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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DLDT Nº 70015163611 2006/CÍVEL APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL EM ACIDENTE DE TRANSITO. INVASÃO DA PREFERENCIAL. CULPA. CAUSALIDADE ADEQUADA. DANOS MATERIAIS. 1. Age com culpa exclusiva o motorista que cruza via preferencial sem tomar as cautelas exigíveis, porque viola regra básica de trânsito, fundada no princípio da confiança. 2. Nem sempre o eventual excesso de velocidade imprimido pelo motorista será o fator determinante para a eclosão do evento danoso, devendo-se analisar, no caso concreto, qual das circunstâncias interferiu decisivamente, conforme consagra a teoria da causalidade adequada. 3. Deve ser mantido o valor da indenização por danos materiais fixados pelo magistrado de origem, porque reflete o menor orçamento vindo aos autos e porque a demanda não demonstrou o alegado excesso. APELO DESPROVIDO. APELAÇÃO CÍVEL DÉCIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL Nº 70015163611 COMARCA DE BAGÉ DORALINA MENDES SOARES APELANTE GIOVANI BORBA OLIVEIRA APELADO ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos. 1

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DLDTNº 700151636112006/CÍVEL

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL EM ACIDENTE DE TRANSITO. INVASÃO DA PREFERENCIAL. CULPA. CAUSALIDADE ADEQUADA. DANOS MATERIAIS.1. Age com culpa exclusiva o motorista que cruza via preferencial sem tomar as cautelas exigíveis, porque viola regra básica de trânsito, fundada no princípio da confiança. 2. Nem sempre o eventual excesso de velocidade imprimido pelo motorista será o fator determinante para a eclosão do evento danoso, devendo-se analisar, no caso concreto, qual das circunstâncias interferiu decisivamente, conforme consagra a teoria da causalidade adequada. 3. Deve ser mantido o valor da indenização por danos materiais fixados pelo magistrado de origem, porque reflete o menor orçamento vindo aos autos e porque a demanda não demonstrou o alegado excesso. APELO DESPROVIDO.

APELAÇÃO CÍVEL DÉCIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

Nº 70015163611 COMARCA DE BAGÉ

DORALINA MENDES SOARES APELANTE

GIOVANI BORBA OLIVEIRA APELADO

AC ÓR D Ã O

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Segunda

Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar

provimento ao apelo.

Custas na forma da lei.

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Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes

Senhores DES. ORLANDO HEEMANN JÚNIOR (PRESIDENTE E REVISOR) E DES. CLÁUDIO BALDINO MACIEL.

Porto Alegre, 24 de agosto de 2006.

DESEMBARGADOR DÁLVIO LEITE DIAS TEIXEIRA, Relator.

RE L AT Ó R I O

DESEMBARGADOR DÁLVIO LEITE DIAS TEIXEIRA (RELATOR)

DORALINA MENDES SOARES, nos autos da ação de reparação

de dano material e moral que lhe move GIOVANI BORBA OLIVEIRA, interpõe

recurso de apelação contra sentença que julgou parcialmente procedente a

demanda, condenando a demandada ao pagamento de R$ 3.302,57, a título de

danos materiais e ao pagamento das custas processuais e dos honorários

advocatícios em favor do patrono da parte adversa, fixados em 10% sobre o

valor da condenação.

Em suas razões, sustenta que foi o demandante quem deu causa

ao acidente de trânsito noticiado nos autos, pois conduzia sua motocicleta em

excesso de velocidade e sem o devido cuidado. Afirma que o valor da

indenização por danos materiais supera o valor da motocicleta. Contesta a

veracidade dos testemunhos. Nesses termos, requer o provimento do apelo,

para que seja julgada improcedente a demanda.

O apelo foi recebido em seu duplo efeito (fl. 89).

Sem contra-razões, os autos subiram ao Tribunal de Justiça,

dando-se vista ao Ministério Público em 11/05/2006, o qual opinou pelo não

provimento da apelação.

É o relatório.

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V OT O S

DESEMBARGADOR DÁLVIO LEITE DIAS TEIXEIRA (RELATOR)

Trata-se de ação de reparação de danos materiais e morais

oriundos de acidente de trânsito ocorrido no dia 12 de abril de 2004, no

cruzamento entre a Avenida Presidente Vargas e a Rua Borges de Medeiros,

na cidade de Bajé, envolvendo a motocicleta, placas IFN 5679, conduzida pelo

demandante, e o veículo Gol, de propriedade da demandada e por ela

conduzido.

Não merece qualquer reparo a sentença hostilizada.

Como se sabe, o respeito à via preferencial constitui regra

fundamental à boa circulação dos veículos e impõe ao motorista que trafega

pela via secundária o dever de aguardar a passagem dos veículos que

gozarem de preferencial, não os surpreendendo com manobras repentinas e

inesperadas, atentatórias ao princípio da confiança.

A respeito desse princípio, cumpre destacar a lição de Sérgio

Cavalieri Filho:

“Convém sinalar que é principalmente em matéria de trânsito que a legislação fixa ordens imperativas para a circulação dos veículos, de modo que a simples desobediência a uma dessas regras é o que basta para a colocação do agente em estado de culpa. Daí por que tem entendido a jurisprudência que a colisão com veículo que roda na via preferencial transfere o ônus da prova àquele a quem cumpria observar as cautelas para a sua manobra, que resulta temerária se a preferencial não estava desimpedida. O respeito à via preferencial tem por fundamento o princípio da confiança, imprescindível nas relações de trânsito, e que consiste em que cada um dos envolvidos no tráfego pode esperar dos demais conduta adequada às regras e cautelas de todos exigidas. Por força deste princípio, o motorista que trafega na via preferencial pode esperar que os demais respeitarão os deveres decorrentes da preferência; que não será surpreendido por veículo provindo de via secundária, cujo motorista

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tem o dever de parar e aguardar condições favoráveis de trânsito”.1

Pois bem, no caso em apreço, o conjunto probatório constante

dos autos, apesar de escasso, demonstra com clareza que o evento danoso

decorreu da conduta imprudente da demandada, que iniciou inadvertidamente

o cruzamento da Avenida Presidente Vargas, interceptando a trajetória da

motocicleta do demandante, que por ela trafegava, com a preferência.

É o que se depreende da própria declaração da demandada,

constante do Boletim de Ocorrência de fl. 15 dos autos:

“Relato da vítima: vinha sentido centro bairro, vinha a 70 km/h, a Sra se atravessou e colidiu e vinha na preferencial e buzinei abri para escapar dela e ela atravessou na frente. Relato da acusada: vinha pela Borges de Medeiros ao travessar a Presidente Vargas no poste da placa Yamaha quando deixou o carro passar e no momento não viu nada passou”.

É no mesmo sentido o depoimento da testemunha presencial

Daniel Carvalho Barreto (fl. 49):

“(...) O gol então arrancou novamente, quando se deu a colisão. A motocicleta estava em sua mão de direção no momento do choque entre ambos. A preferencial no caso é a Avenida Presidente Vargas, existindo sinalização referente a tal circunstância nas duas esquinas da Borges de Medeiros (...) Pelo que foi possível perceber, a muito não desenvolvia velocidade excessiva para circunstância e chegou a reduzi-la antes da colisão, tanto que quando bateu ele não saltou longe mas apenas sai por cima do carro (...)”

A fotografia de fl. 14 dos autos não deixa dúvidas de que no local

do acidente havia sinalização de parada obrigatória para os veículos que

trafegavam pela Rua Borges de Medeiros. A despeito disso, a demandada

1 CAVALIERI FILHO, SérgioPrograma de Responsabilidade Civil. 6ª edição. São Paulo: Malheiros, p. 66.

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avançou o cruzamento, sem sequer perceber a aproximação da motocicleta do

demandante, o que revela sua absoluta falta de cuidado no trânsito.

Importante salientar que a velocidade desenvolvida pelo

demandante, ainda que excedesse um pouco o limite de velocidade local, não

constituiu a causa determinante para a eclosão do evento danoso, pois o

acidente teria ocorrido de qualquer forma caso estivesse trafegando a 60 km/h

(limite de velocidade referido pela demandada).

De acordo com a teoria da causalidade adequada, adota pelo

nosso sistema jurídico em matéria de responsabilidade civil, conforme posição

majoritária na doutrina2, nem todas as circunstâncias que concretamente

concorrerem para a produção do resultado são relevantes, sendo-o somente

aquela que interferiu de forma decisiva. Essa orientação é também adotada por

este Tribunal de Justiça:

“APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL EM ACIDENTE DE TRÂNSITO. ULTRAPASSAGEM INDEVIDA. VELOCIDADE EXCESSIVA. COLISÃO POR TRÁS. CULPA DO CONDUTOR DO VEÍCULO SEGURADO. De acordo com a teoria da causalidade adequada, adotada por nosso sistema em matéria de responsabilidade civil, nem todas as condições concorrentes ao resultado são equivalentes, sendo de relevância aquela adequada a produzir concreta e diretamente o resultado. Assim, o eventual reconhecimento da culpa do motorista do caminhão da ré em face da ultrapassagem em local proibido é afastado em razão de que a causa adequada à produção do evento danoso é unicamente a conduta do segurado. Isto porque agiu com imprudência, imprimindo velocidade excessiva, bastante acima da permitida, e não manteve a atenção devida, colidindo na traseira do Fiat Tempra que trafegava à sua frente, cujo condutor conseguiu evitar eventual choque contra o caminhão. Ademais, presume-se a culpa daquele que colide por trás e o próprio segurado admite que se deparou com o Tempra já parado sobre a pista e sua culpa é tão preponderante que exclui o nexo causal entre o dano e o ato do condutor do veículo da apelada. DESPROVIMENTO. (Apelação Cível

2 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 6.ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 74.

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Nº 70012316915, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Naele Ochoa Piazzeta, Julgado em 25/08/2005)”.

No caso em tela, é evidente que a circunstância decisiva foi a

invasão da preferencial, impetrada pela demandada. Assim, deve a mesma

responder integralmente pelos danos causados.

Em relação aos danos materiais, sustenta a apelante que os

valores são excessivos, porém, não trouxe aos autos qualquer elemento

probatório a respaldar a alegação. Assim sendo e considerando que o

magistrado de origem tomou como parâmetro o menor dos orçamentos

juntados pelo demandante, deve ser mantido o quantum indenizatório.

PELO EXPOSTO, o voto é no sentido de negar provimento ao

apelo.

DES. ORLANDO HEEMANN JÚNIOR (PRESIDENTE E REVISOR) - De

acordo.

DES. CLÁUDIO BALDINO MACIEL - De acordo.

DES. ORLANDO HEEMANN JÚNIOR - Presidente - Apelação Cível nº

70015163611, Comarca de Bagé: "NEGARAM PROVIMENTO AO APELO.

UNÂNIME."

Julgador(a) de 1º Grau: RICARDO PEREIRA DE PEREIRA

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