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Os embates a respeito da primazia sobre a descoberta dos raios X
Decio Hermes Cestari Junior1
No final de 1895 o então diretor do Instituto de Física da Universidade de
Würzburg, na Bavária, Wilhelm Conrad Roentgen (1845-1923), encontra tempo para
retomar suas pesquisas no laboratório. Os estudantes e a maioria dos funcionários da
universidade já estavam em férias e, como comenta Robert Nitske, autor de um
detalhado livro sobre a vida do cientista:
“Nem um único estudante estaria andando
apressado pelos corredores, e ninguém, exceto talvez o
factótum Kasper Marstaller, entraria no
laboratório.”(NITSKE, 1971 p. 95)
Há algum tempo Roentgen acompanhava com “grande interesse” os trabalhos
sobre Raios Catódicos desenvolvidos por Heinrich Hertz (1857-1894) e Philipp Lenard
(1862-1947) e, aproveitando a tranquilidade do final de ano, iniciou suas próprias
pesquisas. Naquele período, Lenard desenvolvia pesquisas sobre o comportamento dos
raios catódicos fora do tubo de vácuo. Estudava a permeabilidade de diferentes
materiais relativos aos raios catódicos com a finalidade de obter dados sobre a natureza
da matéria.
“...pode então ser possível obter dados por meio
desses raios a respeito da natureza das moléculas e dos
átomos [...] é portanto particularmente interessante estudar
o comportamento de uma grande variedade de materiais
relativo aos raios catódicos. O primeiro ponto a ser
estudado é a permeabilidade...”(LENARD, 1906 p. 110)
1 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Lenard desenvolveu um tubo de vácuo com uma “janela” de alumínio muito
fino, que ficou conhecido como tubo de Lenard. Assim era possível estudar o
comportamento dos raios catódicos no ar ou em outros gases. A ideia da janela foi
apresentada por Hertz, conforme relatou Lenard em seu discurso (1906) na cerimônia de
recebimento do Prêmio Nobel de Física de 1905.
“Ele me chamou separadamente e mostrou o que
havia encontrado. E me falou ‘nós deveríamos separar
duas câmaras com folhas de alumínio, produzir os raios
normalmente em uma das câmaras. Talvez possamos
observar os raios na outra câmara, mais puros [...] evacuar
a câmara de observação e ver se isso impede a propagação
dos raios catódicos’ – em outras palavras, se os raios são
fenômenos da matéria ou fenômenos do éter.” (LENARD,
1906 p. 108)
Os raios que passavam por essa janela eram detectados aproximando-se um
material luminescente. Entretanto, esses raios atingiam uma distância de apenas alguns
centímetros do tubo. Lenard também observou que esses raios eram capazes de
sensibilizar chapas fotográficas, e descarregar eletroscópios. (MARTINS, 1998)
Para observar o brilho do material luminescente Lenard trabalhava com as luzes
apagadas e cobria o tubo de vácuo (também chamado de tubo de descarga) com uma
proteção metálica, uma espécie de capa de zinco, para evitar que o brilho do arco
formado dentro do tubo dificultasse a detecção do brilho do material fluorescente. A
substância fluorescente utilizada por Lenard era o Keton (pentadecil-paratolil-ketona).
(GLASSER 1996) Nos primeiros experimentos ele havia utilizado outras substâncias
como o sulfeto de cálcio, mas optou pelo Keton devido à maior eficiência.
Roentgen conseguiu o material necessário para reproduzir esses trabalhos em
1894, realizou alguns experimentos, mas não publicou nada a respeito. Retomou as
atividades no laboratório somente no final do ano seguinte o que levou à descoberta dos
raios X. Há pouco material disponível sobre esse período de trabalho de laboratório de
Roentgen, grande parte desses registros, além de muitas correspondências, foram
queimados após a morte do cientista, por determinação do próprio Roentgen.
(MARTINS 2012)
De acordo com a entrevista publicada em abril de 1896, na revista McClure’s
Magazine, Roentgen afirma que estava trabalhando com um tubo de Crookes, coberto
por um papel cartão preto e estava utilizando como substância luminescente o
platinocianeto de bário. Ao passar uma corrente de alta voltagem pelo tubo, ele
observou uma “linha preta” que se formou sobre a tela recoberta com platinocianeto de
bário. Essa linha preta descrita pelo cientista talvez seja uma sombra que se formou
quando a substância começou a brilhar. Um efeito que só poderia ser produzido pela
passagem de algum tipo de luz. Entretanto a luz não poderia estar saindo do tubo, pois
ele havia sido coberto com o papel cartão preto justamente para evitar a passagem da
luz produzida pelo arco elétrico. Roentgen investigou e percebeu que o efeito se
originava do tubo de descarga. Aumentou gradualmente a distância entre o tubo e a tela
de material fluorescente, até aproximadamente dois metros, o brilho continuava. Não
poderia ser raios catódicos devido à distância. Ele havia descoberto algo novo. (DAM,
1896)
Estudando raios catódicos Roentgen “descobre” os raios X. Muitos livros
didáticos e livros de divulgação científica atribuem essa descoberta ao acaso. Teria sido
um golpe de sorte do cientista. Assim, minimizam a importância do trabalho e
distorcem o processo de investigação científica. A descoberta torna-se o centro da
prática científica. (French 2009, p. 17). Essa abordagem reforça os conceitos
predominantes no senso comum. Um estudo mais aprofundado permite desfazer esses
mitos. Thomas Kuhn, a partir de sua perspectiva epistemológica, acredita que o que
propiciou a “primeira pista” que levou a descoberta foi a disposição acidental do aparato
no laboratório. Portanto ele também acredita que esse tipo de descoberta tem uma
característica de “acidentalidade”, embora nessa perspectiva o momento da observação
não seja a “descoberta”, mas apenas o primeiro passo, já que, para Kuhn, a descoberta
científica é um processo que se estende no tempo e espaço. (Kuhn 2009, p. 191)
Após observar a “anomalia” em seu laboratório, Roentgen passou varias
semanas, isolado em seu laboratório, elaborando e realizando experimentos para
analisar o fenômeno observado. Ele era um físico habilidoso, com cinquenta anos de
idade, já bastante experiente.
Ao terminar seus experimentos e sentir-se seguro em divulgar os resultados,
Roentgen recorreu ao professor Karl Lehmann, presidente da Sociedade Física e Médica
de Würzburg, e conseguiu que seu trabalho fosse publicado rapidamente, pulando
algumas etapas normais para publicação em um periódico científico.
“Isso não era um pedido usual [...] Lehmann
também percebeu que o trabalho era realmente de grande
importância [...] e o trabalho de Roentgen foi rapidamente
levado para impressão...” (NITSKE, 1971 p. 8)
Diversos laboratórios na Europa e Estados Unidos trabalhavam, já há
algum tempo, com equipamentos semelhantes aos de Roentgen, portanto diversos
laboratórios no mundo estavam produzindo raios X, sem que fossem detectados pelos
pesquisadores que conduziam os experimentos. Em muitos desses laboratórios havia
substâncias fluorescentes e chapas fotográficas que poderiam a qualquer momento
denunciar a existência desses raios. Dispensar o procedimento padrão para as
publicações científicas demonstra a pressa em publicar o trabalho. Tanto Roentgen
quanto Lehmann sabiam da importância de ser o primeiro a publicar a descoberta. Além
de divulgar seus trabalhos através de periódicos, era muito comum no período a troca de
correspondências entre os cientistas. Em mais uma forma de acelerar a divulgação de
seu trabalho, Roentgen solicitou cópias extras para a gráfica, a fim de enviá-las,
juntamente com algumas chapas fotográficas com imagens de raios X, para um grupo de
“eminentes colegas” cientistas, noventa e dois ao todo, de forma que estes receberiam a
informação antes da publicação do periódico. (NITSKE, 1971)
Isso, ao que parece, era um procedimento comum para Roentgen. Conforme cita
Nitske:
“... enviou as cópias junto com várias fotografias
de raios X para uma seleta lista de eminentes colegas [...]
como ele já havia feito muitas vezes antes com outros
trabalhos ao longo dos anos.” (NITSKE, 1971)
Portanto esse não foi um procedimento adotado somente nesse momento de
pressa na divulgação dos raios X. Era uma prática comum para Roentgen. Outros
cientistas do século XIX também se utilizaram desse artifício, entre eles, podemos citar
Hans Christian Ørsted (1777-1851) que, em 1820, ao identificar o eletromagnetismo
procedeu de forma parecida, publicando seu trabalho em Latim para distribui-lo na
forma de panfletos diretamente para um grande número de cientistas. (NITSKE, 1971)
Esse comportamento explicita a ideia de que a descoberta poderia acontecer a
qualquer momento, seria inevitável. A respeito disso, Thomas Kuhn comenta que havia
muitos cientistas com habilidades desenvolvidas nesses equipamentos e que sabiam o e
o que se esperar do comportamento da natureza, portanto com capacidade de identificar
que algo saiu errado e reconhecer uma anomalia particularmente consequente. (KUHN,
2009 p. 191)
Entretanto, após a divulgação da descoberta e a enorme repercussão no meio
científico e fora dele, diverso histórias apareceram, algumas delas questionando a
autoria da descoberta. Impressões em chapas fotográficas e brilho de substâncias
luminescentes já haviam sido observados por outros cientistas antes de Roentgen,
porém nenhum deles deu a devida importância ao fenômeno ou deixou para aprofundar
as investigações em outro momento. Entre eles Johann Hittorf, Eugen Goldstein,
Philipp Lenard e o interessante caso de William Crookes que notou algumas vezes que
as chapas fotográficas ficavam veladas antes de ser exposta a luz, chegaram inclusive a
reclamar com o fabricante. (NITSKE, p. 154).
Kasper Marstaller afirma que teria sido ele o primeiro a notar os
estranhos raios durante os experimentos de Roentgen no laboratório enquanto Roentgen
estava ocupado com os ajustes dos equipamentos. Nitske afirma que Marstaller poderia
ter sido o ajudante no dia dos primeiros experimentos de Roentgen ou quando Roentgen
ajustou seus equipamentos para pesquisas com os raios catódicos, mas afirma que:
“... é altamente duvidoso que Marstaller tenha visto
primeiro o verdadeiro fenômeno na tela antes de
Roentgen, ou que ele também estivesse no laboratório
escuro quando os raios se tornaram visíveis.” (GLASSER,
1993)
Outra versão envolvendo o ajudante, dessa vez apresentada pelo Dr. F.
Kanngiesser. Ele afirma que Marstaller contou que certa vez encontrou uma chapa
fotográfica velada sobre a mesa, perto do aparato para testes com raios catódicos.
Roentgen teria advertido Marstaller por sua negligência, mas o ajudante insistiu que ele
não havia aberto a caixa e nem exposto o material fotográfico à luz. Esse teria sido o
caminho para que Roentgen tivesse deduzido a existência de um raio invisível que teria
penetrado através do metal e velado a chapa. (NITSKE, 1971)
Existe ainda uma terceira versão, contada por A. Dyroff, professor do filho de
Marstaller no ginásio de Würzburg, ele comenta que estava interessado em mais
detalhes sobre a descoberta e perguntou para o aluno se ele sabia mais detalhes. O
jovem contou que seu pai encontrou uma chapa fotográfica sobre a mesa, entre o
aparato e a chapa encontrava-se a aliança de casamento de Roentgen. A chapa
fotográfica estava armazenada em uma caixa de madeira. Certa manhã Marstaller notou
uma estranha linha que se formou na chapa fotográfica. Quando ele chamou a atenção
de Roentgen para a imagem, o cientista ficou momentaneamente assustado e pensativo.
“... é um fato conhecido que Roentgen sempre
retirava seu anel quando fazia experimentos no
laboratório...” (NITSKE, 1971)
Ele tomava esse tipo de cuidado para não danificar o anel de ouro com
substâncias que poderiam manchá-lo e também porque peças de metal poderiam
interferir no funcionamento dos sensíveis aparelhos. Porém, essa chapa fotográfica com
a suposta imagem do anel de Roentgen desapareceu.
Encontramos ainda mais uma versão dessa história, contada trinta anos depois
pelo Dr. Wolfgang Brendler que também era assistente de Roentgen na época da
descoberta. Em uma conversa com George Manés ele relata que no dia oito de
novembro, Roentgen estava em seu laboratório, sem seus assistentes, apenas com o
ajudante de muitos anos. Enquanto ele investigava a condução da corrente elétrica
através do tubo de Crookes, um brilho na tela de platinocianeto de bário apareceu, entre
o tubo e a caixa de materiais de laboratório no armário. A atenção de Roentgen estava
voltada para o tubo, quando o ajudante empolgado chamou a atenção de Roentgen para
o que estava acontecendo com a tela. Roentgen olhou para trás e observou a sombra dos
materiais que estavam na caixa aparecendo na tela. Na manhã seguinte Roentgen teria
contado a ele o que aconteceu. (CESTARI 2015) (MANES 1956)
Roentgen desconfiava de onde vinham esses rumores ou quem alimentava essas
versões. Em uma carta para Zehnder ele menciona esse assunto:
“O rumor infame de que não fui eu, pessoalmente,
que descobri os raios X, tem origem presumivelmente em
Heidelberg, de [G. H.} Quinke, em cujos pés eu pisei
algumas vezes...” (GLASSER, 1993)
Mas foi Philipp Lenard que se manifestou de maneira mais enfática, reclamando
para si a descoberta. No início ele parece ter aceitado o trabalho de Roentgen. Mas na
realidade aguardava um pronunciamento reconhecendo os méritos de seu trabalho e a
influência deles na descoberta. Ao perceber a mudança na atitude de Lenard, Roentgen
escreveu para Zehnder:
“Eu fiquei surpreso ao rever minhas antigas cartas
para encontrar algumas escritas por Lenard que
mostrassem uma atitude amigável comigo, que, entretanto,
elas pararam completamente na época que Wien me
sucedeu em Würzburg e eu recebi o Prêmio Nobel.”2
Uma dessas cartas amigáveis a que Roentgen se refere é uma resposta de Lenard
a uma solicitação de informações a respeito da janela de um tubo de vácuo:
“Estimado professor, conseguir folhas finas de
alumínio representa uma grande dificuldade para mim
também [...] permita enviar para você duas folhas de meu
próprio estoque [...] com grande estima... P. Lenard”3
2 Carta de Roentgen para Zehnder em maio de 1921, transcrita em Nitske, Wilhelm Conrad Röntgen, 153. 3 Carta de Lenard para Roentgen em maio de 1894, transcrita em Etter, “Some historical data”, 222.
Observamos essa mesma atitude amigável em uma carta de 1897, onde Lenard
reconhece explicitamente a descoberta de Roentgen e se exime de responsabilidades
sobre rumores contrários a isso:
“Estimado professor, estou muito feliz por ter
recebido sua amável carta. Agradeço muito. Gostaria de
tê-lo feito pessoalmente, mas não tive oportunidade [...]
estou especialmente feliz em confirmar, o que eu nunca
tive razão para duvidar, que você é meu amigo [...] eu
estava muito preocupado que pudesse ser diferente e
lamentaria muito por isso...”4
Nessa mesma carta Lenard cumprimenta Roentgen pela “grande descoberta” e
que foi graças ao rápido sucesso desse trabalho, que as pesquisas dele também ficaram
em evidência. Anos depois, após o final da segunda grande guerra, o que ficou evidente,
foram as intenções de Lenard:
“Em minha carta para Roentgen onde eu o
cumprimentei pela grande descoberta [...] [foi porque] eu
pensei que ele responderia que realmente devia tudo a
mim e ao meu tubo, mas eu esperei por esse
reconhecimento em vão.” (ETTER, 1946)
Para Lenard, a descoberta só foi possível graças aos trabalhos anteriores dele e
principalmente ao “tubo de Lenard”, ou como ele mesmo falou: “meu tubo”. Trata-se de
um caso mais complexo, de argumentos mais elaborados.
Na entrevista para Etter, Lenard deixa claro o que pensa de Roentgen:
“Roentgen foi um oportunista que pressentiu que
havia algo para ser descoberto nos experimentos com o
meu tubo, foi o que ele fez, com um olho na fama.”
(ETTER, 1946)
4 Carta de Lenard para Roentgen em maio de 1897, transcrito em Etter, “Some historical data”, 224.
A postura de Roentgen com relação ao tubo utilizado no momento da descoberta
permanece a mesma, nas entrevistas e nas demonstrações dos raios X. Na McClure’s
Magazine encontramos a descrição do equipamento que Roentgen utilizou para fazer
uma demonstração dos raios X durante a entrevista ao jornalista W. Dam. Nesse artigo,
Dam descreve o equipamento:
“...ele indicou a bobina de indução na qual sua
pesquisa foi feita [...] havia uma bobina de Rhumkorff [...]
uma pequena mesa com um tubo de Crookes conectado
com a bobina...” (ETTER, 1946)
Zehnder foi também uma testemunha de que Roentgen utilizou um tubo de
Hittorf. Ele afirma que quando ele falou com Roentgen após a descoberta, Roentgen
teria dito a ele que descobriu os raios com um tubo de Hittorf [semelhante ao de
Crookes] e não com um tubo de Lenard. Muito conveniente, mas seria interessante
refletir o porquê de Roentgen ter dito isso. Novamente, não se trata de duvidar da
afirmação do assistente e amigo de Roentgen, mas de analisar o contexto dessa
afirmação. Esse comentário de Zehnder foi publicado no livro Letters of Röntgen to
Zehnder, no final da década de 1930, período no qual muitos artigos questionando a
autoria da descoberta dos raios X foram publicados. Nesse período anterior a segunda
grande guerra, simpatizantes de Lenard publicaram uma série de artigos procurando
minimizar a contribuição de Roentgen e disseminar a ideia de que Lenard seria o “pai”
dos raios X, ou como ele mesmo afirmou, a “mãe”:
“Eu sou a mãe dos raios X. Como uma parteira não
é responsável pelo mecanismo do nascimento, Roentgen
não foi o responsável pela descoberta dos raios X, que
apenas caiu em seu colo.” (ETTER, 1946)
Essa afirmação de Lenard, após a segunda guerra, explicita uma mágoa que
durou mais de cinquenta anos. No discurso de entrega do prêmio Nobel em 1905,
Lenard já havia levantado dúvidas sobre a originalidade dos trabalhos de Roentgen:
“... a descoberta logo após [o desenvolvimento do
tubo] [...] dos raios X por Roentgen, o primeiro
pesquisador a utilizar o tipo de tubo descrito acima [tubo
de Lenard], é geralmente considerado um bom exemplo de
descoberta por acaso...” (LENARD, 1906)
Lenard afirma também que seu tubo é mais eficiente na produção de raios X
devido à placa de platina em seu interior. Podemos resumir as ideias de Lenard a
respeito de Roentgen na afirmação feita por ele após a segunda guerra.
“Sem a minha ajuda, a descoberta dos raios X não
teria sido possível até hoje. Sem mim, o nome de
Roentgen seria desconhecido.” (ETTER, 1946)
Essa disputa envolveu também os amigos, assistente e alunos de Lenard.
Encontramos três casos interessantes. Antes do início da segunda guerra, Lenard, já
envolvido com o partido nazista ocupava uma importante posição de Professor Emérito
de Física na Universidade de Heidelberg. Quarenta anos já haviam passado desde a
descoberta dos raios X. Aproveitando essa data comemorativa diversos artigos a
respeito do assunto foram publicados. Três desses artigos questionaram o trabalho de
Roentgen: o primeiro deles foi “On the History of the Discovery of the Roentgen Rays’
de J. Stark; o segundo foi “On the Roentgen rays emitted from the platinum seal of a
Lenard window tube” de F. Schmidt; e o terceiro foi “On the Discovery of the rays
named after Röntgen” do professor de física O. Rössler.
Tanto Stark quanto Schmidit retomaram um assunto já abordado por Lenard,
muitos anos antes. Trata-se da aquisição de um “tubo de Lenard” por Roentgen do
especialista Müller-Unkel. A partir dessa informação eles analisaram as circunstâncias
que envolveram a descoberta. Através dessa análise eles concluíram que Roentgen usou
um tubo de Lenard durante o experimento que levou à descoberta. Stark chega a citar
três condições experimentais que favoreceram Roentgen e prejudicaram Lenard: a
primeira condição foi que Roentgen obteve o melhor tubo disponível, enquanto no
mesmo período Lenard teve diversos problemas com seus tubos; a segunda condição foi
o fato de Roentgen cobrir o tubo com papel cartão preto, o que reduziu menos a
intensidade dos raios X do que a caixa de zinco utilizada por Lenard; e terceira,
Roentgen utilizou platinocianeto de bário, mais sensível aos efeitos dos raios X do que o
Keton (pentadecil-paratolil-ketona) utilizado por Lenard. Stark finalmente conclui seu
artigo dizendo que devido a essas condições o sucesso de Roentgen era inevitável.
(GLASSER, 1935)
J. Schmidt alega ter reproduzido o experimento de Roentgen utilizando o que
seria uma réplica exata do tubo comprado por Roentgen. Ele descreveu seu sucesso em
demonstrar a existência dos raios X. Schmidt também testou diversas substâncias
fluorescente. Nesse artigo ele afirma que Lenard observou um estranho fenômeno, mas
se concentrou em sua pesquisa deixando para investigá-lo em outro momento. Ele
conclui o artigo da mesma forma que Stark. (GLASSER, 1935)
Logo em seguida a publicação desses artigos, Otto Glasser publica um artigo
questionando o que foi divulgado. Porém, Glasser reconhece que Roentgen utilizou
tubos de Lenard nos primeiros experimentos. Mas que no momento da descoberta ele
estava buscando efeitos dos raios catódicos em tubos sem janela, portanto, não seriam
tubos de Lenard. (GLASSER, 1935)
Esses artigos não trouxeram grandes novidades. Roentgen nunca negou que
tubos de Lenard emitiam raios X, também não era segredo que Roentgen teria um tubo
desse tipo e em boas condições de uso. Essa ideia da inevitabilidade da descoberta dos
raios por Roentgen já havia sido apontada por Lenard em seu discurso do Prêmio Nobel.
Além disso, a experiência de reprodução do trabalho de Roentgen não pode ser
considerada como prova de alguma coisa, pois Schmidt já sabia o que procurar, o que
não era o caso de Roentgen, além do que, provavelmente o tubo fabricado quarenta anos
depois não era “idêntico” ao utilizado por Roentgen, assim como as demais condições
do experimento.
Disputas como essas não aparecem nos livros didáticos e nos livros de
divulgação científica. A história da ciência pode contribuir muito para a compreensão
do trabalho do cientista e sua relação com a sociedade.
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