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JOZAFÁ BATISTA DO NASCIMENTO A imprensa acreana na batalha por hegemonia: estratégias de 1969 a 2006 Monografia apresentada ao Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Acre para a obtenção do título de Bacharel em Ciências Sociais com Habilitação em Sociologia Área de Concentração: Sociologia Orientadora: Prof.ª Dr.ª Eurenice Oliveira de Lima Rio Branco 2012

NASCIMENTO, Jozafá. A imprensa acreana na batalha por hegemonia: estratégias de 1969 a 2006

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JOZAFÁ BATISTA DO NASCIMENTO

A imprensa acreana na batalha por hegemonia: estratégias de 1969 a 2006

Monografia apresentada ao Centro de Filosofia e

Ciências Humanas da Universidade Federal do

Acre para a obtenção do título de Bacharel em

Ciências Sociais com Habilitação em Sociologia

Área de Concentração: Sociologia

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Eurenice Oliveira de Lima

Rio Branco

2012

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Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por

qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa,

desde que citada a fonte.

CATALOGAÇÃO DA PUBLICAÇÃO

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Nome: NASCIMENTO, Jozafá Batista do

Título: A imprensa acreana na batalha por hegemonia: estratégias de 1969 a

2006

Monografia apresentada à Universidade Federal do

Acre para a obtenção do título de bacharel em

Ciências Sociais com habilitação em Sociologia

Aprovado em:_________/__________/____________________

Banca Examinadora

Prof.ª Dr.ª Eurenice Oliveira de Lima

Instituição: ____________________________________________________

Julgamento: ___________________________________________________

Assinatura: ____________________________________________________

Prof. Dr. Nilson Euclides da Silva

Instituição: ____________________________________________________

Julgamento: ___________________________________________________

Assinatura: ____________________________________________________

Prof.ª Msc. Letícia Helena Mamed

Instituição: ____________________________________________________

Julgamento: ___________________________________________________

Assinatura: ____________________________________________________

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4

Agradeço à minha orientadora, Eurenice Oliveira

de Lima, por não ter me permitido desistir. Ao

Museu da Borracha e ao CDIH/UFAC, por

gentilmente disponibilizarem seus acervos - sem os

quais esta pesquisa encontraria severas

dificuldades. E à Universidade Federal do Acre

(UFAC), onde aprendi o compromisso do

conhecimento com a transformação social.

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5

Dedico este trabalho à minha mãe, Maria Lourdes

Batista, ex-seringueira, mulher guerreira que me

criou e me preparou para o mundo. Parafraseando

Julio Cesar, em sua vitória sobre Farnaces II -

Veni, vidi, vici! (Vim, vi, venci!) -, eu proclamo: Vim,

vi... e estou na luta!

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RESUMO

NASCIMENTO, J. B. A imprensa acreana na batalha por hegemonia:

estratégias de 1969 a 2006. 2012. 210 f. Monografia (Bacharelado) – Curso

de Ciências Sociais, Universidade Federal do Acre, Rio Branco, 2012.

O presente trabalho analisa o caráter ideológico da imparcialidade jornalística

como ferramenta de produção de consensos dos grupos que controlam os

jornais na disputa por hegemonia ao longo da história. Analisa a cobertura

jornalística dos quatro diários do Acre - A Gazeta do Acre/A Gazeta, O Rio

Branco, A Tribuna e Página 20 - no período de 1969 a 2006, com ênfase nas

campanhas eleitorais, delineando as estratégias adotadas para valorizar

grupos políticos e seus respectivos candidatos.

Palavras-chave: Jornalismo. Ideologia. Hegemonia.

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ABSTRACT

NASCIMENTO, J. B. The press acreana in the battle for hegemony: strategies

from 1969 to 2006. 2012. 210 f. Monografia (Bacharelado) – Curso de Ciências

Sociais, Universidade Federal do Acre, Rio Branco, 2012.

This paper examines the ideological character of journalistic impartiality as

production tool consensus by groups that control the newspapers in contention for

hegemony throughout history. Studies media coverage of the four daily of Acre – A

Gazeta do Acre/A Gazeta, O Rio Branco, A Tribuna e Página 20 - in the period from

1969 to 2006, with emphasis on electoral campaigns, outlining the strategies

adopted to enhance political groups and their respective candidates.

Keywords: Journalism. Ideology. Hegemony

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................... 009

1 IMPRENSA E IDEOLOGIA .................................................................... 014

1.1 O INSTRUMENTAL TEÓRICO GRAMSCIANO .................................. 023

2 CRONOLOGIA DA COMUNICAÇÃO .................................................... 026

2.1 A IMPRENSA BRASILEIRA ................................................................ 040

3 A IMPRENSA ACREANA ....................................................................... 050

3.1 DIVERSIDADE EDITORIAL E LUTA POLÍTICA .................................. 059

3.1.1 O Rio Branco: arauto conservador ................................................ 060

3.1.2 A Gazeta: o PMDB vai à luta ............................................ 109

3.1.3 A Tribuna: quem dá mais?.............................................. 134

3.1.4 Página 20: o galinho bom de briga .................................................142

3.2 UNIFORMIDADE EDITORIAL NO GOVERNO JORGE VIANA .............145

3.2.1 Jornalismo homogêneo.................................................................. 147

CONCLUSÃO ........................................................................................... 176

REFERÊNCIAS .......................................................................................... 180

APÊNDICE ............................................................................................... 188

ANEXOS ................................................................................................... 190

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INTRODUÇÃO

No século XXI, a produção de notícias continua obedecendo ao critério

da factualidade. Em um capitalismo em crise estrutural (MESZÁROS, 2002),

com diferentes protestos em vários pontos do globo, jornais, revistas e outros

meios de comunicação interpretam, porém, os fatos segundo a sua

orientação editorial. Apesar de todos alegarem fidedignidade ao evento

narrado, o resultado é uma diversidade de narrativas contraditórias.

Exemplo deste paradoxo – diferentes conclusões com o mesmo

método, a narração simples – é o tratamento concedido pelos jornais à

chamada Primavera árabe1. Enquanto a expectativa por transformações

políticas, verdadeiro motivo das revoltas, ocupou número reduzido de

especialistas em publicações de menor circulação, os meios de comunicação

de maior alcance frisavam a quebra da ordem social: saques, violência física

e semelhantes.

A diversidade de narrativas jornalísticas, saudada pelos próprios

jornalistas como sintoma da liberdade de imprensa em relação ao poder

estatal, merece exame mais detido. Na verdade, a cada etapa de

transformação dos meios de transmitir ideias corresponde um avanço do

poder político dos proprietários privados. Para construir consensos e legitimar

a sua posição no mundo do trabalho, esta classe desenvolveu várias

estratégias de convencimento.

Compreendida a imprensa industrial como parte dessas estratégias, o

mapeamento dos discursos dos jornais ao longo da história fornece pistas

1 Os protestos no mundo árabe em 2010-2012, também conhecidos como a Primavera Árabe, são uma onda

revolucionária de manifestações e protestos que vêm ocorrendo no Oriente Médio e no Norte da África desde 18

de dezembro de 2010. Até a data, tem havido revoltas na Tunísia e no Egito, uma guerra civil na Líbia; grandes

protestos na Argélia, Bahrein, Djibuti, Iraque, Jordânia, Síria, Omã e Iémen e protestos menores no Kuwait,

Líbano, Mauritânia, Marrocos, Arábia Saudita, Sudão e Saara Ocidental. Os protestos têm compartilhado

técnicas de resistência civil em campanhas sustentadas envolvendo greves, manifestações, passeatas e comícios,

bem como o uso das mídias sociais, como facebook, twitter e youtube, para organizar, comunicar e sensibilizar a

população e a comunidade internacional em face de tentativas de repressão e censura na internet por partes dos

Estados. PRIMAVERA ÁRABE. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2012.

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importantes para entender o processo de obtenção de legitimidade – em

linguagem gramsciana, da batalha por hegemonia – do projeto de poder da

classe dominante. Este trabalho analisa os jornais acreanos nesse contexto.

O Rio Branco, A Gazeta do Acre/A Gazeta, A Tribuna e Página 20 foram

escolhidos porque têm circulação regular e diária e mantiveram-se em

funcionamento nas mais diversas condições sociais, ao contrário de uma

série de publicações menores, com lapsos de periodicidade ou extintas.2

A escolha do período de pesquisa deu-se pela riqueza das mudanças

editoriais, contribuindo para compreender de que forma os jornais de Rio

Branco agem como propagandistas de grupos políticos: nas campanhas

eleitorais o que se descortina é o confronto editorial, com cada jornal

atacando o candidato a que se opõe e o jornal que lhe dá suporte. Este,

esmerando-se na formulação de imagens positivas do seu candidato, ao

mesmo tempo tenta inocentá-lo das acusações dos rivais.

Todo este processo realiza-se por meio de linguagem informativa,

atribuindo os interesses do jornal o caráter de interesse geral, público. Desta

forma, as ácidas e por vezes brutais polêmicas estariam apenas divulgando

fatos de forma isenta ou neutra. Com esse disfarce, a propaganda eleitoral

costura o consenso entre as classes e por meio dele garante a manutenção

de hegemonia3.

Para compreender o papel da imprensa em todos esses eventos,

impõe-se contextualizar jornalismo e processo político. Por isso, o presente

trabalho desdobra-se nos seguintes objetivos específicos:

Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Primavera_%C3%81rabe&oldid=32300675>. Acesso

em: 23 set. 2012. 2 De acordo com o acervo disponível no Museu da Borracha, em Rio Branco, de 1969 a 1999 circularam em Rio

Branco os periódicos A Folha, A Semana, A Carta, Correio da Tarde, Correio do Acre, Folha dos Nauas, Jornal

do Acre, O Acre, o Estado do Acre, O Aquiri, O Rebate, O Liberal, Renovação, Ultima Hora, A Notícia, A

Semana, O Eco, Parabéns Cruzeiro do Sul, Correio do Oeste, Folha Infantil, Folha Cultural, Frente e Verso,

Hora do Povo, Letras em Marcha, Jornal Documento, Jornal da Saúde, O Comunista, O Norte, O Gafanhoto, O

Estudante, O Imparcial, O Espírito da Coisa, Sentinela, Xapuri Informativo, 3 de Março e vários outros. Todos

com circulação esporádica e irregular, com enormes lacunas entre cada edição. Catalogar todos esses jornais

conta com a dificuldade adicional dos acervos públicos disponíveis hoje não terem todos os exemplares, e os que

se dispõem não se encontram digitalizados. 3 Utiliza-se aqui, e ao longo de todo o trabalho, a concepção teórica de hegemonia no sentido que lhe dá Antonio

Gramsci, segundo GRUPPI (1980): “A hegemonia é capacidade de direção, de conquistar alianças, capacidade

de fornecer uma base social ao Estado”.

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1. Analisar o surgimento da imprensa diária como um subproduto das

disputas pelo comando político da sociedade na era industrial,

utilizando para tanto dados dos principais jornais do mundo, do

Brasil e do Acre, comparando transformações editoriais do

jornalismo e mudanças políticas.

2. Medir a ênfase dada por cada jornal aos grupos em disputa política

para definir a quais grupos determinado veículo defende ou se

opõe.

3. Demonstrar como a propaganda se insere socialmente disfarçada

de informação objetiva utilizando-se do conceito positivista de

neutralidade do discurso informativo e como esta operação é

coerente com o estágio de ascenso burguês.

Para identificar as relações entre os processos de ascenso e

consolidação da classe dominante e as mudanças editoriais, o trabalho segue

uma orientação cronológica. As principais mudanças jornalísticas são

expostas no contexto da vida social geral na Europa, nos Estados Unidos e

no Brasil. O objetivo é definir de que forma a imprensa atua como agente de

disputa por consensos em diferentes épocas.

Também por meio do movimento das classes busca-se analisar os

motivos que fazem os jornais lutar por liberdade, justiça, verdade e outros. A

ideia de isenção da notícia, derivada da filosofia positivista e que visa,

inicialmente, firmar os jornais como agentes legítimos da comunicação social,

é tomada como parte deste processo. Busca-se compreender como a defesa

de consenso social por meio de conceitos universais é parte da ofensiva de

uma classe contra outra, através da ideologia.

Visando compreender os contornos da luta de classes da qual a

imprensa participa, buscou-se entender a produção jornalística como parte do

processo de produção de consensos necessários à manutenção da ordem

social. Trabalhou-se ainda com os conceitos de imprensa regulada e

liberdade noticiosa (GENRO FILHO, 1987) e de indústria submetida às leis

gerais de mercado (MARCONDES FILHO, 1989), entre outros.

A pesquisa de campo consistiu na realização de entrevistas com os

proprietários dos quatro jornais, objetivando coletar impressões sobre a

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relação entre a atividade jornalística e os contratos com o Estado, além de

dados gerais sobre a origem, infra-estrutura e funcionamento das empresas.

Os entrevistados foram: Antonio Stelio de Castro (A Tribuna e Página 204),

Narciso Mendes de Assis (O Rio Branco) e Silvio Martinello (A Gazeta). Dada

uma certa posição desconfiada dos entrevistados, não foram realizados

questionários. Assim, as perguntas variaram segundo cada entrevistado5.

A pesquisa documental consistiu no levantamento fotográfico da capa

(primeira página) de cada jornal, utilizando-se o acervo do Museu da

Borracha e do Centro de Documentação e Informação Histórica (CDIH) da

UFAC. Dado o considerável interregno (37 anos) e de serem quatro os diários

pesquisados, optou-se por uma amostragem. Analisou-se entre duas e cinco

capas de cada jornal entre os meses de setembro, outubro e novembro dos

anos de 1982, 1984, 1985, 1986, 1988, 1990, 1992, 1994, 1996 e 1998.

De 1999 a 2006, a metodologia de amostragem foi modificada para

duas edições por mês, de cada jornal6, visando compreender melhor os

detalhes do processo de uniformização dos quatro jornais para dar apoio aos

governos e prefeituras da FPA. Observou-se, nesse período, que a

uniformização editorial, que persiste até a presente data, é um subproduto do

controle, pela FPA, dos principais espaços institucionais da política formal.7

Dado o grande volume de dados coletados, e visando maior

organização para a melhor compreensão possível, a distribuição espacial do

trabalho seguiu uma divisão em capítulos.

O primeiro capítulo realiza uma discussão teórica sobre os princípios

de neutralidade e imparcialidade do discurso jornalístico-noticioso como

derivativo da interpretação positivista da realidade, no qual o ato de conhecer

4 Dado o aspecto singular deste veículo para a produção de imagens simbólicas positivas do Partido dos

Trabalhadores em seu ascenso ao poder a partir de 1993, e a relevância desse processo para compreender as

transformações editoriais até então, entrevistou-se também o seu primeiro editor-chefe, o jornalista Sebastião

Vítor de Lima. Todas as entrevistas estão disponíveis no apêndice deste trabalho. 5 Foi necessário fazê-lo devido à realização das entrevistas em datas diferentes. Dada a posição estratégica dos

entrevistados para o presente trabalho, preferiu-se abrir o conteúdo das entrevistas a correr qualquer risco de ter

algumas perguntas vetadas por “impertinência”. 6 Algumas edições não estavam disponíveis nos bancos de dados do Museu da Borracha e do CDIH/UFAC,

constituindo perda irreparável de material de análise esta e outras pesquisas. 7 A questão, extremamente relevante, dos dissensos antigos e recentes na estrutura institucional partidária e de

Estado montada pela FPA, além da base dos movimentos sociais, e as implicações deste fenômeno para o que

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advém de despir-se de prenoções por parte do sujeito cognoscente. Em

seguida, aponta-se a filosofia positivista como expressão teórica

materialmente necessária às classes dominantes na Europa e nos EUA.

Apropriando-se dessas reflexões do primeiro, o segundo capítulo

empreende uma cronologia sobre a evolução da imprensa no mundo e no

Brasil, contextualizando as mudanças editoriais no contexto imediato das

disputas políticas. Observa, ainda, por que o desenvolvimento industrial da

imprensa só foi possível no ambiente propício do capitalismo.

No terceiro capítulo, articulada à reflexão desenvolvida nos anteriores,

apresenta-se os resultados da pesquisa sobre os jornais acreanos. Analisa-se

cada jornal em dois momentos: o da diversidade de posturas editoriais,

correspondendo às conflagrações dos grupos políticos que buscavam o

controle do governo do Estado e da prefeitura de Rio Branco; e o da

uniformidade editorial, que corresponde ao gradual controle da disputa

política pela Frente Popular do Acre (FPA).

Na fase de diversificação editorial e disputa política, busca-se delinear

as várias fases do processo em cada jornal até 2004, quando a FPA vence as

eleições municipais na capital e retira o MDA do cenário político. A partir de

2004, com a FPA no comando da prefeitura de Rio Branco e do governo do

Estado, os jornais começam a aderir à mesma linha editorial.

O Apêndice deste trabalho traz a transcrição das entrevistas com os

dons dos jornais. Nos Anexos há um CD com fotografias de todas as edições

pesquisadas e alguns documentos usados no levantamento de dados.

As conclusões apresentadas na presente monografia devem ser vistas

como anotações provisórias de um esforço de pesquisa limitado. Tanto o

jornalismo quanto os grupos políticos em disputa citados, com suas

dinâmicas e alterações, impõem problematizações conceituais, contínuas

redefinições teóricas, novos temas e linhas de análise. A consciência desta

limitação impõe a necessidade de novos estudos para capturar mais

claramente a dinâmica do objeto de pesquisa.

pode ser lido como hegemonia em declínio, não será tematizada no presente trabalho por ter efeito nulo, até o

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1 IMPRENSA E IDEOLOGIA

Os homens fazem a sua própria história, mas não a

fazem segundo a sua livre vontade; não a fazem sob

circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se

defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado.

– Karl Marx.

Este capítulo analisa o conceito de isenção da notícia jornalística como

estratégia de convencimento e controle social compatível com determinada

fase do modo de produção capitalista. Para tanto, faz ligeira incursão sobre o

processo de cognição humana segundo as escolas positivista e marxista, o

conteúdo ideológico da idéia de isenção e as implicações para a imprensa.

A bibliografia sobre os fundamentos teórico-epistemológicos do

jornalismo é escassa. Uma análise sobre a rápida adesão da imprensa

brasileira ao modelo informativo norte-americano pondera que:

Nos Estados Unidos, depois da I Guerra, consolida-se a perspectiva funcionalista no estudo da comunicação social, alicerçada em estudos de natureza empirista que se utilizam de modelos formais e matemáticos. Essa corrente, que pretende atribuir-se uma aura de imparcialidade e objetividade, passa a hegemonizar os estudos nesse campo nos Estados Unidos e também na América Latina. O desenvolvimento dos meios de comunicação e do próprio jornalismo são analisados como processos independentes em relação ao desenvolvimento global das forças produtivas e da luta de classes, ou seja, apartados do movimento histórico em seu conjunto. Ao contrário, os meios de comunicação são tomados apenas como "função orgânica" da sociedade capitalista contemporânea, entendida esta como paradigma do progresso e da normalidade. (GENRO FILHO, 1987, p. 33)

Outra obra recente, dedicada ao mesmo tema, confirma a inexistência

de uma reflexão teórica mais aprofundada sobre o jornalismo e seus

métodos:

Passados 20 anos desde o lançamento desta obra seminal, ainda é comum docentes ensinarem as técnicas jornalísticas como se elas se bastassem, sem a necessidade de uma explicação epistemológica capaz de sustentar certas regras. Assim como é

presente instante, sobre os quatro jornais em análise.

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comum achar que, por trás da prática jornalística de qualidade, não é preciso haver teoria. (TEIXEIRA, 2007, p. 21)

De fato, a bibliografia acadêmica em comunicação social consultada

para este trabalho busca fundamentar-se em conceitos microssociológicos8

como representações culturais, trocas simbólicas e um instrumental

conceitual derivado das ciências da linguagem. A escassez de tradição crítica

sobre as forças sociais que incidem sobre o fazer jornalístico causou o

interessante efeito de se considerar a imprensa como causa de si mesma,

fenômeno confirmado por estudos recentes. Artigo científico sobre a profissão

jornalística no Brasil, por exemplo, reivindica o “amadurecimento

epistemológico” como ponto de partida para a legitimidade científica dos

estudos sobre a imprensa.

Inserido num processo de mundialização da cultura, em que a internacionalização da ciência tem papel de vanguarda, é pouco provável que o problema da construção do consenso necessário ao amadurecimento epistemológico do campo [jornalístico] encontre soluções localizadas, quaisquer que elas sejam, para a questão ainda não solucionada da unicidade e diversidade da área da Comunicação. (MEDITSCH, 2010, p. 99).

Numa análise sobre os manuais especializados em pesquisa na área

de jornalismo, observa-se o descompasso entre os numerosos estudos

empíricos sobre os fenômenos comunicativos humanos e a falta de

metodologias que permitam identificar as forças e processos que os

produzem:

Ao compararmos a diversidade de conceitos, referências bibliográficas, categorias de análise e metodologias incluídos em cada um destes manuais verificamos que ainda que o grau de complexidade atingido pelo Jornalismo como disciplina científica ao longo destes últimos 50 anos tenha aumentado, em muitos casos as metodologias empregadas são similares aos modelos concebidos no século passado. (MACHADO, 2010, p. 21).

8 Segundo Gurvitch (apud PEREIRA et al., 2007, p. 2) “A microssociologia constitui-se de simples elementos

que compõem a realidade social e são constituídos pelas múltiplas maneiras de estar ligado pelo todo e no todo,

ou manifestações da sociabilidade que, em diferentes graus da actualidade e virtualidade, se combatem e

combinam em todo o grupo, classe e sociedade geral”.

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O mesmo autor também estima a extensão dos danos provocados aos

estudos sobre comunicação social que se apoiam em dados imediatos e

diretos, sem análise crítica das forças sociais a que estes se ligam:

Nada pode ter provocado consequências mais desastrosas para a compreensão da prática jornalística, em particular nos estudos brasileiros, do que a aceitação pacífica dos pressupostos teóricos contidos nos conceitos de rotinas produtivas e de valores de notícias. Nos dois casos, em vez de utilizar a realidade para colocar à prova os conceitos, em geral o pesquisador ajustava a realidade aos limites destes conceitos, constituindo um círculo vicioso em que quanto mais se pesquisava, menos se sabia sobre o objeto estudado. (p. 22).

A teoria sobre jornalismo como processo ausente do conflito social,

sem contextualização com os interesses sociais em jogo que agem sobre a

imprensa, sinaliza a sua filiação ao positivismo. A concepção de neutralidade

do ato noticioso, por exemplo, tem fundamento na pretensão de tentar

apreender fatos sociais como “coisas”.9 Da mesma forma, se o cientista social

é instado a analisar fenômenos sociais de forma distanciada, evitando

contaminar a ciência com a sua subjetividade, o jornalista moderno deve

esforçar-se para reportar os fatos sem contaminá-los com a sua opinião.

Diferente do jornalismo, a tradição crítica epistemológica está

consolidada na sociologia. A crítica à pretensão de neutralidade almejada

pelo positivismo é farta especialmente na concepção materialista.

O filósofo Michael Löwy nota que a pretensão de neutralidade equivale

ao feito do Barão de Münchhausen, que, atolado sozinho em um pântano,

escapou puxando-se pelos cabelos. A anedota ilustra a inviabilidade de uma

ciência social sem valores: indivíduos que se pretendem neutros devem

lembrar-se que são forjados em conflitos sociais que incidem sobre a

atividade intelectual. O autor enumera os fundamentos teórico-

epistemológicos do positivismo:

1. A sociedade é regida por leis naturais, isto é, leis

invariáveis, independentes da vontade e ação humanas; na vida social, reina uma harmonia natural.

9 É esta exatamente a perspectiva teórica de Émile Durkheim: “É preciso, portanto, considerar os fenômenos

sociais em si mesmos, separados dos sujeitos conscientes que os concebem; é preciso estudá-los de fora, como

coisas exteriores, pois é nessa qualidade que eles se apresentam a nós.” (DURKHEIM, 1999, p. 28).

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2. A sociedade pode, portanto, ser epistemologicamente assimilada pela natureza (o que classificaremos como “naturalismo positivista”) e ser estudada pelos mesmos métodos, démarches e processos empregados pelas ciências da natureza.

3. As ciências da sociedade, assim como as da natureza, devem limitar-se à observação e à explicação causal dos fenômenos, de forma objetiva, neutra, livre de julgamentos de valor ou ideologias, descartando previamente todas as prenoções e preconceitos. (LÖWY, 2000, p. 17).

A concepção materialista considera que há na tessitura social, ao

longo da história, relações sociais que condicionam a apreensão da realidade

pelos homens, incluindo os pesquisadores. O que garante a objetividade do

conhecer não é o distanciamento estratégico do sujeito cognoscente: é,

inversamente, compreender essas relações e posicionar-se sobre elas.

Para Karl Marx, dado o fato de que os homens em sua existência

produzem coisas de que necessitam e também lhes dão sentidos ou

significados espirituais (simbólicos), a análise científica terá maior sucesso na

medida em que apreende as condições em que são produzidas as idéias e

seus sentidos na vida social. De fato, o autor deixa claro que

(...) na produção social da sua vida os homens entram em determinadas relações, necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a uma determinada etapa de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. A totalidade destas relações de produção forma a estrutura económica da sociedade, a base real sobre a qual se ergue uma superestrutura jurídica e política, e à qual correspondem determinadas formas da consciência social. O modo de produção da vida material é que condiciona o processo da vida social, política e espiritual. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, inversamente, o seu ser social que determina a sua consciência. (MARX, 1982, p. 530).

Ao mapear a estrutura produtiva da sociabilidade burguesa, Marx

localizou as forças materiais que a cria e mantém. Essas forças estão

reunidas sob a forma de classes sociais antagônicas, que ocupam posições

diferentes no mundo do trabalho e têm interesses antagônicos sobre o mundo

produtivo. A divergência das posições materiais entre classes dominantes e

dominadas é que cria diferentes percepções sobre o mundo.

No entanto, ainda segundo Marx, as relações de produção são

constituídas pela propriedade econômica das forças produtivas. No

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capitalismo, a mais fundamental dessas relações é a propriedade que a

burguesia tem dos meios de produção, enquanto o proletariado possui

apenas a sua força de trabalho. Este ponto de tensão, que não pode ser

eliminado sem um colapso das relações de produção fundadas na

propriedade privada, é equilibrado pela classe dominante com a sua

universalização, isto é, com a propaganda dos seus interesses particulares

como se fossem de toda a sociedade. A idéia que a sociedade possui valores

universais que precisam ser defendidos contra infiltrações decadentes é uma

estratégia para manter a própria luta de classes.

Este e outros mecanismos que favorecem a naturalização dos

interesses da classe dominante, estabelecendo-os como eternos, universais e

necessários para o bem-estar da comunidade humana, visam conquistar os

trabalhadores para uma subalternidade solidária. Marx chama essas

estratégias de “ideologia”:

As ideias da classe dominante são, em todas as épocas, as ideias dominantes, ou seja, a classe que é o poder material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, o seu poder espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os meios para a produção material dispõe assim, ao mesmo tempo, dos meios para a produção espiritual, pelo que lhe estão assim, ao mesmo tempo, submetidas em média as ideias daqueles a quem faltam os meios para a produção espiritual. As ideias dominantes não são mais do que a expressão ideal [ideell] das relações materiais dominantes, as relações materiais dominantes concebidas como ideias; portanto, das relações que precisamente tornam dominante uma classe, portanto as ideias do seu domínio. Os indivíduos que constituem a classe dominante também têm, entre outras coisas, consciência, e daí que pensem; na medida, portanto, em que dominam como classe e determinam todo o conteúdo de uma época histórica, é evidente que o fazem em toda a sua extensão, e portanto, entre outras coisas, dominam também como pensadores, como produtores de ideias, regulam a produção e a distribuição de ideias do seu tempo; que, portanto, as suas ideias são as ideias dominantes da época. Numa altura, por exemplo, e num país em que o poder real, a aristocracia e a burguesia lutam entre si pelo domínio, em que portanto o domínio está dividido, revela-se ideia dominante a doutrina da divisão dos poderes, que é agora declarada uma "lei eterna". (MARX, 2002, p. 78).

Adiante, de forma mais esquemática, complementa:

Ora, se na concepção do curso da história desligarmos as ideias da classe dominante da classe dominante, se lhes atribuirmos

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uma existência autónoma, se nos ficarmos por que numa época dominaram estas e aquelas ideias, sem nos preocuparmos com as condições da produção e com os produtores destas ideias, se, portanto, deixarmos de fora os indivíduos e as condições do mundo que estão na base das ideias, então poderemos dizer, por exemplo, que durante o tempo em que dominou a aristocracia dominaram os conceitos honra, lealdade, etc., durante o domínio da burguesia dominaram os conceitos liberdade, igualdade, etc. Em média, é isto que a própria classe dominante imagina. Esta concepção da história, que a todos os historiadores é comum, em especial a partir do século XVIII, há-de necessariamente dar com o fenómeno de que dominam ideias cada vez mais abstractas, isto é ideias que assumem cada vez mais a forma da universalidade. É que cada nova classe que se coloca no lugar de outra que dominou antes dela, é obrigada, apenas para realizar o seu propósito, a apresentar o seu interesse como o interesse comunitário de todos os membros da sociedade, ou seja, na expressão ideal [ideell]: a dar às suas ideias a forma da universalidade, a apresentá-las como as únicas racionais e universalmente válidas. (Idem, p. 148).

Trata-se de adaptação dos valores de uma classe como se fossem

válidos para toda a sociedade:

A consciência, prossegue o texto de A Ideologia Alemã, estará indissoluvelmente ligada às condições materiais de produção da existência, das formas de intercâmbio e de cooperação, e as idéias nascem da atividade material. Isto não significa, porém, que os homens representem nessas idéias a realidade de suas condições materiais, mas, ao contrário, representam o modo como essa realidade lhes aparece na experiência imediata. Por esse motivo, as idéias tendem a ser uma representação invertida do processo real, colocando como origem ou como causa aquilo que é efeito ou conseqüência, e vice-versa. (CHAUÍ, 1995, p. 63)

A inversão entre causa e efeito tem efeitos sobre vários outros

aspectos da vida social, como o trabalho, por exemplo. A sociedade se

encarrega de naturalizar práticas que são forjadas para atender o interesse

de grupos que controlam ideologicamente a própria vida social:

Também as relações sociais são representadas imediatamente pelas idéias de maneira invertida. Com efeito, à medida que uma forma determinada da divisão social do trabalho se estabiliza, se fixa e se repete, cada indivíduo passa a ter uma atividade determinada e exclusiva que lhe é atribuída pelo conjunto das relações sociais, pelo estágio das forças produtivas e, evidentemente, pela forma da propriedade. Cada um não pode escapar da atividade que lhe é socialmente imposta. A partir desse momento, todo o conjunto das relações sociais aparece nas idéias como se fossem coisas em si, existentes por si mesmas e não como conseqüência das ações humanas. Pelo contrário, as ações humanas são representadas como decorrentes da sociedade, que é vista como

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existindo por si mesma e dominando os homens. Se a Natureza, pelas idéias religiosas, se “humaniza” ao ser divinizada, em contrapartida a Sociedade se “naturaliza”, isto é, aparece como um dado natural, necessário e eterno, e não como resultado da praxis humana. (Idem, p. 66).

A visão de mundo da classe dos trabalhadores permite visualizar

objetivamente a realidade, o que não se dá, porém, por superioridade moral

do oprimido10

. É que o proletariado, subtraído da propriedade dos meios de

produção necessários à sua subsistência física, compreende porque sofre o

processo de exploração, e, consequentemente, necessita transformar esta

realidade desfavorável. Logo, em vez de justificar a exploração por meio de

estratégias ideológicas, o proletariado possui, pela sua condição material, o

germe da liberdade humana.

Esse princípio tem também implicações para o trabalho científico que

pretenda capturar objetivamente o movimento da vida social:

A realidade social, como toda a realidade, é infinita. Toda ciência implica uma escolha, e nas ciências históricas essa escolha não é um produto do acaso, mas está em relação orgânica com uma certa perspectiva global. As visões do mundo das classes sociais condicionam, pois, não somente a última etapa da pesquisa científica social, a interpretação dos fatos, a formulação das teorias, mas a escolha mesma do objeto de estudo, a definição do que é essencial e do que é acessório, as questões que colocamos à realidade, numa palavra, a problemática da pesquisa. (LÖWY, 1978, p. 15).

Considerar, portanto, que a notícia do jornal é transposição direta da

realidade não garante a objetividade do conhecimento. Serve, ao contrário,

para ocultar que toda notícia é a leitura da realidade por alguem, e que é

impossível, graças às especificidades do aparato cognitivo humano, transmitir

a realidade tal como ocorreu sem alguém para reportá-la. A concepção

materialista permite afirmar ainda que todo processo de formulação de

notícias submete os fatos à visão de mundo de quem produz essas notícias.

A perspectiva de classe incide diretamente sobre o jornalismo. Por sua vez, a

10

O trabalhador como “oprimido” é uma figura alienígena ao pensamento marxiano. Marx não via na relação

entre proletário e burguês a condição de opressão, que pressupõe coerção física ou psicológica, e sim de

exploração da força de trabalho visando a produção de mais-valia. A questão, todavia, é reconhecidamente

polêmica, se levado em consideração o aspecto brutal do capitalismo nos países de passado colonial. Por isto, tal

questão não será tratada no presente trabalho, ficando apenas a presente nota para reflexão e/ou possíveis

desdobramentos teóricos.

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21

crença na isenção da notícia, na universalidade do seu interesse social, é o

que impede que este fenômeno seja claro.

Diante do caráter ideológico da ideia de isenção jornalística, como

mensurar cientificamente a questão de que os jornais, além de não apreender

objetivamente o real, o interpretam? Essa questão pode ser resolvida

analisando o jornalismo no contexto das disputas políticas, esforço

especialmente difícil no caso amazônico. Trata-se de tese nova: a de que os

jornais, ao empenhar-se na defesa de defender valores civilizatórios, nos

quais a isenção da notícia é a garantia da busca pelo bem comum, estariam

manobrando pela construção de hegemonia para um grupo social.

No entanto, a força desse tipo de jornalismo, o da busca impessoal

pelo bem comum, é um complemento eficaz para as disputas oligárquicas na

região. As lutas entre diversas facções políticas, representando interesses

conflitantes dentro da classe dominante, engendram grupos políticos atuantes

com máquinas de propaganda voltadas ao convencimento social,

fundamentalmente nos períodos eleitorais.

Compreendidas as batalhas travadas pelas oligarquias provinciais

contra o Império, e, posteriormente, a República, registrar a atividade

jornalística nesses períodos é compreender os meandros da disputa por

hegemonia.

Trata-se, no entanto, de tarefa árdua.

Um estudo recente11

sobre o jornalismo acreano, localiza-se as várias

mudanças estéticas da imprensa, mas conclui-se que trata-se de

transformações dos discursos de poder12

, abstraindo as próprias relações de

poder para concentrar-se em questões lingüísticas, ou, quando muito, no

tráfico de influencia entre imprensa e instituições estatais. Trabalho

monográfico13

sobre o jornalismo acreano entre 1994 e 1998 também aponta

o controle da informação pelo Estado opressor ao mesmo tempo em que

admite uma relação de “mercado das notícias”, isto é, de troca de produção

11

BONIFÁCIO, 2007. 12

Diz a autora, na introdução: “Através das tramas do emaranhado de redes do poder midiático é possível

entrever os movimentos de resgate da memória e o estabelecimento de alguns traços das várias identidades

sociais que circulam na sociedade acreana” (BONIFÁCIO, 2007, p. 14) 13

PAIVA, 2000.

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22

de imagens positivas por dinheiro. A venda ocorreria na forma de repasses

mensais a pretexto de pagamento pela divulgação dos atos de governo. Ao

não reconhecerem o jornalismo como estratégia de convencimento da classe

dominante, os estudos batem-se pela mesma liberdade de imprensa

reivindicada pelos donos dos meios de comunicação.

Mais criterioso, outro trabalho14

percebe que “a hegemonia de

determinada classe social depende prioritariamente do controle da ideologia

e, não apenas, do domínio político ou econômico.” Apesar disso, o estudo,

cronologia exaustiva dos jornais acreanos desde a ocupação boliviana,

também enfatiza os percalços entre imprensa e poder institucional.

Nelson Werneck Sodré, porém, ao enumerar15

as transformações

editoriais da imprensa brasileira, localiza o jornalismo diário como estratégia

de propaganda. Para ele os Estados Unidos utilizaram-se do jornalismo entre

os países sul-americanos na batalha pela hegemonia durante a guerra fria: a

exportação do american way of life, diz o autor, causou as mais importantes

mudanças de estilo, circulação e linguagem dos jornais.16

Em que pese a inexistência de imprensa diária em 21 dos 22

municípios do Acre, a análise sobre o jornalismo acreano não resta

prejudicada: na capital acreana subsistem até a presente data os quatro

diários em análise. Convém, assim, utilizar um instrumental teórico adequado

para viabilizar a obtenção de resultados.

14

ASSMAR, 2007. 15

SODRÉ, 1999. 16

“A imprensa fora uma das grandes vítimas da ditadura estadonovista. Tudo isso, entretanto, pertencia à época

do nazismo ascensional, quando Salazar, Mussolini, Hitler, Franco, Tojo eram senhores do mundo, financiados

pelo imperialismo apavorado com a consolidação do poder soviético em vasta extensão da Europa e da Ásia, a

antiga Rússia. Depois da Guerra, em que soviéticos, franceses, ingleses, americanos, brasileiros haviam

combatido juntos o inimigo comum, isso parecia impossível. A bomba de Hiroshima, a terrível repressão na

Grécia, entretanto, anunciavam divergências insanáveis. Churchill, no discurso de Fulton, liquidou a unidade

antinazista e abriu a “guerra-fria”. No âmbito desta, a luta pelo controle da opinião teria destacado relevo.

(SODRÉ, 1999, p. 396).

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23

1.1 O INSTRUMENTAL TEÓRICO GRAMSCIANO

Ao se comparar a categoria marxiana “ideologia” com a “hegemonia”

de Gramsci, há uma clara filiação da segunda à primeira.

Uma das contribuições mais interessantes de Gramsci é a sua reflexão sobre os mecanismos pelos quais uma classe pode exercer a dominação sobre as outras, estabelecendo a sua hegemonia não somente pela coerção, como também mediante o consenso, transformando a sua ideologia de grupo num conjunto de verdades que se supõem válidas para todos e que as classes subalternas aceitaram. (FONTANA, 1998, p. 238.)

Gramsci (apud COUTINHO, 2007) analisa a imprensa como a parte

mais dinâmica da superestrutura ideológica das classes dominantes.

Caracteriza-a como “a organização material voltada para manter, defender e

desenvolver a frente teórica ou ideológica”, um suporte ideológico do grupo

hegemônico:

Como se sabe, Gramsci dedicou grande atenção ao modo como a estrutura ideológica de uma classe dominante se organiza, assinalando: A imprensa é a parte mais dinâmica desta estrutura ideológica, mas não a única: tudo o que influi ou pode influir sobre a opinião pública, direta ou indiretamente, faz parte dessa estrutura. Dela fazem parte: as bibliotecas, as escolas, os círculos e os clubes de variado tipo, até a arquitetura, a disposição e o nome das ruas. (COUTINHO; TEIXEIRA, 2003, p. 243).

Em panfleto publicado em 1916, intitulado Os jornais e os operários,

Gramsci dedica especial atenção ao tema. Insiste que os operários devem

recusar os jornais burgueses, mantidos por capitais privados, que privilegiam

as verdades interessantes para partidos e políticos burgueses:

O jornal burguês (qualquer que seja sua cor) é um instrumento de luta movido por ideias e interesses que estão em contraste com os seus. Tudo o que se publica é constantemente influenciado por uma ideia: servir a classe dominante, o que se traduz sem dúvida num fato: combater a classe trabalhadora. [...] E não falemos daqueles casos em que o jornal burguês ou cala, ou deturpa, ou falsifica para enganar, iludir e manter na ignorância o público trabalhador. (GRAMSCI, 2005).

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O texto critica o trabalhador que lê os jornais burgueses, ajudando a

mantê-los, “aumentando a sua potência”, esquecendo que esses veículos

“apresentam os fatos, mesmo os mais simples, de modo a favorecer a classe

burguesa e a política burguesa com prejuízo da política e da classe operária”.

Em obra dedicada a realizar um estudo sistemático da atividade

intelectual na Europa, o mesmo autor avisa:

O tipo de jornalismo estudado nestas notas é o que poderia ser chamado de “integral” (num sentido que, no curso das próprias notas, adquirirá significado cada vez mais claros), isto é, o jornalismo que não somente pretende satisfazer todas as necessidades (de uma certa categoria) de seu público, mas pretende também criar e desenvolver estas necessidades e, consequentemente, em certo sentido, criar seu público e ampliar progressivamente sua área. (GRAMSCI, 1982, p. 161).

A ocupação com a atividade jornalística guarda coerência com o

conjunto do corpo teórico gramsciano. A imprensa é parte dos aparelhos

privados de hegemonia da sociedade civil, assim como a religião e os centros

de produção de cultura e de ensino.

Para compreender melhor a implicação do corpo teórico gramsciano

para o objeto desta análise, convém empreender um recuo. Na teoria

gramsciana há dois níveis superestruturais que compõem - nas sociedades

ocidentais17

- o Estado Ampliado: a sociedade civil, que reúne o conjunto dos

aparelhos privados de hegemonia; e a sociedade política, o Estado no sentido

estrito, os organismos do aparelho burocrático-militar da política institucional.

Na sociedade civil é onde se dá a batalha ideológica, ou, em termos

gramscianos, hegemônica. É nela onde se espraiam as estratégias de busca

por consensos, engendrando a legitimidade via aparelhos privados de

hegemonia.

17

Gramsci diferencia as sociedades ocidentais das orientais conforme a organização de suas estruturas de Estado.

Enquanto no Ocidente ocorre uma estrutura de Estado ampliado, no Oriente há uma estrutura de Estado restrito

que tem por base a manutenção e a reprodução da dominação a partir tão somente do poder coercitivo. Esta não

é, entretanto, uma divisão geográfica, mas conceitos históricos de conteúdo sócio-econômico que representam

tipos de sociedade e os papéis desempenhados pela sociedade civil e pela sociedade política na organização e

reprodução das estruturas sociais.

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25

Esta atividade faz com que Gramsci perceba a imprensa como agente

partidário18

, cumprindo a função de “meio para organizar e difundir

determinados tipos de cultura"19

, articulados de forma orgânica com um

determinado agrupamento social “mais ou menos homogêneo, de um certo

tipo e, particularmente, com uma certa orientação geral”20

.

Ao definir os jornais como aparelhos privados de hegemonia, Gramsci

vai na contramão das concepções liberais que entendem a imprensa como

quarto poder, cuja responsabilidade seria vigiar os governantes, brindando a

“opinião pública” com a transmissão isenta de fatos e garantindo a liberdade

de expressão na medida em que o faz sem intervenções estatais.

É ao primeiro marco categorial que filia-se o presente estudo. Quando

possível, preferiu-se transcrever os próprios textos dos jornais para evidenciar

as questões mais claramente. Também buscou-se acrescentar às notícias

informações contextuais que ajudassem a compreender o meio social em que

se deram os fatos, além dos interesses que sobre eles incidiam.

Além desse duplo panorama, composto pelas transformações da

imprensa no conjunto das transformações da história, esse empreendimento

requer uma cronologia comparada entre o movimento das classes sociais,

seus interesses em cada momento e as transformações em curso nos jornais

que incidiam sobre linguagens, infra-estrutura, modo de produção,

relacionamento com o poder e grupos sociais, entre outros. É o que,

resumidamente, se faz a seguir.

18

Esta visão pode ser encontrada, de forma menos elaborada, no texto onde Karl Marx analisa a imprensa inglesa

mostrando as diferenciações entre a imprensa ligada ao Partido Tory e a imprensa ligada ao Partido Whig. Conf.

MARX, Karl. A opinião dos jornais e a opinião do povo (1861). In. Liberdade de Imprensa. Porto Alegre,

LP&M, 2006. 19

GRAMSCI, 1982, p. 32. 20

Idem.

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26

2 CRONOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

Todo mundo quer saber o nome do fazendeiro que bolinou, como diz o Antonio Klemer, com uma menininha de apenas dois anos de idade. O nome dele? Nem sob tortura. – Coluna da Rubedna Braga, 15.09.2005. Jornal O Rio

Branco21

Este capítulo realiza uma cronologia da imprensa europeia, dos

Estados Unidos e do Brasil. O objetivo é mostrar que as mudanças editoriais

estão ligadas a disputas entre setores da classe dominante pelo controle da

sociedade e que a liberdade de imprensa é o discurso legitimador de um

projeto de modernidade, permitindo o ascenso desta classe nos diversos

países. Busca-se evidenciar que a ideia de neutralidade da notícia possibilitou

ao jornal dirigir-se a todos, estimulando o consensualismo burguês e

viabilizando a disseminação da visão de mundo dominante como se fosse de

toda a sociedade.

O próprio jornalismo diário produzido por empresa especializada é uma

necessidade da vida burguesa. A condução da política por interesses de

grupos proprietários contribuiu para produzir as condições pelas quais a

imprensa tornou-se um aparelho privado de hegemonia.

Por muitas razões, fáceis de referir e de demonstrar, a história da imprensa é a própria história do desenvolvimento da sociedade capitalista. O controle dos meios de difusão de idéias e de informações – que se verifica ao longo do desenvolvimento da imprensa, como reflexo do desenvolvimento capitalista em que aquele está inserido – é uma luta em que aparecem organizações e pessoas da mais diversa situação social, cultural e política, correspondendo a diferenças de interesses e aspirações. Ao lado dessas diferenças, e correspondendo ainda à luta pelo referido controle, evolui a legislação reguladora da atividade da imprensa. Mas há, ainda, um traço ostensivo, que comprova a estreita ligação entre o desenvolvimento da imprensa e o desenvolvimento da sociedade capitalista, aquele acompanhando a este numa ligação dialética e não simplesmente mecânica. A ligação dialética é facilmente perceptível pela constatação da influência que a difusão impressa exerce sobre o comportamento das massas e dos indivíduos. O traço consiste na tendência à unidade e à uniformidade. Em que pese tudo o que

21

Solicita-se ao leitor eventualmente horrorizado pela presente e brutal epígrafe que se conceda alguma vênia

para que se possa expor a dimensão da licença que a imprensa dá a si mesma em seu trabalho de mistificação.

Não há, como se percebe, limites morais nesta empreitada.

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27

depende de barreiras nacionais, de barreiras lingüísticas, de barreiras culturais – como a imprensa tem sido governada, em suas operações, pelas regras gerais da sociedade capitalista, particularmente em suas técnicas de produção e de circulação – tudo conduz à uniformidade, pela universalização de valores éticos e culturais, como pela padronização do comportamento. As inovações técnicas, em busca da mais ampla divulgação, acompanham e influem na tendência à uniformidade (SODRÉ, 1999, p. 1).

O primeiro22

jornal diário do mundo, o londrino Daily Courant, criado

em 1702 por iniciativa da Coroa britânica, confirma esse postulado. Divulgava

boletins sobre a saúde da realeza, editais e eventos reais e não se ocupava

do cotidiano popular. O regime político, baseado no poder privado do

monarca, desconhecia a “opinião pública”. Havia, no lugar, a palavra

soberana do rei.

A correlação entre conteúdo jornalístico e condições políticas pode ser

realizada em qualquer época.

De todos os objetos da pesquisa histórica, o jornal é, talvez, o que mantém as mais estreitas relações com o estado político, a situação econômica, a organização social e o nível cultural do país e da época dos quais constitui o reflexo. (ALBERT & TERROU, 1990, p. 31)

Formas sociais pré-burguesas elaboraram sistemas de comunicação

que também desempenhavam papéis organizadores entre as classes. A

principal característica da imprensa na atualidade, a de circular imagens da

classe dominante, está disponível também nas formas societais anteriores.

Bem antes da invenção do linotipo por Johannes Guttenberg (1390-

1468), por exemplo, haviam na Grécia os aedos23

, artistas que uniam música

e narrativas, sendo Homero um deles. Entre os celtas a mesma atividade era

realizada pelos bardos24

. Os judeus tinham os escribas25

, encarregados de

compilar livros considerados sagrados pela tradição religiosa. Além destes,

relatos como os de Homero, Heródoto, Marco Pólo e outros mantém com a

imprensa a característica de serem sistemas organizados de comunicação.

22

CHAPARRO, 2007. 23

TORRANO, 2006. 24

LOPES & BOSI, 1997, p. 253. 25

FEDELI, 1994.

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28

Friedrich Engels, ao analisar a comunicação articulada como um dos

atributos fundamentais da espécie humana, revela que a organização cada

vez mais complexa dos primeiros grupos humanos na pré-história exigiu a

linguagem para estruturar o mundo do trabalho.

Em face de cada novo progresso, o domínio sobre a natureza, que tivera início com o desenvolvimento da mão, com o trabalho, ia ampliando os horizontes do homem, levando-o a descobrir constantemente nos objetos novas propriedades até então desconhecidas. Por outro lado, o desenvolvimento do trabalho, ao multiplicar os casos de ajuda mútua e de atividade conjunta, e ao mostrar assim as vantagens dessa atividade conjunta para cada indivíduo, tinha que contribuir forçosamente para agrupar ainda mais os membros da sociedade. Em resumo, os homens em formação chegaram a um ponto em que tiveram necessidade de dizer algo uns aos outros. A necessidade criou o órgão: a laringe pouco desenvolvida do macaco foi-se transformando, lenta mas firmemente, mediante modulações que produziam por sua vez modulações mais perfeitas, enquanto os órgãos da boca aprendiam pouco a pouco a pronunciar um som articulado após outro. (ENGELS, 2004).

Este processo não parou a partir da separação entre macacos e

hominídeos. A sociabilidade humana complexificou e ampliou as

determinações que incidiam sobre a linguagem, tornando-a sistemas de

signos e símbolos culturais próprios de cada época:

O desenvolvimento do cérebro e dos sentidos a seu serviço, a crescente clareza de consciência, a capacidade de abstração e de discernimento cada vez maiores, reagiram por sua vez sobre o trabalho e a palavra, estimulando mais e mais o seu desenvolvimento. Quando o homem se separa definitivamente do macaco esse desenvolvimento não cessa de modo algum, mas continua, em grau diverso e em diferentes sentidos entre os diferentes povos e as diferentes épocas, interrompido mesmo às vezes por retrocessos de caráter local ou temporário, mas avançando em seu conjunto a grandes passos, consideravelmente impulsionado e, por sua vez, orientado em um determinado sentido por um novo elemento que

surge com o aparecimento do homem acabado: a sociedade. (idem).

No Paleolítico, a sofisticação das técnicas de caça seria o tema das

primeiras formas de comunicação gráfica que se tem notícia: a arte rupestre.

No interior de cavernas, os ancestrais do jornalista moderno registravam o

que de mais precioso o trabalho coletivo lhes fornecera: carne, uma fonte

alimentar de alto teor protéico que lhes garantia sobrevivência física e

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29

apontava para a importância do trabalho coletivo na superação dos limites

impostos pela natureza.

O desenvolvimento desse domínio impôs sofisticações do aparato

comunicativo nas sociedades, processo que também não se deu de forma

linear. Com a invenção do papel pelos chineses26

, no século II a. C., criaram-

se as condições para um intenso intercâmbio da cultura humana. Isso não

ocorreu porque a divisão social do trabalho, na China de dinastias rivais, já

dissociara há muito a produção e a apropriação do trabalho. O mesmo se

dera no Egito, sob circunstâncias parecidas, com a invenção do papiro27

no

século IV a.C. Por isso, o ofício da escrita era restrito a atividades religiosas e

reais.

Em 1438, com a invenção do sistema de prensas móveis,

estabeleciam-se condições para a difusão do conhecimento. A bíblia em

latim, primeiro livro impresso pelo novo invento, sinalizava os que se

apropriariam do avanço tecnológico: o clero e as monarquias.

As guerras entre os reinos europeus, o endividamento das nobrezas e

a ascensão gradual das burguesias deram as condições para as primeiras

disputas pelo mando social. Nasciam os primeiros informativos, sob rígido

controle estatal, divulgando um único acontecimento por vez.

Já no final do século XV, os impressores passaram a editar, sob a forma de pequenos cadernos de 4, 8 ou 16 páginas, às vezes ilustrados com gravuras em madeira, folhas de notícias em que se relatava um acontecimento importante - batalha, exéquias principescas, festas, etc - ou se reproduzia o texto de algum avviso. Essas folhas, chamadas relationes em latim, occasionnels na França, zeitungen na Alemanha e gazzetas ou corantas na Itália, eram vendidas em livrarias ou por ambulantes nas grandes cidades. (ALBERT & TERROU, 1990, p. 5).

Em 1529, no favorável contexto de uniformização política da França,

com incentivos da monarquia que se beneficiava do patrocínio dado ao

conflito entre classes rivais – nobres e burgueses – surge o pasquim, um

novo tipo de gazeta que inovava relatando vários fatos em vez de um. Eram

26

FREITAS, 2011. 27

HEITLINGER, 2007.

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30

periódicos anônimos, independentes da iniciativa real e nascidos como meio

para obter apoio social:

O conflito entre as classes sociais foi condição fundamental do poder absoluto. O próprio rei instigou o conflito, procurando sobrepor-se a ele e dele tirar proveito. Protegeu a alta burguesia, deu­lhe monopólios comerciais e industriais, arrendou-lhe impostos, garantiu-lhe ascensão social, apoiando-a contra clero e nobreza. Reciprocamente, concedeu privilégios ao alto clero e domesticou a nobreza, atraindo-a a seus palácios por meio de cargos e pensões. Também protegeu as corporações dos artesãos contra os grandes capitalistas, assegurando-lhes os direitos, ao mesmo tempo em que defendeu artesãos e capitalistas contra os assalariados. Garantiu aos camponeses direitos de posse e propriedade adquiridos pelo costume. O poder real, em suma, descansava sobre o conflito generalizado que tendia a equilibrar as forças sociais, especialmente o conflito entre as duas classes mais poderosas, nobreza e burguesia. (ARRUDA & PILETTI, 1996, p. 34)

Neste ambiente conflagrado, no qual o desenvolvimento do comércio

coincidia com a mão do controle real em busca do equilíbrio nacional, as

contradições entre as classes, agudizadas, manifestaram-se nas páginas dos

pasquins inicialmente com relatos de eventos tidos como sobrenaturais,

crimes, catástrofes e outros acontecimentos extraordinários. Não

representaram, nesta fase inicial, problema para as forças em disputa.

Depois28

nasceram os libelos, cujo conteúdo consistia em ácidas polêmicas

religiosas e políticas.

Receosas com a crescente receptividade dos libelos, que

perigosamente davam ao nascente jornalismo uma posição estratégica na

transmissão de idéias, várias cortes lançaram mão de legislações

sistematicamente repressivas. A excessiva centralização dos estudos sociais

sobre essas legislações tendem, porém, a desviar o foco dos eventos reais,

dos interesses em disputa:

Não é o exame da legislação a respeito da imprensa, assim, que nos permite acompanhar o seu desenvolvimento, mesmo sob o aspecto da liberdade de expressão, mas o exame da realidade: a legislação, objetivo constante das preocupações conservadoras, foi posta de lado, desobedecida, algumas vezes, outras serviu a desmandos que não previa, tudo conforme o desenvolvimento dos acontecimentos políticos, conforme a correlação das forças em

28

ALBERT & TERROU, 1990, p. 5.

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31

disputa. Esse ambiente agitado, e de cujo desenvolvimento, em regra, só a agitação nos tem sido transmitida pela historiografia oficial, esquecida de seus motivos, deu lugar a um tipo de imprensa, o pasquim, de características específicas. (SODRÉ, 1999, p.84).

A primeira legislação contra os libelos foi criada na Alemanha em 1524,

seguida pela França em 1537 e a Inglaterra em 1538.29

A regulamentação

estatal mostra que o jornalismo informativo não floresceria entre as

monarquias: a informação estava submetida a forças que não eram as de

mercado.

Nos primeiros anos do século XVII surgem os semanários: em 1609

em Estrasburgo e Wolfenbutel, em 1610 na Basiléia, 1615 em Frankfurt, 1617

em Berlim, 1618 em Hamburgo, 1619 em Sttutgart e Praga, 1620 em Colonia

e Amsterdam, 1622 em Londres, 1631 em Paris, 1636 em Florença, 1640 em

Roma, 1661 em Madri e em 1703 em São Petersburgo.30

Na Inglaterra, onde o processo caminhava mais rápido, surgiu o

primeiro jornal diário: a 11 de maio de 1702 veio a primeira edição do Daily

Courant, também primeiro com a concepção da notícia isenta de valores31

. A

inovação surgiu depois que o Parlamento inglês, diante da restauração da

monarquia, criou reformas para expandir a economia mercantilista. Criara-se

o ambiente no qual o convencimento via livre expressão livre é uma

necessidade social. O protagonismo inglês foi benéfico para o

desenvolvimento da atividade jornalística:

O princípio da liberdade de imprensa, antecipado na Inglaterra, vai ser encontrado, então, tanto na Revolução Francesa quanto no pensamento de Jefferson, que correspondia aos anseios da Revolução Americana, sintonizando com a pressão burguesa para transferir a imprensa à iniciativa privada, o que significava, evidentemente, a sua entrega ao capitalismo em ascensão. Nos países em que essa ascensão ocupava-se agora muito mais no plano político, pois estava já consolidada no plano econômico, a liberdade de imprensa encontrava barreiras nos remanescentes feudais, adrede mantidos, por vezes, pela própria burguesia, como escudos contra o avanço, embora ainda lento, do proletariado e do campesinato – a Inglaterra e a França, particularmente – o problema permaneceu longamente no palco. Foi a ausência, nos Estados Unidos, de passado feudal, que permitiu ali a solução rápida de tal problema,

29

Idem, p. 11-20. 30

ALBERT & TERROU, 1990, p. 7. 31

CHAPARRO, 2003.

Page 32: NASCIMENTO, Jozafá. A imprensa acreana na batalha por hegemonia: estratégias de 1969 a 2006

32

colocada a liberdade de imprensa – isto é, o seu controle pela burguesia – como postulado essencial e pacífico, abrindo-se ao seu desenvolvimento, então as mais amplas perspectivas. Assim, enquanto na Inglaterra a stamp tax só desapareceu em 1855, e, na França, a liberdade de imprensa permaneceu relativa até 1881 – nos Estados Unidos surgiu ampla, praticamente, com a independência. (SODRÉ, 1999, p. 2)

Na França, onde a resistência ao avanço das reformas burguesas

produzira a monarquia absolutista, os jornais que circularam até 1788

desenvolveram tendências literárias para circular na Corte: visavam chegar à

nobreza, influente sobre a censura estatal. Os principais representantes

franceses dessa época foram o Journal de Paris (surgido em 1777) e o

Journal Général de France (em 1778).

O Journal des Savants inaugurou um tipo de imprensa de oposição ao sistema, com a crítica aos filósofos das Luzes, que defendiam o absolutismo esclarecido. Acabou abandonando a crítica literária devido às perseguições e à censura. Jornais literários surgiram na França, mas utilizando uma fórmula subserviente, sem contrariar a ordem constituída. O de maior sucesso no final do século XVII foi o Nouvelles de La Republique des Lettres, dirigido por Bayle, que, de tão acomodado, recebeu cartas de felicitação da Academia Francesa e da Societé Royale, instituições fiscalizadoras dos padrões estéticos. (ARNT, 2002, p. 21).

Nos Estados Unidos sob controle inglês os jornais tinham baixa

periodicidade e curta duração. The Public Occurrences, publicado em Boston

em 25 de outubro de 1690, teve somente um número32

. The Boston News

Letter, de 1704, teve dois33

. Na Filadélfia, em 1728, Benjamim Franklin lançou

a Pennsylvania Gazette34

, que circulou por duas semanas. Com a revolução

de 1776 o número de folhas saltou para 43 em 178235

: Libertas do grilhão

monarquista, as forças burguesas rapidamente formularam os marcos da

liberdade civil, e, com ela, da liberdade de imprensa. A primeira foi garantida

em 1776 com a Declaração de Independência dos Estados Unidos36

. A

32

DUYCKINCK, 1856, p. 27. 33

Idem. 34

Idem, p. 28. 35

ALBERT & TERROU, 1990, p. 47. 36

UNITED STATES OF THE AMERICA. The declaration of independence. Philadelphia: The United States

Congress, 1776. “The Decl“We hold these truths to be self-evident, that all men are created equal, that they are

endowed by their Creator with certain unalienable Rights, that among these are Life, Liberty, and the pursuit of

Happiness. That to secure these rights, Governments are instituted among Men, deriving their just powers from

Page 33: NASCIMENTO, Jozafá. A imprensa acreana na batalha por hegemonia: estratégias de 1969 a 2006

33

segunda seria contemplada 15 anos depois, com a 1ª Emenda à

Constituição37

.

Na França, a legislação sobre a liberdade de imprensa surgiu dois

anos após a revolução de 1789, mas a luta pelo direito de informar livremente

se manteve, inclusive nas fases de consolidação do novo modelo. De acordo

com P. Albert e F. Terrou, entre 1792 e 1799 o governo revolucionário

instituiu uma severa censura estatal aos impressos. Era o período de crise da

Revolução Francesa, caracterizada pela perda da identificação entre os

interesses dos novos grupos dirigentes e o proletariado francês38

.

Diferente dos EUA, a classe dominante francesa não elaborou as

reformas para colocar os mercados no centro da vida social. Abertos os

flancos de batalha, a Restauração instalou-se:

Com o golpe de Estado de Napoleão Bonaparte, um decreto de 17 de janeiro de 1800 permitiu a subsistência de apenas 13 jornais, restabelecendo o antigo sistema de autorização prévia. O imperador impôs severo controle à imprensa, mas também tornou um jornal o porta-voz do seu governo: o Moniteur. Jornais provinciais só podiam publicar temas políticos extraídos do Moniteur. A partir de 1810 só era permitida uma folha por departamento. Em 1807 ainda havia 170 jornais provinciais. Em 1811 restavam apenas quatro jornais em Paris, todos confiscados pelo governo. Após a Batalha de Waterloo, o retorno dos Bourbons (1814-1815) trouxe uma liberdade relativa para a imprensa noticiosa, que, no entanto, só seria conquistada definitivamente 56 anos depois, a partir de 1881.

ALBERT & TERROU, 1990, p. 36.

Inovações tecnológicas ampliaram o poder da imprensa. É o caso do

telégrafo, em 1844, surgido precisamente quando o capitalismo se

the consent of the governed”. (“Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os

homens foram criados iguais, que foram dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes

estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade. Que, a fim de assegurar esses direitos, são instituídos governos

entre os homens, derivando os seus justos poderes do consentimento dos governados”). Disponível em:

<http://www.icitizenforum.com/declaration-independence> Acesso em: 20 ago. 2011. 37

UNITED STATES OF THE AMERICA. The United States Constitution. Washington: The United States

Congress, 1791. “Congress shall make no law respecting an establishment of religion, or prohibiting the free

exercise thereof; or abridging the freedom of speech, or of the press; or the right of the people peaceably to

assemble, and to petition the Government for a redress of grievances”. (“O Congresso não legislará no sentido de

estabelecer uma religião, ou proibindo o livre exercício dos cultos; ou cerceando a liberdade de palavra, ou de

imprensa, ou o direito do povo de se reunir pacificamente, e de dirigir ao Governo petições para a reparação de

seus agravos”). Disponível em: <http://www.usconstitution.net/xconst_Am1.html> Acesso em 20 ago 2011. 38

ALBERT & TERROU afirmam que de 1789 a 1800 foram publicados mais de 1.500 títulos novos, duas vezes

mais do que nos últimos 100 anos. A censura ocorreu de 1792 a 1799, quando a imprensa passou a ser vista

como ameaça à sobrevivência do regime.

Page 34: NASCIMENTO, Jozafá. A imprensa acreana na batalha por hegemonia: estratégias de 1969 a 2006

34

desenvolvia mais rápido, exigindo a transmissão de volumes maiores de

informações. O telégrafo atendeu e melhorou essa demanda: o volume de

informações passou a ser contabilizado em minutos, exigindo relatos

jornalísticos mais curtos e objetivos. Impunha-se a padronização da escrita

informativa: nascia a estética do jornalismo moderno:

Seria possível designar a “objetividade jornalística” por “paradigma do telégrafo”, a primeira rede global em que o jornalismo se integrou. O novo invento libertou a informação dos constrangimentos da geografia, autonomizando-a em relação aos transportes. Além disso, solicitou novas formas de linguagem, ajudando a configurar as formas de expressão jornalística difundidas pelas agências noticiosas, elas próprias fundadas sob o impulso dessa nova tecnologia, e adotadas pelos jornais da “fase industrial da imprensa”. Entre outras modificações nas “relações sociais mediadas pela linguagem” - com relevo para a correspondência comercial ou privada -, o telégrafo contribuiu para a transição do jornalismo partidário para o jornalismo comercial e noticioso, conduzindo ao aparecimento das notícias “objetivas”, ou seja, de “notícias que pudessem ser usadas por jornais de qualquer tendência política”. Neste sentido, as origens da objetividade podem ser encontradas na necessidade de encurtar a linguagem, resultante da transmissão telegráfica. Abreviar o número de palavras significava poupar dinheiro. (MESQUITA, 2005, p. 29).

Jornais exclusivamente informativos, com linguagem calculada

telegraficamente, emergiram nas mais diversas sociedades.

Enquanto isso, no Japão, onde o poder imperial impunha restrições à

liberdade de imprensa, o primeiro jornal diário - o Yokohama Mainichi

Shimbun39

- surgiria tardiamente, em 1870. Era no Ocidente onde se davam

os eventos cruciais para o jornalismo moderno.

Na primeira década do século XX, a consolidação da hegemonia

burguesa conduziria o capital concorrencial ao monopolista, retomando um

velho fenômeno histórico: o imperialismo. A fase superior do capitalismo40

,

marcada pela cartelização da economia e ofensiva contra a classe

trabalhadora, tinha como complemento os “anos dourados”41

da imprensa

39

BURKS, 1964, p. 61. 40

A expressão é do teórico marxista Vladimir I. Lenin, autor de um dos melhores e mais completos estudos sobre

esta transição do capitalismo. Cf. LENIN, Vladimir I. Imperialismo: etapa superior do capitalismo. São Paulo:

Centauro, 2002. 41

É esta a expressão usada, para se referir ao período, pela Associação Nacional dos Jornais (ANJ), entidade

patronal brasileira. Cf. ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS JORNAIS. Jornais: breve história. Brasília, 2005.

Page 35: NASCIMENTO, Jozafá. A imprensa acreana na batalha por hegemonia: estratégias de 1969 a 2006

35

mundial. Agências mundiais de notícias e publicidade42

eram responsáveis

pela coleta e abastecimento de informações para jornais de várias partes do

mundo – incluindo, via cabos telegráficos submarinos quilométricos, dos

países periféricos43

.

A classe trabalhadora reage. Surge o jornalismo militante, avesso ao

dogma da objetividade (que denuncia como armadilha ideológica das classes

dominantes), porém de fabricação artesanal e circulação manual. Mesmo

assim, investe, furiosamente, contra a manipulação noticiosa44

. Os primeiros

jornais proletários enfatizavam abertamente o caráter classista de todo e

qualquer impresso político. Nascia a propaganda revolucionária na imprensa.

O jornalismo, apropriado pelas idéias socialistas, comunistas e anarquistas,

novamente tornava-se palco da batalha por hegemonia entre classes sociais

rivais.45

Coerente com essa trajetória, na primeira década do século XX, nos

primeiros ensaios da Revolução Russa, surgiria o maior e mais influente

jornal revolucionário: o Pravda (do russo, A Verdade)46

, que subsiste até hoje.

Com o século XX nasceu também o rádio47

, nova forma de

comunicação cuja agilidade na transmissão de notícias foi rapidamente

incorporada48

pelas redes de impressos. Cadeias de impressos e rádios

transnacionais dominaram o mercado de informações, criando os primeiros

conglomerados midiáticos da história. Concentradas em poucas mãos, tais

corporações davam aos proprietários posições estratégicas em relação a

governos e conglomerados interessados na exportação do american way of

life para o resto do mundo49

.

Disponível em: <www.anj.org.br/a-industria-jornalistica/historianomundo/historiadojornal.pdf> Acesso em 20

ago. 2011. 42

SODRÉ, 1999, p. 4. 43

Idem, p. 389. 44

BORGES, 2006. 45

A epopéia do jornalismo proletário e a importância da propaganda e agitação impressas para as revoluções

socialistas do século XX exigiria um trabalho monográfico específico, e, se exaustiva, em vários tomos. Por força

do recorte temático exigido de monografias científicas, também esse tema será integralmente omitido, ficando

apenas o registro e a dica para pesquisadores potencialmente interessados. 46

A primeira edição do Pravda circulou em 1912. Hoje, além da versão impressa, há uma homepage do jornal na

internet com noticiário atualizado diariamente em inglês, russo, português e italiano. Cf. PRAVDA. Disponível

em: <http://www.pravda.ru/> Acesso em 20 ago. 2011. 47

CAMPOS, 2007. 48

SODRÉ, 1999, p. 415. 49

Um exemplo claro do papel importante dessa “fase de ouro” do jornalismo ocidental é a sua ligação direta, via

patrocínio generoso, do Departamento de Defesa norte-americano durante o chamado macarthismo (ou,

Page 36: NASCIMENTO, Jozafá. A imprensa acreana na batalha por hegemonia: estratégias de 1969 a 2006

36

Nesta fase, enquanto mercados e governos davam forma à fase

imperialista do capitalismo, intensificando os conflitos de classe nas bases

produtivas ao mesmo tempo em que, no Velho Mundo, consolidava-se a

Revolução Russa, as agências de jornalismo ocupavam-se do fluxo de idéias

da metrópole para a periferia capitalista:

É fácil avaliar a terrível força da engrenagem que se compõe de agências de notícias, agências de publicidade e cadeias de jornais e revistas, sua influência política, sua capacidade de modificar a opinião, de criar e manter mitos ou de destruir esperanças e combater aspirações. Quando se verifica que essa gigantesca engrenagem é simples parafuso de engrenagem maior, a que pertence, do capitalismo monopolista, ainda mais fácil é estimar o seu alcance e poder. Sem considerar esses dados, que a fria realidade apresenta, é impossível, entretanto, discutir problemas como o da liberdade de imprensa, aspecto parcial do problema da liberdade de pensamento. E quando são inseridas no quadro as novas técnicas de mobilização da opinião, como a televisão e o rádio, também submetidas, em muitos países, à iniciativa privada e associadas, inclusive, à imprensa, e também submetidas a organizações em cadeia, verifica-se quanto aquele problema fundamental se apresenta complexo e depende do regime predominante. (SODRÉ, 1999, p. 6).

O ritmo frenético da transmissão de notícias, a necessidade de

consolidação da ideologia imperialista, que pressuponha vender imagens

convincentes do progresso prometido pela nova ordem mundial impõe o

nascimento de mais uma tecnologia de informação: a televisão. Com ela, a

partir da primeira metade do século XX, a propaganda vira entretenimento.

Nos anos 50 as agências transnacionais de publicidade e notícia dos

Estados Unidos criam os manuais de redação e estilo50

, uniformizando o

texto jornalístico51

. Os manuais, que ajudam a consolidar a ideia de

macartismo), campanha anticomunista desencadeada nos Estados Unidos no pós-Segunda Guerra Mundial. Sobre

o financiamento dos jornais neste e em outros períodos de “caça aos comunistas” nos EUA e em outros países,

cf. SAUNDERS, Frances S. Quem pagou a conta? A CIA na Guerra Fria da Cultura. Rio de Janeiro:

Record, 2005. Uma análise dessas mesmas relações a partir de documentos oficiais do Departamento de Defesa

norte-americano pode ser encontrada também em SCHREKER, Ellen. The age of McCarthysm: a brief history

with documents. New York: Bedford/St. Martin’s, 2002. 50

Os manuais consistem basicamente de cartilhas normativas para a escrita, contendo regras de acentuação,

pontuação, ortografia, uso de maiúsculas e minúsculas, pesos e medidas etc. 51

LUSTOSA (1996:72) esclarece: “O modelo da técnica da escrita, exigida pelos manuais de redação, que

surgem a partir de 1950, representou também a introdução do lide, que no Brasil poderia ser abertura, como

ocorre com os espanhóis, que o chamam de entrada. Os redatores e repórteres de rádio usam no Brasil a

expressão cabeça e não lide. A técnica da notícia possibilitou a apropriação da opinião, com exclusividade, pelos

donos do veículo. O repórter passou a produzir textos padronizados, a partir de um modelo de formulação que

não permitia a manifestação de comentários pessoais. Estabelecida a propriedade de opinião, surgiram as

Page 37: NASCIMENTO, Jozafá. A imprensa acreana na batalha por hegemonia: estratégias de 1969 a 2006

37

neutralidade do jornalista ao transmitir os fatos, paradigma reinante desde o

invento do telégrafo, surgem durante a Guerra Fria entre EUA e União das

Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Ambos os países disputavam

áreas de influência no mundo, inclusive no Brasil52

. Desta forma, a

uniformização visava impedir a manifestação de ideias políticas subversivas.

Na história do jornalismo, os avanços do setor comunicativo

proporcionados por inventos como telégrafo, rádio e televisão não foram

apenas saltos tecnológicos resultantes da curiosidade humana. Todos são

francamente coerentes com o seu momento político, que os demanda, e, em

alguns casos, os cria – caso dos manuais.

As agências de notícias, ao anexarem os canais de televisão, criaram

os oligopólios de comunicação que persistem hoje53

. A partir da segunda

metade do século XX, estruturas comunicativas e de publicidade exportaram

produtos e valores de consumo para as periferias empobrecidas do

capitalismo54

, influenciaram no derrube de governos eleitos55

e na legitimação

de ditadores56

, massificaram o american way of life57

e louvaram todas as

ofensivas neoliberais58

que beneficiavam a ampliação dos mercados.

Nos últimos anos do século XX, com a indústria comunicativa no topo

dos circuitos mundiais de capital, surge a informática, e, com ela, a internet.

Blogs, Orkut, facebook, twitter e outras redes de interação permitem a

qualquer indivíduo interagir com outros na produção de idéias, inclusive

noticiosas. Era o nascimento da “sociedade em rede”59

.

Os oligopólios de comunicação acusaram o golpe. Patrocinados por

eles, estudos sobre a suposta insegurança e o caos da rede mundial de

computadores proliferaram-se na própria internet. Pela primeira vez, a

“páginas de opinião”, com o editorial – espaço reservado à defesa das causas e interesses do veículo – e os textos

de articulistas e colunistas, que podiam manifestar seus próprios pontos de vista.” 52

BONIFÁCIO, 2007, p. 29. A autora não menciona os interesses do Pentágono e a guerra de informações entre

EUA e URSS, mas registra, neste mesmo período, a bovina recepção dos manuais pela imprensa comercial

brasileira, incluindo a acreana. 53

Idem, p. 70-73. 54

SODRÉ, 1990, p. 24-28. 55

SODRÉ, 1999, p. 434-449. 56

MARCONDES FILHO, 1989, p. 137-139. 57

GONÇALVES, 2003. 58

BRITO, 2007.

Page 38: NASCIMENTO, Jozafá. A imprensa acreana na batalha por hegemonia: estratégias de 1969 a 2006

38

imprensa via-se na incômoda situação de disputar com outros meios a

credibilidade60

na qual nascera e se desenvolvera.

Nas Ciências Sociais, os estudos sobre a indústria da informação

contemporânea e seus impactos são numerosos. Escassa é a abordagem

sobre a instrumentalização dessa indústria. Atualmente cada vez mais

estudos apontam para os impactos globais da informação democrática.

Milton Santos, ao classificar as formas de intervenção humana no

intercâmbio com a natureza61

, estabelece três fases: 1) a do meio natural,

caracterizada pela simbiose entre técnicas de trabalho e dádivas da natureza;

2) a do meio técnico, em que se observa a emergência do espaço

mecanizado, aumento exponencial da divisão internacional do trabalho e

adensamento da substituição dos objetos naturais e culturais por objetos

técnicos; e 3) a do meio técnico-científico-informacional, iniciada com o fim da

segunda guerra mundial e que consiste numa profunda interação entre

ciência e técnica que se dá por meio de um mercado mundializado e ênfase

na informação como conhecimento técnico e especializado a serviço dos

mecanismos de mercado.

O conhecimento exerceria assim - e fortemente - seu papel de recurso, participando do clássico processo pelo qual, no sistema capitalista, os detentores de recursos competem vantajosamente com os que deles não dispõem. (SANTOS, 2008, p. 242).

Em análise62

centrada na profusão das tecnologias interativas a partir

dos anos 80, Manuel Castells afirma que atualmente vive-se um capitalismo

59

A expressão é do sociólogo espanhol Manuel Castells. Cf. CASTELLS, Manuel. A era da informação: a

sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 2007. v. 1. 60

Embora seja uma constante nas propagandas que os meios de comunicação fazem de si mesmos visando

recuperar leitores, ouvintes e telespectadores, o argumento de que a internet seria mero “caos informativo” é

duvidoso. Pesquisas recentes aumentam justamente o oposto: a credibilidade da internet está crescendo e a dos

impressos, por exemplo, caindo. Cf. FORTI, Pamela. Cresce credibilidade da internet como fonte de notícia,

indica pesquisa. Portal Imprensa, 2011. Disponível em:

<http://portalimprensa.uol.com.br/portal/ultimas_noticias/2011/04/01/imprensa41289.shtml> Acesso em: 23 ago.

2011 61

Embora passe ao largo da questão da imprensa como agente de consolidação dos mercados na citada fase

técnico-científico-informacional, o autor dá instrumentos importantes para análises sobre os segmentos dos

jornais especializados em tecnologia, como cadernos de economia rural, informática, finanças e outros. Dadas

tais especificidades, que superam os esforços do presente trabalho, o tema não será aqui desenvolvido. 62

CASTELLS, 2007.

IDEM, v. 2, O poder da identidade. São Paulo: Paz e Terra, 2007, 532 p.

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39

informacional ou capitalismo cognitivo, tais seriam a magnitude e importância

das mudanças para o próprio capitalismo. Segundo o autor, as tecnologias de

informação, processamento e comunicação ocuparam o centro da dinâmica

social ao permitir novas formas de empoderamento intelectual.

Para Castells, o deslocamento da comunicação do papel de suporte

ideológico do capitalismo para o próprio meio pelo qual o modo de produção

de mercadorias se estrutura, sinaliza o estabelecimento de um novo

paradigma de organização política: a sociedade em rede.

Sem dúvida, informação e conhecimentos sempre foram elementos cruciais no crescimento da economia, e a evolução da tecnologia determinou em grande parte a capacidade produtiva da sociedade e os padrões de vida, bem como formas sociais de organização econômica. (...) A emergência de um novo paradigma tecnológico organizado em torno de novas tecnologias da informação, mais flexíveis e poderosas, possibilita que a própria informação se torne o produto do processo produtivo. (CASTELLS, 2007, p. 87).

A teoria da informação como técnica especializada agregada à última

fase do modo de produção de mercadorias, explorada por Milton Santos, e do

surgimento das sociedades em rede enquanto mecanismos reguladores da

interação informativa, em Castells, ressaltam aspectos específicos das muitas

mediações entre meios de comunicação e capitalismo.

Exploração adensada sobre o tema empreende o sociólogo Octavio

Ianni, para quem a televisão, no capitalismo tardio, tornou-se o novo

príncipe63

. Em vez da concepção gramsciana da imprensa como parte dos

aparelhos privados de hegemonia, cuja atividade elabora e reproduz

ideologias visando a disputa pela consciência social, Ianni acrescenta que a

comunicação de massa ocupa uma posição privilegiada na produção de

consensos. A política, a economia, as questões sociais gerais, estariam agora

submetidos a uma indústria de ressignificação simbólica realizada pela mídia

televisiva.

São muitos os caminhos, assim como as redes, que conduzem à política eletrônica, à democracia eletrônica, à tirania

IDEM, v. 3, Fim de milênio. São Paulo: Paz e Terra, 2007, 497 p. 63

IANNI, 1999.

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40

eletrônica ou ao príncipe eletrônico. Há poderosos e predominantes interesses corporativos impondo-se mais ou menos decisivamente às instituições “clássicas” da política, compreendendo partidos políticos, sindicatos, movimentos sociais, correntes de opinião pública e governos, em seus poderes legislativo, executivo e judiciário. No âmbito da “democracia eletrônica”, dissolvem-se as fronteiras entre o público e o privado, o mercado e a cultura, o cidadão e o consumidor, o povo e a multidão. Aí o programa televisivo de debate e a informação política tende a organizar-se nos moldes do programa de entretenimento. Aos poucos, o político, o partido, a opinião pública, o debate sobre problemas da realidade nacional e mundial, as possibilidades de opções dos eleitores e a controvérsia sobre planos alternativos de governo, tudo isso tende a basear-se nas linguagens, recursos técnicos, teatralidade e encenação, desenvolvidos pelos programas de entretenimento. (IANNI, 1999, p. 261).

A concepção da mídia como príncipe eletrônico ocupa a posição

teórica inversa àquela que considera as técnicas e meios comunicativos

ações informativas isentas, neutras64

, permitindo ainda vislumbre mais

satisfatório das estratégias adotadas na disputa por consensos.

Cabe à investigação científica, porém, sistematizar os processos de

constituição da imprensa em relação aos jogos de poder com as

especificidades próprias de cada região. No Brasil esse fenômeno é

particularmente revelador quando se permite contextualizá-lo com o

desenvolvimento desigual e dependente do capitalismo, o pendor golpista da

sua classe dominante e o metabolismo político do país.

2.1 A IMPRENSA BRASILEIRA

O jornalismo no Brasil iniciou-se tardiamente, em comparação com os

países europeus.

A imprensa surgiu no Brasil com muito atraso em relação à Europa e aos Estados Unidos. Quando começaram a ser publicados jornais em nosso país já circulavam vários periódicos em Paris, alguns dos quais, ainda em 1806, contavam com uma tiragem diária de cerca de 50 mil exemplares. (LUSTOSA, 1996, p. 39).

64

Expressões cada vez mais comuns dessa percepção ocorrem entre estudiosos contemporâneos de Tecnologia

da Informação (TI), Gestão de Negócios e em setores predominantes da Economia. São, como profetizou

Marcuse, os representantes atuais dos velhos tecnocratas. Para uma discussão adicional sobre os critérios de

neutralidade e objetividade também reivindicados na área da tecnologia, cf. MARCUSE, Herbert. A ideologia

da sociedade industrial: o homem unidimensional. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1973.

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41

Dois impressos, A Gazeta do Rio de Janeiro e o Correio Braziliense

começaram a circular a partir de 1808, embora sob censura prévia da Coroa

portuguesa. Era o desenvolvimento do poder de consenso social submetido à

normatização jurídica absolutista.

Da mesma forma que os impressos franceses sob o jugo do poder

absolutista, A Gazeta resumia-se à transmissão de comunicados e boletins

reais, entre outras efemérides. O Correio Braziliense tinha posição dúbia: ora

censurava a Corte joanina – que fugira para o Brasil, temendo o avanço das

tropas napoleônicas – e era perseguido, ora a apoiava e era tolerado.

O controle que causou o atraso da imprensa brasileira obedecia,

porém, a forças coerentes com aquela etapa do desenvolvimento político.

Os holandeses, dominando a área mais rica da colônia, no século XVII, introduziram no Brasil alguns elementos característicos da atividade portuguesa, de que foram pioneiros. Não a imprensa, porém. Apesar de terem dado singular desenvolvimento, na área metropolitana, na proporção do avanço da sua burguesia, não se empenharam em trazer ao seu novo domínio americano a arte tipográfica. É curioso o fato, porque mostra como as condições da colônia constituíam obstáculo mais poderoso ao advento da imprensa do que os impedimentos oficiais que caracterizaram a atitude portuguesa. Claro que estes, na sua vigilância permanente, concorreram também para o retardo com que conhecemos a imprensa. Mas a razão essencial estava nas condições coloniais adversas: o escravismo dominante era infenso à cultura e à nova técnica de sua difusão. A etapa econômica e social atravessada pela colônia não gerava as exigências necessárias à instalação da imprensa. Quando surgiram as iniciativas isoladas, no século XVIII, o papel das autoridades coloniais foi importante. Elas não decorreram, assim, de uma imposição social, mas de esforços isolados. Nem estes, entretanto, permitiu a metrópole que surgissem, liquidando-os no nascedouro. (SODRÉ, 1999, p. 16-7).

Comparada com a europeia, a censura jornalística tinha também

especificidades. Uma delas era a capacidade de barganhar com o poder,

buscando um ambiente amistoso. As negociações entre Hipólito da Costa,

proprietário do Correio Braziliense, e subordinados da Corte portuguesa,

eram constantes.

De qualquer forma, duas coisas parecem certas: uma é que a perseguição ao Correio Braziliense sofreu altos e baixos, não sendo a mesma ao longo do tempo e em todos os lugares; outra é que foram repetidos os entendimentos das autoridades com Hipólito da Costa, mesmo de pessoas acreditadas por D. João para esse fim. As

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42

perseguições, segundo alguns, não partiram do príncipe, mas de subordinados seus, inclusive ministros. (idem, p. 27).

Nesse clima que alternava amenidades e perseguições, a concepção

de neutralidade da notícia permaneceria distante do jornalismo brasileiro até

bem entrado o século XX – viria, sim, já sob o ímpeto homogeneizante,

portanto, das agências transnacionais.

No Brasil colônia o jornalista era conhecido como defensor de valores

morais e religiosos, e o jornal era o meio de propagá-los65

. A caricatura do

erudito grave, indiferente aos embates políticos no chão da história, resultava

da falta de condições sociais que exigissem a disputa da opinião pública.

Assim, os jornais recorriam à moral e aos valores como fonte de autoridade66

.

No entanto, o sistema de monopólio67

imposto pela Coroa portuguesa

contrariava vários setores da economia. A contradição entre situação política

e a ruidosa ascensão burguesa na Europa forçou o jornalismo a trilhar o velho

caminho da luta pela liberdade. A propaganda moral, portanto, é

recorrentemente acrescida de admoestações diversas a Sua Majestade,

Imperador Dom João VI. Neste sentido, proprietários de terras e pequenos

comerciantes se unem até que, em 1808, o imperador derruba o sistema de

monopólio68

. Os jornais comemoram. Era a primeira de muitas vitórias de

uma longa trajetória ascensional.

Em 1821, o retorno da Corte a Portugal ameaça trazer de volta o

monopólio. A ameaça de retrocesso volta a unir as parcelas da classe

dominante, novamente com protagonismo da imprensa.

(...) o problema que une as classes, internamente, volta a ser colocado, quando do retorno da Corte a Portugal, com a ameaça de regresso ao regime de monopólio. De Lisboa, onde havia surgido pouco antes o avanço do constitucionalismo portuense – com um avanço correspondente e transitório na colônia – surge agora aquela ameaça de regresso a uma situação que não poderia ser suportada pela classe dominante brasileira: a conquista anterior, que parecera

65

LUSTOSA, 1996, p. 68. 66

“No Brasil Colônia, a operação de gráficas era terminantemente proibida. A entrada de livros no país era feita

clandestinamente e a sua posse considerada um crime. A imprensa só apareceria no país por iniciativa oficial.”

(LUSTOSA, 1996, p. 39). 67

FAORO, 2001, p. 259, explica que o sistema de monopólio consistia na exclusividade lusa sobre os produtos

coloniais. 68

ALMEIDA, 2001, p. 94.

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simples dádiva, fica em perigo, e o perigo une. Para unir, é preciso mobilizar. Para mobilizar, é preciso despertar a opinião. Para despertar a opinião, é preciso imprensa. Ela tem, então, a sua primeira fase autêntica, entre nós, quando os episódios vividos entre o retorno da Corte joanina a Portugal e a mudança de atitude do príncipe regente D. Pedro marca a evolução dos acontecimentos. (SODRÉ, 1999, p. 45).

Criado o Império brasileiro, a imprensa assumiria papel central na

defesa dos grupos que engendraram a independência. As publicações

multiplicaram-se, embora não houvesse ainda jornais diários69

- eram

periódicos, contendo poucas páginas e muitos anúncios publicitários. São

exemplos dessa época: a Aurora Fluminense (1827-1839), que criticava D.

Pedro I e em seguida apoiou as regências; O Repúblico; Nova Luz Brasileira,

que discutia e exigia a reforma agrária; Tiphis Pernambucano, do lendário

Frei Caneca; Revérbero Constitucional Fluminense; o Observador

Constitucional; Carapuceiro; Gazeta do Brasil; Diário Fluminense e outros.

A corte de D. Pedro I seguiu o exemplo francês: fortaleceu a imprensa

oficialesca70

. Não funcionou. Em 1824, o império recém-formado lançaria

mão do artifício reconhecidamente eficaz contra a agitação política: eliminar a

liberdade de imprensa71

. Veio então a imprensa anônima72

, ampliando o seu

alcance, uma vez que driblava as medidas restritivas governamentais e

atiçava os leitores para as mudanças políticas em curso na Europa e nos

EUA.

A partir de 1827, com a criação da Academia de Direito do Largo de

São Francisco, em São Paulo73

, o processo ganha novas dimensões. A

intenção do império - formar quadros para a administração pública –

fomentaria atividade diversa: a proliferação de jovens intelectuais, críticos do

Império, que expressavam suas idéias nos pasquins: jornais de quatro folhas,

monotemáticos, anônimos, de linguagem áspera e virulenta.74

O cerco se fecha. Em 1831, Dom Pedro I renuncia. O regime, porém,

permanece no período regencial. Vitoriosos, os pasquins multiplicam-se e o

69

ibidem, p. 106. 70

ib., p. 49-50. 71

ib., p. 61. 72

ib., p. 83-112. 73

Primeira instituição de ensino superior do país.

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44

conflito político se acentua. As classes dominantes se dividem. O latifúndio,

ancorado na agenda agroexportadora, passa a defender o governo central

que dialoga e atende a seus interesses. Nas províncias, os crescentes grupos

comerciais urbanos mantêm a agenda por autonomia. A Constituição de 1824

ampliara o controle sobre as províncias, criando generalizado mal-estar

político que levam a conflitos insurreicionais.

Proliferam-se também os pasquins anônimos. É neles que, até meados

de 1840, grupos comerciais disputam o apoio popular para a sua agenda de

abertura econômica e política. O império responde com o Golpe da

Maioridade, no qual o jornalismo áulico, ligado ao poder, ganha força, e, com

ele, o poder do latifúndio escravagista.

Somente a partir da década de 1870, com o fim da Guerra do Paraguai

e a proibição do tráfico de escravos, recomeçam na imprensa as discussões

sobre os efeitos nocivos do latifúndio para o que se pretendia serem

interesses nacionais. Assim, de 1870 a 1872, surgem mais de 20 publicações

no país75

. É uma imprensa literária, de ideais republicanos. O avanço da

classe média e da vida urbana em geral possibilitara as mudanças.

A luta contra a escravidão e pelo advento da república, bandeiras

assumidas pelas províncias como passo necessário para a liberdade dos

mercados, se fazia presente nos jornais. A imprensa se torna abolicionista e

republicana, abandonando o pasquim. Criam-se sistemas de assinaturas,

vendas em bancas e outros avanços, sinalizando os primórdios do jornalismo

industrial. As agências de notícias internacionais começam, via telégrafo, a

abastecer os jornais locais. A relevância da imprensa para a conquista da

república seria ampliada nas décadas seguintes. Mesmo assim, o paradigma

da notícia neutra ou isenta continuava distante. Os textos permaneciam

doutrinários, no calor das disputas políticas entre grupos rivais da classe

dominante.

(...) a imprensa estava também consolidada, a de caráter artesanal subsistia no interior, pelos velhos processos e servindo às lutas locais, geralmente virulentas; nas capitais já não havia lugar

74

LUSTOSA, 1996, p. 40. 75

ib., p. 212.

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para esse tipo de imprensa, nelas o jornal ingressara, efetiva e definitivamente, na fase industrial, era agora empresa, grande ou pequena, mas com estrutura comercial inequívoca. Vendia-se informação como se vendia outra qualquer mercadoria. E a sociedade urbana necessitava de informação para tudo, desde o trabalho até a diversão. Certo, sempre apareciam, e logo desapareciam, jornais que se dispensavam dos grandes compromissos daqueles que haviam atingido o mínimo de estabilidade empresarial. Eram exceções, porém, e a transitoriedade inexorável que os marcava assinalava bem esse traço. Apagavam-se com a circunstância que os motivara. A imprensa, no início do século, havia conquistado o seu lugar, definido a sua função, provocado a divisão do trabalho em seu setor específico, atraído capitais. Significava muito, por si mesma, e refletia, mal ou bem, as alterações que, iniciadas nos dois últimos decênios do século XIX, estavam mais ou menos definidas nos primeiros anos do século XX. (SODRÉ, 1999, p. 275).

Na primeira república eram altos os investimentos necessários para

manter um jornal, ajudando a firmar o caráter especializado, empresarial, da

imprensa. O número de jornais cai. Os sobreviventes seguiram a receita

áulica, costurando acordos com os mais diferentes governos.

Campos Sales, que preside o país justamente na passagem de um século a outro, e que busca estruturar politicamente as forças pré-capitalistas, embora com processos empíricos, os únicos que conhece – daí a “política dos governadores”, de um lado, e a orientação financeira de Murtinho, por outro lado, mas estreitamente ligadas – não tem nenhum escrúpulo em comprar a opinião da imprensa e de confessar nuamente essa conduta. Ela lhe parece honesta, justa e necessária. Essa compra da opinião da imprensa pelo governo torna-se rotina. (SODRÉ, 1999, p. 277).

Nas regiões mais distantes do controle governamental, porém, as elites

locais ressoam em seus jornais descontentamentos com taxas, políticas

alfandegárias e outras ações estatais. Investimentos em maquinários novos

dariam nova face, ampliando o jornal como veículo de transmissão de idéias

nas classes médias. Nas metrópoles o jornalismo desenvolvia-se, por sua

vez, beneficiado por acordos com o poder:

Assim, tranqüilamente, os “eminentes amigos”, os probos srs. Washington Luís e Getúlio Vargas, reputavam natural subsidiar com dinheiro dos cofres públicos os jornais que apoiavam o governo. Isso chegara a ser norma consuetudinária, tão rotineira que não despertava o menor arrepio em homens de probidade pessoal indiscutida como esses dois chefes de Estado. (SODRÉ, 1999, p. 367).

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O golpe de 1930 muda o quadro. Considerando a atividade jornalística

perigosa, Vargas cria em 1931 o Departamento Oficial de Propaganda (DOP),

renomeado oito anos depois para Departamento de Imprensa e Propaganda

(DIP). O órgão concedia licenças para a importação de papel para os órgãos

de imprensa, negando-as, reiteradamente, para os impressos que o governo

reputava como perigosos.

Uma vez que os preços dos insumos inviabilizavam o recurso aos

velhos pasquins, criava-se, sob a força irresistível da necessidade, a

imposição de um jornalismo sem críticas diretas, amistoso com o poder – um

jornalismo isento. Desembarcava no Brasil, com mais de 300 anos de atraso,

o paradigma informativo mais apropriado para disputas por consensos.

Já havia, porém, informação jornalística de orientação isenta. Vinham

pelas agências telegráficas norte-americanas. Por motivos diferentes, a

imprensa nacional e a estrangeira encontraram a mesma estética noticiosa: a

que permitia vender a mesma notícia ao máximo possível de pessoas,

evitando que posicionamentos doutrinários atrapalhassem os negócios.

Outras mudanças atingiram o modo de fazer negócios com a

informação e a divisão do trabalho interno das empresas jornalísticas:

A técnica da notícia possibilitou a apropriação da opinião, com exclusividade, pelos donos do veículo. O repórter passou a produzir textos padronizados, a partir de um modelo de formulação que não permitia a manifestação de comentários pessoais. Estabelecida a propriedade de opinião, surgiram as “páginas de opinião”, com o editorial – espaço reservado à defesa das causas e interesses do veículo – e os textos de articulistas e colunistas, que podiam manifestar seus próprios pontos de vista. Os jornais passaram a esclarecer no expediente que não se responsabilizavam pelas opiniões emitidas nas matérias assinadas. O modelo técnico e a exigência de imparcialidade, impessoalidade e isenção permitem aos donos dos veículos de comunicação de massa celebrar alianças econômicas e políticas, facilitando a exclusão dos quadros da empresa de todos os jornalistas que produziam qualquer texto capaz de evidenciar posição contrária àquelas defendidas por seus proprietários. Durante este período, os donos dos jornais advertiam severamente os jornalistas que insistiam em defender suas opiniões com a seguinte observação: se você quer escrever o que pensa, compre um jornal. Para o público, apregoava-se o mito da imparcialidade e objetividade do texto jornalístico, que busca encobrir os verdadeiros interesses das empresas e suas alianças econômicas e político-ideológicas. (LUSTOSA, 1996, p. 71-2).

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A censura oficial só seria interrompida com a Constituição de 1946. Em

1953 viria a Lei de Imprensa. Também nos anos 50 viriam os manuais de

redação das agências estrangeiras, que invadiram os jornais e eliminaram os

vestígios literários da imprensa brasileira. A encantadora linguagem visual da

televisão, a submissão do capital nacional aos interesses do imperialismo

norte-americano e a ideologia nacional-desenvolvimentista dos anos JK

contribuíram para que o jornalismo entrasse em uma nova fase, ampliando o

seu poder de convencimento. Ao mesmo tempo operou-se profunda

concentração dos veículos de informação, nascendo as cadeias nacionais de

comunicação, compostas por redes de rádio, televisão e impressos, seguindo

o exemplo inglês e norte-americano.76

A partir de 1964 a televisão consolida-se como o principal e mais

completo meio de comunicação do país. Surge nos impressos a linguagem

visual, adotada para compensar a aridez de críticas ao Estado, então sob

golpe militar. Surgem os cadernos editoriais, com seções dedicadas ao

público feminino, esportes, entretenimento e outros.

A superficialidade editorial e o silêncio sobre a ditadura ensejam um

ambiente propício para o desenvolvimento da chamada imprensa

alternativa77

. Composta por publicações artesanais, de circulação e

periodicidade irregulares, a imprensa alternativa consistia basicamente de

crítica política. Esses jornais

Denunciavam a complacência da grande imprensa para com a ditadura militar, os jornais alternativos denunciavam sistematicamente as torturas e violações dos direitos humanos e faziam a crítica ao modelo econômico. Inclusive nos anos de seu aparente sucesso, durante o milagre econômico, de 1968 a 1973, destoando, assim, do discurso triunfalista do governo ecoado pela grande imprensa, gerando todo um discurso alternativo. Opunham-se por princípio ao discurso oficial. (KUCINSKI, 1991, p. 13).

Três periódicos alternativos marcaram a imprensa brasileira: Opinião,

Movimento e Em Tempo. Opinião baseava-se na excelência visual e na

76

Segundo SODRÉ (1999), a principal cadeia nacional eram os Diários Associados, do empresário Assis

Chateaubriand. Havia outros, porém, de alcance regional ou local.

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caricatura. Publicava textos da intelectualidade brasileira, inclusive os que

haviam sido afastados das universidades após o golpe. Foi o principal e mais

importante jornal da imprensa alternativa na década de 70. Movimento tinha

uma estética mais próxima do popular, através de textos curtos, leves, com

dinâmica ágil e enérgica. Foi sistematicamente podado pelos órgãos de

censura ditatorial.

Em Tempo foi o que menos sofreu com a censura prévia, surgindo no

fim do governo Geisel (1974-1979). Tinha folhas grandes para permitir

manchetes longas. Foi concebido para fazer frente aos jornais da grande

imprensa, mas tornou-se panfleto político-partidário:

Em outubro de 1979, Em Tempo vira tablóide. Já era um jornal essencialmente partidário, mas ainda sobreviviam no seu interior vozes independentes, sem ligação orgânica com a Democracia Socialista (DS). Entre elas a de Marco Aurélio Garcia e Eder Sader que, como a DS, estavam articulados ao processo de criação do Partido dos Trabalhadores, conhecidos como o grupo dos autonomistas, por defenderem a autonomia operária em relação ao partido. (...) Assim terminou a linhagem dos jornais de frentes jornalísticas. Em Tempo há havia se transformado em um jornal de partido. (KUCINSKI, 1991, p. 372).

Finda a ditadura, com a longa distensão democrática coincidindo com

a desintegração da URSS, mudanças estruturais na imprensa brasileira

acompanharam o aprofundamento do capitalismo. Em 1985 promulgava-se o

Consenso de Washington, forçando os países periféricos a comprometer-se

com mudanças políticas e econômicas visando aprofundar o avanço do

neoliberalismo. Na imprensa, sintonizada com a nova ordem, dava-se a

revolução informática e uma série de mudanças na profissão jornalística que,

a pretexto de sua modernização, desencadearam uma profunda

reestruturação produtiva.78

77

As expressões “imprensa alternativa” e “imprensa nanica” são usadas por Bernardo Kucinski para designar o

jornalismo proletário, de orientação socialista, surgido durante a ditadura militar. Cf. KUCINSKI, Bernardo.

Jornalistas e revolucionários: nos tempos da imprensa alternativa. São Paulo: Scritta Editorial, 1991. 78

Além do já citado jornalista freelancer (repórter sem vínculo empregatício, pago por produção), surgem nessa

época a fusão de atribuições que pertenciam a setores diferentes, o enxugamento do contingente por empresa, a

automação e várias outras mudanças que mergulharam o setor numa severa crise.

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49

Impressos destinavam-se a segmentos populacionais com instrução

escolar elevada - na década de 80 eram altos os índices de analfabetismo.

Por isso a televisão, especialmente pela dramaturgia, firmava-se como meio

de comunicação preferido nos estratos de renda menor.

Na crise neoliberal dos anos 90 os impressos criam novas estéticas

para atrair novos leitores. Era o resultado do surgimento da internet.

Infográficos, painéis, títulos chamativos e coloridos são chamados à guerra

contra a rede mundial de computadores.

No início dos anos 2000, impressos ganham versões eletrônicas na

rede e vários mudam-se integralmente para o novo espaço, cortando os

custos com impressão e circulação. Os conglomerados de mídia tentam

assimilar a internet como um tentáculo a mais, emprestando aos seus sites

noticiosos a credibilidade conquistada durante décadas de informação isenta.

A internet permanece, porém. Textos noticiosos, das mais variadas

vertentes e orientações políticas, podem ser nela encontrados ao lado de

fóruns, enciclopédias, entretenimento e outros recursos. A partir de 2010

surgem em vários países projetos legislativos de regulamentação do

conteúdo da web, a pretexto de combate a crimes virtuais. A idéia, que no

Brasil encontra-se paralisada no Congresso Nacional, encontra forte oposição

de vários especialistas da própria comunicação social – incluindo jornalistas.

Esses movimentos de produção de notícias repercutem

diferenciadamente em todo o país, mas também assumem contornos locais,

como acontece no Acre.

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3 A IMPRENSA ACREANA

Nos pequenos e médios municípios brasileiros, os jornais são totalmente dependentes da elite local dominante e da máquina do Estado, e mais afastados da ética do jornalismo liberal. Um exemplo notável é Rio Branco, capital do Acre, que possui quatro jornais diários, que não somam 8.000 exemplares de circulação. Nenhum tem viabilidade econômica, todos vivem dos favores públicos, cada um representando um chefe político local. – Bernardo Kucinski.

O presente capítulo analisa o resultado da pesquisa sobre os jornais A

Gazeta do Acre / A Gazeta, O Rio Branco, A Tribuna e Página 20, no contexto

geral do desenvolvimento da imprensa acreana, entre 1969 e 2006.

Apresenta-se inicialmente um breve mapeamento com o objetivo de

estabelecer ligação entre os interesses sociais em marcha por legitimação e

reconhecimento, tendo os jornais como tecnologias de divulgação e

consolidação de uma visão de mundo.

Nesse sentido, o jornalismo é a expressão de processos históricos que

registra e dá propagação. Entender o jornalismo acreano, mesmo no curto

recorte temporal adotado, impõe compreender o desenvolvimento da

imprensa amazônica e o embate das oligarquias locais com o governo

central.

O primeiro jornal produzido na Amazônia foi A Gazeta do Pará,

organizado e publicado em Lisboa, em janeiro de 1821 – apenas 13 anos

depois da primeira edição do Correio Braziliense e do Diário do Rio de

Janeiro. Já em 1822, porém, surgiria o primeiro jornal independentista da

região: O Paraense.

O jornal surgiu no calor da Revolução Liberal de 1820, que assegurou cidadania aos portugueses da Europa e da América do Sul. Na primeira página da edição inaugural, o periódico publica o decreto sobre a liberdade de imprensa prevista na constituição de Portugal. E a luta pela liberdade e a independência do Brasil marca a linha editorial do jornal, principalmente após o cônego João Batista Gonçalves Campos ter assumido a sua direção. O jornalista responsável foi perseguido e preso várias vezes. O jornal deixou de circular em fevereiro de 1823, em sua 70ª edição, seis meses antes da então província do Pará aderir à independência do Brasil, que ocorrera um ano antes. (FERREIRA, 2005).

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O primeiro jornal do Amazonas, o Província do Amazonas, circula em

1850, seguido pelo Cinco de Setembro em 1851. Em 15 de novembro de

1895 é fundado no Amapá O Pinsonia. O nome foi homenagem ao navegador

espanhol Vincente Yanés Pinzón, que registrou a foz do rio Amazonas em

1500.

No início do século 20, à medida que a frente da borracha avança em busca de novos seringais nativos, a imprensa também segue as pegadas dessa penetração. É o caso do jornal "Correio do Acre", que surge em Xapuri. O "Alto Purus", em Sena Madureira (AC), registra a chegada do primeiro automóvel da Comissão de Defesa da Borracha, em 6 de julho de 1913. O jornal da primeira capital do Território do Acre (uma corruptela de Aquiry, como os índios Apurinã chamavam um de seus rios) publica freqüentes anúncios sobre a chegada de navios ingleses que abasteciam as casas comerciais de Sena Madureira: "Vinhos especiaes do Porto, charutos Trujillo, champanhe e presuntos franceses". Era o sonho de consumo da chamada "Sociedade do Látex", controlada pelos coronéis de barranco. Porto fica no norte de Portugal e a região é famosa pela produção de deliciosos vinhos de mesa. (idem).

Em artigo publicado no site do Sindicato dos Jornalistas Profissionais

do Acre (Sinjac), a jornalista Tatiana Campos afirma que o primeiro jornal a

circular no Acre chamava-se El Acre, redigido em espanhol e editado pelo

governo boliviano79

. El Acre80

circulou de 1901 a 1902 em Puerto Alonso

(atual Porto Acre). A especificidade do conflito político na região exigia ampla

circulação de idéias, centrada no combate à política tributária do governo

central sobre a próspera economia local e à nomeação direta de governantes.

A abertura democrática, que permitiria a esses empresários eleger os

candidatos mais comprometidos com seus interesses, era outra demanda

constante nos jornais.

79

“O primeiro jornal que circulou em solo acreano, feito por brasileiros, foi impresso em Thaumaturgo de

Azevedo, na Foz do Amônia, chamada agora de Marechal Thaumaturgo. Hoje não é impresso nenhum jornal na

cidade, mas o primogênito da imprensa acreana foi impresso lá, em 1904. Este, porém, não foi o primeiro jornal

a circular no Estado. Em 1901 - período em que o Estado vive os chamados ‘Anos bolivianos no Acre’ - o “El

Acre” é lançado pelos bolivianos com a intenção de consolidar a dominação boliviana no território.” (CAMPOS,

2009). 80

José Chalub Leite, em artigo veiculado na edição 1 de A Tribuna, a 15 de março de 1993, acrescenta que El

Acre era “destinado a trombetear os atos das forças de ocupação do chamado país vizinho”. Curiosa observação,

dado o fato de que a região, pelos tratados internacionais da época, pertencia de fato à Bolívia.

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52

A luta por autonomia política e desoneração tributária –

fundamentalmente, para colocar esses interesses como se fossem de todas

as classes, isto é, da sociedade acreana – leva à criação de três jornais em

1912, em Sena Madureira. Quatro anos depois, Cruzeiro do Sul tinha dois

impressos, e, em 1917, nascia em Xapuri o Correio do Acre.

A criação de tantos jornais em uma região distante e de difícil acesso,

onde o transporte de produtos e insumos para a confecção e impressão

dependia exclusivamente de transporte fluvial, evidencia o enorme poder da

economia do látex na época, além de demonstrar empiricamente o papel da

imprensa enquanto aparelho privado de hegemonia81

, se levado em

consideração o contexto mais amplo da disputa política e econômica.

O caráter doutrinário dessa fase do jornalismo acreano não permitia o

desenvolvimento da isenção como estratégia de convencimento. A luta por

consensos se fazia abertamente, uma vez que os proprietários dos jornais

eram, também, proprietários da maior parte dos demais setores econômicos.

A luta no Acre era contra o governo central, em busca de reformas

liberalizantes.

Por isso os primeiros jornais acreanos eram intensamente doutrinários,

com linguagem abertamente política. A combatividade evidenciava o poder

dos grupos econômicos dominantes na região:

81

ASSMAR (2007) faz um trabalho minucioso de catalogação desse fenômeno. Segundo ela, em 1929, no

governo Hugo Carneiro, surgiria outro jornal denominado O Acre, de caráter oficioso e que servia

fundamentalmente à divulgação dos atos do poder público, especificamente Executivo e Judiciário. No governo

Wanderley Dantas a publicação foi transformada no Diário Oficial do Estado, existente ainda hoje. Observa

ainda que o município de Xapuri conheceu a imprensa em 1907, com dois jornais: O Acreano e outra versão de

O Acre. Cinco anos antes circulara no Rio de Janeiro uma quarta versão de O Acre, de apoio à ditadura

florianista. Lançado pelo Partido Construtor Acreano (PCA), situacionista, O Alto Acre começa a circular em

1913, em Xapuri. No ambiente favorável da Velha República, com o Acre vivendo o primeiro ciclo da borracha,

os periódicos multiplicam-se no interior. Em Sena Madureira surgem A Gazeta do Purus (1902), O Estado do

Acre (1902), O Alto Purus (1908), Brasil Acreano (1909). Em Tarauacá: O Município (1910), O Departamento

(1915) e A Reforma (1918). Em Xapuri: O Correio do Acre (1910), O Oeste (1949) e O Guarani (1980). Em

Cruzeiro do Sul: O Cruzeiro do Sul (1906), O Rebate (1921) e O Juruá (1953), dentre outros. Em Rio Branco, a

mesma pujança, com os títulos chegando a casa das centenas: Cidade Empresa, O Bandeirante, Jornal do Povo,

Correio do Acre, O Imparcial, Correio do Oeste, A Vanguarda, O Servidor, Folha do Acre, A Folha, Tribuna do

Povo, A Gazeta, O Normalista, A Bola, Folha Oficial, O Jornal (primeiro off-set do Acre), O Estado, O Estado

do Acre, Jornal do Povo, Correio Estudantil, Hora do Acre, Hora do Povo, entre outros, foram todos criados

entre a Velha República e o Estado Novo.

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Produzidos semi-artesanalmente, os jornais riobranquenses, desde seu surgimento, eram essencialmente opinativos, com pequena tiragem, circulavam entre grupos restritos, devido à falta de recursos financeiros para sua manutenção. Afora isto, a própria característica da sociedade riobranquense, fundamentalmente voltada para o extrativismo da borracha, revela que a mídia na região, desde os primórdios, atuava como produtora por excelência de imagens e símbolos destinados à manutenção de pequenos grupos no poder. (BONIFÁCIO, 2007, p. 25).

Da mesma forma que os primeiros jornais do Brasil colônia, a figura do

jornalista como intelectual moralizador também se disseminou. A publicação

de opiniões era, portanto, a essência do fazer jornalístico, método que

permaneceu ao longo da primeira metade do século XX. Em 1929 as oficinas

tipográficas usadas para os atos oficiais do governo do Território passaram a

imprimir também impressos particulares.

Na década de 30 iniciou-se na imprensa um crescente louvor aos

combatentes da Guerra Acreana, tidos como heróis da pátria e da liberdade.

Maria Iracilda, interpretando o fenômeno, afirma que trata-se de estratégia

para fixar na região diversos grupos étnicos atraídos pela promessa de

enriquecimento fácil:

Um outro aspecto a ser analisado neste período inicial da imprensa rio-branquense é a grandiloquente estrutura de marketing, destinada a promover o distanciamento do sujeito de sua origem e condição histórica, uma vez que os imigrantes, em sua maioria, nordestinos e sírio-libaneses, eram personagens que aqui chegavam trazendo consigo uma experiência própria do seu lugar de origem, os grupos dominantes, utilizando-se deste recurso, tinham como objetivo unificar o imaginário social, fazendo com que grupos heterogêneos compartilhassem os mesmos ideais. Assim, a produção jornalística do início do século XX, buscava, através da mitificação dos heróis e da região, fixar a força de trabalho no território, defendendo os interesses do capital monopolista internacional, da exportação e apropriação de matérias-primas. (idem, p. 27).

A criação de símbolos míticos para exaltar a “alma acreana” apareceria

em outros momentos. No contexto do início do século XX, porém, este

significado era marcado por diferentes interpretações. As diferenças de

significados correspondiam ainda a dissensos entre as classes dominantes,

fundamentalmente de ordem político-eleitoral.

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54

Em Sena Madureira, por exemplo, havia duas correntes políticas que se degladiavam. A oposição tinha no jornal ‘O Jornal’ seu órgão de apoio e contava com a simpatia da Loja Maçônica Fraternidade e Trabalho. E a situação, pertencente ao Partido Republicano do Alto Purus, formado fundamentalmente pelos grandes seringalistas, tinham suas idéias divulgadas pela ‘Gazeta do Purus’ (...). A luta entre as duas facções pelas páginas dos jornais era sem tréguas, aproveitando os contendores para combater, semanalmente, qualquer deslize do grupo oposto. Não se poupava a honra pessoal, as famílias, os erros gramaticais, a vida profissional, atingindo um nível tão violento que não sabemos a que atribuir o fato de não terem degenerado em rixas sangrentas. (LOUREIRO, 1995, p. 135).

Com o golpe de 1930 os jornais acreanos entram na mira do aparato

repressor varguista. Uma década mais tarde, durante a II Guerra Mundial,

surge o Serviço de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia (Semta).

O órgão federal necessitava de uma frente ideológica atuante: a propaganda

para fixar nordestinos expondo a selva acreana, produtora da borracha

necessária aos aliados, como um paraíso.82

O intenso desenvolvimento da imprensa acreana nesse período

permitiu que os jornais aderissem, ainda nos anos 50, à moda da concepção

de neutralidade da notícia.

Ainda na década de 1950 os jornais riobranquenses já começavam a introduzir estas novas técnicas de redação, principalmente o lead. Durante algum tempo o novo e o velho dividiram o mesmo espaço nos jornais da capital acreana, o estilo opinativo, com textos longos e combativos, ia aos poucos dando lugar ao informativo, marcado pelas notas objetivas e curtas. (BONIFÁCIO, 2007, p. 30).

O objetivo era buscar uma linguagem que permitisse a transmissão de

ideias sem afetar o fluxo dos cofres públicos, sua fonte de renda. Em 1948,

com a chegada ao Estado de novas máquinas movidas a eletricidade,

pertencentes ao governo territorial, os jornais aumentariam a tiragem e

melhorariam o seu produto esteticamente. Isso se daria principalmente pela

adoção dos manuais de redação e estilo, alinhando-se desta forma com as

últimas tendências do jornalismo nas maiores cidades brasileiras.

82

A migração de nordestinos castigados pela seca para o Acre durante a guerra tinha como objetivo a produção

de borracha para abastecer os canhões dos Aliados na Europa. A borracha, insumo essencial para a artilharia

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55

Embora ainda na década de 1950 os jornais riobranquenses já apresentassem um princípio de transformação do caráter opinativo para o informativo, esse processo só se consolidaria no período da Ditadura Militar, quando a vigilância da censura tornou necessária a criação de novas estratégias de noticiar e veicular os fatos. O ideal dos manuais normativos da década de 1950 ganhava força com a padronização dos textos, caracterizando o discurso jornalístico pelo latente apagamento da autoria na redação das notícias; o silêncio e a neutralidade passavam a ser sinônimos de bom jornalismo. Essas transformações marcariam de forma incisiva os padrões da imprensa dessa época, influenciando ainda hoje o fazer jornalístico. (BONIFÁCIO, 2007, p. 30)

De fato, somente em 1969, fase de endurecimento83

da Ditadura

Militar, surgiria o primeiro diário da imprensa acreana: O Rio Branco,

vinculado aos Diários Associados, de Assis Chateaubriand. Em seu silêncio84

sobre os impactos da política de integração nacional empreendida pelos

militares, com seus conflitos agrários com extrativistas e indígenas, o jornal

manteve-se fiel à sua perspectiva de classe e abriu o espaço para a imprensa

alternativa.

O Rio Branco utilizava estética noticiosa dupla. Exagerada e servil na

menção às autoridades do regime golpista, telegráfica e meticulosamente

desadjetivada para o restante dos textos, especialmente sobre política.

No vácuo deste silêncio obsequioso para com o poder nasceria a

imprensa alternativa acreana. Seu maior principal representante foi o jornal

mensal Varadouro, cuja primeira edição sairia em 1977. Seu precursor foi o

boletim diocesano Nós Irmãos, editado ao longo de 1971, sob a

responsabilidade da Prelazia do Acre e Purus, da Igreja Católica.

móvel e pneumáticos em geral, era até então produzida nos seringais de cultivo da Malásia. Com a ocupação

deste país pelo Japão, aliado dos nazistas, a única alternativa passou a ser o Acre. 83

No contexto da disputa internacional por áreas de influência entre URSS e EUA, após a ameaçadora vitória da

Revolução Cubana (1959), as experiências nazifascistas na América Latina endureceram seus métodos. Em

dezembro de 1968 a Ditadura decreta o Ato Institucional Nº 5, dissolvendo o Legislativo, proibindo o habeas-

corpus, criminalizando o direito à revolução popular e ampliando o controle sobre os jornais. O Rio Branco

nasceria 4 meses depois. A capa da primeira edição convocava o povo ao aeroporto para receber uma comissão

do governo golpista, então em visita ao Estado para inaugurar obras. 84

“As informações sobre os conflitos de terra e a violência dos fazendeiros eram melhor registradas pela

imprensa do Sul do país, especialmente os periódicos Jornal do Brasil e O Estado de S. Paulo, cuja circulação

regular de poucos exemplares em Rio Branco só aconteceu em 1978. Os meios de comunicação locais, até o ano

de 1976, pouca atenção deram ao problema, evitando divulgar os conflitos, a ação de pistoleiros e jagunços

contra os seringueiros, as denúncias da existência de relações de escravidão nas fazendas; e quando noticiavam

acabavam distorcendo os fatos. Instalou-se uma verdadeira conspiração do silêncio, mais pela colaboração servil

do que pela censura ou repressão”. (COSTA SOBRINHO, 2001, p. 13-4).

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56

Varadouro teve como fundadores Élson Martins da Silveira, Silvio

Martinello, Antonio Marmo, Terry Vale de Aquino, Arquilau de Castro Melo,

Suede Chaves, Alberto Furtado, Abrahim Farhat e colaboradores ocasionais.

Com 16 páginas e formato tabloide, era mantido por anúncios comerciais,

tinha circulação irregular e durou até 1981, quando circulou a última edição –

a de número 24.85

Digno é de nota que, assim como O Rio Branco, Varadouro evitava a

doutrinação política. Exceto nos editoriais ou comunicados do editor, os

textos mostravam-se claramente sintonizados com o novo paradigma

informativo, apostando na narrativa isenta como ingrediente necessário à

conquista da opinião popular. A perspectiva de classe de Varadouro surgia na

escolha dos personagens e suas histórias: enquanto O Rio Branco e outras

publicações posteriores enfatizavam cerimônias e iniciativas das classes

dominantes, Varadouro buscava expor a dura realidade do conflito de classes

no Acre.86

Élson Martins da Silveira e Silvio Martinello continuam em atividade

jornalística ainda hoje. O primeiro escreve artigos periódicos para o jornal

Página 2087

. Martinello é o proprietário do jornal A Gazeta, nome com que foi

rebatizada a Gazeta do Acre em 20 de setembro de 1988.

Angélica Paiva, em seu trabalho monográfico, aponta Martinello como

um dos empresários da comunicação beneficiados pela ligação histórica entre

governo e imprensa no Acre, “atuando de forma peculiar no apoio ou

oposição aos governos de acordo com conveniências financeiras”.88

A Gazeta foi o segundo jornal diário acreano, começando a circular em

31 de março de 197389

como Gazeta do Acre, também de apoio à ditadura90

.

85

SOBRINHO, 2001, p. 161. 86

Não é objetivo deste trabalho desenvolver qualquer análise sobre o jornalismo alternativo acreano. A título de

mero registro, porém, vale ressaltar que Varadouro, em que pese a sua importância editorial ao trazer os conflitos

de classe a lume, limitava-se a denunciar os efeitos nocivos da política de integração nacional desenvolvida pelos

militares e a exigir do Estado a mediação dos conflitos por meio da aplicação das leis. Trata-se da defesa,

portanto, do chamado Estado Democrático de Direito – algo também incomum na imprensa alternativa. Não

havia, finalmente, qualquer perspectiva de rompimento com a ordem social capitalista. 87

Cronologicamente o quarto e último jornal diário criado em Rio Branco, um dos veículos estudados para este

trabalho. A primeira edição circulou como semanário, em 5 de março de 1995. 88

PAIVA, 2000, p. 41. 89

Nesta data, o golpe militar completava 9 anos. 90

A manchete de capa da primeira edição da Gazeta do Acre: “A Revolução garante: o povo não está só”.

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57

Na distensão “lenta, segura e gradual”91

, porém, haveria lugar para situação e

oposição ao regime, e, por isso mesmo, para os jornais. Assim começam a

ressurgir nos jornais, timidamente a princípio, temas como império das leis,

alternância de poder e imprensa livre.

Recomeçara a luta pela liberdade, capturada rapidamente pelos

grupos beneficiados pela ditadura. A disputa por consensos sociais,

paulatinamente liberta dos grilhões da ditadura, seria travada finalmente no

campo da representação política.

O PMDB, por seu desempenho como oposição consentida no período

de exceção, logra eleger, já em 1982, o primeiro governador após o golpe:

Nabor Teles da Rocha Junior. Para Marcos Inácio Fernandes, porém, o fim

do regime evidenciou uma cisão na classe dominante acreana92

: além do

PMDB, outro grupo, beneficiado pela burocracia do velho regime de exceção,

somou-se a representantes de setores econômicos priorizados na agenda

nacional-desenvolvimentista e alinhou-se ao Partido Democrático Social

(PDS).

Os efeitos sobre o jornalismo são imediatos. O Rio Branco, já sob

propriedade do empreiteiro Narciso Mendes de Assis93

, investe na

propaganda dos candidatos do PDS e contra os do PMDB. A Gazeta, de

Silvio Martinello, empreende o inverso94

. A batalha entre esses dois grupos

pelos destinos do Acre torna-se visceral na imprensa.

Na metade dos anos 80 inicia-se a adequação do Brasil ao furacão

neoliberalizante do Fundo Monetário Internacional (FMI). Ele permanece

quando, em 1992, surge A Tribuna, resultado de uma sociedade entre dois

ex-jornalistas, Antonio Stelio de Castro e Eli Assem de Carvalho. O jornal tem

circulação semanal, 16 páginas e um caderno de classificados. A estratégia

editorial era ousada: A Tribuna, que oferecia o compromisso de informar o

91

Expressão usada no governo Geisel para indicar o processo pelo qual deveria se dar o retorno à democracia

representativa. 92

FERNANDES, 1999, p. 62-3. 93

ASSIS, Narciso Mendes de. Nascimento e sobrevivência do jornal O Rio Branco. Rio Branco, 4 set. 2008.

Registro da versão do proprietário do Complexo Jornalístico O Rio Branco sobre o nascimento, estrutura e

relações com o poder no Acre. Entrevista concedida a Jozafá Batista do Nascimento. 94

RODRIGUES, 2008, p. 52.

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58

povo sem alinhar-se95

a qualquer agremiação partidária, publicava textos

favoráveis a todos os governos96

, cerrando fileiras unicamente contra uma

agremiação partidária em franco crescimento institucional desde os anos 80,

a Frente Popular do Acre (FPA)97

.

Em 1992, em meio a uma crise generalizada na economia e na

política, o engenheiro florestal Jorge Viana vence a disputa à prefeitura de

Rio Branco. No fim desse mesmo ano, A Tribuna torna-se diário98

. A chegada

de um partido progressista ao poder em Rio Branco, independentemente das

análises que o atribuem a um “milagre”99

, guarda profundas relações com o

restante da história acreana, incluindo a pressão exercida contra os

movimentos sociais desde a Ditadura Militar. Assassinatos de líderes

sindicais, estupros de mulheres e filhas de seringueiros por jagunços,

formação de milícias na zona urbana de Rio Branco, denúncias de desvio de

dinheiro público e outros crimes somavam-se ao brutal achatamento do poder

de compra do funcionalismo - processo por sua vez derivado do alinhamento

neoliberal que o país atravessava.

Somou-se a isso um trágico evento que colocaria o Acre nas

manchetes jornalísticas de todo o mundo: o assassinato de Chico Mendes,

em 1988, quatro anos antes da ECO Rio 92100

. Rebaixado post-mortem de

líder sindical a ecologista, Chico foi o amálgama utilizado para unir vários

grupos da sociedade acreana que clamavam por honestidade na política.

Esse amálgama fortaleceria a FPA, conduzindo Jorge Viana ao governo em

1998.

Não sem o auxílio de, pelo menos, um jornal: três anos antes o

jornalista Antonio Stelio de Castro, que ajudara a fundar A Tribuna e

trabalhara também n’A Gazeta, lança o jornal Página 20 em inédito formato

95

“Um jornal que não se dobra” era o seu lema, mantido ainda hoje. 96

LIMA, 2008, p. 39. 97

Idem, p. 42. 98

Idem, p. 47. 99

A graciosa hipótese de intervenção divina na história do ascenso da Frente Popular do Acre (FPA) é advogada

por FERNANDES, 1999. “O PT se constituiu uma referência positiva e obrigatória e numa alternativa concreta

de poder político local. Não deixa de ser um “milagre” ter acontecido tudo isso nas circunstâncias do Acre e num

espaço temporal tão curto”, p. 144. 100

O evento é considerado na literatura especializada um divisor de águas entre o ambientalismo militante e a

elaboração de políticas institucionais de conservação dos recursos naturais.

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59

tablóide101

. Mantido e produzido por intelectuais petistas, o veículo

empreende combate feroz ao então governador Orleir Cameli (PFL). Jorge

Viana assume o governo em janeiro de 1999.

Para melhor compreender os processos que envolvem política e

jornalismo no Acre, adotou-se neste capítulo uma divisão cronológica dividida

em duas fases. A primeira inicia-se na fase de endurecimento da ditadura

militar e vai até a diversidade editorial como expressão das batalhas

eleitorais. A segunda inicia-se com a eleição de Jorge Viana para o governo

do Estado, em 1999, que inicia uma paulatina uniformização editorial do

discurso político dos jornais.

Por isso, na fase de diversificação das disputas eleitorais, os discursos

dos quatro jornais – por ordem cronológica: O Rio Branco, Gazeta do Acre / A

Gazeta, A Tribuna e Página 20 – serão estudados separadamente até 1998,

visando localizar as suas especificidades na luta política.

A partir de 1999, com a chegada da FPA ao governo do Estado por

meio do primeiro mandato de Jorge Viana, os jornais são analisados em

conjunto. O objetivo é definir as razões e significados da paulatina

uniformização editorial que seguiu a chegada dessa coalizão ao poder.

3.1 DIVERSIDADE EDITORIAL E LUTA POLÍTICA

O período de pesquisa identificou diversos fenômenos sociais

relevantes. Um deles é a relação entre a diversidade de jornais e a disputa

política.

O período de ditadura militar, que suspende as garantias do processo

político tradicional, é uma exceção. Porém, foi sob o regime militar que surgiu

o jornalismo diário no Acre, assumidamente comprometido com a

propaganda das ações institucionais do Estado de exceção. O Rio Branco, a

partir de 1969, e Gazeta do Acre, em 1973, atuavam como veículos de

101

CASTRO, Antonio Stelio de. Nascimento e sobrevivência dos jornais A Tribuna e Página 20. Rio Branco, 20

mai. 2008. Registro da versão do ex-proprietário dos jornais A Tribuna e Página 20 sobre o nascimento,

estrutura e relações com o poder no Acre. Entrevista concedida a Jozafá Batista do Nascimento.

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60

propaganda do governo, veiculando ainda notícias sobre esportes, crimes,

cultura geral e outras.

Na redemocratização, Gazeta do Acre é adquirida pelo jornalista Silvio

Martinello. A propaganda política permanece, agora em favor do PMDB,

dissimulada como jornalismo isento. Em outras, especialmente durante as

campanhas eleitorais, adota-se linguagem direta em defesa dos candidatos

do PMDB e contra os do PDS.

Idêntico fenômeno ocorre com O Rio Branco, que, fiel à sua orientação

durante a ditadura, mantém o apoio ao PDS na redemocratização. A

linguagem doutrinária é a mesma adotada por Gazeta do Acre. Os dois

veículos disputariam sozinhos a intenção do eleitorado acreano até 1993,

quando surge A Tribuna em um contexto de multiplicação de siglas

partidárias, alimentada pelos descontentamentos com a política tradicional.

Em 1995 vem o Página 20.

A realização do presente trabalho impôs relacionar jornalismo e

disputas políticas no Acre. Principal fonte de receita dos jornais, o Estado é a

sua ambição máxima. Controlá-lo implica o controle da legislação da própria

atividade jornalística. Sob a democracia representativa, porém, controle

pressupõe consenso, que exige convencimento e que demanda propaganda.

Os jornais entram em cena, portanto, cindidos, uma vez que também são

diversos os grupos da classe dominante que buscam o mesmo objetivo.

Catalogar o desenvolvimento da propaganda política nos jornais,

portanto, é o meio para compreender a disputa entre esses grupos, suas

estratégias de convencimento, a forma como os jornais se beneficiam e até

mesmo, se a leitura for atenta, as razões prováveis das divergências entre os

grupos políticos, levando os jornais a se atacarem. Desenhar esse mapa é o

que se pretende a seguir, utilizando as capas dos jornais como instrumentos:

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3.1.1 O Rio Branco: arauto conservador

Duas das cinco fotografias que estamparam a capa da primeira edição

do jornal O Rio Branco são icônicas do caráter conservador da sua linha

editorial. A primeira, no canto superior, retrata um sorridente Francisco Assis

Chateaubriand Bandeira de Melo, fundador da rede Diários Associados,

conglomerado de mídias a que o diário acreano nasceu integrado. A

homenagem era fúnebre: aliado de todos os escalões do poder desde a era

Vargas102

, “Chatô”, como era conhecido, morrera no ano anterior.

A segunda, no canto inferior direito, homenageava a personalidade

sisuda, fotografada de perfil, do governador Jorge Kalume, aboletado no

Palácio Rio Branco por decreto do regime de exceção desde setembro de

1966. Sob a imagem do interventor havia uma legenda, em negrito, intitulada

“Nossa homenagem”, informando aos leitores o seguinte:

Dinâmico homem de pensamento e ação, a quem O Rio Branco presta sua homenagem pelos inestimáveis serviços prestados à causa que fez do “Velho Capitão” aquele gigante intimorato na defesa do bem comum, o Governador do Estado do Acre foi outorgado com a Comenda de Honra ao Mérito “Jornalista Assis Chateaubriand”. Velho amigo dos Diários Associados, o chefe do Governo acreano sempre foi aquele colaborador decidido ao esforço que promovemos de tornar o Brasil uma Nação forte e o povo feliz. (NOSSA

homenagem. O Rio Branco, Rio Branco, 20 abr. 1969)

A primeira edição do primeiro diário rio-branquense teve o traço

ostensivo que a imprensa acreana manteria e desenvolveria nas décadas

seguintes: a adulação ao poder. Naquele momento, porém, de fechamento

das condições políticas, o capital comercial em busca da realização de lucros

102

Ao comentar a política de financiamento das empresas de comunicação brasileiras a partir dos anos 50,

SODRÉ (1999: 402-03) lembra que: “As empresas jornalísticas usavam três caminhos para conseguir recursos: a

tomada a particulares (caminho largamente palmilhado por Assis Chateaubriand para constituir o seu império

jornalístico); a tomada a cofres públicos, em empréstimos de concessão e privilégio; e a recebida pela

publicidade. Das três, esta era a pior, conquanto “legal”, isenta de constituir-se em alvo de campanhas

pretensamente moralistas, visto como não infringia e nem mesmo arranhava qualquer lei. Isso não retira,

entretanto, o seu traço essencial, quanto ao processo de desenvolvimento da imprensa burguesa em nosso país.

Contra esse traço essencial, contra o conteúdo do problema, não se levantava nenhuma voz. A campanha, por

outro lado, dava a entender, o que servia ainda mais para ludibriar a opinião, que a empresa jornalística devia,

por sua natureza, permanecer distante do crédito, e ainda do crédito oficial, e principalmente deste, o que

constituía injustificada discriminação. O que se podia, e se devia criticar, apurar e punir, não eram os

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não só alinhara-se aos golpistas de 64 como tomara para si o tema do

desenvolvimentismo nacional pela integração da Amazônia aos corredores

nacionais de exportação de mercadorias. Era a sintonia de dois ambiciosos

projetos: de um lado a política de ocupação dos vazios demográficos da

Amazônia, com severas consequências na explosão da violência no campo e

destruição de etnias e modos de vida; de outro, a suicida vocação do

capitalismo para integrar-se às redes transnacionais de circulação de

mercadorias objetivando o máximo de realização dos lucros. Esta conjuntura

favorável redundaria, ao longo das décadas seguintes, e mesmo advinda a

redemocratização do país, no apoio irrestrito da imprensa acreana a qualquer

plano desenvolvimentista – eis a segunda característica dos jornais desta

unidade federativa, em todas as épocas.

Essas linhas-mestras não se alterariam a partir de 22 de julho de 1988,

quando, no contexto da abertura política e da severa crise econômica em que

mergulharia o país, O Rio Branco mudaria de mãos. O novo dono era Narciso

Mendes de Assis, deputado federal constituinte pelo PDS de 1983 a 1987 e

de 1988 a 1991 – e também deputado estadual de 1982 a 1986. Entre todos

os mandatos no Legislativo, Mendes obteve do governo federal a

concessão103

de um canal de televisão, a TV Rio Branco. O primeiro

conglomerado de mídia do Acre nasceria em meio à polêmica. Altino

Machado, em artigo sobre a trajetória de Mendes, comentando a meteórica

ascensão do empresário na política, põe em xeque o enriquecimento do

mesmo:

Tenho assistido pela televisão, precisamente na TV Rio Branco, as “lições” de ética e moralidade que vêm sendo apregoadas diariamente

empréstimos, em si mesmos, mas a forma de obtê-los, os processos utilizados para isso, e as condições

privilegiadas que os cercavam”. 103

“Segundo o disposto na Lei 4.117/62 e no Regulamento dos Serviços, ‘é atribuição do presidente da

República a outorga da concessão ou autorização para os serviços de televisão e de serviços de radiodifusão

sonora regional e nacional’ e, do Contel (Conselho Nacional de Telecomunicações, substituído pelo Ministério

das Comunicações), ‘a outorga da permissão para a execução do serviço de radiodifusão sonora local, assim

como dos serviços público restrito, limitado, de radioamador e especial’ (cf. § 5° do art. 33 e § 1° do art. 34 da

Lei citada c/c art. 6° do mencionado Regulamento). Assim, as outorgas para a execução dos serviços de

radiodifusão de sons e imagens (TV) e as de radiodifusão sonora em ondas curtas (OC); em ondas tropicais (OT)

e ondas médias (de âmbito nacional - OM-N, assim consideradas as que operam com potência acima de 10 kW) e

as de (âmbito regional - OM-R com potência entre 1 e 10 kW, inclusive) são conferidas via concessão pelo

Presidente da República”. (RÁDIO e TV, 2008).

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por notórios políticos cujo enriquecimento até hoje não está suficientemente explicado, a exemplo do empresário Narciso Mendes, de passado nada recomendável. Narciso Mendes, que chegou ao Acre na década de 70 como simples gerente da construtora potiguar Cicol, na década seguinte elegeu-se deputado e transformou-se rapidamente em magnata das comunicações. Hoje é proprietário da TV Rio Branco e do jornal O Rio Branco. (MACHADO, 2005).

Mais específica, a revista Veja detalhou a origem do Complexo de

Comunicação O Rio Branco em matéria sobre a compra de votos de vários

deputados para a aprovação de uma emenda à Constituição que garantiria ao

então presidente, Fernando Henrique Cardoso (PSDB), disputar a reeleição

no ano seguinte. Segundo a revista, parte desta negociação foi gravada por

Narciso Mendes e fornecida ao jornal Folha de São Paulo, que publicara

longa matéria sobre o caso. A publicação enfatiza o seguinte:

Amigo do ex-prefeito Paulo Maluf e inimigo do governador Orleir Cameli, Narciso Mendes, de 50 anos, é a eminência parda da política acreana. Defensor da pena de morte, o ex-deputado da constituinte joga pesado. Há cinco anos, deu entrevista dizendo que só é possível fazer política sendo “corrupto ou corruptor”. Confessou ser as duas coisas. Em 1988, votou pelo mandato de cinco anos para Sarney e ganhou uma emissora de televisão, que retransmite o SBT no Acre. Tem o mais tradicional jornal do Estado, O Rio Branco. É dono de duas empreiteiras, mas não possui um único trator. “Ele ganha contratos e depois pega máquinas alugadas”, diz Orleir Cameli, que lhe deu contratos – a construção de um hospital e de uma estrada. Em 1994, candidato a Senador na chapa de Cameli, colocou seus veículos de comunicação a favor do atual governador. Perdeu a eleição para o Senado mas no primeiro ano do governo do Acre fez e desfez. Brigou com Cameli porque, segundo o governador, “ele é guloso demais”. Nascido no Rio Grande do Norte, é casado com uma bela paraense, a deputada Célia Mendes do PFL-AC, cujos votos controla no cabresto. Narciso sofreu uma devassa da Receita Federal, e deve hoje a incrível soma de 25 milhões de reais em impostos atrasados e multas. (PETRY & FILHO, 1997, p. 24).

No recorte específico que interessa à presente pesquisa, alterações

editoriais importantes marcaram O Rio Branco após a sua aquisição por

Mendes. Na editoria de política é mesmo possível dividir a linha editorial em

antes e depois da aquisição.

Antes, sob a orientação dos Diários Associados, O Rio Branco fazia

campanha aberta em favor dos políticos pedessistas. Como exemplo, a 13 de

novembro de 1982, em campanha eleitoral, o jornal estampara em matéria de

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capa a manchete Povo quer Nabor no governo, afirmação atribuída a “fontes

consultadas pela equipe política desse diário”. Nabor, candidato

peemedebista ao governo do Estado, vencera com 36.369 votos contra os

33.879 do segundo colocado, o pedessista Jorge Kalume104

.

Operação idêntica ocorreria em 1985, nas eleições para prefeitos e

vereadores. A manchete de capa de 30 de outubro, referindo-se ao candidato

do PMDB à prefeitura de Rio Branco, afirmava que Aragão vence em toda

pesquisa. Venceria também a eleição propriamente dita, com margem de

votos ainda mais larga que a do pleito anterior: 23.957 votos contra os 15.353

de Luiz Pereira, do PDS105

.

Outro exemplo é a edição de 12 de novembro de 1986, nos dias finais

da campanha para eleger o novo governo do Estado, O Rio Branco trazia

como manchete uma declaração do presidente da República, o peemedebista

José Sarney: Sarney destaca eleições como lição de democracia. A 19 de

novembro, quatro dias após o pleito e ainda no transcurso da contagem dos

votos,106

o jornal comemora: Flaviano cada vez mais perto do poder. A foto do

peemedebista107

ocupava pouco menos de metade da capa.

Adquirido o matutino em julho de 1988, a linha editorial é

imediatamente alterada visando os interesses do grupo político de Narciso

Mendes: o PDS.

A 17 de novembro de 1988, quando eram ainda apurados os

resultados das primeiras urnas, o título faz uma mesura ao candidato

pedessista: Kalume dispara rumo à Prefeitura. Era uma profecia precoce:

naquele momento apenas 58 das 206 urnas haviam sido apuradas. Mais:

Kalume liderava com 7.135 votos, contra 4.514 de Ariosto Pires Miguéis do

104

FERNANDES, 1999, p.160. O mesmo autor revela que os demais candidatos derrotados nesse pleito foram:

Nilson Moura Leite Mourão (PT), com 4.637 votos; e Natalino da Silveira Brito (PTB), com 3.151 votos. 105

Idem. Os demais candidatos tiveram o seguinte desempenho: Arlindo Cunha (PFL), 3.370 votos; Raimundo

Cardoso (PT), 1.610 votos; Pedro Vicente (PCB), 340 votos. 106

O sistema de votação, por meio de cédulas de papel depositadas em urnas, levava vários dias para ser apurado

e confirmado pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE). 107

Flaviano Melo foi nomeado por Nabor Junior prefeito biônico de Rio Branco para um mandato entre 1983 e

1986, mas não assumiu o cargo. CARNEIRO (2008) esclarece: “Apesar nas eleições diretas para o governo,

ainda vigorava o Decreto Federal que tornava os municípios do Acre “áreas de interesse da segurança nacional”

(revogada somente em 1985), portanto, o correto era que Nabor Júnior nomeasse os novos prefeitos. O

presidente Figueiredo vetou a exoneração dos antigos prefeitos que eram do PDS. Esse fato causou um transtorno

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PMDB – apenas 2.611 votos de diferença. A “disparada” anunciada pelo

jornal fora, em vista dos números, profética. Kalume venceria de fato, mas

com 26.832 votos contra 18.017 de Miguéis.108

A 18 de novembro, O Rio Branco comemora: Eleição quebra

hegemonia do PMDB, foi o título principal desta edição. De fato a conjuntura

mudara: era a primeira eleição de um político do PDS para um cargo

majoritário no Estado desde a redemocratização do país.

A virada do segmento mais conservador na política acreana cobraria

sua fatura: a 22 de dezembro de 1988 era assassinado em casa, no

município de Xapuri, a 188 quilômetros de Rio Branco, o líder sindical

Francisco Alves Mendes Filho, o Chico Mendes. Dois anos depois, a Justiça

condenaria o fazendeiro Darly Alves da Silva e seu filho, Darcy Alves Ferreira,

a 19 anos de prisão pelo assassinato. Darly, apontado como o mandante,

jamais confessou o crime, dizendo-se inocente.109

A execução do sindicalista, um dos líderes do movimento de

trabalhadores rurais do Acre, então presidente do Sindicato dos

Trabalhadores Rurais de Xapuri, causou impacto internacional, mas não

permite, se analisada isoladamente, compreensão adequada sobre o choque

das forças que se confrontavam naquele momento.

Para compreendê-las, a imprensa tem papel fundamental. A primeira

matéria sobre o crime, veiculada por O Rio Branco a 23 de dezembro de

1988, com exclusividade, afirma que a reportagem chegou a Xapuri apenas

uma hora e meia após o assassinato, em que pese a cidade localizar-se a

188 quilômetros da sede do noticioso. Como, ainda na versão do jornal, Chico

foi morto por volta das 18h30, consequentemente o automóvel da equipe –

um Gol, carro popular – venceu o trajeto desenvolvendo velocidade média de

125 quilômetros por hora, à noite, numa estrada em más condições e em

período chuvoso na Amazônia.

muito grande no Governo de Nabor. Somente em 30 de março de 1985 foi autorizado a demissão dos

PSDebistas. Em abril do mesmo ano, Nabor nomeia os novos prefeitos.” 108

FERNANDES, 1999, p. 164. O número de candidatos derrotados aumentara neste pleito. Além de Miguéis,

são eles: Alércio Dias (PFL), com 6.941 votos; Nilson Mourão (PT), com 3.379 votos; Mário Maia (PDT), com

1.076 votos; e Luís Marques (PCdoB), com 549 votos. 109

TURAZI, 2003.

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66

De fato, o texto de O Rio Branco, publicado na capa do próprio dia 23,

não se resume a descrever o que parece evidencia um desafio às leis da

mecânica universal - acrescentando o conserto de um pneu furado na viagem

de ida:

Informada logo após o assassinato, nossa equipe de reportagem se deslocou para Xapuri. O Editor-chefe, César Fialho, o repórter Adonias Matos e o fotógrafo Luís dos Santos seguiram num automóvel Gol. Em uma hora e meia estavam naquela cidade. Na viagem de ida, apenas um pneu furado. Levantadas as informações, partiram de retorno por volta das 22 horas, com destino a Rio Branco.

(EM BUSCA da notícia de primeira mão. O Rio Branco, p. 1, Rio Branco, 23 dez. 1988).

As informações desencontradas levantaram várias suspeitas sobre o

conhecimento prévio da diretoria de O Rio Branco sobre o assassinato. A

mais recente delas deu-se no jornal Página 20, que voltou a abordar a velha

suspeita nos seguintes termos:

Velho conhecido O mundo dá muitas voltas, principalmente em se tratando de coisas ruins. Não é que o lobista Júlio Fróes, apontado pela revista Veja como pivô do escândalo de corrupção no Ministério da Agricultura, é um velho conhecido do Acre!

Furo Aqui, o lobista, que foi pego em flagrante fotográfico entrando com uma mala de propina para ser distribuída no ministério, foi o mesmo que, como editor de um jornal local, conseguiu em apenas uma hora e meia ultrapassar os 188 km de lamaçais da BR-317, entre Rio Branco e Xapuri, para dar “furo jornalístico” do assassinato de Chico Mendes.

Surpresa Conhecido no Acre como Júlio César Fialho (o sobrenome Fróes não era usado no estado), o lobista surpreendeu o Brasil e o mundo em conseguir ir e voltar pelos lamaçais da BR-317 na noite do dia 22 de dezembro de 1988, data em que Chico Mendes foi assassinado.

Conta outra Ninguém acreditou no relato do lobista, que logo depois, em 1992, foi preso em Fortaleza traficando cocaína.

Cúmplice Na época do assassinato de Chico Mendes, seu espantoso relato jornalístico lhe rendeu a suspeita de ser cúmplice do assassinato do sindicalista tal a relação próxima que ele, como editor do jornal, mantinha com figuras da UDR, entidade acusada de tramar o assassinato do líder sindical acreano.

Feito

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A epopéia fantasiosa descrita por Júlio César Fialho mereceu comentários na série de reportagens que o jornalista Zuenir Ventura, do Jornal do Brasil, escreveu em abril de 1989 com o título “O Acre de Chico Mendes”, onde considerou o relato de Júlio não um furo jornalístico, mas um feito automobilístico inédito no mundo.

Adversidades “Pilotado pelo editor Júlio César Fialho e tendo ainda a bordo o repórter Adonias Matos e o fotógrafo Luís dos Santos, o carro enfrentou adversidades inimagináveis, mas nenhuma delas suficiente para diminuir o ímpeto daqueles ícaros”, escreveu Zuenir Ventura.

Gol voador Para Zuenir, “numa estrada em que poucas, pouquíssimas marcas de carro se aventuram - é pista para D-20, F-1000, jipe Engesa, de preferência a óleo Diesel -, o Gol dos jornalistas voara”.

110

A publicação das notas citadas causaram imediata conseqüência.

Narciso Mendes, ao tomar conhecimento das notas do Página 20, publicou o

seguinte

Já estive com o Elson Dantas, dono do Página 20, para esclarecimento. Para minha surpresa, o Elson disse que as notas foram redigidas, em Brasília, por Romerito Aquino, que foi quem indicou o César Fialho para dividir com ele a editoria do meu jornal. Sempre cometem a imbecilidade de envolver meu nome e o meu jornal na morte de Chico Mendes. Eu era deputado federal e vivia mais em Brasília. O jornal foi avisado do assassinato pelo então vereador Júlio Barbosa e pelo bispo Moacyr Grechi. Foram eles que telefonaram avisando. Quem atendeu o telefonema do bispo foi a funcionária Aldina e isso foi presenciado pela repórter Charlene Carvalho, que atualmente é uma das assessoras do senador Jorge Viana. A partir disso, disseram que eu estava envolvido. Talvez passaram a dizer isso mais para atingir o João Branco, que era meu sócio no jornal e dirigente da UDR no Acre. Meu nome entrou nessa história e quase não sai. No dia do assassinato eu estava em Belém. Nem na instrução do inquérito meu nome foi citado e sendo assim jamais fui ouvido.

111

A participação acionária em O Rio Branco de João Branco, presidente

estadual da União Democrática Ruralista (UDR), entidade de classe formada

por latifundiários, envolvida em denúncias de acobertamento a trabalho

escravo e assassinatos no campo desde o início dos anos 80, pode ser a

chave para compreender as conexões ocultas sobre a morte do líder

110

PORONGA. Página 20, Rio Branco, 18 ago. 2011. Disponível em: <

http://pagina20.uol.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=23996&Itemid=5> Acesso em 23

ago. 2011. 111

MACHADO, Altino. Júlio César Fróes Fialho. Rio Branco, 18 ago. 2011. Disponível em: <

http://altino.blogspot.com/2011/08/julio-cesar-froes-fialho.html> Acesso em: 23 nov. 2011.

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seringueiro. Dado, novamente, o recorte específico do presente trabalho

sobre o jornalismo acreano, fica o registro da questão112

. Resta prosseguir

identificando as conexões entre o jornalismo e a disputa política no Acre.

Efetuada a virada do PDS no âmbito da prefeitura da capital, com a

recondução do “gigante intimorato” ao poder, restava uma última e portentosa

empresa: reconquistar o governo do Estado em 3 de outubro de 1990. Os

ventos da história pareciam soprar favoravelmente e O Rio Branco içou as

velas: teria início uma das mais viscerais ofensivas editoriais da história

acreana, com o próprio Mendes, então deputado federal, disputando uma

vaga ao Senado pelo PFL.

A artilharia pesada entra rápido em ação, ainda a 26 de setembro.

Diante de pesquisas de intenção de votos desfavoráveis à candidatura de

Mendes o jornal reage com um texto visceral logo na primeira página. Com o

título Ibate é uma quadrilha de mentirosos e farsantes, a mensagem ocupa

quase metade da capa desta edição com os seguintes dizeres:

Desde que chegou ao Acre em 1983 para assumir a Prefeitura de Rio Branco, iniciando sua carreira política pela via da bionicidade, e logo mais tarde elegendo-se governador do Estado, montado no calote e nas mentiras do Plano Cruzado, o maior estelionato de que se tem notícia em toda a história do Brasil, o sr. Flaviano Melo trouxe para o nosso Estado um “instituto de pesquisas” para avaliar o desempenho do que lhe convém e para mostrar o resultado que lhe interessa. Este Ibate, que fez publicar uma pesquisa dando a Flaviano Melo o primeiro lugar para o Senado, é o mesmo que nas eleições de 1988, para prefeito de Rio Branco, dizia que Ariosto ganhava de Jorge Kalume com uma larga vantagem de votos. Abertas as urnas, Kalume não só ganhou de forma espetacular, como também venceu em 248 das 250 urnas de Rio Branco, numa verdadeira lavagem. Hoje, este mesmo “instituto” tenta confundir a opinião pública do Acre e divulga uma “pesquisa” em que aponta Flaviano Melo na frente, quando seria desnecessário pesquisa neste sentido, já que é público e notório o nojo que este homem desperta na população acreana. Inaceitável é uma empresa que tem o dever de vender verdade e só publica mentira. E é o que este Ibate está fazendo, a menos que os pesquisadores tenham sido aqueles que se locuptaram (sic) com os recursos da Conta SOS-Acre, dos tratores que desapareceram, dos recursos dilapidados do Banacre, companhias de viagens em jatinho

112

A título de informação complementar, em 2003 o Comitê Chico Mendes, ONG formada por familiares e

amigos do sindicalista, com sede em Xapuri, apresentou formalmente ao Governo do Estado do Acre uma

solicitação de reabertura do inquérito policial que investigou o assassinato. O documento, mencionado pelo

jornal Página 20 a 3 de abril de 2003, no texto Polícia reabre caso Chico Mendes, solicita a coleta dos

depoimentos da equipe de reportagem de O Rio Branco na época dos fatos. Sobre as suspeitas de participação de

João Branco no assassinato, cf. VENTURA, Zuenir. Chico Mendes: crime e castigo. Rio de Janeiro:

Companhia das Letras, 2008.

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fretado, beneficiários das concorrências fraudulentas e outros escândalos administrativos perpetrados pelo sr. Flaviano Melo e seus comparsas. O povo, não. Pois o povo do Acre é que está querendo dar o troco ao mais velhaco de todos os governadores que este Estado já conheceu. Vários outros Institutos já passaram por aqui, inclusive o Ibope, conhecido mundialmente pela precisão e honestidade de seus trabalhadores. E, em nenhum caso, o sr. Flaviano Melo chegou sequer ao segundo lugar. É claro que a grande dose de desespero do sr. Flaviano Melo o leva a praticar atos dessa natureza, inclusive o mandato de senador que ele tenta inutilmente conseguir lhe daria aquilo que verdadeiramente procura: a imunidade. Mas é exatamente isto que o povo do Acre não quer. O povo do Acre quer que o sr. Flaviano Melo não transforme em impunidade, na realidade sua grande ilusão. O Ibate, este institutozinho de “pesquisas” mais uma vez será desmoralizado, pois o mentiroso e o coxo são fáceis de serem pegos. E quando o mentiroso é coxo, mais fácil ainda. Como da mesma forma ficará desmoralizado o jornaleco de propriedade do sr. Flaviano Melo, montado às custas do dinheiro público estadual, quando ele era governador. Este mesmo jornaleco que já “cassou” a candidatura do deputado federal Narciso Mendes várias vezes ao Senado da República. Ente (sic) o Ibate e o jornaleco do sr. Flaviano Melo existe uma clara semelhança: ambos são da mesma quadrilha de mentirosos e

farsantes. (IBATE é uma quadrilha de mentirosos e farsantes. (O RIO

BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 3.569, 26 set. 1990).

Dois dias depois e a seis para o pleito, o jornal conclama os leitores

para um evento artístico com uma cantora country de renome nacional: “Sula

Miranda hoje à noite no Showmício de Narciso”, diz o título na capa,

acompanhado dos seguintes dizeres:

Narciso Mendes, ao longo de toda a carreata e do Showmício da cantora Sula Miranda, fará importantes pronunciamentos e, para tanto, convida toda a população de Rio Branco para participar deste grande acontecimento. Compareça e leve suas bandeiras e seu apoio

à candidatura de Narciso Mendes rumo ao Senado. (O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 3.571, 28 set. 1990).

A mesma edição traz, também na capa, texto intitulado “Vereador

desmente Flaviano”, onde se lê:

O vereador Silas de Abreu, do PMDB do município de Senador Guiomard, desmentiu categoricamente informações dadas ontem na primeira página do jornal “A Gazeta”, de propriedade de Flaviano Melo, segundo as quais o citado vereador teria dado seu apoio à candidatura de Narciso Mendes a senador em troca de tijolos, telhas e outros materiais para a construção de sua residência.

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Silas de Abreu disse que o jornal do sr. Flaviano Melo mentiu, “pois o meu apoio hipotecado à candidatura de Narciso Mendes foi dado espontaneamente, já que ele sempre foi um político que ajudou o nosso município, nos momentos mais difíceis, através inclusive de cessão de maquinários para consertar as nossas estradas vicinais, que foram completamente abandonadas durante o governo do sr. Flaviano Melo. (idem).

A saraivada de acusações intensifica-se. O Rio Branco despe-se do

pretenso aspecto de meio imparcial de divulgação de notícias, deixando

entrever, desavisadamente, sua verdadeira atividade. É neste esforço que a

29 de setembro, cinco dias antes das eleições, manifesto de capa intitulado

Quem é o mentiroso é publicado com o seguinte teor:

O jornal “A Gazeta”, de propriedade do sr. Flaviano Melo, e que foi montado às custas do dinheiro público estadual, quando ele era governador do Acre, sempre disse que o deputado federal Narciso Mendes, candidato a Senador, comprou as pesquisas feitas neste Estado, na presente campanha eleitoral, pelo Ibope, uma empresa de conceito a níveis nacional e internacional. O jornal “A Gazeta” nunca havia se dignado a publicar em suas páginas uma só pesquisa realizada pelo Ibope. Mas bastou que o sr. Flaviano Melo melhorasse um pouquinho de nada na pontuação dos números do Ibope, para que o seu jornal divulgasse a última pesquisa promovida pelo Ibope. Não há maior incoerência. Enquanto isso, o sr Flaviano Melo, desde o tempo em que começou sua carreira política como prefeito biônico de Rio Branco, e depois eleito governador do Estado, graças ao maior estelionato já visto neste país, que se chamou Plano Cruzado; trouxe sempre a tiracolo um institutozinho de “pesquisa” que atende pelo nome de Ibate, que de maneira indigna e mentirosa faz o jogo sujo político do sr Flaviano Melo. A sociedade acreana conhece este institutozinho de longo tempo. Principalmente no ano de 1988, quando o tal de Ibate assegurava que Ariosto ganharia disparadamente de Jorge Kalume para prefeito de Rio Branco. E o resultado as (sic) urnas foi exatamente o contrário. Jorge Kalume deu uma verdadeira lavagem de voto em Ariosto. E mais ainda: o tal de Ibate, naquele ano de 1988, divulgou “pesquisas” segundo as quais o PMDB faria todos os prefeitos do interior. Errou de novo. E errou feio. Muito feio. No atual pleito eleitoral, sempre a mando do sr Flaviano Melo, o tal de Ibate, no jornal “A Gazeta”, anunciou “pesquisas” as mais mentirosas e farsantes possíveis, tentando com isso – inutilmente – induzir o nosso eleitorado. O jornal O RIO BRANCO sempre divulgou todas as pesquisas sérias e de credibilidade do Ibope. O jornal “A Gazeta” preferiu a divulgação das “pesquisas” do tal do institutozinho Ibate.

Concluindo: quem é o mentiroso das pesquisas? (O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 3.572, 29 set. 1990).

Diante do que está em jogo, não há trégua. A edição de 30 de

setembro prossegue, anunciando em manchete principal que Narciso, o

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Senador, recebe a maior consagração do povo. Comemorando o que avalia

ter sido o sucesso de uma carreata realizada no dia anterior, a capa traz duas

fotografias do evento, com os créditos de Francisco Chagas, mostrando uma

grande concentração, respectivamente, de pessoas e automóveis. Cada

imagem é acompanhada de uma frase. A primeira diz: “Uma multidão

incalculável, entusiasta, comprovou a vitória de Narciso para Senador. Foi

uma apoteose popular”. A outra: “A carreata da candidatura de Narciso ao

Senado foi a maior realizada em Rio Branco”. O texto de capa dedicado ao

evento não poupa adjetivos: “Foi a maior consagração popular já tributada a

um homem público em toda a história política do Acre. Assim os

observadores políticos do Estado definiram o Showmício promovido na noite

da última sexta-feira, em frente à Prefeitura, em prol da candidatura do

deputado federal Narciso Mendes ao Senado da República”.

A edição de 2 de outubro, véspera da eleição, expõe as vísceras da

disputa. Com o título Ibate é mentiroso, falso, sem caráter e desmoralizado, o

leitor encontra um exemplar de panfleto político:

Flaviano Melo, o mais canalha dos governadores do Acre, em todos os tempos, continua desrespeitando a sociedade deste estado, através da “fabricação” de “pesquisas” sujas, mentirosas, inverídicas e farsantes. Usando para isto um famigerado e desavergonhado institutozinho que atende pelo nome de Ibate, que na edição de hoje do jornaleco “A Gazeta”, que foi montado às custas do dinheiro dos impostos pagos pelo povo aos cofres do estado, quando o Flaviano Melo era governador – ou desgovernador do Acre -, mostra mais uma “pesquisa” para o Senado da República. Com resultados tão imorais, como imorais são Flaviano Melo, o jornaleco “A Gazeta” e o próprio tal de Ibate. Este mesmo institutozinho que no ano de 1988, nas eleições de prefeito, disse que Ariosto ganharia disparado de Jorge Kalume. E no dia da eleição, Kalume deu uma verdadeira lavagem. Achando pouco, o tal do Ibate afirmou que o PMDB faria todos os prefeitos do interior. Entrou bem pelo cano, pois errou tudo de novo. Numa prova de sua desmoralizada e criminosa ação, tentando com esse tipo de jogo imundo induzir a opinião pública deste estado com “pesquisas” pagas por Flaviano Melo, o maior corrupto da vida pública do Acre. Eles sabem que Narciso Mendes já é o senador eleito pela vontade da grande maioria dos acreanos. Até porque Narciso Mendes é um homem sério, dinâmico, com relevantes serviços prestados a este estado, na iniciativa privada, onde as empresas de que participa oferecem mais de 1.200 empregos diretos. Flaviano Melo, ao contrário, é um sujeito que comandou toda a roubalheira que tomou de assalto o Palácio Rio Branco e que agora tenta esconder sua inevitável derrota através de uma “pesquisa” irresponsável, safada, canalha e sem a menor

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credibilidade junto à opinião pública do nosso estado. ((O RIO

BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 3.574, 02 out. 1990).

O pleito de 1990 traria, porém, novidade. O Partido dos Trabalhadores

(PT), articulado por meio da Frente Popular do Acre (PT, PCdoB, PCB, PDT)

levara à disputa um personagem até então desconhecido na política acreana:

Jorge Ney Viana Macedo das Neves, filho de um líder tradicional do velho

PDS, Wildy Viana.

A FPA apresentou como candidato ao governo “uma cara jovem, moderna e nativa”. Tratava-se do engenheiro florestal Jorge Viana, recém-formado pela UnB, e que havia ocupado a direção de estudos e pesquisa da Fundação de Tecnologia do Acre - FUNTAC. Jorge havia coordenado, em 1986, a campanha de Hélio Pimenta ao governo, pelo PT, bem como as candidaturas de Chico Mendes, a estadual, e Marina, a federal, naquele pleito. Ele conseguiu, em 1990, além de aglutinar as forças de esquerda, congregar um vasto número de pessoas com especialização tecno-profissional que, além de elaborarem um Plano de Governo, passaram para a sociedade uma imagem de competência (saber especializado). (FERNANDES, 1999, p. 129).

Apesar de todo o esforço, o recado das urnas para Narciso seria

negativo. Ele perderia a vaga no Senado exatamente para Flaviano Melo. Já

a grande virada aguardada pelo PDS sofreria uma ameaça: o formidável

desempenho de Jorge Viana contra Edmundo Pinto de Almeida Neto, o

candidato pedessista. Contabilizados os votos a 3 de outubro de 1990,

descobre-se: haveria segundo turno para o governo do Estado. A vantagem

de Pinto sobre Viana fora de apenas 360 votos.113

A 10 de outubro, O Rio Branco anuncia que o PMDB, mortal inimigo do

PDS em todos os pleitos e hipotético interessado em barrar o ascenso

pedessista, apoiaria Edmundo Pinto contra Jorge Viana. A 1º de novembro o

próprio matutino daria informação inversa, ao comentar, em matéria de capa

intitulada Edmundo recebe novos apoios ao seu nome, que a cúpula daquela

113

FERNANDES, 1999, p. 160. A votação nominal no primeiro turno ficou assim distribuída: Jorge Viana

(FPA), com 34.868 votos, e Edmundo Pinto (PDS), com 35.228 votos, classificados para o segundo turno.

Derrotados: Osmir Lima (PMDB), com 27.252 votos, Rubem Branquinho (PTB/PDC/PTR/PRN), com 23.669

votos, e Réssine Jarude (PSDB), com 2.006 votos.

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sigla “se mantém neutra neste segundo turno da disputa para o governo do

Estado”.

O intervalo de 4 de outubro a 25 de novembro de 1990 é por isso

mesmo exemplar para a compreensão do jornalismo. Neste caso, no contexto

imediato da disputa pelo comando político do Estado, os jornais despem-se

espontaneamente do dogma da neutralidade discursiva para funcionarem

como armas ideológicas, atacando o adversário ou defendendo o aliado

político com notável voracidade.

É nesse espírito que o jornal publica, a 28 de outubro, numa atitude

inédita, uma carta de Edmundo Pinto intitulada “Aos servidores públicos”. A

mensagem ocupa um quarto de toda a capa para conclamar o funcionalismo

público para “uma Revolução ética e moral nos procedimentos políticos e

administrativos”.

A 1º de novembro seria a vez do PFL, que lançara Rubem Branquinho

no primeiro turno, declarar apoio a Pinto. O anúncio, tentativa clara de

transferência de votos, é registrado em forma de documento oficial assinado

pelo Diretório Regional e publicado com destaque na capa. Acima dele,

matéria jornalística dá conta que “Edmundo recebe novos apoios ao seu

nome”. Não há, por sua vez, qualquer menção ao estágio da campanha ou

mesmo aos virtuais apoios recebidos pelo candidato da FPA.

O silêncio sobre a campanha de Jorge Viana só seria rompido a 25 de

novembro, dia do pleito, quando o jornal publicaria fotografias dos dois

candidatos e perguntava: “Governador: Edmundo ou Jorge?”. Era a forma

encontrada para compensar a absoluta parcialidade com que o tema fora

tratado nas semanas anteriores, inclusive com algumas insinuações

interessantes. A mais exemplar delas surgiu na capa de 10 de novembro,

numa matéria sobre a interrupção de um comício no município de Feijó, a 344

quilômetros de Rio Branco, após um curto-circuito na rede elétrica. O texto,

publicado na capa, deu ao incidente o título Edmundo Pinto sofre sabotagem

em Feijó, e, no corpo do texto, após muitas informações sobre a agenda do

candidato, shows artísticos e outras atrações, surgiam os seguintes dizeres:

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Durante o comício realizado anteontem em Feijó, um “balk-out” (sic) proposital interrompeu o ato por várias horas. Segundo assessores do candidato, um adversário atirou um fio sobre a rede de alta tensão. Edmundo acusou Jorge de estar realizando uma campanha “milionária, com dólares das entidades ambientalistas internacionais”. Segundo ele “os ecologistas estéricos (sic) nunca experimentaram

uma picada de piúm e não sabem o que é uma pirapitinga”. (O RIO

BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 3.605, 10 nov. 1990).

Em 18 de novembro, ao anunciar o único debate entre os candidatos

no segundo turno, O Rio Branco publica matéria com o título “Debate dirá

quem é quem, diz Edmundo”. Sem ouvir o que teria a dizer o candidato da

FPA, o texto informa aos seus leitores que:

O candidato Edmundo Pinto disse, ontem, que o debate será o termômetro para que a população possa avaliar quem é quem nesta eleição. “Hoje o povo acreano poderá julgar com seus próprios olhos, uma proposta de governo que deseja mudar o Acre para melhor e, outra que, com seu radicalismo esquerdista ultrapassado, lançará o Estado numa aventura louca, onde todos serão prejudicados”, afirmou

o candidato do PDS. (O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 3.611, 18 nov. 1990).

A 24 de novembro, véspera do decisivo embate, O Rio Branco

estampa com destaque uma fotografia do candidato pedessista abraçado ao

então presidente da República, Fernando Collor de Mello. Abaixo da imagem

os seguintes dizeres: “Presidente Fernando Collor e Edmundo Pinto: um

abraço pelo futuro do Acre”. O título principal desta edição é um exercício de

vidência em três palavras: “Edmundo ganha amanhã”.

No grande dia, a capa traz uma reportagem intitulada em primeira

pessoa: Acordos espúrios não turvarão minha vitória. A declaração é de

Edmundo Pinto e o texto é uma crítica visceral à adesão tardia do então

governador Flaviano Melo à candidatura de Jorge Viana. Pinto critica a

aliança e parte para o ataque nos seguintes termos:

Flaviano apenas tornou pública uma tendência que já se registrava nas empresas de comunicação nas quais ele tem forte ascendência. Só que considero difícil ele explicar para seu eleitorado como pode apoiar um candidato que tem se pautado em atacar seu governo, denunciar a corrupção de sua administração e o está processando e

contestando a legitimidade de sua vitória. (O RIO BRANCO. Rio

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Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 3.612, 25 nov. 1990)

O fogo cerrado funciona tão bem que, abertas as urnas, constata-se

que até mesmo o número de votos nulos e brancos caíra em comparação

com o primeiro turno, respectivamente, de 9,23% e 12,66% para 5,28% e

1,11%. A vitória era do PDS: Edmundo Pinto de Almeida Neto conseguira

71.876 votos e Jorge Viana, 59.741. A diferença de apenas 8,63% daria à

FPA fôlego e esperanças para o próximo pleito, dois anos depois.

Mas outros fatores, alheios à vontade dos candidatos, interfeririam no

processo sucessório. Fatores que fariam com que o retorno do PDS ao

comando da política acreana fosse interrompido trágica e abruptamente. O

começo do fim precipitar-se-ia a pouco mais de um ano e meio da apertada

vitória: na madrugada de 17 de maio de 1992, no apartamento 704 do

luxuoso hotel cinco estrelas Della Volpe Garden, em São Paulo (SP),

Edmundo Pinto era assassinado com dois tiros de pistola. O inquérito policial

e o correspondente processo criminal realizados naquele Estado deram ao

evento o mesmo tratamento do caso Chico Mendes: homicídio comum.

O intervalo entre março de 1991, quando Pinto tomara posse do

governo, até a campanha eleitoral do ano seguinte, seria um dos mais

conturbados da história acreana após a redemocratização. Além do crescente

desgaste do presidente da República, Fernando Collor de Mello, envolvido

em denúncias de formação de quadrilha que o levariam ao impeachment,

aquele era ano de eleições para as câmaras de vereadores e prefeituras. Os

ânimos, portanto, estavam anormalmente exaltados antes mesmo de Pinto

marcar, no começo do ano, depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito

do FGTS114

, aberta pelo Congresso Nacional para investigar indícios de

desvios na aplicação dessa verba. Duas obras do Acre estavam na mira da

114

Criado em 1966, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) é destinado a proteger o trabalhador

demitido sem justa causa, formado por depósitos descontados mensalmente dos salários dos trabalhadores com

contratos formais de trabalho. Cada depósito corresponde a 8% dos salários brutos de cada funcionário. Parte

desse recurso é usada pelo governo federal para financiar programas de habitação popular, saneamento básico e

infra-estrutura urbana. O que a CPI investigava era a destinação desses recursos a obras superfaturadas em troca

da divisão do valor liberado a mais entre membros do próprio governo federal, empreiteiras e políticos locais. A

investigação descobriria as irregularidades, que seriam apelidadas pela imprensa de “Esquema PC Farias” e

ajudariam na aprovação do impeachment do presidente Collor.

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CPI: uma Estação de Tratamento de Água (ETA) e o Canal da Maternidade,

ambas a serem construídas pela empreiteira Norberto Odebrecht, que

vencera uma licitação pública no valor de U$ 110 milhões. Pinto deporia a 19

de maio, dois dias após o assassinato. A 27 do mesmo mês explodem as

denúncias de corrupção no governo Collor, expostas na revista semanal

VEJA pelo irmão do presidente, Pedro Collor de Mello.

No Acre, a suspeita de que o assassinato do governador teria sido

encomendado por interesses contrários ao depoimento surgiria também na

imprensa - e também em forma de denúncia, feita pelos três detidos como

autores do crime: Gilson José dos Santos, Edilson Alves do Carmo e Jomildo

Barbosa. A edição de 1º de agosto de 1992 de O Rio Branco levanta a

questão: “Edilson afirma que Odebrecht mandou matar Edmundo Pinto”.

Abaixo, um pequeno texto em três colunas acrescenta, bombasticamente:

Em depoimento prestado ontem pela manhã à juíza da 13ª Vara Criminal, Maria Cristina Cotrofi, Edilson Alves Camargo, um dos três envolvidos diretamente no assassinato do governador Edmundo Pinto, disse ter sido convidado por Gilson José dos Santos para matar o governador a mando da Construtora Norberto Odebrecht e iria receber US$ 80 mil, cerca de Cr$ 400 milhões. Revelou ainda que o ex-chefe da Casa Civil, empresário Luiz Carlos Pietschmann, e o ajudante de ordens de Edmundo, capitão-PM Marcos Wismann facilitaram a ação dos criminosos. Edilson afirmou ter recebido a chave mestra do sétimo andar do Della Volpe Garden Hotel, uma semana antes do crime. Edmundo foi encontrado morto no apartamento 704, na madrugada do dia 17 de maio, dois dias antes de prestar depoimento à CPI do FGTS, instalada para apurar denúncias de superfaturamento de 40 por cento nas obras da Estação de Tratamento de Água e Canal da Maternidade, cuja “concorrência pública” foi vencida pela Odebrecht. O delegado Nelson Guimarães, responsável pela instauração do

inquérito, continua afirmando ter sido latrocínio. (O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 4.116, 01 ago. 1992)

A denúncia de que o assassinato do governador acreano foi

encomendado por uma das maiores multinacionais brasileiras em conluio

com membros do primeiro escalão do próprio governo, feita pelos próprios

executores do crime, não teve grande repercussão. Ao contrário, agosto foi o

mês dos caras-pintadas invadirem Brasília com protestos contra o governo

federal, que mergulhara o país em duas crises severas: a econômica, com

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uma inflação de 1.200% ao ano, e a política, com a confirmação, pelo

Congresso Nacional, das denúncias de Pedro Collor à revista Veja.

No Acre, o ex-chefe do gabinete civil de Edmundo Pinto dá entrevista a

O Rio Branco na edição de 11 de agosto. Era uma tentativa de reduzir ou

remediar o assombroso impacto das revelações do começo do mês. A

matéria secundária, intitulada Pietschmann nega ter traído Pinto, remenda

que:

O ex-chefe do Gabinete Civil, empresário Luiz Carlos Pietschmann, e o ex-ajudante de ordens do governador Edmundo Pinto, assassinado dia 17 de maio em São Paulo, serão interrogados pela Justiça através de carta precatória, mas como testemunha de acusação e não como envolvidos no crime. Pietschmann e Wisman se encontravam hospedados no sétimo andar do Della Volpe Garden Hotel, local onde Edmundo Pinto foi assassinado com dois tiros. O capitão será ouvido hoje, em Rio Branco, pelo juiz da 1ª Vara Criminal, Arquilau de Castro Melo. Luiz Carlos encontra-se em Brasília, de onde telefonou ontem para a redação de O RIO BRANCO se dizendo não ter recebido nenhum documento da Justiça. “Muitas pessoas pensam que eu estou querendo fugir. Jamais farei isso, pois não devo nada a ninguém, nem à Justiça. Eu era amigo do Edmundo e com ele no governo minha vida era bem diferente. Sempre acreditei em sua vitória, mesmo nos momentos mais difíceis. Por isso, não tinha nenhum motivo para tramar sua morte. Estou em Brasília porque minha mulher está grávida e doente, mas faço questão de prestar meu depoimento em Rio Branco, vou confirmar o

que falei à polícia paulista no dia da tragédia”, afirma Pietschmann. (O

RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 4.123, 11 ago. 1992)

As referências ao crime, a partir de então, seriam cada vez mais

dispersas, vagas e pouco esclarecedoras. Não há mais referência aos detidos

em São Paulo. A edição de 19 de agosto é lapidar nesse sentido: em nova

matéria secundária intitulada Juiz ouve Pietschmann, mas capitão só fala hoje

afirma-se que “o depoimento teve duração de 10 horas e foi assistido pela

promotora Salete Maia; dois defensores públicos – Raimunda Vieira da Costa

e Flávio Augusto Siqueira e a viúva do governador, dona Fátima Almeida”. O

parágrafo final acrescenta que “Luiz Carlos foi ouvido através de carta

precatória e o documento será remetido hoje à Justiça paulista”.

A pressa fazia sentido: avizinhava-se o pleito de outubro. Era

necessário partir para o que realmente importava - no julgamento da

imprensa local. Por isso, a mesma edição do dia 19, comentando a estréia da

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propaganda eleitoral gratuita dois dias antes, anunciava que Só o PMDB não

escapou da mesmice no horário do TRE. Era a primeira alfinetada no velho

inimigo.

Quatro dias depois, o título de O Rio Branco é Jorge Viana mantém a

liderança. Um subtítulo emenda, no entanto, que Pesquisa da Unydata revela

que Bestene está em 2º, seguido de Mauri. Era o candidato do PDS. A

pesquisa, segundo o texto subseqüente, fora encomendada “pela Rede

Gazeta de Comunicações e Complexo Rio Branco de Comunicação. Foram

ouvidos 414 eleitores”. Assim o tema eleitoral, estrategicamente, engolfara as

pertinentes e cada vez mais incômodas questões sobre o assassinato do ex-

governador.

Auxiliaria neste processo de dissuasão dos impertinentes a crise do

governo Collor, relevando coalizões até então pouco claras. A 26 de agosto

de 1992, com o título “Romildo disse que não vê ligação de Collor com PC”, O

Rio Branco, em matéria principal de capa, demonstra o apoio incondicional de

Romildo Magalhães, sucessor de Edmundo Pinto, ao presidente115

. O texto

registra:

O governador Romildo Magalhães classificou as manifestações promovidas contra o presidente Collor como atos de origens politiqueiras e radicais. Para ele, o relatório divulgado segunda-feira pela Comissão Parlamentar de Inquérito está recheado de altos e baixos. “O presidente Collor foi eleito com os votos de mais de 35 milhões de brasileiros e não será meia dúzia de radicais e esquerdistas que irá conseguir desestabilizar o governo federal”, aposta. Romildo revela que não identificou nenhum tipo de relação suspeita entre Collor e o empresário PC Farias. Também garantiu que a bancada federal do PDS está solidária ao chefe da nação, posicionando-se contra o

impeachment. (O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 4.136, 26 ago. 1992

Abstraída a reveladora intolerância do governador a manifestações de

“radicais e esquerdistas”, o apoio ao presidente em crise não era mero

rapapé entre chefes do Executivo. Collor elegera-se presidente pelo Partido

115

Fernando Collor de Mello enfrentaria, dentro de exatos 33 dias, o primeiro processo de impeachment da

história da democracia representativa brasileira.

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da Reconstrução Nacional (PRN), que integrava a coligação116

liderada pelo

PDS na disputa pela prefeitura de Rio Branco. O PDS, partido de Magalhães,

tinha desde sempre o apoio de O Rio Branco e naquela eleição o candidato

era José Bestene, então deputado estadual. Nesse contexto, justifica-se o

esforço para mostrar Bestene em boa colocação nas pesquisas de intenção

de voto.

As condições suspeitas do assassinato do governador e o

aprofundamento do processo que levaria à deposição do presidente da

República seriam somados a uma série de irregularidades do curto governo

Edmundo Pinto. Irregularidades expostas pelo próprio Magalhães. Em tais

condições, de aparente enfraquecimento estrutural da democracia

representativa, os setores mais retrógrados das forças políticas tradicionais

não tardaram a prescrever uma sua velha receita: o retorno da ditadura

militar. A bandeira é erguida, sem meias palavras, pelo deputado estadual

pedessista Chico Sombra, em discurso no plenário da Assembléia Legislativa

do Estado do Acre (Aleac). Com o título Sombra opta pela volta dos militares,

O Rio Branco de 28 de agosto diz que:

“Se o presidente Fernando Collor for obrigado a sair do Palácio do Planalto, o ideal é que os militares assumam o Poder e o comando dos destinos da nação”. Esta é a opinião do deputado Chico Sombra (PDS). Ele disse que ao longo da sua história a República foi palco de ações danosas praticadas por ladrões, corruptos, vereadores, deputados e senadores demagogos e outros que cometeram crimes de lesa-pátria e escaparam impunemente. “Tenho assistido uma revanche contra o presidente. É bagunça nas ruas e safadeza. É por isso que eu defendo que o Exército coloque nas ruas os tanques, canhões, metralhadora e o que for necessário para acabar com essa

bagunça”, disse. (O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 4.138, 28 ago. 1992)

Na mesma edição, matéria de capa abordando a crise no governo

Collor traz como título “Somente Bestene faz restrição ao impeachment”. A

tentativa de mostrar o candidato como racional, equilibrado, um bom

administrador, e, por tudo isso, o melhor candidato à prefeitura de Rio Branco

é exposta, quase subliminarmente, nos seguintes termos:

116

FERNANDES, 1999, p. 160. Além do PDS de Magalhães e do PRN de Collor, integravam essa frente, ainda,

o Partido Social Cristão (PSC) e o Partido da Mobilização Nacional (PMN).

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Em tempos de campanhas, quando as palavras podem valer votos, os candidatos a prefeito de Rio Branco dão suas opiniões sobre o possível impedimento do presidente Collor. Alguns mais enfáticos, como Edivaldo Guedes, do PDT, afirma que Collor já deveria estar preso. Jorge Viana, candidato da Frente Popular do Acre explica que este é um momento histórico para a nação e que é hora de passar o país a limpo. Mauri Sérgio, deputado federal e candidato pelo PMDB promete cassar Collor através de seu voto a favor do impedimento. José Bestene, mais cauteloso, diz que se deve tomar todo cuidado para que não se cometam injustiças, sendo a favor da legalidade da CPI. (idem)

A corrupção herdada do governo Pinto, para O Rio Branco, havia sido

produzida no governo anterior117

. Já na edição de 11 de agosto o jornal

anunciara que o governo Magalhães abrira sindicância para apurar a

extensão do que seria um rombo nas contas da Secretaria da Saúde. A

matéria, principal manchete do dia, intitulava-se Romildo diz que rombo na

Saúde é maior do que o da Eletroacre. Um texto em negrito, também na

capa, destacava:

O governador Romildo Magalhães determinou ontem ao novo secretário de Saúde, Labib Murad, a abertura da sindicância para apurar o rombo naquela pasta, que na sua opinião é maior do que o constatado na Eletroacre. A missão do assessor foi formulada exatamente na solenidade em que empossou os três novos secretários – além de Murad, foram nomeados os parlamentares Helder Paiva para a pasta de Apoio Parlamentar e Marlene Magalhães para a de Interiorização, que algum tempo ficaram vagas com as saídas de Chico Sombra e Álvaro Romero. Romildo voltou a dizer que espera colocar na cadeia aqueles que dilapidaram os cofres públicos, numa referência aos envolvidos nos escândalos da conta Flávio Nogueira, Eletroacre e da Saúde. (ibid.).

Os ânimos, portanto, já estavam devidamente aquecidos. A costumeira

ebulição durante a campanha eleitoral acreana encontrara, em 1992,

ingredientes novos: além do assassinato do governador, o crescente

desgaste do governo Collor, um movimento nacional de limpeza ética das

instituições nacionais e denúncias de irregularidades em todas as esferas de

poder.

Há, porém, que se proteger o patrimônio adquirido. É o que faz O Rio

Branco, na capa de 3 de setembro, em defesa do então prefeito pedessista,

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Jorge Kalume. O título, Kalume rebate crítica dos adversários, é assim

rematado:

O prefeito Jorge Kalume não vai mais ficar calado enquanto seus adversários políticos lançam críticas contra sua administração. Kalume decidiu responder à altura para demonstrar que “a teoria não é igual à prática”. Segundo ele, quando assumiu a Prefeitura de Rio Branco a situação parecia incurável. “Até hoje continuo pagando contas deixadas pelos ex-prefeitos Adalberto Aragão e Flaviano Melo”, revelou, referindo-se principalmente ao débito com a Previdência e o não recolhimento do FGTS dos servidores municipais. Kalume assegura que seu sucessor irá receber uma Prefeitura equipada em dia. O prefeito acha que, em decorrência disso, as

críticas à sua gestão tornam-se de certa forma infundadas. (O RIO

BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 4.143, 03 set. 1992)

A matéria principal da mesma edição é uma curiosa “exposição de

motivos” do governador, Romildo Magalhães, sobre o seu apoio a Fernando

Collor e contra o processo de impeachment, já em discussão no Congresso.

Para o governador, o Acre, por ser um Estado pobre e, portanto, dependente

de repasses federais, não poderia ousar postar-se contra o mais alto chefe da

nação118

. E como para O Rio Branco, esta falácia de autoridade soava côo

argumento válido, e, em texto destacado em negrito, ecoava:

O governador Romildo Magalhães reafirmou que o Acre, como o estado mais pobre da Federação, não pode ficar contra o presidente da Nação. Ele justificou sua posição desfavorável ao impeachment de Collor alegando que mais de 90% dos recursos estaduais são oriundos do Poder Central. Após ter ultrapassado a marca de 100 dias de governo, Romildo continua segurando a bandeira da moralização da coisa pública. Se para ele a permanência de Collor no Planalto é movida pela oposição, com a finalidade de tirar proveito nas eleições de 3 de outubro, no Acre os envolvidos no escândalo da conta Flávio Nogueira deveriam estar no presídio. Isso ainda não aconteceu porque o sistema carcerário do Estado não conta com celas especiais. “Não posso aceitar que ladrão de galinha seja preso, enquanto os que roubaram quase Cr$ 3 trilhões do Estado estejam tomando uísque importado”, revelou. (idem).

117

A administração estadual anterior, como se viu, fora do PMDB. 118

Trata-se evidentemente de argumento do mais puro servilismo, que demonstra de maneira clara o oportunismo

sem rodeios do então chefe do Poder Executivo Estadual em um tema tão grave para a nação. Na parte que nos

interessa, - o comportamento editorial de - O Rio Branco, omitindo-se diante da questão, limitando-se a

reproduzir o discurso oficial e enviesado do governador, evidencia novamente o papel desse jornal como porta-

voz de interesses estratégicos de uma parcela da política e da economia acreana: aquela que dependia da

manutenção dos acordos e alianças com o Planalto.

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No mesmo espírito, matéria de capa a 15 de setembro, “Romildo

renova apoio a Collor, acrescenta:

O governador Romildo Magalhães viajou ontem para uma estada de 48 horas em Brasília, onde manterá entendimento com vários ministros de Estado para agilizar os 780 projetos do Acre em andamento na esfera federal, além de encontrar-se com o presidente Fernando Collor hoje, às 17 horas, no Palácio do Planalto. Romildo Magalhães voltará a sustentar sua solidariedade ao presidente da República, com o apoio da bancada do PDS na Câmara na Câmara

Federal para derrubar o Impeachment. (O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 4.151, 15 set. 1992).

Na mesma edição ressurge sem aviso prévio o fantasma do

governador assassinado. Novos e interessantes eventos coadunam-se com a

versão dada pelos assassinos, acrescem novos e interessantes detalhes e

evidenciam que a versão de latrocínio, concluída pela polícia paulista, era

providencial demais para os interesses milionários em jogo. Intitulada Trento

reafirma denúncias de suborno à CPI das Obras, a principal chamada de

capa, abordando uma CPI aberta na Aleac, esforça-se para não fazer

conexões entre o assassinato do governador, a corrupção no governo

estadual e a cobrança de propina em troca da liberação de verbas em

Brasília. Nos seguintes termos:

A Comissão Parlamentar de Inquérito das Obras Públicas, ouviu na tarde de ontem, em sessão “secreta”, o depoimento do seringalista Jácomo Trento, autor de denúncias na Polícia Federal contra o processo de licitação do Canal da Maternidade e o rateio de 30% das verbas destinadas à obra. Segundo a versão de Trento, além do envolvimento direto do empresário Paulo César Farias – o PC, do ex-ministro Antonio Rogério Magri, também foram denunciados o ex-presidente da Comissão de Licitação do governo estadual, advogado Edson Mahana, o ex-secretário de saúde, Arnaldo Barbosa, o ex-chefe do Gabinete Civil, Luiz Carlos Pietchsmann e foi citado o nome do ex-governador Edmundo Pinto. Jácomo Trento disse que iria confirmar todo o teor do seu depoimento prestado à Polícia Federal e aos dois membros da Procuradoria Geral da República, que desenvolvem investigações complementares aos trabalhos concluídos pela CPI do FGTS e da CPI das Obras da Assembléia Legislativa do Acre. (idem).

A sugestão, oculta no texto, de que o governo federal, por meio do

esquema PC Farias, condicionara a liberação dos U$ 110 milhões para as

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obras do Canal da Maternidade ao rateio de 30%119

entre empresários e

políticos não teria, novamente, impacto na política local. Faltava ao jornalismo

de O Rio Branco a disposição para realizar as conexões entre os condenados

pelo crime e os novos indícios trazidos em investigação oficial na “Casa do

Povo”. O tema recairia, assim, por misterioso lapso jornalístico, na vala

comum do esquecimento.

Importava, por outro lado, a campanha eleitoral.

A 18 de setembro, analisando nova pesquisa que dava a dianteira ao

candidato da FPA, matéria intitulada Viana não perde a liderança tem como

subtítulo Pesquisa da Unydata mantém candidato em 1º lugar, seguido de

Bestene. O texto comenta que Viana estava “estável em relação à última

pesquisa”, ao passo que Bestene “subiu 5 pontos percentuais”. Segundo a

Unydata, que novamente entrevistara 400 pessoas “em 45 bairros das zonas

central e periférica da capital acreana”, Viana estava na dianteira com 38,75%

das intenções de voto, seguido de José Bestene com 21%, Mauri Sérgio

(candidato do PMDB), com 18,5% e finalmente Edvaldo Guedes, do PTB,

com 2,75%. Votos brancos e indecisos somariam 19%.

Nessas condições somente uma aliança entre peemedebistas e

pedessistas poderia alterar o resultado que já se delineava. Mas nem os

candidatos, nem O Rio Branco, o cogitariam oficialmente. Importava vencer,

mas importava também que a vitória laureasse o candidato que representava

os interesses políticos do jornal. A saída era valorizar cada vez mais a

candidatura de Bestene. Neste espírito, a 20 de setembro, faltando duas

semanas para o pleito, a manchete é uma nova pesquisa eleitoral, desta vez

realizada pelo Instituto Acreano de Estudos e Pesquisas (Inaep). O título,

Pelo Inaep, Bestene está perto de Viana, precede as seguintes ponderações:

A diferença entre o candidato da Frente Popular à Prefeitura de Rio Branco, Jorge Viana, e o deputado José Bestene, do PDS, é de apenas 9%, segundo pesquisa realizada pelo Inaep – Instituto Acreano de Estudos e Pesquisas, no período de 5 a 10 deste mês. Os números apontam Jorge Viana na frente com 33% das intenções de votos; José Bestene, do PDS, em 2º com 24%; o deputado Mauri Sérgio, do PMDB, aparece em 3º com 16%; o economista Edvaldo Guedes, do PTB, é o último com apenas 3% de aceitação.

119

Perfazendo, portanto, um montante de U$ 33 milhões, cerca de R$ 56 milhões em valores atuais.

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Os números coletados mostram ainda que 17% não sabem em quem votar; 4% anulariam o voto e 3º (sic) estariam dispostos a anular o voto

120. A pesquisa foi feita em 88 bairros de Rio Branco de norte a

sul, leste a oeste, obedecendo normas do TRE – Tribunal Regional Eleitoral. Não foi revelado o número de pessoas entrevistadas. A

pesquisa foi coordenada pelo professor José Mastrângelo. (O RIO

BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 4.156, 20 set. 1992)

Idêntico fôlego tem a edição de 24 de setembro, com nova pesquisa

eleitoral realizada pelo prestigiado Instituto Brasileiro de Opiniões e

Estatísticas (Ibope). O título é sutilmente panfletário: Ibope confirma ascensão

de Bestene. O subtítulo disfarça: Mas Jorge continua liderando na pesquisa

espontânea e estimulada. No texto, explica-se que o candidato da FPA teria,

na pesquisa espontânea, 32% das intenções de voto, seguido de Bestene

com 23%, Mauri Sérgio com 13% e Edvaldo Guedes com 2%. A margem de

indecisos aumentara para 9% e 21% disseram que não sabiam em quem

votar.

A mesma edição trouxera outra pesquisa, sobre o desempenho de

Romildo Magalhães. Segundo o Ibope, o governador tinha 81% de aprovação

popular. A preocupação com a imagem do governador tinha razão estrutural.

Cinco dias depois a Câmara dos Deputados aprovaria, por 441 votos a favor,

38 contra, uma abstenção e 23 ausências, a abertura do processo de

impeachment do presidente Collor. O presidente é afastado temporariamente

do cargo.

A edição anterior ao dia do pleito traz uma dura crítica ao

comportamento dos eleitores considerados “pedintes, mendigos ou ainda,

‘pidões’”. Sob o título “Eleitores reforçam pedidos”, o texto culpa o povo pelas

suas próprias necessidades materiais (causadas pela própria instabilidade

política e financeira do país), e, de arrasto, pelos crimes de abuso do poder

econômico cometidos pelos candidatos a um cargo público. A inversão de

perspectiva, que evidencia a posição de classe do jornal, é exposta nos

seguintes termos:

120

Segundo o infográfico que ilustrava a capa desta edição, 4% dos votos seriam nulos e 3%, em branco.

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Ano político pode não resolver de vez os problemas sociais do país, mas pelo menos ajuda bastante. Os eleitores pedintes, mendigos ou, ainda, “pidões”, aproveitam esta época para infernizar a vida de cada candidato. Tem eleitor que sai de uma campanha política com a casa construída. E não duvidem, todos os móveis adquiridos com os relevantes serviços prestados pelos candidatos. É a política de assistencialismo que ainda impera no Brasil provinciano. Os pedidos vão desde um vidro de remédio para uma simples dor de cabeça, a

um caríssimo vestido de noiva no valor de Cr$ 8 milhões. (O RIO

BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 4.166, 02 out. 1992)

Logo abaixo, em outro texto intitulado Célia diz motivo do seu voto, a

deputada federal Célia Mendes, mulher de Narciso Mendes, dono do jornal,

tenta justificar sem sucesso o motivo de ter votado contra o impeachment,

apesar dos trabalhos conclusivos da CPI que funcionara desde maio. O votou

se deu porque ela “foi impedida de ver o relatório da CPI do PC Farias”,

afirma o texto.

Mas o esforço descomunal para manter o ritmo de reconquista do PDS

na política acreana encontrara um adversário formidável: o próprio

enfraquecimento institucional do arco de alianças que este integrava,

respondido à altura por manifestações explosivas nas principais cidades

brasileiras e transmitidas pela própria imprensa. A história era irônica:

também a 2 de outubro, enquanto Célia Mendes tentava justificar o voto

contrário ao clamor das ruas e O Rio Branco destilava ódio de classe contra

os pobres, o presidente Collor era substituído pelo vice, Itamar Franco,

também do PRN.

Sob esta conjuntura deram-se as eleições municipais daquele ano.

Abertas as urnas, confirmou-se o desejo de transformação do país: a vitória,

inédita na história do Acre para cargos do Executivo, era da FPA. O novo

prefeito de Rio Branco era o engenheiro florestal Jorge Ney Viana Macedo

Neves, do Partido dos Trabalhadores (PT), que obtivera 28.203 votos contra

26.033 de Mauri Sérgio - contrariando todas as pesquisas de intenção de

votos publicadas por O Rio Branco, o PMDB ficara em segundo lugar121

.

121

Ibidem. A votação dos demais candidatos foi a seguinte, em ordem decrescente: José Bestene

(PDS/PSC/PMN/PRN): 18.468 votos; Edivaldo Guedes (PTB): 3.597 votos. O percentual de votos em branco e

nulos pouco oscilara em relação ao último pleito, ficando, respectivamente, em 6,41% e 5,58%.

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Finalmente, 1992 entrava para a história com uma quantidade inédita

de fatos simultaneamente graves na política acreana e nacional. Enquanto as

condições misteriosas do assassinato de Edmundo Pinto cairiam no

esquecimento exatamente como no assassinato de Chico Mendes, os vivos

tratavam de dar sequencia às questões em aberto. Em Brasília, a 29 de

dezembro, o presidente afastado Fernando Collor renunciaria minutos antes

de ser condenado pelo Senado por crime de responsabilidade. Seus direitos

políticos seriam suspensos por oito anos.122

No Acre, a tarefa imediata era construir novas alianças, buscar novos

nomes para tentar contornar a vitória da FPA. Urgia recompor as forças

conservadoras esfaceladas no terremoto collorido. Assim, a campanha

eleitoral de 1994, que elegeria o novo presidente da República,

governadores, senadores, deputados federais e estaduais, pedia uma

ofensiva bem mais poderosa – consciente disso, Narciso Mendes sairia de

novo candidato ao Senado e Célia Mendes disputaria uma vaga na Câmara

Federal.

O PDS fez uma drástica reforma interna. Identificada com o que havia

de mais atrasado, autoritário e corrupto na história do país, a sigla, sob o

comando do então prefeito de São Paulo, Paulo Salim Maluf, fundiu-se ao

Partido Democrata Cristão (PDC) e transformou-se no Partido Progressista

Renovador (PPR) a 4 de abril de 1993.

Ajustando-se aos movimentos nacionais de limpeza ética nas

instituições, resultantes do processo de impeachment, e aproveitando para

arrebanhar votos em Cruzeiro do Sul - segundo maior colégio eleitoral do

Estado –, o PPR lançaria o empresário e então prefeito daquele município,

Orleir Messias Cameli, candidato ao governo do Estado. O vice era o médico

Labib Murad, também do PPR.

Os outros candidatos eram: pela FPA, Sebastião Viana das Neves

(PT), irmão do prefeito eleito em 92, Jorge Viana; pelo PMDB o então

senador Flaviano Melo, que licenciou-se do cargo para a disputa; e pelo

122

Não era, porém, o fim da carreira política do “caçador de marajás” deposto. Inocentado por falta de provas,

Collor seria eleito, em 2006, senador da República pelo Estado de Alagoas.

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Partido de Reedificação da Ordem Nacional (Prona), um desconhecido na

política: o pecuarista Duarte José do Couto Neto.

Por todas essas razões, a corrida eleitoral de 1994 começaria bem

mais cedo que as anteriores. O Rio Branco passara a publicar na capa um

quadro com as principais atividades dos quatro candidatos durante o dia.

Denominado Sucessão, o quadro trazia, no topo de cada edição, as ações de

Orleir Cameli seguidas das dos demais candidatos. Ainda em 30 de junho, a

mais de três meses do pleito, o jornal estampa o público-alvo da ofensiva: os

jovens. A imagem de duas moças sorridentes era acompanhada da legenda:

“Os jovens querem um candidato que tenha seriedade”. Intitulado “Jovens

querem um candidato ético”, o texto também de capa esclarecia que:

A juventude acreana ainda não sabe em quem vai votar no pleito de três de outubro, mas tem consciência do poder de seu voto e na necessidade de ética na política brasileira. Eles não sabem sequer a cor da cédula eleitoral, mas preferem pensar no momento, em analisar o plano de ação de cada candidato. Não criticam, mas também não favorecem a ninguém. A fidelidade na política é uma das

prioridades e sonho do salvador da pátria ficou para trás. (O RIO

BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 4.628, 30 jun. 1994).

A rejeição à figura do “salvador da pátria”, personagem que Collor

encarnara com a promessa do “caçador de marajás”, desagradava o

eleitorado após o traumático processo de deposição presidencial. O Rio

Branco, que captara a mudança, investiria pesado na aparente seriedade e

compromisso do empresário de sucesso, responsável e gestor competente.

Ao mesmo tempo, na sua melhor tradição, investia pesado contra os

adversários. Com Narciso no páreo, a munição contra o candidato

peemedebista ao Senado, Aluízio Bezerra, seria farta e inclemente. Nesse

sentido a capa de 7 de agosto, comentando debate televisivo realizado no dia

anterior, traz matéria Aluízio é desmoralizado na TV, contendo os dizeres:

O senador Aluísio Bezerra, candidato à reeleição pelo PMDB, foi o grande prejudicado num debate que reuniu os sete candidatos ao Senado, realizado ontem, no estúdio da retransmissora local da TV Bandeirantes. Ele foi desmoralizado pelo ex-senador Jorge Kalume, um dos candidatos do PPR, que exibiu um documento cuja existência Aluísio Bezerra havia dito que não existia. No documento, o senador

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pedia ao Governo Federal que bloqueasse verbas para a Prefeitura de Cruzeiro do Sul, quando Orleir Cameli era prefeito. O Senador Nabor Junior e o candidato Narciso Mendes foram os grandes

destaques do debate123

(O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 4.660, 07 ago. 1994).

A batalha acirra-se no próprio mês de agosto. A edição do dia 12 não

se contém na simples publicação do quadro “Sucessão” e publica matéria, de

capa, sobre boatos surgidos contra Orleir Cameli. Com a manchete Orleir

desmente as notícias tendenciosas, o jornal faz uma defesa em terceira

pessoa:

Mesmo longe da capital, Orleir Cameli indignou-se ao tomar conhecimento de boato divulgado ontem pela imprensa, atribuindo-lhe a intenção de transferir a capital do Acre para Cruzeiro do Sul. Orleir, que está sendo alvo de consideráveis manifestações de apoio organizadas pelas comunidades do interior, condena esse tipo de jornalismo e garante que, como homem sério e honrado, jamais autorizou quem quer que fosse a dizer semelhante mentira. O vice de Orleir, o médico Labib Murad, também ficou revoltado.

Ouvido pela reportagem de O Rio Branco classificou a notícia como

“tremendo disparate”. (O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 4.664, 12 ago. 1994).

Outro desmentido na mesma edição tinha como protagonista Célia

Mendes. Intitulava-se Sem fundamentos boatos sobre Célia:

Foi com surpresa e até com indignação que a deputada federal Célia Mendes, que se encontra visitando sofridas comunidades do interior do Juruá, recebeu a notícia dando conta de um suposto acordo político com Orleir Cameli, visando sua nomeação para a chefia do gabinete civil, a partir de janeiro de 95. Trata-se de um boato sem qualquer fundamento. Deve ser atribuído aos grupos políticos que vêem com inquietação o crescimento da candidatura de Célia à reeleição. A deputada confirmou, pelo telefone, que seu projeto político ainda exige novo mandato no Congresso, onde atua em defesa dos interesses do povo acreano. (idem).

Dois dias depois, novo desmentido sobre o mesmo assunto. No texto

Orleir tem apoio total de Akel Fares, o jornal estampa uma foto do sorridente

candidato com uma legenda ousada: Orleir é comparado a Vargas. A matéria

subseqüente não fica a dever:

123

Explica-se a aparente simpatia de Mendes pelo arqui-rival político: havia, naquele ano, duas vagas para o

Senado da República.

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José Akel Fares, presidente regional do PTB, mostrou-se indignado com a veiculação de notícia tendenciosa segundo a qual Orleir Cameli iria transferir a capital do Acre para Cruzeiro do Sul, tão logo assumisse o governo. Fares comparou Orleir com Vargas, sublinhando que o episódio equivale a dizer que o fundador do PTB faria de Porto Alegre a capital do Brasil, ao assumir a Presidência da

República. (O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 4.666, 14 ago. 1994).

A mesma edição traz um convite do dono do jornal aos eleitores. O

título: Narciso pede em comício análise do passado.

A 18 de agosto uma fotografia imponente de Célia Mendes abre a

edição. Ao lado direito da imagem, com o título Carisma de Célia empolga,

um panfleto em linguagem jornalística, impresso em fundo cor-de-rosa,

informa:

A deputada Célia Mendes (PPR), candidata à reeleição, foi o grande destaque de uma reunião realizada ontem, no Instituto Santa Terezinha, em Cruzeiro do Sul, com estudantes e religiosos. Depois de relatar suas atividades no Congresso Nacional como integrante da CPI do Menor e do Adolescente, Célia Mendes disse que, ao conquistar seu segundo mandato de deputada federal, vai dedicar-se

ainda mais à causa dos adolescentes e das mulheres. (O RIO

BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 4.669, 18 ago. 1994).

Como de costume, a linguagem de O Rio Branco vai se tornando cada

vez mais panfletária na medida em que se aproxima o dia das eleições.

Agosto voava, era necessário ao candidato do PPR mostrar força,

dinamismo, capacidade de arregimentar multidões. Experiente no mister, o

jornal põe a serviço de seu candidato toda a sua experiência. A 20 de agosto,

abordando o retorno de Cameli a Rio Branco após um rápido giro pelo interior

do Estado, o tom do servilismo se faz mais intenso. A manchete é “Capital

pára na volta de Orleir”, o subtítulo “Carreata mostra explosão de entusiasmo”

e o texto de capa, em tom emotivo, o seguinte:

Não há memória, em Rio Branco, de uma carreata tão impressionante. Milhares de pessoas acorreram ao aeroporto da capital, para promoverem uma festa gigantesca, bonita, extremamente significativa, como testemunho de inequívoco apoio a Orleir Cameli. O candidato da coligação PRP-PP, foi levado em ombros anônimos da multidão desde o saguão do aeroporto até o

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caminhão que o transportou pelas ruas da cidade. Mais de 700 veículos – segundo dados da Polícia Rodoviária – participaram da

carreata. (O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 4.671, 20 ago. 1994).

Desaparecera o quadro “Sucessão” e quaisquer menções aos demais

candidatos. Daquele dia em diante a batalha de propaganda ganharia novos

contornos.

A partir de 24 de agosto, um banner plantado no rodapé informava

quantos dias faltavam para as eleições, acrescido dos seguintes dizeres em

maiúsculas: Para senador vote Narciso Mendes. Logo acima, ao lado de uma

imagem de Cameli, um texto negava a possibilidade de conflitos entre

governo e prefeitura de Rio Branco, caso Cameli fosse eleito. A matéria,

nominada Orleir garante parceria com PMRB, é lapidar:

O candidato a governador pela coligação PRP-PP, Orleir Cameli, empolgou os moradores do Bairro Nova Esperança, segunda-feira à noite, onde realizou um movimentado comício. Bastante aplaudido, Orleir garantiu aquela comunidade que, tão logo assuma o governo, chamará o prefeito de Rio Branco, Jorge Viana, para que Estado e município façam as obras de saneamento e pavimentação que o

bairro necessita com urgência. (O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 4.674, 24 ago. 1994).

A única referência da capa aos demais candidatos era um debate

anunciado pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Acre (Sinteac)

para o mês de setembro.

Dois dias depois, com o título Manobra contra um candidato é ato de

desespero, matéria de capa sai em aberta defesa de Cameli, expondo,

novamente, a posição de classe ao abordar um movimento de ocupação

fundiária na zona urbana e o papel panfletário do jornal naquela campanha. O

texto:

A tentativa de invasão de um terreno na BR-364, próximo ao bairro Santa Inês, de propriedade da Empresa Marmud Cameli & Cia Ltda, está sendo usada como forma de desviar a discussão política da campanha eleitoral, com adversários de Orleir Cameli tentando responsabilizá-lo por um problema, no caso do déficit habitacional, que compete exclusivamente ao Estado resolver. Essa não é a primeira vez que setores ligados a um outro candidato a governador tentam criar fatos para embaraçar Orleir. Primeiro lançaram boatos sobre a demissão de funcionários, o que não pegou,

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até porque é o vice de Flaviano Melo, o deputado Ilson Ribeiro, quem, na verdade foi responsável pela demissão de centenas de servidores da Assembléia Legislativa. Depois, boataram que havia uma proposta para mudar a capital do Acre; mas de tão ridícula, a manobra caiu no

vazio. (O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 4.676, 26 ago. 1994).

A mesma edição evidencia uma certa tensão entre antigas e novas

lideranças do PPR. Cameli denuncia abertamente a malversação de verbas

para a educação. O Rio Branco, fiel escudeiro, o segue. Romildo Magalhães

somara-se, agora, ao arco de adversários. O texto Orleir indignado com o

sucateamento da educação abre-se com a fala direta, em primeira pessoa, do

candidato cruzeirense:

“Para tirar o Acre da humilhante penúltima posição na classificação da qualidade do ensino no Brasil, basta aplicar os 25º (sic) do orçamento destinado por lei à educação. Não é necessária nenhuma fórmula mágica, é só aplicar o dinheiro disponível com honestidade e decência, o que não tem sido feito”. As declarações do candidato da coligação PRP-PP, Orleir Cameli, foram feitas em resposta à estudante Jorgeane Gomes, aluna do magistério do Instituto de Educação Lourenço Filho, durante debate que realizou com professores, funcionários e alunos. (idem).

Era a batalha eleitoral. Nenhum candidato ao governo, além de Orleir,

tinha garantia de aparecer na capa do jornal. O que começara como um

ensaio mal dissimulado de democracia informativa, abordando os estágios da

campanha de todos os candidatos no quadro “Sucessão”, transmutara-se na

velha tradição panfletária deste veículo. O percurso editorial demonstrava

claramente que a linguagem, a visceralidade, a combatividade do jornal

aumentavam na medida em que se aproximavam as eleições.

É nesse espírito que, a 27 de agosto, uma das manchetes de capa é

um superlativo ousado: “Comício gigantesco para Orleir esta noite em Plácido

de Castro”.124

Texto curto, postado abaixo, acrescenta que o presidente da

Câmara de Vereadores do município “garante a presença de mais de cinco

mil pessoas”. Ao lado, a sorridente fotografia de Orleir Cameli.

124

Localizada a 100 quilômetros de Rio Branco, a cidade de Plácido de Castro tinha em 2010, segundo o

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 17.203 habitantes.

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A mesma edição trazia um ataque visceral ao adversário de Narciso, o

candidato Aluísio Bezerra. Com o título “Calote” em maiúsculas, escrito em

um fundo negro, uma alfinetada típica de campanha eleitoral:

O senador Aluísio Bezerra está sendo acusado de mais uma mutreta. Desta vez ele teria comprado, através de um testa de ferro uma emissora de rádio e, até agora, o antigo dono espera ver a cor do dinheiro. Três parcelas do contrato já estariam vencidas e nenhuma paga. O antigo dono ameaça entrar na justiça para reaver o patrimônio. Aluísio teria utilizado um fiador que já esta de cabelo em

pé temendo ter que arcar com o prejuízo. (O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 4.677, 27 ago. 1994)

Com o fim de agosto a campanha ganha ritmo intenso. O Rio Branco

acompanha, dá cores, redimensiona textos, fotos e títulos em busca de votos

para Orleir e Narciso. A edição de 30 de agosto é o exemplo mais claro desse

desempenho. Com o título Tiro pela culatra e o subtítulo Documentos de

Nabor atestam honestidade de Orleir, desfaz-se a furtiva aproximação com o

rival peemedebista. O texto, impresso em negrito, informa que:

O episódio protagonizado pelo senador do PMDB, Nabor Junior, acusando o empresário Orleir Cameli, candidato a governador pelo PPR, de sonegar impostos, teve um desfecho inesperado. Ocorreu que no debate entre os candidatos ao Senado, veiculado sábado pela TV União, e no horário eleitoral de domingo, Nabor exibiu um calhamaço de papel afirmando tratar-se de provas de sonegação pela empresa Marmud Cameli, pertencente à família de Orleir. Para desmentir o senador, Orleir não precisou mais do que fazer mostrar na TV o que estava escrito nos papéis de Nabor. As denúncias vazias do senador Nabor Junior contra Orleir Cameli, acabaram por trazer à tona mais um caso de tentativa de extorsão política do então ex-governador Flaviano Melo. Lamentando que documentos de uso do fisco estadual estejam sendo usados com fins políticos, o fiscal de renda Luiz Gonzaga deu entrevista ontem, em emissoras locais de TV, afirmando que os papéis usados pelo senador Nabor Junior, ao contrário de apresentar provas de sonegação de impostos, são na

verdade um atestado de indoneidade (sic) fiscal da empresa. (O RIO

BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 4.679, 30 ago. 1994)

A mesma edição expunha o racha na base do PPR entre o grupo de

Magalhães e Cameli ao explicar que o governador liberara os assessores

para “apoiar os candidatos que acharem (sic) mais viável”. Com o título

Assessores do governador são liberados para votar, o texto afirma:

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Secretários de Estado, diretores de empresas e ocupantes de cargos de confiança estiveram ontem reunidos no auditório da Secretaria de Ação Social atendendo determinação do governador Romildo Magalhães, que teve de viajar às pressas a Brasília, deixando sua esposa, Antônia Magalhães, e o secretário de Administração, José Simplício, como representantes. Segundo Simplício, o governador deixou todos livres para apoiar os candidatos que acharem mais viável. (idem).

Era nesse ritmo, de divórcio com o atual governo – cujos

representantes receberam críticas do próprio Cameli na propaganda eleitoral

–, em meio a uma ofensiva contra os candidatos do PMDB com um discurso

moralizador e de renovação da máquina pública, que a campanha se

desenvolveria até as eleições.

Diferente do pleito anterior, a estratégia planejada nos comitês de

campanha e executada pelo panfleto que se tornara O Rio Branco,

funcionaria parcialmente. Exceto para Narciso Mendes, que não seria eleito

apesar de obter 55.995 votos125

, o PPR daria ao seu candidato a mais alta

votação proporcional da história acreana: 79.331 votos. Não era, porém,

suficiente. A contabilidade das urnas mostraria que Flaviano Melo, candidato

pelo PMDB, obteria 46.280 votos e Tião Viana (FPA), 41.830. Haveria

segundo turno. A data, marcada pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE), foi 15

de novembro.

No plano nacional, Fernando Henrique Cardoso (PSDB) vencia Luís

Inácio Lula da Silva (PT) no primeiro turno, com 34.250.217 contra

17.112.255 votos, respectivamente.

Na campanha para o segundo turno acreano, Magalhães, envolvido

em várias denúncias de corrupção, enfrentaria uma votação pelo pedido de

impeachment na Aleac.126

O pedido foi apresentado pela presidente do

Sinteac, Naluh Gouveia, comandando um movimento organizado por vários

125

Os senadores eleitos foram Marina Silva (PT), com 64.436 votos, e Nabor Junior (PMDB), com 60.355.

Entrementes, Narciso e O Rio Branco conseguiu elegeram Célia Mendes (Auricélia Freitas de Assis) deputada

federal com 10.894 votos. 126

Apresentado formalmente a 27 de outubro, foi o primeiro pedido de impeachment de um governador da

história brasileira. Diferente do que ocorreu com Collor, o movimento não conseguiu todas as assinaturas

necessárias e teve que se contentar com manifestações nas ruas.

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setores da sociedade acreana. Dois anos depois, Naluh seria eleita vereadora

pelo PT.

A vitória de FHC, ostentando um discurso de controle da inflação e

inserção do país na “modernização das instituições”, acrescida do desgaste

do governo estadual sob descontentamento crescente do funcionalismo

público, além da campanha costumeiramente explícita nas páginas de O Rio

Branco daria a Cameli uma vitória esmagadora: 91.997 votos contra 79.436

de Flaviano Melo. O PPR conseguira, enfim, manter-se no controle da

principal fonte financiadora de O Rio Branco.

Mas a missão não acabara. Restava reconquistar a prefeitura da

capital, perdida por Jorge Kalume, em 92, para uma FPA que se fortalecia a

cada pleito e que ameaçava, com algum esforço do prefeito Jorge Viana,

eleger o sucessor.

É nesse contexto que o PPR de Narciso e Cameli, seguindo uma

estratégia que funcionara no pleito anterior, seria renomeado em 1995:

surgiria o Partido Progressista Brasileiro (PPB), anexando, ainda, o Partido

Progressista (PP).

Apoiado pelo PFL, o candidato pepebista era um sobrinho do ex-

governador Romildo Magalhães, Carlos Aírton Magalhães Santana de Souza,

que se licenciara do cargo de deputado federal para concorrer ao pleito. Os

outros candidatos eram Mauri Sérgio (PMDB), Sérgio Petecão (PMN),

Damião Araújo (PSDB), Moisés Rocha (PTB), José Matos (PTdoB), além de -

resultado do primeiro “racha” na base de partidos da FPA - Marcos Afonso

pelo PT e Sergio Rocha Taboada pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB).

Novamente, O Rio Branco iniciaria cedo a campanha. Sem qualquer

alusão à agenda de qualquer um dos sete outros candidatos, a imagem de

Carlos Aírton como o mais capacitado para suceder Viana já aparecia em

agosto, na edição do dia 4, com o título “Carlos Aírton faz arrastão no Santa

Inês” e a seguinte apologia:

O candidato do PPB à Prefeitura de Rio Branco, Carlos Airton, abriu oficialmente sua campanha sexta-feira, durante um arrastão no bairro Santa Inês. Acompanhado de vários candidatos a vereador, Carlos Airton comprimentou (sic) moradores e garantiu que se eleito vai começar seu trabalho naquela comunidade. O candidato do PPB

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disse ainda aos moradores que seu trabalho já é reconhecido e merece ser lembrado nas urnas, principalmente no que diz respeito a

infra-estrutura. (O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 5.250, 04 ago. 1996)

No mesmo espírito, a edição de 14 de agosto traz avaliação do

candidato sobre a própria campanha, novamente omitindo menções aos

demais. O texto, Carlos Aírton diz que campanha cresceu, só evidencia o

papel estratégico do veículo de Mendes durante as campanhas eleitorais:

O candidato da Coligação PPB-PFL à Prefeitura de Rio Branco, deputado federal Carlos Aírton, acredita que, em apenas uma semana de programa no rádio e na televisão sua candidatura conseguiu crescer muito, principalmente na periferia, onde está concentrada a população carente e que precisa de ajuda por parte do poder público. Segundo Carlos Aírton, os outros candidatos ainda não preocuparam-se em apresentar propostas capazes de resgatar a cidadania e de oferecer melhores condições de vida ao povo rio-branquense. O candidato do PPB diz ainda que não irá fazer uma administração para atender os interesses das elites, mas sim aos das classes menos

favorecidas. (O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 5.256, 14 ago. 1996)

A mesma edição traz ainda pistas preciosas sobre a noção pouco

nobre de O Rio Branco sobre a democracia representativa. Em texto intitulado

Candidatos querem voltar no próximo ano, o jornal demonstra estreita

adequação ao raciocínio, largamente vigente nas classes dominantes

brasileiras, de que uma campanha eleitoral não passa de um comércio, uma

troca de favores, entre pessoas de classes diferentes. Assumindo um tom

completamente passivo sobre o que na época já era considerado crime

eleitoral – a compra de votos – o diário interroga:

Quem deverá voltar para a Câmara de Vereadores da capital, após as eleições deste ano? É uma pergunta que muitas pessoas fazem, sem no entanto ter um diagnóstico de como vem se desenrolando a campanha eleitoral de 96. É uma eleição difícil, onde os atuais vereadores que tentam a reeleição trabalhando duro para não perderem suas vagas para os novatos que a cada dia invadem os seus redutos. Um dos grandes problemas dos atuais vereadores é falta de dinheiro. Mesmo alguns deles tendo grandes estruturas, não vêm conseguindo atender a todos os pedidos. (idem).

A edição de 28 de agosto traria nova e desalentadora pesquisa de

intenção de voto. Carlos Aírton, apesar do mandato de deputado federal e de

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toda a “estrutura de campanha”, ficava em terceiro lugar, com apenas 4% dos

votos. Realizada pelo Ibope e publicada no Jornal Nacional, a pesquisa dava

37% para o candidato do PMDB, Mauri Sérgio, e 35% para Marcos Afonso,

do PT. Petecão (PMN) e Sérgio Taboada ficavam com 2% e 1%,

respectivamente.

A disposição do eleitorado era tema secundário naquela edição. O

assunto de capa, impresso em caracteres maiores e destacados, evidenciava

a continuidade das disputas intestinas no então PPB. O título, Secretaria de

Educação vira comitê, e o subtítulo, Projeto de Alércio Dias compromete

Educação no Acre, denunciavam os primeiros ensaios para a eleição de

Orleir Cameli, dois anos depois. A linguagem enumera, entre outras coisas,

tráfico de influência e uso da máquina pública para obtenção de vantagem

eleitoral e é particularmente relevante por tratar-se de consideração entre

aliados:

A Secretaria de Educação do Estado se transformou num verdadeiro “curral” eleitoral que pleiteia, de maneira clara, a sucessão de Orleir em 1998. Todas as ações realizadas por aquela secretaria têm como pano de fundo a hipotética candidatura de Alércio Dias ao governo nas próximas eleições. O compromisso com o ensino público foi deixado de lado em favor daquilo que favorece o projeto político do secretário, como troca de favores por voto e atendimento meramente político de candidatos. É fácil encontrar a maioria dos pretensos candidatos hoje, no prédio da Secretaria de Educação, que mais parece um comitê. A bateria de critérios adotada pelo próprio Alércio Dias dá preferência aos candidatos. A ordem é atender bem. Tudo dentro de um ritual reconhecimento político. Depois da calorosa recepção, os “compradores” de apoio recebem suas “ajudas”, cujas origens ninguém sabe, apesar de

comentários apontarem o destinatário. (O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 5.268, 28 ago. 1996)

O texto não deixa claro como o jornal verificou os detalhes que

denuncia – se, por exemplo, ouviu algum político ressentido ao ver negado o

seu pedido de propina.

A partir desta edição, com Carlos Aírton mal colocado nas pesquisas e

a ferida exposta no PPB, o costumeiro panfletarismo de O Rio Branco

começa a desaparecer. Ineditamente, até as eleições o tom jornalístico

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incluiria matérias positivas sobre o governo Cameli, sobre crimes, atividades

culturais e até a divulgação sobre a agenda de outros demais candidatos.

Exemplo salutar desse comportamento é a capa de 29 de setembro, a

quatro dias do pleito decisivo, em não haveria segundo turno. Além da

costumeira elegia ao governador, no texto Orleir tem 43,3% de aceitação na

capital, aborda-se a campanha de Mauri (texto PMDB faz passeata amanhã)

e de Marcos Afonso (Micareta do 13 hoje). Eram os dois candidatos com as

melhores posições nas pesquisas. Além de omitir a campanha dos demais, o

matutino sequer mencionava Carlos Aírton.

A edição de 3 de outubro é a mais abatida de todos os tempos. O texto

principal é sobre um roubo supostamente cometido por um policial militar no

município de Plácido de Castro, a 100 quilômetros de Rio Branco. Evitava-se

o tema eleitoral. A única menção direta aos candidatos era o texto Oito

disputam a prefeitura de Rio Branco. Indiretamente, o mal-estar no PPB fez-

se demonstrar no texto Banacre desmente denúncia, onde se lia:

A Frente Popular entrou ontem com representação na Justiça Eleitoral para investigar a denúncia de abuso do poder econômico praticado pelo Governo do Estado. O prefeito Jorge Viana admitiu que a denúncia se apóia nas insinuações feitas pelo candidato pelo candidato do PPB a prefeito, Carlos Aírton, e na posição do Sindicato dos Bancários que acusam o Banacre de ter injetado R$ 1,2 milhão

para a campanha de Mauri Sérgio. (O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 5.296, 03 out. 1996).

O jornal não explica os motivos que teriam levado o candidato a

prefeito pelo PPB a denunciar a gestão do próprio tio, financiando – com

dinheiro público, uma vez que trata-se de banco estatal – a campanha do

principal adversário do seu próprio partido. Esta é questão em aberto e que

foge do atual esforço monográfico.

O clima pesado de corrupção não influenciaria o resultado do pleito.

Mauri Sérgio seria eleito o novo prefeito de Rio Branco, com 45.113 votos,

Em segundo ficara Marcos Afonso, com 41.503. Em terceiro lugar, com

apenas 5.500 votos, Carlos Aírton. O PMDB, portanto, sucedia Jorge Viana e

deixava O Rio Branco com uma única e crucial missão: vencer o pleito de

1998, colocando no governo do Estado um candidato da base de partidos

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que compunham o governo Cameli e manter em dia o generoso repasse da

publicidade oficial do Estado.

Nesse espírito, Narciso lançaria Célia ao Senado e a si mesmo para a

Câmara Federal, invertendo com a esposa os cargos da infrutífera chapa

dobrada de 1994. Carlos Aírton, derrotado para a prefeitura da capital,

disputaria a reeleição e Alércio Dias, denunciado por usar o cargo de

secretário de Estado de Educação para negociar vantagens e apoios para a

sucessão de Cameli, seria, finalmente, o candidato a governador pelo PPB

numa coligação com o PFL.

Havia outros três candidatos em 1998: Duarte José do Couto, que

perdera concorrendo para o mesmo cargo e no mesmo partido – o Prona –

em 1994; Chicão Brígido, vice de Mauri Sérgio, que afastara-se para

concorrer ao governo pelo PMDB; e finalmente, Jorge Viana, pela FPA.

As eleições transcorreriam em meio a várias denúncias de corrupção

no governo Cameli, que por muito pouco não fizeram o governador perder o

mandato em um novo pedido de impeachment apresentado pela então

deputada estadual Naluh Gouveia. Repetindo o ato que promovera no final do

governo Magalhães, a parlamentar mobilizou os partidos de oposição e só

não conseguiu derrubar Cameli pela mesma razão que a imobilizou em 1993:

falta de assinaturas suficientes dos parlamentares para a inédita tarefa.

Atento ao ambiente efervescente, O Rio Branco travava as batalhas

que podia: passando ao largo das polêmicas, omitindo-se sobre questões

mais embaraçosas, participando quando a notícia parecia poderosa o

suficiente para influenciar eleitores, mudar estratégias concorrentes.

Muito era o que se disputava em 98: o PMDB, afundado numa crise de

credibilidade na gestão de Mauri Sérgio, tinha a desvantagem de apresentar

como candidato o vice do prefeito. Duarte José, desconhecido, não tinha

carisma nem estrutura de campanha, e, por fim, Jorge Viana tinha cada vez

mais aceitação popular na medida em que se acentuavam as denúncias

contra o governo Cameli – do qual Narciso, Célia e o candidato do PPB,

Alércio Dias, faziam parte.

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Para o Senado da República Célia batia-se com Flaviano Melo, o velho

rival do PPB, e com um novato: o médico Tião Viana, irmão de Jorge Viana,

pelo PT. Naquele ano, porém, o trio disputaria apenas uma vaga.

Havia, sim, que arreganhar as fauces e partir para a briga. E assim fez

o jornal, com toda a vasta experiência que obtivera desde as eleições de 82.

A 16 de setembro, com o título “Célia Mendes quer continuar defendendo os

direitos dos trabalhadores”, o casal de empresários anunciava uma

perspectiva interessante em relação à classe que explorava:

A candidata ao Senado pela Frente Liberal Progressista (PPB/PFL), deputada federal Célia Mendes, afirma que deseja continuar seu trabalho, em Brasília, na defesa dos interesses dos trabalhadores brasileiros e, em particular, dos acreanos. “Por isso preciso do apoio e de mais um voto de confiança da população do meu Estado para continuar realizando o trabalho que iniciei há quase oito anos”, afirma. Na verdade, Célia Mendes tem sido, nos dois mandatos, como deputada federal, uma defensora intransigente dos interesses dos trabalhadores. Com independência parlamentar necessária, que sempre foi a marca de sua representatividade, ela votou contra o

governo em diversas ocasiões. (O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 5.863, 16 set. 1998)

A tentativa de aproximação com “os trabalhadores”, terminologia que

naquele momento cabia mais na campanha do Partido dos Trabalhadores,

tem uma explicação mais simples em outra matéria da mesma edição. O

texto, Professores fazem protesto na prefeitura, diz o seguinte:

Cento e cinqüenta professores estiveram ontem, por mais de três horas, em frente à Prefeitura Municipal de Rio Branco, realizando uma manifestação para sensibilizar o prefeito Mauri Sérgio e fazê-lo implantar, em Rio Branco, o Plano de Carreiras, Cargos e Salários – PCCS. Foi entregue, no gabinete do prefeito, um abaixo-assinado contendo cerca de 3 mil assinaturas de pais de alunos. Atualmente existem cerca de 900 professores esperando pela implantação do PCCS. O presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado do Acre – Sinteac, Cláudio Ezequiel, estabeleceu um prazo até o dia 30 para o prefeito se decidir. Caso o problema não seja solucionado haverá uma nova reunião da categoria e consequentemente novos rumos para os protestos. (idem).

A tibieza do prefeito Mauri Sérgio, em ano eleitoral, ajuda a explicar a

tentativa de “vender” Célia Mendes como uma candidata próxima da classe

trabalhadora. A estratégia, na verdade, era entrar no vácuo do PMDB e

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capitalizar eleitoralmente a insatisfação dos servidores públicos do município

com o maior colégio eleitoral do Acre: Rio Branco.

Mas não é a ofensiva do casal Mendes sobre os movimentos sociais a

principal revelação do dia. A capa trazia o primeiro de uma série de editoriais

intitulados Flávio Nogueira127

, organizados por algarismos romanos. Aquela

edição trazia o número I. Tratava-se de ataque frontal contra Flaviano Melo,

que, apesar de ser o principal adversário de Célia, sofria apenas com o

elevado senso de dever moral daquele diário, na opinião do próprio:

Disparadamente, o maior crime administrativo da nossa história política, a conta fantasma Flávio Nogueira, será assunto de uma série de matérias e de reportagens que este jornal passará a publicar. Não se trata de fazer oposição ao senador Flaviano Melo e por atravessarmos uma campanha política onde ele busca sua reeleição. Voltaremos a este assunto pela importância que ele merece e para que, desavisadamente, ninguém se engane na hora de escolher o futuro senador do Acre. De princípio, este jornal arca com todas as responsabilidades pelas matérias que publicará, avisando, de antemão, que o que for escrito será extraído do inquérito feito pela Polícia Federal. Como chegou a dizer que processará quem falar neste assunto, o senador Flaviano Melo já pode ir convocando os seus advogados pois, pelo menos, uns dez artigos serão publicados sobre a Flávio Nogueira. Ao tomar esta iniciativa de voltar a debater este assunto, aparentemente esquecido, este jornal, antes de assumir uma posição política, cumpre o sagrado dever de informar aos seus leitores as desastrosas consequências produzidas pela conta fantasma Flávio Nogueira. No campo ético e moral o prejuízo foi irreparável, pois a Flávio Nogueira se constituiu numa verdadeira escola de desvios de recursos públicos, onde até hoje são visíveis ações nelas aprendidas. Do ponto de vista do equilíbrio financeiro do tesouro acreano, basta que se diga que a falência do Banacre está, intimamente, ligada à Flávio Nogueira, posto que ela permitiu que os recursos do Governo do Acre saíssem do Banacre para nela serem depositados, fazendo com que o Banacre perdesse o cliente que sozinho representava 70% dos seus depósitos. (ibid.)

A 24 de setembro, faltando 10 dias para o embate que decidiria o

sucessor de Cameli, a matéria Candidatura de Célia continua crescendo

expõe as atividades da candidata pelo interior do Estado, apesar de não

mostrar uma só evidência do suposto crescimento:

127

Trata-se de um dos principais escândalos políticos e financeiros da história do Acre, ocorrido entre 1987 a

1990, quando Flaviano Melo era governador do Estado. Cf. ROCHA, Leonel. Com a mão na cumbuca: juiz

acusa prefeito de Rio Branco por desvio de verba. Isto É Brasil, Rio de Janeiro, n. 1.664, p. 23-5, 22 ago. 2001.

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A candidatura da deputada federal Célia Mendes, da Frente Liberal Progressista (PPB/PFL) ao Senado da República, continua crescendo em todo o interior do Estado. Ontem, ela esteve no município de Manoel Urbano onde foi ovacionada pela população local. Hoje, Célia Mendes realiza comício e arrastão no município de Sena Madureira. Desde que iniciou sua campanha ao Senado da República, Célia Mendes tem realizado visitas por todo o interior do Estado. Nestas visitas, ela procura ouvir sempre os problemas da população e suas necessidades. Como parlamentar acreana em Brasília há quase oito anos, Célia Mendes tem trabalhado, e muito, em prol das populações

mais esquecidas do Estado. (O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 5.870, 24 set. 1998)

Na mesma data o editorial Flávio Nogueira - VIII acrescentava o

seguinte:

Só quem teve acesso ao inquérito policial nº 57.02/91-SR/DPF/AC elaborado pela Polícia Federal e assinado pelo delegado Ildor Reni Graebner pôde ter noção do que foi, verdadeiramente, a conta fantasma Flávio Nogueira. Pelo número de pessoas envolvidas, ficou evidenciado (sic) a formação de quadrilha e pelo volume de recursos roubados é inadmissível que ele se tenha dado às custas do tesouro de um Estado pobre como o Acre. Na folha nº 8 do referido inquérito, com absoluta exatidão, está expresso o volume de recursos que foram desviados como também o total de recursos literalmente roubados. Em moeda da época, atualizado até o dia 26/05/92 foram desviados Cr$ 2.493.739.551.601 (Dois trilhões, quatrocentos e noventa e três bilhões, setecentos e trinta e nova milhões, quinhentos e cinquenta e um mil e seiscentos e um cruzeiro) e de fato roubados Cr$ 2.888.669.213,00 (Dois bilhões, oitocentos e oitenta e oito milhões, seiscentos e sessenta e nove mil e duzentos e treze cruzeiros). Ao publicar esta matéria, como de praxe, dispomos para quem interessar, todo o inquérito feito pela Polícia Federal, condição sem a qual não assumiríamos a responsabilidade pela sua publicação e é por esta razão que também não tememos ameaças de qualquer processo que possa ser movido pelo Senador Flaviano Melo. No nível adequado para o caso, iremos continuar publicando matérias a respeito da conta Flávio Nogueira, sem nenhuma preocupação com ameaças e tampouco que isto seja baixaria, até porque não o é. Covardia seria omitir do povo acreano o conhecimento que temos a respeito desse crime. Que nos desculpe o Senador Flaviano Melo. Não fosse o seu governo a conta fantasma Flávio Nogueira não existiria. (idem).

A edição do dia seguinte evidenciava, na Flávio Nogueira - IX, certa

irritação com estratégico silêncio do candidato sobre as acusações:

Calado ou com evasivas o Senador Flaviano Melo não diminuirá sua responsabilidade com o escândalo da conta fantasma Flávio Nogueira. Nascida e operada nos porões do Palácio Rio Branco, quando ele foi governador do nosso Estado, a Flávio Nogueira não

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pode cair no esquecimento nem tampouco deixar de ser assunto obrigatório do atual momento político. Apelar para um possível acordo de cavalheiros para retirar da pauta a conta Flávio Nogueira é algo impossível. Ninguém pode fazer acordo que beneficie quem teve participação direta e ativa com um escândalo de tamanhas proporções. Melhor seria para o senador Flaviano Melo que ele assumisse a responsabilidade que lhe cabe nesse caso e viesse a público apresentar suas justificativas pois do contrário, ele será o mais prejudicado por estas publicações. Aliás, este é um dos nossos objetivos. O silêncio não lhe favorecerá em nada. Já provamos que a conta Flávio Nogueira foi o maior escândalo de nossa História e que foi o núcleo central do Governo Flaviano Melo quem o operava. Já mostramos que era o próprio secretário da Fazenda do Governo Flaviano Melo quem, de próprio punho, assinava pelo fantasma Flávio Nogueira. O que dissemos até agora foi tirado de um inquérito administrativo feito pelo Banco do Brasil e outro policial, feito pela Polícia Federal. Ficar calado e continuar candidato será a pior opção que fará o Senador Flaviano Melo. Não adianta o silêncio, pois o povo não vota

em candidato suspeito. (O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 5.871, 25 set. 1998)

Na mesma data, finalmente, o diário acordava para a importância de

apoiar a candidatura de Alércio Dias. O texto Passeata do 25 confirma virada

de Alércio Dias se pretendia profético: o evento estava marcado para aquela

noite de 25 de setembro. O esforço para empolgar o “grande público” é tão

grande que a pequena matéria de capa, com apenas dois parágrafos, usa

uma declaração entre aspas sem apontar o autor:

Acontece, logo mais a partir das 19 horas, a grande passeata pela Frente Liberal Progressista, Alércio Dias. Segundo os organizadores do evento, será a grande passeata da virada de Alércio Dias rumo ao Palácio Rio Branco. “A grande passeata vai demonstrar o fortalecimento da candidatura de Alércio Dias e comprovar que ele já está no segundo turno para buscar a vitória final no dia 25 de outubro”. A grande concentração acontece no Estádio José de Melo e a passeata vai subir a Avenida Ceará até a Ufac, desce a Getúlio Vargas até a Epaminondas Jácome, sobe a Marechal Deodoro até a Quintino Bocaiúva e acaba em frente ao Terminal Urbano. (idem).

Outro frêmito de entusiasmo que já surgira em eleições anteriores e

praticamente era bordão do jornal abre a matéria ao lado, impressa em fundo

cor de rosa: Célia Mendes encanta eleitor em Acrelândia. O bordão: O

município de Acrelândia assistiu ontem, à noite, na praça central da cidade, a

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uma das maiores manifestações populares de sua história. Era o último

comício da campanha pepebista em 1998.

A 26 de setembro o jornal encerra, com Flavio Nogueira - X, a série de

editoriais contra Melo. O Tribunal Regional Eleitoral (TRE) dera ao ex-

governador e então senador na disputa pela reeleição um Direito de

Resposta, publicado no canto inferior direito. Redigida em primeira pessoa e

assinada pelo candidato, a mensagem não confirmava nem negava as

denúncias. O que pretendia, e fez, foi tentar firmar a imagem de Flaviano

como profundo conhecedor das severas dificuldades vividas pelos acreanos

mais pobres. Tratava-se, pois, de peça de propaganda eleitoral – no jornal do

mais ferrenho adversário:

O Tribunal Regional Eleitoral me concedeu direito de resposta em virtude das agressões que constantemente o jornal “O Rio Branco” tem feito à minha pessoa, com objetivos notoriamente eleitoreiros. O direito de resposta foi concedido em função de que as acusações feitas em matérias publicadas em diversas edições do referido jornal, foram consideradas afirmações inverídicas, ofensivas à minha honra e dignidade. O jornal foi condenado por infrações cometidas contra a legislação Eleitoral. Desta forma, confirmou-se serem mentirosos os devaneios, frutos da imaginação deste tendencioso matutino. De minha parte, sempre preferi continuar o meu trabalho, em busca de ajuda para o nosso Estado e nossa gente, principalmente carreando recursos para que as prefeituras e o governo do Estado possam realizar obras que beneficiam a população. Entre estes benefícios, está a pavimentação das 364 e 317, cujos resultados já se fazem sentir. Na BR-317, o asfalto até Brasiléia já é uma realidade e a pavimentação do trecho até Assis Brasil foi incluído no programa Brasil em Ação II, do Governo Federal, conforme compromisso assumido pelo presidente Fernando Henrique e reafirmado por meu amigo e companheiro de partido, ministro dos Transportes, Eliseu Padilha, recentemente, quando esteve no Acre. Na BR-364, o asfaltamento até Sena Madureira já está quase pronto e as obras avançam no trecho Tarauacá-Cruzeiro do Sul. Há pouco tempo, inclusive, percorri aquela estrada, até o projeto Santa Luzia, onde parceleiros do Incra já estão com o asfalto na porta, podendo levar sua produção para vender na cidade. É o progresso chegando naquela região, assim como em outros locais onde o asfalto está chegando. É isso o que eu quero para o meu Estado. É por isso que eu trabalho. Não importa se o prefeito ou governador é ou não do meu partido. O importante é ver a obra, o benefício, a prosperidade chegando para nossa gente. É como devem agir todos aqueles que realmente se preocupam com o Acre. É como sempre vou continuar agindo, inclusive em respeito aos leitores, em memória do meu pai, Raimundo Melo, e em honra da minha mãe, Laudi – infelizmente a pessoa que mais tem sofrido com toda essa situação.

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Por tais motivos e por nada existir em qualquer tribunal contra minha

pessoa, considero o assunto encerrado. (O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 5.872, 26 set. 1998).

Na mesma capa, a Flávio Nogueira - X adotava tom ressentido para

anunciar o fim do “debate”:

Ao longo das 10 últimas edições deste jornal, trouxemos a público detalhes do que foi e quanto prejuízo causou a conta fantasma Flávio Nogueira. Democraticamente e sem que seja preciso a nenhum dos acusados recorrer à Justiça por ter direito de resposta. Este jornal dá de pronto franquia os mesmos espaços para as respectivas explicações. A quem interessar. Em tempo: tudo que publicamos foram informações trazidas de dois inquéritos, um deles da Polícia Federal, o que nos permitirá transcrevê-lo na íntegra se isto for necessário. Crime praticado contra Instituição Bancária é crime com fartas provas. Que se defenda quem se sentir atingido. (idem).

Era o menor editorial da série. Abaixo dele, porém, uma Nota da

redação assinada por A diretoria, rebate o Direito de resposta judicial e tenta

remendar o que fora dito:

O senador Flaviano Melo, em “direito de resposta” publicado ao lado, não respondeu ao objeto da denúncia feita por este jornal que é a conta Flávio Nogueira. O senador se escondeu atrás de adjetivos de seu pseudo trabalho em Brasília. Flaviano Melo deveria sim, como sugeriu este jornal, responder as denúncias sobre seu envolvimento no monstruoso esquema da conta Flávio Nogueira e, se possível, tentar provar para a população que nada teve a ver como (sic) o roubo feito pelo esquema Flávio Nogueira. Ao contrário do que citou em seu “direito de resposta”, o senador Flaviano Melo foi quem liderou o pedido de embargo das obras das BRs, pois era oposicionista ao atual governo, fato mais que notório à toda população do Acre. hoje, ilicitamente, afirma ser carreador de recursos para a conclusão das obras, quando, na realidade, todos os recursos foram trazidos pela bancada do Estado e não apenas por Flaviano Melo. Este jornal mantém seu desafio ao senador Flaviano Melo de que ele prove não ter envolvimento com o roubo da conta Flavio Nogueira. Ao senador vai um recado: não se esconda mais atrás de seu fictício trabalho em Brasília e seu “poder” de trazer verbas para o Estado. O povo não é besta. (ibid.)

Entre protestos, desafios, manifestos e gritos de ordem acabava

abrupta e dramaticamente, a oito dias das eleições, o fogo da principal arma

de O Rio Branco. A energia seria concentrada na campanha de Alércio, que,

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avisada pelas pesquisas de intenções de voto da liderança de Jorge Viana,

passou a afirmar declaradamente que pretendia levar a disputa ao segundo

turno. É o que se subentende do texto Passeata do 25 reúne 15 mil no centro

da cidade, dando conta de um novo evento eleitoral em Rio Branco. Além de

Alércio Dias participaram Narciso e Célia Mendes, que “esbanjaram simpatia

sem qualquer preconceito ou indiferença contra a população”, além de

candidatos à Câmara Federal e à Aleac.

Duas matérias, opostas em conteúdo e unidas elo contexto eleitoral,

chamam a atenção na edição de 27 de setembro: Esquerda faz campanha

mais ‘rica’ desta eleição e Manifestação em Sena mostra vitória de Célia e

confirma segundo turno. Era a tática beligerante de expor o inimigo e valorizar

os aliados. Sobre a primeira, o jornal garantia o seguinte:

A esquerda, de um modo geral, e o Partido dos Trabalhadores, em particular, fazem a campanha política mais “rica” destas eleições, pelo menos no tocante a recursos financeiros de campanha. Este ano, alguns partidos de esquerda, sobretudo o PT, não podem reclamar sequer das antigas campanhas que eles mesmos definiam como “pé no chão”. Ao contrário, partidos tradicionais têm dificuldade até para

chegar à reta final da campanha eleitoral. (O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 5.873, 27 set. 1998)

Na segunda notícia, até a apresentação estética da notícia é diferente.

Com títulos maiores, em espaço destacado da capa, acompanhando uma

generosa fotografia com Célia em primeiro plano acenando para a multidão e

uma legenda com os dizeres Esbanjando felicidade, Célia Mendes saúde e

agradece à multidão pelo apoio à sua candidatura, o jornal afirma:

No aniversário de Sena Madureira, que completou 94 anos de fundação no último dia 25, quem acabou ganhando presente foram os candidatos da Coligação PPB/PFL, Alércio Dias (Governo) e Célia Mendes (Senado). O presente partiu da própria população, que compareceu em massa ao comício convocado pela Coligação: “O maior presente que um político pode receber é isso aqui, uma praça cheia de gente, para ouvir nossas propostas e para dizer, de público, que está com a gente, é um grande presente. Não há nada igual”, agradeceu Célia Mendes, emocionada. A organização do comício e a Polícia Militar não souberam avaliar o número de pessoas presentes. “Eu não vou arriscar a dizer quantas pessoas estão aqui, mas posso dizer que esta é uma das maiores manifestações políticas da história de Sena Madureira”, disse o deputado estadual e candidato à reeleição, José Vieira, do PFL.

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“Eu nunca vi nada igual, mas há dois dias que chega gente na cidade, vindo dos seringais e dos altos rios da região, para este comício. Isso me diz que tem segundo turno”, acrescentou o deputado. (idem).

Outubro, reta final de campanha, chegava com uma novidade. Na

edição do dia 1º, um quadro com a fotografia de Célia contendo a frase

Porque (sic) Célia Mendes enumerava as principais ações do mandato da

então deputada federal licenciada. Postado na parte superior esquerda de

cada edição, o quadro permaneceria até o dia 4, embora o prazo para a

propaganda eleitoral tivesse acabado, naquele ano, no próprio dia 1º.

Acompanhada sempre da mesma fotografia, a exposição tentava pescar os

últimos indecisos.

A edição de 1º de outubro também mostrava novo ataque ao candidato

petista, que liderava as pesquisas de intenção de voto. O objetivo era expô-lo

como cruel e insensível. Para isso, uma tragédia que ocorrera no mesmo dia

de um comício em Feijó, a 344 quilômetros de Rio Branco, veio a calhar. O

texto, Tragédia em Feijó mostra frieza de Jorge Viana e do PT, tem os

seguintes dizeres:

Uma tragédia na terça-feira, à noite, com um menino morto e mais seis pessoas com queimaduras de terceiro grau revoltou a população de Feijó e, mais que qualquer outro fato político da campanha eleitoral que está se encerrando, expôs o caráter dos principais candidatos que disputam essas eleições. Enquanto os candidatos Célia Mendes e Alércio Dias, da coligação PPB/PFL, encerravam seu comício para socorrer as vítimas de um incêndio, o candidato do PT, Jorge Viana, também presente na cidade, continuou seu comício impassível e alheio ao sofrimento da família queimada, negando qualquer ajuda sob a alegação de que não faz “assistencialismo barato”. A frieza do PT e de seu candidato ao Governo diante da tragédia revoltou a

população de Feijó. (O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 5.876, 01 out. 1998).

A 3 de outubro, véspera do pleito, mantinha-se o quadro com a foto da

sorridente candidata a senadora. Era, porém, momento propício para uma

ofensiva direta aos adversários. Assim, nada menos que Narciso Mendes

concede uma entrevista ao seu próprio jornal, em página nobre. A chamada

de capa intitulava-se Narciso afirma: “A política acreana está cheia de chupa-

cabras no poder”. Pretendia, e era, declaração bombástica no contexto de

crise do governo Orleir e da prefeitura de Mauri Sérgio. O objetivo não

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declarado, mal-disfarçado, era valorizar o passado do empresário e político

numa tentativa de obter votos, agora, para si mesmo. O texto, que margeia

uma foto de Mendes com uma legenda anunciando Narciso Mendes,

polêmico e atuante, disputa vaga para a Câmara Federal pelo PPB, assevera:

Fosse este o objetivo desta entrevista, seria fácil preencher boa parte dela só com os adjetivos atribuídos a Narciso Mendes de Assis, político e empresário que há 25 anos vive no Acre e se tornou um dos nomes mais conhecidos do Estado. Dele, gosta-se ou não – mas não se pode ignorá-lo. E ele próprio se encarrega de fazer com que isso não aconteça porque não é difícil nem raro encontrá-lo numa roda falando, em alto e bom som, o que muitas pessoas gostariam de manter escondido. Narciso Mendes é assim: sem papas na língua. E, com seu estilo atrevido, sem dúvida alguma, entrou para a história política do Acre

desde que, em 82, elegeu-se deputado estadual pelo extinto PDS. (O

RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 5.878, 03 out. 1998)

Não é, porém, o texto mais claro do papel estratégico do jornal da

véspera eleitoral. A capa, que não cita um só candidato de outra coligação,

traz o texto Júnior encerra campanha em Plácido de Castro. Nele há uma

tentativa singela de ajudar um candidato a deputado estadual correligionário

dos Mendes. Mas a matéria se destaca pelo salamaleque desmesurado a um

dos caciques do PDS – Jorge Kalume, o mesmo que, em sua primeira edição,

em 1969, o jornal apelidara de “velho capitão”.

O candidato a deputado estadual Luís Pereira Júnior encerrou sua campanha eleitoral pelo município de Plácido de Castro, na última quinta-feira à noite. Na oportunidade foi realizado um comício com a presença de vários candidatos a deputado federal pela coligação Frente Liberal Progressista, entre eles, o empresário Narciso Mendes e o ex-tudo Jorge Kalume. (idem).

O desejo de ver eleito o candidato pepebista ultrapassa os limites

amplos da política e resvala para a especulação sobrenatural. A busca pelos

votos dos últimos indecisos ganharia ares esotéricos com a matéria Alércio

vence no segundo turno, diz mãe-de-santo. Um sério e formal texto de capa

acrescenta:

A mãe-de-santo, Norma de Amorim Pinto, através de suas previsões, revelou ontem que Alércio Dias – da coligação PPB-PFL – será o

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novo governador do Acre. Segundo ela, vai haver muito choro e decepção para os cabos eleitorais dos irmãos Jorge e Tião Viana, ambos do Partido dos Trabalhadores (PT). Norma disse ainda que Alércio fará um bom governo e que com o tempo conseguirá ganhar a simpatia dos seus adversários. “No início ele também enfrentará algumas dificuldades com o seu secretariado, mas tudo isso será resolvido com rapidez e eficácia”, frisou. A mãe-de-santo informou ainda que o segundo turno já é realidade no Acre e que apesar do esquema eleitoral montado pelos adversários de Alércio, ele será o vencedor. (ibid.).

As urnas não endossariam as projeções da religiosa. O novo

governador seria Jorge Viana, eleito no primeiro turno com margem recorde

de votos: 112.889, 57,7% do total. Alércio Dias, apesar da propaganda aberta

até o dia das eleições, conseguira menos da metade: 51.453 votos (26,3%).

Em terceiro lugar, evidenciando a insatisfação popular com a administração

de Mauri Sérgio, Chicão Brígido obtivera 28.767 votos (14,7%).128

A vaga para o Senado também seria da FPA: Tião Viana (PT), com

103.559 votos, quase alcançara a marca do irmão. Célia Mendes conseguiria

35.233 votos, a pior classificação de todos os candidatos a esse cargo.

Narciso Mendes também não seria eleito: com 2.713 votos, ficaria na

suplência de João Tota (PPB), que alcançara 5.477 votos.

Consumara-se, ruidosamente, a derrota do projeto político cuja fração

de classe o casal Mendes e seu complexo de comunicação integravam.

Cabia analisar a conjuntura desfavorável, localizar erros, eliminar exageros.

Caprichosa, porém, a história exigiria mais.

No próximo embate eleitoral, em 2000, diante de uma FPA que

buscava consolidar a hegemonia política reconquistando a prefeitura da

capital acreana, tabus teriam que ser rompidos. O PPB e o PMDB

rapidamente adaptaram-se ao novo contexto, lançando-se inédita coligação:

o Movimento Democrático Acreano (MDA)129

para enfrentar a FPA.

A disputa pelo comando do Palácio Rio Branco e prefeitura de Rio

Branco, além de buscar segurança financeira para os jornais, garantiria que

rostos amigos se perpetuassem no poder. Por isso o preço a pagar, a aliança

128

Duarte José do Couto Neto (Prona) obtivera 2.536 votos (1,3%). 129

Criada como estratégia específica para as eleições de 2000, a coligação MDA era composta por PPB, PMDB

e PFL.

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entre velhos inimigos de jornada, era considerado pequeno diante da FPA e

sua orientação política exótica.

3.1.2. A Gazeta: o PMDB vai à luta

Segundo jornal diário a funcionar no Estado, Gazeta do Acre começa a

circular nove anos depois de O Rio Branco. Era também de apoio entusiástico

ao regime militar, não se limitando apenas a omitir-se sobre o estado de

exceção. A edição número 1, em 31 de março de 1978, é o exemplo mais

claro desse comportamento. A principal matéria, impressa em caracteres

espaçosos na capa, era um recado bem dado: A Revolução garante: o povo

não está só. Pouco abaixo, em editorial intitulado Nosso compromisso, os

leitores eram informados que:

A Imprensa acreana, a partir de hoje, ganha mais um aliado com o surgimento de um novo jornal. Jornal que se propõe a assumir, adotar e ser fiel a uma linha criteriosa, autêntica e veraz no executar o fato, no analisar o acontecimento e no aplaudir ou criticar responsavelmente a conduta dos homens públicos quando investidos do ônus da gerência ou da execução dos negócios atinentes à coletividade e mesmo daqueles que no pleno exercício de uma

cidadania deveres têm com sua cidade, com seu Estado. (GAZETA

DO ACRE. Rio Branco: Gazeta do Acre, n. 1, 31 mar. 1978).

E poucas linhas depois, que:

Nossa voz se alteará acima das copas solenes e seculares da selva densa e inculta, na reafirmação da unidade nacional e do compromisso de arrancarmos juntos rasgando caminhos e abrindo estradas que nos conduzam ao desenvolvimento integral, meta de nossos precedentes e aspiração maior de nossa gente. (idem).

Segundo Silvio Martinello, o responsável pela estréia do jornal foi um

grupo empresarial rondoniense, responsável em Porto Velho pelo diário O

Guaporé. Os empreendedores, lembra, encontraram dificuldades:

Lá em Porto Velho o dono tinha O Guaporé e aqui tinha a Gazeta do Acre. E nós, a equipe do Varadouro, que ainda nós fazíamos Varadouro, fomos convidados para trabalhar na Gazeta do Acre. E nós começamos a trabalhar. Era uma linha muito livre de governo, de amarras do governo, coisa e tal. E na época também havia... são

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coisas do Acre, né... havia o monopólio do comércio da carne, da venda da carne. E era um problema isso para a população, porque tinha que formar filas para comprar carne, o dono do monopólio aumentava o preço como ele queria, não tinha controle e A Gazeta entrou um pouco firme na denúncia desse monopólio. O dono desse monopólio, que se chamava Wilson Barbosa, e que está vivo ainda hoje, pegou um avião, nem esperou pelo Boeing, pegou um teco-teco e foi a Porto Velho onde comprou no cash o jornal. Inteiro. (MARTINELLO, 2009).

A aquisição de Gazeta do Acre, pouco mais de um ano depois da

estréia, pelo empresário cujo monopólio do comércio de carne combatera

duramente, não alterou significativamente a linha editorial pró-governista. Nas

eleições de 1982, por decisão do novo proprietário, o diretor Elson Martins da

Silveira e o editor-chefe, Silvio Martinello, foram temporariamente afastados.

A idéia era impedir que as convicções políticas da dupla – que ficaram claras

durante as atividades de Varadouro, cuja última edição circulara em

dezembro do ano anterior – interferissem numa aguardada vitória de Jorge

Kalume (PDS) na disputa pelo governo do Estado. O próprio MARTINELLO

lembra:

Em 1982 veio a redemocratização com a eleição do primeiro governador, que foi o Nabor. E o jornal, naturalmente, pois era um movimento de todo o país, tomou partido porque naquela época era o MDB, PMDB, como quiser, mas a gente achava importante a eleição dos governadores de oposição. Só que aí o dono do jornal nos afastou. Afastou a mim e o Elson, 45 dias antes da eleição, e chamou o Zé Leite para editar o jornal. Por que? Porque os dois candidatos eram o Nabor e o Kalume e dono do jornal era muito ligado ao Kalume e o Zé Leite também era ligado ao Kalume. (idem).

A derrota de Kalume serviria para iniciar uma série de transformações

que marcariam para sempre a história de Gazeta do Acre. Barbosa readmitiu

Martinello e Martins, que então escreviam para os semanários O Repiquete e

Folha do Acre. A sorte seria ainda mais generosa: em 1985 - ano de eleições

- Martinello herdaria, numa transação misteriosa, toda a estrutura de Gazeta

do Acre, exceto o prédio onde funcionava a redação. Ao lembrar os atos do

generoso mecenas, Silvio Martinello conta que:

Depois de um tempo o Wilson Barbosa chamou a gente de volta. E nós saímos da Folha do Acre por interferências muito políticas, pois o Mario Maia era ligado ao Nabor e nós tivemos conflitos com o próprio

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Nabor. E sempre era uma questão de linha editorial mesmo, porque a gente nem mexia muito com dinheiro na época. Saímos da Folha do Acre e fomos fazer O Repiquete, um semanário. O Wilson, que estava com todo o equipamento dele parado, chamou a gente de volta e disse: “Olha, tá aqui tudo, mas não quero mais nada com isso. É de vocês. Apenas o prédio é meu, mas o resto vocês tocam. Se virem”. Então do Repiquete, que era semanário, passamos a fazer A Gazeta, um diário. E como o título era Gazeta do Acre, que era dele, e ficou com ele até hoje, a gente simplesmente passou a usar A Gazeta. (ibid.)

De fato, em setembro de 1985, quando o candidato do PMDB à

prefeitura de Rio Branco, Adalberto Aragão, liderava todas as pesquisas de

intenção de voto, Gazeta do Acre reiniciou a contagem das edições,

acrescentando ainda os dizeres “nova fase” no canto superior esquerdo da

capa. A edição de 24 de outubro trazia, em seu expediente, Elson Martins da

Silveira como diretor-geral, Silvio Martinello como editor-chefe, Mario Emilio

Malachias como chefe de redação e Roberto Vaz como editor do caderno de

esportes. O mesmo espaço anunciava como responsável pela publicação a

empresa Repiquete Serviços Editoriais Ltda, inscrita na Junta Comercial do

Acre com o CGC 05.378.153/0001-90. Repiquete era também o nome do

semanário em que Martins e Martinello trabalharam durante a suspensão,

dois anos antes.

A propriedade de Repiquete Serviços Editoriais, e, em conseqüência,

do semanário que lhe emprestara o nome e de Gazeta do Acre, seria tema de

viva polêmica a cada eleição. A tese era que o jornal teria sido criado em

sociedade com o prefeito biônico de Rio Branco, Flaviano Melo130

, para

auxiliar ideologicamente na escalada do PMDB aos cargos públicos.

Não obstantes as explicações que exaltam a vocação humanitária de

Barbosa, os motivos pelos quais a mesma empresa que publicava o

semanário passara a ser dona de Gazeta do Acre são envoltos em mistérios.

Em artigo publicado em 2007, o empresário e jornalista Roberto Vaz, sócio de

Martinello em Repiquete, afirma categoricamente que ambos (Martinello e

ele) e o então prefeito biônico de Rio Branco, Flaviano Melo, eram sócios em

130

Flaviano Flavio Baptista de Melo foi prefeito de Rio Branco entre 1983 e 1986, nomeado por Nabor Teles da

Rocha Junior, então governador, que vencera Kalume no pleito de 82.

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112

Gazeta do Acre.131

A mesma afirmação fora brandida, sistematicamente, pelo

jornal O Rio Branco132

- e negada na mesma proporção por Martinello.

Entrementes, o comportamento editorial de Gazeta do Acre demonstra

que a ligação deste veículo com o PMDB é tão visceral quanto a do jornal de

Mendes com o PDS.

Na capa de 24 de outubro de 1985 há um exemplo salutar: a matéria

principal, Aragão tem que madrugar para atender eleitores, abre e ocupa a

parte superior direita da edição. No rodapé, espaço geralmente dedicado a

temas secundários, um texto reclama da sujeira provocada pela propaganda

eleitoral do PT: uma pintura no muro do cemitério São João Batista. O jornal

define a propaganda de “pichação”. Os dois textos, na mesma edição,

evidenciam que a informação política, também neste diário, não era apenas

meio de veiculação das candidaturas políticas. Era ainda arma ideológica

destinada a influenciar a vontade do eleitorado.

A leitura do texto sobre Aragão não deixa dúvidas:

Não é fácil a vida dos candidatos. Por ser considerado franco favorito, o candidato do PMDB a Prefeito da capital, deputado Adalberto Aragão, acorda todos os dias de madrugada para atender os eleitores que chegam de toda a parte com os mais variados pedidos. Num dia desses, quando o candidato chegava de uma reunião à sua casa, no bairro do Bosque, às 3 horas da madrugada, já encontrou filas de eleitores esperando-o. Os pedidos vão desde tijolo e o pedreiro, o dinheirinho para pagar a receita médica, até um caminhão, barco a motor e... passagem para a França. Na medida do possível, o candidato, pessoalmente, auxiliado por sua mulher, dona Célia

Aragão, e alguns cabos eleitorais, vão atendendo a todos. (GAZETA

DO ACRE. Rio Branco: Gazeta do Acre, n. 4, 24 out. 1985).

Na matéria sobre o PT, a capa traz uma fotografia da “pichação”: os

dizeres “CARDOSO Nº 13 PT”, em maiúsculas, pintados com tinta

hidrossolúvel. O texto acrescenta que:

Até o final da tarde de ontem o Partido dos Trabalhadores ainda não havia cumprido a determinação da juíza eleitoral Miracele de Souza Lopes Borges. Na segunda-feira, acatando queixa do administrador do cemitério São João Batista, Expedito Monteiro, ela despachou liminar para que o PT apagasse, no prazo máximo de 24 horas, as pichações feitas naquele muro.

131

VAZ, 2007. 132

Cf. subtítulo anterior.

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113

Na ocasião, o administrador cientificou a juíza da 1ª Zona Eleitoral que o cemitério este ano recebeu três pinturas, sempre lambuzadas pelos partidos políticos. A última pintura foi feita no início da semana passada, tendo o PT aproveitado o seu final para veicular a candidatura do engenheiro agrônomo Raimundo Cardoso com pichações na frente e na lateral do cemitério. (idem).

A campanha transcorreria serenamente. A vitória de Aragão, candidato

do governo Nabor, na primeira eleição municipal após a ditadura, era tão

certa que na capa de 14 de novembro, a duas semanas do pleito, Gazeta do

Acre deixa escapar a preferência. Em matéria que tentava relacionar a

aceitação eleitoral de cada candidato com a quantidade de correspondências

que estes recebiam por semana, o jornal publica desenho com o maior

volume de missivas nos braços do sorridente peemedebista, o único,

ademais, representado com as mangas da camisa arregaçadas - símbolo

clássico do político “tocador de obras”.

Sagrado vitorioso do primeiro embate com Aragão eleito prefeito da

capital, Gazeta do Acre ganha respaldo para o segundo, que ocorreria no ano

seguinte. A corrida para suceder Nabor Junior seria mais acidentada. A 7 de

outubro de 1986, faltando mais de um mês para o pleito, o título de capa é

um grito de guerra: PMDB prevê vitória maciça em novembro. A ausência de

considerações dos demais candidatos sobre a previsão de um partido político

acerca das eleições de que participa, longe de ser objeto de preocupação,

não é considerada no texto em negrito, publicado na capa, com o seguinte

conteúdo:

O PMDB elegerá, nas próximas eleições no Estado, dois senadores, de cinco a seis deputados federais e de 15 a 16 estaduais. Esta é a avaliação dos candidatos e principais lideranças do partido sobre o quadro eleitoral acreano e que a Governadora Iolanda Fleming, na última sexta-feira, transmitiu ao Presidente José Sarney. O candidato a Governador, Flaviano Melo, disse ontem que isto é possível se for mantido o atual quadro eleitoral e a unidade partidária de todos os candidatos. O ex-governador Geraldo Mesquita, experimentado em política, prefere jogar mais baixo. Para ele, serão eleitos apenas cinco deputados federais, 14 deputados estaduais e a eleição dos dois senadores, depende da votação do primeiro. E exemplificou que dependerá, principalmente, da votação que obtiver o ex-governador Nabor Junior para o Senado. “Quem votará no Nabor será o eleitor que vota por estrito partidarismo. E daí vota no outro quadrinho, noutro candidato ao Senado”. Mesquita, porém, não quis dizer os nomes dos senadores que ele considera já eleitos.

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Outros candidatos, como João Maia da Silva Filho, José Alberto Bardawil, também fazem o mesmo prognóstico. Dos candidatos a deputados estaduais, o único que não vê o mesmo quadro é Félix Pereira. E diz que é porque desconhece o andamento da campanha

em todo o Estado. (GAZETA DO ACRE. Rio Branco: Gazeta do Acre, n. 281, 7 out. 1986).

A mesma data traz declaração de Flaviano Melo sobre o principal

adversário: Flaviano afirma que PDS acabou no Juruá. O texto:

“A gente acabou com o PDS por lá”, disse ontem o candidato ao governo pelo PMDB, Flaviano Melo, após concluir sua visita de uma semana ao Vale do Juruá, onde participou de encontros com lideranças políticas, empresariais e desportistas, nos municípios de Tarauacá, Feijó, Cruzeiro do Sul e Mâncio Lima. Ele se referia, principalmente, ao município de Feijó, onde todos os vereadores do PDS e do PFL, em sua visita à cidade, aderiram à sua candidatura e passaram para o PMDB. “Esta é a prova de que o nosso trabalho é sério”, acrescentou. Flaviano Melo disse também que, a cada visita que faz ao Vale do Juruá, sente o crescimento da aceitação de seu nome junto ao eleitorado. O candidato passará esta semana em Rio Branco, onde voltará a participar de visitas e comícios nos bairros. No início da próxima semana, viajará para o Vale do Acre – os municípios de Senador Guiomard, Xapuri, Plácido de Castro, Brasiléia e Assis Brasil, onde participará de novos encontros com lideranças políticas e comícios. (idem).

A corrida eleitoral se intensificava e Gazeta do Acre acentuava a

propaganda do candidato de sua preferência. Com O Rio Branco havia um

ponto em comum: não havia espaço na primeira página para outros

candidatos além daqueles apoiados pelo jornal. A 10 de outubro a ofensiva é

na zona rural: Flaviano elege agricultura como prioridade de seu governo,

seguido do texto:

O candidato do PMDB ao Governo do Estado, Flaviano Melo, disse aos parceleiros da gleba F do PAD Peixoto que, se eleito, dará prioridade à agricultura, por entender que este é o problema crucial do Estado e que gera seu subdesenvolvimento. Flaviano disse ainda que seu plano de Governo será discutido por todos os segmentos organizados da sociedade e que, no momento, essas discussões já foram iniciadas como debates quase freqüentes com entidades de classe, associações de moradores e outros setores. E lembrou que com o desenvolvimento da agricultura todos os outros problemas do Estado, como saúde, educação, transporte e segurança pública, “se resolverão por conseqüência”. “A meta é fazer com que o homem do campo permaneça no campo com mais crédito bancário, financiamento, saúde, educação para os filhos e transporte para escoar a produção. Assim, ele não viria para

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as periferias e permaneceria no campo produzindo”, disse o candidato, lembrando que o Banacre – Banco do Estado, deverá ser

atrelado à Secretaria de Desenvolvimento Agrário. (GAZETA DO

ACRE. Rio Branco: Gazeta do Acre, n. 284, 10 out. 1986).

Nessas condições, os ânimos exaltados cobrariam sua fatura antes do

embate eleitoral. Na madrugada de 12 de outubro, faltando um mês e três

dias para as eleições, o semanário Folha do Acre sofreria um atentado a

bomba. Sem mortos ou feridos, o crime é imediatamente apresentado por

Gazeta do Acre como uma estratégia de Mário Maia133

para vencer as

eleições – a hipótese é, pois, de auto-atentado.

O candidato, por sua vez, atribui o episódio aos adversários políticos.

Resultado: o tema migra rapidamente da simples informação – adotada, por

exemplo, no texto intitulado Bomba caseira explode na Folha do Acre, a 14 de

outubro – para tons panfletários e sarcásticos nas edições seguintes. A 15 de

outubro, texto de capa intitulado Segurança investiga tudo. Até pessoal do

próprio senador, afirma-se que:

A Secretaria de Segurança, através da Polícia Técnica, que está encarregada de investigar a explosão a bomba, ocorrida na madrugada da última segunda-feira no jornal do senador Mário Maia, passou o dia de ontem levantando pistas e examinando todos os indícios e possibilidades, inclusive a de que o explosivo possa ter sido colocado por elementos do próprio grupo do senador com ou sem o seu consentimento. Em contato com a reportagem, o secretário de Segurança Pública, José Carlos Castelo Branco, afirmou que a polícia está trabalhando intensamente no caso e nos próximos dias a polícia poderá fornecer à imprensa uma “grande bomba”. Fontes do PMDB consideraram ridículas as insinuações e acusações dos diretores do jornal e do senador Mário Maia, argumentando que o partido não passaria este “atestado de burrice”. Afirmaram que a candidatura de Flaviano Melo cresce a cada dia, enquanto a do senador Mário Maia permanece estagnada e num “ato de desespero”, a polícia deveria desconfiar de tudo. As mesmas fontes lembraram que, além disso, a situação financeira do jornal do senador é grave; que a “Folha” está praticamente falida, deixando de circular várias vezes nas últimas semanas por falta de material gráfico, com salários atrasados e desentendimentos entre seus diretores e funcionários. Três jornalistas que o senador Mário Maia havia “importado” de Cuiabá pediram demissão na semana passada e voltaram para seu estado de origem. Além disso – acrescentaram – o senador não teve prejuízo algum, pois o jornal foi todo montado e financiado pelo Governo do Estado, quando ele

133

Senador pelo PMDB desde 1982, o médico Mário Maia lançara-se candidato ao governo do Estado em 1986

pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT). Era o proprietário da Folha do Acre.

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pertencia ao PMDB e exigia que o Governo o sustentasse. (GAZETA

DO ACRE. Rio Branco: Gazeta do Acre, n. 288, 15 out. 1986).

A hipótese – aqui baseada em declarações de “fontes do PMDB” –

sobre a origem, funcionamento e dramático fim do semanário ganha novo

tom na página 2 da mesma edição. O editorial, parte da publicação que

representa a opinião do editor, aborda o tema com as seguintes palavras:

O senador Mário Maia parece ter descoberto o melhor bode expiatório para jogar a culpa pela explosão suspeita que danificou seu jornal. Em seu longo e lacrimejante pronunciamento pela TV, passou a maior parte do tempo atacando a imprensa em geral e alguns jornalistas que ele não nomeou claramente, em especial. Mais uma vez, o candidato do PDS se fez passar por vítima inocente de maquiavélicos jogos de poder. Outra vez o senador vestiu sua pele de cordeiro que, em nenhum momento, esconde seus dentes de lobo. Ao se referir aos prejuízos sofridos por sua empresa jornalística, ele remeteu os espectadores à sua versão sobre seu afastamento do PMDB e o famoso escândalo da CEME como se tudo não passasse de várias faces de uma mesma conspiração para afastá-lo do poder. Ora, esta história não engana mais ninguém e o senador deveria saber que os eleitores, não o julgam ingênuo a tal ponto. Os verdadeiros culpados do “atentado” à “Folha do Acre” devem ser procurados, como explica a boa lógica criminal, entre os que tivessem algo a lucrar com o fim do jornal. Entre estes, certamente, estaria o próprio senador e seus “sócios”, afogados em dívidas trabalhistas, em uma periodicidade irregular, na crônica falta de equipamentos e materiais de consumo e recém saídos (sic) de uma geve (sic) de gráficos e jornalistas. Sem contar com o desespero de uma derrota iminente que pode fazer cabeças doentias chegarem ao ato extremo de forjar um ato terrorista para culpar o inimigo. Há precedentes. Hitler fez isso na Alemanha e incendiou o Reinchstag (sic) para chegar ao poder. (idem).

A 16 de outubro o atentado continua dominando a temática do jornal.

Das sete matérias de capa, duas, as principais, ocupam-se de reforçar a

hipótese de auto-atentado aventada pelas “fontes do PMDB”. A maior delas é

um verdadeiro convite à desconfiança: Para a polícia quem pôs a bomba

conhecia bem o prédio do jornal. A outra: PMDB: “bomba é coisa da

Coligação”. O jornal acaba citando o que omitiria em condições normais: a

existência de uma coligação adversária.

A 17 de outubro a capa informa que Polícia ouve hoje diretor do jornal.

O texto traz novas revelações sobre o inquérito em andamento, faz novas

conexões e insinuações e acaba expondo interessantes desdobramentos:

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O diretor da Folha do Acre, Emanuel Amaral, e o vigia Francisco Nunes de Oliveira, única testemunha no caso da explosão que danificou domingo de madrugada parte do parque gráfico do jornal, depõem hoje de manhã na delegacia do Segundo Distrito Policial. O delegado Umberto Ramirez, responsável pelas investigações sobre o caso, quer respostas para perguntas sobre o motivo de o vigia do jornal estar afastado da única entrada do prédio, no andar superior, no momento em que houve a explosão e ainda sobre a razão de não ter sequer tentado deter o homem que afirmou ter visto se afastar correndo do jornal no momento da explosão. Para o delegado Umberto Ramirez, a explosão na “Folha do Acre” continua a ser um “caso misterioso”, mas afirmou ontem à tarde que tem motivos para acreditar que a explosão foi um “trabalho pago ou feito sob promessa de recompensa”. “O vigia, que seria a chave principal de todo o mistério, não conseguiu sequer atentar para as características físicas do homem que afirmou ter visto correndo após a explosão. Além disso, o vigia deveria estar vigiando o prédio em sua entrada. Deveria vigiar de baixo para cima e não de cima para baixo, porque pela parte de cima não entra ninguém”, disse Umberto Ramirez. O delegado acredita ainda que a pessoa que provocou a explosão “teve determinado tempo para fazer isso. Não vou dizer que foi alguém do próprio jornal, mas a pessoa que fez isso ou conhecia muito bem o prédio ou passou no mínimo uma hora lá dentro” preparando a explosão. Ele estranhou a existência de material inflamável pelo chão do local onde ocorreu a explosão, pois a perícia encontrou Tinner, material inflamável, próximo às máquinas. Mas as investigações feitas pelo delegado Umberto Ramirez divergem das conclusões a que chegaram os peritos criminais do Departamento de Polícia Técnica da Secretaria de Segurança do Estado. Segundo o diretor de Polícia Técnica, professor Dativo Silva de França, a explosão foi causada pela combustão de gases no ambiente fechado da oficina da “Folha do Acre”. Ele afirma que a pessoa que causou a explosão “jogou por um orifício na parede que fica de frente para a rodovia AC-01, um saco plástico cheio de gasolina e, de fora ainda, ateou fogo com uma tocha feita de papel”. Dativo França informou ainda que a polícia técnica encontrou pregada, por dentro, do saco que continha a gasolina uma régua transparente medindo 30 centímetros, mas lamentou que “nela não havia nenhuma marca que pudesse estabelecer sua origem, bem como também não foi encontrada nenhuma marca na própria sacola que pudesse auxiliar às investigações sobre sua procedência. O laudo pericial deverá ser entregue ao secretário de segurança, Castelo Branco, até a próxima segunda-feira, conforme informou o

diretor da Polícia Técnica. (GAZETA DO ACRE. Rio Branco: Gazeta do Acre, n. 290, 17 out. 1986).

Logo abaixo outra matéria informa que Nabor atribui bomba a pessoal

de Mário Maia. O governador licenciado, que gozava de forte prestígio

popular, disputava uma vaga ao Senado. Gazeta do Acre, seguindo a linha

servil diante perante a fala de seu tutor, reproduz uma associação caótica

entre o MR-8 (grupo de resistência armada à ditadura militar) e a coligação

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PDS/PDT/PFL. Afirma que Nabor citou os dirigentes locais do MR-8134

, que

apóiam Mário Maia, como pessoas acostumadas a usar esta tática.

Era a tática de Nabor Junior a mesma dos generais golpistas de 64:

vender qualquer forma de resistência antifascista como “terrorismo”,

desmobilizando o apoio popular.

As demais matérias do dia, como de praxe, exaltavam a campanha do

PMDB e omitiam os demais candidatos. Os textos que citavam os atos do

governo do Estado, naquele momento conduzido pela governadora Iolanda

Lima (PMDB), e os comícios de Flaviano Melo, eram apresentados em

negrito, indicando o caráter panfletário do jornalismo travestido de informação

neutra. Melo ocupa ainda a única135

fotografia da primeira página – a foto é

de um comício em Brasiléia (cidade a 290 quilômetros de Rio Branco).

A capa de 18 de outubro é ainda mais sugestiva: Pesquisa aponta

Flaviano Melo com 62% e Mário Maia com 13% intitulava texto que se dizia

fundamentado em pesquisa realizada “por estudantes de História e Geografia

da Ufac, realizada em 28 bairros da capital, sob a coordenação do Professor

José Mastrângelo”. As urnas não confirmariam o prognóstico: em vez dos

49% de diferença previstos, haveria apenas 21,7%.

Importava, por isso mesmo, influenciar o eleitorado. Gazeta do Acre

bem o sabia, e, na mesma edição de 18 de outubro, partia para a ofensiva:

Senador, com medo e inseguro, pensa parar, era o desajeitado título de uma

matéria sobre um pedido de reforço na segurança dos candidatos,

apresentado por Mário Maia ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE). O

candidato queria que as Forças Armadas e a Polícia Federal dessem

segurança ao pleito. A reação do jornal, em editorial publicado na capa, em

negrito, intitulado O choro dos desesperados, era de irritação desmesurada –

afirma-se por exemplo que a “única munição” da imprensa é “a verdade”,

acrescentando logo a seguir que não havia “dúvida possível” sobre o

candidato escolhido para suceder Nabor Junior e que Maia era, já, um

“candidato derrotado fazendo o choro dos derrotados”:

134

Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8). 135

A capa da edição em questão traz outra imagem, a de uma nota de 500 cruzados, recém-lançada pelo Banco

Central do Brasil. Trata-se, porém, de imagem reprográfica, não de fotografia.

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O senador está com distúrbios mentais profundos. Só isto explica sua atitude descabida, alucinada e desesperada de requisitar tropas federais para fiscalizar a campanha política, no Estado, conforme requerimento que enviou ao TRE. Do mesmo modo, ao ver frustrada e desmascarada a sua tentativa de reverter o quadro político a seu favor, com a encenação do pretenso atentado a seu jornal, o senador está vendo fantasmas debaixo da cama e, e (sic) cada pessoa que se aproxima dele não é um eleitor, mas um perigoso terrorista a ameaçar sua vida. Nunca o Acre assistiu uma eleição tão tranqüila, tão desmotivada, tão pouco disputada. O favoritismo do candidato do PMDB relegou a disputa aos cargos meramente proporcionais e às apostas sobre quais deputados se elegerão. Para o Governo do Estado não há dúvida possível e resta ao candidato da oposição assumir o papel de bufão de uma comédia de erros que ele tenta montar aos trancos e barrancos. O ridículo se substancia nesta tentativa de envolver o TRE em sua megalomania, em sua síndrome neurótica de perseguição. Depois que o grande lançe (sic) da bomba falhou o senador está perdido, abandonado, a gritar impropérios e a investir contra moinhos na televisão. Não conseguindo qualquer indício para incriminar o jornal pela farsa montada em seu jornal, ele passa a querer imputar à imprensa, especialmente a esta GAZETA a responsabilidade pela sua bomba “caseira”. O senador, mesmo sendo dono de jornal desconhece que as únicas armas que a imprensa utiliza são os fatos, a sua única munição é a verdade, sua única artilharia é a palavra impressa. Não sendo mais possível esconder de seus correligionários a debacle de sua candidatura, o senador tenta vestir o manto da vítima. Não conseguirá. As evidências são gritantes. Ele é um candidato derrotado, fazendo o choro livre dos derrotados. Não merece crédito sequer para ser processado por seu destempero acusatório. Dos

loucos e dos desesperados só se pode ter pena. (GAZETA DO

ACRE. Rio Branco: Gazeta do Acre, n. 291, 18 out. 1986)

A edição de 22 de outubro arrefece o tom, sem, porém, abandonar o

posto. Com o texto Flaviano dispara na pesquisa da Difusora136

o jornal traz

texto com três parágrafos acompanhado de uma fotografia do candidato

abraçado por uma criança. A paternal imagem está posicionada,

estrategicamente, ao lado do texto Polícia divulga laudo sobre a bomba em

jornal, onde se lê que “a explosão” foi “praticada por alguém com intenções

criminosas e com uso de material explosivo”. Não há pistas, porém, da

autoria do crime.

A 24 de outubro era divulgada nova pesquisa de intenção de voto

dando a vitória a Flaviano Melo com 56,4% dos votos contra 25,3% de Mário

136

A Rádio Difusora Acreana é parte do complexo de comunicação do Governo do Estado do Acre, na época,

administrado pelo PMDB - partido de Flaviano Melo.

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Maia. O candidato do Partido dos Trabalhadores (PT), Hélio Pimenta, ficaria

com 0,4%. Ilustrando a matéria, que é a principal da primeira página, um

desenho representa um Flaviano Melo corpulento vencendo uma corrida com

os demais candidatos. Não era a única imagem do candidato na capa:

ilustrando texto sobre um evento realizado pelo governo do Estado para

homenagear os garis, uma fotografia de Melo discursando, com microfone na

mão, ao lado de várias crianças, repetia o apelo paternal da edição de dois

dias antes.

É também rodeado de menores de idade que Melo aparece na Gazeta

de 29 de outubro, em visita ao bairro Ivete Vargas. Ao lado direito da imagem,

texto informa que Flaviano faz um bom comício no Tangará. Mas é a matéria

principal, Mário Maia pede ‘arrego’ a Ruy Lino, que dá prova da posição

ideológica da imprensa naquele momento. O texto gira em torno de uma visita

de Mário Maia à casa de Ruy Lino, presidente do Diretório Regional do

PMDB, que fora presenciada por um repórter da Gazeta do Acre. Ladeado

por uma fotografia de Maia saindo da residência do peemedebista, o texto faz

diversas insinuações e deixa claro que a autoria da teoria do “arrego”,

afirmada no título, é de lideranças do PMDB - e que o jornal, coerentemente,

não contesta nem problematiza nada:

O candidato a governador pela coligação PDS/PFL/PDT, Mário Maia procurou segunda-feira à tarde o presidente regional do PMDB, Ruy Lino, em sua residência, na Rua Marechal Deodoro, mas não o encontrando porque estava no município de Feijó, passando cerca de 1 hora e 20 minutos trancado num quarto, conversando com o candidato a deputado federal, José Alberto Bardawil. A chegada de Mário Maia à casa de Ruy Lino, foi notada por um repórter da Gazeta do Acre, que no instante em que ele estacionava o Pampa azul, placa AD-9119, acompanhado do editor do jornal “Folha do Acre”, de sua propriedade, passava de carro em frente ao local. Querendo saber o motivo da visita de um candidato a governador pela oposição à casa de um candidato a senador e um a deputado federal, do PMDB, o repórter perguntou a José Alberto Bardawil se se tratava de algum acordo. A resposta foi evasiva e Bardawil limitou-se a perguntar se a notícia seria publicada. Disse que se tratava apenas de uma visita de Mário Maia, “não a mim, mas ao Ruy Lino. Mas ele não está aqui”. Ante a insistência do repórter, que perguntava se Mário Maia teria, então, algum assunto para tratar com ele, Bardawil disse: “Comigo nada de especial”. Poucos minutos após a saída do repórter da residência de Ruy Lino, José Bardawil procurou a direção-geral da Gazeta, a quem pediu “orientação” à sua candidatura, dizendo temer ter sido envolvido em

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“uma trama política armada por Mário Maia com objetivo de comprometer minha candidatura diante da direção do PMDB”. No comício que fez à noite no Tangará, o candidato a governador pelo PMDB, Flaviano Melo, informado sobre o fato, disse em palanque que “o candidato da Coligação esteve procurando hoje à tarde candidatos do nosso partido, para pedir arrego, já que está consciente de sua derrota no dia 15 de novembro”. Ontem à tarde, após desembarcar de um táxi aéreo, vindo de Feijó, o presidente do PMDB, Ruy Lino, demonstrou surpresa com a visita de Mário Maia à sua casa e esquivou-se de falar sobre o assunto, dizendo apenas que, primeiro, “procuraria, primeiro, saber mais de detalhes”. Em “off” confidenciou ao repórter que o senador Mário Maia

estaria querendo voltar ao PMDB. (GAZETA DO ACRE. Rio Branco: Gazeta do Acre, n. 298, 29 out. 1986).

A preocupação de José Alberto Bardawil com o que seria publicado

depois do flagrante evidencia, sozinha, o poder do jornal naquele momento

de disputa.

A 7 de novembro, faltando apenas uma semana para o pleito, nova

fotografia de Melo em comício, novamente ladeado por crianças, acenando

para a multidão ao mesmo tempo em que segura um microfone, é o grande

destaque da capa. Acima, um título em caracteres espaçosos informava que

Flaviano quer vencer com 30 mil votos e um texto, impresso em negrito,

fornecia a agenda de comícios para os dias seguintes.

A 12 de novembro, das sete matérias que ilustram a edição, cinco

eram sobre política, e, destas, duas tinham o tom verdadeiro do

panfletarismo: PMDB fecha campanha com passeata e comício e Primo de

Mário Maia vota em Flaviano Melo. Outras duas criticam a coligação

adversária, nominando um velho adversário: Narciso ataca repórter com

socos e coices e Cabo de Narciso tenta matar outro em boteco. A única

matéria da área de política que escapa ao maniqueísmo editorial, Até

soldados vão reprimir boca de urna, anuncia que as Forças Armadas e a

Polícia Federal entrariam na fiscalização para “assegurar a tranqüilidade das

eleições”. Na mesma edição, fotografia do candidato novamente acenando

para a platéia, novamente ao microfone e novamente ladeado por crianças,

repetia uma velha e funcional estratégia.

Eleito Flaviano Melo para o governo, restava à Gazeta do Acre

assegurar a manutenção do PMDB no poder. Tratava-se de construir uma

boa imagem do sucessor de Adalberto Aragão, cujo mandato expiraria em

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1987. A escolha recairia sobre Ariosto Pires Miguéis, que enfrentaria nas

urnas ninguém menos que Jorge Kalume – este contando, ademais, com a

máquina de propaganda de O Rio Branco, sob o comando de Narciso

Mendes a partir de 1988. Caberia agir com cuidado e estudada ousadia. A

Gazeta do Acre cumpriria este papel, mas, no embate, Kalume venceria.

A 3 de setembro de 1988 o embate começa com a publicação de uma

fotografia de Ariosto, Flaviano e o então prefeito, Adalberto Aragão, com a

legenda Aragão, Flaviano e Ariosto estão unidos no mesmo palanque,

fortalecendo o PMDB. Sorridentes, os peemedebistas são retratados numa

caminhada em frente a uma faixa com os dizeres PMDB: unidos para vencer.

A mensagem implícita – que seria explicitada ao longo da campanha - era

que a manutenção do mesmo partido em todas as esferas do Executivo (o

presidente da República era José Sarney, também do PMDB) facilitaria o

aporte de verbas em Brasília e a sintonia na realização de obras.

No melhor estilo panfletário, Gazeta do Acre publica texto dando conta

que Aragão almoça com Flaviano e entra na campanha. O leitor é informado

que “com o Governador Flaviano Melo, o prefeito Adalberto Aragão e as

demais lideranças do partido – deputados e senadores – que já estão livres

de seus compromissos com a Constituinte, o PMDB vai com toda a força para

a campanha”. Logo abaixo outro texto sobre o mesmo assunto observa que

Ariosto diz que PMDB está pronto para deslanchar.

A 15 de setembro de 1988 o jornal publica texto baseado numa

pesquisa de intenção de voto que dava ao candidato do PDS, já naquela

data, a preferência do eleitorado. Kalume tinha 40,1%, enquanto Ariosto, em

segundo, ficava com 14,7%. Ao invés, porém, de expor esses dados para a

interpretação do leitor, o título do texto inverte a ordem: Ariosto sobe nas

pesquisas. A estratégia era mostrar que, apesar dos dados desfavoráveis, o

candidato peemedebista estava em franca ascensão.

Três dias depois o jornal publicaria nova pesquisa dando conta que o

peemedebista subira 8,6 pontos percentuais, e o pedessista, 5,4. A surpresa

seria Mário Maia, que, disputando pelo PDT, passara de 6,3% para 11,8%.

Os outros candidatos eram Alércio Dias (PFL), com 9,2%, Nilson Mourão (PT)

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com 2%, e Luís Marques (PCdoB) com 2,6%. No texto Ariosto sobe mais.

Kalume despenca”, Gazeta do Acre comemora:

A pesquisa do IBATE – Rede Manchete realizada nos dias 15, 16 e 17 deste mês confirma a ascensão de Ariosto e a queda acentuada de Jorge Kalume na capital. Kalume anda lidera, com seus 34,7%, mas

tem em seus calcanhares Ariosto, com 23,3%. (GAZETA DO ACRE. Rio Branco: Gazeta do Acre, n. 836, 18 set. 1988).

Ao mesmo tempo em que eram instrumentos de convencimento

ideológico dos grupos políticos que defendiam e dos quais, também,

dependiam, O Rio Branco e Gazeta do Acre constituíam-se como referência

do jornalismo acreano. Foram os anos 80 pródigos em publicações, algumas

de circulação tão irregular não se encontram nos arquivos públicos atuais,

exceto em listas de referência. Outras, embora igualmente efêmeras,

tentaram disputar por algumas edições a batalha ideológica com O Rio

Branco e A Gazeta. Tratava-se de luta inglória: cada vez mais alinhados com

o paradigma do jornalismo funcionalista, que lhes permitia informar a todos

sem assumir, abertamente, o caráter partidário dos textos, os dois diários

alinhavam-se aos jornais do Sudeste brasileiro.

O jornalista Antonio Alves (apud PORTELA, 2008), que escreveu em

algumas dessas publicações episódicas, resume desta forma a epopéia entre

os dois jornais ao longo dos anos 80 e parte dos anos 90:

O domínio das empresas se constituiu. De um lado, o império “narcisista” da Gazeta e, do outro, o império “narcisista” do Rio Branco. Tanto TV, quanto rádio e jornal requisitavam cada vez mais profissionais desqualificados que fossem capazes apenas de seguir a ordem do chefe e latir para adversários políticos, feito “cachorrinhos de guarda”. Não precisava escrever bem, nem precisa ter idéias próprias, era proibido, bastava apenas escrever o que o chefe mandava, escrever a favor do governo “que nós apoiamos” ou contra o governo “que nós combatemos”. Enfim, essa visão puramente politiqueira, comercial da imprensa, predominou e toda uma geração de repórteres e apresentadores, jornalistas, locutores, se formou, trabalhou, atuou dentro disso aí. (PORTELA, 2008).

Em 20 de setembro de 1988, com Flaviano Melo no segundo ano de

mandato e em plena corrida eleitoral para as eleições municipais que

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ocorreriam em novembro, Gazeta do Acre foi renomeada para A Gazeta. Aos

leitores, uma nota na capa da edição esclarecia:

A partir de hoje, Repiquete Serviços Editoriais Ltda, passa a usar como título deste jornal, de sua propriedade, somente A Gazeta, conforme inscrição feita na Junta Comercial do Acre, no Cartório de Registro de Títulos e Documentos e Registro Civil das Pessoas Jurídicas de Rio Branco e no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi), do Ministério da Indústria e Comércio. O título Gazeta do Acre está sendo devolvido a pedido do seu proprietário, Wilson Barbosa, a quem agradecemos a cessão durante

esses anos. (A GAZETA. Rio Branco: Repiquete Serviços Editoriais, n. 838, 20 set. 1988).

Mudava-se o nome, não a estratégia de combate. Na mesma edição,

texto de capa intitulado Ariosto anuncia novo pólo hortigranjeiro, o jornal tenta

captar os votos da zona rural. Mas há alterações sutis: os demais candidatos

saem da obscuridade e são citados na capa, em matérias sobre a

propaganda eleitoral gratuita. Outro texto anuncia que o PFL faria o seu

primeiro comício em Rio Branco no próprio dia 20.

O tom é outro a 30 de setembro. O jornal traz dois exemplos salutares

das situações embaraçosas criadas durante a campanha eleitoral, que

ajudam a entender a magnitude dos interesses em jogo. O primeiro exemplo

é também a manchete de capa: PDS ataca casa de candidato a vereador do

PMDB, onde se lê:

Os pedessistas Edvaldo Guedes, candidato a vereador, e Romildo Magalhães, deputado estadual, não gostaram do ovo podre que receberam de uma pessoa que assistia ao comício do PDS na Cohab-Bosque na quarta-feira à noite e decidiram descontar tudo no candidato a vereador pelo PMDB José Café, que mora exatamente em frente ao palanque armado pelos pedessistas para os discursos. Os dois políticos do PDS incitaram a população a depredar a residência de José Café, onde se encontravam apenas a esposa e os filhos do candidato, que se trancaram num quarto com medo do vandalismo pedessista. Além das pedras, foram jogadas bombas contra a residência de José Café. O saldo foram (sic) várias vidraças quebradas, a parede externa toda marcada pelas pancadas das pedras e objetos próximos às janelas destruídos. Até algumas telhas foram quebradas pelas pedras e tijolos inteiros jogados contra o teto da casa. A ação foi terrorista: quase cem pessoas atacaram a casa e seus moradores indefesos, induzidas pelos dois políticos do PDS. José Café, que não ficou em casa no horário do comício justamente para não ouvir provocações pedessistas, deverá recorrer à Justiça para exigir o pagamento dos prejuízos e provas das acusações

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anunciadas por Edvaldo Magalhães e Edvaldo Guedes no palanque

contra ele. (A GAZETA. Rio Branco: Repiquete Serviços Editoriais, n. 848, 30 set. 1988).

Sem esclarecer como “o PDS” atacou a residência, o texto só é menos

claro sobre as reais intenções do jornal - ridicularizar a agremiação adversária

e promover o seu próprio grupo político - do que a segunda matéria, Juiz

eleitoral manda apreender fitas do PMDB. O texto de capa detalha uma

decisão judicial que proibira a veiculação de um programa por ter sido

gravado na TV Aldeia, emissora estatal de propriedade do Governo do

Estado do Acre. Ao tentar justificar a prática, deixa-se escapar que

O jornalista Elson Martins reafirmou que não estava informado sobre a transgressão. Segundo ele faltou uma assessoria jurídica para a TV Aldeia, que não sabia dos riscos que estava correndo. Da parte do comitê de propaganda do PMDB a explicação para a utilização da televisão do governo foi de que a Fundação Cultural, que detém o controle da emissora, tinha alugado o estúdio. (idem).

O jornal também não entra em detalhes, potencialmente embaraçosos,

sobre o “aluguel” do estúdio de uma emissora pública de televisão para fazer

a propaganda do candidato do governo do Estado à prefeitura de Rio Branco.

Não há, ainda, menção às quantias envolvidas nem se afirma que o dinheiro

obtido na transação retornou aos cofres públicos.

Entre meias explicações e atos falhos, A Gazeta amargaria a sua

primeira derrota eleitoral em 1988. Kalume, eleito com 38,38% dos votos

válidos, abriria mais de oito mil votos de diferença em relação ao candidato

apoiado pela máquina propagandística estatal.

Tratava-se de buscar, a partir de então, a continuidade do PMDB na

administração do governo do Estado. A preocupação em fazer o sucessor de

Flaviano Melo aprofundava-se na mesma medida em que surgiam os

escândalos que marcaram aquela gestão e A Gazeta muda de estratégia.

Nas duas próximas eleições seguintes, a que reconduziria o PDS ao

poder pelas mãos de Edmundo Pinto em 1990, e nas eleições para prefeito

de Rio Branco em 1992, quando Jorge Viana venceria por menos de 2 mil

votos o candidato peemedebista, o jornalismo de A Gazeta não participaria

ativamente da campanha como fizera até então. Desprovidos da importante

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frente ideológica, os peemedebistas teriam sérios problemas de desempenho

nas urnas. Em 1990 o candidato do PMDB, Osmir Lima, ficaria em terceiro

lugar na disputa sucessória, obtendo somente 17,3% dos votos válidos. Dois

anos depois, embora fortalecido pela onda de moralização que varria o país,

diante da crise do governo Collor e da série de escândalos que sucederam-se

após o assassinato de Edmundo Pinto, Mauri Sérgio perderia a prefeitura da

capital para Jorge Viana, com dois mil votos de diferença.

Nesse intervalo de quatro anos as mudanças de A Gazeta são

diversas. A diagramação em preto e branco cede lugar para linhas e fundos

cor-de-rosa, com linhas modernas e caracteres novos. Não são, porém, as

transformações exclusivamente visuais. O diário ocupava-se, agora, de

divulgar mais assiduamente os atos do governo, seguindo a tendência dos

seus primórdios, quando apoiava os atos da ditadura militar.

Havia razões outras para essa mudança de postura, aparentemente

caótica tendo em vista a importância dos processos eleitorais citados. A

principal delas seria sugerida na capa de 14 de novembro de 1990, quando,

já bem adiantada a campanha eleitoral, vários líderes do PMDB declararam

apoio ao candidato pedessista ao governo do Estado, Edmundo Pinto. A

Gazeta trata do tema discretamente, ilustrando, na capa, matéria intitulada

Edmundo recebe apoio do deputado Ariosto. O texto, também na capa,

acrescenta que:

Edmundo Pinto, candidato ao governo pelo PDS recebeu ontem o apoio da deputada federal do PMDB, Adelaide Neri e do deputado estadual Ariosto Miguéis. “O Dia do 13 trouxe muita sorte para mim”, dizia, eufórico, o candidato quando anunciava a adesão dos dois deputados do PMDB acreano. Disse, ainda, que os apoios à sua candidatura “se dão de forma voluntária”. O deputado Ariosto Miguéis afirmou, durante entrevista coletiva, que a competência e o trabalho sério realizado por Edmundo Pinto na Assembléia Legislativa e na reconstrução do seu próprio partido me fazem admirá-lo apesar dele não pertencer ao PMDB, por isso acredito que ele irá tirar nosso Estado do atraso. “Acabando com o sofrimento do nosso povo”. O deputado Ariosto Miguéis protestou contra pessoas do seu próprio partido que, segundo ele, teriam traído o PMDB. “Apóio Edmundo contrariando a cúpula do meu partido porque está defendendo a teoria da terra arrasada, ou seja, o PT fará um péssimo governo e o PMDB poderá retomar o governo em 1994”. O candidato do PDS, Edmundo Pinto, lembrou que a adesão de Ariosto reforça a sua candidatura, “mas a nós não importa se a direção do PMDB apóia outro candidato”.

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(A GAZETA. Rio Branco: Repiquete Serviços Editoriais, n. 838, 20 set. 1988).

A exposição clara de um racha na base peemedebista permite

compreender o posicionamento editorial de A Gazeta em relação aos demais

candidatos na disputa pela sucessão de Flaviano Melo. A estratégia era

manter-se na neutralidade na medida do possível, uma vez que direção e

parlamentares da sigla encontravam-se em aberto dissenso.137

A mesma estratégia se mantém nas eleições de 1992, para a

prefeitura de Rio Branco. Enquanto o candidato peemedebista praticamente

não surge na capa, A Gazeta continua divulgando as ações do governo Pinto.

Após o assassinato, mantém-se o ritmo e muda-se o personagem: Romildo

Magalhães assume o comando do Estado e passa a ser o novo diligente

administrador. É assim que, na capa de 23 de setembro, enquanto o editorial

Farra de sangue exige providências do governo do Estado para resolver o

aumento da criminalidade, Magalhães, microfone à boca, surge em texto

intitulado Povo confia em Romildo:

O Governador Romildo Magalhães, segundo pesquisa do Ibope, tem 81% da confiança dos acreanos. A pesquisa foi realizada entre os dias 5 e 8 deste mês, e deixam Romildo à frente de muitos governadores como os de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Exatamente 9% da população, consideram a administração Romildo Magalhães ótima, 31% consideram boa e 41% consideram regular. O governador considerou os números uma responsabilidade a mais, que o fará buscar com maior intensidade o desenvolvimento do Estado, trabalhando cada vez mais em favor da população mais carente,

honrando, assim, esta confiança depositada. (A GAZETA. Rio Branco: Repiquete Serviços Editoriais, n. 2.123, 23 set. 1992).

O mesmo tom encontra-se três dias depois, na matéria Governador vai

ao interior e entrega obras. O texto acrescenta que “por onde passou, o

governador arrancou aplausos da população” e que “acompanhado do

empresário Narciso Mendes, do chefe do gabinete civil, Emílio Assmar, de

políticos, o governador conseguiu inverter o quadro eleitoral em favor do PDS

em diversos municípios”. Evidencia-se, desta forma, a razão oculta da

entrega de obras durante a campanha eleitoral.

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Tudo mudaria nas eleições de 1994, porém. Flaviano, que afastara-se

do Senado para disputar o governo do Estado, tentava retomar a força da

sigla em um contexto amplamente desfavorável: a prefeitura nas mãos do

Partido dos Trabalhadores (PT), com a eleição de Jorge Viana em 1992, e o

governo do Estado governado nos braços de um desgastado Romildo

Magalhães que tentava concluir o mandato em meio a protestos do

funcionalismo público. O tirocínio eleitoral de Melo percebeu que chegara a

hora de investir no retorno aos cargos majoritários da política acreana.

A Gazeta volta à velha forma. Já na edição de 14 de setembro, matéria

curta, de rodapé, informa que Estudantes do Cerb estão com Flaviano. O

texto acrescenta:

Flaviano Melo foi sabatinado por um grupo de estudantes, na segunda-feira, no Sborba, respondendo a diversas perguntas, e no final do encontro recebeu o apoio dos jovens, que fazem parte da fanfarra da escola. Os estudantes comentaram que Flaviano fala com muita segurança e que tem propostas sérias e viáveis para a juventude e para a educação. “Isso era o que estávamos querendo ouvir dos candidatos”, salientou Jean Lopes, coordenador da fanfarra do Cerb e ex-presidente da Federação Acreana de Futebol de Salão. Esta semana Flaviano também recebeu apoio de moradores de vários bairros de Rio Branco. O candidato tem certeza que está no segundo turno e pede à população que não dê ouvido às críticas dos

adversários, mas às propostas de cada candidato. (A GAZETA. Rio Branco: Repiquete Serviços Editoriais, n. 2.703, 14 set. 1994).

Importava também atacar o candidato azarão lançado pelo PPR, Orleir

Cameli. Assim, o texto principal da primeira página era o ataque ao

adversário, ao invés da defesa ao aliado, como ocorrera em campanhas

passadas. A interessante mudança de tática trazia texto intitulado Orleir não

tem isenção, seguida do subtítulo Ofício da Sudam desmente Orleir Cameli;

ele não tem isenção do Imposto de Renda. O texto, visceral, dizia o seguinte:

O candidato do PPR ao governo do Acre, Orleir Cameli, mentiu para a população quando afirmou, no seu programa eleitoral, no rádio e na TV, que sua firma Marmud Cameli, acusada de sonegar quase US$ 1 milhão de ICMS aos cofres do Estado, no período de 1987 a 91, porque gozava de incentivos fiscais da Sudam (Superintendência de

137

Faz-se mister notar que Flaviano Melo, apontado como sócio-proprietário de A Gazeta, elegera-se senador da

República em 1990, cargo em que se manteria até 1999.

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Desenvolvimento da Amazônia). A versão de Orleir, que tinha por objetivo minimizar as denúncias contra a sua empresa, não passou de um grande blefe. É que, em momento algum a Marmud Cameli ganhou isenção da Sudam. A confirmação é do chefe de gabinete da Sudam, Madson Antonio Brandão da Costa, que é taxativo em afirmar: “Após consulta feita ao Departamento de Administração deste órgão foi-nos respondido que nada deu entrada até a presente data, para análise naquele Departamento, de projeto da Marmud Cameli & Cia Ltda, de Cruzeiro do Sul, laminados de borracha”. Com a afirmação de Madson fica comprovado, portanto, que Orleir faltou com a verdade. (idem)

Editorial de capa, em fundo amarelo e com título “Caiu a máscara”

acrescentava e exortava que:

Os documentos estão aí. Irrespondíveis. Primeiro, ficou provado e comprovado que o candidato do PPR, Orleir Cameli, sonegou quase US$ 1 milhão em impostos. Mas o mais grave viria depois. O candidato foi às televisões, rádios e jornais dizer que sua empresa, como beneficiária de incentivos da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), estava isenta do Imposto de Renda. Mentiu. Em ofício enviado ontem, o Chefe do Gabinete da SUDAM, Madson Antonio Brandão da Costa afirma que a empresa do candidato do PPR nem projeto tem naquele órgão. E agora? Como empresário relapso e até mesmo em dificuldades, ele poderia encobrir seu erro, tergiversar. Como candidato ao governo de um Estado, não. Um candidato a governador ou a qualquer outro cargo público não pode mentir. Porque sonegar imposto e prevaricar é crime duplo. Dessa discussão toda travada nos últimos dias, a verdade acabou prevalecendo sobre a mentira. Cabe, agora, à sociedade e, de modo particular, aos eleitores deste Estado dar o seu veredito. Aquilo que se previa aconteceu: caiu a máscara. (ibid.)

Cometera-se um grave erro, porém. O documento enviado pela Sudam

referia-se a outra empresa, “Manoud Canelle”. O equívoco fez o candidato do

PPR tirar rápido proveito da situação: a 30 de setembro, faltando apenas três

dias para a decisão sobre o futuro governador do Acre, A Gazeta força-se a

publicar na capa um Direito de Resposta em fundo preto, intitulado Orleir tem

isenção, sim!, com o subtítulo Adversários falsificam firma para caluniar

favorito na eleição de governador. Texto relacionado, ocupando um terço da

capa do dia, expõe o seguinte desmentido:

Orleir Cameli, (sic) foi caluniado na primeira página desta Gazeta, edição do dia 14 passado, em matéria que afirma que a suposta empresa Manoud Canelle, “de propriedade de Orleir”, não tinha isenção fiscal. Acontece que Orleir nada tem a ver com a tal Manoud Canelle, firma que parece inventada para confundir as pessoas,

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fazendo-a passar pela Mamud Cameli & Cia Ltda, empresa idônea e de grande importância para a economia acreana, da qual Orleir é sócio, juntamente com seu pai e seus irmãos. Na matéria, A Gazeta publicou fac-símile de um documento da Sudam, só que “a prova” referia-se a tal Manoud Canelle e não a Marmud Cameli. Mas a farsa grotesca foi desmascarada. A Sudam confirmou que a Marmude Cameli obteve isenção de Imposto de Renda por 10 anos a partir de 31 de dezembro de 1984. Este benefício é concedido desde 1976 a empresas que investem na Amazônia, absorvendo a mão-de-obra da região. Atualmente a empresa de Orleir emprega mais de 1.200

acreanos. (A GAZETA. Rio Branco: Repiquete Serviços Editoriais, n. 2.717, 30 set. 1994).

O mal entendido não abateria o ânimo de A Gazeta. A mesma edição

traz, no topo da primeira página, pesquisa de opinião pública mostrando que

Flaviano Melo liderava a disputa eleitoral na “grande Rio Branco”, obtendo

29,8% dos votos válidos. Cameli, segundo a publicação, estava em terceiro

lugar, com 27,6% das intenções de voto. Em segundo estava Tião Viana,

tecnicamente empatado com Orleir ao alcançar 27,8% dos entrevistados. O

levantamento fora realizado pelo Instituto Acreano de Estudos e Pesquisas

(Inaep). Era a sequencia de uma longa trajetória de promoção, sempre na

primeira página, da candidatura de Melo combinada ao silêncio sobre a

situação dos demais candidatos.

A mesma linha seria mantida na campanha eleitoral para o segundo

turno, com A Gazeta promovendo Melo e O Rio Branco na luta por Cameli. A

vitória, com mais de 12 mil votos de diferença, seria do segundo,

evidenciando que apesar do prestígio do peemedebista na política acreana,

os eleitores, no contexto da crise Collor e sob desgaste profundo do próprio

governo de Flaviano Melo, procuravam formas de promover mudanças no

quadro político.

Os esforços, no entanto, foram em vão. A situação era completamente

diferente da hegemonia conquistada pelo PMDB de 1982 a 1987, quando o

partido obteve, gradativamente, o comando da prefeitura de Rio Branco, do

governo do Estado e da presidência da República. Para reconquistar o poder

demandava-se mudanças estratégicas importantes durante a campanha,

mudanças que A Gazeta acompanharia e promoveria. Assim, com o governo

do Estado nas mãos do PPR e a prefeitura conduzida pelo PT, o PMDB

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segue, com sucesso, a fórmula que elegera Viana e Cameli: dar um novo

nome para a disputa.

A escolha recaiu sobre Mauri Sérgio, ex-deputado federal, que soube

aproveitar o momento de reforma institucional para emplacar um discurso

moralizante envolvendo até mesmo a sua vida pessoal. Por isso, uma das

manchetes de A Gazeta em 11 de setembro de 1996 é Maurí: “Baixarias eu

entrego a Deus”. Ilustrando um texto curto e pegajoso, fotografia com o rosto

do candidato tinha uma legenda logo abaixo, informando: Mauri Sérgio: “Sou

vítima de baixarias dos adversários”. O texto em si afirmava o seguinte:

O candidato a prefeito de Rio Branco pelo PMDB, deputado federal Mauri Sérgio, disse ontem à GAZETA que recebeu centenas de manifestações de solidariedade e apreço por onde passou nos bairros, de pessoas que condenaram os ataques que vem sofrendo. Mauri pediu ao PT, a quem debita o festival de baixarias procurando atingir a sua moral, que não faça política com raiva, que eleve o nível da campanha, e poupem sua mulher, sua mãe, seus filhos, que são

os que mais sofrem com acusações à sua honra. (A GAZETA. Rio Branco: Repiquete Serviços Editoriais, n. 3.293, 11 set. 1996).

Sem esclarecer quais eram os citados ataques à honra do candidato, o

jornal omitia-se, ainda, de abordar o andamento das demais candidaturas na

mesma capa. Uma tentativa de fuga desse velho hábito encontra-se na

edição de 22 de setembro: com o título Caçada ao voto, em maiúsculas, o

diário traz duas fotografias ilustrando as atividades de Mauri Sérgio e do

candidato petista, Marcos Afonso. Apesar de terem o mesmo tamanho e

diagramação, ambas são bastante diferentes. A imagem de Mauri Sérgio,

tirada durante uma passeata, mostra o candidato de braços erguidos ao lado

do candidato a vice, em meio a uma verdadeira multidão. A imagem que

ilustra a atividade petista mostra uma carreata onde o candidato é o único

que acena diretamente para a câmera, em meio a uma forte neblina matinal.

Não há qualquer menção aos outros seis candidatos.

A 29 de setembro, com o título Reta final, A Gazeta repete a dose:

omite todos os candidatos e publica mais duas fotografias. Sob ambas as

fotos, um texto em negrito tem os seguintes dizeres:

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A campanha pela Prefeitura de Rio Branco está chegando ao fim. Os candidatos Mauri Sérgio (PMDB) e Marcos Afonso (PT) intensificam, a partir de hoje, o corpo a corpo junto ao eleitorado. São passeatas, comícios e uma série de outras atividades para atrair os votos dos indecisos. O comício de Mauri (foto à esq.) reúne multidão na Estação Experimental. Enquanto isso, partidários fazem passeatas pelas ruas

do centro de Rio Branco. Tudo em nome da democracia. (A GAZETA. Rio Branco: Repiquete Serviços Editoriais, n. 3.309, 29 set. 1996).

Também em nome da democracia, A Gazeta não informava na

legenda a qual manifestação se referia a atividade dos militantes do PT.

Nessas condições, Mauri Sérgio seria eleito com 46,8% dos votos válidos

contra 43% de Marcos Afonso.

Reconquistada a prefeitura de Rio Branco para o PMDB, restava à

Gazeta realizar boa publicidade das ações do município, e, chegada a

campanha, investir nas eleições de 1998. Mas isso não aconteceria. Repete-

se, então, o fenômeno que se dera de 1992 a 1994: as alusões ao pleito são

poucas e até omissas, não há citação à agenda dos candidatos nas capas,

nem editoriais, revelações bombásticas e documentos com desmentidos

posteriores. Muito embora o PMDB tivesse lançado candidato - o vice de

Mauri Sérgio, Chicão Brígido - o jornal omitira-se do velho posto.

A chave para a compreensão desse comportamento encontra-se na

capa de 1º de outubro de 1998, a três dias do pleito decisivo. Nela, o senador

Flaviano Melo surge em bela fotografia a cores, ao lado do então governador

Orleir Cameli. A legenda da imagem tocava um dos mais antigos sonhos dos

acreanos: a pavimentação da BR-317 entre Rio Branco e Brasiléia, objeto de

insônia de grupos ambientalistas e motivo da alta popularidade de Cameli,

apesar das escandalosas denúncias de corrupção. É que, sobre a imagem,

texto intitulado Flaviano anuncia mais R$ 2,5 milhões para 317 evidencia a

união dos dois políticos em nome do desenvolvimento do Estado. Ao lado,

texto curto anunciava o seguinte:

O Ministério dos Transportes liberou mais R$ 2,5 milhões para a pavimentação da BR-317. A informação foi passada à GAZETA pelo senador Flaviano Melo (PMDB) que recebeu a informação do ministro dos Transportes Elizeu Padilha. Segundo Flaviano, todo o serviço executado e medido até agora foi pago pelo DNER. A demora nos repasses, de acordo com o senador do PMDB, se deu em função da

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crise mundial que vem prejudicando o Brasil. (A GAZETA. Rio Branco: Repiquete Serviços Editoriais, n. 3.850, 1 out. 1998).

A 2 de outubro, antevéspera do pleito, texto cuidadoso sobre um

evento eleitoral traz nova fotografia de Flaviano Melo, em primeiro plano,

durante passeata realizada “pelas principais ruas da cidade”, conforme texto

em anexo. A imagem traz legenda com os dizeres A passeata de ontem

reuniu a militância, lideranças e amigos do PMDB. No lado esquerdo, texto

intitulado Passeata leva milhares às ruas, acrescenta-se que:

O PMDB encerrou ontem, na capital (sic) sua campanha eleitoral de 98, com uma grande e alegre passeata pelas principais ruas da cidade. O entusiasmo dos militantes contagiou milhares de pessoas que acompanharam das janelas das casas, calçadas, lojas e repartições públicas o grande ato de demonstração de força do

PMDB. (A GAZETA. Rio Branco: Repiquete Serviços Editoriais, n. 3.851, 2 out. 1998).

Abertas as urnas viria a surpresa: Jorge Viana, ex-prefeito de Rio

Branco, vencera com 57,7% dos votos válidos.

O novo governador aproveitaria a boa popularidade para tentar eleger,

logo em 2000, o prefeito de Rio Branco por sua coligação. Encontraria uma

dificuldade: Flaviano Melo, derrotado em 1998 da tentativa de reeleição para

o Senado, sairia em 2000 candidato a prefeito de Rio Branco. Nesse pleito, A

Gazeta teria novamente papel fundamental.

O contexto histórico exigiria, portanto, a superação de antigas

rivalidades em um novo arco de alianças que garantisse a reconquista da

prefeitura de Rio Branco: o MDA.

3.1.3 A Tribuna: quem dá mais?

Na segunda quinzena de março de 1993, logo após a posse de Viana

e da vice Regina Lino e com o governo Magalhães imerso em denúncias de

corrupção, surge como quinzenário o que viria a ser o terceiro diário138

do

Acre: A Tribuna. O empreendimento é resultado de uma sociedade entre Eli

138

A Tribuna se tornaria diário a partir da edição 168, a 13 de agosto de 1996.

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134

Assem de Carvalho - ex-funcionário do Serviço de Divulgação do Estado do

Acre (Serda) que se tornou próspero empresário do setor gráfico nos anos

90, misteriosamente ao mesmo tempo da extinção do próprio Serda - e o

jornalista Antonio Stelio de Castro.

Segundo o jornalista Altino Machado, há, na origem deste matutino,

mais questões ocultas do que admitem os seus sócios fundadores. O jornal

seria resultado, diz ele, de um processo de dilapidação da máquina pública,

especialmente no setor gráfico. Além disso, o capital usado para fundá-lo

seria oriundo do governo do Estado, na gestão Edmundo Pinto:

O Serda foi extinto pelo então governador Edmundo Pinto como um acerto de contas, decorrente de gastos durante a campanha eleitoral, com dois sócios informais dele – os empresários do setor grátifo (sic) Ely Assem de Carvalho, ex-funcionário do próprio Serda, e Luis Carlos Pietschman, que virou chefe do Gabinete Civil do Acre. (...) A partir da efêmera gestão de Edmundo Pinto, o Diário Oficial do Acre passou a ser impresso na gráfica de Ely Assem de Carvalho e assim continua até hoje. Os demais serviços passaram a ser dirigidos para a gráfica de Pietschmman, que estava no mesmo hotel onde o então governador foi assinado (sic) em São Paulo, em maio de 92. Como é de praxe para a maioria dos governadores acreanos, Edmundo Pinto se tornou dono de um jornal, A Tribuna, fundado por Ely Assem de Carvalho, mas jamais apareceu no contrato social da empresa. Ambos compraram com dinheiro público, claro, uma máquina com capacidade para imprimir 70 mil jornais por hora, embora A Tribuna circule, em média, com 300 exemplares. (MACHADO, 2008).

A estreita vinculação entre Estado, disputa política e o jornalismo de A

Tribuna evidencia-se também editorialmente: as manchetes da primeira

edição anteciparam o que seria a marca do veículo: a fidelidade a qualquer

grupo político no poder. Não havia, ao contrário do que ocorrera com O Rio

Branco e A Gazeta, vinculação fixa a um grupo partidário.

Esse estilo editorial possui elementos importantes para a pesquisa

bibliográfica sobre a produção jornalística no Acre. Ainda na edição 1, ao

denunciar o superfaturamento das obras de duplicação da via Custódio

Freire, em Rio Branco, acrescenta-se na legenda da fotografia de capa que “a

duplicação da Custódio Freire está sendo investigada pelo Governo do

Estado”. Curiosa revelação, considerando-se que a obra fora realizada no

próprio governo Pinto/Romildo.

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135

Como manchete secundária, o quinzenário estampara uma fotografia

de Jorge Viana ao lado da vice-prefeita, Regina Lino, ao lado dos seguintes

dizeres:

Uma grande dor de cabeça começa a surgir para o prefeito Jorge Viana e sua vice, Regina Lino – o casal vinte da política acreana. É que dezenas de funcionários da prefeitura que estão sendo e foram demitidos, iniciaram uma tremenda campanha contra os dois. Os demitidos alegam que ambos estão traindo uma promessa de campanha, quando afirmaram que não iriam demitir. “Traidores”,

“autoritários” e “enganadores” são os termos usados por eles. (A

TRIBUNA. Rio Branco: E.A. Carvalho, n. 1, mar. 1993).

Na quinta página, o anúncio do paradigma editorial a que o veículo

supostamente se filiara:

Jornal A Tribuna. Um jornal que não se dobra. Um quinzenário que mostra os dois lados da notícia. A tribuna de denúncias da população. A imparcialidade em primeiro lugar. (idem).

Na edição 5, que circula na primeira quinzena de maio de 1993, A

Tribuna resolve fazer coro com O Rio Branco no tema mais explosivo e

misterioso da época: o assassinato do governador Edmundo Pinto e as

supostas conexões com interesses empresariais envolvidos no desvio de

vários milhões do FGTS.

Para o semanário não há dúvida a respeito: Odebrecht tramou e pagou

pela morte de Edmundo é o título principal de capa, impresso em fundo

vermelho, com a foto dos três réus do caso e os dizeres Caso Edmundo –

exclusivo. A extensa matéria, resultado de um trabalho de investigação

jornalística, ocupa quatro das 16 páginas do jornal, então em formato

tablóide139

. A tese central é que a morte do governador fora queima de

arquivo para impedir a divulgação de nomes durante o depoimento na CPI do

FGTS. A edição traz ainda entrevista com um dos condenados pelo

assassinato, afirmando que recebera dinheiro para matar o governador.

139

Na edição número 118, de 9 a 15 de outubro de 1995, A Tribuna adota o formato standard, maior e mais

estreito.

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136

Na mesma edição inicia-se o flerte com o poder. Fotografia do

governador Romildo Magalhães ilustra o editorial de capa Virada e tem o

seguinte conteúdo:

Um alerta: pouca gente está percebendo o grande significado das obras que o governador Romildo Magalhães deu o ponta pé (sic) inicial no começo deste mês que ele chama de “o ano da virada”. Para exemplificar basta lembrar que no governo Flaviano Melo, foram executados asfaltamento de 52 quilômetros de ramais. Isso marcou pela administração que saiu com um elevado índice de aceitação popular. Agora o governador Romildo Magalhães começa a implantar, com recursos próprios na ordem de Cr$ 200 bilhões, que irá asfaltar mais de 200 quilômetros de ramais, o que irá beneficiar milhares de produtores rurais que, enfim, poderão escoar a sua produção. Isso sem dúvida é um marco na história política do Acre, já que nenhum governante outrora ousou tamanha façanha. Esse mérito, ninguém tira do governador Romildo Magalhães. Está aí, portanto, esclarecida para toda a população do Estado, o significado social desta obra que é extremamente positiva, justamente porque vai de encontro não só às necessidades dos colonos e produtores espalhados pelos projetos de assentamentos e outras localidades, como também vai de encontro à vocação agrícolas (sic) do Acre. No caderno especial de um ano de governo, que publicamos como encarte nesta edição especial de A Tribuna, não poderíamos de (sic) esclarecer tal fato, já que, o Acre e os acreanos, não poderiam

esperar pelas benesses de outrem. (A TRIBUNA. Rio Branco: E.A. Carvalho, n. 5, mai. 1993).

Apesar da trajetória editorial aparentemente confirmar as afirmações

de Machado sobre a origem de A Tribuna, o uso de recursos do tesouro

estadual na transação nunca foi objeto de investigação oficial.

A sociedade inicial entre Carvalho e Castro rompe-se em 1994. Em

trabalho monográfico, Tatiana Sá de Lima, refletindo sobre a relação entre os

políticos e o então semanário, observa que

Uma dessas perseguições foi quando em 1994, o então presidente da extinta Sanacre (Companhia de Saneamento do Estado do Acre), Carlos Airton Magalhães, enfurecido com uma matéria que estava sendo elaborada pelo editor-chefe Antonio Stelio, sobre corrupções dentro da empresa, foi até a sede do jornal junto com outros “capangas” e levou todas as edições do jornal e equipamentos da gráfica. Assem ainda sofreu agressões verbais, físicas e ameaças de morte. Toda a equipe do A Tribuna ficou sem trabalhar durante três dias. Após o acontecido a sociedade entre Assem e Stelio foi desfeita e o jornalista Mário Emilio assumiu a editoria do jornal. Também em 1994 o jornal fechou durante dois meses, por motivos financeiros. (LIMA, 2008).

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137

Carlos Airton Magalhães Santana de Souza, citado pela pesquisadora,

era sobrinho do então governador, Romildo Magalhães, e encontrava-se na

disputa por uma vaga na Câmara dos Deputados para as eleições de 1994. A

tentativa de evitar um escândalo jornalístico com o órgão que ele

administrava tinha, portanto, razões mais profundas que a mera propensão à

violência. Apesar de brutal, a iniciativa funcionou perfeitamente: Airton seria

eleito deputado federal pelo PPR.

A venalidade com que A Tribuna postava-se em relação aos diferentes

partidos e agremiações da política acreana possibilitou uma preocupação

maior com a imparcialidade da notícia. No entanto, os textos relacionados aos

atos do governo ocupam a maior parte das edições. Os que citam os

candidatos são, ainda, cuidadosamente omissos em relação às candidaturas

oposicionistas. Com isso o jornal evitava o desgaste com o poder e

melhorava a sua imagem. Nas referências às candidaturas apoiadas pelo

prefeito ou governador em exercício o diário cumpria, no entanto, seu papel

tanto quanto os demais: estabelecer o candidato como a opção mais

adequada e ética para o voto de confiança dos eleitores.

Exemplo salutar desse comportamento é a edição de 23 a 30 de

agosto de 1994, diante da escolha do PPR sobre o prefeito de Cruzeiro do

Sul, Orleir Cameli, para a sucessão de Romildo Magalhães. Matéria intitulada

Orleir muda Cruzeiro, ilustrada por bela fotografia colorida do sorridente pré-

candidato, o jornal informa que:

O prefeito de Cruzeiro do Sul, Orleir Cameli, vem dando um exemplo de administração, já obtendo quase a unanimidade na aprovação popular. A ação da Prefeitura naquele município impressiona não só os moradores da cidade, como também os visitantes. Durante o recente encontro de prefeitos, autoridades e convidados de todo o Estado puderam observar o mutirão permanente de obras em execução, o que levou o ex-prefeito de Macapá, João Capiberibe, a considerar a administração Orleir Cameli como única em todo o País.

(A TRIBUNA. Rio Branco: E.A. Carvalho, n. 15, ago. 1994).

Outro exemplo é a edição da segunda quinzena de junho de 1993, cuja

manchete principal elogia as ações do então governador Romildo Magalhães.

Em três linhas, longo título informa que Romildo marca o 31º aniversário da

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emancipação política acreana com inauguração de 153 obras. Texto logo

abaixo emenda que:

O Acre entra no caminho da maturidade ao completar seus 31 anos de emancipação política. Tudo aconteceu graças ao senador José Guiomard dos Santos, autor do projeto que transformou o então Território do Acre em Estado, no dia 15 de junho de 1962. O presidente João Goulart assinou o decreto e o professor José Augusto foi eleito o primeiro governador constitucional do Estado do Acre. O atual governador, Romildo Magalhães preparou uma grande programação especial para comemorar a data. Deputados, populares, historiadores opinas (sic) nesta edição especial de A TRIBUNA sobre o significado desta data. Para o leitor, damos de presente esta edição que se constitui num verdadeiro documentário histórico, preenchendo

lacunas antes irreparáveis. (A TRIBUNA. Rio Branco: E.A. Carvalho, n. 7, jun. 1993)

A mesma edição traz texto sobre as ações da deputada federal Célia

Mendes, intitulado Célia Mendes anuncia verbas:

A deputada Célia Mendes (PPR) teve audiência com o ministro da Justiça Maurício Correia, com quem conseguiu recursos na ordem de Cr$ 284 bilhões para ampliação da penitenciária de Rio Branco, que ganhará um pavilhão de segurança máxima e um pavilhão agrícola. (idem).

Em editorial de capa, em tom grave, solene, texto convida o povo a se

punir pelo quadro de desigualdade social e crise política em que se

encontrava:

Ao momento em que se comemora os seus 31 anos de emancipação política com a passagem para Estado em 15 de junho de 1962, necessário se faz registrar que foram 12 governadores que nos comandaram neste período. De José Augusto a Romildo Magalhães, milhares de idéias foram discutidas e, ao que parece, nenhuma delas pois a população acreana (sic) em melhores condições de vida. Por isto, devemos aproveitar esta data para realizar uma profunda reflexão e avaliação politicamente (sic) toda a nossa situação. Claro que muitos dos governantes tiveram boas intenções procurando oferecer uma vida digna à população. Houve também os relapsos e oportunistas que contribuíram demasiadamente para esta caótica situação. Que o povo reflita, pois, seriamente no passado, para não reclamar no futuro. Esta deve ser a nossa lição. (ibid.)

Na edição que cobre o período de 28 de junho a 7 de julho de 1994, A

Tribuna traz como título principal Orleir lidera para o governo. O texto expõe

pesquisa de opinião realizada “em 12 municípios do Estado” pelo próprio

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jornal com apoio de uma empresa denominada Unydata. Logo abaixo, novo

texto informa que Eleitor aprova a administração de Romildo – era 54,4% de

aprovação contra 32,1% de desaprovação. Há mais sobre o governo

Magalhães, que, naquele momento, encontrava-se em severa crise e de

laços rompidos com o PPR, que apoiara Cameli. Ao abordar um reajuste

salarial concedido pelo Estado ao funcionalismo público, o jornal faz uma

comparação curiosa: Reajuste de 45% do Estado supera o da prefeitura. Em

editorial do lado direito, elogia-se o aumento, tomado como um préstimo, um

mimo do Estado aos servidores:

Em um período de incertezas quanto ao futuro do país, convulsionado por um novo plano econômico, pela proximidade das eleições e pela crise econômica e social, o governo do Estado dá um exemplo de trabalho, de compromisso e de que sabe com precisão definir suas prioridades. O reajuste de 45% - com a perspectiva de outros aumentos até maiores nos próximos meses -, às vésperas da URV, comprova que o acordo entre o governo e os sindicatos era pra valer, o que os próprios sindicalistas no fundo não acreditavam. Da mesma forma, a mudança de estratégia política e administrativa, priorizando áreas sensíveis às reivindicações populares, demonstra a vontade de acertar do governador e de sua equipe. Seja ao definir segurança e saúde como metas principais este ano, seja em abrir o palácio ao povo, em audiências livres de burocracia e protocolo, o governador Romildo Magalhães deixa impressa a sua marca pessoal – a de administrar segundo um projeto popular e dinâmico, centrado em uma perspectiva de comando sensível às influências dos cidadãos organizados. Com isso, o governo ganha pontos e se firma no conceito dos acreanos. O reajuste salarial, junto com a virada do governo, sentida em todos os setores, é um importante fator político que vai pesar na avaliação final dessa

administração. (A TRIBUNA. Rio Branco: E.A. Carvalho, n. 42, mar. 1994)

Em 1996, quando acirra-se a disputa pela prefeitura de Rio Branco,

texto de capa na edição de 6 a 12 de maio intitula-se Mauri dispara na frente.

Trata-se da explanação de uma pesquisa eleitoral, novamente realizada “com

exclusividade” a pedido do semanário pelo Instituto Brasileiro de Opinião

Pública (Ibope). Segundo a pesquisa, o candidato peemedebista já contava

com 44% das intenções de voto, contra 19% de Marcos Afonso (PT) e 11%

de Sérgio Taboada (PC do B).

O jornal ocupa-se prioritariamente em divulgar as ações do governo do

Estado do que propriamente com o futuro da prefeitura da capital. Há, porém,

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140

realização de propaganda negativa em desfavor da prefeitura de Rio Branco,

ocupada por Jorge Viana. Desde 1995, tenta-se passar a ideia de que a

gestão petista fora um fracasso.

Na edição de 20 a 25 de fevereiro de 1995, por exemplo, a manchete

principal Prefeitura não paga obra e a Justiça decreta intervenção tenta

demonstrar que a prefeitura estaria na mira da Justiça por atrasar a

construção de uma escola – a leitura atenta do texto demonstra, porém, que

o decreto de intervenção não ocorrera, nem ocorreria mais tarde. A prefeitura

havia contestado o superfaturamento dos preços da obra, levando o

Ministério Público Estadual (MPE) a questionar o motivo do atraso. Na

mesma edição, do lado esquerdo da suposta irresponsabilidade

administrativa petista, a fotografia opulenta do governador Orleir Cameli com

o Palácio Rio Branco ao fundo emoldura o título Orleir vai aos EUA dia 6 de

março. O governador, segundo o jornal, viajaria para “se reunir com entidades

internacionais e bancos financiadores em busca de recursos para obras de

infra-estrutura no Estado”.

Outro exemplo é a manchete principal de 6 a 12 de novembro também

de 1995, intitulada “Embargo não pára Orleir: Nem a ordem da Justiça

conseguiu parar as máquinas e homens que trabalham na reforma e

ampliação do pronto Socorro do Hospital de Base”. Logo abaixo, outra

matéria, ilustrada com a imagem de um assustado Jorge Viana, tem por título

“Acredata bloqueia Jorge: empresa suspende serviços à Prefeitura por falta

de pagamento”.

É em plena campanha eleitoral, no segundo semestre também de

1996, que A Tribuna torna-se o terceiro jornal diário do Acre. Mantém, no

entanto, a característica venalidade: todas as cores partidárias consolidadas

no poder merecem espaço e destaque. Não há, nesse sentido, adesão

editorial a um grupo político específico, exceto os apoiados por quem

estivesse no poder.

Essa estratégia se manteria na disputa pela sucessão de Cameli. A

edição de 3 de outubro, dia das eleições, traz chamada lapidar no topo da

primeira página: Orleir foi governador que mais valorizou setor educacional. O

texto tenta colocar em evidência o secretário de Estado de Educação do

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141

governo Orleir, Alércio Dias, burlando assim a nova legislação eleitoral140

que

proibia a publicidade de candidatos durante a campanha.

Com a vitória de Jorge Viana em 1998, porém, o jornal abandonaria

Orleir e Alércio, investindo a partir de então no que entendia ser o “modo

petista de administrar”. Nem mesmo o tênue equilíbrio conquistado pelo

PMDB a partir da vitória de Flaviano Melo no pleito municipal seguinte, em

2000, demoveria o jornal da sua posição: as políticas do governo do Estado e

da prefeitura de Rio Branco, inclusive a propaganda eleitoral – a partir de

então, mais sutil por conta da nova legislação – frequentariam as páginas

desse jornal com a mesma frequência.

Por conta dessa característica, A Tribuna é um veículo salutar para

compreender os tipos de interesses em jogo que subjazem as disputas

eleitorais, embora as integrem. Trata-se da sobrevivência dos jornais como

agentes de fomento da opinião pública, sob todas as condições. É com esse

poder, que os diferentes governos instrumentalizam, que os jornais disputam

o consenso em favor de reformas políticas necessárias para o

aprofundamento do modelo político e econômico mais condizente com os

interesses das classes dominantes, que também integram. É também assim

que ganham legitimidade social como meios de comunicação, melhorando o

seu produto na exata medida em que ampliam o seu negócio.

O jornalismo comprometido com as fontes financiadoras também

permitia ao jornal A Tribuna passar ao largo das intrigas doutrinárias,

garantindo assim a sua sobrevida em tempos de crise.

3.1.4. Página 20: o galinho bom de briga141

140

Lei Federal 8.504, o novo Código Eleitoral entrara em vigor no ano de 1997. 141

A expressão “Galinho bom de briga” e o desenho de um galo usando luvas de boxe foram criados pelo

humorista acreano Francisco Braga, a pedido de Antonio Stelio de Castro, primeiro dono do Página 20. A

expressão e a caricatura apareciam na primeira página e foram extintas em 2001, com a aquisição do jornal pelo

grupo empresarial E. D. Dantas Filho. Em matéria comemorativa sobre os seus 10 anos, o jornal relembra: “Para

simbolizar a principal característica do jornal, Francisco Braga teve a ideia do slogan ‘Galinho bom de briga’ -

segundo ele, por ser um periódico cujo tamanho era menor que os outros (assim como o próprio diretor, Antonio

Stélio), por brigar com os poderosos do Estado e outros jornais. ‘Quem acorda cedo, fala alto e manda no

terreiro? É o galo’, justifica o chargista.” BARROZO, Marcela. A identidade 20. Página 20, Rio Branco, 3 mar.

2005.

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142

Com a primeira edição circulando a 5 de março de 1995 como

semanário, Página 20 é o quarto e mais novo jornal acreano. Seu surgimento

se dá em meio a várias denúncias de corrupção contra o governo Orleir

Cameli, levantadas pelo próprio jornal. A FPA, que perdera a eleição para

Cameli no ano anterior, mantém no Página 20 diversos colaboradores que

seriam importantes administradores do futuro governo petista142

.

Além de tornar pública a corrupção no governo Cameli, o jornal

populariza e viabiliza as candidaturas da FPA para o pleito municipal

seguinte, o de 1996, visando especialmente a prefeitura de Rio Branco. A

mesma tática é repetida em 1998, na eleição que deu ao PT o governo do

Estado.

Trata-se, portanto, de estratégia inversa àquela adotada por A Tribuna.

Tal como A Gazeta e O Rio Branco, o Página 20 tinha projeto político

delineado, que defendia por meio da exposição de notícias. Por isso, o

Galinho desfere o primeiro ataque à gestão Cameli logo na primeira edição,

com o título Deputado acusa Orleir de devastar a Amazônia e proteger

assassinos de Chico Mendes. O parlamentar em questão era Vagner Sales,

primo de Cameli.

A corrida para promover as candidaturas da FPA, em Rio Branco e no

interior do Acre, inicia-se em 1996 bem antes da campanha eleitoral oficial.

Interessava ao PT eleger o sucessor de Viana na prefeitura de Rio Branco, o

que exigia enfrentar, no campo da propaganda informativa, os jornais

opositores: A Gazeta, A Tribuna e O Rio Branco.

A 22 de agosto de 1996, com texto intitulado Mauri trai os professores,

o jornal começa o bombardeio ao candidato peemedebista, principal rival do

PT. Na manchete de capa, uma fotografia de Mauri, de dedo em riste e olhar

assustado, ocupa mais de metade de toda a capa. A estratégia editorial,

ousada, enchia os olhos com textos bem escritos e imagens amplas.

No mesmo passo, o jornal busca também imagens positivas da gestão

municipal petista. É o caso da edição de 3 a 9 de dezembro de 1995, que

142

Tião Maia, Marcos Vicentti, Leonildo Rosas, Rachel Moreira, Lamlid Nobre e outros jornalistas da primeira

equipe do Página 20 se tornariam assessores de imprensa de vários órgãos estatais, a partir de 1999. Além deles,

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143

traz, sob a imagem de Jorge Viana, o título Jorge Viana traz mais de R$ 1

milhão de Brasília em convênios.

A linha editorial duramente crítica ao governo denuncia diversas

irregularidades administrativas, mesmo antes de 1998. A edição de 19 a 25

de novembro de 1995 tem como manchete principal, por exemplo, Governo

faz festival com verba secreta, denunciando uso particular de dinheiro público.

A mesma capa traz ainda Pesquisa avalia Orleir e Jorge, comparando a

gestão de ambos e colocando o petista com ampla margem de simpatia

popular.

A edição de 21 a 27 de maio de 1995 traz nova denúncia: Picaretagem

invade licitações públicas do Estado, denunciando superfaturamento,

falsificação de documentos e outras irregularidades cometidas na gestão

Cameli. No segundo semestre de 1996, Página 20 torna-se jornal diário,

mantendo o formato tabloide.

A grande batalha de 1998 se dá também nas páginas do “Galinho”. A

edição de 12 de setembro traz matéria de duas páginas intitulada A força do

Juruá: empresários de Cruzeiro do Sul fecham o comércio e fazem ato de

apoio a Jorge e Tião Viana. A edição de 27 de setembro traz entrevista com o

candidato a deputado federal Marcos Afonso, que declara: Sou candidato a

deputado federal para honrar o nome do Acre em Brasília.

Afonso tinha sido derrotado antes: na disputa com o peemedebista

Mauri Sérgio pela prefeitura de Rio Branco.

A 29 de setembro de 1998, fotografia de capa inteira, artifício editorial

raro no jornalismo, mostra Jorge e Tião Viana em pé na carroceria de um

automóvel, em carreata, fazendo gestos de vitória. O título é superlativo,

lembrando os áureos tempos do jornal O Rio Branco, quando se alinhava ao

projeto político da Ditadura Militar: Jorge e Tião fazem a maior carreata da

história do Acre. No subtítulo, esclarece-se que “mais de 2.600 carros

participaram do trajeto, que foi de Rio Branco ao Quinari”.

quadros do PT e do PCdoB faziam colaborações ocasionais para o jornal, como: Nilson Mourão, Aníbal Diniz,

Toinho Alves, Altino Machado, Marcos Afonso e outros.

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144

A 2 de outubro, véspera do pleito, matéria ataca o candidato do PFL:

Calote eleitoral: publicitário processa Alércio Dias por uso indevido de

logomarca.

A construção do consenso em favor do PT pelo Página 20 favoreceu-

se dos silêncios episódicos de O Rio Branco e A Gazeta, nomeadamente nas

eleições de 1994 e 1998, restando apenas A Tribuna que limitava-se a

divulgar os atos do governo e à propaganda negativa da prefeitura petista.

Os rompimentos internos já mencionados no PMDB e no PPB/PPR,

que suspenderam ou enfraqueceram o trabalho ideológico dos jornais, deram

margem para maior penetrabilidade do Página 20, auxiliando a sua

constituição como veículo de comunicação de prestígio e melhorando, ao

mesmo tempo, a imagem social da FPA.

Eleito em 1998, Jorge Viana seria o novo governador do Acre. O

Página 20 buscaria a partir de então construir consensos em torno do

candidato a prefeito de Rio Branco pela FPA em 2000, Raimundo Angelim.

Nesse trabalho, a FPA enfrentaria a poderosa coalizão do MDA, exigindo um

intenso trabalho de investigação e denúncia, concentrados agora sobre a

gestão Mauri Sérgio.

Sob o governo Jorge Viana, portanto, o Página 20 ampliaria a equipe

de redação e investiria em inovações editoriais.

3.2 UNIFORMIDADE EDITORIAL NO GOVERNO JORGE VIANA

Além da diversificação editorial segundo os interesses dos grupos

políticos em disputa pelo poder, outro fenômeno importante detectado pela

pesquisa foi a uniformização da imprensa após a chegada de Jorge Viana ao

governo. O fenômeno consiste no apoio dos quatro jornais ao projeto de

poder da FPA, traduzindo-se em textos amistosos sobre as suas realizações.

Detectou-se três etapas neste processo, com diferentes graus de

resistência por parte dos jornais: a partir de 1999, com a chegada da FPA ao

governo; a partir de 2003, com o primeiro mandato de Luís Inácio Lula da

Silva no governo federal; e a partir de 2005, com a eleição de Raimundo

Angelim para a prefeitura de Rio Branco.

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145

Vencidas essas três etapas, que consolidaram o PT no cenário político

local e nacional, os jornais passaram a reproduzir as mesmas notícias sobre

o governo do Estado. Até 2004, os jornais A Gazeta e O Rio Branco

resistiram, na esperança de eleger os representantes dos seus respectivos

grupos políticos e minar o poder petista. Enquanto isso, A Tribuna e Página

20 mantiveram-se alinhados com a FPA, especialmente a partir da vitória de

Lula.

Outro fenômeno detectado foi que a maior parte das notícias positivas

em relação ao governo era produzida pelo próprio governo, por meio da

Secretaria de Estado de Comunicação Social (Secom). As matérias,

originalmente dirigidas aos órgãos oficiais de comunicação, eram copiadas

integralmente pelos jornais, que em alguns casos adulteravam a sua autoria

ou acrescentavam parágrafos para disfarçar a origem do texto.143

Não há indícios de que exista, da parte do Estado, qualquer tentativa

de impedir a transcrição desses textos por jornais privados. Trata-se de

questão potencialmente polêmica, uma vez que fere o código deontológico144

da profissão devido a relação comercial entre jornais e governo145

.

A transcrição dos press-releases estatais não é problema também para

os donos dos jornais.

143

Esta prática, que não é específica da imprensa acreana, tem causado controvérsias e debates, especialmente

em fóruns e blogs da internet. 144

Em estudo sobre a publicação de textos enviados por assessorias de empresas e de órgãos públicos nos jornais

pernambucanos, cita-se: “Quase semanalmente, Jornal do Commercio e Diario de Pernambuco trazem

encartados, sem diferenciação tipográfica ou mesmo de estilo editorial, publicações pagas por instituições

públicas e privadas, geralmente um resumo – em forma de reportagens – do que determinada empresa realizou

num determinado período de tempo. Prefeituras e estatais são campeãs desse novo tipo de ‘serviço jornalístico’,

que, não custa ressaltar, muitas vezes não vem identificado como material de cunho publicitário, e não poucas

vezes é escrito, fotografado e editado pelos mesmos profissionais que fazem parte do corpo de jornalistas

contratados desse veículo. Ou seja, os jornalistas que escrevem esses textos ‘encomendados’ são os mesmos que

trabalham para levar ao público informações conseguidas através do trabalho diário de apuração. Cornu (1998)

afirma que o ‘informe publicitário’ não tem qualquer relação com a deontologia do jornalismo, sendo apenas

mais uma forma de fazer publicidade.” SANTANA, Adriana Maria de Andrade. CTRL+C CTRL+V: O

Release nos Jornais Pernambucanos. 2005. 188p. Dissertação (Mestrado em Comunicação), Faculdade de

Comunicação, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2005. 145

Em cumprimento ao Art. 37 da Constituição Federal, que exige dos agentes públicos ampla publicidade dos

seus atos, os órgãos públicos recorrem aos jornais para publicar campanhas publicitárias e prestações de contas

de atos administrativos. A lei, porém, não se refere aos jornais comerciais especificamente, limitando-se a exigir

a publicação dos atos administrativos. Com base nisso, os diversos poderes possuem jornais próprios, os diários

oficiais, destinados unicamente a este fim. A publicidade nos jornais, paga com recursos do Estado, permanece.

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146

Aconteceu sim, nós recebíamos material [noticioso]. Só que o Página

20 em relação ao governo, quando ele assumiu, tinha uma coerência.

Os outros não, os outros mudaram. Todos os que eram contra o PT

passaram a ficar a favor. Nós, não. Nós lutamos para colocar o grupo

no poder e lutamos para sustentar. Então durante o governo eu isento

o Página 20 de qualquer crítica de subserviência porque ele estava

numa coerência, ele vinha lutando, dava sustentação ao grupo e

conseqüentemente daria também sustentação no governo. Então ele

dava esse apoio porque existia uma coerência. Já os outros, não,

sempre foram contra a esquerda e se tornaram depois a favor.

CASTRO, 2009.

Para este trabalho, no entanto, não se trata de mera pirataria

intelectual ou de intervenção indevida do Estado na pauta jornalística. A

defesa de interesses privados - dos proprietários privados - no espaço público

é o que deu ao jornalismo a possibilidade de desenvolver-se como meio

legítimo de comunicação social ao longo da história. Esta característica é

uma das estratégias dos jornais para atuar, na análise gramsciana, como

agentes privados de hegemonia.

Pela mesma razão, os proprietários dos jornais não veem problema em

propagar textos institucionais do Estado como notícias. Na visão deles, trata-

se de material informativo de interesse público que o Estado deve permitir a

divulgação e reprodução para que se permita a fiscalização do próprio Estado

pelos cidadãos146

. Está presente, nessa visão, a concepção orgânica da

sociedade – a noção de interesse público que disfarça o interesse privado da

classe a que pertencem esses proprietários e seus jornais. A noção de

jornalismo como ideologia só aparece quando é desvendada esta

mistificação.147

146

Nas entrevistas acostadas ao apêndice do presente trabalho, percebe-se que a esse discurso soma-se a

exigência, ainda em nome da liberdade de imprensa, que o Estado não interfira na produção de conteúdos,

exigindo diretamente a publicação de textos institucionais como condição para a contrapartida nos contratos de

publicidade. Este argumento tem o dom de deslocar, caprichosamente, o centro decisório da liberdade de

imprensa para o arbítrio do próprio Estado, abrindo o caminho, ademais, para classificar os mais diferentes

governos como republicanos ou totalitários – classificação realizada, claro, pela própria imprensa – na medida

em que respectivamente atendem ou deixam de atender . 147

Na seção VII do Livro III de O Capital, intitulada Os Rendimentos e Suas Fontes, Karl Marx usa a expressão

“mistificação” para designar os processos por meio dos quais as categorias se apresentam aos agentes no

processo de produção de modo a esconder os seus nexos essenciais. É este o sentido da expressão também aqui.

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147

3.2.1 Jornalismo homogêneo

A uniformização do jornalismo acreano a partir de 1999 foi um

processo a que os quatro jornais analisados se filiaram lentamente.

A partir do primeiro dia do primeiro mandato de Jorge Viana, O Rio

Branco, A Gazeta, A Tribuna e Página 20 iniciaram a transmissão de imagens

favoráveis ao governo. Eram as comemorações pela posse, com as

expectativas sobre a nova gestão e a divulgação dos primeiros atos

institucionais. Todos os jornais passaram a divulgar, nesta fase, textos e

imagens sobre as medidas moralizadoras da equipe de Jorge Viana.

Iniciada a corrida para as eleições municipais do ano seguinte,

pipocaram também as divergências.

A FPA, que lançara o economista e professor universitário Raimundo

Angelim para a prefeitura de Rio Branco, enfrentaria pela primeira vez PPB e

PMDB na mesma chapa, acrescidos do PFL.

Era o MDA, que lançara mão do seu representante mais proeminente:

Flaviano Melo, ex-governador e ex-senador da República pelo PMDB, para

disputar a prefeitura de Rio Branco. Era trabalho urgente: em 1998, divididos,

os partidos lançaram Alércio Dias, pelo PPB, e Francisco Brígido pelo PMDB.

Os jornais se posicionam rapidamente.

Em A Tribuna, as velhas críticas ao novo grupo político deram lugar

aos textos sobre as ousadas ações de governo com títulos grandes e

coloridos. As matérias chegavam a adotar tons comemorativos. Nos primeiros

meses de 1999, o anúncio do secretariado, os desafios da nova gestão e

fotografias em destaque são apresentados junto de notícias sobre

desemprego, violência e outros. Mantinha-se, também aí, a característica

adesão do jornal a qualquer grupo no poder.148

Esta característica permitiria que A Tribuna guardasse aparente

coerência durante o processo de homogeneização editorial que se

148

A divulgação dos atos da prefeitura comandada por Mauri Sérgio (PMDB), com textos produzidos pela

Assessoria de Imprensa do Executivo Municipal, também era realizada por A Tribuna nesse período. O mesmo

era seguido pelos demais jornais.

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148

aproximava. O processo, que entre 1999 e 2006 encontrou resistência

principalmente em O Rio Branco e A Gazeta, foi assimilado também sem

reservas também pelo Página 20.

Forjado na luta editorial os grupos políticos tradicionais, chegando a ter

como redatores alguns nomes do novo governo, o Página 20 manteve a

mesma postura a partir de 1999. Nele, a posse de Jorge Viana foi saudada

como a redenção política do Acre, ao mesmo tempo em que se empreendiam

duras críticas às ações da prefeitura de Rio Branco. A partir de 2005, com a

posse de Raimundo Angelim, o aspecto crítico desaparece completamente e

o jornal torna-se propagandeador das ações de Estado juntamente com

textos gerais sobre cotidiano, cultura, economia e outros assuntos.

Ainda em 1999, O Rio Branco passa a publicar textos com denúncias

contra o governo petista. A edição de 24 de março de 1999, por exemplo, traz

denúncia do deputado estadual Wagner Sales (PMDB): Campanha do PT foi

financiada pelo narcotráfico. Texto de capa, logo abaixo, complementa:

“Se a maioria dos comerciantes empresários da região de Cruzeiro do

Sul é traficante, a campanha de Jorge Viana foi bancada pelo

narcotráfico”. Com essa frase bombástica, o deputado Wagner Sales

(PMDB) rechaçou as insinuações que a deputada Naluh Gouveia fez

na tribuna da assembleia ontem, sobre a escalada do tráfico de

drogas na região. O deputado disparou a resposta em aparte à reação

do deputado César Messias (PPB), primo do ex-governador Orleir

Cameli, que reagiu violentamente aos ataques de Naluh, que afirma

que as autoridades competentes e o governo não estão tomando as

devidas providencias para conter o tráfico na região. (O RIO

BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n.

6.011, 24 mar. 1999).

No mês seguinte, em chamada de matéria de capa que avalia os

primeiros 100 dias de mandato de Viana, O Rio Branco adota tom mordaz:

Há cem dias, o governador Jorge Viana assumia o comando do

Estado do Acre prometendo gerar 40 mil empregos, acabar com a

corrupção, a violência e, ainda, adotar uma série de medidas que

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149

iriam melhorar a vida da população. Os cem dias já se passaram e

Viana vem esbarrando em muitas dificuldades para cumprir a

promessa, no entanto, maioria das pessoas que foram entrevistadas

pelo jornal O Rio Branco, no período de 25 de março a 9 de abril,

continuam acreditando que muita coisa vai mudar para melhor nos

próximos quatro anos. Os deputados de oposição, como é o caso de

Wagner Sales, do PMDB, tecem duras críticas ao governo e dizem

que a vida só melhorou para quem faz parte da equipe de Jorge

Viana. (O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de Comunicação O

Rio Branco, n. 6.025, 11 abr. 1999).

Em A Gazeta, 1999 é ano de profundas mudanças. O jornal realiza

uma ampla reforma, que vai desde a modernização dos textos, tornados mais

curtos e objetivos, até a aglutinação de cargos nas redações, tudo em

consonância, segundo texto de capa publicado a 6 de janeiro, com a mais

recente tendência norte-americana. Segundo o jornal, a mudança em curso

Traz para o Acre o conceito de vanguarda de um jornalismo

polivalente, que vem sendo aplicado, com êxito, há pouco mais de

dois anos, nos Estados Unidos, e foi implantado, sete meses atrás, no

Brasil, pelo Jornal de Brasília. Esse conceito implicou na extinção de

todas as editorias e cargos de chefia na redação. Transforma o corpo

editorial numa equipe homogênea, apta a atuar, indistintamente, em

áreas tão diversas como sejam a política, meio ambiente, economia,

polícia, esportes, cidade. Uma valorização que contempla as

aspirações profissionais dos jornalistas e permite uma visão pluralista

do tratamento da notícia. (A GAZETA. Rio Branco: Repiquete

Serviços Editoriais, n. 3.924, 6 jan. 1999).

A inovação, estratégia para o corte de custos com a força de trabalho,

deve ser lida no contexto das mudanças provocadas pelo advento da internet,

transformando cada indivíduo em um jornalista potencial e retirando leitores

dos impressos. Na prática, o jornalismo polivalente significava a

reestruturação produtiva da empresa, repercutindo sobre a precarização da

profissão jornalística em todo o mundo. No Acre, com a mudança de governo

e o futuro financeiro incerto, A Gazeta tratou de se precaver incorporando

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150

tecnologias e mudando a forma de gestão que enxugaram o quadro de

trabalhadores, viabilizando a produção a baixo custo.

Em relação ao governo da FPA, precaução era também a palavra de

ordem. A 12 de janeiro, o veículo publica que Jorge conduz pacto histórico. O

texto, assinado pelo repórter Altino Machado, cita o “megaesforço necessário

para recuperar as ruínas do Estado, resultantes da gestão do ex-governador

Orleir Cameli (PFL). O governador Jorge Viana (PT) realizou a proeza de

convencê-los do pacto”.

Esse clima de amenidades com a nova gestão da FPA seria mantido

por todo o ano de 1999, com ligeiras interrupções. A principal delas deu-se

em setembro, quando, no contexto das investigações que a CPI do

Narcotráfico realizava no Estado, A Gazeta publica extenso editorial de capa,

em duas colunas, intitulado Na encruzilhada. No texto, uma severa

admoestação:

De outra parte, enganam-se também aqueles que imaginam

pertencer a uma casta de vestais e que, portanto, julgam não ter nada

a ver com esta triste e dolorosa realidade. Por isso, se dão apenas ao

direito de acusar, de condenar, sem se impor o dever de fazer uma

autocrítica rigorosa e sincera sobre seus atos. Porque agora estão no

poder, acham que podem aproveitar-se da ocasião para humilhar e

destruir seus adversários políticos, cometendo os mesmos vícios dos

políticos tradicionais. Impressionante como alguns dos novos políticos

pegaram tão depressa o cacoete dos velhos políticos. Até no

linguajar.

Cuidado! A mesma mídia que hoje bafeja pode amanhã jogar uma

saraivada de pedras. E pelo que se está vendo, já começam a surgir

algumas situações incômodas, como a do empresário que foi

colocado na lista negra do narcotráfico, mas que num passado bem

recente teria financiado campanhas eleitorais. Ou do ex-governante,

que é pintado com as cores do diabo, mas se abrir a boca ou o baú

pode comprometer os que hoje se constituem seus principais algozes.

(A GAZETA. Rio Branco: Repiquete Serviços Editoriais, n. 4.142, 30

set. 1999).

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151

Era um aviso claro do incômodo que despertaram as investigações da

força-tarefa do Congresso Nacional sobre o narcotráfico no Acre. O aviso não

se repetiria, porém, e o clima de amenidades entre o velho porta-voz do

PMDB e a nova gestão petista permaneceria intacto até iniciada a corrida

pela sucessão de Mauri Sérgio na prefeitura de Rio Branco – nomeadamente,

a partir de 2000.

Devido a essas peculiaridades, os processos mais visíveis da

uniformização editorial, após décadas de disputa pelo poder para os grupos

partidários do Acre, estão mais claros em A Gazeta e em O Rio Branco.

A análise atenta das capas de A Gazeta nos governos Jorge Viana

(1999/2002 e 2003/2006) evidencia quatro grandes mudanças na sua linha

editorial: a) adesão imediata ao novo governo (ao longo de 1999); b)

realinhamento ao MDA e oposição à FPA (2000/2002); c) reaproximação

lenta à FPA (2002/2004); d) ausência de oposição (2004-2006).

A 22 de outubro de 1999, quase um mês depois do bombástico

editorial Na encruzilhada, A Gazeta publica outro, intitulado O domador de

tigres. Impresso sugestivamente em fundo verde, na capa, o editorial ocupa a

primeira coluna à esquerda. Trata-se de um conto sobre um domador que

tentou tornar vegetariano um tigre que criara desde filhote. Segundo o texto, o

domador perdeu o braço quando a fera, adulta, rejeitou os legumes e atacou

o dono. E conclui da seguinte forma:

Esta fábula tem tudo a ver com uma situação esdrúxula que ocorre

hoje neste Estado. Empresas e mais empresas, que conseguiram se

envolver em, praticamente, todas as grandes falcatruas, locupletando-

se com o dinheiro público – vide a lista dos devedores do antigo

Banco do Estado – continuam fazendo negócios com a administração

pública em todas as instâncias: municipal, estadual, federal.

Participam de licitações, assinam contratos, ganham tomadas de

preços, como se nada tivesse acontecido.

A impressão que dá – e o que preocupa é que não é só impressão – é

a de que governantes e administradores públicos continuam

acreditando que tigres, gatos, onças e outros felinos vão contrariar

seus instintos, deixando de ser carnívoros para se tornarem

vegetarianos. Como o domador “maneta”.

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Era a segunda advertência em menos de 30 dias. Algo subterrâneo, não

declarado, estremecia as relações entre governo e A Gazeta fazendo o jornal

incomodar-se com os contratos do governo com outras empresas, que acusava de

corrupção. Ao não citar nomes, ao não afirmar se houve ou não processo legal para

apurar e punir as fraudes das quais parece se indignar, o jornal evidencia, mais uma

vez, que sabia mais do que expunha em suas páginas aos leitores.

O mal-estar, porém, não impediria que matérias citando positivamente as

ações do governo continuassem em evidência na primeira página: a 29 de janeiro

de 2000, texto com chamada de capa informando sobre o lançamento de um prêmio

de jornalismo pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado do Acre (Sinjac)

e patrocinado pelo Governo do Estado. Na capa de A Gazeta aparece o governador,

como sempre sorridente, cumprimentando os jornalistas.149

A partir de março de 2000 começam a ganhar destaque na capa matérias

sobre as realizações e obras da prefeitura de Rio Branco: era ano de eleições

municipais, então comandada pelo PMDB. Nessa fase, as matérias generosas

sobre o governo da FPA começam a escassear. O jornal começa a apresentar

denúncias contra o Executivo estadual. Exemplo salutar desse comportamento é a

capa de 16 de março, onde, sob matéria intitulada Detran vira novo alvo de

deputados, chamada de capa informa o seguinte:

O Departamento de Trânsito é o mais novo alvo da Assembléia

Legislativa. Ontem, vários deputados da oposição fizeram críticas ao

órgão. O deputado João Correia, PMDB, propôs uma sindicância no

Detran e também a revisão da autonomia financeira da instituição.

Pouco abaixo, texto ilustrado por uma significativa imagem de homens

trabalhando na pavimentação de um trecho do centro de Rio Branco dá conta que

Prefeitura asfalta ruas do centro.

149

Desde a sua primeira edição, em 2000, até a presente data, o prêmio de jornalismo José Chalub Leite,

realizado anualmente, paga prêmios em dinheiro para jornalistas de rádio, televisão e impressos que inscrevem

suas matérias e são avaliados por uma banca escolhida pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Acre

(SINJAC). O evento ocorre em dezembro, em alusão ao aniversário do jornalista José Chalub Leite, que

trabalhou em diversos jornais de Rio Branco. O governo do Estado é o principal patrocinador do evento.

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Nesse ritmo, entre destaques sobre crimes, eventos esportivos e de lazer, o

jornal se manteria até 13 de julho, quando o jornal publica editorial de capa

contestando a fiscalização do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) e a nova legislação

eleitoral. Com linguagem estudadamente prudente, o jornal afirma que há um “zelo

excessivo de alguns promotores eleitorais”, acrescentando que

Inopinadamente, começaram a multiplicar representações contra

candidatos e contra veículos de comunicação, propondo multas

pesadas, exorbitantes, por atos ou supostas infrações à legislação

que, a rigor, não têm tido nenhuma influência maléfica contra esta ou

aquela candidatura.

A impressão que dá – e o pior é que não é só impressão – é a de que

querem transformar a legislação eleitoral, que é rigorosa, reconheça-

se, numa lei de censura, tão violenta quanto a dos velhos tempos da

ditadura. Conseguem enxergar propaganda ilegal em uma simples

notícia de jornal, em uma entrevista ou em um artigo, devidamente,

delimitado na página de opinião.

(...)

Espera-se que os senhores juízes eleitorais tenham mais

discernimento ao julgar essas ações, não se deixando levar por este

zelo excessivo ou farisáico (sic) na aplicação da lei. Uma campanha

eleitoral não é uma temporada de caça às bruxas, com ações

policialescas e repressivas. É um tempo propício para o debate de

idéias, de propostas de governo, que devem fluir de forma limpa,

tranquila. Excessos são a corrupção, a compra de votos, o mau uso

do dinheiro público. Contra isso, sim, os “fiscais da lei”, os zelotes,

deveriam se mostrar mais atentos e rigorosos.

Finalizando o texto, o matutino dá breve aviso sobre uma providência que

interferiria na produção editorial futura:

Diante dessa fúria em cercear, censurar e agravar a imprensa, na

interpretação da legislação eleitoral, A GAZETA deixar (sic) de

publicar, na página 4, como vem fazendo todos os dias, as matérias

dos três candidatos a prefeito de Rio Branco. O espaço ficará em

branco até que se tenha um entendimento mais democrático da

legislação.

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A irritação voltaria no dia 27, em matéria intitulada Cresce indignação da

grande imprensa com a censura eleitoral no Acre. A chamada de capa tenta expor

as opiniões divergentes, no Judiciário, no Ministério Público, na própria imprensa e o

TRE, sobre a mudança no marco jurídico:

O presidente do Tribunal Regional Eleitoral, desembargador Arquilau

de Castro Melo, disse ontem não existir nada que proíba a imprensa

de trabalhar na cobertura da campanha eleitoral. Segundo ele, tudo

depende da interpretação que a Justiça fará sobre cada caso que

será denunciado sobre as propagandas irregulares. Em São Paulo,

durante encontro de jornais da ANJ, realizado na última terça-feira,

ficou confirmado o repúdio à censura eleitoral no Acre. A repercussão

na mídia nacional ainda é grande. A decisão do juiz Longuini em punir

a imprensa no Acre causou indignação à grande imprensa de todo o

país.

A mesma edição traz uma carta, impressa em fundo azul e caracteres

brancos – as cores da campanha peemedebista – assinada pelo candidato do

PMDB à prefeitura, Flaviano Melo. Intitulado As lições do nosso Bispo, o documento,

enviado pelo bispo da Diocese de Rio Branco, Joaquín Fernández Pertínez, é

verdadeira declaração de fé e solidariedade cristãs:

Como cristão católico e como homem público, recebi com alegria e

confiança a Carta Pastoral de Don Joaquín Pertiñez, dirigida a todas

as comunidades da Diocese de Rio Branco. Suas palavras

orientadoras carregam a sabedoria dos verdadeiros pastores do

Evangelho e, preservando a Igreja como templo da salvação, reserva

a preocupação que todos devemos ter com o bem-estar comum para

o exercício livre, democrático e civilizado da cidadania. A Carta

Pastoral de Don Joaquín e seus “Dez Mandamentos” para eleitores e

candidatos é um roteiro indispensável a todos que desejam a política

como instrumento do bem para a paz e o progresso da nossa

comunidade.

Don Joaquín oferece aos católicos, à (sic) todos os cristãos e às

pessoas de boa vontade, conselhos que nos ajudam a encontrar com

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segurança o exercício da cidadania e da política respeitando os

princípios sagrados da religião.

Lutar por uma arma pacífica e solidária, cultuar a verdade e não

prometer o impossível, buscar o bem-estar de todos e combater os

privilégios, respeitar a maioria e agir democraticamente, trabalhar em

favor da vida e combater a miséria e a fome, zelar pela ética e pela

honestidade; são essas, entre outras, as lições que tão sabiamente

nosso bispo dirige a todos nós, candidatos e eleitores.

Com fé em Deus, vamos fazer dessa jornada o exercício dos valores

pregados por nosso Bispo, para que possamos “exercer a ciência e a

arte de promover o bem comum”.

A batalha se explica pelo endurecimento do novo Código Eleitoral, a Lei

9.504/97. A disputa pelo direito de influenciar no voto do eleitor esbarrava, agora,

em detalhes jurídicos que exigiam, entre outras providências, que textos sobre os

candidatos fossem apresentados com os dizeres “informe publicitário”, tentando

vetar assim a prática, de velha data no jornalismo acreano, de enfatizar as ações

dos aliados e omitir as dos opositores para influenciar no voto do eleitor.

A queda-de-braço com o Judiciário ganha contornos dramáticos em 8 de

agosto, quando, faltando menos de dois meses para o pleito, A Gazeta circula com

uma tarja preta no canto superior esquerdo da edição e três palavras assombrosas

na manchete principal: A censura voltou. Abaixo, em três colunas, texto assinado

pela editora assistente, Lilian Orfanó, informa que o TRE julgara improcedentes os

recursos apresentados pela TV Rio Branco, jornal A Gazeta, A Tribuna e Página 20,

que haviam sido multados pela Justiça em primeiro grau. No último parágrafo,

comentando o julgamento, o texto desvenda a razão do resultado no TRE:

Segundo os juízes relatores Pedro Ranzi e Cezarinete Angelim, a

imprensa e os candidatos estariam usando a liberdade de expressão

pregada pela Constituição Federal para promover propaganda

eleitoral irregular.

Apesar do ataque à liberdade de expressão, o jornal já se adequara ao novo

marco jurídico. No canto inferior esquerdo, devidamente circundado por uma tarja

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onde se lia, acrescido do “informe publicitário” exigido por lei, figurava notícia sobre

um comício da FPA no bairro 6 de Agosto.

A partir da vitória de Flaviano Melo para a prefeitura de Rio Branco em

outubro de 2000150

, A Gazeta passa a adotar um novo comportamento: enfatiza as

ações da prefeitura de Rio Branco e aponta várias denúncias contra o governo do

Estado. A guinada representa um retorno de A Gazeta ao seu habitat político natural

– o PMDB – e pode ser tomada como resultado direto da vitória peemedebista: a

mudança editorial ocorre antes mesmo da diplomação dos eleitos. Tanta pressa

também é explicável: o mandato de Jorge Viana no governo terminaria em 2002. O

do novo prefeito, só em 2004.

É nesse espírito que, a 2 de novembro de 2000, menos de um mês após a

eleição de Melo, o jornal já investe contra Viana: PMN desmonta manobra do

Governo e Sérgio “Petecão” sai enfraquecido para disputar reeleição na Assembléia

é a matéria principal da editoria de política, seguida de outra: Nabor desafia senador

do PT.

O mesmo tom encontra-se na edição de 22 de novembro, quando um longo

editorial de capa mostra que a mudança editorial era pra valer. Intitulado A próxima

vítima, o texto faz a defesa do diretor da Polícia Federal no Estado, Glorivan

Bernardes, acusado de corrupção. E acrescenta:

Onde estão os fatos, onde estão as provas de que o superintendente

exorbitou ou prevaricou em suas funções, para “assessores do

Governo” jogarem, irresponsavelmente, na mídia nacional, que ele

tornou-se um policial “suspeito”, para apurar o que vem ocorrendo

atualmente no Acre?

Que “ameaças” são essas se os “ameaçados” vão fazer compras nos

supermercados da cidade, de bermudas, à vontade, ou freqüentam

forrobodós em clubes?

Não há provas, não há fatos. Há a torpe difamação, que tem sido,

aliás, o sucesso real deste Governo: sua capacidade de difamar,

chamando os que não rezam pelo seu breviário de “ladrões”, de

“quadrilhas” e, agora, a categoria mais nova, a dos “suspeitos”.

150

O peemedebista venceu Raimundo Angelim por 3.451 votos de diferença, no primeiro turno.

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157

No final do texto, o ataque é direto:

Se o Governo local está em apuros com seus adversários políticos,

que dê o seu jeito. Se foi derrotado nas eleições municipais, mesmo

com uma campanha cara e perdulária, problema dele. Se fez planos

para ficar 20 anos no poder e se sente ameaçado pelas urnas em

apenas dois, que se entenda com a sociedade que frustrou em suas

esperanças.

Se o Governo não consegue cumprir com suas promessas de

campanha, que reconheça a sua incompetência.

O que não se pode mais aceitar neste Estado é a empulhação, a

retaliação, a perseguição mesquinha, essa papagaiada na mídia

nacional, valendo-se inclusive da boa fé do presidente da República.

A mesma edição traz matéria intitulada Governo tenta impor lei do MP. A

matéria, porém, esclarece que trata-se de um projeto de lei concedendo autonomia

administrativa ao Ministério Público do Estado. O projeto, enviado pelo Executivo, foi

retirado de pauta pelo deputado estadual João Correia, do PMDB.

Em dezembro A Gazeta intensifica o novo estilo: Adair Longuini diz que

governador não conhece a Constituição é o título de matéria que aborda uma greve

realizada pelos juízes acreanos. Longuini era o “juiz da propaganda”, que, segundo

o diário, insidiosamente teria atropelado o direito de livre expressão dos jornais há

menos de quatro meses. Na mesma edição há denúncias contra as obras

inacabadas do Parque da Maternidade e a demora no atendimento a uma criança

internada há 19 dias na Fundação Hospital do Acre (Fundhacre). Contrastando, as

matérias relacionadas à prefeitura de Rio Branco são verdadeiras peças

publicitárias: Prefeitura promove mostra escolar e Shopping dos Catraieiros é novo

centro de consumo são as manchetes.

Na capa de 13 de dezembro, abaixo da matéria intitulada Sindicatos

protestam contra Governo, abordando uma manifestação conjunta do funcionalismo

público estadual em busca da correção do Plano Bresser, outra matéria intitula-se

Flaviano confirma secretariado municipal.

Por conta da mudança provocada no pós-eleição, 2001 começaria quente. A

edição de 3 de janeiro trazia imagem da fotografia com a entrega da faixa de

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prefeito para Flaviano Melo por Mauri Sérgio em uma bela solenidade que A Gazeta

homenageou com o texto Flaviano assume com propostas criativas. A manchete

principal contrasta: Saúde estadual está um caos. O subtítulo: Parte dos postos da

capital funciona com número reduzido de médicos e população não consegue ser

atendida em condições no Pronto Socorro. Acima, nova matéria sobre o Executivo

estadual: Governo veta emenda que beneficiava a população.

Na edição de 13 de fevereiro de 2001, novo contraste: Flaviano apresenta

nova logomarca da Prefeitura Municipal de Rio Branco. No rodapé: Matrículas sob

suspeita na rede estadual. O mesmo a 13 de março: Flaviano discute com FIEAC

problemas da indústria no Estado e Agentes de saúde perdem emprego. A 18 de

março: Corrosão ameaça ponte metálica e governo não toma providências e Pró-

bairro chega à Estação Experimental (ilustrada com uma grande foto do novo

prefeito abraçado a uma idosa, com a seguinte legenda: Por toda parte Flaviano

Melo é alvo de manifestações de carinho, pelo trabalho que está a realizar, visando

a recuperação da cidade.

Mas é a 21 de março que surge uma nova pista sobre a ofensiva editorial do

diário: uma nota da ANJ é publicada na capa, em papel timbrado, com os seguintes

termos:

A ANJ – Associação Nacional dos Jornais manifesta sua preocupação

com a utilização de recursos públicos para, sem critérios técnicos e

transparência e por meio de corte da publicidade governamental,

punir veículos de imprensa independentes, que noticiam fatos que

desagradam governantes, e criticam os atos e ou políticas de

ocupantes de cargos públicos. A falta de critérios, em alguns Estados

e municípios, se pratica na suspensão da veiculação de anúncios das

administrações diretas e indiretas. Tais práticas são formas de tentar

asfixiar o órgão de imprensa e constituem um atentado à liberdade de

imprensa.

Só a transparência da gestão governamental na aplicação das verbas

de publicidade permitirá a verificação da razoável proporcionalidade

da distribuição dessas verbas entre os órgãos de imprensa de

qualificação assemelhada. De outra parte, a substituição dos critérios

técnicos e administrativos razoáveis por mero arbítrio, incentivará o

abuso de poder, a retaliação política e a crítica redução da

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159

independência da imprensa, com a violação do direito do cidadão ser

informado.

A Associação Nacional de Jornais vem a público para enfatizar a

obrigação de os administradores públicos adotarem exclusivamente

critérios técnicos e transparentes na aplicação da verba de

publicidade legal e institucional, aceitos e praticados pelo mercado, e

alertar sobre a necessidade de obediência às disposições legais

vigentes.

O governo Viana, sob ataque, cortara o repasse para A Gazeta, fonte de

renda estratégica para a sobrevivência da empresa. A confirmação da suspensão,

sinalizada nos embates ferrenhos que o jornal travara sobre a falta de

“transparência” na distribuição da verba publicitária, seria confirmada em 20 de abril.

Nesta data, o diário – em novo e longo editorial de capa – afirma que “decidiu, há

três meses, não manter qualquer relacionamento comercial com ele [o governo

estadual]”. O pagamento fora interrompido no começo do ano, precisamente quando

a campanha anti-governo, iniciada no penúltimo mês do ano anterior, estava no

ápice.

O manifesto publicado a 20 de abril aproxima-se dos libelos típicos do

jornalismo provinciano da Velha República. Com o título Explicação necessária,

argumenta-se:

Admite-se a inquietação do governo com recentes acontecimentos

políticos que lhe são desfavoráveis. Admite-se também que seja

grande a frustração do mesmo governo, ao perceber que não

consegue o controle absoluto dos meios de comunicação locais. Não

se admite, porém, que encontre, na leviandade, via de escape para o

desespero que não consegue disfarçar.

(...)

É preciso agora informar o leitor que não têm sido poucas as ofertas

em dinheiro para silenciar críticas aos atos da administração pública

estadual. Todas têm sido recusadas. Este matutino se dispõe

somente a vender espaço para a inserção de propaganda do

Executivo, nos limites previstos em Lei.

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O texto também refutava antiga acusação: a de que Flaviano Melo era seu

sócio-proprietário. A linguagem é indignada:

A GAZETA desafia publicamente e desde já, o governo do Estado, o

senhor Aníbal Diniz e o senhor Edvaldo Magalhães a provarem

perante a comunidade acreana essa pretensa ligação societária entre

este matutino e o senhor Flaviano Melo. Como lhes é impossível fazê-

lo, não há como não dizer que usam de mentira descarada para

agressão gratuita que lhes identifica a feição politiqueira.

Sentindo-se assim gravemente atingida em sua honra, A GAZETA

antecipa publicamente a decisão de entrar com outra representação

contra o governo, exigindo reparação dos danos morais sofridos, com

a suspeição levantada de ser a empresa propriedade de um político.

Isso poderia – se fosse verdade – lhe restringir a independência

editorial que persegue com afinco.

Ao lado das novas declarações, deixando claros os motivos da mudança de

posicionamento político do jornal, fotografia de corpo inteiro do prefeito de Rio

Branco, acusado de ser sócio do jornal, intitulava-se “Querem atrapalhar nossa

administração”, diz Flaviano Melo. A manchete de primeira página da mesma data

era novo ataque ao Estado: Governo deixa no abandono Praça dos Catraieiros.

A 24 de abril de 2001 viria o ápice do mal-estar entre Estado e A Gazeta.

Intitulado “Carta aberta ao governador”, um documento assinado por Martinello e

datado com o próprio dia da publicação ocupava toda a capa. Ilustrado por duas

fotografias, uma do missivista e outra de Jorge Viana, afirmava que o governo do

Estado patrocinara o sobrevôo de um helicóptero sobre a casa de Martinello para

elaborar matéria sobre a luxuosa residência do empresário. Novamente, acusa o

governo de cercear a liberdade de expressão e controlar o conteúdo do que era

noticiado nos jornais.

Novo editorial de capa, menor e mais conciso, abordando a violência urbana,

sai a 18 de maio. Intitulado O grito silencioso, exigia providências do Estado, a quem

acusava de “insensibilidade e incapacidade em cumprir com uma de suas mais

elementares obrigações: garantir a segurança pública a quem paga impostos e

trabalha”. Ao lado, nova fotografia do prefeito Flaviano Melo visitando um canteiro

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de obras ilustrava a matéria “19 mil moradores são beneficiados pelo Pró-Bairro em

Rio Branco”. Nesse ritmo o jornal antecipava a campanha sucessória de 2002.

Até lá haveria detalhes curiosos. A capa de 7 de junho é emblemática:

enquanto a manchete principal era “Virou piada: governistas vão ‘investigar’

denúncias contra o governo”, outro texto na mesma capa garante que “Povo tem vez

e voz com Flaviano”. O mesmo ocorre a 13 de julho, com três matérias principais:

“Governo enfrenta novos protestos”, abordando a manifestação pública realizada

pelos comerciantes retirados da Praça dos Catraieiros; “Sem segurança pública,

bandidos fazem a festa”; e, sobre a prefeitura, “Capital vira um grande canteiro de

obras” – com a costumeira fotografia do prefeito Flaviano Melo.

A 24 de agosto de 2001, uma surpresa: “O dia em que Flaviano chorou”, título

de um texto no topo da primeira página, tenta dar vida a uma nova fotografia de

Melo, abraçado a uma criança e supostamente choroso. A matéria, emotiva, afirma:

Não foi de ódio, não foi de desespero, não foi por medo. Sempre

impassível durante uma longa e bem sucedida carreira política, tanto

nos bons como nos maus momentos, indiferente às críticas maldosas

dos adversários que o querem destruir, mas jamais desatento às

sugestões que lhe são feitas pelo povo com o qual se mistura

cotidianamente, Flaviano Melo, o prefeito de Rio Branco, não pôde,

não soube ou não quis conter as lágrimas de emoção, de alegre

comunhão com o entusiasmo da comunidade, regozijada – e muito –

com o excelente trabalho que vem sendo feito para recuperar e

embelezar a cidade. Flaviano chorou! Nem nos momentos mais

difíceis da sua vida pessoal alguém, até hoje, testemunhara tal

atitude. Flaviano chorou, abraçado a uma das muitas crianças que,

junto com centenas de adultos, lhe expressaram imensa gratidão pela

recuperação da Praça Amélia Araripe, no bairro do Bosque. A imagem

dispensa mais comentários. Singela, dá uma lição de grandeza.

A mesma edição trazia, no canto inferior esquerdo, a seguinte chamada de

capa: “Governador e assessores podem ser chamados para depor em CPIs”.

A edição de 25 de janeiro de 2002 já traz os primeiros sinais da expectativa

do jornal sobre o pleito que se avizinhava, na matéria “Bocalom pode mesmo ser

candidato ao governo pelo PSDB”. Mas é em março, numa série de reportagem, que

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o jornal ataca o centro da política de “desenvolvimento sustentável” adotada pelo

governo. Uma série de reportagens, baseada em documentos do Banco

Interamericano de Desenvolvimento (BID), financiador do programa, faz diversas

denúncias de irregularidades.

Publicadas entre 19 e 22 de março, as matérias dizem que o governo

ofereceu ao BID quatro florestas como garantia de implantação do seu Plano de

Desenvolvimento Sustentável (PDS), provocando uma investigação formal no

Ministério Público do Estado do Acre. Tudo repercutido com amplo espaço e

chamadas generosas de capa por A Gazeta.

Também em março surge o primeiro texto sobre Alércio Dias, candidato

derrotado do MDA ao governo do Estado em 1998. A matéria, publicada no dia 17, é

uma declaração direta do ex-secretário de Educação do governo Cameli: “Alércio:

“PSDB de Serra usa métodos de Jorge”.

Em abril de 2002, Flaviano licencia-se do cargo de prefeito para disputar o

governo do Estado pelo MDA. A partir daí, com a posse de Isnard Leite, as matérias

exaltando o trabalho à prefeitura deixam de ganhar destaque na capa. A ênfase

continuaria nas denúncias contra o governo e declarações de membros da coligação

adversária. A propaganda do município, no entanto, ainda era publicada

regularmente. A 29 de junho, por exemplo, enquanto a manchete de capa é uma

denúncia poderosa, “Governo acena com R$ 1 mi para convencer tucanos a deixar

o MDA”, no canto esquerdo, de forma discreta, lê-se “Prefeitura leva saúde

preventiva à zona rural”.

A 11 de julho, matéria informa que “Flaviano começa campanha com visitas”.

Na capa, novamente, nenhuma menção aos demais candidatos. O imbróglio com o

TRE também fora, aparentemente, superado. E é sobre irregularidades perante a

Lei 9.504/97 que trata a edição de 16 de julho: “Propaganda ilegal pode impugnar

candidatura de Jorge Viana”.

A partir de 8 de agosto, o jornal intensifica a estratégia de veicular denúncias

contra o governo à promoção dos comícios e demais atos da candidatura Flaviano

Melo. Nesta edição, por exemplo, enquanto a manchete de capa é “TSE manda

cobrir de preto símbolo do ‘governo da floresta’”, a principal fotografia da edição

mostra Melo caminhando ao lado de uma criança em meio a uma multidão no bairro

6 de Agosto. O candidato aproveitara uma data festiva: as comemorações em torno

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da Revolução Acreana exatamente no dia 6 de agosto, data em que foi realizado

também o comício. O título da matéria de A Gazeta, porém, não esclarece o

providencial entrecruzamento de eventos: “Comunidade do 6 de Agosto faz festa

popular para Flaviano”, é o título do texto.

A 13 de setembro, o jornal traz duas fotografias da campanha de Melo na

capa e nenhuma, nem mesmo um texto, sobre os outros quatro candidatos. Viana é

citado apenas em uma matéria que sinaliza o quão longe poderia chegar a

estratégia eleitoral naquele ano: “Filha de Edmundo sofre discriminação em Goiânia”

é o título do texto ilustrado por uma foto que, em segundo plano, traz a imagem de

um quadro do ex-governador assassinado e em primeiro mostra a adolescente com

aparência zangada. Ao lado, acrescenta-se:

Nuana de Almeida Pinto, filha do falecido governador Edmundo Pinto,

foi mais uma vítima da discriminação que os acreanos, sobretudo os

estudantes, estão sofrendo em outros Estados por conta das

declarações do governador Jorge Viana, na mídia nacional, dando a

entender que quem manda no Acre são o “crime organizado” e o

“narcotráfico”.

Um dos familiares do governador Edmundo Pinto contou ontem que,

ao fazer a matrícula num cursinho para o Vestibular, em Goiânia,

Nuana foi abordada pelo coordenador do curso, que foi logo dizendo:

“que terrinha essa tua, hein, dominada por bandidos e

narcotraficantes!”.

Revoltada e chorando, Nuana explicou que o assassinato do seu pai

não foi no Acre e, sim, em São Paulo, e que nada teve a ver com

esses problemas que o atual governador está expondo na mídia

nacional, de forma desonesta, para se promover e encobrir suas

irregularidades.

Nesse ritmo o jornal se manteria. A 22 de setembro, a manchete principal

“Testemunha apresenta amanhã ao MP novas provas sobre compra do apartamento

de Viana” contrastava com matéria de rodapé garantindo que “De Assis Brasil a

Acrelândia, aumenta o entusiasmo popular pela candidatura de Flaviano Melo”.

Em outubro, descuido editorial sugere a que serviam matérias sobre a

“escalada da violência urbana: “Governo perde o controle da violência”, impresso

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em vermelho, tinha como subtítulo “Quatro assassinatos, 8 assaltos e 11 tentativas

de homicídio em 48 horas”, tentando assim mostrar como ineficaz as políticas de

repressão ao crime defendidas pelo diário. No rodapé, com o título “Eleições 2002”

em maiúsculas, via-se duas manchetes sobre a mesma chamada: “Comício de

Flaviano reúne 15 mil em Cruzeiro” e “No domingo, Noite da Paz lota Clube

Juventus”. Era a reta final da campanha.

A visceralidade editorial, deixando clara a opção de A Gazeta e evidenciando

o seu papel como representante de um grupo político, ganha contornos dramáticos

a 3 de outubro, faltando 72 horas para o pleito decisivo. A edição traz matéria

central de duas páginas denunciando uma rede de espionagem supostamente

montada pelo governo do Estado. É veiculada com estardalhaço: “Exclusivo! A face

oculta da perseguição política do governo Viana” e é acompanhada, novamente, por

longo editorial de capa, onde se lê, ao final, “Hoje, eles fazem escuta telefônica,

campana, espionagem. E amanhã?”.

Logo abaixo, reprodução de panfleto de propaganda com as cores e símbolos

da campanha do MDA anuncia “Grande Passeata da Paz e da Vitória” e conclama

um ato público nos seguintes termos:

O MDA convida toda a população para participar nesta quinta-

feira da grande Passeata da Paz e da Vitória. Vista sua camisa azul

ou branca e venha se juntar a esse movimento por um Acre com mais

Democracia e Paz. Vamos caminhar com Flaviano.

Sem assinatura, o convite termina com: “Governador: Flaviano. Vice: Wagner

Sales”. O jornal assumia a função de comitê eleitoral do MDA. A edição traz também

notícia do comitê original: “MDA sem recurso improvisa material de campanha”.

Outra notícia, sobre debate televisivo realizado no dia anterior, garante que

“Flaviano vence debate na TV”.

A 4 de outubro, antevéspera do pleito, A Gazeta escancara com todas as

letras que “Jorge Viana é o dono do Página 20 e da TV 5. Apesar de trazer um

direito de resposta intitulado “Bens do governador foram adquiridos por meio de

financiamento e consórcio”, o jornal continua investindo pesado no embate em prol

do seu candidato. Além da manchete principal sobre a rejeição da prestação de

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contas do governo Viana, no ano 2001, pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE), a

mesma edição traz os textos “Juiz, que defende governador, bloqueia contas”, e

“Passeata da despedida azula Rio Branco”. Duas fotografias, ambas sobre

atividades de campanha do MDA, ilustram a capa.

Em 2002, derrotado Flaviano Melo e o MDA, com a reeleição de Jorge Viana

logo no primeiro turno (em 6 de outubro) e a de Luis Inácio Lula da Silva no segundo

(em 27 de outubro), as denúncias contra o governo estadual começam a

desaparecer dos jornais. A conjuntura política tornara-se desfavorável para ataques.

Por isso, as ações da prefeitura de Rio Branco, comandada pelo MDA, ganham a

mesma ênfase que as ações do Estado.

Começa uma terceira fase para A Gazeta, que divulga as ações do governo e

da prefeitura de Rio Branco ao lado de textos sobre generalidades cotidianas. A

edição de 27 de novembro traz na capa a chamada “Controle do câncer: Saúde

estadual ganha aparelho de última geração para garantir exames gratuitos à classe

de baixa renda” e “Criado sistema inédito de proteção das florestas’ - ambas

comentando políticas estaduais.

A 4 de dezembro de 2002, quando a manchete principal é “Trabalhadores da

BR-317 entram em reserva e estupram 8 índias”, texto secundário informa que

“Reforma secundária vai ampliar reforma do Estado”.

A posição editorial é conciliatória. A 30 de janeiro, A Gazeta publica

“Entendimento e cooperação: Jorge e Isnard acertam os ponteiros”. As duas capas

de fevereiro mostram que o jornal recomeçara a publicar textos positivos sobre os

atos do governo do Estado, incluindo posses de novos secretários e o esquema de

segurança pública para o carnaval. A fase das denúncias calorosas ficara

definitivamente ultrapassada.

A 5 de maio o jornal publica “Juízes entram com representação criminal

contra o governador” e “No Acre, o maior índice de analfabetismo do país”. No dia 8

o ritmo é parecido: “Delegados denunciam: Acre não tem política de segurança” é a

manchete principal. Em 5 de junho, as manchetes “Juízes entram com

representação criminal contra o governador” e “No Acre, o maior índice de

analfabetismo do país” mostram resistências pontuais do jornal à nova fase.

Essas denúncias, porém, eram esporádicas. Não havia o ritmo candente da

campanha eleitoral. Nesta fase, A Gazeta investe pesadamente em notícias sobre

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crimes, que ganham destaque e fotografias generosas na primeira página. Matérias

sobre as ações da prefeitura também ocupam a primeira capa, mas sem destaque.

O diário tentava reencontrar o fio da meada.

A partir de janeiro de 2004, ano de sucessão municipal, sem Flaviano Melo151

no páreo, A Gazeta reaproxima-se da FPA. A ênfase nas notícias sobre crimes

desaparece como haviam desaparecido as denúncias contra o governo. A promoção

dos atos da prefeitura é reduzida significativamente enquanto as notícias favoráveis

ao governo, com Jorge Viana na capa, ganham destaque.

É assim que, a 31 de janeiro, notícia no topo da primeira página anuncia:

“Habitação: Governo entrega novo subsídio”, ilustrada com uma foto do governador

reeleito. O mesmo se repete a 1º de abril, com Jorge Viana à frente da bandeira do

Acre em uma matéria que acentuava o empenho do Estado no combate à violência:

“Governo cobra rigor em investigações policiais”.

A 9 de agosto, já em plena campanha eleitoral, o jornal acentua que

“Indústria de produtos florestais garante emprego e renda no Acre”. As denúncias da

campanha eleitoral passada, sobre as contrapartidas exigidas pelo BID, sequer se

mencionavam. Outro assunto que não se mencionava era o candidato do MDA à

prefeitura de Rio Branco, Marcio Bittar. Pela primeira vez desde que fora fundada,

em 1978, A Gazeta não entrava na disputa política.

Em outubro de 2004, Raimundo Angelim, do PT, vence Marcio Bittar,

consolidando o comando institucional da FPA. A vitória serve para selar o novo de A

Gazeta com os novos comandantes políticos.

Tantas mudanças, porém, atraem olhares desconfiados. Questionamentos

sobre as relações entre o governo da FPA e a mídia começam a surgir no Ministério

Público Estadual (MPE), que instaura um procedimento preliminar para investigar a

verba destinada aos jornais pelo governo do Estado. Flagrada, A Gazeta antecipa a

defesa, e, 20 de novembro de 2005, em editorial intitulado “Nada a esconder”,

publica na capa uma ruidosa declaração de inocência:

Diante dos últimos acontecimentos, envolvendo de forma

inconveniente os veículos de comunicação, esta GAZETA e a Rádio

GAZETA FM 93 têm a esclarecer o que segue:

151

O peemedebista só voltaria à disputa política em 2006, ao ser eleito deputado federal.

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167

1) As relações entre os veículos de comunicação e o Governo do

Estado, através de sua Secretaria de Comunicação, são pautadas

pelo profissionalismo, de acordo com os princípios éticos e da

legalidade. Ao que consta, por determinação do governador do

Estado, o secretário de Comunicação já tomou as medidas

recomendadas pelo Ministério Público Estadual, através da

Coordenadoria do Patrimônio Público.

2) Como os doutos membros do Ministério Público poderão aferir,

através dos demonstrativos que solicitaram aos órgãos de

comunicação, é preciso, contudo, esclarecer que os valores pagos

pelo atual Governo, referentes à veiculação dos seus atos

institucionais e mídia, estão muito abaixo da tabela dos mercados

nacional e regionais. Nenhum órgão de comunicação, pois, está se

locupletando com verbas oficiais. Ao contrário, seus diretores e

jornalistas trabalham com extremas dificuldades, porém, com amor à

profissão e com a consciência limpa do dever cumprido;

3) A rigor, nem em leis de mercado pode-se falar. Primeiro, porque os

valores estão congelados há vários anos. Segundo, porque os

repasses feitos em governos passados e mesmo em prefeituras eram

duas ou mais vezes superiores aos atuais. A verdade é que o atual

Governo paga mal pelo que veicula, abaixo de qualquer referência

mercadológica. Espera-se que os digníssimos membros do Ministério

Público façam as devidas pesquisas, a fim de que prevaleçam o bom

senso e a Justiça;

4) Sem nada a esconder ou a temer e sempre abertos a quaisquer

outros esclarecimentos, só não podemos aceitar que o Ministério

Público ou outras instituições sérias e independentes se deixem

pautar por interesses eleitoreiros ou revanchistas. Até mesmo

candidaturas individuais já postas de alguns políticos e partidos.

Como não aceitamos e repelimos quaisquer tentativas de

envolvimento em esquemas de corrupção registrados em outros

Estados. Quem gosta de lamaçais que se lambuze neles;

5) Os veículos de comunicação deste Estado e seus jornalistas, os

desatrelados de partidos políticos e candidaturas, têm consciência de

seu papel social. Ao contrário do que alguns segmentos pretendem

fazer crer, bom jornalismo é acima de tudo respeito à pluralidade de

idéias, aos direitos individuais e coletivos, capacidade de análise, de

isenção e distanciamento crítico dos fatos. Liberdade de expressão

não pode ser confundida com xingamentos de botequim ou

sangramentos. Isso não é jornalismo. É ressentimento, ódio. Por isso

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168

mesmo, temos questões mais sérias com que nos ocupar, como as

graves consequencias que a degradação ambiental está atingindo de

forma impiedosa nos últimos meses a população deste Estado.

A partir daquela data, editorialmente A Gazeta não teria mais nada, de

fato, a esconder: a eleição de Raimundo Angelim consolidou a FPA no plano

político e homogeneizou a propaganda, disfarçada de noticiário, nesse jornal.

Com Lula na presidência, Jorge Viana reeleito e Angelim na prefeitura, A

Gazeta omite-se da luta política.

Nas capas pesquisadas durante a campanha eleitoral de 2006, por

exemplo, não há sequer menção à candidatura de Flaviano Melo à Câmara

Federal. Também não há menção ao racha do MDA, que naquele ano

disputaria a sucessão de Jorge Viana com dois candidatos: Marcio Bittar pelo

PMDB, apoiado por PDT e PPS, e Tião Bocalom, pelo PSDB, PFL e PTB.

Ambos perderiam para o candidato da FPA, Binho Marques, eleito em

primeiro turno com 53% dos votos.

Esta é a fase de consolidação de A Gazeta como veículo de

informações de obras do governo do Estado, da prefeitura de Rio Branco e

do governo federal.

Processo bastante parecido ocorreu com o jornal O Rio Branco. A

análise das capas entre 1999 e 2006 evidencia que foram também quatro as

fases principais de mudanças na sua linha editorial: a) adesão imediata ao

novo governo (em janeiro de 1999); b) crítica sistemática (fevereiro de

1999/2002); c) crescentes lapsos na oposição (2003/2004); d) uniformização

(2005/2006).

Após uma rápida saudação ao governo eleito da FPA, O Rio Branco

inicia fase intensa de críticas. As capas entre fevereiro de 1999 a outubro de

2002 investem em textos-manifestos, impressos em negrito, com forte apelo

emocional, seguindo a sua tradição. O editorial “O rei está nu”, publicado em

novembro de 2001, ataca diretamente Jorge Viana.

No strip-tease moral estrelado pelo governo Jorge Viana, a

derradeira peça que faltava ser arrancada de sua vestimenta

aconteceu, ato contínuo, à divulgação da escabrosa fita que continha

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a criminosa e imoral gravação entre Dudé e Santana. Crime eleitoral,

crime contra o patrimônio público, crime contra a lei de licitações,

prevaricação e formação de quadrilha (é o feitiço se voltando contra o

feiticeiro) e tantos outros, por certo tirarão da impunidade a verdadeira

quadrilha que continua solta, pois não dá mais para se suportar tanto

descaso. Indignada, a sociedade acreana exige providencias.

Moralmente, a situação ainda é bem pior. Num jogo de cumplicidade,

omissão e co-autoria, já não se pode mais desvincular o festival de

escândalos com os porões da Casa Rosada. Enfim, o rei está nu. O

escândalo Boca-de-lobo, de tão mal esclarecido, o caso do cimento,

pessimamente conduzido, o caso Acrevemlinda, criminosamente

acobertado e mais recentemente a fita Santana/Dudé, um exemplo

típico de corrupção escancarada, eliminaram os últimos resquícios de

moralidade que se poderia supor existir no governo estadual.

Lamentavelmente, mortos os valores morais de uma

sociedade, nada mais resta, senão ao historiador, compor um

réquiem melancólico sobre seus despojos, e como responsável por

essa tragédia moral, o governo Jorge Viana será lembrado ao longo

da história do Acre, desprovido de qualquer saudade. Com nojo,

certamente, isto porque, ao desonesto e ao perseguidor, o nojo é

perfeitamente aplicável. (O RIO BRANCO. Rio Branco: Complexo de

Comunicação O Rio Branco, n. 6.752, 8 nov. 2001)

A eleição de Flaviano Melo, no ano anterior, dera uma sobrevida à

linha editorial da mesma forma que ocorrera com A Gazeta. A estratégia

editorial era a mesma do jornal de Martinello: investir na propagação de

imagens positivas da prefeitura de Rio Branco ao lado de denúncias em

destaque contra o governo. Há uma particularidade: Narciso Mendes lançara-

se candidato a deputado federal pelo PPB para as eleições de 2002.

Além dos editoriais de capa e denúncias contra o governo, O Rio

Branco publica entrevistas com o próprio Mendes. A 28 de fevereiro de 2002,

por exemplo, a capa é ilustrada por uma fotografia do candidato, que declara:

Jorge Viana é responsável por tensão política no Acre. Logo abaixo, outro

texto dava destaque a uma ação da prefeitura de Rio Branco: Municipalização

amplia serviços na saúde.

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170

A 20 de março, nova denúncia contra o governo intitula-se Incra

denuncia: Jorge Viana também ofereceu reserva do Chandless ao BID.

Segundo o jornal, a reserva florestal tinha sido oferecida ao banco norte-

americano como garantia de pagamento de um empréstimo de U$ 70,2

milhões. O texto, que traz uma fotografia do governador cabisbaixo na capa,

é acompanhado de outro, logo abaixo, louvando a ousadia empreendedora

da prefeitura comandada por Flaviano Melo: IPTU: primeiro sorteio de

prêmios acontecerá em abril.

O afastamento de Flaviano Melo da prefeitura de Rio Branco para

concorrer ao governo do Estado, cedendo o lugar ao vice Isnard Leite, não

reduz o ritmo do jornal. A 23 de abril, nova entrevista com Narciso, também

ilustrada com foto. O título é chamativo: Narciso denuncia proposta

“indecente” de Jorge Viana para Flaviano Melo – governador ofereceu o

Senado a Nabor e o Governo a Flaviano, em 2006. Na mesma edição:

Prefeitura reconstrói mercado do 6 de Agosto.

A 4 de maio, mais um candente editorial ocupa quase um terço da

capa. O texto acusa abertamente o governo do Estado de censura e

perseguição, por meio de processos judiciais que classifica como “tortura

psicológica”.

A liberdade de imprensa no Brasil é uma miragem e muitos

jornalistas pagaram e continuam pagando caro por acreditar nela. No

Acre, em que pese não termos chegado ao extremo de assassinarem

jornalistas, as práticas usuais desencadeadas pelo atual governo

contra a imprensa não encontram paralelo na história recente. Quem

lê os jornais “A Gazeta” e “O Rio Branco” não fazem a menor ideia da

tortura psicológica a que são submetidos os seus profissionais –

notadamente do último -, mantidos sob o peso esmagador do tacão

da ditadura dos processos que chegam diariamente. Alguns

jornalistas passam mais tempo em audiências na Justiça do que no

próprio local de trabalho.

Por lei, nossa imprensa é livre para publicar o que quiser, mas

na prática é a lei do poder, dos coronéis, dos tiranetes que se

colocam acima do Bem e do Mal, não admitem questionamentos e

usam de todos os artifícios possíveis e imagináveis para que você,

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leitor, não tenha direito à informação imparcial. (O RIO BRANCO. Rio

Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 6.989, 4 mai.

2002)

A 24 de maio, a manchete principal é Crime eleitoral: governo da

floresta troca licenças de desmate por votos. Abaixo, novo texto informa que

Isnard Leite visita obras no Segundo Distrito. Essa dicotomia frenética se

manteria inalterada até as eleições. Em setembro o jornal intensifica a

batalha: o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), informado que o candidato não

se desincompatibilizara da diretoria da TV e do jornal O Rio Branco como

determina a lei 9.504/97, inicia julgamento do caso. O empresário reage no

jornal, a 13 de setembro, com a notícia Perseguição implacável: Narciso

Mendes é vítima de mais um atentado de Jorge Viana à democracia –

Governistas agem nos bastidores para cassar registro de candidatura do

empresário. O texto de primeira página é contundente:

“Só há uma fórmula para eu perder a eleição no Acre: ou me

eliminando ou cassando a minha candidatura.” Foi assim que o

empresário Narciso Mendes reagiu ao ser informado que o Tribunal

Superior Eleitoral iniciou ontem à noite o julgamento de um recurso

que apela pela impugnação do registro de sua candidatura, provocada

desde o Acre pelo governador Jorge Viana, do PT. Esse julgamento,

no entanto, só deve terminar hoje e ainda há recurso no Supremo

Tribunal Federal. O empresário está tendo o seu registro questionado

por um motivo prosaico: ser dono deste jornal O RIO BRANCO E DA

TV RIO BRANCO. A apelação pela impugnação da candidatura de

Narciso Mendes foi, talvez, o último plano do governador acreano, que

vislumbra como única saída para se reeleger derrotando Narciso, nem

que seja pelo tapetão. Teria esbravejado, dia desses, entre

assessores que, “ou acaba com Narciso ou perde a eleição”, segundo

uma fonte com trânsito livre nos corredores da administração

estadual. A confirmação da trama vem do interior, onde cabos

eleitorais da Frente Popular estão sendo obrigados a dizer, há pelo

menos duas semanas, que não adianta votar em Narciso, afirmando

que ele teria a candidatura cassada. (O RIO BRANCO. Rio Branco:

Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 7.097, 13 set. 2002)

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172

O combate ficara mais intenso: a sobrevivência política de Mendes

estava na berlinda. Até as eleições, portanto, o combate intensifica-se.

Matérias sobre crimes viram epidemias de violência descontrolada. Textos

sobre saneamento básico e mau atendimento nos setores públicos tentam

evidenciar o abandono do Acre. O jornal omite a divulgação dos atos de

campanha da FPA, exalta os “grandes eventos” do MDA e parte em busca de

aliados: a 22 de setembro, entrevista o ex-proprietário do Página 20, Antonio

Stelio de Castro. O texto: Jornalista tira a máscara de Jorge Viana: JORGE

VIANA MENTE COMPULSIVAMENTE. Stelio mudara de lado depois de

vender o Página 20. 152

Esse ritmo encerra-se, novamente, com as eleições de 2002 e a

derrota de Narciso Mendes, que, eleito deputado federal, tem o registro de

sua candidatura cassada pelo TSE. O empresário, como prometido, recorre

ao STF.

A linha editorial sofre um revés. Ainda em outubro, após o pleito, o

jornal já não se ocupa com assuntos políticos, excetuando a divulgação de

praxe das obras da prefeitura de Rio Branco. Não há mais denúncias contra o

governo do Estado. A ênfase recai sobre a violência urbana, com notícias de

crimes hediondos ocupando as capas diariamente.

A edição de 18 de dezembro de 2002 evidencia a clara consciência do

empresário sobre a importância do jornal. Com o título Narciso Mendes

esclarece boatos sobre seu mandato e apresenta provas de que nunca

gerenciou a TV Rio Branco, o jornal tenta influenciar o julgamento do STF e

reaver o registro da candidatura. O recurso, porém, seria negado.

O episódio marca uma mudança de rumos no jornalismo de O Rio

Branco. Tal como ocorrera em A Gazeta, O Rio Branco investe em mudanças

estilísticas em janeiro de 2003. A principal delas: a inclusão de textos

positivos sobre o governo do Estado nas edições. As denúncias e editoriais

de capa dão lugar a fotografias amplas e manchetes exaltando as realizações

do reeleito Jorge Viana e do governo federal. Este ritmo, também seguindo o

152

Cf. entrevista com Antonio Stelio de Castro, no Apêndice deste trabalho.

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173

exemplo de A Gazeta, intensifica-se expondo a parceria entre a prefeitura de

Rio Branco e o governo do Estado. Isnard Leite e Jorge Viana firmam parceria

é o título da edição de 30 de janeiro de 2003.

Mas é em 20 de abril, com atraso de três meses em relação ao jornal

de Martinello, que O Rio Branco anuncia as suas reformas estruturais. Com

Lula na presidência e Jorge Viana reeleito, o jornal decidiu alterar seu formato

editorial, adotando “medidas modernizadoras” para ganhar leitores. Um

editorial de capa sem título, nesta data, explica o seguinte:

No dia em que comemora 34 anos de sua fundação, o jornal

O Rio Branco traz aos seus leitores, parceiros e anunciantes, e à

sociedade acreana, algumas mudanças em seu formato, que deverão

ser aplicadas e melhoradas nas próximas edições. Mesmo tímidas,

essas mudanças primam pela qualidade e pela modernização do mais

tradicional veículo de comunicação impresso do Acre. por tratar-se de

edição comemorativa, as mudanças de ORB de hoje não

representam o que se pretende para o seu dia a dia. Nas próximas

edições, traremos, junto com o novo layout, melhor distribuição de

páginas, matérias e assuntos. Novas colunas, com mais informações

aos nossos leitores, também comporão esta nova fase de ORB.

As mudanças, que vêm acontecendo gradativamente,

também se aplicarão no contato com leitores, anunciantes, parceiros

e a sociedade em geral. Endereços eletrônicos para todos os setores

do Jornal estão sendo criados para facilitar o acesso, a crítica e o

repasse de informações.

Nos próximos dias, essas mudanças também constarão em

nossa edição eletrônica na rede mundial de computadores, a Internet,

no endereço: www.oriobranco.com.br.

Na busca incessante por um jornalismo de qualidade, pelo

bem-servir à sociedade acreana, informando, formando opinião e

denunciando a corrupção, a má aplicação dos recursos públicos e as

mazelas que afligem àqueles que mais necessitam de apoio – nossos

excluídos – é que todos os setores de ORB se empenham em

apresentar um Jornal mais moderno e dinâmico.

A direção e a diretoria-geral de ORB reafirmam o seu

compromisso com a imparcialidade, com o bem-informar, com a

liberdade de imprensa e de expressão, na busca de uma sociedade

mais justa, mais igualitária.

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174

A independência, com o não-atrelamento à nenhuma forma

de poder, é a nossa principal ferramenta. (O RIO BRANCO. Rio

Branco: Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 7.673, 20 abr.

2003)

A 8 de maio de 2003, uma alfinetada: Governo arruma a cidade para

receber o presidente. Era também ligeira divergência, possibilitada em larga

escala pelos recursos da prefeitura de Rio Branco com publicidade.

O novo tom do jornal aparece claramente na capa de 7 de setembro,

em matéria sobre o desenvolvimento sustentável, furiosamente combatido por

O Rio Branco. O texto, intitulado Desenvolvimento sustentável em questão,

traz chamada de capa:

O desenvolvimento sustentável, adotado pelo Governo do

Acre, o “Governo da Floresta”, há quatro anos e oito meses, como

política principal, está na pauta de debates. Sem apresentar ainda

resultados satisfatórios, o modelo é questionado por quem esperava

mais. Seus operadores dizem, porém, que o projeto não pode ser

desenvolvido a curto e médio prazo. (O RIO BRANCO. Rio Branco:

Complexo de Comunicação O Rio Branco, n. 7.785, 7 set. 2003)

Era o tom conciliatório, ameno, que caracteriza a fase de transição que

o jornal passava para homogeneizar-se editorialmente com A Gazeta. A partir

de setembro, também, matérias sobre crimes ganham destaque menor e as

ações do governo do Estado começam a ter maior destaque. Em 24 de

dezembro de 2003, O Rio Branco anuncia que Angelim será o candidato do

PT à prefeitura de Rio Branco em 2004. A edição não traz informações sobre

as candidaturas rivais.

A partir de 2004, as convenções partidárias confirmam que Flaviano

Melo não disputaria a prefeitura de Rio Branco. O afastamento é um balde de

água fria na esperança do MDA de reaver o poder na capital e força ainda

mais O Rio Branco ao alinhamento com a FPA. O efeito disso na linha

editorial é direto: ao longo de 2004 não há uma só denúncia contra o governo

do Estado.

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175

Eleito Raimundo Angelim o novo prefeito de Rio Branco, inaugura-se a

última fase de O Rio Branco: o alinhamento com a FPA. Os press-releases,

enviados pelas assessorias de imprensa do governo do Estado e da

prefeitura de Rio Branco exaltavam os atos do município e do Estado,

mudando a linha editorial outrora combativa. Assim como A Gazeta, o jornal

não tentaria entrar na disputa pelo governo do Estado em 2006, mesmo com

Jorge Viana legalmente impedido de disputar o terceiro mandato.

Ajudou nesse processo, também igualmente como em A Gazeta, a

implosão do MDA. No caso de O Rio Branco, há uma particularidade: o

partido de Mendes, o velho ARENA, que mudara o nome várias vezes153

,

passando a Partido Progressista (PP) em 2003, era aliado da FPA nas

eleições de 2006. Era a pá de cal que sepultaria, temporariamente, a

possibilidade de uma reação. O Rio Branco se ajustaria, no entanto, à nova

ordem.

Isto não significa, todavia, que todos os jornais reproduzem os mesmos

textos em todas as edições. Os press-releases não são as únicas fontes do

noticiário diário acreano. São também diferentes as equipes de repórteres

dos quatro jornais. Mas no essencial, nas questões relacionadas à política e

os principais acontecimentos do Estado e da prefeitura de Rio Branco, os

textos são os mesmos. Nesses assuntos, os quatro jornais usam inclusive as

mesmas fotografias para ilustrar os eventos de maior importância.

Assim se deu o processo de uniformização editorial dos jornais

acreanos: O Rio Branco e A Gazeta juntavam-se a A Tribuna e Página 20 na

transmissão dos comunicados distribuídos pela Assessoria de Imprensa do

Estado do Acre. O mesmo ocorreria com a prefeitura de Rio Branco. A partir

de 2006, os quatro publicariam os mesmos textos, ensejando pesadas

críticas entre os leitores mais perspicazes.154

153

As mudanças: Aliança Renovadora Nacional - ARENA (1965/1979), Partido Democrático Social – PDS

(1980/1993), Partido Progressista Reformador – PPR (1993/1995), Partido Progressista Brasileiro – PPB

(1995/2003) e Partido Progressista (PP), em 2003. 154

A maior parte dessas críticas ocorre ainda hoje na internet, onde há um número cada vez maior de agências de

notícias virtuais, blogs informativos, fóruns e outras inovações permitidas pelo aperfeiçoamento da rede.

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176

CONCLUSÃO

De acordo com a argumentação desenvolvida, ao longo do processo

histórico de construção da sociedade burguesa e do modo de produção

capitalista o jornal assumiu a posição estratégica de transmissor da ideologia

da classe dominante, usando a concepção de notícia isenta, objetiva e

neutra. Com isso, passa ao largo das contradições de classe e estabelece o

“interesse público” como o único agente legítimo para o progresso social. Ao

interpretar esse interesse, a imprensa estabelece as suas próprias ambições

como sociais, bem como da classe que representa, a classe dominante.

A exposição de notícias supostamente de interesse de todas as

classes sociais é a forma encontrada para orientar a ação dos indivíduos

segundo os interesses que detêm o controle material da sociedade. O

objetivo é fazer com que os indivíduos façam escolhas cujas conseqüências

estão além de seu controle e interesses, notadamente no período eleitoral,

quando os candidatos de preferência de cada jornal são expostos como a

panacéia para problemas ligados à existência das próprias classes sociais e a

luta entre elas.

Como aparelho privado de hegemonia, a imprensa, estruturada em

empresas que concentram cada vez mais formas de mídia na medida em que

se aprofundam as relações capitalistas, produzem a hegemonia ideológica

necessária ao controle ideológico da classe trabalhadora.

No Brasil, as condições específicas de desenvolvimento do capitalismo

levaram diferentes governos a investirem no patrocínio de órgãos de

imprensa, mantendo seus custos em troca da produção de boas imagens.

Nos órgãos de imprensa que denunciavam e combatiam essa e outras

práticas de controle do jornalismo pelo poder político institucional, buscava-se

o livre desenvolvimento dos mercados e o ascenso das suas forças. É o caso

da imprensa das províncias brasileiras durante o Segundo Reinado,

defensoras do republicanismo como regime político por verem nele a

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177

possibilidade de desenvolverem-se suas atividades com a menor interferência

possível do governo central.

Este fenômeno social explica porque as oligarquias seringalistas do

começo do século XX investiram pesadamente na atividade jornalística. Ao

surgir no chão da história a chamada “questão do Acre”, uma profusão de

jornais acompanha o desenvolvimento das relações capitalistas na região.

Produzidos como forma de combate à política alfandegária do governo na

Velha República, defendem reformas condizentes com a sua necessidade de

acumulação, usando linguagem doutrinária e apologética contra o governo.

Diversos elementos históricos, como os processos de ocupação da

Amazônia por meio de iniciativas do Estado brasileiro, nomeadamente nos

anos 40, ajudam a relacionar a comunicação social e as conveniências

políticas. Aprofundando esse relacionamento, é sob o ímpeto do golpe militar

que surge no Acre o primeiro jornal diário, O Rio Branco, que utiliza o

paradigma da notícia neutra para produzir consensos sobre a ordem

desenvolvimentista que se instalara na região. Findo o regime, permanece o

jornalismo funcionalista, então sob o ímpeto da uniformização da linguagem

da imprensa brasileira na redemocratização do país.

No contexto mais amplo da ofensiva neoliberal promovida pelo

Consenso de Washington, que pressupõe o desmonte da máquina pública

para o avanço das reformas do Estado, a corrupção invade os diversos

órgãos públicos do Acre. Surgem daí os jornais A Gazeta, A Tribuna e Página

20, que adotam posições editoriais diferenciadas na medida em que se

alteram as forças políticas no embate pela condução do Estado. O uso de

uma linguagem universalista é o mecanismo pelo qual se fazem efetivar os

valores de uma classe social por todas as classes.

Conclui-se também que os jornais reagiram de forma a barrar a

ascensão da Frente Popular do Acre (FPA), embora as forças políticas

tradicionais do Acre, que eles representavam ideologicamente, estivessem

enfraquecidas pela corrupção em vários níveis do poder político. A batalha

pela condução da vontade do eleitor manifestou-se claramente,

demonstrando o papel ideológico da notícia dita neutra e dos jornais como

instrumentos de suas classes e facções de classe.

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178

Confirmando esse papel, durante o período de consolidação da FPA

no governo do Estado e na prefeitura de Rio Branco, os jornais passaram

paulatinamente a divulgar imagens favoráveis do novo grupo político.

Vale considerar, por fim, que consiste em simplismo reducionista

considerar que a atividade jornalística determina o funcionamento geral do

processo político. A luta de classes, e, nela, as disputas pelo consenso social,

incluem outros aparelhos privados de hegemonia155

tão eficazes quanto a

imprensa informativa. A análise, aqui exposta, específica sobre a imprensa,

deve-se à necessidade de um recorte teórico claro, e, em segundo lugar, à

relevância propriamente dita do jornalismo na disputa pelo comando social,

especialmente no caso do Acre. Isto não significa, no entanto, considerar a

imprensa o agente determinante da luta.

A questão do jornal ser, ao mesmo tempo, aparelho ideológico a

serviço dos interesses da classe dominante e meio de comunicação social,

merece consideração mais detida pelos efeitos paradoxais que pode causar.

Um deles é a omissão científica. A questão crucial dos interesses dominantes

serem conciliacionistas, isto é, de buscarem universalizar-se como valores

humanos, coletivos, universais e atemporais, costuma ser sobejamente

ignorada nos estudos sobre a democratização da própria imprensa. Parte da

bibliografia consultada, inclusive de pesquisadores experientes, mostrou-se

pródiga nesta prática, o que sinaliza o enorme lastro social da ideologia

dominante na atualidade. Cabe, portanto, à pesquisa mostrar que embora a

luta por democracia, liberdade de expressão, leis republicanas e soberania –

dentre muitas outras - sejam contrapontos necessários à perda de direitos

sociais causados, por sua vez, pelo avanço do capitalismo em sua fase

imperialista, todas essas ideias podem ser facilmente apropriadas pelo status

quo na medida em que representam valores universais que pressupõem a

união156

entre as classes – o que, em grande parte, explica a guinada das

esquerdas em direção aos “pactos sociais” no começo do século XXI.

155

Gramsci (1982) considera, além da imprensa, a escola e a igreja como os “aparelhos privados de hegemonia”. 156

É evidente que trata-se de questão bem mais espinhosa do que se propõe neste modesto esforço monográfico.

Cabe ressaltar, a título de exemplos, que o próprio conceito gramsciano de hegemonia pressupõe a capacidade de

unir diferentes classes sociais em torno de projetos de interesse mútuo. Exemplos disso podem ser encontrados

na formação da I Internacional, com grupos trabalhistas, progressistas, social-democratas, comunistas e outros.

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Sendo a união entre as classes o principal efeito das pesquisas que

denunciam o controle do Estado sobre a imprensa, e que reivindicam, em

coro com os proprietários dos jornais, a necessidade de liberdade para que

se possa livremente representar os grupos rivais da classe dominante, a

ciência se dá ao papel de conciliador na luta de classes, mistificando a

realidade e ajudando a manter vigorosa a ideologia dominante. Esta

conclusão é aplicável a grande parte da bibliografia sobre a imprensa na

atualidade, incluindo a acadêmica.

Isso não anula a necessidade crucial de meios de comunicação que

possam alcançar a realidade objetiva. Pelo contrário, é a partir dessa

constatação que se pode desenhar lineamentos para outra imprensa: a

materialidade visceral do conflito social em andamento é ao mesmo tempo o

ponto de partida da reflexão acadêmica sobre a imprensa e a fonte de

matérias-primas de notícias. Exige-se, portanto, o que se pode chamar de

jornalismo radical: um jornalismo com perspectiva de classe social e avesso a

qualquer forma de colaboracionismo burguês, exceto nos casos estratégicos

impostos pela tarefa de construção de hegemonia.

Da mesma forma, não é adequado reivindicar para a imprensa de

lugares diferentes os mesmos marcos analíticos. A imprensa acreana, por

exemplo, segue fielmente os passos do desenvolvimento capitalista na

região: financeiramente dependente do Estado, utiliza-se da imparcialidade

para circular notícias agradáveis aos governos ao mesmo tempo em que não

adota as reformas estilísticas e editoriais presentes em outros lugares –

embora não deixe de exigir maior abertura para reformas capitalistas no

contexto de um projeto de modernização do Estado e da sociedade em geral.

Por sua vez, na imprensa em outros Estados brasileiros ou nos Estados

Unidos encontram-se outras características - lobby midiático de monopólios

internacionais, apoio a políticas beligerantes para obter parceiros comerciais

Outro bom exemplo é a formulação de Lênin sobre o desenvolvimento do capitalismo em condições sociais

adversas ao socialismo, visando a modernização do capitalismo para a sua transição revolucionária ao

socialismo. Trata-se, de novo, de questão espinhosa: a imprensa, representante de grupos políticos dominantes,

ocuparia que papel nesse contexto?

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180

com anúncios milionários etc.157

Analisar a imprensa de locais diferentes sob

o mesmo critério é tentar encaixar o objeto pesquisado a uma teoria, em vez

de utilizar a teoria para captar o movimento do objeto em cada manifestação

social – especialmente se, nesse esforço, adota-se o conceito de imprensa

burguesa livre como sintoma de saúde social.

A questão da imprensa acreana censurada, noticiada várias vezes

pelos próprios jornais a partir da ascensão da FPA, também merece especial

consideração a partir do que foi exposto ao longo do trabalho. Entre 1969 e

1998, enquanto PDS e PMDB se alternavam na máquina pública, os jornais

Gazeta do Acre/A Gazeta e O Rio Branco também se alternavam nos papéis

de acusadores e defensores de projetos político-partidários. O discurso da

censura, portanto, não aparecia por falta de tempo: com eleições a cada dois

anos, os grupos e seus respectivos jornais tratavam de lutar para conquistar o

governo do Estado e a prefeitura da capital. Além disso, espaços importantes

da política foram diversas vezes pelos dois partidos ao mesmo tempo:

Senado, Câmara Federal, prefeituras de cidades do interior e outros.

Somente a partir de 1999, com a posse de Jorge Viana, com especial

vitalidade entre a sua reeleição em 2002 até as eleições municipais de 2004,

com a prefeitura de Rio Branco até então ocupada pelo PMDB/PDS (MDA),

que a censura tornou-se discurso corrente nas matérias jornalísticas e,

consequentemente, na vida social geral. A partir da vitória de Angelim em

2004 as denúncias de censura foram varridas da imprensa.

Teriam os jornais, com essas denúncias, tentado influenciar o

resultado das eleições de 2004? De outro lado, teria o governo da FPA

impedido ou exigido a divulgação de textos ou a edição de imagens?

Qualquer que seja a resposta, deve-se observar que os quatro jornais eram e

ainda são clientes do Estado e dele dependem financeiramente, conforme

atestam seus proprietários. Deve-se observar, ainda, que nas condições

específicas do Acre o trabalho dos jornais gira em torno da valorização de

atos dos representantes do poder, visando capitalizá-los eleitoralmente e

157

A bibliografia sobre o papel mistificador da imprensa norte-americana é vasta, sendo tema inclusive da

indústria cinematográfica alternativa recente. A esse respeito, cf. os documentários “Orwell rolls in his grave”

(Robert Kane Pappas, 2003) e “Todos os homens do quase presidente” (Fábio Alencar, 2011).

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181

obter, ao mesmo tempo, o olhar favorável do cliente poderoso. Quando isso

não ocorreu – quando, por exemplo, o representante do poder pertencia a

agremiação política adversária – o jornal produzia notícias negativas.

Colocam-se, finalmente, perguntas para pesquisas futuras: até que

ponto um grupo político qualquer sobreviveria sem o controle da imprensa no

Acre? De forma mais detalhada: um determinado grupo político, tido como o

braço partidário de uma contra-hegemonia social, que não aderisse à

indústria de versões jornalísticas, não seria duramente atacado até deixar de

existir politicamente? Que tipo de acordos sociais seria necessário construir

para fazer avançar uma agenda social minimamente comprometida com os

interesses da classe trabalhadora? Diante disso, o PT – e a FPA – podem ser

enquadrados nesses critérios?

Soluções simplistas – reduzir despesas com a imprensa, por exemplo

– não elucidam a questão. Trata-se de questão social pungente e profunda,

que requer novas análises. Neste caso, a linha mais coerente deve ser a que

melhor lida com temas complexos. A questão, nesse caso, passaria a ser: até

que ponto esse atual estado de coisas, vigente desde 2004, tem implicações

realmente positivas para o fim da luta de classes?

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APÊNDICE A – Entrevistas com proprietários e prepostos dos jornais.

Entrevista com Sebastião Vítor de Lima, editor-chefe do Página 20

Você começou quando no Página 20?

Em 1996, em meados, maio, por aí. No jornalismo comecei antes, não nas redações

porque eu fui assessor de imprensa do Sesc durante quase 4 anos. Eu atuei sempre

muito próximo da imprensa, fazia sempre um textinho... atuei muito no movimento

político, tive uma atuação política forte...

Em que partido?

PCdoB.

Você é filiado ao PCdoB?

Não, eu fui filiado ao PCdoB.

Mas você era comunista?

Comunista do tipo mesmo tarefeiro, que vai pra rua fazer manifestação, que vai para

o piquete fechar empresa, eu era desse tipo, sim. Lógico que eu amadureci muito,

mas eu era assim. Então com a imprensa eu tinha um contato bem forte e também

com o movimento estudantil, fiz jornalzinho de escola, de grêmio estudantil. Acho

que diretamente com a imprensa, do Sesc pra cá, tem quase 20 anos.

Quando você chegou aqui o Página 20 tinha começado?

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Sim, acabava de ser fundado. Ele foi fundado em março de 1995 e eu entrei um ano

depois. O Página 20 ainda era semanário. Eu participei de umas duas edições do

semanário, que em seguida passou a ser diário.

E como foi a iniciativa de criar o Página 20, de quem veio a idéia?

O Stelio, que foi o fundador, conta muito a história de fundação do Página 20. Ele

trabalhava na Tribuna, tinha amizade com o Elson Dantas, e os dois se juntaram e

criaram o Página 20. E a idéia era fazer um jornal diferenciado. Uma linha política

agressiva, que denunciasse os desmandos políticos e a corrupção porque naquele

período o Acre era um antro de corrupção mesmo, de violência, de tudo que é ruim.

Todo mundo sabe que o Acre era manchete dos jornais nacionais, só incluíam o

Acre para falar mal. Tragédia, corrupção, aquilo tudo de ruim. E o Página 20 quando

surgiu, nesse primeiro ano, entrou já batendo forte com uma linha editorial bem

crítica, denunciando os desmandos políticos que aconteciam no Estado.

Como o jornal pensava em trabalhar a estratégia de renda?

Essa parte eu nunca tive muito contato. Nessa parte eu não sou administrador, não

gosto nem de estar perto. Tanto que chegam aqui as pessoas pedindo orçamento e

eu passo direto para o setor responsável. Para dizer a verdade eu não sei quanto

custa um rodapé, uma publicidade de duas colunas, um anunciozinho pequeno, não

sei quantos assinantes nós temos, não sei. A minha preocupação aqui é somente

uma: é o jornal, a edição, o que vai sair no dia. É isso o que me preocupa.

O Página 20 hoje é acusado de fazer uma linha editorial pró-governo, muito

governista...

É como eu falei, nós tivemos uma linha editorial muito forte, muito crítica. O que nós

visávamos? Nós visávamos uma mudança na política acreana. Nós visávamos a

mudança na defesa do meio ambiente, o desenvolvimento sustentável, visávamos

um governo que fosse diferenciado, um governo que colocasse o Acre na linha do

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desenvolvimento, levando em consideração também o homem que habita essa

região da Amazônia. Nesse sentido nós apoiamos e muito, desde o início, a Frente

Popular, porque víamos nas propostas da FPA uma certa afinidade com o que a

gente pensava para o Acre.

Houve uma convergência de interesses...

Exato. E nós os apoiamos desde o início. E continuamos acreditando nessa política

da FPA, por isso estamos apoiando a FPA e o governo do Estado hoje porque seria

equivocado se nós tivéssemos apoiado durante tanto tempo e agora que eles

chegam ao governo a vai gente fazer oposição. Essa proposição não é correta.

Seria irresponsabilidade nossa se de uma hora para outra passássemos a bater.

Mas não seria possível fazer apenas jornalismo?

Como seria isso? Como seria esse “jornalismo”?

Por meio da imparcialidade, da notícia isenta etc.

Mas isso não existe. Esse discurso da imparcialidade vem do positivismo. Ninguém

consegue ser imparcial em nada. Se você acredita que vai ser imparcial no

jornalismo teria que pensar no seguinte: primeiro que ao sair para fazer a matéria

você já está escolhendo as suas fontes. Na escolha de fontes já estará sendo

parcial. Por que aquela fonte e não outra? Além disso, não há como desprezar toda

uma bagagem política e cultural que você tem. Então não existe esta de

imparcialidade, não existe jornalismo imparcial. Primeiro porque defendemos uma

linha editorial, defendemos um tipo de política. Então o que vamos passar nos

nossos textos? A nossa linha editorial. Nós visamos construir leitores, formar leitores

com base na nossa linha de pensamento que é a nossa linha editorial.

Isso não é um passo à frente do jornalismo?

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Não. Todo jornalismo é assim, todo jornal, seja ele qual for, tem a sua linha editorial

e quando ele forma leitores, forma com base na sua linha editorial. Não é aqui no

Acre, nem em Nova Iorque, é onde for.

Certo, mas existe o discurso da imparcialidade. A maioria dos jornais

acreanos coloca no frontispício, na capa, algum dizer sobre jornalismo

imparcial ou algo do gênero...

Isso é hipocrisia, não há imparcialidade. Claro, não se pode confundir parcialidade

com apologia, com canalhice, com picaretagem. Porque nós temos a nossa linha de

pensamento, nossa linha política. Agora, fazer jornalismo com picaretagem, com

dolo, com maldade, com virulência, aí é diferente. Nesse caso você não é jornalista,

é um pau-mandado, uma pena-paga, como diz muita gente por aí. Mas esse tipo de

jornalismo escreve com base nos interesses de quem paga melhor. Com base em

interesses escusos, deve-se deixar bem claro isso.

O Página 20 recebe dinheiro do governo?

Todos os jornais recebem do governo. Todos os meios de comunicação recebem,

até porque não há uma dessas empresas que possa sobreviver sem o repasse do

governo. Primeiro porque o empresário acreano não tem a cultura do anúncio. O

empresário acha que pode atingir um público bem maior colocando um microfone e

um alto-falante no seu estabelecimento, com um cara berrando o dia inteiro no

ouvido dos clientes, ao invés de colocar uma notinha no jornal, uma inserção na TV

ou no rádio. Mas o Acre está se desenvolvendo agora, nunca teve grande

concorrência. No momento em que começar a surgir a concorrência aí sim, a briga

pelo mercado consumidor vai ser grande e o empresário vai ter que desenvolver a

visão de que realmente precisará anunciar. Quando isso ocorrer, provavelmente os

jornais, a imprensa, os meios de comunicação, poderão se manter normalmente

sem a necessidade do governo. Agora veja bem, o governo é também o maior

anunciante e ao mesmo tempo produz muito em termos de notícia, editais e

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documentos afins, cuja publicação a lei exige. Cada governo precisa ter um plano de

mídia...

E na verdade existe toda uma verba específica no orçamento para essas

publicações...

Sim, porque a lei exige isso. Então nós lucramos... lucramos, não. Nós temos... é o

que financia o jornal? É, praticamente eu diria que 80% da renda dos jornais

acreanos, com exceção talvez da TV Acre, conseguiria sobreviver sem esses

recursos. Dos impressos nenhum sobreviveria.

Quer dizer que se o governo cortasse o repasse hoje todos os jornais

impressos de Rio Branco iriam à falência?

Se não tivesse repasse de nenhuma prefeitura, de nenhum outro órgão público, se

eles fossem se manter apenas com recursos de publicidade e assinatura, não

sobreviveriam de forma alguma.

O Antonio Stelio, um dos sócios fundadores do Página 20, depois que saiu

daqui passou a fazer denúncias de superfaturamento no valor repassado aos

jornais. O que você acha disso?

O Stelio fez essas denúncias, o Ministério Público Estadual investigou, o Tribunal de

Contas do Estado investigou, se não me engano o Ministério Público Federal

também investigou, mas não há uma comprovação. Além disso, os jornais acreanos

cobram bem abaixo da tabela nacional. Você imagina se um jornal local fosse

cobrar meia página do governo utilizando os preços da tabela nacional, se cobrasse

o mesmo valor cobrado pela Folha de São Paulo, Jornal do Brasil e outros...

Mas esses preços não são definidos, pelo menos em parte, pelo fato de existir

mais leitores de jornais impressos no sul-sudeste do que aqui? Os custos com

impressão, por exemplo, são bem maiores para as empresas de lá.

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Sim, mas essa tabela é nacional. É aprovada pela ANJ. Creio que a variação deve

ser pequena, mas provavelmente deve ter alguma coisa com relação ao número de

leitores também. Até porque, imagine só, o governo de SP ou RJ é obrigado a fazer

a sua publicação, como todos os outros. Aí você tem por um lado a Folha com 100

mil leitores, suponhamos, e por outro um jornalzinho de bairro com, sei lá, 5 mil

eleitores. Você acha que se houvesse esta diferenciação segundo o número de

leitores, onde o governo de lá escolheria para publicar o seu edital, no que cobra

mais por ter mais leitores ou no jornal de bairro mais barato porque tem menos? A

lei só manda publicar, mas não diz onde. Então imagine como fica... E na verdade,

se você for levar em consideração isso, nós temos vantagens competitivas em

relação aos grandes jornais, porque os nossos preços estão bem abaixo dos preços

deles. Se levar em consideração apenas o preço do centímetro quadrado ou da

polegada quadrada o governo deveria, na verdade, nos pagar bem mais do que

paga hoje.

Agora, voltando a uma questão anterior, para você o fato do jornal ter uma

linha editorial numa determinada direção que ao mesmo tempo sintoniza-se

com um governo específico, não acaba criando um certo comprometimento do

interesse público? Isso não faz com que ele deixe de ser de interesse público

para ser de interesse do Estado, isto é, do poder?

Eu acho que não. Primeiro que nós não trabalhamos somente com a linha política. E

veja bem, você já percebeu que nós somos o jornal mais premiado do Acre por meio

do prêmio José Chalub Leite de Jornalismo. Nós trabalhamos as matérias políticas,

com certeza, mas também trabalhamos matérias especiais que buscam essa

questão de interesse pelo desenvolvimento sustentável, pela defesa da Amazônia,

pela defesa do meio ambiente, pela defesa do homem. E essas matérias, se você

prestar atenção, o nosso jornal é o que mais publica esse tipo de matéria. Pode

fazer uma pesquisa em qualquer outro jornal local nos últimos 13 anos, que é o

tempo de fundação que o Página 20 tem, não há um jornal nesse período que

publicou esse tipo de matéria do que o Página 20. Isso é interesse público, e muito.

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A gente traz a informação lá do interior, como por exemplo no ano retrasado,

quando a Renata Brasileiro trouxe uma matéria lá do Parque Chandless. Nunca uma

equipe de jornalismo tinha chegado até lá, no finalzinho, onde tinha um professor,

um barquinho em que ele ia transportar os estudantes ä escola. Outra foi a Marcela

Barrozo e o Marcos Vicentti, que subiram o Igarapé São Francisco, falaram do

descaso que se tem com o rio. Quer dizer, isso são matérias de interesse. E são

matérias que criticam a posição tanto do governo quanto da prefeitura, como é o

caso do tratamento que se dá ao igarapé São Francisco.

E quando há um choque entre interesses do Estado e o interesse da linha

editorial, como fica?

Isso acontece de vez em quando. Algumas matérias desagradam, mas a gente

enfrenta. O governo tem os seus interesses, mas nós também publicamos matérias

que não agradam ao governo, ao Ministério Público, à prefeitura, à Justiça Federal...

isso acontece. Nós estamos numa profissão que não se pode buscar agradar todo

mundo totalmente. Quando isso acontece, é claro, temos um tratamento respeitoso

com todos. Com o governo, com particulares que não têm ligação alguma com o

governo, de vez em quando acontece. Nós enfrentamos, nós temos esta

responsabilidade. Tanto que eu sou o editor que está há muito tempo no Página 20.

Já faz cinco anos que eu estou aqui no cargo. Já tive vários confrontos, e se

houvesse esse problema, se o governo interferisse, eu já tinha saído há muito

tempo, já teria pedido demissão. E outra coisa, eu me sinto muito à vontade no

cargo porque eu tenho uma militância política de longa data, tenho conhecimento,

não sou nenhum paraquedista que chegou aqui e ocupou um cargo, eu conheço a

política, apoiei muito a Frente Popular como militante e como jornalista também. Por

isso me sinto muito bem também para criticar, apontar os erros, achar o momento

correto de dizer. Conheço todos os militantes do PT, do PCdoB, bebi muito com

alguns. Brigamos, confraternizamos, discutimos politicamente na época do

movimento estudantil e hoje somos amigos. Não há problema algum.

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Então, em resumo, você acha que esta ligação entre governo e imprensa não

atrapalha a liberdade de imprensa, como apontam alguns jornalistas

dissidentes como o Altino Machado, por exemplo...

Eu acho interessante o Altino, leio as críticas dele. Recentemente ele fez uma crítica

à Renata Brasileiro porque, segundo ele, ela teria ignorado o fato dele ter sido o

primeiro a divulgar umas fotos. O problema é que ele não foi o primeiro a divulgar. O

primeiro a divulgar foi um blog chamado A Flora, de uma tal Mariana. Ela publicou

cerca de duas semanas antes do Altino. Mas como ela publicou as fotos sem

autorização, o fotógrafo viu, reclamou e ela retirou as fotos do blog. Todo mundo

viu, e até aquele momento as fotos não eram públicas porque as informações

estavam sendo organizadas. Mas ela tirou as fotos e logo depois as fotos foram

para o site da Funai. Isso, bem antes de sair no blog do Altino. Eu vi as fotos nessa

fase, e até pensei em fazer uma matéria, mas alguém me disse: “Não, estão

produzindo um material especial e vamos publicar”. Era o pessoal do governo, que

tinha acompanhado o vôo e pretendiam publicar. Então eu resolvi esperar esse

material especial porque aí a gente daria com maior qualidade. Ou seja, as pessoas

que estiveram lá iriam fazer o material. Em segundo lugar, a Renata não é obrigada

a usá-lo como fonte. De forma alguma, não é obrigada a usá-lo como fonte. Por que

deveria citá-lo, se a informação não era exclusiva dele? A informação tinha sido

publicada em diversos sites que não citavam sequer o Altino. Ela pegou as fontes de

outra forma. Não tinha obrigação de citá-lo mesmo! Agora, veja bem. Eu acho que

para ser jornalista você tem que reunir algumas qualidades. Não basta apenas

escrever bem. Tem que ter ética, moral, responsabilidade acima de tudo. Por isso

foi antiético, foi imoral, a forma como ele tratou a Renata no site dele. Foi uma

postura vergonhosa.

Ela o processou?

Não, esse tipo de coisa a gente ignora. Por diversas vezes o Altino também publicou

notinhas... casos em que ele cita o Página 20, mas não procura nos ouvir, ignorando

aquele postulado do jornalismo de ouvir o outro lado. Ele é um tipo que gosta de

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criar polêmica. Primeiro que é muito fácil você se dizer independente e ter alguém

por trás lhe bancando. E não tem publicidade alguma no blog, então é um cara

complicado. Veja, liberdade impõe responsabilidade. É uma balança. Você tem

liberdade, mas a responsabilidade está do outro lado da balança. Tem que ser

responsável em tudo o que se faz.

Quem é o dono do Página 20?

O Elson Dias Dantas Filho.

O Stelio disse que o dono era o Tião Viana...

É, o Ministério Público investigou isso aí também, mas não ficou comprovado nada.

E na verdade, não vejo problema nenhum de um político ser dono de uma empresa

de comunicação. É o caso da Gazeta, por exemplo. Todo mundo sabe quem é o

dono da Gazeta, como ela foi comprada...

Como funciona a infra-estrutura da redação, no tocante à produção de

matérias?

Aqui cada repórter produz três matérias por dia. Como são quatro repórteres, são 12

matérias todos os dias.

E o governo manda quantas?

Cinco, seis, às vezes menos que isso. Temos releases de prefeituras, de

assessorias parlamentares, diversos releases, material nacional que temos das

agências, então são muitas fontes. E às vezes o repórter produz mais, às vezes

produz só uma.

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Entrevista com Antonio Stelio de Castro, ex-proprietário dos jornais Página 20

e A Tribuna

Como você entrou na imprensa?

Eu atuo no Acre desde 1988. Atuava antes em Ribeirão Preto, interior de SP. No

Acre trabalhei na assessoria de imprensa do então governador Flaviano Melo,

depois entrei para um jornal chamado Hora do Povo, que existia aqui e era editado

pelo Suede Chaves. Depois fui para o jornal O Rio Branco, onde criei uma coluna

muito lida chamada Tambores & Tamborins e que depois compraram o meu passe,

levando eu e tudo lá para A Gazeta, incluindo a coluna com o mesmo nome,

Tambores & Tamborins. Fiz essa coluna lá durante quatro anos. E depois desses 4

anos da Gazeta eu saí para fundar o jornal A Tribuna, com o Eli Assem de Carvalho,

50% cada um. E depois eu vendi a minha parte para o Eli e depois de algum tempo

montei o Página 20. E o Página 20 foi um período já quando o Jorge Viana era

prefeito e era o jornal que dava sustentação a ele. Mas foi aí que começou todo o

jornal de combatividade, do engajamento político que a gente tinha em relação à

esquerda.

Antes disso você tinha alguma ligação com política partidária?

Nenhuma ligação, até porque eu estava há 11 anos fora do Acre. Embora eu seja

acreano, morei 11 anos fora do Estado. Em Ribeirão trabalhei em jornal, mas

quando eu cheguei aqui o único laço que eu tinha realmente com a política era da

minha família que era tradicionalmente do PMDB. Eu sou sobrinho do Adalberto

Sena, do José Augusto que foi governador, da Maria Lúcia que foi deputada, do

João José que foi vereador, então a minha família tem um vínculo muito estreito

com o PMDB. Isso no entanto não representava por parte dos filhos um seguimento

dessa linha. Tanto que eu, como fui fundador nacional do PT em Ribeirão Preto,

quando cheguei aqui, embora não fosse filiado, tinha um laço estreito com o PT e a

minha irmã Rosângela Castro era filiada ao PCdoB e ainda é até hoje. O meu irmão

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Glauco Castro era ligado ao PMDB e já o resto dos meus irmãos não tinham vínculo

algum com partidos.

Por que surgiu essa sua idéia de engajar-se com a esquerda?

Por causa da questão ética. Eu já não tinha mais um engajamento de militância

partidária, quando eu voltei. Minha militância partidária foi realmente em Ribeirão

Preto, no PT, mas quando eu voltei para o Acre eu já não militava, mas restou em

mim a questão da luta pela ética na política, na ética na própria vida, na

administração pública etc. Então a minha preocupação era exclusivamente esta.

Como a gente sabia que aqui no Acre os governos eram desbragadamente

corruptos, eu realmente me engajei nessa luta porque a esquerda tinha um discurso

ético. O próprio PT passou 25 anos com um discurso ético extraordinário. Nós

éramos sinônimos de crítica ferrenha em relação à corrupção. Então defendendo

essa bandeira eu achei que através da imprensa, do jornalismo, a gente podia dar

uma contribuição política para o Estado do Acre. E nessa trajetória a nossa idéia

casou-se completamente porque o discurso partidário era o mesmo. Tanto que

quando eu não fiquei na Gazeta, nem no Rio Branco e a minha parte na Tribuna foi

vendida para o Eli Assem, eu acreditava que realmente a gente poderia ter um

órgão de comunicação que pudesse levantar essa bandeira da questão ética. E

assim nós fizemos com o Página 20.

Seu objetivo não era empresarial, era criar uma estrutura de comunicação que

desse suporte ao PT no campo político, é isso?

Não, não ao PT propriamente dito, porque eu sempre reconheci que havia políticos

inclusive da direita que eram éticos, que não eram corruptos, que não se vendiam

porque a honestidade não é um privilégio da esquerda. É um privilégio do ser

humano, daquele que faz essa opção de vida. Por isso tinha pessoas que não

tinham essa mácula que a gente também apoiava, embora eles fossem de outros

partidos. Mas o PT encampava a esquerda no Brasil e no Acre. Então essa aliança

se deu de uma forma natural, tanto que nós abrimos espaço para esses políticos

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que a gente reputava ético. Não abria espaço só para o pessoal do PT. Mas o mais

interessante que surgiu nessa época foi realmente o confronto direto nosso com o

poder estabelecido, com a direita, com o governo, com os vários governos que se

sucederam. Nós partimos para o confronto direto e denunciamos, e marcamos, e

fizemos história recente no Acre justamente por causa desse compromisso. Você

não pode hoje falar da história político-administrativa do Estado do Acre sem citar o

papel que o Página 20 desempenhou.

O Galinho Bom de Briga...

O Galinho Bom de Briga desempenhou um papel de cobrança e que rompeu

corajosamente uma barreira na imprensa do Acre e serviu inclusive para denunciar

a subserviência dos outros órgãos de comunicação.

Quer dizer então que enquanto o Página 20 denunciava os outros

acobertavam?

Acobertavam, porque eles também se locupletavam com o dinheiro público. Não só

com as gordas verbas de publicidade, mas também com outros paparicos que o

governo dava para esses órgãos de imprensa, como, por exemplo, quando foi se

votar a Lei de Extinção do Fundo Previdenciário, que tinha lá milhões guardados

que o governo iria colocar a mão nesse dinheiro e que o governo botou a mão nesse

dinheiro e esse dinheiro evaporou, os órgãos de comunicação também pegaram

uma ponta também nisso. Você tinha lá 8 milhões, deram 100 mil para cada um e o

resto na época era do governo Cameli. Sumiu tudo.

E o Página 20?

O Página 20 batia de frente com o governo Cameli.

O Orleir nunca chegou pra conversar com vocês, nunca buscou a conciliação?

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Da nossa parte, não.

E da parte dele?

Sim, várias vezes. Eu lembro que o governador Orleir Cameli botou o ex-deputado

Alércio Dias para fazer um contato conosco. Esse contato foi feito, nós aceitamos

inclusive a proposta do governo Orleir naquela época com o compromisso que nós

tentaríamos ouvir o lado deles e fazer imprensa de vergonha, objetiva. Fizemos até

um contrato de R$ 22 mil, embora os outros ganhassem R$ 50 mil, R$ 60 mil.

Fizemos esse contrato que só durou um mês porque no segundo mês ele cortou

porque nós continuamos batendo. A gente continuou denunciando. Mas na verdade

foi uma equipe vitoriosa, porque foi uma escola para muitos jornalistas porque nós

efetivamente fazíamos reportagens investigativas, fazíamos um jornalismo corajoso

naquela época. Nesse sentido a gente terminou se sobressaindo. Nós abrimos um

espaço para a esquerda, abrimos um espaço para o PT, abrimos um espaço para o

Jorge Viana, a ponto que todo mundo dizia: “O Jorge Viana tem muito o que

agradecer ao Página 20”.

Qual era a fonte de renda do Página 20?

Nós tivemos um crescimento paulatino. Começamos devagar, porque o Página 20

começou semanário e eu resolvi que ele passaria a ser diário. Então fomos

crescendo, crescendo, crescendo, e ficamos como o segundo jornal mais vendido.

Naquela época A Gazeta vinha em primeiro e nós ficamos em segundo e

mantivemos esse patamar. Também crescemos em assinantes porque instalamos o

telemarketing que nos ajudou bastante. De modo que, apesar de sermos o caçula

da imprensa acreana, éramos o segundo colocado. Também foi o primeiro jornal do

Acre na internet e o segundo a ser informatizado, porque o primeiro foi A Tribuna

que eu informatizei. Eu informatizei o primeiro e o segundo jornal acreano. Eu que

coordenei tudo, fui em São Paulo comprar os equipamentos, paguei curso para os

funcionários. Em ambos. No Página 20 foi até mais tranqüilo, porque eu tinha a

experiência da Tribuna.

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Tudo isso com a receita de assinaturas e vendas em bancas?

Por causa dessa estratégia, mas naquela época já tínhamos alguns colaboradores

do PT. O Jorge Viana dava uma contribuição financeira, até o Nilson Mourão, que é

pão-duro, dava uma contribuição financeira. Maria Antonia dava contribuição

financeira, Naluh dava contribuição financeira. E era com isso que a gente ia

tocando.

Então havia uma militância orgânica entre o PT e o Página 20?

Não era orgânica porque não era contumaz. Não tinha uma regularidade. Tanto que

começamos a rodar o jornal lá no Centro de Trabalhadores da Amazônia (CTA), e

só paramos de rodar lá porque ficou uma dívida enorme que nós não pudemos

pagar. Na época do governador Orleir Cameli rodamos mais de um ano lá no jornal

A Tribuna, com o Eli Assem rodando pra nós.

Como foi a apropriação do Página 20 pelo PT?

Na verdade essa apropriação não se deu de uma forma legal, efetiva, porque eles

não eram donos de direito. Mas eram donos de fato, porque, naqueles dois anos

que o Jorge ficou sem a prefeitura, o Aníbal Diniz, que tinha sido assessor de

comunicação dele, veio para o jornal. Então eles vieram e tinham uma influência

direta na linha editorial. Eu lembro que sentávamos com o Jorge Viana,

planejávamos pautas, fazíamos matérias. Enquanto ele era prefeito nós tínhamos

um contrato com a prefeitura. Era pequeno, mas tínhamos e ajudava a manter

também o jornal. Era um contrato comercial como qualquer outro. Era o maior

contrato que tínhamos, era a nossa maior fonte de receita, mas nessa época eles

não influenciavam tanto. Quando nós tínhamos um contrato com a prefeitura o

processo de hegemonia petista dentro do Página 20 ainda não tinha acontecido.

Mas, e isso parece até um paradoxo, foi justamente quando eles deixaram a

prefeitura e não tinham mais o contrato, eles mais necessitavam porque eles não

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tinham mais o poder. Estavam fora do poder durante dois anos, todos apagados e

sem espaço nos outros jornais. Então eles vieram todos, correram para o Página 20.

E nesse período de dois anos aí sim foi que mais se acentuou a hegemonia do PT

dentro do Página 20.

E você, como os tinha como aliados, manteve isso.

Eu era cúmplice de tudo isso. Eu fazia com prazer porque acreditava que esse

trabalho poderia ter alguma conseqüência ética. E teve, porque nós terminamos

ganhando com setenta e pouco por cento. Lançaram até um candidato laranja que

era o Alércio Dias, que foi candidato a governador disputando com o Jorge Viana.

Por que laranja?

Porque ele saiu só pra perder mesmo, ele sabia que não dava mais. O único que

ameaçava o Jorge Viana era o Orleir Cameli, se ele fosse para a reeleição. Mas ele

não quis.

Houve algum acordo entre Orleir e Jorge Viana?

Eu só fiquei sabendo disso depois, mas durante a campanha teve um encontro

entre o Jorge Viana e o Orleir. E a prova disso é que durante a campanha o governo

Orleir fez um contrato pequeno com o Página 20 a pedido do Jorge Viana. Isso

naquela campanha de 1998.

Mas isso é estranho porque como você mesmo disse os petistas estavam há

dois anos afastados do poder, contando apenas com a oposição jornalística

que desempenhavam dentro do Página 20. Nesse cenário o Orleir poderia fazer

o sucessor tranqüilamente, não necessitaria de acordos com o PT, não acha?

Não, porque todas as pesquisas apontavam o Jorge Viana na cabeça. Ele ficou com

medo de arriscar. Então, o que fez o Jorge Viana? Deu um ultimato nele. Chegou

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nele com uma pesquisa na mão e disse: “Olhe, você fique de fora e além disso

ajude o Página 20”. Disse isso e disse também que não o perseguiria depois. E

cumpriu a palavra. Além de não perseguir, aliou-se a ele. Mas aí quando assumiu

em 1999 passou-se um ano e meio a dois anos a gente ainda acreditava que

poderíamos fazer uma revolução ética na administração. Mas eu percebi, um ano

depois, que era apenas o outro lado da mesma moeda na questão ética. Porque a

gente começou a perceber que o modus operandi era o mesmo do governo da

direita. O trato com o dinheiro público, a questão das licitações dirigidas, o

apadrinhamento, o surgimento de “novos ricos”, tudo isso eu comecei a perceber um

ano e meio depois. No início de 2000.

Você pode citar algumas dessas práticas?

A primeira coisa que me deixou com a pulga atrás da orelha foi logo em janeiro,

quando o Jorge Viana assumiu. Quinze dias depois, duas semanas depois, ele

mandava o pessoal dele nos jornais para pegar a capa e saber o que ia sair no dia

seguinte. O Rio Branco mandava, A Gazeta mandava, todo mundo mandava. Aí

quando chegavam no Página 20, não lembro se era o Dudé que fazia isso ou outra

pessoa, eu respondi: “Eu não mando!”. E fomos o único jornal que se recusou a

mandar a capa. Mas a partir dali eu já percebi tudo.

Mas o processo de compra do jornal, como ocorreu?

Primeiro começou a censura. O primeiro ato de decepção minha não foi tanto com a

questão da corrupção em si, porque era muito cedo para se perceber. Mas foi com o

comportamento de censura. Ali com o Jorge Viana começou o fim da imprensa no

Acre. O fim da imprensa no Acre! O Jorge Viana e o PT, nesses oito anos, são os

responsáveis pelo fracasso, por essa situação atual, essa ignomínia na imprensa

acreana. Se hoje não existe imprensa no Acre, foi o PT que destruiu. E esse

processo se iniciou no primeiro mês do governo do PT em 1999, quando o Jorge

Viana assumiu, ao exigir que os órgãos de comunicação enviassem com

antecedência, na noite anterior, o que iria sair na publicação do dia seguinte. Os

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outros jornais, como cordeirinhos, fizeram esse tipo de jogo. Eu me neguei a isso e

nós não fizemos isso. Porque nós até apoiamos o governo ideologicamente e

publicávamos, participávamos, fazíamos tudo o que era possível para dar apoio a

esse novo projeto. No entanto, a prática autoritária e centralista deles foi se

revelando aos poucos. Nós percebemos isso e daí eu comecei a perceber também

que ele já estava se aliando com os outros órgãos de comunicação que eles

combatiam, que ele já estava se dando bem com Orleir Cameli.

Então essa sua descoberta sobre o acordo com o Orleir Cameli foi posterior?

Sim, foi a posteriori. Eu percebi que ele estava se dando bem com o governo porque

o próprio Aníbal Diniz na época veio me pedir para não bater no Orleir. Antes me

pedia para bater, depois que assumiu me pedia pra não bater porque tinham

interesse, já vislumbravam as eleições municipais que tinham pela frente e

contavam com o apoio do Orleir Cameli. Aí eu comecei a perceber gente ganhando

dinheiro, comprando carro, já tinha os pasteiros, que todos nós combatíamos antes,

se dando bem no governo, o próprio governador intercedendo e dando grandes

obras para Orleir Cameli, para grandes empresários que sabíamos que se

locupletavam nos governos anteriores. Surgiu o caso boca-de-lobo na Secretaria de

Educação, o caso do cimento em Tarauacá e começaram a surgir esses casos

todos. E a censura forte em relação à imprensa, uma coisa horrível. Jornalistas

eram perseguidos, demitidos. E foi então que eu me decepcionei e resolvi vender o

jornal.

Para o Jorge Viana?

O jornal foi comprado, eu acredito, com dinheiro público. Porque ele foi intermediado

por um empresário que é testa-de-ferro e financiador da campanha do senador Tião

Viana. Era o Pedro Neves, que era gerente da Takeda, que montou uma empresa

de cimento com o Tião e hoje é o dono da TV 5. E que é um dos alicerces

financeiros do senador Tião Viana. O Pedro negociou, me pagou, o dinheiro veio

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através dele e ele colocou o jornal em nome de outra empresa e não no da empresa

que consta no contrato.

Uma empresa laranja?

Isso. Então, na minha consciência o Página 20 foi comprado pelo grupo do senador

Tião Viana.

Então o Página 20 não pertence na prática ao empresário Elson Dantas?

Eles podem até dar de lambuja esse jornal para o Elson, mas vão dar só o título

porque eles controlam tudo financeiramente ali, a tal ponto dele não ter sede

própria, não ter nada. Nem sede eles têm, é alugado. Onde funciona a gráfica é do

Severiano. E no alugado é daquela imobiliária do Jurilande.

Você acusa o governo de controlar a linha editorial dos jornais. Como

funciona isso na prática?

Principalmente na questão financeira, mas há outros meios. Eles, por exemplo,

pressionaram A Gazeta com a questão financeira, por meio da política e com

processos. Com O Rio Branco foi ali uma coisa ferranha, pisando no pescoço

mesmo. O Eli Assem eles controlam por meio de verbas, de Diário Oficial e de

ameaças com os processos dele, aqueles que ele foi condenado a 30 anos de

cadeia. E eles jogam bruto. Jogam bruto a tal ponto de grampear telefones. O

controle se deu na marra e foi uma coisa tão forte e sistemática que o governo

acabou por domesticar os donos dos jornais. A imprensa no Acre ficou domesticada

no segundo ano do governo Jorge Viana. Totalmente servil. Você podia pegar um

jornais e ler todos na época do Jorge Viana.

E hoje não é assim?

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O Binho não tem essa preocupação. O Binho não fica mandando colocar matéria,

mandando tirar matéria, criticando isso, criticando aquilo. O problema é que eles já

estão viciados. O Jorge Viana colocou um vício no DNA dos jornais acreanos.

Lembro que numa certa época vinham matérias prontas direto da Secretaria de

Imprensa do Governo do Estado. Isso aconteceu na sua época também?

Aconteceu sim, nós recebíamos material. Só que o Página 20 em relação ao

governo, quando ele assumiu, tinha uma coerência. Os outros não, os outros

mudaram. Todos os que eram contra o PT passaram a ficar a favor. Nós, não. Nós

lutamos para colocar o grupo no poder e lutamos para sustentar. Então durante o

governo eu isento o Página 20 de qualquer crítica de subserviência porque ele

estava numa coerência, ele vinha lutando, dava sustentação ao grupo e

conseqüentemente daria também sustentação no governo. Então ele dava esse

apoio porque existia uma coerência. Já os outros, não, sempre foram contra a

esquerda e se tornaram depois a favor.

Você chegou a ser ameaçado ou perseguido por suas declarações depois de

romper com o governo?

Eu paguei muito caro, não só por ter me tornado o segundo jornalista mais

processado do Brasil, segundo a própria Federação Nacional dos Jornalistas

(Fenaj). O primeiro é o Hélio Fernandes, da Tribuna da Imprensa, e o segundo sou

eu.

Quantos processos?

São 117 processos.

E quantos desses são do PT e do Jorge Viana?

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Isso é engraçado, porque antes os meus processos eram todos do pessoal da

direita. Hoje são todos do pessoal da esquerda. Então eu tenho processo dos dois

lados. Eu ganhei processos defendendo o Jorge Viana e ganhei processos do

próprio Jorge Viana. Teve isso e teve também as agressões. A primeira foi lá no hall

da Assembléia Legislativa, quando nós denunciamos os pasteiros.

Pasteiros são empresários que fazem esquemas e dirigem licitações? Você

soube de algum caso específico de fraude em licitações?

Exatamente. Havia empresas que vendiam, por exemplo, 2 mil, 3 mil carteiras

escolares e só entregavam 200, além de ser superfaturadas. E tinha aqueles

pasteiros que vendiam da agulha ao avião, embora não tivessem nada. Era tudo

esquema de superfaturamento, no rachachá com algumas autoridades.

O Eli Assem era um desses?

É. Todos. Era um grupo grande, muito grande. Então essa denúncia mexeu com

muita gente dos esquemas, da máfia, e daí resultou que eu fui agredido literalmente

mesmo, quebrei dente e tudo. Foi o irmão do Elson Santiago, que era deputado. O

pessoal do Santiago, da família Santiago. Depois eu fui na Polícia Federal, teve toda

uma conseqüência. E a segunda agressão foi até mais grave, com o Roberto Filho,

que invadiu a redação do jornal com um revólver na mão. Me agrediu e tudo. Mas

eu não me intimidei, denunciei ele e tudo. Agora, a pior de todas mesmo foi a

ameaça de morte. Eu sempre falo isso, devo a minha vida ao Amaraldo Pascoal,

porque isso foi no dia em que um pistoleiro foi lá para a frente do Página 20 me

tocaiar para me matar. Ele passou todo lá e não me matou, eu escapei. Três meses

depois é que eu fui saber da história. Naquele dia o Amaraldo Pascoal, que era

vereador, tinha passado um dia inteiro comigo, foi almoçar comigo, voltou, ficou lá

pelo jornal, saiu à noite comigo e fomos na Água na Boca tomar um chope e ele viu

um motoqueiro lá na esquina. Ele se levantou e foi lá onde estava o motoqueiro e

perguntou: “O que você está fazendo aqui?”. E o motoqueiro: “Eu vim pra fazer o

Stelio, porque me mandaram pra ele não passar de hoje”. E o Amaraldo encarou ele

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e disse: “Vá pra quem lhe mandou e diga que com ele ninguém mexe, porque ele

está comigo”. Aí o cara deu meia volta na moto e vai embora. Meses depois o

Amaraldo foi inclusive preso e quando eu fiquei sabendo disso ele já estava preso.

Por isso eu sempre mandava livros pra ele, meu irmão sempre ia visitá-lo, embora

eu nunca tenha ido. Mas em agradecimento a isso, eu enviava livros. Esse foi o

caso mais grave de todos os processos, agressões e tudo o que eu já sofri até hoje.

Como funciona o superfaturamento da verba de mídia?

Funciona da seguinte maneira: eles fazem um orçamento, por exemplo, de 2

milhões, 3 milhões de reais anuais. Então dão uma cota para cada órgão de

comunicação, mas desse montante já separam 20% para as agências.

O que são agências?

De propaganda. Na época do Orleir era a Asa, hoje é a Companhia de Selva. Bem,

eles tiram 20% de 2 milhões, por exemplo. São R$ 400 mil. Desses 20% eles dão

R$ 50 mil para a agência e o resto é esquema de distribuição. Nas cotas de

distribuição para os jornais eles dão, por exemplo, R$ 80 mil para A Gazeta, mas

não chega a ser R$ 80 mil, lá chega somente R$ 60 mil. No caminho come-se R$ 20

mil. É a roubalheira que os espertos, os espertalhões da área chamam de

“capação”. Vão capando. Capa de um, capa de outro, é assim que acontece na

verba de mídia ainda hoje. Capam tanto dos 20% da agência quanto das cotas para

os jornais. Nisso eles pagam a mídia e tiram dinheiro para reserva de campanha

eleitoral, fundos de campanha eleitoral, tiram dinheiro para pagar deputados, para

dar para secretário, para vários esquemas. De modo que a corrupção continuou no

governo Jorge Viana, não mudou nada.

Qual é o percentual de dependência das empresas em relação ao dinheiro do

governo?

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Para alguns jornais é 100%. Pra outros é 90%. Por exemplo, para A Gazeta

representa 90%, porque A Gazeta criou uma estrutura mínima. Hoje ela caiu muito,

perdeu a credibilidade, mas quando ela tinha muita credibilidade tinha muitos

comerciais e propagandas. Eu lembro que numa época só os classificados da

Gazeta rendiam R$ 17 mil. Tinha anúncios de empresas particulares, autarquias,

governo federal, governo estadual e governo municipal. Mas o governo estadual

representava 90% da receita, isso em uma empresa que já tinha alguma aceitação e

nome na iniciativa privada, por exemplo. Agora nos demais jornais, que não tinham

essa aceitação, era 100% de dependência.

Se o governo decidisse romper, então haveria uma quebradeira generalizada?

Sim, mas isso se acentuou mais no governo do PT. No governo Orleir os órgãos de

imprensa conseguiam independentemente do governo do Estado, até porque ele

não se mexia para isso, as publicidades federais através dos parlamentares.

Conseguiam também negociar com as prefeituras. Com o PT, não. O PT centralizou

tudo, governo federal, estadual e municipal e fechou tudo. Amarrou a receita dos

órgãos todos. Para você ver como o PT foi tão criminoso em relação à liberdade de

imprensa no Acre que quando o Página 20 estava na oposição nós rodamos

durante um ano na gráfica do Eli Assem e o Orleir nunca questionou isso. Quando o

PT assumiu, pra gente rodar jornal eles fecharam todas as gráficas pra nós.

Nenhuma poderia rodar os nossos jornais.

As gráficas eram advertidas pra não rodar os jornais de oposição?

Isso, a ordem era não rodar os jornais que nós estávamos começando a fazer, a

Folha do Acre, Segunda Feira, jornais de oposição. Eu lembro que uma vez fomos

rodar o Segunda Feira lá na Gráfica do Leônidas e eles foram lá e deram uma multa

de R$ 200 mil no Leônidas. Então eles perseguem. É a famosa perseguição. Eles

perseguem grampeando telefone, botando fiscalização em cima, ameaçando, tudo

isso. Foi uma coisa criminosa em relação à imprensa do Acre. Conseguiram acabar

com a imprensa do Acre, que tem uma história muito bonita. Esse Folha do Acre,

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por exemplo, começou a circular em 1940. Depois o Mário Maia ressuscitou ele na

década de 70 e eu o ressuscitei hoje. Tem várias histórias bonitas de jornais no

Juruá, em Sena Madureira, em vários lugares do Acre. Toda a história recente do

combate à ditadura que a imprensa acreana combateu foi jogada na lata do lixo.

Pelo que você está dizendo, muitas dessas pessoas que lutaram contra a

ditadura quando chegaram ao poder não só reproduziram as práticas de que

elas próprias foram vítimas como também as tornaram mais eficazes, no

sentido de controlar a imprensa. É isso?

Isso mesmo. Aqui no Acre, pelo fato da gente ter vivido pelas entranhas desse

processo, assistimos uma coisa que ninguém acreditaria. Ninguém acreditaria que o

PT controlaria a imprensa com mão de ferro, destruiria inimigos, perseguiria

adversários, destruiria mesmo. Então foi uma coisa muito gritante, muito absurda, e

você percebe que eles fizeram cortaram na própria carne nesse esforço de

perseguição a inimigos e dissidentes.

Por que o Ministério Público não investiga essas denúncias?

Porque uma das primeiras providências do PT foi dominar todas as instituições.

Hoje a Assembléia Legislativa, o Tribunal de Justiça e o Ministério Público não têm

autonomia. Todos eles ficaram servis. Se você pegar a composição do Tribunal de

Justiça hoje apenas um desembargador não diz amém. No Ministério Público, é

99%, 100%, a serviço do governo. Aliás, o Ministério Público do Acre virou

advogado de defesa do governo, extrapolando o papel da própria Procuradoria.

Você diz isso porque o Edmar Monteiro é irmão do Antonio Monteiro?

Também, mas porque eles quando você diz coisa contra o governo o Ministério

Público te processa.

Aconteceu isso contigo?

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Várias vezes. Eu tenho pelo menos uns oito processos de iniciativa do MPE me

acusando de ferir a honra do governador. Processos que foram abertos sem que o

órgão tenha sido provocado. Eles dizem que têm uma brecha na lei que torna

possível abrir processo sem ter sido provocado. Sei lá, sou leigo nessa área, mas o

importante é ver a eficiência do Ministério Público, o zelo que o Ministério Público

tem em defender o governo do PT e os governadores do PT. É um zelo

extraordinário que eles não têm com a camada mais humilde da população que

carece, por exemplo, de ser defendida nos seus direitos. E tem Assembléia

Legislativa, Tribunal de Justiça, os tentáculos de controle do PT são tão grandes

que chegam até nos órgãos privados como o Sebrae, por exemplo. Eles nomeiam

quem eles querem em várias instituições. Eles dominam a Ufac, o movimento

estudantil, tudo. É esse controle absoluto, totalitário, que revela um caráter fascista

do grupo que tomou o poder no Acre há 10 anos atrás.

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Entrevista com Silvio Martinello, proprietário do jornal Gazeta do Acre/A

Gazeta

Como foi a origem da Gazeta, como ela começou?

Bom, aí tem toda uma história. Aqui no final da década de 70... 78, 79, por aí, havia

um só jornal diário. Era O Rio Branco, ligado um pouco aos Diários Associados,

embora já pertencesse aos Tourinhos, de Porto Velho, um grupo empresarial.

Depois veio também um grupo empresarial de Rondônia, do jornal O Guaporé, criar

A Gazeta aqui no Acre. Chamava-se Gazeta do Acre. O dono era outro empresário,

também dono desse jornal O Guaporé. Ficaram então dois jornais. Ele trouxe um

editor de Porto Velho e mais algumas pessoas para tocar o jornal. Na época o

governo era o Mesquita e ele teve muitas dificuldades de implantar o jornal e tocar o

jornal porque O Rio Branco, de certo modo, sempre foi muito ligado a governos e

eles não tiveram como entrar na repartição da publicidade do governo. Então ele,

por uns tempos, acho que por um ano, tocou esse jornal com o pessoal de Porto

Velho, seguindo uma linha mais ou menos independente de governo, e foi quando

nós entramos, o pessoal que ainda fazia o Varadouro. Era eu, o Elson Martins, o

Suede Chaves, o Arquilau e mais alguns. Nós todos chegamos a trabalhar nesse

jornal A Gazeta do Acre lá de Porto Velho. Era uma linha muito livre...

Mas era um jornal de Porto Velho que circulava também no Acre, como era

isso?

Não, lá em Porto Velho o dono tinha O Guaporé e aqui tinha a Gazeta do Acre. E

nós, a equipe do Varadouro, que ainda nós fazíamos O Varadouro, fomos

convidados para trabalhar na Gazeta do Acre. E nós começamos a trabalhar. Era

uma linha muito livre de governo, de amarras do governo, coisa e tal. E na época

também havia... são coisas do Acre, né... havia o monopólio do comércio da carne,

da venda da carne. E era um problema isso para a população, porque tinha que

formar filas para comprar carne, o dono do monopólio aumentava o preço como ele

queria, não tinha controle e A Gazeta entrou um pouco firme na denúncia desse

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monopólio. O dono desse monopólio, que se chamava Wilson Barbosa, e que está

vivo ainda hoje, pegou um avião, nem esperou pelo Boeing, pegou um teco-teco e

foi a Porto Velho onde comprou no cash o jornal. Inteiro. E naturalmente nós que

fazíamos O Varadouro e A Gazeta saímos do jornal. Bom, não tinha condições...

Mas essa compra do jornal não incluiu O Varadouro também?

Não. Isso aconteceu de novo depois com A Gazeta. Então, continuando, ficou

apenas o Suede porque eu, o Elson, o Arquilau, o Alberto também, tínhamos outras

receitas. Eu, por exemplo, era correspondente do Jornal do Brasil. O Elson era do

Estadão, o Arquilau parece que vendia remédios, era representante, coisa assim.

Então nós saímos e deixamos o Suede que só dependia daquilo pra sobreviver.

Mesmo assim no dia seguinte nós voltamos lá. Eu era editor do jornal, o Elson era

diretor. Chegamos lá e encontramos um advogado e a gente já tinha sido de certo

modo marcado pela posição do Varadouro no embate contra a entrada da

agropecuária e encontramos um advogado que também era fazendeiro, de

chapelão, com as botas em cima da minha mesa. Aí eu olhei aquilo, não conhecia o

cara, peguei as minhas coisas e me retirei. O Elson também, mas o Suede ficou.

Eles tentaram fazer o jornal um dia, conseguiram. No outro dia não conseguiram, no

terceiro dia também não. Não dava, não tinha gente naquela época. Foi quando

então o dono do jornal, que era o Wilson, chamou a gente de volta. Ele chegou e

disse: “Olhem, eu comprei o jornal, não vou negar, mas eu gostaria que vocês

voltassem a trabalhar no jornal”. Nós perguntamos: “Em que condições?” E ele:

“Não, vocês estão livres, façam o que bem entenderem”. Mas aí colocamos o

problema da carne, e ele: “Sem problema, desde que me ouçam”. E a partir dali se

estabeleceu até uma certa convivência, tanto quanto possível, entre a gente e o

dono. E é interessante que ele deixou o jornal completamente livre, à vontade, pra

gente fazer uma linha independente até mesmo do governo, porque dependia dele,

ele bancava o jornal. E fizemos até uma boa Gazeta do Acre na época, eu lembro.

Não tínhamos nenhuma relação com o governo, nenhum compromisso com o

governo. Terminou o Mesquita, depois veio o Joaquim Macedo, fizemos uma

oposição bastante forte porque eram os dois últimos governos da Ditadura, que em

84 estava fechando. Fizemos uma boa oposição aproveitando a liberdade de

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expressão. Em 1982 veio a redemocratização com a eleição do primeiro

governador, que foi o Nabor. E o jornal, naturalmente, pois era um movimento de

todo o país, tomou partido porque naquela época era o MDB, PMDB, como quiser,

mas a gente achava importante a eleição dos governadores de oposição. Só que aí

o dono do jornal nos afastou. Afastou a mim e o Elson, 45 dias antes da eleição, e

chamou o Zé Leite para editar o jornal. Por que? Porque os dois candidatos eram o

Nabor e o Kalume e dono do jornal era muito ligado ao Kalume e o Zé Leite também

era ligado ao Kalume.

Eram do PDS?

Sim, mas acho que naquela época ainda era Arena, a velha Arena. Mas ele antes

de nos afastar nos chamou e disse: “Olhem, no dia 16, independentemente do

resultado, vocês voltam”. E deu férias pra mim e para o Elson. Eu imagino que no

cálculo dele o Kalume ganharia, mas não ganhou...

Ele usava então o jornal para fazer campanha pela eleição do candidato de sua

preferência?

Sim, isso mesmo. Voltamos depois das eleições, mas uma semana depois parece

que ele ficou muito contrariado porque era muito envolvido com a política na época.

Chegamos lá um dia para trabalhar pela manhã e o portão estava no cadeado. Não

tinha mais jornal. A partir daí, com a eleição do Nabor, se fez um outro projeto com

o senador Mario Maia para fazermos a Folha do Acre. Então o mesmo grupo que

fazia A Gazeta fez um projeto para fazer esse jornal. E era sempre a mesma turma

que veio do Varadouro, fez a Gazeta do Acre, depois fez o Repiquete e daí nasceu

A Gazeta. Era o mesmo grupo, porque, depois de um tempo o Wilson Barbosa

chamou a gente de volta. E nós saímos da Folha do Acre por interferências muito

políticas, pois o Mario Maia era ligado ao Nabor e nós tivemos conflitos com o

próprio Nabor. E sempre era uma questão de linha editorial mesmo, porque a gente

nem mexia muito com dinheiro na época. Saímos da Folha do Acre e fomos fazer O

Repiquete, um semanário. O Wilson, que estava com todo o equipamento dele

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parado, chamou a gente de volta e disse: “Olha, tá aqui tudo, mas não quero mais

nada com isso. É de vocês. Apenas o prédio é meu, mas o resto vocês tocam. Se

virem”. Então do Repiquete, que era semanário, passamos a fazer A Gazeta diário.

E como o título era Gazeta do Acre, que era dele, e ficou com ele até hoje, a gente

simplesmente passou a usar A Gazeta.

Dois jornalistas acreanos já escreveram que o Flaviano é o verdadeiro dono da

Gazeta...

Não, o Flaviano sequer consta no contrato social da Gazeta. A ligação que a gente

teve com o Flaviano foi que, quando ele era prefeito, ele realmente apoiou o

nascedouro do Repiquete semanário. Mas a partir disso não teve mais apoio...

Apoiou como?

Na própria prefeitura... não sei, era o Elson que dirigia na época a parte

administrativa... mas não tinha ligação. O que as pessoas confundem um pouco é

que o Flaviano tem realmente um primo que faz parte do contrato social da Gazeta,

mas o Flaviano não tem qualquer participação. Tanto que os donos da Gazeta eram

eu, Elson, Marcos Afonso e Roberto Vaz. E eles foram saindo. O Elson foi para o

Amapá. O Roberto Vaz ficou comigo até há poucos anos, mas vendeu a parte dele

e saiu para montar a TV 5. O Marcos Afonso foi para a política, chegou a ser

candidato a prefeito e foi assim.

Então pelo que você está dizendo, enquanto existir dependência dos jornais

somente em relação à iniciativa privada, então há certa liberdade...

Aí é que está, vamos sempre cair naquele ponto. Qual é a minha opinião? Minha

opinião, e eu acho que ela é correta, e ela vai de certo modo bater mais ou menos

com o que você está pesquisando, é que você consegue uma certa liberdade de

imprensa, mais ou menos ou até quase de uma forma... não digo absoluta, pois

sempre tem alguns entraves... mas pra mim o princípio é muito claro, tanto que eu

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coloco nessa entrevista e o Elson não concorda muito comigo, mas eu sou dessa

opinião e estou mais com 35 anos de profissão... E eu vejo isso, passei por grandes,

médios e pequenos jornais: a tua independência vai depender também da tua

independência econômica, financeira. Não tem como você fugir disso. O jornal, ou

qualquer veículo de comunicação, tem tanto ou mais independência quanto tiver

também sua liberdade financeira. Isso não significa também que se você, mesmo

não tendo participação no bolo financeiro do governo não possa fazer um jornal

bom, um jornal pelo menos razoável, mas o governo, qualquer governo, vai te

cobrar. De direita ou de esquerda, vai cobrar. Eu, na minha experiência aqui no

Acre, fui menos cobrado em governos de centro, vamos dizer, do que fui cobrado

em governos do próprio PT, eu não escondo isso. Pra mim isso é muito claro.

Que tipo de dependência o jornal tem em relação ao governo?

Então, até para que essas coisas fiquem claras, e é bom que se registre. Como é

que essas coisas funcionam? Funcionam da seguinte forma: o governo anualmente

coloca no orçamento uma verba publicitária. Ele vai gastar, vamos supor, 7 milhões

com mídia. Então o que ele faz? Legalmente ele tem que fazer uma licitação com

agências de publicidade. A agência que ganhar essa licitação vai pegar esse

dinheiro e vai repassar para a mídia. Vai contratar o serviço das diversas mídias.

Televisão, rádio, jornal etc. É assim que funciona. Aliás, é uma forma até correta.

Agora o problema daqui é que há vários anos uma única agência ganha essa

licitação. É a Companhia de Selva.

A mesma agência responsável pelas campanhas políticas do PT?

Exatamente, e aí entra também a questão política. Quer dizer, eles foram trazidos

pelo Orleir Cameli, que era adversário do atual grupo que está no poder, e hoje eles

continuam no poder. Então, retomando, eles distribuem isso, ou melhor, eles

contratam os serviços dos jornais, dizem: “Olha, eu quero uma página, quero meia

página”... Até aí tudo bem, é assim que funciona em qualquer lugar. Agora, quando

o governo diz, pergunta lá na Companhia de Selva: “Quanto tal jornal... vocês estão

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repartindo?”. “Ah, é tanto!”. Aí sim o governo vem te cobrar por esse repasse, por

esse serviço que você está prestando. E vem te cobrar como? Vem te cobrar

politicamente, vem te cobrar um certo alinhamento ao governo, vem te cobrar, por

exemplo, que você não divulgue determinadas matérias, e aí meu caro, depende de

cada dono, de cada editor de jornal. Eu, graças a Deus na Gazeta, não dependo... e

aí entra também outra questão: como o governo é o principal anunciante do jornal, e

os jornais aqui não têm uma retaguarda financeira própria, as indústrias, os

empresários não te dão isso, você acaba realmente caindo nas mãos do governo. E

aí, como você vai fazer? Vai largar de mão esse repasse, esses serviços do

governo? Empresarialmente seria até uma burrice, se você pensar só

empresarialmente. O problema é que você, uma empresa de comunicação, não é só

empresa. Ela tem um compromisso com a informação.

E social, não?

Social também. Aí é que está, você também não vai vender a tua alma, não vai

vender também a tua opinião... não pode também se omitir socialmente. Ou então

fecha o jornal, fecha o rádio, fecha a televisão. Eu acho que é possível hoje, mesmo

você mantendo uma relação com o governo ou qualquer governo, você fazer até um

certo bom jornalismo. Por que? Qual é a especialidade que hoje se coloca nessa

discussão sobre as concorrências de mídias? Coloca-se que o jornal é um veículo

que deveria aprofundar as questões sociais. E eu acho que é possível fazer isso.

Nessas condições que você citou?

Sim, por exemplo se eu me colocar em campo para fazer uma matéria não tenho

nenhum empecilho. Pode ser que outros jornais tenham, o governo pode chegar lá e

cobre, mas pra mim eles nunca cobraram isso. Esse governo, esse atual, quer pelo

menos que se ouça também a parte dele. O governo anterior cobrava mais e é por

isso que eu digo: a responsabilidade nessa questão toda não é só do dono do

jornal. Claro, é dele, em primeiro lugar, mas também é dos governos. É preciso ver

o posicionamento dos governos que se dizem de esquerda, que se dizem

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progressistas, que se dizem transformadores, mas que exercem um poder de

coerção, de censura e tudo o mais.

E de que forma você lida com isso, de que forma isso aparece no noticiário da

Gazeta?

Olha... nós... A Gazeta... bem... eu também não sei se eles também têm a visão de

que A Gazeta não depende basicamente desses repasses. Mas ela não depende.

Nesses anos eu tenho conseguido fazer esses contatos lá fora, então eu tenho

agências lá fora que trabalham com A Gazeta e nós temos um aporte de publicidade

nacional que nos permite também uma certa liberdade de dizer: “Olha, o governo

veio até aqui, mas a partir daqui eu também não vou vender a minha alma, né!”. Eu

tenho condições... e também a Gazeta já teve tempos que brigou com governos e

brigou de forma violenta, não sei se você lembra.

Na época da famosa carta?

Na época da carta. Eu passei praticamente quase os oito anos do governo Jorge

Viana sem receber um tostão do governo.

Por isso mandaram fotografar a tua casa?

Isso mesmo. Foi real aquilo. O engraçado é que o próprio jornalista que fez aquilo

outro dia estava se gabando no blog dele. Eu jamais iria... Então veja bem, quando

você diz: “Você consegue fazer? Eu digo: “Sim, é possível fazer”. Por exemplo, esse

caso do Hildebrando. Ninguém avaliou direito que quem praticamente fez todo o

trabalho de montar esse dossiê foi A Gazeta com o Luís Francisco. A gente

trabalhava de uma forma até um pouco clandestina, mas conseguimos fazer. Se

não fosse a mídia ele não teria feito aquilo tudo sozinho. E foi uma grande coisa

para o Estado. Foi um grande serviço.

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Você acha que é possível A Gazeta, de forma independente e crítica, abordar

de forma crítica questões da vida política do Acre?

Acho possível, é perfeitamente possível desde que se tenha um bom jornalista ou

bons jornalistas que pesquisem, vão a fundo e consigam, realmente, tocar o dedo

na ferida, onde está o problema da florestania, onde está o ufanismo etc. É

perfeitamente possível. Agora, é preciso trabalhar isso de uma forma séria. Não

apenas com agressão, mas mostrando jornalisticamente. Há poucos dias eu vi

aquelas matérias sobre os guardas da Sucam. Gente, aquilo é um crime. Está aí no

nariz de todo mundo. Eu fui em cima, não a título de nada, fui como jornalista. Eu

entendo a angústia tua e de alguns jornalistas com mais sensibilidade social, com

liberdade, que é fundamental, mas está havendo também uma carência muito

grande de bons repórteres. Bons repórteres, aquele que vai a campo, que não tem

medo de ir lá, de visitar a casa de um velhinho. Quando eu cheguei na casa dele,

numa quarta-feira, o velho tinha amputado uma perna. Quando chegou no hospital,

eu visitei ele de novo e descobri que já tinham cortado outra parte da perna. No

sábado ele já tinha morrido. Então essas coisas estão acontecendo, mas não me

impediram... e o governo ficou quieto. Eu acho que é uma falha do governo, mas

graças a Deus houve uma certa mobilização.

Você acha que não cobrir essas coisas é uma falha profissional do jornalista,

é isso?

Eu acho que sim, eu acho que sim. Com certeza, é sim...

Mas historicamente, até por experiência própria, eu poderia citar matérias que

eu fiz e que nunca foram publicadas. Para que as pessoas ficassem sabendo

eu tive que enviá-las por e-mail para outros canais. Isso não contradiz o que

você afirma?

Bem, mas há também uma diferença na estrutura... por exemplo... na propriedade

do jornal. Você que estudou marxismo, eu também estudei...

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Você é marxista?

Sim, eu sou marxista. Vamos ver, quem são os donos dos meios de produção? São

aqueles que dão as cartas. Então vamos pegar os donos aqui dos jornais, quem são

eles? Um é político, essencialmente político; disse que não se meteria na política,

mas já está se metendo. O outro é empresário até o osso; daquela linha mesmo do

Assis Chateaubriand. Não estou criticando, mas ele de repente alugou tudo para o

governo. É como se eu tivesse... veja, aqui eu fiz um prediozinho bonito com muito

sacrifício... foi feito pela Ivete, que é diretora-administrativa do jornal. Quero alugar?

Então de repente, tiro todo o pessoal daqui, coloco em um canto qualquer e vou

ganhar dinheiro com o prédio. Ah, não é assim, sabe?

Isto seria algo como uma ética corporativa dos negócios no jornalismo?

Tem que ter isso, tem que ter. Agora, eu reconheço, e é como você disse: qual é o

limite? Depende muito do trabalho do jornalista e depende também, é claro, do

patrão. Dos dois.

Para evitar isso você não acha que o ideal não seria a criação de agências de

informação controladas pela sociedade, já que você como marxista, sabe que

o poder privado tem uma dependência específica do capital que o sustenta? O

que você acha de experiências de um jornalismo com controle social, uma vez

que casos de “desvio de finalidade” no jornalismo ocorrem em Estados mais

desenvolvidos e também no exterior, inclusive nos países mais

desenvolvidos?

Sim, mas você veja: cada dono de jornal, cada grupo empresarial tem a sua linha.

Você pega a Veja, por exemplo, é uma linha... uma linha...

Fascista?

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Até fascista! E me deu uma pena que a Veja tenha entrado nisso, porque ela já foi

uma grande revista. A Veja produziu, por exemplo, Realidade, da qual eu participei

em São Paulo na época, e hoje me dá pena. A gente fica triste. Eu escrevi para a

Realidade, Movimento, Opinião e outros. E tive matérias censuradas no Opinião.

Nessa época, qual era a tua linha dentro do marxismo?

Como eu era de seminário, era muito ligado aos dominicanos em São Paulo, minha

linha talvez seguisse a do trabalho das Comunidades Eclesiais de Base. Aliás, eu

acho que o Varadouro se deu bem por isso, porque nem eu nem o Elson seguíamos

alguma linha. Nem trotskista, nem stalinista, nós éramos jornalistas, mas com uma

leitura da realidade marxista, eu até mais que o Elson.

Usavam o materialismo histórico nas matérias?

Sim. Nós pensávamos: como é possível o avanço da agropecuária? Então eu fui

entendendo e a gente foi fazendo a leitura a partir disso.

Você alega que há uma dependência dos jornais em relação ao governo, mas

fontes do governo afirmam o contrário. Resumidamente, eles alegam que

como os jornais têm uma ligação histórica com grupos políticos de direita que

sempre estiveram no poder, eles, de forma estratégica, devem manter a

imprensa dentro de uma certa “linha editorial”, vamos dizer assim, que é para

não interromper o processo de transformação socioeconômica que a esquerda

começou agora...

(risos)

Você acha esse raciocínio cínico?

Eu acho cínico, sim. Mas de qualquer modo seria interessante que você

conversasse com os nossos jornalistas. Eu às vezes passo duas, três semanas sem

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ter nenhuma relação com o governo, quer dizer, sem ter contato direto com o

governo. Eu não faço questão, não gosto. Minha teoria é essa: governo deve

governar bem, jornal deve fazer bem o seu trabalho. E fim de papo. De vez em

quando o assessor lá do homem liga e diz: “Silvio, guarda um espaço pra isso!”.

Mas de vez e quando, e ele nem faz mais isso, ele faz com a editora ou com alguém

que cuida aqui embaixo.

O que você acha de um jornalismo que aplicasse o materialismo histórico para

ler o desenvolvimento sustentável como um processo de filosofia econômica,

ou de filosofia da propaganda, da mesma forma que foi a pecuária extensiva,

como um processo de reformulação da hegemonia das classes dominantes do

Acre?

Eu acho, e não tenho medo de colocar assim, que há um perigo nisso. Veja, eu fui

um dos fundadores do PT, a minha ficha era a 14, inclusive rasgaram depois e

sumiram com a minha ficha, embora eu também tivesse que me afastar para fazer

essa divisão entre jornalismo e partido, mas... o que eu acho que está acontecendo

é a reprodução de uma nova estrutura de poder usando, como sempre, uma base

econômica. O que está acontecendo no Acre é que se está formando uma nova

elite. Varreu-se aquela elite do coronel de barranco e de não sei mais o que e está

se formando de novo uma nova determinante. E aí é onde eu acho que os jornais,

os jornalistas, deveriam ter senso crítico para colocar isso nos jornais. Uma das

coisas que me irritou profundamente no governo Lula, no qual eu tinha esperanças,

não sei se eu fui ingênuo... foi essa ostentação. Eu esperava que o cara fosse

realmente... claro, a liturgia do cargo exige certos comportamentos, mas pelo menos

mais rigor com a coisa pública... e o que a gente viu foram escândalos cada vez

maiores. Eu esperava mais austeridade, até pela realidade do povo brasileiro. Mais

seriedade nas coisas também. E aqui também, mas aqui o que está se formando é

uma nova elite...

Às expensas do Estado? Uma burguesia estatal?

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Aí é que está... mas eu acho que hoje é possível se fazer jornalismo mesmo com

essa dependência, mesmo assim os jornalistas poderiam fazer um trabalho melhor,

às vezes de investigação e às vezes de análise.

Você não acha que existe um modo de produção do jornalismo hoje que

engessa essa idéia? Hoje as redações têm horários fixos, três matérias por dia

no mínimo etc.

É verdade. Profissionalizou um pouco e amarra esse tipo de ação. Na minha época

eu dormia na estrada. Na época em que eu fui cobrir o caso Chico Mendes, e até

antes disso, eu dormi na estrada várias vezes. O carro quebrava, tinha que dormir.

Eu era um repórter. Hoje se fala muito em jornalista e não se fala tanto no repórter.

O que é um repórter? É o cara que vai a campo, vai para a mata, vai para a rua,

enfim. É a pessoa que pesquisa. Acho que é isso que está faltando, que é o que o

Varadouro fazia. Eu também vim de uma linha do Jornal do Brasil que valorizava

muito isso. O antigo JB, não o atual. Depois que o Chico morreu o JB me mandava

ir para a estrada para caçar o Darli. Eu entrava no mato com a Polícia Federal pra

ver se achava ele. Nem tinha como achar numa imensidão daquelas... mas a minha

persistência me recompensou, porque eu fui o primeiro a entrevistá-lo. Quando ele

se entregou, quando chegou na Penal, eu estava lá.

Talvez as condições impróprias forçassem os repórteres a ousar? Hoje,

paradoxalmente, nós temos maior facilidade. Temos celulares, internet etc...

Eu acho que está faltando justamente isso aos jornais, e a culpa não é do governo,

a culpa às vezes é do próprio jornal que se estruturou assim ou do próprio jornalista.

Eu nunca impedi um jornalista que chegasse aqui e dissesse: “Silvio, eu vou fazer

uma grande matéria sobre tal assunto”. Eu digo: “Vai, meu filho!”. Entende?

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Entrevista com Narciso Mendes de Assis, proprietário do jornal O Rio Branco.

Há quanto tempo você está na imprensa e como começou?

A minha participação como sócio do jornal e TV Rio Branco deu-se de forma

acidental. Não houve projeto, não houve intenção, não houve proposta. E de

repente eu consigo juntamente com elementos da minha família adquirir o jornal O

Rio Branco, e em função de estarmos envolvidos com o jornal O Rio Branco

aconteceu que eu registrei a associação e consegui a TV. Não havia um

planejamento para que isso acontecesse.

Mas em relação ao impresso especificamente, quando tudo começou?

O jornal tem 38 anos, mas isso aconteceu em 1986, 1987, por aí assim. Acho que o

jornal O Rio Branco em nossas mãos há uns 20 anos.

E sempre teve essa ligação tão forte com política?

Não, não é isso. Primeiro que isso é um equívoco, houve um equívoco do ponto de

vista do serviço de informação. Foi um equívoco.

Como assim?

Porque jornal não é pra ser nem de oposição nem de situação. O compromisso do

jornal é com a notícia, não é?

Você acha então que é possível um jornalismo imparcial, independente?

O ideal seria que isso acontecesse.

É o ideal, mas é possível?

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É por isso que existe um ditado, que eu miro-me nele, que diz “quando o ideal não é

possível, o possível passa a ser o ideal”. Não é?

Então o que é o possível?

O que foi possível... Mas eu não fiz nem o possível, porque eu acho que teve um

momento que o jornal se politizou demais. Mas quando eu digo a política, não é a

Política... porque o jornal tem que ser político, agora não tem que ser é político-

partidário. O jornal não podia tomar partido, defender interesses claramente de um

partido e claramente contra outro partido. Eu acho que foi um erro isso.

Então é uma mea culpa que você faz?

Não é mea culpa! Porque eu diria o seguinte, existem três tipos de jornalismo. O

verdadeiro, que é o veículo estar a serviço da informação, da notícia; o outro onde o

veículo está claramente a favor do governo, e que é o pior de todos, esse jornalismo

não serve a causa nenhuma; e tem o jornalismo de oposição que pelo menos sobra

dele a capacidade crítica, de revelar coisas. E eu não me refiro ao governo A ou ao

governo B. Qualquer jornal que estiver rendido à vontade do governo, seja ele de

qualquer partido, esse jornal é melhor fechar as portas e botar uma fábrica de sabão

no lugar dele.

Isso acontecia aqui na época do governador Jorge Viana?

Eu não diria... olhe, eu gostaria muito de... como eu hoje me considero fora do

processo político-partidário e quero cada vez... eu preciso reafirmar essa posição...

tem muita gente que acha que eu vou recrudescer e voltar à política partidária. Não.

Eu não me arrependo do que fiz, mas não me proponho a fazer novamente o que

fiz.

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Eu gostaria que você aproveitasse a entrevista para fazer um registro histórico

das tuas posições.

Eu sou movido a paixões. Eu, particularmente, sou movido a paixões. Eu me

coloquei francamente de oposição ao governo Jorge Viana.

O seu jornalismo foi pessoalmente orientado nessa direção?

Foi. Mas hoje eu me convenço que a oposição que eu pretendi fazer revelou-se

mais decepcionante do que o próprio governo que eu pretendi criticar. Porque no

Acre a cultura de oposição não existe. Aqui qualquer oposicionista não resiste a

uma cantada de 30 dinheiros. Não existe.

Por que isso? É uma questão financeira ou um traço cultural?

É questão financeira, falta de civismo, falta de caráter, falta de tudo.

Você está dizendo que não é possível fazer um jornalismo independente?

Não. Vamos lá: pra você fazer um jornalismo independente, você, uma empresa

jornalística, pois isso aqui é empresa, sujeita a pagar salário de funcionário, pagar

luz, telefone, obrigações sociais, despesas de toda natureza... A maior estrutura de

comunicação do Acre que mascara ainda é a nossa, por incrível que pareça. Porque

aqui nós temos jornal e TV ao mesmo tempo. E a gente pra fazer uma linha crítica

ao governo aqui, você de cara é excluído da condição de cliente do governo. E eu

não estou me referindo ao governo Binho, nem ao governo Jorge, nem ao governo

Orleir. Qualquer um deles. Eu quero falar de forma muito mais genérica do que

focada num só governo. E também não é só aqui no Acre, não. Porque você lê o

livro “Memória das Trevas”, o editor do jornal Diário da Bahia conta as diabruras, o

inferno que ele viveu para manter um jornal fazendo naquela época uma linha crítica

ao governo Antonio Carlos Magalhães. Mas a mesma coisa talvez ocorra com o

governador da Paraíba, com o governador do Pará etc.

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São todos Estados com um passado coronelista muito forte.

É. Logo, nosso país ainda é culturalmente atrasado, politicamente pobre, nós

estamos tangendo uma democracia ainda muito capenga...

Mas você não acha que por isso mesmo a imprensa desses locais não seria

uma conseqüência dessa situação, e não a causa?

Não, porque eu acho que a imprensa ainda, apesar dos pesares, está um pouco à

frente.

Mas você acabou de dizer que não é possível fazer um jornalismo

independente.

Sim! Exatamente, mas de vez em quando você vai observar que, aqui e acolá... num

monte de pedras não nascem flores? Hoje nós temos, por exemplo, eu acho que as

revistas, a Veja, por exemplo. A Folha de São Paulo, o Estado de São Paulo, além

de serem honrosas exceções, são também os mais importantes meios de

comunicação do Brasil. Agora nos Estados periféricos, nos Estados pequenos, fazer

um jornalismo independente só se você abdicar dos interesses empresariais da

empresa que financia esses veículos.

Você não acha que uma coisa é uma empresa fazer contrato com o poder

público, como qualquer outro para fins de criar receita, e outra coisa é que por

causa desse contrato o governo interfira na linha editorial da empresa?

Acontece que isso aí, é isso o que eu estou dizendo, você está focando a situação

que devia ser. Seria bom. Por exemplo, eu faço particularmente um elogio a esse

governador atual, o governador Binho. O governador, eu tomei conhecimento, não

estava presente, que na primeira visita que ele fez ao Sindicato dos Jornalistas

expressou-se da seguinte forma: “É claro que eu não gosto quando um jornalista faz

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uma crítica improcedente, às vezes ávida, às vezes grosseira, contra a minha

pessoa. Não vou gostar. Mas nem por isso vou processar o jornalista que assim

proceder”. Eu acho que é muito covarde a atitude de um governante quando um

jornalista mesmo que desavisadamente, intencionalmente ou não-intencionalmente,

faz uma crítica ao governo e a resposta deste é pegar o aparato jurídico do Estado e

processar o cara por calúnia, injúria e difamação. Aí aquele jornalista passa a ter

que responder a 30, 40 audiências.

Isso aconteceu contigo?

Aconteceu comigo e acontece no Brasil inteiro!

O Jorge Viana te processou?

Não... olha, o caso meu com o Jorge Viana eu gostaria de não entrar nos detalhes

porque eu também me julgo um provocador. Um provocador como Deus me fez. Fui

provocado também. Provocativo! Eu era provocativo.

Mas e a resposta dele, foi ditatorial?

Não, a resposta dele... a cada ação corresponde uma reação...

Mas a resposta dele não foi mais exagerada?

Não sei, eu não sei!

Você mesmo falou, acabou de dizer, utilizar a máquina pública para perseguir

jornalista...

Mas é aquela história: antes disso, quero dizer isso pra você, eu também fui muito

duro. Porque às vezes quando você se coloca politicamente... a denúncia política...

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se eu lhe digo hoje: “Jozafá, você é um ladrão. Eu, Narciso, estou chamando o

cidadão Jozafá de ladrão”...

“O ônus da prova cabe a quem acusa”...

Sim, “o ônus da prova cabe a quem acusa”, mas se você é detentor do poder

público, se você é um secretário de Estado, se você é um governador, se você é um

prefeito, esse princípio não prevalece. Porque você como servidor público eu posso

lhe dizer “Você é desonesto!”, e você é que tem que me provar que você é honesto.

Você acha então que se inverte?

Se inverte e a nossa legislação protege esse tipo de denúncia naquilo que é

chamado de “exceção da verdade”. Em latim é “exceptio veritatis”. Vamos supor o

seguinte: eu tomo conhecimento que o Deracre contratou pra fazer o asfaltamento

daqui ao Bujari ao preço de R$ 3 milhões o quilômetro. É verdade, eu tenho

informações. O fiscal que mediu. Aí eu denuncio o diretor do Deracre por isso,

digamos assim. Só que na hora que ele me processar, se por acaso processar, eu

alego “exceção da verdade” e peço que ele me entregue as provas que estão em

poder dele. Porque as provas da desonestidade não estão nas minhas mãos, tá

entendendo? Por que? Porque hoje quando a gente vê o prefeito numa função, o

secretário de Estado, o governador, a gente tem a impressão que aquelas pessoas

estão acima da gente, quando na verdade aquelas pessoas são servidores nossos.

Então dentro da lógica democrática eles são nossos servidores. Então eles é que

têm que prestar contas a mim e não eu a eles. E essa cultura política criada no

Brasil, a gente até pra falar com o diretor da Semsur, é possível que você vá lá 10

vezes e ele não te atenda, como se ele estivesse lá não para te servir, mas para ser

servido pela sociedade.

Mas isso não acontecia nos governos anteriores?

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Acontecia. Não vamos... São poucos, são raros os governantes que permitem que a

imprensa cumpra o seu verdadeiro papel. Mas ela vai cumprir e no Brasil nós já

poderíamos citar centenas e centenas de casos onde se não fosse a presença da

imprensa esses fatos jamais teriam acontecido. Por exemplo, o impeachment do

Collor, esses escândalos do governo Lula. Você vê, ninguém tem no Acre o que eu

tenho. Ninguém tem, porque eu sou um estudioso zeloso e vou lhe mostrar. Aqui eu

tenho 10 livros todos contando bandalheiras do governo Lula. Todos escritos por

jornalistas, jornalistas famosos: Leonardo Attuch, professor Cândido Mendes, Lúcia

Hippolito, Augusto Nunes, Luiz Maklouf Carvalho... isso tudo, esses livros todos são

fruto da imprensa que pra mim é a que eu mais gosto, que é a imprensa

investigativa. Aquela que faz o papel de policial no sentido de buscar a informação.

Você vê que praticamente se estabelece quando se está numa CPI hoje no Brasil

que os integrantes da CPI se movem por vezes com 90% das informações trazidas

pela imprensa. Jornalista que viu a hora que... o Daniel Dantas [guardando os

livros]... não teve praticamente trabalho, o trabalho foi feito pela imprensa.

O Altino Machado escreveu que essa prática da investigação nos jornais aqui

do Acre foi assimilada em alguns jornais como ferramenta para extorquir o

poder público e obter dinheiro. O que você acha disso?

Eu acho que é absolutamente verdadeira. Mas me coloco como exceção disso.

Nenhum governador terá o direito, e eu o chamaria de canalha...

Mas o Altino disse isso de você!

Como?

O Altino disse isso de você.

Não, o Altino tem umas posições eu até me preocupo... eu tenho tido boas palestras

com ele... mas a gente tem que saber o momento que ele disse, porque tem hora

que ele... que ele...

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... que ele está a serviço de alguém?

Não, tem hora que ele parece que sai do prumo. Embora eu ache ele um rapaz

inteligente. Não sei. Agora eu nunca li o Altino dizer que eu vendi dificuldade pra

encontrar fragilidade, não. Até porque seria um contra-senso, não? Eu tomo por

verdadeiro o que você disse, mas quero lhe dizer o seguinte: eu não sei se você

observou que aqui no Acre... eu gostaria muito... eu gostaria muito que... eu sou

uma pessoa que não sou indiferente a ninguém. Eu não sei se você está entre os

que gostam de mim ou me odeiam. E isso me dá um prazer muito grande, porque

eu não queria é ser tratado como “Narciso, nem fede, nem cheira”. Eu quero feder

ou cheirar para as pessoas. Entende?

Entendo que você é um homem movido a paixões, como você mesmo se

definiu...

Acontece que quando eu preciso me manifestar, eu me manifesto religiosamente

duas vezes por semana escrevendo um artigo no jornal O Rio Branco no domingo e

na terça. Mas eu gostaria muito que essas pessoas, esses jornalistas metidos a

sabidos, a inteligentes, que tivessem coragem de me convidar. Podem até trazer

apontamentos da minha vida inteira que eu não preciso levar nada na mão e eu o

escalaria em cinco minutos. Eu já fiz isso e não foi em duas nem três oportunidades.

Sabe por que? Porque eu guardo coerência na minha vida. Eu não vivo de paparicar

governo, não vivo de paparicar autoridades. Quando me destino politicamente, e aí

eu sigo Maquiavel absolutamente, na sua inteireza, me coloco a favor de uns e

contra outros, porque assim ensina o verdadeiro príncipe, não é? Agora sei que tem

gente que contesta, isso aquilo outro. O que eu posso fazer? O fuxico é livre.

Você acha então que essas coisas que escrevem sobre você...

É pouco, é muito pouco.

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Mas ainda escrevem muito sobre você.

Mas é muito pouco. Pra 20 anos de vida pública não é nada. Não é nada. É um

pingo d'água num oceano de coisas que eu já escrevi sobre todo mundo.

Mas você discorda, obviamente...

De que?

Das coisas que dizem, que você extorquia governos, que entrava nos

gabinetes dando pontapés nas portas...

Não, não... você quer que eu ligue para o Altino Machado aqui na sua frente pra ver

como ele não me confirma que escreveu isso?

Pode ligar...

Eu vou ligar aqui pra ele. Vou ligar aqui pra ele pra ver se ele está aqui. Espere aí. É

que eu guardo um telefone aqui, vou ligar.... Bem, ele não tá atendendo... mas

vamos lá, pode perguntar. Pode perguntar que se você tiver um baú de perguntas

eu tenho um baú de respostas. Eu tenho respostas para todas elas, eu não faço

como determinados casos em que fazem o papel de avestruzes: enfiam a cabeça

no buraco e deixam o rabo de fora, viu?

Nesse caso, há algumas denúncias de jornalistas acreanos à ANJ sobre

censura no Acre aos jornais na época do governo Jorge Viana. Eu queria

saber é: você sofreu esta censura nos mandatos do Jorge Viana?

Censura, não. Censura primeiro que eu não dei nem esse cabimento. Porque

censurar é você chegar e tá editando um jornal e chegar o assessor do cara e dizer

“Isso sai, isso não sai”. Eu não dei esse cabimento.

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Quer dizer que o jornal O Rio Branco era livre durante o governo Jorge Viana?

Não, não. Não era livre porque, como eu já coloquei de principio, o jornal O Rio

Branco tomou uma posição de oposição. Isso já impedia a censura. Agora, aqui já

teve jornal que o próprio Hildebrando Pascoal censurava. Ele ligava para o diretor do

jornal e dizia: “Olhe, você não faça isso!” Eu tenho os telefones gravados desses

caras. E esses sujeitos querem ter o conceito de dignidade maior que o meu, que

não têm, claro que não têm nunca, não é?

Você está falando de quem?

Eu tô falando do Silvio Martinello e do jornal A Gazeta, na época do Esquadrão da

Morte. O Acre tem que fazer justiça ao jornal O Rio Branco, porque o doutor Gercino

o fez. Porque na realidade aquela luta contra o Esquadrão foi uma obra iniciada aqui

pelo doutor Gercino. E no dia que ele foi embora aqui do Acre, já aposentado, para

Brasília, ele esteve aqui na minha sala para agradecer que na época em que o

Hildebrando Pascoal vivia solto e com poderes absolutos o único jornal que

repercutia o trabalho que ele fazia era o nosso, porque os outros ficavam todos de

bico calado. Com medo. E eu não tinha medo. Na única vez que o Hildebrando

Pascoal chegou aqui, naquela época, gritando e esperneando, eu disse a ele: “Aqui

dentro você vai falar baixinho, porque quem fala grosso aqui dentro sou eu!”. Falei,

naquela época. Hoje não. Hoje todo mundo, até os foquinhas, metem o pau no

Hildebrando. Ele tá preso lá, mofando na cadeia. O leão tá na jaula. Agora, desse

comportamento eu nunca abdiquei dele. Nunca abdiquei, como também hoje eu

respeito o governo Binho, mas não tenho medo do governo Binho.

Saem notícias do governo Binho no seu jornal?

Eu acho que, do ponto de vista democrático mesmo, o governo Binho já é um

exemplo, se não pronto e acabado, a ser seguido... como o prefeito Angelim

também.

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Mas ele continua pagando os jornais, continua mantendo aquela política de

bancar a folha de pagamento dos jornais e exigir algo em troca?

O daqui não. Esse aqui não. E hoje eu digo que o jornal O Rio Branco é cliente do

governo dele e ele não põe cabresto aqui. Se põe cabresto nos outros é porque os

outros têm focinho. Eu não tenho. Esse é que é o problema, os outros têm focinho e

eu não tenho. Eu não deixo botar cabresto. Não tem cabresto, tem respeito. Há um

relacionamento de respeito.

Então por que essa mudança recente na linha editorial do jornal impresso?

Porque eu como dono do jornal e por ser um político inspirava os profissionais,

embora nunca nenhum deles tenha sido obrigado a isso, a fazer o gosto do patrão,

digamos assim. Hoje como eu não sou mais da oposição e não sou mais do

governo, não tenho por que estar tenazmente fazendo uma política de oposição.

Agora, por exemplo, se o governo Binho cometeu um erro, um ato administrativo

passivo de uma crítica, o jornal vai fazer a crítica.

Suponhamos que Jorge Viana voltasse ao governo e continuasse com a

política dele tanto na área de comunicação social quanto na forma de

administrar, você voltaria a fazer aquelas críticas?

Não voltaria, porque eu não voltaria mais para a política. Eu hoje me considero um

homem que, sem nenhum arrependimento do que fiz, não me proporia a coisas que

me envolvessem politicamente com o passado. Não tenho. Eu não tenho por que. E

mais do que isso, hoje eu tenho filhos aqui já integrados à sociedade acreana, que

várias pessoas têm incentivado a entrar na política e eu digo: “Meu filho, depois de

30 anos eu me decepcionei, então eu não devo aconselhar você a percorrer o

mesmo caminho que você pode dentro de 30 anos estar se arrependendo disso”.

Aqui eu vi companheiros meus, que diziam que faziam oposição ao governo,

quando chegava a época das eleições e dos acordos políticos, deputados que

representavam as forças políticas de oposição, o presidente da Assembléia dava 10

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passagens de avião de ida e volta para Cruzeiro do Sul, para Manaus e não sei pra

onde mais, então o cara já voltava todo governista.

O Calixto me disse que você tem um material que ele lhe encaminhou...

Não! Olhe, o Calixto... o Calixto... se eu pudesse dizer que se essas oposições do

Acre, essas oposições que estão aí sendo representadas por Sérgio Petecão... se

ele tivesse vergonha na cara não saía com candidatura. Como é que o Sérgio

Petecão passou oito anos como presidente da Assembléia Legislativa porque a

Frente Popular assim o quis, um cidadão de capacidade política medíocre, de

inteligência mínima, da eleição para cá virou representante das oposições? Já

imaginou que ridículo é isso? O Calixto, não. O Calixto foi da base governista, mas

quando ele saiu da base governista e veio para a oposição a cada dia reafirma o

seu espírito oposicionista. Você vê que ele, como alguém sabendo que não tem

uma história de origem, precisa estar se reafirmando. O Calixto era pra ser o

candidato a prefeito das oposições.

E o material que ele diz que lhe encaminhou?

Mas eu estou lhe respondendo. Uma vez o Calixto pediu que eu lhe devolvesse uma

série de documentos que eu tinha. Eu não tenho que devolver, porque esses

documentos são meus. Se alguém me pedir emprestado eu vou avaliar a

conveniência de emprestar, mas devolver o que é meu? Ninguém pode pedir a

devolução do que é meu. Toda a história, documentos, anotações, trabalhos

investigativos que eu fiz, isso parece que eu até já incinerei. Incinerei. Sabe por

que? Porque não valeu a pena. Eu juntei muita coisa, a carta que o Silvio Martinello

fez para o Jorge Viana, quer documento mais bonito que aquele? Hein?

Mas e aqueles calhamaços de documentos que você apresentava na TV,

denunciando supostas falcatruas no governo Jorge Viana?

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Sim, mas isso hoje tem o Tribunal de Contas pra cuidar. Tudo isso. Eu tenho dito

para as pessoas que têm me procurado, e eu sou um sujeito que eu gosto muito de

bater papo aqui, como você está fazendo comigo, mas a verdade é que não há mais

motivo para eu estar conversando esses assuntos.

Então esses documentos a que o Calixto se referiu não há mais nenhum?

Não, não. Não sei. Eu vou me dar ao trabalho pra ver se tem mais algum por aí,

mas... antigamente eu tinha aqui umas 50 pastas de coisas...

Por que você não escreve um livro um dia sobre tudo isso? Daqui a uns 30

anos, talvez...

Daqui a 30 anos eu estar mais nem vivo pra escrever nada. Se eu tenho 62 anos

hoje, com 30 vou estar com 92. E eu não quero viver até os 92 anos. Se eu viver

mais 15 anos me dou por satisfeito. Agora, quero dizer o seguinte: eu me elegi

deputado estadual em 1982 aqui no Acre. De lá pra cá já houve 17 eleições e eu

participei de todas. Só pra você ter uma idéia, dessa época em que eu me elegi

deputado estadual não existe mais ninguém. Todos os atuais políticos, os atuais

três senadores, o atual governador, os atuais deputados federais, nenhum deles

sequer faziam política. Mas eu já fazia política antes. Eu vivi ativamente a política do

Acre. Eu sou testemunha de muitas bandalheiras, inclusive de correligionários

meus. Tive o dissabor de na hora em que fui votar como cidadão votar em um

canalha do meu partido e deixar de votar com uma pessoa boa de outro partido em

cumprimento à cláusula de fidelidade partidária. Vivi tudo isso.

Então o governo Jorge Viana foi só mais uma fase?

Não, é decepcionante fazer política no Brasil. No Acre mais ainda. Na semana

passada eu passava em Brasília e sempre que vou lá visito alguns sebos e livrarias.

E encontrei um livro, um dicionário. E uma das coisas que mais me chamou a

atenção foi que após a Revolução Americana nós tivemos em 1789, há 240 anos

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atrás, a eleição de George Washington como primeiro presidente dos Estados

Unidos. Quatro anos depois ele se reelege. Aí a cada quatro anos, durante 240

anos, sem atrasar um dia ou antecipar um dia, realiza-se uma eleição nos Estados

Unidos. Com a mesma legislação eleitoral, com os mesmos dois partidos políticos,

os Democratas e os Republicanos. E aqui você vai entrar numa eleição, ainda hoje

não se sabe as regras da eleição que vai ter daqui a 60 dias. Tem determinadas

perguntas que se fizermos à Justiça Eleitoral eles não sabem responder. Porque é

uma democracia de conveniências. Se o poder dominante interessa que se institua

a fidelidade partidária, institui. Se amanhã não é, então melhor é que se quebre a

fidelidade partidária. É bom o bipartidarismo? Então deixa dois partidos. É bom ter

50 partidos, como existem hoje? Então deixam os 50 partidos. Isso pode não trazer

preocupação na cabeça de um ignorante, porque o ignorante nunca tem dúvida de

nada, mas na minha cabeça é muito ruim. Por isso eu não vou mais me meter com

política. Política que você tem que concorrer com o cara que tem coragem de fazer

uma lista de eleitores? Tem 60 eleitores, qual é o preço do voto? 50 reais. Dou R$ 3

mil, então me dá o número do seu título que eu vou conferir se o seu voto caiu na

urna pra mim... não entro mais nisso. Usando a linguagem dos jovens de hoje: eu

não tenho mais saco pra isso. Não tenho.

Isso aconteceu no seu partido ou você está falando só de partidos de

oposição?

Isso é suprapartidário, é de todos os partidos. É uma prática comum. É tanto que

nós chegamos a um ponto em que a nossa Assembléia Legislativa do Acre, e

quanto prazer eu teria se alguns dos deputados tivessem coragem de me chamar

pra ir discutir na frente deles sobre compra de votos, pra eu ter o prazer de apontar,

olhando na cara de 12 deles: “Vocês só estão aqui porque compraram votos”. Eu

conheço 12 ali que se não fosse a compra de votos não estariam ali.

Da base do governo ou da oposição?

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Da base do contra. O N. Lima não é contra o governo? O N. Lima é um comprador

de votos. E comprava votos ao estilo Sérgio Pet... Hildebrando Pascoal: o eleitor na

frente dele, um revólver de um lado e a metralhadora de outro. E ele não é da base

do governo. Eu gostaria muito de dizer isso porque, como ele é valente, pessoas

valentes eu gosto muito de provocar. Eu queria dizer isso na frente dele. Eu já disse

no jornal, mas ele nunca reagiu. Ele faz de conta que não leu ou debocha.

Nesse caso, por que você não faz um debate na sua TV sobre compra de

votos?

Olha... eu, por exemplo, tô chegando aqui no jornal agora e eu não interfiro na linha

editorial do jornal O Rio Branco e no texto lá da Redação. É cretino e mentiroso o

jornalista que disser que eu interfiro no trabalho que eles estão fazendo, mas de vez

em quando eu dou um pitacozinho. Dou um pitaco sobre determinadas coisas.

Quando eu vejo um jornalista, cinco, seis dias, um político, um deputadozinho

desses de marca roscofe, cinco seis dias na página do jornal aí eu pergunto: “O que

você está pensando, nós estamos em paz!” Aí eu chamo o cara aqui, a mesma

coisa: “Me mostre os valores desse rapaz que você está exaltando tanto aí na

coluna. Se você quiser continuar aí falando bem dele continue, porque eu vou fazer

um artigo falando mal dele. Eu! Você está dando a sua opinião, eu vou dar a minha

a respeito dele”. A partir de amanhã eu vou querer até oito dias antes das eleições

que no rodapé desse jornal seja escrita uma frase sobre o voto ético. Eu estou

dando sugestões de algumas frases e pedindo que eles inventem outras: “Não

venda o seu voto, e mais, denuncie quem tentar comprar”; “seu voto não tem preço,

tem valor”. Quer dizer, essa pregação nós estamos fazendo. Mas parece que eu

estou falando no deserto. Estou gritando e a voz se dispersa no deserto e não tem

eco. No deserto a voz não tem eco. Porque aqui quando foi na eleição passada

compraram voto o cara do PT, do PMDB, do PCdoB, do PP, do PPB, do meu

partido, do partido adversário... Então é como se tivesse um complô, uma

banalização. Simone de Beauvoir, a velha Simone de Beauvoir, a grande paixão de

Jean-Paul Sartre, disse que o mais escandaloso dos escândalos é aquele que nós

nos acostumamos com ele. O mais escandaloso dos escândalos não é aquele que

você diz: “Ai!”, e aí todo mundo apavora. É aquele que quando você conta ninguém

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mais... Hoje no Brasil quem é que se preocupa com “o deputado roubou”? Ninguém,

não causa mais nem impacto porque o próprio presidente da República diz que lá no

Congresso tem 300 picaretas. E não há uma reação!

O que você acha que aconteceria se essa declaração fosse do presidente dos

EUA sobre o Congresso de lá?

Não, nos EUA não aconteceria isso. Mas vamos lá...

Se você fosse eleito governador do Acre, qual seria a sua política para os

jornais?

Primeiro, por incrível que pareça eu entrei para a política do Acre e nunca passou

pela minha cabeça ser candidato a prefeito de Rio Branco ou a governador do

Estado. O meu grande sonho era ser senador da República. Era meu sonho que

não se transformou em pesadelo, mas eu deixei de sonhar porque, quando eu

cheguei na Câmara dos Deputados e verifiquei a minha inutilidade lá dentro, o

quanto eu era inútil, o quanto eu era inexpressivo e que inútil e inexpressivo são

99% dos elementos da Câmara dos Deputados, pois a Câmara dos Deputados é

controlada por um grupinho. Ali é quem dita pauta, quem diz o que vai ser votado, é

quem delibera sobre tudo e o baixo clero assim chamado fica só obedecendo

ordens. Aí quando eu terminei o meu primeiro mandato de deputado federal eu

pensei: “Vixe Maria, tô no meio do caminho. É um momento terrivelmente ruim

para... aí eu disse... lá no Senado eu posso aparecer. Eu vou estudar, vou me

especializar como deputado e posso aparecer”. Como a Marina Silva apareceu, por

exemplo, manobrando o tema que é a paixão da vida dela que é a ecologia, embora

eu discorde muito dos pensamentos dela, mas acho bonito a forma como ela faz a

defesa dos pontos de vista dela. Mas como eu não consegui ser senador, o Sibá

Machado chegou a ser, eu não consegui, aí já se viu qual o resultado. Mas eu

desisti. Se eu fosse governador eu agiria como Abelard Ferverson, ex-presidente

dos Estados Unidos, o mais democrático de todos eles, que disse o seguinte: “A

imprensa pode ser boa ou má; mas se não tiver liberdade ela é sempre má”.

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E como você daria liberdade para uma imprensa cuja folha de pagamento

depende diretamente do governo?

Isso aí é uma questão doméstica. Porque esse jornal aqui viveu por anos...

...e não recebe dinheiro do governo até hoje...

Não, hoje o jornal O Rio Branco é cliente do governo!

Desde quando?

Desde quando houve os distúrb... desde que houve a minha saída do... do... do

embate político. Eu não culpo tão-somente o governo, eu divido as

responsabilidades. Eu provocava, eu era provocador!

Mas esse contrato começou só agora no governo Binho?

Não, começou ainda no governo Jorge Viana, por incrível que pareça.

Então foi a partir do instante em que o jornal parou de denunciar...

Não, não, não! O interessante é que não. Sabe por que? A formiga sabe a folha que

corta. Quando ele chegava para o Silvio Martinello e que botava aquela... o Silvio

Martinello tem preço, eu não tenho preço, eu tenho valor. Eu sou diferente. Valor é

uma coisa, preço é outra. Valor... “não, o Narciso eu não ponho cabresto no

Narciso, eu não vou mandar em Narciso, então eu vou ter que respeitar Narciso, se

eu respeitar Narciso vou ser respeitado por ele”. É o campo do valor. O preço é

assim: “Vem cá, se eu pagar 50 mil por mês você diz que eu sou bonito?”. O outro

responde: “Não!”. “E se eu pagar 30 mil?”. “É feio!”. “E se eu pagar 70 mil?”. “É mais

bonito ainda!”. Entende? É como aquela história da mulher que você chega e diz:

“Minha filha, você por 100 dólares faz amor comigo?”. Ela diz: “Faço! Faço, é claro!”.

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“E por 20 reais?” E ela: “Você pensa que eu sou prostituta?”. E você: “Bem,

prostituta você já mostrou que é na resposta anterior; agora só estamos discutindo o

preço”. Entende?

Isso quer dizer que, independentemente do valor que uma empresa de

comunicação recebe, há um ato de prostituição em relação ao governo?

Mas isso é feito fundamentalmente a partir do dono mesmo. É pela empresa

mesmo. É empresa.

Mas O Rio Branco, segundo você, escapa dessa contabilidade prostituída?

Não, agora temos que separar o joio do trigo. Desde o início eu estou dizendo o

seguinte: eu não tenho razões, motivos para dizer que o jornal O Rio Branco foi

perseguido pelo Jorge Viana. Eu talvez dissesse que o Narciso Mendes tenha sido.

Politicamente, o Narciso Mendes. Eu não posso me esquecer que o meu mandato

que eu obtive em 2002 foi seqüestrado politicamente. Eu fui eleito e o meu mandato

foi seqüestrado politicamente. Mas eu não posso dizer que o jornal O Rio Branco foi

perseguido. Agora, o posicionamento atual do jornal se deve ao fato de que o jornal

hoje, quando passadas as eleições, o artigo que eu escrevi no domingo seguinte

dizia que o jornal O Rio Branco deixou de ser o jornal da oposição, pois era assim

que ele era tratado, mas que não seria o jornal do governo. E continua não sendo o

jornal nem da oposição nem do governo.

O que você quer dizer quando diz que o seu mandato foi seqüestrado?

Porque foi um seqüestro. Foi uma denúncia mentirosa feita por um procurador

irresponsável a serviço de causas inconfessáveis.

A serviço do Jorge Viana?

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Não sei, não sei. Eu sei que a denúncia foi que eu era gerente da TV Rio Branco e

eu nunca fui. Eu sou o proprietário. E essa denúncia se torna muito mais

vergonhosa quando 90% das televisões brasileiras são de políticos, de comandados

e nem por isso eles perderam os mandatos. Certo? Agora, o natural de uma

denúncia numa disputa política é que um adversário denuncie o outro. No meu caso

aconteceu um detalhe interessante: a denúncia contra mim foi feita pelo Ministério

Público Eleitoral.

Sem ser provocado?

Para defender o Sérgio Petecão da acusação que eu fiz dele de comprador de votos

a resposta que eu obtive foi que a minha provocação não foi suficiente para a

denúncia. Mas no meu caso nem foi preciso isso, ele mesmo se auto-provocou. Mas

é bem simples, o que acontece é que eu não tenho vocação para mártir nem para

herói. Eu quero ser a pessoa que eu sempre fui, com os erros que eu tenho, os

defeitos que eu tenho e as virtudes que eu tenho.

Na sua experiência nesses anos como empresário no setor jornalístico

acreano. Se o governo do Estado resolvesse cortar todos os contratos com as

empresas de comunicação do Estado, elas sobreviveriam?

Poucas sobreviveriam. Porque a única que fez esse teste foi a minha.

Durou quanto tempo essa experiência?

O jornal O Rio Branco é tinhoso nesse particular. Porque quando eu me elegi em

1982 deputado estadual pela Arena, que deu sustentação à ditadura, mas que eu

assumi, até porque quando eu assumi a revolução estava nos seus estertores e por

isso se ela matou, esfolou eu não fui cúmplice de ninguém. Quando eu assumi o

Nabor Júnior também assumiu o governo do Estado, depois veio Flaviano Melo. O

mesmo tratamento que eu recebi do governo Jorge Viana, porque o jornal assumiu

uma posição de oposição, recebeu também do governo do PMDB porque naquela

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época nós éramos também oposição. Por isso eu digo a você que esse tratamento

“governo e jornal O Rio Branco” se dava muito mais em função do meu

posicionamento político pessoal. Aí havia contaminação, é isso. Só isso.

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ANEXO A – Documentos e matérias jornalísticas.

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ANEXO B – CD com as fotografias das capas pesquisadas.