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O agregador da advocacia 26 Abril de 2012 www.advocatus.pt Passeio Público Não há impossíveis. Esta foi a lição-mor que Maria Augusta Fernando, 46 anos, aprendeu durante o estágio na JPAB. Uma lição que a advogada procura verter num dia-a-dia guiado pelo pragmatismo mas também pela preocupação de não prejudicar o próximo. “Se conseguirmos isso, o resto vem por acréscimo”… Não há impossíveis Direito não parecia estar, de todo, no caminho de Maria Augusta Fernando. Não obstante o pai ad- vogado, não sentia vocação nem afinidade. Era, antes, a Filosofia que a atraía: fascinava-a tentar perceber o pensamento humano, perceber a existência. Este fascí- nio, contudo, não venceu perante a sua vincada faceta pragmática: “A minha vontade, sinceramente, era seguir Filosofia, mas percebi que não me ia levar a lado ne- nhum”. Letras e Literaturas tam- bém a interessavam, e não era pouco, mas, mais uma vez, co- locou a si própria a questão das saídas profissionais. Braga até Era, antes, a Filosofia que a atraía: fascinava-a tentar perceber o pensamento humano, perceber a existência lecionava um curso de Literatura e Filosofia (que conciliava aca- demicamente os seus dois amores) mas o ensino seria o desfecho mais provável e não a atraía. Pensou, pois, que o melhor seria enveredar pela advocacia. Não por pressão paterna, assegura, comen- tando que o pai, que também gos- n/factos

Não há impossíveis

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Não há impossíveis

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O agregador da advocacia26 Abril de 2012

www.advocatus.pt Passeio Público

Não há impossíveis. Esta foi a lição-mor que Maria augusta Fernando, 46 anos, aprendeu durante o estágio na JPAB. Uma lição que a advogada procura verter num dia-a-dia guiado pelo pragmatismo mas também pela preocupação de não prejudicar o próximo. “Se conseguirmos isso, o resto vem por acréscimo”…

Não há impossíveis

Direito não parecia estar, de todo, no caminho de Maria Augusta Fernando. Não obstante o pai ad-vogado, não sentia vocação nem afinidade. Era, antes, a Filosofia que a atraía: fascinava-a tentar perceber o pensamento humano, perceber a existência. Este fascí-nio, contudo, não venceu perante

a sua vincada faceta pragmática: “A minha vontade, sinceramente, era seguir Filosofia, mas percebi que não me ia levar a lado ne-nhum”. Letras e Literaturas tam-bém a interessavam, e não era pouco, mas, mais uma vez, co-locou a si própria a questão das saídas profissionais. Braga até

era, antes, a Filosofia que a atraía:

fascinava-a tentar perceber o pensamento

humano, perceber a existência

lecionava um curso de Literatura e Filosofia (que conciliava aca-demicamente os seus dois amores) mas o ensino seria o desfecho mais provável e não a atraía.Pensou, pois, que o melhor seria enveredar pela advocacia. Não por pressão paterna, assegura, comen- tando que o pai, que também gos-

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De regresso ao Porto, mal teve tempo para matar saudades: oito

dias depois já estava a estagiar, no escritório em que, volvidos 18

anos, se mantém – a JPaB. estagiou diretamente com o

fundador da sociedade – José Pedro aguiar

Branco

tava de Filosofia e com quem ti-nha conversas “muito interessan-tes”, sempre a incentivou a seguir estudos filosóficos se era o que queria… Ainda se inscreveu no chama-do “ano zero” da Universidade Católica, no Porto, superou com sucesso os exames de admissão, mas no seu horizonte acabou por ficar Coimbra. Naqueles anos, a sua cidade, a invicta, não possuía ainda curso superior público de Direito, pelo que a opção foi se-guir os passos paternos e rumar à cidade dos estudantes. Foram – recorda – cinco anos marcantes, enriquecedores: “Vi-víamos em quartos alugados, comíamos juntos, contávamos o dinheiro… “. Aprendeu então a independência: sem família por perto, reforçam-se os laços da fraternidade e da solidariedade. Maria Augusta não pertenceu propriamente à associação aca-démica, mas aderiu a tudo. Foi uma experiência que ficou para a vida, ainda assim não suficien-te para se ficar por Coimbra fin-

da a licenciatura. É que no Porto estava toda a sua vida, a família e o namorado, com quem viria a casar. Mas ficou-lhe uma grande paixão: a Briosa (ver caixa).De regresso ao Porto, mal teve tempo para matar saudades: oito dias depois já estava a estagiar, no escritório em que, volvidos 18 anos, se mantém – a JPAB. Esta-giou diretamente com o fundador da sociedade – José Pedro Aguiar Branco, advogado de profissão e atual ministro da Defesa. Foi um estágio “muito rico”, do qual re-tirou uma lição ímpar – “Não há impossíveis”: “Pode parecer uma ilusão, mas aprendi que é sempre possível trabalhar para evitar que situações que pareciam difíceis e até irresolúveis cheguem a tribu-nal”. Coloca o seu lado humano ao serviço dessa máxima, fazen-do valer a sua maneira de ser sim-ples e humilde; reconhece que a sua facilidade em comunicar tem tido o mérito de abrir algumas portas e destrinçar alguns nós profissionais.Atualmente uma das três sócias

de Indústria, Maria Augusta Fer-nando é sobretudo uma advoga-da de conciliação, privilegiando a advocacia preventiva. Dedica--se em particular ao societário, defensora das virtudes de um contrato bem elaborado: “Muitas vezes os contratos são mal feitos e depois é tarde demais”. O “tar-de demais” significa que já não se consegue evitar o conflito e que o tribunal é a paragem seguinte. Desfecho que prefere evitar, até porque a barra não a seduz.Durante o estágio foi naturalmen-te a tribunal. E ainda se recorda bem da sua primeira vitória: foi no Tribunal de Santa Maria da Feira, defendia uma companhia de se-guros cujo segurado teve um aci-dente na A1 porque conduzia a 120 km/h na faixa da esquerda… “Foi gratificante”.Mas não o suficiente para a con-vencer. Prefere de longe a nego-ciação. Até porque – argumenta - em tribunal o advogado não de-pende apenas de si próprio. Entre os impedimentos do próprio tri-bunal e as faltas de testemunhas,

Na Queima das Fitas, em Coimbra, nos anos 80Com uma amiga, início dos anos 1970 Em Caminha, na infância, com a mãe e os irmãos

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O agregador da advocacia28 Abril de 2012

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Maria Augusta Fernando cita Miguel Torga, o autor transmontando adotado por Coimbra, para verbalizar uma das suas paixões: “A Académica é uma causa”. Não é que seja uma entusiasta do fute-bol, antes é uma apaixonada pelo clube da cidade dos estudantes, “tanto faz que ganhe ou que perca” – vem “sempre satisfeita” de um jogo. De tal forma que já tem bilhete para a final da Taça de Portugal, no Jamor a 20 de maio, que a sua Briosa disputará com o Sporting. Esta é uma causa ainda anterior aos tempos em que frequentou a Universidade de Coimbra. Foi-lhe incutida pelo pai, também ele um academista. Mas não é a sua única paixão: rivaliza com a li-teratura russa, sobretudo com Dostoievski, o seu autor de eleição pela “forma simples de escrever”. Já leu quase todos os livros, mas há um que a prende particularmente – “Crime e Castigo”. E porquê? A explicação – comenta – também ajuda a perceber por

que a advogada gosta tanto de Filosofia: “Consegue, numa só per-sonagem, conter o que há de melhor e de pior num ser humano, uma personagem que comete um crime horrendo e de que, no en-tanto, não se consegue deixar de gostar”. Maria Augusta Fernando lê outros autores, mas esta ligação – reconhece – só a consegue sentir com Dostoievski. Não lê tanto quanto gostaria, aproveitando as férias para compen-sar as leituras atrasadas. E para pôr em dia o cinema, outra paixão que lhe vem dos tempos de escola mas que agora passou das sa-las públicas para a sua sala de casa, porque só em vídeo consegue recuperar os títulos da sua preferência. É entre os livros, os filmes e os passeios na praia que desfruta das férias, na companhia de amigos e família, para descansar e apre-ciar o viver sem horários.

A Briosa e Dostoiesvki

PaiXÕeS

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“Pode parecer uma ilusão, mas aprendi que é sempre possível trabalhar para evitar que situações que pareciam difíceis e até irresolúveis cheguem a tribunal”.

há uma “sensação de improdu-tividade terrível”. Maria Augusta Fernando gosta de ser dona do seu tempo. E não é porque exerce advocacia preventiva que se sente menos útil. Antes pelo contrário, asse-gura que o ideal de advogado que faz o bem e ajuda o próximo se aplica perfeitamente ao seu trabalho. E motiva-a: “Quando contribuo para construir um con-trato a evitar um conflito, estou a ajudar o outro e de que maneira”. Conta mesmo um dos casos mais marcantes da sua carreira: o de uma cliente de há muitos anos que enfrentava um difícil caso de licenciamento de uma residência no Gerês – “Tudo in-dicava que teríamos de recorrer a tribunal, mas, com diplomacia, argumentando e conversando, foi possível ajudar todas as par-tes. Foi mais gratificante do que vencer uma causa em tribunal”.Este espírito de conciliação que acompanha Maria Augusta Fer-nando é indissociável do cris-tianismo. Nascida numa família católica, não se diz católica, mas sim cristã. E o exemplo que pro-cura seguir é o de Jesus Cristo:

atualmente uma das três sócias de indústria,

Maria augusta Fernando é sobretudo

uma advogada de conciliação, privilegiando a

advocacia preventiva. Dedica-se em particular ao societário, defensora

das virtudes de um contrato bem elaborado

“É na vida de Cristo que me ins-piro. Acredito que foi um exemplo para todos nós e, embora não o consiga, é o exemplo que procu-ro seguir”. É por isso que entre os seus valores pontua o “não prejudicar o próximo”. O resto – acredita – “vem por acréscimo”.