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NICOLAU DE CUSA. A Douta Ignorância [Fundação Calouste Gulbenkian]

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EDIÇÓES

DA FUNDACÃO CALOUSTE GULB

N

I

N

A O OU TA

IGNORÂNCIA

A D O U rA I G N O R Â N C IA

ISBN 972311024-5

 

: 2 ~  

Nicolau

deCusa

N ic ola u d e C us a

Fanclaçio

Calouste

Gulbenkian

ERVIÇO DE EDU CAÇÃO E BO LSA S

FU ND AÇÃ O C ALOUSTE GULBENKIAN

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A DO UTA IG NO RÂ NC IA

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Pormenor do monumento a Nicolau de Cusa

no seu túrnulo na Igreja de San Pietro in Vincoli, em Roma

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  \

  D O U T I G N O R N I

ico lau de usa

T r a d u f ã o i n tr od u fã o e n o ta s d e

Joã o M aria A ndré

SERVIÇO DE EDUCAÇÃO E BOLSAS

FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN

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Tradução do original latino intitulado

DE DOCTA IGNORANTIA

de

NICOLAU DE CUSA

baseada na edição bilingue da Academia de Heidelberg

na Felix Meiner Verlag

Reservados todos os direitos

de acordo com a lei

Edição da Fundação Calouste Gulbenkian

Av. de Berna / Lisboa

  3

INTRODUÇÃO

  Vida e obras

A 12 d e F ev ere iro d e 1 44 0 o C ard ea l a le mã o N ic ola u K re bs

con clu ía em C usa, su a terra n atal e qu e lh e da ria o nom e com qu e

p os te rio rm en te v ir ia a s er c on he cid o, a

redacção

da obra que m ais o

n ot ab il iz ar ia n os s éc ul os s eg ui nt es e c uj o t ít ul o, A douta ignorân-

cia, s e to rn ar ia e mb le má tic o c om o r es po sta ta nto a os d og ma tis mo s

q ua nto a os c ep tic ism os q ue jreq ue nte me nte a me aç am a a ve ntu ra

h um an a d o s ab er.

N ascido em 1401, nas m argens do rio M osela , tinha então

p erc orrid o já v ár ia s e ta pa s d a su a fo rm aç ão : a ed uc aç ão ju ven il

(o nd e p are ce n ão te r tid o lu ga r a jre qu ên cia d a E sco la d os Ir mã os

da V ida C omum , em D eventer, cen tro da espiritua lidade da

  devo t io

mode rna'  ),

a su a m atríc ula , em 1416, n a F ac uld ad e d as

A rtes da U niversida de de H eid elberg , a jreq uência d a U niver-

s id ad e d e

Pâdua

entre

1417

e

1423,

na qual obteve o grau de

  doctor decre to rum , e o estudo de F ilo sofia e de Teolog ia na

U niv ersid ad e d e

Colônia ,

onde contacta com o pensam ento de

R aim undo Lullo e de Hem érico de C am po que o hão -de in fluen-

c iar s igni fi cat ivamente

2

• Quando term ina a redacção do seu De

docta ignorantia, deixava ta mb ém pa ra trás a p artic ipaç ão no

C on cílio d e B asile ia , o nd e h av ia to ma do p osiç ão a o la do d os c on -

c ilia rista s e o nd e c on hec eu J oã o d e S eg óvia , a q ue m o vir ia a lig ar

u ma p ro fu nd a a miz ad e q ue a s d iv er gê nc ia s p os te rio re s s ob re o p ri-

m ado do C oncílio o u d o P apa n ão seriam sufic ientes pa ra p ôr em

causa, un idos q ue estavam num pro jec to ecu ménico com m uitos

 

Cf, tant o pa ra e ste s pormenore s quant o para uma panorâmi ca gera l da

vida de Nicolau de Cusa, a obra de Erich MEUTHEN,

N i ko la u s v on K u es , 1 4 01 -4 6 4.

Z k iz z e e i ne r B i b li o gr a p hi e , 7

a

ed.,Münster, AschendorfT, 1992.

2

Cf Eusebio COLOMER,

Nikolau s VOII Ku e s u n d R a imu n d L / u ll a u sH a n d s di r ft e n

der

Kueser

Biliothek,

Ber lin, Wal ter de Gruyter , 1961 e, do mesmo autor , o breve art i-

go, em português, Ni co lau de Cusa e Raimundo Lul a a tr avés dos manusc ri to s da

Bilioteca de Cusa ,

Re v i sta Por tuguesade

Pilosofia 15 (1959), pp. 245-251.

[V ]

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p onto s em comum', Da reflexão e c le s io l óg i ca e n tã o a p ro fu n d ad a

r es ul ta a o br a De concordantia catholica, n a q ua l o a u to r e x põ e

o s s eu s p o nto s d e v is ta n ão s ó s o br e a o rg an iz aç ão d a Ig re ja e a r ela -

ç ão d as d iv er sa s p ar te s d o c or po e cle sia l, m as ta m bé m s ob re a s r ela -

ç ões en tre a Igreja e o Im pé rio , tra ba lh an do m ate ria l q ue re ce be

s ob re tu d o d o

Defensor pacis

d e M ars ilio d e P ád ua .

O

aprofun-

d am en to d o co nc eito d e u nid ad e e d as su as im plic aç ões p rá tica s

le vá -lo -á , e ntr eta nto , a a br aç ar a p os iç ão d os p ar tid ár io s d o P ap a.

C on cluído , po is, em C usa, em 14 40, as referências incluídas

n a E p is to la o u ct or is p e r mi te m -n o s e st ab e le ce r q u e o De docta

ignorantia t er á s id o e s cr it o e n tr e 1438 e essa d ata . C om ife ito , é a í

d ec la ra do q ue a d ou t a i gn or ân cia lh e é in sp ir ad a n o m ar , d ur an te

u ma v ia ge m d e re gre sso d a G ré cia ; o ra , e m 1438 desembarcava o

C ardeal em ~neza , v indo de um a m issão a C onstantinopla, que

v isa va p re pa ra r u m c on cilio p ara a u niã o d a Ig re ja d e R om a co m a s

I g r ej a s Or i en ta i s.

N os a no s s eg uin te s c on tin ua a su a actividade e s pe c ul a ti va , d e

q u e r es ul ta rá , p o r u m l ad o , a s ua s eg u nd a g ra n de o b ra f il os ij 'u a ,

De

coniecturis, m ais m ar ca da p or u m a in sp ir aç ão c la ra me nte n eo pla -

tó nic a e p o r u ma m eta jis ic a d a u nid ad e o u, e m te rm os m a is r ig or os os ,

u ma h en olo gia , e d e q ue r es ulta rá t am bé m, p or o utr o la do , u m s ig ni-

fic ativ o c on ju nto d e o pú sc ulo s, e m q ue s ão aprofundados t em a s r e la -

c io n ad o s c om a t eo lo gi a n eg a ti va , c om a m e ta fí si ca d a l uz , c o m a fi li a-

çã o de D eus e C O m a hermenêutica b í b li c a , como o De deo abscon-

dito, o De quaerendo Deum, o De filiatione Dei, o De dato

patris luminurn, e o De genesi, t od o s e le s e s cr it o s e n tr e 1441 e

1 4 47 . D e di ca -s e t am b ém , e nt re ta n to , a i nv es ti ga ç õe s e e sp e cu la ç õe s

m a tem á ti ca s , c om o o m o st ra m o s e sc ri to s De transmutationibus

geometricis

e

De arithmeticis complementis.

N atu ra lm en te q ue a n ov id ad e e a o usa dia d as s ua s te se s, p o r

um la do , e, p or o utro ,

o

m odo com o se peifilava na linha de um

au tor co mo M estre E ckha rt, cuja s afirm aç ões, um século a ntes,

3

C[ NICOLA\J DE CUSA, A pa z da fé s e<~u i dad e C a rt a a J o ã o d e S e gó v ia , int. e

trad. deJoão Maria André, Coimbra. MinervaCoimbra, 2002.

[VI]

tinh am sido pa rcialm ente con dena das p elo P ap a Jo ão X XII, nã o

p od e ri am d ei xa r d e d es pe rt ar à s ua v ol ta

o

o lh a r c r ít ic o d o s a d v er s á-

rios. É ass im qu e, em 14 43 ,Jo ão ~ nck d e H errenberg , q ue po r três

o ca siõ es c he go u a s er r eito r d a U niv er sid ad e d e H eid elb er g, e sc re ve

u m t ex to i nt it ul ad o De ignota litteratura, q u e c on st it ui u m a f or te

c rític a à s p osiç õe s d e N ic ola u d e C usa n o

De docta ignorantia .

C o mo r es po sta a e ss e t ex to , s ur ge a Apologia doctae ignorantiae,

sob a f orm a de ca rta de u m d isc ípu lo a o utro d isc ípu lo , em qu e o

a u to r p r oc u ra dejenâer-se d as a cu sa çõ es q ue lh e s ão fe ita s, s ub li-

n ha nd o ta nto a s v irtu alid ad es d o m éto do d a d ou ta ig no râ ncia ,

c om o a le gitim id ad e d o p rin cíp io d a c oin cid ên cia d os o po sto s , e

e sc la re ce nd o q u e o s s e us a rg um e nt os e

o

s eu c on ce it o d e s er e d ef or m a

nã o o c o n du z em n e ce s sa r iam e nt e a o p a n te ísm o .

Se em 1449 N icolau de Cusa é nom eado C ardeal, em

1450, ano em que recebe

o

c ha pé u c ard in alicio e

o

títu lo d e

S. P edro in V incoli, é tam bém nom eado Bispo de Brixen, um a

d io ce se q ue lh e tra ria m uito s d issa bo re s n os a no s se gu in tes . M as

e ste a no é ta mb ém

o

ano em que

o

a uto r r ed ig e u ma te rc eir a o br a

f il os ij ic a d e g r a nd e f ôl eg o, c on st it uí da p o r q u at ro l iv ro s s ob a f or m a

p la tó nic a d o d iá lo go , e m q ue o p ro ta g on is ta , u m idiota (i letrado)

qu e dá o títu lo a e ste s e sc rito s e q ue v iv e d a s ua a ctiv id ad e d e a rte -

s ão fa bric an te d e c olh ere s, c on tr ap õe a su a s ab ed oria a o o ra do r

h um an ista fo rm ad o n os liv ro s e a o f iló so fo es co lá stico su je ito a o

p rin cíp io d a a uto ri da de s. D ois d es se s d iá lo go s a bo rd am p re cis a-

mente o c o nc e it o d e s a be d o ri a , o terceiro o conceito d e m ente e o

ú ltim o a va nç a c om a lg um as c on je ctu ra s e xtr em am en te in te re ss an -

te s s ob

o

p on to d e vista d a c iê nc ia e xp erim en ta l, re su lta ntes d as

e xp er iê nc ia s c om a b a la n ça .

• C[ E. VANSTEENBERGlIE,L e 'D e ig no ta litte ratu ra ' d e

[ean

W en(k de

H e rt e nb e tg . T e xt e i n êâ i t e t êtude,

Münster, AschendorfT, 1910.

; Sobre o Idiota, o concei to c us ano de sa be do ri a e a s ua a rt ic ul aç ão c om

out ro s a utores do humani smo rena sc en ti st a, cf Leonel Ribeiro dos SANTOS,

 Asabedoria do idiota , inJ . M. ANDRÉe M. ALVAREZGÓMEZ (Eds.),

Coincidência

d o s o p osto s e c o nrôrdia . C a mi nh os d o

pensamento

e m N ic oí au d e C u sa ,

Coimbra, Facul-

dade de Letras, 2002,

pp.

67-100.

[VII]

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O s a no s q ue se se gu em correspondem, por um lado, a um dos

per íod os m ais pertu rba do s d a vid a de N icoia u de C usa, d evid o às

d ifíc eis r ela çõ es q ue r c om o c ap ítu lo d a s ua d io ce se q ue r ec la m av a

u m o utro b isp o, q uer c om S eg is mu nd o d e Á us tria q ue re cla ma va o

s eu d ir eito s ob re a qu ela s te rr as , m as , p or o utr o la do , d ão -lh e o po r-

tu nid ad e p ara a ela bo ra çã o e o a pro ju nd am en to d e a lg un s d os tra -

ç os m ais o rig in ais d o se u m is tic ism o. A in da a nte s d e to ma r p osse

d a su a d iocese , em preend e um a viag em reformadora p or v ár io s

p on to s d a A lem an ha , Á ustria , F la nd re s e p ela s r eg iõ es re na n as ,

p or o ca siã o do Jub ileu. E ntra em B rixen em 1452, acentuando-se

de ta l m odo os con flito s que o P apa P io II (A eneas S ilv io) se vê

obrigado a cham â-lo a Rom a em 1458, p ara o r etir ar d aq ue le

a m bi en te h o st il. A pen as a s re la ções co m a com un ida de m on acal

d e T eg ern se e lh e p ro po rc io na m a lg um c on fo rto e é a tro ca d e c or-

r es po nd ên cia c om o p rio r d o c on ve nto , B er na rd o d e V V ttg in g, e c om

o abade Gaspar A indorffer que o estim u la à

r e d a c ç ã o

d e d ua s

d a s s ua s m a io re s o b ra s m ís ti co -fi losóficas

6

:

o De visione Dei' e o

De beryllo.

Tan to um a obra com o outra partem da exp loraç ão de um a

m etá fo ra , v is an do a s d ua s co nd uz ir a u ma a pro xim aç ão d a c oin ci-

d ên c ia d o s o p os to s. N o De visione Dei, e s cr it o em 1453, é um

íco ne do o lha r d ivin o, um ros to p inta do com tã o su btil ar te q ue ,

qualquer que se ja o ponto do qual é o lhado , parece ter sem pre o

o lh ar v olta do p ara o se u o bs er va do r, re aliz an do a o m esm o te mp o

m ovim en tos tão co ntrário s q ua nto o s m ovim ento s d os qu e n esse

qu ad ro fixam o s seus o lho s: co ns titu i-se a ssim um b om po nto de

p ar tid a p ar a a bo rd ar n ão s ó a lg un s te ma s c en tr ais d a te olo gia m is -

• Para essa troca de correspondência, cf E. VANSTEENIJERGIIE,Autour de Ia

docte ignorance ,

Bcilrà~~e zur Cesr hi ctn e der

Philosophie

de s

Mutelalters, XIV (1955),

1 07 -162. C f t ambém M. SCIIMIDT, Nikolaus von Kues im Gesprãch mit den

tegernseer Mõnchen über Wesen und

1 1 1 1 1

der Mys tik , Mitleihl/lge/1 und

Fo r sd l l ll l gs b e it r àg e d e r

Cusanus-Cesdls chaf t, 18, 1989, pp. 25-49.

7 Des ta obra existe já tradução portuguesa : NICOLAU DECUSA,

A visão de

Deus, trad.e introd. d e J oã o Mar ia André, 2' ed, Lisboa, Fundação Calouste Gul-

benkian, 1998.

[VIII]

tic a e d a c ris to lo gia , m a s ta m bé m q ue st õe s g no sio ló gic as e m eta fí-

s ic o- on to ló gic as d e p rim eir a im p or tâ nc ia e a in da p ro ble má tic as d e

n atu re za a ntr op oló gic a e é tic a, c en tr ai s n o p en sa m en to d o a uto r.

O

De beryllo, c on cl uí do e m 1458, c om p ar a o p rin cíp io d a c oin ci-

d ên cia a u m b erilo , p erm itin do c on ceb ê-lo a ssim c om o u ma le nte

p ara a n ossa v isã o m en ta l, a tra vé s d a q ua l se rá p os sív el n ão só v er

a c oi nc id ên ci a d o s c on tr ár io s n o s e xe m pl os d a s fi gu ra s g eo m ét ri ca s,

mas também a co incidência do inte lec to com a vontade e a uni-

-trin da de d o prin cípio de tud o, q ue é un idad e, ig ua lda de e n exo ,

m as que é tam bém m atér ia , form a e nexo .

É

a in da n es te m esm o

período e no ano em que redige o De visione Dei q u e N ic ol au

d e C usa , p reo cu pa do c om a s g ue rr as e a s p erse gu iç õe s re lig io sa s

subsequen tes à queda de C onstantinopla , escreve o De pace

fidei , u m d iálo go notá vel sob re a co ncórdia entre a s religiões ,

o nd e te rá su rg id o p ela p rim eira v ez a ex pre ssã o p az p erp étu a ,

que K ant uti lizará para títu lo de um a das suas obra s

lO

Datam

tam bém do m esm o ano tanto o De mathematicis complemen-

tis,

com o o

Complementum theologicum

e se, j á em 1450,

se tinh a ded icad o a o p ro blem a da q uad ra tura do círculo co m d ois

te xto s so br e es sa q ue stã o, e m 1457 volta ao m esm o tem a, com

o Dialogus de circuli quadratura e com o o De caesarea cir-

culi quadratura.

O s últim os se is anos da vida do C ardea l co rrespondem ao

seu período rom ano, em que N icolau desem penha as funç ões de

V ig ár io G er al d o E sta do P on tifíc io . T en do fe ito a ind a um a últi-

8 Cf

supra,

no ta 3 .

  Cf João Maria ANDRÉ, Plurali dade de cr enças e di ferença de cult u-

r as : d os fund amen to s f il os6 fi co s do e cumeni smo de N ic olau de Cus a ao s pr in -

cípios actuai s de uma educação intercul tural , i n: Anselmo BOHGES, Ant6-

n io Ped ro PITAe J oão Mar ia ANDRÉ(Ed s.)

-Ars in terpretandi - Diálogo e tempo.

H om en ag em a M ig ue l B ap tis ta P er eir a. Porto, Fundaç ão Eng.? A11I6nio de

Almeida , 2000, 451-500.

10

Cf Mariano ÁLVAREZ GÓMEZ, Hacia 105 fundamern tos de Iapaz per-

petua en Ia re1igi6n según Nicolás de Cusa , Ciudad

de

Dio s , CCXIV2 (1999), pp.

299-340 e IDEM, Consenso y verda d en Ia rel ig i6 n s egún N ic olás d e Cusa , in

Mariano ÁLVAREZ GÓMEZ (Ed.),

Plumlidad y

se n tid o d e I as rdigiol/cs, Salarnanca,

Ediciones Univers idad de Salamanca , 2002, pp. 47-72.

[IX]

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m a te nta tiv a d e re gr ess ar a B rixen , em 1460,fo i cercado no cas-

te lo de Buchenstein , a ca ba nd o p or se ren der a o cerco d e S eg is-

mundo .

A s su as p r eo cu p aç õe s e sp e cu la ti va s l ev am- no , n e st e p e r ío d o, a

escrevera l gun s d os se us tex to s m a is d enso s e i no v ad o re s. A ss im , c on -

t inua a ref lex ão sobre os t er mo s c om q ue s e p od e fil os of t a m en te

caracteriz a r o p rin cíp io de tod as a s co is as , a ce nt ua nd o- se , p or u m

lado, a in fluência de Proclo e do neop la ton ism o da Esco la de

C h ar tr es e , p o r o u tr o, a d o P se ud o- Dio nís io . E m 1459 esc reve do i s

opúsculos , o

De aequalitate

e o

De principio. O

p ri m ei ro t om a

co mo epíg raJe o v ers íc ulo d o 1

 

c ap ítu lo d o E va ng elh o d e Jo ão , u it a

er at lu x h om in um '  '; e o se gu nd o, d o m es mo e va ng elh o, a r esp osta

d e J esus

à

pergunta  Tu qu is es? : P rin cip iu m, q ui et loq uo r

vobis '  : Cont inuando

à

p ro cu ra d a f ór mu la m en os d esa de qu ad a

para ex pr im i r e s se p r in c íp i o, e sc re ve e m 1 46 0 o De possest, em q ue

a p ar tir d o c ruzam en to de posse  com  es t  p ro cu ra reJ o rm u la r o s

co nc ei to s d e a cto e p o tê nc ia n a s ua a plica çã o a D eu s e nq ua nto c oin -

c id ê n ci a d e opo st o s , e , em

1462,

o

De non aliud,

em q ue o in fi-

n it o é p e n sa d o, p o r i n sp i ra ç ão d i on i si a na , a p a rt ir d a d ia lé ct ic a e n tr e

a a lte rid ad e e a n ão a lter idade e q u e t em a p a rt ic u la ri da d e d e i nc lu ir

com o inte rlocuto r d o d iá lo go o p or tu guês F e rn a nd o M a r ti ns, clérigo

o riu nd o d e V íseu , Có neg o da S é d e L isb oa e M e stre em

Medic ina   .

E ntr et an to , a p re oc up aç ão c om a s o utr as rel ig iõ es n ã o é p o st a

d e l ad o e , po r isso ,fa z, no inverno de 1 46 0-6 1, u ma a ná lise m in u-

c io s a da r e li gi ã o mu ç u lmana, ex p os ta n um a o br a e m tr ês liv ro s in ti-

tulada

Cribratio Alchorani.

 Jo

1, 4.

 Jo 8 ,25.

13

É

este mesmo Fernando Martins que serve de intermediário

à

troca de

correspondência entre Paolo Toscanelli, amigo do Cardeal desde os seus estudos

em Pâdua, e Cristóvão Colombo, a propósito do empreendimento que este pro-

jectava e que viria a traduzir-se na viagem que o levaria à América. Cf, a este pro-

pósito, Antônio Domingues de Sousa COSTA, Cristóvão Colombo e o Cônego de

Lisboa Femando Martins de Reriz, destinatário da carta de Paolo Toscanelli sobre

os descobrimentos marítimos ,

Atrtolria/lum ,

65 (1990), pp. 187-276.

[X]

Finalmente, no ano de

1463,

i ni cia u m conjunto de tex tos

q ue c on stitu em , to do s ele s, u ma a bo rd agem serena e amadu rec id a

d os p rin cip ais te ma s tra ta do s n as o br as a nte rio res .

O

primei ro ,

to ma nd o co mo m etá fo ra e pretexto o j og o, e po r isso se in titu la

De ludo globi,

apro funda m ais um a vez o p rocesso de ascen são

do homem a Deus, m as J á-lo a partir de incurs ões nã o só a ntr o-

pológicas e é tic as , m a s ta m bé m g no sio ló gicas e cosmológicas. O

seg un do , reco rren do a u ma no va m etáfora , agora de inspiração

v en ató ria , c om pa ra o s eu p erc ur so e sp ec ula tiv o a u ma c aç a p e los

c am p os d a s ab ed or ia , s en do p os sível iden tif ic a r a lg u ns do s p r in c i-

p ais c am po s enu mera do s no De venatione sapientiae com os

t ít ul os d a s s u as o b ra s m a is s ig n if ic at iva s e o rig in ais. P or ú ltim o, em

14 64, escreve o s seu s d ois ú ltim os textos , c ujo s títu los indiciam

tam bém a consciência de um a cam inhada que se aproxim ava do

fim : o Compendium o f er e ce - no s uma sí nt es e d a s sua s prin cipais

te se s, n ão só n o q ue s e r efe re a o c on he cim en to , m as também no q ue

se r efe re a o p ap el d o h om em c om o su je ito e a os nom es de D eus que

co ntin ua m a furta r-se a q ualqu er fixa çã o p reci sa ; o

De apice

theoriae o fe re ce -se m es mo c om o o c um e d a s ua te or ia e o te rm o

d a sua ca minh ada , p ro po nd o a sub stitu iç ão d e tod os o s o utr os

no mes a va nç ad os p ara d esi gn ar D eus por um extremamente sim-

p l e s e s i gn if ica t ivo, posse ipsum, o P ró pr io P oder o u o P od er-e le-

- pr óp ri o, e ss a s il en c io sa f or ça d o

possioel  :

A 11 de Agosto de 1464, N ico lau de C usa morre em Todi,

n o d ecu rso de u ma via gem pa ra A ncon a , onde o se u a mig o e papa

P io II assis tia aos prepara tivos para a partida de uma nova

Cruzada . À cabeceira tinha não só o seu am igo desde os tempo s

d e P ád ua , P ao lo T osc an elli, m as tam bém o seu m édico e igual-

m ente seu am igo , o p ortu gu ês F erna ndo M artins. Se o corpo

fo i sepu ltad o n a Igreja de

S.

P ed ro in V incol i, de qu e er a c ar deal

  A expressão é de Heidegger (Sein IIIrd Zeit, § 76), mas não é dissonante

do próprio conceito de posse ip sum de Nicolau de Cusa, Cf, a e ste propósito, Peter

J  CASARELLA,Nicholas of Cusa and the Power of Possible , Am erica /l Ca tho líc

Philosophicoí Quarterly, 64 (1990), especialmente pp. 30-34.

[XI]

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7/25/2019 NICOLAU DE CUSA. A Douta Ignorância [Fundação Calouste Gulbenkian]

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titu la r, o seu co ra çã o, p or d isp osiç ão te sta men tá ria , re gre sso u a

C usa, sua terra natal, repousando na capela do asilo que m an-

dara construir e onde ainda hoje se encontra a sua riquíssim a

biblioteca.

2. Estrutura deA douta ignorância

A o bra q ue a go ra se a pre se nta em trad uç ão p ortu gu esa co ns-

titui u ma a utê ntic a

contracção,

para utilizar um a categoria

central do discurso filosófico do autor, na qual se concentram os

p rin cip ais m otivo s d o seu filo so fa r q ue, p osterio rm en te , o utro s

t ex to s v ir ão a ex pl ic ar e m d iv er sa s direcções, o ra d evid o a d ife -

r en te s s olic ita çõ es , o ra m otiv ad o p or n ov as le itu ra s, o ra im pe lid o

por outros e m ais originais aprofundam entos. D ivide-se em três

liv ro s, in te rn am en te a rtic ula do s n a s ua u nid ad e e n a c on ve rg ên cia

d os co nce ito s e m q ue se exp rim e a trip la rea lid ad e q ue a bo rd am .

O prim eiro pretende aprofundar o estudo do M áxim o absoluto ,

em si inominâvel , m as venerado com o D eus na relig ião de todos

o s p ov os . O segundo volta o olhar para o universo, de que o

M áximo absoluto é a causa e o princípio e que , existindo assim

fora da unidade desse M áximo de que provém , não pode subsis-

tir sem a pluralidade em que se apresenta , razão pela qual não

recebe, com o o prim eiro, a designaç ão de M áxim o absoluto , m as

sim de m áxim o contraído. F inalm ente o terce iro livro procura

en co ntra r o m ed ia dor en tre o p rim eiro m áxim o e o seg un do m áxi-

m o, e que, para isso, tem d e p articip ar sim ulta ne am en te d a n atu -

reza absoluta do prim eiro e da natureza contraída do segundo:

Je su s, sen do D eu s, é, por isso, absoluto , e , sendo homem , é por

i s so con tr a ído, e sta be le ce nd o-s e, p ois , c om o u nid ad e e u nific aç ão

d e to da s a s c oisas. N o aprofundam ento destes três tem as é todo o

u niv erso filo só fico d o a uto r q ue va i sen do a tra ve ssa do a o lo ng o d o

d is cu rso , e d ele g os ta ría mo s d e e vid en cia r a lg un s tr aç os c om o a be r-

tura ao seu pensamento e iniciação à le itura dos textos em que

s e e xp rim iu .

[XII]

3. Sentidos e dimensões da douta ignorância

E m prim eiro lugar, deve reter-se que, em bora dedicado ao

M áx im o a bs olu to , o q ue n o p r im eiro liv ro se e vid en cia é m ais o s ab er

m áxim o d a n ossa ig no râ ncia d o q ue u ma e xp la na çã o d o q ue se ja e sse

M áx im o a bs olu to . E é p rec isa me nte p orq ue, a p re te xto d o sa ber

d e D eu s, se o pera u ma in flexã o p ara o sa be r d o p ró prio sa ber (q ue

se revela um saber do não saber) que o pensam ento de N icolau de

C us a fo i já c on sid er ad o u ma fo rm a p ré via d a m eta físic a m od er na 15.

In icia -se a qu i u ma reflex ão so bre o su jeito e as p o ss ib il id a de s ( com

o s r es pe ctiv os lim ite s) d o s eu c on he cim en to q ue a lg un s p re ss en ti-

r am an te ci pa r D e sc a rt es , o utro s c on du zir a té

Kant

e o utr os a in da

vir a desem bocar em H egel e na sua noção de suje ito absoluto 18.

P arec e-n os, n o en ta nto , q ue a le itu ra d e u m a uto r, q ua nd o d em a-

s ia do c on dic io na da p elo p en sa me nto d e o utr os a uto re s p os te rio re s,

p od er á s ac rific ar e le me nto s q ue c on stitu em v erd ad eir am en te a s ua

e sp ec if ic id ad e, a s ua o ri gin al id ad e e a s ua r ad ic al id ad e.

E

a n ov i-

d ad e q ue s e p re sse nte n o a pro ju nd am en to q ue o C ar de al a le mã o f a z

d es te te ma , s e u ltr ap as sa e m m uito o s s eu s p re ce de nte s s oc râ tic os o u

augustin ianos, não pode tam bém enquadrar-se devidam ente no

a prio rism o tra nsce nd en ta l d e K an t o u n a su bjec tiv id ad e d o id ea -

lis mo a le mã o. C om efei to s ão m últip la s a s d im en sõ es q ue d efin em

e st a a ti tu de p er an te a c iê nc ia h um a na.

A douta ignorância , com o saber do não saber, com porta ,

em prim eiro lugar, um a dim ensão lógica e gnosiológica, m os-

trando com o o pensam ento do infin ito escapa às le is que m arcam

  C[ K-H. VOLKMANN-SCHLUCK,

  Die

Philosophie des Nikolaus von

Kues . E in e Vor fo rm de r n eu zei tl ich en Metaphys ik , An hi v fü r P hi lo so ph ie, 3

(1949),379-399.

  IDEM, Nicolaus Cusanus.

Di e

Phi losophie

im Ü bergall g d er M i ttelalter

zur

Neuzeit,

2. Auf, Frankfurt am Main, Vit to rio Klostermann , 1968, esp. pp. 174-190.

17

C( E. CASSInER,E I p ro bl em a del conocimiento el l I afilo softa

y

Ia s ciencias moder-

nas,

I, Buenos Aires, Fondo de Cul tur a Econômic a, 1 953, pp. 7 9-80 e t ambém M. de

GANDILLAC,

a ph i lo s o p hi e

de

Nicolas

de

Cues ,

Paris, Aubier-Montaigne, 1941, p. 149.

•• C( W SCIIULZ,

D er C ott de r n euze it li cn e« Metaplzysik ,

Pfullingen, Neske,

1957, pp. 11-30 e t ambém E. FRANTZKI,Nikolaus 0011 Ku es I lI Idda s Pr ob lem der ab s o -

lu ten S ub jeeti ív itã t, Meisenheim arn Gim, Antón Hain, 1972.

[XIII]

Page 11: NICOLAU DE CUSA. A Douta Ignorância [Fundação Calouste Gulbenkian]

7/25/2019 NICOLAU DE CUSA. A Douta Ignorância [Fundação Calouste Gulbenkian]

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a [initude d o n os so p ensar e tam bém o no sso pensa me nto d a fin i-

tu e . E la é m ar cada pela reg ra d a disproportio, se gu nd o a q ua l

n ao p ode hav er p ro po rção entre

o

f inuo e o i n fi ni to e, por isso , o

modo hu m ano de con hecer, qu e avança gradualmente, at ravés do

mé todo da proporção e da analog ia , do con hecido para o des co -

nh ec id o, não no s perm ite o acesso a um conhecim ento de D eus.

a

motivo tnísti co- teológico é, as sim , de terminante para a defini-

ç ão d a  d ou ta ig no rância? , Com ele, o a u to r i ns cr ev e- se n a tra -

di ç ão do primado da teologia negativa ou

apofâtica

d e i nf lu ê nc ia

dionisiana  so bre a te olo gia a firm ativa o u c ata fática , embora , em

ú ltim a a ná lise , nem sequer a teo logi a n eg at iv a, em s en tid o rig o-

ro so, se ja o m odo m ais adequado para o discurso sobre o d iv in o.

Como diz N icolau de Cusa, no Idiota de sapientia,  há um

m odo de considera r D eus, pelo qua l não lhe convém nem a afir-

m açã o, n em a negaç ão , m as, esta ndo ele a cim a de qua lquer afir-

m aç ão e n eg aç ão , a r es posta nega entã o a afirm açã o, a negaç ão e a

su a união? . Par ece ecoar aqu i a via eminentiae do P seudo-

-D ion ísio com o um a espéc ie de superaç ão da aporia en tre a teo -

l og ia p ositiva e a teo lo gia nega tiva, m as de u m m odo tal que, para

fic ar perman entemente salvaguardada a distância , e, como ta l

a po ssibil idade do discu rso, a n eg ação , lo nge de exp rim ir p riv a~

ção, ex prim e o exc esso e a pl en itu de a bso lu ta d e sen tid o. Nes te

contexto , N icolau de Cusa irá re cu pe ra r, p osteriormente , a noç ão

de um a

theologia serrnocinalis,

um a teo lo gia do d iscu rso ou

da f a la , uma teo lo g ia d i a l ó gi ca, qu e as s en t a p r e ci s amen te n a f orça

 9 C[ ]. STALLMACH, Der 'Zusammenfall der Gegensãrze ' und der

unen~hche Gott , in

]AKOBI (Hrsg.),

N ik o la us

VO Il

Ku es .

Eir ifi i lmmg ill se i/I

phi-

lo sop h isc hes D en ken , Freiburg/Míinchen , Karl Alber, 1979, pp. 69-73 e, do

mesmo STAlLMACll,

In e in sja l der Gegensd tze und W eishe it des

N ichuuisse n s.

Gnllldziige der Ph ilo sopliie des N iko /au s VO Il

Ku es ,

Münster, Aschendorff, 1989,

esp. pp. 19-36.

•• C[, a este propósito, a e xc elente tese de D.

Ductow  Th e Lear ned

Igllora ll ce : It s Svmb o lism, Log ic an d Po un da tions i /I D i o nysiu s l he A reopa g ile JollII Sc otu s

Eriugena an d N icho/as c f Cu sa, Bryn Maur College, 1974. '

21 NICOLAU DE CUSA, Idi ola de sapi ent ia, L. lI, H. V, n? 32 linha 14-17

p. 65. ' ,

[XlV]

d a p alav ra : Se d e vo m o s tr a r- te o con ce ito , qu e tenh o, de Deus,

é necessá rio que a m inha locuç ão , se te de ve servir, se ja tal que

a s s uas pa lavra s sej am sig nificativ a s, para que a ssim p ossa c ond u-

zir-te, n a f o rç a d a p ala vra, qu e é con hec ida pelos doi s, àq ui lo q ue

é pr ocurado . O ra o qu e é pr ocurado é D eus. Por iss o, a teol ogia da

fala é esta pela qual procuro conduzir-te a D eus pela fo rç a

da pa lavra do m odo ma is fá c il e ma is verdadeiro que po sso .

JJ22

E s ta t eo lo gi a d ia l óg ic a, p ela q ua l se s up era m a s lim itaç ões do dis-

curso po r negaçõe s, é simultan ea ment e uma teo logia e um a filo-

sofia do sím bolo e d a interpre tação, a sse nte n o m otiv o

paul ino  

qu e le va

o

au tor a decl ar ar n o c ap ít ul o 11 de A douta ignorân-

cia qu e todos o s n os so s d ou to re s m ais s áb io s e divino s es tiv era m

de acordo em que as coisa s v isí v eis s ão v er da de ir am en te im ag ens

d o i n vi sí ve l e que , a ssim ,

o

c ri ad or p od e s er c og n os ci ve lm e nt e v is to

p e la s c r ia tu r as como que num espelho e por

en igmas'í  ,

A p artir

daqu i a re flexão assum e a fo rma de um a symbolica investiga-

tio qu e, ap licada ao div ino , é sobretudo uma aenigmatica

scientia q ue p os tu la u ma a titu de p ro fu nd am en te in ierpre tatiua,

m as sem pre a ca ute la da p ela d istâ nc ia c rítica da dou ta ig norân -

ci a

JJ25

, que im plica um duplo sa lt o p o rm e n or izada mente teor i-

zado no capítulo 12 d es ta o br a.

22 IDEM, Id i ot a d e s a p ie n ti a, L. I, H. V, n? 33, l inhas 5-11, p. 66. Sobre a teoto-

gia sermo cin alis e a s s ua s raí ze s, cf Peter CASARELLA, i ch o/ as o f Cusa 's 17 leology of

Word , Vale University, 1992, pp. 87-144. C[ ainda, do mesmo autor,  Language

and

tll e% gia s er mo cinalis

in Nicholas ofCusa's

Idiota de sa p ien t ia ,

in:

Old and N eu /

i/I

th«

F iftee lltl l

C entur y,

XVIII, 1991, pp. 131-142.

D cf Co r 13, 12 . .C[ também Rm 1,20.

,. NICOLAU DE CUSA,

A dout a igtlorâtlcia,

L. I, c apo 11, n? 30,

illfra,

p. 22-23.

2>

Sobre a leitura do pensamento cusano como uma filosofia do símbolo

e da mterpretação incid iu particu larmente a nossa dissertação de doutoramen-

to enti do , simbolismo e interpre taç ão /10 d isc ur s o f i lo s óf ic o de Ni co lau de Cusa,

'ormbra, Fundação Caloust e Gulbenkian ]unta Nacional da Investigação

 

miEi a e Tecnológica, 1997. C[ também o nosso artigo de síntese La portée

de 1.1 pllllt soplue de Nicolas de Cues. La doc ta ignorantia en tant que philosophie

de 1'1111\'11'1 1;111011 , in: J  A. AERTSEN LI. V A. SPEER (Hrsg.) - Mi sce llanea

Mediur val «, X VI, IM Is ist P h il osophie im M itte la/ter? Berlin/New York, Walter de

ruy tcr, IC   I /H , 7 4-730.

[XV]

Page 12: NICOLAU DE CUSA. A Douta Ignorância [Fundação Calouste Gulbenkian]

7/25/2019 NICOLAU DE CUSA. A Douta Ignorância [Fundação Calouste Gulbenkian]

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alcance profundamente tera pêut ico, pr es su pondo a funç ão  pur-

gativa  que corresponde ao m om ento da

catharsis

da ascensão

dionisiana  . Mas, ao mesmo tempo que purifua o esp írit o d e p r e-

c on ce ito s e p re su nç õe s, a d ou ta ig no râ ncia   , sem significar re lati-

v ismo ou cepticismo, é o outro nome da tolerâ ncia e d o respeito

p e la l ib e rd a de d e re lig iã o e p ela d iferen ça d as culturas. N este sen-

tido, a obra escrita e m

1453, A paz da

fé,

é a indispensável

t ra du ç ão e m t er mo s é ti co -p olí ti co s d os princípios gnos io l ógi cos a f ir -

mados em A douta ignorância e em As conjecturas, de ta l

modo que, inserindo-se numa tradição ec um énica que vem de

10nge

30

, a bre o c am in ho p ara um co nj unto de tex tos rena scent is ta s

em que é central o m otivo da con cô rd ia . Po de, aliá s, co nsid erar-se

a d im en sã o a ntro po ló gic a da  d ou ta i gn or ância   como um dos

g ra nd es f un da m en to s d es sa t ra du çã o p rá ti ca e d as s ua s im plicações

éticas: é porque a natureza hum ana não pode ser encarada num a

p er sp ec ti va e st áti ca m as dinâm ica e, por iss o, plural, qu e a sua

relaç ão com Deus im plica nece ss ar ia me nte o r es pe ito pela

plural i -

d ad e d e ritos, com to da a fe cu nd id ad e im plícita n a ex pr es são  un a

rel ig io i n r it uu m v ar ie ta te 'í  :

O sign ifi cad o es té tico da  do u ta ignorância   torna-se tam bém

evidente quando nos dam os conta de qu e o saber do não sab er con -

du z naturalm en te, n os se us m últip lo s ca min hos, a uma scientia

laudis perante a beleza do mundo que exprim e a suma bele za do

Sublinhe-s e, no entanto , que a douta ignorância não diz

a pe na s resp eito a o n osso s ab er d as  coi sas div inas , mas atinge tam -

bém , como vere mo s a se gu ir, o s n osso s c on hecim en to s d o m un do

em pírico , e se a s n os sa s p ro po siç õe s, c om o sím bo lo s s ob re o d iv in o,

são enigmas, são, no que se ref er e a o c on he ci me nto e m g er al , c on je c-

tura , ou seja , a f ir ma çã o p os itiv a q ue p ar tic ip a, n a a lte rid ad e, d a

ve rdade ta l co mo ela é e é n es te se ntid o q ue a lg um a n eg ativ id ad e

car acter ís t ic a do

De docta ignorantia

n ão é c on tr ad it ór ia , m a s s im

complementar, c om a p os itiv id ad e r ec on he cid a a o d is cu rso h um an o

no De coniecturis , P or isso , a d ia léc ti ca i nerente a este saber do

n ão sa ber é u ma d ia lécti ca em que se c ruza um movim ento de redu-

ç ão tr an sc en de nta l, q ue d o c on he cim en to fin ito a sc en de à incem-

pr ee nsib ilid ad e d o in fin ito , c om u m m ov im en to d e d ed uç ão tra ns-

ce nd en ta l, em q ue d esse in co mp re en síve l fu nda men to ú ltim o· se

g an ha a co mp reen sã o d o fin ito em q ue ele se r e f l e c t e e e xp r ime .

Não é, n o e n ta n to , a pe na s e ste j o go e nt re a n eg at iv id ade e a

p os it iv id ad e q ue m a rc a a o rig in al id ade com que o Cusan o se a pr o-

pria do m otivo da douta ignorância  .

É

qu e, para além da

dim ensão gnosiológica re ferida, ela comporta igualm ente uma

dimensão õn t ic a , on t ol ôoi ca  e a in da a ntropo lógica, n a m ed id a em

qu e defin e o ser do hom em , na sua incomple tude, com o ser de dese -

j o i nt el ec tu a l, co mo c am in ho e ta rifa , com o abertura ao dom que

ne le se per faz.

A e st as d im e ns õe s o ut ra s p od er ão e d ev er ão s er a cr es ce nt ad as ,

c uja a ctu alida de é in qu estio ná ve l: é q ue a s im plic aç ões d a d ou ta

i gn o râ n ci a r g le c tem -s e i gu a lm e nt e n o p la n o étic o, n o p la no e sté -

tico e no plano pedagógico. N o p la no éti co, a  d ou ta i gn or ância   ,

pela s su as fo ntes e na s sua s múltiplas co nsequ ência s, im plica um

U

Cf J. RITIER,

Dotta

ignoranti a . Di e Th eo ri e des N ithuo is sens he i Nico laus

Cusanu s, Leipzig/Berlin, B. G. Teubner, 1927, pp. 85-95.

27

Cf

J. STALLMACII, nein sfo ll der Gegell sii tze und W eish eit des N id uwi sse ns.

Gnllldziige der P l ii losophie des Niko/aus VOII

Kues,

Münster, Aschendorff, 1989,

esp. p. 24.

 Cf.W. DUPRÉ, Von der dreifachen Bedeutungen der 'docta ignorantia'

bei Nikolaus von Kues ,

W isse n sdt ajt und W e/thi/d,

15 (1962), 264-276.

29 Cf M. L. FUEI mER, Purgation, illumination and perfection in Nicholas

of Cusa , Dow nside Revieio, 89 (1980), pp. 169-189.

,. Cf

Walter Andreas EULER, Gewohnheit ist kein Attribut Gottes: Die

Intention des Religionsdialoges bei Abaelard, Lu ll u nd Cusanus , in Kazuhiko

YAMAKI  Ed.), Ni cho/as of Cu sa. A Medi eva l Tl unker for th e Mo dern Ag e,

Waseda/Curzon International Series, 2002, pp. 153-166.

  Cf

o nosso texto Pluralidad de creencias

y

diferencia de culturas: de Ia

concordia renacentista a Ia educaci6n intercultural , in Mariano ÁLVAREZGÓMEZ

(ed.), Pluralidod y se nt id o de Ia s re/igiotleS , Salamanca, Ediciones Universidad de

Salamanca, 2002, pp. 167-198 e também, de nossa autoria, o t ex to  Coinci dentia

oppo sito tum, Co nco rdia e o sentido existencial da transs umptio em Nicolau de Cusa ,

inJoão Maria ANDRÉ e Mariano ÁLVAREZGÓMEZ (Eds.),

Co in cid ência

dos opos tos e

co ncôrd ia .

Ca minhos do pe nsame nto em Nico lo u de ClI sa, pp. 213-243.

32 NICOLAU DECUSA,

De pace

fidei  H. IX, n? 6, linhas 10-11, p. 7.

[XVI ]

[XVII]

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7/25/2019 NICOLAU DE CUSA. A Douta Ignorância [Fundação Calouste Gulbenkian]

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s eu a u to r . T rata -se , m ais um a vez, da in flu ên cia da e ró tica d ion i-

sia na q ue N ico lau d e C usa re pe te, n um d os seu s serm ões, n estes

termos: Tudo o que é é a p artir do belo e do bom , no belo e no bom

e a o b elo e a o b om reto ma'?'. O capítulo 13 do L ivro 11 d e A douta

ignorância,

in titulado a adm irável arte divina na criação do

m un do e d os e le me nto s é a c on clu sã o n atu ra l d e u ma scientia lau-

dis

q ue d esco bre, p ela d ou ta ig no râ ncia , qu e D eu s tu do crio u em

n úm er o, p es o e

medida  ,

e que o leva a exclam ar: Q uem , pois, não

a dm irará este a rtifice qu e se serviu d e u ma tal a rte n as esfera s, na s

e stre la s e n as r eg iõ es d os a str os , q ue , s em p re cisã o a lg um a, e sta nd o a

co nc ord ância d e to do s n a d iversid ade d e to dos, dispõ e, n um ú nico

m undo, a grandeza das estrelas, os lugares e os m ovim entos e or-

dena de tal m odo a distância das estrelas que, se cada região não

fosse co mo é, n em ela p od eria ser, n em esta r e m ta l sítio e ord en ad a

d aq ue le m od o, n em o p ró pr io u niv er so p od er ia s er? ,,36A fo nte d es ta .

b ele za e d es ta h ar mo nia , e ss e a dm ir áv el a rti fic e é , n o e nta nt o, u ma

p le nitu de tã o e xc ess iv a d e b ele za e d e h ar mo nia q ue e sc ap a a o n os so

o uv id o fin ito e lim ita do , le va nd o o a uto r a re co nh ec er : 'J 1s ce nd e p or

aqui ao conhecim ento de com o a harmonia m áxim a e com a m aior

lJ A sc ien ti a l ou di s, sendo teorizada especificamente com esta designação

na carta aAlberga ti (publ ic ad a po r G. von BREDOWem

Da s Verm iu htn is d es Nikolaus

VOII

Kues . Der Briej ali Nikolaus Alb ergali ne bst d er P re di gt ill

Monto l i ve t o

(1463) ,

Heidelberg, Karl Winter, 1955), é afirmada também explicitamente no D e v en at io ne

sap ienüae , onde o louvo r c on st it ui o quinto c ampo da c aça d a s ab edor ia e do qua l se

d iz (cap. 18, H. XII, n? 53, l in ha s 8 -10, p. 50): Dep re hendi igi tu r in hoe l audi s

campo sapidissimam scientiam consistere in laude dei, quae omnia ex suis laudibus

ad sui laudem constituit. . Sobre aa rticu lação entre  doera ignorantia ,  sacra igno-

rantia  e scientia laudis  cf.

P .

CASARELLA,

S ac ra ignorantia:

sobre Iadoxología filo-

sófica del Cusano , inJoão MariaAND~ e Mariano ÁLvAREZGÓMEZ (Eds.), Coin-

cidência dos

opostos

e

concôrdia: caminhos

d o p e nsam ento em

Ni colou

d e C u sa ,

pp. 51-65.

34

NICOLAUDE CUSA,

To la p u la a es a mic a mea [ se rm o d e

pulchrituâine),

edizio-

n e cr it ic a e int roduzion e d i G. Santinello, Padova, Societá Cooperativa Tipo-grá-

fica, 1959, p. 35. Sob re a tona lida de es té ti ca de todo o pensamento do autor, cf.

também G. SANTlNELLO,1 1 p en si er o d i N oc olõ C usa no n ella su a p ro sp ettiv a e stét ica,

Padova, Liviana, 1958, obra em que nas pp. 1-38 proce de a uma anál is e minu-

c iosa des te sermão do Cardeal a lemão.

 Cf. NICOLAUDECUSA,A dou ta igno rância, L. lI, capo13, n? 176, infra p. 125.

36 IDEM,

ibidem,

n? 178 , infra p. 126-127.

[XVIII]

p recisão é a p rop orç ~o na ig uald ad e, qu e o h om .em = ~ ão p od e

o uv ir n a c ar ne ' . E n o re co nh ec im en to d es ta in ac ess ib ilid ad e d a

fo nte d a b eleza q ue a estética cu sa na se cru za co m a d ou ta ig norâ n-

c ia , c om o s e a fir ma e xp lic ita me nte e m

A visão de Deus:

 Ora a

tua fa ce, S enh or, tem b eleza e este ter é ser. P or isso , ela é a ~e leza

absoluta , que é a forma que dá o ser a toda a forma bela. ~ face

e xc es siv am en te b ela , p ar a a dm ir ar a tu a b ele za n ão sã o s ufic ie nte s

to da s a s c ois as c om a s q ua is é d ad o o lh á-la. E m to da s a sfa ces a pa -

r ec e a f ac e d as f ac es d e m od o v ela do e e nig má tic o. N ão a pa re ce r ea l-

m en te a desco berto , e nq ua nto se nã o p en etra , p ara a lém d e to das a s

fa ce s, n um s ec re to e o cu lto silê nc io o nd e n ad a re sta d a c iê nc ia o u. d o

conce i to de f ac e. JJ38 P or qu e a b ele za n ão p od e s er r ep re se nta da o bje c-

tiva men te só n o silên cio e n a su a p le nitud e p od em os b eb er o s seu s

v es tí gio s, ~ um a t ra ns gr es sã o d e to da s a s fr on te ir as d o s ab er cientifico

e d as n os sa s r ep re se nt aç õe s d o m u nd o.

P or ú ltim o, a d o u t a ig no râ nc ia é e xtr em am en te fe cu nd a n as

s ua s i mp li ca çõ es p ed ag óg ic as . S e to da a fi lo so fi a c om eç a c om o e sp a~ -

to e a adm iração, toda a aprendizagem com eça com o reconh~a-

m ento da pró pria ig no râ ncia e do s lim ites d o sa be r. E ~tm .a

aplica-se ao discípulo porque se aplica antes de mais ao propno

m estre . T od os som os, o u d evem os ser, sujeitos d e u ma co nscien te

ig no râ nc ia , e n iss o to do s s om os ig ua is e n os d ev em os

= -:

nessa

ig ua ld ad e ra dica l d e q uem p ossu i u ma ra zão q ue sa be q ue n ao sab e.

A d im en sã o s ub ve rs iv a d a d ou ta ig no râ nc ia e s tá n es ta s ua m en sa -

g em d e li be rt aç ão: l ib er ta ç ão d e c er te za s f ei ta s, l ib e rt aç ã o d e d es ig u al -

d ad es tid as c om o n atu ra is, lib er ta çã o d a d is tâ nc ia e ntr e o m es tr e e o

  IDEM, ibidem , L. lI, capo 1, n? 93 , inf ra p. 67.

o

,. IDEM,

D e v is io ne D ei ,

Capo 6, H. VI, n? 20, li nhas 13-17 et n 21: l lIl ~as

1-4, pp. 22-23. É a consciência des te fundo  ind iz ível pa•.a q~e re~ete aqUio nus -

t ic ismo e st ét ic o que no s pe rmit e p en sa r numa ce rt a a proxlmaç ao ent re a expe-

riênc ia a rt ís tica e a experiênc ia religiosa e a redescobrir também aqUia actuahda~e

do pensamento de N ico lau d e Cus a, de modo a termos ten tado uma aprox irnaçao

c om alguma s d as a fi rmaçõ es de Mik el Duf renne no arngo que ~ubhcámos r~cen~

temente: Aa ctual id ade do pensamento d e N ico la u d e Cusa : a douta Igno r~ncl a

e o seu significa do h ermenêut ico , é ti co e e st ét ico , Revista Filosôfu« d e C o tm b ra,

mo

(2001), pp. 313-332.

[XIX]

Page 14: NICOLAU DE CUSA. A Douta Ignorância [Fundação Calouste Gulbenkian]

7/25/2019 NICOLAU DE CUSA. A Douta Ignorância [Fundação Calouste Gulbenkian]

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di sc ípulo qu e viv e da perp etu ação do discípulo com o condiç ão de

sobrevivência do m es tr e . A manuductio, o lev ar pela m ão os espí-

rito s ma is jovens, nã o assent a , ass im , numa pretensa posse de um

sa ber abso lu to , mas no rec onh ec im ento de que ele s p od er ão , d e m od o

or ig in a l, elev ar -se depo is ao s mai s a lto s m istérios in telectua is. E se

A douta ignorância

fa la de u m c on du zi r, co m se gu ra nç a, pela m ão

(manuductione indubitatal

? ,

já no De coniecturis n ão d ei -

xará de s e a r ti c ula r cl ar am e nt e e st a conduç ão dos m ais jovens com o

reconhecim ento da s p róp rias lim itaç ões de q uem os co nd uz. P or isso,

a í d irá p ri me iro o a ut or: ~ co lh e, p oi s, c om o m in ha s c on je ct ur as , e st as

d es co be rt as q ue a ba ix o exp on ho , e xt ra íd as d as p oss ib il id ad es d o m eu

m od est o e ng en ho , a tra vé s d e n ão p eq ue na m ed it aç ão , ta lv ez b as ta nt e

in ftriores à s m ai or es f ulg ur aç õe s i nt ele ct ua is , a s q ua is , e mb or a te ma

q ue p ossam se r d es pr ezadas por m uitos, devido à inépcia do meu

mod o de as comunicar , eu di stribuo, todavia, às m en te s m ais a lt as ,

com o se fo ssem al imento não de todo desa dequado a se r t r an s fo rmado

em ideias int electuais mais claras. E depo is acres centa:   É necessá-

rio , po rém , qu e atraia, como que guiando-os pela mão, os mais

jov ens, pr ivad os da luz da ex peri ência , à ma nifes ta ção da qu ilo qu e se

ocul ta, de ta l maneira que pos sam elevar-se gradualm ent e ao que é

m enos conhec id o.  41 E , já numa cl ar a a lu sã o a o s l im i tes d o s ab er, dirá

o

De visione Dei:  Tentarei, d o m od o m ais si mp les e c omum, con-

du zir-vos pela mã o (manuducere) dum a forma experienciáuel, at é

à mais sag rada ob sc u rid ade.  42 As sim , a manuductio fo z pa rte in te-

grante d o p roce sso dialógico em qu e a rela ção me s tr e -d i sc ípu lo  se

perfa z configurada pela  douta ig norân cia  .

  Cf , a p ropó si to d a actualida de d a dou ta ignorância na e . .periência edu-

cativa, João Maria ANDRÉ, Virtuali da des h ermenêu ti ca s d a ' dou ta ignorância' na

relação pedagógica ,

Ca de rn o d e F il os of ia s,

6(7 (Março de 1994), pp. 109-151. Cf

também

K

G. POPPEL,D ie d otta

ignorantia

d es N iro laus CUSa l II S als Bildun gs pr inzip .

Ein e piidadogisc lr e Untersu thu nç iib er de n B eg ri fJ d es W 1sse ns IlIId Nic litwisse ns, Freiburg,

Lambertus Verlag, 1956.

' NICOLAUDE CUSA,A do uta ignorâ nci a , L. I, capo 10, n? 29, p. 21-22.

  IDEM, De c on ie cturi s, L. I, Prologus, 11. III, n? 3 , l inhas 7-13 e n? 4,

linhas 1- 3, p. 5.

 IDEM, De visione Dei, H. V, n? 1, linhas 11-13.

[XX]

4. A douta ignorância e os nomes divinos

M a rc ad a, p oi s, p el a d ou ta i gn or ân ci a  , t od a a r ql ex ão d o p ri-

m eiro livro d esta o bra, que tom a com o motivo central o M áxim o

absoluto , nã o p od e d eixa r de cria r um p erm anen te d ista nda mento

[ ac e a os termos h um an os com q ue esse m áxim o a cab a p or ser caracte-

rizado. O De docta ignorantia é, deste m od o, o p rim eiro pa sso d e

u ma herm enêu tic a d os n om es d iv in os, p ro fu nd am en te in fl ue nc ia da

p el a o br a d o P se ud o- Dio nís io c om o já fo i re fe ri do , q ue só te rm in ará

com a últim a obra, o De apice theoriae. N es te p ri me iro te xt o n ão

h á, c om o e m o utr os t ex to s, u m n om e p riv ile gia do p ara d esi gn ar D eu s,

m as há um a abertura plural para os diferentes n om es q ue p os te rio r-

m en te v ir ão a s er t eo ri za do s. C la ro q ue p ar ec e e vi de nc ia r- se , a p ar ti r

d os p rim eiros ca pítu lo s, o no me de M áxim o a p on to d e algu ns intér-

pretes terem co nsiderad o este com o o m aior n om e d e

Deus?  ,

ma s

pen so q ue, nesta o bra, o conceito de M áxim o m ais q ue so bredeter-

m in ar o s o utr os c on ce it os , a ca ba p or se r so bre det erm in ad o, p or u m

lado , p el o c on ce it o d e c oi nc id ên ci a e , p o r o ut ro, p el o c on ce it o d e i nf i-

nito, se nd o s ob re tu do a i ns is tê nc ia n es se s t ra ç os q ue p er mi te e st ab ele-

c er a lg um a d em arc aç ão d o M áx im o

anselmiano   . O

Máximo, com

ef eito , é imedia tamen te c ar ac te rizado como aquele que é de um m odo

  Cf W. HOYE, Gott - Das maximum. Eine Untersuchung zur

Rangordnung der GottesbegrifTe in der Theologie des Nikolaus von Kues ,

71teolo gi e H ei/te, 74 (1984),

p

379.

••Alguns dos autores que mai s se e videnciaram na aproximação de Anselmo

foram:

K

FLASCII, D ie Metaphysik des E inen be i N ik o/au s VO II Ku es. Pr obl emgeschi-

chtlicne Stellu/lg un d systema tische Bedeutung, Leiden, E.J. Brill, 1973, pp. 161-168; H.

BLUMENBERG,

spekt e der E p oc henschw elle: Çusan er und No laner,

F ra nkfur t am Main,

Suhrkamp, 1976, pp. 40-42; e S. DANGELMAYR, ouese tke nntnis und Gott es begri.ff

ill

den

ph il o so ph isdu n

Sc hrften de s Niko/au s VOI I

Kues,

Meisenheim am Glan, Anton

Hain, 1969, pp. 64-65. Um dos autores que mais con tundentemente c ri ticou esta

aproximação foi J. HOPKINS em

A C on ci se Introdutti on to the Phi los opphy of N ichola s

of Cusa, Minneapolis, University of Minnesota Press, 1978, pp. 14-15 e notas

51-55 (pp. 163-164), e em Nicho/a s of

Cu sa 's

Dialec tica / M ysti cism .

Tex t,

Tiansia tion

a nd In terpr etatiue S tud y o f D e visio l1e Dei , Minneapolis, The Ar thur Banning Press,

1985, pp. 57-60. Cf também a este propósito, Mariano ÁLvAREz GÓMEZ,

 'Coincidentia opposi to rum' e inf ini tu d, codeterminantes de Ia idea de Dios

según Nicolás de Cusa ,

Ciudad de Dio s,

176 (1963), p. 671.

[XXI]

Page 15: NICOLAU DE CUSA. A Douta Ignorância [Fundação Calouste Gulbenkian]

7/25/2019 NICOLAU DE CUSA. A Douta Ignorância [Fundação Calouste Gulbenkian]

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t al q u e c om e le c o i nc id e o minimo , s up er an do a ss im to da a o po si çã o,

i nc lu in do e ss a o p os iç ão e nt re m á xi mo e minimo . A liá s, n a ca rta d o

a uto r q ue s e p u bl ic a c om o c om p le m en to

à

o br a, é ju sta me nte a c oin -

c id ên cia d os o po sto s q ue é a po nta da c om o te ma c en tr al d o p rim eir o

li vr o: M a s, n es te s [ mi st ér io s]

pro jundos

todo

o

n o ss o e n ge n ho

h um a no d ev e e sf or ça r- se p or s e e le va r à s im p li ci da de e m q ue c oin ci -

d em o s c on tr od itô rio s; é n iss o q ue tra ba lh a a c on ce pç ão d o p rim eir o

livro.

 47

N ão se p en se , n o e nta nto , q ue a c oin cid ên cia d os o po sto s ,

se ja m o s c on trá rio s o u o s c on tra ditó rio s (N ic ola u d e C usa rec orre

ta nto a u ma c om o a o utr a fó rm ula ), s e a pr es en ta c om o u ma b oa d ift-

nição d e D eu s. O utr os te xto s p oste rio re s, n om ea da me nte o De

coniecturis

e

o De beryllo, esforçar-se-ão

p or d em on stra r q ue

D eus não é a coincidência , m as se situa m esm o para lá da própria

co inc idênc ia , chegando a t é o De visione Dei, quando o d e fi ne c omo

  oposi ç ão dos

opostos'í ,

a situ â-lo p ara lá d o m uro d o p ara íso , q ue é

o m uro da coincidência , onde habita na sua inacessibilidade .

Curiosamente ,

o

c a pí tu lo d o

De visione Dei

e m q ue é i nt ro du zid a

a e xp re ss ão o po si çã o d os o po sto s é o q ue m a is r ad ic al me nt e a fir ma

a i ti ft ni tu de d iv in a, t en do j u st am en te c om o t ít ulo D e us a pa re ce c om o

a i nfi ni da de a bs olu ta e j az en do u m a c ur io sa

articulação

e n tr e a i ti ft -

n id a de e a i nom in a bi li da d e:  À in fin ida de n en hu m n om e p od e co n-

v ir . C o m i fe ito , t od o o n om e p od e te r u m c on tr ár io . M as à infinida-

d e i no m in áv el n ad a p od e s er c on tr ár io .

 50

A ss im , a c ar ac te ri za çã o d o

in fin ito co mo in fin ito e a su a

adjeaivação

com o infinito é a única

fo rm a d e m an te r a le gitim id ad e d os o utr os n om es , já q ue a qu ele c ujo

 C( NICOLAUDECUSA,A d O I/ Ia i g n orância, L. I, capo 4, n? 11, illfra p. 9.

•• C ( IDEM,ibidem, L. I, capo 16, nO43, infra p. 33.

 IDEM, ibidem,  Carta do autor , nO264, illfra p. 187 .

•• C ( IDEM,

D e v is io ne D e i,

capo 13, H. VI, n? 54, p . 4 6. Sobre o c on cei to d e

Deus como oppositio oppositorurn , cf W BEIERWALTES,Deus oppositio oppo-

sitorum (Nicolaus Cusanus De visione Dei , XIII) , Salzburger Jahrbl/chfür Philo-

sophie , 8 (1964), pp. 175-185.

•• Sobre ametá fora do muro da coinc idência, c f R. HAUIlST, Die erkennt-

ni st heoretische und rnyst ische Bedeut ung der 'Mauer der Koi nzidenz' ,

Miu ei lu n ge « u n d Forschullgsbeilr i ige der Cusanus-Cesetlschajt, 18 (1989), pp. 167-191.

511

NICOLAUDECUSA,D e v is io ne D e i, Capo 13, H . VI, n? 55 , l in has 7-9, p .4 7.

[XXI I ]

n om e é in fin ito é a qu ele q ue p od e ser ch am ad o c om to do s o s n om es,

sem ter, com o nom e preciso , nenhum desses nom es: Todos esses

n om es sã o n om es q ue exp lica m a c om plic aç ão d o ú nico n om e in ejâ -

velo E, p el o f ac to d e

o

n om e a pr op ri ad o s er i nf in it o, a ss im e le c om p li -

c a ta is n om es , e m n úm er o in fin ito , d e pefeições p a rt ic u la r es . P o r i ss o ,

p or m uito n um er oso s q ue se ja m o s n o me s q ue o e xp li ca m , n un ca s er ão

ta nto s e tã o g ra nd es q ue n ão p ossa m ser a in da m ais. Q ua lq uer u m

d es se s n om e s e st á p ar a o n om e p ró prio e in ifá ve l c om o o fin ito e stá

p ar a o in fi ni to .  31

N este contex to, a fecundidade do conceito de infin ito para

n om ea r, sem n om ea r, a d ivin da de m an ifesta -se n a p lu ra lid ad e d e

d e si gn a ç õe s a q u e

A douta ignorância

r ec or re . A ss im , p ar a a lé m d o

c on ce ito d e M áxim o o u d o co nce ito d e c oin cid en tia o po sito ru m ,

p od er ía m os a in da t ef er it ; n o p ri me ir o l iv ro ,

o

r e cu r so a o s c o nc e it os d e

u nid ad e ( qu e a tr av es sa o s c ap ít ul os 5 a 9), q ue lh e p er mite ig ua l-

m en te te ma tíz ar a s ua n atu re za tr in itá ria ju nta nd o- lh e o s c on ce ito s

d e ig ua ld ad e e d e c on ex ão .

M as o utro s n om es se vã o in sin ua nd o, e ntre tan to , n esta p ri-

m ei ra o br a fi lo só fu a d o a ut or .

É

a ss im q ue o c on ce ito d e

idem,

qu e

consti tuirá

o

n om e d ivin o a pro fu nâ ad o n o p eq ue no o pú scu lo

De

genesi, aparece aqui introduzido no m ovim ento pronom inal do

hoc para o id e do id para o idem, ou da unitas para a iditas e da

~ditaspara a identitas ,

A cr es ce nte -s e a in da q ue , e m

A douta ignorância,

n ão s ur ge

o n om e d ivin o N ão -o utro (non aliud), que só no diálogo que

fic ar á c on he cid o c om e ste títu lo , m as q ue te ria c om o títu lo o rig in al

Directio speculantis, a pro fu nd ará a o utra fa ce d o idem com a

d ia lé ct ic a i mp líc ita n a c at eg or ia d e

 in-finitus .

M as, e m co ntra -

p artid a, su rg em já o utr as c ar ac te riz aç õe s d o M áx im o ta mb ém c om o

SI IDEM,A d ou ta i gn orância, L. I ,capo25, n? 84, injra p . 60-1. Um do s p rime i- .

ros e studo s a c hamar a at en ção pa ra a impor tãn ci a do con cei to de inf ini to no p en-

samento de Nicolau de Cusa e a propor uma reinterpretação de toda a sua .f ilosofia

a parti r des ta categoria foi o de Mariano

Á L v A R E  z

GÓMEZ,

Die vo r bo r ge t le

Cegenwatt

de s Unendluhen bei Nikolaus VOIlKues, München/Salzburg, Anton Pus te t, 1968.

 C( NICOLAU DECUSA,A dOI/Iaigllorâllcia , L. I, capo9, n? 25, infra p. 19.

[XXIII]

Page 16: NICOLAU DE CUSA. A Douta Ignorância [Fundação Calouste Gulbenkian]

7/25/2019 NICOLAU DE CUSA. A Douta Ignorância [Fundação Calouste Gulbenkian]

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in fin ito q ue c on tê m im plícito s d ois d os n om es d ivin os m ais o rig i-

nais no discu rso c usa no : o

possest

e o

posse ipsum. O

que a

adopção d es se s d ois n om es tr ad uz é um a p r og r es si va s u bs ti tu i çã o ,

na definiçã» de D eus, do prim ado do esse p elo p rim ad o d o posse,

de tal m aneira que o posse ipsum, o p o d er -e le -p ró pr io , a ca ba p or

s ur gir n o d is cu rs o c us an o c om o s uc ed ân eo d o ipsum esse subsis-

tens,

a dopta d o, po r Tomás de

Aquino,

como nom e

diuino  ,

Q ua ndo, no capítulo

4

do Livro I, N icolau de Cusa diz do

M áxim o que ele,  send o tu do o qu e po de ser, é c om ple ta me nte e m

acto'í  , e stá a a tr ib uir -lh e u ma p le na c oin cid ên cia e ntr e p otê nc ia e

a cto , n ão a pen as e ntre a su a p otê nc ia e a su a a ctu alid ad e, m as m ais

rad icalm ente e de form a abrangente entre toda a potência ou a

po tên cia de todas a s c oisa s e a sua (d o M áxim o) actua lid ade . O ra

é

p re ci sa m en te e st e o s en ti do d a f ór m ul a possest q ue e le c ria rá e m

1 46 0 c om o n om e d iv in o. A a nte ce de r ta lfó rm ula e stã o p re cis am en -

te a s m esm as c on sid era çõ es: S en do a p otê nc ia e o a cto o m esm o e m

D eu s, e ntã o D eu s

é

em a cto tu do aqu ilo de que se pode verificar o

p od er s er. Com efeuo, nada po de ser q ue D eu s não seja em acto . 55

É

d es te s p r es su po sto s q ue o a uto r p ar te p ar a a s ua o rig in al e in ov a-

dora de s ignaç ão: 'J i dm it am o s q ue u m a e xp re ss ão s ig n if iq ue , c om s ig -

nificado s im p li ci ss im o , q u a nt o [ si gn if ic a ] e s ta e x pr e ss ã o c om pl ex a: 'o

poder é , p or o utra s p ala vra s, q ue o p ró prio p od er se ja . E p orq ue o

qu e é é em

acto,

e ntã o, q ue o p od er s eja é o m esm o que p oder ser em

ac t o. Chame - se

possest

N e le s ão c om p li ca da s t od as a s c o is as e

é

um

n om e d e D eu s b asta nte a pro pria do se gu nd o o c on ce ito h um an o q ue

d e le t em o s . É um nome que abraç a todos e cada um dos nom es e ao

m es mo tem po n en hu m.   56 S ab em os, en tr eta nto , q ue já n o fin al d a

su a v id a N ico la u d e C usa o pta rá p or u ma fó rm ula a in da m ais sim -

ples para traduzir a m esma ideia : C om preen di entã o que d evo

a dm itir q ue a h ip ós ta se d as c oisa s , i st o

é,

a subs i s tência ,

é

o p od er . E

p o rq ue p o de s er , s e m o p od er -e le -p ró pr io [posse ipsum] n ão p od e

s er . C o m o p od er ia s em p od er ? P o r i ss o, o p od er -e le -p ró pr io [posse

ipsum] sem o qual nada pode o que quer que se ja é aqu il o r e la t iv a -

m en te a o q ua l n ad a p od e h av er d e m ais su bsisten te. »st N o e nta nto ,

a o d es en vo lv er e sta n oç ã o d e posse ipsum o auto r m ais nã o fará d o

q ue t or na r e xp lí ci to a qu il o q u e j á e st av a v er da de ir am e nt e c om p li ca -

d o n a d efin iç ão d e M áxim o co mo o mn e id q uo d e sse p otes t a pre -

s en ta da e m A douta ignorância ,

O s tr ês ú ltim os c ap ítu lo s d o L iv ro I, abordando suce ss i vamen t e

o n om e de D eu s no q uad ro da teo logia ci fi rm a ti va , o s n om es a tr ib u í-

d o s p el os g en ti os a D e us e a t eo lo g ia n eg a ti va , c on st it ue m u m b o m e pí -

l og o p a ra a r ti fl ex ão s ob re o M á xi mo d es en vo lv id a d es de a s p r im e ir as

p ág in as , m as , s im ulta ne am en te , a o p o re m a q ue stã o d a n om in ab ili-

d ad e d iv in a, a bre m o c am in ho p ara u m fe cu nd o a prc fu nd om en to d a

n at ur ez a d a l in g ua g em q ue v ir á a s er d es en vo lv id a e m o b ra s p o st er io -

re s. C o m i fe it o,

é

j á a q ui e st ab el ec id o o p ri nc íp io s eg u nd o o q u al t od o s

o s n om es s ão im po sto s p or u ma c er ta s in gu la rid ad e p ró pr ia d a r az ão ,

e m v irtu de d a q ua l se fa z a d istin çã o en tre u ma c oisa e o utra e , p o r

isso,   o nd e to da s a s co isa s s ão u ma só, n en hu m n om e p od e se r a p ro -

pr iad o'í , C om pr ee nd e- se , a ss im , q ue o a uto r d ig a q ue q ua lq ue r u m

d es se s n o m es e st á pa ra o n o me p ró p ri o e i ni fá ve l c om o o fi ni to e st á pa ra

o i n fi n it o (J). M esm o a unidade, se p o r e la s e e nte nd e a lg o q ue s e o põ e

à

multiplicidade , é um nom e red uto r q ua nd o a plica do a D eus, pois

  pluraiidade e multipluidad e opõem-se

à

u nid ad e se gu nd o o m ov i-

m en to da razão . D aí qu e nã o conven ha a D eu s a unid ade, m as s im

57 IDEM, D e a pice th eoriae, n? 4, linhas 6-10, p. 119.

  Sob re o po ssest e o po sse ipsum como nomes divinos, para a lém do art igo de

P.CASARELLANicholas o fCusa and the Power o fthe Pos sibl e ,já anteriormente

citado, cf também A. BRÜNTRUP, Kiinllen und Se in . Der Zu sammenhang der

Spatenschriften

de s Nieolaus

VOI l Kues

München/Salzburg, Anton Pus te t, 1973, e

ainda   STALLMACII,

  Sein

und das Kõnnen-sel bst bei Nikolaus von Kues  .. in:

K

FLASCII(Hrsg.),

Parusia . S tu di en z lIr P hi loso ph ie P latons un d

ZIIT

Problemges ihictae de s

Pia ton i smus,

Frank fur t am Main, Minerva, 1965, pp. 407-421.

59

NICOLAUDE CUSA,A douta ig llorâllcia , L . I, capo 24, n? 74, in fra p. 55.

' IDEM, ibidem, capo25, n? 84, infra p. 61.

  Cf ToMAs

DEAQUINO,

Summa

tl/ eo lo gia e, I, q. 4, a ..2.

  NICOLAU DE CUSA,

A douta

ignorância , L. I , capo 4 , n? 11, infra , p. 9. Cf

também, do

I, capo22 , n? 68, injra p. 50-51, onde o ser em acto tudo o que pode

ser é traduzido pelo conce ito da complica tio divina.

55 NICOLAU DECUSA,

De

possest, H. Xl2 n? 8.

56 IDEM,

ibid em ,

n? 14, linhas 3-10, pp. 17-18

[XXIV]

[XXV]

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7/25/2019 NICOLAU DE CUSA. A Douta Ignorância [Fundação Calouste Gulbenkian]

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a u n id a de à q ua l n ão se o po nh a a a lte rid ad e, a p lu ra lid ad e o u a m ul-

tiplicida de. E ste é o no me m áxim o qu e com plica to das as co isas n a

s im plic id ad e d a su a u nid ad e, é este o no me inefável e qu e está acim a

de toda a intelecção.í  Ess e no me m áxim o é-o p orqu e sign ifu:a um a

p le ni tu de e xcessi va d e s en ti do , se nd o , p o r i ss o, a c on d iç ã o d e p o ss ib il i-

d ad e do n om e de to da s a s c oisa s e o sentid o qu e em to do s os n om es se

exprim e e exp lica d e u ma form a p lu ra l, com o se depreend e do pa sso

s eg u in te d o De filiatione Dei:   P or ta nto , c on vé m q ue s up on ha s q ue

o u no , q ue é o p rin cíp io d e to da s a s c oisa s, é in efá ve l n a m ed id a e m q ue

é o p rin cíp io d e to do s o s e fá ve is. T ud o a qu ilo q ue se p o de e xp rim ir n ão

e xp rim e o in efá ve l, m as to da a e xp re ss ão d iz o in efá ve l. O u no , o p ai

o u o g era do r d o V érb o é , c om e fe ito , tu do a qu ilo q ue é d ito e m q ua lq ue r

p ala vr a, sig nific ad o e m q ua lq ue r sin al e a ss im su ce ss iv am en te. 11 62

N este s en tid o, a im pr ec is ão q ue c ara cte riz a to do o n om e c om q ue p re -

t en da mo s d es ig na r D eu s r ep er cu te -s e ta mb ém n um a c er ta i mp re ci sã o

de tod a a ling uag em , n a m ed id a em q ue tod as as pala vras p ro curam

e xp rin :ir o in ex prim ív el q ue , e nq ua nto ta l, e sc ap a a to da e q ua lq ue r

te nta ti va d e f ix aç ão li ng uí st ic a o u c on ce pt ua l, r ev el an d o- se t am b ém

aqui, mais uma vez, o a lc an ce p ro fu nd o d a d ou ta ig no râ nc ia 11 63 .

5. O

universo, a natureza. e as concepções cosmológicas de

Nicolau de Cusa

D o seg un do livro d e

A douta ignorância,

t rê s t em a s m e re cem

a n os sa p ar ti cu la r a te nç ão : a c on ce pç ão s is té mi ca e o rg ân ic a d o u ni -

v er so , a c on ce pç ão d in âm ic a d e n atu reza e a s in tu iç õe s c osm oló gic as

d o s ú lt im o s c ap ít ul os.

61

IDEM,

ibidem ,

capo 24, na 76 ,

infra

p. 56.

62

IDEM,

De filia tione Dei ,

capo 4, H. IV ; na 72, linhas 1-6, p. 54 .

sa

Sobre a filosofia da linguagem subjacente ao misticismo cusano cf.

K-O.

ArEL,  Die Idee der Sprache bei Nikolaus von Kues ,

Ar chi v für Beg riff ige schichte,

1 (1995),

p~.

200-221. Cf. também Hans Gerhard SENGER, Die Sprache de r

~etaphyslk ,

111

K (Hrsg.), op. cit., pp. 74-100; cf ainda João Maria ANDRÉ,

O

problema' da linguagem no pensamento filosófico-t eol óg ico de NicaJau de

Cusa ,

Revis ta Pilosô jica d e Co im b ra ,

II/4 (1993), pp. 369-402.

[XXVI ]

A c on ce pç ão d o u niv er so p re ss up õe , c om o b em s ub lin ho u já h á

muito

H.

R om ba ch , a tr an siç ão d e u ma o nto lo gia d a s ub stâ nc ia p ar a

u ma o nto lo gia d a

reiação ,

e é p or isso que, por um lado, ele é defi-

n id o c om o u nid ad e d a m ul ti pl ic id ad e ( u niv er so s ig nif ic a u ni ve rs a-

lid ad e, o u se ja , u nid ad e d e m uita s c ois as

65

)

e, p or outro, é definido

como contracção do M áxim o, de tal m aneira que é uma espécie d~

in te rm ed iá rio e ntr e a u nid ad e d o M áx im o e a p lu ra lid ad e d as c oisa s

e xiste ntes . A ssim , o u niv ers o é r ela cio na lid a d e p le na , u nific an do ,

n ess a r ela cio na lid a d e, a p lu ra lid ad e d e tu do o q ue e xiste, q ue r n o q ue

s e r ef er e à r ec ip ro cid ad e q ue s e e sta be le ce e ntr e a s c ois as e xis te nte s,

quer no que se refere à re la çã o e ntr e o c on ju nto d os e nte s f in ito s e o

seu princípio fundante. C ontraindo, na sua unidade, a unidade

do M áxim o, exprim e essa mesma unidade na contracção que cada

ente em si rea liza , tanto da plenitu de m áxim a, co mo da rea lida de

fin ita d e to do s o s o utr os e nte s. T od a e sta c on ce pç ão d o u niv ers o e stá

a ss im m ar ca da .p elo r ep en sa me nto e a pro ju nd am en to d e f ra gm en to

d e An ax ág o ra s évnavr} navr6ç recorda do log o no in ício do

capítulo

5:

  S e con sideras com a gu deza o qu ejá fo i d ito, nã o te será

d ifícil ver o fu nd am ento de verd ad e d aq uela frase de A na xág oras

'q ua lq ue r c ois a é e m q ua lq ue r c ois a', ta lv ez a in da m ais p ro fu nd a d o

qu e o próp rio A naxá go ra s p ensou. Com efeit o, s en do m an ij es to ,

s eg u nd o o l iv ro p ri me ir o, que Deus é em todas as coisas de um m odo

ta l q ue tod as sã o n ele, e co nsta nd o a go ra q ue D eu s é em tod as as coi-

sas como que mediante o universo, daí resulta que tudo é em tudo e

q ue q ua lq ue r c oisa é e m q ual qu e r c o is a. 11 66 A s c on se qu ên ci as q ue , c om

N icolau d e C usa, da qu i po dem ser retira da s são p ro fu nd as e extre-

m am en te a ctu ai s: no ser con creto de cad a en te se co ntra em tod os o s

outros entes no que são, no que f oram e no que serão, como se con-

trai o p ró prio pa ssad o e o p ró prio fu tu ro d esse m esm o en te. Pode,

pois, d izer-se que o mundo de Nicolau de Cusa não é um aglome-

  Cf. H. ROMBACH, Substan z,

sy st em u nd

St ruh tu t:

D ie Gnt% gie des

Funk tionali smu s und der p h il os o ph is ch e H i nt er pr un d der m odern en W isse nsthaft,

I,

Freiburg/München, 1965, pp. 173-179.

 NICOLAU DECUSA,

A d o ut a i gn o râ nc ia ,

L  Il, capo 4, n

0

115,

infra

p. 82.

66

IDEM,

ibidem ,

L  lI, capo5, n? 117,

infra

p. 83.

[XXVI I ]

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7/25/2019 NICOLAU DE CUSA. A Douta Ignorância [Fundação Calouste Gulbenkian]

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rad o de in divíd uos tom ad os na su a a tômica singularidade , m as li ma

t ei a d e r el aç ões, em que tudo tem a ver com tudo, como o p ostu la a

p ró pri a m et áf ora d o o rg an is mo  com que o autor reescreve a sua

p e rs p ec t iv a s i stémicc  . E st e p ar ad ig ma r el ac io na l, r ev is it ad o n o fi na l

d o s é cu lo

XX ,

coloca-nos , p oi s, n a ó rb it a d o p en sa me nt o h ol is ti co q ue

caracteriza o p arad ig ma qu e vai em ergind o ta nto na B iolog ia , com o

n a F ís ica , n a Q uím ica ou n a A ntrop olog ia

G

Esta concepç ão relaciona I e sistém ica repercute-se num a

c on ce pç ão t am bé m el a p r of un da me nte d in âm ic a d e n at ur eza , d es en -

volvida sob um a m arcada influência da E sco la de C hartres na sua

reinterpretação

q ue r d os m o ti vo s d o n eo pl at on is mo , q ue r d os p ró pr io s

p ri nc íp io s d a Física de Ar is tót e le s . Ta l c on ce p ção é fundamen ta lmen -

t e i nt ro du zi da n a e xp lo ra çã o d as v ár ia s c at eg or ia s a tr av és d as q ua is s e

e xp lic ita a t ri nd ad e d o u ni ver so q ue, c on tr ai nd o a tr in da de d iv in a, s e

transjorma

n eo pl at on ic am en te , e m t eo fa ni a. P os si bi li da de , n ec es si -

d ad e d e co mp le xã o e n ex o, p or u m l ad o, p ot ên ci a, a ct o e m ov im en to ,

p or o ut ro la do e , a in da , m até ria , fo rm a e e sp ír it o d o u niv er so , sã o c on -

c ei to s q ue v ão p er mi ti nd o a o a ut or d es en vo lv er a s ua p er sp ec ti va d in â-

m ic a d a n atu re za q ue a ca ba p or d efi ni r c om o a u niã o c om pli ca tiu a d o

m ovim ento descensivo da fo rm a p ara a m atéria co m o m ovim ento

a sc en si vo d a m a téria para a form a, ou seja , o m ov im en to d e c on ex ão

da potência com o acto: E , assim , da sub ida e da descida , su rg e o

m ovim ento que liga am bas. Este m ovim ento é o m eio de conexão da

po tência e d o acto, po rq ue d a p ossib ilid ad e d o m óvel e d o m otor for-

m al surge o m ovim ento en qu anto in term ed iá rio. E ste espírito está

  IDEM, ibidem , L. lI, capo 5, n? 121, in jra p. 86.

•• C[ João Maria ANDRÉ, Da mística renascentista à racionalidade c ie nt í-

fica pós-moderna (a propósito da articulação entre Ciência, Filosofia e M isticismo

em Nicolau de Cusa) ,

Rev ist a F iloscific ade

Coimbra,

rv{7

(1995), esp. pp. 89-91. C[

também W. STROI3L, EI pensamiento de Nicolàs de Cusa

y

Ias ciencias contem-

poraneas , in Nic olàs de ClIsa el l e l V Ce ut enario de Sl l m u ene (1464-1964), Madrid,

Inst it uto Luís Vives de Filosofia, i967, pp. 99-106.

., C[ M. B. PEREIRA,Mo demidade e temp o, Para L Ima le itu r a do d is curso m o derno,

Coimbra, Livr ar ia Minerva, 1990, pp. 216-234, e a ind a, do mesmo autor  Do bio-

centrismo à bioéti ca ou da urgência de um paradigma holístico , Revi st a F i losc ificade

Coimbra,

III (1992) , pp. 5-50.

[XXVI I I ]

difuso e co ntraído po r tod o o un iverso e p or cad a um a das su as p ar-

tes e cham a-se natureza. P or isso, a na tureza é, de a lgum m odo, a

c omp li ca ç ão d e t od a s a s c o is as q u e a co n te ce m a tr av és d o mo vim en to .

1170

Se o qu e a qu i se insin ua é a in da a ideia aristo télica de q ue a na tu -

reza é um princíp io e um a causa de m ovim ento e de repouso para a

co is a e m q ue el a re sid e i me dia ta me nte c om o a tr ib ut o e sse nc ia l e n ão

aciâentai ' ,

é já tam bém o p ar de con ceito s

complicatio/explicatio

e a id eia de q ue a na tu reza,

à

imagem de Deus, é do mesmo modo e

s im u lt an ea m en te c om p li ca çã o e e xp li ca çã o: c om p li ca çã o, c om o f o i r e-

j er ido d e t ud o o q ue a co nt ec e a tr av és d o m ov im en to , m as ta mb ém e x-

p li ca çã o, p elo m ov im en to , d e t ud o o q ue c on té m c om pli ca ti ua me nte ,

o u s eja , a n atu re za e xp lic a o

posse fieri

d o m un do se gu nd o a s ra zõ es

do in te l ec to

divino  ,

A cr es ce a in da q ue t od a e st a c on ce pç ã o d in âm ic a

d a n atu re za , n o c on te xt o d o p a ra di gm a a nim is ta e m q ue s e in sc re ve ,

lhe intro du z um víncu lo a mo ro so d e qu e resulta u m co sm os h arm ô-

n ic o, p ro po rc io na l, o u s eja , n o se u s en tid o e ti mo ló gi co , b elo : E e st e é

o m ov im en to d a c on ex ão a mo ro sa d e to da s a s c oi sa s p ar a a u nid ad e,

de m od o que de tod as as coisa s surja u m u niverso

unoí :

Também

t od a e st a p ers pe ct iv a s e a rti cu la p ro fu nd am en te c om a lg um as v isõ es

a ct ua is d a n atu re za , p erm it in do in cl us iv a m en te a ex plo ra çã o d o p ar

d e c on ce i to s complicatio/explicatio M o só alg um pa ra lelism o com

ce rta s i de ia s q ue tê m v in do a se r a pr ese nt ad as p or d et erm in ad os fí si -

co s, c om o D av id Bohm  , m as tam bém a lg um a con vergên cia com

d et er mi na da s t es es d e u m c er to e vo lu ci on is mo c ri st ão  .

,. NICOLAU DECUSA,

A douta igno rância,

L. lI, capo 10, nOs 152-153, injra

p. 109-110.

71 MISTÓTELES,

Pky sica,

L. lI, capo 1.

n C[ NICOLAUDE CUSA, De vcnatioll e sapientia e, capo 4, H. XII, n? 10, linhas

12-15, p  13.

73

I D EM , A d ou ta i gn o râ n ci a,

L. lI, capo10, n? 154,

infra

p. 110.

,. C[ David BOHM,

L a t ot al id ad

y

el

ord en

implicado,

t rad. cas to de J.

Apfelbaume, Barcelona, Kairós, 1988, esp. pp. 19-43 e 240-295.

7S

C[

R.

HAUBST, Der Evolu tionsgedank in der cusan ischen

Theologie ,

in IDEM, Streifziig« in die cusanische Theologie, Münster , Asc hendor ff , 1 991 ,

pp. 216-239. C[ também S. SCIINEIDER, Cusanus als Wegbere iter der neuze i-

tlich en Naturwissenschaft , Miuei tunge« u nd F orscllllllgs b ei tr ii ge d er C L lsallLls-

-G esell sc llajt, 20 (1992), e sp . pp. 210-217.

[XXIX]

Page 19: NICOLAU DE CUSA. A Douta Ignorância [Fundação Calouste Gulbenkian]

7/25/2019 NICOLAU DE CUSA. A Douta Ignorância [Fundação Calouste Gulbenkian]

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É p re ci sam en te a p a rt ir d a s c o nc ep ç õe s m e ta fí si ca s s ub ja ce nt es à

sua visão d o un iverso e d a n atureza qu e N icolau de C usa avan ça, no s

ú lt im os c ap ít ul os d o s eg un do l iv ro , u m c on ju nt o d e i nt ui çõ es c os mo ló -

g ic as q ue v ir ão a r ev el ar -s e d ec is iv as n a g e st aç ão d a n ov a v is ão d o m u n-

d o q ue v ir á a im po r- se s ob re tu do a p art ir d o s éc ulo X VI I. A o a va li ar

o a lc an ce d es sa s i nt ui ç õe s é n ec es sá ri o, n o e nt an to , a c au te la r t rê s a s p ec -

t os q ue n os p ar ec em i mp or ta nt es : e m p ri me ir o l ug ar , e ss a v in cu la ç ão à

i ns pi ra ç ão mC st ic o- te ol óg ic a q u e a s s up o rt a; e m s eg u nd o l ug ar , a n o vi -

d a de q u e, e m d e te rm i na d os a sp ec to s, a s c ar ac te ri za ;f in alm en te , e m t er -

c ei ro l ug ar , a s l im it aç õe s c om q ue s ão fo rm ul ad as e , p or i ss o, a d is tâ nc ia

q u e a in d a a s s ep a ra d a r ev o lu ç ão c o smo ló g ic a d o s s éc ul os s eg u in te s.

Q ue h á u m a d ep en dê nc ia i nc on te st áv el e nt re e st as i nt ui çõ es e a s

c on ce pç õe sf il oS óf tc as d es en vo lv id as a o l on go d o s eg un do l iv ro é o q ue o

p ró pr io t ít ul o d o c a pí tu lo 11j á d ei xa c la ram en te e st ab el ec id o:

 corolâ-

rio s sob re o m ovim ento . T ud o é, p ois, introd uzido nestes term os:

  Sa bem os ago ra p or elas que o un iverso é trin o e q ue na da há n o un i-

v ers o q u e n ão s ej a u n o p el a p otê nc ia , o a ct o e o m ov im en to d e c o ne xã o,

e q ue n en hu m d ele s po de su bsi sti r d e m od o a bso lu to se m o o ut ro , d e ta l

m an eira q ue n ec essa ri am en te e le s e st ão em t od as a s co is as se gu nd o

g ra u s mu it o d iv er so s r

E

não se chega em a lg um género, m esm o de

movimento, ao máximo e ao mín imo de m odo simples. Por isso, é

im possível que a m áquina d o m un do ten ha esta terra sensível, o ar, o

f og o o u q ua lq ue r o ut ro e le me nt o c om o c en tr o f ix o e i mó ve l, c on si de ra -

d os o s v ário s m ov im en to s d as es fe ra s. N ão se c he ga , p ois , a o m ín im o

d e m od o si mp le s, c om o o ce ntr o fi xo , p orq ue é n ec ess ár io q ue o m ín i-

m o co in ci da c om o m áx im o. JJ76 E, l og o a s eg ui r, o d es ap ar ec im en to d a

e sf er a d as e st re la s[ ix as é a pr es en ta do n es te s t er mo s: c om o n ão é p os -

sível q ue o m und o seja f ech ado entre u m centro corpóreo e um a cir-

c un fe rê nc ia , o m u nd o é i ni nt el ig ív el e o s eu c en tr o e c ir cu nf er ên ci a s ão

Deus .

»n

T en do e m c on ta e st a c on te xtu ali za çã o, n ão p od em os d eix ar

d e re co nh ec er , n o e nt an to , q ue é u m p asso g ra nd e a qu ele q ue é d ad o n a

p as sa ge m p ar a a c os mo lo gi a m od ern a e nq ua nt o p ass ag em d o m un do

76 NICOL AU DE CUSA, A d ou Ia ig llorância , L. 11,capo 11, n? 156, illfra p. 112.

n·IDEM, ibidem,illfra p. 112-113.

[XXX]

f ec ha d o a o un iv er so i nf in it o , c omo a c ar ac te ri zo u A .

Koyrê :

esba-

t e- se , p el as ra zõ es re fe rid as, a id ei a d e u m ce ntr o d o u niv erso , e lim i-

n a- se a qu il o q ue o fe ch av a, e st ab el ec e- se a h om o ge ne id ad e e nt re a t er ra

e o s o ut ro s a st ro s, a dmi te -s e a p o s si bi li da d e d e e st es s e r em h a bi ta d os p o r

s er es c om c ar ac te ri st ic as p ró pr ia s, a fi rm a -s e q ue a T er ra n ão p od e s er

p ri va da d e m ovi me nt o e q ues ti on a- se af in itu de d o m un do . H á, a ss im ,

um conjunto d e elem en tos qu e n os p erm item afin nar que N icola u d e

C us a v ai, re la ti va me nte a c erto s a s pe cto s, m ais lo ng e q ue Copémico,

n a m ed ida em q ue j á nã o se trata a pena s de u ma substituiç ão do cen-

t ro d o u ni ve rs o, m as d o p ró pr io q ue st io na m en to d es se c en tr o. T od av ia ,

a a ud ác ia c om q ue e st as p ro po sta s s ão a va nç ad as e a c on sc iê nc ia d a

su a n ov id ad e ( a dm ir ar- se -ã o ta lv ez o s q ue l er em e sta s c ois as a nte s

i na ud it as , p os to q ue a d ou ta i gn or ân ci a m o st ra q ue e la s s ão v er da de i-

ras'í ) n ão n os p od em l eva r a j uí zo s p re cip ita do s e a c ori fu nd ir o s t ra -

ç os d esta co sm olo gia co m os d a de G iordan o B run o, em m uitos caso s

i nf lu en c ia d os p el a p er ce p çã o d o c ar ác te r r ev ol uc io n ár io d a s a fi rm a ç õe s

d aqu ele a q uem ele ch am ava o d ivino C usano . C om efeito, p or um

lado, ainda não é a infin itude do m undo que aqui é a firm ada:

  E

em bora o m un do não seja infin ito , contudo n ão po de ser co ncebid o

como [mito, p or qu e e st á p r iv ad o d e l im it es e nt re o s q ua is e st ej a e nc er -

rado.  80 P or o ut ro l ad o, s e a t er ra n ão e st á i mó ve l, i ss o n ã o s ig ni fi ca q ue

se insinu e aqu i qua lq uer tipo de heliocentrism o, já qu e, afina l, ao

m esm o t em po q ue s e q f irm a q ue ass im c om o a s es tr el as e st ão e m m o-

v im en to e m t or no d e p ó lo s c on je ct ur ai s n a o it av a e sf er a, a ss im a T er ra ,

a Lua e os p lanetas são com o estrelas que se m ovem em torno de um

p ól o , o fir ma -se t am bé m q ue a te rra é q ua se c om o u ma e str el a, m ai s

p ró xim a d o p ólo c en ira l'í , m ovendo-se tam bém , m as ainda m enos

q ue t od os o s o ut ro s a st ro s'  : M esmo assim , não há dúvida de que é

m esmo um a nova cosmolo gi a q ue , s ob re e st e c hã o m ís ti co -t eo ló gi co ,

c om eç a a e me rg ir e a a nu nc ia r o s t em po s n ov os q ue s e a pro xi ma m.

71 (A. KoYIlÉ, Du monde elos à l'univers i l iflni , Paris, Gallimard, 1973.

' NICOL AU DE CUSA,A

dou ta i g n or ânc i a, L. 11,capo 11, n 156, injra p . 112 .

, IIlIM, I bi dc m , i ll fr a p. 113.

 

Im.M,

Ibulem, L. 11,capo11, n? 160, injra p. 115.

 lI [ M, Iltir/WI, L. 11,capo 11, n? 159, infra p. 114.

[XXXI ]

Page 20: NICOLAU DE CUSA. A Douta Ignorância [Fundação Calouste Gulbenkian]

7/25/2019 NICOLAU DE CUSA. A Douta Ignorância [Fundação Calouste Gulbenkian]

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6 A Antropologia e a Cristologia de Nicolau de Cusa

[XXXI I ]

plicatio/explicatio .

In vocando Isaí as

(7, 9)

e pres su po nd o ta nto

A gostinho com o A nselmo , co nsid era -se a fé , enquanto

compli-

catio, o in íc io d o in telecto e considera -se o processo discur sivo da

mente hum ana uma explicação do que a fé con tém comp li cat iv a -

m en te. S ig nific a isto que há um núcleo de p rin cíp io s q ue s ão p ro -

p or cio na do s a o p ensamento pela revelação e pela fé, ma s q ue p odem

s er e xp li ci ta do s e d esen vo lv id os n o p la no r ac io na l, dando assim um

s en tid o m uito p ar tic ula r à qu ilo a que se poderá chamar f il o so f ia

c ris tã o u p en sa me nto c ris tã o. A in da n o q ua dro d esta d is tin çã o e , a o

m es mo te mp o, de s ta aproximação ent re

o

registo fi losófico e

o

re gis-

t o te oló gi co , c om cl a ra s imp li caç ões p ara a a ntr op olo gia cristo cên-

t ri ca q ue procura elaborar , sublinhe-s e a ident if i cação op er ad a e ntre

Jesus e a verdade, inscrevendo assim nesta reflexão a teo lo gia d o

logos divino que desem penha um lugar central no pensam ento

cusano , de que são exem plo os num erosos serm ões que glosam os

oersiculos [caninos  n o p r in c íp io era

o

Vérbo  e

  o

verbo fez -s e

carne . Assim , a perspectiva cristo cê ntrica n ão resu lta a pen as d o

facto de a Encarnação de C risto constitu ir um m otivo central na

econom ia da redenção, m as tam bém das implicaçõe s in er en te s à

reinterpretação

d a seg un da p esso a d a T rin da de co mo log os.

Nes te contexto ,

o

tercei ro l iv ro n ã o e n tr a d ir ec ta e i m ed ia tament e

n a te m áti ca cr i st o lóg ica , mas e s tabe lece, com o etapa intermé dia para

c h eg a r a ela , uma rifl ex ã o so bre

o

l ug a r e s pe ci ii a: d o h omem no uni-

ve rso , r e tomando e aprojundando o tema , beb id o n os autores antigos , do

hom em com o murocos mo . O ca rácter media do r de Cr isto ass enta ,

O terc e ir o l iv ro c onstitui , n a e co no mia d a o bra , u m m om en to

importante e decisivo, na medida em que é através da rifle xã o q ue

nele é de se nvolv ida que se estabelece, p or u m la do , a m ed iaç ão entre

o reg isto f i losófuo e o reg isto teoló gico do seu discurso e , p or o utr o

lado , a med ia ç ão e n tre

o

má xim o a bso lu to e m áx im o co ntra íd o n um

a pr oj un da m en to , c or res po nd en te à qu ele s d ois r eg isto s, q ue r d o lu ga r

qu e o h om em o cu pa n o p en sa me nto do autor, q ue r d o e sta tu to do

Homem -D eu s,Je sus C risto , no quadro da sua mundividência m ís-

tico-teológica.

Num tex to bem expressivo da unidade que representa este

te rc eir o liv ro , d iz N ic olau de Cusa como introduç ão ao capítulo

sig nific ativ am en te in titu la do o s m is té rio s d a fé : O s n osso s a nte -

passados afirm aram em concordância uns com os outros que a fé é

o

iní c io d o c on he cim en to in te le ctu al. Com efe ito , em q ua lq ue r

d is ci pl in a p ress up õe m -s e c oi sa s c om o p rin cíp io s p ri me ir os, que só

sã o a p re n di d,os pela fé , dos quais brota a inteligência do que deve

se r t r at ado.

E

n ec es sá rio q ue to do a qu ele q ue q ue r a sc en de r a o s ab er

creia neles, sendo im possíve l, sem eles, asc en de r. D iz e fe ctiv a-

m e n te I sa ia s: 'Se não

acreditardes,

não en tende re is'. P or isso a fé é

o

que com plica em si tudo

o

q ue é i nte li gí ve l. E

o

conhecimento

intelec tu al é a ex plic aç ão d a fé. A ssim , o c on he ci me nto i nt electual

é d irig id o pela fé e a fé estende-s e p elo c on he cim en to in te le ctu al.

Daí que onde a f é não é sã, nenhum conhecim ento intelectual

é verdadeiro . É b em m an ifesto a q ue co nc lu sã o c on du ze m

o

erro

d os p rin cíp io s e a d eb ilid ad e d os fu nd amentos . M as nenhuma fé

é mais perfeita que a própria verdade que é Jesus. 83 Se aqui

s e a pr oju nd a a u nid ad e entre a fé e o in telec to , n ão d ei xa , simul-

taneam ente , de se pr es supor a sua distinção: sã o efe ctivamente

id en ti fi ca do s c om o d uas in stâ ncia s di ferent es de conhec im en to para

cu ja a rticu la çã o se a pela mais um a vez ao par de conceitos com-

 IDEM, ibidem , L. III, capo 11, n? 244,

in fro

p. 171-172.

••Cf 

para as diversas interpretações deste passo, A. BONETTI,

La r ic ercameta-

fís ica nel pensiero di Nico tõ Cu sano, Brescia, Paideia, 1973, pp. 16-17, nota 4. Ainda

sobre a a rt iculação entre fé e intelecto, cf S. DANGELMAYR,Vernunft und Glaube

b ei N ikolau s von Kues , Tübinge r 7 11 eolog isc l eQuattal schr ift, 148 (1968), p p. 429-462.

85 Para as font es de Nicolau de Cusa na abordagem deste tema, cf asnotas

críticas à edição de Heidelberg da sua obra: H. I, p. 127, nota à linha 2 e ss., H. III,

p. 143, nota

à

linha 10 do n? 143 e H. XII, p. 91, nota

à

linha 9 do n  15. Sobre o

tratamento que a tradição deu a este tema, cf R. ALLERS, Microcosmos from

Anaximandro to Paracelsus ,

Tiaditio ,

II (1944), pp. 318-407; M. KURDZIALLEK,

 Der Mensch als Abbild des Kosrnos , in: A. Zimmerman (Hrsg.),

Der Be grifJ der

repraesen tati o im M iu elalte t. Mi scellan ea M ediaevalia , 8, Berlin-New York, Walter de

Gruyter, 1971, pp. 35-75; C. R1CCATI, Prace ss io  et Explicatio  . La doctrine de Ia créa-

tiO ll ch ez

[ean

S co t e t N ico la s de Cues ,

Napoli, Bibliopolis, 1983, pp. 178-183.

[XXXI I I ]

Page 21: NICOLAU DE CUSA. A Douta Ignorância [Fundação Calouste Gulbenkian]

7/25/2019 NICOLAU DE CUSA. A Douta Ignorância [Fundação Calouste Gulbenkian]

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•• NICOLAU DECUSA,A douta ignor ância , L. Ill , capo 3, n? 198, injra p. 139.

., Sobr e o t ema do microcosmo em Nicol au de Cusa e, sobretudo, o seu

carácter dinâmico, cf W DUPRÉ,  Der Mens ch a is Mik roko smos i rn Denken de s

Nikolaus von Kues , Mitteihmge tl un d FOTSchllllgsbeitriigeder Cusanus-Cese llsdiaft, 13

(1978), pp. 68-87. C f t ambém o dese nvolvimen to que demos a es te t ema emJoão

Maria ANDRÉ,   O homem como mic rocosmo. Da concepção dinâmica do homem

em Nicolau de Cusa

à

i nf le xã o e sp ir it ual is ta d a an tropologia de Ficino ,

Phiiosophica 14 (1999), pp. 7-30.

•• Sobre a presença do tema da  dignitas hornini  em alguns dos autores

renascentistas., cf Miguel A GRANADA,EI umbra l de IaModemidad. Estudios sobrefilo-

sof i a, religión y

ci etuia

entre Petrarca e Desc ar tes , Barcelona, Herder, 2000, pp. 193-259.

d on ar a m axim id ad e q ue a ca ra cte riza . D este m od o, só u m ser c on -

c re to e i nd iv id ua l, q ue s ej a s im u lt an ea m en te c ri ad or e c ri at ur a, D e us

e h om em , p od e c on stitu ir o co mp le me nto e a p len itu de d o u nive rso

e a r ea liz aç ão p le na d a h um an id ad e: P 1 h um an id ad e, n o e nta nto ,

n ão é se nã o d e m od o co ntra íd o n isto o u n aq uilo . E a ssim n ão se ria

p ossív el q ue m ais d o q ue u m só h om em ve rd ad eiro p ud esse a sc en -

de r

à

un iã o com a m axim idade e este, certam ente, seria hom em

de um modo tal que seria D eus e seria D eus de um modo tal que

s er ia h om e m, p er fe iç ão d o u n iv er so , t en do e nt re t od as a s c ois as o p ri -

mado e, nele , as naturezas m ínima , máxima e média unidas

à

m ax im id ad e a bs olu ta c oin cid ir ia m d e ta l m od o q ue s er ia a p er fe iç ão

d e t od a s a s c oi sa s e t od a s a s c oi sa s, e nq u an to c on tr aí da s, r ep o us ar ia m

n el e c om o n a s ua p er fe iç ão .

  89

O ra e sse h om em só p od e se r, n a p ers-

p ec tiva d o a uto r,Je su s: ((E a ssim e mJ esu s, q ue é a ig ua ld ad e d e se r

to da s a s c ois as , n ão s ó e xis te m, c om o s en do F ilh o n a d iv in da de , q ue

é a p esso a in term êdia , o P ai e terno e o Espírito San to , m as exis-

tem ta mb ém to da s a s co isa s, c om o sen do o v erb o, e to da a c ria tu ra é

n essa h um an id ad e su prem a e su ma men te p erfeita q ue co mp lica , d e

m od o u nive rsa l, tu do o q ue é c riá ve l d e m od o q ue to da a p le nitu de

o h a bi ta .  J9() T o da vi a, a o q fi rm a r- se , a ss im , a c on ae ti za çã o d a p le ni-

tu de d a m ed ia çã o n a f ig ur a d e Je su s, e ste c on stitu i-s e e m m od elo d o

h om em co mo ta refa , a cen tu an do a in da m ais to do o d in am ism o in e-

r e nt e a e st a a n tr o po lo g ia : se o ~ rb o, e nq ua nto F ilh o, é a ig ua ld ad e

(na trindade d a u nidade, da ig ualdade e da conexão), o hom em é

tendência para a igua ld ade, e se a filiaçã o div ina, realizada em

C ris to , é ig ua ld ad e d a id en tid ad e, a filia çã o a r ea liz ar p elo h om em é

s em elh an ça d es sa ig ua ld ad e. E s e a p rim eir a é u ma filia çã o n atu ra l

e absoluta , a seg unda é aquilo a que N icolau de C usa cham a um a

' Ji li aç ã o p o r a d op ç ã o'  : T al f iliaç ão por ado pção é entendida ta m-

b ém ela c om o u m p ro cesso , o p ro ce sso d a

deificatio

ou da

deifor-

mitas, q ue i ns cr ev e u m a d im e ns ão e sc at ol óg ic a c om o c on fi gu ra d or a

a ss im , n o c arâc te r m ed ia do r d a n atu re za h um an a, q ue , c om o im ag o

D ei , é uma

c o n t r a c ç ã o

d o m áx im o a bso lu to , m as, a o m esm o te mp o,

r eú ne e m s i o q ue n os e nte s d o u niv er so a pa re ce p l ur ific ad o, d ete rm i-

n a nd o, d es te m o do , a p os iç ã o intermédi a d a h um an id ad e n o c on ju nto

d o u ni ve rs o e r ea lç an d o, a ss im , a s ua e xc elê nc ia . A n atu re za h um an a

r e pr e se n ta o p o nt o m a is a l to d a s n a tu r ez a s i nf er io r es , a p ro x im a n do - se

d o p o nto m ais b aixo d as n atu reza s su pe rio res e é p or isso q ue é c ha -

m ad a m uro co sm o: M as a n atu reza h um an a é a qu ela q ue é ele va da

a cim a d e to da a o bra d e D eu s e é p o uco in fe rio r à n a tu r ez a a n g él ic a .

E la c om p lic a a n a tu re za i nt el ec tu a l e a n at ur ez a s en sí ve l e r eú ne t ud o

e m s i, p elo q ue o s a n tig os a c ha ma ra m c om r az ão m ia oc os mo , o u s eja ,

p eq ue no m u nd o. 'J86 A a bo rd ag em q ue N ic ola u d e C us a f ar á d es te te ma

n ão s ó e m o utr as o br as m ais m ar ca da me nte filo sij'r.ca s, c om o o De

coniecturis, o De ludo globi e o De venatione sapientiae, ma s

ta mb ém e m a lg un s d os s eu s s er mõ es , in sc re ve m- no d e u ma m an eir a

m u it o p e cu li ar e n tr e o s a u to r es q u e, n o R e n as c im e n to , p r es ta r am pa rt i-

c u l ar a t enç ão à d ig n id a de d o homem   , c om e sp e ci al d e st aq u e p a r a P i co

della

Mirandola

e p ara a sua

Oratio de hominis dignitate ,

Mas se à h um a ni da de s ão r ec on he ci da s p re rr og a ti va s q ue p er -

m it em e st ab ele cê -I a c om o m e di aç ã o e nt re D e us e o u n iv er so , N ic ol au

d e C usa n ão d eixa d e a c usa r, m esm o a qu i, a s i nflu ên cia s d e u m c erto

n om in alism o n a su a re sp osta

à

q ue stã o d os u niv er sa is e , p or is so ,

v ê-se fo rç ad o a a firm ar q ue n ão é a h um an id ad e, en qu an to ta l, q ue

d ese mp en ha e sse pa pe l m ed ia do r, m as sim u m h om em em q ue m, p or

um lado, a hum anidade atinja a sua plenitude sem deixar de ser

h um an id ad e e , p or o utro , a d ivin da de se p rese ntifiq ue se m a ba n-

 NICOLAU DECUSA,A douta ignorância, L. Ill, capo 3, n  199, infra p. 140 .

•• IDEM, ibidem, L. I ll , c apo4, n? 204, inf ra p. 145.

  IDEM,De j il ia u on e D e i, capo1 , H. IV; n? 54, linhas 22- 26, p. 4 2.

[XXXV]

XXXIV]

Page 22: NICOLAU DE CUSA. A Douta Ignorância [Fundação Calouste Gulbenkian]

7/25/2019 NICOLAU DE CUSA. A Douta Ignorância [Fundação Calouste Gulbenkian]

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d e to da e sta a ntr op olo gia e q ue s e p re nd e c om a c on ce pç ão d o h om em

como imago viva, o u s ím bo lo v iv o, d ota do d a c ap ac id ad e d e s e to r-

n ar ca da v ez m ais sem elh ante à que le d e q uem é ima g em , tomando

com o m odelo (ou seja , com o cam inho , com o verdade e com o

 vidoí ) C ris to , m ed ia do r u niv er sa l. T od a a a ntr op olo gia c us an a é ,

p o is , um a a n tr o po lo g ia cristocêntrica e e sc ato ló gic a e é a ssim q ue e le

i ns cr ev e, n os ú lt im os c ap ít ul os d e

A douta ignorância,

u ma p ro -

b le má ti ca é ti ca e praxistica q ue c on flu i p ara a a firm aç ão d a c ar id ad e

com o a 'Jorm a em que se realiza a plenitude da fé, que não pode

se r m áx im a se m a c arid ad e? , a qu ela q ue , e m o utr os te xto s, é ju sta -

m ente co nsid erad a a form a o u a v id a d e tod as a s virtu des'í e q ue

fo i já c on sid era da a co mp on en te fu nd am enta l d e to do o

sei . É,

po r

is so , n atu ra l q ue e sta o br a e nc er re c om u m c ap ítu lo d ed ic ad o à Ig re ja

c om o f orm a d e c on ae tiz aç ão d ess a m esm a c arid ad e.

peu . A ssim , se é certo que ele terá sido conhecido em alguns cír-

culos hum anistas do século XV italiano, nom eadamente no que se

re je re a os p en sa do re s n eo pla tô nic os , s e o c on he cim en to d a s ua o br a

se espalhou um pouco por toda a E uropa devido às quatro edições

e n tã o p u bl ic a do s ( E st ra s bu r go , 1488; M ilão , 1 50 2; P aris, 1 514 ,

r ev is ta p or L efe vr e d 'É ta pl es ; B as il ei a, 1565) e se a ca bo u, c om o j á

fo i

referido

p or in flu en cia r s ig nific ativ am en te G io rd an o B ru no ,

depressa passou, no entanto, ao esquecim ento, salvo em alguns

e scritos m ate má tic os q ue co ntin ua ra m a ser lido s e e stu da do s em

d e te rm in a do s c ír cu lo s e sp e ci a l i za d o s. O p ró pr io D es ca rt es a pe na s

se lhe refere de p assa gem , a p rop ósito d a in fin itu de d o un iverso, e

p or isso a su a p re se nç a n o pe nsa men to e uro peu , a té a o sé cu lo X IX ,

é mais a de um pensamento esquecido , do que a de um autor cla-

r am en te id en tif ic ad o e r ec on he ci do . É c er to q ue , n um a c on fe rê nc ia

p ro nu nc ia da em 1 94 0, E  H offm ann o considera o fundador da

filoscifia alemã ? , m as tam bém é certo que em outra conferência

pronunciada no m esm o ano avançará com a proposta de que, afi-

nal, Bruno foi uma espécie de pseudónimo através do qual o

C ard ea l a le mão ch eg ou a o sécu lo XV III, c om o co nseq ue nte em po -

b re cim en to d a d en sid ad e m eta fis ic a d o se u p en sa me nto 101. Assim,

a pe sa r d a fo rm a c om o te rá in flu en cia do o id ea lis mo a le mã o, H eg el

n ão lh e co nced e q ualq ue r lug ar n a su a H istó ria da F iloso fia .

É

a pa rtir d a se gu nd a m eta de d o séc ulo

XIX

que se inicia a

r ed es co be rta d es te p en sa do r e o re to rn o à su a filo so fia . P rim eir o, é o

m o vi me nto n eo to mi sta , n um a c er ta a m biê nc ia a po lo gé ti ca , e sta be le -

cendo-se um confronto com G iordano B runo, sem pre em torno da

q ue stã o d a im an ên cia o u n ão d e D e us e d o c on se qu en te p an te is mo d aí

7 Influências e recepção do pensamento cusano

Apesar de toda a sua estatura e da densidade do seu pen-

samento, a H istória nem sempre reconheceu a Nicolau de Cusa

o lugar que lhe é devido no panorama do pensamento euro-

  Para uma síntese geral da recepção do pensamento cusano ent re os sécu-

lo sXV e

xx,

veja-se João Maria André,

Se n t ido , s imbo li smo e in ter pr eta rãono d is cur so

f il o só f ic o d e N i co l au d e Cu sa , pp. 19-44 . .

99

C[ S. MEIER-OSER,

D ie P rã se nz d es f,f r ges s e ne n . Zur Re z ep t ion de rPh i lo s oph ie

d es N i k ol au s C u sa nu s v on

15.

b i s z um 1 8 .J a hr h un d er t,

Münster, Aschendorff, 1989.

100

C[ E. HOFFMANN, Nikolaus von Kues und seine Zeit , in IDEM,

N ik ol au s v on K u es Z we i v vr tr il ge , Heidelberg, F. H. Ke rt e, 1947 , p . 38.

101

C[ IDEM,

 Nikolaus

von Kues und die deutsche Philosophie , in

N ik ol au s v on K u es . Z we i v vr tr il ge ,

p. 57.

92

C[ IDEM,

Ca r ta a A l be rg a ti ,

ed. c it., n? 6, p. 28, linhas 8-13. Esta ideia é

transpost a par a a met áfo ra do homem como au to -re tr at o vi vo do p in tor d iv ino ,

apresentada também na

Ca rt a a A l be r ga t i,

n? 8, p. 28, linha s 19-23 e r et omada do

I d io t a d e m e n te ,

capo13,H. V,n? 149, l inhas 1-12, pp. 203-204.

9l Jo 13, 13 e 14, 6. C[ NICOI.AUDE CUSA,A do u ta i g no r ân c ia , L. III capo 8,

n  229,

infra

p. 161. C[ também

De v isioneDe i ,

capo25, H.VI , n? 119, l inhas 1-3,p. 89.

  Sobre a Cristologia de Nicolau de Cusa, cf R. HAUBST.

Die Chr i sto log ie

d es N i k ol au s v on K u es ,

Freiburg, Herder, 1956.

95 C[ IDEM,

A do ut a i g no r ân c ia ,

L. III capo11, n? 250,

infra

p. 176.

96

IDEM,

S e rm o XL I, Confide , filia,

H. XVII,

n?

23, linha s 3- 4. Segundo H . G.

SENGER( Zur f rage nach einer phi losophischen Ethik des Nikolaus von Kues ,

Wis s se ns cha f t und r1 I elb i ld,

33 (1970), p . 117), uma ética baseada ass im na car idade

é p lenamente conve rgente com uma ét ic a baseada na igua ldade e na j ust iç a, v ir-

tude s também defendi das por N icol au de Cusa em ou tr os t ex tos como a lic erc es

de toda a ética .

., C[

W DUPRÉ,

 Liebe aIs Grundbestandtei l a llen Seins und 'Form oder

Leben aller Tugenden' ,

M i ue il un ge « u nd F orsc lllltlgsbe itr ilgeder Cusanus-Cese ltsdiajt,

26 (2000), pp. 65-91.

[XXXVI I ]

XXXVI ]

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r es ul ta nt e. D e po is , s ur ge m a s i nt er pr eta ç õe s d e C a ss ir er e d e]. Ritter,

n o q ua dro d o m ov im en to n eo ka ntia no d o p rin cíp io d o séc ulo

XX.

E m terce iro lu ga r, d ev e c on sid era r-se o in ício d a p ub lica çã o d os

Opera ornnia p ela A ca de mia d e H eid elb erg , q ue, em 1932, dá

à

e sta mp a o De doeta ignorantia, p or in icia tiv a d e E . H oJJ ma nn e

de R. K lib an sk y. E ste tr ab alh o, a in da e m c ur so , m as d e q ue r es ulto u

j á a e di çã o d e p ra tic am e nte to da s a s o br as f il os óf l- Ca s e d e u m s ig ni fi -

c at iv o c on ju nto d e s er mõ es , v ei o p ro po rc io na r a os e st ud io so s o m a te -

r ia l in disp en sá ve l p ar a o e stu do d es te a uto r e , a ss im , p ro vo ca r u ma

v er da de ir a r en ov aç ã o d o in te re ss e p el a s ua f i losof ia. E in alm en te , n a

d éc ad a d e s es se nt a, d á- se , e m p rim e ir o l ug ar , a fu nd aç ão d a G es ell s-

c ha ft f o r C u sa nu if or sc hu ng q ue d eu o ri ge m a o I ns ti tu t f ür C u sa -

n uifo rsc hu ng , p rim eiro a fu nc io na r e m M ain z e d ep ois transferido

para T rier. T em sido este Institu to a continuar, em conjunto com

a lg un s in ve stig ad or es lig ad os a o T ho ma s In stitu t d e C olô nia , o tr a-

b a lh o d e i nv e st ig a ç ão c o nd u ce n te à c on cl us ão d a e di çã o c rí tic a a in da

e m c ur so s ob o s a u sp íc io s d a A ca de mia d e H eid elb erg , c om o ta mb ém

te m s id o e le a o rg an iz ar c om r eg ula rid ad e s im pó sio s e m T rie r s ob re o

p en sa m en to c us an o e a a ss eg ur ar a p ub li ca ç ão d a s ér ie

Mitteilungen

und Forschungsbeitrãge der Cusanus-Gesellsehaft e d a c o le c -

ç ão B uth re ih e d er C us an us- Ge se lls ch aft . N ote -s e q ue e sta s oc ie -

d ad e c us an a, p ar a a lé m d e t er c re sc id o s ig ni fi ca ti va m en te , c on ta j á c om

m ais d ua s c on gén ere s, u ma n a A mérica e o utra n o Ja pã o. A in da n a

m es ma d éc ad a r eg is ta m-s e a s c om em ora çõ es d o q uin to c en te ná rio d a

m orte de N icolau de C usa, que , com os sim pôsios organizados em

d iv er so s p aís es , a tr aír am m ais a a te nç ão d os e stu dio so s s ob re a o bra

d es te a ut or . S e a i sto a cr es ce nta rm o s, n o p ri me ir o a no d es te s éc ul o, a s

c ele bra çõ es d o V I c en ten ário d o seu n asc im en to , c om C on gresso s

a mp la men te p artic ip ad os n a E uro pa , n a A mé ric a e n a Á sia , e a q ue

102 Os liv ros Co i nc id ê nc ia d o s o p os to s e c o nc ó rd i a. C am in h o s d o pensamento em

Nicolau d e Cu s a,

e

Coinc ide ncia de opue sto s y contordia. L o s c am i/ lo s d e i p e ns a r e n Nicolâs

d e Cu sa , Salamanca, Sociedad Castellano-Leonesa de Filosofia, 2003, coordenados

por João Mar ia Andr é e por Mari ano Ál varez G6mez, const ituem os tomos das

actas do Congresso realizado em duas jornadas, uma em Coimbra a 5 e 6 de

Novembro de 2001 e a out ra realizada em Sal amanca a 8 e 9 do mesmo mês.

[XXXVI I I ]

P ortu ga l e E sp an ha n ão fo ra m a lh eio s' , d am o-n os c on ta d o in te-

r e ss eg e ne ra li za d o q u e e st e a u t o r s u sc it a e n tr e e st ud io s os d a s m a is d if e-

r en te s c u lt ur a s. A s si m , a o p u b l ic a rm o s a g or a a p re s en te

v e r s ã o

e m l ín -

g ua p or tu gu es a d o

De doeta ignorantia,

ju lg am os d ar a pe na s m ais

u m co ntrib uto p ara q ue , ta mb ém e ntre n ós, se ja d ad a a este a uto r a

a te nç ão q ue , s alv o r ar as

excepções,

e le a in da n ão te m s us ci ta do .

8. Sobre a presente tradução

C om o já re fe ri a nte rio rm en te, o De doeta ignorantia fo i a

p rim eir a o br a a s er p u blic ad a n o â mb ito d a e diç ão c rític a d os

Opera

o mn ia pela Aca de mia d e H e id elb erg , em 1932, a o c ui da do d e E rn st

H oJ Jm an n e R aym on d K lib an sky . E sg ota da h á já m uito s a no s, n ão

v olto u a s er

reeditada,

a o c on tr ár io d o q ue a co nte ce u c om o utr os te x-

to s e ntr eta nto ta mb ém e sg ota do s. Is so d ev e- se n ão a pe na s p ro pr ia -

mente

à

d if ic ul da de e m r ee di ta r o te xt o e ntã o e st ab el ec id o, m a s s im a o

f ac to d e, e nt re ta nt o, t er em s id o d es co be rt os d ois n ov os m a nu sc ri to s ( e

p o st er io rme n te , p o r K R ein ha rd t, u m te rc eiro , e m T ole do ), u m d os

qua is, segundo o prório K libansky , seria o exem plar dedicado ao

C ardeal C esarini. A A cadem ia de H eidelberg tem tam bém vindo a

p ub lic ar, n a F elix M ein er J.irla ~ a e diç ão b ilin gu e d e a lg un s te xto s

d e N ic ola u d e C us a, v ulg ar me nte d es ig na da editio minoro N o caso

do

De doeta ignorantia,

o p rim eiro liv ro fo i p ub lic ad o e m

1964

co m d i r e c ç ã o tr ad uç ão e n ota s d e P au l W ilp ert; o s eg un do , d ir ig id o,

tr ad uz id o e a no ta do p elo m es mo a uto r, s ur giu e m

1967

e o t er ce ir o,

d ir ig id o, tr ad uz id o e a no ta do p or H an s G er ha rd S en ge r,fo i p ub lic a-

do em 1977. À m e di da q ue s ef or am e sg ot an do e st as e diç õ es d os d oi s

p rim eir os liv ro s, fo ra m p ub lic ad as d e n ov o, r ev is ta s e c or rig id as p or

H an s G erh ard S en ge r. F oi o te xto la tin o d esta

Editio minor

na s

s ua s v er sõ es d e

197~  1

 

l ivro),

19TJ2

(2

 

liv ro ) e

1977

 

(3

 

l ivro)

q ue u tiliz ám os c om o r efe rê nc ia p ar a a p re se nte tr ad uç ão . O ptá mo s

p el o t ex to e sta be le cid o n es ta s e di çõ es e n ão p elo d a e di çã o p u bli ca da e m

1932 , devido ao facto de nelas serem já tidos em conta os novos

m an us cr it os e n tr et an to- d esc ob erto s, p erm itin do m elh ora r o te xto

[XXXIX]

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d a qu e la p ri m ei ra e d iç â o '  , A cre sc e a in da q ue o tex to, pa ra a lém d es-

sa s c o r r e c ç õ e s in tr od uz id as , a pr es en ta já o s p ar ág ra fo s d ev id am en te

n um er ad os , à s em elh an ça d as o utr as o br as e ntr eta nto p ub lic ad as n a

edição crít ica.

T ivem os naturalm ente em conta algum as traduç ões, para

além da da edição bilingue cujo tex to latino nos serviu de base,

m e re ce nd o e sp ec ia l r ef er ên ci a, n o q ue s e r ef er e a v er sõ es e m l ín gu as

r om ân ic as , a s tr ad uç õe s ita lia na s d e G. S a nt in e ll o' e d e G r a-

z ie ll a P ed er ic i- Ve sc ov in i' e a t ra du çã o f ra nc es a d e L. Mouli-

nier' . T ínham os já praticam ente concluída a nossa tradução

q ua ndo rece be mo s, p or g en til o ferta d o tra duto r, a ve rsã o p ara a

no ssa lín gu a, de R ein hold o A lo ysio U llm an n, ac ab ada d e p ub li-

ca r n o B ra sil 107. O c onta cto co m esta trad uç ão , lo ng e d e n os d es-

m otiv ar d a ta re fa q ua se c on clu íd a, in ce ntiv ou -n os a le vá -Ia a o s eu

term o por três razões fundam entais. E m prim eiro lugar, o tex to

que serve de base às duas traduções não é exactam ente o m esm o,

já que

R.

U llm an n op to u p ela ed iç ão d e

1932.

E m seg un do lu ga r,

h á cla ra s d iv erg ên cia s n a in terp reta çã o d e a lg un s pa sso s, p are -

cen do -n os sa lu ta r q ue o leito r p ortu gu ês p ossa d isp or d e so lu çõ es

a lte rn ativ as n a tr ad uç ão d as m es ma s e xp re ssõ es. E m te rc eir o lu ga r,

o estilo brasileiro de falar, escrever (e traduzir) em português é

c la ra me nte d istin to d o e stilo p or tu gu ês d e fa la r, e sc re ve r (e tr ad u-

zir) em português e expressões que podem parecer fluentes na

fo rm a b ra sile ir a d e   sent ir o seu p ortu gu ês n ão só p arece m m ui-

 03 Idêntica opção tomou Kar BORMANN,quando escolheu o tex to para a

ú lt ima edição bil ingue de a lgumas das princ ipais obras filosófico-teológ icas de

Nicolau de Cusa, publicadas pela Wissenschaftl iche Buchgesel lschaft,

Darmastadt, 2002. Também Giovanni SANTINELLOtomou o mesmo

texto

como

base para a sua tradução para i ta liano editada pela Rusconi , Milão , em 1988.

,••C( nota anterio r.

 o;

In Operefilosoficlte di Nicolo CUSOIlO  Torino, UTET, 1972.

 116

NICOLAS DE CUSA, De Ia d o c t e ignorance, Paris , Éditions de IaMaisnie,

1979, r eproduçã o da e dição da PUF, publicada pela primeir a vez em 1930.

 07 NICOLAU DECUSA,A douta igllorâllCia, t radução, pre fácio, introdução e

notas do Prof Dr. Reinho ldo A loysio U llmann, Por to A leg re , EDIPUCRS,

2002. .

[XL]

tas vezes estranhas a um português, como dificultam mesmo a

com preensão de um discurso já de si tão denso e com plexo com o

o de Nicolau de C usa

108.

R ec onh ecem os qu e a o lo ng o d esta ve rsã o p ara p ortu gu ês do

tex to d e N ico la u d e C usa n em se mp re fo i f ácil c on cilia r u ma e stru -

tu ra e u m r itm o f lu en te s n a lín gu a p or tu gu esa e o r es pe ito p ela d en -

sid ad e e p ela o rig in alida de d o d iscu rso cu sa no . D eve , n o en ta nto ,

su blin ha r-s e q ue , n os c as os e m q ue is so s e n os a fig ur ou m an ife sta -

m en te im po ss ív el, o ptá mo s p or n ão s ac rific ar à e le gâ nc ia d o e stilo o

fu nd am en ta l d o p e ns am en to . P or is so , h á te rm os e e xp re ss õe s e m q ue

p re fe ri mo s u ma t ra du ç ão li te ra l a o ut ra s s olu ç õe s t al ve z m a is c la ra s,

m a s d ec er to m en os r ig or os as f a ce à s c ate go ri as c on ce ptu ai s d o a ut or

(como é o caso da tradução de complicatio e de explicatio po r

 complicação

e

  explicação }.

N ou tros ca so s a in da p refe rim os

igualmente

saaijicar

a ev en tu al b ele za da f ra se e m po rtu gu ês a ter-

m os q ue m elh or r es pe ita m a riq ue za se mâ ntic a d a lín gu a la tin a u ti-

l iz ad a ( ju st it ic an do , a ss im , a o pç ão fr eq ue nte p ela s f ó rm u la s d o v er bo

s er p a ra tr ad uz ir a sfó rm ula s d o

  esse

la tin o, e m v ez d e s uc ed ân eo s

n or ma lm en te m a is r es tr it iv os , c om o e st ar o u e xi st ir ).

N o qu e se refere à s n otas a esta edição, o ptá mo s p or n ão to rn ar

d em asia do p es ad a a p re se nte v ers ão d o te xto , e vita nd o a p ro fu sã o d e

n ota s e xp lic ativ as . P en sa mo s, e m p rim eir o lu ga r, q ue e le fa la p or si e

q ue s eria r ed un da nte e ntr ar e m d em as ia do s d es en vo lv im en to s d o s eu

c on te úd o. J ulg am o s, ta m bé m , q ue o l ei to r e sp ec ia li za do q ue p ro cu ra

u m o utr o tip o d e in fo rm aç ão p od er á e nc on tr á-I a n o a pa ra to c rític o

q uer d o v ol.   do s Opera omnia, q uer d os três v olu me s d a editio

minoro

Limitâmo-nos,

a ssim , a p ro po rc io na r a id en tific aç ão d as

fo nt es , f il os ófi ca s o u b íb lic o- te oló gi ca s, d e q ue e xp li ci ta m en te o a ut or

in úm era s veze s se recla ma , em bo ra o fa ça q ua se sem pre em term os

d em a sia do g en ér ic os . P a ra o e fe it o s oc or re m o- no s d a a ju da p re cio sa

 08 A es ta s t rê s r az õe s ac re sc e um ú lt imo mot iv o, de n aturez a mui to mai s

pessoal, mas igualmente válido: pensamos que , aofim de mais dev inte anos de lei-

t uras e inve st ig aç õe s d e N ic olau d e Cus a e de t ermo s ini ci ado a d ivulgaç ão d es ta

obra com a ver sã o po rtugues a pol icopiada do p rimei ro l ivro, d ev íamo s ao lei tor a

nossa tradução integra l da princ ipal obra des te autor.

[XLI]

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quer das anota ções de Paul W ilper t e de Hans Gerard Senger,

na ed içã o que serviu de ba se

à

n ossa tra du çã o, q uer d as n ota s d e

G. S an tin ello n a tr ad uç ão ita lia na ta mb ém já a nte rio rm en te r efe -

r i da . Ac r e sc en támos a in da , n um o u n ou tro ca so e m q ue ta l n o s p are-

c eu i nd is pen sável, a lg um as n ota s d e tr ad uç ão , p ar a ju stific ar o u to r-

n ar m ais c l ar as a s n os sa s o pç õ es.

Que a leitura d este tex to perm ita co ncluir q ue N icolau de

C usa fo i n ão só u m p en sa do r n a fro nte ira d e d ois m un do s'T m as

ta mb ém u m h om em c uja a ud ác ia e sp ec ula tiv a o c olo ca e ntr e o s c l ás -

s ic os d o n os so p en sa me nto , p or, n es sa f ro n te ir a, s ab er p en sa r p ar a l á

d e t od a s a s fr o nt ei ra s .

É

p or isso q ue a in da h oje a su a o bra c on tin ua

p ro fu n da m en te a ct ua l.

P ara de la d a C ortiç a, N ata l d e 2 00 2

J oã o M aria A nd ré

Siglas:

AHDLM -Archives d'Histoire Doctrinale et Littéraire du

Moyen Âge. Paris, 1926 55.

CCSL - Corpus Chris tianorum. Series lat ina. Turnhout 1954 55.

CSEL - Corpus scriptorum ecclesiasticorum Latinorum. Wien,

1866 55.

Dionysiaca - Dionysiaca. Bruges-Paris 1937 e 1950.

H. - Nicolai de Cusa opera omnia iussu e t auctorit ate Academiae

Litterarum Heidelbergensis ad codicum fidem Edita.

Leipzig-Hamburg, 193255.

PG - Migne, Patrologiae cursus completus. Series Graeca: Paris,

185755.

PL - Migne, Patrologiae cursus completus. Series Latina. Paris,

184455.

109

Foi com este título que Eusébio Colomer quis homenagear, em portu-

guês, o Cardeal a lemão, por altura do V centenár io da sua mor te, numa revista

em que se publicava também uma tradução, de Júlio Fragata e de Alberto Alves

de Sousa, do opúsculo

De Deo ab scondi to.

Cf E. COLOMER,  Nicolau de Cusa

(1401-1464)_ Um pensador na fronteira de dois mundos ,

Re v is ta Por tuguesa de

Filosofia,

20 (1964 ), pp. 5-62.

[XLII]

  A DOUTA IGNORÂNCIA

Ao reverendíssimo Padre e Senhor Juliano, querido

por Deus, digníssimo Cardeal da Santa Sé Apostólica e seu

mestre venerável. 1

Admirar-se-á com razão o teu engenho tão elevado

e experimentado que eu, ao pretender incautamente apre-

sentar as minhas ideias bárbaras e frívolas, te escolha como

juiz, como se, ocupadíssimo com os maiores afazeres públi-

cos devido às tuas funções de cardealjunto da SéApostólica,

te restasse algum tempo de ócio, e como se, com tão gran-

de conhecimento de todos os escritores lat inos que bri lha-

ram até hoje e agora também dos gregos, pudesses ainda ser

atraído, com a novidade do título, às minhas concepções

decerto tão deficientes, tu que conheces muito bem já há

algum tempo quais possam ser as minhas capacidades. Mas

esta admiração determinará, espero, o olhar do teu ânimo

sempre ávido de saber, não tanto pelo facto dejulgares aqui

inserido algo de desconhecido antes, mas mais pela audácia

com que sou levado a tratar da douta ignorância . Afirmam

os filósofos da natureza que uma certa sensação desagradá-

vel precede, à boca do estômago, o apetite, de tal maneira

 

O

Gardeal J u liano Cesari ni hav ia s ido co lega de N icol au de Cusa em

Pádua e Presidente do Concílio de Basileia no ano de 1432. O epíteteto de

 Mestre  é aqui um tratamento honor íf ico e não a caracteriza ção de uma e fect iva

relação do discípulo com o seu mest re.

2

A expressão   douta ignorância  encontra-se, por exemplo, no PSEUDO-

-DIONÍSIO,

Ep .

I ad

Gaium

(PG 3, 1065 A;

Dionvsia ca,

1,605 sg.) e em AGOSTINHO,

Epis tulae,

Ep. 130, XV; 28, (CSEL, 14 , p. 72).

[1]

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pio'. Efectivamente, proporcionarão alguma facilidade para

infinitos casos semelhantes que poderão ser obtidos do

de abstraída das coisas materiais, tal como é na razão, vê a

igualdade, que é impossível, seja pelo que for, experimentar

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mesmo modo e que tornarão mais claro o que há a dizer.

Estabelecemos, na raiz do que foi dito, que nos excedidos e

nos excedentes não se chega ao máximo nem no ser, nem no

poder. Mostrámos antes que a igualdade precisa só a Deus

convém'. Segue-se daí que o que quer que se dê, para além

dele, comporta diferença. Não pode, por isso, um movimen-

to ser igual a outro, nem um ser a medida do outro, porque

a medida difere necessariamente do que é medido'.

Ainda que estas coisas te sirvam para uma infinidade

de casos, no entanto, se te transferes para a astronomia, aper-

cebes-te de que a arte de calcular carece de precisão, porque

pressupõe que sepode medir o movimento de todos os outros

planetas pelo movimento do sol. Mesmo a disposição do céu,

quer a que se refere a qualquer lugar, quer a que se refere ao

nascente e ao poente dos astros, à elevação do pólo ou a qual-

quer coisa relacionada com isto, não pode ser conhecida com

precisão. E como não há dois lugares que concordem com

precisão no tempo e no espaço, é evidente que osjuízos acer-

ca dos astros estão longe de ser precisos na sua especificidade.

92. Se adaptares consequentemente esta regra

à

mate-

mática vês que é impossível a igualdade em acto nas figuras

geométricas e que nenhuma coisa pode concordar com

outra com precisão nem na figura nem na grandeza. E

embora as regras, na sua razão, sejam verdadeiras ao descre-

ver uma figura igual a uma dada figura, no entanto a igual-

dade em acto é impossível nas coisas que são diferentes.

Ascende, a partir daqui, ao conhecimento de como a verda-

ITrata-se do princípio, ref~rido no livro I, capo3, n? 9, segundo o qual  não

se chega ao máximo de modo simples onde for possível encontrar excedente e

excedido .

2

Cf

s / lpra ,

L. I, capo 5, n  14 e L. I, capo 17, n? 49.

'Cf supra, L. I, capo 3, n? 9.

[66]

nas coisas, porque aí ela não está senão com defeito.

93. Vê também que na música, por essa regra, não há

precisão. Pois nenhuma coisa concorda com outra nem em

peso, nem em comprimento, nem em espessura. E não é

possível encontrar proporções harmónicas com tal precisão

entre os diversos sons das flautas, dos sinos, dos homens e

dos restantes instrumentos que não seja possível dar uma

proporção mais precisa. Também nos diversos instrumentos

não há o mesmo grau de proporção da verdade tal como

acontece nos diferentes homens, mas em todos é necessária

a diversidade de acordo com o lugar, o tempo, a complexão

e outras coisas. Assim, a proporção precisa vê-se apenas na

sua razão e não podemos experimentar sem defeito a dul-

. císsima harmonia nas coisas sensíveis, porque ela não reside

aí. Ascende por aqui ao conhecimento de como a harmonia

máxima e com a maior precisão é a proporção na igualdade,

que o homem vivo não pode ouvir na carne porque atrairia

a si a razão da nossa alma,já que ela é toda a razão, tal como

a luz infinita atrai toda a luz, e de um modo tal que a alma,

desligada das coisas sensíveis, não ouviria com o ouvido

do intelecto a própria harmonia sumamente concordante

sem um arrebatamento. Poder-se-ia aqui gozar uma certa

doçura da contemplação tanto a propósito da imortalidade

intelectual e racional do nosso espírito, que transporta a

razão incorruptível na sua natureza, pela qual atinge a part ir

de si a imagem do que concorda e do que discorda nas coi-

sas musicais, como a propósito da alegria eterna para a qual

são transportados os bem-aventurados, desligados das coisas

do mundo. Mas disto falaremos noutro local'.

• Nicolau de Cusa poderá estar a remeter para algumas considerações do

De toni ec turis , nomeadamente para os capítulos 2 e 6 do Livro 11.

[67]

94. Mais ainda: se aplicamos a nossa regra à aritmética, ve-

mos que duas coisas não podem convir em número. E porque

mente, como o mostraremos no livro das

Conjecturas,

onde se

tratará disto mais amplamente'. Bastem estas poucas coisas

para mostrar o admirável poder da douta ignorância.

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[68]

segundo a variedade do número variam até ao infinito a com-

posição, a complexão, a proporção, a harmonia, o movimento

e todas as coisas, compreendemos assim que ignoramos.

Porque nenhum homem é como outro no que quer

que seja, nem nos sentidos, nem na imaginação, nem no

intelecto, nem na acção, como a escrita, a pintura ou a arte,

e ainda que algum procurasse em mil anos imitar outro

no que quer que seja, nunca atingiria a precisão, apesar de

a diferença sensível nem sempre ser percebida. Também

a arte imita a natureza quanto pode, mas nunca poderá

chegar à sua precisão'. Por isso, a medicina, a alquimia, a

magia e outras artes da transrnutação carecem da precisão da

verdade, embora uma seja mais verdadeira em comparação

com outra, como a medicina é mais verdadeira que as artes

da transmutação, coisa que é por si evidente.

95. Partindo ainda do mesmo fundamento , digamos:

porque nos opostos encontramos um excedente e um excedi-

do, tal como no simples e no composto, no abstracto e no

concreto, no formal e no material, no corruptível e no incor-

ruptível, etc., resulta que não se chega ao outro puro dos

opostos ou àquilo em que convergem precisamente de modo

igual. Assim, todas ascoisas são [compostas] de opostos numa

diversidade de grau, tendo mais de um e menos de outro,

sobressaindo a natureza de um dos opostos pela vitória de um

sobre o outro. Resulta daqui que o conhecimento das coisas é

investigado racionalmente a fim de sabermos como a compo-

sição num está numa certa simplicidade e noutro é a simpli-

cidade que está na composição e a corruptibilidade está, num,

na incorruptibilidade e o contrário noutro e assim sucessiva-

5 C( ARISTÓTELES, Phys ica, II, 2, 194 a 21; TOMAs DE AQUINO, S u mma

contra genu les, II, 75 e lII, 10, e Commenta r ia in Ar is tot eli s l ib r os p o st er io r um a n a ly ti -

coru tn , I, 1. 1, n. 5.

6

C( su p r a , nota 1.

96. Descendo mais aprofundadamente ao nosso propó-

sito, digo: porque não é possível a ascensão ao máximo e a des-

cida ao mínimo [de modo] simples, nem se dá o trânsito para

o infinito, como se verifica no número e na divisão do contí-

nuo, vê-se então que, dado um qualquer finito, sempre é pos-

sível dar, necessariamente, um maior ou menor, tanto em

quantidade ou virtude como em perfeição ou em outro aspec-

to, já que não é possível dar-se o máximo ou o mínimo [de

modo] simples. E o processo também não pode ser levado ao

infinito, como está suficientemente demonstrado. Ora, como

qualquer parte do infinito é infinita, implica contradição

encontrar o mais e o menos onde se chega ao infinito, pois, tal

como o mais e o menos não podem convir ao infinito, assim

também não podem convir aoque tem alguma proporção com

o infinito, pois é necessário que isso seja o próprio infinito.

Com efeito, no número infinito o dois não seria menor que o

cem, sepor ascensão se chegasse a ele em acto, tal como a linha

infinita feita de um número infinito de linhas de dois pés não

seria mais pequena que a linha infinita feita de um número

infinito de linhas de quatro pés. Nada pode, assim, ser dado

que delimite a potência divina. Por isso, a qualquer coisa que

seja dada é possível ser dado por aquela um mais e um menos,

a não ser que esse dado seja simultaneamente o máximo abso-

luto, como se explicará no terceiro l ivro ,

97. Só, pois, o máximo absoluto é infinito negativa-

mente. Portanto, só ele é aquilo que pode ser com toda a

potência. Mas, como o universo abraça tudo o que não é

7 C( De coni c ct u r is , L. I, Capo 10, n? 44 e 55.

, C( il lfra capo 3, n  2.

[69]

Deus, não pode ser infinito negativamente, embora seja sem

termo e, assim, infinito privativamente , E, com base nestas

o próprio ser absoluto, e que é necessário que tudo aquilo

que é seja, devido a ele, o que é enquanto é. Com efeito,

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considerações, não é finito nem infinito. Pois não pode ser

maior do que é, o que acontece por defeito. Efectivamente, a

possibilidade ou a matéria não se estende para além de sipró-

pria. Não é diferente dizer o universo pode sempre ser maior

em acto e dizer o poder ser passa a ser infinito em acto , o

que é impossível , porque a actualidade infinita, que é a abso-

luta eternidade, não pode provir do possível, ela que é em acto

toda a possibilidade de ser. Por isso, embora em relação à

potência infinita de Deus, que é interminável, o universo

possa ser maior, no entanto, dada a resistência da possibil i-

dade de ser, ou matéria, que não extensível até ao infinito em

acto, o universo não pode ser maior. E, assim, é sem termo,

uma vez que nada em acto maior do que ele, face ao qual

tivesse um termo, é possível ser dado. E, deste modo, é infi-

nito de modo privativo. Ora em acto não é senão de modo

contraído, a fim de ser do melhor modo que lho permite a

condição da sua natureza. É, pois, uma criatura, que é neces-

sariamente pelo ser divino absoluto e simples como mostra-

remos de seguida na douta ignorância, de forma tão clara e

simples quanto breve.

98.

CAPÍTULO II

o ser da criatura   de modo ininteligível

pelo ser do primeiro

Ensinou-nos a sagrada ignorância no que antes foi

dito que nada é a partir de si a não ser o máximo simples,

no qual a partir de si, por si e para si são o mesmo, ou seja,

, C(

TOMÁS DEAQUINO, Q u a es ti ol le s d is p ut at ae d e

potentia , I a.2 c.

'0 1

C( s u p r a , L. I , Capo 6, n? 15.

[70]

como é que aquilo que a partir de si nada é poderia ser de

outro modo senão devido ao ser eterno? No entanto, por-

que o próprio máximo está longe de qualquer inveja , não

pode comunicar um ser diminuído como tal. Por isso, a

criatura, que é um ser-dependente , não tem tudo aquilo

que é, como a corruptibilidade, a divisibilidade, a imperfei-

ção, a diversidade, a pluralidade, etc., do máximo, eterno,

indivisível , perfeit íssimo, indistinto, uno, nem de alguma

causa positiva.

99. Efectivamente, tal como a linha infinita é a rectitu-

de infinita , que é a causa de todo o ser da linha, mas

a linha curva no ser linha é devido à linha infinita, e já no

ser curva não é devido à linha infinita, seguindo-se a curva-

tura da finitude - pois se fosse máxima não seria curva

como antes se mostrou -, assim também o mesmo acon-

tece com as coisas, porque não podem ser o máximo, já que

são diminuídas, outras, distintas etc., coisas que não têm

causa. Por isso, a criatura tem de Deus o ser una, discreta

e conexa com o universo e quanto mais una, mais seme-

lhante a Deus. Mas que a sua unidade esteja na pluralidade,

a discreção na confusão, e a conexão na discordância, não o

tem de Deus nem de alguma causa positiva, mas de uma

causa contingente.

100. Quem pode, pois, compreender o seu ser, ligando

ao mesmo tempo na criatura a necessidade absoluta, da qual

é, e a contingência, sem a qual não é? Parece que a própria

criatura, que não é nem Deus nem nada, seja como que

  PLATÃO,

Timeu,

29 E

12

No original: ab-es se.

  C( su p r a , L. I, capo 13, n  35.

[71]

que a criatura seja devido ao eterno e com isso seja de

modo temporal? Não pôde, pois, a criatura não ser na

ou-

depois de Deus e antes do nada, entre Deus e o nada, como

diz um dos sábios: Deus é a oposição ao nada pela media-

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[72]

vesse tempo, já que antes do tempo não existiu o antes.

E, assim, existiu sempre, já que pôde existir.

ção do ser? , E não pode, contudo ser composta de ser e

não-ser. Por isso, nem parece que é, devido ao facto de deri-

var descensivamente do ser, nem que não é, por ser antes do

nada, nem que é composta dos dois. Mas o nosso intelecto,

que não pode ir para além dos contraditórios, não atinge

o ser da criatura ao modo da divisão ou da composição,

ainda que saiba que o seu ser não é senão devido ao ser do

máximo. Não é, pois, inteligível o ser-dependente , já que

o ser do qual é não é inteligível, tal como o

ser-em

do

acidente não é inteligível, se a substância na qual é não é

inteligível. E, assim, não pode a criatura, como criatura,

dizer-se una, porque deriva descensivamente da unidade,

nem plural, porque o seu ser é devido ao uno, nem ambas

as coisas copulativamente. Mas a sua unidade existe de

modo contingente numa certa pluralidade. E o mesmo

parece dever dizer-se de igual modo da simplicidade, da

composição e dos restantes opostos.

102. Quem pode enfim compreender que Deus é a

forma de

ser

e que, no entanto, não se mistura com a

criatura? Com efeito, da linha infinita e da curva finita não

pode derivar um composto, visto que seria sem propor-

ção. Ora ninguém duvida que entre o infinito e o finito

não pode cair qualquer proporção. Por isso, como pode

o intelecto compreender que o ser da linha curva é devido

à

recta infinita, que, todavia, não a informa como forma,

mas como causa e razão? E não pode participar dessa razão

tomando dela parte, sendo ela infinita e indivisível, ou

como a matéria participa da forma, como Sócrates e Pla-

tão da humanidade, ou como o todo é participado pelas

partes, tal como o universo pelas suas partes, nem tam-

bém como vários espelhos participam da mesma face,

de modo diverso, já que o ser da criatura não é antes do

ser-dependente , porque é esse mesmo ser [dependente],

enquanto o espelho já é espelho mesmo antes de receber

a imagem da face.

101. Mas, porque a criatura é criada pelo ser do máxi-

mo, e no máximo, no entanto, é o mesmo ser, fazer e

criar, então não parece que seja diferente criar ou Deus

ser todas as coisas . Ora se Deus é todas as coisas e isto é

criar, como se poderá entender que a criatura não seja

eterna, uma vez que o ser de Deus é eterno e é até a pró-

pria eternidade? Na medida, pois, em que a criatura é

o ser de Deus, ninguém duvida de que seja a eternidade.

Mas, na medida em que cai sob a alçada do tempo, não é

devido a Deus, que é eterno. Quem compreende, pois,

103. Quem pode, pois, entender como uma forma infi-

nita é participada, de modos diversos, em diversas criatu-

ras, uma vez que o ser da criatura não pode ser diferente

do próprio resplendor, não [sendo] recebido de modo posi-

tivo em alguma coisa, mas diverso de modo contingente?

Quase como se uma obra feita, dependente da ideia do artí-

fice, não tivesse um ser diferente do da dependência, do

•• C( Ps. HERMES,

Lib er XXIV phi loosophoru m ,

prop . 14.

IS

No original:

ab -es se

16 No.original: adess e

17 C( EScOTO-EmúGENA, D e div is ion e n at ur a e, I , 72  PL 122, 636 A).

  C( s u p r a , L. I , capo 8, n? 22, nota 17.

  No original: ab-ess e.

[73]

o criador dissesse  faça-se , e porque Deus não pôde ser

feito, ele que é a própria eternidade, foi feito o mais seme-

lhante a Deus aquilo que pôde ser feito. Segue-se daqui que

qual teria o ser e sob cuja influência se conservaria, tal como

a imagem da face no espelho, admitindo que esse espelho

antes ou depois nada fosse por si e em si.

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toda a criatura como tal é perfeita, ainda que em relação a

outra pareça menos perfeita . O Deus piíssimo comunica,

pois, o ser a todas as coisas do modo como pode ser rece-

bido. E, portanto, como Deus comunica sem diversidade

e sem inveja, e é recebido dum modo tal que a contingên-

cia não permite que seja recebido de um modo diferente e

mais elevado, repousa todo o ser criado na sua perfeição,

que tem, liberalmente, do ser divino. E não tem apetência

por ser nenhum outro ser criado, ainda que mais perfeito,

mas ama o que tem do máximo, como um dom divino,

desejando que isso seja completado e conservado de modo

incorruptível.

N em pode entender-se como Deus pode tornar-se-

-nos manifesto mediante as criaturas visíveis. Não é, efecti-

vamente, como o nosso intelecto, conhecido só por Deus e

por nós, o qual, quando começa a pensar, recebe de algumas

imagens, na memória, uma certa forma da cor, do som ou

de outra coisa, ele que antes era informe e, depois disso,

assumindo outra forma de sinais, de sons ou de letras, assim

se partilha a outros. Na verdade, embora Deus, para tornar

conhecida a sua bondade - como querem os religiosos  -

ou devido ao facto de ser a máxima e absoluta necessidade,

tenha criado o mundo, que lhe obedece, para que exista

quem lhe obedeça e o tema e a quem ele julgue, ou devido

a outras razões, é contudo claro que ele não revestiu uma

outra forma, porque é a forma de todas as formas, nem apa-

receu em sinais positivos, porque os próprios signos no

que são exigiriam outros signos nos quais fossem e assim até

ao infinito.

105.

CAPÍTULO III

omáximo complica e explica tudo

de um modo ininteligível

104. Quem pode entender como todas as coisas são

imagem daquela forma única infinita, recebendo da contin-

gência a diversidade, como se a criatura fosse um Deus oca-

sionado, como o acidente uma substância inacabada e a

mulher um homem inacabado ? Porque a própria forma

infinita não é recebida senão de modo finito, de modo

que toda a criatura seja como que uma infinitude finita ou

um Deus criado , para que seja do melhor modo, como se

Nada pode ser dito ou pensado acerca da verdade

susceptível de investigação que não esteja complicado na

primeira parte. Pois tudo o que concorda com aquilo que aí

foi dito sobre a verdade primeira é necessariamente verda-

deiro; o que discorda é falso.' Mas aí foi demonstrado que

não pode haver senão um só máximo de todos os máxi-

mos . Ora o máximo é aquilo a que nada se opõe, no qual

o mínimo é o máximo . Por isso, a unidade infinita é a

complicação de tudo. Diz-se unidade o que une todas as

coisas. E é máxima não só como a unidade é a complicação, Cf. PSEUDO-DIONlsIO, De divinis nominibus, Iv, 2 (PG 3, 696 D; Diony-

s iaca ,

I, 15555.)

21 Cf.

ECKHAHT,

Expo sitio l ibri sap ientia e, n? 49 (Lat. W, II, 376, 1). Ideia de

inspiração aristotélica: De generationc animal ium , II, 3, 737 a 27.

22 Cf.

De con iec turis,

L. II, ca po 14 , n? 14 3 e S.

=cr

sup ra ,

L.

I,

C ap o 5 , n? 13

e n 

14

e

ca po 2,

n?

5.

  Cf .

sup ra ,

L. I, ca po 4.

[74]

[75]

do número, mas porque é a complicação de todas as coisas.

E assim como no número que explica a unidade não se

encontra senão a unidade, assim em todas as coisas que são

Por isso, assim como a unidade precede a alteridade ,

do mesmo modo o ponto, que é a perfeição, precede a gran-

deza. O perfeito vem antes de todo o imperfeito, e assim o

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não se encontra senão o máximo.

Essa unidade chama-se ponto relativamente à quan-

tidade que explica a própria unidade, visto que nada se

encontra na quantidade a não ser o ponto. Assim como em

qualquer parte da linha está o ponto, onde quer que a divi-

das, o mesmo acontece na superfície e no corpo. E não há

senão um só ponto, que não é diferente da própria unidade

infinita, porque ela é o ponto, que é o termo, a perfeição e a

totalidade da linha e da quantidade, complicando-a tam-

bém. E a sua primeira explicação é a linha em que não se

encontra senão o ponto.

106. Assim o repouso é a unidade que complica o movi-

mento, que é o repouso seriadamente ordenado, se presta-

res uma subtil atenção. O movimento é, por isso, a explica-

ção do repouso. Do mesmo modo, o agora ou o presente

complica o tempo. O pretérito foi presente, o futuro será

presente. Nada se encontra no tempo senão o presente

ordenado. O pretérito e o futuro são, por isso, a explicação

do presente. O presente é a complicação de todos os tempos

presentes e os tempos presentes são a sua explicação seriada

e neles não se encontra senão o presente. Um só presente é,

pois, a complicação de todos os tempos. E esse presente é a

própria unidade. Assim também a identidade é a complica-

ção da diversidade, a igualdade da desigualdade e a simplici-

dade a complicação das divisões ou das discrições.

107. Uma só é, pois, a complicação de todas as coisas e

não é uma a da substância, outra a da qualidade ou da quan-

tidade, e assim sucessivamente, porque não há senão um só

máximo com o qual coincide o mínimo em que a diver-

sidade explicada não se opõe

à

identidade complicante.

[76]

repouso antecede o movimento, a identidade a diversidade,

a igualdade a desigualdade e o mesmo se passa com o que é

convertível com a unidade, que é a própria eternidade.

Efectivamente, não pode haver várias coisas eternas .

Portanto, Deus é o que complica tudo pelo facto de que

tudo está nele. E é o que tudo explica pelo facto de que ele

está em tudo.

108. Expliquemos a nossa ideia através dos números: o

número é a explicação da unidade. Ora o número diz-se

razão. E a razão tem a sua origem na mente. Por isso os ani-

mais, que não têm mente, não podem contar. Logo, assim

como o número sai da nossa mente ao compreendermos

como sendo singularmente muitas coisas uma coisa que é

comum, assim a pluralidade das coisas sai da mente divina,

na qual há muitas coisas sem pluralidade porque são na uni-

dade que complica. Ora, como as coisas não podem partici-

par igualmente da própria igualdade de ser, Deus, na eterni-

dade, compreende uma assim, outra de outro modo, daí

surgindo a pluralidade, que nele é a unidade. Com efeito, a

pluralidade ou o número não tem outro ser senão o ser

devido

à

própria unidade. Por isso, a unidade, sem a qual o

número não seria número, é na pluralidade. E explicar a

unidade significa que tudo é na pluralidade.

109. Mas o modo da complicação e da explicação excede a

nossa mente. Quem, pergunto, compreenderia o modo pelo

qual da mente divina deriva a pluralidade das coisas, uma vez

que o entender de Deus é o seu ser, que é a unidade infinita?

zs C( s upra , L. I, capo 7, n? 18.

26

C(

s upra ,

L. I,

capo

7,

n?

21.

[77]

como a quantidade não é senão pelo ser da substância,

contudo, porque lhe é inerente, então a substância é

quantitativa por meio da quantidade. Aqui não se passa o

Se te voltas para considerar a imagem dos números, sendo o

número a multiplicação pela mente do um que é comum,

parece que Deus, que é a unidade, como que semultiplica nas

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[78]

mesmo. Pois a criatura não é assim inerente a Deus. Com

efeito, nada acrescenta a Deus, como o acidente à substân-

cia. Mais ainda, acrescenta de tal modo algo à substância

que, ainda que tenha o ser devido a ela, no entanto resulta

daí que a substância não pode ser sem qualquer acidente.

Nada de semelhante pode existir em Deus.

coisas, visto que o seu entender é ser. E no entanto entendes

que não é possível que essa unidade, que é máxima e infinita,

se multiplique. Por isso, como entendes a pluralidade cujo ser

é devido ao uno sem multiplicação? Ou como entendes a

multiplicação da unidade sem multiplicação? Não ao modo da

multiplicação de uma espécie ou de um género em muitas

espécies ou indivíduos, fora dos quais o género ou a espécie

não são senão devido ao intelecto que abstrai.

110. Como é que Deus, cujo ser de unidade não é pelo

intelecto que o abstrai das coisas, nem unido às coisas ou

imerso nelas, se explica através do número das coisas, nin-

guém entende. Se consideras as coisas sem ele, então são

nada, tal como acontece com o número sem a unidade. Se

o consideras a ele sem as coisas, ele é e as coisas nada são. Se

o consideras como é nas coisas, consideras que as coisas são

alguma coisa em que ele é. E com isso erras, como se verá

no próximo capítulo, porque o ser da coisa não é diferente,

como se fosse uma coisa diversa, mas o seu ser é um ser-

-dependente , Se consideras a coisa como ela é em Deus,

então ela é Deus e a unidade.

Não resta senão dizer que a pluralidade das coisas

resulta do facto de Deus ser no nada. Pois retira Deus da

criatura e nada permanece. Retira a substância do com-

posto e não permanece acidente algum e assim nada

permanece. Como pode isso ser atingido pelo nosso inte-

lecto? Pois ainda que o acidente desapareça, retirada a

substância, nem por isso o acidente é nada. Mas desapa-

rece, porque o ser do acidente é ser-em . E, por isso, assim

  Como poderemos, pois, entender a criatura como

criatura, que é devido a Deus e que nada consequentemen-

te lhe pode proporcionar a ele que é o máximo? E se, como

criatura, ela não tem sequer tanto de ser como o acidente,

mas é totalmente nada, como se compreende que a plurali-

dade das coisas seja explicada pelo facto de Deus ser no nada

já que o nada não tem qualquer entidade? Se dizes: ''A sua

vontade omnipotente é a causa, e a vontade e a omnipotên-

cia são o seu ser, pois toda a teologia está em círculo? , é

necessário então confessar que ignoras completamente

como acontece a complicação e a explicação e dizer apenas

que ignoras o modo, embora saibas que Deus é a complica-

ção e a explicação de todas as coisas e - sendo complicação

- todas as coisas nele são ele próprio, e - sendo explicação

- ele, em todas as coisas, é aquilo que elas são, tal como a

verdade na imagem. E se uma face estivesse numa imagem

própria e fosse multiplicada a partir dela de perto e de longe

segundo a multiplicação da imagem - não digo segundo

a distância espacial, mas segundo o afastamento gradual

da verdade da face pois de outro modo não pode multipli-

car-se - apareceria de modo diverso e multiplicadamente

uma só face nessas imagens diferentes e multiplicadas, de

modo ininteligível, para além dos sentidos e da mente.

v No original: ab ess e

  No original: ad ess e

,.,Sobre o conceito de teologia circular  cf,

supra,

nota 61, p. 49

[79]

112.

CAPÍTULO IV

o

universo sendo apenas o máximo contraído

traído, a infinitude contraída, para ser de modo contraído o

infinito. Nele todas as coisas sem pluralidade são o próprio

máximo contraído com contraída simplicidade e indistin-

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é

imagem do absoluto

Se desenvolvermos, com subtis considerações, as

coisas que anteriormente nos foram mostradas pela douta

ignorância, apenas pelo facto de sabermos que tudo é o

máximo absoluto ou é devido a ele, muitas coisas se nos

mostrarão sobre o mundo ou universo que eu quero

[entender] somente como o máximo contraído. Efecti-

vamente, esse máximo contraído ou concreto, tendo do

absoluto tudo aquilo que é, imita então quanto pode este

máximo maximamente absoluto. Por isso, aquilo que no

primeiro livro se nos tornou conhecido sobre o máximo

absoluto, na medida em que convém maximamente ao

máximo absoluto, afirmamos convir contraidamente ao

máximo contraído.

113. Exemplifiquemos um pouco, para prepararmos o

acesso a quem investiga. Deus é a maximidade absoluta e a

unidade, antecedendo e unindo absolutamente as coisas

diferentes e distantes, como é o caso dos contraditórios

entre os quais não há posição intermédia. [Essa maximi-

dade absoluta] é de modo absoluto aquilo que são todas as

coisas, é o princípio absoluto em todas, o fim das coisas e a

entidade. Nele todas as coisas são sem pluralidade o próprio

máximo absoluto de modo simplicíssimo e indistinto. Tal

como a linha infinita é todas as figuras , assim do mesmo

modo o mundo ou universo é o máximo contraído e uno,

que precede os opostos contraídos, como são os contrários,

e que existe contraidamente no que são todas as coisas, e é

o princípio contraído em tudo, o fim das coisas, o ente con-

JO

C(

su p r a ,

L. I, caps. 13-15, n  35-41.

[80]

ção, assim como a linha máxima contraída é, de modo con-

traído, todas as figuras.

114. Daí que, quando se considera rectamente a contrac-

çâo,

todas as coisas são claras. Pois a infinitude con-

traída ou simplicidade ou indistinção, desce, na contracção,

em grau infinito, daquele que é absoluto, de modo que o

mundo infinito e eterno caia, sem proporção, da infinitude

e da eternidade absoluta e o uno da unidade. Por isso, a

unidade absoluta está desligada de toda a pluralidade. Mas a

unidade contraída que é o universo uno, apesar de ser o

máximo uno, uma vez que é contraída, não está desligada

da pluralidade, embora não haja senão um só máximo con-

traído. E assim, ainda que seja maximamente uno, a sua

unidade é, contudo, contraída pela pluralidade, como a infi-

nitude é contraída pela finitude, a simplicidade pela compo-

sição, a eternidade pela sucessão, a necessidade pela possibi-

lidade, etc., como se a necessidade absoluta se comunicasse

sem mistura e terminasse de modo contraído no seu oposto.

E se a brancura tivesse em si o ser absoluto, sem a abstracção

do nosso intelecto, e fosse por ela que o branco fosse con-

traidamente branco, então a brancura terminaria pela não

brancura no branco em acto, de modo que este fosse branco

pela brancura porque sem ela não seria o branco.

115. Daqui poderá aquele que investiga extrair muitas

coisas. Pois assim como Deus, sendo imenso, não é nem

no sol nem na lua, embora neles seja o que são de modo

absoluto, assim o universo não é nem no sol nem na lua,

mas neles é o que são de modo contraído. E porque a qui-

didade absoluta do sol não é diferente da quididade abso-

luta da lua - porque é o próprio Deus que é a entidade e a

[81]

quididade absoluta de todas as coisas -, e a quididade con-

traída do sol é diferente da quididade contraída da lua-

porque assim como a quididade absoluta de uma coisa não

ereto, assim consideramos que o máximo absoluto está pri-

meiro no máximo contraído, para em seguida estar em

todas as coisas particulares, porque ele é de modo absoluto

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é a própria coisa, assim a quididade contraída de uma coisa

não é diferente dela própria -, torna-se então claro que

como o universo é uma quididade contraída, que é con-

traída de um modo no sol e de outro modo na lua, então a

identidade do universo existe na diversidade, tal como a

unidade na pluralidade. E, assim, embora o universo não

seja nem sol nem lua, é, contudo, sol no sol e lua na lua.

Mas Deus não é sol no sol, e lua na lua, mas é aquilo que é

o sol e a lua sem pluralidade e diversidade. Universo signi-

fica universalidade, ou seja, unidade de muitas coisas. Por

isso, assim como a humanidade não é nem Sócrates, nem

Platão, mas Sócrates em Sócrates e Platão em Platão, assim

é o universo em relação a todas as coisas.

116. Mas porque foi dito que o universo só é o primeiro

contraído, sendo nisto máximo, vê-se como todo

o universo vem ao ser através da simples emanação do

máximo contraído a partir do máximo absoluto. Ora todos

os entes, que são partes do universo, sem as quais o uni-

verso, na medida em que é contraído, não poderia ser uno,

todo e perfeito, vieram simultaneamente ao ser com o uni-

verso, e não primeiro a inteligência, depois a alma nobre, a

seguir a natureza, como quis Avicena e outros filósofos .

Contudo, assim como na intenção do artífice está primeiro

o todo, ou seja, a casa, do que a parte, ou seja a parede, assim

dizemos, porque todas as coisas vieram da intenção de Deus

ao ser, que então o universo veio primeiro e todas as coisas

na sequência dele, e sem elas não poderia ser nem universo,

nem perfeito. Daí que, assim como o abstracto está no con-

31 Cf AVICENA,

Meta ph vs ica ,

IX, 4; PROCLO, El emen ta ti o t heol ogigc a, 129; Lib er

de ca usis,

VIII, 87.

[82]

naquilo que é tudo contraidamente. Efectivamente, Deus é

a quididade absoluta do mundo ou do universo. Mas o uni-

verso é a própria quididade contraída. Contracção significa,

relativamente a uma coisa, o ser isto ou aquilo. Deus, pois,

que é uno, é no universo uno. Mas o universo é contraida-

mente em todas as coisas.

E assim pode entender-se como Deus, que é a unida-

de mais simples, existindo no universo uno, é, consequente-

mente, como que mediante o universo, em todas as coisas, e

a pluralidade das coisas é, mediante o universo, em Deus.

117.

CAPÍTULO V

Qualquer coisa em qualquer coisa

Se consideras com agudeza o que já foi dito, não te

será difícil ver o fundamento de verdade daquela frase de

Anaxágoras qualquer coisa é em qualquer coisa? , talvez

ainda mais profunda do que o próprio Anaxágoras pensou.

Com efeito, sendo manifesto, segundo o livro primeiro,

que Deus é em todas as coisas de um modo tal que todas

são nele , e constando agora que Deus é em todas as coi-

sas como que mediante o universo, daí resulta que tudo é

em tudo e que qualquer coisa é em qualquer coisa. Com

efeito, o universo como que por uma certa ordem natural,

enquanto perfeitíssimo, precede tudo para que qualquer

coisa possa ser em qualquer coisa. Pois em qualquer cria-

tura o universo é a própria criatura e assim qualquer coisa

  ANAXAGORAS, fr. 6 (Diels, Vcmakrat iker , lI, 1960, p. 35.

  cr

sup ra , L. I, cap o 2, n? 5.

[83]

recebe todas as coisas para que sejam ela própria de modo

contraído. Como qualquer coisa não pode ser em acto

todas as coisas, uma vez que é de modo contraído, contrai

119. Repara no exemplo: é claro que a linha infinita é

linha, triângulo, círculo e esfera . Toda a linha finita tem

o seu ser devido

à

infinita que é tudo aquilo que é. Por

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todas as coisas para que sejam ela própria. Se, por isso,

tudo é em tudo, a totalidade das coisas parece prece-

der cada coisa. Mas a totalidade das coisas não é plural,

porque a pluralidade não precede qualquer coisa. Daí que

tudo, sem pluralidade, tenha precedido qualquer coisa,

segundo a ordem natural. Em qualquer coisa não são em

acto m~itas coisas mas tudo sem pluralidade é essa qual-

quer COIsa.

118. O universo não é nas coisas a não ser de modo con-

traído e toda a coisa que existe em acto contrai todas de

m?do a que sejam em acto aquilo que ela é. Tudo o que

existe em acto é em Deus porque ele é o acto de todas

as coisas. Ora o acto é a perfeição e o fim da potência. Daí

q~e, como o universo é contraído em qualquer coisa que

existe em acto, vê-se que Deus, que é no universo, é em

qualquer coisa e que qualquer coisa que existe em acto é

imediatamente em Deus, assim como o universo. Logo, não

é. diferente dizer qualquer coisa é em qualquer coisa  e

dizer que Deus por todas as coisas é em todas as coisas e

todas as coisas por todas as coisas são em Deus. Estas coisas

sumamente elevadas compreendem-se com um intelecto

subtil, como Deus é sem diversidade em todas as coisas

porque qualquer coisa é em qualquer coisa, e como todas

as coisas são em Deus, porque todas as coisas são em todas

as coisas. Mas como o universo é em qualquer coisa de

um modo tal que qualquer coisa é nele, o universo é em

qualquer coisa de modo contraído aquilo que ela própria

é de modo contraído, e qualquer coisa é no universo o

próprio. universo, ainda que o universo seja em qual-

quer COIsade modo diverso e qualquer coisa seja de modo

diverso 'no universo.

[84]

isso, na linha finita tudo aquilo que é a linha infinita-

como linha, triângulo, etc. -, é aquilo que é a linha fini-

ta. Assim, toda a figura na linha finita é a própria linha. E

nela não é triângulo, círculo ou esfera em acto, porque de

muitas coisas em acto não resulta uma só em acto, uma

vez que qualquer coisa não é em acto em qualquer coisa,

mas o triângulo na linha é linha, o círculo na linha é linha,

e assim sucessivamente. E para que vejas com mais clare-

za: a linha não pode ser em acto senão no corpo, como

será mostrado noutro local . Mas ninguém duvida de que

no corpo longo, largo e profundo estão complicadas todas

as figuras. Todas as figuras são, pois, em acto na linha em

acto a própria linha, no triângulo triângulo e assim suces-

sivamente. Na verdade, todas as coisas são pedra na pedra,

na alma vegetativa a própria alma, na vida vida, nos senti-

dos sentidos, na vista vista, no ouvido ouvido, na imagi-

nação imaginação, na razão razão, no intelecto intelecto,

em Deus Deus. E agora vê como a unidade das coisas ou

o universo é na pluralidade e, inversamente, a pluralidade

na unidade.

120. Considera mais atentamente e verás como qualquer

coisa que existe em acto repousa pelo facto de todas as coi-

sas nela serem ela própria e ela própria em Deus ser Deus.

Vês a admirável unidade das coisas, a unidade digna de ser

admirada e a conexão sumamente admirável de modo que

tudo seja em tudo. Compreendes mesmo que a diversi-

dade das coisas e a conexão é disto resultado. Pois como

qualquer coisa não pode ser em acto todas as coisas - por-

 C( sup ra , L. I,

cap s.

13-15,

n

M

35-41

e

L. II,

capo

4,

n?

113.

  C(

sup ra ,

L. II,

capo

6,

125;

De

coniecturis, L. II,

capo

4,

92.

[85]

que seria Deus e por isso todas as coisas seriam em qual-

quer coisa do modo que podiam e segundo o qual é qual-

quer coisa - e como qualquer coisa não pode ser seme-

traída como se fosse o universo. E assim como a própria

humanidade absoluta é antes de mais nada e prioritaria-

mente no homem e depois em qualquer membro ou qual-

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lhante em tudo a outra, como ficou claro anteriormente 

acontece então que todas as coisas são em graus diversos,

tal como aquele ser, que não pôde ser simultaneamente de

modo incorruptível, tornou-se ser de modo incorruptível

na sucessão temporal, para que assim todas as coisas sejam

aquilo que são porque não puderam ser de modo diferente

e melhor.

121. Repousam, pois, todas as coisas em qualquer coisa,

porque um grau não pode ser sem outro, como nos mem-

bros do corpo um é útil a outro e todos se satisfazem em

todos. Uma vez que o olho não pode ser mão e pé e outros

membros em acto, contenta-se em ser olho e o pé em ser pé.

E todos os membros se ajudam mutuamente para que qual-

quer um seja, do melhor modo que pode, aquilo que é. E

não são mão nem pé no olho, mas no olho são olho, enquan-

to o próprio olho é de modo imediato no homem. E assim

todos os membros são no pé, enquanto o pé é, de modo ime-

diato, no homem, de modo que qualquer membro median-

te qualquer membro seja, de modo imediato no homem e o

homem, isto é, o todo, seja por qualquer membro em qual-

quer membro assim como o todo nas partes é mediante

qualquer parte em qualquer parte.

122. Portanto, se consideras a humanidade como se

fosse qualquer coisa de absoluto, não misturável e incon-

traível, e se consideras o homem no qual é a própria

humanidade absoluta de modo absoluto e devido ao qual é

a própria humanidade contraída, que é o homem, a pró-

pria humanidade absoluta é como se fosse Deus e a con-

 C(

sup ra ,

L.

n, capo

1, n

M

91-95 e L. I,

capo

3, n? 9.

[86]

quer parte, e a própria humanidade contraída é olho no

olho e coração no coração, etc., e, deste modo, é contrai-

damente qualquer coisa em qualquer coisa, então de acor-

do com esta posição descobre-se a semelhança de Deus e

do mundo e como se pode ser guiado pela mão com tudo

o que foi tratado nestes dois capítulos e com muitas outras

coisas que se vão seguir daqui.

123.

CAPÍTULO VI

A complicação e os graus de contracção do universo

Descobrimos nas considerações anteriores, acima de

todo o intelecto, que o universo ou mundo é uno, sendo a

sua unidade contraída através da pluralidade, de modo a ser

unidade na pluralidade. E porque a unidade absoluta é pri-

meira e a unidade do universo é devido a ela, a unidade do

universo será a segunda unidade que consiste numa certa

pluralidade. E porque, como se mostrará no De

con ieauri s  ,

a segunda unidade é a correspondente ao dez, ou seja, a que

une os dez predicados, o universo uno será aquele que

explica a primeira unidade absoluta e simples na contracção

do número dez. Mas todas as coisas são complicadas no

número dez, porque não há número acima desse . Por isso,

a unidade do universo correspondente ao dez complica a

pluralidade de todas as coisas contraídas. E porque aquela

unidade do universo, como princípio de todas as coisas

contraídas, está em tudo, na medida em que o dez é a raiz

  C(

De coniectu r is ,

L. I, capo 6, n? 22.

38 C( De coniec tur i s , L. I, capo 3, n  10 e 11.

[87]

quadrada do cem e cúbica do mil, desse modo a unidade

do universo é a raiz de todas as coisas. Desta raiz surge, em

primeiro lugar, o número quadrado como terceira unidade

125. E através destas considerações vê-se como os uni-

versais não são senão contraidamente em acto. E é por isso

que os Peripatéticos dizem, com verdade, que os universais

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e o número cúbico como última ou quarta unidade. E a ter-

ceira unidade é a primeira explicação da unidade do univer-

so, ou seja, o cem, e a quarta unidade a última explicação, ou

seja, o mil .

124. E assim descobrimos as três unidades universais

descendo gradualmente até ao particular, no qual se con-

traem, para que sejam, em acto, esse part icular. A primeira

unidade absoluta complica todas as coisas absolutamente,

a primeira unidade contraída complica todas as coisas

contraidamente. Mas determina a ordem que a primeira

unidade absoluta pareça quase complicar a primeira uni-

dade contraída, para complicar, por intermédio dela, todas

as coisas; e que a primeira unidade contraída pareça com-

plicar a segunda unidade contraída e, por intermédio

dela, a terceira unidade contraída. E a segunda unidade con-

traída pareça complicar a terceira unidade contraída, que é a

última unidade universal e a quarta a partir da primeira,

para, por intermédio dela, se tornar particular. Vemos assim

como o universo, mediante três graus, se contrai em qual-

quer particular.

O universo é, pois, como se fosse a universalidade

dos dez sumos géneros, a que se seguem os géneros e depois

as espécies. São, assim, os universais segundo os seus graus,

e existem numa certa ordem natural, gradualmente, antes

da coisa que os contrai em acto. E porque o universo é con-

traído, não se encontra senão explicado nos géneros e os

géneros não se encontram senão nas espécies. As coisas

individuais são, no entanto, em acto e nelas são, de modo

contraído, todas as coisas.

39

C(

·D e coniec tur is,

L. I, capo 4, n? 13.

[88]

não são em acto fora das coisas . Com efeito, só o singular

é em acto e nele os universais são o próprio singular de

modo contraído. Todavia, segundo a ordem natural, os uni-

versais têm um certo ser universal contraível pelo singular,

não porque sejam em acto antes da contracção de um modo

diferente do que é próprio da ordem natural, ou seja, como

universal contraível que não subsiste em si, mas apenas

enquanto é em acto, tal como o ponto, a linha e a superfície

precedem, segundo uma ordem progressiva, o corpo, no

qual, apenas, são em acto. Porque o universo não é em act.o

senão de modo contraído e, assim, também todos os UnI-

versais. Os universais não são apenas entes de razão, embo-

ra não se encontrem fora das coisas singulares em acto. Tal

como a linha e a superfície, embora não se encontrem fora

do corpo, nem por isso são apenas entes de razão, porque

são no corpo como os universais são nas coisas singulares.

Mas o intelecto, por abstracção, faz com que eles sejam fora

das coisas. Ora o que resulta da abstracção é um ente de

razão porque o ser absoluto não lhe pode convir. O univer-

sal completamente absoluto é Deus.

126. O modo como o universal está no intelecto

através da abstracção vê-lo-ernos no livro D e c on ie ctu r is  ;

embora se possa mostrar claramente do que foi dito que

aí [no intelecto] ele não é senão o intelecto sendo assim,

intelectualmente, de modo contraído. O seu entender,

sendo [um modo de] ser mais claro e mais alto, apreende

a contracção dos universais em si e nas outras coisas.

•• C( BOÉCIO, 1/1 Isogo ge» Porphyri i (om ment a, 1,10 (onde é posta a questão

dos universais em termos idênticos aos que são aqui referidos por Nicolau

de Cusa).

  Cf.

De coniecturis ,

L.

lI 

capo 13, n? 134.

[89]

que se apreende numa certa correlação com o que é mais

humano, assunto de que já foi dito o suficiente no pri-

meiro livro - assim a unidade máxima contraída, na

Efectivamente, os cães e os outros animais da mesma

espécie estão unidos por causa da natureza comum espe-

cífica que está neles. E esta natureza específica também

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[90]

medida em que é unidade, é trina, não de modo absoluto,

de maneira que a trindade seja unidade, mas de modo con-

traído, de maneira que a unidade não seja senão na trinda-

de, como o todo é de modo contraído nas partes. Na divin-

dade, a unidade não é de modo contraído na trindade, como

o todo nas partes ou o universal nas coisas particulares, mas

a própria unidade é trindade. Por isso, qualquer uma das

pessoas é a própria unidade. E porque a unidade é trindade,

uma pessoa não é outra. Mas no universo não pode ser

assim. Por causa disso, aquelas três correlações, que na

divindade se chamam pessoas, não têm o ser em acto senão

em conjunto na unidade.

estaria contraída neles se o intelecto de

Platão

não pro-

duzisse a espécie por comparação das semelhanças entre

si. Vem, pois, o entender depois do ser e do viver em rela-

ção

à

sua actividade, porque pela sua actividade não pode

dar ser, nem viver, nem

entender .

Mas o entender do

próprio intelecto em relação

à

coisa entendida vem depois

do ser, do viver e do entender da natureza, por semelhan-

ça. Por isso os universais, que faz por comparação, são

uma semelhança dos universais contraídos nas coisas. Eles

são já contraídos no próprio intelecto, antes mesmo de

este os explicitar pelo entender, que é a sua actividade,

através de sinais exteriores. Ele nada pode entender que

não seja nele ele próprio de modo contraído. Por isso,

entendendo, [o intelecto] explica um certo mundo de

semelhanças, que é nele contraído, através de notas e

sinais feitos

à

semelhança.

Sobre a unidade e a contracção do universo está aqui

dito o suficiente. Acrescentemos mais alguma coisa sobre a

sua trindade.

127.

CAPÍTULO VII

128.

É

necessário prestar muita atenção a isto. Na divinda-

de é tão grande a perfeição da unidade que é trindade: o Pai é

Deus em acto, o Filho é Deus em acto e o Espírito Santo é

Deus em acto; o Filho e o Espírito Santo são em acto no Pai,

o Filho e o Pai no Espírito Santo, o Pai e o Espírito Santo no

Filho. Não pode ser assim num [ser] contraído. Pois as cor-

relações não são subsistentes por si a não ser em conjunto;

nem uma qualquer coisa pode, por isso, ser universo, mas

todas em conjunto; e uma não é em acto nas outras, mas são

do modo que lhes permite a condição da contracção contraí-

das reciprocamente tão perfeitissimamente que delas surge

um universo uno que não poderia ser uno sem essa trindade.

A contracção não pode ser sem o contraível, o contraente e o

nexo que se perfaz no acto comum a ambos.

Mas a contraibilidade significa uma certa possibili-

dade e ela procede descensivamente da unidade geradora na

divindade, assim como a alteridade procede descensiva-

  trindade do universo

Uma vez que a unidade absoluta é necessa-

riamente trina, não de modo contraído mas de modo abso-

luto - com efeito a unidade absoluta não é senão trindade,

  Não se t ra ta de uma re ferênci a a Plat ão , mas da u tilização do nome Platão

como poderia ser uti lizado qualquer outro nome para referir um intelecto concreto.

 

Trata-se aqui da tríade neoplat6nica ser , viver , entender  C E PROCLO,

Etem en ta tio theo logica ,101 ) .

• •C E

sup ra ,

L. I, caps. 9 elO, n

M

24-27 e capo 19, n? 56.

[91]

mente da unidade. Significa mutabilidade e alteridade, pois,

considerando o princípio, nada é antes da unidade. Mas

também não passa ao ser nada que antes não possa ser.

Assim, nada parece preceder o poder. Como é que algo seria

como uma espeCle de espírito de amor, uma especie de

movimento que une aquelas coisas. E a este nexo costumam

alguns chamar possibilidade determinada , porque o poder

ser é determinado a ser isto ou aquilo em acto pela união

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se antes não pudesse ser? Por isso a possibil idade procede

descensivamente da unidade eterna.

129. E o próprio contraente, na medida em que delimita

a possibilidade do contraível, procede descensivamente

da igualdade da unidade. Pois a igualdade da unidade é

igualdade de ser. Com efeito, o ente e o uno são mutua-

mente convertíveis , Como o contraente é aquilo que torna

a possibilidade adequada a ser isto ou aquilo de modo con-

traído, é com razão que se diz que procede descensiva-

mente da igualdade de ser, que, na divindade, é o Verbo. E

porque o próprio Verbo, que é a razão, a ideia e a necessi-

dade absoluta das coisas, obriga e constringe a possibilidade

por meio desse contraente, a esse mesmo contraente cha-

maram alguns forma ou alma do mundo e possibilidade

à

matéria , outros chamaram-lhe destino na substância,

outros, como os platónicos, necessidade da complexão 

porque procede descensivamente da necessidade absoluta

como se fosse uma espécie de necessidade contraída e de

forma contraída na qual estão todas as formas na verdade.

Sobre isso falar-se-á depois .

130. Em seguida há o nexo entre o contraente e o

contraível, ou seja da matéria e da forma,. ou da possibili-

dade e da necessidade da complexão que se perfaz em acto

,; Para a teoria da convertibili dade dos transcendentais, cf. ARISTÓTELES,

Metaphysica ,

III, 2, 1003 b 23 e VI, 16, 1040 b 16.

•• Cf. ainda JOÃo DESALISBÚRIA,D e s ep te m s ep tenis, VII (PL, 199, 962 A).

  Cf. THIERRYDECHARTRES,

C/ossa s up er Llbr um . Boet hii De Tiinita te, lI 

21

(Ed. de N. M. Haring, AHDLM, 31 (1956), p.284) .

•• Cf.

inJra,

n? 130 e capo 9, n? 142 e n~ 148-150.

[92 ]

da sua forma determinante e da sua matéria determinável.

É manifesto que este nexo procede descensivamente do

Espírito Santo, que é o nexo infinito .

A unidade do universo é, pois, trina, porque proce-

de da possibil idade, da necessidade da complexão e do nexo,

que se podem chamar potência, acto e nexo. Daqui retira os

quatro modos universais de ser . Há um modo de ser, que

se chama necessidade absoluta, isto é, Deus enquanto forma

das formas, ente dos entes, razão ou quididade das coisas. E,

neste modo de ser, todas as coisas em Deus são a própria

necessidade absoluta. Outro modo é aquele próprio das coi-

sas enquanto são na necessidade da complexão, na qual as

formas das coisas são em si verdadeiras com distinção e

segundo a ordem natural, como [são] na mente. Se isto é

assim, vê-lo-ernos mais abaixo . Outro modo de ser é aque-

le próprio das coisas como são na possibilidade determi-

nada de ser isto ou aquilo em acto. E o modo de ser inferior

é aquele próprio das coisas na medida em que podem ser, e

é a possibilidade absoluta.

131. Os três últimos modos de ser existem numa só uni-

versalidade, que é o máximo contraído. É por eles que é o

modo universal de ser, porque nada sem eles pode ser. Digo

•• Cf. THIERRYDE CI-lARTRES, eaiones in B oeth ii I ib ru m De Ti initate, Il 9-11

(Ed. de N. M. Haring, AHDLM, 33 (1958) pp. 154-155) e

C/ ossa sup er Librum

Boet hi i De

Ti ini ta te,

n. 22 (Ed. de N. M. Haring, AHDLM, 31 (1956) p . 285).

50 Cf. THIERRYDE CI-lARTRES,Comm etltum sup er Boe th ii tibr um De Ti inita u,

lI 

42 (Ed. de N. M. Haring, AHDLM, 35 (1960), p. 103)

51

Cf. THIERRYDE CHARTRES,

Lect iones ill Boethii Iibrum De Tr ini ta t e ,

11,9 e ss.

(Ed. de N. M. Haring, AHDLM, 33 (1958) , p . 154 e sg.) e

C/os sa S I IperLibru m Boet hii

De Ti initate,

11, 12 e sg. (Ed. de N. M. Haring, AHDLM, 31 (1956), p. 281 e sg.),

52 Cf.

infra,

Capo 9, n  149-150.

[93]

modos de ser, porque não é um modo universal de ser, como

se fosse composto dos três, à maneira de partes, como a casa

[é composta] de tecto, dos alicerces e das paredes, mas [é

composto] dos modos de ser, como a rosa, que está em

seja também verdade dizer a possibil idade absoluta é . Mas

não a afirmaram coeterna a Deus, porque ela é [derivada]

dele . E não é alguma coisa nem nada, nem uma nem mui-

tas, nem isto nem aquilo, nem uma coisa determinada, nem

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potência na roseira no inverno e em acto no verão, passou do

modo de ser da possibilidade ao modo de ser determinado

em acto. Vemos, por isto, que um é o modo de ser da possi-

bilidade, outro o da necessidade, outro o da determinação

actual, dos quais resulta um único modo universal de ser,

porque sem eles nada é nem um é em acto sem o outro.

132. CAPÍTULO VIII

  possibilidade ou a matéria do universo

Para que exponhamos aqui, pelo menos resumida-

mente, as coisas que possam tornar dou ta a nossa

ignorância, abordemos um pouco os três modos de ser já

referidos, começando pela possibilidade. Dela muito foi

dito pelos antigos, admitindo todos a afirmação de que de

nada nada pode ser feito , E, por isso, afirmaram uma certa

possibilidade de ser tudo e [consideraram-na] eterna na

qual julgavam complicadas como possíveis todas as coisas.

Conceberam-na como matéria ou possibilidade, racioci-

nando de modo contrário ao [da concepção] da absoluta

necessidade como se entende o corpo de modo não corpó-

reo, abstraindo do corpo a forma da corporeidade . E assim

não atingiram a matéria senão pelo modo da ignorância.

Pois como se entende o corpo sem a forma, de modo incor-

póreo? Diziam que esta precede por natureza toda a coisa,

de tal maneira que nunca é verdade dizer Deus é , que não

53 ARISTÓTELES,

Metapl ivs ica , XI, 6, 1062 b 24-26;

cf.

também Ph ysica, I, 4,

187 a 28-29.

 cc

TI llERRYDE

C

WURES,

C om m en tu m s u pe r B o e th ii I ib r um D e T r in it ate,

II,

19 e II, 27 (Ed. de N. M. Haring, AHDLM, 35 (1960), p. 97 e p. 99).

[94]

o que nem o como, mas possibilidade de [ser] todas as coi-

sas e nenhuma de todas as coisas em acto ,

133. Os platónicos chamaram-lhe carência por carecer

de forma. E porque carece apetece. E, por isso, é aptidão,

porque obedece

à

necessidade, que sobre ela impera, ou

seja, que a atrai a ser em acto, como a cera [obedece] ao

artífice que dela quer fazer alguma coisa .

A

informidade

procede da carência e da aptidão, ligando-as, como se a

possibilidade absoluta fosse como que trina, de modo não

composto, porque a carência, a aptidão e a informidade

não podem ser partes dela. De outro modo, alguma coisa

precederia a possibilidade absoluta, o que é impossível.

Daí que sejam modos sem os quais a possibilidade absolu-

ta não o seria. Com efeito, a carência é, de modo contin-

gente, na possibilidade. E do facto de não ter a forma que

pode ter diz-se que carece. Daí a carência. Ora a informi-

dade é como que uma forma da possibilidade, a qual,

como quiseram os platónicos, é como que a matéria das

formas. Efectivamente, a alma do mundo  liga-se

à

maté-

ria segundo aquela que chamaram raiz vegetável, de tal

maneira que, como a alma do mundo se mistura com a

possibil idade, aquela vegetabil idade informe é levada a ser

  Cf. TI llERIW DE C~TRES Comme/l tum sup er B o et hi i l ib r um De Tri/litate,

II,

28 (Ed. de N. M. Haring, AHDLM, 35 (1960), P: 99) e Lectiones irl Bo ethii / ibrum

De Tr i tl i ta t e , II, 25 (Ed. de N. M. Haring, AHDLM, 33 (1958), p. 160).

  Cf. ARISTÓTELES,

Metaphvsica , VII, 3, 1029 a 20-21.

57

Cf. JOÃo DE SALISBÚURIA,

D e s ep te m s ep te ni s, VII (PL, 199, 961 D) e

TI I1ERRYDE CHARTRES,

Commentum

»t«

B o et hi i l ib r um De Tritlitate, II, 22 (Ed. de

N. M. Haring, AHDLM, 35 (1960), p. 97) e C/ oss a super Libtum Bo et hi i De Trinitate ,

II, 18(Ed. de N. M. Haring, AHDLM, 31 (1956), p. 283).

se Cf.

infra ••

ca p o

9.

[95]

em acto alma vegetativa pelo movimento que desce da

alma do mundo e pela mobilidade da possibilidade ou da

vegetabilidade. Foi por isso que afirmaram que essa infor-

eficiente. Por isso, as formas estão de certo modo, como

possíveis, na matéria e são trazidas a acto segundo a conve-

niência do eficiente .

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midade era como que a matéria das formas que, pela

[forma] sensit iva, racional e intelectual, se forma de modo

a ser em acto.

134. Daí que Hermes dissesse que a

yl e

é a que nutre os

corpos e a ausência de forma a que nutre as almas , E

alguém, de entre os nossos , dizia que o caos havia precedi-

do naturalmente o mundo e que havia sido a possibilidade

das coisas e nele esteve aquele espírito informe no qual

todas as almas são de modo possível.

E por isso diziam os antigos estóicos que todas as for-

mas são em acto na possibilidade, mas que estão escondidas e

aparecem retirando o que as cobre, do mesmo modo que a

colher é feita da madeira apenas retirando partes [dela ] 6 1 .

135. Mas os peripatéticos diziam que as formas eram na

matéria só de modo possível e que eram tiradas por uma

[causa] eficiente. E isso é mais verdadeiro, já que as formas

não são apenas a partir da possibilidade, mas por uma causa

eficiente. Pois quem retira partes da madeira para que da

madeira se faça uma estátua acrescenta algo no âmbito da

forma. E isto é claro. Que da pedra se não possa fazer uma

arca mediante o artífice, é deficiência da matéria. E que

alguém diferente do artífice não possa fazê-Ia da madeira, a

deficiência está no eficiente. Requer-se, por isso, matéria e

  Cf TlIlERRY DE CI~TRES,

Tracta tu s de se pt em di ebu s,

26 (Ed. de

N.

M.

Haring, AHDLM, 30 (1955), p. 193). Cf também

ASCLEPIUS

14.

•• Cf AGOSTINHO,

De genesi contra

Manicheos , I, 5 (PL, 34, 178). Cf também

TIIIERRYDECHARTRES,

Tra ctatus de se pl em diebu s,

(Ed. de

N.

M. Haring, AHDLM,

30 (1955 ), p. 192-193);

Lection es

i I

B oet hi i l ib r um

De

'Irinitate, n,

10 (Ed. de

N.

M.

Ha ri ng, AHDLM, 33 (1958), p. 155) e

C/ oss a super Librum Boethii De Tiinitate

II

18 (Ed. de

N

M. Haring, AHDLM, 31 (1956), p. 283). ' ,

  CALCfDIO,

Commentarius in Thimaeum ,

CCCXI.

[96]

Assim disseram que na possibilidade absoluta estava

de modo possível a totalidade das coisas. E essa possibilida-

de absoluta é ilimitada e infinita por causa da carência da

forma e da aptidão para todas como é ilimitada a possibili-

dade de plasmar na cera a figura do leão, da lebre ou de

qualquer outra coisa. E esta infinitude é contrária à infini-

tude de Deus, porque esta é por causa da carência, mas a de

Deus por causa da abundância, porque nele todas as coisas

são ele próprio em acto. Assim a infinitude da matéria é pri-

vativa, a de Deus é negativa . Esta é a posição daqueles que

falaram da possibilidade absoluta.

136. Mas nós, pela douta ignorância, descobrimos que a

possibilidade absoluta é impossível. Pois, como, entre as coi-

sas possíveis, nada pode ser menor que a possibilidade abso-

luta que está muitíssimo próxima do não-ser  - ainda

segundo a posição dos autores - chegar-se-ia assim ao míni-

mo e ao máximo nas coisas susceptíveis de mais e de menos,

o que é impossível . Por isso, a possibilidade absoluta em

Deus é Deus, mas fora dele não é possível. Pois nunca pode

ser dada alguma coisa que seja em potência absoluta, porque

todas as coisas para além do primeiro são necessariamente

contraídas. Se se encontram diversas coisas no mundo que se

comportam de modo que de uma podem derivar-se mais coi-

sas do que de outra, não se chega ao máximo e ao mínimo de

modo simples e absoluto. Mas porque se descobre isso, vê-se

que não é possível dar-se a possibilidade absoluta.

62 Cf THIERRYDECI IARTRES,Tia t ta tus

de

sept eni

diebu s,

28 (Ed. de N. M.

Haring, AHDLM, 30 (1955 ), pp. 193-194),

.,cr sup ra ,

capo 1, n? 97, nota 9.

•• Cf João ESCOTO ERIÚGENA,

De diu ision e lIa ume  Il

5 (PL, 122, 546 C)

sscr

sup ra ,

capo 1, n? 91.

[97]

137. Por isso, toda a possibilidade é contraída. Mas é-

contraída pelo acto. Assim não se encontra a pura possibi-

lidade completamente indeterminada por qualquer acto. E

a aptidão da possibilidade não pode ser infinita, absoluta e

13 9. Daí que, ainda que Deus seja infinito e pudesse,

com isso, criar o mundo infinito, no entanto - porque

a possibilidade foi necessariamente contraída e não total-

mente absoluta ou uma aptidão infinita - então segundo a

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privada de toda a contracção. Deus, como é o acto infinito,

não é senão a causa do acto. Mas a possibilidade de ser é de

modo contingente. Por isso, se a possibil idade é absoluta,

em relação a quê é ela contingente? A possibilidade é con-

tingente pelo facto de que o ser [derivado] do primeiro não

pode ser completamente, simplesmente e absolutamente

em acto. Por isso, o acto é contraído pela possibilidade, de

modo a não ser absolutamente senão em potência. E a

potência não é absolutamente a não ser que seja contraída

pelo acto.

Há diferenças e gradações de modo que uma coisa

seja mais em acto, outra mais em potência, sem que com

isto se chegue ao máximo e ao mínimo de modo simples,

porque o máximo e o mínimo em acto coincidem com a

potência máxima e mínima e são o referido máximo de

modo absoluto, como foi mostrado no primeiro livro .

138. Mais ainda: se a possibilidade das coisas não fosse

contraída, não poderia ter-se a razão das coisas, mas todas

seriam ao acaso como quis, erradamente, Epicuro . Que

este mundo derivasse de modo racional da possibilidade,

isso deve-se necessariamente ao facto de a possibil idade ter

tido aptidão para ser apenas este mundo. Por isso, a aptidão

da possibilidade foi contraída e não absoluta. E assim tam-

bém no caso da terra e do sol, e das outras coisas que se não

estivessem ocultas na matéria segundo uma certa possibili-

dade contraída não haveria maior razão para se tornarem

acto do que para se não tornarem.

 . C(

 upra,

L. I, cap o 16, n? 42.

67 C( JOÃO DE SALISI3ÚRIA, Enth cticu s, 579 (PL, 199, 977 D)

[98]

possibilidade de ser o mundo não pôde ser infinito em acto,

maior ou de outro modo. Ora a contracção da possibilidade

é [derivada] do acto e o acto é [derivado] do próprio acto

máximo. Por isso, como a contracção da possibilidade é

[derivada] de Deus e a contracção do acto é [derivada] da

contingência, este mundo necessariamente contraído pela

contingência é finito. Vemos, assim, pelo conhecimento da

possibilidade como a maximidade contraída resulta da pos-

sibilidade necessariamente contraída. Essa contracção não é

[derivada] da contingência, porque é pelo acto. E, assim, o

universo tem uma causa racional e necessária da [sua] con-

tracção de modo que o mundo, que não é senão contraído,

não seja [derivado] contingentemente de Deus, que é a

maximidade absoluta.

140. Isto deve ser considerado mais particularmente.

Uma vez que a possibilidade absoluta é Deus, se conside-

ramos o mundo tal como é nela, então é como é em Deus

e é a própria eternidade. Se o consideramos como é na

possibilidade contraída, então a possibilidade apenas pre-

cede o mundo por natureza e essa possibilidade contraída

não é eternidade, nem coeterna a Deus, mas decai dela,

como o contraído do absoluto que distam infinitamente

entre si.

Deste modo, as coisas que se dizem da potência, da

possibilidade ou da matéria é necessário restringi-Ias segundo

a regra da douta ignorância. O modo como a possibilidade

progride gradualmente para o acto deixamo-lo para ser abor-

dado no livro D e con ie a u r is  .

•• Cf De coniecturis, L. I, cap o 9 e L. Il, capo 9.

[99]

141.

CAPÍTULO IX

A alma ou a forma do universo

mas verosímil . E assim diziam os platónicos que as formas

verdadeiras eram primeiro, não no tempo mas por natu-

reza, na alma do mundo do que nas coisas. Isto não admi-

tem os Peripatéticos, porque dizem que as formas não têm

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Todos os sábios concordam em que o poder ser não

pode ser levado a acto senão por um ser em acto, porque nada

se pode produzir a si próprio em acto a não ser que seja causa

de si próprio. Seria, efectivamente, antes de ser . Por isso, o

que faz com que a possibil idade seja em acto, disseram que o

faz intencionalmente, de modo que a possibilidade se tornas-

se acto por uma ordenação racional e não por acaso .

142. A esta excelsa natureza uns chamaram mente,

outros inteligência, outros alma do mundo , outros destino

na substância, outros, como os platónicos, necessidade da

cornplexão , julgando que a possibilidade era determinada

por ela necessariamente, de modo a ser em acto o que antes

pôde [ser] por natureza. Diziam que as formas das coisas

são nessa mente em acto, de modo inteligível, tal como

na matéria de modo possível, e que a própria necessidade

de complexão tendo em si a verdade das formas com as

propriedades que as acompanham, moveria, segundo a

ordem da natureza, o céu, para, pelo movimento como ins-

trumento, conduzir a possibilidade ao acto e [ser] igual, o

mais possível, ao conceito inteligível da verdade. Admitiam,

com isso, que a forma, tal como é na matéria por esta ope-

ração da mente, através do movimento, era a imagem da

verdadeira forma inteligível , não sendo assim verdadeira

' C ( A 1 uS TÓ TE LES,

Metapltysica,

IX, 8, 1049

b

24-25;

T oM As D E A Q UI NO ,

S umma cont r a g en ti le s , I, 16 e S umma theologiae, I, q. 79, a.3.

m C( s upra , n  138, nota 67.

71 C ( PIA TÃ O, Timeu, 34 B; Calcídio,

Commenta r i u s

ill

Timaeum ,

XXVI-

-XXXI;

T I II ER R Y D E C I I AR T RES,

T ia c ta t us de s ep t em d ie b us ,

n' .

25-28

( Ed . d e N.M.

Haring, AHDLM,

33 (1958),

pp .

193-194);

G U IL H ER M E D E C O NCI-IES,

Cl osa e s u p er

P l a to ne m i n J im a eu m , LXXI.

72 C( s upra , cap o 7, n? 129, nota 47.

[100]

outro ser senão na matéria e que [são] no intelecto por abs-

tracção

a qual , como é evidente, vem depois das coisas .

143. Pareceu bem aos Platónicos que esses exemplares

distintos fossem múltiplos na necessidade da complexão

[derivando] com ordem natural, de uma razão infinita, na

qual todos são um

só .

Não consideraram, todavia, que

esses exemplares foram criados por ela, mas que derivavam

descensivamente dela de um modo tal que nunca seria ver-

dade dizer Deus é que não fosse também verdade dizer

  a alma do mundo é , afirmando que ela é a explicação da

mente divina de modo que todas as coisas, que, em Deus,

são-um só exemplar sejam, na alma do mundo, muitas e dis-

tintas coisas. E acrescentavam que Deus precede natural-

mente esta necessidade da complexão, e que a própria alma

do mundo precede naturalmente o movimento, o qual,

como instrumento, precede a explicação temporal das coi-

sas, de modo que as coisas que são de modo verdadeiro na

alma e de modo possível na matéria, sejam explicadas tem-

poralmente pelo movimento. Essa explicação temporal

segue uma ordem natural que é na alma do mundo e se

73 C( BO ÉCIO ,

D e T ii nü a te , Il, 53;

T HIE RR Y D E C I-WURES,

Cl ossa sup er

L ib r um B o et lú i D e T r in it at e, lI, 35

(E d. de

N.

M . H ar in g, AHDLM ,

31 (1956),

p.

289. ) ; Lecti ones

ill

Boe tl z ii l ib r um De T ii ni ta t e, lI, 66

(E d. de N.M. Haring, AHDLM ,

33 (1958),

p.

175);

Commel l tu l l l su p e r Boe th ii l ib r um De T r in it a te,

Il,

63

( Ed . d e

N.

M.

H ar in g, A HD LM ,

35 (1960),

p.

109).

  C(

infra, n? 147.

1; C( TI-I IE R RY D E C I-WURES, L ea io ne s i n

Boethii

l ib ru m D e T r in it at e,

Il 

10 e

n, 66 (E d. de N.M . H ar in g, A HD LM , 33 (1958), p. 155 e p. 175); Cl oss a su per

L ib r u ni B o et hi i

De T ii ni ia t e,

lI,

20 ( Ed . d e

N.

M. Haring, AHDLM, 31 (1956), p.

28 4.); COI1l/JIelltum super

Boetliii

l ib ru m D e T r il li ta te, n, 66

(Ed. de

N.

M . H ar in g,

AHDLM,

35 (1960),

p.

110).

[101]

chama destino na substância. E a sua explicação temporal é

o que muitos chamaram destino em acto e em obras, que

daquele deriva descensivamente.

terra, toda na pedra, onde opera a coesão das partes, toda na

água, toda nas árvores, e assim em relação às outras coisas .

E porque ela é a primeira explicação circular - sendo a

mente divina como o ponto central e a alma do mundo como

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144. E assim é o modo de ser na alma do mundo e é por

isso que lhe chamamos mundo inteligível. O modo de ser

em acto pela determinação da possibilidade em acto através

da explicação, como já foi dito , é o modo de ser segundo o

qual este mundo é sensível, dizem eles. E não querem que

essas formas, como são na matéria, sejam diferentes das que

são na alma do mundo, mas que difiram apenas segundo o

modo de ser, de modo que na alma do mundo são de modo

verdadeiro e em si e na matéria de modo verosímil, não na

sua pureza, mas com sombras. E acrescentam que a verdade

das formas só é atingível pelo intelecto, ao passo que pela

razão, pela imaginação ou pelos sentidos são atingidas não

elas, mas as imagens das formas tal como estão misturadas

com a possibilidade. E, por isso, não as atingem na sua ver-

dade, mas apenas sob a forma de opinião .

145. Julgaram que todo o movimento derivava descensi-

vamente desta alma do mundo, a qual está toda em todo o

mundo e em qualquer parte dele, ainda que não exerça as

mesmas virtudes em todas as partes, assim como a alma

racional no homem não exerce nos cabelos e no coração a

mesma operação, ainda que esteja toda em todo o homem e

em qualquer parte dele. Por isso, quiseram que todas as

almas fossem complicadas nela, tanto as que estão nos corpos

como as que estão fora, porque disseram que ela está difusa

por todo o universo, não dividida em partes, porque é sim-

ples e indivisível, mas toda na terra onde realiza a conexão da

76 C( Sl Ipra , n  143.

 

C(

TIIlElU lY D E C IW nI lES,

C/ oss a sup er

Libruni

Boetlui D e T ii ni ta t e, II, 1-9

( Ed . d e

N.

M. H ar in g, A H DL M,

31 (1956),

p.

278-280)

e

Lectiones i/I Boethii L ibrum

De ' I ii n it a te , tt, 12

(E d de

N.

M. Haring, AHDLM,

33 (1958)

pp.

155-156).

[102]

o círculo que explica o centro - e a complicação natural de

toda a ordem temporal das coisas, por isso, por causa da dis-

crição e da ordem, chamaram-lhe número que se move a si

próprio e afirmaram que era [composta] do idêntico e do

diverso . Julgavam que ela só em número diferia da alma do

homem, de modo que, assim como a alma do homem está

para o homem, assim [está] ela para o universo, consideran-

do que todas as almas [derivavam] dela e nela, no final, se

resolviam, caso não haja culpas que o impeçam.

146. Muitos de entre os cristãos concordaram com esta

via platónica. Em particular devido ao facto de que uma é a

razão da pedra, outra a do homem, e em Deus não há lugar

para a distinção e para a diferença, julgaram necessário que

estas razões distintas, segundo as quais são distintas as coisas,

fossem depois de Deus e antes das coisas, uma vez que a

razão precede a coisa, que o fossem na inteligência que rege

os orbes e que tais razões distintas fossem noções distintas

das coisas, sempre indeléveis, na própria alma do mundo.

E quiseram mesmo que a própria alma fosse [constituída]

por todas as noções das coisas, de tal maneira que todas

as noções fossem nela a substância dela própria, embora

reconheçam a dificuldade em dizer e conhecer isto .

  C(

ALDERTO MA GNO ,

Su mma tlte% giae , 77, 4;

TO M ÁS DE A QU IN O ,

S u mm a t lt eo lo gi ae,

I, 76, 8.

,. C(

AIU STÓTELES,

D e a ll im a , I, 2, 404 b 27-30.

A pr opós ito da compo s ição

d a a lm a, ci : PlATÃO, Timeu , 35 A e 37 A.

O C(, p ar a t odo es te parág rafo , AGOSTINI 10, De diu iers is qu aes tionibus , 83, q. 40,

n?

2

(PL,

40, 30);

T H IE R RY D E C I W lTRES , Leaiones in Boe th ii l i b rum

De Tiini ta te, lI, 43

e I I, 66 (Ed . de N. M . Haring, AHDLM, 33 (1958), p. 166 e p. 175); Co mm elltu l /1

super

Bcethi

l ibrum De Tiinitate, 11,66 (Ed. de N. M. Hari ng, AHDLM, 35 (1960),

p. 110); C/ossa su p er L ib r u m B o et hi i De Tiinitate, II, 35 (Ed . de N. M. Har ing,

AHDLM,

31 (1956),

p.

289).

[103]

Asseveram isto apoiando-se na autoridade da divina

escritura: Deus disse 'faça-se luz' e a luz foi feita . Ora se

a verdade da luz não existisse antes naturalmente, como

diria ele faça-se luz ? E uma vez que essa luz foi explicada

segundo os diversos modos de ser, existindo naturalmente

na inteligência antes de [existir] na matéria, um antes não

relativo à ordem temporal, mas do mesmo modo como a

razão precede a coisa por natureza.

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temporalmente porque teria sido a dita luz e não alguma

outra coisa, se antes não existisse a verdade da luz? E adu-

zem muitas outras coisas semelhantes para tornar mais forte

a sua [posição ] 8 1 .

148. De modo bastante agudo e racional falaram os

Platónicos, repreendidos talvez sem razão por Aristóteles,

que se esforçou por os refutar mais na superfície das pala-

vras do que no núcleo central da sua doutrina. Mas, através

da douta ignorância, vamos explicitar o que é mais verda-

deiro. Ora foi mostrado que não se pode chegar ao máximo

simples  e, por isso, não pode haver potência absoluta nem

forma absoluta ou acto, que não seja Deus, e que não exis-

te ente não contraído para além de Deus e que não é senão

uma só a forma das formas e a verdade das verdades, e que

a verdade máxima do círculo não é diferente da do qua-

drado. Por isso, as formas das coisas não são distintas a não

ser enquanto são de modo contraído. Enquanto são de

modo absoluto são uma só [forma] indistinta que é o verbo

na divindade. A alma do mundo não tem, pois, o ser senão

com a possibilidade pela qual é contraída, e não é como

uma mente separada ou separável das coisas. Ora se consi-

derarmos a mente enquanto separada da possibil idade, ela é

a mente divina que é a única completamente -em acto. Por

isso, não é possível que haja muitos exemplares distintos.

Pois qualquer um seria o máximo e o mais verdadeiro rela-

tivamente àquilo de que seria exemplar. Mas não é possível

que haja muitos máximos e muitas coisas sumamente ver-

dadeiras. Pois só um exemplar infinito é suficiente e neces-

sário, no qual todas as coisas são como que ordenadas numa

ordem e ele complica de modo sumamente adequado todas

as razões das coisas e por muito distintas que sejam, de tal

147. Mas os Peripatéticos, embora reconheçam que a

obra da natureza é obra da inteligência, não admitem, toda-

via, esses exemplares . E penso que eles falham se por inte-

ligência não entendem Deus. Com efeito, se não há

um conhecimento na inteligência, como se move segundo

um propósito? E se existe um conhecimento da coisa que

há-de ser explicada temporalmente, a qual é a razão do

movimento, esse [conhecimento] não pode ser abstraído da

coisa que ainda não é temporalmente. Por isso, se há um

conhecimento sem abstracção, então é decerto aquele de

que falam os platónicos, não sendo derivado das coisas, mas

sendo as coisas segundo ele. Daí que os Platónicos não

tenham querido que essas razões das coisas fossem algo de

distinto e diverso da própria inteligência, mas antes que,

distintos entre si, constituíssem uma só inteligência simples

que complica nela todas as razões. Embora a razão do

homem não seja a razão da pedra, mas sejam razões distin-

tas, no entanto a própria humanidade, de que deriva des-

censivamente o homem como o branco da brancura, não

tem outro ser senão o que tem na própria inteligência,

segundo a natureza da inteligência, de um modo inteligível ,

sendo de modo real na própria coisa; não que haja uma

humanidade de Platão e outra separada, mas é a mesma

[105]

8 1 C( AGOSTINHO Degellesi ad I it ter am , I, 9 e li, 8 (CSEL, 28,1, p. 13 e p. 43).

1 1 2

C( HENRIQUE DE GANO,

S um ma Ih eologica , q. 68 e q. 5.

83 C( su p r a , L. I, capo 3, n? 9 e L. lI, cap o 8, n? 136.

[104]

maneira que a própria razão infinita é a razão mais verda-

deira do círculo e não maior, nem menor, nem diversa ou

diferente. E é a mesma que é a razão do quadrado, não

maior, nem menor, nem diversa. E assim sucessivamente,

como se pode compreender a partir do exemplo da linha

não há senão uma só infinita forma das formas, da qual

todas as formas são imagens, como acima dissemos em

certo passo .

150. É necessário entender estas coisas com penetração,

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infinita .

149. Mas nós, olhando a diversidade das coisas, admira-

mo-nos com o modo como a única razão simplicíssima de

todas as coisas seja também a razão diferente de cada uma

delas. Sabemos que isso é necessário, no entanto, pela douta

ignorância, que mostra que a diversidade em Deus é iden-

tidade. Pelo facto de vermos que há, de um modo suma-

mente verdadeiro, uma diversidade de razões de todas as

coisas, pelo próprio facto de isto ser sumamente verdade,

apreendemos que há uma só razão sumamente verdadeira

de todas as coisas, que é a própria verdade máxima. Por isso,

quando se diz que Deus criou por uma razão o homem, por

outra a pedra, é verdade tendo em conta as coisas, não o

criador, como vemos a propósito dos números. O três é

uma razão simplicíssima, que não recebe o mais nem o

menos e que em si é una. Mas na medida em que se refere

a coisas diferentes, existe consoante o caso como razão dife-

rente. Efectivamente, uma é a razão dos três ângulos no

triângulo, outra a da matéria, da forma e do composto na

substância, outra a do pai, da mãe e do filho, ou de três

homens e de três burros. Por isso a necessidade da comple-

xão não é, como estabeleceram os Platónicos, uma mente

menor do que o [princípio] gerador, mas é o verbo, o Filho

igual ao Pai na divindade e chama-se logos ou razão porque

é a razão de todas as coisas. E não há nada daquilo que os

Platónicos disseram acerca das imagens das formas, porque

porque a alma do mundo deve ser considerada como uma

certa forma universal que complica em si todas as formas,

mas não existindo em acto senão contraidamente nas coi-

sas, e numa qualquer coisa é a forma contraída da coisa,

como acima se disse do

universo .

Deus é, pois, a causa

eficiente, formal e final de todas as coisas e ele realiza,

num único verbo, todas as coisas por mais diversas que

sejam entre si. E não pode haver nenhuma criatura que

não seja diminuída pela contracção, estando infinitamen-

te distante da própria obra divina. Só Deus é absoluto e

todas as coisas são contraídas.

Deste modo não há meio termo entre o absoluto e

o contraído, como imaginaram aqueles que consideraram

a alma do mundo uma mente depois de Deus e antes

da contracção do mundo. Só Deus é a alma e a mente

do mundo do modo pelo qual se considera a alma qual-

quer coisa de absoluto em que todas as formas das coi-

sas são em acto. Tais filósofos não eram suficientemente

instruídos sobre o verbo divino e o máximo absoluto.

Desse modo consideraram a mente, a alma e a necessida-

de numa certa explicação da necessidade absoluta, sem

contracção.

As formas em acto não são senão no verbo e são o

próprio verbo e nas coisas são de modo contraído. Mas as

formas que são na natureza intelectual criada, embora

segundo a natureza intelectual sejam de modo mais abso-

luto, no entanto não são sem contracção, de modo a

[106]

•• C( su p r a , L. I,

caps .

13-17.

ssC( s u p r a , L. 11, ca po 2, n? 103 e sg .

•• C( su p r a , L. 11,caps . 4 e 6.

[107]

serem o intelecto, cuja operação é entender por seme-

lhança abstractiva, como dizia Aristóteles. Disto diremos

alguma coisa no livro

De coniecturiç ,

E isto que dissemos

da alma do mundo é suficiente.

tos que movimenta, a própria forma da estátua como figura

da ideia e imagem dela, de modo idêntico julgavam que a

mente ou alma do mundo traz em si os exemplares das coi-

sas e os explica na matéria pelo movimento. E disseram que

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151.

CAPÍTULO X

o

espírito do universo

O movimento, pelo qual se dá a conexão da matéria

e da forma, p~nsara~ ~lguns que fosse um certo espíiito,

como algo de

intermédio

entre a forma e a matéria e consi-

deraram-no difuso na esfera das estrelas fixas, nos planetas

e ~as COisasda t:rra ..O primeiro chamaram-no Atropos, ou

seja, como se nao tivesse revolução, porque julgavam que

a. esfera das estrelas fIXaSse movia com um movimento

simples de or~ente para ocidente. Chamaram ao segundo

Clotho, ou seja, revolução, porque os planetas se movem

por revolução, em sentido contrário à esfera das estrelas

fIXaS,de ocidente para oriente. Ao terceiro Lachesis isto é

fortuna, porque é o acaso que domina nas coisas da terra . '

_ ~ m~vimento dos planetas é uma espécie de evolu-

çao ~o primeiro movimento e o movimento das coisas tem-

porais e ter~enas é uma evolução do movimento dos plane-

tas. Nas COisasterrenas estão latentes as causas das coisas

futur~s como as searas nas sementes. Por isso disseram que

as ~Olsasque são complicadas na alma do mundo como se

estlv~ssem num ~ovelo se explicam e estendem por tal

movlII~ento. Consideraram, pois, os sábios que, tal como

um artista quer esculpir uma estátua na pedra, tendo em si

a forma da estátua corno ideia, e realiza, com os instrumen-

  Cf

De coni e ct u r is ,

L

rr capo

13,

n?

134.

 CCCALCÍDIO,

Commentarius

ill

Timaeum,

CXLIV;JOÃo DE SALISI3ÚRlA D e

s ep tem sep tenis,

VII (PL , 199,961 D - 962 A). '

[108]

este movimento estava difundido por todas as coisas como

a alma do mundo. E o movimento [que se verifica] na esfe-

ra das estrelas fIXaS,nos planetas e nas coisas terrenas, o

qual, quase como destino, deriva descensivamente, em acto

e nas obras, do destino [existente] na substância disseram

que era a explicação do destino [existente] na substância,

porque a coisa em acto é determinada a ser assim por esse

movimento ou espírito.

152. Disseram que este espírito de conexão procedia de

ambas, ou seja, da possibilidade e da alma do mundo. Ora

como a matéria tem, por aptidão sua para receber a forma,

uma certa apetência , como as coisas baixas têm apetência

pelo bem e a privação pelo hábito, e como a forma deseja ser

em acto e subsistir e não pode subsist ir de modo absoluto, na

medida em que não é o seu ser e não é Deus, então desce a

fim de ser de modo contraído na possibilidade, isto é, ascen-

dendo a possibilidade em direcção ao ser em acto, desce a

forma para que acabe, perfaça e termine a possibilidade . E,

assim, da subida e da descida, surge o movimento que liga

ambas. Este movimento é o meio de conexão da potência e

do acto, porque da possibilidade do móvel e do motor for-

mal surge o movimento enquanto intermediário.

153. Este espírito está di fuso e contraído por todo o uni-

verso e por cada uma das suas partes e chama-se natu-

reza . Por isso, a natureza é, de algum modo, a compli-

•• Cf

AIUSTÓTELES, Physica , I,

9, 192

a

22-23. Cf

supra, L li, cap o 7, n?

133.

' Cf sllpr a, L II, c a p o 7, n? 130.

  C( JOÃO DE SALlSI3ÚIUA,De s ep tem septenis , VII (PL , 199,960 C, 961 C, 962 A).

[109]

cação de todas as coisas que acontecem através do movi-

mento. Mas como este movimento se contrai a partir do

universal até ao particular, conservada a ordem através dos

seus graus, é o que se verá neste exemplo. Com efeito,

quando digo  Deus é , esta proposição progride num certo

entanto, o movimento de qualquer coisa contrai a seu

modo o movimento de qualquer outra e participa nele

mediata ou imediatamente - como o movimento dos

céus é participado pelos elementos e compostos deles e o

movimento do coração por todos os membros - para

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movimento mas com uma tal ordem que primeiro pro-

nuncio as letras, depois as sílabas, depois as palavras e por

último a proposição, embora o ouvido não distinga esta

ordem na sua gradação. Assim o movimento desce gra-

dualmente do universo ao particular e contrai-se aí na

ordem temporal ou natural. Ora este movimento ou espí-

rito provém descensivamente do espírito divino, que, atra-

vés desse movimento, move todas as coisas . Por isso, assim

como no falante há um certo espírito que procede daquele

que fala, que se contrai na proposição, como foi dito, assim

Deus, que é o espírito é aquele de que procede descensiva-

mente todo o movimento. Ele diz a verdade: Não sois

vós que falais, mas o espírito do vosso pai que fala em

VÓS. 92

E o mesmo [se diga] de todos os outros movimen-

tos e operações.

154.

É

por isso que este espírito criado é o espírito

sem o qual nada é uno ou pode subsistir, mas todo este

mundo e todas as coisas que nele são são em conexão o

que são pelo próprio espírito que enche o  orbe da

terra'?', de modo a que a potência, por intermédio dele,

seja no acto e o acto, por intermédio dele, seja na potên-

cia. E este é o movimento da conexão amorosa de todas

as coisas para a unidade de modo que de todas as coisas

surja um universo uno. Efectivamente, enquanto todas as

coisas se movem na sua singularidade a fim de serem o

que são do melhor modo e nenhuma igual a outra, no

 Mt

10, 20.

93

Sb

1,7.

[110]

que [daqui] resulte um universo uno. E por este movi-

mento as coisas são do melhor modo que podem. E

movem-se para se conservarem em si ou na espécie, pela

conexão natural dos sexos diferentes, que estão unidos na

natureza que complica o movimento mas divididos e con-

traídos nos indivíduos.

155. Nenhum movimento é, de modo simples, o

máximo, porque coincidiria com o repouso. Por isso,

nenhum movimento é absoluto, porque o movimento

absoluto é repouso e é Deus. Ele complica todo o movi-

mento. Pois como toda a possibilidade é na possibilidade

absoluta, que é Deus eterno, e toda a forma e acto na

forma absoluta que é o verbo do pai e o filho na divin-

dade, assim todo o movimento de conexão bem como a

proporção e a harmonia que une é na conexão absoluta do

espírito divino. E isso de modo que haja um só princípio

de todas as coisas, Deus, no qual todas as coisas e pelo

qual todas as coisas são numa certa unidade da trindade,

contraídas, de modo semelhante segundo o mais e o

menos, entre o máximo e o mínimo, de modo simples,

consoante os seus graus, de maneira que um seja o grau

da potência, do acto e da conexão do movimento nas inte-

ligências, onde entender é mover, e outro o da matéria, da

forma e do nexo nas coisas corporais, onde ser é mover,

assunto que abordaremos noutro

local .

E por agora bas-

tem estas coisas sobre a trindade do universo.

94 Cf

De con ie a u r is ,

L. II,

capo

10.

[111 ]

156.

CAPÍTULO XI

Corolários sobre o movimento

Admirar-se-ão talvez os que lerem estas coisas antes

cunferência são Deus. E embora o mundo não seja infinito,

contudo não pode ser concebido como finito, porque está

privado de limites entre os quais esteja encerrado.

157. Logo a terra, que não pode ser o centro, não pode

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inauditas, posto que a douta ignorância mostra que elas são

verdadeiras. Sabemos agora por elas que o universo é trino 

e que nada há no universo que não seja: uno pela potência,

o acto e o movimento de conexão, e que nenhum deles

pode subsistir de modo absoluto sem o outro, de tal manei-

ra que necessariamente eles estão em todas as coi-

sas segundo graus muito diversos e de tal modo diferentes

que nunca duas coisas no universo podem ser totalmente

iguais no que se refere a esses aspectos ou a algum deles .

E não se chega em algum género, mesmo de movimento, ao

máximo e ao mínimo de modo simples. Por isso, é impos-

sível que a máquina do mundo tenha esta terra sensível, o

ar, o fogo ou qualquer outro elemento como centro fixo e

imóvel, considerados os vários movimentos das esferas.

Não se chega, pois, ao mínimo de modo simples, como o

centro fixo, porque é necessário que o mínimo coincida

com o máximo.

Por isso, o centro do mundo coincide com a circun-

ferência . E, por conseguinte, o mundo não tem circunfe-

rência. Na verdade, se tivesse centro, teria circunferência, e,

assim, teria dentro de si o seu início e o seu fim, e ele seria

delimitado relativamente a alguma outra coisa e fora do

mundo haveria outra coisa e outros lugares. Todas estas coi-

sas carecem de verdade. Por isso, como não é possível que o

mundo seja fechado entre um centro corpóreo e uma cir-

cunferência, o mundo é ininteligível e o seu centro e cir-

95 Cf

sup ra ,

L. II, capo 7, n? 127 e n? 130 .

•• Cf sup ra , L. I, capo 3, n? 9; L. I, capo 17, n? 49; L. II, capo 1, n? 95.

'TI cr

sup ra , L. I, capo 23, n? 70.

[112]

ser privada de qualquer movimento . Assim, é necessário

que ela se mova de tal maneira que se poderia mover infini-

tamente menos. Por isso, assim como a terra não é o centro

do mundo, também a esfera das estrelas fixas não é a sua cir-

cunferência, ainda que comparando a terra com o céu, a

terra pareça mais perto do centro e o céu mais perto da cir-

cunferência. Não é, pois, a terra o centro, nem da oitava

nem de outra esfera, e nem o aparecimento sobre o hori-

zonte dos seis planetas implica que ela esteja no centro da

oitava esfera. Efectivamente, se estivesse distante do centro

e próximo do eixo que passa pelos pólos, de tal maneira que

uma parte seria elevada em direcção a um pólo e a outra

inclinada para o outro, então aos homens tão distantes dos

pólos quanto se estende o horizonte apareceria só metade

da esfera, como é evidente. E o centro do mundo também

não está mais dentro da terra do que fora, nem a terra nem

nenhuma outra esfera tem centro. Pois como o centro é o

ponto equidistante da circunferência e não é possível haver

uma esfera ou um círculo tão verdadeiros que não seja pos-

sível dar uma ou um mais verdadeiros, é evidente que se

não pode dar um centro que não se possa dar um mais ver-

dadeiro e mais preciso. A equidistância possível a coisas

diversas não se pode encontrar fora de Deus, porque só ele

é a igualdade infinita. Portanto, aquele que é o centro do

mundo, isto é, Deus bendito, é o centro da terra, de todas as

esferas e de tudo o que há no mundo. E é, ao mesmo tempo,

a circunferência infinita de tudo.

•• J á ALI3ERTO DE SAXÓNIA havia formulado idên tica hipótese:

Qa estiolles in

l i b r o s

De

c a e lo

et m u nd o, II; q. 10, q. 26.

[113]

158. Além disso: não há no céu pólos imóveis e fixos,

ainda que o céu das estrelas fixas pareça descrever, atra-

vés do movimento, círculos em grau diverso de grandeza,

os colúrios, mais pequenos que o [círculo] do equinócio. E

o mesmo se diga dos [círculos] intermédios. Mas é neces-

entanto, não é como uma estrela próxima do centro ou do

pólo que descreve o círculo mínimo. Nem a oitava esfera

descreve o círculo máximo, como acabou de ser provado.

160. Considera, pois, com atenção que, assim como as

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sário que qualquer parte se mova, embora de modo desigual

em comparação com os círculos descritos pelos movimen-

tos das estrelas. Daí que assim como algumas estrelas pare-

cem descrever o círculo máximo assim outras [parecem

descrever] o mínimo. Mas não se encontra uma estrela que

não descreva nenhum. Como não há um pólo fixo na esfe-

ra, é evidente que não se encontra nenhum ponto médio

que seja de certo modo equidistante dos pólos. Não há pois

estrela na oitava esfera que por revolução descreva o cír-

culo máximo, porque seria necessário que estivesse a igual

distância dos pólos que não existem. E, por conseguinte,

não há [nenhuma] que descreva o círculo mínimo.

159. Assim, os pólos das esferas coincidem com o cen-

tro, de modo que não haja outro centro senão o pólo, que

é Deus bendito. E porque não podemos depreender o

movimento a não ser em comparação com algo de fixo,

sejam os pólos ou o centro, e pressupomo-los nas medidas

dos movimentos, caminhamos por isso em conjecturas,

descobrimos que caímos em erro em todas as coisas, e

admiramo-nos quando, segundo as regras dos antigos,

descobrimos que as estrelas não concordam no local, por-

que julgamos que eles tinham uma concepção correcta dos

centros e dos pólos.

Por tudo isto é evidente que a terra se move. E por-

que, pelo movimento dos cometas, temos a experiência de

que se movem os elementos do ar e do fogo, e de que a Lua

se move menos de oriente para ocidente do que Mercúrio,

Vénus ou o Sol, e assim progressivamente, a própria Terra

move-se, pois, ainda menos do que todos os outros, mas, no

[114]

estrelas estão em movimento em torno de pólos conjectu-

rais na oitava esfera, assim a Terra, a Lua e os planetas são

como estrelas que se movem em torno de um pólo, a uma

certa distância e de modos diferentes, conjecturando que

esse pólo está onde se julga o centro. Por isso, embora a

Terra esteja, quase como uma estrela, mais próxima do pólo

central, no entanto ela move-se e, no movimento, não des-

creve o círculo mínimo, como foi mostrado. Nem mesmo

o Sol, nem a Lua, nem a Terra, nem alguma outra esfera,

embora nos pareça algo de diferente, podem descrever um

verdadeiro círculo, no seu movimento, uma vez que não se

movem sobre um ponto fixo. E não se pode dar um círculo

verdadeiro, que não se possa dar um mais verdadeiro, nem

nunca um se move num tempo assim como outro de modo

igual e preciso, nem descreve um círculo verosimilmente

igual, ainda que não seja isso que se nos mostra.

161. Se queres entender alguma coisa sobre o movi-

mento do universo no que respeita ao que dissemos, é

necessário que compliques quanto possas o centro com os

pólos, com a ajuda da imaginação. Se alguém estivesse na

terra sob o pólo árctico e uma outra pessoa no pólo árctico,

tal como ao que estava na terra o pólo pareceria estar no

zénite, assim ao que estava no pólo pareceria que o centro

estava no zénite. E como os antípodas têm, tal como nós, o

céu por cima deles, assim também aos que estão em ambos

os pólos a terra pareceria estar no zénite. Onde quer que

alguém se encontrasse, julgaria estar no centro. Por isso,

complica estas diversas representações da imaginação, de

modo que o centro seja o zénite e vice-versa, e então, por

[115]

meio do intelecto, ao qual apenas a douta ignorância serve,

verás que o mundo, o seu movimento e a sua figura não

podem ser atingidos, porque apareceria como uma órbita

numa órbita ou uma esfera numa esfera, sem ter o centro

ou a circunferência em parte alguma, como foi dito .

o movimento. Ora, quando uma linha infinita é

contraída de um modo tal que não pode ser, enquanto con-

traída, nem mais perfeita, nem mais capaz, então é Circular.

Aí, o princípio coincide com o fim. Por isso, o movimento

mais perfeito é o circular' e a figura corpórea mais perfeita

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162.

CAPÍTULO XII

 s condições da erra

Os Antigos não chegaram ao que já dissemos, porque

Ihes faltou a douta ignorância. Para nós já é claro que a terra

se move de verdade ainda que isso não nos apareça assim.

Efectivamente, não apreendemos o movimento a não ser por

uma certa comparação com um ponto fixo. Se alguém não

soubesse que a água corre e não visse as margens, estando

num navio no meio da água, como teria a percepção do

movimento do navio? Por isso, porque a alguém que quer

esteja na terra, quer no sol quer em outra estrela, parece sem-

pre que está no centro como que imóvel e que todas as outras

coisas se movem, estabelecerá continuamente, decerto, pólos

sempre diferentes, se estiver na Lua, em Marte e assim suces-

sivamente. A máquina do mundo será, pois, como se tivesse

o centro em toda a parte e a circunferência em parte alguma,

porque a sua circunferência e o seu centro são Deus, que está

em toda a parte e em parte algurna' .

163. Além disso, a Terra não é esférica, como alguns dis-

seram'?', embora tenda para a esfericidade. Efectivamente,

a figura do mundo é contraída nas suas partes, assim como

  C[ su p r a , n? 157.

,., C[ L. I, cap o 7, n? 34 e capo 23, n  70.

101 C[ R. GROSSETESTE, De sp hae r a , 1.

[116]

é a esfera' . Qualquer movimento de uma parte é, por causa

da perfeição, dirigido para o todo, como os graves [se

movem] para a terra, as coisas leves para cima' , a terra para

a terra, a água para a água, o ar para o ar, o fogo para o fogo.

O movimento de tudo aproxima-se, quanto pode, do circu-

lar e toda a figura se aproxima da figura esférica, como

vemos por experiência nas partes dos animais, nas árvores e

no céu. Daí que um movimento seja mais circular e mais

perfeito do que outro. E também as figuras são diferentes.

164. A figura da terra é, pois, nobre e esférica e o seu movi-

mento é circular, mas poderia ser mais perfeito. E porque no

mundo não existem máximo e mínimo no que se refere às

perfeições, aos movimentos e às figuras, como é evidente do

que já foi dito, então não é verdade que esta Terra seja o mais

vil e o mais baixo [dos astros]

105.

Pois ainda que pareça [ocu-

par uma posição] mais central em relação ao mundo, está

também pela mesma razão mais próxima do pólo, como foi

dito' . E a Terra também não é uma parte proporcional ou

percentual do mundo. Na verdade, como o mundo não tem

máximo nem mínimo, não tem também ponto intermédio

nem partes percentuais, e o mesmo sepassa com o homem ou

o animal. Efectivamente, a mão não é uma certa percentagem

do homem embora o seu peso pareça estar em proporção com

o corpo. E o mesmo se diga da grandeza e da figura. Nem a

  C[

MISTÓTELES, De ca elo,

Il, 4, 286 b 15

55.

uu C[ MISTÓTELES, De caelo, I l, 4, 287 a 23 e 55; cf sup ra , L. I, cap o 10, n? 27.

10'

C[

AIuSTÓTESLES, De ca elo ,

I,

3, 269

b

23 e 55.

105 C[ ToMAs DE AQUINO, II De caelo, XIII, 20, 7.

106 C[ sup ra , capo 11, n

m

159-161.

[117]

sua cor negra é argumento para a considerar vil. Pois se

alguém estivesse no Sol ele não lhe apareceria com aquela cla-

ridade que tem para nós. Considerado, pois, o corpo do Sol,

ele tem uma parte central que é uma espécie de terra, uma

parte, à superfície, luminosa, como o fogo, uma parte no meio

tal como a luz, devido à sua natureza, brilha não para que eu

veja, e a participação acontece em consequência disso na

medida em que eu uso a luz a fim de ver. Deus criou assim

todas as coisas de modo que, enquanto qualquer uma se

esforça por conservar o seu ser quase como dom divino, o

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[118]

que é como uma nuvem aquosa e um ar mais límpido como

acontece com os elementos da terra.

165. Portanto, se alguém estivesse fora da região do

fogo, esta terra aparecer-Ihe-ia, na periferia da região e

devido ao fogo, como uma estrela luminosa, tal como a

nós, que estamos fora da periferia da região do sol, este nos

aparece como o mais luminoso. E a lua não aparece assim

luminosa, porque talvez estejamos para cá da sua circunfe-

rência, para o lado das partes mais centrais, talvez numa sua

região semelhante à aquosa. E por isso não aparece a sua

luz, embora tenha uma luz própria que aparece àqueles

que estão nas extremidades da sua circunferência, apare-

cendo-nos apenas a luz da reflexão do sol. Também por

isso, o calor da Lua que, devido ao movimento, se produz

mais, sem dúvida, na circunferência, onde há maior movi-

mento, não se nos comunica como o do Sol. Assim esta

Terra parece situada entre a região do Sol e da Lua e, por

meio deles, participa da influência das outras estrelas, que

nós não vemos devido ao facto de estarmos fora das regiões

delas. Vemos, apenas, as regiões daquelas que cintilam.

166. A terra é, por conseguinte, uma estrela nobre que

tem a luz, o calor e a influência diferente e diversa relativa-

mente a todas as outras estrelas, tal como também qualquer

uma difere das outras no que respeita à luz, à natureza e à

influência. E assim como qualquer estrela comunica luz e

influência a outra não intencionalmente, porque todas as

estrelas apenas brilham e cintilam de modo a ser o melhor

possível, então a participação surge em consequência disso,

faça em comunhão com as outras. E assim como o pé não

está apenas ao serviço de si, mas dos olhos, das mãos, do

corpo e do homem todo, apenas no que se refere ao simples

caminhar, o mesmo se diga dos olhos e dos restantes mem-

bros, e, bem assim, das partes do mundo. Efectivamente,

Platão disse que o mundo era um ser vivo' . E se concebe-

res a alma como Deus, sem imersão, muitas das coisas que

dissemos serão claras para ti .

167. E também, por a Terra ser mais pequena que o Sol e

receber dele influência, não deve dizer-se que então seja

mais vil, porque toda a região da terra, que se estende até à

circunferência do fogo, é grande. E ainda que a Terra seja

menor que o Sol, como sabemos pela sombra e pelos eclip-

ses, não sabemos, todavia, quão maior ou menor é a região

do sol relativamente à da terra. Igual não pode ser de modo

preciso, pois nenhuma estrela pode ser igual a outra.

Também não é a estrela mais pequena, porque é maior do

que a Lua, como nos ensina a experiência dos eclipses, e

mesmo do que Mercúrio, como dizem alguns, e talvez

maior do que outras estrelas. Por isso, não é possível utilizar

a sua grandeza como argumento para concluir a sua vileza.

168. Não se deve utilizar a influência que recebe como

argumento para concluir a imperfeição. Pois ela, sendo

estrela, influi talvez do mesmo modo no Sol e na sua região,

como foi dito. E porque não temos outra experiência senão

a de estar no centro, no qual confluem as influências, nada

107

Cf. PUTÃO, Till1eu , 30 B e 38 E.

[119]

experimentamos sobre esta retroacção. Efectivamente

embora a Terra seja uma espécie de possibilidade, e o Sol seja

como a alma ou a actualidade formal relativamente a ela, e a

Lua seja como o nexo de mediação, de modo que estas estre-

las, postas dentro de uma só região, unam reciprocamente as

170. Por isso, esses habitantes das outras estrelas,

quaisquer que sejam, são improporcionais com os habi-

tantes deste mundo, embora toda essa região tenha, rela-

tivamente a esta, uma certa proporção que nos é oculta,

tendo em vista o fim do universo, dé modo que os habi-

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suas influências, estando acima outros planetas, como

Mercúrio, Vénus, etc., como disseram os Antigos e tam-

bém alguns dos Modernos , então é evidente que a correla-

ção da influência é tal que uma não pode ser sem a outra. Em

qualquer [estrela] haverá, por isso, uma [correlação] una e

trina de modo parecido segundo os seus graus. É, pois, evi-

dente que o homem não pode saber se a região da Terra é

mais imperfeita e mais ignóbil em grau relativamente às

regiões das outras estrelas, do Sol, da Lua e dos outros pla-

netas no que se refere a este aspecto.

tantes desta Terra ou região tenham, por meio da região

do universo, uma certa relação recíproca, como as arti-

culações particulares dos dedos da mão têm, por intermé-

dio da mão, uma proporção com o pé, e as articulações

particulares do pé [têm], por intermédio do pé, [uma

proporção] com a mão e tudo é proporcionado ao animal

no seu todo.

[120]

171. Como toda aquela região nos é desconhecida, per-

manecem-nos completamente desconhecidos aqueles

habitantes, tal como acontece nesta terra, dando-se o caso

de que os animais de uma espécie que constituem uma só

região específica se unem e, por causa do que é comum a

essa região específica, part icipam nas coisas que são da sua

região, nada [sabendo] dos outros, ou porque se impe-

dem, ou porque não se apercebem verdadeiramente deles.

Efectivamente um ser vivo de uma espécie não pode

apreender o conceito de outro, que se exprime através de

sinais orais, senão de modo extrínseco, por pouquíssimos

sinais, depois de um longo uso e apenas de modo opina-

tivo. Ora muito menos, sem qualquer proporção, pode-

mos nós saber dos habitantes de outra região, supondo

que os que habitam na região do Sol são mais solares inte-

lectuais, claros e iluminados, mais espirituais também do

que os que habitam na Lua, onde são mais lunáticos, e do

que os que habitam na Terra onde são mais materiais e

grosseiros, de modo que estas naturezas intelectuais sola-

res são muito em acto e pouco em potência, mas as natu-

rezas intelectuais terrenas são mais em potência e pouco

em acto, oscilando no meio termo as lunares.

169. E nem em relação ao lugar [se pode concluir a

imperfeição da terra], ou seja, que este lugar do mundo

seja a habitação de homens, de animais e de vegetais que

são, em grau, mais baixos do que os habitantes do sol e das

outras estrelas. Com efeito, embora Deus seja o centro e a

circunferência de todas as regiões das estrelas e dele pro-

cedam, em qualquer região, habitantes de natureza de

nobreza diversa, para que tantos lugares dos céus e das

estrelas não estejam vazios e a Terra habitada talvez por

seres inferiores, não parece, todavia que se possa dar uma

natureza mais perfei ta e mais nobre, segundo o que ela é,

do que a natureza intelectual, que habita nesta Terra e na

sua região, ainda que habitantes de outro género existam

nas outras estrelas

110.

E o homem não tem apetência por

outra natureza, mas apenas por ser perfeito na sua.

108

C( PLATÃO,

Ti m eu ,

38 C D.

109

C( GUILHEHMEDE CONCHES,

Glo s a e sup er P la tonem in Tim aeu ,

XCVIII;

D e p hil osop hi a ,

Il, 23 (PL 172, 64 C) ..

110

C( PLATÃO,Timeu, 42

D.

[121 ]

172. Formulamos esta opinião a partir da influência ígnea

do Sol, aquática e simultaneamente aérea da Lua, e

da gravidade material da Terra, e [formulamos opinião]

semelhante das outras regiões das estrelas, supondo que

nenhuma está privada de habitantes, como se fossem tantas

E quem poderá saber se todas as influências, contraídas

antes na composição, não regressam na dissolução, de modo

que o animal, que existe, na região da Terra, como indiví-

duo de uma determinada espécie contraído por toda a

influência das estrelas, se resolva de tal maneira que volte

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aspartes particulares do mundo deste único universo quan-

tas as estrelas que são inumeráveis' ', de modo que o mundo

uno do universo esteja contraído, de modo trinitár io, na sua

progressão quaternária descensiva em tantas partes parti-

culares que não há o número delas a não ser naquele que

tudo criou em número .

Também a corrupção das coisas na terra, que conhe-

cemos da nossa experiência, não é um argumento eficaz da

sua falta de nobreza. Com efeito, uma vez que um só é o

mundo do universo e todas as estrelas particulares se

influenciam proporcionalmente umas às outras, é-nos

impossível constatar que alguma coisa seja completamente

corruptível , sendo-o, contudo, segundo um ou outro modo

de ser, quando as próprias influências se resolvem, como

que contraídas, num indivíduo, de maneira que um modo

de ser pereça assim ou assim, mas sem que haja lugar à

morte, como diz Virgílio . Efectivamente, a morte não

parece ser outra coisa senão a resolução do composto nos

seus componentes. E quem poderá saber se uma tal resolu-

ção se encontra apenas nos habitantes da terra?

173. Disseram alguns que as espécies das coisas na Terra

eram tantas quantas as estrelas. Por isso, se a Terra contrai

assim a influência de todas as estrelas nas suas espécies sin-

gulares, porque não acontece o mesmo nas regiões das

outras estrelas que recebem as influências de outras?

111 GUILHERMEDE CONCIIES,

Glosae super Pla tonem i l l T Im aeum , CXIX.

112 Sb 11,21.

113 C( Vrnctuo, Georgiea, 4 , 226. Este passo

é

citado por MACRÓDIO, no

Commentari i ill solt lnium Scipionis, 2, 12, 13.

[122]

ao seu princípio? Ou seja, se a forma volta apenas ao exem-

plar ou alma do mundo - como dizem os platónicos - ou

se a forma regressa apenas à própria estrela, da qual aquela

espécie recebe o ser em acto na terra-mãe, e se a matéria

[regressa] à possibilidade, permanecendo o espírito da

união no movimento das estrelas? E será que o espírito,

retraindo-se por causa da indisposição dos órgãos ou por

outro [motivo], de modo que provoca a separação pela

diversidade de movimentos, como que regressa aos astros,

elevando-se a forma acima da influência dos astros e des-

cendo a matéria abaixo? [Quem poderá saber] se as formas

de uma região repousam numa forma mais elevada, como a

intelectual, e, por ela, atinjam a finalidade que é a finalidade

do mundo?

174. E como se atinge em Deus este fim pelas formas

inferiores, através daquela [mais elevada] e como é que ela

ascende à circunferência que é Deus, enquanto o corpo

desce para o centro, onde igualmente é Deus, de modo

que o movimento de todas as coisas se dirija para Deus, no

qual um dia, assim como o centro e a circunferência são

um só em Deus, também o corpo, ainda que pareça descer

para o centro, e a alma [que parece ascender] à circunfe-

rência, se reúnam em Deus, uma vez cessado, não todo

o movimento, mas apenas o que diz respeito à geração,

como se aquelas partes essenciais do mundo, sem as quais

ele não pode subsistir, regressassem então necessariamen-

te, uma vez cessada a geração temporal, regressando tam-

bém o espírito da união e ligando a possibilidade à sua

forma?

[123]

Nenhum homem, por si, a não ser que tenha de

Deus um [dom] singular, pode saber estas coisas. Embora

ninguém duvide de que Deus, sumamente bom, tenha cria-

do todas as coisas colocando-se como seu fim, e que não

quer que pereça alguma das coisas que fez, e se saiba que ele

que água na água, ar no ar e fogo no fogo, de modo que

nenhum elemento fosse totalmente solúvel num outro.

Resulta daqui que a máquina do mundo não pode pere-

cer. E ainda que uma parte de um se possa resolver num

outro, nunca, no entanto, todo o ar que está misturado

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é o generosíssimo recompensador de todos os que o vene-

ram, todavia, o modo divino de operar no presente e de

retribuir no futuro só ele próprio o sabe, sendo ele o seu

operar. Acerca disso, direi, no entanto, a seguir algumas

coisas , segundo a verdade inspirada pela graça divina.

Basta-nos agora tê-Ias tocado assim na ignorância.

175.

CAPÍTULO XIII

  admirável arte divina na criação

do mundo e dos elementos

Porque é opinião concordante dos sábios que pelo

que é visível, pela grandeza, a beleza e a ordem das coisas,

somos levados ao espanto perante a arte e a excelência de

Deus e abordámos alguns resultados da admirável ciência

de Deus, acrescentemos, com admiração, algumas conside-

rações, em termos breves, sobre a posição e a ordem dos

elementos na criação do universo.

Deus, na criação do mundo, usou a Aritmética, a

Geometria, e ao mesmo tempo a Música e a Astronomia,

artes que nós também usamos quando investigamos as

proporções das coisas, dos elementos e dos movimentos.

Pela Aritmética, juntou-as; pela Geometria configurou-as

para que daí resultasse firmeza, estabilidade e mobilidade

de acordo com as suas condições; pela Música deu-lhes

tais proporções que não houvesse mais terra na terra, do

lI C( i l l fra .L . III,

capo

9,

n?

233.

[124]

na água se pode transformar em água, por causa do ar

circundante que o impede, de modo que assim se man-

tém sempre uma mistura de elementos. Deus fez, pois,

com que as partes dos elementos se resolvessem umas

nas outras. E quando isto acontece num tempo prolon-

gado, gera-se algo pela concórdia dos elementos em

ordem ao que é engendrável, e isso dura enquanto dura a

concórdia dos elementos e, uma vez rompida, dissolve-se

o que foi gerado.

176. Com admirável ordem foram os elementos consti-

tuídos por Deus, que criou tudo em número, peso e medi-

da . O número refere-se à Aritmética, o peso à Música

e a medida à Geometria. Efectivamente, a gravidade sus-

tém-se pela leveza que a constringe - a terra pesada está no

meio como que suspensa pelo fogo -, mas a leveza apoia-

-se na gravidade, como o fogo na terra. E, ao pôr em ordem

estas coisas, a sabedoria eterna usou de uma proporção

inexprimível, de modo a saber antecipadamente em quanto

um certo elemento deveria prevalecer sobre outro, pesando

assim os elementos, para que a água fosse tanto mais leve

que a terra quanto o ar do que a água e o fogo do que o ar,

e assim o peso convergisse simultaneamente com a grande-

za e o continente ocupasse um lugar maior do que o con-

teúdo. E ligou as coisas umas às outras em tal relação que

uma fosse necessariamente na outra. Daí resulta que a Terra

é parecida com um ser vivo, como diz Platão' , que tem

115 Sb 11,21.

1\6 C( PUTÃO, TImeu , 30 B e 38E.C( s u p r a , L. n. capo 12, n? 166.

[125]

pedras no lugar dos ossos, rios no lugar das veias, árvores no

lugar dos cabelos e os animais que se alimentam entre esses

cabelos da Terra são como vermes que se alimentam entre

os pêlos dos animais.

177. E com o fogo a terra relaciona-se quase como o

verso poderia ser? Ele dá a todas as estrelas diferente lumi-

nosidade, influência, figura, cor e calor (que acompanha a

luminosidade de modo influente) e estabelece a proporção

recíproca das partes de modo proporcional, para que em

qualquer uma haja movimento das partes para ~ todo, pa~a

baixo em

direcção

ao centro nos graves e para Cima a partir

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mundo com Deus. Muitas semelhanças com Deus tem o

fogo em relação

à

terra: a sua potência é sem fim, tudo ope-

rando na terra, penetrando, i luminando, distinguindo e for-

mando por intermédio do ar e da água, de tal modo que

nada ou quase do que se gera na terra seria sem a acção do

fogo como as diversas formas das coisas são derivadas da

diversidade do resplendor do fogo. No entanto, o fogo está

imerso nas coisas, sem as quais nem o fogo é nem seriam as

coisas terrenas. Mas Deus não é senão absoluto. Daí que os

Antigos tenham chamado um fogo ardente absoluto ? e

uma claridade absoluta a Deus, que é a luz e em quem não

existem

trevas' .

Todas as coisas se esforçam por poder par-

ticipar de muito perto na sua quase igneidade e claridade,

como observamos em todos os astros onde encontramos

esta claridade contraída de modo material. E a mesma clari-

dade discretiva e penetrat iva está contraída de modo imate-

rial na vida dos que vivem uma vida intelectiva.

178. Quem, pois, não admirará este artífice que se serviu

de uma tal arte nas esferas, nas estrelas e nas regiões dos

astros, que, sem precisão alguma, estando a concordância

de todos na diversidade de todos, dispõe, num único

mundo, a grandeza das estrelas, os lugares e os movimentos

e ordena de tal modo a distância das estrelas que, se cada

região não fosse como é, nem ela poderia ser, nem estar

em tal sítio e ordenada daquele modo, nem o próprio uni-

117

Dt4, 24.

11 '

1J o,

1, 5.

[126]

do centro nos leves e em torno do centro como percebemos

no movimento orbital das estrelas.

179. Nestas coisas tão admiráveis, tão diferentes e tão

diversas, temos experiência, por meio da dou ta ignorância, de

acordo com o que foi dito, que de todas as obras de Deus

não podemos saber nenhuma razão , mas apenas admirá-Ias,

h

, d d - t

fi

 119

porque o Sen or e gran e e a sua gran eza nao em im .

Uma vez que é a maximidade absoluta, assim como é o autor

e o conhecedor das suas obras, assim é o seu fim, de modo que

 todas as coisas são nele e fora dele nada é. Ele é o princí-

pio, o meio e o fim de tudo, o centro e acircunferência do uni-

verso, de modo que em todas ascoisas apenas ele é procurado,

porque sem ele todas ascoisas nada são. Tendo-o apenas a ele,

têm-se todas ascoisas, porque ele é tudo. Conhecendo-o a ele,

conhecem-se todas as coisas, porque é a verdade de tudo. Ele

quer também que sejamos levados a admirar a máquina do

mundo tão admirável. Esconde-a, no entanto, de nós tanto

mais quanto mais nos admiramos, porque só ele é aquele que

quer ser procurado com todo o coração e dil igência. E porque

habita a própria luz inacessível ?', que é procurada por todas

as coisas, só pode abrir a quem bate e dar a quem pede' , E de

entre todas ascoisas criadas nenhuma tem o poder de abrir por

siprópria a quem bate e de mostrar o que é, porque [ascoisas

criadas] nada são sem aquele que é em todas.

11 9 51144,3.

120 Rm 11,36.

121

1 Tm 6,16.

12 2 Mt 7, 7;u. 11,9.

[127]

180. Mas todas as coisas, a quem lhes pergunta na

douta ignorância, o que são, como ou para quê, respondem:

 por nós, nada, e por nós não te podemos responder senão

nada, porque não temos também a ciência de nós, mas

quem manda e sabe é só ele, por cujo entender somos aqui-

 

LIVRO TERCEIRO

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lo que ele quer em nós. Nós todas somos coisas mudas.

É

ele quem fala em nós. Aquele que nos fez é o único que

sabe o que somos, como e para que [somos]. Se desejas

saber alguma coisa de nós, procura-o na nossa razão e na

nossa causa, não em nós. Aí encontrarás tudo, enquanto

procuras uma só coisa. E não te encontrarás a ti próprio a

não ser nele.

Faz , diz a nossa douta ignorância, de modo que

te encontres nele. E como todas as coisas nele são ele pró-

prio, nada te poderá faltar. Mas não nos pertence tornar

acessível o inacessível, mas a ele que nos deu o rosto vol-

tado para ele com o sumo desejo de o procurar. Enquanto

o fizermos, ele, sumamente piedoso, não nos abando-

narâ' , mas, mostrando-se a nós, 'quando aparecer a sua

glória? , saciar-nos-á eternamente.

'Que seja bendito pelos séculos'

. 125

123

He b

13,5.

1 2 · S I   1 6 S .

1 2 5

Rm 1,25.

[128]

181.

Prólogo

Depois das breves considerações precedentes acerca

do universo e de como subsiste na contracção, com o fim de

investigarmos, no modo douto da ignorância, acerca. do

máximo simultaneamente absoluto e contraído, Jesus Cnsto

sempre bendito, em ordem ao aumento da fé e da nossa per-

feição, mostremos mais amplamente, ainda que em te~os

breves ao teu admirável engenho', o conceito deJesus, mvo-

cando~o a ele, para que seja o caminho para ele próprio, que

é a verdade' , Com essa verdade nos vivificaremos, agora pe-

la fé e depois pela participação, nele e por ele que é a vida

eterna'.

182.

CAPÍTULO I

 

Máximo contraído a ser isto ou aquilo maior que

o qual nada pode haver não pode ser sem o absoluto

No

primeiro livro mostrou-se como o uno, máximo

de modo absoluto, incomunicável, não imersível, incontraí-

vel a ser isto ou aquilo, persiste em si idêntico a si próprio

de modo eterno, igual e imóvel. Depois disso, mostrou-se,

em segundo lugar, a contracção do uni~erso porque

não existe senão de modo contraído como Isto ou como

  Recorde-se que o texto é dir igido ao Cardeal Jul iano.

, C EJ o 1 4,6 .

'CEJ o

3, 36; 6 , 47; 10 ,28 ; 11,25-26; r

Jo ,

5, 12.13.

[129]

ocorre mediante ele, de modo que todas as coisas, embora

sendo diferentes, sejam, no entanto, conexas. Por isso, entre

os géneros que contraem o universo uno, a conexão do

[género] inferior e do superior é tal que coincidem no meio

e entre as espécies diferentes a ordem da combinação é tal

esforça por atingir o grau mais alto entre os animais dotados

de sentidos, é arrebatada a uma mistura com a natureza

intelectual; prevalece, no entanto, a parte inferior, pela qual

[O homem] se diz animal. Há, talvez, outros espíritos -

dos quais falaremos no De con ie ct u r is ' - os quais se dizem,

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que a espécie suprema de um género coincide com a espé-

cie mais baixa do género imediatamente superior, de modo

que assim haja um universo uno, contínuo e perfeito.

186. Toda a conexão é pois gradual e não se chega à

[conexão] máxima, porque ela é Deus. As espécies diversas

dos géneros superior e inferior não se conectam em algo de

indivisível, que não receba o mais e o menos, mas numa

terceira espécie, cujos indivíduos diferem gradualmente, de

modo que nenhum seja participante, de modo igual, de

ambas, como se fosse composto delas. Mas contrai, no seu

grau, a natureza una da própria espécie, e esta natureza, em

relação a outras, parece composta da [espécie] inferior e

superior, e não de maneira igual de uma e de outra, uma vez

que nenhum composto pode ser [constituído] de modo

preciso, por coisas iguais, e caindo numa posição interrné-

dia entre essas espécies prevalece necessariamente sobre

uma delas, superior ou inferior, como o mostram os exem-

plos disto, nos livros dos filósofos, nas ostras e nas conchas

marinhas e em outras coisas'.

187. Uma determinada espécie não desce, pois, até ser a

mínima de qualquer género, porque antes de se tornar no

mínimo transforma-se em outra; e o mesmo se diga da

máxima, que se transforma em outra antes de ser máxima.

No género da animalidade, a espécie humana enquanto se

7 cr ARISTÓTELES, De pa r t i bus a n ima l i um , rv ;

5, 679 b 15; 680

a

27;

Cf

também L\JCRÉCIO,

De

reru m

natura ,

lI, 374-376; c f a inda PLÍNIO,

Natura l i s

histo-

r ia , IX,

102.

[132]

em sentido lato, [ser] do género da animalidade, por causa

de uma certa natureza sensível. Mas porque neles a nature-

za intelectual prevalece sobre a outra, dizem-se antes espíri-

tos mais que animais, embora os Platónicos creiam que são

animais intelectuais . Por isso concluímos que as espécies

são como o número, ordenado progressivamente, e que é

necessariamente finito, para que a ordem, a harmonia e a

proporção sejam na diversidade, como mostrámos no livro

primeiro .

188. E, sem que se dê um processo ao infinito, é ne-

cessário chegar à espécie mais baixa do género mais baixo,

relativamente à qual não há, em acto, nenhuma menor, e à

mais elevada do [género] mais elevado, relativamente à

qual, do mesmo modo, não há nenhuma maior e mais alta,

e relativamente às quais seja, contudo, possível encontrar

uma maior ou menor; e assim, quer comecemos a contar a

partir de cima, quer a partir de baixo, começamos sempre da

unidade absoluta que é Deus, como princípio de todas as

coisas, de tal modo que as espécies sejam como que núme-

ros que se nos deparam progredindo do mínimo que é o

máximo e do máximo ao qual não se opõe o mínimo, a fim

de que nada seja no universo que não goze de uma certa sin-

gularidade que se não encontra em nenhuma outra coisa''.

, cr

De coni ea u t is ,

L. lI, capo 10 e capo 13.

9

Cf

APULEIO, De D eo

So cratis; cf também

CALCÍDlO, C omm ent a ri u s ill

T rmaeum, Cxx, CXXXI

e

cxxxv.

10 cr s u p r a ,

L. I, capo5 , n? 13.

  cr De

coniectut is, L. lI, capo 3 e capo 8.

[133]

 

E, assim, nenhuma coisa prevalece sobre as outras em tudo

ou prevalece de modo igual sobre as coisas diversas, tal

como em nenhum momento do tempo pode ser igual a

qualquer outra no que quer que seja e, mesmo que num

certo momento do tempo tenha sido mais pequena e nou-

tro maior, faz esta passagem com uma certa singularidade,

e há dispersos pelo mundo [homens] que desconhecemos,

não sabemos, por isso, quem é mais excelente de entre os

outros uma vez que nem um de todos podemos chegar a

conhecer perfeitamente.

E

foi estabelecido por Deus que cada um se conten-

te consigo próprio - ainda que admire os outros - e com

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de tal maneira que nunca atinge a igualdade precisa, tal

como o quadrado inscrito no círculo passa

à

grandeza do

quadrado circunscrito ao círculo, [partindo] do quadrado

que é menor que o círculo e [chegando] ao quadrado que é

maior que o círculo, sem jamais chegar a ser igual a ele, e

assim como o ângulo de incidência ascende a partir de um

ângulo menor que o recto a um maior sem o meio da igual-

dade. E muitas coisas destas serão extraídas no L ivro da s

Con ject u ra s .

189. Os princípios individuantes não podem concertar-se

em nenhum indivíduo numa proporção harmónica tal

como num outro indivíduo, e, assim, qualquer um é por si

um só e perfeito do modo que pode. E ainda que em algu-

ma espécie, como a humana, num dado tempo, se encon-

trem alguns indivíduos mais perfeitos e mais excelentes que

outros segundo certas [qualidades], como Salomão que

superava os outros em sabedoria , Absalão em beleza ,

Sansão em força , e ainda que aqueles que mais superam os

restantes no aspecto intelectual mereçam ser honrados mais

que os outros, todavia, porque a diversidade de opiniões

torna diversos os juízos de comparação de acordo com a

diversidade de religiões, de seitas e de regiões, de modo que

o que é louvável segundo uma é vituperável segundo outra,

12 Cf De co ni ec tu r is , L. n, capo 2, n  82.

13 Cf1 Rs (vulgata ,3 Rs) 5 , 9-11.

 Cf2Sm 14,25.

15   fJz14, 6.

[134]

a sua própria pátria, de modo que lhe pareça a terra natal

mais doce tanto nos costumes do reino, como na língua e

em outras coisas e de modo que haja unidade e paz sem

inveja, tanto quanto for possível, coisa que não pode acon-

tecer senão aos que reinam com aquele que é a nossa paz,

que supera tudo o que é sensível.

190.

CAPÍTULO II

o

máximo contraído

é

simultaneamente

absoluto é criador e criatura

Foi bem esclarecido que o universo não é senão de

modo contraído como multiplicidade de coisas que são de

tal modo em acto que nenhuma chega ao máximo de modo

simples. Acrescentarei ainda: se fosse possível o máximo

subsistente em acto, contraído a uma espécie, então ele seria

em acto, segundo a espécie dada da contracção, todas as coi-

sas que pudessem ser na potência daquele género ou daque-

la sua espécie. Pois o máximo absoluto é em acto, de modo

absoluto, todas as coisas possíveis e, com isso, é sumamen-

te infinito de modo absoluto. O máximo contraído ao géne-

ro e

à

espécie é igualmente em acto a perfeição possível

segundo a contracção dada, na qual, não se podendo dar

uma coisa maior, é o infinito que abraça toda a natureza

dessa contracção dada. E como o mínimo coincide com o

máximo absoluto, também assim o [mínimo] de modo

contraído coincide com o máximo contraído.

[135]

traída e criada, esta união digna de ser admirada excederia

todo o nosso intelecto.

191. Exemplo claríssimo disso é a linha maxima, que

não suporta nenhuma oposição e que é toda a figura e a

medida igual de todas as figuras e com ela coincide o ponto

como mostrámos no primeiro livro . Por isso, se fosse dável

algum indivíduo máximo contraído de uma certa espécie,

ele seria necessariamente a plenitude desse género e dessa

193. Na verdade, se ela fosse concebida do modo como

se concebe que se unem coisas diferentes, seria um

erro. Com efeito, a maximidade absoluta não é outra ou

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[136]

espécie, como via, forma, razão e verdade na plenitude da

perfeição de todas as coisas que fossem possíveis nessa espé-

cie. Este máximo contraído, existindo, sobre toda a nature-

za da contracção, como seu termo final, complicando em si

toda a sua perfeição, teria com qualquer coisa dada uma

suma igualdade acima de toda a proporção, que não seria

maior nem menor que alguma outra coisa, complicando, na

sua plenitude, as perfeições de todas as coisas.

diversa, porque é todas as coisas. E seria um erro se a con-

cebêssemos como duas coisas antes divididas e agora uni-

das. Pois a divindade não se comporta diferentemente

segundo um antes e um depois, nem é isto de preferência

àquilo, nem o contraído pôde ser isto ou aquilo antes da

união, como uma pessoa individual que subsiste em si e

nem [se deve conceber] como as partes que se unem no

todo, porque Deus não pode ser parte.

192. Daqui é manifesto que o máximo contraído não

pode subsistir puramente contraído, de acordo com o que

pouco antes mostrámos , uma vez que nenhuma coisa pode

atingir tal plenitude de perfeição no género da contracção.

E, como contraído, também não seria Deus, que é suma-

mente absoluto. Mas seria necessariamente um máximo

contraído, isto é, Deus e criatura, absoluto e contraído,

numa contracção que não poderia subsistir em si a não ser

que fosse subsistente numa absoluta maximidade. Ora não

há senão uma só maximidade, como mostrámos no primei-

ro livro , pela qual o contraído se pode dizer máximo. Se a

potência máxima unisse a si o contraído de tal modo que

não pudesse ser mais unido, salvaguardadas as respectivas

naturezas, de tal maneira que, por hipostática união, ele

fosse Deus e todas as coisas, conservada tal natureza da con-

tracção, de acordo com a qual é a plenitude da espécie con-

1 6 C( s u p r a L. I, caps. 13-15.

17 C(   u p r a

n?

191.

I C( s u p r a L. I, caps. 2 e 6.

194. Quem, pois, conceberia uma umao tão admirá-

vel que não é como a da forma com a matéria, porque

Deus absoluto não é misturável com a matéria e não é

informante? Esta união seria certamente maior que todas

as uniões inteligíveis: nela não subsistiria o contraído, por-

que seria o máximo, a não ser na própria maximidade

absoluta, nada lhe acrescentando, porque ela é a maximi-

dade absoluta, e não passando para a sua natureza, porque

ele é contraído. Por isso, o contraído subsistiria no absolu-

to de um modo tal que, se o concebêssemos como Deus,

erraríamos, porque o contraído não muda a sua natureza,

e se o imaginássemos como criatura, enganar-nos-íamos,

porque a maximidade absoluta, que é Deus, não abandona

a sua natureza, mas se o pensássemos como composto de

ambos erraríamos, porque é impossível uma composição

 

de Deus e de criatura, de contraído e de maximamente

absoluto. Seria, pois, necessário concebê-lo mentalmente

como sendo Deus de modo a ser também criatura, e cria-

tura de modo a ser criador, criador e criatura sem confu-

são nem composição.

[137]

Quem se pode assim elevar ao excelso de tal modo

que conceba a diversidade na unidade e a unidade na diversi-

dade? Esta união seria, portanto, acima de todo o intelecto.

195.

CAPÍTULO III

acto tudo aquilo que pode ser feito a partir da linha. Mas a

linha não inclui nem vida nem intelecto. Como poderia,

pois, a linha ser assumida ao próprio grau máximo se não

atinge a plenitude das naturezas? Seria então um máximo

maior do que o qual algo poderia haver e careceria de per-

feições.

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Só na natureza da humanidade

é

possível um tal máximo

Facilmente se poderia inquirir, em consequên-

cia disto que foi dito, de que natureza deveria ser o próprio

máximo contraído. Efectivamente, posto que é necessaria-

mente uno, assim como a unidade absoluta é a maximida-

de absoluta, e porque é contraído a ser isto ou aquilo, é

manifesto, em primeiro lugar, que a ordem das coisas

exige que umas sejam de natureza inferior em comparação

com outras, como o são aquelas que carecem de vida e de

inteligência, que outras sejam de natureza superior, como

é o caso das inteligências, e outras de natureza média. Por

isso, se a maximidade absoluta é a entidade, do modo mais

universal, de todas as coisas, de tal maneira que não o é

mais de um do que de outro, é claro que é mais associável

ao máximo aquele ente que é mais comum

à

universalida-

de dos entes.

196. Ora se se considerar a própria natureza das coisas

inferiores e se se elevar algum destes entes à maximidade,

ele será Deus e ele próprio, como se verifica com o exem-

plo da linha máxima . Na verdade, ela, sendo infinita pela

infinidade absoluta e máxima pela maximidade, à. qual

necessariamente se une se é máxima, será Deus, pela maxi-

midade e permanece linha pela contracção; e assim será em

19 C(

slIpra

L. I , c apo13 e caps. 14-17.

[138]

197. O mesmo se deve dizer da natureza suprema que

não abraça a natureza inferior de um modo tal que seja

maior a união da inferior e da superior que a [sua] separa-

ção. Ao máximo, no entanto, com o qual coincide o míni-

mo, convém abraçar uma coisa de um modo que não

abandone outra, mas [seja] simultaneamente todas as coi-

sas. Por isso a natureza média, que é o meio de conexão da

natureza inferior com a superior, é só aquela que é conve-

nientemente elevável ao máximo pela potência de Deus

que é o máximo infinito. Com efeito, como ela complica

dentro de si todas as naturezas, como o grau supremo da

natureza inferior e o grau ínfimo da natureza superior, se

ela ascender, na base de todas as suas propriedades,

à

união

com a maximidade, então verifica-se que todas as nature-

zas e todo o universo terão atingido nela o sumo grau em

todo o modo possível.

198. Mas a natureza humana é aquela que é elevada

acima de toda a obra da Deus e é pouco inferior

à

natureza

angélica . Ela complica a natureza intelectual e a natureza

sensível e reúne tudo em si, pelo que os antigos a chamaram

com razão microcosmo, ou seja, pequeno mundo . Por

., C( H eb 2, 7-9.

2 1

C(

DEMÓCRITO

em

DIELS-KRANz,

Fragmente Il, 68 B 34. Sobre o tema do

microcosmo em Nicolau de Cusa, cf João Maria ANoRÉ O homem como

microcosmo: da concepção dinâmica do homem em Nicolau de Cusa

à

inflexão

espiritualista da antropologia de Ficino ,

Philosophica,

14 (1999), 7-30.

[139]

para ele. Por isso, a suma e máxima igualdade de ser todas

as coisas de modo absoluto seria aquela à qual a própria

natureza da humanidade se uniria, de modo que o próprio

Deus, mediante a humanidade assumida, seria assim todas

as coisas de modo contraído na própria humanidade, do

mesmo modo que é a igualdade de ser todas as coisas de

isso, ela é aquela que, se fosse elevada à união com a ma-

ximidade, existiria como plenitude de todas as perfeições

do universo e de cada uma das coisas, de tal maneira que

nessa humanidade todas as coisas atingiriam o grau su-

premo.

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[140]

modo absoluto. Por isso, este homem, subsistindo, pela

união, na própria igualdade máxima de ser, seria filho de

Deus como seu verbo, no qual todas as coisas foram feitas,

ou a própria igualdade de ser, que se chama filho de Deus,

como foi antes exposto , E, no entanto, não deixaria de ser

filho do homem assim como não deixaria de ser homem

como a seguir se dirâ .

199. A humanidade, no entanto, não é senão de modo

contraído nisto ou naquilo. E assim não seria possível que

mais do que um só homem verdadeiro pudesse ascender

à

união com a maximidade e este, certamente, seria homem

de um modo tal que seria Deus e seria Deus de um modo

tal que seria homem, perfeição do universo, tendo entre

todas as coisas o primado e nele as naturezas mínima, máxi-

ma e média unidas à maximidade absoluta coincidiriam de

tal modo que seria a perfeição de todas as coisas e todas as

coisas, enquanto contraídas, repousariam nele como na sua

perfeição. Ele seria a medida do homem e do anjo, como diz

João no Apocalipse , e [a medida] de cada coisa, porque

seria a entidade contraída universal de cada uma das criatu-

ras pela união à absoluta, que é a entidade absoluta de todas

as coisas. Por ele, todas as coisas receberiam o início e o fim

da contracção de modo que, por ele, que é o máximo con-

traído, todas as coisas chegassem, do máximo absoluto, até

ao ser da contracção e voltassem ao absoluto por meio dele,

como que através do princípio da emanação e do fim da

redução .

200. Deus, porém, enquanto é a igualdade de ser todas

as coisas , é o criador do universo, tendo este sido criado

201. E porque a Deus sumamente bom e perfeito não

se opõem estas coisas que, por ele, podem ser feitas sem a

sua variação, diminuição ou inferiorização, mas convêm

antes à sua imensa bondade, para que de modo óptimo e

perfeitíssimo, na ordem adequada, todas as coisas sejam

criadas a partir dele e para ele, então, porque retirada esta

via, todas as coisas poderiam ser mais perfeitas, ninguém, a

menos que negue Deus ou que ele seja sumamente bom,

poderá discordar disto. Toda a inveja foi, pois, relegada para

longe daquele que é sumamente bom, cuja acção não pode

ser defeituosa, mas, tal como ele é o máximo, assim a sua

obra, tanto quanto é possível, aproxima-se do máximo. Mas

a potência máxima não encontra termo senão em si própria,

porque nada é fora dela e ela é infinita. Por isso, em nenhu-

ma criatura encontra o seu termo, porque, dada uma qual-

quer, a potência infinita poderia criar uma melhor e mais

perfeita.

22

Cf p

21,17.

  Para a ligação destes conceitos de emanação e redução, cf ESCOTO

ERIÚGENA, De d i u is i on e

naturae, III, 4 (PL 122, 632 BC .

  Cf

supra L: I, capo 8, n? 22; L. n, capo7, n? 129.

25 Cf supra L. I, capo24, n? 80; L.

n,

capo7, n? 129.

26

Cf illfra capo4, n? 203-204.

[141]

202. Mas se o homem é elevado à unidade com aquela

potência, de modo que o homem não subsista em si

como criatura, mas em unidade com a potência infinita,

a infinita potência não encontra o seu termo na criatura,

mas nela própria. Esta é a acção perfeitíssima da máxi-

ma potência de Deus infinita e ilimitável, e na qual não

pode haver falhas; de outro modo não seria nem o criador,

203.

CAPÍTULO IV

Ele é Jesus bendito Deus e homem

Porque certamente chegámos a estas conclusões

com uma fé inabalável e com tais raciocínios de modo que,

não hesitando em nada, tenhamos, com firmeza, estas pre-

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nem a criatura. Como poderia a criatura ser de modo con-

traído [derivada] do ser divino absoluto, se a própria con-

tracção não fosse unível a ele? Por essa contracção, todas

as coisas que são a partir dele, que é de modo absoluto,

existiriam, e essas coisas, enquanto contraídas, são a par-

tir dele, ao qual a contracção está sumamente unida, de

modo que assim seja primeiro Deus criador, em segundo

lugar seja Deus e homem, uma vez criada a humanidade

e assumida em unidade de modo supremo com ele; como

se a contracção universal de todas as coisas fosse unida, de

modo pessoal e hipostático,

à

igualdade de ser todas as

coisas, para que assim, por Deus absolutíssimo e median-

te a contracção universal que é a humanidade, em tercei-

ro lugar, cheguem todas as coisas ao ser contraído, de

modo que aquilo que são o possam ser na melhor ordem

e no melhor modo.

Mas esta ordem não deve ser entendida em termos

temporais como se Deus tivesse precedido temporalmente

o primogénito da criatura ou o primogénito Deus e homem

tivesse vindo temporalmente antes do mundo, mas deve ser

entendida em termos da natureza e da perfeição fora de

todo o tempo, para que assim ele aparecesse, na plenitude

do

tempo

e passados muitas revoluções do mundo, exis-

tindo junto de Deus, para lá do tempo e antes de todas as

COIsas.

27 C( G/4, 4;

Ef1, 10.

[142]

missas como sumamente verdadeiras, dizemos, acrescen-

tando, que a plenitude dos tempos é passada e que Jesus

sempre bendito é o primogénito de toda a criatura .

Na verdade, a partir daquilo que ele, na sua existên-

cia humana, fez para lá das capacidades humanas, e de

outras coisas que afirmou de si próprio, revelando-se ver-

dadeiro em tudo, e do testemunho que deram, com o seu

sangue, aqueles que viveram na sua companhia, afirmamos

justamente, com uma constância inalterável, provada com

infinitos argumentos há muito infalíveis, que ele é aquele

que toda a criatura esperava, desde o início, no tempo ~utu-

ro, e que tinha anunciado pelos profetas que aparecena no

mundo. Vem, pois, para cumprir todas as coisas, porque,

com a sua vontade, todos restituiu

à

salvação, e ensinou

todos os segredos ocultos da sabedoria como aquele que

tem poder sobre todas as coisas, tirando os pecados enquan-

to Deus, ressuscitando dos mortos, transfigurando a natu-

reza, imperando sobre os espíritos, os mares e os ventos,

caminhando sobre a água, estabelecendo uma lei que, na sua

plenitude, seria o suplemento de todas as leis. Nele, segun-

do o testemunho de Paulo, aquele singularíssimo pregador

da verdade, iluminado a partir de cima num arrebatamento,

temos toda a perfeição, redenção e remissão dos pecados;

ele que é a imagem de Deus invisível, primogénito de toda

a criatura, porque nele foram criadas todas as coisas no céu

,. C( Co11,15.

[143]

e na terra, visíveis e invisíveis, tronos ou dominações, prin-

cipados ou potestades. Todas as coisas foram criadas por ele

e nele e ele é antes de todas as coisas e todas as coisas nele

subsistem.

É

a cabeça do corpo da igreja ele que é o princí-

pio, o primogénito dos mortos de modo que em tudo seja

ele que tenha o primado. Porque agradou a Deus que nele

residisse toda a plenitude e que, por ele, todas as coisas se

que Deus, sem mudança de si, na igualdade de ser todas as

coisas é em unidade com a humanidade máxima de Jesus,

porque o homem máximo nele não pode ser senão de

modo máximo. E assim em Jesus, que é a igualdade de ser

todas as coisas, não só existem, como sendo filho na divin-

dade, que é a pessoa intermédia, o pai eterno e o espírito

santo, mas existem também. todas as coisas, como sendo o

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reconciliassem consigo.

  29

204. Tais testemunhos sobre ele e muitos outros vêm-nos

dos santos, [declaram] que ele é Deus e homem; nele a

própria humanidade está unida pelo verbo à própria divin-

dade, de tal maneira que não subsiste em si mas nele, uma

vez que a humanidade não pôde ser em sumo grau e com

toda a plenitude a não ser .na divina pessoa do filho.

E para que, como que na douta ignorância, sobre

toda a nossa compreensão intelectual, concebamos esta pes-

soa,' que uniu a si o homem, elevando-nos a isto no nosso

intelecto, consideremos o seguinte. Porque Deus, por todas

as coisas, é em todas as coisas e estas são em Deus através

de todas as coisas, como mostrámos noutro passo mais

acima , então, sendo de considerar estas coisas assim de

modo copulativo, ou seja, que Deus é em todas as coisas tal

como todas as coisas são em Deus e sendo o ser divino de

uma suprema igualdade e simplicidade, então Deus, na

medida em que é em todas as coisas, não é nelas segundo

graus, como se se lhes comunicasse gradativamente e de mo-

do particular. Mas as coisas não podem ser sem uma diver-

sidade de grau. Por isso elas são em Deus, de acordo com o

que são, com diversidade de graus. Assim, sendo Deus em

todas as coisas como todas as coisas são nele, é manifesto

29

C( Col1, 14-20.

,. C(

sup ra , L. lI, capo5, n? 117.

[144]

verbo, e toda a criatura é nessa humanidade suprema e

sumamente perfeita que complica, de modo universal, tudo

o que é criável de modo que toda a plenitude o habita.

205. Deixemo-nos conduzir pela mão a estas conclu-

sões através de um exemplo. O conhecimento sensível é um

certo conhecimento contraído porque os sentidos não atin-

gem senão as coisas particulares. O conhecimento intelec-

tual é universal, porque, comparado com o sensível, existe

como absoluto e abstraído da contracção particular. A sen-

sação é contraída, de modo diverso, a diversos graus, e por

essas contracções surgem as diversas espécies de animais

segundo o grau da nobreza e da perfeição. E ainda que não

ascenda ao grau máximo de modo simples, como acima

mostrámos, todavia, naquela espécie, que é a suprema em

acto no género da animalidade, ou seja, na espécie humana,

aí o sentido realiza-se de modo tal como animal que é tam-

bém intelecto. O homem é, pois, o seu intelecto onde a

contracção sensível tem de certo modo o seu suposto na

contracção intelectual, existindo a natureza intelectual

como uma espécie de ser divino separado e abstracto, mas

permanecendo temporal e corruptível a [natureza] sensível,

de acordo com a sua natureza.

  Suppos i t a t ur: do verbo supposl tare , que significa  subsistir em  (sendo aqui-

lo em que algo subs is te a h ip6st ase), pelo que sedeve en tender o t ermo  suposto 

aqu i u ti li zado não em sen tido l6gico ( teor ia da

supposit io),

mas em sent ido on toló-

gico-metaflsico.

[145]

206. Por isso, segundo esta comparação ainda que re-

mota, assim se deve considerar que em Jesus, a huma-

nidade encontra o seu suposto  na divindade, porque

de outro modo não poderia ser na sua plenitude máxima.

Com efeito, o intelecto de Jesus, sendo sumamente perfei-

to e existindo totalmente em acto, não pode encontrar o seu

suposto pessoal  a não ser no intelecto divino, o único que

que o seu corpo esteja de tal modo afastado dos extremos

que seja um instrumento sumamente adaptado à natureza

intelectual,

à

qual obedeça e se conforme sem resistência,

fadiga ou murmurações. O nosso Jesus, no qual, quando

apareceu neste mundo, foram escondidos , como a luz nas

trevas , todos os tesouros da ciência e da sabedoria, terá

tido, assim se crê, ao serviço da sua elevadíssima natureza

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é em acto todas as coisas. Em todos os homens o intelecto é

potencialmente todas as coisas, crescendo gradualmente da

possibilidade para o acto, de modo que quanto maior é [em

acto] , menos é em potência. Mas não pode existir [tornado]

máximo, na medida em que seria o termo da potência de

toda a natureza intelectual existindo plenamente em acto,

de outro modo seria de tal modo intelecto que seria tam-

bém Deus, que é tudo em tudo , Como se o polígono ins-

crito no círculo fosse a natureza humana e o círculo a divi-

na: se o próprio polígono devesse ser máximo, maior que o

qual nenhum pudesse haver, não subsistiria por si num

número finito de ângulos mas sim na figura circular, de

modo que não teria subsistência numa figura própria, sepa-

rável, mesmo intelectualmente, daquela figura circular e

eterna.

207. A maximidade da perfeição da natureza humana

é percebida nas coisas substanciais e essenciais, como o inte-

lecto, ao serviço do qual estão as restantes coisas corporais.

E por isso o homem perfeito ao máximo não deve ser emi-

nente nas coisas acidentais a não ser por referência ao pró-

prio intelecto. Não se requer, pois, que seja um gigante ou

um anão, desta ou daquela grandeza, cor, figura ou com

outras características acidentais. Mas é apenas necessário

32 Supposi ta tur.

  S u ppo s i t a t i

p ersona líter .

  Cf. C/3 , 11;

Ef4,

6.

[146]

intelectual, um corpo sumamente apto e perfeito, como é

também transmitido pelas santíssimas testemunhas que pri-

varam com ele.

208.

CAPÍTULO V

Cristo concebido pelo Espírito Santo

nasceu da Virgem Maria

É

de considerar ainda que a humanidade sumamen-

te perfeita, que encontra o seu suposto  no alto, na medida

em que é a precisão final contraída, não escapa completa-

mente

à

espécie daquela natureza. O semelhante, no entan-

to, é gerado pelo semelhante e assim o gerado procede do

gerador de acordo com a natureza da proporção. Mas o

termo, na medida em que carece de termo, carece de finiti-

zação e de proporção. Por isso, o homem máximo não é

gerável por via natural e, por outro lado, não pode carecer

totalmente do princípio da espécie de que existe como últi-

ma perfeição. Em parte procede de acordo com a natureza

humana, porque é homem. E porque é o principiado suma-

mente elevado unido da maneira mais imediata ao princí-

pio, então o próprio princípio, do qual deriva de modo ime-

diato, é pai enquanto criador ou gerador, e o princípio

  CECI2 ,3.

36 CEJo 1,5.

37 Supposi ta ta

[147]

humano é passivo, proporcionando-lhe a matéria receptiva.

Por isso, nasce de uma mãe sem [intervenção] de sémen

masculino .

209. Mas toda a operação procede do espírito e de um

certo amor que une o activo ao passivo, como se mos-

trou noutro passo mais acima. Por isso, a operação máxi-

211. Através desta tão remota comparação para além

daquilo que nos é dado entender, tornemos mais leve por

um pouco a nossa meditação de como o Pai eterno, de

imensa bondade, querendo mostrar-nos a riqueza da sua

glória e toda a plenitude da ciência e da sabedoria , o Verbo

eterno, seu Filho, que é essa plenitude e existe como pleni-

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ma, acima de toda a proporção da natureza, pela qual o

criador se une à criatura, e que procede do máximo amor

que une, não há dúvida de que existe necessariamente

devido ao Espírito Santo que é o amor de modo absolu-

to. Só por ele, sem intervenção de um agente contraído

na latitude da espécie, pôde a mãe conceber o filho de

Deus Pai; e assim como Deus Pai formou com o seu

espírito todas as coisas que, por ele, passaram do não ser

ao ser, assim, por mais especial razão, agiu através do

mesmo Espírito Santo quando operou de modo suma-

mente perfeito.

210. Recorramos a um exemplo, para que se instrua a

nossa ignorância: quando algum excelentíssimo doutor

quer mostrar o seu verbo intelectual e mental aos discípu-

los, para que se alimentem espiritualmente da verdade

concebida que lhes é mostrada, faz com que esse seu verbo

mental se revista da voz, porque, se não se revestisse de

uma figura sensível, não seria, de outro modo, manifestá-

vel aos discípulos. Mas não pode fazer de outro modo

senão pelo espírito natural do doutor, que, a partir do ar

inspirado, adapta a figura vocal conveniente ao verbo men-

tal, à qual une de tal modo o próprio verbo que a voz sub-

siste no verbo para assim os ouvintes atingirem o verbo

através da voz.

38 C( Mt

1, 18-25;

11

2,7.

[148]

tude de todas as coisas, compadecido da nossa fragilidade ,

e uma vez que não teríamos podido percebê-lo senão de

uma forma sensível e semelhante a nós, revestiu-o da natu-

reza humana através do Espírito Santo que lhe é consubs-

tancial. Esse espírito, quase como a voz formada pela inspi-

ração do ar inspirado, formou, da pureza da fecundidade do

sangue de uma virgem, o corpo vivo, acrescentando-lhe a

razão para que fosse homem; uniu-lhe internamente o

verbo de Deus Pai, para que existisse como centro de sub-

sistência da natureza humana. E todas estas coisas foram fei-

tas não umas a seguir às outras, como o que concebemos se

exprime em nós de modo temporal, mas através de uma

operação momentânea, acima de todo o tempo, segundo a

vontade conforme à potência infinita.

212. Ninguém deve duvidar de que uma tal mãe, cheia

de virtude, doadora da matéria, excede todas as virgens

em toda a perfeição da virtude e teve a benção mais exce-

lente entre todas as mulheres fecundas. Ela que, efectiva-

mente, foi previamente ordenada a tão excelso e único parto

original, deve estar isenta de tudo aquilo que pudesse cons-

tituir obstáculo à pureza, à fortaleza e simultaneamente à

unidade de tão excelente parto. Se, com efeito, não fosse

uma virgem previamente escolhida, como estaria apta a um

parto virginal sem o sémen masculino? Se não fosse santís-

 C(

Rm

9,23; 11,33;

Ef3,

16;C/1, 27

e

2,3.

••C( Heb 4, 15.

[149]

sima e sobrebendita pelo senhor, como teria sido feita sacrá-

rio do Espírito Santo, no qual o Filho de Deus formaria o

corpo? Se não permanecesse virgem depois do parto não

comunicaria a tão excelente parto o centro da fecundidade

materna na sua suprema perfeição de limpeza, mas de

modo dividido e diminuído, e não como era devido ao filho

único e supremo. Se, pois, a virgem santíssima se ofereceu

dos quais puderam os sábios prever racionalmente que o

verbo devia encarnar na plenitude dos tempos. Mas a pre-

cisão do lugar, do tempo ou do modo só a soube previa-

mente o pai eterno, o qual ordenou de modo que, enquan-

to todas as coisas estivessem mergulhadas no silêncio, no

decurso da noite, o filho descesse do cume dos céus ao

útero da virgem e no tempo determinado e conveniente se

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toda a Deus em virtude do qual, por obra do Espírito Santo,

participou completamente de toda a natureza da fecundida-

de, permaneceu nela a imaculada virgindade antes do parto,

no parto e depois do parto, incorrupta para lá de toda a gera-

ção natural comum.

213. Jesus Cristo, Deus e homem, nasceu, por isso, de

um pai eterno e de uma mãe a viver no tempo, ou seja, a

gloriosíssima Virgem Maria; de um pai máximo e absoluta-

mente perfeito, de uma mãe perfeitíssima na sua fecundida-

de de virgem cheia da benção divina na plenitude dos tem-

pos. Efectivamente, não pôde ser homem [filho] de uma

mãe virgem a não ser no tempo nem ser [filho] de um pai

Deus a não ser na eternidade; mas o próprio nascimento no

tempo exigiu no tempo a plenitude da perfeição tal como

[exigiu] na mãe a plenitude da fecundidade.

214. Quando, pois, chegou a plenitude dos tempos ,

uma vez que sem tempo não pode o homem nascer, nas-

ceu então no tempo e no lugar mais apto para isso, mas

profundamente oculto a todas as criaturas. Pois as plenitu-

des mais altas são incomparáveis às outras experiências

quotidianas. Daí que razão alguma as tenha podido

apreender por nenhum signo, ainda que por uma certa

inspiração profética muito oculta se tenham transmitido

alguns signos obscuros velados em comparações humanas,

  C[

G/4, 4.

[150]

manifestasse ao mundo sob a forma de servo .

215.

CAPÍTULO VI

o mistério da morte de Jesus Cristo

É

necessário fazer previamente uma pequena digres-

são para dar conta dos nossos objectivos, a fim de atingir-

mos mais claramente o mistério da cruz. Não há dúvida de

que o homem existe [dotado de] sentidos, de intelecto e de

uma razão que está no meio de ambos e os une. Mas a

ordem [das coisas] faz com que os sentidos estejam subme-

tidos à razão e a razão ao intelecto . O intelecto não é do

âmbito do tempo e do mundo mas desligado deles; os sen-

tidos são do âmbito do mundo e estão sujeitos aos movi-

mentos no tempo; a razão está como que no horizonte rela-

tivamente ao intelecto, mas no zénite relativamente aos

sentidos, de modo que nela coincidam as coisas que estão

no tempo e acima do tempo.

216. Os sentidos, na sua existência animal, são incapazes

das coisas sobre temporais e espirituais. Com efeito, o ani-

mal não percebe as coisas que são de Deus, posto que Deus

existe como espírito e mais do que espírito. Por isso, o

., C[ Sb 18,14-15.

 C[

De c on ie c tu r i s,

L. lI,

ca po

4,

140

e capo

6,

n?

157.

[151]

seus movimentos e não lhes resistam, é claro que o homem,

assim atraído para baixo e afastado de Deus, é completa-

mente privado da fruição do supremo bem que é intelec-

tualmente mais elevado e eterno. Mas se a razão domina os

sentidos, é necessário ainda que o intelecto domine a razão,

para que, acima da razão, pela fé actuada , adira ao media-

dor, a fim de que, assim, possa ser atraído por Deus Pai à

conhecimento sensível está nas trevas da ignorância relati-

vamente às coisas eternas e, segundo a carne, move-se para

os desejos carnais pela potência concupiscível, estando

impedido de os repelir pela potência irascível. Mas a razão,

mais eminente na sua natureza, possui, pelo facto de parti-

cipar da natureza intelectual, algumas leis através das quais,

como quem rege as paixões do desejo, as modera e as reduz

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[152]

glória.

à sua justa medida, a fim de que o homem, que estabelece o

fim nas coisas sensíveis, não se veja privado do desejo espi-

ritual do intelecto. E a mais importante das leis é a de que

não se faça ao outro o que não se quer que seja feito a si , e

que as coisas eternas sejam antepostas às temporais e as

puras e santas às passageiras e impuras. E para esse fim coo-

peram as leis extraídas da própria razão pelos legisladores

mais santos, promulgadas, de acordo com a diversidade dos

lugares e dos tempos, como remédio para os que pecam

contra a razão.

218. Jamais alguém teve o poder de, por si próprio, se

elevar acima de si e da sua própria natureza assim submeti-

da originalmente aos pecados do desejo da carne e de se ele-

var acima da sua raiz até às coisas eternas e celestiais, a não

ser aquele que desceu do Céu, Cristo Jesus. Ele é aquele

que se eleva pela sua própria virtude, é aquele no qual a

natureza humana, nascida não da vontade da carne, mas de

Deus , não encontrou qualquer obstáculo em retornar,

com a sua potência, a Deus Pai.

Por isso, em Cristo, a própria natureza humana, pela

união à divina, foi exaltada à suma potência e subtraída ao

peso dos desejos temporais e penosos. Mas Cristo senhor

quis mortificar completamente no seu corpo humano todos

os crimes da natureza humana, que nos atraíam para as coi-

sas terrenas, não por causa de si, que não cometera pecado,

mas por causa de nós; e, mortificando [quis] purificá-Ia de

modo que todos os homens [dotados] com ele da mesma

humanidade, encontrassem nele toda a purificação dos seus

pecados. A morte na cruz de Cristo homem, voluntária e

sumamente inocente, tão torpe e cruel, foi a extinção de

todos os desejos da carne da natureza humana, a sua satisfa-

ção e purificação. O que quer que possa ser feito pelo

217. O intelecto, voando mais alto, vê que, ainda que

os sentidos se submetessem em tudo à razão, não se dei-

xando arrastar pelas paixões que lhe são conaturais, o

homem não conseguiria, todavia, chegar por si ao fim dos

seus afectos intelectuais e eternos. Com efeito, tendo o

homem sido gerado, pelo sémen de Adão, nos prazeres da

carne, em que a própria animalidade prevalece sobre a espi-

ritualidade segundo a [necessidade da] propagação [da

espécie], então a natureza, imersa pela raiz da origem nas

delícias da carne, pelas quais o homem vem, do pai, à exis-

tência, permanece completamente impotente para trans-

cender as coisas temporais em ordem a abraçar as coisas

espirituais. Por isso, se o peso dos deleites da carne atrai para

baixo a razão e o intelecto, de modo que consintam nos

•• C E D e

coniec tur is , L. lI, capo 17, n? 183 ; cf também

Compen d i um ,

capo 10,

n? 34.

,; F ide s f orma to: a fé que se realiza na caridade (cf

ToMÁs DE AQUINO

S umma t he ol og ia e , l I, l I, q. 4, a. 4).

•• CEJo

1, 13.

[153]

homem contra a caridade do próximo encontra abundante-

mente a sua compensação na plenitude da caridade de

Cristo pela qual ele próprio se entregou

à

morte mesmo

pelos seus inimigos.

essa fé, como diremos a seguir, noutro passo, mais alonga-

damente  .

É

este o inefávelmistério da cruz da nossa

redenção ,

no

qual, para além das coisas que foram abordadas, Cristo mostra

como averdade e ajustiça e asvirtudes divinas devem ser prefe-

ridas à vida temporal e as coisas eternas às transitórias; e que no

homem mais perfeito a constância e a fortaleza, a caridade e a

219. Assim, a humanidade em Cristo Jesus preencheu

todas as deficiências de todos os homens. Na verdade, ela,

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[154]

humildade devem ser asmaiores, tal como a morte de Cristo na

cruz mostra que emJesus, o máximo, essas e todas asoutras vir-

tudes existiram de modo máximo. Por isso, quanto mais o

homem seelevar nas virtudes imortais, tanto mais semelhante a

Cristo se tomará. Pois as coisas mínimas coincidem com as

máximas, como a máxima humilhação com a exaltação,a morte

mais vergonhosa do virtuoso com avida gloriosa e assim suces-

sivamente, como no-lo manifestam a vida, a paixão e a crucifi-

xão de Cristo.

sendo máxima, abraça toda a potência da espécie, de modo

a constituir-se como uma tal igualdade de ser qualquer

homem numa união maior do que a que une a alguém um

irmão ou um amigo muito especial. Pois a maximidade da

natureza humana faz com que, em qualquer homem que

adere a Cristo com uma fé

actuada  ,

Cristo seja esse mesmo

homem numa união perfeitíssima, salvaguardada a respecti-

va multiplicidade dos indivíduos. Por ela é verdade o que

ele próprio diz:  o que tiverdes feito ao mais pequeno dos

meus foi a mim que o

fizestes? ;

e, inversamente, o que

quer que Jesus Cristo tenha merecido com a sua paixão,

mereceram-no aqueles que com ele são um só, salvaguarda-

da a diferença de grau do mérito de acordo com a diferença

do grau da união de cada um com ele pela fé actuada na cari-

dade. Por isso, nele são os fiéis circuncidados, nele são bap-

tizados, nele mortos, nele de novo vivificados pela ressur-

reição, nele unidos a Deus e

glorificados ,

221.

CAPÍTULO

 

o

mistério da ressurreição

  Formatam fidem.

  C( Mt 25, 40 .

•• C( C/ 2, 11-13; FI 3, 3.

50

C(

Rm

5, 18.

  C Jo 1, 16; C12, 9.

52 Fi dem j o rma t am.

Cristo homem, mortal e sujeito

à

paixão, não teria

podido chegar

à

glória do Pai, que é a própria imortalidade

porque vida absoluta, se, mortal, não tivesse assumido a

imortalidade. O que não poderia acontecer senão [indo]

além da morte. Com efeito, como poderia um mortal assu-

mir a imortalidade sem se despojar da mortalidade? Como

se desligaria dela senão uma vez liquidado o débito da

morte? Por isso a própria verdade diz que são estultos e len-

tos de coração aqueles que não compreendem que era

necessário que Cristo morresse e assim entrasse na

glória .

220. Por isso, a nossa justificação não procede de nós,

mas de Cristo  . Sendo ele toda a plenitude , nele tudo

obteremos se o tivermos. Atingindo-o nesta vida por

uma fé

actuada ,

não podemos ser justificados senão por

  C( inf ra

cap o

11, n~ 248-252.

  C( Rm 3, 24; 1 Cor 1, 30;Ef1, 7.

5S C(  24, 25-26.

[155]

Mas uma vez que mostrámos antes  que Cristo

morreu por nós com uma morte crudelíssima, deve conse-

quentemente dizer-se também: porque não convinha que a

natureza humana fosse levada ao triunfo da imortalidade

a não ser pela vitória sobre a morte , por isso ele sofreu a

morte para que consigo a natureza humana renascesse para

a vida perpétua e o corpo animal mortal se tornasse espiri-

separadamente da divindade, por ser maximo. Por causa

disso admite-se uma comunicabilidade nas formas de dizer,

de modo que as propriedades humanas coincidem com as

divinas porque aquela humanidade é inseparável da divin-

dade, devido à suprema união, como se, assumida e revesti-

da pela divindade, não pudesse subsistir como pessoa sepa-

radamente. O homem existe como união de corpo e alma,

sendo a morte a sua separação. Por isso, porque a própria

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tual e incorruptível. Não teria podido ser um verdadeiro

homem se não fosse mortal e não teria podido elevar a natu-

reza mortal à imortalidade se não se tivesse despojado da

mortalidade através da morte.

222. Ouve como em termos belos a própria verdade nos

instrui falando disto quando diz: Se o grão de trigo que cai à

terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, dará muito

fruto. 58Por isso, se Cristo permanecesse sempre mortal, ainda

que jamais tivesse morrido, como é que como homem mortal

proporcionaria a imortalidade à natureza humana? Mesmo

que não tivesse morri do, permaneceria só, como [homem]

mortal sem morte. Era pois necessário libertar-se pela morte da

possibilidade de morrer, se deveria dar muito fruto, para que

assim, exaltado, atraísse a si todas as coisas, uma vez que o seu

poder não se estende apenas ao mundo e à terra corruptível,

mas também ao céu incorruptível . Isto poderemos no entan-

to atingi-lo de algum modo na nossa ignorância, se tivermos

em mente aquilo que já muitas vezes foi dito.

223. Mostrámos anteriormente  que o homem máximo

Jesus não podia ter em si uma pessoa capaz de subsistir

56 Cf supra

n?

218.

  Cf 1 Co r 15, 54-55.

58

J o

12, 24-25.

59 Cf Mt 28, 18.

•• Cf Sl /pra cap 4, n

M

204-205.

[156]

humanidade máxima tem o seu suposto na pessoa divina,

não era possível que a alma ou o corpo mesmo depois da

divisão local da morte no tempo fossem separados da pessoa

divina, sem a qual esse homem não subsistiria.

224. Cristo, portanto, não morreu como se faltasse algo

à sua pessoa, mas permaneceu hipostaticamente unido

à divindade, sem qualquer divisão local relativamente ao

centro no qual a humanidade tinha o seu suposto . Mas de

acordo com a natureza inferior, que pôde sofrer a divisão da

alma do corpo segundo a verdade da sua natureza, deu-se

uma divisão temporal e local, de modo que o corpo e a alma

não estivessem, na hora da morte, no mesmo lugar e no

mesmo tempo Por isso, não foi possível a corrupção no

corpo e na alma, uma vez que estavam unidos à eternidade.

Mas o nascimento temporal foi submetido à morte e à

separação temporal, de tal modo que, uma vez completado

o ciclo do retorno

à

separação e separado mais amplamen-

te o corpo temporal dos seus movimentos temporais, aver-

dade da humanidade, que se situa para lá do tempo, na

medida em que permanece incorrupta unida à divindade,

tanto quanto a sua verdade o requeria, estabelecesse a uni-

dade da verdade do corpo com a verdade da alma. Para que

  Suppositatur.

  Supposi tabatur.

  Cf L i be r d e c au s is , prop. XIV; n? 124.

[157]

no que se refere à temporalidade à qual foi contraída e, pelo

facto de ser desligada do tempo, acima do tempo e unida à

divindade, foi incorruptível.

assim abandonada a imagem-sombra da verdade do homem

que apareceu no tempo, ressurgisse o verdadeiro homem

liberto de toda a paixão temporal, e o mesmo Jesus, para lá

de todos os movimentos temporais e para não mais voltar a

morrer, ressurgisse verdadeiramente pela união da alma e

do corpo, para lá de todo o movimento temporal. Sem esta

união, a verdade da humanidade incorruptível não estaria

verdadeiramente e sem confusão de natureza, unida hipos-

226. Ora a verdade, como é contraída temporalmente, é

como que o signo e a imagem da verdade supratemporal.

Assim, a verdade do corpo temporalmente contraída é

como que a sombra da verdade do corpo supratemporal. E

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[158]

taticamente à pessoa divina.

assim também a verdade contraída da alma é como que a

sombra da alma desligada do tempo. Parece, com efeito,

mais sentidos ou razão do que intelecto enquanto está no

tempo, onde não apreende sem fantasmas, mas, elevada

sobre o tempo, é intelecto livre e desligado deles. E porque

a própria humanidade se radicou, indissoluvelmente, no

alto, na incorruptibilidade divina, então, concluído o movi-

mento temporal corruptível, a sua resolução não pôde fa-

zer-se senão na direcção da raiz da incorruptibilidade. Por

isso, depois do fim do movimento do tempo, que foi a

morte, retirado tudo aquilo que adveio à verdade da nature-

za humana com o tempo, o mesmo Jesus ressuscitou 'não

com um corpo pesado, corruptível, sombra, sujeito à pai-

xão, etc., coisas que são uma consequência da composição

do tempo, mas com um corpo verdadeiro, glorioso, impas-

sível, ágil e imortal , como requeria a verdade desligada das

condições temporais. E a própria verdade da união hipostá-

tica da natureza humana e divina requeria necessariamente

esta união. Por isso, era necessário que Jesus bendito res-

suscitasse dos mortos, como ele próprio declarou dizendo:

 Era necessário que Cristo sofresse e ao terceiro dia ressus-

citasse dos mortos.? 

225. Ajuda a pequenez do teu engenho e a tua ignorância

com o exemplo do grão de trigo  apresentado por Cristo,

em que se corrompe o grão no seu número, permanecendo

sã a essência da espécie, mediante a qual a natureza ressus-

cita muitos grãos; porque se o grão fosse máximo e suma-

mente perfeito, morrendo assim numa terra óptima e plena

de fertilidade, poderia produzir não só cem ou mil frutos,

mas tantos quantos a natureza da sua espécie abraça na sua

possibilidade. É isto o que diz a verdade, [quando diz] que

produzirá muitos frutos; pois a multidão é uma finitude

sem número.

Entende, assim, com agudeza: a humanidade em

Jesus, na medida em que se considera contraída no homem

Cristo, nessa mesma medida se deve entender também

simultaneamente unida à divindade. E na medida em que

está unida a ela, é plenamente absoluta. Enquanto se consi-

dera Cristo como esse verdadeiro homem, está contraída,

de modo que pela humanidade seja homem. E, assim, a

humanidade de Jesus está como que no meio, entre o pura-

mente absoluto e o puramente contraído. De acordo com

isto, não foi corruptível senão segundo um aspecto particu-

lar, sendo incorruptível na sua simplicidade. Foi corruptível

  CfJo 12, 24-25.

6; Cf 1 Co r 15, 42-44; c f também ToMAs

DEAQUINO,

S u mm a t he o log ia e , III,

q.

54, a.1.

•• Lc

24, 26.

[159]

227.

CAPÍTULO VIII

Cristo, o

primeiro de entre

os mortos,

subiu

aos céus

Mostrado isto, é fácil ver que Cristo é O primogéni-

to de entre os mortos . Com efeito, ninguém antes dele

pôde ressuscitar, enquanto a natureza humana, atingindo o

rosos e os mais próximos da essência da humanidade que se

uniu

à

divindade. Na virtude desta, Cristo tinha o poder de

ressurgir por virtude própria, a qual lhe vinha da divindade,

razão pela qual se diz que Deus o ressuscitou dos mortos .

Sendo ele Deus e homem, ressuscitou por virtude própria,

e nenhum homem, para além dele e a não ser na virtude de

Cristo, que é Deus, poderá ressuscitar como Cristo .

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grau máximo no tempo, se não uniu à incorruptibilidade e

à

imortalidade, como aconteceu em Cristo. Todos eram

impotentes [para o fazer] até chegar aquele que diz: Tenho

o poder de depor a minha alma e, depois, de a tomar de

novo.''  Por isso, em Cristo a natureza humana revestiu-se

da imortalidade, ele que é o primeiro de entre os mortos.

Mas não há senão uma só humanidade indivisível e

uma essência específica de todos, pela qual todos os

homens particulares são homens, distintos entre si em

número, de tal modo que é também a mesma humanidade

a de Cristo e a de todos os homens, permanecendo sem

confusão a distinção em número dos indivíduos.

É,

pois,

evidente que a humanidade de todos os homens, que foram

ou serão no tempo antes ou depois de Cristo, se revestiu em

Cristo da imortalidade. Por isso, é claro que se pode con-

cluir com razão o seguinte: Cristo homem ressuscitou;

assim, todos os homens ressuscitam por ele depois de todo

o movimento de corrupção no tempo, de modo a serem

perpetuamente incorruptíveis.

228. E ainda que seja uma só a humanidade de todos os

homens, contudo, os princípios que a contraem a ser este

ou aquele suposto  são vários e diversos; de tal modo que

emJesus Cristo existiam só os mais perfeitos, os mais pode-

.,cr

1

Co r

20, 23.

 Jo 10, 17.

•• Su ppositum.

[160]

Cristo é aquele por quem a nossa natureza de

homens, de acordo com a natureza da humanidade, con-

trai a imortalidade e por quem, acima do tempo, ressusci-

tamos à sua semelhança, uma vez cessado o movimento,

nós que nascemos completamente sujeitos ao movimento.

Isto acontecerá no fim dos séculos. Mas Cristo, que só

nasceu sujeito ao tempo na medida em que saiu de uma

mãe, não esperou, na ressurreição, todo o decurso do

tempo, porque o tempo não abrangeu completamente o

seu nascimento. Nota que a natureza se revestiu da imor-

talidade em Cristo. Por isso, todos , bons ou maus, res-

suscitaremos; mas nem todos seremos transforrnados't 

pela glória que, por Cristo, filho de Deus, nos transforma

em filhos  de adopção. Por isso, ressuscitarão todos por

Cristo mas nem todos [ressuscitarão] como Cristo e em

Cristo através da união, a não ser aqueles que são de Cristo

pela fé, pela esperança e pela caridade .

229. Vês, se não erro, que nenhuma religião perfeita

conduz os homens ao fim mais desejado da paz que não

abrace Cristo como mediador e salvador, Deus e homem,

caminho, vida e verdade . Vê quão discordante é a crença

711 Cf

  a

2, 24; Rm 4, 24.

71 cr 1 Co r 15, 12-23.

n

1

Co r

15, 51 (versão da vulgata); 2

Co r

5, 10.

73

Cf Ef1, 5; C/13, 13.

  Cf 1Co r 13, 13.

  CfJo 14, 6.

[161]

dos Sarracenos que afirmam que Cristo é o homem maior

e mais perfeito, nascido da virgem e transportado vivo aos

céus, e negam que seja Deus. Estão, sem dúvida, cegos,

porque afirmam que é impossível. Àquele que é dotado de

intelecto pode parecer mais claro que a luz, a partir do que

foi dito, que é verdade que nenhum homem pode ser o

maior e sumamente perfeito, nascido da virgem para lá [dos

processos] da natureza, que não seja simultaneamente

outros animais ressuscitem já que é o homem a sua perfei-

ção, ou [se diga ainda que] a ressurreição futura será para

que todo o homem receba do Deus justo a retribuição con-

digna dos méritos, no entanto é ainda necessário acreditar

sobretudo que Cristo é Deus e homem, sendo só por ele

que a natureza humana pode chegar à incorruptibilidade.

231. Cegos são assim todos os que acreditam na res-

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Deus. São eles, sem razão, perseguidores da cruz de Cristo,

ignorantes dos seus mistérios, eles que também não prova-

rão o fruto divino da redenção, o qual não esperam da sua

lei de Maomé, que não promete outra coisa senão satisfazer

os desejos da voluptuosidade, extintos, pela morte de

Cristo, em nós que, esperando, anelamos pela apreensão da

glória incorruptível.

230. Do mesmo modo os Judeus reconhecem com eles

o Messias como o homem máximo, sumamente perfeito

e imortal e negam que seja Deus, presos pela mesma

cegueira diabólica. Eles não esperam para si a felicidade

futura suprema da fruição de Deus como nós, servos de

Cristo, e tão-pouco a conseguirão. E aquilo que julgo mais

admirável é que tanto os próprios Judeus como os

Sarracenos acreditam na ressurreição geral futura mas não

admitem que tal possibilidade [advém] por um homem que

é também Deus. Com efeito, embora se diga que, cessado o

movimento de geração e de corrupção, não poderia haver

perfeição do universo sem ressurreição, uma vez que. a

natureza média do homem é uma parte essencial do uni-

verso, sem a qual o universo não só não seria perfeito, mas

nem sequer seria universo, e [se diga que] por causa disso,

é necessário, se alguma vez cessar o movimento, que todo o

universo pereça ou que os homens ressuscitem para a incor-

ruptibilidade, sendo neles que se completa a natureza de

todas as coisas médias, de modo que não é necessário que os

[162]

surreição e negam que Cristo seja o meio [de realização]

desta possibilidade uma vez que a fé na ressurreição é a afir-

mação da divindade e da humanidade de Cristo e da sua res-

surreição da morte, ele que é o primogénito dos mortos

segundo o que foi dito. Ressuscitou, pois, para assim entrar

na glória por ascensão aos CéUS

76

Tal ascensão julgo que

deve ser entendida para lá de todo o movimento de corrup-

tibilidade e para lá da influência dos céus. Na verdade, por-

que de acordo com a sua natureza divina ele está em toda a

parte, diz-se, no entanto, que o seu lugar próprio é onde

jamais há mudança, paixão, tristeza e as restantes coisas que

acontecem no tempo. E esse lugar da alegria eterna e da paz

dizemos que está para lá dos céus, embora no que se refere

à sua localização não seja compreensível, descritível ou de-

finível.

232. Ele é o centro e a circunferência  da natureza in-

telectual e, porque o intelecto abraça todas as coisas , está

para lá de tudo; contudo, nas almas racionais santas e nos

espíritos intelectuais, que narram a sua glória , descansa

como se fosse no seu templo. Por isso, na medida em que

subiu para lá de todos os céus, entendemos que Cristo

76 cr   24, 26.

n cr supra L. I,

capo

21,

64-65

e

L. II,

ca po

11,

156-157

e c apo

12,

n?

174.

  Cf De coniec tur is , L. I,

ca po

4,

n?

12.

79 cr 5/19 18) 2.

[163]

subiu, para lá de todo o lugar e de todo o tempo, para lá de

tudo o que pode ser dito,

à

mansão incorruptível, para assim

constituir a consumação de todas as coisas. E uma vez que é

Deus, é tudo em todas as coisas e reina nos céus intelec-

tuais porque é a própria verdade e, no que se refere à sua

localização, não está mais no centro do que na circunferên-

cia, uma vez que é o centro de todos os espíritos racionais,

tos, tal como a luz corpórea é a hipóstase de todas as cores.

Cristo, no entanto, é como o fogo puríssimo, que é insepa-

rável da luz e não subsiste em si mas na luz; e é aquele fogo

da vida espiritual e do intelecto, que, tudo consumindo , na

medida em que tudo recebe dentro de si, tudo experimenta

e julga como se fosse o juízo do fogo material que tudo

submete a exame.

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posto que é a sua vida. E é por isso que ele próprio, que é a

fonte da vida das almas e o seu fim, diz que este reino dos

céus está entre os homens .

233.

CAPÍTULO IX

Cristo

é o

juiz

dos

vivos e dos mortos

Que juiz é mais justo do que aquele que é a pró-

pria justiça? Ora Cristo, cabeça e princípio de toda a criatu-

ra racional, é a própria razão máxima da qual deriva toda a

razão. Mas a razão é o que faz o juízo discretivo. Daí que ele

seja o juiz dos vivos e dos mortos, ele que assumiu a natu-

reza racional humana com todas as criaturas racionais, per-

manecendo Deus, que é recompensador de todos , Julga,

no entanto, tudo para lá de todo o tempo, em si e por si,

porque abraça todas as criaturas na medida em que é o

homem máximo, nele sendo todas as coisas porque é

Deus. Como Deus é a luz infinita, em que não há trevas;

essa luz ilumina todas as coisas de modo que todas, na pró-

pria luz, sejam o mais manifestas à própria luz. Esta luz

infinita intelectual complica, para lá de todo o tempo, tanto

o presente como o passado, e tanto os vivos como os mor-

., C( 1

Cor

15, 28;

C13, 11.

  C(   17, 21.

.,C(

Heb 11, 6.

(164]

234. Em Cristo todos os espíritos racionais são julga-

dos, como se fossem [julgadas] no fogo as coisas sujeitas ao

fogo, das quais há algumas que, persistindo no que são, se

transformam em imagem do fogo - como o ouro, óptimo

e perfeitíssimo, é de tal maneira ouro e ao mesmo tempo

tomado pelo fogo que já não parece ouro mas fogo - e há

outras que não participam tanto da intensidade do fogo

como a prata pura, o bronze ou o ferro; todas as coisas, no

entanto, parecem transformadas em fogo, embora cada uma

no seu grau. E este j uízo é apenas do fogo, não do que é sub-

metido ao fogo, posto que o que é submetido ao fogo,

apreende, em qualquer outra coisa submetido ao fogo, ape-

nas esse fogo ardentíssimo e não a diferença do que nele

arde; tal como nós, se olharmos o ouro, a prata e o cobre

fundidos no maior fogo, não apreendemos asdiferenças dos

metais, uma vez que se transformaram na forma do fogo.

Mas se o fogo fosse intelectual saberia o grau de perfeição

de cada [metal] e quanto a capacidade de [suportar] a inten-

sidade do fogo seria diferente para cada um de acordo com

os respectivos graus.

235. Por isso, algumas coisas sujeitas ao fogo permane-

cem no fogo de modo incorruptível, capazes de receber luz

e calor, e essas,

à

semelhança do fogo, são susceptíveis de

'  C(

He b

12,29;

D t

4, 24.

[165]

se transformar por causa da sua pureza, cada uma a seu

modo, segundo um grau maior ou menor; mas há outras

que, por causa da sua impureza, embora sejam capazes de

receber o calor, não são no entanto susceptíveis de se trans-

formarem em luz. Assim Cristo, juiz de acordo com um

juízo único, simplicíssimo e indistinto, num só momento,

de um modo justo e sem inveja e como se fosse segundo

uma ordem natural e não temporal, comunica a todas as

verte assim nelas, de modo a deixar de ser substância inte-

lectual; converte-se, todavia, nelas de modo a ser absorvi-

do à semelhança das coisas eternas, mas segundo um grau

de modo a aperfeiçoar-se convertido cada vez mais e de

um modo mais fervoroso a elas e a ocultar o seu ser no ser

eterno. Mas porque Cristo é imortal, porque vive e é av ida

e a verdade' , quem a ele se converte converte-se à vida e

à verdade; e quanto mais ardentemente o faz, tanto mais

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coisas o calor da razão criada, a fim de que, recebido o calor,

ele infunda a luz intelectual divina a partir de cima, de

modo que Deus seja tudo em todas as coisas e todas as coi-

sas sejam, pelo próprio mediador, em Deus iguais a ele

8

\

tanto quanto for possível de acordo com a capacidade de

cada uma. Mas que algumas, devido ao facto de serem mais

unidas e puras, sejam capazes de receber não só calor mas

também luz, e outras recebam com dificuldade calor, mas

não luz, isso acontece por causa da disposição desfavorável

dos sujeitos.

236. Então, porque aquela luz infinita é a própria eter-

nidade e verdade, é necessário que a criatura racional,

que deseja ser iluminada por ela, se converta às coisas ver-

dadeiras e eternas sobre as mundanas e corruptíveis. As

coisas corpóreas e as espirituais comportam-se de modo

contrário. Assim, a virtude vegetativa é corpórea, conver-

tendo o alimento recebido de fora na natureza da coisa ali-

mentada; e não se converte o ser vivo em pão, mas inver-

samente. Em contrapartida, o espírito intelectual, cuja

actividade está para lá do tempo como se se situasse no

horizonte da eternidade, quando se volta para as coisas

eternas, não pode convertê-Ias em si, posto que são eternas

e incorruptíveis. E nem ele, sendo incorruptível, se con-

  C E s u pr a capo 4. n? 204.

[166]

se eleva das coisas mundanas e corruptíveis às eternas, para

que a sua vida se oculte em Cristo. Com efeito, as virtudes

são eternas, a justiça permanece pelos séculos dos séculos

e assim também a verdade.

237. Quem se volta para as virtudes, caminha nas vias de

Cristo que são as vias da pureza e da imortalidade. Mas as

virtudes são iluminações divinas. Por isso, quem pela Fé se

volta nesta vida para Cristo, que é a virtude, quando se

libertar então desta vida temporal, encontrar-se-à na pureza

do espírito de modo a poder entrar então na alegria do

conhecimento eterno.

Mas a conversão do nosso espírito consiste em vol-

tar-se pela fé para a verdade eterna e mais pura, que tudo

precede, segundo todas as suas potências intelectuais, em

escolher essa verdade que é a única digna de ser amada, e

em amá-Ia. Com efeito, a conversão à verdade, que é Cristo,

por uma fé certíssima, é deixar este mundo e chegar àv itó-

ria [sobre ele]. Mas amá-I o de modo ardente é caminhar

para ele com um movimento espiritual, porque ele não é

apenas amável mas é a própria caridade. Ora quando o espí-

rito caminha para a própria caridade pelos graus do amor,

mergulha na própria caridade não temporalmente mas para

lá do tempo e de todo o movimento mundano.

 CEJa

14.6.

[167]

a ressurreição, a consecução dos diferentes fins, a glorifica-

ção na transformação em filhos de Deus, a condenação na

exclusão dos que se afastaram, não se distinguem em

nenhum momento do tempo ainda que indivisível.

238. Deste modo, tal como todo o que ama está no amor,

assim também todos os que amam a verdade estão em

Cristo; e assim como todo o que ama é amante através do

amor, assim também todos os que amam a verdade, amam-

-na através de Cristo. Daí que ninguém conheça a verdade

se o espírito de Cristo não estiver nele. E tal como é impos-

sível que haja um amante sem amor, também é impossível

que alguém tenha Deus sem o espírito de Cristo, já que só

240. A natureza intelectual está para lá do tempo e

não sujeita à corrupção temporal, e abraça dentro de si, pela

sua natureza, as formas incorruptíveis, como as matemáti-

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[168]

nesse espíri to podemos adorar Deus. Por isso, os incrédulos

que se não converteram a Cristo, incapazes da luz da trans-

formação gloriosa, foram já condenados às trevas e à som-

bra da morte, de costas voltados para a vida que é Cristo,

com cuja plenitude apenas se saciam todos na glória através

da união. Sobre isso acrescentaremos algo mais abaixo,

quando falarmos da Igreja , com o mesmo fundamento e

em ordem à nossa consolação.

239.

CAPÍTULO X

cas, abstractas a seu modo, e também as naturais que na

natureza intelectual se escondem e se transformam facil-

mente, e que são os sinais da sua incorruptibilidade que a

ela nos conduzem, sendo incorruptível o lugar das coisas

corruptíveis. Ela move-se para a verdade mais abstracta por

um movimento natural como se se movesse para o fim dos

seus desejos e para o último objecto mais deleitável. E por-

que tal objecto é tudo posto que é Deus, é o intelecto insa-

ciável até que o atinja e é imortal e incorruptível, uma vez

que se não sacia a não ser no objecto eterno.

 

sentença

dojuiz

241. Porque se o intelecto desligado deste corpo, no

qual está sujeito às opiniões do tempo, não chega ao fim

desejado, mas antes, tendo apetência pela verdade, cai na

ignorância, e uma vez que não aspira como último desejo

senão a apreender a própria verdade não por enigmas ou por

sinais, mas com certeza e face-a-face , então, porque, por

causa da sua aversão à verdade na hora da separação e por

causa da conversão às coisas corruptíveis, cai em desejos

corruptíveis, na incerteza e na confusão e entra no caos

tenebroso da mera possibilidade, onde nada há de certo em

acto, diz-se, com razão, que desceu até uma morte inte-

lectual. Com efeito, o entender da alma intelectiva é o [seu]

ser, e entender o fim desejado é o seu viver. Por isso, tal

É manifesto que nenhum dos mortais compreende

aquele juízo e a sentença do seu juiz, uma vez que, sendo

para lá do tempo e do movimento, não é exposta com base

numa discussão comparativa ou assente em argumentos

prévios, nem com a pronúncia de palavras e de sinais tais

que impliquem demora e diferimento no tempo. Mas tal

como no Verbo todas as coisas foram criadas, porque disse

e foram feitas? , assim no mesmo Verbo, que se chama

razão, todas sãojulgadas. E nada se interpõe entre a senten-

ça e a execução, mas tudo isto acontece num só momento:

  C( injra

capo

12, n? 254 e

55.

  5132 (33), 9

••C( 1

Co r

13, 12.

[169]

Deus qUe, uma vez apreendido, é a vida eterna, é compre-

ensível para lá de todo o intelecto, então aquelas alegrias

eternas, que excedem todo o nosso intelecto, são maiores do

que o qUe pode ser transmitido por qualquer sinal.

como para ela a vida eterna é apreender, finalmente, o bem

desejado estável e eterno, assim constitui a sua morte eter-

na o ser separada desse bem estável desejado e ser precipi-

tada naquele caos da confusão, onde é atormentada a seu

modo por um fogo perpétuo, que não podemos entender

senão do modo como é atormentado aquele que é privado

do alimento vital e da saúde e não apenas dessas coisas mas

da esperança de alguma vez as obter, de maneira que sem-

243. Do mesmo modo também as penas dos condena-

dos estão para lá de todas as penas que se possam pensar e

descreve r. Por isso, em todos aqueles sinais harmónicos

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[170]

pre se esteja a morrer agonizando sem extinção nem fim. musicais de gáudio, alegria e glória, os quais são como sinais

conhecidos por nós e transmitidos pelos pais enquanto

indícios para pensar na vida eterna, há sinais sensíveis muito

remotos, distando infinitamente daquelas coisas intelectuais

que nenhuma imaginação pode perceber.

O

mesmo se passa

com as penas infernais, que são comparadas ao fogo ele-

mentar do enxofre , ao pez e aos restantes tormentos sensí-

veis, que não têm qualquer comparação com os sofrimentos

intelectuais dos quais Jesus Cristo, nossa vida e salvação, se

digne preservar-nos, ele que é bendito pelos séculos. Amen.

242.

É

esta a vida infeliz para lá daquilo que se pode pen-

sar, e é uma vida tal que é morte, um ser tal que é não-ser

e um entender que é ignorar.

E

no que antes foi dito fi-

cou demonstrado que a ressurreição dos homens é para lá

de todo o movimento, tempo, quantidade e as restantes coi-

sas sujeitas ao

tempo ,

de tal maneira que o corrruptível se

resolve no incorruptível e o animal no espiritual, de modo

que todo o homem seja o seu intelecto, que é espírito, e o

verdadeiro corpo seja absorvido no espírito, a fim de que

o corpo não seja em si como que nas suas proporções cor-

póreas quantificáveis e sujeitas ao tempo, mas transposto

para o espírito, num modo quase contrário a este nosso

corpo, onde não parece intelecto, mas corpo, no qual o pró-

prio intelecto aparece como que encarcerado' . Por isso, aí

o corpo está no espírito tal como o espírito no corpo e,

então, como a alma aqui se torna pesada pelo COrp09\,assim

aí o corpo se torna leve pelo espírito. Daí que, como as ale-

grias espirituais da vida intelectual são as maiores e nelas

participa o corpo glorificado no espírito, assim são igual-

mente as maiores as tristezas infernais da vida espiritual as

quais também o corpo recebe no espírito. E porque o nosso

244.

CAPÍTULO XI

Os mistérios da Fé

Os nossos antepassados afirmaram em concor-

dância Uns com os outros que a fé é o início do conheci-

mento mtelectual . Com efeito, em qualquer disciplina

pressupõem-se coisas como princípios primeiros, que só

são aprendidos pela fé, dos quais brota a inteligência do que

deve se tratado.

É

necessário que todo aquele que quer

ascender ao saber creia neles, sendo impossível, sem eles,

  C(

su p r a

cap 8, n~ 227-228.

90 Cf

PLATÃO,

Crátilo , 400 c; Fêdo n , 62 bc.

9.

C( PLATÃO,

Fêdon ,

81 c, 82 e.

. cr 5111(10), 6; Mt 25, 41; Ap 14, 10; 19,20; 21, 8.

9l cr AGOSTINHO, I n j o h a nn is eval lge l ium Trac ta tu s,XL, 8 (CCSL, XXXVI ,

354);

ANSIOLMO,

Pr osio g io n , 1 .

[171]

ascender. Diz efectivamente Isaías:  Se não acreditardes, não

entendereis ?'. Por isso a fé é o que complica em si tudo o

que é inteligível. E o conhecimento intelectual é a explicação

da fé. Assim, o conhecimento intelectual é dirigido pela fé e

a fé estende-se pelo conhecimento intelectual. Daí que onde

a fé não é sã, nenhum conhecimento intelectual é verdadei-

ro. É bem manifesto a que conclusão conduzem o erro dos

princípios e a debilidade dos fundamentos. Mas nenhuma fé

o poder sobre todas as coisas que são no céu e na terra . Ele,

não sendo cognoscível neste mundo onde, no âmbito da

razão, da opinião ou da doutrina, somos conduzidos através

de símbolos, pelas coisas desconhecidas ao desconhecido' ,

só é apreendido onde cessam as persuasões e começa a fé.

Por ela, somos arrebatados na simplicidade, a fim de que,

para lá de toda a razão e de toda a inteligência, no terceiro

céu da intelectualidade simplicíssima, o contemplemos

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é mais perfeita que a própria verdade que éJesus.

Quem não entende que o dom mais excelente de

Deus é uma fé recta? O Apóstolo João diz que a fé na

Encarnação do Verbo de Deus nos conduz à verdade, de

modo a tornarmo-nos filhos de Deus ; e esta fé mostra-a

com simplicidade logo no princípio, e narra a seguir muitas

obras de Cristo de acordo com esta fé, para que o conheci-

mento intelectual seja iluminado na fé. Por isso, leva, no

final, a esta conclusão, dizendo: estas coisas foram escritas

para que acrediteis que Jesus é o filho de Deus? .

245. A fé mais sã em Cristo, apoiada com constância

na simplicidade, pode ser estendida e explicada numa

ascensão gradual, segundo a dada doutrina da ignorância.

Os maiores e mais profundos mistérios de Deus, na cami-

nhada pelo mundo, são revelados, na fé de Jesus, aos peque-

nos e humildes, ainda que escondidos aos sábios , porque

Jesus é aquele em quem estão escondidos todos os tesouros

da sabedoria e das ciências e sem ele ninguém pode fazer o

que quer que seja. Na verdade, ele é o Verbo e a potência

pela qual Deus fez os séculos e só ele é o altíssimo que tem

••1s7, 9 .

95 Cf Jo 1, 12.

  Jo

20, 31.

 17 Cf Mt 11, 25;   10,21.

 Cf C12, 3.

[172]

incompreensivelmente no corpo de modo incorpóreo, por-

que espírito, e no mundo não de modo mundano mas

celestial e incompreensível e para que assim se veja que ele

não pode ser compreendido por causa da excelência da sua

imensidade. E esta é aquela douta ignorância em virtude da

qual o beatíssimo Paulo, elevando-se, viu que Cristo, de

que tinha um conhecimento ocasional, ele afinal o ignorava

quanto mais alto se elevava até ele ? ,

246. Somos assim conduzidos na douta ignorância, nós,

os fiéis de Cristo, até ao monte que é Cristo, que nos é proi-

bido tocar pela natureza da nossa animalidade. E quando

nos esforçamos por o olhar com os olhos intelectuais, caí-

mos na escuridão'?', sabendo que dentro dessa escuridão

está o monte no qual só é permitido habitar àqueles que são

dotados de

intelecto .

E se com uma maior constância da fé

a ele acedermos, seremos arrebatados dos olhos dos que

caminham ao nível dos sentidos, de modo a percebermos,

com o ouvido interior, as vozes, o tonitruar e os sinais ter-

ríveis da sua majestade' , Perceberemos assim facilmente

99 cr Mt 28, 18.

100 Cf supra L. I, capo 11, n? 32 .

101 cr 2 Cor 12, 2.

102 cr PSEUDO-DIONÍSIO, D e m ys ti ca th eo log ia, I, 3 (PG, 3, 1000 C;

Dionysiaca, I, 574).

103 cc S I 67(68), 17.

10. Cf Ap 4, 5; 10,3; 16, 18; 19, 6.

[173]

que só ele é o senhor a quem obedecem todas as coisas, e

chegaremos gradualmente a alguns vestígios incorruptíveis

dos seus passos, como se fossem marcas sumamente divi-

nas, onde, ouvindo a voz não das criaturas mortais mas do

próprio Deus nos santos instrumentos e nos sinais dos pro-

fetas e dos santos, o veremos mais claramente como que

através de uma nuvem mais transparente.

247. Então os fiéis, ascendendo depois com um desejo

tal corruptível é o verbo incorruptível, que é a razão. Cristo

é a própria razão encarnada de todas as razões, porque o

verbo se fez carne . Por isso,Jesus é o fim de todas as coisas.

248. Tais coisas manifestam-se gradualmente ao que atra-

vés da fé ascende a Cristo, sendo inexplicável a eficácia

divina desta fé. Com efeito, se for grande, une aJesus aque-

le que crê de modo a ser superior a tudo o que não está em

unidade com o próprio Jesus. Assim, este, se for íntegra a

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contínuo mais ardente, são arrebatados

à

intelectualidade

mais simples passando para lá de todas as coisas sensíveis,

como se avançassem do sono para a vigília, do ouvido para a

visão; aí se vêem essas coisas que não podem ser reveladas

porque estão para lá de tudo o que é ouvido e de toda a dou-

trina expressa por palavras. Com efeito, se devessem ser ditas

as coisas aí reveladas, dir-se-ia então o que não é dizível,

ouvir-se-ia o que não é audível, tal como aí se vê o invisí-

vel' . Jesus, bendito pelos séculos, fim de toda a intelecção

por ser a verdade, de todo o sentido por ser vida, e final-

mente de todo o fim por ser entidade e perfeição de toda a

criatura por ser Deus e homem, é ouvido incompreensivel-

mente porque é o termo de toda a palavra. Dele procede toda

a palavra e para ele retorna como ao seu termo. O que quer

que haja de verdadeiro na palavra é devido a ele. Toda a pala-

vra está orientada para a doutrina; está, pois, orientada para

ele, que é a própria sabedoria. Todas as coisas que foram

escritas foram escritas para nosso ensinamento.T'  As pala-

vras representam-se na escrita.  No Verbo do Senhor foram

estabelecidos os céus com firmeza'? ; todas as coisas criadas

são, por isso, sinais do Verbo de Deus. Toda a palavra corpo-

ral é sinal do verbo mental. E a causa de todo o verbo men-

105 Cf 2 Co r 11,31 .

]c Rm

· 1 5, 1 4.

107 SI 33(32), 6.

[174]

sua fé na virtude de Jesus, ao qual se une, tendo poder sobre

a natureza e sobre o movimento, dominará também sobre

os espíritos malignos; e operará coisas admiráveis, não ele

próprio, mas emJesus e por Jesus, como são exemplo os fei-

tos dos santos.

Mas é necessário que a fé perfeita em Cristo seja a

mais pura e a maior, actuada'  na caridade, o mais eficaz que

possa ser. Não suporta que com ela se misture algo, porque

é a fé da verdade mais pura, que tem o poder sobre tudo.

Muitíssimas vezes se repetiu anteriormente que o mínimo

coincide com o máximo' . O mesmo acontece com a fé que

[é] máxima de modo simples tanto no ser como no poder;

não pode dar-se no caminhante, se este não tiver ao mesmo

tempo uma compreensão como a de Jesus. Mas ao cami-

nhante que quer ter, no que a ele se refere, a mesma fé

máxima em acto de Cristo, que a fé nele seja elevada a um

tal grau de certeza indubitável que seja também fé de um

modo mínimo, sendo antes uma suma certeza sem hesita-

ção em coisa alguma.

249. É esta a fé poderosa, que é de tal modo máxima que

é também mínima, de modo a abraçar tudo o que é crí-

108

Form a/am.

] c  

Cf sup ra L. I, ca p, 4, n? 11 e capo 5, n? 13; L. Il, ca po 3, n? 107 e cap o 8,

n?

137.

[175]

vel naquele que é a verdade. Ainda que talvez a fé de um

homem não atinja o mesmo grau da de outro devido à

impossibilidade da igualdade 110, tal como uma coisa visível

não pode ser vista em igual grau por muitas pessoas, é, no

entanto, necessário que cada um - tanto quanto está nele

- creia em acto de modo máximo. E então a fé daquele

que, em comparação com outros, apenas teve uma fé como

um grão de mostarda, será de uma virtude tão forte que

a alma forem tidos como nada em comparação com ele,

isso é o sinal da máxima fé.

251. E a fé não pode ser grande sem a santa esperança

da fruição do próprio Jesus. Pois como teria alguém uma fé

certa se não esperasse no que lhe foi prometido por Cristo?

Se alguém não acredita que terá a vida eterna prometida por

Cristo aos fiéis, como acredita em Cristo? Ou como acredi-

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encontrará obediência nas montanhas' ', posto que impere

na virtude do verbo de Deus ao qual se une - tanto quan-

to está nele - pela fé; e nada lhe pode resistir.

250. Vê quão grande é a potência do teu espírito inte-

lectual na virtude de Cristo, se aderir a ele acima de todas

as coisas, a ponto de viver por ele como se, por essa união

e salvaguardado o aspecto numérico, estivesse fundado

hipostaticamente nele como na sua vida. Mas como isto

não pode ser feito senão pela conversão do intelecto - a

que os sentidos obedecem - a ele por uma fé máxima, é

então necessário que esta seja actuada' pela caridade que

une; a fé não pode ser máxima sem a caridade. Com efei-

to, se todo o que vive ama o viver e todo o que entende o

entender, como se pode acreditar em Jesus como a própria

vida imortal e a verdade infinita se não for sumamente

amado? A vida é amável por si; e se se crê que Jesus é av ida

eterna, ele não pode não ser amado, a fé não é viva, mas

morta e não será de modo algum fé, sem caridade  . A

caridade é a forma para a fé, é o que lhe dá o ser verdadei-

ro, e é, mais ainda, o sinal da fé mais constante. Se, pois,

por causa de Cristo pomos tudo depois dele, se o corpo e

  C[

su p r a

cap 1, n~ 182-184.

  C[

Mt

17, 19.

  2

Format am.

  3 C[

Tg

2, 26.

[176]

ta que ele é averdade, se não tem uma esperança inabalável

no que prometeu? Como escolheria a morte por Cristo

quem não esperasse na imortalidade? E porque acredita que

ele não abandona os que nele esperam, mas lhes proporcio-

na a sempiterna beatitude, por isso tem o fiel por pouco

tudo sofrer por Cristo, tendo em conta uma tão grande

mercê de retribuição.

252. Grande é na verdade a força da fé, que torna o

homem cristiforrne, a fim de que abandone as coisas dos

sentidos, se despoje dos contágios da carne, caminhe nas

vias de Deus com temor, siga os passos de Cristo com ale-

gria e aceite voluntariamente a cruz com exaltação, de modo

a ser na carne quase como espírito, aquele para quem este

mundo, por causa de Cristo, é morte e ser dele retirado,

para ser com Cristo, é vida. Quem pensas que é este espíri-

to em que Cristo habita pela fé? E qual é este dom de Deus

digno de ser admirado, que, postos em carne frágil nesta

peregrinação, consigamos elevar-nos até àquele poder na

virtude da fé, acima de todas as coisas, que não são Cristo,

através da união [com ele]? Pois bem, sucessivamente mor-

tificada a carne levemente pela fé cada um ascenda passo a

passo à unidade com Cristo, para que a ele se deixe assimi-

lar numa união tão profunda quanto é possível nesta cami-

nhada. Assim, passando para lá de todas as coisas que são

visíveis e pertencem ao mundo, conseguirá a perfeição

completa da natureza.

[177]

253. E é esta aquela natureza completa que, morti-

ficada a carne e o pecado, poderemos conseguir em

Cristo, transformados

à

sua imagem; e não aquela [natu-

reza] fantástica dos magos, que dizem que o homem,

com algumas operações realizadas mediante a fé, é capaz

de ascender a uma certa natureza própria dos espíritos

que lhe são conaturais, de modo que, em virtude de tais

espíritos, aos quais se unem pela fé, realizam muitos e

singulares milagres, no fogo ou na água, no conheci-

254.

CAPÍTULO XII

A Igreja

Ainda que, pelo que já foi dito, se possa ter um en-

tendimento da Igreja de Cristo, acrescentarei, no entanto,

umas breves palavras, para que nada falte à obra.

Porque a fé é necessariamente em desigual grau nos

diversos homens e por isso é marcada pelo mais e pelo

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mento das harmonias, nas aparências das transmutações,

na manifestação do oculto e outras coisas semelhantes.

É

manifesto que em tudo isto está a sedução e o afas-

tamento da vida e da verdade. Por isso, esses [magos]

estão ligados por tratados e pactos de união com os es-

píritos malignos, de tal modo que o que crêem pela

fé mostram-no pelas obras em turificações e adorações

só devidas a Deus e que dedicam aos espíritos com gran-

de observância e veneração, como se tivessem o poder

de realizar os pedidos e ser evocados como mediadores.

E por vezes conseguem, pela fé, estas coisas caducas

que pedem, unidos assim ao espírito ao qual perma-

necerão ligados nos suplícios, eternamente separados

de Cristo.

Deus seja bendito, ele que pelo seu Filho nos redi-

me das trevas de tão grande ignorância, a fim de sabermos

que são falsas e enganadoras todas essas coisas que se rea-

lizam por outro mediador que não Cristo, que é a verda-

de, e com outra fé diferente da de Jesus Porque não há

senão um só senhor, que é

jesus

e que tem o poder

sobre todas as coisas, que nos enche de todas as

bençâos

e

que é o único que faz com que sejam supridas todas as

nossas falhas.

  C( 1Cor8,6.

[178]

menos, resulta daí que ninguém pode chegar

à

fé máxima' ,

relativamente à qual nenhuma potência pode ser maior,

nem, do mesmo modo, à caridade máxima. Com efeito, se

a fé máxima, que através de nenhuma potência pode ser

maior, existisse no caminhante, ele seria necessariamente,

ao mesmo tempo, aquele que compreende; pois o máximo

de algum género, tal como é o seu termo supremo, é tam-

bém o início do [género mais alto]. Por isso a fé simples-

mente máxima não pode existir em ninguém que não seja,

ao mesmo tempo, aquele que compreende. E assim tam-

bém a caridade máxima de modo simples não pode existir

num amante que não seja simultaneamente aquele que é

amado. Por isso, nem a fé nem a caridade simplesmente

máximas são próprias de outro homem diferente de Jesus

Cristo que é o caminhante e o que compreende, o homem

que ama e o Deus amado. Dentro do máximo estão todas as

coisas incluídas, porque ele é o que tudo abraça. Daí que na

fé de Jesus Cristo esteja incluída toda a verdadeira fé e na

caridade de Cristo toda a verdadeira caridade, permanecen-

do, no entanto, sempre distintos os restantes graus.

255. E porque esses graus distintos se situam abaixo

do máximo e acima do mínimo, não pode alguém, ainda

li  C( supra n

M

248 e 249.

[179]

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uma tal união que a própria humanidade só subsiste naquela

divindade na qual está numa tal união inefável hipostática'

que, permanecendo a verdade da natureza da humanidade,

não se pode unir de forma mais elevada e mais simples.

Depois, toda a natureza racional, permanecendo a verdade

pessoal de cada um, se se converter a Cristo nesta vida, com

suprema fé, esperança e caridade, permanecerá tão unida a

Cristo que todos, tanto anjos como homens, não subsistirão

senão em Cristo; e por ele [terão subsistência] em Deus,

no primeiro livro' . E nem a união das naturezas em risto

é maior ou menor que a unidade da Igreja triunfante, por-

que, sendo a união máxima das naturezas, não é, pois,

susceptível de ser maior ou menor.

262. Por isso, todas as coisas diferentes, que são uni-

das, recebem a sua unidade da própria união máxima das

naturezas de Cristo. Por ela, a união da Igreja é aquilo que

é. Mas a união da Igreja é a máxima união eclesiástica. Por

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uma vez absorvida e atraída pelo espírito a verdade do corpo

de qualquer um; a fim de que qualquer dos bem-aventu-

rados, salvaguardada a verdade do seu próprio ser, seja

Cristo em Cristo Jesus e, por ele, Deus em Deus, e Deus,

permanecendo aquele máximo absoluto, seja o próprio

Jesus em Cristo Jesus e, por ele, todas as coisas em todas as

coisas' .

261. Não pode a Igreja de outro modo ser mais una.

Com efeito, igreja significa unidade de muitos, salvaguarda-

da a verdade pessoal de cada um, sem confusão de nature-

zas e de graus. Ora quanto mais una é a Igreja, tanto maior.

É, pois, máxima esta Igreja, a Igreja triunfante na eternida-

de, porque não é possível maior união da Igreja. Con-

templa, pois, aqui quão grande é esta união em que se ve-

rifica a união máxima divina absoluta, a união em Jesus da

divindade e da humanidade e a união da igreja triunfante, da

divindade de Jesus e dos bem-aventurados. E a união abso-

luta não é maior ou menor que a união das naturezas em

Jesus ou dos bem-aventurados na pátria, porque é a união

máxima, que é a união de todas as uniões, sendo assim a

união toda, que não é susceptível de ser maior ou menor e

que procede da igualdade e da unidade, como foi mostrado

125 Cf. supra n? 204.

126 CE supra

capo

4,

206,

capo

8,

n?

232,

capo

9,

n?

235,

e capo

12,

256.

[184]

isso, sendo máxima, coincide no alto com a união hipostá-

tica das naturezas em Cristo. E essa união das naturezas em

Jesus, sendo máxima, coincide com a união absoluta que é

Deus. E assim a união da Igreja, que é a união dos supos-

tos' , embora não pareça tão una como a hipostática, que só

é [união] das naturezas, ou como a primeira união divina

sumamente simples, na qual nada pode existir de alteridade

ou diversidade, resolve-se, todavia, mediante Jesus, na

união divina, na qual tem também o seu início. E isto vê-se,

sem dúvida, com mais clareza se se tiver em conta aquilo

que muitas vezes acima se referiu' . Efectivamente, a união

absoluta é o Espírito Santo. Mas a união máxima hipostáti-

ca coincide com essa união absoluta. Por isso, é necessário

que a união das naturezas em Cristo exista na e mediante a

[união] absoluta que é o Espirito Santo. Ora a união ecle-

siástica coincide com a união hipostática, como foi dito. Por

isso, a união dos que triunfam dá-se no espírito de Jesus,

que consiste no Espirito Santo. É a própria verdade que o

diz emJoão:

  A

glória que me deste a mim, dei-a a eles, para

que sejam unidos, como nós somos unidos, eu neles e tu

em mim, para que sejam perfeitos na unidade'? ; de modo

127 CE supra L. I,

ca po

5, n? 14;

ca po

9,

24. e

ca po

10,

28.

12.

Su pposit o ru m

129

CE supra L. I,

ca po

24;

n~

80-81

e n 

88; L. 11,

ca po

7,

n

m

128

e

130.

I   J o

17,22-23.

[185]

264. Mas, nestes [mistérios] profundos, todo o nosso

engenho humano deve esforçar-se por se elevar à simplici-

dade em que coincidem os contraditórios; é nisso que tra-

balha a concepção do primeiro livro. O segundo livro extrai

daí e acima dos métodos comuns dos filósofos algumas

[considerações], invulgares para muitos' , acerca do uni-

verso. Concluí agora o terceiro livro acerca de Jesus, suma-

mente bendito, avançando sempre a partir do mesmo fun-

damento. E o Senhor Jesus cresceu continuamente no meu

que a Igreja, na paz eterna, seja tão perfeita que não possa

ser mais perfeita, numa transformação tão inexprimível da

luz da glória que em tudo não apareça senão Deus. A ela

aspiramos, triunfantes, com grande afecto, pedindo, com

um coração suplicante a Deus Pai, que, pelo seu filho, nosso

senhor Jesus Cristo, e, nele, pelo Espírito Santo, no-Ia quei-

ra dar na sua imensa piedade, e possamos fruir eternamen-

te daquele que é bendito pelos séculos.

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*

*

intelecto e no meu afecto pelo aumento da fé. Pois ninguém

que possua a fé de Cristo pode negar que não sinta o seu

desejo mais profundamente inflamado por esta via, de tal

maneira que não só veja, depois de longas meditações e ele-

vações, que só o dulcíssimo Jesus deve ser amado, mas tam-

bém, abandonando tudo com alegria, o abrace como vida

verdadeira e alegria sempiterna. Perante aquele que assim

entra em Jesus todas as coisas cedem e nem quaisquer escri-

turas nem este mundo lhe podem criar dificuldade alguma,

porque ele se transforma em Jesus em virtude do espírito de

Cristo que habita nele, o qual é o fim dos desejos intelec-

tuais. Queiras tu, pai devotíssimo, rezar-lhe assiduamente

com um coração suplicante, por mim, tão miserável peca-

dor, a fim de que em conjunto o mereçamos gozar eterna-

mente.

*

263. Carta do autor ao Senhor Cardeal Juliano

Recebe agora, venerável padre, o que eu desejava

atingir já há muito, pelas vias diversas das ciências, mas que

antes não consegui, até que, ao regressar da Grécia por

mar'  , fui levado - segundo creio, por um dom do alto,

do Pai das Luzes'  de quem deriva todo o dom excelente-

a abraçar incompreensivelmente o incornpreensível '  na

douta ignorância, transcendendo o que é humanamente

cognoscível das verdades incorruptíveis. Foi essa doutrina

que, naquele que é a verdade, desenvolvi nestes livros, que

podem ser contraídos ou alargados segundo o mesmo prin-

cípio.

CONCLUÍDO EMCUSA EM 12 DE FEVEREIRO DE 1440.

131 Nicolau de Cusa refere-se ao regresso da sua viagem a Constantinopla

(Outono de 1437), cidade a que se tinha deslocado numa missão da Igreja de

Roma, a fim de preparar um concílio de união entre esta e as Igrejas Orienta is.

 'Cf. Tg1 17.

m Cf

sup ra

L. I, capo 2, n? 5; cap 4, n? 11; capo5 , n? 13; capo 12, n? 33; cap

6, n? 89; L. III, capo 11, nO245.

' Cf.

supra

L. I, n? 1, L.

n,

capo 11, n? 156.

[186)

[187)

ÍNDICE

INTRODUÇÃO

1. Vida e obras .

2. Estrutura de

A d ou ts ig no râ nc ia .

3. Sentidos e dimensões da doura ignorância  .

4. A douta ignorância  e os nomes divinos  .

5. O universo, a natureza e as concepções cosmológicas de

V

XII

XIII

XXI

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Nicolau de Cusa .

6. A Antropologia e a Cristologia de Nicolau de Cusa .

7. Influências e recepção do pensamento cusano .

8. Sobre a presente tradução .

A DOUTA IGNORÁNCIA

XXVI

XXXII

XXXVI

XXXIX

LIVRO PRIMEIRO

CAPÍTULO I - De como saber é ignorar. . . . . . . . . . . . . . . . 3

CAPÍTULO II - Esclarecimento preliminar do que se segue . 5

CAPÍTULO III - A verdade precisa é incompreensível .. . . . 7

CAPÍTULO IV- O máximo absoluto, com o qual coincide o

mínimo,

é

entendido de modo incompreensível . . . . . . . . . . . 8

CAPÍTULO V - O Máximo é uno 11

CAPÍTULO VI- O Máximo é a necessidade absoluta . . . . . . 13

CAPÍTULO VII - A eternidade trina e una 14

CAPÍTULO VIII - A geração eterna . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

CAPÍTULO IX- A

processão

eterna da conexão . . . . . . . . . . 18

CAPÍTULO X - O conhecimento intelectual da trindade na

unidade ultrapassa tudo . . . . . . . . . . . . 20

CAPÍTULO XI - A matemática ajuda-nos muitíssimo na

apreensão das diversas coisasdivinas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

CAPíTULO XII - De que modo se devem utilizar com e te

propósito os signos matemáticas 25

[ 89  

CAPÍTULO XIII - As

paixões

da linha máxima e infinita 26

CAPÍTULO XIV- A linha infinita é triângulo. . . . . . . . . . . . 29

CAPÍTULO XV- Esse triângulo é círculo e esfera 31

CAPÍTULO XVI - O máximo comporta-se translativamente

em relação a todas ascoisascomo a linha máxima relativamente

às linhas 32

CAPÍTULO XVII- Os ensinamentos mais profundos que se

extraem do mesmo princípio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35

CAPÍTULO V - Qualquer coisa em qualquer coisa .

CAPÍTULO VI- A complicação e os graus de contracção

do universo .

CAPÍTULO VII - A trindade do universo .

CAPÍTULO VIII - A possibilidade ou a matéria do universo

CAPÍTULO IX- A alma ou a forma do universo .

CAPÍTULO X - O espírito do universo .

CAPÍTULO XI - Corolários sobre o movimento .

8

87

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94

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112

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CAPÍTULO XVIII - Pelo mesmo princípio somos guiados a

entender a participaçãoda entidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38

CAPÍTULO XIX - Transsurnpção do triângulo infinito à

Trindade Máxima . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41

CAPÍTULO XX - Mais alguma coisa sobre a Trindade e de

como nas coisasdivinas não é possível a quaternidade nem

algoque estejapara ládela . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44

CAPÍTULO XXI - Transsurnpção do círculo infinito à unidade 47

CAPÍTULO XXII- A providência de Deus une oscontraditórios 49

CAPÍTULO XXIII - Transsumpção da esfera infinita à existência

actual de Deus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52

CAPÍTULO XXIV - O nome de Deus e a t eologia afirmativa 54

CAPÍTULO XXV- Os gentios chamavam a Deus vários nomes,

tomando em consideração ascriaturas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59

CAPÍTULO XXVI- A teologia negativa 62

LIVRO SEGUNDO

PRÓLOGO................................... .... 65

CAPÍTULO   Corolários preliminares para inferir o universo uno

infinito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65

CAPÍTULO II- O ser dacriatura é, de modo ininteligível, pelo ser

do primeiro 70

CAPÍTULO III - O máximo complica e explica tudo de um modo

ininteligível 75

CAPÍTULO IV- O universo, sendo apenas o máximo contraído, é

imagem do absoluto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80

  190)

CAPÍTULO XII - Ascondições da Terra .

CAPÍTULO XIII - A admirável arte divina na criação do

mundo e dos elementos .

LIVRO TERCEIRO

PRÓLOGO ····· · · · · · · · · · · ·· · .

CAPÍTULO I - O Máximo contraído a ser isto ou aquilo,

maior que o qual nada pode haver, não pode ser sem o absoluto

CAPÍTULO II - O máximo contraído é simultaneamente

absoluto, é criador e criatura .

CAPÍTULO III - Só na natureza da humanidade é possível

um tal máximo .

CAPÍTULO IV- Ele éJesus bendito, Deus e homem .

CAPÍTULO V - Cristo, concebido pelo Espírito Santo,

nasceu daVirgem Maria .

CAPÍTULO VI- O mistério da morte deJesus Cristo .

CAPÍTULO VII - O mistério da ressurreição .

CAPÍTULO VIII - Cristo, o primeiro de entre os mortos,

subiu aos céus .

CAPÍTULO IX- Cristo é ojuiz dos vivos e dos mortos .

CAPÍTULO X - A sentença dojuiz .

CAPÍTULO XI - Os mistérios daFé .

CAPÍTULO XII - A Igreja .

Carta do autor ao Senhor Cardeal Juliano .

  191)

116

124

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Esta tradução portuguesa

deA DOUTA IGNORÂNCIA, de Nicolau de Cusa,

foi composta e impressa na Minerva do Comércio

para a Fundação Calouste Gulbenkian.

A tiragem é de 2000 exemplares encadernados.

Maio de 2003

Depósito Legaln? 196375/03

ISBN 972-31-1024-5