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Natália Guimarães Duarte Sátyro
Política e Instituições e a Dinâmica das Políticas Sociais nos Estados Brasileiros
Uma Análise após a Redemocratização
Trabalho apresentado como Tese de Doutorado ao Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro como requisito parcial para obtenção do grau de Doutora em Ciência Política.
Banca Examinadora: Profa. Argelina Figueiredo (Presidente) Profa. Maria Regina Soares de Lima (Orientadora) Prof. Gláucio Ary Dillon Soares Profa. Marta Arretche Profa. Celina Souza
Rio de Janeiro 2007
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SUMÁRIO DE GRÁFICOS .................................................................................................................................... 3 SUMÁRIO DE TABELAS ...................................................................................................................................... 4 SUMÁRIO DE QUADROS ..................................................................................................................................... 4 SUMÁRIO DE MODELOS ..................................................................................................................................... 4 RESUMO ............................................................................................................................................................. 5 AGRADECIMENTOS ............................................................................................................................................ 6
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................................... 8
CAPÍTULO 1 - POLÍTICAS SOCIAIS NOS ESTADOS APÓS ABERTURA DEMOCRÁTICA ............. 25 1.1 – EVOLUÇÃO DAS POLÍTICAS SOCIAIS (1987-2006) ....................................................................................... 25
1.1.1 – Gasto social como proxy de política social ..................................................................................... 26 1.1.2 – Políticas sociais nos estados brasileiros ......................................................................................... 29
Evolução anual dos gastos sociais ........................................................................................................................... 32 Evolução anual dos gastos com educação e cultura ................................................................................................ 35 Evolução anual dos gastos com saúde e saneamento ............................................................................................... 39 Evolução anual dos gastos com assistência social e previdência ............................................................................. 41 Evolução anual dos gastos com habitação e desenvolvimento urbano .................................................................... 43
1.2 – COMPETÊNCIAS E ATRIBUIÇÕES, DESCENTRALIZAÇÃO SEM COORDENAÇÃO ........................................... 46 CONSIDERAÇÕES ............................................................................................................................................... 55
Anexo do capítulo 1 .................................................................................................................................................. 56 CAPÍTULO 2 – DETERMINANTES POLÍTICOS DE POLÍTICAS SOCIAIS .......................................... 59
2.1 – COMPETIÇÃO POLÍTICO-ELEITORAL E GOVERNABILIDADE ........................................................................ 64 2.2 – IDEOLOGIA POLÍTICA ................................................................................................................................ 71 2.3 – LEGADO .................................................................................................................................................... 81 2.4 – RESTRIÇÕES INSTITUCIONAIS ................................................................................................................... 83 2.5 – FATORES SOCIAIS E ECONÔMICOS ............................................................................................................ 85
Anexo do capítulo 2 .................................................................................................................................................. 92 CAPÍTULO 3 – ARRANJOS INSTITUCIONAIS COEXISTENTES – UM FATOR INTERVENIENTE 98
3.1 – CONSIDERAÇÕES SOBRE CLIENTELISMO ................................................................................................. 100 3.2 – O CLIENTELISMO COMO CATEGORIA ANALÍTICA IMPORTANTE ................................................................ 106 3.3 – ARRANJOS INSTITUCIONAIS COEXISTENTES, UMA OUTRA ABORDAGEM .................................................. 109
CAPÍTULO 4 – POLÍTICAS SOCIAIS NOS ESTADOS BRASILEIROS: UMA ANÁLISE EMPÍRICA ............................................................................................................................................................................ 122
4.1 – CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS ........................................................................................................ 122 4.1.1 Proposta analítica: modelos explicativos ......................................................................................... 122 4.1.2 Efeito Fixo por Estado ...................................................................................................................... 125 4.1.3 Distrito Federal, um caso influente? ................................................................................................ 127 4.1.4 Modelos alternativos para mensurar o Legado ................................................................................ 128 4.1.5 Modelos que utilizaram os indicadores de demanda específica ....................................................... 130 4.1.6 Testes para estimar restrições institucionais ................................................................................... 131
4.2 – MODELOS PARA A PROVISÃO DE POLÍTICAS SOCIAIS ............................................................................... 133 4.2.1 Modelos estimados para Gasto Social Agregado ............................................................................. 133 4.2.2 Modelos estimados para Gastos com Educação e Cultura .............................................................. 134 4.2.3 Modelos Estimados para Gastos com Saúde e Saneamento ............................................................. 135 4.2.4 Modelos Estimados para Gastos com Assistência Social e Previdência .......................................... 136 4.2.5 Modelos estimados para Gastos com Habitação e Desenvolvimento Urbano ................................. 137
CONSIDERAÇÕES ............................................................................................................................................. 138 Anexo do capítulo 4 ................................................................................................................................... 154
CONCLUSÕES ................................................................................................................................................. 158 Anexo da conclusão ................................................................................................................................................ 166
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................................................... 168
3
Sumário de Gráficos Gráficos 1 e 2 - Índice de Desenvolvimento Humano para os anos de 1991 e 2000 .............................................................. 30 Gráfico 3 - PIB per capita segundo região e segundo mandato ............................................................................................. 31 Gráficos 4 e 5 - Índice de Gini – Desigualdade Social para os anos de 1991 e 2005 .............................................................. 32 Gráfico 6 - Variação do gasto social para todos os estados, por ano e por mandatos – média e dois desvios-padrão ......... 33 Gráfico 7 - Variação do Gasto Social para todos os estados, por região e por mandatos .................................................... 34 Gráfico 8 - Gastos com Educação e Cultura para todos os estados, por mandatos .............................................................. 36 Gráfico 9 - Freqüência Escolar de Jovens de 15 a 17 anos (%) por ano ............................................................................... 37 Gráfico 10 - Freqüência Escolar de Jovens de 15 a 17 anos que estão no ensino Médio ou possuem oito anos de estudo completos (%) por ano ............................................................................................................................................................. 37 Gráfico 11 - Freqüência Escolar de Jovens de 15 a 17 anos que estão no ensino Médio ou possuem oito anos de estudo completos (%) por mandato e por região ................................................................................................................................. 38 Gráfico 12 - Taxa de Analfabetismo das Pessoas de 10 a 17 anos ........................................................................................ 38 Gráfico 13 - Gasto com Saúde e Saneamento para todos os estados, por região e mandatos ............................................... 39 Gráfico 14 - Gasto com assistência social e previdência para todos os estados, por região e mandatos ............................. 42 Gráfico 15 - Proporção de idosos na população (%) ............................................................................................................. 43 Gráfico 16 - Variação dos gastos com habitação e desenvolvimento urbano para todos os estados, por mandatos – média e dois desvios-padrão.................................................................................................................................................................. 44 Gráfico 17 - Variação do Gasto Social para todos os estados, por ano e por mandatos – média e dois desvios-padrão – incluindo DF ............................................................................................................................................................................ 56 Gráfico 18 - Histograma com Densidade Kernel para Gastos Sociais – 1987- 2006 ............................................................ 56 Gráfico 19 - Histograma com Densidade Kernel para Gastos com Educação e Cultura – 1987- 2006 ................................ 57 Gráfico 20 - Histograma com Densidade Kernel para Gastos com Saúde e Saneamento – 1987- 2006 ................................ 57 Gráfico 21 - Histograma com Densidade Kernel para Gastos com Assistência Social e Previdência – 1987-2006.............. 58 Gráfico 22 - Histograma com Densidade Kernel para Gastos com Habitação e Desenvolvimento Urbano – 1987-2006 ..... 58 Gráfico 23 - Votos no primeiro turno (%) dos estados, por Mandato e por Região ............................................................... 69 Gráfico 24- Cadeiras nas Assembléias Estaduais (%) por Mandato e por Região Administrativa ......................................... 70 Gráfico 25 - Gasto Social para todos os mandatos, por Ideologia .......................................................................................... 77 Gráfico 26 - Gasto Social para todos os mandatos, por Partido Político ................................................................................ 78 Gráfico 27 – Gastos com Educação e Cultura EDU para todos os mandatos, por Partido Político ....................................... 79 Gráfico 28 – Gastos com Saúde e Saneamento para todos os mandatos, por Partido Político ............................................... 79 Gráfico 29– Gastos com Ass. Social e Previdência para todos os mandatos, por Partido Político ......................................... 79 Gráfico 30 – Gastos com Hab. e Des. Urbano para todos os mandatos, por Partido Político ................................................ 79 Gráfico 31 - Grau de Endividamento dos Estados por ano – 1987-2006 ................................................................................. 87 Proporção de gastos com amortização de dívidas interna e externa em relação às despesas totais ....................................... 87 Gráfico 32 – Gastos Sociais para todos os mandatos, por Partido Político ............................................................................ 95 Gráfico 33 – Gastos com Educação e Cultura para todos os mandatos, por Partido Político ................................................ 95 Gráfico 34 – Gastos com Saúde e Saneamento para todos os mandatos, por Partido Político ............................................... 96 Gráfico 35 – Gastos com Ass. Social e Previdência para todos os mandatos, por Partido Político ........................................ 96 Gráfico 36 – Gastos com Hab. e Des. Urbano para todos os mandatos, por Partido Político ................................................ 97 Gráfico 37 – Evolução anual dos gastos sociais, políticos e econômicos do Ceará – 1987-2006 ......................................... 119 Gráfico 38 - Valor predito não padronizado do gasto social ................................................................................................. 126 Gráfico 39 - Valor predito não padronizado do gasto social Efeito Fixo .............................................................................. 126 Gráfico 40 - Média do Gasto Social para todos os mandatos, por estados e por regiões ...................................................... 127
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Sumário de Tabelas Tabela 1 - Taxa de Mortalidade Infantil/mil .......................................................................................................................... 41 Tabela 2 - Taxa de Urbanização ............................................................................................................................................ 45 Tabela 3 - Correlação entre os gastos sociais e indicadores de competição política .............................................................. 71 Tabela 4 - Correlação entre os gastos sociais e proporção dos gastos com amortização das dívidas dos estados ................. 88 Tabela 5 - Correlação entre indicadores políticos e os indicadores socioeconômicos ............................................................ 89 Tabela 6 – Percentual de votos no primeiro turno em torno do candidato eleito por UF por mandato .................................. 92 Tabela 7 – Percentual de cadeiras da coalizão vencedora na Assembléia Legislativa estadual por UF por mandato ........... 93 Tabela 8 – Medidas de tendência central para os gastos sociais, por partido ......................................................................... 94
Sumário de Quadros Quadro 1 – Artigos das Constituições Estaduais que determinam a porcentagem da receita destinada à Educação ............. 49 Quadro 2 – Sinopse de estudos sobre gasto social e correlatos – evidências e efeitos encontrados ........................................ 75 Quadro 3 – Sinopse dos indicadores políticos e socioeconômicos e dos efeitos esperados ..................................................... 91 Quadro 4 – Quadro resumo dos tipos de arranjos institucionais e dos fatores que influenciam esses arranjos ................... 114 Quadro 5 – Fatores políticos e arranjos institucionais .......................................................................................................... 115 Quadro 6 - O efeito dos partidos políticos dos governadores eleitos ..................................................................................... 138 Quadro 7 - O efeito dos partidos políticos dos governadores eleitos 1987-1996 ................................................................... 139 Quadro 8 - O efeito dos partidos políticos dos governadores eleitos 1997-2004 ................................................................... 141 Quadro 9 - O efeito dos indicadores de competição política e pontos de veto na Assembléia ............................................... 142 Quadro 10 - O efeito dos indicadores de competição política e pontos de veto na Assembléia 1987-1996 ........................... 144 Quadro 11 - O efeito dos indicadores de competição política e pontos de veto na Assembléia 1997-2004 ........................... 145 Quadro 12 – O efeito das políticas prévias ............................................................................................................................ 146 Quadro 13 – O efeito do tempo - mandatos ........................................................................................................................... 148 Quadro 14 - O efeito dos indicadores socioeconômicos ........................................................................................................ 148 Quadro 15 - O efeito dos fatores políticos antes e depois do efeito fixo dos estados ............................................................. 152 Quadro 16 - O efeito do controle temporal antes e depois do efeito fixo dos estados ............................................................ 152 Quadro 17 - O efeito dos indicadores socioeconômicos antes e depois do efeito fixo dos estados ........................................ 153 Quadro 18 - Partido ou Coalizão Vencedora e Nome do Candidato, por estado e por mandado ......................................... 166
Sumário de Modelos Tabela A - Modelos 1, 2 E 3 – Modelos PCSE-AR1 Gasto Social Total como Variável Dependente .................................... 133 Tabela B - Modelos 4, 5 e 6 – Modelos PCSE-AR1 - Gastos com Educação e Cultura ......................................................... 134 Tabela C - Modelos 7 a 9 – Modelos PCSE-AR1 - Gastos com Saúde e Saneamento............................................................ 135 Tabela D - Modelos 10 a 12 – Modelos PCSE-AR1- Gastos com Assistência Social e Previdência ...................................... 136 Tabela E - Modelos 13 a 15 – Modelos PCSE-AR1 - Gastos com Habitação e Desenvolvimento Urbano ............................ 137 Modelos OLS-EF- Gastos Sociais .......................................................................................................................................... 154 Modelos OLS-EF- Gastos com Educação e Cultura .............................................................................................................. 154 Modelos OLS-EF- Gastos com Saúde e Saneamento ............................................................................................................. 154 Modelos OLS-EF- Gastos com Assistência Social e Previdência .......................................................................................... 155 Modelos OLS-EF- Gastos com Habitação e Saneamento ...................................................................................................... 155 Modelos PCSE-AR1- Gastos com Educação e Cultura+DE .................................................................................................. 156 Modelos PCSE-AR1- Gastos com Saúde e Saneamento+DE ................................................................................................. 156 Modelos PCSE-AR1- Gastos com Assistência Social e Previdência+DE .............................................................................. 157 Modelos PCSE-AR1- Gastos com Habitação e Saneamento+DE .......................................................................................... 157
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Resumo
O objetivo deste trabalho é analisar se a variação nos padrões de provisão de
políticas sociais nos estados brasileiros é uma conseqüência do arcabouço político-
institucional – mais especificamente, do sistema partidário, dos níveis de competição político-
eleitoral, do legado e das restrições institucionais do sistema político estadual, que definem
regras de competição e processos políticos, incluindo, para tanto, o estudo de todos os estados
e o Distrito Federal, nos 20 anos posteriores à redemocratização do país. A análise empírica,
realizada por meio de estimações de modelos de regressão Prais-Winsten com panel corrected
standard error model (PCSE-AR1), refuta a abordagem neo-institucionalista e seus resultados
demostram suas limitações em explicar a variabilidade encontrada entre as políticas sociais
estudadas, pois, tradicionalmente utilizada no escrutínio dos níveis nacionais de governo, não
pôde ser eficazmente aplicada à pesquisa dos níveis subnacionais sem apresentar problemas
de equivalência de medidas. Diante de restrições econômicas, institucionais e legais, os
partidos políticos perderam sua capacidade explicativa e a competição política não se
apresenta como forte preditora de políticas sociais. Isto posto, a teoria explicativa das políticas
públicas, derivada de tais achados, propõe que as instituições políticas se manifestam de
forma distinta na arena política estadual e que, portanto, os efeitos de interação dos fatores
políticos-institucionis com os diferentes arranjos institucionais constituiría importante tema de
pesquisas futuras.
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Agradecimentos
O caminho que se percorre para terminar uma tese é de lodo, limo, lucidez, desvairios
e amigos. Esse é, indubitavelmente, um resultado solitário de algo que não se faz só. É preciso
muito ombro para suportar o peso da tese, apesar de ela não pesar nem mesmo uma resma.
Agradeço ao meu pai, à minha irmã Patrícia, à minha mãe que também está aqui, e a
Deus. Preciso agradecer a Ana e a Maria, a Fernanda e ao João, ao Marcelo e ao Joaquim, a
Arleth e ao José, ao Antônio e a Denise, ao Lauro e a Daniele, ao Melquíades. Ao Leandro
pelo que aprendemos juntos. Ao trio Joana, Kátia e Ricardo, pela força na reta final.
Agradeço, também, a Maria Regina Soares Lima, minha orientadora, ao IUPERJ e à
CAPES, pelos recursos fundamentais para meu doutoramento. Ao professor Joseph Potter
pela oportunidade aberta pelo Vilmar Faria Fellowship Program.
Por fim, meu agradecimento ao Eduardo com quem compartilho o presente e sonho
com o futuro.
Dedicada à minha mocinha, Cecília.
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“Nunca me esquecerei desse acontecimento na
vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma tese
Tinha uma tese no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma tese.”
Com o perdão de Drummond...
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Introdução
As duas últimas décadas são marcadas pela volta à Democracia e, por conseguinte,
por uma re-dinamização da política brasileira em todas a suas esferas. Isso remete,
necessariamente, à expectativa de que as variáveis políticas tenham efeito direto sobre a
política governamental e, mais especificamente, sobre as políticas sociais, objeto de estudo
desta tese. A partir do início da consolidação da democracia no Brasil, marcada pela Carta
Magna de 1988, as análises de processos e implementação de políticas sociais têm sido
enriquecidas pela multiplicação de estudos que visam a entendê-los, sendo sempre temas
importantes dentro da Ciência Política. A literatura concernente a estes estudos apresenta
vários perspectivas: descentralização de políticas, perfis regionais, financiamento de
programas ou áreas específicas, comparação do gasto social entre as diversas esferas de
governo, e análises que visam a determinar a capacidade explicativa dos fatores políticos ou
socioeconômicos, seja em determinado programa, seja na provisão de políticas sociais.
Entretanto, de modo geral, seu foco mais recorrente é a comparação entre países, a fim de
compreender, seja o processo das reformas sociais, seja a implementação de programas
sociais específicos em determinado país, seja, ainda, a provisão de políticas sociais.
Estudos que focam unidades subnacionais, principalmente estaduais, e analisam
políticas públicas, são bem menos freqüentes. As pesquisas sobre o tema têm investigado o
processo de descentralização das políticas sociais, grande parte delas enfatizando o papel do
federalismo, as diferenças regionais, os modelos de gestão adotados em estados distintos, os
recursos e gastos sociais, bem como a variabilidade e os impasses daquele processo. Outros
estudos, descritivos ou explicativos, mostram a importância e o impacto dos fatores político-
institucionais, econômicos e estruturais nas políticas sociais e, especificamente, em seu
processo de descentralização. Entre os trabalhos relevantes dentro desta abordagem, podem
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ser citados: o de Arretche (1999), que classifica os fatores determinantes de políticas sociais
em atributos estruturais, institucionais e aqueles ligados à ação política; os de Arretche (2000)
e Almeida (1996), que enfatizam a relevância, também, das regras institucionais e da
engenharia operacional de cada política social, entendida como as especificidades de cada
setor, sendo que Almeida mostra as mudanças na legislação de cada área de política social e
ressalta o fortalecimento dos governos subnacionais e alguns condicionantes da
descentralização, como a democratização e a crise fiscal (Almeida, 1996 e 2001; Arretche,
2000; Souza, 1996).
Os resultados de políticas de saúde, políticas educacionais e reformas sociais
também têm sido temas de amplo interesse dentro da comunidade de pesquisa (Pires e
Oliveira Neto, 2006; Mendes e Sousa, 2006; Lino e Câmara, 1994; Oliveira, 1995; Castro,
2000; Parente e Lück, 1999). Do mesmo modo, há estudos de problemas específicos, como o
do declínio da mortalidade infantil (McGuire, 2001b), da boa performance governamental
(Tendler, 1998) e, ainda, análises de diferentes programas apresentados, ou de um programa
nacional como, por exemplo, o Bolsa Escola. Outros estudos avaliam o impacto de
determinados programas, como o Bolsa Família e o Agente Jovem, na diminuição da
desigualdade social (Brazil – Bolsa Escola Programas, 2001; AIPBF, 2006; Agente Jovem,
2007 - Desempenho e Impactos do Projeto Agente Jovem de Desenvolvimento Social e
Humano; Soares et al, 2006; Soares et al, 2007).
O trabalho de Fernandes et al (1998) é um exemplo de estudo em profundidade
sobre os gastos sociais - “Gasto Social das Três Esferas de Governo – 1995” –, no qual os
autores, por intermédio de uma análise empírica, apontam mudanças no padrão de gestão do
gasto social, estabelecido a partir da Constituição de 1988. Os autores salientam o esforço e o
papel de cada uma das esferas de governo, como prestadoras de serviços da área social, por
meio da execução dos gastos sociais, no ano de 1995. Pesquisa mais recente analisa as
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finanças sociais do governo federal entre 1995 e 2002, identificando uma crescente expansão
do gasto social federal, considerando, em sua análise, aspectos como a crise econômica, o
ajuste fiscal e a carga tributária federal sobre o gasto social (Castro et al, 2006).
Trazendo a discussão para uma temática mais focada no objeto de análise desse
trabalho, já se observa um maior interesse pelo impacto de partidos políticos sobre o gasto
social, analisado de forma agregada, ou separadamente, em suas subcategorias. Mesmo assim,
observa-se a mesma tendência citada acima, uma vez que a maior parte da literatura
desenvolve trabalhos focando países, sendo mais raros os estudos que usam os níveis
subnacionais de governo como unidade de análise. Nesta linha, podemos citar Ribeiro (2006,
1999) como exemplo de autor que sublinha o papel dos partidos políticos nos municípios
através da análise dos padrões de gastos sociais encontrados. Nesta mesma linha, Sátyro
(2001) investiga o impacto dos fatores político-institucionais e econômicos no processo de
descentralização das políticas educacionais nos municípios brasileiros entre 1997 e 1999
(Sátyro, 2001, 2006).
Entretanto, como já ressaltado acima, observa-se uma carência de estudos
comparativos em políticas sociais que focalizem os níveis estaduais de governo, inclusive no
que se refere à correlação entre a política e os resultados de políticas sociais, o que não
representa uma carência específica da Ciência Política brasileira. Alguns trabalhos recentes
que analisam a política estadual podem ser citados: Bonfim (1999), sobre o Ceará; Borges
(2000) e Souza (1997), sobre a Bahia; Desposato (2001), sobre Bahia, Piauí, São Paulo,
Brasília e Rio Grande do Sul; Schneider (2001), sobre Rio Grande do Sul, Paraná, Bahia e
Pernambuco. Todavia, pouco se tem desenvolvido para o nível estadual de governo, de
maneira a considerar um número de casos passível de generalização. Falta-nos, portanto, uma
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análise sistemática e comparativa entre os estados brasileiros que explique a variação
encontrada nos padrões de políticas sociais1.
Recentemente, encontra-se na literatura brasileira vários trabalhos que analisam
questões relativas à arena política de alguns estados brasileiros, focalizando, principalmente,
questões orçamentárias e fiscais. Observa-se o fortalecimento de um campo de discussão
promissor que, até pouco tempo, era dominado por interpretações influentes, em geral
brasilianistas, que impunham uma abordagem analítica, quase de forma uníssona, para as
quais instituições estaduais e locais apresentam lógicas patrimonialistas e práticas clientelistas
(Ames, 1996, 2001; Hagopian, 1996; Mainwaring, 1999; Samuels e Mainwaring, 2004;
Weyland, 1996; Abrucio, 1998). Entretanto, atualmente, começam a surgir trabalhos que
apresentam uma nova linha analítica, trabalhando com a possibilidade de arranjos
institucionais distintos, e não necessariamente concorrentes (Nunes, 1999; Borges, 2005,
2006; Souza, 2006).
Ressalte-se que, de modo geral, tem-se aprofundado o conhecimento sobre o
impacto dos fatores político-institucionais nas políticas sociais com o desenvolvimento de
uma agenda dentro da Ciência Política, sendo que, no Brasil, isto ocorre mais marcadamente
no período pós-Constituição de 1988, quando já se passavam seis anos do estabelecimento de
eleições diretas para governadores de estado (1982), e as condições institucionais permitiam a
formação e a consolidação de um sistema político multipartidário. A definição da mencionada
1 Cabe ressaltar que, em estudo sobre as vantagens e desvantagens do método comparativo em unidades
federativas subnacionais, Richard Snyder (2001) salienta que estes estudos são importantes porque possibilitam a exploração das ligações políticas entre as distintas regiões e níveis do sistema político, ressaltando, ademais, que tais ligações constituem um passo indispensável para o entendimento e explicação do processo fundamental de mudanças políticas (Snyder, 2001:94). Chhibber e Nooruddin (2004), em recente trabalho acerca do impacto do sistema partidário sobre a performance governamental dos estados indianos na distribuição de bens públicos, notam também a possibilidade de uma análise mais acurada, por exemplo, do sistema partidário e de outros fatores político-institucionais, tais como partidos efetivos, proporção das cadeiras na Assembléia. Nessa argumentação, os autores enfatizam ser esse um desenho de pesquisa que possibilita maior precisão de interpretação dos resultados empíricos, uma vez que fatores institucionais, tais como federalismo, características do sistema eleitoral, bicameralismo, variantes entre países, estarão controlados (Gupta, 2004; Chhibber e Nooruddin, 2004).
12
agenda da Ciência Política também é influenciada, no mesmo período pós-Constituinte, pelo
processo de descentralização e fortalecimento da capacidade decisória dos governos
subnacionais, a partir da definição constitucional de atribuições e competências na provisão
de políticas públicas.
A hipótese central da presente tese refere-se ao impacto que tem a política na
provisão das políticas sociais: educação e cultura, saúde e saneamento, assistência social e
previdência, bem como habitação e desenvolvimento urbano. Mais especificamente, será
objetivo deste trabalho explicar a variabilidade dos padrões de provisão de políticas sociais
dos estados brasileiros, nos cinco mandatos governamentais que se seguiram à
redemocratização, por meio dos fatores políticos e institucionais do período de 1987 a 2006.
Dessa forma, intenciona-se saber qual o impacto da competição política, do sistema partidário
ou, mais especificamente, da ideologia política partidária, do legado das políticas públicas
prévias e das restrições institucionais e econômicas sobre a provisão de políticas sociais nos
vinte anos pós fim da ditadura militar. Esse trabalho visa testar as principais hipóteses da
literatura tendo os estados como unidade de análise que, neste caso, funciona como elemento
diferenciador em relação a essa referida literatura que é fortemente marcada por seu foco na
comparação entre países.
Antes de mostrar como a presente tese será dividida, será feita a contextualização do
tema através de uma breve contextualização do cenário político, caracterizado por um forte
processo de descentralização das políticas sociais, cada qual com seus respectivos aspectos
peculiares, processo este que não resultou na coordenação entre os entes federativos. Em
seguida, será dada, também, uma visão panorâmica desse período de redemocratização,
conturbado por sete planos de estabilização econômica e caracterizado por políticas recessivas
em cadeia, na tentativa de conter a alta inflação.
13
Contexto político: descentralização sem coordenação e restrições constitucionais
Em uma ordem democrática de governo, a estrutura legal do sistema delimita o
campo de ação, define os atores relevantes e suas competências, além das atribuições e
recursos a que cada um tem direito, influenciando diretamente a conformação do cenário
político. Além disso, as regras e as mudanças constitucionais refletem a intenção dos
legisladores, ou seja, a intenção de atores políticos importantes. A própria capacidade
explicativa dos fatores políticos torna-se limitada diante de determinadas restrições
institucionais (Schmidt, 1996). As instituições determinam a forma de interação dos atores, o
campo de ação dos mesmos, as regras do jogo político, bem como os graus de liberdade dos
administradores, tendo, assim, efeito direto na implementação de políticas sociais (Scharpf,
1997; Liphart, 1999).
No Brasil, a Carta Magna de 88 caracterizou-se pela ênfase na descentralização e
redistribuição de recursos e competências na execução de políticas públicas no Brasil,
encerrando o sistema unitário de poder fortemente centralizado da ditadura militar. O
processo de descentralização das políticas sociais no Brasil teve a atenção por parte de muitos
estudiosos que analisaram o fenômeno sob diversos aspectos: diferenças regionais; os
modelos de gestão adotados em estados distintos; recursos e gastos sociais; mudanças no
processo de descentralização; a variabilidade e os impasses do processo de descentralização.
Estudos como esses oferecem um rico material descritivo da descentralização, apontando as
características dos fatores político-institucionais, econômicos, sociais e estruturais das
políticas sociais no Brasil. São exemplos dessas interpretações trabalhos como os organizados
por Affonso e Silva (1996) e por Arretche e Rodriguez (1999). Entretanto, é consensual
afirmar que estes estudos tiveram dois eixos condutores principais: o arranjo federalista pós-
14
abertura democrática, e as mudanças constitucionais na última década como dimensões
decisivas para o entendimento da configuração das políticas públicas brasileiras.
Esse processo foi um contraponto ao período militar em que houve, por um lado, a
concentração de recursos através da canalização das fontes de financiamento de políticas
sociais para o governo federal, e, por outro, a centralização, neste mesmo Governo, da
responsabilidade pela formulação e implementação das políticas sociais, através da definição
até mesmo das formas de participação dos estados e dos municípios na provisão dessas
políticas.
Hoje, há um consenso na literatura de que o processo de descentralização brasileiro
não foi linear entre os diferentes estados e municípios, e deixou a desejar no que concerne à
articulação e coordenação de competências e atribuições entre os três níveis de governo,
encontrando-se, ademais, diferenças nas diversas áreas sociais (Almeida, 1995; Arretche,
1999, 2000; Médici e Maciel, 1995; Oliveira e Biasoto Jr., 1999; Rezende, 1995, 2003; Silva
e Costa, 1995). Exemplo de trabalho nessa área é o de Almeida (1996), no qual a autora
observa que há uma variação nas formas e ritmos da descentralização em cada área, mas que,
em todas, há dependência direta à postura de governo federal, na medida em que o processo
depende de um “estímulo inicial” para a sua implantação. Essa visão é reafirmada por
Arretche em estudo sobre os determinantes da variação da descentralização das políticas
sociais no Brasil, em que a autora defende, não apenas a variação de alcance de cada política
social entre os diversos estados da Federação e do grau de descentralização dessas políticas,
mas, também, diferenças no processo de descentralização dentro de cada área específica e em
cada estado estudado (Arretche, 1999, 2000).
Arretche enfatiza, além do papel do Governo Federal, o dos governos estaduais
nesse processo, ressaltando o atuação primordial das “estratégias de indução” à
15
descentralização, promovidas por estes governos. Segundo a autora, cada estado foi
responsável pela implementação de políticas setoriais de descentralização, resultando em
alcances diferentes da participação dos estados e municípios na execução das políticas sociais,
argumento este que salienta a importância do aspecto federativo brasileiro, haja vista a
influência de determinado nível de governo, justamente num processo em que os entes
ganham autonomia. A autora ressalta a importância do arranjo federativo do Estado brasileiro
para a descentralização das políticas sociais, na medida em que este possibilita transferências
de competências de forma consentida, pois as unidades de governo são autônomas para negar,
ou para aderir, a uma determinada política.
Almeida, por sua vez, aponta, agregando a esta idéia, o fator coalizão entre estados e
governo federal, que pode ser forte ou fraco (até inexistente), em algumas áreas como
habitação, ou mesmo apresentar grande variação e pouca estabilidade com os diversos
estados. Isto posto, este arranjo implica barganha intergovernamental, possibilitando
transferência de competências, atribuições ou recursos. Esses pontos remetem ao arranjo
federalista que, junto com as regras constitucionais, estabelecem um campo de ação e os
atores, como veremos no decorrer do trabalho. Almeida mostra, ademais, as mudanças na
legislação de cada área de política social, ressaltando o fortalecimento dos governos
subnacionais e alguns condicionantes da descentralização, como a democratização e a crise
fiscal.
Faz-se necessária, pois, uma incursão pelas mudanças constitucionais que definem
as atribuições e as competências dos municípios, dos estados e da União nas políticas sociais.
Toda essa literatura mostra que os atores políticos, que queriam um Estado mais
descentralizado, estavam presentes e tiveram força na Assembléia Nacional Constituinte
durante os anos de 1987 e 1988, resultando, assim, em uma Constituição com fortes
16
princípios descentralizantes. A Constituição Federal de 1988 redefiniu o arranjo federativo
brasileiro, concedendo mais autonomia, tanto para os estados, quanto para os municípios, que,
a partir de então, passam a ter atribuições e competências importantes para a implementação
de políticas sociais. Entretanto, é consenso, também, na literatura pertinente, que essa mesma
Constituição não definiu o arranjo federativo de forma a propiciar ações articuladas e
coordenadas dos estados e municípios no que concerne à provisão de políticas sociais. A
ambigüidade da Constituição, resultante da falta de objetividade e definição de atribuições
relativas à elaboração e à implementação de políticas sociais – nos capítulos que tratam das
competências e atribuições comuns entre União, estados e municípios –, propiciou um regime
federativo de cooperação mas sem coordenação que dá margem à não-ação e à ausência do
Estado em áreas sociais importantes.
O artigo 23 da Constituição Federal estabelece competências comuns para a União,
os estados e Distrito Federal e os municípios nas áreas de educação, cultura, saúde,
saneamento, assistência social, previdência, habitação, meio ambiente, combate à pobreza,
patrimônio artístico e cultural. Entretanto, dificulta a coordenação quando deixa para a lei
complementar a fixação de normas para a cooperação entre os entes federados com vistas ao
equilíbrio do desenvolvimento da Federação. Pode-se ressaltar quatro características
importantes da Constituição: i) no Título VIII (Da Ordem Social), nos capítulos que dispõem
sobre as áreas sociais, somente a área da saúde teve diretrizes claramente descentralizantes
por meio da definição do Sistema Único de Saúde (SUS); ii) as transferências definidas por
ela deixaram de se vincular a políticas e programas específicos, exceto na área educacional;
iii) no que se refere à educação e à saúde, apesar de haver explicitamente uma determinação
de cooperação técnica e financeira, não há especificação de quais são as responsabilidades de
cada ente, nem a forma de cooperação, o que conduz, às vezes, à concorrência, ao invés da
cooperação, entre os três níveis de governo; iv) na área de habitação, não foram tomadas
17
medidas efetivas na organização das atribuições, nem mesmo das formas de cooperação entre
União, estados e municípios. Portanto, à Constituição faltou o elemento da coordenação de
ações.
Some-se a isso o fato de que, embora os estados brasileiros tenham autonomia
garantida pela Constituição, há limites estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal
(LRF) que impõem regras financeiras e fiscais, atribuindo responsabilidade aos entes
federativos no manejo do dinheiro público. Outrossim, apesar dos recursos do governo
federal, os estados confrontaram grande número de restrições econômicas, oriundas de vários
pacotes de ajuste econômico-estrutural. Outras restrições são impostas às políticas sociais
pelo próprio texto constitucional: 25% e 12% da receita de impostos (incluída a proveniente
das transferências mandatórias) na manutenção e desenvolvimento, respectivamente, do
ensino público e de ações na área de saúde.
Contexto econômico
A variabilidade dos padrões de provisão de políticas sociais observada entre os
estados após a abertura democrática deve ser entendida à luz das restrições causadas, também,
pelo contexto econômico do Brasil neste período. Muitos autores enfatizam a estrutura
econômica como determinante para a capacidade de implementação e execução de políticas
sociais. Representativos dessas interpretações são trabalhos como os de Skocpol e Amenta
(1986), Immergut (1996), Huber et al. (1993), Pierson (1995, 1996), Schmidt (1996), Castles
(1999b), Huber e Stephens (2001a), e Ames (2002).
O período em estudo começa com um contexto de alta inflação, no Governo Sarney
– 1985 a 1990 –, que tenta controlá-la através de três planos econômicos consecutivos – Plano
18
Cruzado/1986, Plano Bresser/1987, e Plano Verão/1989 –, não obtendo êxito em nenhuma
das tentativas. Politicamente, neste período, destaca-se a promulgação da Carta Magna, em
1988 que, como será visto mais adiante, foi o ponto de partida para o fortalecimento dos
estados a partir de melhor definição de suas atribuições e competências no que diz respeito às
responsabilidades na promoção de políticas sociais.
O período correspondente ao segundo mandato (1991-1994) caracterizou-se pela
continuidade da grande instabilidade econômica e política no país no governo Collor de Mello
– 1990 a 1991 – que, no âmbito econômico, implantou os Planos Collor I e II, que também
não foram bem-sucedidos, e no âmbito político, debilitado pelo processo de impeachment,
levado a cabo mesmo com a renúncia de Collor de Mello. Assim, assume o vice de chapa,
Itamar Franco, que permanece no governo de 1992 a 1994. Na administração de Itamar
Franco, destaca-se o Programa de Ação Imediata, que se constituiu numa série de medidas
econômicas com o intuito de enfretamento da alta inflação e que foi a preparação para a
implantação do Plano Real, este último promovendo forte baixa inflacionária, de 46,58% ao
mês, para 2,62%. As conseqüências desse contexto sobre as finanças estaduais serão vistas a
seguir (Pires e Bugarim, 2003).
No terceiro mandato (1995-1998), primeiro governo de FHC, o país entra em fase
de estabilização econômica, que levará ao segundo governo de Fernando Henrique Cardoso
(FHC) – quarto mandato de nossa análise (1999-2002) –, correspondendo, também, ao ápice
da crise de endividamento dos estados. Nesse período, estas dívidas, que vinham se arrastando
desde a década de 60, chegam a patamares não mais negligenciáveis. As finanças dos estados
descontrolaram-se por causa dos efeitos, entre outros fatores, do estreitamento da liquidez
financeira, do bloqueio dos ativos financeiros do Plano Collor, das elevadas taxas de juros do
Plano Real e dos excessivos gastos com pessoal nos estados (Santos, 1998; Pires e Bugarim,
19
2003), embora esse não tenha sido um fenômeno nacional ou isolado, haja vista as crises, ao
final da década de 90, no Leste Asiático (1997) e na Rússia (1998).
No que tange aos gastos com pessoal nos estados, estes vinham se acumulando em
altos patamares, induzindo ainda mais déficits recorrentes. Para se ter uma idéia da limitação
que tais gastos impunham à capacidade de investimento social dos estados, no ano de 1995,
em média, os estados gastavam 79% da receita corrente líquida com pessoal, com uma queda
nessa média, nos dois anos subseqüentes, de 14 e 19 pontos percentuais, apesar de casos como
o do Rio de Janeiro, que em 1995 e 1996, superou 100% da receita (Rocha e Giuberti, 2005).
O controle da inflação pelo Plano Real veio atrelado ao descontrole fiscal da União e
dos estados. Entre 1995 e 2001, a dívida líquida do setor público subiu de 28,2% para 41,2%
do PIB, mas a dívida dos estados subiu 93% no mesmo período, passando de 8,1% para 15%
do PIB (Pires e Bugarim, 2003). Depois de um longo período de negociação com o governo
federal, a crise do endividamento dos estados resultou, em 1997, no refinanciamento das
dívidas de 25 dos 26 estados brasileiros e Distrito Federal. Naquela ocasião, somente Amapá
e Tocantins não tiveram suas dívidas refinanciadas.
É legítimo pensar que a queda na média de gastos dos estados no decorrer do tempo,
e em especial no terceiro mandato, que será vista mais adiante, é também uma conseqüência
da política econômica recessiva do governo federal, restrições econômicas (externalidades)
impostas aos estados, que encolhem a margem de ação dos governadores na execução de
políticas sociais. O pacote econômico implantado por FHC, com a intenção de estabilização
monetária, submeteu os estados a grandes cortes orçamentários (Huber, 1996, 2002). Esse
constrangimento foi capaz de limitar o gasto público e diminuir a margem de ação dos
governantes para enfrentar crises econômicas e para investir em políticas sociais.
20
No quarto mandato, segundo de FHC (1999-2002), destaca-se, além do Programa de
Estabilidade macroeconômica citado acima, a Lei de Responsabilidade Fiscal (2000), que fixa
mecanismos de controle do endividamento e das despesas públicas, principalmente no que se
refere às despesas com pessoal e à dívida pública, abrangendo os três poderes – Judiciário,
Executivo e Legislativo – nas três esferas de governo: municipal, estadual e federal. Dito de
outra forma, a LRF construiu um arcabouço institucional que garantiria o equilíbrio fiscal
intertemporal, especificamente, instrumentos de fiscalização e controle do endividamento
representados por novas determinações e parâmetros para as finanças públicas dos entes
subnacionais e também para as relações federativas. Tal restrição legal tornou possível o
gerenciamento das finanças públicas e, deste modo, propiciou a gradual retomada do
investimento em políticas sociais. Apesar de ressaltarmos essas características da LRF, cabe
dizer que ela constitui instrumento de controle fiscal muito mais forte do que o tratado aqui,
pois estabelece diretrizes para elaboração, execução e avaliação do orçamento,
complementando a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei do Orçamento Anual
(LOA).
A maior parte dos dois governos de FHC foi cenário de renegociação de dívidas
entre União e estados, momento esse importante por mostrar a força dos estados como entes
federativos.
De 2003 a 2006, o país vive uma situação econômica muito mais estável com a
manutenção, por parte do governo federal, das políticas econômica e fiscal da administração
antecessora. Politicamente, há uma mudança real no governo federal com a vitória de Luiz
Inácio Lula da Silva, do PT, para presidente que, mesmo mantendo o curso econômico, lança,
em 2003, o Programa Bolsa Família, caracterizado pela transferência de renda condicionada a
famílias de baixa renda. Este se configura, entre todos, o período mais calmo, econômica e
politicamente falando.
21
Em resumo, durante todo o período transcorreram sete planos de estabilização
econômica, sendo cinco na década de 80, e outros dois na década de 90, cinco trocas de
moedas (86-Cruzado, 89-Cruzado Novo, 90-Cruzeiro, 93-Cruzeiro Real e 94-Real) com a
supressão de nove zeros2. Toda a efervescência política e econômica do âmbito nacional, após
a abertura democrática, é suficiente para justificar a necessidade de que, na especificação do
modelo, haja controle de indicadores econômicos e temporais para o não-inflacionamento dos
coeficientes dos fatores políticos a serem analisados.
Por meio desta contextualização é possível afirmar que esses vinte anos analisados
na presente tese caracterizou-se por dois processos que caminham em direções opostas no que
diz respeito às políticas sociais - nosso objeto de análise. Por um lado, um processo político-
institucional retratado pela re-dinamização da política a partir da abertura democrática que
vem desde o fortalecimento do federalismo à consolidação da competição política. E de onde
se espera um estímulo maior ao investimento na provisão dessas políticas em função do
aumento de autonomia dos estados e municípios e do fortalecimento dos partidos políticos.
Por outro lado, um processo político-econômico-fiscal que restringe essa capacidade de
investimento em políticas sociais representado por um conjunto de fatores caracterizados no
nível estadual pelo endividamento dos estados e no plano nacional por uma forte instabilidade
macroeconômica que foi respondida por políticas fiscais restritivas e, em especial, pela Lei de
Responsabilidade Fiscal que caracterizou-se como forma de controle de despesas públicas em
todos os níveis governamentais por meio do estabelecimento de limites para pagamentos de
pssoal, dívida pública e gastos correntes.
A estruturação do trabalho dar-se-á em quatro capítulos. No primeiro, serão
discutidas algumas das diferentes formas de operacionalização de gasto social e suas
2 Para informações mais detalhadas, ver Manual de Finanças Públicas – Sumário dos Planos Brasileiros de Estabilização e Glossário de Instrumentos e Normas Relacionadas à Política Econômico-Financeira. Banco
22
implicações para os resultados obtidos. Isso se torna importante porque o gasto social é
largamente utilizado como proxy de políticas sociais em pesquisas explicativas com tal objeto.
Será, também, analisada a evolução anual de cada uma das políticas sociais, ou seja, de cada
uma das variáveis dependentes aqui analisadas, bem como alguns indicadores de demanda
específica de cada área social.
No Capítulo 2 será realizada uma discussão teórica sobre a literatura, por meio da
qual será visto que este trabalho se baseia em uma abordagem político-institucional para
tentar saber, de fato, se as políticas sociais são resultantes do arcabouço político-institucional,
bem como em que medida, e de que modo, isso acontece nos níveis subnacionais de governo.
Parte-se do pressuposto teórico de que a política importa como fator explicativo das políticas
públicas (Castles, 1982, 2001; Castles e McKinlay, 1970; Weaver e Rockman, 1993). Neste
caso, classifica-se arcabouço político, tanto como características dos sistemas político e
partidário, definidoras das regras e restrições da competição político-eleitoral e do processo
político, quanto como bases da relação intergovernamental das esferas de governo. Neste
momento, será feita a apresentação, tanto dos fatores políticos que serão analisados
(competição política; partido político e ideologia partidária; legado de políticas prévias;
restrições institucionais e econômicas), quanto das hipóteses que serão testadas para orientar a
pesquisa empírica, investigando de que forma a questão aqui posta (política como fator
explicativo das políticas sociais) tem sido analisada na literatura especializada.
Ressalta-se que o objetivo não é mensurar regimes de bem-estar social ou resultados
de políticas sociais, mas desenvolver modelos que permitam apreender os efeitos da dinâmica
política sobre a execução de políticas sociais. Entretanto, parte-se de uma discussão em que se
acredita nas limitações dessa abordagem. Assim, também torna-se intuito da presente tese a
Central do Brasil - http://www.bcb.gov.br/?MANFINPUB
23
demonstração dessas limitações. Paralelamente, serão propostos novos critérios analíticos
com os quais se deve trabalhar quando se trata de unidades subnacionais.
Em seguida, no Capítulo 3, será desenvolvido o argumento de que diferentes
arranjos institucionais, ou seja, relações Estado-sociedade, matizam os fatores políticos aqui
discutidos, interferindo no resultado de políticas sociais. Esta proposição combate uma linha
analítica das instituições estaduais que utiliza, predominantemente, o clientelismo como
categoria analítica.
No quarto capítulo é feita a apresentação dos modelos analisados e dos resultados
encontrados. Além disso apresenta-se também a metodologia utilizada no estudo empírico
dos gastos sociais nos estados brasileiros por meio de uma análise de série temporal com corte
transversal e efeito fixo, que engloba cinco mandatos estaduais. Ou seja, este trabalho analisa
todos os estados brasileiros e o Distrito Federal nos últimos 20 anos, mais especificamente,
entre 1987 e 2006.
Por fim, serão feitas as considerações e apresentadas as conclusões que mostram
uma capacidade preditiva e efeitos praticamente nulos dos fatores políticos: ideologia
partidária não apresenta efeitos na provisão de políticas sociais, e competição política deixa a
desejar como preditor destas políticas. Os resultados permitem dizer que não houve diferença
entre a provisão de políticas sociais das administrações do PMDB, do PSDB, do PFL, do
PDT, do PSB, e dos pequenos partidos de direita, em relação ao PT. No que se refere ao
legado de políticas prévias e às restrições econômicas observou-se efeito em todas as políticas
sociais analisadas. E mais, como se verá, os resultados sugerem que é diante de restrições
econômicas e institucionais que os fatores políticos perdem sua capacidade de explicar a
provisão de políticas sociais. Ressaltar-se-á, ademais, a necessidade de se introduzir novas
categorias de análise à teoria explicativa de políticas públicas, e aqui sugerimos que há
24
diferentes arranjos institucionais que convivem entre si, e que matizam os fatores políticos e
que devem ser melhor estudados.
25
Capítulo 1 - Políticas Sociais nos Estados após Abertura Democrática
1.1 – Evolução das Políticas Sociais (1987-2006)
Qualquer discussão teórica ou empírica sobre as políticas sociais nos estados demanda,
antes, uma descrição da variabilidade da provisão dessas políticas sociais durante o período
analisado. Dados os propósitos apresentados, é importante ressaltar pelo menos três pontos: i)
as políticas sociais apresentam grande variância intra-regional e entre estados, mesmo na
presença dos mesmos constrangimentos institucionais que a literatura aponta como
importantes na definição de políticas públicas, a saber: características do sistema eleitoral,
federalismo, bicameralismo, ou outras características institucionais variantes entre países que,
neste caso, serão as mesmas; ii) são muitas as restrições e, também, os estímulos gerados
pelos contextos político e econômico em que variou a provisão de políticas sociais nos
estados após a democratização; iii) apesar da definição de competências e atribuições dos
estados em relação às políticas sociais pela Constituição, ainda há mais concorrência do que
cooperação uma vez que não houve coordenação de ações, sendo que as fontes de
financiamento são definidas apenas nas áreas de educação e saúde.
Assim, o objetivo deste capítulo é descrever a variabilidade da provisão de políticas
sociais nos estados brasileiros nos anos que se seguem à promulgação da Carta de 1988, e
apontar as restrições legais de cada área social.
Em um primeiro momento, serão discutidas as várias medidas de gastos sociais,
usados como proxy de políticas sociais, como o são comumente na literatura, e o porquê de,
neste trabalho, o gasto social como proporção do gasto total mensurar o esforço de governo
em política social.
26
Em seguida, é feita uma descritiva da evolução anual do gasto social executado nos
estados brasileiros entre os anos de 1987 e 2006, sempre mantendo a perspectiva comparativa
entre estados e entre mandatos. Também na Política, os estados diferem por região, além do
que, apesar das diferenças intra-regionais, é notório o fato de a competição política ser maior
em estados do Sul e Sudeste. Desta forma, para o gasto social total tem-se a variância em cada
ano, simultaneamente, por estado e por região.
Também serão mostradas as restrições legais apontadas na Introdução e a falta de
coordenação de competências e atribuições de cada um dos entes federativos.
1.1.1 – Gasto social como proxy de política social
Para mensurar o impacto da política sobre as políticas sociais, será utilizado o gasto
social, partindo-se do pressuposto de que os gastos sociais estaduais são proxy de suas
políticas sociais, ou, mais especificamente, do esforço governamental na provisão de políticas
sociais. É possível observar na literatura o uso de pelo menos três medidas relativas ao gasto
social quando se analisa políticas sociais: a) gasto social como uma porcentagem do total do
gasto público; b) gasto social como uma porcentagem do PIB; e c) gasto social per capita.
Cada uma das três medidas oferece diferentes tipos de informação, e todas são importantes,
dependendo da questão analítica proposta (Huber e Stephens, 2001; Chibber e Nooruddin,
2004; Huber, 1996, 2002; Brown e Hunter, 1999).
O gasto como proporção do total de despesas orçamentárias é considerado como uma
medida relativa do esforço do governo no que concerne às políticas sociais, pois nele estão
embutidos os repasses, sejam constitucionais ou não, feitos por outras esferas de governo ou
instituições diversas. Todavia, ele não reflete a margem de ação que o governante tem ao
executar tal orçamento, ou seja, não considera as restrições estruturais e constitucionais que
limitam suas escolhas. A consciência dessas limitações é importante para que se possa incluir,
27
na análise, medidas de controles relativos a estas restrições, de modo que a omissão de fatores
importantes na determinação das políticas sociais não inflacione os coeficientes dos fatores
políticos (foco deste trabalho).
Já o gasto social como uma porcentagem do PIB representa a proporção da riqueza de
um determinado país ou estado, destinada às políticas sociais. No entanto, essa informação
não atende aos objetivos da tese, pois não se pode, necessariamente, comparar capacidade de
investimento, ou esforço, em função do PIB, em virtude dos níveis de riqueza muito distintos
entre estados (ou países). Um estado mais rico pode estar investindo muito mais do que um
estado pobre, mesmo tendo o mesmo percentual do PIB aplicado à educação, por exemplo,
em função da diferença entre os níveis de riqueza sobre os quais estão sendo construídas as
medidas.
No caso do gasto social per capita, aplica-se a mesma lógica relativa ao percentual do
PIB, caso sejam consideradas as diferenças de tamanho de população entre as unidades de
análise. Exemplarmente, São Paulo, que tem alto índice de densidade populacional, terá seu
esforço per capita subestimado em relação a Roraima, que apresenta baixa densidade
populacional (Huber, 1996, 2002; Brown e Hunter, 1999).
Assim, o ponto a ser ressaltado aqui é que, no desenvolvimento deste trabalho, será
usado apenas o gasto social estadual como proporção do gasto total – despesas orçamentárias
com funções sociais em cada unidade federativa como variável dependente, por ser este o
melhor indicador de esforço governamental usado pela literatura. Isto será feito, apesar da
crítica de Brown e Hunter (1999) quando sustentam que esta medida can be a misleading
indicator of social effort, as its share may increase merely because other kinds of public
spending are decreasing (ibidem:782), pois acreditamos que há formas de controle desse tipo
de problema. Acrescente-se a isso o fato de que o uso do PIB per capita como variável de
28
controle no modelo controlará as informações de riqueza e população oferecidas pelas outras
duas medidas.
Os indicadores de políticas sociais utilizados neste trabalho, ou seja, as medidas de
gasto social aqui propostas e analisadas, serão elaborados a partir dos dados da execução
orçamentária estadual que inclui receitas e despesas de todos os estados brasileiros e Distrito
Federal3. Como dito acima, gasto social será operacionalizado através do percentual das
despesas orçamentárias – tributos e transferências – destinadas ao que é classificado pela
Secretaria do Tesouro Nacional (STN) por “funções sociais”, estas englobando as seguintes
rubricas: 1) educação e cultura, operacionalizada, no decorrer deste trabalho, pela proporção
da despesa orçamentária destinada a educação e cultura; 2) saúde e saneamento básico,
operacionalizada pela proporção da despesa orçamentária destinada a saúde e saneamento
básico; 3) assistência social e previdência, operacionalizada pela proporção da despesa
orçamentária destinada a função assistência social e previdência; 4) habitação e
desenvolvimento urbano, operacionalizada pela proporção da despesa orçamentária destinada
a função urbanismo e habitação; e 5) gasto social total, operacionalizado pelo somatório das
quatro funções sociais específicas.
Os dados aqui analisados são referentes aos balanços orçamentários estaduais de 1987
a 2006, e são disponibilizados pela STN, em atendimento à Lei 4.320, de 17 de março de
1964, e do artigo 51 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), Lei Complementar 101, de 04
de maio de 2000. A Lei 4.320 estabelece os conceitos de função, subfunção, programa,
projeto, atividade, operações especiais, e dá outras providências (inciso I do § 1º do art. 2º e §
2º do art. 8º).
3 Os dados que serão utilizados neste trabalho são públicos e estão disponibilizados pela Secretaria do Tesouro Nacional na Internet através do endereço: http://www.tesouro.fazenda.gov.br/estados_municipios/index.asp.
29
1.1.2 – Políticas sociais nos estados brasileiros
Cada área social possui suas especificidades e possui estruturas diferentes. Para a
análise de política social é importante saber das estruturas construídas em governos anteriores,
pois estes são fatores determinantes para a capacidade de formulação e implementação de
políticas sociais. Ou seja, é importante se ter uma noção da evolução das condições sociais e
econômicas dos estados, pois é dentro deste quadro social que os governos aqui analisados
tomaram suas decisões – os agentes políticos agem em função da demanda existente, e
também das possibilidades estruturais dadas por políticas sociais de governos que os
antecederam (Almeida, 1998; Skocpol e Amenta, 1986; Immergut, 1992; Pierson, 1996).
Nesta seção serão analisadas algumas características específicas de cada uma das quatro áreas
sociais com a intenção de mostrar o legado herdado em cada uma das políticas sociais, bem
como a variação dos gastos sociais, anualmente.
De forma geral, todos os estados e o Distrito Federal melhoraram suas condições
socioeconômicas nestas últimas duas décadas. Três indicadores serão utilizados para
caracterizar essa melhoria: o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o PIB per capita,
como indicador de riqueza, e o Índice de Gini, como indicador da desigualdade social nos
estados.
Para se ter uma idéia geral da melhoria das condições de vida nos estados brasileiros,
nas últimas décadas tem-se como referência a melhoria no IDH estadual, composto pela
média simples de três indicadores socioeconômicos: renda, educação e longevidade, ou seja,
expectativa de vida ao nascer da população referida4. Como o próprio nome indica, este é um
índice multidimensional que representa as condições de desenvolvimento humano em que se
encontra um determinado ente federativo em um período de tempo.
4 Para mais detalhes sobre o IDH, ver o site do PNUD: www.undp.org.br, que desde 1990 publica o Relatório sobre o Desenvolvimento Humano no mundo.
30
Os gráficos 1 e 2 representam o IDH estadual para os anos de 1991 e 20005. Pode-se
observar que houve um desenvolvimento socioeconômico da população em geral em todos os
estados e DF, atentando especialmente para a mudança de escala dos dois gráficos. Em dez
anos, a base da escala dos estados subiu de 0,54 para 0,64. Os estados nordestinos continuam
representando os índices mais baixos; Sudeste, Sul e DF representam os mais altos.
Entretanto, todos melhoraram as condições gerais de desenvolvimento humano.
Gráficos 1 e 2 - Índice de Desenvolvimento Humano para os anos de 1991 e 2000
Fonte: IpeaData.
Acrescente-se a isso que o nível de riqueza dos estados também apresentou um
aumento generalizado em todas as regiões. O gráfico 3 representa a mediana e os quartis6
relativos ao Produto Interno Bruto per capita de todos os estados por região, discriminado
também por mandato7. Os estados da região Norte tornaram-se mais homogêneos nesses 16
5 Essa comparação deve sempre ser feita com alguma ressalva, na medida em que houve mudanças de mensuração no período citado, o que não invalida os resultados apresentados. 6 A linha do meio da caixinha é a mediana para cada mandato, o preenchimento da caixa representa o intervalo que abrange os 50% dos estados, o extremo inferior representa o valor do primeiro quartil (que abrange 25% dos dados) e o extremo superior o terceiro quartil (abaixo do qual estão 75% dos dados), as linhas que seguem, tanto acima, quanto abaixo da caixa indicam, respectivamente, o quarto e o primeiro quartil; e ainda mostra os casos outliers (círculos) e os extremos (estrelas). 7 Fonte dos dados - Ipeadata : Produto Interno Bruto (PIB) per capita - R$ de 2000(mil) - Deflacionado pelo Deflator Implícito do PIB nacional, elaborado pelo IBGE.
31
anos analisados, com o estado do Amazonas sempre se configurando como mais desenvolvido
economicamente do que os demais, uma vez que, em todos os mandatos, ele aparece como
outlier, sendo representado graficamente por círculos acima das “caixinhas”. As informações
apresentadas no gráfico só confirmam o que todos sabem: os estados nordestinos são os que
apresentam os menores PIB per capita, apesar de apresentarem um tímido aumento da
mediana no decorrer do tempo. Os estados do Sudeste tiveram um aumento constante no
tempo e são, juntamente com os estados do Sul e Distrito Federal, os mais ricos. Ressalta-se
que os terceiro e quarto quartis dos casos apresentados para a região Centro-Oeste são 100%
casos do DF.
Gráfico 3 - PIB per capita segundo região e segundo mandato
Fonte: Elaboração própria, a partir das bases de dados IpeaData.
Melhoraram as condições de desenvolvimento humano, aumentou a riqueza, mas
permanece a pergunta: o nível de desigualdade social mudou?
O Brasil representa, hoje, um dos países mais desiguais do mundo, estando sempre nas
últimas posições entre todos os países no ranking do IDH. Os gráficos 4 e 5 mostram a
desigualdade nos estados brasileiros, em 1991 e 2005. Apesar de ter havido melhoria nos dois
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indicadores anteriores, no que se refere ao índice de Gini8 a melhoria é mais tímida.
Entretanto, mesmo mudanças pequenas refletem uma melhoria social considerável.
Gráficos 4 e 5 - Índice de Gini – Desigualdade Social para os anos de 1991 e 2005
Fonte: IpeaData
Pode-se dizer, com certeza, que as condições gerais de vida melhoraram em todos os
estados: houve aumento da riqueza produzida, melhora nas condições de desenvolvimento
humano e diminuição da desigualdade. Na próxima seção, será visto qual a melhoria em cada
uma das áreas, bem como a evolução anual dos gastos nos estados para cada uma das políticas
sociais.
Evolução anual dos gastos sociais
Nesta seção será apresentada ao leitor toda a variabilidade do fenômeno estudado,
juntamente com a descrição de alguns indicadores por área social. Com isso, põe-se uma
questão intrigante: se se está analisando os estados de um único país federado, em que as
8 O Índice de Gini é um indicador de concentração de renda, da diferença entre pobres e ricos, ou seja, mede o quanto os primeiros estão distantes dos segundos. Varia entre 0 e 1, onde o valor 0 representaria uma igualdade
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regras políticas e eleitorais são iguais para todos, como se explica um grau de variação tão
alto, encontrado nos gastos estaduais com políticas sociais no período estudado?
O gráfico 6 mostra a média e dois desvios-padrão do gasto social agregado em todos
os estados conjuntamente, descriminados por ano e por mandatos, de 1987 a 2006.
Gráfico 6 - Variação do gasto social para todos os estados, por ano e por mandatos – média e dois desvios-padrão
2006
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998
1997
1996
1995
1994
1993
1992
1991
1990
1989
1988
1987
60,00
50,00
40,00
30,00
20,00
Med
ia A
nual
dos
Gas
tos
Soci
ais 5º - 03-06
4º - 99-023º - 95-982º - 91-941º - 87-90
Mandato
Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados da STN.
Observa-se que: 1) o enorme desvio-padrão no primeiro mandato – 1987-1990 –
mostra que as diferenças entre os estados eram maiores do que as mais recentes, ou seja,
apesar de ainda grandes, há um encolhimento nos desvios-padrão para as demais
administrações; 2) nos dois primeiros mandatos há uma estabilização da média nos dois
primeiros anos (87 e 88; 91 e 92) e depois um ligeiro aumento no terceiro e quarto ano dos
mandatos (89 e 90; 93 e 94); 3) o movimento da média do terceiro mandato contrasta com os
dois mandatos anteriores pois há uma queda na média de gastos entre os estados nos três
primeiros anos (95, 96 e 97); 4) o quarto mandato apresenta queda no segundo ano (2000)
com dispersão maior dos estados e retomada nos dois anos consecutivos – ressalte-se que esse
entre todos os indivíduos, e o valor 1 representaria que somente um indivíduo detém toda a riqueza daquele
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segundo ano foi o ano da implantação da Lei de Responsabilidade Fiscal; 5) no quinto
mandato os gastos tornam-se mais homogêneos; 6) por fim, observa-se que a média dos
gastos estabiliza-se em quatro pontos percentuais a mais a partir de 2001, i.e., em torno de
40%. O gráfico foi elaborado excluindo-se os dados referentes ao Distrito Federal que, apesar
de não configurar-se um outlier, tem características específicas que tornam o padrão de seus
gastos muito diferente dos demais estados. O gráfico contendo o DF (gráfico 17) é
apresentado em anexo ao final deste capítulo.
Outra forma de analisar essa variação dos gastos sociais é acrescentando, ao anterior,
informação por região. No gráfico 7 representa-se o gasto social para todos os estados,
segundo região e mandato, no qual se pode observar a mediana e a variação em torno dela;
nesse caso, inclui-se o DF.
Gráfico 7 - Variação do Gasto Social para todos os estados, por região e por mandatos
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da STN.
Dessa forma, o leitor pode observar a variação entre estados tanto intra e entre regiões,
como no tempo, através dos mandatos. Por região, observa-se que os estados do Norte e do
Nordeste do país tiveram uma variação muito maior que os estados localizados no Sudeste e
grupo analisado.
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no Sul. É importante ressaltar que o Distrito Federal figura, em todos os anos, como tendo um
padrão diferenciado da média, e que o estiramento dos dois últimos quartis das ‘caixinhas’ da
região Centro-Oeste são relativos ao DF; sem ele, os estados desta região variam muito
pouco.
Ressalte-se, ainda, que Tocantins aparece, no ano de sua criação, como um caso muito
acima da média de gasto total em função de um montante significativo com habitação e
desenvolvimento urbano, advindo de transferências.
A seguir, será feito um dimensionamento e uma análise da evolução anual dos gastos
estaduais em cada uma de suas funções sociais e, também, a evolução, nesse período, de
alguns indicadores específicos de cada uma das áreas sociais, tais como freqüência escolar de
jovens entre 15 e 17 anos, taxa de analfabetismo de jovens entre 10 e 17 anos, taxa de
mortalidade infantil, proporção de idosos na população, e taxa de urbanismo. Essa evolução
dos gastos no tempo será estudada tendo em vista os aspectos políticos e econômicos acima
descritos.
Evolução anual dos gastos com educação e cultura
Os dados no gráfico 8 demonstram como os gastos evoluíram por mandato e entre
regiões. A variação percentual de gastos com educação e cultura entre os estados é muito
grande no tempo, apesar de apresentar um estreitamento que indica uma queda nessa
heterogeneidade (o desvio-padrão diminuiu de 5,19, no primeiro mandato, para 3,91 no
último). Entretanto, os gastos médios não variam muito, nem entre mandatos, nem entre as
regiões, mas, sim, entre estados, inclusive dentro de uma mesma região, ou mandato. Os
gastos médios variaram de 17,11% no primeiro mandato, para 17,19%, 17,41%, 18,74% e
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16,66%, respectivamente, nos subseqüentes; variações, portanto, muito pequenas. Por região,
observa-se que os gastos com educação e cultura são mais altos, em média, nos estados do
Norte do país, com 18,54% (d.-p. de 5,13), seguido de 17,67% (d.-p. de 4) no Nordeste, de
17,15% (d.-p. de 4,59) para o Sul, de 16,72% (d.-p. de 3,65) no Centro-Oeste, e de 15,86%
(d.-p. de 4) no Sudeste. Os valores médios, deste modo, tiveram tímidos aumentos no tempo e
entre regiões; o que se destaca é a variação entre todos os estados. No terceiro mandato, há
uma queda gradativa da média e um aumento na variação do gasto entre os 25% dos estados
que gastaram menos com educação, tendo tal gasto atingido o valor mais baixo em 1997, ano
de maior endividamento dos estados.
Gráfico 8 - Gastos com Educação e Cultura para todos os estados, por mandatos
2005200320011999199719951993199119891987
30
25
20
15
10
5
Gas
tos
com
Edu
caçã
o e
Cul
tura
5º - 03-064º - 99-023º - 95-982º - 91-941º - 87-90
Mandato
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da STN.
Paralelo à análise dos dados, serão mostrados dois indicadores de demanda
educacional: freqüência escolar de jovens entre 15 e 17 anos, e taxa de analfabetismo de
crianças e jovens entre 10 e 17 anos.
Pelo gráfico 9, pode-se observar que, como objeto forte de política educacional do
governo federal, a taxa de freqüência escolar de jovens entre 15 e 17 anos atingiu, em todo o
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Brasil, índices de cobertura muito elevados no período estudado. Surpreende, como se vê no
gráfico, as conseqüências da forte política do governo federal de universalização do ensino,
pois apresentou melhoria média de 20 pontos percentuais. Os estados das diferentes regiões
começaram o período em discussão com patamares de freqüência escolar bem diferentes entre
si. Entretanto, ao final de 2005, a mediana fica em torno de 80%, com uma aproximação
muito maior entre os estados.
Gráfico 9 - Freqüência Escolar de Jovens de 15 a 17 anos (%) por ano
Gráfico 10 - Freqüência Escolar de Jovens de 15 a 17 anos que estão no ensino Médio ou possuem oito anos de estudo
completos (%) por ano
20052004
20032002
20011999
19981997
19961995
19931992
19901989
19881987
Freq
uenc
ia e
scol
ar 1
5 a
17 a
nos
100
90
80
70
60
50
40
30
RJ
RRRR
DFAM
AP
2005
20042003
20022001
19991998
19971996
19951993
19921990
19891988
1987
Freq
uênc
ia E
scol
ar 1
5 e
17 a
nos
no 2
gra
u
75
70
65
60
55
50
45
40
35
30
25
20
15
10
5
0
8127
38
Gráfico 11 - Freqüência Escolar de Jovens de 15 a 17 anos que estão no ensino Médio ou possuem oito
anos de estudo completos (%) por mandato e por região
Gráfico 12 - Taxa de Analfabetismo das Pessoas de 10 a 17 anos
5º - 03-064º - 99-023º - 95-982º - 91-941º - 87-90
Freq
uenc
ia E
scol
ar 1
5 a
17 n
o 2
grau
75
70
65
60
55
50
45
40
35
30
25
20
15
10
5
0
SC
RN
PE
RN
AP
AP
RR
Centro-OesteSulSudesteNordesteNorte
Região
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do da STN e IPEADATA.
Uma vez que a obrigação legal dos estados, em termos educacionais, limita-se à oferta
no Ensino Médio, vê-se um quadro menos promissor no gráfico 10, que representa a
freqüência escolar, dos jovens entre 15 e 17 anos, que estão cursando o ensino médio ou que
possuem oito anos de estudo completos, o que corresponde apenas a cerca de 40%. O gráfico
11, que apresenta a mesma distribuição, por mandato e por região, complementa essa
informação, pois, apesar de todas as regiões apresentarem melhorias significativas, a
diferença regional ainda é muito expressiva. Conclui-se, deste modo, que os jovens
brasileiros, nesta faixa etária, ingressaram na vida escolar, mas, em sua maioria, ainda
encontram-se aquém do ensino médio, não sendo sustentados pelos estados e, sim, pelos
municípios, que são os responsáveis pela oferta do Ensino Fundamental.
Pode-se observar, complementarmente, que a taxa de analfabetismo de crianças e
jovens entre 10 e 17 anos (gráfico 12) sofreu forte redução no período analisado, embora as
regiões Nordeste e Norte ainda apresentem taxas elevadas em relação ao restante do país.
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Ao contrário do esperado, nenhum desses indicadores apresenta correlação
significativa com os gastos com educação e cultura.
Evolução anual dos gastos com saúde e saneamento
No gráfico 13, que se segue, observa-se uma queda constante desses gastos nos
primeiros três mandatos, havendo uma recuperação nos dois últimos. Chama a atenção a
discrepância entre o primeiro mandato e os demais, pois se, no primeiro, encontramos
variarações desse gasto entre de 2,5% a 28%, com o passar do tempo os estados vão se
tornando mais homogêneos, o que pode ser visto através do estreitamento dos desvios-padrão.
Primeiramente, observa-se que, até agora, considerando também o gasto total e o gasto
com educação e cultura, ressalta-se que o terceiro mandato não foi muito promissor para a
execução de políticas sociais. Como foi visto acima, isso provavelmente é conseqüência de
políticas recessivas do governo FHC.
Gráfico 13 - Gasto com Saúde e Saneamento para todos os estados, por região e mandatos
2006
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998
1997
1996
1995
1994
1993
1992
1991
1990
1989
1988
1987
25
20
15
10
5
0
Gas
tos
com
Saú
de e
San
eam
ento 5º - 03-06