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Naiara Conservani Schmidt CANAÃ: A Nova Terra Prometida Pelos Condomínios Fechados da Cidade de Marília-SP Marília 2009 Campus de Marília

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Naiara Conservani Schmidt

CANAÃ: A Nova Terra Prometida Pelos Condomínios Fechados da

Cidade de Marília-SP

Marília 2009

Campus de Marília

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Naiara Conservani Schmidt

CANAÃ: A Nova Terra Prometida Pelos Condomínios Fechados da

Cidade de Marília-SP

Monografia apresentada à banca

examinadora representada pelos

professores do curso de Ciências Sociais,

sob orientação do Prof. Dr. Luis Antônio

Francisco de Souza, para a obtenção do

título de Bacharel em Ciências Sociais.

Marília

2009

Campus de Marília

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Ficha Catalográfica Serviço de Biblioteca e Documentação – UNESP - Campus de Marília

Schmidt, Naiara Conservani. S349c Canaã : a nova terra prometida pelos condomínios

fechados da cidade de Marília-SP / Naiara Conservani Schmidt. – Marília, 2009.

118 f. ; 30 cm.

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Ciências Sociais) – Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, 2009.

Orientador: Dr. Luís Antônio Francisco de Souza.

1. Fortificação. 2. Segregação urbana. 3. Condomínio (Habitação). I. Autor. II. Título.

CDD 301.36

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NAIARA CONSERVANI SCHMIDT

CANAÃ: A Nova Terra Prometida Pelos Condomínios Fechados da

Cidade de Marília-SP

Banca Examinadora

____________________________________

Prof. Dr. Luís Antônio Francisco de Souza

(Orientador UNESP/Marília)

____________________________________

Prof. Dr. Edemir de Carvalho

(UNESP/Marília)

____________________________________

Prof. Dra. Mirian Cláudia Lourenção Simonetti

(UNESP/Marília)

Marília, 11 de janeiro de 2009.

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Essa monografia se originou da pesquisa de iniciação científica financiada

pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) através do

processo nº 2008/10834-8

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Aos meus queridos, Cleide e Álvaro Conservani.

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AGRADECIMENTOS

Esse trabalho foi realizado com a colaboração de algumas pessoas

imprescindíveis, às quais devo meus sinceros agradecimentos. Em primeiro lugar, meu

orientador Professor Luis Antônio Francisco de Souza, com quem compartilhei toda a

trajetória dessa pesquisa e que me ajudou com todas as pedras que se colocaram em

meio ao caminho de sua realização. Agradeço também à Fundação de Amparo à

Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP que financiou esta pesquisa e também aos

colegas da FATO da UNESP de Marília-SP que colaboraram com alguns materiais para

esse trabalho.

Sou também grata a minha família que me apoiou de forma especial nesse

momento aceitando minhas escolhas e respeitando meus caminhos. Agradeço também

aos meus amigos que estiveram ao meu lado nesse momento me apoiando e tendo

paciência com minhas crises. À todos muito obrigado pelo apoio.

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RESUMO

Nas grandes e médias cidades do mundo é possível observar uma nova forma de organização do espaço urbano, que apresenta dentre outras características a forte presença de condomínios residenciais e comerciais fechados, tanto horizontais como verticais. A presença desse tipo de construção vem crescendo a cada ano nas cidades brasileiras e o setor imobiliário faz investimentos cada vez maiores nesse segmento altamente lucrativo. Seus anúncios publicitários podem ser encontrados espalhados pelas grandes e médias cidades brasileiras com facilidade. Neles as ofertas são de uma vida tranqüila e agradável, na qual os riscos e as imprevisibilidades do mundo contemporâneo podem ser deixados do lado de fora dos muros sempre que desejar seu morador. Tendo em vista as características desse novo processo urbano o presente estudo tem por objetivo investigar o caso específico da cidade de Marília, que se insere nessa lógica, juntamente com outras cidades de porte médio, com o processo de interiorização desses empreendimentos imobiliários, que vêem nas regiões do interior uma opção rentável para seus negócios. Diante disso, pretende-se investigar um processo novo de fortificação identificado em Marília. A partir disso pretende-se compreender de que forma isso se reflete nas formas de sociabilidade e na reorganização do espaço urbano. Marília se mostra como um objeto pertinente na medida em que seu processo de urbanização contém desde seu início a presença da separação dos espaços, seja por seus motivos naturais, quanto por seus motivos econômico-sociais e políticos. Sendo a questão chave, a ser perseguida no presente estudo, a reorganização dos espaços urbanos, a busca por segurança e por um modo de vida supostamente comunitário e seletivo, um vetor para o crescimento imobiliário e para o crescimento dos guetos voluntários (cf. Bauman, 1999).

PALAVRAS-CHAVE: Fortificação; segregação urbana; condomínios horizontais.

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ABSTRACT

In big and medium cities in the world you can see a new form of organization of urban space, which provides among other features the strong presence of residential condominiums closed, both horizontal and vertical. The presence of this type of construction has been growing each year in Brazilian cities and real estate investment is growing in this highly profitable segment. Your advertisements can be found scattered throughout the large and medium-sized Brazilian cities with ease. In these deals are a nice and quiet life, in which the risks and unpredictability of the contemporary world can be left outside the walls where you want your neighbor. Given the characteristics of this new urban process in the present study aims to investigate the specific case of the city of Marília, which fall within this logic, along with other mid-sized cities, with the process of internalization of these real estate projects, they see in hinterland a profitable option for your business. Given this, we intend to investigate a new process of fortification identified in Marília. From this you want to understand how this is reflected in the forms of sociability and the reorganization of urban space. Marília shown as an object relevant to the extent that the process of urbanization has since its inception the presence of the separation of spaces, whether for its natural reasons, as reasons for their economic and political aspects. Since the key issue to be pursued in the present study, the reorganization of urban space, the search for security and a way of life supposedly Community and selective vector for a real estate growth and the growth of ghettos volunteers (see Bauman , 1999).

KEY WORDS: Fortification; urban segregation; condominiums.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Tabela I: Construções em Marília ( Zona Urbana): 1928-1946.............................................50

Tabela II: População do município de Marília 1934-1980......................................................51

Tabela III: Distribuição da População de Marília com relação à ocupação de 1934...........54

Tabela IV: Participação dos setores da economia no Produto Interno Bruto (PIB) de Marília no ano de 2007...............................................................................................................56

Tabela V: Evolução Populacional da cidade de Marília-SP...................................................57

Tabela VI: Delitos selecionados, Município de Marília Taxas por 100 mil habitantes........87

Mapa I: Zoneamento do município de Marília-SP..................................................................58

Mapa II: Localização dos enclaves fortificados no município de Marília-SP.......................91

Figura I: Maquete do condomínio fechado Valle do Canaã...................................................80

Figura II: Viver Aquarius..........................................................................................................85

Figura III: Condomínio fechado do tipo horizontal da zona leste do município de Marília-SP.................................................................................................................................................86

Figura IV: Material Publicitário do condomínio fechado Portal da Serra...........................86

Figura V: Zona Leste de Marília-SP........................................................................................95

Figura VI: Zona Leste de Marília-SP.......................................................................................95

Figura VII: Zona Leste de Marília-SP.....................................................................................96

Figura VIII: Zona Oeste de Marília-SP...................................................................................97

Figura IX: Zona Oeste de Marília-SP......................................................................................97

Figura X: Zona Oeste de Marília-SP........................................................................................99

Figura XI: Zona Oeste de Marília-SP....................................................................................100

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..........................................................................................................................11

CAPÍTULO I..............................................................................................................................17

1.1 Cidade: uma discussão acerca do urbano............................................................17

1.2 Espaço urbano versus o processo de globalização...............................................21

CAPÍTULO II – Marília: “Símbolo de Amor e Liberdade ”..................................................43

2.1 A Formação da “Califórnia Paulista”...................................................................43

2.2 Marília: “Capital Nacional do Alimento...............................................................55

2.3 Marília: Algumas camadas....................................................................................62

CAPÍTULO III – Cidade: Insegurança e Fortificação..........................................................67

3.1 Os Enclaves Fortificados........................................................................................67

3.2 A Canaã Mariliense................................................................................................77

3.3 A Marília do outro lado dos muros.......................................................................94

CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................................102

REFERÊNCIA BIBLIOGRAFICA.......................................................................................105

ANEXOS...................................................................................................................................108

Anexo I – Mapa da Zona Leste de Marília-SP.........................................................108

Anexo II – Mapa da Zona Oeste de Marília-SP.......................................................109

Anexo III - Material Publicitário de alguns empreendimentos imobiliários que se

enquadram no tipo Condomínio Fechado Horizontal de Marília-SP…………....….........110

Anexo IV - Imagens do Bairro Parque das Vivendas e Jardim Universitário –

Zona Oeste de Marília-SP…………………………………………………………………...116

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INTRODUÇÃO

As cidades brasileiras vêm sofrendo transformações em suas estruturas urbanas

por motivos que acompanham as transformações ocorridas no país. A recente

industrialização é uma das transformações significativas que teve um impacto direto nas

grandes cidades, sobretudo a cidade de São Paulo que apresentou um inchaço urbano

marcado pela falta de políticas públicas e planejamento urbano. De forma semelhante e

mais recentemente, outras cidades brasileiras sofreram os impactos dessas

transformações, tendo implicações importantes na sociabilidade e na qualidade de vida

dos seus moradores.

As mudanças recentemente sofridas pelas cidades brasileiras caracteriza-se

dentre outras coisas pela perda da função de espaços públicos destinados à práticas

coletivas e a criação de locais específicos para essas atividades. Assim, nota-se que se

torna cada vez mais freqüente a degradação desses espaços, vistos em geral como locais

de alto risco. Ao mesmo tempo, locais específicos para atividades de lazer e comerciais,

como clubes e shoppings se espalham. Por fatores que se relacionam com a questão da

segurança, do mercado imobiliário e também de novos estilos de vida identificados nos

centros urbanos brasileiros, regiões centrais das cidades passam a ser evitados como

locais destinados à moradia o que promove a expansão para as regiões periféricas e,

também a verticalização das cidades.

Outra mudança significativa observada nas grandes e médias cidades brasileiras

é a presença de condomínios fechados que provocam transformações sócio-espaciais no

meio urbano e trazem novas formas de sociabilidade entre os indivíduos, tanto entre

aqueles que optaram em habitar esses espaços como aqueles que se vêem deles

separados por seus muros. Juntamente com esse processo de fortificação das cidades

está o processo de periferização, ambos relacionados.

De um lado, apresentam-se os enclaves fortificados (Caldeira 2000) que se

expandem pelas cidades brasileiras como um novo estilo de vida, que traz consigo uma

rotina de portões, guaritas, identificação, sistemas de câmeras de vigilância e uma

preocupação constante com a segurança. Esses espaços privados ocupados pelas elites

apresentam-se como uma busca da liberdade que já não existiria mais nos centros

urbanos. Dessa forma, os processos de pefirerização e de fortificação alteram as

experiências dos indivíduos com a cidade. A forma como estes a vivem e a

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compreendem passa a ser marcado pela presença de locais privados que está relacionado

ao poder aquisitivo, e também às barreiras físicas, o caso dos muros, por exemplo, que

se erguem pelas cidades. Assim, esses locais restritos promovem uma nova forma de

segregação.

Esse recente fenômeno, que se intensificou no Brasil na década de 1990, está

ligado a questões já antigas da história do país, como a má distribuição de renda e as

grandes desigualdades sociais entre classes. Mas também se relaciona a questões mais

recentes como a acelerada urbanização sem planejamento - realidade da maior parte das

cidades brasileiras - além da sensação de insegurança, tão explorada pela mídia e

utilizada pelo mercado de segurança privada, bem como pela questão da violência. Há

forte relação causal entre essas questões, ao mesmo tempo em que ambas refletem o

esvaziamento do espaço público promovido pela transferência de responsabilidades de

domínio público para o privado na gestão do espaço urbano.

Diante do sentimento de insegurança, fundamentado no medo de um mal

próximo a ocorrer, e de uma virtual negligência do Estado com os serviços básicos e

necessários, o mercado cria ofertas que abarcam hoje uma infinidade de bens e serviços

que são imprescindíveis à vida digna do cidadão. São sistemas de segurança, planos de

saúde, clubes e espaços privativos destinados ao lazer, instituições de ensino privado,

que se estende desde o ensino fundamental até o superior, e tudo mais quanto os

recursos financeiros disponíveis tenham o poder de adquirir. Tal processo faz parte da

ação de privatização dos serviços públicos e da segurança que está relacionado com a

crise no modelo do Estado de Bem-Estar Social, o qual não é mais mantenedor do

conjunto de serviços necessários a vida digna dos cidadãos.

Indivíduos estabilizados financeiramente e com um padrão de vida elevado, que

compõem a classe média e alta, são os principais usuários desse tipo de estratégia, bem

como o grupo que mais se protege por meio de dispositivos de segurança. Pretendem

viver em ilhas de segurança: locais restritos de uma aparente vida tranqüila e perfeita.1

Desse modo, cria-se um problema de cidadania, já que a negligência do Estado frente

alguns serviços, bem como a privatização desses, exclui uma parcela da população que

não terá acesso a eles por falta de recursos financeiros.

1 As notícias evidenciam que, no entanto, há uma tendência crescente de barateamento da segurança

privada, tornando-se assim acessível a outros grupos sociais.

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A utilização de sistemas de segurança como uma alternativa a violência urbana

e, a escolha por uma moradia em locais fechados como os condomínios, além de

contribuírem para o sentimento de segurança e tranqüilidade, produz o isolamento entre

os indivíduos que compõem a cidade e entre suas diversas regiões. Assim a cidade

torna-se um espaço que promove o distanciamento entre indivíduos e grupos. Os medos

e a insegurança emergem como elementos constitutivos da vida moderna (GIDDENS

2000).

No caso da cidade de Marília, que é cortada por vales e paredões rochosos, a

separação de bairros economicamente distintos se dá de forma mais acentuada pelas

próprias características do relevo da região que impede o acesso de algumas áreas por

vias de acesso direto. Analisando historicamente a configuração espacial da cidade

observa-se que a segregação econômico-espacial tem suas bases no processo de

urbanização que se intensificou na década de quarenta com o inicio da industrialização

da região. Nesse período, foram se formando loteamentos nas regiões periféricas da

cidade de forma indiscriminada e com caráter especulativo, já que apenas na década de

setenta é que foram criadas as primeiras leis municipais de ocupação e utilização do

solo (DELICATO 2004).

Os primeiros condomínios fechados foram instalados em Marília na década de

1980, no mesmo período em que começaram a se formar a forma de habitação

classificada como favelas. Tanto em um caso como em outro o poder público municipal

manteve-se distante e negligente, regularizando essa situação apenas tardiamente,

quando a situação já era incontornável.

Como se observa o modelo de construção residencial fechado está se

interiorizando, trazendo os padrões residenciais das capitais para as cidades médias.

Essa é uma tendência que parece estar agradando seu público alvo – a classe média e

alta - pois traz a possibilidade de ter momentos de lazer também garantidos pelo aparato

de segurança e monitoramento que um residencial fechado oferece. Além disso, o

momento destinado ao lazer é realizado no convívio apenas daqueles que se deseja o

que descarta, aparentemente, qualquer desconforto e insegurança. O princípio desses

empreendimentos é: segurança, conforto, lazer, alto-padrão, áreas relativamente

afastadas, fácil acesso e proximidade de áreas verdes.

O comportamento das classes média e alta de Marília contrasta com os índices

de crime violento da cidade. Tal fenômeno pode estar relacionado à questão da

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percepção do risco que pode não estar diretamente relacionado ao risco real, assim a

experiência individual e coletiva se norteiam em seus próprios padrões, o que em uma

comparação direta entre realidades distintas de resultados semelhantes podem distorcer

as possíveis conclusões. Assim, um comportamento observado entre os habitantes de

uma cidade como São Paulo, que convivem cotidianamente com altos índices de

violência, trânsito caótico, problemas sociais, e sua opção em morar em um condomínio

fechado pode parecer justificável. Entretanto, o mesmo comportamento verificado entre

os moradores de uma cidade como Marília, que apresenta esses problemas em bem

menores proporções merece ser compreendido e explicado. É preciso levar-se em

consideração as especificidades sócio-culturais de cada caso considerado, bem como

entender como os indivíduos vivenciam sua realidade imediata. Assim, a construção do

medo e do sentimento de insegurança pode acometer os habitantes de Marília e também

os de São Paulo ou de qualquer outra cidade sem que eles vivenciem a mesma realidade.

Juntamente com a realização de desigualdades sociais deve-se buscar

compreender o crescente número de muros e barreiras que se erguem a cada dia, nos

mais diversos lugares do mundo, pois, a emergência deles não se vincula apenas a

questões de segurança, mas liga-se também a construção de uma nova forma de habitar

e viver a cidade. Isso coloca a presença de residenciais fechados como forma de

distinção social e meio produtor de segregação sócio-espacial. Tipos de construções que

lembram fortalezas medievais inseridas no contexto do processo de globalização, o qual

possibilita o contato entre diversas possibilidades, mas que ao mesmo tempo intimida e

provoca distâncias e fechamentos.

Dessa forma, tanto nas relações individuais como na organização do espaço

urbano o que se observa é o aumento progressivo das desconfianças com relação ao

outro9, as relações tendendo a serem mais distanciadas e superficiais, pois, o outro

enquanto desconhecido é também imprevisível e uma possível ameaça. Dessa maneira,

a diversidade e a pluralidade são colocadas como risco, originando a promoção e a

difusão de desigualdades entre indivíduos e grupos de indivíduos. Evidentemente, não

se trata mais dos riscos tradicionais de que fala Giddens (2000), mas de riscos para os

quais os cálculos dos seguros não apresentam alternativas senão a recusa ao contato

direto.

9

Para uma discussão mais ampliada dessa questão da emergência da sociedade do risco e da crise da

modernidade, ver Giddens 2000.

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Diante disso, o presente estudo busca compreender de que maneira isso se

realiza na cidade de Marília-SP, compreendendo as especificidades desse processo

recente nesse contexto e, buscando, portanto, seus possíveis determinantes e

conseqüências nas relações sócio-espaciais já estabelecidas nesse território e as novas

formas decorrentes do processo de fortificação aqui observadas.

Para isso essa pesquisa possui em seu primeiro capítulo uma breve discussão

teórica acerca da questão urbana e o processo de globalização e a relação deste com o

processo de fortificação observado nas cidades contemporâneas. No segundo capítulo o

processo de formação do município de Marília é analisado de forma a compreender sua

forma de ocupação atual. Assim, diante das análises e discussões realizadas nos dois

primeiros capítulos o presente estudo tem como terceiro capítulo a análise das

particularidades do processo de fortificação no município de Marília-SP e as

implicações que este provoca na organização sócio-espacial do município.

Considerações acerca do objeto

A tentativa de compreender sociologicamente o fenômeno dos condomínios

fechados como elementos que compõe as paisagens urbanas contemporâneas e a

expansão do mercado de segurança privada em Marília produz uma demanda de

investigação que não se restringe a essa delimitação específica desse espaço e tempo.

Pois, esse fenômeno aqui observado mostra-se inter-relacionado com outros fenômenos

que, assim como ele, possuem caráter não estático o que torna seu isolamento como

uma unidade autônoma, um erro metodológico para sua compreensão.

Por esse motivo faz-se necessário buscar compreendê-lo enquanto objeto

inserido em um complexo de relações, de tal modo que a simples discrição de uma

paisagem fisicamente urbana, por si só, não daria conta de explicá-lo. Desse modo, essa

pesquisa irá trabalhar com o fenômeno dos condomínios fechados a partir de sua ligação

com a questão do esvaziamento do espaço público acentuado no processo de

globalização. A partir disso, irá se buscar as possíveis conexões entre esse processo e o

processo de fortificação das cidades contemporâneas, especificamente o caso de

Marília-SP.

Por esse motivo o estudo desse objeto em um caso específico, como é o caso de

Marília, torna ao mesmo tempo necessário compreender as particularidades desse

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contexto específico e, também, compreender esse fenômeno como fenômeno que se

insere e se liga a um processo mais global. As dificuldades em torno disso encontra-se

no problema encontrado na maioria dos objetos das ciências sociais: o caráter do objeto

torna o pesquisador participante direto do fenômeno, pois encontra-se inserido na

realidade a qual busca desobscurecer, o que coloca a tentativa de distanciamento do

objeto algo difícil de ser alcançado. Ao mesmo tempo, o objeto pretendido possui como

característica importante o isolamento e isso coloca barreiras, sobretudo físicas, as

tentativas de realizar uma observação participativa, já que a própria estrutura dos

residenciais fechados impõe a distância e o não contato.

A tentativa de compreensão desse objeto torna necessário, portanto, a análise das

suas relações históricas, social e existencial, pois como destacou Sennett, em sua obra “

O Declínio do Homem Público”, o esvaziamento do espaço público liga-se à

psicologismos como o medo, a sensação de insegurança e, também, a busca por um

ideal de comunidade. Dessa forma, o reconhecimento da verdade deve ser encarado

enquanto conhecimento relacional e não absoluto, ou seja, trabalhar segundo a

perspectiva weberiana na qual o conhecimento e a verdade estão ligados a idéia de

grupo, o que torna o ethos de um grupo algo específico. Neste caso específico a

pesquisa trabalha com um espaço ocupado pelas elites, grupo este pouco presente nas

análises das ciências sociais, como já destacou Caldeira em “Cidades de Muros”, o que

possibilitará identificar percepções diferentes do mesmo processo, ou seja, daqueles que

ocupam esses espaços e daqueles que deles são excluídos. Percepções subjetivas que

levam a compreensões e caminhos que ora podem se distanciar e ora se aproximar

mesmo estando em espaços distintos e realidades opostas.

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CAPÍTULO I

1.1 Cidade: uma discussão acerca do urbano

A problemática dos condomínios fechados se insere um em cenário de extrema

complexidade e que, por esse motivo, acredito ser importante abordá-lo aqui. Este

cenário complexo é a cidade. Desse modo, inicialmente se faz necessário compreender

diferentes processos para pensar de que forma a presença dos residenciais fechados se

inserem hoje em nossas cidades e quais tipos de necessidade eles buscam suprir para

aqueles que optaram por esse tipo de moradia. Para isso será utilizado diversos autores

de períodos diferentes que abordam esse tema, a utilização deles se justifica na busca

por compreender os processos transformadores nas diferentes formas de organização do

espaço urbano e nas formas de sociabilidade impostas por eles através da delimitação

conceitual desses processos e das diferentes discussões que foram realizadas acerca

desse tema.

Diante disso, como definição do termo cidade tem-se como discussão as cidades

enquanto formas de organização vinculadas à questões culturais e ideológicas, segundo

Castells (1983), que se disseminaram vinculadas à idéia de evolução social. Por esse

motivo elas estão ligadas ao conceito de civilização, conceito este carregado de

significações e que se liga as formas de organização ocidentais. Desse modo, o urbano

vai além de uma forma de organização espacial e se configura como um modelo cultural

de fundo ideológico e político, uma vez que se dissemina em contextos distintos.

Segundo a análise evolucionista o urbano apresenta duas etapas: 1-

“Concentração espacial de uma população, a partir de limites de dimensão e

densidade.”; 2- “Difusão do sistema de valores, atitudes e comportamentos

denominados “cultura urbana”. 2

Desse modo, a cultura urbana está ligada, segundo ele, ao modo de produção

capitalista, sendo ela, portanto, uma cultura da sociedade industrial que se vincula as

atividades tecnologicamente desenvolvidas relacionadas à indústria, aos valores do

modernismo e a forma de organização sócio-espacial das cidades. Esses três fatores se

2 CASTELLS, Manuel 1983:39.

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mostram como as principais características de um modo de vida urbano por fazerem

oposição à sua realidade precedente, o modo de vida rural, que era até então dominante.

As análises conceituais acerca do termo cidades mostram-se bastante divergentes

na medida em que alguns autores consideram cidade algo mais que uma simples

organização sócio-espacial. Neste caso, a cidade seria compreendida como uma

organização sócio-espacial que possuiria uma cultura urbana, o que a colocaria como

restrita à realidade das cidades industriais. Da mesma forma, há controvérsias acerca da

extensão do espaço a ser considerado em termos de concentração humana, o que

provoca diferentes compreensões em diferentes países.

Castells (1983) cita em sua obra investigações arqueológicas que constataram

que os primeiros aglomerados de grande densidade datam por volta de 3.500 a.C

referente à Mesopotâmia, 3.000 a.C no Egito e 3.000 e 2.500 a.C na China e Índia,

respectivamente. Segundo essas investigações tais aglomerados tiveram como condição

de existência a elaboração de técnicas que permitiram a produção de excedente às

necessidades e um alto nível de organização social.

Segundo essa análise de Castells (1983) a cidade só pode se constituir quando os

indivíduos que nela habitam não são mais necessários na produção de meios de

subsistência, ela é, portanto, fruto do excedente. Desse modo, o urbano não é uma forma

de organização que se opõe ao rural, mas formas que fazem parte do mesmo processo de

organização social.

Como exemplo pode-se tomar a Roma Antiga na qual a sociedade atingiu um

grau técnico e racional que permitiu a produção de excedente e atingiu uma organização

social e política coesa. Assim, se figurou como uma cidade de funções comerciais e

administrativas, resultado de uma aglomeração humana em um território determinado

pelo poder local e voltada para a conquista. Desse modo, a expansão do Império

Romano impôs também sua forma de organização aos territórios conquistados, o que

com sua queda acarretou na perda se sentido dessa forma de organização sócio-espacial

e deu fim à forma de cidade existente.

Diferentemente, as cidades da Idade Média se originaram à partir de uma

fortaleza existente que garantia a segurança e a habitação e, possuíam sua economia

voltada para o mercado, o que promove a expansão dessa forma de organização nesse

período histórico. Tal forma de organização, aliadas as necessidades originadas pelos

interesses da época, resultou no surgimento de novas formas de organização político-

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administrativas responsáveis por garantir a manutenção desse modo de organização

humana.

Para Castelles (1983) um elemento importante desse período é a autonomia

político-administrativa que se iniciou e que faz parte, segundo ele, da ideologia

pertencente à cidade e que vai culminar nas cidades industriais do século XIX.

“A urbanização ligada à primeira revolução industrial e

inserida no desenvolvimento do tipo de produção capitalista, é um

processo de organização do espaço, que repousa dobre dois

conjuntos de fatos fundamentais:

1. A decomposição prévia das estruturas sociais agrárias e a

emigração da população para os centros urbanos já existentes,

fornecendo a força de trabalho essencial à industrialização.

2. A passagem de uma economia doméstica para uma economia de

manufatura, e depois para uma economia de fábrica o que quer

dizer, ao mesmo tempo concentração de mão-de-obra, criação de

um mercado e constituição de um meio industrial.” (CASTELLS

1883:.45.

Nessa passagem o que fica claro é que o elemento determinante na organização

do espaço urbano é a indústria. Isso, segundo Castells (1983) rompe com a organização

espacial da cidade enquanto sistema institucional e social relativamente autônomo, pois

a mercadoria passa a ser o elemento organizador da esfera econômica e social – no que

se refere a divisão do trabalho e na diversificação dos interesses econômicos. Isso

provoca uma difusão da forma urbana e a perda da homogeneidade de sua forma

organizacional.

Segundo essa análise de Castells (1983) não há uma “desordem urbana” o que se

realiza é uma ordem organizacional que se baseia na racionalidade industrial do lucro.

Para ele, residem aí as características das cidades industriais e a tida “cultura do

urbano”. Pois, o que se verifica é a lógica industrial aplicada no modo de organização

do espaço e na rotina dos indivíduos. Isso se verifica quando se observa o processo de

atomização das cidades produzido pela difusão do capitalismo avançado, que busca a

funcionalidade o que se reflete na paisagem urbana em espaços setorizados: habitação,

lazer e trabalho ocupando lugares distintos. Além disso, a ideologia individualista e a

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valorização da família nuclear resultam na expansão das residências individuais e

aumentam o isolamento do indivíduo no ambiente da cidade.

O ressurgimento das cidades e a nova forma de organização social imposta por

elas trouxeram mais do que apenas uma reorganização do espaço físico. A cidade se

mostrou, segundo Weber em sua obra Economia e Sociedade, como um espaço capaz de

promover a emancipação moral e material do homem, pois sua emergência representava

um rompimento com um passado feudal de subordinação e de dominação pessoal.

Dessa forma, ela se mostrou como um lugar onde se inicia o pensamento dos direitos

humanos e da emancipação do homem, assim, sua expansão representou, também, a

expansão desses ideais. Diante disso, a palavra cidade traz consigo mais do que a

referência a um espaço geograficamente determinado e fisicamente construído, ela

contém também significados que remetem ao conceito de polis e de civitas, os quais

invocam a uma organização social baseada em regras de direitos e deveres a serem

mutuamente cumpridos e no direito dos cidadãos na participação dos negócios públicos.

A cidade renascentista era compreendida como uma obra de arte por seus

contemporâneos, pois tinha, assim como as obras de arte, a função de educar e

transformar o homem. Desse modo, elas configuravam-se como o habitat da Razão, que

tinha por objetivo a luta contra forças desagregadoras da vida social, buscando

organizar seus elementos de dispersão e perturbação. Dessa maneira, as cidades

renascentistas estão ligadas a busca da ação, do movimento e da deliberação por parte

dos indivíduos, o que figura como modelo ideal do período, ou seja, a cidade aberta à

ação dos homens. Pensada a partir da polis grega as cidades renascem, porém tomam

formas diferentes da idealizada polis, pois a busca pela ação do homem no espaço da

cidade não alcança a mesma participação que existia no espaço da polis grega já que os

indivíduos passaram por uma grande transformação durante o período que separa esses

dois momentos. Agora, o indivíduo possui a noção de interioridade e apresentam-se

como indivíduos autárquicos que se organizam de modo a alcançar seus interesses, o

que retira a cidade como centro organizador da vida social e subordina-a aos interesses

dos indivíduos.

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1.2 Espaço urbano versus o processo de globalização

É sob esse novo paradigma que se figura a cidade industrial do século XIX, onde

os espaços e as relações sociais são reorganizados para a expansão da indústria e do

capital, e que hoje se apresentam como as cidades globais no qual emerge o fenômeno

da desterritorialização. Nesse processo histórico o que se mostra de forma mais

marcante é a construção de uma cultura do urbano, que no mundo atual ultrapassa os

limites dos perímetros urbanos e alcança o modo de vida dos indivíduos. A cidade

torna-se o lócus do urbanismo enquanto estilo de vida (Wirth, 1964). Talvez isso esteja

ligado, como na Antiguidade, a idéia do espaço urbano como um espaço mais

desenvolvido e ligado a idéia de civilização sendo, também, um lugar capaz de oferecer

maiores oportunidades aos indivíduos e de emancipá-los, sobretudo, materialmente.

A cidade do século XIX pode ser compreendida através da análise dos objetivos

e interesses daquele período histórico. Compreendido por Bauman em sua obra

Modernidade Líquida como a primeira modernidade, ele caracteriza esse momento

como um período pesado, sólido e não fluído, que se apresentava de forma sistêmica

por ter como base uma sociedade industrial. Por esse motivo, a cidade se organiza a fim

de garantir a expansão da indústria e, seu papel passa a ser o de espaço capaz de

compreender as relações de trabalho industrial, o que implicou na aplicação de uma

racionalidade produtiva que atua para além dos limites das fábricas e atinge as ruas,

como a organização dos transportes, dos espaços ocupados pelos diferentes grupos

sociais: os trabalhadores e os proprietários. Dessas novas formas de sociabilidade,

novos significados são dados à propriedade, dos quais faz emergir a necessidade de sua

proteção e, também, a proteção dos bens, emergindo assim uma nova forma de relação

com a propriedade. Igualmente, a manifestação de novas formas de sociabilidade

mediadas pelo capital e as relações de dominação que este implicou nessa sociedade

(Engels, 1845). Um período que, segundo Bauman, o espaço e o tempo são elementos

dependentes e que caminham juntos.

Diferentemente do que ocorre nas cidades contemporâneas, as quais se inserem

em outro contexto e desempenham diversos papéis. Compreendido por alguns autores

como pós-modernidade3 esse período se caracteriza pela busca da liberdade do

3 Para uma discussão mais aprofundada ver: Anthony Giddens, Wrick Beck, Leo Strauss e Bauman.

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indivíduo através da superação da realidade da primeira modernidade. Assim, duas

mudanças ocorrem: o fim da antiga ilusão moderna que via um caminho a ser percorrido

no qual continha em seu final a melhora do Estado com relação à forma na qual se

apresentava, ou seja, a crença em um aperfeiçoamento dos mecanismos sociais, e a

desregulamentação e privatização das tarefas e deveres modernizantes, o que colocaram

questões que antes pertenciam ao âmbito do coletivo como problemas individuais e de

responsabilidade apenas do sujeito. Diante disso, a modernidade líquida (Bauman

2001), apresenta como principal característica o processo de globalização, o qual produz

um novo significado para o indivíduo e uma ruptura com a realidade passada de solidez,

permitindo uma fluidez maior na relação espaço e tempo, que agora se mostram não

mais, necessariamente, estritamente vinculados.

Sobre essa questão Ianni (1992) aponta alguns elementos dentro do processo

histórico no qual a sociedade encontrou tendências para se tornar global, entre os mais

importantes destaca-se a internacionalização das finanças e dos seguros comerciais e a

internacionalização dos Estados em suas estruturas internas e funções. Para ele, as

sociedades contemporâneas estão articuladas a uma sociedade global, que compreende

relações, processos e estruturas sociais, políticas e econômicas. Nesse processo, que

opera de maneira contraditória, observa-se a coexistência do global com o

particular/regional, no qual se identifica uma predominância do primeiro com relação ao

segundo.

O processo de globalização, enquanto processo contraditório se realiza de forma

plural em cada unidade sócio-econômica existente. Assim, o mesmo tempo que se

insere na sociedade global cada cultura se reafirma e se recria através de suas

particularidades. Segundo Ianni:

“ O mesmo processo que aproxima, articula e integra,

também diversifica, aliena e opõe, tanto no ambito das relações entre

indivíduos como no das relações entre coletividades.” (IANNI

1992:83)

Igualmente, na questão dos avanços tecnológicos observados, sobretudo na

questão da informação, um paradoxo se apresenta pois esta se mostra

incontestavelmente rápida e difusa, sendo a transmissão de informações e a

comunicação instantânea algo caracteristico da sociedade global. Porém, mesmo com a

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transposição das barreiras espaciais e temporais a sociedade dos globais não consegue

se comunicar com os locais com quem mantém relações estranhadas e distantes, que se

tornam muitas vezes sem sentido porque inexiste compreensão.

Nesse processo Ianni aponta o crescimento do sentimento de solidão entre os

indivíduos que, para ele, está relacionado ao processo de desterritorialização contido no

processo de globalização, pois ele traz consigo a perda dos pontos de referência do

indivíduo e modifica as noções de tempo e espaço. É a promoção da perda da

experiência do reconhecimento do outro, do diferente. Tal movimento é observado

sobretudo nas relações enconômicas, pois os investidores não são mais necessariamente

vinculados à suas propriedades e investimentos no que se refere ao espaço físico que

estes ocupam, pois sistemas de monitoramento e novas tecnologias permitem grande

controle mesmo que o alvo da vigilância se mostrem à grandes distâncias físicas. Este

tipo de tecnologia permitiu a sobreposição do tempo com relação ao espaço.

Tal mudança possui grandes consequências, como a isenção de

responsabilidades sobre a região à qual se encontra os investimentos e as propriedades,

a desvinculação do capital frente às obrigações que suas ações podem ter. Assim, cada

vez mais ele se mostra desvinculado da localidade e a mobilidade das grandes

companhias se torna algo possível. Desse modo, as mudanças que o capital produz no

espaço por ele ocupado e transformado não se mostram mais de sua responsabilidade,

estas ficam a cargo do Estado, ou na negligência deste, sob responsabilidade da

população diretamente afetada. Nesse cenário, “que para a empresa significa a abertura

para o mercado externo, agindo num número maior de lugares possíveis e permitindo a

movimentação rápida de dinheiro, que migra por todas as partes do planeta

diuturnamente” a vida das pessoas é invadida por mudanças, “para o homem comum

significa a imposição de novos padrões de comportamento, novos valores, uma nova

estética” e um novo “modo” de consumir o espaço, segundo Fani.4

Segundo Bauman (1999) além de implicar em uma separação física as distâncias

possuem significados que ultrapassam a questão espacial e atinge efeitos psicológicos

indivíduais, pois a condição humana de eliminação das distâncias espaciais permitido

pelas novas tecnologias não é uma condição humana generalizada, não é algo

homogêneo, muito pelo contrário, destaca ele, a anulação tecnológica das distâncias

4 Discussão feita em CARLOS, Ana Fani Alessandri “O Consumo do Espaço in Novos Caminhos da

Geografia”, p. 176

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espaciais promoveu uma polarização entre os indivíduos. Por esse motivo hoje a

condição social dos indivíduos é determinada pela capacidade deste em transpor

fronteiras, em ultrapassar barreiras físicas: em ser um homem ligado ao tempo e não

mais as distâncias espaciais. Essa é a principal diferença apontada por ele para

diferenciar os indivíduos cosmopolitas daqueles presos às suas localidades. Segundo

ele, as fronteiras são, no geral “um fenômeno estratificado de classes”, assim diz ele:

[...] no passado, como hoje, as elites dos ricos e poderosos

eram sempre de inclinação mais cosmopolita que o resto da

população das terras que habitavam, em todas as épocas elas

tenderam a criar uma cultura própria que desprezava as mesmas

fronteiras que confinavam as classes inferiores; tinham mais em

comum com as elites além-fronteiras do que com o resto da

população de seu território. BAUMAN 1999:19.

Castells (2007) identifica um reflexo desse processo nas relações sociais

contemporâneas. Para ele, a sociedade civil urbana está baseada em um compromisso

fundado na separação recíproca, um acordo que visa a não ocupação dos assunto

alheios. Por esse motivo é apontado tanto por ele quanto por Ianni um problema de

cidadania, para Ianni, a mercadoria alcançou a cidadania mundial muito antes dos

indivíduos, a cidadania destes encontra-se ainda apenas no plano das idéias. Trata-se do

movimento de derrubada das fronteiras para o capital e do aumento delas entre os

indivíduos e os grupos de indivíduos que se veêm como distintos. O mesmo é apontado

por Castells, o qual identifica na flexibilização da economia e nas novas formas de

relações sociais uma tendência ao isolamento e a perda do interesse no contato face-a-

face em decorrência dos novos mecanismos de trabalho e administração da vida

individual.5 Definindo o espaço, segundo a teoria social, como “um produto material em

relação a outros produtos materiais – inclusive pessoas – as quais se envolvem em

relações sociais [historicamente] determinadas que dão ao espaço uma forma, uma

função e um sentido social”, ou seja, o espaço enquanto”suporte material das práticas

5 Para Castells o processo de globalização é um processo social, cultural e informacional, no qual o modo

de vida característico é da crise da vida privada – família, casamento, filhos. Dessa maneira emerge-se

uma nova estrutura social dominante: a Sociedade em Rede, a qual apresenta uma nova estrutura

econômica: a economia informacional e uma nova estrutura cultural: a cultura da virtualidade real. Para

essa discussão ver: CASTELLS, 1999.

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sociais de tempo compartilhado”, Castells aborda as novas formas de relações sociais

mediadas por dispositivos tecnologicos informacionais, os quais reduzem distâncias ao

permitir uma aproximição imediata de indivíduos fisicamente distantes, mas que

diminui a experiência do contato direto e produz um novo mundo de relações: o da

virtualidade. (CASTELLS 2007: 500).

Ele coloca como cenário dessas práticas contemporâneas de relacionamento

social as chamadas cidades globais que, segundo ele, são cidades nos quais existe o

controle informacional e global de economias do mundo todo e, onde estão disponíveis

serviços avançados, o que torna esses espaços centros de controle e comandos

responsáveis pela gerência financeira e informacional de inúmeras empresas mundiais.

Castells destaca que mesmo havendo uma hierarquia de importância entre esses centros

informacionais, determinados pelo seu nível de desenvolvimento, não são apenas esses

locais que se inserem na lógica global, pois, para ele, o que existe são centros nodais de

comando em alguns países, mas que não exclui a possibilidade deles serem encontrados

em toda a geografia do planeta.

Ana Fani faz uma diferenciação interessante à efeito de análise do que consiste

os termos globalização versus mundialização. Para ela, globalização é um fenômeno

ligado à internacionalização da produção, e a mundialização se refere ao fenômeno da

constituição da sociedade urbana, “liga-se, portanto, à produção latu sensu”. Desse

modo, segundo ela “a mundialidade é um projeto de construção de um espaço mundial –

é nesse contexto que novas contradições se manifestam, se inventam novos valores, se

reorganizam novos espaços a partir da reorganização da sociedade inteira, em função

dos centros de poder, dando um novo sentido para o espaço”. Assim, “a noção de

mundialização refere-se às transformações que fogem ao estritamente econômico e

dizem respeito ao social, cultural, político e ideológico, ao mesmo tempo em que se

revelam no plano da mundialidade”. (CARLOS 1999: 177)

É, sob esse novo paradigma que se assenta as chamadas cidades globais,

fundamentadas na lógica global de acontecimentos instantâneos, grande nível de

desenvolvimento tecnológico e informacional, possibilidade de contato com grandes

distâncias e, porém, um grande isolamento daqueles que nelas habitam configurado

pelas relações estranhadas entre os indivíduos que se chocam nas ruas cheia de pessoas

mas que porém não sentem a presença de nenhuma delas.

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As cidades globais se mostram paradoxais na medida em que apresenta em seu

seio a coexistência de realidades tão opostas. As cidades globais planejadas apresentam

sua setorização de forma mais clara e naturalizada em seu território, já que é um

objetivo claro de sua construção, ou seja, a criação de espaços funcionais.

Contrariamente, as cidades globais que assim se configuraram pela ocasião apresentam

transformações periódicas em decorrência das novas demandas surgidas ou mesmo

inventadas. Dessa maneira, mesmo sendo organizações formadas pela ocasião a lógica

de um espaço administrado e calculado se insere em seu perímetro, na maior parte das

vezes em espaços específicos, em geral, espaços ocupados pelas elites locais. Assim, é

possível observar ao transitar por essas cidades espaços com grande grau de distinção,

espaços organizados, vigiados onde se opera uma funcionalidade e espaços degradados

e caóticos pela sua não funcionalidade e desorganização. No Brasil, se inserem nesse

contexto algumas das principais cidades do país, como São Paulo e Rio de Janeiro,

cidades que se formaram pela ocasião e que vêm passando por constantes processos de

transformação para estarem aptas a serem reconhecidas como cidades globais. Nelas, é

possível observar elementos característicos do processo de globalização, como o

processo de desterritorialização, a setorização de seus espaços urbanos e o progressivo

isolamento dos seus cidadãos.

Dentro desses processos existem percepções diferentes acerca do mesmo espaço

urbano, determinados pelo ângulo que se observa e que se sente suas mudanças. Para as

elites o processo de desterritorialização e de negação das localidades mostraram-se

como uma oportunidade de maior mobilidade, ao mesmo tempo que elas se encontram

cada vez mais em locais de acesso restrito, determinados pelo poder aquisitivo e

cercadas por dispositivos de segurança, o que mostra a emergência de um processo de

promoção de espaços proibidos dentro dos centros urbanos. A degradação dos espaços

públicos, ou seja, dos locais no qual os indivíduos, através do intercâmbio de idéias,

estabelecem as normas da comunidade, mostra-se como um dos determinantes dessa

nova forma de organização das elites.

Esse comportameto adotado pelas elites implica em mudanças de

comportamentos não apenas de uma classe mas mudanças culturais já que interferem

diretamente na organização do espaço físico urbano que é adapatado para o isolamento,

e nas formas de sociabilidade encontradas nesses novos espaços produzidos, o que

resulta também no esvaziamento dos antigos espaços destinados ao convívio e na

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interação das diferenças. É o que ocorre quando encontram-se espalhados pelas cidades

espaços específicos para uma determinada atividade de uma determinada classe, a

produção de espaços públicos destinados à um convívio específico como é o caso dos

shoppings, dos clubes, das instiruições de ensino privadas, dos residenciais fechados

que são espaço exemplos desse processo. Neles, a busca é por uma convivência

específica que possibilite a harmonia e a tranquilidade entre os iguais, eliminando

qualquer imprevisto e risco que a diversidade possa trazer, ou seja, o que se pretende

atingir é a homegeneidade entre aqueles que optaram por usufruir esses espaços.

Assim se observa uma contradição diante do espaço que se torna global e ao

mesmo tempo fragmentário em decorrência da sua reprodução enquanto mercadoria, ou

seja, globalizados segundos os interesses que o hierarquizam e fragmentados segundo

os objetivos de realização de atividades cotidianas. Nesse cenário a relação que se tem

com o espaço é de espaço-mercadoria, determinado pelo seu valor de troca mais que

pelo seu valor de uso, motivo que o transforma e o recria de maneira cambiante.

A busca por uma vida administrada que isole os possíveis riscos e as cidades que

se formaram pela ocasião, pela reunião de pessoas de forma desordenada, não se

mostram como elementos compatíveis, por esse motivo são elas encaradas como locais

não funcionais, mal destribuídas, feias e sujas e, portanto, locais não desejáveis para se

habitar. Assim, uma nova cidade torna-se desejada, um espaço que compreenda as

novas demandas, que seja funcional a fim de promover a liberdade dentro do espaço

urbano. Essas novas cidades desejadas, pensada a partir de um alto grau de

racionalidade tem como exemplo no Brasil a cidade de Brasília, na qual a busca foi

conceber um espaço devidamente ordenado por funções: o espaço residencial, o espaço

comercial, de lazer, etc. Pode-se identificar esse processo de racionlização do espaço

urbano como um reflexo da racionalização da vida cotidiana do indivíduo, que busca

maior produtividade em suas ações através da organização das diferentes funções da

vida diária.

O desejo e a busca por uma vida administrada mostra-se como uma busca tanto

pessoal quanto coletiva, modifica as relações individuais, a coletividade e busca

organizar os espaços privados e públicos. Giddens identifica esse comportamento como

a tentativa de calcular e eliminar possiveis riscos, o que se justifica hoje pela crescente

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sensação de insegurança vivida pelos indivíduos. 6 Essa tentativa de uma organização

funcional da cidade, seja em um ambito mais restrito como no caso dos enclaves

fortificados (Caldeira, 2000), ou de maneira mais abrangente como nas reformas

urbanas pretendidas nas cidades, promovem a desintegração dos laços sociais, pois as

barreiras físicas e simbólicas levantadas entre indivíduos diferentes e a organização

segundo uma funcionalidade impedem a realização da experiência através do convívio

com o diferente, pois tais projetos tendem a homogeneização social.

Essas cidades do futuro, como destaca Baumam, ainda não foram plenamente

alcançadas, porém, tentavidas em menor escala são hoje facilmente encontradas nas

grandes e médias cidades do mundo. Os enclaves fortificados, definidos por Caldeira

como espaços privados destinados ao uso coletivo, no qual é enfatizado o valor do que

é privado e restrito, ao mesmo tempo que desvaloriza-se o que é público e aberto nas

cidades, apresentam-se como uma alternativa às elites que buscam fugir do aspecto

caótico que as cidades hoje representam sendo, portanto, tidos e um meio para se

alcançar a vida administrada tão desejada.

É o que destaca Sennett (1988) em sua análise acerca das cidades americanas, as

quais, segundo ele, buscam a segurança através de uma igualdade visível, ou seja,

através do convívio entre semelhantes, seja de classe, de etnia ou de costumes. Assim,

sentimentos como a suspeita aos desconhecidos, a intolerância às diferenças e a

insegurança frente ao que se mostra imprevisível tem provocado mudanças na sociedade

americana que adotou como medida de segurança a segregação. Ele trabalha com uma

comparação entre a res publica romana e a res publica atual. Para ele, a res publica que

consiste na associação mutua, em um compromisso mútuo para além dos laços

familiares entre os indivíduos , ou seja, o “vínculo da multidão” ,“do povo” hoje

apresenta-se como apenas um acordo e os espaços para a realização da vida pública – as

cidades – mostram-se em um processo de decadência. Sennett trabalha com uma

perspectiva psicanalítica na qual as mudanças de sentido entre público e privado

trouxeram mudanças no comportamento dos indivíduos e nas formas destes se

reconhecerem e se compreenderem. Dessa forma, em nossa contemporaneidade a

privacidade não é apenas buscada apenas nos limites das casas mas também nos espaços 6 Anthony Giddens (2000) analisa a palavra risco e observa que ela não tem significado para as

sociedades antigas, pois seu significado está ligado à avaliação de possibilidades futuras, o que mostra

que está palavra apenas faz sentido para “sociedades voltadas para o futuro”. Dessa forma, este

conceito se vincula a uma sociedade que possui rompimentos constantes com seu passado.

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públicos, assim, “a razão está em que, quanto mais privatizada é a psique menos

estimulada ela será e tanto mais será difícil sentir ou exprimir sentimentos”. (SENNETT

1988: 16)

Por esse motivo, segundo Sennett (1988), as relações hoje são permeadas pelos

sentimentos de medo, bloqueio e decepção. Pois, os indivíduos confundem assuntos da

esfera pública com sentimentos pessoais, isso porque, as energias humanas são voltadas

para o eu em nossa sociedade, o que configura uma relação narcísica com o mundo,

sendo à partir disso estabelecidas as relações sociais.7

O sentimento de insegurança gerado na sociedade global advém da

incalculabilidade dos riscos totais e tende hoje, sobretudo nas questões de ameaças

terroristas e violentas, a tornar a aparência e a classificação como alertas de segurança.

Isso faz com que grupos étnicos, classes sociais e qualquer indivíduo que se mostre

diferente do padrão aceito sejam classificados como suspeitos e tratados como

criminosos impotenciais. Estabelecida essa relação estranhada o que se tem por

objetivo é o mais rápido isolamento e extermínio desses possíveis riscos, seja por ações

de restrições a esses indivíduos e grupos suspeitos, seja por ações violentas – restrições

de entrada à determinados países, locais públicos, privados, etc.; abordagens de agentes

policiais, prisões, agressões físicas e até mesmo execução como ocorreu no caso da

morte do brasileiro Jean Charles de Menezes confundido com um homem-bomba no

metrô de Londres e morto pela polícia britânica em julho de 2005.

Em uma retomada de Freud, Bauman analisa os medos que afligem a

humanidade e destaca como as principais aflições que acometem o homem as forças

incontroláveis da natureza, a debilidade inata de nossos corpos e a agressão que parte

dos outros homens contra nós. Robert Castels observa que apesar dos avanços

tecnológicos terem permitido o desenvolvimento de mecanismos capazes de prever as

ações da natureza que oferecem perigo e, também, de técnicas de controle que a coloque

a disposição dos desejos dos homens – o desenvolvimento agrícola é um exemplo disso

– e, apesar do desenvolvimento cada vez maior da medicina que vem prolongando a

expectativa de vida dos indivíduos, um grande risco se mostra fora de controle e, que

segundo ele nunca esteve sob controle, que são as ações humanas destrutivas. Para ele, a

individualidade moderna é um determinante nesse estado de coisas, pois ocorreu uma

7 Narcisismo aqui entendido como “aquilo que esta pessoa, este acontecimento significam para mim”,

“aquilo que é inerente ao domínio do eu, da auto-significação e aquilo que não é”.

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mudança fundamental do sentido de comunidade que, anteriormente se apresentava sob

os cuidados da vigilância de todos os indivíduos que a compunha a fim de manter a

garantir a harmonia e a ordem das coisas e, possuía as ações individuais pensadas

segundo o coletivo, o que agora difere e se mostra voltadas para o beneficio próprio,

sendo realizadas coletivamente apenas quando se mostrem individualmente vantajosas.

Isso, segundo Robert Castels traz um estado de insegurança que se mostra permanente

por se tratar de um ciclo vicioso: a insegurança torna a individualidade um meio de

proteção, e ela, por sua vez motivo de mais insegurança. Assim, o que se vislumbra são

a desconfiança e o medo com relação ao outro, uma vez que acredita-se que suas ações

estão sempre ligadas a interesses particulares que não necessariamente estejam de

acordo com o bem comum. Tal desconfiança tende a se generalizar e promover o medo

coletivo já que ninguém se mostra mais como merecedor de confiança e tudo o que se

vê são armadilhas e emboscadas.

Como conseqüência desse fenômeno ocorre uma mudança na vida social

contemporânea dos indivíduos: uma rotina de guaritas, seguranças, dispositivos

eletrônicos, carros blindados e policiamento ostensivo. Isso se reflete na política do

Estado também, que se mostra apenas como agente provedor das condições necessárias

ao desenvolvimento e manutenção do novo mercado de segurança privada, este agora

com um caráter mais democrático do que o do próprio Estado, já que traz consigo uma

gama enorme de ofertas de serviços e para vários tipos de público, basta apenas adquiri-

los. Aqui as escolhas são, sobretudo, individuais o coletivo tente a fugir dessa lógica,

pois não tem bases para se sustentar.

Em decorrência disto ocorre o que temos é a saída da esfera da segurança e a

entrada à esfera da proteção. Com isso o Estado deixa de ser um Estado de Bem Estar

Social e passa a ser um elemento regulador de mercado na questão da segurança

pública, já que esta passa a ser, na prática, de responsabilidade dos indivíduos. Bauman

aponta essa questão como um dos aspectos negativos da globalização, “ou seja,

globalização dos negócios, do crime ou do terrorismo, mas não das instituições políticas

e jurídicas capazes de controlá-los” e, como conseqüência disto o que se mostra é

“fragilidade sem precedentes dos vínculos humanos, transitoriedade das lealdades

comunais e debilidade e revogabilidade de compromissos e solidariedades”.

(BAUMAN 2008:175)

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Diante disso, têm se a busca cada vez maior pelo isolamento social

proporcionado pelos espaços restritos, que além de isolarem e afastar pessoas que se

mostram como suspeita, produz, também, a dinimuição da visão do outro, movimento

que constrói o desconhecido como ameaça, isso porque a ausência de contato e

conhecimento íntimo do outro produz uma visão caracterizada e esteriotipada.

Algo semelhante é o que ocorre com a forma que se vê a multidão, a qual

convencionou-se a ser compreendida como algo negativo, como algo que incita os

sentimentos incontroláveis no indivíduo, segundo uma análise da psicanálise, como um

grupo de pessoas voltadas a baderna e más intencionadas e, mesmo ideologicamente,

como um grupo composto pode pessoas de extratos inferiores da sociedade, de

ignorantes, incapazes, violentos, criminosos, etc. Por esse motivo, segundo Sennett

(1988), o espaço público é levado para espaços íntimos, pois, a realização de atividades

junto ao público tornam-se fonte de riscos e, portanto, indesejadas o que promove um

gradativo esvaziamento do espaço público. Isso é observado por ele na comparação

entre o ideal de cidade encontrado na Idade Média, que era organizada de modo tal que

as relações humanas pudessem ser próximas e reveladoras, o que tornava a cidade um

ambiente de valor capaz de produzir relações mútuas, ou seja, um projeto de cidade que

apresentava em si uma comunidade, com os projetos urbanos contemporâneos que

buscam construir inúmeras comunidades dentro da própia cidade, sendo elas voltadas

contra a própria cidade, pois a identificam como um lugar não valorizado que contém a

tão indesejada multidão.

Nesse sentido, Sennett (1988) identifica um processo de “celebração do gueto”,

entendido por ele enquanto uma reunião íntima e fechada. Bauman (2001) também

discute essa questão identificando a disseminação dos condomínios fechados como a

promoção de guetos voluntários das elites, locais de isolamento no qual os indivíduos

que o ocupam possuem a possibilidade de o deixarem assim que este não se mostrar

mais como um ambiente desejável. Em contraposição ele apresenta também o que ele

chama de guetos involuntários, locais que aprisionam os indivíduos que ali habitam pelo

próprio estigma que os confere, estes atuam como barreiras que separam grupos de

indivíduos por motivos étnicos, financeiros ou religiosos e que são definidores em suas

relações sociais.8

8 Wacquant define o gueto enquanto um “aparelho socioespacial de segmentação e controle

etnorracial” o qual é composto por quatro elementos: “o estigma, a restrição, o confinamento espacial e

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Sennett (1988) aponta uma questão interessante acerca desse processo urbano de

desintegração das cidades em micro-comunidades componentes. Para ele, ao mesmo

tempo em que este processo produz a formação de guetos, voluntário e involuntários, as

comunidades que se formam à partir desse processo, sobretudo das elites, não lutam

para o seu fim mas por sua união, como uma forma de declarar sua autonomia frente a

organização local. É uma forma de pedirem para serem deixados em paz da cidade

caótica que os dirigentes públicos não dão mais conta. Destarte, nesse processo há um

movimento de despolitização dos indivíduos, o que acarreta em um progressivo

esvaziamento da vida pública dos cidadãos que passam a deixar de ocupar esse papel e

passam a ser apenas indivíduos que habitam locais restritos e que, portanto, possuem

responsabilidades apenas com esses locais já que esses são seus espaços escolhidos para

se viver.

Desse modo, a noção de comunidade também é transformada. Fazer parte de

uma comunidade implica em ponderar perdas e ganhos, pois o que ela oferece é a

segurança de se pertencer à um grupo no qual se possui identidade, porém, o preço a ser

pago por essa segurança é limitação da liberdade, pois, dentro de uma comunidade a

fiscalização daqueles que a compõem é um exercício diário que garante a sua

manutenção. Assim, uma comunidade segundo Ferdinand Tönnies, discutido por

Bauman (2001), possui como principal característica o entendimento compartilhado por

todos seus membros, entendimento este que se difere do que se entende por consenso,

este, construído por meio de discussões e negociações, e que se difere do que ele

compreende por entendimento, segundo ele, algo que é dado, que se dispensa o uso das

palavras. Algo possível pela existência da identidade, que é o ponto de partida para a

existência de uma comunidade, pois é o que motiva a união entre os indivíduos.

Acerca da comunidade Bauman (2001) a compreende como um unidade

existente a partir da possibilidade de distinção entre aqueles que a ela pertencem e

aqueles que dela são excluídos. Analisando Redfield, Bauman expõe os três elementos

necessários para se apontados por Redfield para se concretizar e manter uma

comunidade, seria: a “distinção”, exposta acima, a “pequenez”, referida como a

comunicação intensa e delimitada entre aqueles que fazem parte da comunidade e, que

o enclausuramento organizacional”. Segundo essa análise os aspectos negativos do gueto não são

vividos pelas elites que optaram por habitar os guetos voluntários, pois o estigma dos guetos

involuntários é no primeiro caso tido enquanto status. (WACQUANT 2008: 16)

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por assim ser, coloca em grande desvantagem aqueles que não fazem parte dela, ou seja,

trata-se de privilégios de informação, e a “auto-suficiência” que garante que o contato

com o externo não se realize de forma freqüente.

Para Bauman (2001) o fim da comunidade se liga ao início do Estado-nação que

tinha por principio e objetivo a estabelecimento de uma cultura padrão fundamentada no

sentimento nacionalista, o que foi, segundo ele, responsável pelo aniquilamento das

diferenças culturais em busca de um patriotismo uniforme – criação de uma identidade

nacional. Como decorrência disso Bauman (2001) afirma que a comunidade hoje não é

possível de existir naturalmente, pois as características básicas para sua existência não

são mais possíveis em nossa contemporaneidade. Pensar em isolamento e no não

compartilhamento de informações entre indivíduos, estabelecidos de modo tácito, é algo

de grande dificuldade em nossa sociedade global. Pois, hoje, as informações viajam

mais rapidamente que os corpos e, isso é determinante no grau de coesão de um grupo.

O fluxo de informações aproxima os indivíduos e dificulta a delimitação exata dos

grupos sociais. Assim, a unidade hoje só pode ser construída artificialmente por meio da

seleção, separação e exclusão das diferenças aparentes.

Segundo ele, as construções comunitárias na modernidade líquida criam um

movimento de distinção e separação das inúmeras diferenças características de seu

tempo, porém, não trabalham no sentido da eliminação. É o que segundo ele ocorre nos

movimentos sociais contemporâneos que partem de lutas individuais e que têm como

determinantes na formação de seus grupos uma diferença comum entre aqueles que

formam o grupo e os demais, o que evidencia uma desconexão social entre eles.

A perda dos laços e das identidades das antigas comunidades faz dessa nova

realidade social uma realidade estranhada e faz emergir a necessidade de se estabelecer

novos laços a fim de promover novas identidades. Porém, esse movimento mostra-se

distinto da formação das comunidades antecedentes, pois hoje o que se observa é uma

aparente vulnerabilidade e ausência de solidez nos frutos dessas tentativas. Elementos

como confiança e compromisso são noções trabalhadas nas comunidades que se

pretendem e, não mais presentes de forma espontânea em sua formação, além disso, sua

duração é algo que se encontra no espaço do imprevisível. Assim diz ele:

“A comunidade de entendimento comum, mesmo se

alcançada, permanecerá portanto frágil e vulnerável, precisando

para sempre de vigilância, reforço e defesa. Pessoas que sonham

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com a comunidade na esperança de encontrar a segurança de longo

prazo que tão dolorosa falta lhes faz em suas atividades cotidianas,

e de libertar-se da enfadonha tarefa de escolhas sempre novas e

arriscadas, serão desapontadas. A paz de espírito se alcançarem

serão do tipo “até segunda ordem”. Mais do que com uma ilha de

“entendimento natural”, ou um “circulo aconchegante” onde se

pode depor as armas e parar de lutar, a comunidade realmente

existente se parece como uma fortaleza sitiada, continuamente

bombardeada por inimigos (muitas vezes invisíveis)de fora e

freqüentemente assolada pela discórdia interna; trincheiras e

baluartes são os lugares onde se procuram o aconchego, a

simplicidade e a tranqüilidade comunitárias terão que passar a

maior parte de seu tempo.” (BAUMAN 2001:19)

Destaca ele, que nesse momento em que a comunidade passa a ser algo

impossível de se observar de forma verdadeira na realidade outra discussão se torna

forte como um possível elemento de sua substituição, a questão da identidade. Citando

Jock Young ele diz: “precisamente quando a comunidade entra em colapso a identidade

é inventada”. O que se figura na tentativa de conseguir o “círculo aconchegante” e a

segurança que a comunidade trazia aos indivíduos que lhe compunha, assim, a

identidade mostra se hoje como uma alternativa de não se sentir vulnerável frente às

intempéries da sociedade global. Nela, as noções de individualidade e auto-suficiência

se confundem com o sentimento de não pertencimento e solidão.

A formação de identidades não é algo que se restringe apenas à grupos de

indivíduos, a emergência de nacionalismos e de fundamentalismos mostra que criar

laços identitários é algo buscado em um espectro maior. Assim, se observa crescentes

construções de fronteiras que cortam a sociedade global e demonstra seus paradoxos.

Fronteiras também observada nas relações econômicas mundiais, como lembra Castells,

quando em pleno desenvolvimento do comércio internacional nas décadas de 1980 e 90,

se inicia a criação de blocos econômicos, dentre eles o mais expressivo a União

Européia, o que segundo ele, mostra um processo de regionalização dentro do próprio

processo de globalização. Tais medidas sejam elas econômicas, políticas e individuais

trazem um paradoxo da pós-modernidade que é o expandir-se, globalizar-se e ao mesmo

tempo se fechar, se regionalizar em busca de proteção.

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Segundo Bauman nos encontramos em uma circunstância na qual “a promoção

de segurança sempre requer o sacrifício da liberdade, enquanto esta só pode ser

ampliada à custa da segurança. Mas segurança sem liberdade equivale à escravidão (...)

e a liberdade sem segurança equivale a estar perdido e abandonado”. É segundo esse

complexo panorama que as relações contemporâneas buscam se reorganizar, ora

expandindo-se, mesmo que na virtualidade, ora isolando-se da forma mais real possível:

fisicamente. (BAUMAN 2001: 24)

A prática do não contato além de produzir barreiras físicas para separar

indivíduos socialmente distintos produz também um separação simbólica, pois coloca a

sociedade em dois pólos: os cosmopolitas e os locais.9 A criminalização da pobreza

mostra-se como mais um reflexo da polarização da sociedade. Nesta relação desses dois

pólos da sociedade global, os cosmopolitas e os locais, existe uma relação dialética e

contraditória pois, ao mesmo tempo que os locais conferem status ao cosmopolita na

sua vontade e desejo de possuir uma vida semelhante, glamourizando, portanto, esse

estilo de vida eles também se mostram como o pesadelo dos globais já que em uma

sociedade na qual não existe constância e as relações se monstram fluídas passar da

condição de cosmopolita para local mostra-se como uma possibilidade real. Assim, a

pobreza se apresenta não apenas como um elemento de risco a segurança mas também

como um fantasma, a presença de uma outra realidade existente. Por esse motivo o não

contato e o isolamento são ações cada vez mais populares entre as elites. Algumas

medidas observadas na sociedade pós-moderna evidenciam esse processo: como a

obsessão pela lei e pela ordem, a criminalização da pobreza, a busca por uma

“homogeneização clínica” dos ambientes de convívio e o isolamento e, se possível, o

extermínio do diferente, que nesse sentido é visto como ameaçador.

Nesse processo de rompimentos com a multidão, Sennett observa as mudanças

ocorridas nas esferas do púlico, entendida por ele enquanto “bem comum à sociedade”

que posteriormente agregou-se a esse sentido o significado “ daquilo que é manifesto e

está aberto ao público”, e as mudanças ocorridas na esfera privada que se refere ao que

é privilégio, “uma região protegida da vida definida pelos amigos e familiares” e

9 Bauman (1999) analisa esse fenômeno e identifica essa polarização entre os chamados, por ele, de

turistas e vagabundos. Sendo os primeiros os indivíduos possuidores de mobilidade e os segundo os

imóveis, presos ao local.

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identifica uma busca pelo privado além dos limites das residências, o que provoca o

surgimento de locais específicos para reuniões. (SENNETT 1988: 30)

Devido a esse tipo de comportamento encontrado na sociedade contemporânea a

comunidade encontra-se cada vez mais restrita: ao âmbito do bairro, dos condomínios,

da igreja, do clube, da escola, da família, etc., pois a impessoalidade rejeitada só pode

ser superada na medida em que se estabelece relações de trocas de experiências, que se

realiza através da personalidade compartilhada, o que se mostra hoje restrito a medida

que o reconhecimento do eu nessas relações se apresenta menor. E, sendo o

reconhecimento responsável por trazer sentimentos de segurança e pertencimento este

processo se mostra fechado e reduzido. A grande importância disso reside no fato de

este ser um processo estruturante na organização das comunidades. Para Sennett, a vida

personificada e a sociedade intimista contemporânea produzem problemas de civilidade

e torna o indivíduo complacente, apenas um expectador da vida pública.

Bauman encara o medo do indivíduo e sua busca por pertencimento à uma

comunidade como reflexo da postura da sociedade global, entenda-se também do

Estado, frente a ele. Indiferença e negligência frente as suas responsabilidades

dissolvem o papel da sociedade enquanto comunidade e promove o sentimento de

insegurança generalizado, pois os indivíduos não têm mais a quem recorrer. Diante

disso, “a segurança como todos os aspectos da vida humana num mundo

inexoravelmente individualizado e privatizado, é uma tarefa que toca cada indivíduo.”

As responsabilidades que outrora pertenciam ao Estado passam a serem resolvidas

agora pela comunidade local, e isso implica em mudanças de sentido do que é espaço

público, pois estes passam a serem privatizados, e do que são os espaços privados, já

que estes se tornam públicos, porém, com o sentido de público alterado já que é apenas

para alguns poucos.

Traçando historicamente uma análise das configurações dos espaços urbanos,

Sennett mostra esse fenômeno. Para ele, o crescimento das cidades européias no século

XVIII trouxe a construção de grandes parques, cafés e ambientes públicos destinados ao

convívio, como os teatros, etc. No século XIX, porém, as construções urbanas voltam-se

para atender as demandas do crescimento industrial. Processo que se observa de modo

mais claro no século XX onde a grande preocupação é a mobilidade, o que se reflete no

urbano com as construções de grandes avenidas, na compressão dos espaços públicos e

no ligamento de vias de acesso de todas as regiões principais. No século XXI, porém, a

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diminuição dos espaços públicos se dá de forma mais intensa pois há emergência de

espaços de convívio privados como os clubes privados, os shoppings centers, os

automóveis particulares como meio de deslocar-se, e como grande expressão desses

espaços os condomínios fechados. Dessa forma, a cidade definida por Sennett enquanto:

“ ... um assentamento humano no qual estranhos irão provavelmente

se encontrar. Para que essa definição seja verdadeira, o assentamento

deve ter uma população númerosa e heterogênea (...) as trocas

comerciais entre a população devem fazer com que essa massa densa e

díspar intereja. “ (SENNETT 1988:58.)

vai se esvaziando de seu significado e tranformando- o em outro. As cidades que de

inicio eram construídas com o propósito da segurança com relação aos inimigos

externos agora se organiza em função dos possíveis perigos, que não estão mais

relacionados apenas com o externo mas sobretudo ao perigo intramuros. A cidade volta-

se contra sí mesma.

O movimento de levar para o espaço privados práticas que anteriormente eram

realizadas em meio aos espaços públicos é algo que pode ser observado na Modernidade

e que se intensifica mais em nossos dias. Muito das mudanças nas práticas cotidianas se

relacionam como desenvolvimento das novas tecnologias, sobretudo, aquelas referentes

à informação, é o caso, por exemplo, do desenvolvimento do rádio e posteriormente da

televisão. Reuniões que anteriormente ocorriam entre parentes e conhecidos para

discutir eventos diários da comunidade local vão gradativamente perdendo sua razão de

ser em decorrência da vinculação das notícias nesses novos veículos midiáticos. A

recente popularização da internet também colaborou nessa direção, as notícias de cada

parte do mundo instantaneamente na tela do seu computador pessoal. Essa nova

realidade coloca a prática do diálogo, mesmo no espaço privado das residências, como

algo cada vez mais em desuso. Segundo Giddens (2000), as mudanças nas instituições

na contemporaneidade, sobretudo na família, provocaram também mudanças no

relacionamento entre os indivíduos, os laços mostram-se baseados na intimidade

emocional, no qual os relacionamentos se dão na relação de comunidade que se

apreende, sendo a confiança seu fator de sustentação.

Vivendo em um tempo de desconfiança, no qual a sensação de insegurança é

elemento presente no cotidiano dos indivíduos, a prática cada vez mais intimista de

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relações estabelecidas se mostra justificável como meio de proteção daquilo que não se

mostra intimo e, portanto, confiável. Dessa maneira, o isolamento e as distâncias

deixam de ser algo encontrado apenas entre desconhecidos e passa a ser algo existente

entre pessoas de laços próximos e as reuniões ao ar livre com cadeiras nas calçadas

passam a ser cada vez mais uma cena rara de se encontrar pelas cidades, sendo restrito

para os interiores do país.

A sociedade contemporânea mostra-se, portanto, como uma sociedade baseada

separação recíproca dos indivíduos, na qual é selado um acordo fundamentado na não

interferência nem ocupação dos assuntos alheios, o que realiza a gradual perda de

curiosidade com relação à condição humana do outro. Hannah Arendt (1989), ao pensar

a condição humana no período do pós-guerra traça um caminho no qual a humanidade

vem, segundo ela, caminhando influenciada pelas mudanças na ciência e no

desenvolvimento tecnológico, característico da Era Moderna assim, ressalta ela, a

mudança promovida pela forma de pensar cartesiana e seu método o qual reduziu, ao

indivíduo, todas as experiências com o mundo e com os outros indivíduos a

experiências consigo mesmo.8 De maneira semelhante, outras revoluções no modo de

pensar e novas descobertas científicas que promoveram mudanças na maneira com que

os indivíduos compreendem e se relacionam com algo, culminaram em um re-arranjo

nas formas como eles se organizam e se relacionam uns com os outros e com o mundo.

De forma tal que vistas hoje se mostram ainda não bem assentadas e, por esse motivo,

veículos de insegurança e estranhamento entre os indivíduos dessa sociedade.

O processo de isolamento é observado de maneira gradativa ao longo dos tempo

e vai se traduzindo, também, nas formas como que contruções vão tomando com o

passar dos anos. As construções do século XX e XXI apresentam-se voltadas para seu

interior e utilizam como meio de contado com o externo materiais que preservam o

isolamento, como é o caso do vidro, assim os espaços passam ter a função de isolar as

pessoas da realidade que as circunda e os espaços públicos que outrora tinha por função

o convívio passam a exercer apenas a função de meio para o deslocamento das pessoas.

As construções que compõem o espaço urbano desse período iniciam e estabelcem o

8 Para Hannah Arendt (1989), portanto, a condição humana na modernidade traz em seu bojo o medo

do espaço público e a rejeição da política como lócus de realização das potencialidades humanas, cujo

paradigma é sem dúvida o campo de concentração.

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processo de verticalização das cidades. Nesses novos tipos de contruções as relações

sociais mostram-se complexas e contraditórias pois ao mesmo tempo que ocorre um

distanciamento da residência com o espaço das ruas, o que implica em um menor

contato social as construções verticais compreendem em si diversas moradias, o que em

tese, coloca seus habitantes em grande proximidade.

No documentário entitulado “Edifício Master”, de 2002, dirigido pelo cineasta

Eduardo Coutinho esse tipo de convivência, caracerística das grandes e médias cidades

é abordado. Nele, é retratado a vida dos moradores de um edifício localizado no famoso

bairro de Copacabana no Rio de Janeiro, no qual vivem aproximadamente 500

moradores, o qual se diferencia dos demais da região por não se tratar de um local

habitado pelas classes média e alta, características do bairro. Nesse edifício, os

moradores habitam espaços muito próximos físicamente, mas mantém-se distantes, a

ponto do vizinho ser um desconhecido do qual se sabe elementos que denunciam dus

rotina apenas pelos barulhos que e ouve do apartamento ao lado, porém, em geral, este é

o máximo de contato que eles mantém. Em um edificio tão populoso seus habitantes

raramente se veêm e dificilmente se conhecem. Assim como no documentário, vários

outros edifícios e bairros possuem uma alta densidade demográfica, o que não implica

diretamente no alto convívio e relações entre os indivíduos que os partilham. As

construções se mostram mais do que nunca como espaços construídos para o convívio

em seu interior e não para se relacionar com o que está ao seu redor.

Em uma observação das formas de construções das casas com o decorrer do

tempo é possivel identificar um gradativo afastamento delas com relação as ruas. Casa

mais antigas, de cerca da metade do século XX no Brasil, era construídas tendo suas

janelas voltadas para as ruas, localizadas diretamente para as calçadas de pedestres.

Gradativamente elas vão se afastando das ruas, passam a ter um portão que faz essa

separação, um jardim. Mais adiante vêm os muros de concreto que permitem um

isolamento ainda maior do espaço das residências com o espaços das ruas, neles depois

são adicionados cercas elétricas, câmeras de vigilância e a casa que antes era possível de

ser observada da rua agora se tranforma em uma fortaleza completamente isolada.

Quando essas mudanças estruturais não são o suficientse as casas são inseridas em

espaços mais isolados ainda, como os condomínios fechados. O espaço privado das

residências vai se tornando cada vez mais privado e distante do espaço público, o qual

passa a ser rejeitado, segundo Caldeira (2000).

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Nesse processo de privatização da vida pública o que se observa é um

afunilamento do sentido de comunidade, noção que vai se reduzindo gradativamente e

que se mostra hoje como o isolamento, a separação proporcionados pelos muros,

guaritas e portões. O sentimento de “aconchego” só pode ser sentido se for sob forte

grau de vigilância. Citando Sharon Zukin, Bauman (2001) lembra algo que pode se

assemelhar com a realidade vivida em vários cantos do mundo, inclusive no Brasil. Diz

Zukin:

“Os eleitores e as elites – uma classe média em termos

amplos nos Estados Unidos – poderiam ter preferido aprovar

políticas governamentais para eliminar a pobreza, administrar a

competição étnica e integrar as pessoas em instituições públicas

comuns. Em lugar disso, preferiram comprar proteção,

alimentando o crescimento da indústria privada de segurança.

(BAUMAN 2001: 104)

Tal relato pode ser transportado para o filme Violência SA, documentário

brasileiro dirigido por Jorge Jafet, Eduardo Benaim e Newton Cannito, no qual é

retratado o mercado de segurança privada no Brasil, que através dos depoimentos de

sujeitos pertencentes à elite brasileira e, também, de indivíduos envolvidos com o crime,

é possível estabelecer os mecanismos adotados para a segurança do grupo dirigente:

basicamente dispositivos de segurança individuais adquiridos no mercado de segurança

privada. 9

Nesse retrato da realidade brasileira assim como na citação de Zukin, o que se

observa é que não existe a pretensão de se discutir políticas possíveis para diminuir o

problema que aflige não apenas determinados grupos, mas grande parcela da população,

já que o sentimento de insegurança é algo tão trabalhado, pela mídia e pela indústria de

segurança privada, que afeta um grande número de pessoas, mas o que se observa é a

adoção de soluções particulares para a questão da segurança. O mesmo ocorre com as

outras demandas da vida cotidiana como a questão da educação, da saúde, dos

transportes. Não se busca o funcionamento destes à partir da atuação do Estado como

responsável direto destes serviços mas o que se busca é a solução privada das suas

deficiências, assim, o que se tem são: o mercado da saúde representada pelos convênios 9 Sobre esse assunto trataremos de forma mais aprofundada no próximo capítulo.

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médicos, o mercado da educação que se estende desde a escola básica até o ensino

superior e o mercado automobilístico que a cada dia que passa coloca mais veículos

particulares nas ruas do que elas podem suportar, acarretando em quilômetros de

congestionamentos diários nas grandes cidades.

Esse comportamento observado entre os indivíduos é o reflexo do processo de

despolitização pelo qual se passa a sociedade global, promovido gradual esvaziamento

do espaço público que retira da experiência de convívios dos sujeitos a capacidade de

negociação e crítica dos assuntos que se mostram presentes no cotidiano e, que tem

como atitude característica o pronto consumo das soluções dos problemas que afligem.

Segundo essa perspectiva, a sociedade global se mostra em um círculo vicioso no qual a

perda dos interesses pelos assuntos públicos implica no aumento do consumo de

soluções e este, por sua vez no esvaziamento de sentido da vida pública.

Assim, o que observamos em nossas cidades é a presença dos novos mercados

de serviços e sua grande oferta de produtos. Àqueles que se incomodam com o

transporte público lotado e incomodo pela demora e más condições que estes oferecem

à seus usuários a opção do automóvel particular, ou no caso da impossibilidade deste as

motocicletas. Àqueles que não se adaptaram as filas dos hospitais públicos e a ausência

de médicos e equipamentos necessários ao bom atendimento a opção das clinicas

particulares financiadas pelo convênio médico e suas diversas possibilidades de

contratos de serviços. Àqueles incomodados com a sujeira das ruas dos centros

comerciais das cidades a alternativa dos shoppings centers com ar climatizado, limpeza

e conforto. Àqueles amedrontados pela violência urbana os dispositivos de segurança

que podem estar tanto na proteção da casa, como é o caso dos alarmes, câmeras de

vigilância, cercas elétricas, condomínios fechados etc. como podem estar também nos

veículos com as blindagens, alarmes, seguros e rastreamento.

Para tudo se tem um mercado cheio de ofertas que podem solucionar os

problemas mais candentes, porém, para aqueles que a aquisição delas se mostra uma

impossibilidade resta o convívio com os problemas diários das cidades e a exclusão de

uma vida tranqüila e livre das intempéries do mundo contemporâneo.

Como reflexo das resoluções privadas de assunto que pertenciam à esfera do

coletivo o espaço urbano mostra-se em um processo de transformação permanente, que

se traduzem espacialmente as demandas contemporâneas. Do mesmo modo como

ocorreu com as demandas precedentes. As tranformações urbanas observadas ao longo

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dos períodos históricos apresentam mudanças que refletem os interesses e os problemas

de cada época. É uma tradução espacial das aspirações do homem de seu tempo. Assim,

as mudanças observada no espaço urbano, como a utilização de novos materiais na

construção dos edificios, as formas que estes vão apresentando com o passar do tempo,

os centímetros a mais nos muros das construções, a utilização de despositivos de

segruança por toda a cidade, etc. dizem mais do que simples alterações arquitetônicas.

Elas refletem mudanças de paradigmas, refletem a emergência de novas formas de

apropriação e organização do espaço público, ao mesmo tempo se relaciona com

questões econômicas de cada contexto e, se liga também, a emergência de novos estilos

de vida e comportamentos. Mais do que projetos urbanos de construções as formas

observadas nas cidades evidenciam transformações que vão além de questões estéticas

da arquitetura comtemporânea, mas que dizem respeito às transformações pela qual a

sociedade vem passando nos últimos tempos, os quais, mais que implicações políticas e

econômicas que possam parecer distantes, têm interferido diretamente na vida cotidiana

dos indivíduos implicando em mudanças nas formas desejadas de consumo, de relações

individuais e coletivas e, conseqüentemente, no lugar desejado para se habitar. Por esse

motivo as formas que o espaço urbano vem adquirindo merecem ser investigadas, pois

mais que uma paisagem ele é reflexo de um complexo de relações que vão além do

espaço físico.

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CAPÍTULO II - Marília: “Símbolo de Amor e Liberdade ”

2.1 A formação da “Califórnia Paulista”

O início do processo de ocupação do território que hoje corresponde ao

município de Marília-SP se deu no contexto da expansão da cultura do café no estado de

São Paulo, estimulada pela política de valorização do produto que se apresentava na

lista dos mais importantes destinados à exportação no período. É então, nesse contexto

que o processo de exploração econômica do centro-oeste paulista tem início, alavancado

pela implantação de infra-estruturas necessárias para o desenvolvimento econômico da

região como, por exemplo, a construção da estrada de ferro, que trouxe com ela uma

ainda tímida ocupação urbana.

Segundo Pereira (1990), Marília é fruto da expansão da fronteira agrícola do

estado de São Paulo, sendo a cidade originada da fusão de três loteamentos urbanos

surgidos entre 1923 e 1927, os quais se localizavam na chamada frente pioneira de

exploração da região, concebida por ele como “território em processo de incorporação

pela economia de mercado. (PEREIRA 1990:13).

Até 1905 este território era tido pelo Relatório da Comissão Geográfica e

Geológica de São Paulo como “terrenos desconhecidos”, tendo sido explorados apenas

posteriormente com a incorporação da cultura do café na região, o que resultou no

deslocamento de populações de outras regiões do país, as tidas zonas velhas – regiões

em que a exploração econômica já havia se iniciado e apresentava-se em desgaste, como

as regiões litorâneas do país – para este novo território a ser explorado. Assim, foram

instalados na região migrantes de várias partes do Brasil e também imigrantes

japoneses, espanhóis, italianos, sírios, etc.

Desse modo, o que se dizia a respeito das novas terras paulistas era:

“Em 1920 as cartas geográficas não consignavam Marília,

por inexistente, entretanto, 14 anos depois, aquele trecho de mata

passou a ostentar majestosa cidade de 13.631 habitantes; sede de um

município com 71.464 moradores, não comutada a população de Vera

Cruz que, recebendo sua carta de alforria em dezembro do ano

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passado, reduziu de 10.963 o total demográfico daquela poderosa e

progressista circunscrição.”10 (PEREIRA 1990:14)

Por esse motivo, Marília era apelidada na época, segundo Pereira (1990), de

Califórnia Paulista, devido ao ritmo acelerado de desenvolvimento que apresentou em

seus anos iniciais.

No processo de ocupação do território que hoje corresponde à Marília,

observam-se ações que também podiam ser encontradas como práticas comuns em

outras localidades do país, no mesmo período. Pois, na história desse processo encontra-

se em um primeiro momento a ocupação inicial realizada pelos desbravadores de uma

área que se encontrava ainda coberta por floresta e habitas pelos temidos índios

Coroados e que, com o advento da Lei de Terras e a catalogação das terras do país pelo

Estado, as áreas de posse desses pioneiros foram sendo alienada pela prática da

grilagem e pela influência da elite paulista, que viu nas novas terras a oportunidade de

expandir seus patrimônios. Assim, verifica-se que desde 1877 tais terras se tornaram

objeto de disputa e de especulação imobiliária, permanecendo inabitadas até que nelas

fossem realizadas infra-estruturas que possibilitassem uma maior ocupação e,

conseqüente exploração, o que as tornariam de maior valor.

O que foi possível com o início da construção da estrada de ferro pela

Companhia de Estradas Ferro Noroeste S/A em 1905. Este é tido como o marco de

início do processo de exploração econômica da região através da marcha do café pelo

território paulista. Porém, é apenas em 1916, quando a Companhia Paulista de Estradas

de Ferro crava o marco para o prolongamento da estrada de ferro, que o processo de

povoamento toma verdadeiramente fôlego, sendo o primeiro núcleo de colonização das

terras do futuro município, o chamado núcleo Cincinatina, iniciado por volta de 1913

com a formação da fazenda Cincinatina de propriedade de Cencinato César da Silva

Braga, tradicional político de Piracicaba-SP.

Segundo, Pereira (1990) três grandes latifúndios deram origem à maioria dos

sítios e fazendas que posteriormente foram incorporadas aos limites do município de

Marília. A Fazenda Piedade ou Fazendo Rio do Peixe, de posse da Cia Pecuária e

10

Secretária do Estado de Negócios da Agricultura Indústria e Comércio; Recenseamento Demográfico,

Escolar e Agrícola-Zootécnico do Estado de São Paulo. São Paulo, Imprensa Oficial do Estado, 1936:11.

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45

Agrícola Campos Novos, a Fazenda Cincinatina, já mencionada, e a Fazenda

Guaporanga, de Lélio Piza.

Foi nas antigas terras da Cia Paulista de Estradas de Ferro na qual fora fincado o

local onde seria as futuras instalações da Estação Ferroviária do Município que se

fundou o primeiro patrimônio, o patrimônio Alto Cafezal, em 1922, por Antônio

Pereira, conhecido como Pereirinha. Nesse local se iniciou o primeiro loteamento

urbano, no qual havia 173 quarteirões regulares em uma área de 53 alqueires e 22.727

m². Posteriormente, em 1926, formaram-se o patrimônio de Vila Barbosa e em 1927 o

patrimônio de Marília. Sendo o município criado em 1928 pela fusão desses três

patrimônios. (PEREIRA 1990).

Nesse período se instalam aqui muitos migrantes nordestinos que tinham sua

mão-de-obra empregada na derrubada das matas e na construção das primeiras casas e

pequenos comércios que aqui se instalavam. A presença nordestina na região se verifica

até meados da década de 1930 quando esta partiu dessas terras devido à diminuição da

oferta de trabalho ocorrida com a crise de 1929 sentida na região, já que esta crise

afetou a economia cafeeira que aqui se iniciava. Segundo Pereira (1990):

“As condições objetivas para o povoamento estavam dadas:

de um lado a política oficial de valorização do café manteria os preços

compensadores até 1929, estimulando a demanda por terras virgens;

de outro, a instituição do trabalho assalariado desde o final do século

passado, havia permitido a uma parcela – ainda que diminuta – de

trabalhadores juntarem alguma quantia que seria empregada na

aquisição de pequenos lotes rurais; além disso, a demanda por terras

seria aquecida pelo crescente número de imigrantes recebido pelo

Estado na década de 1920.” (PEREIRA 1990: 50)

O desenvolvimento do primeiro patrimônio de Marília, o patrimônio Alto

Cafezal, está ligado à atuação de três personagens importantes na história do município:

Cincinato Braga, Rodolfo Miranda e Bento de Abreu, líderes políticos de tradição e

agentes da chamada marcha pioneira. Tratava-se de especuladores de terras que, pela

grande influência política de Bento Abreu, que tinha forte atuação no cenário político da

região de São Carlos e Araraquara, iniciaram o movimento para a criação dos distritos

de paz em Marília.

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46

Bento de Abreu logo após ter comprado a Fazendo Cincinatina fez a doação

dessas terras à Companhia Paulista de Estradas de Ferro, da qual era também acionista,

para a construção da continuação da estrada de ferro e da futura estação ferroviária que

se localizaria dentro de suas terras, a qual fazia divisas com Alto Cafezal. Após essa

doação o deputado apresentou como projeto na Câmara dos Deputados, em nove de

novembro de 1925 para criação do distrito de Lácio, que teria sede na povoação do Alto

Cafezal. Tal nome teria sido escolhido porque segundo a Companhia Paulista de

Estradas de Ferro a estação ferroviária que ali seria construída deveria seguir uma

ordem alfabética, sendo a anterior batizada de Kentuchia a próxima deveria se iniciar

com a letra “L”. (PEREIRA, 1990)

Segundo Pereira, Bento de Abreu era autor de cerca de trinta projetos de criação

de distritos de paz o que, segundo ele, se justifica em um discurso do próprio Bento de

Abreu, no qual fica evidente seu interesse como membro da elite agrária do estado de

São Paulo pela necessidade da existência de uma mão-de-obra disponível no campo.

“Temos grande entusiasmo pelos Distritos de Paz, porque

servem de núcleo às populações rurais. Cuidando do conforto do

interior, temos sempre presente a idéia da agricultura, que representa a

fonte da nossa riqueza. Encontrando ao seu alcance tudo o que nos

oferece a civilização, as populações rurais perderão a ansiedade de

abandonar os campos e virem residir nas grandes cidades, com grande

prejuízo para a agricultura. Não devemos perder de vista que a

agricultura requer um cuidado constante, que não se conseguiria com

a ausência dos que a ela se dedicam. Os Distrito de Paz oferecem, a

poucos quilômetros das propriedade rurais, o que sua população

precisa constantemente com urgência.”11 (PEREIRA 1990:64)

Porém, o projeto de criação do distrito de Lácio não foi aprovado devido ao não

cumprimento das exigências para tal. Sendo apenas criado em três de agosto de 1926

com o nome de Marília, também, escolhido por Bento de Abreu em referência a obra

Tomaz Antonio Gonzaga “Marília de Dirceu”, pois a Companhia Paulista resolvera

construir outra estação entre Kentuchia, e está recebera o nome de Lácio. O novo

11

Discurso pronunciado pelo Deputado Bento de Abreu Sampaio Vidal, em sessão da Assembléia

Legislativa do Estado de São Paulo, de 7 de outubro de 1937. In: VIDAL, Bento de Abreu Sampaio.

Discursos. São Paulo, Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais Ltda, 1947, vol 1, p 57.

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distrito de paz e o patrimônio Alto do Cafezal mostravam-se antipáticos um com o

outro, pois existia uma rivalidade política entre os lideres políticos de cada um.

Motivadas pelo fato de que é de responsabilidade do juiz de paz a designação de outras

autoridades locais, dentre essas responsáveis pela fiscalização eleitoral contra fraudes, o

que em uma disputa política era de grande importância.

A partir desse momento os três patrimônios apresentam um crescimento

significativo, motivado pelas disputas e rivalidade entre eles, sobretudo entre o

patrimônio Alto Cafezal e o patrimônio de Marília. Tal rivalidade foi determinando a

forma do desenvolvimento urbano, pois, as instalações que eram realizadas em cada um

dos patrimônios tinham implicações para seu oponente. Foi o caso das construções das

igrejas e das escolhas de seus respectivos padroeiros, assim, no patrimônio Alto Cafezal

foi construída a igreja de Santo de Antônio em homenagem ao seu fundador Antônio

Pereira e, no patrimônio de Marília construída a igreja São Bento que também

homenageava seu fundador, Bento de Abreu.

A construção da estação ferroviária no patrimônio de Marília, assim como a

construção da igreja São Bento, tendo ela suas costas voltadas para o patrimônio Alto

Cafezal, foram tidos pelos moradores deste como uma afronta, tendo sido compreendido

como fatores concorrenciais, já que este estava ainda em seu início do processo de

ocupação, enquanto que o Alto Cafezal concentrava a maior parte da população da

região.

Desse modo, o espaço urbano foi sendo inicialmente desenvolvido e sendo

ocupado gradativamente. No patrimônio de Marília iam sendo realizadas infra-

estruturas que o tornasse mais valorizado e atraente para os futuros compradores das

terras, enquanto o mesmo era seguido pelos outros dois patrimônios, especialmente pelo

Alto Cafezal. A competição aparente entre os líderes políticos de cada região diminuíam

na medida em que os interesses entre eles convergiam, sobretudo, economicamente.

Assim, Bento de Abreu apresentou, em 1927, à Câmara dos Deputados um projeto de

lei criando o município de Marília. A escolha do nome foi motivo de desavenças entre

os dois principais patrimônios por ser considerado, pelos fundadores do Alto Cafezal,

uma afronta por parte de Bento de Abreu já que prestigiava o nome do patrimônio que

ele mesmo havia fundado.

Em 1928 o projeto fora aprovado criando assim o município de Marília. Nesse

período o novo município contava com aproximadamente 13mil habitantes, estando em

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um período de crescimento acelerado como mostra o Relatório Estatístico da prefeitura.

Nele consta que em 1926 havia na região do Alto Cafezal vinte e duas casas, tendo esse

número saltado, na contabilidade dos três patrimônios, para 686 casas em 1928 e,

apenas um ano depois, em 1929 para o número de 1084 casas no então município de

Marília. (PEREIRA 1990)

É nesse período de crescimento urbano acelerado as terras vão passando por um

processo de valorização através de uma inicial especulação imobiliária. Bento de Abreu,

grande proprietário de terras do município tem suas terra valorizadas através da prática

de doações de lotes que ele fazia em benefício da prefeitura. Em suas ações de doação o

lote doado à prefeitura passa a ser o local para algumas obras necessárias à região em

questão. Desse modo, vão sendo construídos com o dinheiro público obras de

benfeitorias que se inserem ao meio das terras de Bento de Abreu, que além de ter a

valorização delas, ganha também grande prestígio com a população, cultivando aqui um

grande eleitorado. (PEREIRA 1990)

O crescimento acelerado de Marília se realizou sem que a instalação de infra-

estruturas básicas o acompanhasse, como o saneamento, por exemplo. Por esse motivo,

segundo Pereira, a região ficou por um tempo conhecida como foco de doenças, em

especial a tifo, motivo pela qual provocou interesse em se construir aqui uma Santa

Casa e iniciar o processo de higienização do município. Segundo ele:

“Limpar o nome feio que a cidade tinha era de suma

importância para o êxito dos empreendimentos locais. A povoação

havia crescido de forma assustadora; centenas de residências e prédios

comerciais haviam sido erguidos da noite para o dia com o mínimo de

planejamento e sem a menor infra-estrutura. Poços e latrinas

desprotegidos serviam à população urbana; nos quintais, ao lado dos

mesmos, os moradores construíam chiqueiro onde cevavam porco,

quando não os criavam soltos; aves e animais domésticos

perambulavam pelas ruas, o lixo se acumulava em terrenos baldios.

Tudo isso, denunciava um médico local, contribuía para o estado

precário de higiene pública e o surgimento de um grande número de

casos de doenças.” (PEREIRA 1990:75)

Essa era a situação do início do processo de urbanização, que assim como a

maioria dos municípios brasileiros, foram se desenvolvendo sem planejamento e sem a

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infra-estrutura necessária para a habitação. No caso de Marília, seu processo de

urbanização se vincula à economia cafeeira, o que tornava comum entre a população a

presença de donos de terras, agricultores, pequenos comerciantes e profissionais

liberais. Entre esses estavam principalmente os médicos e os advogados, profissionais

de grande importância aos interesses locais da época, já que eram comuns doenças

contagiosas entre a população como a tifo e a meningite e, no caso dos advogados sua

importância estava em cuidar dos assuntos referentes à propriedade da terra.

A crise do café de ocorrida em 1929 foi por aqui bastante sentida por volta de

1931, o que forçou a economia no sentido da diversificação da agricultara da região que

era, até então, baseado no cultivo do café. Com a chegada da Força e Luz em 1930, se

iniciou uma industrialização, ainda tímida, mas que foi importante na economia local e

nas transformações urbanas do novo município que crescia de forma vertiginosa como é

possível observar na Tabela I:

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50

Tabela I: Construções em Marília (Zona Urbana): 1928-1946.

ANO CONSTRUÇÕES

1928 686

1929 1.084

1930 1.120

1931 1.453

1932 1.643

1933 1.862

1934 2.075

1935 2.846

1936 3.254

1937 3.637

1938 4.055

1939 4.098

1940 4.643

1941 4.782

1942 4.898

1943 4.938

1944 5.048

1945 5.217

1946 5.683

FONTE: Serviço de Estatística da Prefeitura. (BALESTRIERO 1984:56)

Na Tabela I é possível observar que o município de Marília teve um crescimento

predial bastante rápido em seus primeiros anos de constituição. Este processo acelerado

aliado à ausência de infra-estrutura foi determinante nas formas que o processo de

ocupação do solo teve. Nesse processo a ocupação do solo foi feita pela ocasião, tendo

fatores como a exploração econômica da região e o processo de valorização das terras

atuado de maneira significativa na organização do espaço que, nesse momento, tendia

ser urbano. Segundo a Tabela I, desde sua criação como município e passados vinte e

oito anos, Marília teve um crescimento predial continuo, atingindo aproximadamente

4.997 construções, o que representa um número bastante expressivo para o início de um

processo de urbanização.

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51

Nesses primeiros anos da ocupação as construções eram feitas de madeira, parte

delas retiradas das matas que eram derrubadas para abrir caminho à agricultura, sendo

as construções em sua maioria compostas por residências, pequenos comércios e alguns

modestos hotéis nos quais os visitantes e futuros moradores se hospedavam. A paisagem

foi se transformando com o tempo, acompanhando também as transformações pelas

quais o país também passava.

Tabela II: População do Município de Marília 1934-1980.

ANO TOTAL URBANA RURAL

1934 64.885 12.984 51.901

1940 81.064 28.358 52.706

1950 86.844 38.376 48.468

1960 90.884 54.178 36.706

1970 98.176 75.593 22.223

1980 121.877 107.425 14.452

FONTE: 1934: Serviço de Estatística da Prefeitura Municipal. 1940-1980: IBGE, Censos Demográficos.

(BALESTRIERO 1984:57)

Algumas dessas transformações podem ser observadas através da Tabela II, em

seus dados referentes às taxas da população que se localizavam na área urbana e rural da

cidade. Conforme se observa é na década de 1960 que a taxa da população localizada na

zona urbana supera a taxa da população residente na área rural do município. Nesse

período ocorre no Brasil o processo de capitalização da agricultura, no qual ocorre o

assalariamento do campo transformando profundamente as relações de trabalho no

campo, como se observa na situação dos antigos colonos que, com esse processo passa à

condição de bóia-fria.

Isso se refletiu na queda do padrão de vida daqueles que viviam no campo, pois

tendo as relações de trabalho alteradas a presença das culturas de subsistência mantidas

pelos colonos vai deixando de existir quando esses passam a trabalhar sob relações de

assalariamento, alienando seu trabalho e necessitando, portanto, adquirir aqueles

produtos que antes possuía em sua pequena propriedade. Por conta das dificuldades

enfrentadas no campo, grande parte da população camponesa vai para as cidades em

busca de melhores condições de trabalho que ajudem a melhorar seu padrão de vida. É o

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que ocorre também em Marília, que a partir da década de 1960 passa por um processo

de fuga do campo que se reflete no aumento da taxa de sua população urbana, como é

possível observar na Tabela II, na qual se verifica um crescimento de sua população

urbana e um distanciamento desta com relação à da taxa populacional do campo,

comportamento que se verifica também nos anos subseqüentes.

Além disso, segundo a Tabela II verifica-se que a taxa populacional em Marília

teve como as décadas de maior crescimento populacional a década de 1930 a 1940,

período que compreende seus primeiros anos de constituição enquanto município e, a

década de 1970 à década de 1980, anos de forte migração do campo para as cidades.

São períodos importantes economicamente, da década de 1930 a 1940 o café tinha

sofrido grande crise no cenário internacional o que acarretou em mudanças econômicas

em região de Marília que havia se formado tendo essa cultura como principal elemento

de sua economia. É nesse período que a economia de Marília diversifica e inicia uma

industrialização ainda tímida voltada para outros produtos da agricultura como o arroz e

o algodão. Em 1937 havia no município 15 máquinas de beneficiamento de arroz, 2 de

café, 10 de algodão, 3 serralherias e 7 olarias que atendiam a demanda por esses

produtos tanto no município quanto da região circunscrita. (BALESTRIERO 1984: 61)

Sobre esse período e a forma pela qual Marília se urbaniza Balestriero conclui

que:

“Temos no período estudado, um caso típico de urbanização

sob o capitalismo tardio. Nascidas em pelo século XX, nossas cidades

novas são constituídas com todas as facilidades técnicas e econômicas,

mas também com todas as seqüelas do processo.

(...) Nossas cidades são produto da expansão do modo de

produção capitalista, sendo sua vida econômica e reprodução da

divisão internacional do trabalho sob o capitalismo. Assim, as

“exceções” aparentes são mais que exceções: representam exatamente

o setor dinâmico que determina o ritmo de expansão e funcionamento

da economia como um todo.” (BALESTRIERO 1984:63;64).

Segundo essa análise o novo município que se formou nas terras do centro-oeste

paulista, terras tidas até então como o “sertão paulista”, se inserem em um processo que

diz mais do que o desenvolvimento da região em si, mas é reflexo das demandas

econômicas do período que se encontram relacionadas, de modo global, à lógica

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capitalista, que aqui vê oportunidade para seu desenvolvimento e expansão,

promovendo também conseqüências enquanto processo tardio e contraditório na forma

de organização sócio-espacial.

À respeito desse tipo de processo Castells (1983) analisa a questão do que ele

chama de urbanização dependente. Para ele, esse é um fenômeno dos tidos países em

desenvolvimento nos quais o processo de urbanização se assemelha ao processo de

urbanização das principais metrópoles por estarem ligados ao movimento de

industrialização, porém, ao mesmo tempo se diferem pelo grau de industrialização que

apresentam e pela maneira que isso se dá. Assim, destaca ele que a taxa de urbanização

se mostra bastante elevada em países em desenvolvimento como a Índia, por exemplo,

porém, possuem taxas de industrialização muito inferiores quando comparadas com o

inicio do processo de industrialização dos países desenvolvidos. Ele mostra isso

comparando os índices de urbanização da Índia com a Alemanha e constata que ambos

possuem o mesmo o mesmo índice de urbanização, mas índices de industrialização

muito distintos. Segundo ele, a Índia possuía em 1951, 25% de sua população ativa

trabalhando na indústria, 14% na agricultura, 6% nos transportes, 20% no comércio e

35% nos chamados serviços diversos, enquanto que na Alemanha de 1882, com um

nível de urbanização semelhante, tinha 52,8% de sua população ativa empregada na

indústria. 12

Desse modo, Castells (1983) mostra que a indústria responsável pela

urbanização dos países emergentes não dá conta da oferta de mão-de-obra que se

transfere para as cidades em busca de trabalho, o que acaba implicando em processos de

urbanização distintos. A ideologia da cidade enquanto um espaço moderno e

desenvolvido contido na cultura do urbano mostra-se presentes nesses contextos

distintos, porém, a realidade de cada um mostra-se dissonante e particular, o que

implicará em formas distintas de constituir o espaço urbano. Diante disso, é importante

ter em mente que a exploração econômica de uma dada região e a maneira como ela se

realiza é determinante nas formas de organização sócio-espacial que ali se realização.

Nesse sentido o processo de urbanização de Marília, se mostra como um processo com

particularidades, mas que, contudo, se compreendem quando analisadas sob um ângulo

mais amplo.

12

Castells 1983:81.

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Tabela III: Distribuição da População de Marília com relação à ocupação de 1934

ATIVIDADES Nº DE INDIVÍDUOS OCUPADOS

Exploração do solo e subsolo 23.185

Indústria 2.860

Transportes 861

Comércio 1.802

Força Pública 20

Administração 171

Profissionais Liberais 401

Domésticos 221

Atividade mal definidas, ignoradas e outras 787

SOMA 30.308

Vivem de renda 93

Sem profissão 19.355

Menores de 14 anos 32.671

TOTAL 82.427

FONTE: Boletim do Departamento Estadual de Estatística, nº 05. Maio de 1939

*inclui a população de Vera Cruz. (PEREIRA 1990: 113)

Nesse período que compreende o início do processo de urbanização de Marília e,

como demonstrado na Tabela II, uma das décadas de maior crescimento populacional

do município, observa-se que embora a principal atividade fosse à agricultura –

exploração do solo e subsolo, 23.185 – há a existência de um número significativo da

população que se dedicava às atividades ligas ao contexto urbano: indústria, comércio,

transportes, força pública, administração, profissionais liberais e domésticos que podem

se encaixar tanto em atividades urbanas como rurais, compreendendo aproximadamente

6.115, se considerada a variável domésticos, o que representa cerca de 20,17% da

população economicamente ativa do município no período em questão.

Os desdobramentos da vida econômica e política do país tiveram reflexos

importantes na configuração da economia da região. A crise do café e a promoção da

diversificação da agricultura aceleraram o processo de fragmentação das propriedades

rurais que, gradativamente foram sendo incorporadas a zona urbana e destinadas à

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outras atividades que foram transformado o caráter do município e abrindo espaço para

o surgimento da indústria que gradualmente foi ganhando espaço no município de

Marília, sobretudo, no setor da indústria alimentícia sendo a antiga “Califórnia paulita”

transformada em “Capital Nacional do Alimento”.

2.2 Marília: “Capital Nacional do Alimento”

As mudanças ocorridas na segunda metade do século XX no Brasil

determinaram os rumos sócio-econômicos da região de Marília. Com a implantação das

indústrias mais importantes na década de 1940, como as Indústrias Reunidas Francisco

Matarazzo e Anderson Clayton, atraídas pela grande produção de algodão que se

desenvolvia no período, Marília foi se modificando. Porém, a partir de 1950 as

indústrias paulistas iniciam uma nova etapa no meio produtivo e a região de Marília

entra em crise por não poder acompanhar esse novo patamar industrial do estado de São

Paulo. Isso se refletiu na população pelo grande êxodo rural verificado no período, que

mesmo com a diversificação de culturas na agricultura não foi suficiente para garantir a

permanência da população rural no campo.

Em 1970 ocorreu a modernização do setor primário na região, o que resultou no

aumento da produção agrícola que agora se aliava as indústrias química e de

equipamentos e processadoras de produtos agropecuários, determinando o perfil

agroindustrial que prevalece até os dias atuais. Com o novo caráter do setor primário na

região ocorreu movimento migratórios do campo, também, inter-regionais.

Recentemente a economia da região se encontra com grandes investimentos do

setor industrial, promovido, sobretudo pela interiorização da indústria paulista. Sendo

hoje sua base industrial assentada de maneira geral na indústria alimentícia e no setor

agroindustrial. Marília destaca-se no centro-oeste paulista como a “Capital Nacional do

Alimento” pela presença de indústrias importantes do setor alimentício, entre elas

destacam-se: Marilan S/A, Dori Alimentos Ltda., Bel Produtos Alimentícios Ltda.,

Biscoitos Xereta Ltda. Também se destaca a presença no município da Indústria Coca-

Cola do Grupo Spaipa, maior fabricante de refrigerantes do mundo, e da empresa

Sasazaki, uma das maiores produtoras de esquadrias metálicas do país, entre outras do

ramo metalúrgico.13 As transformações ocorridas na economia do município podem ser

13

Fundação Seade. Perfil Regional/ abril 2009.

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observadas nos valores dos setores da economia adicionados no PIB de Marília, como

demonstra a Tabela IV:

Tabela IV – Participação dos setores da economia no Produto Interno Bruto

(PIB) de Marília no ano de 2007

SETOR VALOR ADICIONADO

Agropecuária 27.958

Indústria 467.971

Serviços 1.704.031

FONTE: IBGE

Segundo a Tabela IV, o crescimento e desenvolvimento da cidade foram

acompanhados por mudanças em sua economia. A Marília que surgia como a

“Califórnia Paulista” do crescimento aliado ao desenvolvimento da agricultura vai se

urbanizando e gerando novas demandas que, com a industrialização estimula o

desenvolvimento do setor de serviços o qual hoje se mostra como o setor da economia

que mais contribui na composição no PIB municipal, assim, o município que tinha

como principal atividade econômica a agricultura passa a ser um município com uma

taxa de industrialização maior, porém, com sua economia baseada na prestação de

serviços, característica econômica que acompanha as tendências da economia nacional.

Marília se apresenta como sede da Região Administrativa de Marília que conta

hoje com 51 municípios divididos em quatro regiões de governo: Marília, Assis,

Ourinhos e Tupã. Como sede da R.A a região de Marília “concentra o pessoal ocupado

na indústria, destacando-se aquelas de maior importância regional, como a de alimentos

(41,2%) e de máquinas e equipamentos (64,5%). Também o pessoal ocupado no setor

de serviços está mais concentrado nesta RG (39,2%), reflexo da presença do município-

sede. O município de Marília, cumprindo seu papel de centro regional, concentra, além

dos serviços sociais, como saúde e educação, também os serviços mais sofisticados e de

maior valor agregado – atividades bancárias e financeiras, imobiliárias, serviços de

consultoria, processamento de dados, publicidade de propaganda, pesquisa e

desenvolvimento, etc.” (SEADE 2009)

A tendência de crescimento da cidade permaneceu na última década, porém,

com uma taxa de crescimento menor do que a verificada nas décadas anteriores,

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principalmente no período de expansão da economia da região oeste paulista

demonstrada na Tabela II. Como demonstra a Tabela V:

Tabela V – Evolução Populacional da cidade de Marília-SP

ANO POPULAÇÃO

1991 161.149

1996 175.816

2000 197.342

2007 218.113

FONTE: IBGE

Hoje Marília conta com aproximadamente 227.649 habitantes, apresentando um

grau de urbanização de 97.48%, confirmando uma tendência que se verifica desde a

década de 1960, quando seu índice de população urbana superou o da população rural,

possuindo um índice de desenvolvimento humano de 0.850, considerado como elevado

quando comparado com os demais municípios brasileiros.14

Mesmo sendo uma cidade relativamente muito jovem, a cidade de Marília já

passou por variações demográficas de grande significância, se mostrando como uma

cidade típica de processos de migrações intra-urbanas e de regiões – emigração e

imigração – determinados pela transferência de populações, mas também, por

problemas, expectativas, necessidades, etc. Segundo o IBGE, no período entre 1940 a

1991, o crescimento populacional foi de 133%. O qual desacelerou na década de 1990,

tendo uma média anual de 2,78%. Dos anos 2000 ao ano de 2009, Marília apresentou

como taxa geométrica de crescimento anual da população 1,62%, taxa que se verifica

menor do que a dos anos passados, porém, maior que a taxa de crescimento anual da

região e do estado de São Paulo que no mesmo período registraram taxa de 1,15% e

1,33%, respectivamente. Segundo os indicadores de crescimento populacional a cidade

de Marília apresenta uma tendência em atrair população dos municípios

circunvizinhos.15

14

Dados do IBGE de 2008.

15 Fonte: Observatório de Segurança Pública.

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A Marília que em seu início era conhecida como a “Califórnia paulista” se

mostra como um município mais consolidado que teve seu processo de urbanização

realizado em um ritmo muito acelerado e, que não foi acompanhado com a mesma

velocidade pelo desenvolvimento de todos os outros setores. Assim, ainda hoje é

possível observar as conseqüências de seu processo de urbanização não planejado. No

Mapa I podemos observar a ocupação referente ao zoneamento do município.16

MAPA I: Zoneamento do município de Marília-SP

FONTE: ENDURB 2004 In. GUTO/UNESP-Marília-SP

É o que se observa ao analisar o mapa do município e suas diferentes regiões que

se apresentam distintas umas das outras, motivadas por motivos sócio-econômicos, mas

também, pela própria geografia do município que propiciou uma forma de ocupação

particular e o que interfere também em sua densidade demográfica, como fica claro nas

16

Fonte:ENDURB in Revista Eletrônica Levs.

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59

grandes variações populacionais de uma região para outra observadas no mapa. Isso

porque na geografia do município estão localizadas duas bacias hidrográficas, as do Rio

do Peixe e do Rio Aguapeí, além da existência de diversas nascente que impossibilitam

a ocupação dessas áreas. Somado a isso, a topografia de região possui a presença de

várias escarpas nos acúleos que dividem os cursos das águas, desse modo, o município

de Marília apresenta-se fragmentado naturalmente pelos recortes que os vales fazem na

geografia local. Assim, a mobilidade e a integração física da cidade sofrem a

interferência de elementos naturais.

Assim sendo, e aliado ao fator especulativo do início do processo de ocupação

do município com a divisão das terras e a venda dos lotes iniciais, Marília foi tendo seu

espaço urbano configurado pela segregação espacial, que se dava pelos elementos

naturais de sua composição geográfica e, também, pela exploração econômica de seu

território. Por esse motivo seu mapa foi se constituindo por regiões descontinuas e

desiguais.

Fazendo uma análise das transformações ocorridas no espaço urbano de Marília,

é possível observar a presença do fator imobiliário nos movimentos migratórios e

transformadores do espaço, este aliado à medidas políticas que caminham no mesmo

sentido. Sobre esse assunto, Delicato (2004) discute esse processo de segregação

estimulado pela especulação imobiliária. Segundo ele, o distanciamento observado na

ocupação do espaço determinadas a principio pelas características de relevo da área vai

se intensificando com a atuação cada vez mais intensa do mercado imobiliário na

cidade. Ele destaca como importantes movimentos migratórios ocorridos a mudança da

zona do meretrício para a região posterior ao cemitério, na década de 1960, o que

segundo ele, altera de maneira significativa a região onde se encontra a Igreja de Santo

Antônio na qual muitas das casas passam a ser usadas como cortiços, sendo a região

conhecida na época como Morro do Querosene. (DELICATO 2004)

Tendo essa região sido desvalorizada economicamente e, sendo ela localizada

próxima a região central da cidade, a prefeitura da cidade transfere esses moradores na

década de 1980, para o então recente núcleo habitacional Nova Marília, localizado em

uma região bastante distante da região central da cidade e localizado entre os limites das

zonas rural e urbana do município. Desse modo, as regiões sul e central da cidade

passam por um processo de valorização sendo amplamente exploradas pelo mercado

imobiliário e, além de espaço para a atuação do mercado imobiliário na cidade as

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lideranças políticas da época conquistam uma simpática política da população que pode

vir a ser uma importante base eleitoral.

Outro deslocamento importante destacado por Delicato (2004) é o movimento de

famílias ricas que ocupavam a região do bairro Salgado Filho para a região próxima ao

Estádio Municipal. Região esta que se mostra como lugar importante para o mercado

imobiliário atuante na cidade, já que ali o processo de valorização da área se deu de

maneira muito intensa, apresentando-se hoje como uma das regiões mais nobres da

cidade de Marília. Com essa transferência das famílias para essa região, a região do

bairro Salgado Filho passa a ser ocupada por consultórios médicos.

Em outra região da cidade, os entorno do distrito industrial – Zona Norte da

cidade – também foram implantados, na década de 1980 conjuntos habitacionais, dos

quais se destaca o bairro Santa Antonieta, que na época apresentava grandes problemas

com relação à infra-estrutura. É nessa região, que possui baixo valor imobiliário, que as

antigas populações do bairro Maria Izabel passam a ocupar, estimulados pela

valorização do seu antigo bairro com a implantação do loteamento Prolongamento

Maria Izabel, que alterou de maneira significativa a paisagem da área com a construção

de residências de alto padrão. Diante disso, os antigos moradores das simples casas de

madeira que se encontravam na região foram sendo estimulados a vender suas casa e à

se transferirem para regiões menos valorizadas. Assim, as antigas casas do bairro foram

sendo demolidas e seus terrenos incorporados às novas mansões que ali se erguiam.

(DELICATO 2004)

Marília é um município, que assim como muitos do Brasil, possui grandes

diferenças sociais que são refletidas no espaço urbano através das condições de

habitação da população. Paisagens características das pequenas cidades do interior com

crianças brincando nas ruas, pessoas sentadas nas calçadas conversando sobre as

notícias diárias são contrastadas com bairros industriais, forte trânsito de circulação de

ônibus e automóveis. Isso porque o município passou por profundas mudanças,

sobretudo na década de 1970 com a consolidação de suas indústrias, que implicou em

um forte processo de exclusão social, verificado pelo inicio do processo de favelização

do espaço urbano do município no período. Segundo Berto (2007), existiam, até o ano

de 2007, cerca de doze conjuntos habitacionais classificados como favelas e mais

quinze conjuntos habitacionais o que compreende cerda de 5% da população de Marília

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vivendo nesses espaços. Isso implica em conviver com graves problemas de infra-

estrutura urbana.

É o que se verifica nos bairros Jardim Coimbra, localizado próximo ao centro e

região de expansão com conjuntos habitacionais, e no bairro Vila Barros, situado à

noroeste da região central, no qual se encontra a maior e mais antiga favela da cidade de

Marília localizada ao lado de um Itambé que tem em seu lado oposto uma paisagem de

extremo contraste, um condomínio fechado de alto padrão. Nos bairros Jardim Santa

Antonieta e Parque das Nações as condições de precariedade também se encontram

presentes, sendo regiões de exclusão e de pouca presença da atuação do poder público

na realização de obras de infra-estrutura. Outra região que enfrenta problemas sócio-

espaciais é a região de Nova Marília, onde se localiza o conjunto habitacional Nova

Marília, e a Vila Real que se configura como uma região de residências de

autoconstrução. Compartilhando da mesma realidade ainda estão os bairros Monte

Castelo, Jardim Toffoli, Jardim Nacional, todos formados na década de 1980, e o bairro

Jardim Santa Paula, formado recentemente na década de 1990, todos eles localizados na

zona sul de Marília. (BERTO, 2007)

Assim, o mesmo processo de exclusão observado na formação desses bairros é,

também, elemento do processo de valorização de algumas regiões da cidade sendo ao

mesmo tempo um movimento de exclusão, na medida em que retira das áreas de

interesse do mercado imobiliário as populações de baixa renda e as transfere para as

zonas periféricas da cidade, e um momento de inclusão, pois o remanejo dessas

populações fazem parte da lógica de mercado que se realiza. Sendo, portanto, um

elemento necessário ao processo de valorização das terras.

É interessante observar que assim como ocorreu no início de seu processo de

ocupação, a urbanização da cidade e suas conseqüentes transformações foram se dando

pela ocasião, sendo ela fortemente determinada por elementos econômicos aliados ao

político. O que torna diferente apenas as paisagens que vão sendo transformadas com o

passar dos anos, mas que em nada altera os tipos de relações responsáveis por tais

mudanças, elas apenas se mostram mais sofisticadas.

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2.3 Marília: Algumas camadas.

A discussão realizada no Capítulo I deste trabalho acerca da questão cidade e das

apreensões desta colabora no sentindo de buscar compreender a cidade de Marília as

redes sociais que aqui se constituíram e transformaram seu espaço. Porém, existem

nessa tentativa algumas dificuldades, dentre elas a de analisar realidades distintas

utilizando o mesmo conceito. É o que foi chamado à atenção por Fontoura, em sua

exposição realizada no encontro da SBS de 2009 no Rio de Janeiro, para ele, conceitos

fechados de cidade, como o modelo ideal grego ateniense e, no caso das cidades globais

contemporâneas, representadas pelo modelo ideal das cidades americanas de Chicago e

Los Angeles, trazem dificuldades metodológicas na tentativa de compreender realidades

que se mostrem distintas a essas, ocorrendo, portanto, uma distância entre conceito e

objeto. Como proceder com relação à distância do conceito ao objeto?

Ele aponta como proposta a análise de Lefebvre, que propõem uma análise da

realidade pensada à partir de camadas. Desse modo a cidade passa a ser compreendida

além da primeira paisagem que se tem e, o que se busca é identificar o modo de pensar

urbano, ou seja, a presença da cultura do urbano no espaço que se tem por objeto. Em

um momento em que os espaços urbanos se mostram em constante transformação,

compreendendo dentro de si, como define Fontoura, a cidade laboriosa – que contém a

comunidade, a família e a laboriosidade – e seu oposto, a cidade degradante na qual nos

deparamos com a violência, os problemas sociais e o caótico, a tentativa de

enquadramento dessas realidades à um modelo fechado se mostra problemática.

É o caso de compreender Marília apenas sob o aspecto teórico ideal. Sua

formação e constituição não se encaixam nem na cidade ideal ateniense, nem nos

modelos das cidades globais ideais, contudo isso não exclui a existência dos elementos

desses dois modelos em suas características, como foi demonstrado através da sua

história. Dessa maneira, faz-se necessário uma percepção dessa cidade além daquela

proporcionada pela utilização de tais conceitos e sim através da percepção do sensível,

proposto por Furtado, dado pela vivencia nesse espaço e por todas as experiências que

isso trás ao indivíduo.

Desse modo, além da análise feita através da verificação de seus processos

históricos que a constituíram enquanto tal, o viver na cidade proporciona experiências

que se relacionam com a forma com as quais os indivíduos compreendem e sentem esse

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ambiente, e na forma como eles se relacionam com ele. Tendo em vista isso, é

importante ter em mente que a mesma cidade não é vivida da mesma maneira por todos

seus habitantes, não se mostra da mesma forma a cada um deles, pois suas experiências

com o ambiente são determinadas por fatores que interferem na forma como o habitante

apreende sua cidade. Uma pessoa que vive em um bairro consolidado no qual existam

todas as infra-estruturas necessárias para uma habitação saudável e confortável tem uma

visão diferente daquele habitante que reside em um bairro ocupado irregularmente, no

qual não foram instalados os dispositivos básicos necessários para a ocupação daquele

espaço, da mesma forma, esses dois indivíduos ao transitarem pela cidade farão isso de

modos distintos, circulam por espaços dos quais um ou outro podem não ter

conhecimento, sendo, portanto, experiências diversas no mesmo espaço que se mostra

diferente e excludente por sua fragmentação.

As experiências vividas por um habitante da cidade de Marília, que possua um

padrão médio de vida, e que se desloque por ela tendo como meio de transporte um

automóvel particular e resida em um de seus bairros mais valorizados, são experiências

de um indivíduo que tem a possibilidade de consumir o melhor que a cidade oferece.

Isso porque a cidade de Marília, com relação ao seu trânsito, por exemplo, é uma cidade

voltada para atender a circulação de automóveis, como se constata pela presença de

grandes avenidas principais que cortam a cidade e ligam suas regiões, as quais se

apresentam em bons estados de conservação no que se refere à pavimentação e

sinalização e, também, pelas das inúmeras rotatórias presentes nas ligações de suas vias

que favorecem o deslocamento dos automóveis de forma eficiente. Desse modo, o

deslocamento de alguém que possua como veículo o automóvel tem a possibilidade de

realizar isto isso de modo muito eficiente e rápido.

Da mesma forma, a habitação em bairros consolidados não oferece grandes

transtornos, possuem água encanada e rede de esgoto, a coleta de lixo é regular, as ruas

são limpas. Em alguns deles existem espaços públicos para a prática de esportes, como

na Avenida das Esmeraldas, região nobre de Marília, onde existe uma pista para

caminhada e uma praça pública com aparelhos para prática de exercícios físicos

instalados pela prefeitura municipal em conjunto com um convênio médico privado.

Assim, como na região do aeroporto onde existem as mesmas instalações. Para as

pessoas que habitam esses dois espaços da cidade, ou outros que assim como estes estão

entre os mais caros de Marília a vida pode ser muito mais confortável do que para as

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pessoas que foram excluídas desses espaços por não possuírem poder econômico para

desfrutar deles.

Viver em um bairro periférico da cidade ou em algum de seus núcleos

habitacionais chamados de favela se distancia muito dessa realidade apresentada.

Diferentemente do que ocorre nas regiões mais nobres da cidade as ruas e as calçadas

das regiões periféricas se apresentam em péssimo estado de conservação, quando elas

existem, já que algumas regiões da cidade estão em estado de ocupação irregular e,

nesse caso, as ruas inexistem assim como as calçadas. Além desses problemas nas

paisagens das ruas da periferia é freqüente, também, o acúmulo de lixo que se dá ou

pela inexistência de coleta de lixo em algumas regiões ou pela não realização da

limpeza pública. As diferenças também se apresentam com relação à disponibilidade de

redes de água e esgoto que em alguns casos, como, por exemplo, na ocupação de uma

área do bairro Parque das Vivendas e Jardim Universitário, na zona oeste da cidade, em

que habitantes não possuem em suas casas redes de esgoto por estas estarem localizadas

em uma área de ocupação irregular e, portanto, não reconhecida pela prefeitura.

As diferenças socioeconômicas dos habitantes da cidade são determinantes nas

formas de como esses sujeitos a vivem e a consomem. Isso não se relaciona apenas com

o espaço que habitam, ou seja, suas casas e seus bairros, mas trazem distinções também

em todas as outras formas de se relacionar com o espaço que vai desde a maneira como

transitam pelos espaços da cidade até os estabelecimentos e produtos que consomem

nela, o que significa que vários setores que compõem a cidade – os transportes, a

economia, os serviços públicos e privados oferecidos, as relações sociais – são

experimentados de forma distinta por seus habitantes, o que confere a eles percepções

subjetivas do espaço que compartilham e que ou mesmo tempo não partilham.

Um morador de baixa renda se desloca, de forma geral, ou caminhando pela

cidade ou fazendo uso do transporte público, nesses dois casos as impressões que seu

trajeto vai lhe causar são outras das causadas por aqueles que utilizam meios de

transporte particular. Ao caminhar pela cidade o pedestre encontra em seu caminho

muitos obstáculos que vão se modificando de acordo com a região da cidade a qual se

encontra. Ao transitar pela região central da cidade o maior obstáculo dos pedestres é,

sem dúvida o trânsito já que muitos dos cruzamentos desta região possuem a sinalização

feita por semáforos, o que auxilia de forma eficiente o fluxo de veículos, porém, nem

sempre a dos pedestres, uma que vez que alguns dos semáforos possuem em sua

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programação intervalos de tempo que, em alguns casos, excluem o tempo do pedestre

atravessar essas vias, sendo eles intervalos que compreendem apenas as opções para os

veículos que se encontram vias diferentes terem a passagem determinada, ou possuem

os intervalos referentes à passagem de pedestres esse tempo é bastante reduzido. Além

disso, alguns cruzamentos não possuem a sinalização para o pedestre o que acabam

tornando alguns deles perigosos para os eles. Perigoso também são as tentativas de

travessias em ruas que possuem as tão comuns rotatórias de Marília, pois se trata de

formas de organização do trânsito que não se voltam para a comodidade e segurança do

pedestre e sim para a agilidade do trânsito.

Em regiões periféricas da cidade os problemas se mostram outros, como a

existência de calçadas em péssimos estados de conservação ou a ausência destas, o que

obriga o pedestre a se deslocar pelas ruas, ficando exposto ao risco de atropelamento.

Ademais, as próprias ruas mostram-se em estados de conservação ruins o que interfere

na qualidade da mobilidade tanto dos pedestres, quanto dos cadeirantes, de mães com

carrinhos de bebês, quanto no deslocamento dos próprios veículos. Assim sendo, as

impressões que os indivíduos que, por opção ou pela falta dela, utilizam essas formas de

deslocamento têm da cidade se relacionam com as dificuldades que enfrentam, sendo a

mobilidade dessa forma algo custoso e difícil.

Semelhante são as impressões de quem utiliza o transporte público uma vez que

chegar ao seu destino demanda tempo, paciência e certo preparo físico já que os ônibus

estão em geral cheios, tendo grande parte de seus passageiros viajando em pé do que

acomodados nos assentos disponíveis no veículo. Em média o tempo para se deslocar

utilizando o transporte público de um ponto da cidade à outro que exija passar pela

região central leva cerca de quarenta minutos à uma hora, dependendo se os horários de

saída e chegada dos veículos convergem no terminar central urbano, local onde é

necessário trocar de veículo para prosseguir viagem. Desse modo, contando com o

tempo de necessário para ir até o ponto de ônibus e o tempo que se leva do ponto final

até o destino essa viagem pode durar mais de uma hora, o que se mostra uma quantidade

de tempo relativamente grande para uma cidade de porte médio como Marília.

A percepção espacial mostra-se distinta entre indivíduos que pertencem a grupos

socioeconômicos também distintos, como se observou Carvalho em análise realizada

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em Marília entre os anos de 2003 e 2004.17 Segundo ele, os moradores de bairros mais

valorizados economicamente mostraram-se com percepções distanciadas dos elementos

constitutivos do bairro, não se mostrando familiarizados com a vizinhança nem com os

equipamentos urbanos disponíveis no espaço que habita como a presença de postos de

saúde, escola, praças, etc.

Isso, segundo ele não se verificou nos bairro mais populares da cidade. Nesses

locais os moradores se mostraram mais perceptivos as infra-estruturas presentes no

bairro, sabendo onde se localizavam e como funcionavam alguns dos elementos urbanos

da região, como o comércio, a igreja, o posto de saúde, a creche entre outros. Carvalho

explica essa diferença através da dificuldade de acesso desses moradores às outras

localidades da cidade pela ausência de um meio de transporte e pela dificuldade de

mobilidade que se apresenta em Marília, o que torna sua relação com seu ambiente

necessariamente mais próxima.

Na percepção sensível e subjetiva da cidade proposta por Furtado, pode-se dizer

que no caso de Marília alguns habitantes privilegiados pelas regiões que habitam e pelas

áreas que transitam, apreendem Marília como uma linda cidade rodeada de verde e

privilegiada pelas lindas vistas proporcionadas por seus Itambés. Lugar agradável que

ao entardecer possui um lindo espetáculo no céu com seu misto de cores, que se torna

mais agradável ainda com o cheirinho doce de biscoito que se sente no ar. Ou pode se

mostrar com outras qualidades para os indivíduos que não compartilham da mesma

realidade, Marília pode ser tida também como uma cidade que por seus vales torna tudo

mais longe e difícil de chegar, com trechos de relevos íngremes e acidentados, com uma

natureza que invade as casas pela grande quantidade de mato e insetos que deles vem, e

uma cidade que ao entardecer tem tudo mais difícil: o fim da circulação do transporte

público, a falta de iluminação, o medo e no ar não o doce cheiro de biscoito

característico da “Capital Nacional do Alimento”, mas o cheio de lixo e esgoto que se

espalham pelas ruas das periferias habitadas por essas pessoas.

17

Pesquisa vinculada ao Grupo de Pesquisa e Gestão Urbana de Trabalho Organizado (GUTO/UNESP), a

partir da qual tinha como busca refletir sobre as possibilidades de contribuição da percepção espacial –

em especial, do crime e medo.

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Capítulo III – Cidade: Insegurança e Fortificação.

3.1 Os enclaves fortificados

Tomo aqui como definição de enclaves fortificados a definição dada por

Caldeira (2000), a qual considera enquanto espaços privados e de acesso restrito como

os shoppings, os clubes, os condomínios empresariais e, o caso que interessa a esse

estudo, os condomínios fechados. Segundo Caldeira, esses espaços possuem sua rotina

voltada para a questão da segurança e da eliminação de possíveis riscos, por esse motivo

possuem como característica a presença massiva de dispositivos de segurança como

cancelas, guaritas, muros altos, cercas elétricas, alarmes, câmeras de vigilância,

seguranças armados, etc. Como conseqüência, tais técnicas de segurança privada criam

primeiramente uma barreira física que implicam em restrições à mobilidade daqueles

que não pertencem a esses espaços, criando, portanto, uma mobilidade restrita dentro do

espaço urbano.

Diante disso, para qualquer tentativa de contato com esses espaços fortificados a

primeira relação estabelecida é a de desconfiança, para Caldeira a insegurança e o

sentimento de desconfiança com relação ao outro, presentes nas cidades

contemporâneas, gera um código de classificação dos indivíduos, baseado, sobretudo na

homogeneidade social pretendida por esses espaços, desse modo, os não suspeitos são

aqueles indivíduos que se mostram bem trajados, que possuem automóveis e, também,

uma boa aparência que esteja vinculada a um padrão classe média e alta brasileira. Por

esse motivo, ficam previamente excluídos do grupo dos não-suspeitos, indivíduos que

circulem a pé, que não possuam roupas distintas e que pertençam as classes populares

da sociedade. Segundo ela, “os enclaves são literais na sua criação de separação. São

claramente demarcados por todos os tipos de barreiras físicas e artifícios de

distanciamento e sua presença no espaço da cidade é uma evidente afirmação de

diferenciação social”, são ambientes que “transformam a natureza do espaço público e a

qualidade das interações públicas na cidade, que estão se tornando cada vez mais

marcadas pela suspeita e restrição”. (CALDEIRA, 2000:259)

Sarlo (2000) analisa essas as transformações e o rearranjo que a presença dos

enclaves fortificados promove nas relações entre os indivíduos e nas formas como estes

passaram a se apropriar dos espaços da cidade tomando esta como uma cidade

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transformada que agora se mostra policêntrica, ou seja, uma cidade que transfere

atividades que antes só podiam ser realizadas em sua região central para regiões

periféricas, promovendo outros pólos de comércio, lazer, etc. Nesse movimento alguns

tipos de construções característicos de nossa era têm papel fundamental, é o caso dos

shoppings centers, por exemplo.

Para ela, os shoppings são construções padronizadas, lugares organizados e é

isso que permite, segundo ela, uma sensação maior de liberdade para aqueles que os

freqüentam, tanto em relação aos seus espaços internos quanto para com o externo. É

por esse motivo que esses espaços se apresentam como “não-lugares”, pois esses

empreendimentos não se relacionam diretamente com o lugar e a cultura ao qual se

encontra fisicamente estabelecido. São construções que poderiam estar em qualquer

lugar do mundo, pois o externo a ele não importa. É nesse sentido que ela chama esses

espaços de cápsula e templo do consumo. O mesmo tipo de relação com a localidade

pode ser vista em outro espaço: os residenciais fechados de alto padrão, que são cada

vez mais comuns na paisagem urbana, e que estando em um deles o indivíduo poderia

estar em qualquer região do mundo, pois a atmosfera de perfeição e harmonia coloca

distante a sensação de risco que o externo possa vir representar. São locais que isolam

ao mesmo tempo aqueles que se encontram dentro dos seus limites e os que se

apresentam para lá de seus muros.

Para Caldeira (2000) a expansão de tais empreendimentos imobiliários está

ligada ao sentimento de insegurança vivido hoje nas cidades contemporâneas, mas

também à emergência de um novo estilo de vida o qual se relaciona com o prestígio que

esses espaços ocupados pelas elites representam. Esse novo estilo de vida não se

restringe apenas às construções e projetos arquitetônicos, mas apresenta-se também

vinculado as relações e interações sociais dos indivíduos que consomem tais espaços,

pois o tipo de relacionamento vivido hoje pelos indivíduos é o da desconfiança. Os

enclaves fortificados atuam, portanto, como meios de reafirmar esse status, o qual se

baseia e reforça a desigualdade.

Caldeira observa uma mudança de paradigma na questão da residência enquanto

símbolo de status, segundo ela, o espaço urbano se organizava primeiramente em um

padrão de segregação que se baseava na distinção das residências, já que os

aglomerados urbanos ainda se mostravam pequenos em seu início não havendo,

portanto, distinções socioeconômicas entre as regiões da cidade. Em outro momento,

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porém, com a expansão do espaço urbano um novo padrão de segregação sócio-espacial

emerge baseada na disposição centro-periferia. Nesse tipo de organização e apropriação

do espaço urbano as elites ocupavam as regiões centrais da cidade, nas quais por serem

mais antigas, possuíam maior infra-estrutura urbana, enquanto que as classes populares

tinham como opção - ou falta de - habitar nas regiões periféricas, já que estas se

mostravam como áreas mais baratas por possuírem menor infra-estrutura e por ainda

não fazerem parte das áreas de interesse do mercado imobiliário.

Posteriormente, ela aponta para a transferência das elites para as regiões

periféricas da cidade, em busca de melhor qualidade de vida já que os centros tornam-se

espaços da multidão e, portanto, não mais desejados. Assim, o status e o prestígio de

habitar as regiões centrais da cidade não se sustentam mais e o residir nessas regiões

passa a ser algo problemático uma vez que essas regiões passam a se desvalorizar pelos

problemas que apresentam com o passar do tempo: regiões de grande movimento,

barulhentas, sujas e muito heterogêneas socialmente já que a presença do comércio e da

rede bancária atrai a população de toda a cidade.

A transferência das classes média e alta para as regiões periféricas da cidade se

mostra como uma boa alternativa tanto para elas, que se distanciam dos problemas da

cidade, quanto para o mercado imobiliário já que vê nesse negócio uma fonte de novos

lucros. A residência enquanto símbolo de status possui um novo modelo, o modelo

americano de casas em espaços fechados localizados distantes dos centros urbanos.

Caldeira (2000) identifica algumas diferenças entre os primeiros residenciais

fechados da cidade de São Paulo e os atuais, os primeiros surgidos por volta de 1928 e

que tiveram grande expansão nas décadas de 1970 quando aumentaram os

financiamentos desse tipo de imóvel, eram em grande parte verticais sendo voltados

para as ruas, não possuindo isolamento de muros nem de outras formas de segurança e

apresentavam como espaços coletivos apenas as garagens. Diferentemente das novas

formas de habitação escolhidas e desejadas pelas classes média e alta. As moradias

coletivas como os prédios na região central da cidade são espaços comparados com as

formas de moradia coletiva das camadas populares, os chamados cortiços e, por esse

motivo são espaços tidos como menos valorizados, sendo hoje valorizados espaços que

sejam mais amplos e que permitam contato com a natureza, características que as

regiões centrais não possuem mais condições de oferecer. Além disso, as mudanças com

relação ao modo se viver aliados a idéia de qualidade de vida se mostram hoje

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vinculados a prática de esportes, à tranqüilidade e o convívio junto à natureza, por esse

motivo os residenciais que mais se destacam no mercado imobiliário são aqueles que

ofereçam tudo isso aos seus moradores, tendo como diferenciais seus espaços de uso

coletivo: piscinas, parques, praças, etc.

O que se mostra interessante, também, é o que Caldeira destaca em sua

comparação dos residenciais fechados do Brasil daqueles de que foram inspirados, os

modelos americanos, ela pontua que os americanos possuem casas padronizadas, o que

não faz muito sucesso no Brasil, pois se liga à idéia de casas populares e, nesse sentido

não realizam a residência enquanto símbolo de status da elite e também não conferem

“personalidade” ao imóvel, algo que lhe confere grande valor. Além disso, destaca ela

que, as áreas de uso coletivo nos condomínios fechados brasileiros são muito pouco

utilizadas, pois a idéia de comunidade não se mostra muito valorizada e presente nesses

espaços, não sendo nem mesmo uma idéia trabalhada nos anúncios publicitários desse

tipo de empreendimento imobiliário que possui como referência ao convívio apenas a

convivência familiar, assim, a presença dessas áreas de convívio e lazer podem se

justificar, segundo Caldeira, mais como elementos reforçadores da condição do

indivíduo que reside ali, ou seja, como mais elementos para legitimar seu status do que

instrumentos para a interação e o convívio entre os moradores.

Nesses anúncios, o que se encontra é a oferta de uma “ilha” que oferece

tranqüilidade e segurança, além da possibilidade de conviver entre iguais, o que atua

como forma de repelir todo e qualquer risco e problema que a heterogeneidade possa

trazer. Sendo, portanto, trabalhada a idéia de um espaço de refúgio dos problemas da

cidade. Está não é mais desejada. Caldeira (2000), identifica o trabalho nos anúncios

publicitários da década de 1970 em São Paulo em construir uma demanda por

segurança, já que segundo ela, esse período é um período em que se registram baixos

índices de violência na cidade o que mostra que mais do que a falta de segurança em si

está o sentimento de insegurança dos indivíduos que são determinantes na escolha da

residência. Nos anúncios publicitários de hoje observa-se o elemento segurança

presente, porém, de modo menos explicito que antes, o que é bastante trabalhado é a

questão do conforto e bem estar que a família que ali venha residir poderá ter através do

contato com a natureza. Dessa forma, agrega-se como oferta além da segurança a

questão da saúde, do lazer e da ecologia.

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71

A presença dos condomínios fechados no espaço urbano é, segundo Caldeira,

uma forma de expressão da idéia de que a exclusão é hoje uma forma para conquistar a

felicidade, harmonia e principalmente a liberdade, pois é excluindo e rejeitando a cidade

que os indivíduos que habitam esses espaços possuem a sensação de segurança e

liberdade, mesmo sendo está confinada à uma área determinada pelos muros de seu

condomínio. Para ela, a exclusão como solução para o sentimento de insegurança

compartilhado hoje pelos indivíduos está além da presença de barreiras físicas como

forma de separação de pessoas e grupo de pessoas, apresenta-se também em questões de

mercado uma vez que o mercado imobiliário não existe para as classes trabalhadoras,

ele é um mercado que atende apenas as classes média e alta, relacionando-se com as

classes trabalhadoras apenas no que diz respeito ao seu remanejamento quando aquele

se mostra interessado pelas áreas próximas à ocupação desses grupos. O mercado

imobiliário não produz ofertas de imóveis para os pobres, oferece apenas a exclusão e a

segregação espacial. Segundo ela:

“Relacionar a segurança exclusivamente ao crime é ignorar

todos os outros significados. Os novos sistemas de segurança não só

oferecem proteção contra o crime, mas também criam espaços

segregados nos quais a exclusão é cuidadosa e rigorosamente

praticada. Eles asseguram “o direito de não ser incomodado”,

provavelmente uma alusão à vida na cidade e aos encontros nas ruas

com pessoas de outros grupos sociais, mendigos e sem-teto.”

(CALDEIRA 2000:267)

Para garantir o direito de não ser incomodado tais espaços devem ser locais

“auto-contidos”, o que significa possuir tudo o que venham necessitar sues moradores

disponíveis dentro de seus espaços ou aos seus arredores para que não seja necessário se

deslocar até a caoticidade da cidade que decidiram abandonar. Um exemplo disso e que

ilustra muito bem esse novo tipo de enclave fortificado é um lançamento de um

empreendimento que reúne prédios comerciais, residenciais e um dos shoppings mais

luxuosos da cidade de São Paulo, trata-se , como se refere a própria matéria da revista

Folha, de uma “minicidade” que traz um novo conceito de moradia que combina o

divertir, o morar, o trabalhar e o comprar, como explica o vice-presidente da construtora

responsável pelo empreendimento. A revista traz como matéria de capa o título: “eles

vão morar no shopping” e se refere à nova oferta do mercado imobiliário paulistano

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como “um pequeno universo de sonhos, com promessas de segurança, espaços

arborizados, sem engarrafamento e com todos os serviços à mão. Um luxo para poucos

paulistanos.”18

Como fica claro na apresentação do novo empreendimento imobiliário o

“universo de sonhos” que ele oferece só se realiza porque ele é exclusivo a um grupo

seleto de indivíduos homogêneos socioeconomicamente, sendo esse um dos fatores

tidos como responsáveis pela tranqüilidade dos 275 “felizardos” que se dispuseram a

pagar entre 2milhões e 17,3 milhões de reais para desfrutar desse pequeno paraíso em

meio a caótica São Paulo. Ao mesmo tempo todos os demais habitantes da cidade que

não dispõe de meios para essa aquisição são excluídos do privilégio de uma vida

tranqüila e confortável.

Mais do que uma relação mercadológica a presença dos enclaves fortificados no

espaço urbano mostra uma tendência ao empobrecimento da cidade e da questão urbana,

pois o isolamento vendido por tais espaços desestimula a interação social e a prática da

cidadania, colocando as diferenças como problemas indesejáveis e, portanto, de

necessária eliminação que se não se mostra possível realizar totalmente que seja

diminuído o incomodo provocado por eles através do não contato e do não visível.

Assim, a cidade passa a ser um lugar de segregação sócio-espacial mais agressivo, pois

se torna um espaço polarizado.

Como analisou Bauman (2001) esses espaços produzem a emergência de um

novo tipo de gueto, o gueto voluntário, ao mesmo tempo em que reforça a existência de

outro tipo, o gueto involuntário do qual tanto busca se afastar. Tal polarização reforça

desigualdades e produz estigmas, assim espaços que são ocupados pelos grupos tidos

como indesejados pelas elites são considerado como espaços da criminalidade. Davis

(2006) analisa a expansão das favelas como organização espacial e, para isso busca a

definição desse conceito, o qual encontra estritamente ligado a idéia de criminalidade, já

que sua origem (Slums 1812) referia-se a prática criminosa de estelionato e, só

posteriormente em 1830-1840 é que passa a se referir a uma localidade, porém, também

com referência a práticas criminosas. A tentativa de definição do termo favela e a

adoção de uma definição dada pela ONU em 2002 é um registro interessante que o autor

18

Revista Folha, 6 de julho de 2008. ano 17.

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faz de como esses espaços são compreendidos pelos que vêem de fora e sentido pelo

que ali habitam já que é uma localidade carregada de estigmas e preconceitos.

Diferentemente da realidade dos condomínios fechados, que se mostram como

espaços isolados por vontade e desejo daqueles que ali residem, os guetos involuntários,

que na paisagem urbana brasileira tem as favelas como formam já naturalizadas,

apresentam-se como a prisão do indivíduo a sua localidade, já que ocupar esse espaço

raramente é uma escolha e sim reflexo da ausência de outras possibilidades. Desse

modo, a principal diferença entre esses dois tipos de isolamento, como destaca Bauman

(2001) é a possibilidade de reverter essa situação a qualquer momento, enquanto isso é

algo possível para as elites e seus guetos voluntários essa é uma possibilidade muito

distante para as camadas populares que residem em seus guetos involuntários.

Caldeira (2000) aponta um aspecto muito interessante encontrado nos novos

guetos, os enclaves fortificados das classes média e alta, as relações de trabalho

estabelecidas nesses espaços possuem como prestadores de serviço pessoas pertencentes

as classes trabalhadoras que, trabalham ou com vínculos empregatícios diretos com o

empregador ou de forma terceirizada. Analisando esse tipo de relação, Caldeira aponta

que a rotina diária de um trabalhador nesses espaços fortificados é marcada pela

constante fiscalização de seus pertences, revistas diárias e necessidade de identificação

constante, o que torna essa relação, para ela, mais que uma relação de trabalho uma

dominação de classes.

Ao mesmo tempo assinala como contradição importante na relação que a classe

média e alta estabelece com a classe trabalhadora na questão da prestação de serviço

destes, ao mesmo tempo em que as classes média e alta se fecham em seus condomínios

fechados e se cercam de inúmeros dispositivos de segurança que afastem o tão

indesejado risco que consideram ser as camadas populares, elas escolhem residir em

enclaves que possuam grande variedade de oferta de serviços, porém, estes são

executados por indivíduos pertencentes aos grupos de que tanto buscam distância.

Dessa forma, tornam-se cada vez mais dependentes daqueles trabalhadores mal

remunerados que desejam não ter contato, pois se tratam das babás que cuidam das suas

crianças, da cozinheira que prepara as refeições, dos porteiros que controlam a entrada e

saída de pessoas, dos seguranças que garantem a proteção das famílias, etc.

São esses indivíduos também que se encontram nas empresas de segurança

privada, que em conjunto com os enclaves fortificados se mostram como soluções

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disponíveis no mercado de segurança para o problema da violência urbana. Segundo

Cubas (2002), neste mercado encontram-se vários tipos de profissionais, desde

seguranças treinados em empresas legalizadas quanto policiais fazendo os chamados

“bicos” quando não estão em serviço, utilizando as armas da própria polícia de maneira

irregular.

A questão da segurança privada é, segundo Cubas (2002), um assunto pouco

explorado no qual existem alguns estudos a respeito, porém, estes não possuem

informações e dados muito precisos o que acaba dificultando uma discussão mais

aprofundada. Ela cita Shearing and Stenning (1980), os quais tratam essa questão

partindo da discussão entre o público e o privado que, segundo análise se mostram

ambíguos nas formas de relação que a sociedade contemporânea apresenta. São citados

com exemplos dessas ambigüidades os espaços privados de uso público como os

shoppings que pela forma como são utilizados dificulta a delimitação entre o que é

público e privado.

Segundo Cubas (2002) as análises feitas acerca dessa questão trabalham com

duas idéias: a idéia de complementaridade sendo, nesse sentido, a segurança privada

apresentada como uma alternativa que auxilia o trabalho do policiamento público de

forma a colaborar com este uma vez que o Estado com seus recursos escassos não

possuem condições de executar essa tarefa de maneira plena e, também, a idéia de

justiça privada, sendo aqui compreendida enquanto uma questão econômica e de

mercado.

Compreendida a segurança privada enquanto mercado identifica-se

transformações no setor decorrente das inovações tecnológicas de vigilância e controle à

distância, o que não torna mais necessário a presença de agentes de vigilância em vários

lugares mudando, portanto, a dinâmica do controle e segurança.

Citando FOCAL 1999 19, Cubas aponta que:

“No contexto de um rápido crescimento da violência e do

crime, a privatização da segurança é uma tendência na qual as

empresas e outras entidades, e até indivíduos, optam por garantir sua

segurança através de organizações privadas. Isto é feito na ausência,

19

FOCAL – Fundação Canadense para as Américas.

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relativa ausência, ou impotência do Estado e do aparato de segurança

do Estado. (CUBAS 2002:56)

Os problemas apontados para o caso da América Latina se mostram de certa

forma, muito semelhantes entre seus países. Cubas (2002) traz as analises realizadas em

alguns países da América Latina acerca da privatização da segurança o que mostra que

muitos dos problemas enfrentados por alguns países latinos como a Argentina,

Honduras e o México não são apenas problemas locais, mas se inserem em um contexto

mais amplo o qual está relacionado com o processo de democratização recente desses

países, inclusive do Brasil.

Desse modo a investigação da relação da pobreza e do desemprego, relacionado

com os aumentos das taxas de crime, são comuns nas análises desses países, o que

segundo elas seria determinante na crescente busca por meios privados de segurança.

Porém, é problemático usar apenas esses fatores como responsáveis por um processo tão

complexo quanto a privatização da segurança já que a pobreza enquanto determinante

oculta as formas de atuação dos Estados da América Latina na questão da segurança

pública. A redemocratização recente destes Estados tem relação direta com esse

processo uma vez que suas instituições de justiça e segurança necessitam de reformas,

pois se mostram ineficiente frente a esses problemas.

Na América Latina a crescente privatização da segurança está ligada, também, a

ineficiência do Estado em cumprir suas obrigações referentes à segurança pública,

individual e coletiva de seus cidadãos. A privatização da segurança traz ameaças à

democracia, pois polariza o direito à cidadania entre aqueles que podem pagar e aqueles

que não podem e que são, em virtude disso, marginalizados. Além disso, a privatização

da segurança tende a criar uma justiça privada a qual cria suas próprias regras de

julgamento e pena.

Caldeira (2000) em sua análise do caso brasileiro, especificamente da atuação do

mercado de segurança privada na cidade de São Paulo mostra que é no período de

redemocratização que este tem uma expressiva expansão, mostrando uma contradição

na medida em que é em um momento em que os cidadãos possuem maior garantia de

seus direitos que estes passam a ser executados por instituições e por ações privadas.

Tal processo de transferência de responsabilidades do poder público para o privado é

apontado por ela como reflexo da característica da democracia vivida no país que, para

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ela é apenas o direito do cidadão em escolher entre aqueles candidatos disponíveis os

futuros governantes, não mudando muito a dinâmica da atuação do poder público.

Nesse sentido há um descolamento entre a idéia de democracia e a idéia de

justiça social já que pela sobrecarga de questões a serem resolvidas pelo Estado e a

ineficiência deste frente a essas tarefas, elas passam a ser executadas pelo mercado o

qual não garante direito ao acesso à suas mercadorias a ninguém, este é garantido pelo

poder de compra. Estabelecida esta relação a democracia se mostra em crise.

No Brasil a atuação de empresas de segurança se inicia na década de 1960, elas

atuavam principalmente na segurança de instituições financeiras que, naquele período,

eram freqüentemente vítimas de assaltos. Com o decorrer dos anos observa-se um

crescimento substancial desse tipo de serviço, sendo sua atuação estendida a empresas e

particulares. O crescimento da oferta acompanhou o crescimento da demanda por esse

tipo de serviço, pois, da década se 1960 até os dias de hoje observa-se um crescimento

do sentimento de insegurança por parte dos indivíduos.

Diante disso, verificou-se que de 1982 a 2000 foram concedido no Brasil 1400

alvarás de funcionamento à empresas de segurança particular, sendo a região sudeste a

que mais as concentram. Somente no estado de São Paulo existem cerca de 323

empresas de segurança regulamentadas e em funcionamento.20 Essa busca por

segurança também pode ser observada nos recentes dados recolhidos com a Polícia

Federal e Ministério da Justiça e divulgados recentemente pelo jornal Folha de São

Paulo, onde mostra que, no Brasil, para cada agente de segurança público existem três

agentes privados, sendo a média brasileira superior à dos Estados Unidos, com 2,5

agentes privados para cada público, e do México, com índice de dois para um.

Compondo um total de aproximadamente 1,7 milhão de vigilantes contra 602 mil

policiais civis, militares e federais e bombeiros.

O estado de São Paulo é o que apresenta maior número de agentes de segurança

privados cadastrados, sendo eles 464 mil homens, contra 121 mil agentes de segurança

pública, segundo dados da Secretaria da Segurança Pública. A média, de 3,8 para 1, é

maior que a nacional21. Somado a isso é também na região sudeste que se concentra a

maior renda do país, São Paulo lidera a lista dos Estados que mais abrigam ricos, com

20

SESVESP dados atualizados até novembro de 2000.

21 Matéria de Lucas Ferraz publicada no jornal Folha de São Paulo em 16/02/2009.

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674.455 famílias, ou 58% das existentes no país. Em segundo lugar está o Rio de

Janeiro (101.513 famílias). Em seguida, aparecem Minas Gerais (67.069) e o Rio

Grande do Sul (49.284), o que explica, em certa medida, a preocupação com a

segurança e a busca por esses tipos de serviços de segurança privada.22

Tais dados mostram que no Brasil um problema social – a segurança – está

sendo inserido em uma lógica de mercado e pensado à partir desse tipo de relação. Em

um país de desigualdades sociais muito latentes como é o caso brasileiro isto pode se

mostrar bastante problemático uma vez que a polarização entre aqueles que podem e os

que não podem ter acesso ao que agora é um serviço e não mais um direito pode

promover a adoção de medidas de segurança particular por aqueles que foram excluídos

desse mercado. Sendo assim, a possibilidade de ações integradas mostra-se cada vez

mais difícil de ser realizada e o reforço das desigualdades socioeconômicas uma

tendência cada vez mais forte.

3.2 A Canaã Mariliense

A tradição cristã tem como Canaã à referência à “terra prometida” ao povo

hebreu, tidos como o povo escolhido por Deus. Em meio aos tempos difíceis por qual

passavam a promessa da terra prometida teria sido o motivo pelo início de um longo

período de êxodo em busca da promessa de um lugar de fartura onde “corria leite e

mel”. Desse modo, a Canaã, “terra prometida”, mostrava-se como um refúgio ao

sofrimento e as dificuldades do passado e um lugar onde a vida poderia ser possível sem

consternação e com muita abastança.

A promessa que originalmente é de tradição religiosa e, portanto, uma promessa

divina é hoje em Marília-SP uma promessa ofertada pelo mercado imobiliário. O

residencial fechado Valle do Canaã é o exemplo mais claro disso, desde seu nome até os

demais atrativos oferecidos por esse novo empreendimento imobiliário. Também, atento

as novas tendências desse mercado em expansão o Valle do Canaã trabalha com a idéia

de integração à natureza e sustentabilidade, conforme divulga seus anúncios

publicitários. Neles é oferecida a possibilidade de convívio com a natureza local já que,

22

Matéria publicada no jornal Folha de São Paulo em 02/04/2004.

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segundo seu projeto, o empreendimento foi pensado a partir da necessidade de

preservação da fauna e flora local. Assim, como atrativos estão uma reserva florestal a

60% se sua área total, a qual circunda o condomínio, e o projeto de um pomar para

alimentar pássaros e animais silvestres da região, além de possuir um viveiro

monitorado para o cuidado dos animais. Em um de seus anúncios isso é apresentado da

seguinte forma:

“Natureza e harmonia.

Tudo foi projetado para privilegiar a harmonia entre sua

família e a natureza. Basta dizer que estão preservados espaços verdes,

correspondendo a mais de 60% da área total.

Considerando-se os dois milhões de metros quadrados

localizados ao redor do empreendimento, é possível imaginar o que

significa a excepcional reserva natural do Residencial Valle do Canaã.

E é nesse lugar que você vai viver.” (Material publicitário do

condomínio Valle do Canaã disponível no site do empreendimento.)

Os atrativos naturais do empreendimento são apresentados como um privilégio

do lugar e em oposição ao tipo de vida que é possível ter no espaço da cidade. Como

mostrou Caldeira (2000), trata-se de espaços privados que rejeitam aquilo que é público.

“O Valle do Canaã é uma proposta nos moldes do que já

acontece com as famílias americanas, que privilegiam estar longe do

centro da cidade, longe do ruído da agitação e do estresse, morando

em condomínios, bairros ou vilas, em meio à natureza, rodeados de

muito verde, desfrutando de tranqüilidade, podendo se deslocar

rapidamente até os centros urbanos.” (Material publicitário do

condomínio Valle do Canaã)

O isolamento é mostrado como tendência, como um novo estilo de vida que vem

em resposta aos problemas do espaço público, apresentados como o estresse, a agitação

e o barulho dos centros urbanos e, também, os problemas da esfera pública, como a

sustentabilidade, segurança e o bem estar que não são mais garantidos pelo Estado.

Assim, tais demandas são apresentadas como possíveis apenas quando realizadas pela

iniciativa privada, seja na existência dos espaços privados destinados à moradia, ao

trabalho ou ao lazer, seja na contratação de serviços que ofereçam aquilo que o poder

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público não se mostra mais competente em realizar. Desse modo, o habitar um espaço

que possua segurança e bem estar, assim como ter disponível serviços que colaborem

nesse sentido, como seguros e planos privados tornam o bem estar um privilégio e não

um direito acessível à todos.

É esse motivo que torna o empreendimento imobiliário em questão uma “Canaã”

de fato, pois a harmonia, a segurança e o bem estar oferecidos nesse espaço são algo

acessível para poucos, alguns “escolhidos” que dispõem de poder econômico para tal, o

que possibilita a esses deixar os problemas vividos no espaço da cidade para o outro

lado dos limites de sua “terra prometida”, sendo eles um passado que se busca não ter

contato.

O bem estar e a segurança oferecida pelos empreendimentos imobiliários desse

tipo são, em grande medida, alcançadas pelo cálculo antecipado de todas as

necessidades e problemas que possam vir a ocorrer. Assim, a existência de

regulamentos internos e estatutos sociais da associação de moradores mostram-se

eficientes na administração de tais espaços. A ausência desta nos espaços públicos e os

problemas advindos disso não se encontram na forma de organização que é previamente

pensada e articulada para dentro dos enclaves fortificados. Desse modo, questões

importantes como a utilização dos espaços comuns e das infra-estruturas possuem

regras contidas nos regulamentos, os quais prevêem também punição para infrações, até

mesmo situações do cotidiano como passeios com animais estimação, porte e raça

destes encontram-se dentro de regras. A homogeneização socioeconômica dos

moradores e futuros moradores acaba sendo percebida mesmo que subjetivamente nos

regulamentos internos, pois são estabelecidos tamanhos mínimos para área construída

nos lotes adquiridos o que, somado ao já seletivo valor do lote, reforça ainda mais o

caráter de seleção e exclusão na compra por um espaço desses. Por esses motivos a tão

sonhada vida administrada encontra lugar atrás dos altos muros que cercam e isolam os

enclaves fortificados e toda a desorganização do lado de fora de seus muros é, também,

outro fator previamente pensado e analisado para que este permaneça do lado de fora e

não ameace a tranqüilidade dos moradores.

Para garantir que o indesejado permaneça longe do “pequeno paraíso” existe

todo um aparato de segurança disponível, o qual garante que “ninguém entre ou sai do

Condomínio sem a devida identificação”.23 Segundo Delicato (2004), que fez um estudo

23

Material publicitário do condomínio Valle do Canaã disponível na internet.

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sobre esse novo condomínio fechado de Marília o sistema de segurança do local era

vendido como um grande diferencial dos demais encontrados na cidade, pois apenas

15% de sua área se apresenta isolada por muros sendo o restante garantido pela própria

topografia da região à qual o empreendimento se localiza, sendo as Escarpas de mais de

30m de altura presentes no local, utilizadas como barreiras naturais para o isolamento.

Como referência ao novo modo de garantir a segurança o corretor do

empreendimento a apresenta como “se fosse uma ilha (...) você está seguro sem estar

preso.” Já que o indesejado, como os habitantes da favela que se localiza do outro lado

da Escarpa que garante a segurança do condomínio, não tem a possibilidade

aproximação à esse espaço devido a barreira natural que se impõe, como explicou o

corretor. (DELICATO 2004).

Figura 1: Maquete do condomínio fechado Valle do Canaã.

Como se observa na maquete do condomínio Valle do Canaã as características

naturais do relevo são incorporadas à lógica do isolamento presente nesse tipo de

construção, sendo ela tida como um atrativo a mais na escolha do enclave fortificado ao

qual se pretende morar, pois traz consigo dois elementos muito importantes para esse

tipo de empreendimento hoje: o bem estar vinculado à idéia de proximidade com a

natureza e ao distanciamento daquilo que não é mais desejável para o convívio.

A preocupação com questões ecológicas tidas hoje como uma preocupação

mundial é trabalhada não apenas pelo condomínio fechado Valle do Canaã, mas

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encontra-se também ou outros empreendimentos do município, sendo apreendido como

mais um fator que agrega prestígio e valor ao empreendimento. É o caso, do residencial

Green Valley que disputa com o Valle do Canaã o posto de condomínio mais “verde” da

cidade. Em um material publicitário desse condomínio é apresentado primeiramente

uma foto da cidade chinesa de Hong Kong de 2008, em uma vista que parece ser de um

prédio do qual o que se vê são outros prédios e uma paisagem completamente cinza. Em

meio a essa imagem há a pergunta: “O seu dia-a-dia anda cinza?”, ao abrir a página

têm-se imagens do residencial, todas com muito verde e belas paisagens, e o seguinte

convite: “Alegre sua vida junto a natureza” 24. Em outro anúncio do mesmo residencial

são colocados depoimentos de seus moradores explicando o porquê optaram por habitar

esse novo espaço. Entre eles:

“Optamos pelo espaço e pelo verde porque sempre gostamos de plantas.

As crianças ficam mais tranqüilas, pois tem espaço para brincar e nossa filha

mudou de comportamento quando nos mudamos para cá. Ficou mais calma

e nossa qualidade de vida melhorou muito, inclusive dos nossos cachorros,

pois aqui tem espaço para eles também. E com a sensação de acordar e olhar

um espaço amplo, você vê que o dia vai ser bom”.

“Estamos aqui desde o começo do condomínio. Primeiro fiz a parte de

lazer e depois decidimos morar. A área é grande, são 2500 m² que não é em

qualquer lugar que você encontra. Meus filhos não sabem o que é morar

numa casa na cidade, mesmo a casa que tínhamos na cidade no Esmeralda

era uma casa boa mas o espaço no fundo que sobrava era pequeno. Levo

apenas 10 minutos daqui no meu escritório para ir tranqüilo. Além disso, as

ruas do condomínio são seguras e as crianças podem andar de bicicleta sem

medo”.

“Saímos da loucura do dia-a-dia, do trabalho, do tumulto da cidade e

quando chegamos aqui parece que estamos em um hotel fazenda. Ficamos

tranqüilos porque nossos filhos caminham, fazem esporte aqui dentro com

24

Material publicitário do condomínio Green Valley veiculado na Revista D, ANO 3/Nº16 de Junho/2008.

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segurança, andam de bicicleta, jogam bola no campo, vão à praça, jogam

vôlei, caminham na trilha e além de isso temos o contato com a natureza,

coisa que a gente não tem essa oportunidade no dia-a-dia da cidade”.

“Escolhemos morar aqui porque é o primeiro condomínio Ecológico e pela

questão da sustentabilidade porque somos preocupados com isso. A

segurança nos chamou a atenção: temos acesso daqui para o centro da

cidade tanto pela Av. República quanto pela pista, não é como condomínios

que só tem um acesso, você não fica isolado, a distância é curtíssima. Na

capital só tínhamos contato com a natureza quando passeávamos em

parques. Aqui estamos vendo a natureza a todo o momento, gostamos muito

de pássaros, em nosso projeto vamos plantar muitas árvores frutíferas, pois

queremos ouvir os pássaros ao acordar. Este lugar nos oferece liberdade,

podemos ter cachorros e viver com a natureza”.

Nos depoimentos dos moradores do residencial Green Valley apresentados em

seu material publicitário está presente a idéia de uma melhor qualidade de vida

relacionada com o ambiente ao qual habitam. O contato com a natureza e a

possibilidade de desfrutar de amplas áreas, tanto dos lotes quanto das áreas de esporte e

lazer que o local oferece é apontado como pontos que proporcionaram uma melhora na

qualidade de vida dos moradores. A sensação de liberdade proporcionada pelos sistemas

de segurança do local também são mencionados como fatores positivos para a sensação

de bem estar. Os depoimentos mostram também a cidade como um lugar “cinza” e

problemático como na imagem trabalhada no anúncio descrito, em contraposição com o

belo refúgio que o condomínio representa, sendo a cidade, portanto, um lugar de onde

se busca fugir depois de um longo dia de trabalho no qual se vivenciou a “loucura do

dia-a-dia” e o “tumulto da cidade”.

Os materiais publicitários desse tipo de empreendimento têm em comum a

utilização do termo “bem estar”, na maioria dos materiais analisados, esse termo foi

encontrado sendo ele sempre associado ao contato com a natureza, a prática de esportes

e a possibilidade de uma convivência tranqüila e segura possível dentro desses espaços.

Como forma de provocação entre concorrência um condomínio fechado tem como

abertura de seu material publicitário online a seguinte pergunta: “Para ser ecológico é

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preciso ser verde?”, já que ele tem como atrativo a presença dos Ipês em seus espaços e

estes lhe conferem uma paisagem rosa, mas que não deixa de ser natural. Neste mesmo

material publicitário há a presença de vídeos com a entrevista de uma das proprietárias

do empreendimento. Esse vídeo mostra a realização de eventos promovidos pelo

condomínio, sendo um aberto à comunidade vizinha ao residencial, que se localiza na

zona leste da cidade a qual apresenta também diversos outros condomínios e uma

população economicamente selecionada pela região que habita. Neste evento chamado

de tenda o projeto é a promoção da convivência harmônica entre as pessoas através de

atividades culturais e lúdicas. As imagens são de apresentações de artísticas, de

integração entre pais e filhos e de muitas crianças sorridentes que brincam com uma

música ao fundo que traz emoção ao filme.

Nesse material a entrevistada coloca por diversas vezes a questão da convivência

e da necessidade de saber conviver e interagir com os demais para se conquistar um

espaço harmonioso e saudável, característica possível, como lembra ela, em poucos

espaços que ofereçam o contato com a natureza, o intercâmbio com as pessoas em um

espaço em que os vizinhos se tornam pessoas da família. No final do pequeno vídeo o

espectador se sente tocado por aquelas imagens tão belas e que não se encontram no

espaço urbano, então ele termina com o número do plantão de vendas e com a

localização. À partir desse desfecho duas possibilidades de apresentam ao espectador:

adquirir seu lote e viver todas essas ofertas do mercado imobiliário ou ter essa realidade

como algo que seu poder econômico e que a forma pela qual o espaço urbano se realiza

se mostra distante de se viver.

Em alguns materiais é possível observar as mesmas estratégias de marketing

que aliam o “bem estar” e o “bem viver” aquilo que não se vivencia mais no espaço das

cidades:

“No Viver Aquarius você vai encontrar o que mais procura:

ser muito feliz onde vive. São casas aconchegantes em que

você vai morar com muita tranqüilidade e com a segurança de

um condomínio fechado. Descubra um lado muito mais feliz

para os seus dias.

Viver Aquarius é a oportunidade de você morar no Jardim

Aquarius, uma das áreas mais sofisticadas de Marília. O viver

Aquarius fica ao lado do Aquarius Shopping Center, um centro

comercial que é referencia para toda a região. O que você está

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esperando para viver perto de toda essa infra-estrutura e

comodidade?

O Residencial é um lugar seguro e confortável com 50 casas

em um condomínio fechado. Além disso, o condomínio conta

com lazer completo e casas com quintal para você passar

momentos felizes e agradáveis.”

(Material Publicitário do Residencial Viver Aquarius vinculado

na internet.)

“O Villa Flora Residencial é um loteamento fechado, dentro

da cidade, próximo ao Bosque Municipal que oferece a

qualidade de vida que sua família merece.

Com mais de 40 casas construídas, o Villa Flora é sinônimo

de tranquilidade e segurança, com uma infra-estrutura completa

e portaria 24horas.

A área de lazer também é um grande atrativo, com

playground, campo de futebol, quadra poliesportiva e quadra

de areia. Para quem gosta de atividade física, no Villa Flora

encontra pista de cooper e uma sala com equipamentos de

ginástica. Os moradores também podem usufruir do salão de

festas e quiosques com churrasqueira, além da praça.

Villa Flora Residencial. Viver bem, sua família merece!”

(Material publicitário do residencial Villa Flora vinculado na

internet)

Tanto nos materiais publicitários analisados quanto nos depoimentos dos

moradores do residencial Green Valley a experiência do contato com a natureza

diariamente é tida como um privilégio por eles, pois, fazendo referência ao passado que

se tinha ao habitar a cidade esse contato é lembrado como possível apenas com visitas a

parques, o que implicava em deixar a casa e se aventurar pelo trânsito e pela cidade

caótica, sendo isso possível agora apenas com o esforço de abrir as janelas da nova casa.

Tal preocupação com o contato com a natureza mostra-se até contraditório se levarmos

em conta que Marília possui pouco mais de setenta anos de municipalização, porém, se

mostra de certa forma compreensível quando analisados as conseqüências do processo

de urbanização da cidade, que se deu sem planejamento e acarretou em impactos

ambientais bastante sérios como a poluição de córregos e nascentes devido ao despejo

de esgoto que não possui tratamento na cidade e, dos problemas erosivos que se

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verificam decorrentes da ocupação e utilização irregular do solo. Dessa maneira, habitar

em áreas próximas à áreas ainda preservadas com uma flora e fauna ainda presentes se

mostra como um privilégio mesmo em uma cidade formação recente e de porte médio

como Marília.

Assim como nos anúncios publicitários, as construções dos enclaves fortificados

seguem similaridades estruturais, como a presença de guaritas para o acesso dos

moradores, visitantes e prestadores de serviço, assim como a presença de espaços de

lazer e esportes, todos esses sempre ressaltados como elementos necessários ao bem

estar. Desse modo, a arquitetura desses empreendimentos em Marília, assim como

ofertas feitas por eles, não se mostra muito distintas, a presença dos dispositivos de

segurança que colocam a rotina dos moradores marcada pela questão da segurança,

como mostrou Caldeira (2000) são parte das suas características arquitetônicas, como é

possível observar nas imagens:

Figura II: Viver Aquarius

Imagem disponível no material publicitário do empreendimento.

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Figura III: condomínio fechado do tipo horizontal da zona leste do

município de Marília-SP

Figura IV: Material publicitário do condomínio fech ado Portal da Serra

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A necessidade por segurança trabalhada nos material publicitário desse tipo de

empreendimento imobiliário na cidade também se mostra interessante uma vez que o

município encontra-se com taxas de criminalidade muito baixas quando comparada com

os demais municípios brasileiros, sendo ela mais baixa do que algumas cidades

americanas.25 As taxa de delitos do município não se mostram compatíveis com o

crescimento da fortificação observada.

Tabela VI - Delitos selecionados, Município de Marília Taxas por 100 mil habitantes

Ano Homicídio doloso

Furto Roubo Furto e Roubo de veículo

1999 9.86 1934,35 210,20 74,74 2000 9,15 1907,73 200,73 99,60 2001 9,45 2117,74 206,00 69,16 2002 16,07 2104,77 219,73 82,82 2003 13,85 2322,74 260,36 64,97 2004 9,83 2356,15 236,41 61,79

2005 14,22 2073,97 225,70 70,18

Fonte: -Até 2000: Dados da Res SSP 150/95; após 2001: Dados da Res SSP 160/01.População residente: Fundação SEADE. Projeções de população flutuante para estâncias turísticas: Fundação SEADE 26

Tais dados divulgados pela Secretária de Segurança Pública e pela Fundação

SEADE, mostram certa estabilidade nas taxas referentes aos delitos registrados em

Marília-SP, mesmo sendo estes referentes à dinâmicas distintas o que demanda uma

análise mais aprofundada, que não realizaremos aqui por não se tratar do objetivo que o

estudo se propõe, eles apontam Marília como um município de baixas taxa de

criminalidade, já que os dados apresentados se mostram inferiores às taxas do estado de

São Paulo. É importante ressaltar que tais taxas só fazem sentido quando relacionadas

ao contexto a qual se encontra, pois cada uma delas se mostra vinculada a questões

sociais específicas e que, portanto, não se fazem presente da mesma maneira por todas

25

Referencia à matéria do Jornal Diário de Marília de 10/01/2008, a qual traz dados comparativos. Os

quais apresenta Marília com 4,5 homicídios por 100 mil habitantes, enquanto a média tida nas cidades

americanas foi de 5,7 por mil habitantes.

26 In. Observatório de Segurança Pública.

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as regiões do município, o que torna a sensação de insegurança e o medo como

sentimentos presentes com maior ou menor intensidade em alguns bairros e regiões e

em outras não.

Segundo algumas entrevistas que pude realizar o sentimento de insegurança é

um fator que determina a escolha pelos locais pelo qual transitar ou não em

determinados horários, especialmente o noturno e na adoção de medidas de segurança

como iluminação, contratação de serviços de vigias e de sistemas eletrônico de

vigilância, como alarmes e câmeras. Os locais citados como áreas de risco foram, em

geral, regiões mais carentes e com a presença dos conjuntos habitacionais denominados

favelas.

Desse modo, a sensação de insegurança não se mostra relacionada apenas com

as taxas de criminalidade mas, também, com as diferenças, sobretudo as

socioeconômicas. Por esse motivo as taxas da criminalidade registradas no município

não explicam, por si só, a expansão do mercado imobiliário representado pelos

empreendimentos do tipo condomínios fechado no município, que segundo estimativas,

devem movimentar a economia do município uma vez que os investimentos desse setor

que foram previstos para os anos de 2008 e 2009 devem promover um crescimento

imobiliário do município de cerca de 12%, produzindo uma oferta de cerca de 10 mil

novos imóveis na cidade, entre residenciais, comerciais, condomínios fechados,

prédios, torres altas e baixas e até loteamentos. Segundo o diretor de uma das principais

imobiliárias de Marília, a cidade deve ter o crescimento correspondente à vinte e cinco

anos em apenas dois com a chegada dos novos empreendimentos imobiliários.27

Dentre os responsáveis pelos investimentos no setor estão importantes

construtoras que atuam no mercado nacional e vêem a região de Marília como um

mercado promissor. Trata-se da incorporadora InPar e o consórcio Rodobens, que já

lançou o empreendimento Terra Nova Marília.

A Rodobens Negócios Imobiliários é uma incorporadora imobiliária com mais

de dezesseis anos de atuação nesse mercado e que faz investimentos em cidades que

possuem uma população superior à 150 mil habitantes, como a cidade de Marília.

Segundo a história da empresa desde a sua fundação em 1991, a companhia lançou 65

empreendimentos em 19 cidades diferentes de sete estados brasileiros (SP, MG, RJ, PR,

27

Dados divulgados pelo Jornal Diário de Marília de 30/12/2007.

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RS, CE, MT), totalizando 14.388 unidades e 1.614.722m2 de área construída. Ela faz

parte das Empresas Rodobens (fundação em 1949), um dos 100 maiores grupos

empresariais do Brasil que possuem forte atuação nos setores de veículos e imobiliário.

A corporação conta com Concessionárias de Automóveis, Concessionárias de

Caminhões e Ônibus, Consórcio, Seguros, Instituições Financeiras, Comércio

Eletrônico, Negócios Imobiliários, Negócios Internacionais, Locação de Veículos e

Comunicação Empresarial.28

Seu projeto de lançamento para a cidade de Marília volta-se para a classe média

com oferta de lotes menores e mais acessíveis em residenciais fechados mais simples,

porém, que trazem consigo a segurança e o isolamento como elementos de seu produto.

Segundo o diretor de uma das principais imobiliárias do município e que tem

parcerias com as algumas construtoras em alguns dos lançamentos previstos, existem

mais quatro grandes construtoras em fase de pesquisa e projeto na cidade, o que coloca

Marília em um “boom imobiliário” que já se verifica nos grandes centros e em outras

cidades do interior paulista. Mais do que um crescimento no setor imobiliário estes

novos empreendimentos representam o processo de fortificação da cidade uma vez que

eles possuem como seus principais produtos o condomínio fechado, seja ele de alto

padrão como também os destinados à classe média que se mostra como um público

interessante para esse setor.

Tem-se como possível relação ao crescimento desses empreendimentos nos

últimos anos algumas medidas econômicas como o PAC do governo federal, que

promoveu a liberação de crédito pela Caixa Econômica Federal, e a transformação de

construtoras e incorporadoras em empresas de capital aberto. A Caixa Econômica

Federal em Marília comemora o crescimento de 30% na liberação de crédito para

negócios imobiliários, envolvendo um total de R$ 21,4 milhões em financiamentos

vinculados a um total de 740 imóveis. Sem contar com créditos associativos, de novos

empreendimentos. 29

A região que se mostra alvo de maior interesse pelo mercado imobiliário em

Marília é o final da Avenida das Esmeraldas, região nobre da cidade e altamente

valorizada, trata-se de projetos de alto padrão que trazem as novas tendências do setor

28

Dados da corporação obtidos em seu endereço eletrônico (www.rodobens-rni.com.br)

29 Dados divulgados pelo Jornal Diário de Marília de 30/12/2007.

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como os condomínios-clubes. Delicato (2004) mapeou treze empreendimentos

imobiliários que se encaixavam, no ano de 2004, ao tipo condomínio fechado horizontal

na cidade, destes oito se encontravam na zona leste de Marília, região compreende

desde a área do aeroporto até as proximidades do novo terminal rodoviário. Esta zona

apresenta-se como a de menor adensamento populacional do município, contando

16.642 habitantes30 e é a região em que mais se verifica a presença dos enclaves

fortificados. Como se verifica no Mapa II da cidade:

30

Dados da EMDURB de 2007.

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MAPA II: Localização dos enclaves fortificados no município de Marília-SP

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FONTE: GUTO-UNESP/CNPq. In DELICATO (2004:124) Atualizado

Do ano de 2004 até o ano de 2009 foram lançados pelo mercado imobiliário

onze novos empreendimentos que se encaixam no tipo condomínio fechado horizontal

e, como verificado anteriormente por Delicato (2004) a tendência de valorização da

zona leste permanece, pois dos onze lançamentos sete deles se concentram nessas áreas,

mais especificamente na região do aeroporto e do bosque municipal, sendo os demais

implantados na região norte da cidade. Uma novidade em alguns dos novos enclaves

lançados no mercado imobiliário de Marília são os condomínios de custo mais reduzido,

que não se encaixam no tipo alto padrão, porém, que trazem de maneira mais simples

ofertas semelhantes, sendo eles destinados à classe média mariliense. Neles, os projetos

das casas já são disponibilizados pela própria construtora, sendo estes em geral de

imóveis menores, mas ainda sim em um padrão de construção acessível para poucos.

A fiscalização e a regulamentação legal desses empreendimentos imobiliários na

cidade de Marília se verificam falhos, como se constata na ausência de uma legislação

municipal específica para tal. Ao procurar a prefeitura municipal, mais especificamente

a Secretária de Planejamento Urbano da cidade, às informações dadas acerca do

processo de analise do projeto para a implantação de um empreendimento imobiliário

do tipo condomínio fechado horizontal, a informação recebia foi que o processo de

análise consiste na assinatura de aprovação do projeto e, posteriormente no registro do

empreendimento no Cartório de Registros realizado pelo empreendedor. A ausência de

uma legislação específica teve como justificativa apresentada à existência de uma

legislação estadual, a qual é aplicada no processo de implantação dos empreendimentos.

Porém, as especificidades locais principalmente as naturais referentes à existência de

nascentes bem como a presença das Escarpas características do relevo do município não

entram em questão.

Segundo Delicato (2004) a legislação e o acompanhamento dos

empreendimentos imobiliários desse tipo em Marília se mostram frouxos, o que coloca

a administração pública como participante do processo de fortificação da cidade, já que

considerando os novos investimentos como estímulos para a economia municipal a

prefeitura busca não intervir muito na implantação dos loteamentos.

A opção pelo isolamento dos condomínios fechados dos “escolhidos” que

habitam tais espaços possui impactos que não são sentidos e vividos apenas por estes,

pois tal escolha se reflete na organização urbana e na disposição de recursos também

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públicos. Segundo Delicato (2004) a implantação de um loteamento possui custos que

são distribuídos para todos os munícipes, isso porque com a implantação desses

empreendimentos em regiões cada vez mais distantes do perímetro adensado do

município gera a necessidade da expansão das redes de água e esgoto, além da rede

elétrica e da pavimentação. Tal expansão não é custeada pelo empreendedor e ficam a

cargo da prefeitura no trecho que corresponde do ponto final de uma linha até a área de

início do loteamento. Além disso, lembra ele, as benfeitorias internas realizadas e

custeadas pelos empreendedores são doadas ao município e, portanto, passam a ser de

responsabilidade dele a manutenção dos mesmos. Desse modo, as despesas com a

extensão da infra-estrutura e a manutenção delas são pagas por aqueles que escolheram

morar ali e por aqueles que não possuem acesso a esse espaço.

Considerando a situação de algumas regiões da cidade de Marília, como os

bairros periféricos ainda não consolidados e mesmo a região central da cidade a qual

vêm apresentando um processo de abandono de residências devido aos problemas ali

encontrados a realização de tais obras públicas em benefício do setor privado apresenta-

se como negligência frente aos problemas da população que não possui condições de

recorrer ao mercado para sanar suas necessidades. Desse modo, as diferenças entre as

regiões economicamente distintas do município tendem a se acentuar, pois a não oferta

por serviços básicos e de qualidade como a infra-estrutura dos bairros periféricos e

mesmo a presença de problemas nas regiões centrais como a falta de água, a ausência de

espaços para lazer e esportes como a praças e parques, áreas arborizadas, etc. colocam

essas regiões como menos valorizadas, o que promove uma fuga, no caso das regiões

centrais das classes médias e altas da cidade e, a maior precarização dessas regiões,

sobretudo das mais afastadas e pouco valorizadas, que por não serem alvo do interesse

do mercado imobiliário parece ser esquecida também pelo poder público que se mostra

negligente com os problemas vividos pelos moradores dessas regiões.

Assim, o processo de fortificação mostra-se problemático, pois ao mesmo tempo

em que buscam se afastar dos problemas da cidade, da sua falta de organização e de sua

precariedade, os habitantes dos enclaves fortificados acabam colaborando para a

continuação e a acentuação de tais problemas. O problema urbano entra, portanto, em

um círculo vicioso onde a adoção de medidas individuais e mercadológicas para a

resolução de problemas comuns entre os cidadãos rompe com o ideal de cidadania,

produzindo ainda mais desigualdades e promovendo um distanciamento gradual entre

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os habitantes da cidade. O que coloca o isolamento e a dificuldade de mobilidade e

interação social entre as diferentes regiões do município de Marília que por suas

características naturais apresenta uma geografia urbana no formato de X, já que é um

território cortado por vales, ainda mais acentuados, pois além das características

naturais agora se soma a atuação intensa do mercado imobiliário da cidade que traz com

ele uma forte segregação sócio-espacial, esta tão difícil de transpor quanto as barreiras

impostas pela natureza da região.

3.3 A Marília do outro lado dos muros

O processo de fortificação da cidade de Marília não se mostra apenas

relacionado com a expansão da presença dos condomínios fechados em seu espaço

urbano, mas ela é sentida também, pelas mudanças observadas nas construções que se

encontram fora desses espaços. A fortificação se apresenta como tendência nos projetos

arquitetônicos seja de residências, escritórios ou lojas comerciais de modo que a

presença de elementos de vigilância e de isolamento se fazem cada vez mais presentes

no dia-a-dia do cidadão Maríliense. Mesmo em bairros mais populares a presença de

cercas elétricas e câmeras de vigilância podem ser encontradas sem muita dificuldade, o

mesmo é observado nos espaços comerciais e de lazer.

Tal comportamento pode ser explicado quando se toma a tendência ao

isolamento como elemento de um novo estilo de vida comum em nossos dias. Ele está,

em geral asssociado ao modo de vida das elites e isso é um fator que glamouriza e

confere status aos dispositivos de segurança e vigilância. Assim, mesmo quando não

inseridas aos espaços fortificados as novas construções da classe média seguem padrões

que se assemelham ao modo de vida desses espaços. É o que pode ser observado nas

imagens de alguns imóveis localizados na região mais valorizada da cidade de Marília, a

zona leste.

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FiguraV: Zona Leste de Marília-SP

Figura VI: Zona Leste de Marília-SP

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Figura VII: Zona Leste de Marília-SP

Por esse motivo, é possível encontrar também adaptações de residencias mais

antigas e mais simples para se integrar a essa nova forma de habitar. Dentre as

adaptações encontra-se acrescimos de centímetros aos muros, portões fechados que

impedem a visibilidade do interior do imóvel, as cercas elétricas que em alguns bairros

nota-se a existência delas por quarteirões inteiros, a presença de grades e alarmes, a

contratação de vigias noturnos, etc.

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Figura VIII: Zona Oeste de Marília-SP

Figura IX: Zona Oeste de Marília-SP

Tais imagens foram feitas em regiões opostas da cidade, que mais do que uma

oposição simplesmente geográfica, zona leste e zona oeste, elas se mostram opostas em

fatores estruturais, econônomicos e sociais. Contudo, mesmo sendo regiões distintas

elas possuem em comum a tendência à fortificação, observada nas formas das

construções e na presença de dispositivos de segurança.

O processo de fortificação de cidade não se mostra igual em todas as suas

regiões, pois a presença de dispositivos de segurança e as adaptações da antigas

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residências, ou a inserção desses elementos de segurança nos novos projetos, não

significam similaridade de comportamento entre os indivíduos.

Na realização desse estudo tive experiências que reforçaram esse aspecto. Ao

percorrer a zona leste da cidade fiz uma divisão no percurso e na forma de

deslocamento. Parte dela, a região que compreende desde a Santa Casa até o final na

Avenida Brigadeiro Eduardo Gomes, fiz utilizando o transporte público a fim de

analisar seu trajeto em um espaço que possui a maior parte dos enclaves fortificados da

cidade. Constatei que de dentro de um ônibus pouco pode se ver desses espaços que

buscam o isolamento, pois o trajeto é realizado em ruas próximas mas que desviam do

local onde eles se localizam, assim, em uma região que possui cerca de onze

condominios fechados a aproximação destes através do transporte público é possível

apenas em três, os quais se localizam na via principal de trajeto deste.

A outra parte da zona leste que compreende desde o início da Avenida das

Esmeraldas até seu fim próximo a Rodoviária, percorri a pé. Nesta região que se mostra

como a mais nobre de Marília, mais mesmo que a outra parte da zona leste onde ainda

se verifica a presença de residências de menor valor já que o intensivo processo de

especulação imobiliária ainda se mostra recente, a presença dos dispositivos de

segurança e dos enclaves fortificados é massiva. Mesmo nas áreas não fechadas a

sensação que se tem ao transitar por aquelas ruas é a de que se está em um espaço

restrito, isso porque em cerca de duas horas que percorri essa região não encontrei com

nenhum outro pedestre. A minha presença nessa área da cidade era tida com estranheza

pelos moradores que passavam por mim com seus automóveis, sendo eu alvo de olhares

desconfiados por estar fazendo algo que não me pareceu comum ali, caminhar. Durante

o retorno do trajeto percorrido encontrei com a única pedestre de toda aquela região, era

uma catadora de lixo que fazia seu trabalho de maneira bem discreta e rápida e que

parecia constrangida em estar transitando por aquela área. Talvez assim como eu, ela

que também não habita essa região, possa ter sentido mais do que as barreiras físicas

que separam e isolam aqueles espaços e possa ter sentido as barreiras simbólicas que a

segregação sócio-espacial promove no espaço urbano.

A mesma sensação não tive ao percorrer o lado oposto da cidade, a região oeste.

Mesmo com os muros crescendo e as janelas apresentando grades ainda é possível

encontrar pessoas conversando nas calçadas que, mesmo não conhecendo um estranho

ainda é capaz de cumprimentá-lo. Outra diferença marcante entre essas duas regiões é a

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infra-estrutura dos bairros, enquanto a zona leste dispõe de boas ruas e calçadas a zona

oeste se mostra uma região muito difícil de transitar, pois suas ruas se apresentam em

estados ruins de conservação, assim como as calçadas, que em algumas ruas inexistem.

Nelas, também é possível de encontrar grandes quantidades de lixo e entulhos, o torna

algumas áreas mal cheirosas e com a presença de vetores de doenças. Algumas imagens

possibilitam constatar tais problemas estruturais:

Figura X: Zona Oeste de Marília-SP

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Figura XI: Zona Oeste de Marília-SP

A ausência de pavimentação e de calçadas é algo que se mostrou comum nos

bairros periféricos percorridos, além de dificultar o trânsito de veículos e pedestres,

esses são fatores que atrapalham o bom funcionamento de alguns serviços públicos

como, por exemplo, a coleta de lixo que em algumas ruas não existem. Como é o caso

da chamada fevela Universitária e de algumas ruas do bairro Parque das Vivendas,

localizados na zona oeste de Marília próximo ao bairro Jardim Cavalari que, além de

não possuem o serviço de coleta de lixo também não dispõem redes de água e esgoto

para todas as casas, o que torna presente na área o despejo de esgoto doméstico à céu

aberto em corregos que cortão a região. Somado à essas precariedades estão as situações

das residências que, nesses bairros, a presença de muro se mostra um luxo já que se

tratam de construções com paredes que mal se sustentam.

À medida que se caminha em direção às principais ruas dos bairros nota-se que a

situação dos moradores vai se modificando, sendo a precariedade maior deixada para as

regiões de difícil acesso nas quais apenas os seus moradores veram os problemas e as

dificuldade que a negligência da administração pública acarreta. Semelhante é a forma

de organização sócio-espacial das demais regiões de Marília, que colocam de forma

escondida suas maiores precariedades, escondendo também que as soluções para os

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problemas urbanos são possíveis apenas para uns poucos “escolhidos” que têm a

possibilidade de desfrutar de sua tão sonhada “Canaã” e que para os demais excluídos

dessa sorte as dificuldades e os problemas de um processo de urbanização não planejado

são elementos do cotidiano e de um resolução distante de se enxergar.

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Considerações Finais

O processo de fortificação obsevados nas cidades brasileiras mostram-se mais

do que uma simples mudança em suas paisagens, pois a presença dos enclaves

fortificados e dos dispositivos de segurança que se encontram, hoje, espalhados com

mais intensidade pelo espaço urbano são mais do que novos elementos que modificaram

o visual desses espaços. São eles reflexos de processos que se ligam à fatores sociais,

econômicos e políticos atuais já que se mostram vinculados à negligência do Estado

frente às novas demandas surgidas com o desenvolvimento econômico e com a forma

que este implicou na organização espacial das nossas cidades, além de mostrar-se como

respostas às novas formas de interação social em um mundo transformado pelo processo

de globalização o qual permitiu a eliminação de algumas fronteiras, sobretudo as das

distâncias, tornando possível o contato com o diferente e o desconhecido, mas que, ao

mesmo tempo, também acarretou na construção de novas barreiras como forma de

proteção e no sentimento de desconfiança como mediador das novas formas de

interação social decorridos da perda de referência contida nesse processo.

Em Marília, objeto desse estudo, o processo de fortificação presente não se

mostra como algo isolado já que a cidade se insere na lógica do processo de

globalização, sendo aqui também, refletidas as transformações que este promoveu em

suas estruturas sociais, porém, como um território inserido em um espaço e tempo

específicos, o processo de fortificação aqui observado apresenta particularidades que se

mostram vinculado à sua história de ocupação e de desenvolvimento econômico-

espacial.

Como demonstrado na análise histórica do processo de ocupação da região que

hoje compreende o município de Marília, assim como das formas como foi se dando seu

desenvolvimento, é possível observar a presença da especulação imobiliária como um

agente muito importante nas formas de ocupação e de distribuição das terras que

compõem o município, desde sua formação com a divisão de grandes propriedades até

atualmente com o processo de valorização de algumas regiões da cidade que se mostram

alvo de interesse do mercado imobiliário. Desse modo, se configurou aqui, e ainda se

configura, o espaço urbano a partir do interesse de mercado e, determinado, portanto,

por interesses particulares e pela conivência da administração pública municipal que se

mostrou durante o período analisado participante na forma de atuação do mercado

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imobiliário na cidade, já que sua atuação na formação desses espaços foi negligente uma

vez que, em muitos casos, o poder público atuou de apenas na regularização de espaços

que já haviam se consolidado não estando presente, portanto, nos processos de

implantação, além de possuir uma legislação frouxa com relação à esses tipos de

empreendimentos imobiliários o que permite a existência de irregularidades na

formação desses.

Tendo em vista esse processo, as terras do município passaram de território para

espaço-mercadoria31 e as formas de sua ocupação passaram a ser marcadas pela

segregação sócio-espacial que esse tipo de processo impõe. Assim, a presença dos

enclaves fortificados na paisagem de Marília pode ser analisada segundo as formas

históricas da relação com o território aqui verificadas onde, o mercado está sempre

aliado com o poder público na busca por um desenvolvimento econômico do município

que não leva em conta todos os seus cidadãos. Isso porque, a segregação sócio-espacial

promovidas pela especulação imobiliária produz o remanejamento de populações que

ocupam as áreas de interesse desse setor, sendo elas destinadas à áreas muitas vezes

distantes de seu trabalho e em locais que não apresentam as infra-estruturas necessárias

para a habitação, o que acarreta em grande impacto na forma de viver desses indivíduos.

Desse modo, o a especulação imobiliária e o processo de valorização de terras mostra-se

vinculado também ao número expressivo dos conjuntos habitacionais denominados

favelas no município em correspondência com um número também bastante alto de

condomínios fechados. Ao mesmo tempo em que as classes médias e altas mariliense

possuem novos espaços para habitar as classes populares também passam a habitar

novos espaços esses, porém, diferentes dos primeiros por não se mostrarem como um

desejo e opção, mas sim como a falta dela e como única alternativa para se ter um teto.

Além disso, em Marília a violência como justificativa da expansão da oferta

desse tipo de moradia se mostra incompleta uma vez que as taxas de crimes registradas

no município não se mostram alarmantes sendo elas tidas como bons indicativos quando

comparadas com os índices registrados no estado de São Paulo, o que evidencia um

sentimento de insegurança que não corresponde com o risco real que a cidade oferece.

Tal justificativa para a presença desse sentimento compartilhado pela população pode

ser encontrada na atuação dos veículos midiáticos que exploram tão bem o sentimento

31

Fanni.

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de medo e risco, o que torna possível compartilhar de tais sentimentos mesmo

encontrando-se em contextos distintos.

Desse modo, mais do que uma necessidade pela segurança esses espaços se

mostram como elemento de um novo estilo de vida que vem se interiorizando e sendo

incorporado pelas elites do interior paulista, o qual apresenta o isolamento e o

sentimento de desconfiança como seus componentes principais, aliados à idéia de

exclusividade e personalidade que esse tipo de moradia representa, sendo ele, portanto,

elementos que reforça o status e a diferença que essa classe possui das classes

populares. Esse tipo de empreendimento encontrou aqui um lugar propício para sua

expansão, pois o isolamento pretendido por esse tipo de construção é favorecido pelos

elementos naturais da geografia local que colocam uma fragmentação do seu território

naturalmente com a presença de deus vales e Espigões e, também, pelas relações entre o

setor privado e a administração pública que se mostram, em geral, “parceiras” nesse tipo

de negócio.

Como conseqüência comum do processo de segregação sócio-espacial a cidade

de Marília se mostra polarizada entre aqueles que possuem seus direitos ao bem-estar,

pois fazem isso recorrendo ao mercado, seja através da segurança privada, habitando em

espaços fortificados, pagando escolas privadas para seus filhos ou planos de saúde, e

aqueles que não possuem acesso a esses serviços disponibilizados pelo mercado, pois

dependem unicamente do Estado para terem acesso à eles, sendo estes não oferecidos de

maneira satisfatória ficam eles sem garantias de seus direitos e sem alternativas que

compense a ausência desses. Tal processo de polarização produz a parcela da população

que não têm acesso aos serviços básicos como marginalizados sendo estes considerados

em decorrência disso, grupos de risco.

Diante disso, se estabelece um problema com relação à cidadania pois ela se

torna fragmentada na medida em que torna-se algo possível apenas através da compra

por soluções de problemas coletivos, o que tornam essas soluções individuais e,

conseqüentemente, excludentes. O processe de fortificação das cidades se enquadra

nesse tipo de soluções individuais, pois coloca o isolamento como uma maneira de se

conquistar a desejada tranqüilidade e liberdade mostradas como elementos difíceis de

encontrar no espaço das cidades.

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105

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www.bomdiamarilia.blog-se.com.br

www.mariliasegura.com.br/noticias/2008/artigo7.php

www.ssp.sp.gov.br

www.marilia.sp.gov.br

www.ibege.br

www.diariodemarilia.com.br

www.revistaresidenciais.com.br/det_materia.asp?id=253&ids=41

www.guto.marilia.unesp.br

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ANEXOS:

Anexo I: Mapa da Zona Leste de Marília-SP

FONTE: ENDURB 2004 In. GUTO/ UNESP Marília-SP

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Anexo II: Mapa da Zona Oeste de Marília-SP

FONTE: ENDURB 2004 In. GUTO/UNESP-SP

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Anexo III: Material Publicitário de alguns empreendimentos imobiliários que se enquadram no tipo Condomínio Fechado Horizontal de Marília-SP

Material I – Viver Bosque

Quem vive em Marília, sabe que a região ao lado do Bosque Municipal tem uma vista privilegiada. Além de todo verde, ar puro e ser muito próximo ao aeroporto, a infra-estrutura de comércio e serviços é completa. Viver Bosque é um Condomínio Residencial fechado com tudo o que você precisa para viver muito bem. Fica ao lado do Bosque Municipal e pertinho da melhor infra-estrutura da cidade. Têm um terreno amplo, com muito lazer e ruas tranqüilas, seguras e arborizadas. As casas são confortáveis, com um agradável quintal para você reunir seus amigos e curtir a sua família.

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Viver Bosque é praticamente um bairro privativo com 126 casas para você e para sua família. É a segurança e tranqüilidade de um condomínio fechado e a diversão do lazer completo com toda alegria de morar em uma casa com quintal.

Vantagens do Condomínio:

- Portaria - Vagas para visitantes - Playgroud - Fitness Center - Salão de Jogos - Salão de Festas - Piscinas Adulto e Infantil - Churrasqueira

- Quadra Esportiva

Imagens:

Plantas:

Planta 1 – 3 quartos sendo 3 suítes

Planta 2 – 3 quartos sendo 1 suíte

Fonte: http://www.tocaimoveis.com.br/lancamento_viverbosque.php

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Material II – Viver Aquarius

Dê um novo rumo para sua vida. Mude para sua casa

No Viver Aquarius você vai encontrar o que mais procura: ser muito feliz onde vive. São casas aconchegantes em que você vai morar com muita tranqüilidade e com a segurança de um condomínio fechado. Descubra um lado muito mais feliz para os seus dias.

Viver Aquarius é a oportunidade de você morar no Jardim Aquarius, uma das áreas mais sofisticadas de Marília. O viver Aquarius fica ao lado do Aquarius Shopping Center, um centro comercial que é referencia para toda a região. O que você está esperando para viver perto de toda essa infra-estrutura e comodidade?

O Residencial é um lugar seguro e confortável com 50 casas em um condomínio fechado. Além disso, o condomínio conta com lazer completo e casas com quintal para você passar momentos felizes e agradáveis.

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Vantagens do Condomínio:

- Portaria - Playgroud - Piscina Adulto e Infantil - Salão de Festas - Quadra de areia

Imagens:

Plantas:

Planta (tipo 1) com 1 suíte

Planta (tipo 2) com 3 suítes

Fonte: http://www.tocaimoveis.com.br/lancamento_viveraquarius.php

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Material III – Villa Flora

O Villa Flora Residencial é um loteamento fechado, dentro da cidade, próximo ao Bosque Municipal que oferece a qualidade de vida que sua família merece. Com mais de 40 casas construídas, o Villa Flora é sinônimo de tranquilidade e segurança, com uma infra-estrutura completa e portaria 24horas. A área de lazer também é um grande atrativo, com playground, campo de futebol, quadra poliesportiva e quadra de areia. Para quem gosta de atividade física, no Villa Flora encontra pista de cooper e uma sala com equipamentos de ginástica. Os moradores também podem usufruir do salão de festas e quiosques com churrasqueira, além da praça. Villa Flora Residencial. Viver bem, sua família merece!

Imagens:

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Fonte: http://www.tocaimoveis.com.br/lancamento_villaflora.php

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Anexo IV: Imagens do Bairro Parque das Vivendas e Jardim Universitário – Zona Oeste de Marília-SP

Fonte: FATO Unesp/Marília-SP

Fonte: FATO Unesp/Marília-SP

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Fonte: FATO Unesp/Marília-SP