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COLEÇÁO NOSSO TEMPO Títulos publiçados: História do bolchevismo Arthur Rosenberg Democracia e transição socialista. Escritos c/e teoria e politica José Paulo Netto Próximo lançamento : O político e as Crítica do capitalismo e ideologias da crise entre os anos vmte e trmta Giacomo Marramao PAULO NETTO Democracia e transição socialista Escritos de teoria e política Oficina de Livros 1990 Belo Horizonte

NETTO (1990) - Democaria e Transição Socialista (Parte)

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José Paulo Netto - Notas sobre democracia e transição socialista

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    COLEO NOSSO TEMPO

    Ttulos publiados:

    Histria do bolchevismo Arthur Rosenberg Democracia e transio socialista. Escritos c/e teoria e politica Jos Paulo Netto

    Prximo lanamento : O poltico e as trans~ormae~ . Crtica do capitalismo e ideologias da crise entre os anos vmte e trmta Giacomo Marramao

    JOS~ PAULO NETTO

    Democracia e transio socialista

    Escritos de teoria e poltica

    Oficina de Livros 1990

    Belo Horizonte

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    NOTAS SOBRE DEMOCRACIA E TRANSIO SOCIALISTA

    As notas que agora se publicam tm o carter de uma interven-o terica que no prescinde de uma incidncia, ainda que mni-ma, na problematizao poltica - no de uma forma erudita e/ou acadmica, mas ao modo de uma primeira aproximao, com todas as conseqncias da decorrentes: marco determinativo que no conduz a uma sistematizao cerrada, hipteses polmicas e implicaes de alcance discutvel. Na verdade, estas notas so um sumrio esboo das questes que considero cruciais para a dis-cusso que ora se trava nos setores empenhados em efetivos pro-cessos de transformao social.

    Gostaria de advertir, clara e liminarmente, que o presente texto, dadas as suas caractersticas e intenes, no faz qualquer proposta imediatamente referencivel conjuntura brasileira, mar-cada pela crise do que Florestan Fernandes chamou de autocracia burguesa - na deteriorao desse regime que, nos ltimos quinze anos, fez do pas um arremedo de comunidade nacional. Estou convencido de que a validade do discurso terico no pode ser aferida simplesmente na medida em que passvel de uma direta instrumentalizao pelos agentes polticos; penso mesmo que ele pode contribuir para a elaborao de modelos de ao e inter-veno scio-polticas na prpria escala em que, conscientemente, se distancia do quadro conjuntural. Por outro lado, num perodo em que a falncia do regime poltico imposto ao Brasil se acentua a olhos vistos, propiciando espaos para a tematizao das ques-tes ligadas problemtica da democracia, suponho que se deva ter um mnimo de cautela para com as propostas de ao deriva-das diretamente da reflexo terica. Esclareo: no sugiro qual-quer espcie de antiintelectualismo; apenas aponto para um fen-meno que me parece generalizar-se em certos meios - o desprezo (quando no a ignorncia) para com a complexa herana da prtica poltica, especialmente a organizada, de significativos gru-pos sociais brasileiros. Sem a anlise desta herana, onde grandes

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    tgicos e tticos convivem com opes estrat' , certoS estra , , eglcas a , h'storicamente se mostraram catastrofIcas a el b e tllcas que I - d 'a ora

    " d alternativas de aao po e tornar-se um grat'f' o teone~ , ede brilhantismo intelectual e ideolgico, I Icante exerclCIO , , N ste momento, penso que a pesqUIsa terica deve d

    e , ' d 1 d ' I' esen, I se em dois nIvels: e um a o, a ana Ise dos feno' vo ver- d f menos

    rentes nos grandes processos e trans armao social eoneor . ' d ' , I d ' COm

    rso ao arsenal heunshco a teona sacIa e Marx;.de o r~CU '.' .' h' ' Outro

    , tl'gaa-o crtica da expenencla SOCIO- 1st nca brasl'le' , a mves _ Ira de , cna-o poltica com enfase no estudo de suas modal'ld d mterv ' ,a es

    izadas do passado e do presente, Estes dOIS movimentos organ . ' ., .' ana-lticos permitiro uma s~ntese, ~rovlsona mlmma, a partir da qual a reflexo terica estara habIlItada ~ara permear eficazmente os processos sociais, No en~anto, :Ie~ nao se c~n,fundem: cada qual possui um estatuto, tenco propno e espeCIfico, sendo ingnuo esperar que seus rItmos de avano e aprofundamento se identi-fiquem,

    As notas que aqui apresento, com as limitaes j menciona_ das e outras mais, de que o leitor certamente se aperceber, que-rem, breve e somente, sugerir um enquadramento de alguns pontos nevrlgicos que necessariamente se colocaro no desenrolar da-quele primeiro nvel antes referido,

    Sobre as conexes entre capitalismo e democracia Desde a segunda metade do sculo passado mais exata-

    mente: desde que Marx fundou a teoria social, moderna e revolu-cionria - tornou-se claro que a compreenso do ordenamento poltico de uma sociedade historicamente situada s alcanvel quando conectada compreenso da sua estrutura econmica, Esta determinao, de carter predominante mas no exclusivamente metodolgico, no constitui, porm, a soluo ou a resposta aos complexos problemas com que se defronta a teoria social; ela , antes e sobretudo, a determinao que permite equacionar corre-tamente estes problemas, e a radica, precisamente, o seu cariz teoricamente revolucionrio,

    O seu destino histrico, todavia, no foi dos mais felizes , Esquematicamente, legtimo dizer-se que ela provocou, com? reao, o surgimento de um enganoso politicismo e, como vulgar!'

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    r I

    '\ . - o de um equivocado economicismo, No primeiro caso esta

    zaao, d , -d uma tradio intelectual que recusa aqucla etcrmmaao, ~~f~rmando-a par~ ~elhor combat~-Ia como _ a um ~non~ dct~ rminista; assim, reJcltam-se. a ~ efetivas relaocs pl~r~causa ls ex: s-t tes entre estrutura economlca e ordenamento pOhtlCO, conclum-;n se pela independncia deste lt imo; velada ou abertamente, ~tenta-se que uma estrutura econmica pode engendrar ef ou su d 1" Q ompatibilizar-se com n or enamentos po ItICOS, uanto ao eco-~omicismo, seus vetores tericos so igualmente falac iosos : hipos-tasiando abstratamcnte as causalidades postas pela estrutura ,eco-nmica, retira do ordenamento poltico qualquer autonomia e termina por asseverar que uma estrutura econmica dada s se compatibiliza com um ordenamento poltico especfico, que ela produz como seu epifenmeno necessrio ,

    Nos dois casos, o que ocorre justamente a liquidao das concretas mediaes (histricas e sociais) que articulam as duas instncias na conformao de uma totalidade scio-histrica que as inclui, mediaes viabilizadas e implementadas por aquela que , com efeito, "a tpica via da positividade humana: a poltica".' Mas a crtica ao politicismo e ao economicismo no deve limitar-se explorao, alis fcil , do contrabando reducionista que ambos operam, porque ela possui slido suporte real tambm na experincia histrica do passado e na prtica social contempor-nea ! Tanto com referncia ao passado quanto em ligao com o presente, o que a teoria social - aprofundando as determinaes marxianas - pode seguramcnte afirmar que: 1.0) h relaes pluricausais e determinantes entre a estrutura econmica e o ordenamento poltico de uma socicdadc historicamente situada; 2,0) estas relaes no se pem abstratamente, como se a estrutu, ra econmica, em si mesma, constitusse um dado ontologicamente excludente, mas operam numa totalidade scio-histrica cuja uni-dade no elide a existncia de nveis e instncias diferentes e com legalidades especficas; e, 3,) no intcrior desta totalidade scio-histrica, a rede multvoca e contraditria de mediaes concretas

    1 Umberto Cerroni , La libertad de los modernos (Barcelona, 1972), p, 39, 2 Sobre este ponto, largussima a bibliografia pertinente, embora de qua-

    lidade discutvel, j que freqentemente construda base de um empiris-mo estreito,

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    que articula os processos sociais abre um leque de p 'b" , , 'b'l' - d OSSI '/'d d para a emergencla e a compatl Ilzaao e ordenamentos .~ es

    com a estrutura econmica, Em suma, o que a pesq' POhhcos . . di ' . I Ulsa COnt pornea, dlreclOna a pe a teorta SOCla e controlada no em

    . I . . d trata'" to de vasto materla empmco, po e assegurar que ",en-, d ' numa d d sociedade, uma determma a estrutura econmica pode ' b ' a a d . . Im rlcar congruentemente com or enamentos pOlttlCOS alternativos . -se

    ralidade, contudo, no ilimitada, ' cUJa plu-As sociedades modernas e contemporneas articulada b

    . . I I' s so re o que a teorta socla conceptua IZOU como modo de pr d _ . I' f -, I o uao caplta Ista o erecem nao so o campo no qua a pesquisa 6'

    histrica organizou e constituiu a prpria teoria como, ain~ CIO-material emprico pro~at~rio . das conc1us~s ~cima sintetizadas~ Segundo me consta, nao e objeto de polemlzaao sria o fat d

    d 'dd ' o e o evolver estas socle a es comportar a Sincronia entre estrutu , ' . I 'd" d ras economlcas essencla mente I enttcas e or enamentos polticos be

    diversos , Em linguagem ch e direta: ningum contesta que ~ sistema capitalista tem produzido e articulado distintos regimes polticos, compatibilizando, verdade que diferencialmente, seus mecanismos estritamente econmicos com formas polticas muito variadas,

    As modificaes, mesmo as mais profundas, ocorrentes nas estruturas econmicas capitalistas, bem como o aparecimento de novas relaes entre elas e os ordenamentos polticos, reforam empiricamente esta linha de argumentao. Por exemplo: o que muitos denominam capitalismo monopolista de Estado (CME) 3 algo de diferente do capitalismo concorrencial de um sculo e pouco atrs, sem deixar, apesar disto, de enquadrar-se no modelo terico do modo de produo capitalista; em face dele, o orde-namento poltico que era coroado pelo parlamento de corte libe-rai aparece como pouco vivel; no entanto, mesmo esta nova estruturao econmica tanto engendra ordenamentos polticos ten-

    3 Nem todos os economistas ligados ao pensamento socialista revolucionrio aceitam esta denominao e a caracterizao do capitalismo contemporneo como CME. Para a argumentao em defesa destas denominao e carac-terizao, cf. a obra coletiva dirigida por P. Boccara, O capitalismo mono polista de Estado (Lisboa, 1976); para a sua crtica, cf. E, MandeI, Le troisieme ge du capitalisme (Paris, 197M.

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    --

    d ncialmente autocrticos (culminando, por vezes, na instaurao d: formas polticas inteiramente fascistas) quanto pode integrar rdenamentos outros que no sacrifiquem necessria e substan-

    o'almente aquele elenco de direitos e garantias que foram forma-~:zados no pensamento e na prtica poltica da cultura ocidental desde a culminao da revoluo burguesa - e que abrem a etapa da institucionalizao da moderna democracia poltica, cujo trao distintivo a fundamentao jurdica da liberdade.' A pes-quisa concreta e particularizada das conexes entre estrutura eco-nmica e ordenamento poltico no tem por objetivo, naturalmen-te confirmar no plano emprico os fundamentos metodolgicos q~e a norteiam, mas, a partir deles e verificando-os, captar o que h de essencial e novo na realidade . No caso do chamado capitalismo monopolista de Estado, esta pesquisa ps em relevo que o fenmeno estatal (o problema do Estado em toda a sua extenso) adquire uma ponderao indita , impensvel mesmo na considerao das formaes econmiccrsociais capitalistas menos complexas, j que, hoje, no mbito do Estado que se jogam decisivas questes referentes sorte das tendncias alternativas de ordenamento poltico contidas nas determinaes postas pela estru-tura econmica.'

    Ao longo da sua evoluo, matrizada a partir das exigncias oriundas do seu dinamismo intrnseco, as estruturas econmicas

    4 Cf. U. Cerroni , op. cil., capo I. 5 Parece no haver dvidas de que. na atual etapa histrica, a questo do

    Estado a questo central do processo revolucionrio. I preciso, todavia , acautelar-se para evitar uma reificao do Estado, bem como uma repre-sentao unilateral da sua realidade (do gnero "comit executivo da bur-guesia") ; na verdade. o Estado prprio das formaes econmico-sociais dominadas pelo capitalismo monopolista um "bloco de poder em que participam, juntamente com as di versas fraes do capital monopolis ta -detendo umas ou outras a hegemonia -. fraes do capital no-monopo-lista, direta ou indiretamente. O Estado do capit al monopoli sta a con-densao institucional (poltica, ideolgica . organizatival desse bloco de poder, refletindo sua relao interna de fora entre as diferentes fraes que o compem. E. ao mesmo tempo. est condicionado, penetrado. pela fora e pela luta das classes dominadas. O que significa que este Estado goza de certa autonomia com relao a todas as classes e fraes de classe do bloco dominante . S assim ele pode cumprir sua tarefa essencial de assegurar o funcionamento e a reproduo do conjunto do sistema" (F. Claudn, Eurocolllunislllo y socialismo (Madrid . 1977) , pp. 127-128) .

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    't l'lstas no plano concreto das particularidades histrl' capl a, , d cQ.so_ " sempre puderam articular-se com or enamentos poltl'C ClalS, Os al-

    ternativos, A deciso em favor de um ou outro ordename t - d .. '. no

    'amais foi uma simples junao as vanavels economicas: resul J - /" (d I d d' - . tou sempre da mediaao po !:!ca, o co~p ,exo e me I~oes POlticas) engendrada pela concorrenCla de multlplas contradies, confrt

    , , las e lutas de classes e grupos SOCiaiS, e seus agentes polticos, que se posicionavam diferentemente em fa:~ daquel~s ~ariveis , Na me-dida em que os ordenamentos polItlcos posslvels no colocava em risco prximo e visvel o cerne mesmo do sistema: este int: grava e se articulava com aq,u71e que se impunha como expresso da correlao de foras sociais em presena, gestando logo ins-tncias de reconverso estatais que, acopladas a mecanismos de ao social coativos, repressivos e legitimadores, coesionadores contnuos, reiterados e formalizados (institucionais), garantiam ~ reproduo das relaes sociais viabilizadoras da dinmica da estrutura econmica,

    A caracterstica central de toda formao econmico-social na qual o modo de produo capitalista articula as relaes dominan-tes consiste no que podemos indicar como uma progressiva expan-so da socia/idade, processo cujas implicaes a nvel histrico-universal determinaram a completa subverso de modos de vida milenarmente consolidados e que se expressa pela possibilidade de crescente insero de amplas massas humanas na prtica da cidadania, liberadas de coaes outras que no aquelas referen-ciadas ao enfrentamento das exigncias imperativas da estrutura econmica, Nestas formaes econmico-sociais, pe-se "termo a todas as relaes idlicas, patriarcais"; generaliza-se uma situao onde no existe "nenhum outro lao entre homem e homem que no o do interesse sem disfarces": Desta caracterstica central, que permite aos grupos sociais, especialmente s classes sociais, perceber a sociedade (e, portanto, a si mesmos) como resultante da interao prtica dos homens, deriva, dentre vrios conjuntos de fenmenos, aquele que - como se sabe desde as investigaes de Marx - inscreve uma contradio ineliminvel nas formaes

    6 Ou seja: a apropriao privada do excedente econmico, especialmente sob a forma de mais-valia ,

    7 K, Marx e F, Engels, Manifesto do partido comunista (Lisboa, 1975), p, 62,

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    Amiccrsoclals dominadas pelo modo de produo capitalista eCo no , I d' -

    t das as suas formas partlcu ares: a contra Ia0 entre a cres-em o d 'd h t 't ' , d t socializao a VI a umana e os res rI os e restrItivos mo os cen e 'd t . ' , d massas humanas Incorpora as nes e processo ai mtervlfem de ~\amente, posto que a socializao se d nos limites de for-eCISI ,. ' A ' . maes econmiCO-SOCiais ~uJa e~tru~ur~ economl~a _mantem-se como

    I Penas enquanto excluI das Instanclas de declsao as massas que ta a I' h' , em em funcionamento, que a rea Izam Istoflcamente, a p d I" , I A histria dos or enamentos po IUCOS que se artlcu am e I anam vigncia nestas formaes econmico-sociais a hist-

    a, c das vrias modalidades atravs das quais as fraes mais ativas ria , d d I (nem sempre as historica~ente mais avana , as) as, c asses , e

    rupos dominantes consegUiram e conseguem mtroduzlr mecams-~os (freqentemente de carter mediador) na dinmica social que, sem resolver a ineliminvel contradio assinalada, interferem nos seus desdobramentos e conseqncias, de forma a que ela, repon-dcrse sempre em outros nveis e sob outros moldes, permanea atuante sem conduzir ao colapso o sistema como um todo, ~ a histria, em suma, de como a reproduo das relaes sociais que, nas formaes econmico-sociais capitalistas, sustentam o estatuto privado da propriedade dos meios de produo, tem conseguido neutralizar o potencial contedo negativo (para o sistema, bem entendido) da socializao da vida humana que o desenvolvimento das foras produtivas compulsoriamente provocou,

    A pr-condio social para o desenvolvimento das foras pro-dutivas, na ordem capitalista, reside na ruptura das relaes inter-humanas "naturais" , No curso do processo histrico, esta ruptura realiza-se com a equalizao legal que faz da igualdade jurdico-formal o fundamento da cidadania (ou seja, em termos polticos: a faculdade individual de dispor-se de si mesmo), Na realidade das formaes econmico-sociais capitalistas, mais se desenvolvem as foras produtivas, mais efetivo e profundo tende a tornar-se o reconhecimento social desta igualdade, Todavia, preciso aten-tar - levando em conta a mesma realidade - para o fato de que este reconhecimento tambm no uma funo automtica (nem irreversvel) daquele desenvolvimento, que s fornece as premissas estritamente econmicas para a equalizao legal ; com efeito, a possibilidade de generalizar e intensificar o reconh~c,imento social depende da mobilizao das classes e grupos sociais

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    Para os quais ele passa a ser o requisito sine qua nOIl " d d" , . para os mais elementares exerCICIOS os Ireltos CIVICOS. Eis por

    . . I d . Id d que nelTl mesmo o reconhecimento socla a Igua a e jurdico-for alcanou, historicamente, sem o desenrolar de grandes I ITlt aI se

    . fI - t" b ' . u as so-ciais ; ademais, a re exao eonca so re o exerCICIO da cid d . . d . A d a ama

    no Ocidente, com a progressiva ommancla o modo de p d _ ' . d' - , fI - . ro uao

    capitalista, transita em Ireao a re exao sistemtica sobre der institucional macroscpico (estatal) preconizando sem o po-

    d 'b'l 'd d d . t - , . pre a restrio a pOfslsl I I a e e. ml

    er~enao .soCIO-poltica dos no-proprietrios a uxos e canais degals estrel:os e rgidos, s6 admi. tindo o seu alargamento quan o a pressao daquelas elas

    . . . 'I ses e grupos soc~als ~orna-se msuportave para os mecanismos de inte-grao social vlgente.8

    O evolver de ordem capitalista abre a possibilidade ob,'et' , lVa

    da moderna democracia pohtlca , fundada na generalizao d reconhecimento social da igualdade jurdico-formal dos indiVduo~ e comportando a incorporao de amplos segmentos sociais nos cenrios da ao e da interveno sociais. Dependendo da capaci-dade de mobilizao organizada destes segmentos - dependendo da sua prtica poltica -, aquela possibilidade converte-se em realidade. Numa palavra: com a ordem capitalista se do as pre-missas para que se estruturem ordenamentos polticos democr-ticos ."

    Entretanto, o que a anlise das formaes econmico-sociais capitalistas demonstra insofismavelmente que a estrutura eco-nmica que lhes prpria pe democracia um limite absoluto: ela s6 se generaliza e universaliza enquanto no desborda para um ordenamento poltico que requeira uma organizao societria fun-dada na igualdade social real, ou seja, na igualdade em face dos

    8 So de comparar as anlinomias e conlradies que atravessam esta reflexo, nomeadamente no perodo "clssico" que vai at a Revoluo Francesa. Enquanto Locke pode conceber, serenamente, que o cidado o proprie-trio, Kant obrigado a tentar escamotear a limitao posta pela funda-o da cidadania na propriedade recorrendo distino entre o "cidado ativo" e o "cidado passivo". .

    9 Como escreveu Lnin: "O desenvolvimento do capitalismo [ ... ] cria as premissas necessrias para que 'todos' possam realmente participar na gesto do Estado" (O Estado e a revoluo (Lisboa, 1975), p. 131).

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    meios de produ~o -:-' " a es t ~utura capitalista s6 compatve l com a demo~~acta-r:zetodo -,adiante voltaremos a esta questo). Este limite, altas, f~1 ~ercebldo c~mo tal bem antes da emergncia do pensamento soctahsta revolucIOnrio ." De fato, as es truturas econmicas ca~i.t a li s tas S? ~o com~a t veis com ordenamentos po-lticos democratlcos no limite restntos, e manter es ta res triti vida-de , para elas, que~ t~o vita! .:2 No uma casualidade, pois, que historicamente a pratica polltlca das classes e grupos socia is para os quais a liquidao das estruturas capitalistas constitui o limiar em que se perfila a possibilidade concreta e objetiva de um exer-ccio pleno e real da participao social e poltica tenha sempre apontado para a ultrapassagem da limitao poltica da democra-cia moderna pela via mesma da luta pela universa lizao do ordenamento democrtico. Nesta constatao parece conter-se um contra-senso: como classes e grupos sociais que sabem, pela expe-rincia da vida, das reais limitaes da democracia poltica no capitalismo esforam-se por un iversaliz-Ia? E por que classes e grupos sociais dominantes capitalistas convivem com um ordena-mento poltico que pode ser instrumentalizado pelos seus advers-rios e inimigos?

    Se se continua a evitar reducionismos, se se desenvolve a compreenso de que o ordenamento poltico no uma funo imediata de variveis econmicas, mas sim um nvel especfico modelado pela mediao da prtica poltica das classes e grupos sociais em presena, ultrapassa-se este aparente contra-senso. Real-mente, o espao social que os ordenamentos polticos democrti cos articulados a estruturas econmicas capitalistas viabiliza preenchido e ocupado por complicados movimentos atravs dos

    10 Igualdade entendida em todos os niveis: propriedade, posse e gesto des tes meios, com todas as implicaes da decorren tes.

    11 Penso aqui na vertenle ideolgica que vai de Rousseau a Babeuf-S. Marchal. Sobre a relao entre a crtica da democracia representati va de Rousseau e a de Marx , cf. C. della Volpe, ROLlsseau y Marx lBarce-lona, 1969) ; cf. ainda L. Cruppi, Socialismo e democracia, 1 (Lisboa. 1978) e V. Cerratana, In vestigaciones sobre la historia dei marxismo (Barcelona, 1975) .

    12 Lnin clarificou contundentemente este ponto: "Se todos participam rea l mente na gesto do Estado, o capitalismo no pode se manter por mais tempo" (op . e loc. cit.) .

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    quais os agentes polticos das classes e grupos sociais empenh d d . I . a Os na manuteno o Sistema m~mpu am os mecamsmos sociais de

    forma a sempre ~oder garantir a pasdsagemt

    ?:s~eds ordenamentos a outros, .com maIOr o.u A m~nor rau te resdrItIvl ade, desde que compatveis com as eXlgenclas e emen ares a estrutura econ . ca. Isto significa que quando a democracia poltica se torna ob ~. culo para a manuteno (ou reconverso) do sistema os st-

    f " . . I t t d/' seus bene IClanos artlcu am respos as res aura oras e ou reacion' . I . h" h arlas (que podem chegar ao Imite Istoncamente con ecido da re t .

    tividade sob o capitali;mo monop~lista: 0_ fascismo). O me:~~ espa~o ocupado tambem. pe.la n:ovlment~ao das classes e grupos sociais empenhados na IIqUldaao do sIstema, que apostam n universalizao dos institutos democrticos porque a Sua con~ solidao generalizada que, alm de outras implicaes funda. mentais," conduz os agentes polticos das classes e grupos sociais dominantes ao impasse: a universalizao e a consolidao dos institutos democrticos tornam cada vez mais onerosas, em termos de mdio e longo prazos, as respostas restauradoras e/ou reacio. nrias - e isto porque a validao societria destas respostas, em contextos de democracia poltica consolidada, tomase progressi. vamente problemtica. Em sntese, a universalizao e a consoli. dao dos institutos democrticos permitem s classes e grupos sociais anti capitalistas reduzir substancialmente a legitimidade e a viabilidade das respostas tendentes a acentuar os graus de res. tritividade.

    Mas esta dinmica scio-poltica, tomada na realidade essen-cial que apresentou at hoje, a longo prazo resulta num impasse que no pertinente apenas s respostas restauradoras e/ou rea cionrias: o impasse tambm se coloca s solues que tendem liquidao das estruturas econmicas capitalistas - se a viabili dade daquelas pode depender da ruptura com a legalidade dos

    13 Uma delas diretamente referenciada situao do capitalismo avanado: "A revoluo s se prepara atravs de uma ao ideolgica e poltica aberta, que formula claramente seus objetivos, seus mtodos, etc." (F.

    Cla~dn, La crise du mouvement communiste (Paris, 1972,1), p. 34). Como realIzar esta "ao ideolgica e poltica aberta" fora de um ordenamento democrtico?

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    d mentos democrticos, as solues que apontam para mais or ena b" alm do capitalismo tam em eXigem rupturas.

    Sobre a democracia como valor No pensamento socialista revolucionrio, fundado nas cate

    'as basilares oriundas da obra de Marx," naquelas precisas gOrI d' di' f mulaes de que estava erra Ica o qua quer redUCionismo na or d - A anlise particular as con:xoes entre estru.tura economlca e orde-

    mento poltico, a questao da democracia aparece sempre dire-~aomente relacionada no s com a liquidao do sistema capitalista como, com igual nfase, com a transio socialista.

    Esta observao, efetivamente acaciana para os que possuem um conhecimento slido da obra de Marx e do movimento socia-lista revolucionrio, torna-se agora necessri a, uma vez que -sobretudo com a vulgarizao do chamado eurocomunismo - moeda corrente afirmar-se que a tematizao socialista revolucio-nria da questo democrtica um disfarado taticismo. No estranho que certos setores se surpreendam com o vigor e a fora do debate ora em andamento e, at mesmo, em moda; afinal, depois de decnios em que a prtica dominante no movimento socialista revolucionrio, respaldada num conjunto de dogmas ofi-cialmente apresentado como o marxismo-Ieninismo, apontou ge-

    H Evito aqui, intencionalmente, a expresso pensamento marxista. No posso tratar, neste espao, da questo do marxismo enquanto sistema (e. menos ainda, a do chamado marxismerleninismo). Quero, todavia, aproveitar a ocasio para esclarecer que, no discurso poltico, pareceme legtimo men cionar o marxismo. o pensamento marxista, etc.; no plano estritamente terico. no entanto. as coisas no so simples. Rigorosamente, o marxis mo no mais que uma perspectiva terica e metodolgica embasada num complexo categorial necessariamente aberto e inconcluso, compor tando lima diversidade muito ampla de desen volvimentos. Se no nos atemos a isto. seremos reconduzidos sempre quelas conhecidas polmicas que. infrutiferamente. procuram determinar o '"verdadeiro" marxismo -polmicas inteis e interminveis porque. entre outras razes. como to bem observou Nelson Werneck Sodr. ainda no foi inventado o marx-metro, esse '"padro para aferir da ortodoxia. a fid elidade maior ou me nor s formulaes dos clssicos" (Nelson W. Sodr, '" Desventuras da marxologia'". Temas de cincias humanas (So Paulo, 1979), vol. ; , p. 161).

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    JulianoRealce

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    ralmente para o op~rtunismo, as razes ~e desconfiana no so infundadas, ~as n;ol me , par~ce_ que tal~ , se~~res I> possam ser convencidos ~ me u ar , v~ncu a~aol' entre IqUI ao do capitalis mo, democracIa e translao sOCJa Ista apenas atravs de ' '

    f d I - d , ., profts ses de e e ec araoes e pnnClplOS; somente uma nova , I' 'd ' ' r I " . praltca po J1~ca o ~ovlment? socla ISt~ .:evo u~I~~arto poder persuadi. los e que emocracla e translao socla Ista so indissociveis,

    Esta nova prtica, hoje necessidade mais que imperativ que j se realiza efetivamente em vrios segmentos do m a ,e mento socialista revolucionrio, requer no s a crtica profu o~. dos equvocos do passado, tericos e prticos, como, ainda

    n a

    clarificao do valor da democracia na perspectiva terico.ide;l ~ gica e poltica derivada de Marx, Ser preciso demonstrar (tar f o

    , I e a q,ue nem mesmo margma, mente compete a estas notas fragment. TIas) .que, nesta perspectl~a, a ultrapass~gem do capitalismo que se oTlenta para o comunismo - ou seja, a revoluo proletria contempornea - est sempre indissoluvelmente ligada possi. bilidade de consolidar a universalizao do ordenamento demo. crtico, para transformlo qualitativamente atravs de rupturas ao longo de um processo onde ele ser, rigorosamente, superado," Isto claro para quem examina cuidadosamente a elaborao te6rico-poltica do pensamento socialista revolucionrio entre as experincias de 1848 e 1917. Neste perodo, nele se desenvolve um tema capital : aquele segundo o qual a dominao de classe da burguesia contraditria e conflituosa com a consolidao e a universalizao dos ordenamentos polticos democrticos, Este de senvolvimento, fruto da reflexo sistemtica sobre a experincia histrica do capitalismo, j vem contido na precoce anotao de

    13 Refiro-me a selares s6ciopollicos desvinculados do anticomunismo, que ~o us~fruem das rendosas vanlagens dessa indstria de mistificao Ideol6glca, As foras anticomunistas, estas continuaro a exigir do movi menta socialista revolucionrio tanto mais "credenciais democrticas" quanto mais se lhes impe a necessidade de manter ordenamentos pol ticos antidemocrticos.

    16 "A relao da democracia socialista com a democracia liberal ' uma relao de superao diallica (Aulhebung): a primeira elimina, conserva ~ eleva a nvel superior as conquistas da segunda" (Carlos Nelson Cou tmho, "A democracia como valor universal". Encontros com a civiliza o brasileira (Rio de Janeiro, 1979) . vol. 9. p. 40).

    80

    .............

    ( E eis, de 1845: "A democracia passou a ser um pri ncIpIo prole ,n? um princpio de massas [ ... ]. A democracia do nosso tem

    tarJo, - . " " . , d ;-ro-co'munlsmo; e . as vcsperas e 1848. o M{lIl ijcslo do Partido comunista detcrmma programatlcal11enle este desenvolvi

    ~ento: "O primeiro passo. na revoluo operria a passagem do oletariado a classe dommante, a l/lla pela democracia". " f no pr I . , . interior deste desenvo vlmento tematlco que se travar uma ri ca

    e intensa polmica, que vai atravessa r a teoria e a prti ca do movimento socialista revolucionrio durante os fin ais do sculo XIX e durante os momentos iniciai s da Revoluo de Outubro."

    O citado desenvolvimento e as suas incidncias prticopol ticas, expressas no fato de os militantes do movimento sociali sta revolucionrio estarem na linha de frente do combate pela uni versalizao dos ordenamentos democrticos, no dei xa dvidas acerca da valorizao da democracia na tica deri vada de Ma rx. Valorizao, alis, contida no reconhecimento, nem sempre cl ara mente explicitado, mas real, de que a democracia poltica modero na constitui uma conquista social que transcende os horizontes de classes para inscrever-se como um dado no processo global de criao do mundo social pelo homem tomado genericamente (como gnero).' No entanto, de fundamental importncia esclarecer que esta valorizao no consiste na instaurao abstrata de um novo valor (ou na valorizao abstrata de um valor tradicion al) e nem se apresenta como uma considerao de cunho tico (o que no equivale minimizao das suas implicaes ticas): as exi gncias demci~rticas inerentes ao pensamento socialista revolucio nrio assentam, concretamente , na sua funcionalidade no interior do processo revolucionrio.

    17 Apud F. Claudin. Ellroconlllnismo y socialismo. cit .. p. 79. 18 K. Marx e F. Engels . op. e ed. cil. , p. 84. Os grifos no so originais. 10 Lnin, Rosa Luxemburgo. Kautsky, Pannekoek. Bauer. Gramsci. Lukcs.

    Korsch - ser preciso evocar estes e outros nomes para mostrar que a tematizao da democracia no recente no movimento socialista revolu cionrio?

    !!O Creio que neste sentido que Carlos Nelson Coutinho. referindo-se origem do "conjunto das liberdades democrticas em sua forma modern :!"

    co~o produto das revolues burguesas. assinala. co rrelamente. que "no eXIste ident idade mecnica entre gnese e validade" (arl. e loc. cil .. p. 36) .

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    Na tica do pensamento socialista rev I . o uClon' . cesso sempre foi entendido como bem m . ano, este

    d . . aIS compl pro-toma a do poder pohhco e as medidas rev I . ~~o do qUe t b I o uClonana' a men e su sequentes a e a. A revoluo q I' . s 1!nediat

    . I' ue Iqulda a-capJta Ista e aponta para o comunismo e' I'nt . a estrutu

    elrament d' ra desenho que nos foi legado pela tradio bla . e Iversa d f "d 'f' d nqUlsta - el o OI I entl Ica a com o que Lnin chamava de I _ a sempre d I ' \ O revo Uao e O amp 0.- trao movador desta concep- . In senti_

    f - ,. d ao, ConsIste a umaao teorlca e que as transformaes so . . nte na , ClalS estrut .

    nosso tempo so podem ser levadas a cabo medO t . urals do . d d lan e Inter -

    organIza as o e grandes massas, engrena-se no Cont venoes te da teoria social de que Marx foi o fundador Re exlto abrangen. . -. . . su ta da a T

    rigorosa das formaoes economlco-sociais dominada I na lse . , . s pe o capOt hsmo avanado da epoca, de que se mfere que o pIa-I . ,. . 'd rocesso revo-uClonano ou pOSSUI um carater e massas ou degrada-se

    . .. . d d f ". no cons-plrahvlsmo: no peno o o antashco creSCImento das fo d d fi . d 'd d ras pro-utJvas, o oresclmento e necessl a es sociais insuspeit d I . - d d I d a as, da p anetanzaao o mun o pe o merca o mundial, etc. os I

    d - "'1' d -. ,go pes e mao e as mmonas I umma as estao Irremediavelmente conde-

    nadas ao fracasso. f. desta base que o pensamento socialista re lucionrio retira a certeza terica de que, fora dos quadros v; democracia poltica, ser impossvel a organizao eficiente d: fora poltico-social das classes e grupos sociais interessados na liquidao da estrutura capitalista.

    A funcionalidade das exigncias democrticas inerentes perspectiva do pensamento socialista revolucionrio, porm, no se limita s condies de ultrapassagem das formas sociais capita-listas; ela decorre tambm da projeo implcita neste pensamen-to acerca da nova sociedade emergente da liquidao da estrutura

    H "Lnin entende por revoluo em sentido estreito (correspondente ao que

    f Marx englobava no conceito de 'revoluo poltica') o perodo em que a forma essencial do movimento social a luta diretamente revolucion , ria das massas populares; por revoluo em sentido a.mplo, o proc~s~? I. de soluo de todas as tarefas histricas fundamentais da revolua~. ~ Conseqentemente, na revoluo em sentido amplo, "o espao _ mundial ~ e o tempo compreende toda uma etapa histrica"; na revoluao em .sen tido estreito, "o espao nacional [ . . o] e o tempo se reduz a um pen~do historicamente curto" (F. Claudn, La crise du mouvement communrste, ed. cit .. I, pp. 5253). 82

    ~ .. -

    capitalista. Escoi~ando de suas p.ropostas qualq~e~ prevlsao ou antecipao de vlsagem especulatlva ou futurologlca, o pensa mento socialista revolucionrio derivado de Marx continha na sua projeo uma promessa de felicidade que no era sumariamen-te subsumida organizao consciente e racional de recursos e solues econmico-sociais, garantindo a erradicao de carncias e restries, mas, antes e principalmente, que era avalizada pela alternativa de novas relaes sociais. Este projeto, delineando o limiar de uma autntica comunidade humana, no assentava na extrapolao, para o futuro, de um presente reformado ou mesmo subvertido; por isto, no advogava a luta consciente e organizada por uma sociedade sem classes simplesmente para eliminar de vez com a misria e a explorao, assim como no tomava partido por uma organizao social que, sem burguesia, prolongasse as suas estruturas de comportamento social (ethos, modo de vida , expectativas, etc.). Era um projeto cuja viabilizao supunha a existncia de condies objetivas que permitissem libertar da mi-sria e da explorao centenas de milhes de homens, no processo mesmo em que estas massas empenhar-se-iam num gigantesco e fascinante jogo social de inveno de novos estilos de vida e con-vivncia - jogo impensvel se, na gnese mesma das condies da sua emergncia, no estivessem os mais aprofundados ordena-mentos democrticos.

    Para o pensamento socialista revolucionrio, a funcionalida-de das exigncias democrticas estrutural, o que as converte num componente nuclear da estratgia do movimento socialista revolu-cionrio. A sua valorizao, por conseguinte, no um dado aleatrio, fundando-se, ao contrrio, na conexo ntima que existe entre a possibilidade da forma da sociedade humana (como Marx caracterizava o comunismo) e a estratgia adequada para cons-tru-la. O pensamento socialista revolucionrio, assim, valoriza as exigncias democrticas assumindo-as como inseridas na dinmi-ca do processo revolucionrio; vale dizer: valoriza-as exatamente quando rompe com a hipostasia da democracia. Se se quiser apro-fundar e implementar teoricamente o processo de transformao social radical que conduz sociedade regulada de que fal ava Gramsci, a via mais correta no consiste na apreciao da demo-cracia tomada abstratamente como um valor em si mesmo; con-siste em determinar concretamente a sua funo e ponderao

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    no curso dos processos revolucionrios reais e a relao d b . , . N d eaes com os seus o jellvos macroscoplcos. a ver ade, ou cons'd

    I . ., I era-mos o processo revo UClOnano que aponta para o comunismo I ., d I h' Como processo tota Izante, no mtenor o qua a componentes de . . d 'd I' sIg-nificao vana a, mas que so po em ser ava lados e comp

    'I' I I - 'd reen-didos nas suas mu IIp as re aoes com o senil o e a direo I bais do processo e com os objetivos mais amplos que estabele g 0-as imprescindveis mediaes que permitem, concretamente e cem

    f d " nas suas diversas ases, etermmar qUaJS os seus postos e pesos es . ,. . d pe

    cficos, ou, em troca, corremos o seno .rlS~O. e. hipostasiar uns e/ou outros ,compo~:ntes, o ,~ue acarreta 1~:ldenclas de no pouca monta no mvel prallco-emplrlco (como, alias, a experincia hist. rica vem mostrando com eloqncia)."

    Questo fulcral, por outra parte, situar com preciso a que tipo de ordenamento democrtico se faz referncia quando tematizamos as exigncias democrticas na tica do pensamento socialista revolucionrio. No se trata da polmica em torno das formas jurdico-constitucionais de que pode revestir-se um orde-namento democrtico, mas, principalmente, da sua natureza de-terminante. Se, nesta considerao, tomamos em conta a argumen-tao que Cerroni vem desdobrando h mais de uma dcada," distinguindo democracia-mtodo e democracia-condio social, po-demos clarificar utilmente o problema do estatuto das exigncias democrticas no pensamento socialista revolucionrio (e, conse-qentemente, o problema da estratgia democrtica no movimento socialista revolucionrio).

    r or democracia-mtodo deve entender-se o conjunto de me-canismosJiiSTilTIt"iomri's-qae,sob formas diversas (mais ou menos _ flexveis), numa dada sociedade, permitem, por sobre a vigncia -

    --22 No importa, para a crtica terica, o componente a ser hipostasiado

    ( claro que, numa avaliao tica, as coisas se passam diferentemente). O que imporia que a hipostasia pode bloquear seriamente a marcha do processo e comprometer os seus objetivos . O chamado socialismo real, tal como percepcionado pelos idelogos soviticos, um cxempl~ do fenmeno: nele se constata como o "crescimento das foras produtl vas", rei ficado, gera uma organizao social hierarquizada, uma ideologia moralista e um estilo de vida produtivista.

    23 Da publicao de La libert dei modemi (1968) de Crisi ideale e tran-sizione ai socialismo (1977).

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    de garantias individuaij,,-i!..JiY.~expresso de opinies e opes P1ficas ~ e- sofais~ -.quan.l.o..i.-::;Ie~oc l!..c~~~ondio soc ia I, el a rio U Il!..2~plcs conjunto de mstltutos cvicos, organizados num dado ordenamento poltico, mas um ordenamento societrio em que todos, a par da livre expresso de opinies e opes polticas e sociais, tm igu~s __ ..shances de- intervir ativa e efetivamente nas deciSoesque::-ftam a gesto da vida social. Esta distino , por 'mais singela que possa parecer primeira vista , de capital importncia, e por vrios motivos. Em primeiro lugar, evidencia a complexidade das conexes entre estrutura econmica e ordena-mento poltico, na medida em que a natureza essencial do orde-namento democrtico no nem um a priori nem um a posterior i, mas resulta das mediaes das lutas scio-polticas - e tanto que a democracia-mtodo pode no ser dada simultaneamente de-mocracia-condio social." Em segundo lugar, explicita nitida-mente as razes que levam o pensamento socialista revolucionrio , desde a sua gnese, a criticar duramente o ordenamento democr tico articulado com as estruturas capitalistas : precisamente o fato de ele ser insuficientemente democrtico, restringindo-se demo-cracia-mtodo. Em terceiro lugar, patenteia que a conquista da democracia-condio social que organiza um ordenamento scio-poltico que inaugura a etapa de desenvolvimento da sociedade humana onde a promessa de felicidade contida na projeo socia-lista revolucionria pode realizar-se - j que a democracia-condi o social leva a cabo a destruio do carter alienado do poder poltico, criando as condies para a supresso do Estado e o desaparecimento da separao governantes-governados.

    O pensamento socialista revolucionrio situa a democracia-condio social como um objetivo-meio, para cuja colimao a democracia-mtodo um instrumento privilegiado e insubstituvel. Para este pensamento, que pe como objetivo-fim do processo

    21 "De um ponto de vista puramenle terico, pode-se ler um regime poltico arislocrtico baseado no mtodo da livre confrontao de opinies pol-licas sem uma autntica condio social de parlicipaiio igual e universa l na referida confronla[lo; e, reciprocamente. pode-se ter uma democracia que parta da igualdade das condies reais de todos e precisamente por isto limite, de certo modo, a liberdade de alguns" (U . Cerroni. La libero tad de los modernos. ec/. cit ., p. 184) .

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    revolucionrio a criao de novas relaes sociais," a democracia ; qualquer que seja a sua nat~reza, no degradvel ao estatut~ c/e expediente ttico e permutavel no bala do proc.es.so .revoluclOn. rio ' inserindo na totalidade deste processo as eXlgencl3s democr.

    tic~s para transformlas , atravs .d~ uma .muda/la qualitativa, em realidades democrticas de condlao socl3l, o pensamento socia. lista revolucionrio atribuilhe ( democracia) um valor instrumen_ tai estratgico.

    A ntima conexo entre meio (instrumento) e objetivo (fim) no nos autoriza a identific-los - o que, no caso do problema de que nos ocupamos, conduz a grav7s con7eqncias prtico-polticas.'" No entanto, sabemos que meIos e fInS complementam_ se numa tensionalidade dialtica; a natureza dos meios interfere na natureza dos fins, assim como s estes podem garantir a correta perspectivao daqueles. Sa?emos mais: .que ~ Q!~oll.om!a elltre meios e fills muito reduzIda - os meIOs nao sao IndIferentes aos fins, porque sua implementao j contm a estrutura embrio-nria e alltecipada dos objetivos finais e, logo, s difcil e proble-maticamente os fins podem legitimar os meios. Justamente esta angulao concretiza a determinao das exigncias democrticas inerentes ao pensamento socialista revolucionrio como um valor instrumental estratgico.

    Valor instrumental estratgico no um instrumento alter-nativo dentre outros de eficincia similar, mas o UnICO que, na sua operacionalizao, antecipa um modo de comportamento so-cial genrico que, no desenvolvimento do processo revolucionrio , atravs de rupturas sucessivas, tender, pela prtica poltica orga-nizada e direcionada pela teoria social, a permear todas as ins-tncias da vida social.

    25 Entcndamo-nos: a possibilidade de novas relaes sociais, aquelas que florescero na sociedade sem classes, supe o desenvolvimento (e no apenas o "crescimento") das foras produtivas, a erradicao da mi.sr~a e da explorao, etc, - mas isto somente o pressuposto para a rraao de relaes sociais cuja estrutura e contedo no podemos sequer vislum brar, seno ao preo de lanar sobre a sociedade futura as hipotecas ideo-lgicas do presente, .

    20 Conseqncias anlogas s referidas hipostasia j mencionada. AqUI, por exemplo, podese confundir a luta pela democracia com a vida demo crtica.

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    Sobre a projeo "clssica" da transio socialista O pensamento socialista revolucionrio, nas suas matrizes

    "clssicas", colocou o problema da ruptura com a ordem capita-lista como o problema da transio socialista. Por isto mesmo, o ponto de arranque desta ruptura - a revoluo proletria -aparecia como a prob,lemtica da r:alizao de ~ma dupla tarefa: a socializao dos metos da produao (a supressao da propriedade privada dos me~os de produ?o fu~damentais e o seu cont.ro le e apropriao SOCIaiS) e a soclahzaao da faculdade e dos in stru-mentos de interveno social e poder (a universalizao da demo-cracia-mtodo e a sua superao na democraciacondio social para a supresso do Estado) ." A transio sociali sta, ou seja, o perodo histrico que compreende a realizao destas tarefas , a etapa entre a liquidao do domnio poltico-econmico da bur-guesia e a emancipao de todas as classes na supresso do pro-letariado enquanto classe - a transio socialista , na tica do pensamento socialista revolucionrio nas suas matrizes "clssicas" , constitui precisamente o tempo scio-histrico em que, simulta neamente, se opera a socializao da economia e a socializao da poltica (do poder poltico) .

    A simultaneidade destas transformaes no uma petio terica acidental. Traduz a requisio, inferida de anlises scio-histricas particulares, que pode garantir o trnsito sociedade sem classes, onde a promessa de felicidade se torna uma possibi-lidade concreta e objetiva. Com efeito, na prpria med ida em que o pensamento socialista revolucionrio fundava a teo ri a social parametrandose pela descoberta da essncia da sociedade enquan-to totalidade em processo, as implicaes das conexes entre estru-tura econmica e ordenamento poltico impunham, para a projeo revolucionria, inevitavelmente, a indissolubilidade e a sincronia de transformaes organizadas em ambas as instncias, a econ-mica e a poltica.

    A determinao da transio socialista como processo unit-rio de coetnea socializao da economia e da poltica no s um dos traos distintivos da projeo "clssica" da revoluo

    27 Esta considerao amplia as sugestes de U. Cerroni. Teoria poltica e socialismo (Lisboa. t976), p, 47 e S5.

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    , . . na apreciao das transformaes sociais do m d ProletarIa, . d' ,. I Un o

    o co ela adqUire extraor mano re evo. E que a '. eontemporan '. prahca

    . " comprovOu indesmentlvelmente que certos estdios .. hlstonea _ I ' . I Inl

    . ' d ocializaao da po Itlea - aque es que se caracte . elals as. 'd flzam

    1 iversalizao da democracIa-meto o - podem perfeita pe a un . d 'f ' , men-neutralizados a partIr e patamares ven Icaveis no ex te ser '. ,. _ ame

    d ticularidades hlstoncas, pela manutenao de estruturas e par . eco-o 'eas excludentes, tanto como certas vIas que pretendem

    noml . d 1" ( . asa-. I' aa-o da economIa po em Imitar e, neste caso lImitare cla IZ , . . . ' m-se)

    ocializao da polItlca . De um lado, o capItalIsmo tardio as. ' I' , Com

    estrutura econmIca monopo Ica, tem se mostrado apto sua d ' . para articular-se com ~r?enamentos emocratlcos bastant:: flexveis, e no h motivos sohdos para supor que a sua capaCIdade de aco-modao esteja esgotada , desde. que e.stes. ordenamentos mante_ nham-se no interior de formas 1I1Stlt~C~0I1QlS e testadas de repre_ sentao; de outro, o ch~mado socLQII~mo real promoveu a su-presso da propriedade prIvada do~ ~elos de p,roduo sem, Com isto, instaurar um ordenamento p~htlc~ compatlvel sequer Com os padres de exerccio da democracla-metodo.

    J vimos que a possibilidade de a ~s~rutura econmica capi-talista articular-se com ordenamentos pohttcos democrticos no infinita. A prtica histrica, contudo, vem provando que esta estru-tura consegue adequar s suas necessidades intrnsecas todas as conquistas de participao poltica que se expressam pela via da representao institucional. Exceto em conjunturas de crise eco-nmico-social aguda, nas quais so ponderveis as tendncias para solues restauradoras e/ou reacionrias, os canais de participa-o mediados pela representao, considerados em si mesmos, so neutralizveis e/ou assimilveis pela estrutura econmica capita-lista, uma vez que da sua natureza, nas incidncias sobre a instncia poltica, interpor mediaes e hierarquias tais entre re-presentantes e representados que a viabilidade de implementar pro-jetos de transformao social na realidade scio-econmica pro-blematizada partida ou minimizada e/ou dissolvida. A domi-nao e a manipulao ideolgicas , a fora de inrcia do aparato institucional, a inevitvel burocratizao parasitria da vida social na idade do monoplio, a corrupo extensiva e generalizada, as expectativas de cooptao, etc., encarregam-se de permitir ao c~pitalismo monopolista avanado reduzir e conter no seu prprio

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    _ onflitos SOCIaIS cujos fluxos so encaminha-tenSOes e c d' - ,

    quadro aS . legal-institucionais. Nestas con loes, os esta-os canaIS I' . - I d I ell dos para . . lizao da po Itlca sao emascu a os pc o s

    . . . IS da socta . o b' dioS tnlcla estrito (embora nem sempre estretlo) am ItO 'Ihamento nO , . - , . ' I

    esparlt . ~ t do Em termos teoncos, nao e Imposslve que d cracla-me o . . . da emO . I' t' possa compatibilizar-se com a maIs umver-a caplta IS a _.

    a estrutur . 'do pela via da representaao; especIalmente d ocracta-meto , o 'b' sal em d anso e crescimento economlCOS, esta pOSSI I-

    'odos e exp . d em pefl . b'l' do a gesto honesta e SOCIal-democrata o 'd d tem vIa I Iza . . ., d \t a e f -e econmico-socIaIs do capItalIsmo avana o. do de ormao s ., d Esta arte a supresso da proprtedade dos meIos e por outra p , .- S .,. d

    _ I se realizou na Umao oVlettca e na csmaga ora duao, ta como . 2" f . pro. . d ' es da Europa central e ortental, e ellvou-se sem maIorIa. os PaI: socializao da poltica, quer socializao da

    nduzlr quer a . d . d co . sma De fato a supresso da proprteda e pnva a economIa me . ' . I' - d

    . de produo o pressuposto da socla Izaao a econo-dos meIos . 'd d d . - d I

    _ essuposto e nada mais . LlqUl a a a ommaao e c asse mIa - pr . ' d . d da burguesia e suprimida a propnedade p:lv?da os meIos e

    d -o as conexes entre estrutura economlca e ordenamento pro ua , . . o f poltico se modificam: ,a. llicldencla deste sobre ~ aquela se . a~ diferentemente - o pohttco ganha uma ponderaao nova. LIqUI-dada a dominao poltica da burguesia e suprimida a propriedade privada dos meios de produo, o que pode determinar a sociali-zao da economia O" a prpria socializao da poltica. Quando esta dupla socializao no se realiza simultaneamente, a translao socialista bloqueada por uma dramtica "causao circular" : a restrio da democracia-mtodo a ritualismos impede a socializa-o da economia que, por efeito de retorno , obstaculiza as ten-dncias de socializao da poltica .30

    28 No eslendo aqui a afirmao Iugoslvia. onde a ex perinci a aUloges-tionria, mesmo limitada e problemlica. abriu algumas alternati vas de democralizao da vida social: e nem Chin a e Coria do Norle. onde abundam grotescas caricaturas do projelo socialisla . ~ Parti~ipaiio efetiva e organizada de grandes massas no pl anejamenlo

    setonal e global. no eSlabelec imento de prioridades. na opo por li pos de investimento , na destinao do excedenle, na gesto e no conlrole dos recursos . etc .

    30 Os mtodos administrativos pollico-econmicos de raiz stalinista _ du-ranle e _ depoi~ de Stlin. com ou sem a bigoduda personagem _ so a expressa0 maIor deste bloqueio.

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    E preciso dizer que a ex!~encia da si~~ltane ~da,de da dupla socializao como tarefa especifica da t,ra_nslao soclahsta, na tica "clssica", no dimanava de uma prevlsao do ulterior desenvolv '_ mento histrico, Se assim fosse , a crtica teria mais de uma raz~ para submet-Ia a cu i?adoso exame , uma vez que, como se sab as hipteses macroscpicas construdas pelos "clssicos" sob r e,

    , di ' . ' d e a emergncia o ,pr~cesso revo UClonano, centra as na visualizao dos pases capitalIstas avanados como o topus privilegiado d

    I ' .' " I I d a ecloso revo uClOnana ; reve aram-se u trapassa as pelos fatos com isto, deixou de se verificar na prtica scio-histrica todo u~ conjunto de teses que lanava as bases do que, na teoria soc' I poderia ser uma teoria setorial da tral1sio socialista (vo1tare~a ,

    d' ) C f ' '- os a este ponto a mnte, om e elto, esta teoria nao foi elaborad especialmente porque o curso real da histria desbordou ampla~ mente a prognose original do pensamento socialista revolucio_ nrio ,

    Entre a revoluo de 1848 e a Primeira Guerra Mundial, a fundao da teoria social e a construo do pensamento socialista revolucionrio (que, em essncia , constituem um nico processo scio-terico) se desenvolvem sobre a pesquisa scio-histrica' que arranca da anlise do modo de produo capitalista na investiga-o particular das formaes econmico-sociais dominadas pelo capitalismo concorrencial. As ilaes, inferncias e prospeces que a reflexo retirava da para a arquitetura do projeto revolucion-rio estavam medularmente vinculadas realidade scio-poltica deste capitalismo; os lineamentos polticos que deveriam balizar a interveno revolucionria consciente e organizada partiam des-

    :1\ ~ freqenle o recurso ao lardio interesse de Marx e Engels pela realidade russa para infirmar, ou pelo menos minimizar, a tese do equvoco das suas expectativas com relao emergncia da revoluo , Creio que este interesse, comprovado documentalmente, no suficiente pa ra negar que ambos, sempre , pensavam a revoluo proletria como eclodindo nos pases capitali stas avanados do seu tempo, Quanto posio de Lnin , el a parece-me cristalina nos textos imediatamente posteriores a Outubro: do golpe no "elo mais fraco da cadeia" , essa necessidade, ele jamais fez uma virtude - condicionava O xito da sua grandiosa empresa ao desen-volvimento da revoluo no Ocidente (nomeadamente na Alemanha) , A tese do "socialismo num s6 pas" tem mesmo a ver com a verso stali-nista do leninismo,

    90

    l'ldade c estavam largamente condicionados por ela, Elabo-ta rea , d d ' , d sobre taIs coar ena as, o pensamento soclahsta revolucio-ran o 'b'l'd d b"

    nrio, apreenden?~ ,a POSS! I I ,a e o J~ tJ_va , da ruptura revolucio-. ' como pOSSIbilidade inscrita na dlnamlca mesma do sistema

    narJa 'talista - tal como Marx a desvelara desde 1857-1 858 _,

    capl - d ' b'l'd d ognostica que a conversa0 a pOSSI I I a e em rea lidade P~ssvel e provvel quando, numa conjuntura de cri se econmi-Pa ,12 concorressem um alto grau de desenvolvimento das foras ~r~dutivas e u"?a c!asse operria e~t? ti s tica~e nte ponderve l e dotada de orgamzaao e vontade polltlca autonomas (o que, por sua vez, pressupunha um mnimo grau de extenso da democra-cia-mtodo) e que, alm disto, esti vesse marginalizada de benefcios sociais," E bvio que justamente os pases do ca pitalismo avana-do da poca (nomeadamente a Inglaterra) apresentavam-se -com a sua industrializao excludente e a sua urbanizao con-turbada , com o seu sistema de estratificao pouco pls ti co e a sua estrutura social dom inada por tendncias fortemente polari zadoras _ como o quadro adequado para esta prognose , A estavam as variveis que convergiriam numa conjuntura de cri se econ-mica (instrumentos tecnicamente habilitados para a produo de riquezas e amplas massas de homens que, com experincias de lutas organizadas, viam-se impedidos de os implementar) , a es ta-va o desenho scio-poltico de uma revoluo por intermdio da

    :t! Na matriz ori gina l do pensamento socialista revolucionrio . no a crise (cclica) da eslrutura econmica capitalista que produ z a possib il idade objeliva da revoluo; a crise a co ndio mesma do funcionamento desta estrutu ra - o ca pitalismo crise, sabemo-Io desde O capital. De fato, fi conjunt ura de crise desempenha apenas o papel de catalisador para o processo revolucionrio. I sem pre oportuno re petir que nada h de mais estranho ao pe nsamento marxiano do que o ca tas trofismo segundo o qual o ca pilalismo esta condenado pela din m ica das suas cri ses. Esse catas trofismo, ali s, legi tima a social.democ rat izao de mu itos segmentos do movimento opcnrio : se a crise conduz inevi tavelmente o sistema ao colapso . bas ta ac umular foras. no interior das insti tuies existentes , que, quando SOarem as trombetas, chega r.se. ao poder ...

    33 H q,u~ levar em COnla q ue no esta lJi ma cond io que faz da cl asse Opcruna o agcnt l;!' revolucionrio - a misria no a alavanca da Iran-~io SO~i3 Ii s t a. f\.t as os i'clssicos", que jamais aposlaram a revoluo na

    pau~ertzao absoluta" , operavam com a noo de que o capitalismo ha~e~ta sempre de tender para a excluso de amplas massas dos beneficios SOCia iS.

    91

    ___ ..... '11 .= _ ____ _

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    qual grandes massas de trabalhadores organizados . os reais direitos de participao que de fato lhes eraconqUlstariarn rompendo com a dominao de classe da burguesia m sonegados,

    A instrumentalizao prtico-poltica, organizativ'a d f . d' d ' esta p nose no se ez Ime latamente: emandou alguns d , . rog_

    b . - d eeemos

    como se sa e, a conjunao o pensamento socialista -. ' . I revolu .

    nrio com o movimento operano resu tou de um proc CIO-. d -, d' . . . esso Com I'

    cado e SinUOSO, e que sao tn Ices signIficativos ent p I-. " d p ' . I t . I I' .' re Outros hlstOrla a nmelra n ernaclOna e as po emlcas que ' a

    ram o Congresso de Gotha. Quando ela comea a efetl' atravessa_ , var-se

    ltimos anos do seculo XIX, a defasagem entre a pr ' nos _ I" ' . ognose a

    projeao revo uClOnana e o contexto soclO-econmico ve ' ' o capitalismo concorrencial cedera o passo ao estdio mm a luz:

    _ onopoli ta. Com esta mutaao, desloca-se a base que possibilitou h'~teses fundadoras da prognose e o seu prprio campo de ve ~sf' Ip~-

    . . I d' rI Icaao se esvanece: a teona setona a tranSio socialista pou . , co maIs que esboada em grandes traos, perde suas chances de de I vimento e concretizao. senvo -

    Precisamente esta defasagem vai marcar, at Outubro d

    " d . I' I ' Ore-tar o teorlco. o pensamento socla Ista revo ucionrio: mesmo se as novas realidades postas pelas profundas alteraes da estrut

    A' . I' b ura economlca caplta Ista rece em um tratamento analtico qualifi -do. na segunda dcada do nosso sculo;' aquele pensamento ain~a atua com uma prognos.e cuja operacionalizao esbarra progress~ vamente com uma realidade que lhe parece refratria. Nos pases de capitalismo avanado, as condies de vida de enormes con-tingentes de trabalhadores se modificam sensivelmente, com a regulamentao da jornada de trabalho dentro de limites toler-veis, com os sistemas de seguro e previdncia sociais, com a legi-timao dos instrumentos sindicais, com ordenamentos polticos que franqueiam novas vias de participao institucional, etc. - e isto ocorrendo no interior de relevantes alteraes na estrutura social, com o crescimento visvel dos estratos mdios. Em face deste novo quadro, o pensamento socialista revolucionrio inten-ta elaborar respostas mais particularizadas (como a que Engels

    3 1 Entre 1910 e o fim da Primeira Guerra Mundial, publicam-se as obras de R. Hilferding (O capital financeiro), de R. Luxemburgo (A acumulao de capital) e de Lnin (Imperialismo, estgio superior do capitalismo).

    92

    boa nO seu "testamento poltico", o prefcio de 189- .

    es di) a obra d M

    arx As lulas e c asses na Frana. 1848-1850) ' e ' I' . f ' mas o que o

    vO contexto s CIO-pO ItlCO avorece o floresciment d no . ' o e uma vertente alternal1va n~ movlme.nto operrio, a do moderno socia-l. ma reformista, nutrIZ da SOCIal-democracia contempo ' . IS ., . ranea cUJO

    'delogo mais famoso serIa Bernstetn.'" ' I . Neste nov? contexto, ~ contnbuto terico para a interven-o prtico-polttJca do m?vlmento operrio revolucionrio viu-se profundamente problematlZado. A prognose original foi conser-vada ritualment.e ~o~o um. valor cannico, mas a prpria dinmica da realidade hlstorICO-soclal encarregou-se de forar novas solu-es, das quais a elaborada por . Lnin se aproveitaria de parti-cular fortun~. No entanto, ~ .projeo "clssica", sem poder for-mular-se e tnte~r~r-se e,xp.!tcllamente na j mencionada teo ri a setorial da translao ~oclal~s.ta, permanecia o nico conjunto de hipteses que, mesmo mvenflcado, podia aspirar a um estatuto de universalizao terica.

    A projeo "clssica", como assinalei, no se construiu em funo da prognose que no se confirmou; construiu-se em fun-o da anlise terico-crtica das formaes econmico-sociais ca-pitalistas em seu estdio concorrencial avanado. Embasava-a a convico, derivada da observao emprica, de que o proletariado o.rganizado, .educado na dura disciplina do industrialismo, pode-na (e deveria) preparar-se para a tomada do poder poltico (co-roado pelo aparelho de Estado) utilizando-se extensiva e intensiva-mente dos mecanismos da democracia poltica (da democracia-

    m~odo). Neste pr~cesso, que implicaria alianas scio-polticas vAarl~das, o prol~tanado u~~an? o agente revolucionrio por exce-len~la, . acumulana ~ expenencla e a fora sociais necessrias para , capltaltzando a conjuntura de uma crise , tomar o poder por um ato de fora;" desarticulando-o enquanto poder de classe da burgue-

    3~ Para o en~~adramento geral do novo reformismo , conhecido vul garmenle como reVISIOlllsmo. cf. B. Gustafsson, Marxismo y revisionismo (Barce lona, 1975).

    36 Enlendamo-nos sobre a expresso tomada do poder, que evoca Blanqui . golpes de mo e palcios de inverno. Nesta linha de pensamento. ela

    d.en~ta apenas o conjllllto de aes prtico' polticas que se centra /la liqUIdao dos aparatos llstitucionais que garantem a domirwo de classe da burgllesia.

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    sia para socializar a gesto pblica no sentido de p , 'O d f - romove socializao da economia, ato e ora nao consistiria b' r a

    , d - d ' IA' o rlgato riamente num conjunto e aoes e VIO encla, seletiva o _ ' mas consistiria, necessariamente, na ruptura com uma d dU nao,

    d ' , , I'd d a a leg lidade com uma da a mstltuclona I a e - em suma , a-, - A ' . , ' conSisti '

    na eliminaao do fundamento (economlco, POhhco e ]'ur'd' fia . , A I ICO, m

    tambm cultural e pSIcossocial) de clas,s~ burgues do poder 01 ' ~s co. O processo de tomada do poder pOhhco, sem o qual a t P , I~I-

    I ' I' ranslao socialista impensave para o socla Ismo revolucionrio d' f 'd - d . IA ' po efla ser um ato de ora revesh o ou nao e VIO encia _ o

    I - d f . , que se se decidiria pela corre aao as oras SOCiaiS em presena h ,. T d . I numa dada particularidade Istonca. o aVia, em qua quer con]'u t

    I . d ' n Ura o processo sempre envo vena OIS componentes: a liquida- d' d b . I ao a dominao poltica de classe a urguesla (ogo, um indesc t'

    - ) 3 - d' ar a-vel componente de coaao 'e a l/ne la/a extenso de novos d'-reitos de participao social real a classes e grupos sociais ti .. ento de fato excludos ou marginalizados. A nvel de ordenam: ~ to poltico, pois, a projeo "clssica" ~independentemente das fo~mulaes episdic?s de que se valeu). ' ~& ~nfatizava a participao social real, orgamzada, crescente e Ihmltada de grandes massas na transio socialista, desde a prpria gnese do processo revo. lucionrio - porque, em no sendo assim, a incidncia poltica na estrutura econmica no poderia ativar as tenses dialticas capazes de permitirem a dupla socializao que a tarefa histrica especfica da transio socialista, a socializao da economia e a socializao da poltica.

    Na projeo em tela, a instrumentalidade estratgica da com-ponente democrtica meridiana: a democracia-mtodo, possvel no marco do sistema capitalista, surge como um pressuposto que viabiliza a organizao do proletariado para a tomada do poder, a partir do qual a classe operria pode transformar a estrutura

    37 Salvo na hiptese, ainda por formular teoricamente de modo explcilo, e, mais, ainda por verificar-se, da demisso de uma c1assse ou grupo social qualquer dominante em face de seus privilgios,

    38 ~ o caso da ditadura do proletariado, frmula que Marx recolheu de Blanqui; no me parece que a expresso - to poucas vezes utiliz~da por Marx - tenha. na reflexo marxiana, similitudes com o conleudo que lhe foi atribudo na dogmtica que at recentemente floresceu no inlerior do movimento operrio revolucionrio,

    94

    A 'ca de forma a criar as condies da democraCia-condio economl d d 'd'

    , I Na tomada o po er e tme tatamente aps, j se rompe sOCla ' , ' d " d h

    t 'tividade merente a emocracla-meto o erdada da socie-a res fi 'I' - d d tiga' a sua uh Izaao no processo e socializao da eco-da e an ' I '

    , permite equahzar rea mente, no plano da mterveno scio-nom ta . , '. I'

    I't' a todos os agentes SOCiaiS antlcaplta Istas. t assim, e s po IIC , I' d . , , que se abre a a ternatlva a partiCipao social real plena,

    aSSim, - d - / na direo da su,pressao. a separaao governantes gov.erna~os e da liquidao do poder l~s~lluclOnal altenado d.a ?tnamlca viva e gil dos movimentos socl~als ?I~ bdase - ,n? Idlmtte da transio socialista, desapa.rec: o ,o IgO?O 10 o exerclclo o poder, ou, se se

    uiser, o poder mstltuclOnahzado ultrapassado pela interveno q . " t 3. coletiva mshtum e.

    A crtica, ao fazer o tratamento desta projeo, deve revelar o sentido de radical transformao da estrutura econmica que ela comporta, e que , mesmo nos "clssicos", nem sempre aparece c1arificado.'o A incidncia poltica sobre a estrutura econmica, na transio socialista, no se realiza somente para suprimir a explorao do trabalho, para liberar as foras produtivas, para promover um planejamento eficiente, etc.; ela se desenvolve para adequar a estrutura econmica a exigncias sociais qualitativamen-te novas, que instauram uma modalidade indita de desfrute de riquezas , bens e servios. Esta transformao a condio para que a socializao da economia favorea a socializao da polti-ca - porque a transio socialista tambm a transio do consu-mo apropriao social:' O caminho para a sociedade sem classes o caminho para o estmulo, a criao, o florescimento e a sa-tisfao, com deleite e prazer, de necessidades sociais novas, cuja estrutura ser absolutamente distinta daquelas que se esgotam e

    89 J; claro que, com a liquidao do Eslado, liquidase a prpria represen tao. tal como a concebemos hoje. Ocorre mesmo a subverso total da pollica, tal como a conhecemos e conceplualizamos alualmente - enfim. saise da "pr-histria humana",

    40 Penso especialmente no ltimo Engels , fascinado com as pOlencialidades do industrialismo, deslumbrado com o crescimento "nalural" e " infinilo" das foras produtivas,

    41 Foi em alguns textos posteriores a 1960 que H. Lefebvre lematizou o importantssimo problema da apropriao. que ele desvincula do "pro-duto" para relacionar "obra",

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    se reproduzem no usufruto, entediante e confor ' , d ',- mista sol'lt' , pno o consumlsmo, - , arto Pt_

    Sabe-se da sorte desta projeo: no Ocide t volucionrio cronificou-se no impasse e a rupt: e, o processo te,

    ' I' , , ' , ra Com o ' caplta Ista iniCiou-se precisamente no Oriente at Sistema

    , rasado senvolvldo, onde, sobre os ombros dos agentes ~ subde_

    I f d revoluclQ , , acumu avam-se tare as e que, no plano histrico-u ' nanas, 'f " , nlversal b guesla ora Ja a executora, A projeo "clssica" , ',a Ut-d ' aSSim fOI I passa a, ao mesmo tempo, pelo desenvolvimento d ' , u tta-

    monopolista e pela prpria ruptura inicial com ele, o capitalismo

    Sobre a teoria setorial da transio socialista

    As exigncias democrticas inerentes ao proJ'eto so ' I' I ' " 'd I'd Cla Ista re vo UClonano, a parttr a conso I aao do novo poder dE'

    I . d estado emergente da revo uao e Outubro, foram alienadas da ' , I, 'd' , I' I' pratica po Ittca o movimento socla Ista revo uClonrio, restando

    , ' t' d '" apenas como .uma retor~ca p~ Ia0 e p,rlnCl?lOS e contidas nos pores da reflexao revoluclOnana ou restntas a sua periferia.'"

    O exlio das exigncias democrticas no movimento social i t revolucionrio d-se paralelamente deslocao do processo sd: ruptura com o capitalismo do Ocidente avanado para o Leste subdesenvolvido: tanto mais se afirma a experincia sovitica e tanto mais o movimento revolucionrio ocidental se cronifica no impasse, tanto mais as exigncias democrticas (o que significa dizer: a estratgia democrtica para a transio socialista) deixam de permear as intervenes do movimento, Este exlio prolonga-se por cerca de meio sculo, aproximadamente entre a vigncia das

    42 A mistificadora subsuno dos valores do indivduo no ethos individua-lista apenas pode ser superada nesta perspectiva: a mxima socializao institui e garante a individualidade livre,

    43 Com excees verificadas nos anos logo seguintes viragem poltica operada no VIII Congresso da Terceira Internacional. Sobre este orga, nismo, cf. o j citado estudo de Claudn, La crise du mOllvement .comu niste; sobre a viragem de 1935, cf_, do mesmo autor, Ellrocomul1lsn~o Y socialismo, j citado, e o texto de Mandei, Crtica do euro~omLlmsmo (Lisboa, 1978) - estas duas ltimas obras, elaboradas a partlr de per~pectivas terico-ideolgicas inteiramente distintas, constituem referencl3 indispensvel para o tratamento crtico do eurocomunismo,

    96

    . e uma condies" da Terceira Internacional e os d 'd b "Vln te es o ra-

    tOS do XX Congresso do PCUS. Deixando de mo a su _ men . d oH '. a com plicada causahda ,e, o que aquI IIltercssa mdlcar que ele est . t'mamente relaCIOnado a um evento que, no plano da teoria In I 1" d. "

    essa exemplarmente a para ISla a reflexao revolucionria' I _ expr - " d ' . . ra ta-se da sllpressao da carenCla a teorra selonal da Irallsiiio socia-lista. .

    Quando me re~lro a es~a, denoto um conjunto de hipteses istematicamente articuladas, mtegrado no marco abrangente da teo-

    s d ' , I ria social (don e o seu carater setona ), que, arrancando da inves-tigao das tendncias essenciais do desenvolvimento diferencial do sistema capitalista em seu estdio contemporneo, seja passvel de verificao na prtica scio-histrica e permita formular concep-tualmente as vrias modalidades de que, nas particularidades hi s-tricas, podem revestir-se os processos de ruptura com o sistema. No se trata de uma operao racional direcionada por uma filoso-fia evolutiva da histria, de contextura normativa; a questo submeter os dados empricos oferecidos pela dinmica real do si s-tema capitalista a um tratamento histrico-crtico, orientado pela teoria social, de forma a extrair deles as alternativas poss veis e/ ou provveis de rupturas. Este trabalho no pode limitar-se formu-lao de uma tipologia concreta da ruptura; deve envolver a pes-quisa dos desdobramentos possveis subseqentes ruptura em si mesma, determinando as provveis vias alternativas do desenvolvi-mento das formaes econmico-sociais emergentes com ela .

    A construo da teoria setorial da transio socialista - que deve partir das indicaes histrico-m.:todolgicas gerais pertinen-tes que existem nos "clssicos" - s pode ser encetada se se considerar, como premissas j verificadas histrica e teoricamente, que: primeiro, ela implica necessariamente o tratamento das par-ticularidades histricas, mas no se obtm pelo somatrio das so-lues extradas de cada um deles; supe a sua integrao siste-mtica ao corpus da teoria social; segundo: da essncia diferencial do desenvolvimento do sistema capitalista resulta que no h a via

    H Que envolve. entre oulrOs fenmenos. o insulamcnlO da ex pc ~i nc i~ so-vitica, o fracasso da revoluo alemfi. a mar-montante do nazdasClS mo . a capacidade de resistncia e adapta~o do capitalismo monopoltsta .. as condies gerais em que se exerceu a aulocracia stalinista. a guerra. fna . o cerco imperialista . a evotuo terica e prtica da socl3l-democracla .

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    istem vias muito distintas; a hiptese de para a r~ptudra;d eXuptura (a Via) apenas seria admissvel no uma 6 odahda e e r h ' qua-s m 'a capitalista inteiramente omogeneizado

    dro de um slstem " ' , ' que esta teona setonal deve ser escoimada d Insistir em ,e

    atividade e que deve atentar ngorosamente par qualquer norm '[ I ' , a a

    , ' f' a somente manl estar a caute a mlnlma Com mpiria slgnl IC " d _ que

    e tomados os grandes esquemas a evoluao histric _ devem ser , - 'd '/' o

    , O 'dado aqui consiste em nao / ent/ /car qualquer r SOCial CUl , ' up-, o sistema capitalista com as rupturas que se abrem para /lira com 'd d 't-' , ,

    a transio socialista, Est,e ~UI ,? o(d e a~ mais nec~s~ano quando recordamos que nos "c\asslcOS , e cUJ,as

    l) proPofsloes genricas

    deve partir a elaborao da teona setona ,em uno das suas a ruptura era sempre focada como conducente transi-prognoses, . , .

    _ . l'sta No h nenhuma garantia , teonca ou factual na ao SOCla I, . ' ' d A ' ,. I'a s6cio-hlstonca do mun o contemporaneo , para susten-

    expenenc ,. -tar uma tal identificao; ao contraTlO , .sao numer?so~ os indcios de que presenciamos rupturas

    d cOd~ o slste~a _ caPlt~hlsta que no

    _ d ' retamente na ordem o la a translao socla i sta~ ;; - o poem I d ' t' -

    eln absoluto, no quer lzer que esta ranslao no retorna que, - , I ' a mdio ou a longo prazos, como. q~e~tao essencla para o desen-volvimento das particularidades h/stoncas em foco ,

    Voltemos ao problema da supresso da carncia desta teoria setorial. At Outubro, dela s existiam os esb.o~s genricos dos .. I' . os" referenciados ao contexto do capltahsmo concorren-c asslC , . ' . h' 6'

    cial. A vitria dos bo\chevi~ues mser~ ~? pratica _1st tca um padro de ruptura com o SlStem~ IcaEPlta Istad5~e ~dao . 0dra , at ento, vislumbrado pela teoria SOCla , .m . con loes I, ea,ls, e pe~-

    , 'Investigao, o pensamento soclahsta revoluclOnano toma-qUlsa e ., . lo-ia como um elemento emprico que, apos _ tratament? teon~o-crtico, seria inserido no processo de construa.o ~a teona setonal como uma modalidade de ruptura com o capltahs~o" Ora, estas condies ideais inexistiam (se que alguma_ ve~ eXIstlr~m) : a re-fi - desenvolvia entre o fogo da reaao mternaclOnal e os exao se . . diferendos que dilaceravam o movimento operano. ASSim, era qua-

    ~ ;; Penso num grande nmero de pases da sia e fri

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    pitalismo monopolis.ta .e~ uesenvolvim:n.to e consolidao, inseriarn na realidade scio-hlstonca toda uma sene de componentes inditos .

    Precisamente estes componentes foraram e foram a ultra_ passagem da mis ria t7~ica da apol~gi~ ~ue abastardou por dc

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    d I um tempO nas opes do MAS venezuelano e agora sen 'b'

    e a g . I " SI l-I. a'r'loS partidOs comuOlstas allno-amencanos . Sem consl'd Iza v 'd . . erar

    da um desses parti os conserva as suas Idlossincras,' que ca ., A. as na a't 'lca poltica " e sem dar maIOr Importancla que a d 'd

    sua pr . d d 'd I" eVI a a certos componentes de levlan a e .: eo oglca e _superficialidade terica de alguns de seus porta-vo~es, - a co.nstataao que se impe que a relevncia do eurocomUOlsmo consiste no ~ato de ele arti-cular-se conscientemente como u~~ resposta pec~har no Contexto da ultrapassagem do modelo SOVlellCO como padrao nico de rup-tura com o capitalismo. .

    Reduzida sua expresso mais sumria, a proposta estratgica eurocomunista 53 assenta na defesa de um reordenamento da vida scio-poltica do capitalismo monopolista que permita o exerccio de uma democracia avanada, na conformao de um bloco social de foras anti monopolistas capaz de democratizar a sociedade civil e o aparelho de Estado e preparar a transformao do sistema sem o sacrifcio, mesmo conjuntural, de quaisquer dos direitos cvicos hoje vigentes - as liberdades da democracia poltica. A conquista da hegemonia" na sociedade civil por este bloco social (na tradi-

    5 1 " necess rio repelir que as prlicas polfticas dos partidos eurocomunistas so muito diferenciadas, o que, inclusive, condu-los a posies s vezes conflitantes no que respeita a problemas especificamente europeus.

    "2 Sanliago Carrillo , dos eurocomunislas mais badalados, aquele que mais flagrantes exemplos fornece dessas leviandade e superficialidade. As contradies, fragilidades e ingenuidades do seu Eurocolllu/1ismo e Estado (So Paulo, 1978) foram suscinta c contundentemente apontadas por MandeI (Crtica do eurocomu/1ismo, ed. cit., capo V) e no vale a pena gastar mais tempo com elas. Mas interessante saber que, em junho de 1976, na conferncia que os partidos comunistas europeus celebraram em Berlim, Carrillo considerava que "no existe um eurocomunismo" e que esta "expresso infeliz"; seis meses depois, ele lanava a palavra de ordem da "via eurocomunista rumo ao poder"! (cf. Claudin, Eurocomu-Ilismo y socialismo, ed. cit. , pp. 1-2) . " claro que no se pode reduzir o eurocomunismo ao verbo do sr. Carrillo .

    ;:1 A explicitao e o desenvolvimento desta programtica aparecem, embora desigualmente, em especial aps 1972-1973, nos documentos oficiais do PCI, PCF, PCE e do PC ingls; muito claramente, ela expressa na Declarao de Roma. subscrita em novembro de 1975 pelos comunistas italianos e franceses.

    M Este conceito gramsciano pea-chave na perspectiva eurocomunista; ao contrrio do que sugerem certas vulgarizaes apressadas, porm, ele

    102

    o gramsciana, um novo bloco histrico; na linguagem de CI d' I ,. I ' ' . au an , um noVO b oco soc/U-po lIICO) possibilitaria a proJ'e-o . d . . d - . a , na estru-

    tura econOmIC?: c uma ancl encla tal que estes ava nos na socia-lizao da pohtlca colo~aTlam os pressupostos para a socializao a longo prazo da economia. Em termos imediatos es ta prog . . . 7'" ' ramallca reala a Im~le~en:~ao radicai d~ guerra de posies" analisada Por GramSCI, vwblhzando-se por antermdio de uma flex ' I I' . . . . . Ive po I-tica de ahanas e lutas SOCiaiS parCiaiS e particulares de

    _ ' que re-sultaria uma ~orrelaao d: foras acumuladas favorvel ultra-passagem do ststema. Em santese, a democracia avanada seria uma espcie de transio para a transio socialista."

    A experincia prtico-histrica do eurocomunismo ainda est por se fazer. Qualquer apreciao dele, portanto, deve ser caute-losa, o que no impede, desde j, que se lhe coloquem interroga-es de grande alcance - a domanao de classe da burgueSia pode ser liquidada sem atos de fora, sem confrontos? A "guerra de posies", sem a perspectiva clara de uma "guerra de movi-mento", no ignora a dinmica especfica das instituies polticas

    v~gentes sob .a ?omi~Gao _de classe da burguesia? Estas interroga-oes se multlphcam e nao concernem apenas a prospeces te-riC?s: ~ prtica e~rocomu~ista, nos seus matizes diferenciados, j hOJe nao corre o TlSCO de mtegrar-se nos mecanismos institucionais do moderno Estado articulado com o capitalismo monopolista de-senvolvido? Esta prtica no tende j a reduzir o aprofundamento e a perspectiva da socializao da poltica aos limites institucionais tolerveis para a estrutura econmica do capitalismo monopolista avanado? Mais srias ainda so as reservas que origina a ambi-gidade da projeo eurocomunista acerca da reorganizao da economia na democracia avanada: mesmo cen1rando o fogo na monopolizao e enfatizando as necessidades sociais a serem de-senvolvidas e estimuladas, nesta projeo permanece obscura a

    que~to de se se vai ou no conservar e generalizar os padres do mdustrialismo capitalista, que reproduzem uma estrutura hie-

    comporta no poucos problemas, como o notaram, entre outros, E. Man-dei, L. Maitan e P. Anderson

    5;; Sobre esta transio para a tr~lIsiO, cf. os apontamentos crlicos de F. 5G Claudin, E~rocomLlnismo y socialismo (ed. cit., p. 122 e ss .).

    P~ra uma slnlese delas , cf. F. Claudin, Eurocomunismo y socialismo (ed. Clt .) e E. Mandei , Crtica do eurocomu/1ismo (ed. cit.).

    103

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    ' d esferas da produo, no expressam uma po ' ,' qUl za a nas f d ' Slao rar , f e do crescimento das oras pro lItlVas e geram seletn'a em ac , 'E Um

    to psicossocial consumlsta, m poucas palavras: a I:omportamen ,- I' , pro-_ munista amda nao exp ICltOU como a sua pro

    J'eao euroco , h POsta O sistema e abre o camm o para um modo de 'd rompe com , I' , VI a

    I ente diverso daquele que o caplta Ismo tardiO model estrutura 01 ' d ' Ou, N estdio atual do eurocomUnlsmo, to aVia, o fato cru' I o " ' - d Cla

    . A focagem da crtIca teonca nao eve se restringir e outro, , _ ao exame das respostas eurocomu,n~stas ---: ,exame que nao pode apro-ximar-se de nenhuma concluslvldade, ja q~e a sua prova prtico_ histrica est ainda por, fazer-se, O que mteressa, ~aiormente

    O eurocomunismo fOI capaz de resgatar a estrategza democrt'_ que , , f ' - " I ca para a transio socra/lsta - e este elto nao sera diminudo nem mesmo se, em seu d~senvolviment,o" o eurocomu~ismo degra_ dar-se em mais outra vanante do soclaltsmo reformista, A pers-ectiva do eurocomunismo se alicera numa inferncia de observa_ ~es empricas e anlises ~ue me pa~ec: extremament,e slida: a

    transio socialista, nos palses de capltahs.mo monopoltsta avana-do se se operar, s-Io- atravs de mecantsmos e dinamismos que

    n~ lesionem as normas de convivncia democrticas que alcana-ram vigncia aps duros combates travados pelas classes e grupos sociais anticapitalistas, Mais: na base do eurocomunismo est a hiptese, nem SCIll'flI'C explicitada nitidamente pelos seus tericos e idelogos, mas j veri~icada historicamente, de que, sem uma estratgia democrtica, os processos revolucionrios podem condu-zir ruptura com o sistema capitalista sem que concretizem a via da transio socialista, entendida como a socializao da eco-nomia e a socializao da poltica,51

    A restaurao da estratgia democrtica pelo eurocomunismo representa, a nvel terico, o retorno s fontes "clssicas" do pen-samento socialista revolucionrio. Com efeito, na escala em que ele procura responder problemtica da ruptura sob um ca~i~lismo onde, objetivamente, se do os pressupostos para a transla? socialista - nas conjunturas de crise, alto grau de desenvolvI-mento das foras produtivas e proletariado estatisticame?t: pon-dervel, organizado e com experincia de lutas em ~on_dl~es, d~ democracia-mtodo -, a urgncia de retomar a projeao classl-

    ;',7 O chamado socialismo real a comprovao emprica da hiptese ,

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    -'

    ., , bvia, As transformaes postas pela idade do monoplio c3 e , - -

    , aquela projeao, mas nao no que se refere s exigncias afetam , h '" ,

    rticas que contm am - tais eXlgenclas, ao contrrio, o democ A d . I' t Xto contemporaneo o caplla ISOlO monopolista avanado as con e firma, amplia e refora, rea I A , d De todas as formas, a re evancla o eurocomunismo s pode corretamente avaliada se suas propostas forem inseridas na s.e~ da construo da teoria setorial da transio socialista Na

    otlca , " verdade, ele no pode ser maIS que uma alternativa para a transi-'o - aquela que se formul~ para responder a condies espec-r'cas do capitalismo monopoltsta avanado, Ainda que a experin-I'a scio-histrica o valide, ele no poder revestir-se de uni ver-~~lidade. Ser mesmo conduzido esterilidade se for investido do

    mesmo estatuto cannico de que, noutros tempos, gozou o modelo sovitico, Confundir a transio socialista com a via eurocomu-nista um erro que no se podem permitir os agentes revolucio-nrios que j fizeram o experimento de privilegiar e absolutizar um nico padro de ruptura - e que por isto pagaram um pre.;o altssimo,

    A construo da teoria setorial da transio socialista neces-sariamente referir-se- ao capitalismo como sistema e totalidade, Nela, a perspectiva eurocomunista poder aspirar a constituir um estrato de um quadro terico que dever abranger a essencialidade plural das alternativas possveis e provveis de ruptura . Este qua-dro terico no poder descartar a evidncia de que a estratgia democrtica no se viabiliza em (nem viabiliza um) qualquer pro-cesso de ruptura - ela tambm funo do nvel de complexida-de social dado nas particularidades histricas , Ou seja : a teoria setorial da transio socialista dever conceptualizar o fenmeno histrico de que formas histrico-sociais heterclitas podem suce-der ruptura com o sistema capitalista, E deveT concretizar que , tambm nestas formas eventuais, o problema da transio socia-lista estar condicionado implementao de uma estratgia de-mocrtica - que , ento, colocar problemas concretos sensivel-mente diversos,

    (1979)

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