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101 RESUMO Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 16, n. 31, p. 101-119, nov. 2008 Ângela Lazagna NACIONALISMOS E INTERNACIONALISMO: UM DEBATE ENTRE MICHAEL LÖWY E MICHEL CAHEN Recebido em 8 de maio de 2008. Aprovado em 30 de maio de 2008. DEBATE Michel Löwy Michel Cahen Este artigo consiste em um debate realizado entre Michel Löwy e Michael Cahen em meados dos anos 1990 e revisto para esta publicação. Mesmo que a discussão refira-se a acontecimentos que até certo ponto podem ser considerados datados, a preocupação de fundo que é comum a esses artigos concede-lhes atua- lidade: a necessidade do aprofundamento de uma reflexão, a partir da teoria marxista, sobre o problema dos nacionalismos e do internacionalismo em tempos de mundialização. Esse aprofundamento, segundo os autores, faz-se necessário sobretudo por meio de uma reflexão que rompa criticamente com uma visão eurocêntrica dos diferentes nacionalismos e que supere a atitude de muitos marxistas de desprezarem tudo aquilo que não seja diretamente relevante à “consciência de classe”. PALAVRAS-CHAVE: nacionalismos; internacionalismo; marxismo; eurocentrismo; mundialização; consci- ência de classe. Os artigos de Michael Löwy, Nacionalismos do Sul, e de Michel Cahen, Nacionalismos de Ter- ceiro Mundo. Para um debate, em resposta a Michael Löwy, formaram parte de um debate pu- blicado na revista teórica mensal Critique communiste, da Liga Comunista Revolucionária (LCR), entre 1995 e 1997. Mesmo que a discus- são refira-se a acontecimentos que, em certo sen- tido, podem ser considerados datados, a preocu- pação de fundo comum a esses artigos concede- lhes uma atualidade incontestável: a necessidade do aprofundamento de uma reflexão, a partir da teoria marxista, sobre o problema dos nacionalis- mos e do internacionalismo em tempos de APRESENTAÇÃO 1 Ângela Lazagna mundialização. Esse aprofundamento, segundo os autores, faz-se necessário sobretudo por meio de uma reflexão que criticamente rompa com uma visão eurocêntrica dos diferentes nacionalismos e que supere a atitude de muitos marxistas de des- prezarem tudo aquilo que não seja diretamente relevante para a “consciência de classe”. As questões enfrentadas por Löwy transitam, portanto, por uma abordagem – e por seus dile- mas – da tradição marxista em relação à questão nacional. Justamente, a inspiração do seu primei- ro livro que se debruça abertamente sobre esse tema (infelizmente, ainda não publicado no Bra- sil), Les marxistes et la question nationale 1848- 1914: études et textes (LÖWY, HAUPT & WEILL, 1974), resultou de um curso saudavelmente polê- mico, segundo o próprio autor (cf. REIS & GO- MES, 1996, p. 9), ministrado com o cientista po- lítico Nicos Poulantzas – cujo esforço de cons- trução de uma teoria do Estado de tipo capitalista somou-se ao corpus teórico da escola althusseriana dos anos 1960 e 1970. Ao oferecer-nos um vasto – apesar de resu- mido – mapeamento histórico de vários movimen- tos nacionalistas (Ásia, África, Oriente Médio, 1 Agradeço a Michael Löwy e a Michel Cahen por autori- zarem a publicação dos seus artigos, bem como pela revi- são da minha tradução ao português dos seus textos. É imprescindível ressaltar que, na altura da redação desta apresentação e das traduções dos artigos subseqüentes, eu realizava um estágio de doutorado no Institut d’Études Politiques – Université Montesquieu Bordeaux IV –, apoi- ado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), o que permitiu o acesso a uma ampla bibliografia, bem como a importantes interlocutores (nota da tradutora, Ângela Lazagna).

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 16, Nº 31: 101-119 NOV. 2008

RESUMO

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 16, n. 31, p. 101-119, nov. 2008

Ângela Lazagna

NACIONALISMOS E INTERNACIONALISMO:UM DEBATE ENTRE MICHAEL LÖWY E MICHEL CAHEN

Recebido em 8 de maio de 2008.Aprovado em 30 de maio de 2008.

DEBATE

Michel Löwy Michel Cahen

Este artigo consiste em um debate realizado entre Michel Löwy e Michael Cahen em meados dos anos 1990e revisto para esta publicação. Mesmo que a discussão refira-se a acontecimentos que até certo pontopodem ser considerados datados, a preocupação de fundo que é comum a esses artigos concede-lhes atua-lidade: a necessidade do aprofundamento de uma reflexão, a partir da teoria marxista, sobre o problemados nacionalismos e do internacionalismo em tempos de mundialização. Esse aprofundamento, segundo osautores, faz-se necessário sobretudo por meio de uma reflexão que rompa criticamente com uma visãoeurocêntrica dos diferentes nacionalismos e que supere a atitude de muitos marxistas de desprezarem tudoaquilo que não seja diretamente relevante à “consciência de classe”.

PALAVRAS-CHAVE: nacionalismos; internacionalismo; marxismo; eurocentrismo; mundialização; consci-ência de classe.

Os artigos de Michael Löwy, Nacionalismosdo Sul, e de Michel Cahen, Nacionalismos de Ter-ceiro Mundo. Para um debate, em resposta aMichael Löwy, formaram parte de um debate pu-blicado na revista teórica mensal Critiquecommuniste, da Liga Comunista Revolucionária(LCR), entre 1995 e 1997. Mesmo que a discus-são refira-se a acontecimentos que, em certo sen-tido, podem ser considerados datados, a preocu-pação de fundo comum a esses artigos concede-lhes uma atualidade incontestável: a necessidadedo aprofundamento de uma reflexão, a partir dateoria marxista, sobre o problema dos nacionalis-mos e do internacionalismo em tempos de

APRESENTAÇÃO1

Ângela Lazagna

mundialização. Esse aprofundamento, segundo osautores, faz-se necessário sobretudo por meio deuma reflexão que criticamente rompa com umavisão eurocêntrica dos diferentes nacionalismos eque supere a atitude de muitos marxistas de des-prezarem tudo aquilo que não seja diretamenterelevante para a “consciência de classe”.

As questões enfrentadas por Löwy transitam,portanto, por uma abordagem – e por seus dile-mas – da tradição marxista em relação à questãonacional. Justamente, a inspiração do seu primei-ro livro que se debruça abertamente sobre essetema (infelizmente, ainda não publicado no Bra-sil), Les marxistes et la question nationale 1848-1914: études et textes (LÖWY, HAUPT & WEILL,1974), resultou de um curso saudavelmente polê-mico, segundo o próprio autor (cf. REIS & GO-MES, 1996, p. 9), ministrado com o cientista po-lítico Nicos Poulantzas – cujo esforço de cons-trução de uma teoria do Estado de tipo capitalistasomou-se ao corpus teórico da escola althusserianados anos 1960 e 1970.

Ao oferecer-nos um vasto – apesar de resu-mido – mapeamento histórico de vários movimen-tos nacionalistas (Ásia, África, Oriente Médio,

1 Agradeço a Michael Löwy e a Michel Cahen por autori-zarem a publicação dos seus artigos, bem como pela revi-são da minha tradução ao português dos seus textos. Éimprescindível ressaltar que, na altura da redação destaapresentação e das traduções dos artigos subseqüentes, eurealizava um estágio de doutorado no Institut d’ÉtudesPolitiques – Université Montesquieu Bordeaux IV –, apoi-ado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal deNível Superior (Capes), o que permitiu o acesso a umaampla bibliografia, bem como a importantes interlocutores(nota da tradutora, Ângela Lazagna).

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NACIONALISMOS E INTERNACIONALISMO

América Latina), Michael Löwy tem como pres-suposto o crescimento dos nacionalismos enquan-to fenômeno que, ao menos em parte, contrapõe-se à mundialização da economia. O autor pergun-ta-se – fornecendo-nos, nesse sentido, algumaspistas para a reflexão de uma questão extrema-mente complexa – como os nacionalismos de tipoemancipador podem contribuir para a lutainternacionalista contra o imperialismo e o capita-lismo, ressaltando, contudo, que a fronteira entreos nacionalismos é móvel, “considerando que cer-tos movimentos são, por sua vez, libertadores eopressores ou transformam-se de democráticosem agressivos” (LÖWY, 1995-1996, p. 77).

Mas a motivação que perpassa seu artigo –detalhada em seu livro Nacionalismos einternacionalismos: da época de Marx até nossosdias (LÖWY, 2000)2 – é a constatação de quegrande parte do pensamento marxista, em virtudedo economicismo, tendeu a subestimar o papel daquestão nacional bem como a importância da li-bertação nacional dos povos dominados ao “[...]esquecer, negligenciar ou, ao menos, subestimaras forças opressoras que não são as de opressãode classe: nacional, racial ou sexual” (LÖWY,1997, p. 83). Se o marxismo deve ao conceito de“imperialismo” a possibilidade de evitar as arma-dilhas do falso universalismo eurocêntrico, ele nãopode, segundo Löwy (1995-1996, p. 81), “igno-rar impunemente a importância das culturas naci-onais ou a legitimidade da luta pelos direitos naci-onais democráticos”.

Cabe aqui acrescentarmos um breve comen-tário à reflexão de Löwy sobre um nacionalismode tipo emancipador latino-americano (da Bolíviae do México, por exemplo), cujos atuais contor-nos foram sendo esquadrinhados nas últimas dé-cadas: o movimento dos indígenas pelo reconhe-cimento dos direitos nacionais e culturais dos seuspovos, em coalizão com outros grupos ou clas-ses oprimidos. Löwy detém-se, nesse caso, noconteúdo da resolução adotada por muitas orga-nizações indígenas mexicanas na Convenção Na-cional Democrática convocada pelos zapatistas emChiapas, em novembro de 1994, cujo documentodenuncia o caráter centralizador e homogeneizadordo Estado e reivindica um autonomismo políticoque reconheça, de fato, a existência do pluralismo

e aceite a participação efetiva dos povos indíge-nas na vida democrática. Esses movimentos, quese contrapõem a um longo processo histórico dedominação – agravada pela fase neoliberal do ca-pitalismo – imposta a esses povos, trazem à tonanovas idéias de nações e de modalidades de lutaanti-imperialista, o que mais uma vez evidenciaque a tradição marxista deve superar muitas desuas fórmulas explicativas dicotômicas – ointernacionalismo em detrimento dos nacionalis-mos, as classes sociais em detrimento das múlti-plas etnias, a nação enquanto sinônimo de Estado(daí advindo a idéia de que todo movimento naci-onalista é, por princípio, “burguês”) – paraviabilizar uma análise que contemple os alcancese os limites da construção de um projeto de “su-peração de todas as formas de opressão”.

Alguns dos argumentos esgrimidos porMichael Löwy foram, nesse sentido, contestadospor Michel Cahen. Se, em princípio, aquele ad-verte que a subestimação, por parte da tradiçãodo marxismo, ao tratar a questão nacional é evi-dente, Cahen, por sua parte, desvela um outro“vazio” ainda mais premente: o tratamento da ques-tão da etnicidade política e da sua relação com asclasses sociais, com os movimentos de libertaçãocolonial, bem como com os movimentos nacio-nalistas. Alguns dos problemas identificados peloautor e que estariam na origem da “anti-etnicidadedos marxistas” fundar-se-iam em: 1) identifica-ção da etnia à “raça”; 2) visão reducionista da etniacomo resultado de uma “invenção do capitalismo,do imperialismo ou do stalinismo”; 3) concepçãoeurocêntrica e jacobina da nação, que acaba porreduzi-la ao Estado (ganhando força uma análisedo Estado-nação em vez do “Estado de uma na-ção”) e 4) redução “da análise do sentimento na-cional das pessoas” à “análise da teoria da nação”.O autor também ressalta, em um outro artigo, queo resultado político dessa concepção impediria“[...] as correntes marxistas, tanto na Europacomo no Terceiro Mundo, de tentar tomar a dire-ção dos movimentos étnico-nacionais, repelindo-os imediatamente em direção às correntes auten-ticamente reacionárias” (CAHEN, 1997, p. 167).

Ainda segundo Cahen, nações e etnias devemser apreendidas como fenômenos de cristalizaçãoidentitária totalizante, cujas duração e intensidadepodem variar; se “[...] todas as nações são etnias,mas [se] nem todas as etnias são nações” (idem,p. 182), podemos daí apreender que a dinâmicada luta de classes ocorre, justamente, em um ter-

2 Trabalho aqui com a edição francesa desse livro (LÖWY,1997) (N. T.).

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reno permeado de complexidades histórico-identitárias, de modo que “[...] algumas formasde opressão, ainda que integradas global e indire-tamente ao capitalismo, podem ser-lhe anteriorese não diretamente classistas – o que, por sua vez,não significa em absoluto que elas não possamser integradas ao programa libertador de um mo-vimento classista” (CAHEN, 1999, p. 128).

No caso particular dos Palop (Países Africa-nos de Língua Oficial Portuguesa), Cahen rompecom um conjunto de análises que classifica a lutaanticolonial ocorrida nessas formações sociaiscomo “lutas de libertação nacional”. Logo, a crisedo Estado na África a que assistimos após os trá-gicos períodos de guerra civil que assolaram es-ses territórios é, de fato, a crise decorrente daausência dos estados-nação, a crise dos estados-território nos quais se ausenta uma legitimação mo-derna. O processo, por exemplo, da produção da“nação moçambicana” e a extensão da nação portoda a sua população foi – e ainda é –, segundoCahen, o fio condutor do projeto político opressorde um partido-Estado: a Frelimo (Frente de Liber-tação de Moçambique). Esse é um projeto que nãopossui como princípio a valorização das etnicidades(isto é, das nações pré-coloniais) – e a possívelprodução de uma nova “pan-identidade” – mas que,ao contrário, impõe uma “nova identidade” – a cons-trução do “Homem Novo” – como antagonista àsidentidades precedentes (CAHEN, 1997).

A estreita identificação entre Estado e nação –o primeiro como responsável pela formação dasegunda – reforça um dos principais traços doEstado capitalista, já sublinhado por NicosPoulantzas em seu livro Poder político e classessociais (POULANTZAS, 1975): a imposição daunificação dos indivíduos de uma sociedade “nauniversalidade política do Estado-nação”. A nação,concebida dentro dos limites dessa concepção,opera antes de tudo por meio de uma lógicasupraclassista e supra-identitária e quase semprehomogeneizadora, no sentido de garantir a unida-de de uma maioria social “instável” que legitime

os interesses de grupos sociais “em ‘interessesnacionais’, de molde a legitimar a imposição desua plataforma político-programática específica”(BRAGA, 2005, p. 182). Isso fica evidente quan-do nos referimos, de acordo com Tambiah, à idéiade Estado-nação secular – sobretudo o Estado-nação europeu ocidental – “que foi o resultado deuma série de acontecimentos muito especiais, in-cluindo sublevações sociais, tensões internas, re-voluções e guerras separatistas entre estados”(TAMBIAH, 1997, p. 3). Nesse sentido, segundoesse autor, uma reflexão sobre o que ele denomi-na de “etnonacionalismo” não pode permanecerrefém do modelo universalista de Estado-naçãoeuropeu original que as potências imperiais pro-curaram transplantar “paras as [suas] colônias eterritórios dependentes do Terceiro Mundo” (idem,p. 2). Daí advém, portanto, a necessidade de apre-ensão do “significado latente e [das] repercussõespolíticas concretas [do] [...] fenômeno [dos na-cionalismos]”, por meio da caracterização das “for-ças e interesses sociais subjacentes à invocaçãodo povo-nação enquanto figura jurídico-políticade justificação de determinado tipo de ação soci-al” (BRAGA, 2005, p. 182).

A crítica a uma concepção que reduz os mui-tos nacionalismos a um sinônimo de retrocesso ede reacionarismo procura, certamente, expulsaras análises meramente economicistas dos proces-sos etnopolíticos. Porém, muitas vezes, esseeconomicismo retorna, por assim dizer, pela por-ta dos fundos, sob novas formas e disfarces: quan-do a análise omite-se da tentativa de apreensão delutas e de contradições que não estão imediata-mente subordinadas às classes sociais (nesse casoentendidas como classes fundamentais). Longe depretender esgotar os múltiplos eixos da proble-mática, a publicação deste debate procura ilumi-nar – ao menos em parte – alguns caminhos per-corridos pela tradição marxista, mas, desta vez,sob o prisma de novos universos empíricos e con-textos sociopolíticos.

* * *

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NACIONALISMOS E INTERNACIONALISMO

NACIONALISMOS DO SUL3

A escalada de nacionalismos é um fenômenomundial que parece, ao menos em parte, ser umareação à mundialização da economia. No entanto,em cada região do mundo – e em cada país – sãotambém as condições específicas que favorecemo desenvolvimento dos movimentos identitários enacionais.

Esses movimentos podem ser, de acordo comcada caso, ora democráticos e emancipadores,pois que reagem às formas de opressão econômi-ca, política e cultural; ora regressivos, intoleran-tes, agressivos, voltados contra as minorias ounações dominadas. A fronteira entre ambos é mó-vel, considerando que certos movimentos são, porsua vez, libertadores e opressores ou transformam-se de democráticos em agressivos.

Essas duas formas de nacionalismo tambémexistem nos países do Sul, ou seja, na periferiadependente do sistema capitalista mundial (a ex-pressão “Terceiro Mundo” nada quer dizer após odesaparecimento do “Segundo Mundo”, chama-do de socialista). Já é tempo de iniciarmos sobreessa questão uma reflexão que não seja tributárianem do eurocentrismo, dominante na atual con-juntura, nem do “terceiromundismo” ingênuo.Nem todo movimento nacional no Sul é, ipso fac-to, progressista ou democrático, da mesma ma-neira que nem todo movimento anti-ocidental é,apesar disso, “totalitário”.

Historicamente, todos os grandes movimen-tos revolucionários autênticos dos países do Sultêm sido, simultaneamente, movimentos de liber-tação nacionalista e social, combinando estreita-mente a emancipação anticolonial e o anti-imperi-alismo à emancipação dos trabalhadores das cida-des e do campo. Isso vale para a Revolução Chi-nesa, para as revoluções indochinesas, para a Re-volução Mexicana – “interrompida” no início doséculo XXI – e para as revoluções cubana e nica-ragüense.

Muitos movimentos emancipadores e de liber-tação nacional desenvolveram-se, ao longo dos

Michael Löwy

últimos anos, na África, na Ásia e no OrienteMédio (abordaremos o caso da América Latinaseparadamente). Mas é necessário sublinhar quea maioria desses movimentos – tais como aquelesdo Curdistão, da Palestina, do Timor, do Sudão,do Sri Lanka, da África do Sul, da Eritréia – nãose confrontam diretamente com o imperialismoocidental, mas com formas locais de opressãonacional. Com exceção da onda de protesto po-pular no mundo árabo-muçulmano contra a I Guer-ra do Golfo e de algumas mobilizações pontuaiscontra o Fundo Monetário Internacional (FMI) naÁfrica do Norte, o nacionalismo anti-imperialistae anticolonialista parece que não representou umpapel importante ao longo do último período. Ain-da é muito cedo para saber se se trata de um fe-nômeno conjuntural ou de uma perda de influên-cia em proveito das formas regressivas de recuoidentitário, como o integrismo religioso. As Filipi-nas são, talvez, um dos raros países dessas regi-ões onde o movimento de libertação nacional (di-rigido pelos comunistas) fixa-se em objetivos di-retamente anti-imperialistas.

Esses movimentos são de natureza muito di-versa: o comunismo mais ou menos ortodoxo, ouseja, de inspiração soviética ou chinesa (o PartidoComunista (PC) Palestino, o PC Sul-Africano, oPC das Filipinas), o “nacional-comunismo” (o PKKdo Curdistão), o nacionalismo de esquerda (oCongresso Nacional Africano (ANC), a FrentePopular de Libertação da Eritréia, os Tigres doEelam do Sri Lanka, a esquerda palestina), o naci-onalismo em geral (o El Fatah4, o PDK curdo).No Timor Leste, deparamo-nos com um movi-mento sui generis, originário de um cristianismode esquerda, a Frente Revolucionária do TimorLeste Independente (Fretilin), que conduz umadifícil luta face à esmagadora superioridade mili-tar da Indonésia5. Em certos casos, as rivalidades

4 El Fatah: Movimento de Libertação da Palestina (nota datradutora).5 É necessário ter em mente que o artigo de M. Löwy foipublicado em 1995-1996: em 1999 o Timor Leste via refe-rendo proclamou-se independente da Indonésia, situaçãoconsolidada em 2002 (nota do revisor).3 Artigo originalmente publicado em Löwy (1995-1996).

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internas ligadas a razões políticas pouco claras –por exemplo, ao Curdistão iraquiano ou ao Sul doSudão – fragilizam o movimento e fazem o jogodos opressores.

Ao menos em dois países, os movimentos delibertação nacional de matiz progressista têm ob-tido vitórias importantes: na Eritréia, com a der-rota do regime militar etíope e o reconhecimentodo direito à independência do povo eritrense, e, éclaro, na África do Sul, com o fim do apartheid eas primeiras eleições por sufrágio universal, le-vando ao governo o ANC de Nelson Mandela. Masesse está longe de ser o caso da Palestina, apesardos “acordos de paz” de Oslo. Assim, encontra-mos nessa parte do mundo formas agressivas ereacionárias de nacionalismo nos conflitos entreos estados – por exemplo, a atroz guerra entre Irãe Iraque ou os periódicos enfrentamentos entrePaquistão e Índia. Entretanto, os movimentosidentitários mais regressivos não são propriamen-te nacionalistas, mas de caráter tribal(freqüentemente provocados ou manipulados pe-las antigas potências coloniais), religioso ou“comunalista”. É verdade que o nacionalismoexpansionista pode, em certos casos, utilizar parao seu próprio proveito a religião, como no casodo regime dos mulás, no Irã.

O integrismo religioso, nomeadamenteislâmico, aparece mais como um rival ou mesmocomo um adversário dos movimentos nacionaisdo mundo árabo-muçulmano; apenas excepcio-nalmente ele pode ser portador de uma reivindica-ção nacional, como por exemplo no Líbano ou naPalestina. No subcontinente indiano, os conflitosreligiosos entre fundamentalistas hinduístas emuçulmanos são os responsáveis pelosenfrentamentos trágicos e mortais no seio da po-pulação, sendo cada comunidade minoritária víti-ma de violências e massacres. O caso do Sri Lankaé um pouco diferente, o “comunalismo” assumindomais um matiz nacional ou etnolingüístico no con-flito entre a maioria cingalesa (e budista) e a mi-noria tâmil, mesmo que a dimensão religiosa nãoesteja ausente. É por essa razão que podemosconsiderar o combate dos tâmeis como um movi-mento de libertação nacional.

Quanto aos movimentos ditos tribalistas – ain-da que esse termo nem sempre corresponda a umarealidade étnica ou cultural precisa –, eles sãofreqüentemente manipulados segundo objetivosreacionários contra o nacionalismo: esse é o caso

das forças contra-revolucionárias das antigas co-lônias portuguesas (como a Resistência NacionalMoçambicana (Renamo) ou a União Nacional paraa Independência Total de Angola (Unita)) ou daInkhata6, na África do Sul. Todas as três foram,durante muito tempo, sustentadas pelos dirigen-tes do apartheid sul-africano (e pelos EstadosUnidos), em nome da luta contra o comunismo.Pior ainda: a bandeira da “purificação tribal” pode,quando apoiada por forças neocoloniais, conduzira um verdadeiro genocídio, como ao que recente-mente assistimos em Ruanda [em 1994]. Se osconceitos europeus de “nacionalismo” ou de “ra-cismo” dificilmente se aplicam aos hutus, cujosdirigentes foram os responsáveis pelo massacre,é apenas uma referência identitária de tipo (realou fictício) “étnico” que serviu de ideologia a umdos piores crimes contra a humanidade das últi-mas décadas.

O desenvolvimento dos integrismos religiosos,dos tribalismos e dos “comunalismos” éfreqüentemente beneficiado pelo fracasso dosgovernos nacionalistas “de esquerda” ou laicos –por exemplo, na África negra ou no mundo árabe– que renunciaram ao seu objetivo de libertação eenredaram-se nas políticas antipopulares inspira-das pelo FMI. Eles também se aproveitaram dacrise e da decomposição da esquerda que se se-guiu ao desmoronamento do “socialismo real” –crise que enfraqueceu as identidades de classe e aidéia de unidade de todos os explorados, para alémdas clivagens étnicas ou confessionais. Isso valemenos para os países em que o nacionalismo deesquerda continua sendo uma força de oposição –Curdistão, Timor Leste e Filipinas – ou, ainda quemuito recentemente, em que chegou ao governo,como na África do Sul ou na Eritréia.

O caso da América Latina é um tanto diferen-te, pois encontramos, nessa região, poucos con-flitos interétnicos, interconfessionais ou“comunalistas” – o que não significa dizer que oracismo e a exclusão social das comunidades in-dígenas ou negras não existam...

Encontramos igualmente na América Latina asduas forças do nacionalismo [acima referidas]. Oclássico exemplo de nacionalismo reacionário é a

6 Inkhata: Inkatha Freedom Party (ou Partido da Liberda-de Inkatha, também conhecido pela sigla IFP) é um partidopolítico sul-africano (N. T.).

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NACIONALISMOS E INTERNACIONALISMO

ideologia “patriótica” dos regimes militares – comona Argentina, no Brasil, no Chile, nos anos 1970 e1980 – geralmente dirigido contra o fantasma do“comunismo internacional” e seus “agentes sub-versivos” latino-americanos. Em nome da doutri-na da segurança nacional, cada protesto social,cada movimento de esquerda era denunciadocomo sendo de “inspiração estrangeira” ou fun-dado nas “doutrinas exóticas opostas às nossastradições nacionais”.

Esse tipo conservador de nacionalismo deGuerra Fria fez uma ampla utilização dos símbo-los nacionais (a bandeira, o hino nacional) e daretórica patriótica, mas aceitava, sem hesitação, ahegemonia dos Estados Unidos, a liderança norte-americano do “mundo livre”. Ele pode referir-se àgeopolítica para reivindicar um papelsubimperialista de hegemonia regional – como osmilitares brasileiros durante os anos 1970. Masessa ambição muito raramente conduz a um con-flito aberto com as potências ocidentais rivais,como no caso dos generais na guerra da Argenti-na contra a Inglaterra no que concerne às IlhasMalvinas. O último exemplo – bastante caricatural– dessa atitude foram as gesticulações “naciona-listas” contra Estados Unidos da junta militar noHaiti e dos seus partidários macoutes.

O nacionalismo de tipo populista que alcançouseu apogeu no curso dos anos 1940 e 1950 –peronismo na Argentina, aprismo no Peru,varguismo no Brasil – está em declínio e/ou re-conciliou-se com o capital estrangeiro. O casomais surpreendente é aquele do governo peronistado Presidente Menem que rompeu, sistematica-mente, com todos os laços da tradição nacionalis-ta do seu movimento e aplicou estritamente asorientações do FMI. Em alguns casos, como noMéxico, a crise do governo populista (dirigido peloPartido Institucional Revolucionário (PRI)) con-duziu a uma ruptura e à formação de um novopartido. O Partido Revolucionário Democrático(PRD), dirigido por Cuhautemoc Cárdenas – fi-lho do antigo Presidente Lázaro Cárdenas, quem,nos anos 1930, expropriara as companhias petro-líferas norte-americanas – tem por objetivo reataros laços com a tradição nacionalista e anti-imperi-alista da revolução mexicana.

O combate contra a dívida externa e contra aspolíticas neoliberais impostas pelo FMI foi o prin-cipal eixo de mobilização dos sentimentos nacio-nais e das iniciativas anti-imperialistas na América

Latina, sob a forma de manifestações, greves,protestos e mesmo levantes. Graças às pesadaspressões para o pagamento (de resto, impossível)da dívida externa, o FMI e o Banco Mundial exer-cem um controle tal sobre as políticas econômi-cas e sociais dos países do continente – sem pre-cedente desde o fim da colonização espanhola noséculo XIX – que suas independências são,freqüentemente, reduzidas a uma ficção. Os “con-selheiros” e “peritos” das instituições financeirasinternacionais ditam aos governos latino-america-nos suas taxas de inflação, seus cortes orçamen-tários na educação e na saúde, suas políticas sala-rial e fiscal... As lutas populares contras essasformas extremas de dependência e contra o paga-mento da dívida externa são movimentos não ape-nas nacionalistas, mas também anti-sistêmicos(para utilizar um conceito de ImmanuelWallerstein) por sua oposição à lógica da finançacapitalista mundial. Elas também possuem umcomponente de “classe” em relação ao seu confli-to com as elites dominantes locais – sempre pron-tas a respeitar rigorosamente as indicações do FMIe dos bancos.

Não é de admirar que em muitos países, comono Brasil, na Bolívia, no Peru e no México, omovimento operário, os sindicatos, os partidos deesquerda sejam os que levam adiante o combatecontra a dívida externa: libertação nacional e li-bertação social estão estreitamente ligadas na cons-ciência dos setores mais ativos do movimento.Lula, o dirigente do Partido dos Trabalhadores(PT) brasileiro, defendeu uma moratória da dívi-da e uma consulta popular sobre a utilização dodinheiro emprestado (nomeadamente pelo regimemilitar que governou o país de 1964 a 1985). Eletambém propôs uma iniciativa conjunta dosendividados, considerando que nenhum dessespaíses é poderoso o suficiente para sozinho en-frentar os credores.

Em que medida um país isolado – mesmo queele seja relativamente desenvolvido, como o Bra-sil ou o México – pode rejeitar a ditadura do Ban-co Mundial e romper o jugo da dominação imperi-alista? A integração latino-americana pode consti-tuir-se em uma alternativa aos planos norte-ame-ricanos de livre comércio? Como conquistar a li-bertação nacional e social em um país subdesen-volvido sem o apoio econômico e social de umapotência como a União Soviética? Qual é o pesodas contradições entre a Europa, os Estados Uni-

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dos e o Japão e em que medida elas podem serexploradas pelos movimentos emancipadores dospaíses periféricos?

Essas questões e outras similares – às quaisnão é fácil responder – estão, neste momento,sendo discutidas na América Latina e nas outrasregiões do Sul. Elas mostram que a libertação na-cional continua sendo uma questão vital na peri-feria do sistema, mas também que as soluçõespuramente nacionalistas têm um valor limitado:talvez a necessidade de uma estratégiainternacionalista seja hoje melhor percebida queno passado.

O exemplo de Cuba parece mostrar que umpaís independente pode, ao menos durante umperíodo limitado, sobreviver a um bloqueio norte-americano, a um boicote das instituições finan-ceiras e à ausência de apoio da ex-URSS. Mas ofuturo de Cuba dependerá em longo prazo dosdesenvolvimentos do restante da América Latina.

No curso dos últimos anos, as diferentes for-ças socialistas, nacionalista e anti-imperialistas daAmérica Latina – incluindo, entre outras, o PTbrasileiro, a FSLN (Frente Sandinista de Liberta-ção Nacional) nicaragüense, a FMLN (FrenteFarabundo Martí pela Libertação Nacional)salvadorenha, o PRD mexicano, o Lavalas do Haitie o Partido Comunista Cubano – sentiram a ne-cessidade de uma coordenação internacional (ou,ao menos, regional) e decidiram constituir umafrente unida, pluralista e democrática, conhecidacomo Fórum de São Paulo, que se encontra anu-almente para discutir perspectivas comuns.

Durante a primeira conferência do Fórum –em São Paulo, em 1990 –, um documento de im-portância histórica foi adotado, o qual apresentaas linhas de força de uma estratégia de libertaçãonacional para a América Latina. Logo de início,ele rejeita as propostas de “integração americana”apresentadas pelos Estados Unidos, denunciando-as como uma tentativa “de abrir completamentenossas economias nacionais à competição desleale desigual com o aparelho econômico imperialis-ta, submetendo-as inteiramente à sua hegemoniae destruindo suas estruturas produtivas por meioda integração em uma zona de livre troca liderada,dirigida e organizada pelos interesses econômicosnorte-americanos”. O documento opõe a essa pro-posta hegemonista uma nova concepção de uni-dade e de integração continentais, fundada na so-

berania e na autodeterminação da América Latina,na recuperação da sua identidade cultural e histó-rica e na solidariedade internacional entre seuspovos. “Isso pressupõe a defesa do patrimôniolatino-americano, o fim da fuga e da exportaçãode capitais, uma política comum e unificada faceao flagelo de uma dívida impagável, bem como aadoção de políticas econômicas em benefício dasmaiorias, capaz de combater a situação de misériana qual vivem milhões de latino-americanos”(FORO DE SÃO PAULO, 1990, p. 3; Inprecor,1990, p. 6).

Além do nacionalismo anti-imperialista, umoutro tipo de nacionalismo emancipador desen-volveu-se na América Latina ao longo dos últimosanos: o movimento dos indígenas pelos seus di-reitos. O debate em torno dos 500 anos do “des-cobrimento” das Américas e o prêmio Nobel con-cedido a Rigoberta Menchu [em 1992] deram umavisibilidade maior às lutas indígenas pela defesadas suas comunidades, das suas terras e da suacultura nacional contra a opressão das oligarquiasde origem hispânica ou mestiça.

Esses movimentos indígenas, associações oupartidos políticos (como o movimento TupacKatari, na Bolívia) em geral não se limitaram a umgrupo étnico (quechuas, aymaras, maias etc.), masunificaram todas as comunidades indígenas decada país. Eles desenvolvem uma crítica radicalda civilização ocidental e dos seus valores – a pro-priedade privada, o individualismo, a mercadoria– em nome das tradições indígenas pré-capitalis-tas e/ou pré-colombianas e de sua cultura comu-nitária.

Enquanto algumas organizações possuem umforte componente étnico e reivindicam a restau-ração das velhas nações ou impérios indígenas, amaior parte desses movimentos luta pelo reco-nhecimento dos direitos nacionais e culturais dospovos indígenas, em coalizão com outros gruposou classes oprimidas. Um exemplo importante é omovimento intitulado “Quinhentos anos de resis-tência indígena, negra e popular” que se desen-volveu, em 1990-1992, em toda a América Lati-na, contra as comemorações oficiais dos 500anos... Mas o exemplo mais espetacular é, semdúvida, a insurreição zapatista do Chiapas, funda-do sobre as reivindicações nacionais das comuni-dades indígenas e sobre sua luta pela terra. En-contramos nos documentos do Exército Zapatistade Libertação Nacional (EZLN) uma fusão, única

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em seu gênero, entre as tradições da revoluçãomexicana, a cultura maia dos indígenas do Chiapase as idéias marxistas da esquerda latino-americana.

Durante uma reunião da Convenção NacionalDemocrática, convocada em novembro de 1994pelos zapatistas em Chiapas, muitas organizaçõesindígenas mexicanas adotaram uma resolução, queé um dos mais notáveis documentos – nunca an-tes produzido – sobre a questão nacional indígenana América Latina. Partindo da constatação de queos indígenas mexicanos foram, ao mesmo tem-po, desapossados das suas terras e da sua identi-dade, o texto propõe a substituição do sistemapolítico atual, fundado sobre uma estrutura esta-tal centralizada, intolerante e autoritária, por umEstado de autonomias que possibilite o respeitoao pluralismo e a participação dos povos indíge-nas na vida democrática. Para as regiões habita-das por vários povos ou grupos socioculturais, odocumento propõe, por meio de uma livre deci-são dos interesses, “a possibilidade de viver emconjunto na unidade e na diversidade, na igualda-de e no respeito mútuo. Isso significa a criação deregiões multiculturais ou multi-étnicas”. A auto-nomia é uma aspiração secular que se exprime navida cotidiana das comunidades indígenas, nas suasformas de organização e de produção: trata-se detransformar essas práticas em elementosconstitutivos do sistema político mexicano insti-tuindo-se um novo nível de poder regional em todoo país. Por outro lado, os indígenas mexicanosinsistem sobre o fato de que seu projeto de auto-nomia “nada tem a ver com o separatismo, que épara nós, povos índios, uma idéia estéril”(MEXIQUE: NOUVELLE RELATION, 1995).

Evidentemente, existem diferenças notáveisentre as nações indígenas de países como aGuatemala, o Peru ou a Bolívia, nos quais elasconstituem a maioria da população, e as pequenastribos que sobrevivem na região amazônica. En-quanto no primeiro caso a luta nacional está inti-mamente ligada à luta social e à questão agrária(luta pela terra), no segundo, trata-se mais de umaluta pela proteção face à lógica etnocida da “civi-lização”.

A resistência dos sindicalistas, ecologistas etribos indígenas contra o desenvolvimento des-truidor do agronegócio pode conduzir a certasações conjuntas, tais como aquelas que ocorremna Amazônia, com a constituição de uma Confede-ração dos Povos da Floresta, por meio da iniciativa

do dirigente sindical, militante do Partido dos Tra-balhadores e ecologista, Chico Mendes – assassi-nado pouco depois pelos proprietários de terra.

Uma terceira forma de nacionalismo progres-sista na América Latina é o nacionalismo negro,que se desenvolveu, sobretudo, nos países doCaribe. Inspirado pela tradição das insurreiçõesdos escravos – a revolução haitiana de ToussaintLouverture em 1791 – e pelo Black Power7 ame-ricano, esse movimento ainda não encontrou suaexpressão política de massa, sendo suas princi-pais manifestações mais religiosas ou culturais.Essa também é a situação do Brasil, onde a resis-tência cultural negra adquire, sobretudo, uma for-ma religiosa por meio do desenvolvimento daumbanda, um culto sincrético composto de ele-mentos africanos e cristãos.

O nacionalismo, mesmo nas suas formas maisprogressistas, não pode ultrapassar certos limi-tes. Do ponto de vista marxista – que é aquele queinspira o autor deste artigo – os grandes proble-mas da nossa época são internacionais e não po-dem ser resolvidos no âmbito de uma única na-ção: isso vale também para questões decisivascomo a discrepância crescente entre o Norte e oSul, a crise do capitalismo mundial ou a ameaçada catástrofe ecológica sobre o planeta. Comovisão de mundo internacionalista, o marxismo –contrariamente às suas múltiplas contrafraçõesnacional-burocráticas – tem a vantagem de umaposição universalista e crítica que cria a possibili-dade de escapar das paixões e da embriaguez damitologia nacionalista. Mas isso não significa queele pode ignorar impunemente a importância dasculturas nacionais ou a legitimidade da luta pelosdireitos nacionais democráticos. Em outros ter-mos, seu universalismo não pode permanecer abs-trato, fundado sobre a simples negação das parti-cularidades nacionais, mas deve tornar-se um ver-dadeiro universal concreto (Hegel), capaz de in-corporar, sob a forma de uma síntese (Aufhebung)dialética, toda a riqueza do particular, todos ostesouros culturais da diversidade humana.

Graças ao conceito de imperialismo, o mar-xismo pode evitar as armadilhas do falsouniversalismo eurocêntrico (ou “ocidental”), quepretende impor a todos os povos do mundo – eem particular, àqueles da periferia –, sob o manto

7 Em inglês: “Poder Negro” (N. R.).

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da “civilização”, a vida burguês-industrial moder-na: propriedade privada, economia de mercado,expansão econômica ilimitada, produtivismo,utilitarismo, individualismo possessivo eracionalidade instrumental. Sem falar dapseudocultura moderna, despejada dia e noite pormeio dos meios de comunicação ocidentais emescala global, pelos donos da sociedade do espe-táculo capitalista, atropelando, no caminho, asculturas autóctones.

Isso não significa que os marxistas devam ig-norar o valor universal de certas conquistas dacultura européia desde 1789, como a democra-cia, as liberdades individuais, a igualdade perantea lei e os direitos dos homens – longe de seremefetivamente alcançadas nas sociedades moder-nas “realmente existentes”. Trata-se, pois, de re-cusar o falso dilema entre um pretendidouniversalismo “ocidental” e um relativismo abso-

luto que se recusaria a julgar criticamente práti-cas inumanas – como, por exemplo, as mutila-ções sexuais – sob o pretexto de respeitar identi-dades culturais ou nacionais.

Para o marxismo, o valor universal mais im-portante é a libertação dos seres humanos de to-das as formas de opressão, dominação, alienaçãoe degradação. É esse um universalismo utópico,ao contrário dos universalismos ideológicos quefazem apologia do status quo capitalista ocidentalcomo a cultura humana universal alcançada, o fimda história, a realização do espírito absoluto ou aforma última de modernidade. Somente umuniversalismo crítico e concreto desse tipo, queenxerga o horizonte de um futuro emancipado, écapaz de ultrapassar tanto os nacionalismos limi-tados quanto os culturalismos míopes como osetnocentrismos e os colonialismos.

* * *

O artigo de Michael Löwy, “Nacionalismos doSul”, publicado no n. 144, do inverno de 1995-1996, da revista Critique communiste, abre umdebate necessário, mas que, a meu ver, não rom-pe com algumas categorizações contestáveis – emesmo eurocêntricas.

I. A LIBERTAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DEOPRESSÃO

Isso não poderia ocultar um acordo fundamen-tal sobre muitos pontos: em primeiro lugar, areafirmação do conceito de imperialismo, que al-guns atualmente diluem, por meio de uma práticamuito freqüente, no oceano de uma “mundialização”em voga, que seria, de certa maneira, neutra (natu-ralmente, a manutenção do conceito de imperialis-mo não significa que a mundialização não possua

NACIONALISMOS DOS TERCEIROS MUNDOSPARA UM DEBATE, EM RESPOSTA A MICHAEL LÖWY8

Michel Cahen

um lugar, mas que ambos são dimensões diferen-tes, mesmo que ligadas, da nova fase do capitalis-mo). Em segundo lugar, M. Löwy escreve visivel-mente para obstaculizar a tendência muito freqüenteentre os marxistas de enxergarem somente a “lutade classes” e, nesse sentido, de desvalorizarem to-das as outras formas do movimento social, suspei-tas a priori de serem, no melhor dos casos, menosportadoras na perspectiva emancipadora e, no pior,manipuladas pelo imperialismo: é esse o caso emparticular da etnicidade política e dos nacionalis-mos que ela produz. O marxismo, desse modo,transforma-se rapidamente em um economicismode esquerda e, nomeadamente na França, sucum-be às influências jacobinas fetichistas do Estadonão somente unitário mas, sobretudo,uniformizador. Nesse sentido, devo aplaudir quan-do Löwy afirma que o universalismo dos marxis-tas não seria o de identificar-se com uma negaçãodas particularidades nacionais, mas “[...] deve tor-nar-se um verdadeiro universal concreto (Hegel)capaz de incorporar, sob a forma de uma síntese

8 O original deste artigo data de 3 de abril de 1996 e foipublicado em Cahen (1996-1997), mas esta tradução foirealizada a partir da versão publicada na forma de capítuloem Cahen (1999, p. 127-143) (N. T.).

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(Aufhebung) dialética, toda a riqueza do particular,todos os tesouros culturais da diversidade huma-na. [...] O valor universal mais importante é a liber-tação dos seres humanos de todas as formas deopressão [...]” (LÖWY, 1995-1996, p. 81; semgrifos no original).

Ora, algumas formas de opressão, ainda queintegradas global e indiretamente ao capitalismo,podem ser-lhe anteriores e não diretamenteclassistas – o que, no entanto, de maneira algumasignifica que elas não possam ser integradas aoprograma libertador de um movimento classista,na condição de que esse movimento saiba com-preender seus fundamentos e suas formas de ex-pressão.

Portanto, deve ficar claro de uma vez por to-das que afastamos a incontestável tendência pre-sente em Marx – e mais ainda em numerososepígonos – de uma visão linear da história que iriado “menor” (tribo antiga) à nação medieval, de-pois à nação mercantil do capitalismo a ser ultra-passada graças ao “cadinho mundial” do capita-lismo, dos reagrupamentos continentais e mundi-ais em direção à nação mundial, isto é, à não-na-ção mundial uniforme9. O que deve ficar é claroque a marcha da humanidade não é ir do menorao maior, mas em direção a uma dialética de umaconstrução-desconstrução permanente dos níveisde identidades ligados entre si; o surgimento deníveis mais amplos (um sentimento nacional eu-ropeu, por exemplo) de maneira alguma significao desaparecimento de níveis mais restritos (sen-timento nacional por um país, por exemplo), po-dendo mesmo revificá-los. O “maior” não é, auto-maticamente, mais progressista que o “menor”. Anação, enquanto for portadora dos sentimentos ín-timos das pessoas, não pode ser “ultrapassada”.

Inter-nacionalismo não é, de modo algum,antinacionalismo. Podemos tornar nossa a frasede Marx, contanto que ela esteja inteira: “Proletá-rios de todos os países, nações e povos oprimi-dos, uni-vos!” (MARX & ENGELS, 2008 [1847-1848], p. 25; sem grifos no original) – e, maisainda, meditar sobre o título que o escritor portu-

guês Miguel Torga deu a uma conferência que eleproferiu em São Paulo e no Rio de Janeiro, em 14e 16 de agosto de 1954, a imigrantes portuguesesoriginários da altiva e particularista região do Trás-Os-Montes: “O universal é o local menos as pare-des” (TORGA, 1994).

II. NACIONALISMO VERSUS MUNDIALIZA-ÇÃO: É TÃO SIMPLES ASSIM?

O mal-estar surge em muitas ocasiões. Reto-memos o fio da exposição de Löwy. Desde o iní-cio, ele afirma que a “escalada de nacionalismos”é “ao menos em parte” uma reação à“mundialização da economia”. Formulado nessestermos, isso não diz muita coisa, pois tudo de-pende do que Löwy quer dizer por “ao menos emparte”. O nacionalismo seria apenas o privilégiodos desassistidos do planeta? Será que Löwy re-toma a afirmação de Bourgeot (1994), segundo aqual “os povos felizes não possuem etnia”? Comocompreender, nesse caso, o nacionalismo daCatalunha, região economicamente dominante naEspanha? Ou da Escócia, ainda mais afortunada?Ou da região da Flandres belga, onde o separatis-mo é alimentado pelo desenvolvimento econômicomais desvencilhador em relação à Valônia, anterior-mente dominante? É necessário recuar na história:se remontamos a apenas século e meio, veremosque o período atual (possuindo em seu interior con-junturas diversas) não engendra mais a tensão na-cionalista como as precedentes. A mundializaçãosempre existiu no Mundo Antigo e, a partir das gran-des descobertas, existiu para as Américas10. O queé novo é que numerosas formações sociais do Ter-ceiro Mundo, que eram apenas indiretamente sub-missas ao modo de produção capitalista (MPC),hoje são-no diretamente, estando violentamente in-tegradas ou, talvez, abandonadas à destruição purae simples, à anomia social, enquanto o crescimen-to demográfico prossegue e multiplica na mesmaescala os efeitos dessa submissão direta.

O incontestável aumento de novos naciona-lismos – não necessariamente numerosos – na atualconjuntura não é produto da mundialização, mas,antes de tudo, do fracasso dos nacionalismos deEstado hostis às etnicidades realmente existentes,dos regimes laicos radicais profundamentepaternalistas e opressores no que concerne às re-9 Um exemplo típico dessa visão linear e paternalista,

hostil aos “pequenos povos”, é veiculado por Samir Amin,para quem toda luta de libertação – dentro de um Estadoindependente – não é mais que manobra imperialista comvistas a destruir os “grandes estados” em benefício dos“pequenos”.

10 Nota do autor (2008): não escreveria mais isso hoje: amundialização não é simplesmente sinônimo de “expan-são” ou “internacionalização mercantil”.

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lações sociais não diretamente ligadas ao modode produção capitalista, em relação às culturaspopulares (a Argélia, a Angola, o Moçambique“progressistas” não são muito diferentes, sob esseponto de vista, da Indonésia “reacionária”). A nãoassunção das aspirações identitárias, combinadascom o fracasso total econômico e social, provo-ca o que acima dissemos11.

Löwy tem razão ao precisar que os naciona-lismos são “ora democráticos e emancipadores”,ora “regressivos, intolerantes, agressivos” e quea fronteira entre essas duas tendências é móvel.Mas o que os empurraria mais em um sentido queem outro? Unicamente a configuração social eeconômica? O que está completamente ausenteno artigo de Löwy é que essa mobilidade depen-de, nomeadamente, da atitude das correntes ope-rárias e revolucionárias no que lhes concerne!Nomeadamente, foi a recusa bolchevique de to-mar a direção do movimento pela independênciados povos da Ásia Central que os levou aosmencheviques ou aos russos brancos. Se, a umcamponês de etnia macua que trabalha nas gran-des plantações do norte de Moçambique (e, por-tanto, “objetivamente” proletarizado), que se res-sente profundamente da opressão e do desprezopaternalista de um Estado moderno dominado porgrupos étnicos do Sul, o militante progressistaresponde apenas que tudo isso não é mais quefalsa consciência tribal e identidade atrasada e quenosso camponês é, “na verdade”, um proletáriorural, ele tem certeza de que os verdadeiros reaci-onários saberão não lhe negar a sua “identidaderetardatária” ao construir para si uma base socialpara as suas manobras políticas.

A etnicidade política (sendo o nacionalismo umadas suas formas) não é nem reacionária nem pro-gressista. Simplesmente, ela é. A etnicidadeconcerne ao imaginário, ela é um sentimento. Ser

francês não é ser nem reacionário nem progres-sista e o amor ao queijo camembert não é nem dedireita nem de esquerda. Mas enquanto expressãodo desejo de uma assunção coletiva do seu desti-no por uma comunidade subjetiva, a etnicidadepode ser um fator de libertação. Naturalmente, issodependerá das forças sociais que a exprimirão,mas tão amplamente como a direção política quetomará a sua direção. No Terceiro Mundo, pois,combinar-se-ão as clássicas lutas de classes e ofato de que comunidades inteiras, interclassistaspor definição, são globalmente oprimidas. Na cons-ciência popular sábio será quem conseguir adivi-nhar o que se alcançará primeiro: a expressão daconsciência de classe ou a consciência comunitá-ria. E será mais freqüentemente, em uma misturaindissociável dos dois, que o nacionalismo terá aforma da tomada de consciência de classe12.

III. OS PROLETÁRIOS SÃO APENAS PROLE-TÁRIOS?

Não devemos, de maneira alguma, ficar em-baraçados por fórmulas do tipo: “Os proletáriosnão têm pátria!”, pois elas são... totalmente jus-tas! Os patrões, eles também não possuem pátria.Mas o movimento social não é feito somente declasses enquanto categorias econômico-sociais.Um indivíduo nunca possui – eu reafirmo: nunca– uma identidade única. Um proletário é proletá-rio, mas ele será também, por exemplo, católico ebasco. E, enquanto basco, ele possui uma pátria,como o seu patrão, uma pátria que pode ser glo-balmente oprimida. No entanto, no movimentosocial, não são as classes econômico-sociais quese exprimem diretamente, mas as forças sociaisque combinam as “classes para si” com outrosníveis identitários. Querer isolar esuperdimensionar exclusivamente a consciênciade classe, hostilizando os outros fatos de consci-ência, é obrigar o indivíduo real a uma escolhaimpossível; é ser totalmente sectário em relação

11 Ë por esse motivo, mesmo que eu não concorde neces-sariamente com todas as suas conclusões, que aprovo aquestão que formula a militante Luiza Toscane, resumidapelo título do seu livro: L’Islam, un autre nationalisme?[O Islã, um outro nacionalismo? – cf. TOSCANE, 1995(N. T.)], questão que, entre os trotskistas, passou quasedespercebida. Assistimos a uma nova produção de um sen-timento nacional, baseada na opressão social de uma comu-nidade de origem pluriétnica, delineada por uma religião?Que existam tendências nesse sentido parece-me incontes-tável; a divergência poderia vir da probabilidade de realiza-ção dessas tendências, que podemos aceitar ou recusar.

12 No País Basco espanhol, se o ETA (Pátria Basca eLiberdade) (da sua VIª Assembléia) trotskista de 1973 per-deu tudo foi porque ele, por “classismo puro”, condicionoua luta pela independência à luta pelo socialismo na Espanha:isso está manifestamente expresso na sua mudança de nome,de ETA para LKI – Liga Komunista Irauliza (Liga Comu-nista Revolucionária). Mas a opressão capitalista era, bemou mal, ressentida primeiramente como espanhola e a se-paração da Espanha era, pois, a condição da expressão daconsciência de classe. Sobre todos esses aspectos, permi-to-me remeter ao meu livro (CAHEN, 1994).

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ao movimento das massas, em particular no Ter-ceiro Mundo, onde as formações sociais, histori-camente residuais, mas reunindo ainda centenasde milhões de pessoas, possuem ainda uma rele-vância [prégnance] política considerável13.

IV. NACIONALISMO DE ESTADO E ETNICI-DADE POPULAR

Penso que as categorizações habituais de na-cionalismos, se elas permanecem válidas, não são,de fato, suficientes para exprimir a realidade dosmovimentos etnonacionais nos terceiros mundos.Essas categorizações habituais dizem respeito ao“nacionalismo emancipador” (a Polônia antes da IGuerra Mundial, a Irlanda, o Curdistão, os movi-mentos berberes, o movimento anti-apartheid naÁfrica do Sul, o nacionalismo revolucionário bo-liviano no início dos anos 1950 etc.) e ao “nacio-nalismo opressor” (o pan-germanismo, oexpansionismo russo-soviético, o pan-sinismo14,o nacionalismo amhara etc.).

No entanto, elas não sublinham suficientementeuma diferença essencial: o nacionalismo polonês,a luta chinesa antinipônica, os patriotismos cuba-no ou vietnamita exprimem, politicamente, nações(ou seja, sentimentos nacionais) que já existem.Eles são nacionalismos produzidos por um movi-mento de massa, mesmo que, inevitavelmente, aelite exerça seu papel de intelectual orgânico coleti-vo. O “nacionalismo” moçambicano é um projetode nação. Bem entendido, há casos intermediários,mas a diferença desses casos não é menos perti-nente. A luta anticolonial, seja a da Argélia ou daGuiné contra o imperialismo francês, da Índia oudo Quênia contra o imperialismo inglês, de Angolaou de Moçambique contra o imperialismo portugu-ês ou da Indonésia (que não deveria ser reduzida aJava) contra o imperialismo holandês, possui umfundamento de massa – a luta contra o opressorestrangeiro para a obtenção da sua partida. Masesse tipo de luta não cria, ipso facto, uma nação.

É totalmente ilusório – e isso é aceitar comolíquidas e certas as propagandas oficiais das dire-ções nacionalistas – acreditar que uma luta armadade dez ou 15 anos produz uma nação. Toda luta delibertação produz efeitos unificadores, mas tam-bém induz efeitos de guerra civil. O povo coloniza-do não é homogêneo e alguns dos seus segmentos– por motivos históricos bem explicáveis – consi-deram outros segmentos como, talvez, piores queo colonizador: por exemplo, devido ao tráfico deescravos na África conduzido por alguns estadosafricanos que buscavam escravos em outros esta-dos africanos, essa lembrança é ainda viva. A lutade libertação provoca o surgimento de novas repú-blicas e de novas cidadanias; mas o hábito de viverem uma mesma República (Senegal, Moçambiqueetc.) não cria um sentimento nacional profundo e arelevância [prégnance] das etnicidades mais locais(mas às vezes bastante vastas!) permanece ampla-mente dominante! Nada podemos compreender dasguerras civis angolana e moçambicana se não apre-endemos a importância de que esse é um caso deEstado sem nação.

Estado sem nação, mas Estado nacionalista15:o movimento social foi incitado ao nacionalismo

13 Sobre esse assunto, é necessário reafirmar a pertinênciada noção de “Terceiro Mundo”, que, segundo Löwy, nadamais significa após o desaparecimento do “Segundo Mun-do”, dito “socialista”. Não entrarei aqui no debate – neces-sário – acerca da heterogeneidade dos estados capitalistasda periferia. No entanto, a noção de “Sul”, atualmente emvoga, é ainda pior. Dito rapidamente, “Terceiro Mundo”[Tiers monde no sentido de “Mundo Terço” e não TroisièmeMonde – N. T.] jamais significou que ele é “terceiro” emrelação ao “segundo” (ex-União Soviética): foi uma analo-gia recente (de 1956) em relação ao Terceiro Estado daRevolução Francesa, que era, com certeza, a “terceira or-dem” abaixo do clero e da nobreza, mas no sentido de “aOrdem dos Outros”, dos não-privilegiados, e cujo sentidopolítico foi, imediatamente, a afirmação da imensa maioriaoprimida da população face ao conjunto da classe aristo-crática (Sieyès). Certamente, “Terceiro Mundo” não é umconceito puro de classe e o fato de que ele seja globalmenteoprimido não significa que os habitantes do “Norte” sejamglobalmente responsáveis pela situação que lhe é imposta,como pensam alguns terceiromundistas. Mas esse vocábu-lo tem, ao menos, o mérito de apontar a realidade da opres-são, enquanto as simples noções cardinais (“Norte”, “Sul”etc.) fazem parte desse movimento de interdição de pala-vras que se seguiu ao desmoronamento do stalinismo senil:não mais o “capitalismo”, mas a “democracia liberal”! Nãomais o “imperialismo”, mas a escolha de “Norte” ou de“mundialização”! Não mais o “Terceiro Mundo”, mas o“Sul”! Não mais “luta de classes”, mas, no melhor doscasos, a “fratura social” etc. Agradeço, pois, à Actuel Marxpor ter intitulado um dos seus recentes volumes de “Oimperialismo” (Actuel Marx, 1995)!14 Diz respeito ao expansionismo nacionalista chinês (N. T.).

15 Nota do autor (2008): hoje em dia, já não utilizo oconceito de nacionalismo para exprimir a ideologia de umEstado, cujo desejo é criar uma nação. O nacionalismo, dequalquer modo, exprime uma nação. Chamo hoje o projetoelitista de criar uma nação a partir de um Estado de“nacionismo” (cf. CAHEN, 2006).

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por uma elite europeizada, formada à imagem e àsemelhança dos estados-nação europeus (jacobinosou não). Trata-se de um nacionalismo induzido,elitista, antidemocrático, cuja primeira e principaldecisão foi a de aceitar a intangibilidade das fron-teiras coloniais. Esse nacionalismo não é somenteuma idéia; ele é uma política econômica, social ecultural cotidiana; ao mesmo tempo em que opri-me as línguas maternas, estigmatiza de “feudalis-mo” e “tribalismo” as manifestações culturais dassociedades, ele inevitavelmente concentra os in-vestimentos na capital e nas empresas de alta con-centração de capital fixo, visto que a modernidadenão pode existir senão como concreto16,pesadamente mecanizada, produtora de divisasconversíveis e exprimida em uma das línguas co-loniais.

Contudo, esse nacionalismo de Estado expres-sa-se em um Estado que absolutamente não pos-sui, por exemplo, a força aglutinadora da III Re-pública francesa. Ele opera no seio de uma eco-nomia de mercado sem mercado ou no seio deum mercado não enquadrado pela legalidade doEstado (economia dita informal), mesmo se aspessoas do Estado nele estejam presentes a títulofamiliar. Esse nacionalismo estatista é opressor dasetnias sem, contudo, produzir um mercado naci-onal à altura do capitalismo da época de Marx. Eleprovoca, pois, fortes reações étnicas que tentaminstrumentalizar os grupos sociais poderosos, masque, na sua totalidade, são reações anti-estatais.Contrariamente à previsão de Senghor – “Na Áfri-ca, o Estado precedeu a nação” –, esse naciona-lismo, por fim, destrói o Estado. Eis também por-que as direções revolucionárias deveriam apode-rar-se do ressentimento étnico na luta contra oEstado capitalista da periferia.

V. LUTAS DE LIBERTAÇÃO... NACIONAL?

Permanecemos prisioneiros das palavras. Des-sa maneira, falamos de “lutas de libertação nacio-nal” no Terceiro Mundo, enquanto, muitas vezes,a nação não existe e essas lutas sociais são lutasanticoloniais. Falamos de estados-nação do Ter-ceiro Mundo – e mesmo do seu “fracasso” –, aopasso que não faz nenhum sentido falar de Esta-do-nação quando a nação não existe; ao passo que

se trata de estados nacionalistas (“nacionalista”no sentido de “para a criação e/ou imposição danação”).

Reproduzimos aqui um forte eurocentrismo: aanalogia legitimadora com as lutas de libertaçãonacional na Europa do século XIX e do início doséculo XX. O stalinismo também passa por aqui.Assim, “luta de libertação nacional” tornou-se umsinônimo legitimador de etapa da revolução bur-guesa. O paradoxo é qualificarmos de “libertaçãonacional” os regimes de partido único “de esquer-da”, sustentados pelos países do Leste, que fe-rozmente se construíram contra as etnias, contraas nações de fato presentes no interior do espaçodefinido pelas fronteiras coloniais, projetando uma“nação” inventada, que não corresponde a nadade popular, projeção paternalista, às vezes expri-mida pelo jargão maoísta de “homem novo”.

Löwy sublinha o fracasso desses “governosnacionalistas ‘de esquerda’ ou laicos, por exem-plo, na África negra ou no mundo árabe que re-nunciaram os seus objetivos de libertação e enre-daram-se nas políticas antipopulares” (LÖWY,1995-1996, p. 78). É necessário ater-se ao deta-lhe de quais objetivos de libertação trataram-se:não podemos comparar um nacionalismodesturiano17 na Tunísia ou baasista18 na Síria eno Iraque com a orientação inicial de uma FrenteNacional de Libertação (FNL) argelina ou de umPartido Socialista Iemenita (PSY), tendo estes re-almente experimentado processos (incompletos)de revolução permanente. Mas é necessário com-preender que, tanto em um caso como no outro,uma das razões pelas quais esses partidos cons-troem estados burgueses (e, mais freqüentemente,ditatoriais) da periferia é que, já de início, elespossuem uma visão paternalista, burocrática etecnocrática do desenvolvimento, uma idéia derápida construção e imposição da “nação mo-derna” de tipo europeu, que justamentecorresponde ao imaginário dos segmentos da eliteno poder. No momento da independência, a nação

17 Relativo ao Partido Socialista Desturiano (PSD)que tomou o poder quando da independência da Tunísia,em 1956 (N. T.).18 O Partido Baas chegou ao poder na Síria em 1963 enele permaneceu até 1966, retomando-o em 1970 e nelepermanecendo até os dias de hoje; chegou ao poder noIraque em 1963, perdendo-o no mesmo ano eretornando-o em 1968 até 2003 (N. T.).

16 Nota do autor (2008): isto é, um Estado que preferecopiar o modelo da cidade ocidental com seus grandes edi-fícios de concreto a assentar-se sobre os materiais locais.

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árabe é imposta aos berberes da Argélia (nomea-damente por meio da arabização), ao mesmo tem-po em que, quaisquer que sejam os discursos, oessencial dos investimentos públicos destina-se àsempresas de alta concentração de capital fixo. Esseé o mesmo imaginário nacional elitista da etniadominante que, tendo sabido conquistar o Estadomoderno, exprime-se sob essas facetas aparente-mente diferentes.

VI. ETNICIDADE E TRIBALISMO

Gerações de marxistas cresceram com a equa-ção “tribalismo = reação” na cabeça. É necessárioconstatar que Löwy não rompe verdadeiramentecom esse ponto de vista, somente citando o“tribalismo” no momento em que se refere aosmovimentos pró-sul-africanos e aos movimentosracistas. Contudo, não esqueçamos que o apoioda Internacional Comunista à luta de libertação doRife marroquino teve como objetivo a “Repúblicadas tribos confederadas”. Um objetivo desse tiposeria, hoje, perfeito para o Afeganistão e paramuitos outros estados do Terceiro Mundo, masninguém mais de esquerda ousa falar disso. Astribos rifenhas dos anos 1920 não eram, contudo,mais perfeitas que as de hoje.

Mas que é uma tribo? Nós não empregamosessa palavra com o mesmo sentido que o dosanglo-saxões (sua tribe significa, de fato, “etnia”,mas sua ethnicity engloba, freqüentemente, a ques-tão, impensável na França, das racial relations).Eu falaria de tribo no caso de uma organizaçãopolítica para-estatal (ou pré-estatal), uma chefatura,se assim quisermos, bastante estabilizada, que nãodeve ser confundida com a comunidade imaginá-ria esquadrinhada pelo sentimento de etnicidade.Uma tribo pode calcar uma etnia, mas isso não éinelutável. Na África, não há mais muitas tribosdesde que a conquista colonial aniquilou-as (clãssomalis, alguns segmentos etíopes, Estado regio-nal do Kwazulu etc.), mas há muitas etnias (algu-mas das quais surgiram durante a colonização).Assim definidas, excetuando todos os fantasmas,facilmente concebemos a possibilidade históricado tribalismo revolucionário, caso as chefaturasefetivamente tomem a direção de uma lutaemancipadora e conheçam um processo deradicalização (CAHEN, 1991). Sem dúvida, nestemomento, elas encontrarão à sua frente – ao re-dor do imperialismo – os “regimes nacionalistas”de esquerda ou de direita que as denominarão deseparatismo, de feudalismo e de banditismo

(Casamansa, Sudão do Sul, Cabinda, Irian Oci-dental19, Caxemira, Tchechênia...).

O fato de Ruanda “ser apenas uma referênciaidentitária de tipo (real ou fictício) ‘étnico’ queserviu de ideologia a um dos piores crimes contraa humanidade das últimas décadas” (LÖWY, 1995-1996, p. 78) não significa, de modo algum, que aetnicidade seja responsável pelo massacre. Pode-mos perguntar-nos qual é o objetivo de Löwy aooferecer esse argumento: referências identitárias“de fato étnicas” têm estado na base das lutas delibertação (sendo o seu melhor exemplo atual des-sas lutas de libertação o Chiapas). Mesmo a críti-ca do “nazismo tropical” (segundo a contestávelexpressão do historiador dos Grandes Lagos, Jean-Pierre Chrétien) foi surpreendentemente contra-ditória: segundo alguns, trata-se de tentar provarque as “etnias” não existiam, já que hutus e tutsisfalavam a mesma língua, possuíam a mesma cul-tura etc., “prova” que não os impediram de de-nunciar a colonização belga, culpada por estar naorigem dessas... etnias. Segundo outros, aetnicidade de fato existiu como responsável doproblema.

Apesar da enormidade do desastre humano, ocaso dos ruandeses e dos burundis é, a meu ver,mais uma exceção: é evidente que a lenta decom-posição da ligação social entre as castas (e de modoalgum entre as etnias) diferenciadas, a partir dosanos 1920, pela natureza da sua relação com aterra, com a criação de animais e, portanto, como Estado, combinada com uma considerável pres-são demográfica e fundiária – agravada a partir daindependência –, somada à crise do Estado mo-derno – na altura do ajuste estrutural a partir dofim dos anos 1960 –, tendo, como pano de fun-do, as rivalidades entre os imperialismos francêse inglês, provocaram o drama que conhecemos.No entanto, isso nada tem a ver, exceto em nos-sos fantasmas, com a produção política daetnicidade propriamente dita. Ao desencadear fe-nômenos mórbidos contra ela própria (Gramsci),a sociedade implode certamente por motivos so-ciais, contudo obedecendo – obviamente – a li-nhas de clivagens bem conhecidas de todos e,portanto, disponíveis na sociedade e no imaginá-rio do matador cotidiano – nesse caso, linhas declivagens de castas.

19 A ex-colônia holandesa de Papua Ocidental (antiga IrianJaya) passou para o controle de Jacarta em 1963 (N. T.).

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Não se trata de substituir um nome por outro– “etnia” por “casta” –, mas de compreender quetemos diante de nós fenômenos sociais diferen-tes. Que eu saiba, os sangrentos conflitos entrehindus e muçulmanos durante a criação doPaquistão não são da mesma natureza que o mas-sacre dos tutsis pelas milícias hutus. Hutus e tutsisfazem (faziam?), de fato, parte da mesma etniaou nação ruandesa e o massacre seguiu as linhasde um imaginário social (social “real” ou “fictí-cio”, como diria Löwy: camponeses e criadoresde animais) e não étnico. Se é bastante evidenteque a crise da Iugoslávia também está ligada aproblemas sociais, a comparação entre os massa-cres interétnicos eslavos do Sul e aqueles entre oshutus-tutsis é completamente abusiva. Contudo,ela incomoda a consciência cidadã democráticaeuropéia, produtora de conceitos e, por isso, pro-pensa, ao mesmo tempo, à analogia.

É verdade que essa simultaneidade não é, apa-rentemente, fortuita, bem como é verdade quetanto Iugoslávia como Ruanda pagaram, posteri-ormente, os efeitos da sua submissão ao FMI apartir do fim dos anos 1970.

A propósito de Angola e de Moçambique, Löwy(idem, p. 78) diz-nos ainda que “[os] movimen-tos ditos tribais [...] são freqüentemente manipu-lados segundo os objetivos reacionários contra onacionalismo”. Agradeço o “freqüentemente” quese distingue, pois, de “sempre”. É verdade, elessão “freqüentemente” manipulados: mas não mais“freqüentemente” que os nacionalismos! Por que,então, dizer mais a propósito de uns que dos ou-tros? E quais são esses nacionalismos (legítimos)contra os quais teriam lutado esses tribalismos (ile-gítimos)? Os exemplos escolhidos por Löwy sãoparticularmente infelizes. Os nacionalismos ango-lano e moçambicano são, precisamente, o arqué-tipo desses nacionalismos de Estado, elitistas,antipopulares, dos quais falamos anteriormente,que instauraram um Estado amplamente crioulo,dominado pelos únicos grupos étnicos da capital:sendo, nesse caso, autênticos... tribalismos. Étotalmente falso apresentar a Renamo (grupo ar-mado apoiado pelo apartheid na sua luta contra aFrelimo “marxista-leninista”) como um grupotribalista: um grupo étnico dominou bastante a suadireção, mas seus segmentos são completamentepluriétnicos (aí compreendido o período atual[1996], a partir da sua transformação em partidocivil: seu eleitorado é muito menos marcado etni-

camente que o da Frelimo!). Certamente a Renamoconduz uma campanha contra a “dominação dosgrupos do Sul”: mas onde está o tribalismo? Nadenúncia de uma dominação étnica ou nessa do-minação? Quanto à Unita (que conduziu a guerracontra o Movimento Popular de Libertação deAngola (MPLA) sustentado pelos cubanos), é im-possível descrever aqui a sua longa trajetória: éverdade que a tendência, a partir de 1966, foi emdireção a uma crescente etnicização em benefíciode um único grupo, o Ovimbundu. Mas essa traje-tória foi lenta, irregular e terminou somente nomomento da retomada da guerra no início de 1993.E a etnização do lado do MPLA foi a mesma... Ex-prime-se aqui, de maneira explosiva, o problemada democracia política em um Estado sem nação,em que a regra da maioria significa, na prática, adominação de um grupo sobre outro20.

O único bom exemplo de tribalismo escolhidopor Löwy é o Inkhata de Buthelezi, que construiu,sobre a base de uma verdadeira etnicidade (zulu),um poder político ao redor do projeto instrumen-tal de reconstituição de um Estado real zulu. MasButhelezi não teve nenhuma chance, pois o reiapoiou o ANC e os confrontos sangrentos quenão cessam em Kwazulu não são, pouco importao que propaguem os meios de comunicação, umaluta interétnica entre os “xhosas da ANC” e os“zulus da Inkatha”, mas uma guerra civil no seioda etnia zulu. E isso é simples de ser provado:todas as vítimas dessa guerra são zulus! Otribalismo de Buthelezi é verdadeiro e possui umabase social, mas não poderia, portanto, ser con-fundido com a etnicidade zulu inteira.

VII. UM NACIONALISMO “ANTI-IMPERIA-LISTA” E UM NACIONALISMO “INDÍGE-NA”?

Löwy exalta amplamente as virtudes do “naci-onalismo anti-imperialista”, nomeadamente naAmérica Latina, sendo ele um especialista reco-nhecido sobre esse tema. Mais uma vez, não meestenderei sobre os pontos de acordo, em parti-cular a respeito da análise sobre o EZLN (zapatistasdo Chiapas), para poder concentrar-me nos pro-blemas. Löwy escreve: “O nacionalismo, mesmonas suas formas mais progressistas, não pode ul-trapassar alguns limites” (idem, p. 81).

20 Sobre a questão angolana, ver: Messiant (1994a; 1994b;1995a; 1995b); sobre a Renamo, ver Cahen (1995).

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Isto é uma asserção. “O nacionalismo, mes-mo na suas formas mais progressistas”, é capazde ultrapassar esses limites: isso não é a mesmacoisa, isso não é inelutável; depende de toda umasérie de fatores. O melhor exemplo é a RevoluçãoCubana: o patriotismo forneceu a base social demassa do Exército revolucionário que, inicialmen-te, não possuía um programa claramente defini-do. O processo de revolução permanente abran-geu nacionalistas anti-imperialistas que, como de-mocratas conseqüentes, adotaram posições soci-alistas – sofrendo, em seguida, uma regressãodevido ao isolamento econômico, social e políti-co-cultural. Podemos dizer o mesmo do naciona-lismo basco do ETA (VIª Assembléia), evoluindona direção das idéias da IV Internacional (contu-do, abandonando, na mesma ocasião, o naciona-lismo). E o que se passa em Chiapas mostra bemque o nacionalismo pode ser perfeitamente umaforma de universalismo, como demonstra Löwy(idem, p. 80): “Encontramos nos documentos doExército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN)uma fusão, única em seu gênero, entre as tradi-ções da revolução mexicana, a cultura maia dosindígenas do Chiapas e as idéias marxistas da es-querda latino-americana”.

Eis o futuro21! A etnicidade do Chiapas é umaetnicidade inter-nacionalista!

Mas a distinção operada por Löwy (ibidem)entre “nacionalismo anti-imperialista” e um “ou-tro tipo de nacionalismo [...] o movimento dosindígenas por seus direitos” contém uma contra-dição. Certamente, as condições sociais, a experi-ência vivida, as condições ambientais etc., são bemdiferentes no México e na floresta da Lacandona.As condições concretas de expressão do nacio-nalismo anti-imperialista “mexicano” são, pois,diferentes daquelas da insurreição indígena doChiapas. Mas o fenômeno étnico seria em si dife-rente? A diferença está no fato de que se trata deetnias distintas22: de um lado, aquilo que algunsnacionalistas indígenas chamam de “espanhóis”,

a saber, os hispano-mexicanos e os mestiços e,de outro, as etnias e nações maias. Por isso, nãoconsidero útil a decomposição do fenômeno donacionalismo em conceitos diferentes segundo asetnias que lhe concernem…

… A menos que Löwy traga à tona a idéia deque, entre os mexicanos, existiriam “aqueles quenão possuem etnia”, unicamente a “nação mexi-cana”, e aqueles que teriam sido atingidos por essapraga: uma manifestação anti-imperialista urbanano México seria “nacional-mexicana”, isto é, “nor-mal” e, com certeza, sem etnia, enquanto o anti-imperialismo autóctone indígena seria “étnico”?Não vejo outra explicação que esse desvio latenteda distinção realizada. De fato, ambos os ladospossuem uma etnia: hispano-mexicanos e índios.Contudo, como os hispano-mexicanos possuemuma relação mais estreita com o Estado modernoque eles criaram e como são milhões reunidos nacapital, identificamo-los mais facilmente com anação inteira, sendo que as periferias indígenaspermanecem “étnicas”. Isso é de umeurocentrismo – e mesmo de um jacobinismo –clássico. Löwy aproxima-se muito do próximopasso, qual seja, o de hierarquizar semanticamen-te “nação” e “etnia” – a nação, maior, moderna,estatal, sendo “melhor” que a etnia, minúscula,peculiar, separatista, arcaica –, mas felizmenteacaba por não o dar23.

21 Entretanto, esse não é um caso completamente únicoem seu gênero. A história pode oferecer-nos outros casos(os marxistas irlandeses, o projeto de Partido ComunistaMuçulmano de Sultan Galiev nos anos 1920 etc.). O pro-blema é que foram muito pouco numerosos os marxistas aintegrarem plenamente a problemática da libertação nacio-nal ou étnica!22 Etnias ou nações. Pessoalmente, não estabeleço nenhu-ma diferença conceitual entre “etnia” e “nação”, sendo os

dois casos expressões relevantes de uma comunidade ima-ginária projetada por um certo tipo de sentimento de per-tença totalizante (um outro tipo próximo é constituídopelas comunidades religiosas). Nação e etnia são, no meumodo de ver, duas nuanças da etnicidade; eu empregaria apalavra “nação” para designar uma etnia particularmentecristalizada na intensidade e na duração histórica: “naçãopolonesa”, como também “nação congolesa” etc. Contudo,existem fenômenos “menos cristalizados”, mais voláteisou bastante cristalizados, mas ainda recentes (islamo-bósnicos, por exemplo), os quais somente o recuo históri-co dirá se eles produziram nações ou recuaram ao estado desimples relevância regional. Por isso, ao contrário dosjacobinos, distingo completamente os conceitos de nação ede Estado: a nação é uma comunidade imaginada, não é apopulação de uma República.23 A hierarquização é, ademais, bem visível em nossa Françajacobina: em nosso vocabulário, a “província” (e seucorolário pejorativo, “provincianismo”) jamais significaParis. Os bascos, os corsos e os bretões, se são reconheci-dos como nações, etnias ou simples regionalistas a seremvisitados no verão, são, evidentemente, mais peculiaresque “os franceses comuns”; os jornais publicados em Paris(Le Monde, Libération, Le Figaro etc.), incrivelmente

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VIII. ETNICIDADE, NACIONALISMO ECONSCIÊNCIA DE CLASSE

Para M. Löwy, o nacionalismo – e mesmo oanti-imperialismo – um dia deverá ser ultrapassa-do para ceder lugar ao universalismo socialista,ao socialismo. É esse o paradigma da etapa. Esseparadigma é, lembremo-nos, prevenido por Löwyque denuncia a atitude das correntes classistas quedesprezam profundamente tudo aquilo que não sejadiretamente relevante para a consciência de clas-se, tudo aquilo que não passa, segundo Engels e,sobretudo, Lukács, de “falsa consciência”24. Masas precauções não criam uma solução.

Em primeiro lugar, seria necessário saber se onacionalismo pode ser universalista. Parece-me quea história, a começar pela Revolução Francesa, res-pondeu afirmativamente. E Chiapas confirma-o.

Mas é sobretudo a etapa em si que apresentaproblema. Para os marxistas – e em particular ostrotskistas – a construção da nação é sempre maisou menos ligada à etapa da revolução democráti-co-burguesa. Certamente, segundo a visãobolchevique dos “países atrasados”, nos quais aburguesia não resolveu essa tarefa, cabe ao prole-tariado realizá-la: ele deve, de certa maneira, tra-balhar em dobro, marchar, mas... para poder pas-sar adiante.

Essa visão não corresponde à realidade móveldos fatos de consciência entre os indivíduos reais,cujo imaginário não funciona dessa maneira; ela,igualmente, produziu catástrofes na compreensãodo processo de revolução permanente. A questãonacional não é, portanto, uma etapa em direção aosocialismo – que seria cada vez menos nacional,progressivamente planetário em direção à naçãomundial. A questão nacional não é uma etapa: elapode e talvez deva ser, imperativamente, um as-pecto, um componente da revolução permanente,da revolução socialista e nela permanecer.

Assim, a revolução política na Ucrânia somenteseria possível caso a questão nacional fosse re-solvida, já que a opressão czarista – e depoisstalinista – era ressentida como russa. A resolu-ção dessa questão nacional teria possibilitado umanova aliança entre os proletários de ambos os pa-íses, mas não por ser a Ucrânia menos ucranianae a Rússia, menos russa! Talvez uma consciêncianacional pan-soviética teria podido aparecer emum contexto democrático; mas nunca necessari-amente em detrimento da relevância dos sentimen-tos nacionais, visto que uma nação pode ser, defato, muito bem uma nação de nações. Um nívelde identidade não exclui o outro.

O paradigma da etapa conduz à impossibili-dade de compreender que, se a consciência de clas-se pode ser um fermento para a libertação nacio-nal, a consciência nacional ou étnica também podeser a expressão, uma forma, um contexto da cons-ciência de classe.

Quando mexicanos, brasileiros ou francesesmobilizam-se contra o FMI ou contra a etapamaastrichtiana da mundialização capitalista, em quemedida isso é nacionalista? É nacionalista conside-rando que os projetos capitalistas oprimem umaampla comunidade de habitantes desses países, ouseja, algo mais vasto que as suas respectivas clas-ses proletárias (isso é crucial no Terceiro Mundo,onde o proletariado é mais frágil). O movimentogrevista de novembro-dezembro de 1995 na Fran-ça foi notavelmente e ao mesmo tempo um grandemovimento proletário e um movimento em defesada idéia que possuímos da nossa República, a idéiaque possuímos da França, um movimento de defe-sa etnonacional contra a agressão maastrichtiana.No Terceiro Mundo em particular, o nacionalismoanti-imperialista é a aliança de classes: nesse senti-do – ressalto: nesse sentido – ele não é uma etapaem direção ao classismo; ele inclui-o e pode mes-mo ser mais avançado que ele. Ele permite a trans-missão de valores proletários a outros setores dapopulação. Esse nacionalismo não é um passo “emdireção a”, não é um passo “adiante” ou “prejudici-al” em relação ao classismo: ele é uma forma pos-sível e condensada da sua expressão.

Eis o motivo pelo qual – para citar um exem-plo entre outros sobre a maneira segundo a qualos militantes marxistas do Terceiro Mundo con-cebem sua intervenção – aflige-me o fato de que aseção antilhana da IV Internacional mantenha adenominação “Grupo Revolução Socialista” em vez

parisienses nas suas informações (ver a rubrica “Cinema”do Monde!) e na sua sensibilidade, são, no entanto, deno-minados “imprensa nacional”, enquanto Sud-Ouest ouOuest-France, cujas tiragens são muito superiores aos tí-tulos precedentes, são “regionais”... E, sobretudo, não fa-laremos que a “nação França” é uma etnia! Vejamos: isso éa Alemanha!24 Cf. minha comunicação no Colóquio Marx Internacio-nal: “Vrai débat pour ‘fausse conscience’. Pour uneapproche marxiste de l’ethnicité” (CAHEN, 1997).

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de, por exemplo, “Partido Independentista”.

Portanto, ao contrário do atual pensamentodominante de esquerda, pode-se afirmar que aépoca das revoluções nacionais está longe de ter-minar. Os nacionalismos continuarão a ser umimportante fator de desenvolvimento histórico noséculo XXI, provocando, pois, uma verdadeira“nacionalização do mundo”.

Nacionalismo de que tipo? Isso dependeráamplamente da capacidade ou da incapacidade dosmarxistas de integrarem a questão étnico-nacio-nal no programa da democracia política25.

BOURGEOT, A. 1994. Les peuples heureux n’ontpas d’ethnie! In : VERNET, J. (dir.). Pays duSahel. Du Tchad au Sénégal, du Mali au Niger.Paris : Autrement.

BRAGA, S. S. 2005. Resenha de “Intelectuais epolítica no Brasil. A experiência do ISEB”. Crí-tica Marxista, Rio de Janeiro, n. 23, p. 181-184.

CAHEN, M. 1991. Le socialisme, c’est les Sovietsplus l’ethnicité. In : _____. La nationalisationdu monde. Europe, Afrique, L’identité dans ladémocratie. Paris : Harmattan.

_____. 1994. Ethnicité politique. Pour une lectureréaliste de l’identité. Paris : L’Harmattan.

_____. 1995. Dhlakama é maningue nice! Uneguérilla atypique dans la campagne électoraleau Mozambique. In : CEAN. L’Afriquepolitique 1995. Le meilleur, le pire et l’incertain.Paris : Karthala.

25 Nota do autor (2008): fica em aberto o debate parasabermos se a expressão política de um movimento de li-

Ângela Lazagna ([email protected]) é doutoranda em Ciência Política na UniversidadeEstadual de Campinas (Unicamp).

Michael Löwy ([email protected]; [email protected]) é sociólogo e pesquisador do Centre Nationalde la Recherche Scientifique (CNRS) (França).

Michel Cahen ([email protected]) é historiador, pesquisador do Centre National de laRecherche Scientifique (CNRS) e Diretor-Adjunto do Centre d’Etude d’Afrique Noire (CEAN), doInstitut d’Études Politiques (Université Montesquieu Bordeaux IV) (ambos na França).

bertação nacional deve ou não ser chamada de “nacionalis-mo”. No meu modo de ver, essa seria a melhor soluçãoconceitual, mas as “palavras” tornam-se, muitas vezes, umaarmadilha no seu uso. Com efeito, faz-se necessária a dis-tinção entre as doutrinas nacionalistas que erigem a naçãocomo um essencialismo e uma realidade acima das classes,para a qual se deve estar pronto a morrer – essencialismosque se chamam também nacionalismos – e a dimensão po-lítica da expressão de uma sociedade que se ressente deuma identidade e que, como comunidade, sente-se oprimi-da e cujo “nacionalismo” é uma forma de internacionalismo.É, obviamente, nesse último sentido que utilizei o conceitode nacionalismo neste artigo. No caso francês, os váriosmovimentos de libertação encontram-se divididos sobreesse assunto: quando, por exemplo, os movimentos corsosmais radicais não hesitam em denominar-se “nacionalis-tas”, os seus congêneres bascos, que sempre se recusarama isso, consideram-se “patriotas” (abertzale, na línguaeuskara) ou “internacionalistas” (pois dizem lutar para aigualdade de Direito de todas as nações).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 16, Nº 31: 247-250 NOV. 2008

NATIONALISMS AND INTERNATIONALISM: THE MICHEL LÖWY-MICHEL CAHENDEBATE

Ângela Lazagna, Michel Löwy and Michel Cahen

This article is made up by a debate that went on between Michel Löwy and Michael Cahen in themid-1990s that has been edited for this publication. Although the discussion refers to events that to acertain extent may be considered dated here, the underlying concern these articles share providestheir current relevance: the need for deepening reflections, via Marxist theory, on the problem ofnational and internationalism in times of globalization. This deepening, according to the authors,demands reflections that offer a critical break with the Eurocentrist view of different nationalismsand go beyond the attitude of many Marxists who held everything that was not directly related to“class consciousness” in disregard.

KEYWORDS: nationalisms; internationalism; Marxism; Eurocentrism; globalization; classconsciousness.

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THE NEW INSTITUTIONALISM: ORGANIZATIONAL FACTORS IN POLITICAL LIFE

James G. March and Johan P. Olsen

Contemporary theories of politics tend to portray politics as a reflection of society, political phenomenaas the aggregate consequences of individual behavior, action as the result of choices based oncalculated self-interest, history as efficient in reaching unique and appropriate outcomes, and decisionmaking and the allocation of resources as the central foci of political life. Some recent theoreticalthought in political science, however, blends elements of these theoretical styles into an older concernwith institutions. This new institutionalism emphasizes the relative autonomy of political institutions,possibilities for inefficiency in history, and the importance of symbolic action to an understanding ofpolitics. Such ideas have a reasonable empirical basis, but they are not characterized by powerfultheoretical forms. Some directions for theoretical research may, however, be identified in institutionalistconceptions of political order. This is precisely the objective of the present article.

Keywords: neo-institutionalism; institutional autonomy; symbolic action; efficiency of action.

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THE POWER TO DECREE LAWS AND HORIZONTAL ACCOUNTABILITY: THEINSTITUTIONAL DYNAMICS OF THE THREE POWERS AND TEMPORARY ACTS INBRAZIL IN THE POST-1988 PERIOD

Luciano Da Ros

This article articulates studies on the relationship between Executive and Legislative powers withbibliography on what has been called the “judicialization of politics” in order to promote a betterunderstanding of how horizontal accountability unfolds with specific regard to the issue of the Brazilianpresident's power to decree bills within the current context of democracy. For these purposes, wepresent a brief overview of recent bibliography in Brazilian Political Science on the role of “medidasprovisórias” (“temporary acts”) holding it up against the light of quantitative and qualititative analysisof observed phenomena. We conclude in agreement with the thesis that these measures enableExecutive control over the political agenda in which the Supreme Court and the Congress tend not

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 16, Nº 31: 255-260 NOV. 2008

diffusion de la technologie et des savoir-faire. Cela a entraîné la rupture du “secret” de la productiondu vin de qualité : ce qui autrefois était le privilège de quelques producteurs et régions, héritagesauvergadé à clé au sein des familles, devient l’objet de connaissance et peut être acquis au moyendes investissements dans la formation technologique. Par conséquent, de nouveaux producteurs devin de qualité excellente sugissent dans des pays comme le Chili, l’Australie, l’Afrique du Sud, leBrésil, entre autres. Cette transformation peut être vue sous deux angles : celui de la fin “de l’aura”du vin, et en conséquence la perte du privilège de producteurs et de consommateurs, et celui de laproduction sociale d’un nouveau marché qui atteint de nouveaux producteurs et rend possible l’accèsà d’autres consommateurs de vins de qualité. Pourtant, cette expansion de l’offre et de laconsommation de vins de qualité fait en sorte que les vinicoles traditionnelles deviennent des objetsde culte et synonymes d’exclusivité et de distinction. Devenant un groupe encore plus restreint, cesvinicoles ont vu leurs vins revalorisés davantage.

MOTS-CLÉS : entreprises vinicole ; construction sociale du marché ; Sociologie Économique ; ÉtudesSociales de Science et de Technologie ; marché de luxe.

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LES ALIMENTS FONCTIONNELS : LA NOUVELLE FRONTIÈRE DE L’INDUSTRIE AGRO-ALIMENTAIRE – LES STRATÉGIES DE DANONE ET NESTLÉ SUR LE MARCHÉBRÉSILIEN DE YAOURTS

Cécile Raud

Les aliments fonctionnels qui promettent d’aider à la guérison ou à la prévention des maladies, sontla nouvelle tendance du puissant marché agro-alimentaire au début du XXIème siècle. Yaourts,margarines, lait fermenté, céréales, eaux minérales, etc. promettent d’aider à la guérison ou à laprévention des maladies comme les maladies cardio-vasculaires, certains types de cancer, alérgies,problèmes intestinaux etc. Parmi les facteurs-clés qui expliquent le succès des aliments fonctionnels,figurent celui du souci concernant la santé et le bien-être, les changements de la réglémentation desaliments et la comprovation scientifique du rapport entre régime alimentaire et santé. Nous avonschoisi d’analyser et de comparer les stratégies de deux multinationales (Danone et Nestlé) qui semesurent dans les rayons des supermarchés brésiliens afin de prédominer sur le marché des yaourtsfonctionnels. L’Activia, de Danone, a été présenté avec succès à plusieurs pays européens, aumilieu des années 1990, et au marché brésilien, en 2004, ce qui a entraîné une importante révitalisationdu marché des produits laitiers. Réagissant à cela, Nestlé a lancé le Nesvita, en juin de 2006. Ennous appuyant sur la Nouvelle Sociologie Économique, nous avons vérifié l’existence de luttes dansle marché, exigeant de l’innovation et le lancement de nouveaux produits pour les entreprises quiveulent continuer à être ou devenir le numéro un de l’agro-alimentaire. Dans ce champs de bataille,l’État joue un rôle essentiel, lorsqu’il établit les règles du jeu entre les partenaires de l’échange etentre les concurrents.

MOTS-CLÉS : aliments fonctionnels ; innovation ; marché ; État ; Danone ; Nestlé.

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NATIONALISMES ET INTERNATIONALISME: UM DÉBAT ENTRE MICHAEL LÖWY ETMICHEL CAHEN

Ângela Lazagna, Michel Löwy et Michel Cahen

Cet article porte sur un débat réalisé entre Michel Löwy et Michael Cahen au milieu des années1990 et est révisé pour cette publication. Même si la discussion se reporte à des événements quid’une certaine manière peuvent être considérés comme datés, la préoccupation de fond, assezcourante en ce qui concerne ces articles, la rend actuelle : il faut approfondir la réflexion, à partir dela théorie marxiste, sur le problème des nationalismes et de l’internationalisme sous l’ère de la

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mondialisation. Cet approfondissement, selon les auteurs, est nécessaire surtout par l’intermédiaired’une réflexion qui provoque d’une façon critique la rupture de la vision eurocentrique des différentsnationalismes et qui dépasse l’attitude de plusieurs marxistes qui ignorent tout ce qui ne soit pasdirectement lié à la “conscience de classe”.

MOTS-CLÉS : nationalismes ; internationalisme ; marxisme ; eurocentrisme ; mondialisation ;conscience de classe.

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NÉO-INSTITUTIONALISME: FACTEURS ORGANISATIONNELS DANS LA VIEPOLITIQUE.

James G. March et Johan P. Olsen

Les théories politiques contemporaines ont tendance à présenter la politique comme un reflet de lasociété ; les phénomènes politiques comme les conséquences agrégées du comportement individuel ;l’action comme résultat de choix basés sur l’intérêt personnel réfléchi ; l’histoire comme étantefficace à portée de dénouement particuliers et adéquats et la prise de décisions et la distribution deressources comme des centres essentiels de la vie politique. Néanmoins, une réflexion théoriquerécente en Science Politique associe des éléments de ces styles théoriques à un souci plus ancienconcernant les institutions. Ce néo-nationalisme met en relief l’autonomie relative des institutionspolitiques, les possibilités d’incapacité dans l’histoire et l’importance de l’action symbolique en vuede comprendre la politique. Telles idées ont une assez bonne base empirique, mais ne se caractérisentpas par des formes théoriques puissantes. Pourtant, il est possible d’identifier quelques directionspour la recherche théorique dans les conceptions institutionalistes de l’ordre politique : voici notreobjectif dans cet article.

MOTS-CLÉS : néo-institutionalisme ; autonomie des institutions; action symbolique; efficacité del’action.

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POUVOIR DE DÉCRET ET ACCOUNTABILITY HORIZONTAL: DIYNAMISMEINSTITUTIONNEL DES TROIS POUVOIRS ET MESURES PROVISÓIRES AU BRÉSILAPRÈS 1988

Luciano Da Ros

Cet article articule les études sur les relations entre les pouvoirs exécutif et législatif avec labibliographie concernant la “judicialisation de la politique”, afin de mieux comprendre comment seproduisent les contrôles horizontaux (horizontal accountability) en ce qui concerne le pouvoir duPrésident brésilien de rendre des décrets, dans le contexte de la récente démocratie. A cet effet,nous avons mené un rapide relevé de la bibliographie récente de la Science Politique brésilienne surle rôle des mesures provisoires, en le comparant aux analyses quantitatives et qualitatives desphénomènes observés. Notre conclusion va de pair avec la thèse selon laquelle les mesures provisoiresfacilitent le contrôle des événements par le pouvoir exécutif, et qu’il existe très peu d’obstructionsà cela aussi bien par le Congrès National que par la Cour Suprême. Les modifications introduitespar la promulgation de l’Amendement Constitutionnel n. 32/2001 permettent d’observer, contrairementà ce que l’on prévoyait, la continuité de ce scénario, au lieu d’un plus grand contrôle sur l’activitélégislative de la Présidence de la République. Cela est mieux saisi si l’on se reporte au fonctionnementdes trois pouvoirs de l’État au long de la période antérieure à 2001, quand se consolidaientprogressivement des paramètres qui se sont incorporés à la Constitution sous la forme de cetamendement. En outre, les données collectées nous ont permis d’affirmer que la réduction ducontrôle sur les décrets exécutifs, surtout ceux qui concernent la concession de liminaires par laCour Suprême, a eu lieu après la promulgation de l’amendement.