
textos bíblicos, nas classes infantis de leitura da igreja que freqüenta.
A O que lêem, escrevem e copiam no domínio escolar tradicional
Nesse contexto específico, as únicas atividades de recepção e produção
de textos citadas pelos alunos A., J., M. e R. foram cópias de exercícios
gramaticais e de poesias do livro ou da lousa.
B.1 Exercícios gramaticais
Essas atividades escritas têm como objetivo o de ensinar regras da
gramática normativa. Importante acrescentar que elas foram fornecidas pelas
alunas J. e A. respectivamente, de acordo com os exemplos 13 e 14 abaixo,
após perguntarmos a elas, na escola, o que consideravam ser um texto.
93
A O que lêem, escrevem e copiam na escola complementar
Nesse contexto, as atividades de recepção e produção de textos são mais
diversificadas, pois quando questionados sobre o que consideravam texto, os
alunos citaram:
C.1 Poesia
Refere-se à atividade oral seguida de leitura e cópia de poesia, como
pretexto para a realização de atividade gramatical, de acordo com os textos no
exemplo 15 baixo, entregues por A.
95
C.2 Textos instrutivos
Estes textos são escritos a partir de desenhos, como pretexto para
formar hábitos de higiene, como o do exemplo 16 abaixo, entregue pelo aluno
M:
EXEMPLO 16
96
C.3 Contos infantis
Este texto e desenhos feitos por M. e A. são escritos pelos alunos a
partir da leitura de clássicos da literatura infantil.
EXEMPLO 17
98
C.4 Relatos e narrativas sobre temas específicos
Desenhos e textos escritos a partir de atividade oral desenvolvida pela
professora em classe sobre temas pré-definidos, como a construção da própria
identidade e monstros que existem na sociedade, de acordo com os exemplos
19 a seguir, entregue pelos alunos R e J e 20 entregue pelos sujeitos do CEC,
mas sem identificação.
EXEMPLO 19
100
C.5 Reescrituras de narrativas
Correspondem a textos produzidos pelos alunos a partir de textos
modelizadores. Tratam-se de cópias de fragmentos escritos pelos alunos, mas
que foram digitados pela professora para reescrita com correção dentro dos
padrões normativos, conforme demonstra o exemplo 21 abaixo, entregue pelo
aluno R.
EXEMPLO 21
101
C.6 Fábulas
O Projeto ―A Magia das Fábulas‖ utiliza fábulas como pretexto para que
os alunos escrevam textos diversos, de conteúdo edificante. Para tanto, as
crianças antes cantam, vêem filmes e ouvem músicas, e depois fazem a sua
encenação. O exemplo 22 abaixo refere-se a um rap escrito por J., para ser
cantado com uma performance corporal específica para este gênero de texto.
Observa-se que o professor identifica erroneamente o texto como ―happy”, em
vez de rap.
EXEMPLO 22
102
6 INTERPRETAÇÃO DOS DADOS
Com base na descrição de dados, pode-se afirmar que as experiências
de escrita e o desempenho escolar dos sujeitos alunos relacionam-se às
experiências de leitura e produção de textos realizadas no contexto familiar,
geralmente sob a influência das mães e, no caso de M., também do pai.
Os dados mostram que a variável escolaridade dos adultos não é
pertinente para caracterizar as experiências de escrita no contexto familiar,
uma vez que a maioria do que J.P.Q, que tem nível superior, lê e escreve se
relaciona às atividades de seu trabalho. Até mesmo as práticas religiosas que
desenvolve se voltam para o exercício de seu ofício de contadora e se restringe
à leitura individual da Bíblia em casa. A.O.L, por sua vez, só tem a 4ª série,
mas a sua experiência de leitura em casa é bem maior do que a de J.P.Q, já
que as leituras de diferentes textos que faz para o marido fazem parte do
cotidiano da família .
Nesse contexto, a experiência maior com a escrita do cotidiano de J.
refere -se a deveres da escola sobre as questões gramaticais da língua. A sua
mãe às vezes também lê a Bíblia com ela em casa, e cobra de J. esta leitura
para a sua formação religiosa e para exercícios de língua.
Já M., único menino entrevistado que nunca repetiu de ano, prefere
escutar histórias contadas pela professora do que ler e escrever na escola,
porque, conforme dito anteriormente, ele ouve, desde criança, a mãe ler para o
pai narrativas bíblicas, jornais e os boletins, cartas e panfletos relativos ao
mundo do trabalho de M.B.S. A sua experiência de leitura e escrita familiar é
maior do que a de seus colegas pesquisados, já que M. escreve e-mails em
casa e na lan-house, participa de jogos virtuais, além de ainda acompanhar os
pais nas idas à Igreja, onde participa das leituras compartilhadas de trechos da
Bíblia, orações, hinos, etc.
O contexto comunitário e familiar é importante para caracterizar as
escritas que circulam no ambiente doméstico, pois se relaciona às experiências
de escrita das mães entrevistadas. As de Baraúna, AL e L.L.G., só escrevem
esporadicamente textos utilitários, como agenda de telefone, receitas e listas
de compras, e lêem só de vez em quando jornais e revistas, quando têm
acesso a eles, e as atividades escolares dos filhos. LLG inclusive é a única
103
mãe que não participa de atividades religiosas, a não ser esporadicamente e a
convite, sendo que AL faz leituras de textos religiosos só durante os cultos na
igreja, em voz alta, junto aos demais fiéis e, em casa, descarta todos os
materiais de leitura e escrita que não têm mais serventia imediata para ela.
Este tipo de realidade influencia tanto A. como R., pois ambos são copistas e
não estão familiarizados com a escrita circulando no seu cotidiano familiar.
A., em casa, além dos deveres escolares, se restringe a fazer cópia de
poesia, conforme exemplo 11 da descrição dos dados, embora participe de
leituras compartilhadas em voz alta, de textos bíblicos na Igreja que a mãe
freqüenta, e de classes de leitura bíblica neste contexto religioso.
R., por sua vez, é multi- repetente, não possui nenhuma experiência de
leitura em cultos religiosos e, em casa, apenas tenta cumprir as atividades
escolares. Ou seja, as suas únicas referências de escrita são oportunizadas
pelo contexto escolar. Ele apresenta um discurso lacônico sobre as suas
leituras e mostra desinteresse por qualquer atividade de leitura e produção de
textos.
J., de Sobradinho, ao contrário, lê narrativas bíblicas e tenta produzir
textos em casa, enquanto M. escuta as leituras em voz alta da mãe e tem como
rotina a escrita de textos dos chamados gêneros digitais, como e-mails, e
outros.
Pode-se acrescentar que os sujeitos de Baraúna estão mais restritos ao
ambiente comunitário e familiar do que os outros de Sobradinho, que saem
mais e, portanto, têm mais referências de atividades sociais de outros locais e
de outras pessoas do que eles, nas quais se incluem as ações de escrita.
O fator idade é importante para caracterizar os sujeitos alunos e suas
experiências com a escrita, pois R. está fora da idade /série e não tem
nenhuma identificação com os textos lidos na escola complementar, em sua
maioria textos clássicos da literatura infantil, que geralmente são
acompanhados de atividades a serem realizadas a partir de desenhos que
estão fora da realidade de um adolescente de 15 anos, ao contrário dos outros
sujeitos. Esta situação é extremamente perversa, visto que quanto mais o
sujeito avança de idade, menos ele aprende, pois a escola se afasta cada vez
mais de sua realidade pessoal, já que nivela pessoas.
104
O fator profissão, no contexto em estudo, é pertinente para a observação
das experiências familiares de leitura e produção de texto. M.B.S. só estudou
até a 4ª série, porém a sua experiência de trabalho ajuda na sua formação de
leitor a partir da leitura em voz alta de boletins e jornais da Petrobras que AOL
faz para ele. Esta experiência de leitura, por sua vez, é reforçada por AOL, que
também só possuindo a 4ª série, usa o computador em casa para escrever
textos referentes à sua profissão de vendedora de alimentos, além de se
comunicar com parentes que estão distantes. E seu filho M., ao trabalhar no
espaço doméstico com CDs e DVDs, utiliza o computador para exercer esta
atividade profissional através da leitura e produção de textos de gêneros
digitais, tais como e-mails e chats. Acrescenta-se a isso, o fato de que J.P.Q.
realiza leituras particulares referentes à sua profissão de contadora em casa,
embora estas não influenciem as experiências familiares de escrita da sua filha
J.
Observa-se que a variável gênero entre os adultos não é pertinente,
nesse estudo, para observar as suas práticas cotidianas de escrita, já que os
dados revelaram que apenas um homem está presente no contexto familiar, e
que os demais só vão para casa para dormir, pois passam o dia trabalhando, e
nos fins de semana também se ausentam do lar. Com relação aos alunos
entrevistados, as práticas sociais e as práticas escolares de escrita não
mostraram diferenças relevantes que fossem decorrentes desta variável,
provavelmente devido ao número reduzido de sujeitos.
Pode-se constatar que a concepção tradicional de língua e de texto em
geral ainda fundamenta o trabalho em língua portuguesa nas escolas. Segundo
Koch (2003), há a concepção tradicional, a concepção estrutural e a concepção
interacionista de língua. A primeira concepção, de acordo com Travaglia
(2002), situa a linguagem como expressão do pensamento. Ou seja, não se
expressar de determinada maneira é sinônimo de não pensar direito e, em
conseqüência, da linguagem não ter lógica. Esta concepção tradicional
constituiu-se historicamente, ancorada na tradição gramatical, e refere-se a um
corpo de regras de como deve ser a língua. Ela é de base escrita e pautada na
literatura clássica, ou no cânone, e serve de modelo para toda a sociedade.
Esta concepção de língua não tem caráter científico, porque faz julgamento de
valor tendo como referência a linguagem de grupos sociais de prestígio.
105
As outras duas concepções de língua têm caráter científico, já que se
fundamentam nos estudos lingüísticos, embora correspondam a pontos de
vista diferentes sobre como a língua se estrutura ou como é usada pelos
sujeitos. Elas não se preocupam em como a língua deve ser e nem levam em
conta critérios históricos e puristas em suas análises. Uma destas concepções
refere-se à corrente estruturalista dos estudos da língua, que a concebe na
perspectiva da homogeneidade. Segundo Travaglia (2002, p.22), esta diz
respeito à língua como instrumento de comunicação, o que mostra que ―nessa
concepção a língua é vista como um código, ou seja, como um conjunto de
signos que se combinam segundo regras, o que é capaz de transmitir uma
mensagem, informações de um emissor a um receptor.‖
A outra concepção, que fundamenta este trabalho, refere-se à língua na
perspectiva dos usos e dos sujeitos, ou seja, baseia-se na sua
heterogeneidade. A língua aqui é interpretada como sendo sócio-
historicamente situada, e resultado de um processo de interação entre os
sujeitos.
Observa-se que as escritas do contexto familiar e comunitário – no caso o
contexto religioso – diferenciam-se muito dos textos tradicionalmente
trabalhados na escola, que em geral atendem ao objetivo final de servirem de
pretexto para o ensino de regras gramaticais.
Os sujeitos R e A, que só lêem textos escolares e são copistas, citam um
autor clássico de obras infantis que nunca leram, como sua referência de
leitura. J., por sua vez, relaciona o que lê e escreve em casa a exercícios
escolares, e o que chama de ‗conto‘, visto no exemplo 12, na verdade é um
depoimento composto de fragmentos de textos sobre a sua experiência
escolar. E M. cita as histórias contadas pela professora como texto de que
gosta. E todos os textos lembrados são considerados pretextos para trabalhos
de análise de língua e para formação de hábitos entre os alunos.
Nesta perspectiva, tanto as crianças quanto seus pais não consideram as
escritas religiosas que fazem parte do contexto familiar ou comunitário como
sendo práticas de leitura e escrita, pois quando questionados sobre elas,
fizeram questão de deixar claro que estas são atividades da igreja. Por isso,
enxergam-nas como sendo parte de um ritual litúrgico. Assim como e-mails e
106
outros textos virtuais, que são considerados ferramentas de trabalho ou formas
de lazer.
Verifica-se ainda, que nos rituais das igrejas freqüentadas pelos adultos
as leituras religiosas são coletivas – em voz alta - ou individuais. Desta forma,
em casa ou na igreja, são constituídas, muitas vezes, de outras linguagens
como o canto, gestos e dança. Assim, as relações entre oralidade, escrita, e
outras linguagens dependem do contexto em que se realizam, são ações sócio-
culturalmente situadas de sujeitos singulares. Heath (1983), como visto antes,
mostra que diferentes comunidades, como as que ela estudou, possuem
diferentes orientações de letramento em casa e na escola, baseadas nos
valores culturais e tradições de escrita próprios de cada contexto.
Pode-se acrescentar também, que alguns gêneros textuais digitais,
surgidos recentemente, como os e-mails e chats, representam uma nova
relação dos sujeitos com a escrita em suas práticas cotidianas, incluindo as
suas atividades profissionais, como argumenta Marchuschi (2001), em um
contexto multimídia, de acordo com as diferentes instâncias sócio-culturais, e
seus textos hoje são uma realidade na vida contemporânea .
E esta realidade diversa do cotidiano dos diferentes sujeitos não é
considerada pela escola, já que tradicionalmente não leva em conta, nas
primeiras séries, textos de gêneros discursivos que possam se constituir em
práticas significativas para formar bons leitores e redatores, mas sim para ser
pretexto para o trabalho edificante de formação de bons hábitos e conceitos, e
de aprendizado de regras gramaticais.
Os escritos dos exemplos 13 e 14, fornecidos por J. e A., e considerados
exemplos de textos pelos sujeitos, são, respectivamente, exercícios
gramaticais e cópia de uma poesia, que funciona como treino ortográfico. A
noção de texto construída pelos alunos na escola tradicional, portanto,
confunde-se com a noção de escrita escolar, que aqui serve prioritariamente
para avaliar o domínio do código ortográfico e de regras gramaticais, e não
para formar leitores e produtores de texto.
Os dados mostram que a escola complementar tenta se basear em uma
concepção de ensino diferenciada da instrução tradicional. Entretanto,
observamos que os pais exigem que seus filhos façam exercícios gramaticais e
demais exercícios da escola tradicional. Para eles, este deve ser o papel da
107
escola complementar, o de reforçar conteúdos, e não o de formar leitores e
redatores eficientes, ou seja, o de oferecer mais recursos tendo em vista a
escola tradicional, visto ser esta a referência de ensino.
O texto, na escola complementar, é considerado pelo professor a unidade
de trabalho em língua portuguesa, o que amplia a visão de língua escrita do
aluno, antes restrita, pois ele o estuda aqui na perspectiva dos gêneros
textuais. Contudo, o texto ainda é geralmente utilizado nesta escola como
pretexto para o ensino de algo, como é o caso do exemplo 15, fornecido por A.,
que é uma cópia de poesia, a qual serve de motivo para a realização de
atividade gramatical, e do exemplo 16, de texto instrutivo, cujo objetivo foi o de
se escreverem alguns trechos sobre alguma situação vivenciada em sala de
aula, a partir de desenhos, com o pretexto de formar hábitos de higiene.
Além deles, pode-se observar o texto do exemplo 19, referente a relatos
e narrativas sobre temas específicos, cujos desenhos e textos foram escritos a
partir da pré-definição e exploração de temas pela professora em atividade oral
desenvolvida em classe, como a construção da própria identidade e da
necessidade de combate à violência na sociedade. Assim como o exemplo 21,
de reescrituras de narrativas a partir de textos modelizadores, que são cópias
de fragmentos escritos pelos alunos e digitados pela professora para a
aplicação de exercícios de reconstrução de parágrafos.
Assim, os textos dos exemplos 12, 13, 14, 15, 16, 19 e 21 não têm o
objetivo de formar leitores e redatores eficientes. O texto escrito reduziu-se ao
trabalho de treino ortográfico, estudo gramatical, discussão de temas para a
formação pessoal do aluno e para exercícios de construção frasal.
No que se refere aos contos infantis, produzidos por A. e M., de acordo
com o exemplo 17, seguido pela ilustração mostrada no exemplo 18 da
descrição dos dados, observa-se que se trata de uma narrativa construída a
partir da história de Chapeuzinho Vermelho. Verifica-se que os sujeitos não têm
oportunidade de construir a sua própria narrativa porque, ao escreverem o
conto, fazem-no a partir de fragmentos de clássicos da literatura infantil, que
conhecem desde a fase pré-escolar, como é o caso aqui da história de
Joãozinho e Maria, e de outras leituras feitas na escola para a formação de
conceitos, como a necessidade de preservação do meio ambiente, já que há a
108
referência à ação de carpinteiro malvado que levou Chapeuzinho branco para
desmatar a floresta.
Os únicos textos criativos, dentre os entregues para a pesquisa, foram os
dos exemplos 20 e 22. O texto do exemplo 20 é um conto com estrutura
narrativa própria deste gênero, que inicia com ―era uma vez‖ e conclui com o
tradicional ―felizes para sempre‖, e que foi baseado no desenho animado
Shrek, com o qual os alunos estão familiarizados graças à mídia eletrônica. A
produção deste texto permitiu aflorar a criatividade do aluno, como mostra o
trecho: ―o monstro Shrek gosta comer 30 abacaxi, 25 bananas, 05 mangas, 10
copos de suco de lama misturado com adubo de boi‖. O texto não serviu de
pretexto para outras atividades, e então o(s) aluno(s) puderam se expressar
livremente sobre um personagem já conhecido.
O texto do exemplo 22 refere-se a um rap (rhythm and poetry - ritmo e
poesia) que foi escrito a partir de um trabalho oral feito antes em classe com
base em uma fábula. Por isso, traz a questão da não violência como tema, a
partir do fundo moral da fábula.
Ele é exemplo de gênero de escrita híbrido porque, embora utilize o meio
gráfico, tem concepção oral, segundo Marcuschi (2005). Os estudantes estão
familiarizados no seu cotidiano com o rap, que surgiu como dança nas festas
das ruas de grupos populares, e é escrito em versos rimados, já que tem como
objetivo produzir ritmo e oportunizar o trabalho da expressão corporal por meio
da música e da dança.
Assim sendo, embora a fábula seja comentada oralmente e lida em classe
com objetivo de se discutir o seu fundo moral, a possibilidade de situar o texto
em outro gênero, como o rap, oportunizou aos alunos, a construção de um
texto original, próprio, bem como o uso criativo da língua escrita.
Souza (2006) coloca que há várias maneiras diferentes de se construir o
significado. Estas envolvem formas diferentes de engajamento corporal com o
mundo, ou seja, segundo o autor não é apenas por meio da visão, como ocorre
na escrita, ou da audição como ocorre com a fala, mas através do tato, do
olfato, do gosto, da sensação, o que ele chama de sinestesia, são
consideradas forma especiais dos homens compreenderem e se relacionarem
com o mundo.
109
A escola tradicional, portanto, tem uma visão mitificada e cristalizada de
escrita, conforme Rojo (2006). Segundo ela, deve-se pensar nas práticas de
leitura e de escrita que fazem parte do cotidiano das pessoas, e nas diferentes
formas de participação em práticas orais nas quais estas práticas de letramento
ganham significado. Portanto, o modo de participação oral de crianças nas
práticas de leitura e escritura é que caracterizará a construção de uma relação
com a escrita enquanto prática discursiva e enquanto objeto.
Já a escola complementar baseia-se em um conceito de escrita
contraditório, pois, ao buscar atender à expectativa dos pais, acaba por adotar
uma visão tradicional de língua em sua prática de ensino. Ao mesmo tempo, ao
recuperar o texto como unidade do trabalho em Língua Portuguesa, tenta
acatar o que sugerem os Parâmetros Curriculares Nacionais da Educação
Básica (1997), neste caso, os direcionados para o 1º e 2º ciclos quando tratam,
dentre outras questões, de concepções teóricas sobre língua, escrita e texto
baseadas em estudos lingüísticos. Assim, a escola complementar propõe-se a
inovar no nível teórico, mas não consegue fazê-lo satisfatoriamente em sala de
aula, no domínio prático dos procedimentos de ensino-aprendizagem do
português.
De acordo com Soares (2004), ter-se apropriado da escrita é diferente de
ter aprendido a ler e a escrever, uma vez que ―aprender a ler e escrever
significa adquirir uma tecnologia, a de decodificar em língua escrita e de
decodificar a língua escrita; apropriar-se da escrita é tornar a escrita ―própria‖,
ou seja, é assumi-la como sua ―propriedade‖ (SOARES, 2004, p. 39).
110
7 CONCLUSÃO
A pesquisa de cunho etnográfico apresentada interpreta as práticas de
escrita como uma realidade constituída e constitutiva pelas demais práticas
sociais e pela realidade histórica e cultural, na qual a escrita dos sujeitos não é
neutra, mas pode ser desafiada, reinterpretada e alterada pelos indivíduos.
Deste modo, considera a interação e o trabalho coletivo dos seus
sujeitos, que convivem em duas comunidades específicas urbanas da cidade
de Feira de Santana, e que partilham o mesmo espaço escolar. Assim,
considera a língua, enquanto fala e escrita, integrante das práticas históricas e
sociais vividas nas singularidades de seus contextos.
Os dados coletados em campo e a sua interpretação, com base na
fundamentação teórica, constituíram a abordagem do tema proposto. E, de
acordo com a análise realizada, foi possível verificar-se que as ações dos
sujeitos em sua vida cotidiana e comunitária, determinam os usos que eles
fazem da escrita, e são por ela constituídas, com base nos conhecimentos não
apenas gramaticais, mas também sociolingüísticos, que orientam as
estratégias elaboradas para a apreensão destas escritas ordinárias em
contextos discursivos situados. Têm-se, como exemplo, os textos escritos que
são do domínio religioso e que fazem parte do espaço comunitário e familiar de
alguns sujeitos, ou seja, de sua vida religiosa.
Nesta perspectiva, os usos cotidianos de escrita relacionam-se com a
oralidade de maneira diversa, ou seja, de acordo com os grupos sócio-culturais
e com os diferentes contextos sócio-discursivos de que fazem parte, como, por
exemplo, as práticas compartilhados pelos sujeitos e constituídas por textos de
gêneros religiosos e de gêneros digitais, sendo os últimos ações que fazem
parte dos contextos de trabalho e de lazer. Observa-se, portanto, que estes são
textos escritos híbridos porque embora utilizem o meio gráfico, possuem
concepção oral. É nesse sentido que Marcuschi (2005) coloca que as situações
que envolvem as diversas mídias fazem emergir diferentes formas de
comunicação que são próprias dos sujeitos, apresentando um certo hibridismo
que desafia as relações entre oralidade, escrita e contexto.
Entretanto, as experiências de escrita dos alunos na escola confrontam-
se com as experiências de leitura e produção de textos vivenciadas no
111
contexto familiar, geralmente sob a influência das mães, e no contexto
comunitário a que pertencem estas crianças. Ou seja, as escritas que circulam
cotidianamente na família e na comunidade não se relacionam, na maior parte
das vezes, às escritas escolares, sobretudo às da escola tradicional. Tanto que
os textos que circulam nos espaços do cotidiano, como os do campo religioso,
não são considerados como sendo práticas de leitura e escrita pelos sujeitos,
mas apenas atividades litúrgicas. O mesmo ocorre com os e-mails e outros
textos virtuais, que são considerados apenas ferramentas de trabalho ou
formas de lazer
A escola tradicional ainda fundamenta o trabalho em língua portuguesa na
concepção tradicional de língua, em que há juízo de valor, porque se tem como
referência a linguagem de grupos sociais de prestígio, e como modelo a escrita
tradicional, que se baseia em regras da gramática normativa. Nesse caso, o
objetivo é o domínio destas regras com base em frases de textos escritos
apresentados em classe. Nota-se, desse modo, a clara oposição entre o
cotidiano vivido pelos alunos e o ensino escolar.
As escolas, em geral, principalmente a escola tradicional, não levam em
conta os usos sociais da escrita que fazem parte do contexto sociolingüístico
dos alunos, e que têm significado para eles. Nivela-os na avaliação de
desempenho, tratando-os, por isto mesmo, desigualmente. De um modo geral,
as práticas de escrita pautadas na visão tradicional de língua não atendem aos
propósitos comunicativos dos sujeitos, sobretudo os de instituições públicas, ao
priorizar gêneros de escrita que são próprios do campo escolar, como é o caso
dos clássicos da literatura infantil, muito presentes neste contexto e que os
alunos conhecem desde a fase pré-escolar, chegando à adolescência tendo -
os como modelo de escrita escolar.
Assim, a atitude assumida pelos sujeitos em relação a estas práticas é de
indiferença ou estranhamento, pois elas lhes são artificiais, servindo, dentre
outras coisas, para teste de habilidades referentes ao domínio do código
gráfico.
Já a escola complementar propõe uma concepção de ensino diferenciada
da instrução tradicional, principalmente porque tem como unidade de trabalho o
texto. Entretanto, este ainda é utilizado prioritariamente nesta escola como
pretexto, por exemplo, para a formação pessoal, para a aquisição de hábitos de
112
higiene, e mesmo para o reforço do trabalho de análise de língua desenvolvido
pela escola tradicional. Observa-se, portanto, que a abordagem da escrita que
adota no processo de ensino-aprendizagem é contraditória, por se basear em
uma visão ainda tradicional de língua em sua prática de ensino, ao mesmo
tempo em que teoricamente adota o texto como unidade do trabalho,
considerando a língua na perspectiva dos usos, em suas aulas de Língua
Portuguesa, conforme sugerem os Parâmetros Curriculares Nacionais da
Educação Básica (1997). Assim, o Centro de Educação Complementar faz jus
ao seu nome, quando reafirma o papel da escola tradicional ao funcionar como
reforço de suas aulas, embora no contexto das práticas textuais.
Por outro lado, os dados da pesquisa também apontam uma alternativa
de trabalho em língua portuguesa no contexto desta escola que ultrapassa a
concepção tradicional de escrita e de práticas de texto aqui citadas. Assim, a
escola complementar acerta, quando permite em alguns momentos que as
crianças se expressem criativamente a partir de determinados situações e/ou
gêneros que lhes são familiares.
Como exemplo, podemos citar o rap, gênero de escrita que interage com
a oralidade e também com outras linguagens em determinados contextos
discursivos, ou em um espaço multidimensional que lhes é próprio. Embora a
escola utilize o seu conteúdo como pretexto para o ensinamento moral da
fábula em que se baseia, ele oportuniza a construção de textos significativos
para os alunos de grupos populares, já que fazem parte da sua realidade
cotidiana.
Pode-se também citar como exemplo o conto baseado no desenho
animado Shrek, que foi escrito pelos alunos de forma criativa, já que não serviu
de pretexto para a realização de outras atividades e se baseou em personagem
de desenho animado conhecido de todos, graças à mídia eletrônica.
Com relação aos fatores utilizados para caracterizar as práticas de escrita
nesta pesquisa, mostraram-se pertinentes a idade dos alunos, a profissão dos
adultos e de um aluno, e o espaço comunitário.
Assim, as práticas escolares de escrita desenvolvidas nos dois contextos
escolares não se relacionam à idade de R, pois ele está fora e idade-série e as
atividades propostas afastam-se de suas atividades cotidianas e de seus
interesses pessoais.
113
Já o fator profissão mostrou-se pertinente para a análise dos dados,
porque a escrita faz parte do trabalho profissional de J.P.Q e A.O.L, e
oportuniza a M.B. dos S. a leitura de escritas relacionadas ao mundo do
trabalho, que são extensivas à sua mulher, enquanto M. lê e escreve no
computador regularmente para a gravação de CDs e DVDs que comercializa.
Verifica-se que o meio social é pertinente para a observação das práticas
de escrita, nesta pesquisa, pois os adultos de Baraúna entrevistados interagem
menos com outros espaços do que os sujeitos de Sobradinho, ou seja, as suas
atividades são mais localizadas e as suas práticas de escrita restringem-se ao
campo religioso do espaço comunitário - com exceção das escritas esporádicas
de gêneros utilitários, como as listas, por exemplo. Em Sobradinho, por sua
vez, as pessoas freqüentam mais outros espaços ou ambientes, e a escrita
também faz parte do espaço familiar, principalmente a escrita de textos de
gêneros que constituem o mundo do trabalho e o campo religioso dos adultos.
E as práticas de escrita das crianças investigadas refletem esta realidade, pois,
como se observou, as únicas copistas são justamente as de Baraúna, as que
não têm acesso a materiais de leitura e escrita e que não compartilham com as
mães nenhum cotidiano de leitura e de produção de textos.
A partir dos dados analisados, observamos que a Escola não leva em
conta fatores bio-sociais como a idade, no caso, e outros referentes à vida
social dos diversos sujeitos para, com isso, conhecer a realidade
sociolingüística dos alunos. Este fato explica o nivelamento a que eles são
submetidos, tanto com relação ao fator idade/série como com relação às
escritas que compõem o seu universo familiar e comunitário, o que inclui as
experiências diversas de leitura e de produção de textos dos pais, tanto no
espaço escolar, como na vida cotidiana, assim como nos diferentes bairros em
que vivem.
Em suma, pode-se afirmar que se faz necessário discutir, sobretudo, o
ensino da língua escrita em situações concretas de uso, como é o caso dos
contextos do trabalho, da família, dentre outros, tomando-se por base os
postulados teóricos provenientes dos resultados de variadas pesquisas sobre
situações específicas de uso da língua em diferentes manifestações sociais, a
fim de se promover propostas reais de intervenção no ensino formal. Nesse
sentido, Kleiman (2006) afirma que a família muito tem a contribuir, visto que
114
esta constitui a agência de letramento mais eficiente que garante o sucesso
escolar. Nela, as práticas e os usos da escrita são fatos presentes no cotidiano
e inseparáveis de outros fatores e prazeres.
Portanto, a escola deve educar por meio de um ensino que se aproxime
da realidade de seus alunos, visto se tratar de um universo dinâmico,
constituído e constitutivo de sujeitos que agem sobre ele resignificando-o.
Nesse universo se coloca a escrita enquanto prática. Por isso, se faz
necessário conhecer e conquistar esses sujeitos, não o contrário. Não se trata
de simplesmente lhes transmitir informações desvinculadas da realidade de
que fazem parte, mesmo se referindo ao ensino da língua. Trata-se de dar a
palavra ao aluno, de modo que esta o instrumentalize para a vida nos
diferentes contextos e com todas as letras.
116
ANEXO 01
LOCALIZAÇÕES DE PARTE DOS BAIRROS DA CIDADE DE FEIRA DE
SANTANA
FONTE: Livro de Canto da Paróquia do Bonfim, situada no Alto do bairro
Cruzeiro.
117
ANEXO 02
MAPA DA LOCALIZAÇÃO DO ANEL DE CONTORNO DA CIDADE DE FEIRA DE SANTANA
FONTE: Disponível em:<htpp://www.uefs.br/antares/comochegar.htm>. Acesso em: 25 de fev. 2009, 17:00h
118
ANEXO 03
PROJETO DA LEI COMPLEMENTAR Nº 018 DE 18 DE JULHO DE 2004: DELIMITAÇÃO DOS BAIRROS DA CIDADE DE
FEIRA DE SANTANA
122
FONTE: Disponível em:<htpp:// www.feiradesantana.ba.gov.br/leispdf/leicomp/leicomp18.pdf>. Acesso em: 25 de fev. 2009, 17:00
123
ANEXO 04 ÁREAS DESCRITAS EM BARAÚNA
Ruas do bairro Baraúna
Ponto comercial no bairro Baraúna. Escola Estadual no bairro Baraúna
Estação da Música no bairro Baraúna. Empreendimento municipal d aproveitamento
dos espelhos d’água potáveis no bairro Baraúna
Posto de saúde no bairro Baraúna. Complexo viário Prefeito José Ronaldo de Carvalho próximo ao bairro Baraúna
124
ANEXO 05
ÁREAS DESCRITAS EM SOBRADINHO
Posto Policial no bairro Sobradinho. Cemitério São Jorge no bairro Sobradinho.
Seminário teológico no bairro Sobradinho. Igreja Batista no bairro Sobradinho.
Casa comercial no bairro Sobradinho. Local da feira livre no bairro Sobradinho.
125
ANEXO 06 CENTRO DE EDUCAÇÃO COMPLEMENTAR – CEC
Centro de Educação Complementar – CEC no bairro Baraúna
Início das aulas no CEC. Área de acolhimentos aos alunos
Refeitório do CEC.
Sala de Informática do CEC. Sala de música do CEC.
126
Sala de meio ambiente do CEC. Sala de artes do CEC.
Sala de Informática do atendimento Sala de matemática do CEC psicopedagógico do CEC.
Sala de Leitura e escrita do CEC.
Momento de dramatização a partir dos textos construídos pelos alunos do CEC.
127
ANEXO 07
ESCOLA MUNICIPAL ELIZABETH JOHNSON
Escola municipal tradicional Secretaria da escola municipal no bairro Sobradinho.
Sala de aula da escola municipal Parte externa onde se localizam as salas de aula da escola municipal
Garagem da Escola Municipal.
128
ANEXO 08 QUESTIONÁRIO APLICADO AO SUJEITO ALUNO NO CONTEXTO
ESCOLAR
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA MESTRADO EM ESTUDO DE LINGUAGENS
LINHA DE PESQUISA II: LINGUAGENS, DISCURSO E SOCIEDADE.
PESQUISA DE CAMPO QUESTIONÁRIO APLICADO AO ALUNO
UNIDADE ESCOLAR _______________________________________ 01- SÉRIE:______do Ensino Fundamental TURNO DE ESTUDO: ( ) Manhã ( ) Tarde
02- NOME DO ALUNO(A): _____________________________________________________
03- SEXO: ( ) MASCULINO ( ) FEMININO
04- DATA DE NASCIMENTO: ______/_____/ 19_____ IDADE:_________anos
05- VIDA ESCOLAR: Já repetiu essa série alguma vez? ( )SIM ________vezes
( ) NÃO
Já repetiu outra(s) séries alguma vez? ( )SIM ________vezes
( ) NÃO
Freqüenta o CEC ( Centro de Educação Complementar)? ( ) SIM
( ) NÃO
Já parou de estudar alguma vez? ( ) SIM. Em que série estava?_________série
( ) NÃO
06- BAIRRO EM QUE MORA:___________________________________________________
07- TEMPO DE MORADIA NO BAIRRO: _____________ Meses OU ___________ANO(S)
08- TRABALHA OU JÁ TRABALHOU EM ALGUM SERVIÇO PARA AJUDAR A FAMÍLIA?
( )SIM Fazendo o quê?_____________________________________________
( ) NÃO
09- RENDA FAMILIAR
( ) Abaixo de um salário mínimo ( ) Um salário mínimo
( ) Dois salários mínimos ( ) Acima de Três salários mínimos
10- QUEM SÃO SEUS RESPONSÁVEIS:
( ) PAI E MÃE ( ) SÓ PAI ( ) SÓ MÃE ( ) AVÔ ( )AVÓ
( ) TIO E TIA ( ) SÓ TIA ( ) SÓ TIO
( ) IRMÃO ( ) IRMÃ ( )OUTROS
11- SEUS RESPONSÁVEIS TRABALHAM? ( ) SIM
( ) NÃO
Qual a profissão deles, ou seja, o que eles fazem?____________________________________
12- QUANTAS PESSOAS MORAM EM SUA CASA? ____________________PESSSOAS
129
ANEXO 09 Quadro 3
SISTEMATIZAÇÃO DOS DADOS BIO-SOCIAIS: SUJEITOS ALUNOS
Escola Parceira e do Centro de Educação Complementar – CEC 4ª série TURMA 07
NO
ME
DO
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NO
S
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LA
EM
QU
E
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DA
M
TU
RN
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TU
DA
M
GÊ
NE
RO
IDA
DE
VIDA ESCOLAR: 0 - Não é repetente 1- Repetente nesta
série 2 - Repetente em outra
série 3 - Parou de estudar
0 1 2 3
BA
IRR
O E
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M
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TE
MP
O D
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IA
NO
BA
IRR
O
ALUNO TRABA
LHADOR
SIM NÃO
TIP
O D
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RA
BA
LH
O
RE
AL
IZA
DO
RENDA FAMILIAR☼ 0-Abaixo de um salário mínimo 1-Um salário
mínimo 2-Dois salários
mínimos 3-Acima de três
salários mínimos 0 1 2 3
RESPON SÁVEIS
1- Pai e Mãe X (Só Pai / Só Mãe :
Especificar) 2- Parentes: Especificar 3- Outros
1 2 3
PR
OF
ISS
ÃO
DO
S
RE
SP
ON
SÁ
VE
IS
QU
AN
TID
AD
E D
E
MO
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DO
RE
S N
A
RE
SID
ÊN
CIA
01-A. M. S. L.
CEC/
Elizabeth Johnson
Matutino
Feminino
12
anos
X 1x
Baraúna
Rua Petronílio Pinto Nº
400
_
12
anos
X
_
X
X
Dono de Oficina/ Dona de
Loja
04 Pessoas
02- J. S. de O.
CEC/
Elizabeth Johnson
Matutino
Feminino
12
anos
X 1x
Sobradinho Rua Úrsula
Catarina Nº 413
3225-6552
12
anos
X
_ X
X
Contadora
02
Pessoas
03-R. V. dos S. C. C.
CEC/
Elizabeth Johnson
Matutino
Feminino
10
anos
X
Sobradinho Rua José de Freitas Moreira Nº
250
9131- 6705
05
anos
X
-
X
Tia
Trab. Em Clínica
03
Pessoas
04-R. G. F.
CEC/
Elizabeth Johnson
Matutino
Masculino
15
anos
X 1x
X 1x
Baraúna
Rua Avenida
Riachuelo Nº 502
-
13
anos
X
_ X
X
Gerente
05
Pessoas
05- M. L. dos S.
CEC/
Elizabeth Johnson
Matutino
Masculino
12
anos
X
Sobradinho
Rua Ladulfo Alves Nº
684
3488- 3087
06
anos
X
Gravação de CD e
DVD
X
X
?
04
Pessoas
130
ANEXO 10 Quadro 04
SISTEMATIZAÇÃO DOS DADOS BIO-SOCIAIS: SUJEITOS ALUNOS Escola Parceira e do Centro de Educação Complementar – CEC 4ª série TURMA 02
NO
ME
DO
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LU
NO
S
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AM
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M Q
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TU
DA
M
GÊ
NE
RO
IDA
DE
VIDA
ESCOLAR:
0 - Não é repetente
1- Repetente nesta série
2 - Repetente em outra série 3 - Parou de
estudar 0 1 2 3 B
AIR
RO
EM
QU
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AM
FO
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RO
ALUNO TRABA
LHADOR
SIM NÃO
TIP
O D
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RA
BA
LH
O R
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LIZ
AD
O
RENDA
FAMILIAR 0-Abaixo de um salário
mínimo 1-Um
salário mínimo 2-Dois
salários mínimos 3-Acima de três salários
mínimos 0 1 2 3
RESPON SÁVEIS
1- Pai e Mãe X (Só Pai / Só
Mãe : Especificar) 2- Parentes: Especificar 3- Outros
1 2 3 P
RO
FIS
SÃ
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OS
RE
SP
ON
SÁ
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TID
AD
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OR
AD
OR
ES
NA
RE
SID
ÊN
CIA
06- I. K. S. dos S.
CEC/
Elizabeth Johnson
Vespertino
Feminino
10
anos
Baraúnas
Rua Imperial Nº
121 /02
3614-6465
07- R. de J. S.
CEC/
Elizabeth Johnson
Vespertino
11 anos
Sobradinho Rua Rosa de Saron Nº 141
3488-1170
08- D. K. A.C.
CEC/
Elizabeth Johnson
Vespertino
Masculino
11
anos
X
Jardim
Cruzeiro Rua
Pojuca S/N
9132-3623
1 ano
X
-
X
X
Vendedores
04
pessoas
09-W. de M. M.
CEC/
Elizabeth Johnson
Vespertino
Masculino
10 anos
X
Jardim
Cruzeiro Rua
Esplanada Nº 465
3483-0206
7 anos
X
- X
X
Vendedora
05
pessoas
10-R. de J. N.
CEC/
Elizabeth Johnson
Vespertino
Masculino
13anos
Galiléia
Rua 19 de Maio Nº 27
3223-3737
131
ANEXO 11 Quadro 05
SISTEMATIZAÇÃO GERAL DOS DADOS BIO-SOCIAIS: SUJEITOS ALUNOS
Todos da Escola Parceira do Centro de Educação Complementar– CEC 4ª série Total de sujeitos entrevistados = 30
NO
ME
DO
S
AL
UN
OS
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CO
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QU
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DA
M
TU
RN
O E
M Q
UE
ES
TU
DA
M
GÊ
NE
RO
IDA
DE
VIDA
ESCOLAR: 0 - Não é repetente 1- Repetente nesta
série 2 - Repetente em
outra série 3 - Parou de estudar
0 1 2 3 BA
IRR
O E
M Q
UE
MO
RA
M
TE
MP
O D
E
MO
RA
DIA
NO
BA
IRR
O
ALUNO
TRABA
LHADOR
SIM
NÃO
TIP
O D
E
TR
AB
AL
HO
RE
AL
IZA
DO
RENDA
FAMILIAR 0-Abaixo de um salário mínimo 1-Um salário
mínimo 2-Dois salários
mínimos 3-Acima de três
salários mínimos 0 1 2 3
RESPON
SÁVEIS 1- Pai e Mãe X (Só Pai / Só Mãe : Especificar)
2- Parentes: Especificar 3- Outros
1 2 3 PR
OF
ISS
ÃO
DO
S
RE
SP
ON
SÁ
VE
IS#
QU
AN
TID
AD
E D
E
MO
RA
DO
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S N
A
RE
SID
ÊN
CIA
01- A. C. da S.
Elizabeth Johnson
Vespertino
Feminino
13
anos
X 1x
Santa Cruz
3 anos
X
Babá
X
X
Bancário/ Dona de
loja
07
pessoas
02- B. B. B.
Elizabeth Johnson
Vespertino
Feminino
12
anos
X 2x
Sobradinho
2 anos
X
-
X
IRMÃ
Vendedora
04
pessoas
03- D.R.S. Elizabeth Johnson
Vespertino
Masculino
10 anos
X
Baraúnas
10 anos
X
-
X
AVÓ
Radialista
07
pessoas
04- D.K.A
Elizabeth Johnson
Vespertino
Masculino
11 anos
X
Jardim Cruzeiro
1 ano
X
-
X
X
Vendedores
04
pessoas
05- E.S.S.
Elizabeth Johnson
Vespertino
Masculino
12
anos
X
2X
Baraúnas
12
anos
X
Oficina
X
AVÓ
Dona de casa
07
pessoas
06- E. O. E.S.
Elizabeth Johnson
Vespertino
Masculino
10
anos
X
2X
Baraúnas
3 anos
X
Vendedor de
Pastel
X
X
Trabalho
Doméstico
07
pessoas
07- G.G.de J.
Elizabeth Johnson
Vespertino
Masculino
11
anos
X 1x
Jardim
Cruzeiro
11
anos
X
-
X
X
Vendedor
04 pessoas
08- G. C.
Elizabeth Johnson
Vespertino
Feminino
11
anos
X 2x
Sobradinho
10
anos
X
-
X
X
Policial/ Dona de
casa
05
pessoas
09- I. L. N. dos s.
Elizabeth Johnson
Vespertino
Masculino
10
anos
X
Jardim
Cruzeiro
4
meses
X
-
X
Guarda
04
pessoas
10- Í. A. N.
Elizabeth Johnson
Vespertino
Masculino
12
anos
X 2x
Baraúnas
12
anos
X
Entregador de Pastel
X
X
Faz Pastel
04
pessoas
132
11- J.C.S.S.
Elizabeth Johnson
Vespertino
Masculino
10
anos
X
Jardim
Cruzeiro
12 anos
X
-
X
Centro de
Abastecimento
04 pessoas
12-J.R.A.
Elizabeth Johnson
Vespertino
Feminino
X
Gabriela
10
anos
X
-
X
MÃE
Dona de Casa
04
pessoas
13-J.J.L.
Elizabeth Johnson
Vespertino
Feminino
10
anos
X
Sobradinho
8 anos
X
-
X
X
Eletricista
05
pessoas
14-K. L.M. P.
Elizabeth Johnson
Vespertino
Feminino
10
anos
X
Jardim Cruzeiro
8 anos
X
-
X
X
Vendedor De
Calçados
04
pessoas
15-K. P. S.
Elizabeth Johnson
Vespertino
Feminino
10
anos
X
Jardim
Cruzeiro
12
anos
X
-
X
X
Frigorífico/vendedor
11
pessoas
16-L.A.L
Elizabeth Johnson
Vespertino
Masculino
12
anos
X
2X
Baraúnas
12
anos
X
Vendedor de
Roupa
X
X
?
10
pessoas
17-L.C.P
Elizabeth Johnson
Vespertino
Feminino
9
anos
X
Jardim
Cruzeiro
10 anos
X
-
X
X
Pedreiro
06
pessoas
18-L.N.
Elizabeth Johnson
Vespertino
Feminino
9
anos
X
Sobradinho
9 anos
X
-
X
MÃE
Doméstica
02
pessoas
19-M.D.T.M.
Elizabeth Johnson
Vespertino
Masculino
10
anos
X
Gabriela
2
meses
X
-
X
MÃE
Diarista
04
pessoas
20-M. E. M. S. S.
Elizabeth Johnson
Vespertino
Masculino
10
anos
X
Sobradinho
10
anos
X
-
X
X
Gerente
05
pessoas
21-M. S.M.S. Elizabeth Johnson
Vespertino
Masculino
11 anos
X
1X
Sucupira
11
anos
X
Envernizando
cadeira
X
X
Faz Cadeira
05
pessoas
22-M.S.C.
Elizabeth Johnson
Vespertino
Feminino
10
anos
X
Galiléia
10 anos
X
-
X
X
Ferralheiro/dona de
casa
05
pessoas
23-M. O.M
Elizabeth Johnson
Vespertino
Feminino
10
anos
X
Jardim
Cruzeiro
2 anos
X
-
?
MÃE
Combista
24-N.F.S.
Elizabeth Johnson
Vespertino
Masculino
12
anos
X
2X
Sobradinho
5 anos
X
-
X
X
Oficina e Treiler
06
pessoas
25-P.C.R.
Elizabeth Johnson
Vespertino
Masculino
14
anos
X
1X
Baraúnas
14
anos
X
X
X
Lanches
10
pessoas
133
26-R.S.C
Elizabeth Johnson
Vespertino
Masculino
11
anos
X
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
27-S.S.S.S Elizabeth Johnson
Vespertino
Feminino
9
anos
X
Baraúnas
2 anos
X
-
-
-
-
-
X
-
04
pessoas
28-T.S.O. Elizabeth Johnson
Vespertino
Masculino
12
anos
X
3X
Galiléia
8 anos
X
Lavar
banheiro e varrer casa
X
X
Pintor
06 pessoas
29-W.N.R.R
Elizabeth Johnson
Vespertino
Masculino
11
anos
X 1x
Sobradinho
11
anos
X
-
X
AVÓ
Pintor/dona de casa
08
pessoas
30-W.M.M.
Elizabeth Johnson
Vespertino
Masculino
10 anos
X
Jardim
Cruzeiro
7 anos
X
- X
X
Vendedora
05
pessoas
? = Não especificou/ Incompreensível
134
ANEXO 12
G1- GRÁFICO DEMONSTRATIVO DE EVASÃO DA ESCOLA COMPLEMENTAR
FONTE: Secretaria do Centro de Educação Complementar Dom Silvério Albuquerque - CEC
135
ANEXO 13 QUADRO 6 : SISTEMATIZAÇÃO DAS ENTREVISTAS COM OS ALUNOS
NOME DO ALUNO
MODALIDADE DA
ENTREVISTA
QUESTÕES DAS ENTREVISTAS
1- O que você gosta de fazer para se distrair quando
não está trabalhando, estudando ou brincando?
2- O que gosta de
fazer diariamente?
3- E seus
responsáveis (tia) freqüentam
Igreja?
4- Na Igreja eles pedem algum tipo de coisa
para elas lerem e escreverem?
5- Sua tia lê e escreve na
igreja?
6-
Você já viu sua tia fazer algumas anotações além
do Estudo Bíblico?
7-
Ela já pediu para você fazer
alguma anotação escrita?
8- Para que vocês escrevem
em casa?
J.
Gravada
Só faço estudar,
assistir ,a s vezes, e dormir...
Dormir. Porque
minha tia me bota para fazer dever,
tabuada e eu prefiro dormir, do
que estudar.
Da minha casa só
minha mãe e minha tia é evangélica.
Só no Estudo
Bíblico
Na hora do culto. No estudo Bíblico ela leva uma folha e anota o estudo bíblico. Quando
ora também, pois ela pede.
Já. Quando ela
ora. Ela faz pedido escrito.
Minha tia me pediu para eu
colocar o nome de meus pais e eu
coloquei.
Para estudar e fazer dever,
história
ATIVIDADES DE LAZER ou PRÁTICAS DO COTIDIANO
ATIVIDADES / PRÁTICAS
RELIGIOSAS DOS PAIS E/OU RESPONSÁVEIS
O QUE DIZEM OS ALUNOS DAS PRÁTICAS DE
RECEPÇÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS DOS SEUS PAIS
E/OU RESPONSÁVEIS
O QUE DIZEM OS ALUNOS DAS
PRÓPRIAS PRÁTICAS DE
RECEPÇÃO E PRODUÇÃO DE
TEXTOS
09-Na escola você gosta de escrever?
10-E em casa você faz história?
11 - Como a escrita aparece
na casa de vocês?
12- Vocês costumam
receber muitas cartas?
Gosto. Mas às vezes eu reclamo, porque dia de sexta não é dia de fazer
dever.Os dias de dever é terça, quarta e quinta.
Não. Tenho diário,
mas não...
Pelo correio, recibo de água, de
luz...
Às vezes
O QUE DIZEM OS ALUNOS DAS PRÓPRIAS PRÁTICAS DE
RECEPÇÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS
O QUE DIZEM OS ALUNOS DAS PRÁTICAS DE RECEPÇÃO E
PRODUÇÃO DE TEXTOS QUE CIRCULAM NO CONTEXTO FAMILIAR
136
QUADRO 6.1: SISTEMATIZAÇÃO DAS ENTREVISTAS COM OS ALUNOS
NOME DO ALUNO
MODALIDADE DA
ENTREVISTA
QUESTÕES DAS ENTREVISTAS
1- O que você gosta
de fazer normalmente
para se distrair quando não está
trabalhando, estudando ou brincando?
2- O que você mais
gosta de fazer diariamente?
3- Que tipo de desenho?
4- O que as três espiãs mais
fazem e falam para que você goste delas?
5- E os livros, quais
você mais gosta?
6- Os livros que
você lê ficam em sua casa ou só
tem oportunidade de
ler na escola?
7- O que você escreve?
8- Seus pais
freqüentam igreja?
A.
Gravada
Gosto de brincar, ler livro e assistir
TV.
Assistir desenho e escrever no diário.
Eu tenho dois
Três espiãs...
Proteger.
Monteiro Lobato
(...)
Eu peço ao meu pai para me levar
na Biblioteca, peço emprestado
e leio aqui.
Escrevo história, que depois que escrevo perde a
graça.
Só minha mãe
ATIVIDADES DE LAZER ou
PRÁTICAS DO COTIDIANO
O QUE DIZEM OS ALUNOS DAS PRÓPRIAS
PRÁTICAS DE RECEPÇÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS
ATIVIDADES / PRÁTICAS
RELIGIOSAS DOS PAIS E/OU RESPONSÁVEIS
9-
Seu pai lê e escreve? O quê?
10- Como a escrita aparece
na casa de vocês?
11 – E revista, elas aparecem?
12- O que vocês mais escrevem
em casa?
Sim. Não lembro, coisas do serviço
dele. Silêncio e cabeça baixa!
Livros do colégio... Só de novela. Quem gosta de
comprar é minha mãe
Escrevo bilhetes.
O QUE DIZEM OS ALUNOS DAS
PRÁTICAS DE RECEPÇÃO E
PRODUÇÃO DE TEXTOS DOS SEUS
PAIS E/OU RESPONSÁVEIS
O QUE DIZEM OS ALUNOS DAS PRÁTICAS DE
RECEPÇÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS QUE CIRCULAM
NO CONTEXTO FAMILIAR
137
QUADRO 6.2: SISTEMATIZAÇÃO DAS ENTREVISTAS COM OS ALUNOS
NOME DO ALUNO
MODALIDADE DA
ENTREVISTA
QUESTÕES DAS ENTREVISTAS
1- O que você gosta
de fazer normalmente
para se distrair quando não está
trabalhando, estudando ou brincando?
2- O que você mais gosta de assistir
na TV?
3- Que tipo de desenho?
4- O que as três espiãs mais
fazem e falam para que você goste delas?
5- E os livros, quais
você mais gosta?
6- Os livros que
você lê ficam em sua casa ou só
tem oportunidade de
ler na escola?
7- O que vocês mais escrevem
em casa?
8- Seus pais
freqüentam igreja?
R.
Gravada
Brincar de bola,
jogar na lan house e assistir TV. Eu escrevo no diário
e tenho dois.
Desenho
Três espiãs...
Proteger.
Monteiro Lobato
Eu peço ao meu pai para me levar
na Biblioteca, peço emprestado
e leio aqui.
Escrevo bilhetes.
Só minha mãe,
mas não sei onde.
ATIVIDADES DE LAZER ou
PRÁTICAS DO COTIDIANO
O QUE DIZEM OS ALUNOS DAS PRÓPRIAS PRÁTICAS DE RECEPÇÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS
ATIVIDADES /
PRÁTICAS RELIGIOSAS DOS
PAIS E/OU RESPONSÁVEIS
9-
Seu pai lê e escreve? O quê?
10- Como a escrita aparece
na casa de vocês?
11 – E revista, elas aparecem?
Sim. Não lembro, coisas do serviço dele. Silêncio e cabeça baixa!
Livros do colégio... Só de novela. Quem gosta de
comprar é minha mãe
O QUE DIZEM OS ALUNOS DAS PRÁTICAS DE RECEPÇÃO E
PRODUÇÃO DE TEXTOS DOS SEUS
PAIS E/OU RESPONSÁVEIS
O QUE DIZEM OS ALUNOS DAS PRÁTICAS DE RECEPÇÃO E
PRODUÇÃO DE TEXTOS QUE CIRCULAM NO CONTEXTO FAMILIAR
138
QUADRO 6.3: SISTEMATIZAÇÃO DAS ENTREVISTAS COM OS ALUNOS
NOME DO ALUNO
MODALIDADE DA
ENTREVISTA
QUESTÕES DAS ENTREVISTAS
1- O que você gosta
de fazer normalmente
para se distrair quando não está
trabalhando, estudando ou brincando?
2- Seus pais
freqüentam Igreja?
3- Seu pai s
freqüentam igreja?
4-
Seu pai lê e escreve? O quê?
5- Quais são as formas que a
escrita aparece na casa de
vocês?
6- O que você gosta de
escrever?
7- No estudo, o que você mais gosta de fazer?
8-Na escola, para quem você escreve?
M.
Gravada
Jogar na lan-
house assistir TV. Assistir desenho e usar o computador
Só meu pai vai à
Universal
Minha mãe,as
vezes
Sim. Não lembro, coisas do serviço dele. Silêncio e cabeça baixa!
Através dos pedidos e das cartas para a
Igreja.
Não gosto de escrever, pois a
minha letra é feia
História contada Para a professora, para minha mãe e
eu.
ATIVIDADES DE
LAZER ou PRÁTICAS DO
COTIDIANO
ATIVIDADES / PRÁTICAS RELIGIOSAS DOS PAIS E/OU
RESPONSÁVEIS
O QUE DIZEM OS
ALUNOS DAS PRÁTICAS DE RECEPÇÃO E
PRODUÇÃO DE TEXTOS DOS SEUS
PAIS E/OU RESPONSÁVEIS
O QUE DIZEM OS ALUNOS DAS PRÓPRIAS PRÁTICAS DE RECEPÇÃO E
PRODUÇÃO DE TEXTOS
09- E em sua casa, de que forma vocês escrevem?
10-Por que você usa a tecnologia para escrever?
Pelos torpedos que eu mando no celular e pelo computador mando algumas
mensagens na lan house ou em casa.
Para me informar, saber mais.
O QUE DIZEM OS ALUNOS DAS PRÁTICAS DE RECEPÇÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS QUE CIRCULAM
NO CONTEXTO FAMILIAR
139
ANEXO 14 Quadro 7
SISTEMATIZAÇÃO DE ENTREVISTAS COM PAIS OU RESPONSÁVEIS
NO
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DO
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AL
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OS
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OR
MA
LM
EN
TE
01- A.
Mãe: A.L
Pai: N.L
É normal
Não, só a mãe que é
diaconisa na
Igreja
Sim.
Batista Nova
esperança
De casa para a Igreja e assistir
TV
Importante é né? Mas eu
saio direto
(mãe) e não tem
nem tempo
de ver a filha
direito.
Na
leitura da Bíblia e a filha
que ajuda a
professora da
Igreja na classe
de crianças
Não,
pois é a dona da loja que faz tudo
o que precisa
lá.
Mãe: Até
a 5ª série
Pai: Até
a 5ª série
Os
desenhos e os
demais que
passam no
domingo
A TV
ajuda no lazer.
Só a
Igreja.
Não. Os livros e papéis
que tinham
eu joguei fora.
Sim.
Lemos a Bíblia e fazemos pedidos
Poesia
da minha filha,
algumas frases, cartas
02- J.
Mãe:
J.P.Q.
Pai: -----------
De vez
em quando
tem assalto,
uma cliente minha
foi assaltad
a em pleno dia!
Sou
contadora da
Igreja
Sim.
Batista
Piscina que tem
aqui, assiste
TV, passeios da Igreja e outros
Eu
costumo ensinar
os deveres e passar contas
para ela. Além disso,
costumamos ler a Bíblia.
Ela
gosta de ficar no quarto e escrever coisas
dela e eu no meu trabalho com os
números.
Nos
documentos que eu faço do meu trabalho em casa.
Eu tenho ensino
superior em
contabilidade
Pouco paro para
assistir, pois eu
não tenho
tempo.
Se não fosse o
computador eu
não realizaria meu
trabalho, pois eu trabalho em casa mesmo.
Igreja,
passeios e
viagens que
realizo de vez
em quando
Não
Sim. A Bíblia e
na prestaçã
o de contas
da Igreja.
Agenda telefônic
a, bilhetes, pedidos
da Igreja,
recados.
03- R.
Mãe:
L.L.G.
Pai: R.B.S.
É normal
Não.
Nas
vezes sim, mas a maior
parte não.
Os
meninos brincam de bola, vãopara
a lan house,
brincam de
vídeo- game, e vão para o campo
da
Não
respondeu
Não
gosto de escrever. Gosto mais de ler os
livros do colégio
e as atividades dos filhos.
Eu sou dona de casa e
não escrevo.
Meu esposo
é cortador de carne e faz as contas
Mãe: Até
a 8ª série
Pai: Até
a 2ª série
Novela e
jornal
Não
respondeu
Não.
Não.
Ø
Agenda telefônic
a e os deveres
da escola.
140
escola jogar bola
aqui ao lado. Além disso,
assistem TV,
ouvem program
a de rádio,
música e vão para a casa
de minha mãe.
04- M.
Mãe:
A. O. L
Pai: M.B. dos
S.
É
maravilhosa, é
perto do CEC
Não. Na Igreja meu
esposo só
freqüenta os
cultos religioso
s
Mãe: Não
Pai:
Igreja Universl
a
Tendo
tempo, a gente
vai para a priai
de Bom Jesus. Para mim
(mãe) é
só trabalho,
pois a gente
tem um quiosque. Sobre outras
atividades
minha filha,
não tem condiçõ
es!
No
colégio eu ( mãe) estou
sempre presente
. E através
do
telefone , caso
aconteça
alguma coisa.
Aqui todo
mundo estuda. O único que não estuda é seu M. (Pai)
Olha
bem, eu ainda não
coloquei uma
placa, não
divulguei a
entrega
de marmita que eu faço,
porque a minha casa
estava em
reforma, não
acabei a reforma
dela ainda.
Os pedidos
da marmita são por telefone
e eu memoriz
Mãe:
Porque eu tenho arrependimento de não
ter estudos, porém
eu volto
atrás, porque
eu trabalhei
desde os 8
anos de idade... Ainda
me alfabetiz
ei, estudei
pelo menos até a 4ª série, a daquele tempo!
Mas tudo com
muita luta e
Mãe:
Jornal Nacional
, que não é
sempre, eu não tenho
paciência, prefiro
estar no computa
dor
Pai: Assiste muito a
televisão.
Com o
computador
melhorou muito... eu uso
pra conversa
r com
as pessoas. Eu tenho
uma prima lá
em Blumena
u e já mora a
30 anos. Então eu uso mais
para conversar. Tem os
meus sobrinho
s que estão em Salvador.
Então você
sabe que a gente tem que
ir lendo e escreven
Mãe: Eu...
uma vez ou outra eu vou
ao Chique
Bar, Papo
Dez, 14
BIZ, Karaoqu
ê,a pesar de
não cantar,
mas gosto de
dar risada e
me divertir.
Pai: Vai para a Igreja.
Não.
Mas eu leio o
jornal da Igreja
Universal. Eu até
tinha assinatu
ra da
revista, mas eu
cancelei, porque
só vinha propaga
nda. Tinha
mais ou menos
um ano. Foi mais
ou menos
em 2006. Era a
revista Marie Clair
Meu
marido não
enxerga 30% da
visão. Aí eu leio a
Bíblia para ele
para
Ele e ele escuta.
Os pedidos
da Igreja, sou eu
que escrevo para ele também.
Recados
que meus filhos
deixam. Anotaçõ
es de números
de telefone. Alguns estudos bíblicos
e pensamentos.
141
o a
maioria. muito
esforço, mas
chegou uma
hora e eu tava
cansada, eu
disse: -olhe, pare: uma
coisa ou outra.
Pai: A
mesma coisa
do né? As vezes
meu marido acha
ruim e diz: - Ah!, porque a sua vida
é computa
dor ( SILÊNCI
O) Depois
ele volta e diz: -
realmente hoje
tudo é o computador. Ele
não serve só pra mim. Se tem
uma pesquisa
dos filhos, o professo
r pede um livro que não tem, aí
você vai e em um instante consegue. Isso tudo
facilita. Ah! Eu
também vendo
minhas marmitas
pelo computa
dor!
142
REFERÊNCIAS
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