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conexão PORTO ALEGRE | DEZEMBRO DE 2013 | Nº 2 PROGRAMA DE PORTUGUÊS PARA ESTRANGEIROS | UFRGS Duas décadas de muitas histórias Simone Paula Kunrath tem sobrenome alemão, mas é gaú- cha. A primeira formação dela na UFRGS foi em Letras – Alemão. Durante o período da faculdade, ela passou um ano na Alemanha para praticar e melhorar sua fluência. Quando estava lá, mui- tas pessoas lhe diziam: “Pode me ensinar português?” ou “Eu que- ro ir ao Brasil!”. Embora ela não tivesse tido a ideia de dar aulas de língua portuguesa antes, essas conversas a fizeram pensar que poderia ser legal. Coincidentemente, no mes- mo ano que ela voltou para o Brasil, em 1993, a professora Margarete Schlatter estava se- lecionando bolsistas para dar início ao Programa de Português para Estrangeiros da UFRGS, o PPE. Então, depois de um verão de bastante trabalho de pesquisa e planejamento, Simo- ne começou a lecionar no novo projeto em 1994. Eram cinco alunos coreanos no primeiro se- mestre, que cursaram disciplinas de Básico e Leitura e Produção Textual. De acordo com a profes- sora, esse ano foi produtivo e a deixou muito satisfeita. Simone continuou a ensinar até terminar seu mestrado em 2002. Nesse momento, ela foi convidada por um dos alunos coreanos para ir à Coreia do Sul. Ela viajou com o marido para dar aulas de português na Uni- versidade de Hankuk, em Seul, em 2003. Enquanto morava lá, o casal teve gêmeos. Em 2007, Simone voltou para o Brasil e para as salas de aulas do PPE. Em 2009, com mais três colegas também forma- das no programa, decidiu abrir uma escola de português para estrangeiros em Porto Alegre. Hoje, além de se dedicar à escola, ela faz parte da comissão técnica do Celpe-Bras. Uma de suas lem- branças dos tempos de PPE são as festas de final de ano no apar- tamento da mãe de Margarete. E que dicas Simone dá para ajudar quem está aprendendo português? Ela diz que é impor- tante: frequentar sempre as au- las, conviver com brasileiros e usar o idioma ao máximo. Ao ser entrevistada pelo estudante Chris, a professora Simone recordou fatos sobre as origens do PPE O Programa de Português para Estrangeiros (PPE) da UFRGS está completando 20 anos neste mês. Para celebrar as duas décadas de dedicação ao ensino, à pesquisa e à formação docente, publicamos nesta edição entrevistas e relatos de pessoas que fazem parte desta história. Leia abaixo o texto do aluno australiano Chris Taafe a respeito da trajetória da professora Simone Paula Kunrath, que integrou a equipe fundadora do PPE. JOÃO BRUM Chris Taafe Criação do Programa de Português para Estrangeiros (PPE) da UFRGS, com cursos de extensão e Seminário de Formação de Professores 1993 Primeira turma de alunos no PPE, com cinco estudantes da Coreia do Sul, e criação de um grupo de pesquisa, hoje chamado Português/ Língua Adicional 1994 O PPE/UFRGS é credenciado pelo Ministério da Educação como posto aplicador do exame Celpe- Bras (Cerficado de Proficiência em Língua Portuguesa para Estrangeiros); ocorre a primeira aplicação do Celpe- Bras no Brasil e no Exterior 1998 Primeira oferta do Curso de Espanhol e Português para Intercâmbio (CEPI), curso oferecido totalmente a distância para estudantes de intercâmbio na UFRGS 2011 Oferta na graduação em Letras da UFRGS da disciplina eleva Linguísca e Ensino de Português como Língua Adicional; hoje o currículo tem quatro disciplinas específicas e estágio de docência na área 2003 Primeiro concurso público para professor de Português como Língua Adicional na UFRGS; primeira Feira Cultural do PPE, com trabalhos dos alunos; primeiro Simpósio Internacional de Ensino de Português (Sinepla) 2012 Linha do tempo

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conexãoPORTO ALEGRE | DEZEMBRO DE 2013 | Nº 2

conexãoPROGRAMA DE PORTUGUÊS

PARA ESTRANGEIROS | UFRGS

Duas décadas de muitas histórias

Simone Paula Kunrath tem sobrenome alemão, mas é gaú-cha. A primeira formação dela na UFRGS foi em Letras – Alemão. Durante o período da faculdade, ela passou um ano na Alemanha para praticar e melhorar sua � uência. Quando estava lá, mui-tas pessoas lhe diziam: “Pode me ensinar português?” ou “Eu que-ro ir ao Brasil!”. Embora ela não tivesse tido a ideia de dar aulas de língua portuguesa antes, essas conversas a � zeram pensar que poderia ser legal.

Coincidentemente, no mes-mo ano que ela voltou para o Brasil, em 1993, a professora Margarete Schlatter estava se-lecionando bolsistas para dar início ao Programa de Português para Estrangeiros da UFRGS, o PPE. Então, depois de um verão de bastante trabalho de pesquisa e planejamento, Simo-ne começou a lecionar no novo projeto em 1994. Eram cinco alunos coreanos no primeiro se-mestre, que cursaram disciplinas de Básico e Leitura e Produção Textual. De acordo com a profes-

sora, esse ano foi produtivo e a deixou muito satisfeita.

Simone continuou a ensinar até terminar seu mestrado em 2002. Nesse momento, ela foi convidada por um dos alunos coreanos para ir à Coreia do Sul. Ela viajou com o marido para dar aulas de português na Uni-versidade de Hankuk, em Seul, em 2003. Enquanto morava lá, o casal teve gêmeos.

Em 2007, Simone voltou para o Brasil e para as salas de aulas do PPE. Em 2009, com mais três colegas também forma-das no programa, decidiu abrir uma escola de português para estrangeiros em Porto Alegre. Hoje, além de se dedicar à escola, ela faz parte da comissão técnica do Celpe-Bras. Uma de suas lem-branças dos tempos de PPE são as festas de � nal de ano no apar-tamento da mãe de Margarete.

E que dicas Simone dá para ajudar quem está aprendendo português? Ela diz que é impor-tante: frequentar sempre as au-las, conviver com brasileiros e usar o idioma ao máximo. Ao ser entrevistada pelo estudante Chris, a professora Simone recordou fatos sobre as origens do PPE

O Programa de Português para Estrangeiros (PPE) da UFRGS está completando 20 anos neste mês. Para celebrar

as duas décadas de dedicação ao ensino, à pesquisa e à formação docente, publicamos nesta edição entrevistas e relatos de pessoas que fazem parte desta história. Leia

abaixo o texto do aluno australiano Chris Taafe a respeito da trajetória da professora Simone Paula Kunrath, que

integrou a equipe fundadora do PPE.

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Chris Taafe

Criação do Programa de Português para Estrangeiros (PPE)

da UFRGS, com cursos de extensão e Seminário de Formação de Professores

1993

Primeira turma de alunos no PPE, com cinco estudantes da Coreia do Sul, e criação de um grupo de pesquisa, hoje chamado Português/

Língua Adicional1994

O PPE/UFRGS é credenciado pelo Ministério da Educação

como posto aplicador do exame Celpe-Bras (Certi fi cado de Profi ciência em Língua Portuguesa para Estrangeiros); ocorre a primeira aplicação do Celpe-Bras no Brasil e no Exterior

1998 Primeira oferta do Curso de Espanhol e Português para

Intercâmbio (CEPI), curso oferecido

totalmente a distância para estudantes de

intercâmbio na UFRGS

2011

Oferta na graduação em Letras da UFRGS da disciplina eleti va

Linguísti ca e Ensino de Português como Língua Adicional; hoje o

currículo tem quatro disciplinas específi cas e estágio de

docência na área 2003

Primeiro concurso público para professor de Português como Língua

Adicional na UFRGS; primeira Feira Cultural do PPE, com trabalhos dos alunos; primeiro Simpósio

Internacional de Ensino de Português (Sinepla) 2012Li

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CONEXÃO PPE | PORTO ALEGRE | DEZEMBRO DE 20132|

Quais foram as motiva-ções para criar o PPE?

Margarete Schlatter – A UFRGS iniciou o ensino de português para falantes de ou-tras línguas com cursos de ex-tensão em 1986-1987. Em ju-nho de 1993, o MEC criou uma comissão técnica para elaborar um exame de proficiência para os candidatos ao Programa de Estudantes-Convênio de Gra-duação (PEC-G) e, por conta de iniciativas anteriores na área, o Instituto de Letras foi convidado a participar. A par-ticipação da UFRGS na equipe do exame Celpe-Bras trouxe a demanda por cursos regulares. Em dezembro de 1993, foi cri-ado o Programa de Português para Estrangeiros, e tivemos a primeira turma, de cinco coreanos, no ano seguinte.

Qual foi o momento mais marcante nesta trajetória?

Margarete – Aqueles que sempre lembro com maior prazer são as sextas-feiras à tarde de discussões e insights compartilhados. Desde 1993, venho ao Câmpus do Vale às

sextas à tarde – e inúmeras foram as vezes que me pergun-tava: “Por que inventei esse en-contro nas sextas?”. E, sem ex-ceção, continuo voltando para casa no final da tarde conclu-indo: “Muito boa a discussão! Que bom que inventei esse en-contro na sexta!”. O café depois do Seminário e a volta com o carro cheio só confirmam a sensação de ter terminado bem mais uma semana!

Qual é a relevância do PPE atualmente?

Margarete – Consideran-do o desejo de internacional-ização da UFRGS, o PPE vem se firmando como setor estra-tégico no acolhimento e espaço de aprendizagem para estu-dantes estrangeiros. Nacional-mente e internacionalmente, somos uma referência em en-sino e pesquisa. Publicamos vários artigos científicos sobre materiais didáticos, ensino presencial e a distância e práti-cas de avaliação e produzimos três teses de doutorado, 17 dis-sertações de mestrado e 25 tra-balhos de conclusão de curso.

Entrevista: Margarete Schlatter, coordenadora do PPE

“Somos uma referência em ensino e pesquisa”

A arte de se adaptar a uma nova cultura

Anabel Diaz Cabal

Foi em um desses dias quentes e úmidos de verão de 1998 que Ian Alexander chegou a Porto Alegre. Aos 35 anos, ele veio de Sydney, na Austrália, com a ideia de ter aulas de por-tuguês. Nos dias abafados de fevereiro, Ian viu que aprender essa nova língua seria mais do que um exercício de leitura, escrita, audição e fala, que cos-tumam ser as habilidades en-volvidas no aprendizado de uma língua estrangeira. Exigiria dele, uma pessoa formada em Letras, conhecer um sistema de sím-bolos e signos que se apresenta em diferentes contextos do dia a dia, em que você aprende a se comunicar participando de eventos culturais, fazendo do português todo o seu universo.

Para Ian, a experiência no PPE foi fundamental, mas tam-bém representou um desafio, porque ele tentava se fazer en-

tender com o pouco de portu-guês que sabia. Nesse processo, os professores o ajudaram mui-to – ele recorda especialmente de Eduardo Engelsing, que fazia exercícios de escrita e explicava questões de interpretação de texto. Seu desempenho melho-rava a cada dia em função da exigência dos professores.

Aprender português não só fez Ian entender de uma outra forma sua própria língua, mas também desenvolver uma curio-sidade profunda sobre a cultura, as pessoas e as práticas sociais dos brasileiros, o que o levou a questionar e a refletir sobre a cultura australiana. Sua visão de mundo foi transformada por tudo que viu e viveu aqui.

Ian mora há 15 anos em Porto Alegre, casou-se com uma brasileira, tem um filho e é, atu-almente, professor do Instituto de Letras da UFRGS.

Acima, o encontro de Anabel Cabal e Ian Alexander em

frente ao Instituto de Letras da UFRGS para a entrevista. À direita, um registro de Ian e seus colegas em uma aula

do PPE em 1999

“Obrigado”, um ato que significa união

Miguel Guerra

Agradecer é o ato que uma pessoa faz motivado pelo rece-bimento de um favor. Pode-se dizer que é um ato de cortesia que uma pessoa merece rece-ber por fazer um favor ou pres-tar um serviço, por menor que seja. Embora no mundo exis-tam línguas muito diferentes, cada uma tem sua expressão de agradecimento: ¡gracias!, thank you!, merci!, danke!, grazie! e tantas outras as quais possuem o mesmo sentido.

Porém, na língua portu-guesa, o agradecimento, feito através da palavra obrigado, tem duas curiosidades: a primeira é que sua utilização depende do gênero de quem está agra-decendo, já que, originalmente, obrigado vem da expressão: “Sinto-me obrigado (a) com você pelo favor que me fizeste”; a segunda é uma característica que envolve um sentido maior, implícito dentro de sua ex-pressão, que muitos falantes de português não conhecem. Por

isso, no discurso de posse da Academia de Letras da Bahia, em setembro deste ano, Mãe Stella de Oxóssi, a primeira sa-cerdotisa do culto afro no Brasil a ocupar essa cadeira, explicou o seguinte:

– O verbo obrigar, que tem origem no latim obligare, sig-nifica unir. Portanto, quando dizemos um “muito obrigado”, estamos sugerindo a alguém que nos fez um favor que a ele estaremos ligados, em virtude do favor que nos foi prestado.

Curiosamente, não se en-contra, em nenhuma outra lín-gua, uma expressão cotidiana que supere a ação de união que alguém pode escutar. Dizer “es-tou obrigado (a)” supõe um ato através do qual liga-se uma vida a outra.

Então, quando agradece-mos, reafirmamos que a pala-vra obrigado não é só mais que uma simples expressão de cor-tesia, mas um ato de união ca-paz de criar fraternidade.

Confira outros conteúdos produzidos por alunos do PPE em:

jornaldoppe.wordpress.com

✓ No total, mais de 2,5 mil alunos já passaram pelo PPE. ✓ Neste segundo semestre de 2013, há 254 alunos, de 38 países, estudando no PPE.✓ Ao ingressarem no curso, os alunos são nivelados e se matriculam em disciplinas de acordo com seu nível de proficiência. Neste semestre, os 254 alunos efetuaram 652 matrículas no programa.✓ São oferecidos 36 cursos de extensão, incluindo um curso para intercambistas to-talmente a distância e turmas específicas para falantes de es-panhol.✓ Há cerca de 30 professores bolsistas por semestre, entre alunos de graduação, mestra-do e doutorado da UFRGS.✓ Veja os 10 países com mais alunos no programa em 2013/2:

China 54Colômbia 24Coreia do Sul 23França 16Japão 16Argentina 10Honduras 9Espanha 8Peru 8Estados Unidos 7

Saiba mais sobre o PPE

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CONEXÃO PPE | PORTO ALEGRE | DEZEMBRO DE 2013 |3

É difícil aprender português?Renelle Millette, aluna do PPE em 2001

Ainda hoje, de tempos em tempos, alguém me per-gunta: “Foi difícil aprender português?”, e assim, repen-tinamente, na pausa do meu interlocutor, não sei o que dizer. Pois há onze anos, logo que comecei a tropeçar pelas ruas de pedra do centro de Porto Alegre e me perder nos corredores do Câmpus do Vale da UFRGS, entendi que tinha muito mais do que uma nova língua em jogo. No meio de novos gestos, rostos, hábitos, pratos, sons e cheiros, eu es-tava em jogo também.

Menos mal então que tinha a equipe do PPE. Numa sala simples e pequena en-contrei um núcleo de grandes

mulheres, simpáticas e com-panheiras. E a mais miúdinha de todas logo se revelou como a maior matriarca: a Margarete Schlatter, junto com suas bol-sistas, tornou-se uma referên-cia não apenas de língua, mas de segurança, de respostas, de carinho. Isso foi fundamental, pois nem o português nem os dias eram sempre iguais: às vezes, as aulas eram fáceis, outras, nem tanto; havia dias em que Porto Alegre era tudo de bom e outros em que as lembranças de outra terra se-duziam o coração.

Mas havia uma constan-te: nunca deixei de aprender. Aprendi a conjugar verbos, abraçar não apenas amigos,

beijar direto na bochecha, to-mar chimarrão sem mexer na bomba, abreviar para chima e ceva, chamar dinheiro de pila e as meninas de as guria, ver novela, enunciar bah na nota apropriada e empregar o tri quando queria exagerar.

Onze anos depois, con-tinuo em Porto Alegre, traba-lhando, estudando e vivendo. E recorrendo à bela dádiva que o português me propor-ciona sempre que alguém me pergunta algo que não tem resposta, do tipo “Por que es-tamos aqui?” ou se foi difícil aprender português. Digo “Pois é...”, tranquila na certeza de que, nessa frase vaga, a res-posta certa está dada.

Porto Alegre, a cidade do coraçãoHoseok Son (Mateus), aluno do PPE em 2005/06

“Sou Hoseok Son, coreano, 20 anos”. Essa era a minha apre-sentação quando fazia aulas de conversação de português na Universidade de Hankuk, na Coreia do Sul. Em 2005, cinco anos depois de ingressar na uni-versidade, viajei a São Paulo para aprender não só a língua, mas também a cultura, e conhecer o povo brasileiro.

Frequentei a faculdade de Relações Internacionais da USP e um curso de português para estrangeiros por um semestre. Ao voltar para Seul, me inscrevi num programa de bolsas do go-verno. Fui selecionado e retor-nei ao Brasil, desta vez a Porto Alegre, que se tornou a cidade do

meu coração. Tive uma percep-ção totalmente diferente.

Em primeiro lugar, a maio-ria das pessoas fala tu em vez de você. Em segundo lugar, já tinha me acostumado à vida em grandes cidades como Seul e São Paulo, mas Porto Alegre é uma cidade mais calma, um tipo de cidade alternativa, que tem os seus próprios estilos e perspec-tivas. Em último lugar, a equipe de professores no período de 2005/2006 tinha um poder mági-co para fazer os alunos apren-derem a língua efetivamente. Em menos de um ano, passei a falar, ler e escrever sobre diversos as-suntos em português, enquanto no caso do inglês levei mais de

três anos para chegar a esse nível. Além disso, pude aproveitar

a vida no PPE. Durante o curso, houve vários churrascos e festas. Antes, eu não conseguia equili-brar o meu tempo entre trabalho e diversão.

Mais tarde, me formei e passei num concurso para ser contador nos Estados Unidos, onde trabalhava numa empresa petrolífera. Após quatro anos, decidi voltar ao Brasil e fui aprovado no concurso do Minis-tério de Relações Exteriores.

Embora eu tenha passado por um assalto e um acidente de carro, o Brasil continua impor-tante para mim e tudo que vivo aqui será inesquecível.

Na Hee Lee-Workman, aluna do PPE em 2007

A curiosidade que virou uma paixão

Sou uma pessoa de ex-periências diversas, mas singu-lares. Em 2007, saí da Coreia do Sul para estudar no Brasil com uma bolsa oferecida pelo gover-no coreano. Sem hesitação, � z as malas e parti para um país desconhecido, onde nasceu a minha paixão pela língua por-tuguesa e pela cultura brasileira.

Comecei a aprender portu-guês no PPE em um nível mais alto do que esperava e pude con-tar com o auxílio de professoras competentes. Quando entrei numa turma de Intermediário I, era uma pessoa muito tímida e raramente queria falar na frente dos colegas. Entretanto, com a ajuda das professoras, passei a

Buscando o mistério em terras distantes

Carley Fuller, aluna do PPE em 2013

Começo com uma tradução que � z do meu livro preferido de Tom Robbins, Still Life With Woodpecker (1980):

“Quando o mistério da co-nexão for embora, o amor vai embora. É tão simples. Isso sugere que não é o amor o im-portante para nós, mas o misté-rio mesmo. A conexão de amor pode ser nada mais do que uma ferramenta para nos ligar ao mistério, e queremos que o amor dure para que o êxtase de � car perto do mistério também dure. É contra o sentido do mis-tério � car parado. Mas sempre há, em algum lugar, o mundo no outro lado do espelho. Con-seguimos enxergá-lo quando paramos. A delícia de um novo amor, da solidão, de ser objeto, das pirâmides antigas e estrelas distantes, é um meio de fazer contato com o mistério”.

Eu fui até o extremo sul do Brasil na busca do mistério. Não encontrei pirâmides anti-gas, mas sim araucárias, árvores de uma beleza transcendental, monumentos naturais. Quase não enfrentei a solidão, pois o brasileiro não deixa ninguém sozinho. Mesmo assim, soube do mistério assim que cheguei.

O êxtase previsto quando a gente pensa naquele estado de estar apaixonado perdidamente

é parecido com as expectativas de um período de intercâmbio no exterior. Nos dois casos, o potencial de decepção é assus-tadoramente grande, ao mesmo tempo em que existe um outro potencial para aventura, alegria e aprendizados maravilhosos.

Adicionei ao dicionário da minha vida palavras e frases que não existem na minha lín-gua materna, como saudade, chimarrão, barbaridade, lagar-tear no sol, vagabundear, que � guraça!, senão não tem graça, se foi os boi com as corda. Algu-mas delas nem existem fora do Rio Grande do Sul...

Melhor ainda, reaprendi o valor de algumas palavras que existem no inglês: educa-ção, desigualdade, compaixão – até abraço chegou a signi� car mais. Entender o signi� cado da expressão com o coração a-berto era imprescindível para a minha saúde mental durante os seis meses no Brasil.

Queria � car perto do misté-rio que encontrei nos pomares de caqui da Serra gaúcha, no som dos violões tocando Novos Baianos, na roda de chimarrão na Redenção. Terei mais en-contros com o mistério, pois os amigos e as experiências do Brasil me ensinaram a andar devagar e a sentir na alma.

participar das discussões e ativi-dades cada vez mais.

O que gostei muito no pro-grama foi que os materiais uti-lizados e os assuntos discutidos nas aulas me deram a opor-tunidade de pensar a cultura brasileira mais criticamente. Para mim, o Brasil sempre tinha sido um país com o estereótipo de futebol, samba e bossa nova. Através do PPE, aprendi a ver o outro lado do cartão-postal maravilhoso do Brasil. Vi os problemas envolvendo as et-nias, a pobreza, o analfabetis-mo. Graças a esses conhecimen-tos e às experiências vividas em Porto Alegre, recebi uma bolsa do governo dos Estados Uni-

dos, em 2012, para continuar os estudos de língua portuguesa. Atualmente, faço especializa-ção em português e espanhol na Universidade de Minnesota (EUA) e espero conseguir um bom trabalho e me dedicar ao português em um mestrado.

Uma pequena curiosidade sobre o Brasil se tornou uma grande paixão, e agora não pen-so em seguir caminho ou car-reira sem o português. Não tive chances de voltar ao país desde 2007, mas meu sonho continua sendo tornar-me uma “coreana abrasileirada”. Quero retornar em breve para melhorar minha � uência e estudar mais sobre a cultura do país.

Coordenação: Margarete Schlatter e Gabriela Bulla

Edição e projeto gráfi co: João Brum

Colaboração: Camila Alexandrini

Contato: [email protected]

Site: jornaldoppe.wordpress.com

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Na Hee estuda e mora nos EUA

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CONEXÃO PPE | PORTO ALEGRE | DEZEMBRO DE 2013

Onde você deseja passar as férias?

A história do PPE é (re)escrita a cada novo grupo de estudantes estrangeiros que chega à UFRGS. Para valorizar o conteúdo produzido atualmente no programa, publicamos aqui relatos

de viagem dos alunos do curso de Básico II, um trabalho coordenado pela professora Bruna Sommer. Leia outros textos

no nosso blog: jornaldoppe.wordpress.com

Cambará do Sul por Caroline Lucet

A primeira coisa que eu e meus amigos fomos ver em Cambará do Sul foi o Cânion Fortaleza. E eu não tenho palavras para explicar como é a vista lá. É fantástica, maravilhosa, quem não foi ainda tem que ir logo. Não é apenas a

paisagem que vale a pena, mas também os passeios (quatro horas de caminhada) e as cachoeiras. Fiquei admirada porque algo assim não existe na França. Foi a primeira vez que tive a oportunidade de ver uma cachoeira grande e natural.

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Itapuí (SP) por Chris Taafe

Fiquei em São Paulo por cinco meses e não gostei muito. A cidade era agitada demais para mim. Mas enquanto estava lá, descobri um lugar de outra época, de hábitos tradicionais, um lugar onde se preferem cavalos a carros, conversa a televisão, cachaça a vodca, mulheres vestidas com saia longa a vestidas com minissaia e trabalhar em pé a trabalhar

sentado. Esse lugar se chama Itapuí, e eu me apaixonei por Itapuí. Nunca vi pes-soas tão simpáticas e com tanta vontade de aceitar um gringo. Tive os melhores momentos da minha vida... Dancei, an-dei a cavalo, montei um boi, dirigi uma motocicleta, trabalhei com as mãos, tirei leite de vaca, caí, bebi, beijei e fiz muitos novos amigos.

Rio de Janeiro por Karin Murata

Passear no Rio de Janeiro era um sonho na minha vida, porque as fotos são incríveis, eu gosto do Carnaval e há muitas praias bonitas. Em fevereiro deste ano, fui com o namorado, o cu-nhado e amigos. Ficamos em um apar-

tamento perto de Ipanema. O Carnaval é maravilhoso! Caminhamos em trios elétricos, bebemos e dançamos. Gosto muito de samba. E o Corcovado é maior do que imaginei, não sei como posso ex-plicar... É assombroso.

Amazônia por Michel Messager

Em 2012, fui à Amazônia. Entrei numa embarcação para entrar na Flo-resta Amazônica e morar em um chalé rudimentar de madeira. O proprietário e guia era um homem descendente de índios; ele conhecia muito bem a região. Durante três dias eu vi muitos animais: macacos, papagaios, tucanos, botos cor-de-rosa, jacarés e piranhas. Com o guia,

aprendi a reconhecer algumas plantas medicinais, saborear e comer larvas (provenientes de uma noz) e trançar folhas de palmeira. Saímos à noite de canoa e procuramos jacarés nas mar-gens do rio. Visitamos uma casa onde a família transformava manualmente a mandioca em farinha para consumir e vender. Foi uma ótima temporada.

São Luís (MA) por Shizuki Hirata

Quando eu cheguei em São Luís (MA), o sol de verão me recebeu. Senti que os moradores de lá cuidam de sua cidade. Fui para lá sozinha com uma mala pesada, mas as pessoas sempre me ajudaram. Todas eram simpáticas.

Foz do Iguaçu por Heeju Kang (Clara)

Recomendo as Cataratas do Iguaçu. A Garganta do Diabo é a mais incrível. Você também pode fazer rapel lá. É o passeio mais emocionante, porque você desce um paredão de 55 metros de al-tura enquanto vê as cataratas.