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    TER, 29/03/2016 - 17:11

    Não ao golpe parlamentar, por Maria LuizaQuaresma Tonelli

    Por Maria Luiza Quaresma Tonelli*

    Às vésperas de completar 52 anos do golpe civil-militar que levou o país a uma ditadura que

    durou 21 anos, o Brasil assiste a mais uma tentativa de golpe, desta vez não pela via dos

    quartéis, mas pelo parlamento. Isso mesmo: um golpe parlamentar que pretende utilizar o

    impeachment de forma ilegal e ilegítima para cassar o mandato popular da presidenta eleita com

    mais de 54 milhões de votos.

    Manipulam mentes e corações os que defendem o impeachment da presidenta Dilma Rousseff a

    qualquer custo, simplesmente pelo fato de que o impeachment é um instrumento previsto na

    Constituição Federal para impedir o/a chefe do poder executivo de continuar governando.

    Impeachment, palavra da língua inglesa (que significa impedimento ou impugnação de mandato)

    é o termo utilizado para o processo constitucional a fim de que se obtenha a cassação do mandato

    de um presidente pelo Congresso Nacional, de governadores pelas Assembleias Legislativas e de

    prefeitos pelas Câmaras Municipais. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 elenca de forma

    taxativa os motivos pelos quais o presidente da república estará sujeito ao impedimento de seu

    mandato, na sessão onde trata “Da responsabilidade do presidente da República”. É exatamente

    no artigo 85 que onde se define a possibilidade de cassação do chefe maior do poder executivo:

    crimes de responsabilidade.

    Vejamos:

    Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a

    Constituição Federal e, especialmente, contra:

    I - a existência da União;

    II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes

    constitucionais das unidades da Federação;

    III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;

    IV - a segurança interna do País;

    V - a probidade na administração;

    VI - a lei orçamentária;

    VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

    Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas deprocesso e julgamento.

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    Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de

    processo e julgamento.

    Portanto, o impeachment é um processo jurídico-político. Jurídico porque a cassação de um

    mandato presidencial está sujeita ao que diz explicitamente a Constituição (crimes de

    responsabilidade definidos em lei especial) político porque o julgamento do processo de

    impeachment se dá no Congresso Nacional. É desonestidade intelectual ou ignorância afirmar que

    o impeachment é um julgamento eminentemente político, como se a sua base legal fosse

    secundária. Como se fosse um julgamento mais político do que jurídico simplesmente porque “as

    condições políticas”, como “a voz das ruas” ou a “vontade da maioria no parlamento” fossem

    condições necessárias e suficientes para cassar não apenas o mandato presidencial, massobretudo a voz das urnas. A democracia tem como fundamento a soberania popular. Sem crime

    de responsabilidade devidamente comprovado, cassar o mandato de uma presidenta eleita pela

    maioria é cassar a soberania popular, é um processo de impedimento da democracia. É,

    sobretudo, uma violação ao princípio da legalidade, em que se baseia o Estado Democrático de

    Direito. É uma violação à Constituição Federal.

    Dilma Rousseff não cometeu nenhum dos crimes de responsabilidade que atentem contra a

    Constituição Federal, segundo o que diz o artigo 85 acima mencionado. Por isso estamos certos

    quando dizemos que impeachment sem crime é golpe. É o artifício utilizado pelos derrotados nas

    urnas para, com aparência de legalidade e ares de legitimidade, ocupar o poder no tapetão.

    Democracia é o regime dos direitos e da luta por direitos, por isso é o regime no qual os conflitos

    estão presentes e são legítimos, dada a pluralidade existente na sociedade democrática.

    Democracia não se confunde com o Estado de Direito, mas é ele que deve garantir a ordemdemocrática. Vale salientar, contudo, que não é o Estado de Direito que faz a Democracia. É a

    Democracia que faz o Estado de Direito ser democrático. Não podem os agentes políticos nem os

    profissionais do Direito (como faz a OAB), que por dever de ofício conhecem as leis, defenderem

    seus interesses e ideologias, passando por cima da Constituição, a carta política de uma nação.

    Defender o mandato da presidenta Dilma Rousseff contra o impeachment sem crime de

    responsabilidade não significa defender seu governo, mas a legalidade e a Democracia.

    Não vamos permitir, após 52 anos, mais um golpe contra a Democracia. Um golpe travestido de

    uma pretensa legalidade. Resistiremos até o fim contra os que devem ser chamados pelo nome

    adequado: golpistas.

    Muitas vidas foram ceifadas na ditadura, apoiada pelos mesmos que hoje defendem o

    impeachment da presidenta Dilma, ela mesma presa e torturada durante o período mais trágico

    de nossa história. Muitas pessoas dedicam suas vidas a lutar por direitos conquistados nos

    governos Lula e Dilma. São cidadãos comuns que têm apreço pela Política em seu sentido

    autêntico, são milhares de jovens politizados, a esperança de futuro deste país, são centenas de

    movimentos sociais e populares que resistirão ao golpe que se avizinha. Sejam os golpistas

    derrotados ou vencedores, passarão para a história pelo que são: traidores da pátria, traidores da

    democracia, traidores do povo. Simplesmente porque impeachment sem crime de

    responsabilidade é golpe sim.

    *Advogada, mestre e doutora em Filosofia pela USP 

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