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Cap´ ıtulo 2 Espa¸ cos Vetoriais Conte´ udo 2.1 Espa¸ cos Vetoriais ................................. 102 2.1.1 Sub-Espa¸ cos e Espa¸ cos Quocientes ........................ 102 2.1.2 Bases Alg´ ebricas de um Espa¸ co Vetorial ..................... 104 2.1.3 O Dual Alg´ ebrico de um Espa¸ co Vetorial .................... 109 2.2 Formas Lineares, Sesquilineares e Produtos Escalares em Espa¸ cos Veto- riais ......................................... 116 2.2.1 Formas Multilineares ................................ 116 2.2.2 Formas Sesquilineares e as Desigualdades de Cauchy-Schwarz e Minkowski . . 121 2.2.3 Produtos Escalares ................................. 125 2.2.4 Exemplos ...................................... 128 2.3 Normas em Espa¸ cos Vetoriais .......................... 130 2.4 Formas Bilineares e Sesquilineares em Espa¸ cos de Dimens˜ ao Finita ... 138 2.5 Estruturas Complexas sobre Espa¸ cos Vetoriais Reais ............ 142 Apˆ endices .................... 152 2.A Equivalˆ encia de Normas em Espa¸ cos Vetorias de Dimens˜ ao Finita .... 152 2.B Prova do Teorema de Fr´ echet, von Neumann e Jordan ........... 154 no¸ c˜aode espa¸ co vetorial que introduzimos na Se¸ c˜ao1.2.3, p´agina60,´ e damaiorimportˆancia na F´ ısica e na Matem´atica. Neste cap´ ıtulo vamos estud´a-la com mais detalhe. Particular aten¸ c˜aoser´adada`asno¸ c˜oes de forma multilinear, forma sesquilinear, produto escalar e norma em espa¸ cos vetoriais. As importantes desigualdades de Cauchy-Schwarz e de Minkowski ser˜ao demonstradas com bastante generalidade. Este cap´ ıtulo trata quase exclusivamente de asp´ ectos “alg´ ebricos” de espa¸ cos vetoriais, pondo de lado asp´ ectos topol´ogicos, os quais ser˜ao discutidos em cap´ ıtulos futuros. 2.1 Espa¸ cos Vetoriais 2.1.1 Sub-Espa¸coseEspa¸cosQuocientes Sub-espa¸ cos 102

nc-cap02

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  • Captulo 2

    Espacos Vetoriais

    Conteudo2.1 Espacos Vetoriais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102

    2.1.1 Sub-Espacos e Espacos Quocientes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102

    2.1.2 Bases Algebricas de um Espaco Vetorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104

    2.1.3 O Dual Algebrico de um Espaco Vetorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109

    2.2 Formas Lineares, Sesquilineares e Produtos Escalares em Espacos Veto-

    riais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116

    2.2.1 Formas Multilineares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116

    2.2.2 Formas Sesquilineares e as Desigualdades de Cauchy-Schwarz e Minkowski . . 121

    2.2.3 Produtos Escalares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125

    2.2.4 Exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 128

    2.3 Normas em Espacos Vetoriais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 130

    2.4 Formas Bilineares e Sesquilineares em Espacos de Dimensao Finita . . . 138

    2.5 Estruturas Complexas sobre Espacos Vetoriais Reais . . . . . . . . . . . . 142

    Apendices . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 152

    2.A Equivalencia de Normas em Espacos Vetorias de Dimensao Finita . . . . 152

    2.B Prova do Teorema de Frechet, von Neumann e Jordan . . . . . . . . . . . 154

    A

    nocao de espaco vetorial que introduzimos na Secao 1.2.3, pagina 60, e da maior importanciana Fsica e na Matematica. Neste captulo vamos estuda-la com mais detalhe. Particularatencao sera dada a`s nocoes de forma multilinear, forma sesquilinear, produto escalar e normaem espacos vetoriais. As importantes desigualdades de Cauchy-Schwarz e de Minkowski

    serao demonstradas com bastante generalidade. Este captulo trata quase exclusivamente de aspectosalgebricos de espacos vetoriais, pondo de lado aspectos topologicos, os quais serao discutidos emcaptulos futuros.

    2.1 Espacos Vetoriais

    2.1.1 Sub-Espacos e Espacos Quocientes

    Sub-espacos

    102

  • JCABarata. Curso de Fsica-Matematica Versao de 12 de julho de 2006. Captulo 2 103/1490

    Seja V um espaco vetorial sobre um corpo K. Um subconjunto W de V e dito ser um sub-espacode V (sobre o mesmo corpo K) se para todo , K e todo u, v W valer que u + v W . Eevidente que um sub-espaco de um espaco vetorial e por si so um espaco vetorial.

    QuocientesSe W e um sub-espaco de um espaco vetorial V sobre um corpo K, entao e possvel definir em V

    uma relacao de equivalencia EW V V da seguinte forma: dizemos que (u, v) V V pertence aEW se u v W .E. 2.1 Exerccio. Mostre que isso de fato define uma relacao de equivalencia em V . 6

    Seguindo a notacao usual denotaremos tambem essa relacao de equivalencia pelo smbolo W :u W v se u v W .

    Denotemos por V/W o conjunto das classes de equivalencia de V pela relacao EW . Denotaremospor [u] V/W a classe de equivalencia que contem o vetor u V .

    Com esses ingredientes podemos transformar V/W em um espaco vetorial sobre K. Isso se dadefinindo em V/W uma soma e um produto por escalares. O vetor nulo sera a classe de equivalencia[0] que contem o vetor 0. Como subconjunto de V , a classe [0], alias, vem a ser o conjunto W (porque?).

    Se [u] e [v] sao as classes de equivalencia que contem os elementos u e v, respectivamente, de V ,entao definimos

    [u] + [v] = [u+ v].

    E. 2.2 Exerccio. Mostre que essa definicao e coerente, no sentido que independe dos representantes (ue v) escolhidos nas classes. 6

    E. 2.3 Exerccio. Mostre que essa operacao de soma e comutativa e associativa. 6

    E. 2.4 Exerccio. Mostre que [u] + [0] = [u] para todo u V . 6

    Analogamente, a operacao de multiplicacao por escalares e definida por

    [u] = [u],

    para todo u V .E. 2.5 Exerccio. Mostre que essa definicao e coerente, no sentido que independe do representante uescolhido na classe. 6

    E. 2.6 Exerccio. Mostre que o conjunto V/W e, portanto, um espaco vetorial sobre o corpo K com asoperacoes definidas acima. 6

    O espaco vetorial V/W assim obtido e denominado espaco quociente de V por W .

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    2.1.2 Bases Algebricas de um Espaco Vetorial

    Dependencia linearUm conjunto finito u1, . . . , un V de vetores e dito ser linearmente dependente se existir um

    conjunto de escalares 1, . . . , n V , nem todos nulos, tais que1u1 + + nun = 0.

    Um conjunto arbitrario de vetores e dito ser linearmente independente se nao possuir nenhum sub-conjunto finito que seja linearmente dependente.

    Combinacoes linearesPara um conjunto finito de vetores {u1, . . . , un} V e de escalares {1, . . . , n} K, uma

    expressao como1u1 + + nun

    e dita ser uma combinacao linear dos vetores u1, . . . , un.

    Varredura linearSeja C V um conjunto de vetores. A varredura linear (linear span) de C, denotado por span (C)

    e o conjunto de todos os vetores de V que podem ser escritos como uma combinacao linear finita deelementos de C.

    Bases algebricas em espacos vetoriaisAqui I designa um conjunto arbitrario nao-vazio de ndices.

    Uma base algebrica1 em um espaco vetorial V e um conjunto B = {bi, i I} de vetores linearmenteindependentes tais que span (B) = V e tais que qualquer vetor u de V pode ser escrito de modo unicocomo uma combinacao linear finita de elementos de B.

    Se B e uma base algebrica, entao para cada u V existem univocamente definidos 1, . . . , n Ke i1, . . . , in I tais que:

    u = 1bi1 + + nbin .Os seguintes teoremas podem ser demonstrados com uso do Lema de Zorn (omitiremos as demons-

    tracoes aqui. Vide, por exemplo, [65]).

    Teorema 2.1 Todo espaco vetorial V possui uma base algebrica, exceto o espaco vetorial trivial V ={0}. 2

    Teorema 2.2 Dado um espaco vetorial V (nao-trivial), todas as bases algebricas em V tem a mesmacardinalidade. 2

    1Tambem denominada base de Hamel. Georg Hamel (1877-1954).

  • JCABarata. Curso de Fsica-Matematica Versao de 12 de julho de 2006. Captulo 2 105/1490

    Dimensao algebricaUm espaco vetorial e dito ser de dimensao algebrica finita se possuir uma base algebrica finita. Se

    um espaco vetorial V tem dimensao algebrica finita, sua dimensao algebrica, ou simplesmente dimensaoe definida como sendo o numero de elementos de sua base.

    Nem todo espaco vetorial tem uma base algebrica finita (vide exemplos abaixo). De modo geral,se um espaco vetorial possui uma base algebrica, sua dimensao algebrica e definida como sendo acardinalidade de suas bases algebricas (pelo Teorema 2.2 acima sao todas iguais).

    Exemplo 1. V = Cn sobre o corpo dos complexos ou V = Rn sobre o corpo dos reais. Tais sao bemconhecidos exemplos-prototipo de espacos vetoriais de dimensao finita (= n).

    Seja P = conjunto de todos os polinomios de uma variavel real com coeficientes complexos: Pn(t) P,

    Pn(t) = antn + + a1t+ a0

    com t R, ai C, e dito ser um polinomio de grau n se an 6= 0.Exemplo 2. V = P sobre o corpo dos complexos. Este e claramente um espaco vetorial de dimensao

    infinita. V possui uma base algebrica, a saber, o conjunto de todos os polinomios da forma bn = tn,

    n = 0, 1, 2, . . ..

    Exemplo 3. V = R sobre o corpo dos reais. O conjunto dos reais sobre o corpo dos reais e tambemum espaco vetorial de dimensao 1, a saber, uma possvel base e formada pelo elemento 1: B = {1}, jaque, obviamente, qualquer elemento x R pode ser escrito como x = x 1, com x no corpo dos reais.

    Esse exemplo pode parecer banal, e de fato o e, mas leva a um anti-exemplo curioso que mostraque a dimensao algebrica de um espaco vetorial e tambem fortemente dependente do corpo de escalaresutilizado.

    Exemplo 4. V = R sobre o corpo dos racionais.

    A surpresa aqui e que este nao e um espaco vetorial de dimensao algebrica finita: nao existe umconjunto finito {x1, . . . , xm} de numeros reais tais que todo x R possa ser escrito como

    x = r1x1 + + rmxm ,onde os numeros ri sao racionais. A razao e que, como Q e um conjunto contavel, a colecao de numerosque se deixam escrever como o lado direito e uma colecao contavel (tem a mesma cardinalidade deQm). O conjunto R, porem, nao e contavel.

    Um resultado um tanto surpreendente diz, porem, que esse espaco vetorial possui uma base algebrica,ou seja, existe um conjunto H R tal que para cada x R existe um conjunto finito h1, . . . , hnde elementos de H e um conjunto finito de racionais r1, . . . , rn tais que x = r1h1 + + rnhn. Ademonstracao da existencia de uma tal base faz uso do Lema de Zorn e pode ser encontrada em [20]ou [22]. Essa base e denominada base de Hamel de R.

    Uma consequencia curiosa da existencia de bases de Hamel em R sera discutida no topico que seinicia a` pagina 106.

    Outros exemplos menos dramaticos que mostram a dependencia da dimensao com o corpo utilizadosao os seguintes: sejam V1 = C sobre o corpo dos complexos e V2 = C sobre o corpo dos reais. V1 temdimensao 1, mas V2 tem dimensao 2.

  • JCABarata. Curso de Fsica-Matematica Versao de 12 de julho de 2006. Captulo 2 106/1490

    Mais adiante faremos uso do seguinte resultado:

    Teorema 2.3 Se em um espaco vetorial V existir um conjunto {v1, . . . , vn} de n vetores linearmenteindependentes, entao a dimensao algebrica de V e maior ou igual a n. 2

    Prova. A demonstracao e feita por absurdo. Suponhamos que haja uma base B = {b1, . . . , bk} em Vcom k < n. Entao podemos escrever

    v1 = 1b1 + + kbk .

    pois B e uma base. Nem todos os i podem ser nulos. Supondo que k seja um elemento nao-nulo,podemos escrever

    bk = (k)1(v1 1b1 k1bk1) (2.1)

    Analogamente, temos quev2 = 1b1 + + kbk

    e, usando (2.1), podemos escrever

    v2 = 1b1 + + k1bk1 + 1v1 .

    Os i nao podem ser todos nulos, pois de outra forma teramos v2 = 1v1, contrariando a hipotesede os vis serem linearmente independentes. Suponhamos que k1 seja o elemento nao-nulo, podemosescrever bk1 como uma combinacao linear envolvendo {b1, . . . , bk2} e os vetores v1 e v2. Prosseguindo,concluiremos apos k passos que

    vk+1 = 1v1 + + kvk ,

    contrariando a hipotese de que os vis sao linearmente independentes.

    Automorfismos descontnuos do grupo (R, +)Nota para os estudantes mais avancados.

    Neste topico usaremos as bases de Hamel da reta real para ilustrar uma patologia cuja existenciae por vezes mencionada na teoria de grupos, a saber, a existencia de automorfismos descontnuos dogrupo (R, +).

    Considere-se a equacao f(x + y) = f(x) + f(y) para todo x, y R. Podemos nos perguntar:que funcoes f : R R podem satisfaze-la? E bastante claro que funcoes do tipo f(x) = cx, comc constante real, satisfazem f(x + y) = f(x) + f(y) para todo x, y R. Fora isso, f(x) = cx saocontnuas e sao bijecoes de R em R (a menos que c = 0).

    Serao essas as unicas funcoes com a propriedade f(x+ y) = f(x) + f(y) para todo x, y R? Seraque ha outras funcoes com essa propriedade e que nao sejam contnuas? Sera que ha outras funcoes comessa propriedade, nao-contnuas, e que tambem sejam bijecoes de R em R? A resposta a essa ultimapergunta e muito curiosa e conduz a uma classe de funcoes cuja existencia ilustra algumas dificuldadesencontradas na teoria de grupos.

    Provemos em primeiro lugar a seguinte afirmacao:

  • JCABarata. Curso de Fsica-Matematica Versao de 12 de julho de 2006. Captulo 2 107/1490

    Proposicao 2.1 Se f : R R satisfizer f(x+ y) = f(x) + f(y) para todo x, y R e f for contnuaem toda reta real R, entao f e da forma f(x) = cx para algum c, constante real. 2

    Historicamente esse pequeno resultado e devido a Cauchy2.

    Prova. Seja f contnua satisfazendo f(x+ y) = f(x) + f(y) para todo x, y R e f : R R. E claroque, tomando x = y = 0 tem-se f(0) = f(0 + 0) = 2f(0) e, portanto f(0) = 0. Segue facilmente daque 0 = f(0) = f(x+ (x)) = f(x) + f(x) e, portanto f(x) = f(x) para todo x R.

    Seja agora p inteiro positivo e x real, ambos arbitrarios. Teremos que f(px) = f((p 1)x + x) =f((p 1)x) + f(x) = f((p 2)x) + 2f(x) etc. Repetindo p vezes esse proceder, conclumos quef(px) = pf(x). Como f(x) = f(x), essa relacao vale para p negativo tambem. Seja agora qinteiro, nao-nulo. Entao, pelo que acabamos de provar, f(1) = f(q/q) = qf(1/q) e conclumos quef(1/q) = f(1)/q. Se entao tivermos um numero racional r da forma r = p/q, com p inteiro e q inteironao-nulo, teremos que f(r) = f(p/q) = pf(1/q) = (p/q)f(1) = rf(1). Finalizamos a prova evocandoa continuidade de f e o fato que todo x real pode ser aproximado por um numero racional: sejax R e rn, n N, uma sequencia de numeros racionais que coverge a x, i.e., x = limn rn. Entaof(x) = f(limn rn) = limn f(rn) = (limn rn) f(1) = xf(1). Na segunda igualdade usamos ahipotese (crucial!) que f e contnua em toda parte. Denotando f(1) = c a afirmacao esta provada.

    Com esse resultado em maos podemos nos perguntar: havera funcoes nao-contnuas que satisfazemf(x + y) = f(x) + f(y)? Talvez surpreendentemente, a resposta e positiva. Nao so ha funcoes naocontnuas com essa propriedade, mas ha dentre elas funcoes bijetoras de R em R. Funcoes com taiscaractersticas um tanto patologicas podem ser construdas com o uso das assim chamadas bases deHamel da reta real. Detalhemos.

    Seja o espaco vetorial V dos numeros reais sob o corpo dos racionais. Como consideramos paginasacima, esse espaco vetorial tem dimensao algebrica infinita, mas existe uma base H R de V , nao-contavel, denominada base de Hamel, tal que todo elemento x de R pode ser escrito como combinacaolinear finita (unica!) por racionais de elementos de H , ou seja, para todo x R existe um n (quedepende de x), racionais r1, . . . , rn (que dependem de x) e elementos h1, . . . , hn de H (que tambemdependem de x) tais que x pode ser escrita (de forma unica!) como x = r1h1 + + rnhn. Denomina-remos essa expressao a decomposicao de x em H .

    Notemos que se x e y sao numeros reais e x = r1h1 + + rnhn e y = r1h1 + + rmhm sao suasdecomposicoes em H , entao a decomposicao de x+ y e r1h1 + + rnhn + r1h1 + + rmhm.

    Vamos definir uma funcao f : R R, da seguinte forma. Primeiramente fixamos seus valoresnos elementos de H tomando, para cada h H , f(h) := fh R, onde os numeros fh sao escolhidosarbitrariamente. Em segundo lugar, para qualquer x R, e cuja decomposicao em H seja x =r1h1 + + rnhn, definimos f(x) := r1f(h1) + + rnf(hn) = r1fh1 + + rnfhn. Assim, se x e y saonumeros reais e x = r1h1 + + rnhn e y = r1h1 + + rmhm sao suas decomposicoes em H , teremosf(x+ y) = r1fh1 + + rnfhn + r1fh1 + + rmfhm = f(x) + f(y).

    O leitor pode convencer-se que ha, para cada base de Hamel H , infinitas funcoes desse tipo (devidoa` arbitrariedade da escolha dos fhs) e que todas sao descontnuas, exceto se escolhermos fh = ch paratodo h H , com uma constante c fixa.

    2Augustin Louis Cauchy (1789-1857).

  • JCABarata. Curso de Fsica-Matematica Versao de 12 de julho de 2006. Captulo 2 108/1490

    Espertamente, podemos tomar f como uma bijecao de H em H , ou seja, podemos escolher3 fh Hpara todo h H e de modo que para todo h H exista um g H unico tal que fg = h. Uma situacaotrivial dessas e aquela na qual f e a identidade quando restrita a H : fh = h para todo h H , masoutras escolhas sao tambem possveis. Se f for uma bijecao de H em H , e facil de se ver que imagemde f no domnio R e toda a reta real R (mostre isso)!

    Alem disso, uma tal f , bijetora enquanto funcao de H em H , e igualmente bijetora como funcaode R em R. Mostremos isso. Sejam x e y R com decomposicoes x = r1h1 + + rnhn e y =s1g1 + + smgm com rj , sk Q e hj , gk H e suponhamos que f(x) = f(y). Isso significa quer1fh1 + + rnfhn = s1fg1 + + smfgm. Como cada fhj e cada fgk e elemento de H , essa igualdadeso e possvel se m = n, se fhj = fgpi(j) e se rj = spi(j) para todo j = 1, . . . , n, onde e um elemento dogrupo de permutacoes de n elementos (ou seja, e uma bijecao de {1, . . . , n} em si mesmo). Como f euma bijecao de H em si mesmo, segue que hj = gpi(j) para todo j = 1, . . . , n. Assim,

    x =

    nj=1

    rjhj =

    nj=1

    spi(j)gpi(j) =

    nj=1

    sjgj = y

    e, portanto, f : R R e bijetora.Uma funcao que satisfaca f(x+ y) = f(x) + f(y) para todo x, y R e f : R R representa um

    endomorfismo do grupo (R, +). O que aprendemos no ultimo paragrafo pode ser expresso na linguagemda teoria de grupos como a afirmacao que existem automorfismos de (R, +) que nao sao contnuos.Esse fato ilustra algumas situacoes patologicas que sao por vezes encontradas ou mencionadas noestudo de grupos contnuos. Com o uso de funcoes f desse tipo e possvel, por exemplo, construirsub-grupos uniparametricos nao-contnuos de um grupo de Lie dado ou representacoes nao-contnuasde tais sub-grupos.

    Assim, por exemplo, se A e uma matriz real n n antisimetrica, entao O(t) = exp(tA), t R e umsubgrupo uniparametrico contnuo de SO(n), pois O(0) = 1 e O(t)O(t) = O(t+t) para todos t, t R,sendo os elementos de matriz de O(t) funcoes contnuas de t. Se agora definirmos P (t) = exp(f(t)A),t R, para uma funcao f : R R, patologica como acima (ou seja, satisfazendo f(x+y) = f(x)+f(y)para todo x, y R, bijetora mas descontnua), ainda teremos P (0) = 1 e P (t)P (t) = P (t+ t) paratodos t, t R, mas os elementos de matriz de P (t) nao sao funcoes contnuas de t.

    Bases topologicas em espacos vetoriaisNota para os estudantes mais avancados.

    O conceito de base algebrica nao deve ser confundido com o de base topologica, conceito esse per-tencente ao contexto dos espacos vetoriais topologicos:

    Uma base topologica em um espaco vetorial topologico V e um conjunto B = {bi, i I} de vetoreslinearmente independentes tais que span (B) e um conjunto denso em V , ou seja, o fecho de span (B)e V .

    Uma base topologica e dita ser base topologica completa se nao possuir nenhum subconjunto proprioque tambem seja uma base topologica.

    3Que tal e possvel e garantido pelo axioma da escolha Exerccio.

  • JCABarata. Curso de Fsica-Matematica Versao de 12 de julho de 2006. Captulo 2 109/1490

    A dimensao topologica de um espaco vetorial e entao definida como sendo a cardinalidade das basestopologicas completas de V .

    Para ilustrar como os conceitos de base algebrica e base topologica sao diferentes, consideremosnovamente o seguinte Exemplo 4 acima:

    Exemplo 5. V = R sobre o corpo dos racionais, com a topologia usual sobre R, tem uma basetopologica completa de dimensao finita: B = {1}. De fato, o conjunto {r 1, r Q} e denso em R.Esse espaco vetorial possui entao uma dimensao topologica igual a um.

    Definicao. Um espaco vetorial topologico sobre o corpo dos reais ou dos complexos e dito ser separavelse possuir uma base topologica contavel.

    2.1.3 O Dual Algebrico de um Espaco Vetorial

    Seja V um espaco vetorial sobre um corpo K (por exemplo, o corpo C). Uma aplicacao l : V K,definida sobre todo V , e dita ser um funcional linear se

    l(x+ y) = l(x) + l(y)

    para todo x, y V e todo , K.E. 2.7 Exerccio. Mostre que, de acordo com a definicao acima, vale para qualquer funcional linear l quel(0) = 0. 6

    O conjunto de todos os funcionais lineares de V em K e denominado espaco dual algebrico de V edenotado V . O conjunto V e feito um espaco vetorial (sobre K), atraves da seguinte relacao:

    (l + m)(x) := l(x) +m(x),

    para todo l e m V ; , K e todo x V . O vetor nulo de V e o funcional linear que associatrivialmente todo vetor de V a zero: l(x) = 0, x V .

    O seguinte teorema e verdadeiro e sera implicitamente usado varias vezes no que segue. Sua de-monstracao e, como veremos, elementar mas instrutiva.

    Teorema 2.4 Seja um espaco vetorial V sobre um corpo K. Se um vetor v tem a propriedade quel(v) = 0 para todo l V entao v = 0. 2

    Prova. Seja B uma base algebrica em V . Para cada elemento b B podemos associar um funcionallinear lb, definido da seguinte forma. Como todo w V pode ser escrito como uma combinacao linearfinita de elementos de B, podemos sempre escrever

    w = wbb+ w,

    onde w e uma combinacao linear finita de elementos de B \ {b} e wb K. (E claro que wb = 0 caso bnao compareca na decomposicao de w em uma soma finita de elementos de B).

  • JCABarata. Curso de Fsica-Matematica Versao de 12 de julho de 2006. Captulo 2 110/1490

    Definimos entaolb(w) = wb,

    para todo vetor w V . E um exerccio simples mostrar que, para cada b B, a aplicacao lb : V Kdada acima e um funcional linear.

    E. 2.8 Exerccio. Mostre isso. 6

    Seja entao v um vetor como no enunciado do teorema. Se l(v) = 0 para todo l V , vale obvi-amente que lb(v) = 0 para todo b B. Isso, porem, trivialmente implica que v = 0, completando ademonstracao.

    Notacao. Para x V e l V e muito frequente, e graficamente conveniente, usar-se a notacao l, xem lugar de l(x).

    Se A e B sao espacos vetoriais e A B entao B A.E. 2.9 Exerccio. Justifique essa ultima afirmativa. 6

    O dual topologico de um espaco vetorialSeja V um espaco vetorial topologico. O conjunto de todos os funcionais lineares contnuos sobre

    V e dito ser o dual topologico de V . O dual topologico sera denotado neste texto por V . Note-se queV V .

    Exemplos de funcionais linearesExemplo 1. Seja V = Cn, sobre o corpo dos complexos. Seja a1, . . . , an um conjunto fixo de

    numeros complexos. Para qualquer vetor z = (z1, . . . , zn) Cn defina-sel(z) = a1z1 + + anzn.

    Entao l e um funcional linear em Cn.

    E. 2.10 Exerccio. Verifique. 6

    Em verdade, e possvel demonstrar a recproca: em Cn todo funcional linear e da forma acimapara algum conjunto {a1, . . . , an}. Essa afirmativa e um caso particular de um teorema importanteconhecido como Lema de Riesz, que sera demonstrado no contexto mais geral dos chamados espacosde Hilbert, dos quais Cn e um exemplo.

    Seja P o conjunto de todos os polinomios de uma variavel real com coeficientes complexos: Pn(t) P,Pn(t) = ant

    n + + a1t+ a0com t R, ai C, e dito ser um polinomio de grau n se an 6= 0. O conjunto P e claramente um espacovetorial sobre os complexos.

    Exemplo 2. Para cada t0 R e p P,l(p) = p(t0)

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    e um funcional linear em P.

    E. 2.11 Exerccio. Verifique. 6

    Esse exemplo pode ser generalizado:

    Exemplo 3. Sejam t1, . . . , tn R, distintos, e a1, . . . , an numeros complexos. Para todo p P,definamos

    l(p) = a1p(t1) + + anp(tn) .Entao l e um funcional linear em P.

    E. 2.12 Exerccio. Verifique. 6

    O ultimo exemplo pode ser fortemente generalizado nos dois exemplos que seguem.

    Exemplo 3. Seja (a, b) um intervalo finito de R e h uma funcao complexa integravel nesse intervalo

    (ou seja, ba|h(t)|dt ). Entao,

    l(p) =

    ba

    h(t) p(t) dt

    esta definida para todo p P e define um funcional linear em P.E. 2.13 Exerccio. Justifique as duas ultimas afirmativas. 6

    Exemplo 4. Seja a funcao g(x) = ex2. Entao

    l(p) =

    g(t) p(t) dt .

    esta definida para todo p P e define um funcional linear em P.E. 2.14 Exerccio. Justifique as duas ultimas afirmativas. 6

    A Relacao entre V e V

    Vamos aqui discutir o fato que sempre existe uma maneira (nao-canonica, vide abaixo) de associarvetores de um espaco vetorial V com elementos de seu dual algebrico V .

    Seja V um espaco vetorial sobre um corpo K e B V uma base algebrica em V . Seja FB a colecaode todas as funcoes de B em K. Afirmamos que existe uma bijecao de FB sobre V

    , ou seja, esses doisconjuntos podem ser identificados nesse sentido.

    Para tal, seja f FB. Definimos uma aplicacao I : FB V da seguinte forma. Como todo x Vpode ser escrito como uma combinacao linear finita de elementos de B, digamos, x = 1bi1+ +nbin ,escrevemos

    I(f)(x) = 1f(bi1) + + nf(bin) .

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    I(f) e um funcional linear pois, se escrevemos y = n+1bin+1 + + n+mbin+m , teremos

    I(f)(x+ y) = 1f(bi1) + + n+mf(bin+m)

    = 1f(bi1) + + nf(bin) + n+1f(bin+1) + + n+mf(bin+m)

    = I(f)(x) + I(f)(y) . (2.2)

    Isso entao mostrou que I(f) e de fato um elemento de V para cada f FB. Vamos mostrar o reverso:que a cada elemento l de V ha um elemento gl de FB associado e que I(gl) = l. Seja novamentex = 1bi1 + + nbin V e seja l um elemento de V . Tem-se

    l(x) = 1l(bi1) + + nl(bin) .

    Definimos entao gl : B K porgl(b) = l(b)

    para todo b K. Pela definicao

    I(gl)(x) = 1gl(bi1) + + ngl(bin) = 1l(bi1) + + nl(bin) = l(x) (2.3)

    para todo x V . Logo I(gl) = l como queramos.A aplicacao I : FB V e, portanto, uma bijecao entre esses dois conjuntos. Notemos, porem, que

    essa bijecao nao e canonica no sentido que a mesma depende da base adotada. Se trocarmos B poroutra base a bijecao altera-se.

    De posse desses fatos podemos entender a relacao entre V e V da seguinte forma. Seja o subconjuntoGB de FB formado por todas as funcoes que assumem valores nao-nulos (no corpo K) apenas para umconjunto finito de B, ou seja, para g GB existe um conjunto finito Bg = {b1, . . . , bn} B tal que ge nao-nula nos elementos de Bg, mas e nula em B \Bg.

    Os conjuntos GB e V podem ser identificados no seguinte sentido. Afirmamos que existe uma bijecaoJ : GB V . Tal e facil de ver se lembrarmos que os elementos de V podem ser escritos como umacombinacao linear finita de elementos de B. De fato, para g GB definimos

    J(g) = g(b1)b1 + + g(bn)bn V

    onde {b1, . . . , bn} = Bg. Reciprocamente, se x V e x = 1bi1 + + nbin , definimos gx GB por

    gx(bia) = a, a = 1, . . . , n

    egx(b) = 0 ,

    se b 6 {bi1 , . . . , bin}. E facil ver entao que

    J(gx) = g(bi1)bi1 + + g(bin)bin = 1bi1 + + nbin = x , (2.4)

    o que mostra que J e bijetora. Notemos novamente que essa bijecao tambem nao e canonica, no sentidoque a mesma depende da base adotada. Se trocarmos B por outra base a bijecao altera-se.

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    E. 2.15 Exerccio importante. Mostre agora que J1 : V Gb e linear, ou seja, J1(x + y) =J1(x) + J1(y) para todos x, y V e todos , K. 6

    Juntando o discutido acima, conclumos que 1 = I J1 e uma aplicacao linear injetora de V emV . A mesma, porem, nao e natural, pois depende da base algebrica B escolhida.

    Assim, fixada uma base B em V ha uma maneira de associar todos os elementos de V com elementosdo seu dual algebrico. Notemos porem que pode haver elementos de V aos quais nao correspondem taisidentificacoes, ou seja, a imagem de 1 = I J1 e tipicamente (especialmente em dimensao infinita)um subconjunto proprio de V .

    Exemplo. Seja P o espaco vetorial dos polinomios em R definido acima. Seja T = {ti R, i N},um conjunto contavel de pontos distintos da reta real e seja q(t) = q0 + q1t + + qntn, polinomio.Definamos lq V por

    lq(p) = q0p(t0) + q1p(t1) + + qnp(tn) .

    E. 2.16 Exerccio. Mostre que a aplicacao P q lq V e linear e injetora. 6

    E. 2.17 Exerccio. Sera que com o conjunto T fixado todo elemento de V seria da forma lq para algumq?. Pense. Inspire-se nos exemplos 3 e 4 da pagina 111. O que acontece para conjuntos T diferentes? 6

    Comentario. Mais interessante que a relacao entre V e V , e a relacao de V com o dual algebrico deV , o chamado bi-dual algebrico de V e denotado por (V ), assunto que discutiremos agora. A razaoe que, ao contrario do que tipicamente ocorre entre V e V , ha sempre uma aplicacao linear injetoraentre V e (V ) que e natural, ou seja, independente de escolhas de bases.

    Outro interesse na relacao entre V e (V ) reside no fato que a mesma revela-nos, como veremos,uma profunda distincao entre espacos vetoriais de dimensao finita e infinita.

    O Bi-dual algebrico de um espaco vetorialSe V e um espaco vetorial sobre um corpo K ja observamos que V e tambem um espaco vetorial

    sobre o mesmo corpo. Assim, V tem tambem seu dual algebrico que e denominado bi-dual algebricode V .

    O bi-dual algebrico de um espaco vetorial V e o espaco (V ). Como vimos nas paginas anteriores,existe pelo menos uma aplicacao linear injetiva de V em V . Chamemos esta aplicacao de 1. Ana-logamente, existe pelo menos uma aplicacao linear injetiva 2 de V

    em (V ). A composicao 2 1fornece uma aplicacao linear injetiva de V em (V ). Como 1 e 2 dependem de escolhas de base, acomposicao 2 1 tambem depende, nao sendo, assim, natural.

    Ao contrario do que ocorre na relacao entre V e V , podemos sempre encontrar uma aplicacaolinear injetiva de V em (V ) que e natural: independente de base. Vamos denota-la por . Definimos : V (V ) da seguinte forma: para x V , (x) e o elemento de (V ) que associa a cada l V ovalor l(x):

    (x)(l) = l(x) .

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    E. 2.18 Exerccio. Mostre que : V (V ) e linear. 6

    E. 2.19 Exerccio. Mostre que : V (V ) e injetora. Sugestao: use o Teorema 2.4, enunciado edemonstrado na pagina 109. 6

    E transparente pela definicao de que a mesma e independente de bases e, portanto, natural. Arelacao entre x V e um elemento de (V ) mostrada acima e tao direta que quase poderamos dizer queV e um subconjunto de (V ): V (V ). Alguns autores, abusando um pouco da linguagem, chegammesmo a escrever uma tal relacao de inclusao. Mais correta, no entanto e a relacao (V ) (V ).

    Poderamos nesse momento nos perguntar: quando podemos eventualmente ter (V ) = (V )? Parao caso de espacos vetoriais sobre o corpo dos reais ou dos complexos resposta e simples e um tantosurpreendente e se expressa no seguinte teorema.

    Teorema 2.5 Seja V um espaco vetorial sobre o corpo dos reais ou dos complexos. Entao (V ) = (V )

    se e somente se V e um espaco vetorial de dimensao finita. 2

    Este teorema revela uma importante distincao entre espacos de dimensao finita e infinita. Emdimensao finita todos os funcionais lineares do dual algebrico de V sao da forma (x) para algumvetor x. Em dimensao infinita, porem, ha certamente elementos em (V ) que nao sao dessa forma.Assim, ao tomarmos duais duplos em dimensao infinita sempre obtemos espacos vetoriais maiores, oque nao ocorre em dimensao finita.

    Prova. Seja V um espaco vetorial sobre um corpo K = C ou R.

    Caso de dimensao finita. Vamos em primeiro lugar supor que V e de dimensao finita e denotemospor dim V sua dimensao. Seja tambem B = {b1, . . . , bn} uma base de V . E claro que o numero deelementos de B e n = dim V .

    E facil mostrar que o conjunto {(b1), . . . , (bn)} e linearmente independente em (V ). De fato, seexistirem escalares i tais que

    1(b1) + + n(bn) = 0 ,ou seja,

    (1b1 + + nbn) = 0teramos para todo l V

    (w)(l) = l(w) = 0 ,

    onde w = 1b1 + + 1bn. Isso, porem, implica w = 0 (pelo Teorema 2.4, pagina 109), o que implica1 = = n = 0.

    Isso claramente diz que dim (V ) dim V . Afirmamos que a igualdade so se da se (V ) = (V ).De fato, se (V ) = (V ) entao todo elemento de (V ) e da forma

    (1b1 + + nbn) = 1(b1) + + n(bn)

    e, portanto {(b1), . . . , (bn)} e uma base em (V ) e dim (V ) = dim V . Se, por outro lado, (V ) e umsubconjunto proprio de (V ), existem elementos v (V ) tais que v 1(b1) n(bn) 6= 0

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    para todos i K. Portanto, {v, (b1), . . . , (bn)} e um conjunto de n + 1 vetores linearmenteindependentes. Logo dim (V ) > n = dim V , pelo Teorema 2.3, pagina 106.

    Vamos entao mostrar que obrigatoriamente tem-se que dim (V ) = dim V , provando o teorema.

    Como vimos quando discutimos a relacao entre V e V a` pagina 111, V e equivalente ao conjuntoFB de todas as funcoes de B em K, enquanto que V e equivalente ao conjunto GB formado por todasas funcoes que assumem valores nao-nulos (no corpo K) apenas para um conjunto finito de B. ComoB tem um numero finito de elementos, sucede GB = FB (por que?). Logo V e V

    sao equivalentes:existe uma bijecao linear 1 entre ambos.

    A aplicacao 1 leva a base B em uma base 1(B) em V. Para ver isso, notemos que todo elemento

    l V e da forma l = 1(v), para algum v V . Como todo v V e da forma v = 1b1+ +nbn, segueque todo elemento l V e da forma 11(b1)+ +n1(bn). Como 1 e bijetora, {1(b1), . . . , 1(bn)}e um conjunto de vetores linearmente independentes pois se existirem escalares 1, . . . , n tais que

    11(b1) + + n1(bn) = 0

    teramos 1(1b1 + + nbn) = 0 o que implica 1b1 + + nbn = 0, pois 1 e bijetora. Isso poremimplica 1 = = n = 0, pois {b1, . . . , bn} e uma base. Assim, 1(B) = {1(b1), . . . , 1(bn)} e umabase em V e, portanto, dim V = n = dim V .

    Analogamente, tem-se que V e (V ) sao equivalentes e, portanto, existe uma bijecao linear 2 entreambos que leva a base 1(B) em uma base 2 1(B) em (V ). Portanto, dim V = dim (V ).

    Logo dim V = dim V = dim (V ), como queramos provar.

    Caso de dimensao infinita. No caso de dimensao infinita desejamos mostrar que sempre ha elementosem (V ) que nao sao da forma (x) para algum x V .

    Abaixo K e o corpo dos reais ou dos complexos.

    Vamos primeiro delinear a estrategia a ser seguida. Seja B uma base em V (fixa daqui por diante).Como sabemos, existe uma aplicacao linear bijetora : FB V . Uma funcao s : B K, s FBe dita ser limitada se existir um M > 0 tal que |s(b)| < M para todo b B. Seja LB o conjunto detodas as funcoes limitadas de B em K. E claro que LB FB. Vamos mostrar o seguinte: nao existenenhum vetor nao-nulo v V com a propriedade que

    (v)() = 0 ,

    para todo (LB). Seja v = 1b1 + + mbm um tal vetor para o qual (v)() = 0. Isso significaque para todo (LB)

    0 = (v)() = (v) = 1(b1) + + m(bm) .

    Tomemos funcionais is da forma

    i(b) =

    {1, se b = bi0, de outra forma

    para i = 1, . . . , m. Como todo i e um elemento de (LB) (por que?), teramos 0 = i(v) = i paratodo i, o que implica v = 0.

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    A conclusao e que nenhum elemento de (V ) que seja da forma (v) para algum v V nao-nulopode anular todos os elementos de (LB) V . A estrategia que seguiremos sera a de exibir umelemento de (V ) que tem precisamente a propriedade de anular todos os elementos de (LB). Um talelemento nao pode pertencer, portanto, a (V ), o que mostra que (V ) e um subconjunto proprio de(V ) no caso de dimensao infinita.

    Seja u V \ (LB) e U o sub-espaco de V gerado por u. Todo elemento l V pode ser escritode modo unico na forma

    l = au+ y ,

    onde a K e y pertence ao sub-espaco complementar de U . Definamos (l) = a. E claro que (V )e que aniquila todo elemento de (LB), pois estes pertencem ao sub-espaco complementar de U (porque?). Assim, (V ) mas 6 (V ).

    2.2 Formas Lineares, Sesquilineares e Produtos Escalares em

    Espacos Vetoriais

    2.2.1 Formas Multilineares

    Seja V um espaco vetorial sobre um corpo K (por exemplo, os reais ou os complexos) e n um numerointeiro positivo. Uma n-forma multilinear4 em V e uma funcao : V n K que seja linear em cada umdos seus argumentos, ou seja, para todo , K, todos v1, . . . , vn V , vi V e todo i = 1, . . . , nvale

    (v1, . . . , vi1, (vi + vi), vi+1, . . . , vn) =

    (v1, . . . , vi1, vi, vi+1, . . . , vn) + (v1, . . . , vi1, vi, vi+1, . . . , vn) . (2.5)

    O seguinte fato importante e consequencia imediata da definicao acima: se e uma n-forma mul-tilinear entao

    (v1, . . . , vi1, 0, vi+1, . . . , vn) = 0

    para todo i, ou seja, se um dos argumentos e o vetor nulo a forma se anula.

    E. 2.20 Exerccio. Prove isso. Sugestao: o que acontece se escolhermos = = 0? 6

    Um fato importante e o seguinte: o conjunto de todas as n-formas lineares em um espaco vetorialV sobre um corpo K e igualmente um espaco vetorial sobre K. Para tal procede-se da seguinte forma:para duas n-formas lineares 1 e 2 e dois escalares 1, 2 K define-se a combinacao linear 11+22como sendo a n-forma linear que a toda n-upla de vetores v1, . . . , vn V associa

    (11 + 22)(v1, . . . , vn) = 11(v1, . . . , vn) + 22(v1, . . . , vn) .

    4Tambem chamada n-forma linear ou simplesmente n-forma.

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    E. 2.21 Exerccio. Complete os detalhes da prova que o conjunto de todas as n-formas lineares em umespaco vetorial V sobre um corpo K forma um espaco vetorial sobre K. 6

    Formas bilinearesDe particular interesse e o caso n = 2, em cujo caso as formas sao denominadas formas bilineares:

    uma forma bilinear e uma funcao : V 2 K que seja linear em cada um dos seus dois argumentos,ou seja, para todo , K, todos u, v, w V , valem

    (u, (v + w)) = (u, v) + (u, w) ,

    ((u+ v), w) = (u, w) + (v, w) .

    Um exemplo basico importante e o seguinte. Seja V = Rn o espaco vetorial (sobre o corpo dosreais) formado por n-uplas de numeros reais: V = {x = (x1, . . . , xn), xi R}. Uma forma bilinearem V e dada por

    x, yR

    =n

    k=1

    xkyk . (2.6)

    Outro exemplo eA(x, y) = x, AyR ,

    onde A e uma matriz n n real qualquer.

    Formas bilineares nao-degeneradasUma forma bilinear e dita ser uma forma bilinear nao-degenerada se satisfizer a seguinte condicao:

    se para todo vetor v valer (v, u) = 0, entao u = 0.

    Formas bilineares nao-singularesSeja V um espaco vetorial e uma forma bilinear em V . Para u V fixo a aplicacao lu(v) = (u, v)

    e um funcional linear em V , ou seja, um elemento do espaco dual V . Se a aplicacao l : V V queassocia cada u V ao funcional linear lu acima for um isomorfismo de espacos vetoriais a forma bilinear e dita ser uma forma bilinear nao-singular.

    Ha varios outros tipos de formas multilineares que sao importantes, como por exemplo as chamadasformas multilineares alternantes e, dentre estas as formas simpleticas.

    Formas alternantesUma n-forma linear em um espaco vetorial V sobre um corpo K e dita ser uma forma alternante

    (ou uma forma anti-simetrica) se satisfizer

    (v1, . . . , vi1, vi, vi+1, vi+2, . . . , vn) = (v1, . . . , vi1, vi+1, vi, vi+2, . . . , vn) (2.7)para todos os vetores v1, . . . , vn V e todo i = 1, . . . , n 1. Em palavras, quando trocamos delugar dois argumentos vizinhos quaisquer a forma troca de sinal.

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    Deve ser bem claro que essa definicao equivale a` seguinte afirmacao: se e uma n-forma linearalternante, entao para todo Sn, o grupo de permutacoes de n elementos, vale

    (vpi(1), . . . , vpi(n)

    )= (sinal) (v1, . . . , vn) , (2.8)

    para todos os vetores v1, . . . , vn V , onde sinal e o sinal da permutacao (definido a` pagina 771).E. 2.22 Exerccio. Esta claro? 6

    Nomenclatura. Se e n-forma linear alternante, n e dito ser o grau de .

    O conjunto de todas as n-formas lineares alternantes em um espaco vetorial V sobre um corpo K eigualmente um espaco vetorial sobre K: para duas n-formas lineares alternantes 1 e 2 e dois escalares1, 2 K define-se a combinacao linear 11 + 22 como sendo a n-forma linear que a toda n-uplade vetores v1, . . . , vn V associa

    (11 + 22)(v1, . . . , vn) = 11(v1, . . . , vn) + 22(v1, . . . , vn) .

    E facil constatar que a n-forma linear assim definida e tambem alternante.

    E. 2.23 Exerccio. Complete os detalhes da prova que o conjunto de todas as n-formas lineares alternantesem um espaco vetorial V sobre um corpo K forma um espaco vetorial sobre K. 6

    Formas simpleticasFormas bilineares alternantes nao-degeneradas sao denominadas formas simpleticas5. Formas sim-

    pleticas sao importantes em algumas areas da Fsica, como por exemplo na mecanica classica e noestudo de metodos de quantizacao.

    Assim, uma forma simpletica em um espaco vetorial V sobre um corpo K e uma forma bilinearpara a qual

    (u, v) = (v, u)para todos os vetores u, v V e tal que se (u, v) = 0 para todo v, entao u = 0.

    Um exemplo basico importante no caso do espaco vetorial V = Rn e que, como veremos na Secao2.4, e o caso geral e o seguinte:

    A(x, y) = x, AyR,onde A e uma matriz n n real anti-simetrica, ou seja, que satisfaz AT = A, o que equivale a dizerque seus elementos de matriz satisfazem Aij = Aji. Fora isso, pela condicao de nao-degenerescenciaA tem que ser invertvel, pois se x, Ay

    R= 0 para todo y, entao ATx, y

    R= 0 para todo y, o

    que so e possvel se ATx = 0. Isso implicaria que det(A) = det(AT ) = 0. Uma consequencia dofato de A ter de ser invertvel e que n tem que ser par. De fato, a condicao AT = A diz quedet(A) = det(AT ) = (1)n det(AT ) = (1)n det(A). Portanto, se n e mpar teramos det(A) = 0.

    Algumas propriedades basicas de formas lineares alternantes5Do grego symplektikos: que serve para ligar, trancado, enlacado.

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    E evidente pela definicao que se e uma n-forma alternante entao (v1, . . . , vn) = 0 caso hajavi = vj para algum par i 6= j. Em particular, para formas simpleticas (u, u) = 0 para todo u V .E. 2.24 Exerccio. A propriedade mencionada no ultimo paragrafo e equivalente a` definicao de formalinear alternante: se e uma n-forma linear e (v1, . . . , vn) = 0 sempre que vi = vj para algum par i 6= j,entao e alternante. Prove isso. Sugestao: para i 6= j defina a forma bilinear ij(vi, vj) := (v1, . . . , vn)onde todos os vetores v1, . . . , vn estao fixos exceto vi e vj . Usando agora que ij(x + y, x + y) = 0,mostre que ij(vi, vj) = ij(vj, vi) para todo vi e vj . A afirmacao principal segue disso (por que?). 6

    A seguinte proposicao sobre formas lineares alternantes e importante:

    Proposicao 2.2 Se e uma n-forma linear alternante e v1, . . . , vn sao vetores linearmente dependentes,entao

    (v1, . . . , vn) = 0 .

    2

    E. 2.25 Exerccio. Prove isso. 6

    Formas alternantes maximaisA Proposicao 2.2 tem uma consequencia imediata: se V e um espaco vetorial de dimensao n e e

    uma forma linear alternante de ordem m > n, entao = 0.

    E. 2.26 Exerccio. Por que? 6

    Assim, em um espaco de dimensao n o grau maximo de uma forma alternante e n. Formas alternan-tes de grau maximo sao ditas formas alternantes maximais. Vamos mais adiante estudar como sao essasformas maximais, mas antes, precisamos discutir alguns fatos importantes sobre formas alternantes emespacos de dimensao finita.

    Em um espaco vetorial V de dimensao n o espaco vetorial das formas alternantes maximais eunidimensional. Para ver isso notemos o seguinte. Seja {b1, . . . , bn} uma base em V . Sejam agora 1e 2 duas formas alternantes maximais em V e seja x1, . . . , xn uma n-upla de vetores de V . Como{b1, . . . , bn} e uma base, podemos sempre escrever

    xi =

    nj=1

    ijbj ,

    para todo i = 1, . . . , n. Assim,

    1(x1, . . . , xn) =

    nj1=1

    n

    jn=1

    1j1 njn 1(bj1 , . . . , bjn)

    e, analogamente,

    2(x1, . . . , xn) =

    nj1=1

    n

    jn=1

    1j1 njn 2(bj1 , . . . , bjn) .

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    Ocorre que 1(bj1, . . . , bjn) e zero caso ocorram dois ndices jk iguais. Por isso, podemos reescreveras expressoes acima da seguinte forma:

    1(x1, . . . , xn) =jSn

    1j(1) nj(n) 1(bj(1), . . . , bj(n))

    e, analogamente,

    2(x1, . . . , xn) =jSn

    1j(1) nj(n) 2(bj(1), . . . , bj(n)) ,

    onde, acima, Sn e o conjunto de todas as bijecoes de {1, . . . , n} em si mesmo (o chamado grupo depermutacoes de n elementos).

    E. 2.27 Exerccio. Justifique. 6

    Como 1 e uma forma alternante maximal, tem-se que

    1(bj(1), . . . , bj(n)) = sinal(j)1(b1, . . . , bn) .

    Assim,

    1(x1, . . . , xn) =

    (jSn

    1j(1) nj(n) sinal(j))1(b1, . . . , bn)

    e, analogamente,

    2(x1, . . . , xn) =

    (jSn

    1j(1) nj(n) sinal(j))2(b1, . . . , bn) .

    Como se ve nessas ultimas expressoes, 1(x1, . . . , xn) e 2(x1, . . . , xn) diferem apenas pelos fatores1(b1, . . . , bn) e 2(b1, . . . , bn), respectivamente. Como esses fatores sao apenas numeros (elementosdo corpo K), sao proporcionais um ao outro. Isso prova entao que 1(x1, . . . , xn) e 2(x1, . . . , xn)sao proporcionais um ao outro para toda n-upla x1, . . . , xn e isso era o que queramos provar.

    Com as observacoes acima chegamos ao importante conceito de forma determinante.

    A forma determinanteComo observamos acima, todas as n-formas lineares alternantes maximais de um espaco vetorial

    V de dimensao n sao proporcionais umas a`s outras. Assim, o conhecimento de uma forma alternantemaximal determina todas as outras.

    A forma determinante6 det em um espaco vetorial V de dimensao n e a n-forma linear alternantemaximal tal que det(b1, . . . , bn) = 1 no caso em que {b1, . . . , bn} e a base canonica de V :

    b1 =

    100...0

    , b2 =

    010...0

    , . . . , bn =

    00...01

    .

    6Tambem chamada de forma volume, pois em R3, det(x1, x2, x3) e igual ao volume do paraleleppedo descrito pelosvetores x1, x2, x3.

  • JCABarata. Curso de Fsica-Matematica Versao de 12 de julho de 2006. Captulo 2 121/1490

    Assim,

    det(x1, . . . , xn) =jSn

    1j(1) nj(n) sinal(j) ,

    onde ij e a j-esima componente do vetor xi na base canonica.

    Como observamos, todas as outras n-formas lineares alternantes maximais de V sao proporcionaisa det.

    Determinante de matrizesSejam a1, . . . , an vetores, representados na base canonica por vetores-coluna

    ai =

    i1...in

    .

    Denotamos por[[a1, . . . , an

    ]]a matriz n n construda de forma que sua a-esima coluna seja o

    vetor-coluna xa, ou seja [[a1, . . . , an

    ]]=

    11 n1...

    . . ....

    1n nn

    .

    E evidente que toda matriz A Mat (C, n) pode ser escrita na forma A =[[a1, . . . , an

    ]]para

    algum conjunto de vetores a1, . . . , an que representam suas colunas.

    Define-se entao o determinante da matriz A como sendo

    det(A) := det(a1, . . . , an) , (2.9)

    ou seja,

    det(A) =jSn

    1j(1) nj(n) sinal(j) . (2.10)

    Cremos que o conceito de determinante de matrizes e suas propriedades basicas sejam bem conhe-cidos do estudante que tenha uma formacao basica em Calculo e Algebra Linear, mas as mesmas serao(re)apresentadas e deduzidas na Secao 3.1, pagina 160. Vide, em particular, o Teorema 3.1, pagina162.

    2.2.2 Formas Sesquilineares e as Desigualdades de Cauchy-Schwarz e Min-

    kowski

    Formas sesquilineares. DefinicoesSeja V um espaco vetorial complexo. Uma forma sesquilinear7 e uma funcao : V V C que

    satisfaz as seguintes propriedades:

    7Do radical grego sesqui: um e meio.

  • JCABarata. Curso de Fsica-Matematica Versao de 12 de julho de 2006. Captulo 2 122/1490

    1. Linearidade em relacao a` segunda variavel:

    (u, v + w) = (u, v) + (u, w) ,

    para todos os vetores u, v e w e para todos os numeros complexos e .

    2. Anti-linearidade em relacao a` primeira variavel:

    (u+ v, w) = (u, w) + (v, w) ,

    para todos os vetores u, v e w e para todos os numeros complexos e .

    E imediato pela definicao que toda forma sesquilinear se anula no vetor nulo, ou seja,

    (u, 0) = (0, u) = 0 ,

    para todo vetor u.

    E. 2.28 Exerccio. Prove isso. 6

    Uma forma sesquilinear e dita ser uma forma sesquilinear Hermitiana se satisfizer:

    3. Simetria por conjugacao complexa:

    (u, v) = (v, u) ,

    para todos os vetores u e v.

    Uma forma sesquilinear e dita ser uma forma sesquilinear positiva se satisfizer

    4. Positividade. Para todo u V ,(u, u) 0 .

    Abaixo (Teorema 2.6, pagina 123) provaremos que toda forma sesquilinear positiva e automatica-mente Hermitiana. La provaremos tambem que se e uma forma sesquilinear positiva entao valeque |(u, v)|2 (u, u)(v, v) para todos os vetores u e v. Essa desigualdade e conhecida comoDesigualdade de Cauchy-Schwarz.

    Uma forma sesquilinear e dita ser uma forma sesquilinear nao-degenerada se satisfizer:

    5. Nao-degenerescencia. Se um vetor u e tal que vale (u, v) = 0 para todo vetor v, entao u = 0.

    Nomenclatura. Uma forma sesquilinear que nao e nao-degenerada e dita ser degenerada.

    Formas sesquilineares nao-singularesSeja V um espaco vetorial e uma forma sesquilinear em V . Para u V fixo a aplicacao lu(v) =

    (u, v) e um funcional linear em V , ou seja, um elemento do espaco dual V . Se a aplicacao anti-linear

  • JCABarata. Curso de Fsica-Matematica Versao de 12 de julho de 2006. Captulo 2 123/1490

    l : V V que associa cada u V ao funcional linear lu acima for um anti-isomorfismo8 de espacosvetoriais a forma sesquilinear e dita ser uma forma sesquilinear nao-singular.

    A desigualdade de Cauchy-SchwarzDe importancia fundamental na teoria das formas sesquilineares e o seguinte teorema, que apresenta-

    nos a importante desigualdade de Cauchy9-Schwarz10.

    Teorema 2.6 Se e uma forma sesquilinear positiva, entao e tambem Hermitiana, ou seja,

    (u, v) = (v, u) ,

    para todos os vetores u e v. Fora isso, vale a desigualdade de Cauchy-Schwarz: para todos os vetoresu e v,

    |(u, v)|2 (u, u)(v, v) . (2.11)Por fim, se e uma forma sesquilinear positiva e nao-degenerada entao (u, u) = 0 se e somente seu = 0. 2

    Prova. Faremos uso do fato que, para qualquer numero complexo e quaisquer vetores u e v vale, pelahipotese de positividade,

    (u+ v, u+ v) 0 .Escrevendo-se explicitamente o lado esquerdo temos a desigualdade

    ||2 (v, v) + (u, v) + (v, u) + (u, u) 0 .

    E. 2.29 Exerccio. Verifique isso. 6

    Vamos agora escrever na forma = x+ iy, onde x e a parte real de e y sua parte imaginaria.A ultima expressao fica

    f(x, y) := (x2 + y2)(v, v) + (x+ iy)(u, v) + (x iy)(v, u) + (u, u) 0 .

    E. 2.30 Exerccio. Verifique isso. 6

    Vamos decompor (u, v) e (v, u) nas suas partes reais e imaginarias, escrevendo

    (u, v) = + i e (v, u) = + i , (2.12)

    onde , , e R. Ficamos com

    f(x, y) = (x2 + y2)(v, v)+ (x y)+ i(x+ y)+ (x+ y)+ i(x y)+(u, u) 0 . (2.13)8Definido a` pagina 74.9Augustin Louis Cauchy (1789-1857).

    10Karl Herman Amandus Schwarz (1843-1921).

  • JCABarata. Curso de Fsica-Matematica Versao de 12 de julho de 2006. Captulo 2 124/1490

    Como f(x, y) tem que ser real (e 0) segue que a parte imaginaria da expressao acima deve ser nulae, como (v, v) e (u, u) sao reais, devemos ter

    0 = (x + y) + (x y) = x( + ) + y( ) .Como isso deve valer para todos x, y R, segue que = e = . Comparando com (2.12), issodiz que

    (u, v) = (v, u),

    provando que e Hermitiano.

    Com as relacoes = e = a expressao (2.13) ficaf(x, y) = (x2 + y2)(v, v) + 2(x y) + (u, u) . (2.14)

    Vamos agora considerar dois casos: um onde (v, v) = 0 e outro onde (v, v) 6= 0. No primeirof(x, y) = 2(x y) + (u, u) .

    Assim, como (u, u) 0 pela positividade, a condicao f(x, y) 0 e possvel para todos x e y Rse e somente se = = 0, ou seja, se e somente se (u, v) = 0 para todo u. Aqui a desigualdade deCauchy-Schwarz (2.11) e trivialmente satisfeita, pois ambos os lados sao iguais a zero.

    Passemos ao caso (v, v) 6= 0. Resta-nos provar a desigualdade de Cauchy-Schwarz (2.11) paraesse caso. Podemos reescrever o lado direito de (2.14) como

    f(x, y) = (v, v)

    [(x+

    (v, v)

    )2+

    (y

    (v, v)

    )2]+ (u, u)

    (2 + 2

    (v, v)

    ).

    E. 2.31 Exerccio. Verifique. 6

    Da, constatamos que f(x, y) 0 para todos x e y R se e somente se

    (u, u)(2 + 2

    (v, v)

    ) 0 ,

    ou seja, se e somente se(u, u)(v, v) 2 + 2 .

    O lado direito e, porem, |(u, v)|2, e a ultima desigualdade significa|(u, v)|2 (u, u)(v, v) ,

    que e a desigualdade de Cauchy-Schwarz que queramos demonstrar.

    Finalmente, se e uma forma sesquilinear positiva e nao-degenerada e um certo vetor u e tal que(u, u) = 0, segue pela desigualdade de Cauchy-Schwarz que (u, v) = 0 para todo v, o que implicau = 0, pois e nao-degenerada.

    A desigualdade de Minkowski

  • JCABarata. Curso de Fsica-Matematica Versao de 12 de julho de 2006. Captulo 2 125/1490

    A desigualdade de Cauchy-Schwarz tem uma consequencia de certa importancia, a chamada desi-gualdade de Minkowski11: Se e uma forma sesquilinear positiva (em particular, se e um produtoescalar) entao, para todos os vetores u e v, vale

    (u v, u v)1/2 (u, u)1/2 + (v, v)1/2 . (2.15)

    A demonstracao e simples:

    (u v, u v) = (u, u) (u, v) (v, u) + (v, v)

    = (u, u) 2Re ((u, v)) + (v, v)

    (u, u) + 2 |(u, v)|+ (v, v)

    (u, u) + 2(u, u)1/2(v, v)1/2 + (v, v)

    =[(u, u)1/2 + (v, v)1/2

    ]2,

    que e o que se queria demonstrar. Acima, na passagem da primeira para a segunda linha usamos aHermiticidade de e na passagem da terceira para a quarta linha, usamos a desigualdade de Cauchy-Schwarz, ambos esses fatos sendo consequencia do Teorema 2.6, pagina 123.

    2.2.3 Produtos Escalares

    Produtos internos ou produtos escalaresUma forma sesquilinear positiva e dita ser um produto escalar ou produto interno se satisfizer:

    6. (u, u) = 0 se e somente se u = 0.

    A proposicao seguinte apresenta uma definicao alternativa de produto escalar.

    Proposicao 2.3 Uma forma sesquilinear positiva e um produto escalar se e somente se for nao-degenerada. 2

    Prova. Se e um produto escalar, entao se u e tal que (u, v) = 0 para todo v, vale em particular(tomando v = u) que (u, u) = 0 e, portanto, u = 0. Assim, todo o produto escalar e nao-degenerado.Reciprocamente, pelo Teorema 2.6, pagina 123, se e uma forma sesquilinear positiva e nao-degenerada,entao vale automaticamente que (u, u) = 0 se e somente se u = 0

    Notacoes para produtos escalares11Hermann Minkowski (1864-1909).

  • JCABarata. Curso de Fsica-Matematica Versao de 12 de julho de 2006. Captulo 2 126/1490

    Seguindo a convencao, denotaremos frequentemente produtos escalares de dois vetores u e v naopor (u, v) mas por u, v. E frequente tambem denotar um produto escalar de dois vetores u e v por(u, v). Essa notacao pode causar confusao com a de par ordenado e por isso a evitamos. Em textosde Fsica e comum encontrar tambem a chamada notacao de Dirac para produtos escalares: u|v. Pordiversas razoes nao compartilhamos do entusiasmo de alguns com essa notacao e tambem a evitamos.

    Detalhando a definicao de produto escalarComo o conceito de produto escalar e muito importante, vamos detalha-lo um pouco mais antes de

    passarmos a exemplos.

    Um produto escalar ou produto interno em um espaco vetorial V sobre o corpo dos complexos euma funcao V V C, denotada por u, v, para u, v V , com as seguintes propriedades:

    1. O produto escalar e linear na segunda variavel:

    u, v + w = u, v+ u, w

    para todos u, v e w V e todos , C.2. O produto escalar e anti-linear na primeira variavel:

    u+ v, w = u, w+ v, w

    para todos u, v e w V e todos , C, onde e o complexo conjugado de C.3. Conjugacao complexa:

    u, v = v, upara todos u, v V .

    4. Para todo u V0, u = u, 0 = 0 .

    5. Positividade. Para todo vetor u nao-nulo

    u, u > 0 .

    Nota. Alguns postulados da definicao de produto escalar acima sao redundantes, pois nem todos saoindependentes. Nos os listamos apenas para ressaltar sua relevancia individual. Por exemplo, o item2 segue de 1 e 3 (por que?). O item 4 segue de 1 e 2 (por que?). Os itens 1, 2 e 5 implicam o item 3(como veremos no Teorema 2.6). Independentes sao apenas 1, 2 e 5 ou 1, 3 e 5.

    Para um produto escalar de dois vetores vale a seguinte e importantssima desigualdade, conhecidacomo Desigualdade de Cauchy-Schwarz:

    |u, v|2 |u, u||v, v| .

    A demonstracao (mais geral) e apresentada no Teorema 2.6, pagina 123.

  • JCABarata. Curso de Fsica-Matematica Versao de 12 de julho de 2006. Captulo 2 127/1490

    Advertencia. Em livros de Matematica definicao de produto escalar e por vezes apresentada de formaque se tenha linearidade na primeira variavel e anti-linearidade na segunda variavel. A convencao queadotamos e oposta e e seguida, felizmente, por 100% dos textos de Fsica.

    Formas sesquilineares positivas e produtos escalaresSe V e um espaco vetorial dotado de uma forma sesquilinear positiva , existe uma maneira canonica

    de construir a partir de V e um outro espaco vetorial dotado de um produto escalar.

    Seja uma forma sesquilinear positiva em um espaco vetorial V . Entao, existe um espaco vetorialV , um produto escalar e uma aplicacao linear sobrejetora E : V V tais que

    (E(u), E(v)) = (u, v)

    e que E(u) = 0 em V caso (u, u) = 0.

    Para a mencionada construcao, notemos em primeiro lugar que o conjunto de todos os vetores ucom a propriedade que (u, u) = 0 formam um sub-espaco de V . De fato, se u e v sao dois vetoresdesse tipo, teremos que

    (u+ v, u+ v) = ||2(u, u) + (u, v) + (v, u) + ||2(v, v) = 0 ,

    pois (u, u) = (v, v) = 0, por hipotese, e pois (v, u) = (u, v) = 0 em funcao da condicao de ser positivo (pela desigualdade de Cauchy-Schwarz). Vamos denominar esse sub-espaco por Z. Oespaco vetorial quociente V = V/Z (vide a construcao da pagina 103) tem as propriedades desejadas.A aplicacao E : V V e a aplicacao que associa cada elemento de v de V a` sua classe de equivalencia[v]: E : V v 7 [v] V . Definimos entao por

    ([u], [v]) = (u, v) .

    E um exerccio simples (faca) mostrar que essa definicao de fato independe dos representantes, no casou e v, tomados nas classes [u] e [v].

    E. 2.32 Exerccio. Mostre que e de fato um produto escalar em V . 6

    Produtos escalares e formas simpleticas reaisSeja V um espaco vetorial complexo dotado de um produto escalar , . Entao, a expressao

    (u, v) := Im(u, v) ,

    u, v V , define uma forma simpletica real em V . As condicoes de antisimetria ((u, v) = (v, u))e de linearidade por combinacoes lineares com escalares reais sao elementares de se constatar. Que e nao-degenerada, segue do fato que se (u, v) = 0 para todo u valeria, tomando u = iv, 0 =Im( iv, v) = v, v, o que implica v = 0.

    Na Secao 2.5, pagina 142, veremos que, sob hipoteses adequadas, toda forma simpletica real e aparte imaginaria de um produto escalar em um espaco complexo.

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    2.2.4 Exemplos

    Para ilustrar os conceitos apresentados acima, passemos a alguns exemplos.

    Exemplos de formas sesquilineares e produtos escalares

    Exemplo 2.1 Seja V = Cn. Um exemplo de produto escalar e dado pelo produto escalar usual:

    (u, v) = u, vC

    :=n

    k=1

    ukvk , (2.16)

    onde u = (u1, . . . , un) e v = (v1, . . . , vn).

    Exemplo 2.2 Seja V = Cn. Um exemplo de produto escalar e dado por

    (u, v) = Au, AvC,

    onde u = (u1, . . . , un), v = (v1, . . . , vn) e onde A e uma matriz n n invertvel. Exemplo 2.3 Exemplo de uma forma sesquilinear Hermitiana que nao e positiva. Seja V = Cn e seja dado por

    (u, v) = u, AvC

    =n

    k, l=1

    ukAklvl ,

    onde A e uma matriz n n auto-adjunta, ou seja, seus elementos de matriz satisfazem Akl = Alk.A assim definida e uma forma sesquilinear Hermitiana, mas em geral pode nao ser positiva. Um

    caso concreto e o seguinte. Tomemos V = C2 e A =

    (0 ii 0

    ). Entao, e facil ver que (u, u) =

    u, AuC= i(u1u2 u1u2) = 2Im(u1u2), que pode ser negativo ou mesmo nulo. Assim, essa nao e

    positiva. E facil ver, porem, que essa e nao-degenerada (mostre isso!).

    Exemplo 2.4 Exemplo de uma forma sesquilinear que nao e Hermitiana. Seja V = Cn e seja dadopor

    (u, v) = u, AvC

    =n

    k, l=1

    ukAklvl ,

    onde A e uma matriz n n que nao e auto-adjunta, ou seja, Akl 6= Alk para pelo menos um elementode matriz Akl. A assim definida e uma forma sesquilinear, mas em geral pode nao ser Hermitiana.

    Um caso concreto e o seguinte. Tomemos V = C2 e A =

    (0 10 0

    ). Entao, e facil ver que

    (u, v) = u, AvC

    = u1v2 ,

    enquanto que (v, u) = v1u2. Logo, (u, v) e (v, u) podem ser distintos e nao e Hermitiana. Foraisso, essa tambem nao e positiva e e degenerada (mostre isso!).

    Exemplo 2.5 Exemplo de uma forma sesquilinear positiva mas que nao e um produto escalar. SejaV = Cn e seja dado por

    (u, v) = Au , AvC

  • JCABarata. Curso de Fsica-Matematica Versao de 12 de julho de 2006. Captulo 2 129/1490

    onde A e uma matriz n n nao-invertvel. Entao, existe u0 nao-nulo tal que Au0 = 0. Da, segue que(u0, v) = Au0, AvC = 0 para todo v e, portanto, e degenerada e (u0, u0) = 0.

    Um caso concreto e o seguinte. Tomemos V = C2 e A =

    (1 00 0

    ). Note que A nao e invertvel

    (por que?). Aqui temos que (u, v) = u1v1. Note que todo vetor da forma ub =

    (0

    u2

    )e tal que

    Aub = 0 e, portanto (ub, v) = 0 para todo v.

    Na Secao 2.4, pagina 138, mostraremos como e a forma geral de formas bilineares, sesquilinearese produtos escalares nos espacos de dimensao finita Rn e Cn. Tratemos agora de dois exemplos emespacos vetoriais de dimensao infinita.

    Exemplo 2.6 Seja V = C([a, b]) o espaco vetorial das funcoes contnuas complexas de um intervalofechado [a, b] da reta real (a < b). Seja p uma funcao contnua estritamente positiva definida em [a, b],ou seja, p(x) > 0 para todo x [a, b]. Entao, a expressao

    (f, g) =

    ba

    f(x)g(x) p(x)dx ,

    para funcoes f e g de V define um produto escalar em V (justifique!).

    Exemplo 2.7 Seja V = C([0, 1]) o espaco vetorial das funcoes contnuas complexas de um intervalofechado [0, 1] da reta real. Seja p uma funcao tal que p e contnua e estritamente positiva no intervalo[0, 1/2) e identicamente nula no intervalo [1/2, 1]. Entao, a expressao

    (f, g) =

    10

    f(x)g(x) p(x)dx ,

    para funcoes f e g de V define uma forma sesquilinear positiva em V , que nao e um produto escalar(justifique!).

    Exemplo 2.8 Considere o espaco vetorial Cn e o produto escalar usual: (u, v) = u, vC

    =ni=1 uivi. A desigualdade de Cauchy-Schwarz implica

    ni=1

    uivi

    2

    (

    nj=1

    |uj|2)(

    nk=1

    |vk|2)

    . (2.17)

    E. 2.33 Exerccio. Considere o espaco vetorial das funcoes contnuas no intervalo [0, 1] e o produto

    escalar (f, g) = 10f(x)g(x) dx. Tomando as funcoes f(x) = x e g(x) = ex, use a desigualdade de

    Cauchy-Schwarz para mostrar que e 7. 6

    E. 2.34 Exerccio. Tente livremente obter outras desigualdades interessantes do mesmo estilo usandoesse metodo. 6

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    2.3 Normas em Espacos Vetoriais

    Aqui trataremos exclusivamente, a memos que mencionado de outra forma, de espacos vetoriais sobreo corpo dos complexos.

    Semi-NormasUma semi-norma e uma funcao V R usualmente denotada por , com as seguintes propriedades:

    1. Para todo v V tem-se v 0.2. Para qualquer C e qualquer v V tem-se v = ||v.3. Para quaisquer vetores u e v V tem-se u+ v u+ v.

    Notas.

    Note-se que, pelo item 2, vale para uma semi-norma que 0 = 0 (tome = 0). Para uma semi-norma vale a desigualdade

    a a b b , (2.18)

    para quaisquer a, b V . Como faremos uso da mesma no futuro, vamos apresentar sua demons-tracao aqui, que e uma consequencia direta da desigualdade triangular.

    A desigualdade triangular diz-nos que

    a b a+ b (2.19)

    e queb = a (a b) a+ a b . (2.20)

    De (2.19) segue quea a b b

    e de (2.20) quea (a b b).

    Quando dois numeros reais x e y sao tais que x y e x y entao x |y|. Assim, as duasultimas desigualdades dizem que

    a a b b ,

    que e o que queramos provar.

    Essa desigualdade diz, incidentalmente, que a 0 para todo vetor de V . Isso mostra que oitem 1 da definicao de semi-norma e de norma e superfluo.

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    Note-se tambem que se fizermos em (2.18) as substituicoes a a b, b b, obtemos a b a b , (2.21)para quaisquer a, b V . Essa desigualdade sera empregada diversas vezes neste texto.

    Pelos itens 2 e 3 da definicao de semi-norma, vale que

    u+ v ||u+ ||v (2.22)

    para quaisquer , C e quaisquer vetores u e v V .

    NormasUma norma e uma funcao V R usualmente denotada por , com as seguintes propriedades:

    1. Para todo v V tem-se v 0.2. v = 0 se e somente se v for o vetor nulo: v = 0.3. Para qualquer C e qualquer v V tem-se v = ||v.4. Para quaisquer vetores u e v V tem-se u+ v u+ v.

    Notas.

    Como se percebe, uma norma e uma semi-norma dotada tambem da propriedade que v = 0implica v = 0.

    Note tambem que, pelo item 3 acima, tem-se 0 = 0 (tome = 0). Pelos itens 3 e 4 da definicao de norma, vale que

    u+ v ||u+ ||v (2.23)

    para quaisquer , C e quaisquer vetores u e v V . Como toda a norma e uma semi-norma, vale tambem a importante desigualdade a b a b , (2.24)para quaisquer a, b V . Essa desigualdade sera empregada diversas vezes neste texto.

    As quatro condicoes da definicao de norma, acima, nao sao, em verdade, logicamente indepen-dentes e listamo-as devido a` sua importancia individual. Assim, por exemplo, a condicao depositividade 1, como no caso de semi-normas, segue das condicoes 3 e 4 (mais precisamente, de(2.24)).

  • JCABarata. Curso de Fsica-Matematica Versao de 12 de julho de 2006. Captulo 2 132/1490

    A condicao 4, acima, e de particular importancia e e denominada desigualdade triangular.

    Um espaco vetorial pode ter varias normas. Vide exemplos abaixo.

    Exemplos de normas em espacos vetoriaisSeja Cn = {(z1, . . . , zn), com z1, . . . , zn C}, n 1, o espaco vetorial das n-uplas de numeros

    complexos. Para z = (z1, . . . , zn) Cn, a expressao

    z1 :=n

    k=1

    |zk| (2.25)

    define uma norma em Cn, denominada norma 1. Verifique! A expressao

    z := max{|z1|, . . . , |zn|} (2.26)tambem define uma norma em Cn. Verifique!

    A norma (2.25) pode ser generalizada. Para cada p R, p 1, a expressao

    zp :=[

    nk=1

    |zk|p] 1p

    (2.27)

    tambem define uma norma em Cn, denominada norma p. A unica dificuldade em provar isso resideem demonstrar a desigualdade triangular z+wp zp + wp para quaisquer z, w Cn. Isso serafeito com mais generalidade (para espacos de sequencias) na Secao 17.4.1, pagina 971 (vide expressao(17.26) do Teorema 17.2, pagina 975).

    Seja C([a, b], C) o espaco vetorial das funcoes complexas contnuas definidas no intervalo [a, b] R.A expressao

    f1 := ba

    |f(x)| dx , (2.28)

    f C([a, b], C), define uma norma em C([a, b], C), denominada norma L1. Verifique! A expressaof := sup

    x[a, b]

    |f(x)| , (2.29)

    f C([a, b], C), tambem define uma norma em C([a, b], C), denominada norma do supremo.Verifique!

    A norma (2.28) pode ser generalizada. Para cada p R, p 1, a expressao

    fp :=[ b

    a

    |f(x)|p dx] 1p

    , (2.30)

    f C([a, b], C), define uma norma em C([a, b], C), denominada norma Lp. A unica dificuldade emprovar isso reside em demonstrar a desigualdade triangular f + gp fp + gp para quaisquerf, g C([a, b], C). Isso sera feito com mais generalidade (para funcoes em espacos mensuraveis) naSecao 23.4.1, pagina 1188. Vide expressao (23.41) do Teorema 23.7, pagina 1188.

  • JCABarata. Curso de Fsica-Matematica Versao de 12 de julho de 2006. Captulo 2 133/1490

    Equivalencia de normas

    Definicao. Duas normas 1 e 2 em um espaco vetorial V sao ditas equivalentes se existirem duasconstantes positivas c1 e c2, com 0 < c1 c2, tais que

    c1v1 v2 c2v1para todo vetor v V . A importancia da nocao de equivalencia de normas se manifesta no fato queduas normas equivalentes geram a mesma topologia metrica.

    E. 2.35 Exerccio. Mostre que a relacao de equivalencia entre normas e uma relacao de equivalencia. 6

    E. 2.36 Exerccio. Mostre que as normas 1 e do espaco Cn, definidas em (2.25) e (2.26),respectivamente, sao equivalentes. 6

    Em espacos vetoriais reais ou complexos de dimensao finita vale o seguinte resultado especial, cujademonstracao encontra-se no Apendice 2.A, pagina 152:

    Teorema 2.7 Em um espaco vetorial de dimensao finita sobre C ou R todas as normas sao equiva-lentes. 2

    A afirmacao do Teorema 2.7 e frequentemente falsa em espacos de dimensao infinita. Isso e atestadonos exemplos do Exerccio E. 2.37.

    E. 2.37 Exerccio. As normas 1 e do espaco C([a, b], C), definidas em (2.28) e (2.29),respectivamente, nao sao equivalentes. E facil ver que f1 (b a)f para toda f C([a, b], C)(faca!). Seja, porem, a famlia de funcoes f(x) = e

    (xa) C([a, b], C) com > 0. E facil verque f = 1 e f1 = 1(1 e(ba)) (faca!). Mostre que nao existe nenhuma constante c tal quef cf1 para todo > 0. 6

    Equivalencia entre semi-normasHa uma nocao de equivalencia entre semi-normas que e identica a` de equivalencia entre normas.

    A norma associada a um produto escalarSe e um produto escalar em um espaco vetorial V existe associada a uma norma dada

    porv = (v, v)1/2 ,

    v V .E. 2.38 Exerccio. Mostre que os postulados da definicao de norma sao de fato satisfeitos. 6

    Invariancia de normas associadas a produtos escalares

  • JCABarata. Curso de Fsica-Matematica Versao de 12 de julho de 2006. Captulo 2 134/1490

    Se uma norma em um espaco vetorial V e produzida por um produto escalar, como acima, existenaturalmente um grupo de transformacoes lineares de V em V que mantem essa norma invariante.Esse grupo e discutido na Secao 14.2.3, pagina 784. Por exemplo, a chamada norma Euclidiana de Rn,definida por x = x, x

    Rpara x Rn, e invariante pelo grupo O(n) das matrizes ortogonais, ou

    seja, das matrizes R, reais n n, que satisfazem RTR = 1. Isso significa que Rx = x para todaR O(n). O grupo O(n) e seus amigos sao discutidos na Secao 14.2.4, pagina 785 e seguintes.

    A desigualdade triangularTalvez a principal consequencia da desigualdade de Minkowski (2.15) seja a seguinte. Vamos supor

    que seja um produto escalar. Entao podemos definir12 uma metrica ou distancia entre dois vetoresa e b por

    d(a, b) := a b = (a b, a b)1/2 .Como e um produto escalar, segue que d(a, b) = 0 se e somente se a = b (por que?). E tambemclaro que d(a, b) = d(b, a) (por que?). Fora isso, segue da desigualdade de Minkowski que paraquaisquer vetores a, b e c vale

    d(a, b) d(a, c) + d(c, b).Para ver isso, note que

    d(a, b) = (a b, a b)1/2

    = ((a c) (b c), (a c) (b c))1/2

    (a c, a c)1/2 + (b c, b c)1/2

    = d(a, c) + d(c, b) .

    Acima, na passagem da segunda a` terceira linha, usamos a desigualdade de Minkowski com u = a be v = b c.

    A desigualdade d(a, b) d(a, c) + d(c, b) e importante no estudo de propriedades topologicasde espacos vetoriais e e denominada desigualdade triangular (pergunta ao estudante: de onde vem essenome?).

    Note que a desigualdade triangular vale tambem se nao for um produto escalar, mas apenas umaforma sesquilinear positiva (por que?). Nesse caso e tambem verdade que d(a, b) = d(b, a), porem,nao e mais verdade que d(a, b) = 0 se e somente se a = b e, por isso, d e dita ser uma pseudo-metrica.

    Norma e produto escalarSe um espaco vetorial V possuir um produto escalar entao, como observamos, e possvel definir nele

    uma norma da seguinte forma: u = u, u, u V .A norma assim definida possui duas propriedades importantes que mencionamos aqui: a identidade

    do paralelogramo e a identidade de polarizacao.

    12As nocoes de metrica e de espacos metricos serao discutidas no Captulo 17.

  • JCABarata. Curso de Fsica-Matematica Versao de 12 de julho de 2006. Captulo 2 135/1490

    Identidade do paralelogramo: Para todos os vetores u, v V vale

    u+ v2 + u v2 = 2u2 + 2v2 . (2.31)

    Prova. Tem-se simplesmente pelas definicoes que

    u+ v2 = u+ v, u+ v = u2 + u, v+ v, u+ v2

    eu v2 = u v, u v = u2 u, v v, u+ v2 .

    Somando-se ambas tem-se o resultado desejado.

    E. 2.39 Exerccio. Por que (2.31) e chamada identidade do paralelogramo? 6

    E. 2.40 Exerccio. Usando a identidade do paralelogramo demonstre a identidade de Apolonio13:

    z x2 + z y2 = 12x y2 + 2

    z (x+ y)2

    2

    ,

    valida para todos os vetores x, y, z V . 6

    Identidade de polarizacao: Para todos os vetores u, v de um espaco vetorial complexo V vale

    u, v = 14

    3n=0

    inu+ inv2 , (2.32)

    u, v = 14

    3n=0

    inu+ inv2 , (2.33)

    ou seja,4u, v = u+ v2 u v2 iu+ iv2 + iu iv2 .

    Prova. Exerccio. Expanda o lado direito e verifique a igualdade.

    E. 2.41 Exerccio. Por que essa relacao e chamada identidade de polarizacao? 6

    Notemos que, com a definicao dada acima de norma associada a um produto escalar, a desigualdadede Cauchy-Schwarz fica

    |u, v| uv .

    A identidade de polarizacao13Apolonio de Perga (ci. 261 A.C. ci. 190 A.C.).

  • JCABarata. Curso de Fsica-Matematica Versao de 12 de julho de 2006. Captulo 2 136/1490

    A identidade de polarizacao mencionada acima e um caso especial de uma outra ligeiramente maisgeral, tambem denominada identidade de polarizacao. Seja A um operador linear em um espaco vetorialV sobre os complexos e sejam u e v elementos de seu domnio. Entao vale que

    u, Av = 14

    3n=0

    in(u+ inv), A(u+ inv) , (2.34)

    u, Av = 14

    3n=0

    in(u+ inv), A(u+ inv) , (2.35)

    E. 2.42 Exerccio. Mostre isso. Sugestao: expanda o lado direito das igualdades acima e constate asigualdades. 6

    Tomando-se A como o operador identidade reobtem-se as identidades (2.32)-(2.33).

    A relacao (2.34) mostra que se para um operador linear A conhecermos todas as quantidades, A para todos os vetores V , entao conhecemos tambem todas as quantidades u, Av paratodos u, v V .

    Para a fsica quantica a identidade de polarizacao (2.34) diz que se A for um observavel (operadorauto-adjunto), entao o conhecimento de todos os valores esperados de A, ou seja, das quantidades, A com = 1 e dos produtos escalares u, v para vetores com u = v = 1, fixa todas asprobabilidades de transicao |u, Av|2, pois

    u, Av = 14

    3n=0

    inn, An (2 + inu, v+ inv, u) , (2.36)

    onde

    n =1

    u+ inv(u+ inv) =

    12 + inu, v+ inv, u(u+ i

    nv) .

    Uma consequencia da identidade de polarizacaoA relacao (2.34) permite-nos facilmente provar a seguinte afirmacao, frequentemente empregada:

    Proposicao 2.4 Se um operador linear A agindo em um espaco vetorial complexo V satisfaz u, Au =0 para todo vetor u V entao A = 0. 2

    Para matrizes reais em espacos vetoriais reais nao vale uma afirmativa tao forte. Por exemplo,se V = Rn e A for uma matriz anti-simetrica, ou seja AT = A, entao vale automaticamente quex, Ax

    R=

    na, b=1

    xaAabxb = 0, pois Aab = Aba para todo x Rn. Porem, A pode ser nao-nula.

    Todavia, para matrizes simetricas vale o seguinte:

  • JCABarata. Curso de Fsica-Matematica Versao de 12 de julho de 2006. Captulo 2 137/1490

    Proposicao 2.5 Seja M Mat (R, n) uma matriz simetrica (ou seja, tal que MT = M) para a qualvalha que x, Mx

    R= 0 para todo x Rn. Entao M = 0. 2

    Prova. Se M e uma matriz simetrica, e facil verificar que para quaisquer vetores u e v Rn tem-se

    u, MvR

    =1

    4[(u+ v), M(u+ v)

    R (u v), M(u v)

    R] .

    (Para provar isso expanda o lado direito e use que u, MvR= v, Mu

    R, pois M e simetrica). Logo,

    da hipotese sobre M , segue que u, MvR= 0 para todos u e v Rn e, portanto, M = 0

    Obtendo produtos escalares a partir de normasNas ultimas paginas vimos que podemos obter uma norma a partir de um produto escalar e que

    essa norma satisfaz a identidade do paralelogramo, expressao (2.31). Podemos nos perguntar: se umanorma for dada em um espaco vetorial complexo, seria possvel obter um produto escalar a partir dessanorma?

    A resposta a essa questao e fornecida por um teorema devido a Frechet14, von Neumann15 e Jordan16,teorema esse sugerido pela identidade de polarizacao, expressao (2.32), pagina 135.

    Teorema 2.8 (Teorema de Frechet, von Neumann e Jordan) Seja V um espaco vetorial com-plexo, normado com norma e vamos supor que essa norma satisfaca a identidade do paralelogramo

    a + b2 + a b2 = 2a2 + 2b2 (2.37)

    para todos a, b V . Defina-se, para u, v V ,

    (u, v) :=1

    4

    3n=0

    inu+ inv2 . (2.38)

    Entao, e um produto escalar em V .

    Com essa definicao, vale (u, u) = u2 para todo u V e, portanto, a norma associada ao produtoescalar e a propria norma . Com isso, reconhecemos que (2.38) coincide com a identidade depolarizacao para o produto escalar .

    Conclu-se, entao, que uma norma e associada a um produto escalar se e somente se satisfizer aidentidade do paralelogramo. 2

    A demonstracao do Teorema de Frechet, von Neumann e Jordan encontra-se no Apendice 2.B,pagina 154. Vide tambem [155] ou [83] para outras demonstracoes essencialmente identicas.

    14Maurice Renes Frechet (1878-1973).15Janos von Neumann (1903-1957). Von Neumann tambem adotou os nomes de Johann von Neumann e John von

    Neumann.16Ernst Pascual Jordan (19021980).

  • JCABarata. Curso de Fsica-Matematica Versao de 12 de julho de 2006. Captulo 2 138/1490

    A demonstracao do Teorema 2.8 e engenhosa e a principal dificuldade consiste em demonstrar que(2.38) e uma forma sesquilinear, um fato um tanto surpreendente se observarmos que o lado direitode (2.38) contem uma soma de normas, que nao sao sequer funcoes lineares, satisfazendo apenasu = || u e u+ v || u+ || v para todos , C e todos u, v V .

    Mencionemos, por fim, que nem toda norma satisfaz a identidade do paralelogramo e, portanto,nem toda norma e associada a um produto escalar e, assim, nem sempre e possvel definir um produtoescalar a partir de uma norma. Os Exerccios E. 2.43 e E. 2.44, servem como exemplo de tais situacoes.

    E. 2.43 Exerccio. Seja o espaco vetorial V = C([0, 1], C) das funcoes contnuas do intervalo [0, 1]assumindo valores complexos e seja a norma f = supx[0, 1] |f(x)|. Mostre que a identidade do pa-ralelogramo nao e satisfeita para as funcoes f(x) = x e g(x) = 1, x [0, 1], que sao elementos de V .6

    E. 2.44 Exerccio. Seja o espaco vetorial V = Cn, com n 2. Para a = (a1, . . . , an) Cn a expressaoap := [|a1|p + + |an|p]1/p, define uma norma em V = Cn, caso p 1. Mostre que essa norma violaa identidade do paralelogramo para todo p 6= 2. Para tal considere os vetores u = (1, 0, 0, . . . , 0) ev = (0, 1, 0, . . . , 0). A norma p sera discutida com mais detalhe no Captulo 17. 6

    2.4 Formas Bilineares e Sesquilineares em Espacos de Di-

    mensao Finita

    E possvel estabelecer a forma geral de uma forma bilinear ou sesquilinear em certos espacos vetoriais,como os espacos de dimensao finita Rn ou Cn. E o que discutiremos nesta secao.

    Faremos uso do chamado Teorema da Representacao de Riesz, que afirma o seguinte.

    Teorema 2.9 (Teorema da Representacao de Riesz) Seja l um funcional linear contnuo em umespaco de Hilbert H (com um produto escalar ,

    H). Entao existe H, unico, tal que

    l(x) = , xH, x H .

    2

    A demonstracao desse importante teorema pode ser encontrada na Secao 25.3.1, pagina 1268. No-temos que esse teorema se aplica aos espacos vetoriais Rn ou Cn, pois os mesmos sao espacos de Hilbertem relacao aos produtos escalares ,

    Re ,

    C, respectivamente, definidos em (2.6) e (2.16) (paginas

    117 e 128).

    ContinuidadeVamos provar a seguinte afirmacao: toda forma bilinear em Rn e contnua (em ambas as variaveis),

    o mesmo valendo para formas bilineares ou sesquilineares em Cn.

  • JCABarata. Curso de Fsica-Matematica Versao de 12 de julho de 2006. Captulo 2 139/1490

    Vamos provar a afirmacao para as formas sesquilineares em Cn. Os outros casos sao identicos. Seja uma forma sesquilinear em Cn. Para vetores x, y Cn, y 6= 0, escrevemos

    (x, y) = y(x, y/y) , (2.39)onde y = y, y

    C. Notemos entao que se v e um vetor de norma igual a 1 e {b1, . . . , bn} e uma

    base ortonormal em Cn entao v = v1b1 + + vnbn com |vj| 1. Assim,(x, v) = v1(x, b1) + + vn(x, bn)

    e, portanto,|(x, v)| |(x, b1)|+ + |(x, bn)|

    Para cada x fixo o lado direito e uma constante Kx e nao depende de v. Aplicando isso a (2.39),teremos

    |(x, y)| yKx .Isso mostra que

    limy0

    |(x, y)| = 0para todo x fixo. Como (x, y) e linear na segunda variavel, segue que

    limyy0

    (x, y) = (x, y0) ,

    para todo y0 Cn, provando a continuidade de na segunda variavel. A prova para a primeira variavele identica. Os casos em que e bilinear em Rn ou em Cn e analogo.

    Formas sesquilineares em Cn

    Seja uma forma sesquilinear em Cn. Entao, pelo que acabamos de ver, para cada x Cn

    lx : Cn C, lx(y) = (x, y)

    e um funcional linear e contnuo. Pelo Teorema da Representacao de Riesz existe um unico vetorx Cn tal que lx(y) = x, yC para todo y Cn, ou seja,

    (x, y) = x, yC .

    Seja A a funcao que a cada x Cn associa o (unico!) vetor x com a propriedade acima: A(x) = x.Tem-se,

    (x, y) = A(x), yC. (2.40)

    Afirmamos que A e um operador linear, ou seja, A(1x1 + 2x2) = 1A(x1) + 2A(x2) para todosos numeros complexos 1 e 2 e todos os vetores x1 e x2. De fato, por (2.40),

    A(1x1 + 2x2), yC = (1x1 + 2x2, y)

    = 1(x1, y) + 2(x2, y)

    = 1A(x1), yC + 2A(x2), yC= 1A(x1) + 2A(x2), yC .

  • JCABarata. Curso de Fsica-Matematica Versao de 12 de julho de 2006. Captulo 2 140/1490

    Assim, para todo y Cn tem-se

    [A(1x1 + 2x2) 1A(x1) 2A(x2)] , yC = 0 ,

    o que implicaA(1x1 + 2x2) = 1A(x1) + 2A(x2) ,

    que e o que queramos provar. Assim, A e em verdade um operador linear. Resumimos esses fatos noseguinte teorema:

    Teorema 2.10 Para toda forma sesquilinear em Cn existe uma matriz n n complexa A tal que

    (x, y) = A x, yC ,

    para todos x, y Cn. 2

    Esse teorema estabelece assim a forma geral das formas sesquilineares em Cn.

    Formas bilineares em Rn

    Seja uma forma bilinear em Rn. Entao, para cada x Rn

    lx : Rn R : lx(y) = (x, y)

    e um funcional linear e contnuo. Pelo Teorema da Representacao de Riesz existe um unico vetorx Rn tal que lx(y) = x, yR, ou seja,

    (x, y) = x, yR .

    Seja A a funcao que a cada x Rn associa o (unico!) vetor x com a propriedade acima: A(x) = x.De maneira analoga ao que fizemos acima podemos provar que A e um operador linear, ou seja, umamatriz n n real e (x, y) = Ax, y

    R.

    Resumimos esses fatos no seguinte teorema:

    Teorema 2.11 Para toda forma bilinear em Rn existe uma matriz n n real A tal que

    (x, y) = A x, yR ,

    para todos x, y Rn. 2

    Esse teorema estabelece assim a forma geral das formas bilineares em Rn.

    Formas bilineares em Cn

    Seja uma forma bilinear em Cn. Entao

    s(x, y) = (x, y)

  • JCABarata. Curso de Fsica-Matematica Versao de 12 de julho de 2006. Captulo 2 141/1490

    define uma forma sesquilinear em Cn, onde x = (x1, . . . , xn) para x = (x1, . . . , xn) Cn. Pelo queprovamos acima, portanto, existe uma matriz complexa A tal que

    s(x, y) = A x, yC ,

    para todos x, y Cn, ou seja,(x, y) = A x, yC ,

    para todos x, y Cn.Note que isso tambem diz que

    (x, y) = A x, yR ,onde A e o complexo conjugado da matriz A.

    Resumimos esses fatos no seguinte teorema:

    Teorema 2.12 Para toda forma bilinear em Cn existe uma matriz n n complexa A tal que

    (x, y) = A x, yRpara todos x, y Cn. 2

    Esse teorema estabelece assim a forma geral das formas bilineares em Cn.

    Formas simpleticasSe e uma forma bilinear alternante em Rn ou Cn, ou seja, e bilinear e (x, y) = (y, x),

    entao e da forma (x, y) = Ax, yRonde A e uma matriz anti-simetrica, ou seja, AT = A. De

    fato, como x, yR= y, x

    Re como (x, y) = (y, x), segue que

    Ax, yR

    = Ay, xR

    = y, ATxR

    = AT x, yR.

    Como isso vale para todo x, y Rn (ou Cn), tem-se AT = A.Isso determina a forma geral de uma forma bilinear alternante em Rn ou Cn.

    Se e uma forma simpletica, ou seja, e uma forma bilinear alternante nao-degenerada, entao Atem que ser tambem invertvel. De fato, se Ax, y

    R= 0 para todo y, entao Ax = 0. Se A e invertvel

    isso so e possvel se x = 0.

    Uma consequencia do fato de A ter de ser invertvel e que n tem que ser par. De fato, a condicaoAT = A diz que det(A) = det(AT ) = (1)n det(AT ) = (1)n det(A). Portanto, se n e mparteramos det(A) = 0.

    A conclusao e que formas simpleticas so ocorrem nos espacos de dimensao finita Rn ou Cn se adimensao n for par, e nesse caso, tem a forma (x, y) = Ax, y

    R, onde A e invertvel e satisfaz

    AT = A.

    Formas sesquilineares Hermitianas em Cn

  • JCABarata. Curso de Fsica-Matematica Versao de 12 de julho de 2006. Captulo 2 142/1490

    Se e uma forma sesquilinear Hermitiana em Cn, tem-se (x, y) = (y, x). Se A e a matriz talque Ax, y

    C= (x, y), entao

    Ax, yC

    = Ay, xC

    = x, AyC

    = Ax, yC,

    onde A := AT e a adjunta de A. Como a ultima relacao vale para todo x, y Cn, tem-se A = A, ouseja, A e uma matriz auto-adjunta.

    Portanto, a forma geral de uma forma sesquilinear Hermitiana em Cn e Ax, yC, onde A e uma

    matriz auto-adjunta.

    Produtos escalares em Cn

    Se e um produto escalar em Cn, e sesquilinear Hermitiana e (x, x) > 0 se x 6= 0. Se A e amatriz tal que Ax, y

    C= (x, y), entao

    Ax, xC> 0 (2.41)

    se x 6= 0. Uma consequencia disso e o seguinte: se vi e um dos autovetores de A com autovalor i,entao i > 0. De fato, tomando x = vi em (2.41), teremos

    17 0 < Avi, viC = ivi, viC, o que implicai > 0. Esse fato, em particular, nos diz que A e invertvel (pois o determinante de A e o produto deseus autovalores).

    Outra consequencia dessas observacoes e a seguinte. E bem sabido que os autovetores vi de umamatriz auto-adjunta A podem ser escolhidos de modo a formar uma base ortonormal (vide Teorema3.13, pagina 205). Vamos definir uma matriz B de modo que Bvi =

    ivi para todos os autovetores

    vi de A. Isso define a acao de B nos vetores de uma base e, portanto, B fica definida em toda parte18.

    E facil provar que B assim definida e tambem auto-adjunta, B = B, e que B2 = A. ClaramenteB e tambem invertvel e tem autovalores > 0.

    E. 2.45 Exerccio. Mostre esses fatos. 6

    Disso conclumos que(x, y) = Ax, y

    C= Bx, By

    C.

    Em resumo, se e um produto escalar em Cn entao existe uma (unica) matriz auto-adjunta B,invertvel e com autovalores > 0 tal que

    (x, y) = Bx, ByCpara todo x, y Cn.

    2.5 Estruturas Complexas sobre Espacos Vetoriais Reais

    Seja V um espaco vetorial real. Em V esta, portanto, definido um produto por escalares reais: x v V ,onde x R e v V . Sob certas circunstancias e possvel transformar V em um espaco vetorial complexo

    17Lembre-se que os autovalores de uma matriz auto-adjunta sao sempre numeros reais.18Para o estudante mais avancado: aqui poderamos usar tambem o teorema espectral, Teorema 3.5.

  • JCABarata. Curso de Fsica-Matematica Versao de 12 de julho de 2006. Captulo 2 143/1490

    definindo um produto por escalares complexos: z v V para z C e v V . Tambem sob hipoteses,um produto escalar complexo pode ser definido em V .

    Suponha que exista um operador linear J : V V , agindo em V , com a propriedade J2 = 1,onde 1 denota o operador identidade. Se z C e da forma z = x+ iy com x, y R, defina-se em V oproduto por escalares complexos por

    (x+ iy) v := xv + yJv . (2.42)As seguintes propriedades poder ser facilmente verificadas como exerccio:

    1. O produto por escalares complexos (2.42) e associativo:

    ( u) = () u ,para todos , C e u V , onde e o produto de por em C,

    2. 1 u = u para todo u V .3. O produto por escalares complexos (2.42) e distributivo em relacao a` soma de vetores:

    (u+ v) = u+ v