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HistóriadaFilosofia Nicola Abbagnano

Nicola-Abbagnano - Históri da filosofia

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Histria da FilosofiaNicola Abbagnano

Histria da Filosofia Primeiro volume Nicola A bbagnano ~DIGITALIZAO E ARRANJO: NGELO MIGUEL ABRANTES HISTRIA DA FILOSOFIA 2.a Edio VOLUME I TRADUO DE: ANTNIO BORGES COELHO FRANCO DE SOUSA MANUEL PATRCIO EDITORIAL PRESENA Ttulo original STORIA DELLA FILOSOFIA PREFCIO DA PRIMEIRA EDIO Esta Histria da Filosofia pretende mostrar a essencial humanidade dos filsofos. Ainda hoje perdura o preconceito de que a filosofia se afadiga com problemas que no tm a mnima relao com a existncia humana e continua encerrada em uma esfera longnqua e inacessvel aonde no chegam as aspiraes e necessidades dos homens. E junto a este preconceito vem o outro, que ser a histria da filosofia o panorama desconcertante de opinies que se sobrepem -e contrapem, privada de um fio condutor que sirva de orientao para os problemas da vida. Estes preconceitos so sem dvida reforados por aquelas orientaes filosficas que, por amor de um mal entendido tecnicismo, pretenderam reduzir a filosofia a uma disciplina particular acessvel a poucos e assim lhe menosprezaram o valor essencialmente humano. Trata-se, todavia, de preconceitos injustos, fundados em falsas aparncias e na ignorncia do que condenam. Demomstr-lo a pretenso desta obra. Parte ela da convico de que nada do que humano alheio filosofia e de que, ao contrrio, esta o prprio homem, que em si mesmo se faz problema e busca as razes e o fundamento do ser que o seu. A essencial conexo entre a filosofia e o homem a primeira base da investigao historiogrfica empreendida neste livro. Sobre tal base, esta investigao inclina-se a considerar a pesquisa que h 26 sculos os homens do ocidente conduzem acerca do prprio ser e do prprio destino. Atravs de lutas e conquistas, disperses e retornos, esta pesquisa acumulou um tesouro de experincias vitais, que urge redescobrir e fazer reviver para alm da indumentria doutrinal que muito frequentemente o oculta, ao invs de revel-lo. E isto porque a histria da filosofia profundamente diferente da da cincia. As doutrinas passadas e abandonadas j no tm para a cincia significado vital; e as ainda vlidas fazem parte do seu corpo vivo e no h necessidade de nos voltarmos para a histria para apreend-las e torn-las nossas. Em filosofia a considerao histrica , ao invs, fundamental; uma filosofia do passado, se foi verdadeiramente uma filosofia, no

um erro abandonado e morto, mas uma fonte perene de ensinamento e de vida. Nela se encarnou e exprimiu a pessoa do filsofo, no apenas em o*, que tinha de mais, seu, na singularidade da sua experincia de pensamento e de vida, mas ainda nas suas relaes com os outros e com o mundo em que viveu. E pessoa devemos volver se queremos redescobrir o sentido vital de toda doutrina. Em cada uma de elas devemos estabelecer o centro em torno do qual gravitaram os interesses fundamentais do filsofo, e que ao mesmo tempo o centro da sua personalidade de homem e de pensador. 'Devemos fazer reviver perante ns o filsofo na sua realidade de pessoa histrica se queremos compreender claramente, atravs da obscuridade dos sculos desmemorizados ou das tradies deformadoras, a sua palavra autntica que pode ainda servir-nos de orientao e de guia. Por isso no sero apresentados, em esta obra, sistemas ou problemas, quase substantivados e considerados como realidades autnomas, mas figuras ou pessoas vivas, sero feitas emergir da lgica da pesquisa em que quiseram exprimir-se e consideradas nas suas relaes com outras figuras e pessoas. A histria da filosofia no o domnio de doutrinas impessoais que se sucedem desordenadamente ou se concatenam dialecticamente, nem a esfera de aco de problemas eternos, de que cada doutrina manifestao contingente. um tecido de relaes humanas, que se movem no plano de uma comum disciplina de pesquisa, e que transcendem por isso os aspectos contingentes ou insignificantes, para se fundar nos essenciais e constitutivos. Revela a solidariedade fundamental dos esforos que procuram tornar clara, tanto quanto possvel, a condio e o destino do homem; solidariedade que se exprime na afinidade das doutrinas tanto como na sua oposio, na sua concordncia tanto como na sua polmica. A histria da filosofia reproduz na tctica das investigaes rigorosamente disciplinadas a mesma tentativa que a base e o mbil de todas as relaes humanas: compreender-se e compreender. E reprodu-lo quando colhe xitos como quando colhe desenganos, nas vicissitudes de iluses renascidas como nas de clarificaes orientadas, e nas de esperanas sempre renascentes. A disparidade e a oposio das doutrinas perdem assim o seu carcter desconcertante. O homem tem ensaiado e ensaia todas as vias para compreender-se a si mesmo, aos outros e ao mundo. Obtm nisso mais ou menos sucesso. Mas deve e dever renovar a tentativa, da qual depende a sua dignidade de homem. E no pode renov-la seno voltando-se para o passado e extraindo da histria a ajuda que os outros podem dar-lhe para o futuro. Eis por que no se encontraro nesta obra crticas extrnsecas, que pretendem pr a claro os erros dos filsofos. A pretenso de atribuir aos filsofos lies de filosofia ridcula, como a de fazer de uma determinada filosofia o critrio e a norma de julgamento das outras. Todo o verdadeiro filsofo um mestre ou companheiro de pesquisa, cuja voz nos chega enfraquecida atravs do tempo, mas pode ter para ns, para os problemas que ora nos ocupam, uma importncia decisiva. Necessrio que nos disponhamos pesquisa com sinceridade e humildade. Ns no podemos alcanar, sem a ajuda que nos vem dos filsofos do passado, a soluo dos problemas de que depende a nossa existncia individual e em sociedade. Devemos, por isso, propor historicamente esses problemas, e na tentativa para compreender a palavra genuna de Plato ou de Aristteles, de Agostinho ou de Kant e de todos os outros, pequenos ou grandes, que hajam sabido exprimir uma experincia humana fundamental, devemos ver a prpria tentativa de formular e solucionar os nossos problemas. O problema de o que ns somos e devemos ser fundamentalmente idntico ao problema de o que foram e quiseram ser, na sua substncia humana, os filsofos do passado. A separao dos dois problemas tira ao filosofar o seu alimento e histria da filosofia a sua importncia vital. A unidade dos dois problemas garante a eficcia e a fora do filosofar e fundamenta o valor da historiografia filosfica. A histria da filosofia liga simultaneamente o passado e o futuro da filosofia. Esta ligao a essencial historicidade

da filosofia. Mas justamente Por isso a preocupao da objectividade, a cautela crtica, a investigao paciente dos textos, o apego s intenes expressas dos filSOfos, no so na historiografia filosfica outros tantos sintomas de renncia ao Weresse teortico, 10 mas as provas mais seguras da seriedade do empenho teortico. Visto que a quem espera da investigao histrica uma ajuda efectiva, a quem v nos fIlsofos do passado mestres e companheiros de pesquisa, no interessa falsear-lhes o aspecto, camuflar-lhes a doutrina, mergulhar-lhes na sombra traos fundamentais. Todo o interesse tem, ao invs, em reconhecer-lhes o verdadeiro rosto, assim como quem empreende uma viagem difcil tem interesse em conhecer a verdadeira ndole de quem lhe serve de guia. Toda a iluso ou engano , neste caso, funesta. A seriedade da investigao condiciona e manifesta o empenho teortico. evidente, deste ponto de vista, que no se pode esperar encontrar na histria da filosofia um progresso contnuo, a formao gradual de um nico e universal corpo de verdade. Este progresso, tal como se verifica nas cincias, uma por uma, que uma vez implantadas nas suas bases se acrescentam gradualmente pela soma dos contributos individuais, -no pode encontrar-se em filosofia, uma vez que no h aqui verdades objectivas e impessoais que possam tornar-se e integrar-se em um corpo nico, mas pessoas que dialogam acerca do seu destino; e as doutrinas no so mais que expresses deste dialogar ininterrupto, perguntas e respostas que s vezes se respondem e se correspondem atravs dos sculos. A mais alta personalidade filosfica de todos os tempos, Plato, exprimiu na prpria forma literria da sua obra-o dilogo-a verdadeira natureza do filosofar. Por outro lado, na histria da filosofia no h, no emtanto, uma mera sucesso desordenada de opinies que alternadamente se amontoam e destroem. Os problemas em que se verte o dialogar incessante dos filsofos tm uma lgica sua, que a prpria disciplina a que os filsofos livremente sujeitam a sua pesquisa: pelo que certas directivas persistem em dominar um 11 perodo ou uma poca histrica, porque lanam uma luz mais viva sobre um problema fundamental. Adquirem, ento, uma impessoalidade aparente, que faz delas o patrimnio comum de geraes inteiras de filsofos (pense-se no agostinismo ou no aristotelismo durante a escolstica); mas em seguida declinam e apagam-se, e todavia a verdadeira pessoa do filsofo no mais se apaga, e Todos podem e devem interrog-lo para dele tirar luz. A histria da filosofia apresenta deste modo um estranho paradoxo. No h, pode dizer-se, doutrina filosfica que no tenha sido criticada, negada, impugnada e destruda pela crtica filosfica. Mas quem quereria sustentar que a obliterao definitiva de um s dos grandes filsofos antigos ou modernos no seria um empobrecimento irremedivel para todos os homens? que o valor de uma filosofia no se mede pelo quantum de verdade objectiva que ela contm, mas to s pela sua capacidade de servir de ponto de referncia (porventura somente polmico) a toda a tentativa de compreender-se a si e ao mundo. Quando Kant reconhece a Hume o mrito de o ter despertado do "sono dogmtico" e de o ter encaminhado para o criticismo, formula de maneira mais imediata e evidente a relao de livre interdependncia que enlaa conjuntamente todos os filsofos na histria. Uma filosofia no tem valor enquanto suscita o acordo formal de UM Certo nmero de pessoas sob determinada doutrina, mas somente enquanto suscita e inspira nos outros aquela

pesquisa que os conduz a encontrar cada qual o prprio caminho, assim como o autor nela encontrou o seu. O grande exemplo aqui ainda o de Plato e de Scrates: durante toda a sua vida procurou Plato realizar o significado da figura e do ensinamento de Scrates, prosseguindo, quando era necessrio, alm do invlucro doutrinal em que estavam encerrados,- e 12 desta maneira a mais alta e bela filosofia nasceu de um reiterado acto de fidelidade histrica. Tudo isto exclui que na histria da filosofia se possa ver somente desordem e sobreposio de opinies; mas exclui, no obstante, que se possa ver nela uma ordem necessria dialecticamente concatenada, em que a sucesso cronolgica das doutrinas equivalha ao desenvolvimento racional de momentos ideais constituindo uma verdade nica que se mostre em sua plenitude no fim do processo. A concepo hegeliana faz da histria da filosofia o processo infalvel de formao de uma determinada filosofia. E assim suprime a liberdade da pesquisa filosfica, que condicionada pela realidade histrica da pessoa que indaga; nega a problematicidade da prpria histria e faz dela um crculo concluso, sem porvir. Os elementos que constituem a vitalidade da filosofia perdem-se deste modo todos. A verdade que a histria da filosofia histria no tempo, logo problemtica; e feita, no de doutrinas, ou de momentos ideais, mas de homens solidamente encadeados pela pesquisa comum. Nem toda a doutrina sucessiva no tempo , s por isto, mais verdadeira que as precedentes. H o perigo de se perderem ou esquecerem ensinamentos vitais, como frequentemente aconteceu e acontece; de onde decorre o dever de inquirir incessantemente do seu significado genuno. Obedece a este dever, dentro dos limites que me so concedidos, a presente obra. Que o leitor queira compreend-la e julg-la dentro deste esprito. N. A. 13 PREFCIO DA SEGUNDA EDIO A segunda edio desta obra constitui uma actualizao da primeira com base em textos ou documentos ultimamente publicados, em novas investigaes historiogrficas e em novos caminhos da crtica histrica ou metodolgica. As partes que sofreram maiores revises ou ampliamentos so as que concernem ' lgica e metodologia das cincias, tica e poltica. As investigaes historiogrficas contemporneas voltam-se, de facto, preponderantemente para estes campos, obedecendo aos mesmos interesses que solicitam hoje a pesquisa filosfica. Aqui como ali a exigncia de ter em conta os novos dados historiogrficos e de apresentar todo o conjunto numa forma ordenada e clara tornou oportunas alteraes de extenso ou de colocao dos autores tratados, em conformidade com certas constantes conceptuais que demonstraram ser mais activas, ou verdadeiramente decisivas, na determinao do desenvolvimento ou da eficcia histrica das filosofias. bviamente, as maiores modificaes teve que sofr-las o desenvolvimento da filosofia contempornea, no intuito de oferecer um sinttico quadro de conjunto da riqueza e da variedade dos caminhos que hoje dis15

putam o campo, e dos problemas em volta dos quais se concentram as discusses polmicas adentro de cada caminho. Mas a estrutura da obra, os seus requisitos essenciais, as inscries e os critrios interpretativos fundamentais no sofreram modificaes substanciais, porque conservaram a sua validade. s notas bibliogrficas, embora acttualizadas, foi conservado o carcter puramente funcional de seleco orientadora para a pesquisa bibliogrfica. Agradeo a todos os que fizeram chegar at mim sugestes e conselhos e sobretudo aos amigos com quem discuti alguns pontos fundamentais do trabalho. A trs deles, a quem mais frequentemente recorri, Pietro Rossi, Pietro Chiodi e Carlo A. Viano, tenho gosto em exprimir pblicamente a minha gratido. Turim, Setembro de 1963. N. A. 16 PRIMEIRA PARTE FILOSOFIA ANTIGA ORIGENS E CARCTER DA FILOSOFIA GREGA 1. PRETENSA ORIGEM ORIENTAL Uma tradio que remonta aos filsofos judaicos de alexandria (sculo I a.C.) afirma que a filosofia derivou do Oriente. Os vrincivais filsofos da Grcia teriam extrado da doutrina hebraica, egpcia, babilnica e indiana no somente as descobertas cientficas mas tambm as concepes filosficas mais pessoais. Esta opinio divulgou-se progressivamente nos sculos seguintes; culminou na opinio do neo-pitagrico Numnio, que chegou a chamar a Plato um "Moiss ateicizante"; e passou dele aos escritores cristos. Contudo, no encontra ela qualquer fundamento nos testemunhos mais antigos. Fala-se, verdade, de viagens de vrios filsofos ao Oriente, especialmente pela Prsia teria viajado Pitgoras; Demcrito, pelo Oriente; pelo Egipto, segundo testemunhos mais verosmeis, Plato. Mas o prprio Plato (Rep., IV, 435 e) contrape o esprito cientfico dos Gregos ao amor da utilidade, carac19 terstico dos Egpcios e dos Fenicios; e assim exclui da mesma maneira clara a possibilidade de que se tenha podido e se possa trazer inspirao para a filosofia das concepes daqueles povos. Por outro lado, as indicaes cronolgicas que se tm sobre as doutrinas filosficas e religiosas do Oriente so to vagas, que estabelecer a prioridade cronolgica de tais doutrinas sobre as correspondentes doutrinas gregas deve ter-se por impossvel. Mais verosmil se apresenta, primeira vista, a derivao da cincia grega do Oriente. Segundo algumas opinies, a geometria teria nascido no Egipto da necessidade de medir a terra e distribui-la pelos seus proprietrios depois das peridicas inundaes do Nilo.

Segundo outras tradies, a astronomia teria nascido com os Babilnios e a aritmtica no prprio Egipto, Mas os Babilnios cultivaram a astronomia com vista s suas crenas astrolgicas, e a geometria e a aritmtica conservaram entre os Egpcios um carcter prtico, perfeitamente distinto do carcter especulativo e cientfico que estas doutrinas revestiram entre os gregos. Na realidade, aquela tradio, nascida to tarde na histria da filosofia grega, foi sugerida, numa poca dominada pelo interesse religioso, pela crena que os povos orientais estivessem em poder de uma sabedoria originria e pelo desejo de ligar a tal sabedoria s principais manifestaes do pensamento grego. Tambm entre os historiadores modernos a origem oriental da filosofia grega defendida com cores que tendem a acentuar o seu carcter religioso e, de aqui, a sua continuidade com as grandes religies do Oriente. A observao decisiva que cumpre fazer a propsito que, embora se presuma (pois que provas decisivas no existem) a derivao oriental de esta ou aquela doutrina da Grcia antiga, isto no implica ainda a origem oriental da filosofia grega. 20 ----A -sabedoria oriental essencialmente religiosa: ela o patrimnio de uma casta sacerdotal cuja nica preocupao a de defend-la e transmiti-la na sua pureza. O nico fundamento da sabedoria oriental a tradio. A filosofia grega, ao invs, pesquisa. Esta nasce de um acto fundamental de liberdade frente tradio, ao costume e a toda a crena aceite como tal. O seu fundamento que o homem no possui a sabedoria mas deve procur-la: no sofia mas filosofia, amor da sabedoria, perseguio directa no encalo da verdade para l dos costumes, das tradies e das aparncias. Com isto, o prprio problema da relao entre filosofia greco-crist-oriental perde muito da sua importncia. Pode admitir-se como possvel ou pelo menos verosmil que o povo grego tenha inferido, dos povos orientais, com os quais mantinha desde sculos relaes e trocas comerciais, noes e haja encontrado o que esses povos conservaram na sua tradio religiosa ou haviam descoberto por via das necessidades da vida. Mas isto no impede que a filosofia, e em geral a investigao cientfica, se manifeste nos gregos com caractersticas originais, que fazem dela um fenmeno nico no mundo antigo e o antecedente histrico da civilizao (cultura?) ocidental, de que constitui ainda uma das componentes fundamentais. Em primeiro lugar, a filosofia no de facto na Grcia o patrimnio ou o privilgio de uma casta privilegiada. Todo o homem, segundo os gregos, pode filosofar, porque o homem "animal racional" e a sua racionalidade significa a possibilidade de procurar, de maneira autnoma, a verdade. As palavras com que inicia a Metafsica de Aristteles: "Todos os homens tendem, por natureza, para o saber" exprimem bem este conceito, uma vez que "tendem" quer dizer que no s o desejam, mas 21 que podem consegui-lo. Em segundo lugar, e como consequncia disto, a filosofia grega investigao racional, isto , autnoma, que no assenta numa verdade j manifestada ou revelada, mas somente na fora da razo e nesta reconhece o seu guia. O seu limite polmico habitualmente a opinio corrente, a tradio, o mito, para alm dos quais intenta prosseguir; e at quando termina por uma confirmao da tradio, o valor desta confirmao deriva unicamente da fora racional do discurso filosfico. 2. FIlOSOFIA: NOME E CONCEITO

Estas caractersticas so prprias de todas as manifestaes da filosofia grega e esto inscritas na prpria etimologia da palavra, que significa "amor da sabedoria". A prpria palavra aparece relativamente tarde. Segundo uma tradio muito conhecida, referida em as Tusculanas de Ccero (V, 9), Pitgoras teria sido o primeiro a usar a palavra filosofia em um significado especfico. Comparava ele a vida s grandes festas de Olmpia, aonde uns convergiam por motivo de negcios, outros para participar nas corridas, outros ainda para divertir-se e, por fim, uns somente para ver o que acontece: estes ltimos so os filsofos. Aqui est sublinhada a distino entre a contemplao desinteressada prpria dos filsofos e a azfama interesseira dos outros homens. Mas a narrativa de Ccero provm de um escrito de Heraclides do Ponto (Dig. L, Proemimm, 12) e pretende simplesmente acentuar o carcter contemplativo que foi considerado pelo prprio Aristteles essencial filosofia. Mas, na Grcia, a filosofia teve ainda o valor de uma sageza que deve guiar todas as aces da vida. Em tal sageza se haviam inspirado os Sete 22 Sbios que, no entanto, eram tambm chamados "sofistas" como "sofista" era chamado Pitgoras. No no sentido de contemplao, mas no sentido mais genrico de pesquisa desinteressada, usa Herdoto a palavra quando fez o Rei Creso dizer a Slon. (Herdoto, J, 20); "Tenho ouvido falar das viagens que, filosofando, empreendeste para ver muitos pases"; e da mesma forma Tucidides, quando (11, 40) fez dizer a Pricles de si e dos Atenienses: "Ns amamos o belo com simplicidade e filosofamos sem receio". O filosofar sem receio exprime a autonomia da pesquisa racional em que consiste a filosofia. como veremos no tema posterior a palavra filosofia implica dois significados. O primeiro e mais geral o de pesquisa autnoma ou racional, seja qual for o campo em que se desenvolva; neste sentido, todas as cincias fazem parte da filosofia. o Segundo significado, mais especfico, indica uma pesquisa particular que de algum modo fundamental para as outras mas no as contm. Os dois significados esto ligados nas sentenas de Heraclito (fr., 35 Dels): " necessrio que os homens filsofos sejam bons indagadores (historas) de muitas coisas". Este duplo significado encontra-se claramente em Plato onde o termo vem usado para indicar a geometria, a msica e as outras disciplinas do mesmo gnero, sobretudo na sua funo educativa (Teet., 143 d; Tm., 88 c); e por outro lado a filosofia vem contraposta sofia, sabedoria que prpria da divindade. e doxa, opinio, na qual se detm quem no se preocupa com indagar o verdadeiro ser (Fedr., 278 d; Rep., 480 a). A mesma bivalncia se acha em Aristteles para quem a filosofia , como filosofia prima, a cincia do ser enquanto ser; mas abrange, tambm em seguida, as outras cincias teorticas, a matemtica e a fsica, e at a tica (t. Nic., 1, 4, 23 1906 b, ^31). Esta bivalencia de significado revela melhor do que qualquer outra coisa o significado originrio e autntico que os gregos atribuam palavra. Este significado est j includo na etimologia, e o de pesquisa. Toda a cincia ou disciplina humana, enquanto pesquisa autnoma, filosofia. Mas , logo a seguir, filosofia em sentido eminente e prprio a pesquisa que consciente de si, a pesquisa que pe o prprio problema da pesquisa e esclarece por isso o seu prprio valor nas confrontaes feitas pelo homem. Se toda a disciplina pesquisa e como tal filosofia, em sentido prprio e tcnico a filosofia smente o problema da pesquisa e do seu valor para o homem. neste sentido que Plato diz que a filosofia a cincia pela qual no smente se sabe, mas se sabe ainda fazer um uso vantajoso do que se sabe (Eutid., 288 c-290 d). Aristteles, por seu turno, acentua a supremacia da filosofia prima que a metafisica nas confrontaes com a filosofia segunda

e terceira que so a fsica e a matemtica. E num sentido anlogo a filosofia , para os Esticos, o esforo (cpitedeusis) para a sabedoria (Sexto E. Adv. Math., IX, 13); para os Epicuristas a actividade (enorgheia) que torna feliz a vida (lb., X1, 1 69). Em qualquer caso, a filosofia um saber indispensvel para o encaminhamento e a felicidade da vida humana. 3. PRIMRDIOS DA FILOSOFIA GREGA: OS MITLOGOS, OS MISTRIOS OS SETE SBIOS, OS POETAS Os primrdios da filosofia grega devem procurar-se na prpria Grcia:(nos primeiros sinais, em que a filosofia como tal i, , como pesquisa), comea a aparecer nas cosmologias mticas dos 24 poetas, nas doutrinas dos mistrios, nos apotDgrnas dos Sete Sbios e sobretudo na reflexo tico-poltica dos poetas. Odocumento da cosmologia mtica mais antigo entre os gregos a Teogonia de Hesodo, na qual decerto confluram antigas tradies. O prprio Aristteles (Met., 1, 4; 984 b, 29) diz que Hesodo foi, provvelmente, o primeiro a procurar um princpio das coisas quando disse: "primeiro que tudo foi o caos, depois a terra de amplo seio... e o amor, que sobressai entre os deuses imortais" (Teog., 116 sgs.). De natureza filosfica se apresenta aqui o problema do estado originrio de que as coisas saram e da fora que as produziu, Mas se o problema filosfico, a resposta mtica. O caos ou abismo bocejante, a terra, o amor, etc. so personificados em entidades mticas. Depois de Hesodo, o primeiro poeta de quem conhecemos a cosmologia Ferecides de Siros, contemporneo de Anaximandro, nascido provvelmente por alturas de 600-596 a.C.. Diz ele que primeiro que todas as coisas e desde sempre havia Zeus, Cronos e Ctonos. Ctonos era a terra, Cronos o tempo, Zeus o cu. Zeus transformado em Eros, ou seja no amor, procede construo do Mundo. H neste mito a primeira distino entre a matria e a fora organizadora do mundo. Observa-se uma ulterior afirmao da exigncia filosfica na religio dos mistrios espalhados pela Grcia no dealbar do sculo VI a.C.. A esta religio pertenciam o culto de Dioniso, que vinha da Trcia, o culto de Demter, cujos mistrios se celebraram em Elusis, e sobretudo o orfismo. O orfismo era tambm dedicado ao culto de Dioniso, mas punha em uma revelao a origem da autoridade religiosa e estava organizado em comunidades. A revelao era atribuda ao trcio ORFEu, que descera ao Hades; e a finalidade dos 25 ritos que a comunidade celebrava era a de purificar a alma do Homem, iniciada para subtra-la "roda dos nascimentos", isto , transmigrao para o corpo de outros seres viventes. O ensinamento fundamental que o orfismo contm- o conceito da cincia e em geral da actividade do pensamento como um caminho de vida, ou seja como uma pesquisa que conduz verdadeira vida do homem. Do mesmo modo devia depois conceber a filosofia Plato, que no Fdon se filia explicitamente nas crenas rficas. Ao lado dos primeiros lampejos da filosofia na cosmologia do mito e nos mistrios est a

primeira apresentao da reflexo moral na lenda dos Sete Sbios. So estes diversamente enumerados pelos escritores antigos, mas quatro deles, Tales, Bias, Ptaco e Slon esto includos em todas as listas. Plato, que pela primeira vez os enumerou, acrescenta a estes quatro Clebulo, Mson e Chilon (Prot., 343 a). A eles se atribuem breves sentenas morais (de a terem ainda sido chamados Gnomas), algumas das quais se tornaram famosas. A Tales se atribui a frase "Conhece-te a ti mesmo" (Dig. L., 1, 40). A Bias a frase "a maioria perversa" (1b., 1, 88) e esta outra "O cargo revela o homem" (Alist., t. Nic., V, 1,1029 b, 1). A Ptaco a frase "Sabe aproveitar a oportunidade" (Dig. L., 1, 79). A Slon as frases "Toma a peito as coisas importantes" e "Nada em excesso" (1b., 1, 60,63). A Clebulo a frase "A medida coisa ptima" (1b., 1, 93). A Mson a frase "Indaga as palavras a partir das coisas, no as coisas a partir das palavras" (1b., 1, 108). A Chlon as frases "Cuida de ti mesmo" e "No desejes o impossvel" (1b., I, 70). Como se v, estas frases so todas de natureza prtica ou moral e demonstram que a primeira reflexo filosfica na Grcia foi direita sageza da vida mais do que pura contemplao 26 (ao contrrio do que preferiu um Aristteles). Estas frases preludiam uma verdadeira e peculiar investigao sobre a conduta do homem no mundo. E no por acaso que o primeiro dos Sete Sbios, Tales, ainda considerado o primeiro autntico representante da filosofia grega. Mas o clima em que pde nascer e florescer a poesia e a reflexo filosfica grega foi preparado pela reflexo moral dos poetas que elaborou, na Grcia, conceitos fundamentais que deveriam servir aos filsofos L para a P interpretao do mundo con ceito de uma

o un lei que d unidade ao mundo umano encontra-se pela primeira vez em Homero: Toda a Odisseia dominada pela crena em ha lei de justia, de que os deuses so guardies e garantes, lei que determina uma ordem providencial nas vicissitudes humanas, pela qual o justo triunfo e o injusto punido. Em Hesodo esta lei vem personificada na Dik, filha de Zeus, que tem assento junto do pai e vigia para que sejam unidos os homens que praticam a injustia. A infraco a esta lei aparece no mesmo Hesodo como arrogncia (hybris) devida ao desenfreamento das paixes e em geral s foras irracionais: assim o qualifica o prprio Hesodo (Os trabalhos e os dias, 252, segs., 267 segs.) e ainda o Arquloco (fr. 36, 84), Mimnermo (fr. 9, l) e Tegnis (v. 1. 40, 44, 291, 543, 1103). Slon afirma com grande energia a infalibilidade da punio que fere aquele que infringe a norma de justia, sobre que se funda a vida em sociedade: ainda quando o culpado se subtrai punio, esta atinge infalivelmente os seus descendentes. A aparente desordem das vicissitudes humanas, pela qual a Moira ou fortuna parece ferir os inocentes, justificase, segundo Slon (fr. 34), pela necessidade de conter dentro dos justos limites os desejos humanos descomedidos e de afastar o homem de qualquer excesso. De maneira que a lei de justia 27

tambm norma de medida; e Slon exprime num fragmento famoso (fr. 16) a convico moral mais enraizada nos gregos: "A coisa mais difcil de todas captar a invisvel medida da sageza, a nica que traz em si os limites de todas as coisas". squilo enfim o profeta religioso desta lei universal de justia de que a sua tragdia quer exprimir o triunfo. Portanto, antes que a filosofia descobrisse e justificasse a unidade da lei por sob a multiplicidade dispersa dos fenmenos naturais, a poesia grega descobriu e justificou a unidade da lei por sob as vicissitudes aparentemente desordenadas e mutveis da vida humana em sociedade. Veremos que a especulao dos primeiros fsicos no fez mais do que procurar no mundo da natureza esta mesma unidade normativa, que os poetas haviam perseguido no mundo dos homens 4. AS ESCOLAS FILOSFICAS Desde o incio a pesquisa filosfica foi na Grcia uma pesquisa associada. Uma escola no reunia os seus adeptos somente pelas exigncias de um ensino regular: no provvel que tal ensino tenha existido nas escolas filosficas da Grcia antiga seno com Aristteles. Os alunos de uma escola eram chamados "companheiros (etairoi). Juntavam-se para viver uma "vida comum" e estabeleciam entre si no s uma solidariedade de pensamento mas tambm de costumes e de vida, numa troca contnua de dvidas, de dificuldades e de investigaes. O caso da escola pitagrica, que foi ao mesmo tempo uma escola filosfica e uma associao religiosa e poltica, certamente nico; e por outro lado este trao do pitagorismo foi por isso mesmo mais uma fraqueza que uma fora. Contudo, todas as grandes personalidades da filosofia grega so os funda28 dores de uma escola que um centro de investigao; a obra das personalidades menores vem juntar-se doutrina fundamental e contribui para formar o patrimnio comum da escola. Duvidou-se que tivessem formado uma escola os filsofos de Mileto; mas h para eles o testemunho explcito de Teofrasto que fala de Anaximandro como "concidado e companheiro (etairos)" de Tales. O prprio Plato nos fala dos heraclitianos (Teet., 1792) e dos anaxagricos (Crt., 409 b); e em o Sofista , 1942; A. JEANNnM, La pense d'HdracUte d'Eph6e, Paris, 1959; H. QUIRING, H., Berlim, 1959; P. H. WHEELWRIGHT, H., Princeton, 1959. 52 lu A ESCOLA PITAGRICA 12. PITGORAS A tradio complicou com tantos elementos lendrios a figura de Pitgoras que se torna difcil deline-la na sua realidade histrica. Os apontamentos de Aristteles limitam-se a poucas e simples doutrinas, referidas as mais das vezes no a Pitgoras mas em geral aos pitagricos; e se a tradio se enriquece medida que se afasta no tempo do Pitgoras histrico, isto sinal evidente que se enriquece com elementos lendrios e fictcios, que pouco ou nada tm de histrico. Filho de Mnesarco, Pitgoras nasceu em Samos, provavelmente em 571-70, veio para a Itlia em 532-31 e morreu em 497-96 a.C.. Diz-se que fora discpulo de Ferecides de Siros e de Anaximandro e que viajou pelo Egipto e pelos pases do Oriente. 56 certo que emigrou de

Samos para a Grande Grcia e arranjou casa em Crotona onde fundou uma escola que foi tambm uma associao religiosa e poltica. A lenda representa Pitgoras 53 como profeta e operador de milagres, a sua doutrina ter-lhe-ia sido transmitida directamente do seu deus protector. Apolo, pela boca da sacerdotisa de Delfos Temistocleia Aristsseno in Dig. L.. VM, 21). muito provvel que Pitgoras no tenha escrito nada. Aristteles no conhece, com efeito, nenhum escrito seu; e a afirmao de Jmblico (Vida de Pt., 199) de que os escritos dos primeiros Pitagricos at Filolau teriam sido conservados como segredo da escola, vale s como uma prova do facto de que ainda mais tarde no se possuam escritos autnticos de Pitgoras anteriores a Filolau. Pelo que muito difcil reconhecer no pitagorismo a parte que pertence ao seu fundador. Uma nica doutrina pode com toda a certeza ser-lhe atribuda - (a da sobrevivncia da alma depois da morte e sua transmigrao para outros corpos) -----"Segundo esta doutrina, de que se apoderou Plato '(Grg., 493a), o corpo uma priso para a alma, que aqui foi encerrada pela divindade para seu castigo. Enquanto a alma estiver no corpo, tem necessidade dele porque s por seu intermdio pode sentir; mas quando estiver fora dele vive num mundo superior uma vida incorprea nu __e se purificou durante a vida corprea, a alma regressa a esta vida; no caso contrrio, retoma depois da morte a cadeia das transmigraes. 13. A ESCOlA DE PITGORAS -- A Escola de Pitgoras foi uma associao religiosa poltica alm de filosfica; Parece que a admisso na sociedade estava subordinada a provas rigorosas e observncia de um sigilo de vrios anos. Era necessrio absterem-se de certos alimentos (carne, favas) e observar o celibato. Alm disso, 54 nos graus mais elevados os Pitagricos viviam em plena comunho de bens. Mas o fundamento histrico de todas estas notcias bastante inseguro. Muito provavelmente, o pitagorismo foi uma das muitas seitas que celebravam mistrios a cujos iniciados era imposta uma certa disciplina e certas regras de abstinncia, que no deviam ser pesadas. O carcter poltico da seita determinou uma revoluo Contra o governo aristocrtico, tradicional nas cidades gregas da Itlia meridional, a que davam o seu apoio os Pitagricos, levantou-se um movimento democrtico que provocou revolues e tumultos. Os Pitagricos transformaram-se em objecto de perseguies: a sede da sua escola foi incendiada, eles mesmos foram massacrados ou fugiram; e s tempos depois os exilados puderam regressar ptria. provvel que Pitgoras tenha sido forado a trocar Crotona pelo Metaponto justamente devido a tais movimentos inssurreccionais. Aps a disperso das comunidades itlicas temos conhecimento de filsofos pitagricos fora da Grande Grcia. O primeiro deles Fillau. que era contemporneo de Scrates e de Demcrito e viveu em Tebas nos ltimos decnios do sculo V. No mesmo perodo coloca Plato Timeu de Locres, do qual nem sabemos com segurana se se trata de uma personagem histrica. Na segunda metade do sculo IV o pitagorismo assumiu nova importncia poltica atravs da obra de Arquitas, senhor de Tarento, de quem foi hspede Plato durante a sua viagem Grande Grcia. Depois de Arquitas a filosofia pitagrica parece ter-se extinguido at na Itlia. Junta-se ao pitagorismo, embora no tenha sido (como h quem diga) discpulo de Pitgoras, o mdico de Crotona Alemon, que repete algumas das doutrinas tpicas do pitagorismo; mas sobretudo notvel por ter considerado

o crebro o rgo da vida espiritual do homem. 55 A doutrina dos pitagricos tinha essencialmente carcter religioso. Pitgoras apresenta-se como o depositrio de uma sabedoria que lhe foi transmitida pela divindade; a esta sabedoria no podiam os seus discpulos trazer nenhuma modificao, mas deviam permanecer fiis palavra do mestre (ipse dixit). Alm disso, eram obrigados a conservar o segredo e por esta razo a escola se cobria de mistrios e de smbolos que ocultam o significado da doutrina aos profanos. 14. A METAFSICA DO NMERO A doutrina fundamental dos Pitagricos que a Substncia das coisas o nmero. Segundo Aristteles (Met., I, 5)os Pitagricos, que haviam sido os primeiros a fazer progredir a matemtica, acreditariam que os princpios da matemtica eram os -princpios de todas as coisas; e uma vez que os princpios da matemtica so, os nmeros, parece-lhes ver nos nmeros, mais do que no fogo, na terra ou no ar, muitas semelhanas com as coisas que so ou que devem. Aristteles considera, por isso, que os Pitagricos atriburam ao nmero a funo de causa material que os jnios atribuam a um elemento corpreo: o que sem dvida nenhuma uma indicao precisa para compreender o significado do pitagorismo, mas no ainda suficiente para torn-lo claro. Na realidade, se os jnios recorriam a uma substncia corprea para explicar a ordem do mundo, os Pitagricos fazem dessa prpria ordem a substncia do mundo---O nmero como substncia do mundo a hiptese da ordem mensurvel e A grande descoberta dos Pitagricos, dos fenmenoS a descoberta que lhes determina a importncia na histria da cincia ocidental, consiste precisamente 56 na funo fundamental que eles reconheceram medida matemtica para compreender a ordem e a unidade do mundo. Veremos que a ltima fase do pensamento platnico dominada pela mesma preocupao: encontrar a cincia da medida que simultaneamente o fundamento do ser em si e da existncia humana. Primeiro que todos, os Pitagricos deram expresso tcnica aspirao fundamental do esprito grego para a medida, aspirao que Slon exprimia dizendo: "A coisa mais difcil de todas captar a invisvel medida da sageza, a nica que traz em si os limites de todas as coisas". Como substncia do mundo, o nmero o modelo originrio das coisas (lb., 1, 6, 987 b, 10) pois que constitui, na sua perfeio ideal, a ordem nelas implcita. O conceito de nmero como ordem mensurvel permite eliminar a ambiguidade entre significado aritmtico e significado espacial no nmero pitagrico, ambiguidade que dominou as interpretaes antigas e recentes do pitagorismo. Aristteles diz que os Pitagricos trataram os nmeros como grandezas espaciais (1b., XIII, 6, 1080b. 18) e alega ainda a opinio de que as figuras geomtricas so os elementos substanciais de que consistem os corpos _,Ib., VII, 2, 1028b, 15). "s seus comentadores vo ainda mais longe, sustentando que os Pitagricos consideraram as figuras geomtricas como princpios da realidade corprea e reduziram estas figuras a um conjunto de pontos, considerando os pontos como unidades extremas (Alexandre, -20r sua vez, co In met., 1, 6, 687b, 33, ed. Bonitz, p. 41). E alguns intrpretes recentes insistem em

conservar o significado geomtrico como o nico que permite compreender o princpio pitagrico de que, no fim de contas, tudo composto de nmeros. Na verdade, se por nmero se entende a ordem mensurvel do mundo, o significado aritmtico e o 57 significado geomtrico aparecem fundidos, uma vez que a medida supe sempre uma grandeza espacial ordenada, logo geomtrica, e ao mesmo tempo um nmero que a exprime" Pode dizer-se que o verdadeiro significado do nmero pitagrico est expresso naquela figura sacra, a tetraktys, por que os Pitagricos tinham o hbito de jurar e que era a seguinte: A tetraktys representa o nmero 10 como o tringulo que tem o 4 como lado. A figura constitui, portanto, uma disposio geomtrica que exprime um nmero ou um nmero expresso numa disposio geomtrica: o conceito que ela pressupe o da ordem mensurvel. - Se o nmero a substncia das coisas, todas as disposies das coisas se reduzem a oposies --,)entre nmeros.' Ora a oposio fundamental das coisas com respeito ordem mensurvel que constitui a sua substncia a de limite e de ilimitado: o limite, que torna possvel a medida, e o ilimitado que a exclui. A esta oposio corresponde a oposio fundamental dos nmeros, par e mpar: o mpar corresponde ao limite, o par ao ilimitado. E, com efeito, no nmero mpar a unidade dspar constitui o limite do processo de numerao, enquanto no nmero par este limite falta e o processo fica, por conseguinte, inconcluso. A unidade , pois, o par/mpar visto que o acrescentamento dela torna par o mpar e o mpar o par. oposio do mpar e do par, correspondem nove outras oposies fundamentais e resulta da a lista seguinte: 1.o Limite, ilimitado; 2., 1914. Os fragmentos de Filolau In DiELs, cap. 44; de Arquitas In DIELS, cap. 47; de Alcmon In DIMs, cap. 24. Sobre estes Pitagricos: OLivmu, Civi;t greca negIt~ ~dionale, Npoles, 1931; VON MTZ, Pythagorcan Politics in Southem Itaiy, Nova-Iorque, 1940. 14. Sobre a doutrina pitagrica: ZELLM, 1, 361 segs.; GompERz, 1, 180 segs.; BURNET, 317 segs.FRANK, Plato und die Soge~nten Pythag~, Halle, 1923; RAVEN, Pythagoreiam and Ekatm, Cambridge, 1948; STRAINGE UNG, A Study of the Doctrine of Metempsychosis in Greoce from Pythagora8 to Plato, Princeton, 1948. 62 IV A ESCOLA ELETICA 16. CARCTER DO ELEATISMO 1 a escola jnica no aceitara o devir do mundo.' que se manifesta no nascer, perecer e transformar das coisas, como um facto ltimo e definitivo, porque intentara descobrir, para 4 disso, a unidade e a permanncia d substncia. No negara, todavia, a realidade do devir; Tal negao obra da escola eletica, que reduz o prprio devir a simples aparncia e afirma que s a substncia verdadeiramente Pela primeira vez, com a escola eletica, a substncia se torna por si mesma princpio -metafsico: pela primeira vez, ela dk 1da_'_n_ como elemento corpreo ou como nmero, mas to s como substncia, como permanncia e necessidade do ser enquanto ser. O carcter normativo que a substncia

revestia na especulao de Anaximandro, que via nela uma lei csmica de justia, carcter que fora expresso pelos Pitagricos no princpio que o nmero o modelo das coisas, surge assumido como a prpria definio da subs63 tncia por Parmnides e pelos seus seguidores. Para eles a substncia o ser que e deve ser: o ser na sua unidade e imutabilidade, que faz dele o nico objecto do pensamento, o nico termo da pesquisa filosfica. O princpio_M eleatismo marca uma etapa decisiva na histria da filosofia, Ele pressupe indubitavelmente a pesquisa cosmolgica dos jnicos e dos Pitagricos, mas subtrai-a ao seu pressuposto naturalista e tr-la pela primeira vez ao plano ontolgico em que deveriam enraizar-se os sistemas de Plato e de Aristteles. 17. XENFANES Segundo os testemunhos de Plato (Sof., 242d) e de Aristteles (Met., 1, 5, 986 b. 2l) a direco peculiar da escola eletica fora iniciada por XENFANEs de Colfon, que foi o primeiro a afirmar a unidade do ser. Estes testemunhos tm sido interpretados no sentido de que Xenfanes tinha fundado a escola eletica; mas esta interpretao vai muito alm do significado dos testemunhos e bastante improvvel. O prprio Xenfanes nos diz (fr. 8, Diels), numa poesia composta aos 92 anos, que h 67 anos percorria de ponta a ponta os pases da Grcia, e esta vida errante concilia-se mal com uma regular estadia em Eleia, onde teria fundado a escola. A nica prova da sua permanncia em Eleia uma anedota contada por Aristteles (Ret., 11, 26, 1400 b, 5): aos Eleatas que lhe perguntavam se deveriam oferecer sacrifcios e lgrimas a Leucoteia, teria ele retorquido: "Se a julgais uma deusa, -no deveis chor-la, Se a no julgais tal, no deveis oferecer-lhe sacrifcios". Temse, no entanto, conhecimento de um longo poema em hexmetros que Xenfanes teria escrito acerca da fundao da sua cidade; mas tudo isto no bas64 tante para provar a sua regular residncia e a instituio de uma escola em Eleia. No tambm certo que tenha exercido a profisso de rapsodo. De seguro, sabemos que escreveu em hexmetros e comps elegias e jambos (Silloz) contra Homero e Hesodo. improvvel, finalmente, que Xenfanes tenha escrito um poema filosfico, de que, com efeito, no se tem conhecimento preciso. Os fragmentos teolgicos e filosficos que se costumam considerar como resduos desse poema podem muito bem fazer parte das suas stiras, a cujo contedo se referem. O ponto de partida de Xenfanes, uma crtica decidida ao antropomorfismo religioso tal como se apresenta nas crenas comuns dos gregos e ainda como se acha em Homero e em Hesodo. "Os homens, diz ele, crem que os deuses tiveram nascimento e possuem uma voz e um corpo semelhantes aos seus" (fr. 14, Diels). Pelo que os Etopes representam os seus negros e de narizes achatados, os Trcios dizem que tm olhos azuis e cabelos vermelhos, e at os bois, os cavalos e os lees imaginariam. se pudessem, os seus deuses sua semelhana (fr. 16, 15). Os poetas encorajaram esta crena. Homero e Hesodo atriburam aos deuses at aquilo que objecto de vergonha e de censura entre os homens: roubos, adultrios e enganos recprocos. Na realidade, h uma s divindade "que no se assemelha aos homens nem pelo corpo nem pelo pensamento" (fr. 23). Esta nica divindade identifica-se com o universo, um deus-tudo, e tem o atributo da eternidade: no nasce e no morre e sempre a mesma. Com efeito, se nascesse isso significaria que antes no era, ora o que no , no pode nascer nem fazer nascer coisa alguma. Xenfanes afirma sob forma teolgica a unidade e a imutabilidade do universo. Mas

65 medida parece-lhe difcil de compreender e, assim, pode ser entendida depois de longa pesquisa,,, "Os deuses no revelaram tudo aos homens desde o princpio, mas s procurando encontram, passado tempo, o melhor" (fr. 18). o reconhecimento explcito da filosofia como pesquisa. Em Xenfanes encontram-se ainda assomos de investigaes fsicas: ele julga que todas as coisas e at o homem so formadas de terra e gua (fr. 29, 33); que tudo vem da terra e tudo terra regressa; mas estes elementos de um tosco materialismo pouca ligao tm com o seu princpio fundamental. H um aspecto notvel na sua obra de poeta: a sua crtica da virtude agonstica dos vencedores de jogos, que era to altamente estimada pelos gregos, e a afirmao da superioridade da sageza. "No justo antepor sabedoria a mera fora corprea" diz ele (fr. 1). Aqui, virtude fundada na robustez fsica aparece contraposta a virtude espiritual do sbio. 18. PARMNIDES O fundador do eleatismo Parmnides. A grandeza de Parmnides desde logo evidente pela admirao que suscitou em Plato: este fez dele a personagem principal do dilogo que marca o ponto crtico do seu pensamento e que dedicado a ele; aponta-o, em outra parte (Teet., 183 e), como "venerando e terrvel a um tempo". Parmnides era cidado de Eleia ou Vlia, colnia focense situada na costa da Campnia ao sul de Paestum. Segundo as indicaes de Apolodoro, que coloca o seu florescimento na 69.a Olimpadas, teria nascido em 540-39; mas esta indicao ope-se ao testemunho de Plato segundo o qual Parmnides tinha 65 anos quando, acompanhado por 66 Zeno, veio a Atenas e se encontrou com Scrates, ento muito jovem (Parm., 127b; Teet., 183e; Sot., 217 c). Dada a grande elasticidade das indicaes cronolgicas de Apolodoro, no h motivo para pr em dvida o rebatido testemunho de Plato: da deduzia-se como provvel que Parmnides tenha nascido por volta de 516-11. Aristteles cita dubitativamente a indicao que Parmnides tenha sido discpulo de Xenfanes; mas uma vez que de excluir, como se viu, que Xenfanes tenha fundado uma escola em Eleia, a indicao aristotlica no significa provavelmente outra coisa seno queParmnides retomou a direco de pensamento iniciada com Xenfanes.' Segundo outras tradies (DioG. L., DC, 21; Diels, AI) Parmnides foi educado na filosofia do pitagrico Amenias e seguiu "vida pitagrica". o primeiro a expor a sua filosofia num poema em hexmetros. Xenfanes tambm expusera em versos as suas ideias filosficas mas de forma ocasional, entremeando-as nas suas poesias satricas. Anaximandro, Anaxmenes e Heraclito haviam escrito em prosa. O exemplo de Parmnides ser seguido somente por Empdocles. Do poema de Parmnides que, provavelmente, s em data posterior foi designado com o ttulo Acerca da natureza, restam-nos 154 versos. O poema dividia-se em duas partes: a doutrina da verdade (altheia) e a doutrina da opinio (doxa). Nesta ltima parte, Parmnides expunha as crenas do homem comum, propondo-se, porm, realizar sobre elas um trabalho de avaliao e normativo"Tambm isto aprenders: como so verosimilmente as coisas aparentes, para quem as examina em tudo e para tudo" (fr. 1, v. 31). Por conseguinte, Parmnides apresenta um conjunto de teorias fsicas provavelmente de inspirao pitagrica. Ao dualismo do limite e do

ilimitado, faz corresponder o da luz e das trevas que porventura no era des67 conhecido dos mesmos pitagricos; e considera a realidade fsica como um produto da mescla e ao mesmo tempo da luta destes dois elementos (fr. 9, Diels). A oposio entre estes dois elementos foi interpretada, a partir de Aristteles, como oposio entre o quente e o frio. "Parmnides, diz Aristteles, (Fs., 1, S. 188 a 20), toma como principio o quente e o frio que ele chama, por isso, fogo e terra". Sob esta forma, o dualismo parmendeo foi retomado no Renascimento por Telsio. Mas esta parte do poema de Parmnides em que ele se limita a expor " as opinies dos mortais" limitando-se a corrigi-las conformemente a uma maior verosimilhana, parece ter simplesmente como objectivo uma rectificao das opinies correntes que, todavia, ficam afastadas da verdade, visto que presistem no domnio das aparncias. a sua filosofia o contraste entre a verdade e a aparncia. "S duas vias de pesquisa se podem conceber. Uma que o ser e no pode no ser; e esta a via de persuaso porque acompanhada da verdade. A outra, que o ser no e necessrio que no seja; e isto, digo-te, um caminho em que ningum pode persuadir-se de nada" (fr. 4, Diels).: Pois que "um s caminho resta ao discurso: que o ser " (fr. 8). Mas este caminho no pode ser seguido seno pela razo: uma vez que os sentidos, ao contrrio, se detm na aparncia e pretendem testemunhar-nos o nascer, o perecer, o mudar das coisas, ou seja ao mesmo tempo o seu ser e o seu no-ser. - Na via da aparncia como se os homens tivessem duas cabeas, uma que v o ser, outra que v o no-ser, e erram por aqui e por ali como estultos e insensatos sem poderem ver claro em coisa nenhuma. Parmnides quer afastar o homem do conhecimento sensvel, quer desabitu-lo de se deixar dominar pelos olhos, pelos ouvidos e pelas palavras. homem 68 deve julgar com a razo e considerar com ela as coisas distantes como se estivessem diante dele. Ora a razo demonstra facilmente que no se pode nem pensar nem exprimir o no-ser. No se pode pensar sem pensar alguma coisa; o pensar coisa nenhuma um no-pensar, o dizer coisa nenhuma um no-dizer. O pensamento e a expresso devem em todo caso ter um objecto e este objecto o ser. Parmnides determina com toda a clareza o critrio fundamental da validade do conhecimento que deveria dominar toda a filosofia grega: o valor de verdade do conhecimento depende da realidade do objecto, o conhecimento verdadeiro no pode ser outra coisa seno o conhecimento do ser. este o significado das afirmaes famosas de Parmnides: "A mesma coisa o pensamento e o ser". (fr. 3, Diels). "A mesma coisa o pensar e o objecto do pensamento: sem o ser em que o pensamento expresso no poders encontrar o pensamento, visto que nada h ou haver fora do ser". (fr. 8, v. 34-37). Ao ser que objecto do pensamento, Parmnides atribui os mesmos caracteres que Xenfanes reconhecera no deus-tudo. Mas estes caracteres so por ele reconduzidos modalidade fundamental, que a da necessidade: O ser e no pode no ser. (fr. 4, Diels) a fiLosofia principal de Parmnides: tese que exprime o que para ele o sentido fundamental do ser em geral e constitui o princpio director da investigao racional. A necessidade a respeito do tempo eternidade, isto , contemporaneidade, totum simul; a respeito do mltiplo unidade, a respeito do devir (ou seja do nascer e perecer)

imutabilidade (fr. 8, 2-4, Diels). Parficularmente a ternidade no concebida por Parmnides como durao temporal infinita mas como negao do tempo. "O ser nunca foi nem 69 nunca ser porque agora todo de uma vez, uno e contnuo". Parmnides foi o primeiro que elaborou o conceito da eternidade como presena total. o ser no pode nascer nem perecer, visto que deveria derivar do no-ser ou dissolver-se nele, o que impossvel porque o no-ser no . O ser indivisvel porque todo igual e no pode ser em um lugar mais ou menos que em outro; imvel porque reside nos limites prprios; finito porque o infinito incompleto e ao ser nada falta. O ser completude e perfeio; e neste sentido justamente finitude. Como tal assimilado por Parmnides a uma esfera homognea, imvel, perfeitamente igual em todos os pontos. "Por conseguinte, visto que no tem um limite extremo, o ser perfeito em todas as partes. semelhante massa arredondada de esfera igual do centro para todas as suas partes" (fr. 8). Pelo que o ser pleno, enquanto todo presente a si mesmo e em ponto nenhum falta a ou deficiente de si; ele auto-suficincia. Algumas destas determinaes, por exemplo a da plenitude, e a da assimilao esfera, fizeram pensar numa corporeidade do ser parmendeo. De Zeller em diante tem-se afirmado que nem Parmnides nem os outros filsofos pr-socrticos se elevaram distino entre corpreo e incorpreo: como se fosse verosmil que os homens que atingiram tal altura de abstraco especulativa, pudessem no ter realizado a primeira e mais pobre de tais abstraces, a distino entre o corpreo e o incorpreo. Na realidade a plenitude do ser significa a sua auto-suficincia perfeita, pela qual o ser no falta ou no se basta a si em alguma das suas partes; e a esfera no , como o texto demonstra, seno um termo de comparao de que Parmnides se serve para ilustrar a finitude do ser, cujos limites no so negatividade, mas perfeio. No 70 entanto adoptou-se, para provar a corporeidade do ser parmendeo, uma frase de Aristteles a qual diz que Parmnides e Melissos "no admitiram nada mais que substncias sensveis" (De coei., IH, 1, 298b, 21). Mas Aristteles, que em certo ponto dissera primeiro que estes filsofos no falam das coisas fsicas", isto , no se ocupam das substncias corpreas, quer simplesmente dizer, com aquela frase, que eles no admitiram as substncias intelectuais (as inteligncias celestes) a que, ainda segundo ele, se podem referir a ingenerabilidade e a incompatibilidade que os Eleatas afirmam do ser.,Na realidade, Parmnides formulou pela primeira vez com absoluto rigor lgico os princpios fundamentais da cincia filosfica que muito mais tarde haver de chamar-se ontologia.) Com efeito, eles revelaram em ti a a sua-fora lgica aquela necessidade intrnseca do ser que j os filsofos jnicos e especialmente Anaximandro haviam expresso no conceito de substncia. Repetem-se nele, no entanto, empregados para exprimirem a necessidade do ser, os mesmos termos de que se servira Anaximandro: a lei frrea da justia (dike) ou do destino (moira). "A justia no desaperta os seus grilhes e no permite que alguma coisa nasa ou seja destruda, antes mantm com firmeza tudo o que " (fr. 8, v. 6). Nada h ou haver fora do ser, uma vez que o destino o agrilhoou de maneira a que ele permanea inteiro e imvel" (fr. 8, v. 36). A justia e o destino no so, aqui, foras mticas: so termos que servem para exprimir com evidncia intuitiva e potica a modalidade do ser, que no

pode no ser. Pela vez primeira o problema do ser foi posto por Parmnides; como problema metafsicoontolgico, quer isto dizer na sua generalidade mxima e no j to s como problema fsico. A pergunta eque coisa o ser?" a que Parmnides quis for71 mular a resposta, no equivalente pergunta "que coisa a natureza?" para que tinham procurado a resposta os filsofos precedentes e o prprio Heraclito. O ser de que fala Parmnides no , em Primeiro lugar, somente o da natureza, mas tambm o homem, as aces humanas, ou o de qualquer coisa pensvel, seja ela qual for; em segundo lugar, no tem relao directa com as aparncias naturais ou empricas porque fica para alm de tais aparncias e no constitu a estrutura, necessria, somente reconhecvel pelo pensamento, A caracterizao desta estrutura dada por Parmnides recorrendo quilo a que hoje chamamos urna categoria de modalidade: a necessidade. O ser verdadeiro ou autntico, o ser de que no se pode duvidar e a que s o pensamento pode convir o ser necessrio. "O ser e no pode no ser". (fr. 4). esta uma resposta que a pesquisa ontolgica haveria de dar mesma pergunta durante muitos e muitos sculos e que, de um certo ponto de vista, ainda a nica resposta que ela pode dar. Uma sua consequncia imediata a negao do possvel: visto que o possvel o que pode no ser e, segundo Parmnides, o que podo no ser, no . Com efeito, "no h nada, diz Parmnides, que impea o ser de se alcanar a si mesmo" (fr. 8, 45): quer dizer, que o impea de realizar-se na sua plenitude e perfeio. Os Megricos ( 37) exprimiram a mesma coisa com o teorema "o que possvel realiza-se, o que no se realiza no possvel". A forma potica no , no pensamento de Parmnides, to inflexvel na sua lgica rigorosa, uma vestimenta ocasional. imposta pelo entusiasmo do filsofo que na pesquisa puramente racional, que nada concede opinio e aparncia, reconheceu a via da redeno humana. Parmnides verdadeiramente pitagrico-no sentido em que 72 o ser Plato -pela sua convico inabalvel que s com a pesquisa rigorosamente conduzida o homem pode chegar a salvo, em companhia da verdade. A imagem, com que abre o poema de Parmnides, do sbio que transportado por cavalos fogosos "intacto (asine) atravs de todas as coisas, sobre a famosa via da divindade" (fr. 1), manifesta toda a fora de uma convico inicitica, que acredita, no nos ritos ou mistrios mas unicamente no poder da razo indicadora. E assim, pela primeira vez na histria da filosofia, se solvem na personalidade de Parmnides ao mesmo tempo o rigor lgico da pesquisa e o seu significado existencial. A "terribilidade" de Parmnides consiste justamente no extraordinrio poder que a pesquisa racional adquire com ele, enraizada como est na f no seu fundamental valor humano. Vezes houve em que se viu em Parmnides o fundador da lgica: mas, isto demasiado pouco para ele. Se por lgica se entende uma cincia em si, que sirva de instrumento pesquisa filosfica, nada mais estranho a Parmnides que uma lgica assim entendida. Mas se por lgica se entende a disciplina intrnseca pesquisa, enquanto se torna independente da opinio e assenta sobre um princpio autnomo prprio, ento verdadeiramente Parmnides o fundador da lgica. Por outro lado, a pura tcnica da pesquisa poder tornar-se, com Aristteles, objecto de -uma cincia particular somente depois que Parmnides e Plato mostraram em acto todo o seu valor. 19. ZENO

Discpulo e amigo de Parmnides, Zeno de Eleia era (segundo Plato, Parm., 127a) mais novo do que ele 25 anos: o seu nascimento, por conse73 guinte, deve ter ocorrido cerca de 489. Como a maior parte dos primeiros filsofos, Zeno participou na poltica da sua cidade natal; parece que contribuiu para o bom governo de Eleia e que sucumbiu corajosamente, tortura por ter conspirado contra um tirano (Diels, A 1). O prprio Plato (Parm., 128 b), nos expe o carcter e o intento de um escrito, que devia ser a obra mais importante de Zeno. 10 escrito era uma forma de reforo" da argumentao de Parmnides, dirigido contra os que procuravam apouc-la aduzindo que, se a realidade uma. vemo-los enredados em muitas e ridculas contradies. O escrito pagava-lhes na mesma moeda pois que tendia a demonstrar que a sua hiptese da multiplicidade emaranhava-se, desenvolvida a fundo, em dificuldades ainda maiores. O mtodo de Zeno consistia, por conseguinte, em reduzir ao absurdo a tese dos negadores da unidade do ser, conseguindo deste modo confirmar a tese de Parmnides.--4Precisamente em ateno a este mtodo reconheceria Aristteles em Zeno o inventor da dialctica (Dig. L., VIII, 57). E, com efeito, a dialctica para Aristteles o raciocnio que parte no de premissas verdadeiras mas de premissas provveis ou que parecem provveis. (Tp., 1, 1, 100 b, 21 segs.); e as teses de que parte Zeno para as refutar parecem exactamente provveis em extremo. Hegel, ao invs, opina que a dialctica de Zeno uma dialctica imperfeita porque metafsica, e aproximou-a da dialctica kantiana das antinomias. Zeno ter-se-ia servido das antinomias para demonstrar a falsidade das aparncias sensveis,'Kant para afirmar a verdade delas; pelo que Zeno seria superior a Kant (Geschichte der Phil., ed. Glockner, I, p. 343 segs.). Os historiadores modernos preocuparam-se com determinar contra quem foram dirigidas as refutaes de Zeno; e a maioria v 74 no pitagorismo o objecto destas refutaes, na medida em que ele afirmava a realidade do nmero, ou seja do mltiplo. Mas difcil, como se viu 14), supor que o nmero de que fala o pitagorismo seja um simples mltiplo: ele antes uma ordem e uma ordem mensurvel. Nem indispensvel supor que Zeno teve presentes as teses deste ou daquele filsofo: parece provvel que ele tenha esquematizado e fixado os fundamentos tpicos de todo o pluralismo de maneira a que a sua refutao valesse tanto contra o modo comum de pensar (a doxa de Parmnides), como contra os filsofos que esto de acordo com ele na admisso do pluralismo. Os argumentos de Zeno podem separar-se em dois grupos. O primeiro grupo dirige-se contra a multiplicidade e a divisibilidade das coisas. O segundo grupo dirige-se contra o movimento Se as coisas so inscritas, diz Zeno, o seu nmero ao mesmo tempo finito e infinito: finito, porque elas no podem ser mais ou menos do que so; infinito, porque entre duas coisas haver sempre uma terceira e entre esta e as outras duas haver ainda outras e assim por diante (fr. 3, Diels). Contra a unidade concebida como elemento real das coisas, Zeno observa que, se a unidade tem uma grandeza, ainda que mnima, visto que em toda a coisa se acham infinitas unidades. toda a coisa ser infinitamente grande; ao passo que, se a unidade no tem grandeza, as coisas que resultam dela sero privadas de grandeza e portanto nada (fr. 1 e 2). O argumento vale ainda, evidentemente, contra, a realidade da grandeza. No entanto, o espao real. Se tudo est no espao, o espao, por sua vez, dever estar em um outro

espao e assim at ao infinito: isto impossvel e obriga a deduzir que nada est no espao (Diels, A 24). Contra a multiplicidade se dirige ainda o outro 75 argumento que se um moio de trigo causar rumor quando cai, todo o gro e toda partcula de um gro deveriam causar um som: o que no acontece (Diels, A 29). A dificuldade est aqui em compreender como que diversas coisas reunidas juntamente podem produzir um efeito que cada uma delas separadamente no produz. Mas os argumentos mais famosos de Zeno so os dirigidos contra o movimento que nos foram conservados por: Aristteles (Fs., VI, 9). O primeiro o argumento chamado da dicotomia: para ir de A a B, um mvel deve primeiro efectuar metade do trajecto A-B, e, primeiro, metade desta metade; e assim por diante at ao infinito; pelo que nunca mais chegar a B. O segundo argumento o de Aquiles: Aquiles (ou seja o mais veloz) nunca alcanar a tartaruga (ou seja o mais lento), considerando que a tartaruga tem um passo de vantagem. Com efeito, antes de alcan-la, Aquiles dever atingir o ponto de que partiu a tartaruga, pelo que a tartaruga estar sempre em vantagem. O terceiro argumento o da seta. A seta, que parece estar em movimento, na realidade est imvel; com efeito, em cada instante a seta no pode ocupar seno um espao vazio igual ao seu comprimento e est imvel com referncia a este espao; e dado que o tempo feito de instantes, durante todo o tempo a seta estar imvel. O quarto argumento o do estdio. Duas multides iguais, dotadas de velocidades iguais, deveriam percorrer espaos iguais em tempos iguais. Mas se duas multides se movem ao encontro uma da outra desde extremidades opostas do estdio, cada uma delas gasta, para percorrer o comprimento da outra, metade do tempo que gastaria se uma delas estivesse parada: do que Zeno extraa a concluso que a metade do tempo igual ao dobro. 76 A inteno destes subtis argumentos, que amide tm sido chamados sofismas ou cavilaes at pelos filsofos que no tm mostrado muita habilidade a refut-los, bastante clara. O espao e o tempo so a condio da pluralidade e da mudana das coisas: pelo que, se eles se revelam contraditrios, revelam que a multiplicidade e a mudana so contraditrias e por isso irreais. Mas eles s so contraditrios se se admitir (como Zeno considera inevitvel) a sua infinita divisibilidade: por isso esta infinita divisibilidade assumida por Zeno como pressuposto tcito dos seus argumentos. Aristteles procurou, portanto, refut-lo negando sobretudo a infinita divisibilidade do tempo e afirmando que as partes do tempo nunca so instantes, privados de durao, mas tm sempre uma certa durao, ainda que mnima: assim j no seria impossvel, percorrer partes infinitas de espao em um tempo finito. Esta refutao no vale muito. Os matemticos modernos, a partir de Russell (Principles of Mathematics, 1903), tendem antes a exaltar Zeno precisamente por ter admitido a possibilidade da diviso at ao infinito, que est na base do clculo infinitesimal. E pode admitir-se que os argumentos de Zeno, pelas discusses que sempre suscitaram, hajam servido tambm para isto. Mas Zeno no foi, decerto, um matemtico, e aquilo com que se preocupava era muito simplesmente a negao da realidade do espao, do tempo e da multiplicidade. 20. MELISSOS Melissos de Samos, porventura discpulo de Parmnides, foi o general que destroou a frota ateniense em 441-40 a.C.. esta a nica notcia que temos da sua vida. (Plutarco, Per., 26), cuja

- 77 acm exactamente situada naquela data. Em um escrito em prosa Sobre a natureza ou sobre o ser, Melissos defendia polemicamente a doutrina de Parmnides, especialmente contra Empdocles. e Leucipo. A prova da fundamental falsidade do conhecimento sensvel , segundo Melissos, que este nos testemunha ao mesmo tempo a realidade das coisas e a sua mudana. Mas se as coisas fossem reais, no mudariam; e se mudam, no so reais. No existem, por conseguinte, coisas mltiplas, mas to -s a unidade (fr. 8, Diels). Como Zeno polemizava de preferncia contra o movimento, assim Melissos polemiza de preferncia contra a mudana. " Se o ser mudasse ainda s o equivalente a um cabelo em dez mil anos, seria inteiramente destruido na totalidade do tempo" (fr. 7). Em dois pontos todavia, Melissos modifica a doutrina de Parmnides. Parmnides concebia o ser como uma totalidade finita e intemporal; o ser vive, segundo Parmnides, somente no agora, como uma totalidade simultnea, e finito na sua completude. Melissos concebe a vida do ser como uma durao ilimitada; e afirma por isso a infinidade do ser no espao e no tempo. Ele compreende a eternidade do ser com infinidade de durao, como "o que sempre foi e sempre ser" e no tem, por conseguinte, nem princpio nem fim. Consequentemente, admite a infinidade de grandeza do ser: "Visto que o ser sempre, deve ser sempre de infinita grandeza" (fr. 3). Esta modificao de uma das teses fundamentais de Parmnides e talvez a outra afirmao de Melissos, que o ser pleno e que o vazio no existe (fr. 7), sugeriram a Aristteles a observao que " Parmnides tratou do uno segundo o conceito, Melissos segundo a matria" (Met., 1, 5, 986 b, 18). Tanto mais relevo adquire, por isso, a afirmao decidida, feita por Melissos da incorporeidade do ser. "Se , necessi78 ta-se absolutamente que seja uno; mas se uno no pode ter corpo, porque se tivesse um corpo teria partes e j no seria uno" (fr. 9). Os crticus modernos, que afirmaram a corporeidade do ser parmendeo (que excluda pela prpria formulao que os Eleatas do ao problema), atribuem a negao de Melissos a algum particular elemento, cuja realidade, ao que supem, Melissos discutisse. Mas mesmo no caso de Melissos ter em mente uma hiptese particular, o significado da sua afirmao no muda: o que corpo tem partes, portanto no uno: portanto no . A negao da realidade corprea est implcita para Melissos, como para Parmnides e para Zeno, na negao da multiplicidade e da mudana e no repdio da experincia sensvel como via de acesso verdade. NOTA BIBLIOGRFICA 16. Sobre o carcter do eleatismo: ZELLER-NESTLE, 1 167 segs., que todavia est dominada pela preocupao de atribuir aos Eleatas a doutrina da corporeidade do ser, preocupao que no d a perceber o valor especulativo do eleatismo e o seu significado histrico como antecedente necessrio da ontologia platnica e aristotlica. Os fragmentos e os testemunhos foram traduz. para o ltal. por PILo ALBERTELLI, Os Eleatas, Bari, 1939; ZFIROPULO, L' cole Mate: Parmnide, Znon, Melissos, Paris, 1950; G. CALOGERO, StUdi sWI'eleatismo, Roma, 1932; La logica del secondo eleatismo, in "Atene e Roma>, 1936, p. 141 segs. Conf. tambm A. CApizzi, recenti studi sull'eleatismo, in "lrtwsegna di filosofia", 1955, p. 205 segs. 17. Os fragmentos de Xenfanes em DrELS, cap. 21.-ZELLER-NEsTLE 1, 640 segs.;

GompERz, 1, 667 segs.; BORNET, 126 seg.; HEIDEL, Hecataeus and Xenophanes, In "American Journal of Philology", 1943. 18. Os fragmentos de Parmnides in DIELS, cap. 28. Sobre Parmnides fundamental: REINHARDT, Parmnides, Bonn, 1916. Vejam-se ainda as belas pgi79 nas dedicadas a Parmnides por JAEGm, Paidia, trad, ltal., 276 segs.. E alm disso M. UNTERSTEINER, Parmnide. Te8timonta=e e framm-ent, Florena, 1958, com uma larga introduo que refunde e rectifica os precedentes estudos do autor. Os pontos tpicos da Interpretao de Understeiner so os seguintes: 1) o ser de Parinnides seria uma totalidade, no uma unidade, uma vez que a unidade (como a continuidade) constituiria uma referncia ao plano emprico ou temporal e estaria, por conseguinte, em oposio com a eternidade do ser; 2) Parmnides; no diria (fr. 6. Diela). c0 ser, o nko-ser no "; mas diria"Existe o dizer e o Intuir o ser, e ao Invs no existe o dizer e o intuir o nada": no sentido que o prprio mtodo da pesquisa acabaria por criar o ser. Sobre as dificuldades filo16gicas desta subtil e porventura demaqiado moderna Interpretao efri J. BRUNSCHWIG, in "Revue Philosophique>, 1962, p. 120 sega. Do ponto de vista filosfico tem o inconveniente de descurar completamente o carcter fundamental do ser parmenideo, a necessidade. 19. Os fragmentos de Zeno In DmU, cap. 29. A discusso de Aristtelos est In Fs., VI, 2-9; ZELLER-NEsTLE, 1, 742 sega.; GoMPERz, 1, 205 segs.; BURNET, 356 segs. Sobre os argumentos contra o movimento: BROCHARD. tudes de philos. anc. et de Philos. moderne, Paris, 1912. 20. Os fragmentos de Melssos, In cap. 30.-ZELLER-NEsTLE, 1, 775 seg.; Gomp=, I, 198 segs.; BURNET, 368 segs.; ZELLER e BURNET, defensores do carcter materialista do ser parmendeo, so os autores da interpretao do fragmento 9 de Meilisaos discutida no texto. 80 v OS FISICOS POSTERIORES 21. EMPDOCLES O eleatismo, declarando aparente o mundo do devir e ilusrio o conhecimento sensvel que lhe concerne, no afastou a filosofia grega da investigao naturalista. Esta continua de acordo com a tradio iniciada pelos Jnicos, mas no pode deixar de ter em conta as concluses do eleatismo. A afirmao de que a substncia do mundo uma s e que ela o ser, no permite salvar a realidade dos fenmenos e explic-los.Se quiser reconhecer-se que o mundo do devir existe em certos limites reais, deve admitir-se que o princpio da realidade no nico mas mltiplo. Nesta via se pem os fsicos do sculo V. buscando a aplicao do devir na aco de uma multiplicidade de elementos, qualitativamente ou quantitativamente diversos. Empdocles, de Agrigento nasceu ao redor de 492 e morreu mais ou menos aos sessenta anos. Filho de Meto, que tinha um lugar

importante no governo democrtico da cidade, participou na vida 81 poltica e foi ao mesmo tempo mdico, dramaturgo e homem de cincia. Ele prprio apresenta a sua doutrina como um instrumento eficaz para dominar as foras naturais e at para chamar do Hades a alma dos defuntos (fr. 111, Diels). A sua figura de mago (ou de charlato) realada pelas lendas que se formaram acerca da sua morte. Os seus partidrios disseram que tinha subido ao cu durante a noite; os seus adversrios, que se precipitara na cratera do Etna para ser julgado um deus (Diels, A 16). Empdocles foi, depois de Parmnides, o nico filsofo grego que exps em verso as suas doutrinas filosficas. O seu exemplo no foi seguido na antiguidade seno por Lucrcio, o qual lhe dedicou um magnfico elogio (De nat. rer., 1, 716 segs.). Restaram dele fragmentos mais abundantes que de qualquer outro filsofo prsocrtico, pertencentes a dois poemas. Sobre a natureza e Purificaes: o primeiro de carcter cosmolgico, o segundo de carcter teolgico e inspira-se no orfismo e no pitagorismo. Empdocles conhecedor dos limites do conhecimento humano. Os poderes cognoscitivos do homem so limitados; o homem v s uma pequena parte de uma "vida que no vida" (porque passa de fulgida) e conhece s aquilo com que por acaso topa. Mas justamente por isto no pode renunciar a nenhum dos seus poderes cognoscitivos: necessrio que se sirva de todos os sentidos e ainda do intelecto, para ver todas as coisas na sua evidncia. Como Parmnides, Empdocles considera que o ser no pode nascer nem perecer; mas diferena de Parmnides quer explicar a aparncia do nascimento e da morte e explica-a recorrendo ao combinar-se e separar-se dos elementos que compem a coisa.A unio dos elementos o nascimento das coisas, a sua desunio a morte.1 Os elementos so quatro: fogo, gua, terra e ar. O nome "elemento" 82 s mais tarde, com Plato, aparece na terminologia filosfica: Empdocles, fala de "quatro razes de todas as coisas". Estas quatro razes so animadas por duas foras opostas: o Amor (Philia) que tende a uni-las; a Desavena ou dio (Neikos) que tende a desuni-las.',O Amor e a Desavena so duas foras csmicas de natureza divina, cuja aco se alterna no universo, determinando, com tal alternncia, as fases do ciclo csmico. H uma fase em que o Amor domina completamente e o Sfero no qual todos os elementos so unificados e enlaados na mais perfeita harmonia. Mas nesta fase no h nem o sol nem a terra nem o mar, porque no h mais que um todo uniforme, uma divindade que goza da sua soledade (fr. 27, Diels). A aco da Desavena rompe esta unidade e comea a introduzir a separao dos elementos. Mas nesta fase a separao no destrutiva: at certo ponto, ele determina a formao das coisas que existem no nosso mundo, o qual produto da aco combinada das duas foras e fica a meio caminho do reino do Amor e do reino do dio. Continuando o dio a agir, as prprias coisas se dissolvem e tem-se o reino do caos: o puro domnio do dio. -Mas ento cabe de novo ao Amor recomear a reunificao dos elementos: a meio caminho ter-se- novamente o mundo actual, mesclado de dio e de amor e finalmente regressar-se- ao Sfero: no qual recomear um novo ciclo. Aristteles observou (Met., 1. 4, 985 a, 25) Que Empdocles no coerente porque admite ao mesmo tempo que o Amor crie o mundo numa volta e o destrua na outra; e assim o (dioJ Mas Aristteles faz esta observao porque identifica o Amor e o dio respectivamente com o Bem e o Mal (1b., 985 a, 3). Em Empdocles, tal identificao no existe. Empdocles est bem longe de admitir que o Amor, e s o Amor,

o princpio 83 do Cosmos: como Heraclito est convencido que a diviso dos elementos, o dio, a luta, tm uma parte importante na constituio do mundo. "Estas duas coisas, escreveu ele, so iguais e igualmente originrias e tem cada uma o seu valor e o seu carcter e predominam alternadamente no volver do tempo" (fr. 17, v. 26, Diels). Os quatro elementos e as duas foras que os movem so ainda as condies do conhecimento humano. O princpio fundamental do conhecimento que o semelhante se conhece com o semelhante. "Ns conhecemos a terra com a terra, a gua com a gua, o ter divino com o ter, o fogo destruidor com o fogo, o amor com o amor e o dio funesto com o dio" (fr. 109).' O conhecimento realiza-se por meio do encontro entre o elemento que existe no homem e o mesmo elemento que existe no exterior do homem. Os eflvios que provm das coisas produzem a sensao quando se aplicam aos poros dos rgos dos sentidos pela sua grandeza;'de outro modo passam despercebidos (Diels, A 86). Empdocles no faz qualquer distino entre o conhecimento dos sentidos e o do intelecto; tambm este ltimo se realiza da mesma maneira por um encontro dos elementos externos e internos. Em as Purificaes Empdocles retoma a doutrina rfico-pitagrica da metempsicose. H uma lei necessria de justia, que faz expiar aos homens, atravs de uma srie sucessiva de nascimentos e de mortes, os pecados de que se mancharam (fr. 115). Empdocles apresenta esta doutrina como o seu destino pessoal: "Fui em dada poca menino e menina, arbusto e pssaro e silencioso peixe do mar" (fr. 117). E lembro saudosamente a felicidade da antiga morada: "De que honras, de que alturas de felicidade eu ca para errar aqui, sobre a terra, entre os mortais" (fr. 119). 84 22. ANAXGORAS Anaxgoras de Clazmenes, nascido em 499-98 a.C. e falecido em 428-27, apresentado pela tradio como um homem de cincia absorto nas suas especulaes e alheio a toda actividade prtica. Para poder ocupar-se das suas investigaes cedeu todos os seus haveres aos parentes. Interrogado acerca da finalidade da sua vida respondeu orgulhosamente que era viver "para contemplar o sol, a lua e o cu". Aos que o exprobravam por nada lhe importar a sua ptria respondeu: "A minha ptria importa-me muitssimo", indicando o cu com a mo (Diels, A 1). Foi o primeiro a introduzir a filosofia em Atenas, que era ento governada por Pricles, 1 de quem foi amigo e mestre; mas, acusado de impiedade pelos inimigos de Pricles e forado a regressar Jnia, fixou residncia em Lampsaco. Restam-nos alguns fragmentos do primeiro livro da sua obra Sobre a natureZa. - > 1 Tambm Anaxgoras aceita o principio de Parmnides da substancial imutabilidade do ser.'!"A respeito do nascer e do perecer, diz ele (fr. 17), os gregos no tm uma opinio exacta.)Nenhuma coisa nasce e nenhuma perece, mas todas se compem de coisas j existentes ou se decompem nelas. A E assim se deveria antes chamar reunir-se ao nascer e separar-se ao perecer". Como Empdocles, admite que os elementos so qualitativamente distintos uns dos outros, mas diferena de Empdocles, considera que esses elementos so partculas invisveis que denomina sementes.1 Uma considerao filosfica est na base da sua doutrina. Ns utilizamos um alimento simples e de uma s espcie, o po e a gua, e deste alimento formam-se o sangue, a carne, as peles, os ossos, etc. preciso,

portanto, que no alimento se encontrem as partculas geradoras de todas as partes do nosso 85 corpo, partculas visveis mente., Anaxgoras substituiu assim como fundamento da fsica a considerao cosmolgica pela considerao biolgica. As partculas elementares, na medida em que so semelhantes ao todo que constituem, foram chamadas por Aristteles homeomerias, -- - - A primeira caracterstica das sementes ou homeomerias a sua infinita divisibilidade, a segunda caracterstica a sua infinita agregabilidade. Por outras palavras no se pode, segundo Anaxgras, chegar a elementos indivisveis com a diviso das sementes, como no se pode chegar a um todo mximo com a agregao das sementes, todo tal que no seja possvel haver maior. Eis o fragmento famoso em que Anaxgoras exprime este conceito: "No h um grau mnimo do pequeno mas h sempre um grau menor, sendo impossvel que o que deixe de ser por diviso. Mas tambm do grande h sempre um maior. E o grande igual ao pequeno em composio. Considerada em si mesma, toda a coisa a um tempo pequena e grande" (fr. 3, Diels).'Como se v, a infinita divisibilidade, que Zeno assumia para negar a realidade . das coisas, assumida por Anaxgoras como a prpria essncia da realidade. 1 A importncia matemtica deste conceito evidente. Por um lado, a noo que se possa obter sempre por diviso, uma quantidade mais pequena do que toda a quantidade dada, o conceito fundamental do clculo infinitesimal. Por outro lado, que toda a coisa possa ser. chamada grande ou pequena conformemente ao processo de diviso ou de composio por que est envolvida, uma afirmao que implica a relatividade dos conceitos de grande e pequeno. Uma vez que nunca se chega a um elemento ltimo e indivisvel, tambm jamais se alcana, segundo Anaxgoras, um elemento simples, isto , um elemento qualitativamente homogneo que seja, 86

por exemplo, somente gua ou somente ar. "Em toda a coisa diz ele, h sementes de todas as coisas" (fr. 11). A natureza de uma coisa deterninada pelas sementes que nela prevalecem: parece ouro aquela em que prevalecem as partculas de ouro, embora haja nela partculas de todas as outras substncias. No princpio as sementes estavam mescladas entre si desordenadamente e constituam uma multido infinita, quer no sentido da grandeza do conjunto, quer no sentido da pequenez de qualquer parte sua. NEsta mistura catica em imvel; para nela introduzir o movimento e a ordem interveio o Intelecto (fr. 12). Para Anaxgoras o Intelecto est totalmente separado da matria constituda pelas sementes. Ele simples, infinito e dotado de fora prpria; e serve-se desta fora para operar a separao dos elementos. Mas porque as sementes so divisveis at ao infinito, a separao de partes operada pelo Intelecto no elimina a mescla: e assim agora como no principio "todas as coisas esto juntas" (fr. 6). Pode perguntar-se, a ser assim, em que coisa consiste a ordem que o Intelecto d ao universo. A resposta de Anaxgoras que esta ordem consiste na relativa prevalncia, que as coisas do mundo mostram, de uma certa espcie de sementes: por exemplo, a gua assim porque contm uma prevalncia de sementes de gua, embora contenha ainda sementes de todas as outras coisas. Por esta prevalncia, que o efeito da aco ordenadora do Intelecto, se determina ainda a separao e a oposio das

qualidades, por exemplo do raro e do denso, do frio e do quente, do escuro e do lunnoso, do hmido e do seco (fr. 12, Diels). ,: 1 Empdocles explicara o conhecimento por meio do princpio da semelhana: Anaxgoras explica-o por meio dos contrrios. Ns sentimos o frio pelo quente, o doce pelo amargo e toda a qualidade pela 87 qualidade oposta. Visto que toda a disseno acarreta dor, toda a sensao dolorosa e a dor acaba por se sentir com a longa durao ou com o excesso da sensao (Diels, A 29). A prpria constituio das coisas introduz um limite no nosso conhecimento; no podemos perceber a multiplicidade das sementes que constituem cada uma delas: pois que Anaxgoras diz que "a fraqueza dos nossos sentidos impede-nos de alcanar a verdade" (fr. 21 a); e, com efeito, os sentidos mostram-nos as sementes que predominam na coisa que est ante ns e fazem-nos perceber a sua constituio interna. A importncia de Anaxgoras reside em ter ele afirmado um princpio inteligente como causa da ordem do mundo. Plato (Fd. 97 b) elogia-o por isto e Aristteles diz dele pelo mesmo motivo: "Aquele que disse: "Tambm na natureza, como nos seres viventes, h um Intelecto causa da beleza e da ordem do universo", fez figura de homem sensato e os predecessores, em comparao com ele, parecem gente que fala toa" (Met., 1, 3, 984 b). Mas Plato confessa a sua desiluso ao constatar que Anaxgoras no se serve do intelecto para explicitar a ordem das coisas e recorre aos elementos naturais, e Aristteles diz de maneira anloga (lb., 1, 4, 985 a, 18) que Anaxgoras utiliza a inteligncia como se se tratasse de um deus ex machina todas as vezes que se v embaraado para explicar qualquer coisa por meio das causas naturais, ao passo que nos outros casos recorre a tudo, excepto ao Intelecto. Plato e Aristteles indicaram assim, com toda a justia, a importncia e os limites da concepo de Anaxgoras. Contudo, permanecendo embora preso ao mtodo naturalista da filosofia jnica, Anaxgoras inovou radicalmente a concepo do mundo prprio daquela filosofia, 88 admitindo uma inteligncia divina separada do mundo e causa da ordem deste. 23. OS ATOMISTAS A escola de Mileto no findou com Anaxmenes; de Mileto provm ainda Leucipo (se bem que alguns escrapres antigos afirmem, ser de Eleia ou de Abdera o fundador do atomismo, que pode considerar-se o ltimo e mais maduro fruto da pesquisa naturalista iniciada com a escola de Mileto. Sabe-se to pouco de Leucipo que at foi possvel duvidar da sua existncia. Epicuro (Diels, 67, A 2) diz que nunca houve um filsofo com este nome; e esta opinio foi tambm retomada por historiadores recentes. Segundo testemunhos antigos, foi contemporneo de Empdocles e de Anaxgoras e discpulo de Parmnides. Os seus escritos devem ter-se confundido com os de Demcrito a quem se unira para indicar os dois fundadores do atomismo antigo. Demcrito de Abdera foi o maior naturalista do seu tempo. contemporneo de Plato, pelo qual, todavia, nunca foi nomeado. Ele prprio nos diz (fr. S. Dieis) que era ainda jovem, quando Anaxgoras era velho; o seu nascimento situa-se em 460-59 a.C.. Das muitas obras que tm o seu nome, e de que temos numerosos fragmentos, O grande ordenamento, O pequeno ordenamento, Sobre a inteligncia, Sobre as formas, Sobre a bondade da alma, etc., nem todas so, muito provavelmente, devidas a ele; algumas expem a doutrina geral

da escola. A fama de Demcrito como homem de cincia fez com que a sua figura fosse estilizada na de um sbio completamente distrado da prtica da vida. Horcio (Ep., 1, 12, 12) conta que rebanhos de gado devastavam, pastando, os campos de 89 Demcrito, enquanto a mente do sbio errava por stios remotos. Na partilha da rica herana paterna quis que a sua parte fosse em dinheiro e assim recebeu menos, tendo gasto tudo nas suas viagens ao Egipto e junto dos Caldeus. Quando o pai ainda era vivo, costumava recolher-se a um casinhoto campestre que servia tambm de estbulo, e aqui ficou uma vez sem reparar num boi que o pai l prendera espera de ele o levar ao sacrifcio (Diels, 68, A 1). O esprito levemente zombeteiro desta anedota desenha-o como o tipo do sbio distrado. Parece que Leucipo lanou os fundamentos da doutrina e que Demcrito, desenvolveu depois estes fundamentos quer na pesquisa fsica quer na pesquisa moral. Os atomistas concordam com o princpio fundamental do eleatismo de que s o ser mas decidem reportar este principio experincia sensvel e servir-se dela para explicar os fenmenos. Assim que conceberam o ser como o pleno, o no-ser como o vazio e consideram que o pleno e o vazio so os princpios constitutivos de todas as coisas.! Todavia, o pleno no um todo compacto: formado por um nmero infinito de elementos que so invisveis pela pequenez da sua massa. Se estes elementos fossem divisveis at ao infinito, dissolver-seiam no vazio; devem, por conseguinte, ser indivisveis, e por isso so chamados tomos., S os tomos so eternamente contnuos, os outros corpos no so contnuos porque resultam do simples contacto dos tomos e podem, por isso, ser divididos. A diferena entre os tomos no qualitativa como a das sementes de Anaxgoras, mas quantitativa. Os tomos no diferem entre si por natureza mas to somente por forma e grandeza. Eles determinam o nascimento e a morte das coisas pela unio e pela desagregao; determinam a diversidade e a mudana delas pela sua ordem 90 e pela sua posio. 1 Segundo a comparao de Aristteles (Met., 1, 4, 985 b), so semelhantes s letras do alfabeto; que diferem entre si pela forma e do origem a palavras e a discursos diversos dispondo-se e combinando-se diversamente. Todas as qualidades dos corpos, dependem, portanto, ou da figura dos tomos ou da ordem e da combinao deles, Pelo que nem, todas as qualidades sensveis so objectivas, quer dizer no pertencem verdadeiramente s coisas que se provocam em ns. So objectivas as qualidades prprias dos tomos: a forma, a dureza, o nmero, o movimento; ao contrrio o frio, o calor, os sabores, os odores, as cores so simplesmente aparncias sensveis, provocadas, certo, por especiais figuras ou combinaes de tomos, mas no pertencentes aos prprios tomos (fr. 5). Todos os tomos so animados de um movimento espontneo, pelo qual se chocam e ricocheteiam dando ou em ao nascer, ao perecer e ao mudar de coisas Mas o movimento determinado por leis imutveis. "Nenhuma coisa, diz Leucipo (fr. 2), acontece sem razo, antes tudo acontece por uma razo e necessariamente". O movimento originrio dos tomos, fazendo-os girar e chocar-se em todas as direces, produz um vrtice, do qual as partes mais pesadas so arrastadas para o centro e as outras so, ao contrrio, repelidas para a periferia. O seu peso, que as faz tender para o centro, portanto um efeito do movimento vertical em que so arrastadas. Desta maneira se formaram infinitos mundos que incessantemente se geram e se dissolvem.

O movimento dos tomos explica tambm o conhecimento humano. A sensao nasce da imagem (idla) que as coisas produzem na alma por meio de fluxos ou correntes de tomos que emanam delas. Toda a sensibilidade se reduz por isso ao tacto; 91 porque todas as sensaes so produzidas pelo contacto, com o corpo do homem, dos tomos que provm das coisas. Mas o prprio Demcrito no se satisfaz com este conhecimento, ao qual est necessariamente limitado. "Em verdade, diz ele, nada sabemos de nada, pois a opinio vem de fora para cada qual" (fr. 7). " preciso conhecer o homem com estes critrios: que a verdade fica longe dele" (fr. 6). E, com efeito, as sensaes de que deriva todo o conhecimento humano mudam de homem para homem, mudam at no mesmo homem conforme as circunstncias, pelo que no fornecem um critrio absoluto do verdadeiro e do falso (Diels, 68 A 112). Estas limitaes no respeitam, contudo, ao conhecimento intelectual. Ainda que sujeito s condies fsicas que se observam no organismo (Diels, 68 A 135), este conhecimento , todavia, superior sensibilidade, porque permite captar, para l das aparncias, o ser do mundo: o vazio, os tomos e o seu movimento. A onde termina o conhecimento sensvel que, quando a realidade se subtiliza e tende a resolver-se nos seus ltimos elementos, se torna ineficaz, comea o conhecimento racional, que um rgo mais subtil e alcana a prpria realidade (Demcr., fr. 11). A anttese entre conhecimento sensvel e conhecimento intelectual assim talhada como a que existe entre o carcter aparente e convencional das qualidades sensveis e a realidade dos tomos e do vazio. "Por conveno fala-se, diz Demcrito (fr. 125), de cor, de doce, de amargo; na realidade, h s tomos e vazio". Desta maneira, correspondentemente ao contraste entre aparncia e realidade, se mantm no atomismo o contraste entre conhecimento sensvel e conhecimento intelectual, no obstante a sua comum reduo a factores mecnicos; e ambos estes contrastes so inferidos do eleatismo. 92 O atomismo representa a reduo naturalista do eleatismo. Fez sua a proposio fundamental do eleatismo: o ser necessidade; ma