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Estafeta da Comunicação na Formação Nº 28 | MAIO/JUNHO 2015 “Na tradição judaico-cristã, dizer «criação» é mais do que dizer natureza, porque tem a ver com um projeto do amor de Deus, onde cada criatura tem um valor e um significado. A natureza entende-se habitualmente como um sistema que se analisa, compreende e gere, mas a criação só se pode conceber como um dom que vem das mãos abertas do Pai de todos, como uma realidade iluminada pelo amor que nos chama a uma comunhão universal.” Louvado Sejas, nº 76

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Estafeta da Comunicação na Formação

Nº 28 | MAIO/JUNHO 2015

“Na tradição judaico-cristã, dizer «criação» é mais do que dizer natureza, porque tem a ver com um projeto do amor de Deus, onde cada criatura tem um valor e um significado. A natureza entende-se habitualmente como um sistema que se

analisa, compreende e gere, mas a criação só se pode conceber como um dom que vem das mãos abertas do Pai de todos, como uma realidade iluminada pelo amor que nos chama a uma comunhão universal.”

Louvado Sejas, nº 76

Editorial

As pedras [preciosas] que deitamos fora

Matilde SantosMocho paciente

Para abrir este editorial e esta edição vou servir-me de uma breve parábola de Pedro Ribes, sj.

Uma caravana do deserto caminhava penosamente num terreno árido, poeirento e pedregoso. As pessoas que a compunham tinham todas fé absoluta no guia e, confiadamente, entregavam-lhe a ele todas as de-cisões. Gostavam de o fazer, sobretudo quando, devido ao intenso calor do sol, ele decidia que viajassem de noite, reservando o dia para dormir.

Certa noite, após uma jornada particularmente esgotante, o guia, de repente, exclamou:

«Alto!» Deter-nos-emos aqui por alguns momentos. Como veem, atra-vessamos, neste momento, um terreno invulgarmente pedregoso. Quero que se baixem e apanhem todas as pedras que consigam al-cançar. Talvez consigam encher as bolsas e levá-las assim cheias para casa. «Vamos, depressa!», prosseguiu, batendo as palmas; «tendes ape-nas cinco minutos; passados eles, retomaremos a marcha».

Os viajantes, que apenas desejavam um prolongado descanso e um sono repousante, pensaram que o guia tinha enlouquecido.

«Pedras?!», disseram eles. «Quem pensa ele que somos nós? Uma cáfila de camelos ou de machos?»

Somente alguns fizeram o que o guia sugerira: meteram nas bolsas uns quantos punhados de pedras soltas.

«Bem, chega!», disse o guia. «Toca a andar de novo!»

Enquanto continuavam a difícil caminhada, durante o resto da noite, todos se encontravam demasiado cansados para se darem ao incómo-do de falar. Mas todos continuavam a perguntar a si mesmos que po-deriam significar as estranhas ordens daquele guia.

Quando o sol se levantou no horizonte, a caravana deteve-se de novo. Todos armaram as suas tendas. Os poucos viajantes que tinham apa-nhado as referidas pedras puderam vê-las detidamente pela primeira vez. Assombrados, começaram a gritar:

«Santo Deus! Todas elas são de cores diferentes! E como brilham! Realmente são pedras preciosas!»

Mas esta sensação de júbilo depressa deu lugar a outra de depressão e abatimento:

«Porque não tivemos o bom senso de seguir as ordens do guia? Se assim fosse, teríamos apanhado o maior número de pedras possível!»

O homem, da mesma forma que se tornou coletor, também desen-volveu a capacidade de desperdiçar. Tanto reúne, junta ou compila como esbanja, malbarata ou gasta inultimente. Há, no entanto, ain-da outra atitude perante as coisas: a de as ver passar sem as valori-zar. E sem que tenhamos conta, tornámo-nos vítimas da indiferença, da nossa própria indiferença perante os outros e perante o mundo. E, portanto, o que se passa à nossa volta, as pessoas com quem nos cruzamos ou as coisas em que «tropeçamos», não passam de mun-dos longínquos, desconhecidos, abstratos; longínquos porque não fazem parte da nossa memória; desconhecidos porque nunca de-mos um passo de procura e de aproximação; abstratos porque não nos detivemos o suficiente para lhe tomar a forma.

Vou centrar-me nesta atitude de indiferença perante as coisas; «coisas» num sentido mais abrangente do termo.

Por certo, já aconteceu a muitos de nós lermos um livro e pensar-mos «Este livro dá um imaginário espetacular para um curso!». E o que fizemos a seguir? Terminámos o livro e guardamo-lo na estan-te; ou juntámo-lo à pilha de papeis da formação que um dia have-remos de organizar; ou emprestámo-lo a alguém e perdemos o rasto ao livro… No contexto da parábola acima, é como se tivesse-mos apanhado uma pedra e deitámo-la fora de seguida. E quem diz um livro pode dizer um filme, um jogo, uma técnica, uma ima-gem, uma citação, uma oração, uma apresentação, um esquema, um artigo numa revista; e o mesmo se pode dizer de coisas bem mais prosaicas: uma pedra, uma concha, uma bolota, um ouriço, uma folha, uma pena de ave, um tronco, um pedaço de cartão ou uma tira de tecido.

Quantos de nós, formadores, tem aquele baú lá em casa onde vai guardando as inúmeras «interpelações» em que tropeçamos? E quantos de nós recorrem a esse baú no momento de prepararmos um tempo de formação?

Diz um provérbio português: «Guarda o que não presta, que en-contrarás o que te é preciso.» Se não somos capazes de colher as pedras, nunca conseguiremos construir um tesouro. E estas pe-queninas pedras podem tornar-se num bem precioso e fazer a di-ferença na formação que fazemos.

A atitude de imprevidência, de despreocupação, de descuido ou até de incúria, é fatal para um formador. Não porque saia do Quadro Nacional de Formadores; mas porque se torna no forma-dor monótono, rotineiro, desinteressante, de quem já ninguém es-pera novidade e criatividade.

Com esta edição da Goodyear continuámos a «atirar-vos» pedras, na esperança que se tornem em pedras preciosas para todos.

P.S. – A parábola que serve de ponto de partida para este edito-rial faz parte de um livro que guardo no meu baú da formação: Uma questão de macacos, as andorinhas e outras parábolas, Pedro Ribes, sj, Edições Paulistas, 1992

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Trabalhar em equipa exige aprendizagem e disciplina por parte daqueles que integram equipas de trabalho. Não substitui o trabalho e esforço pessoal; antes pelo contrário, evidencia-o, enriquece-o e valoriza-o, dando-lhe uma dimensão mais global.

Bibliografia

CARTA ENCÍCLICA LAUDATO SI’ (LOUVADO SEJAS)Sobre o cuidado da casa comumPapa Francisco

Carlos NobreCastor Inteligente

A preocupação pela natureza, ou como agora se diz pomposamen-te – a questão ecológica – sempre foi uma das primeiras preocupa-ções do Escutismo e dos Escuteiros. Nesta matéria o Escutismo foi percursor, sem qualquer fundamentalismo, da emergência de uma consciência preocupada com o meio ambiente e com a “pégada ecológica” que inculcamos no nosso planeta.

Baden-Powell, fundador do movimento escutista, postulou des-de sempre com premonitória intencionalidade que a Natureza é o espaço privilegiado para a educação dos rapazes. E acrescen-tou: “A floresta é, simultaneamente, um laboratório, um clube e um templo.” Esta sua frase, só por si, encerra toda a sabedoria que um Dirigente é chamado a desvendar ao longo do processo educati-vo, revelando-a a cada criança, adolescente ou jovem. Pode dizer--se que não há Escutismo sem relação com a Natureza!

Por outro lado, para a Igreja, também esta é uma matéria que há muito se encontra definida, demandando claramente que ela é obra de Deus, criador do Céu e da Terra, como proclamamos no Credo. E Jesus, como podemos ler nos Evangelhos, de tantas e va-riadas vezes se serviu da natureza para falar do seu Criador.

Foi contudo o actual papa, o Papa Francisco, o primeiro a escre-ver uma encíclica sobre este tema. No próprio texto da encíclica, no subtítulo, ele indica que é seu objectivo recuperar a consciên-cia ecológica, ou seja, despertar as pessoas para o cuidado da casa comum. Já tínhamos ouvido falar em “Condomínio da Terra”, mas agora esta expressão “Casa Comum” revela-nos uma dimensão si-multaneamente universal e pessoal, isto é, trata-se também da mi-nha casa, do sítio onde eu moro e vivo. Educar para o respeito pela criação, pela natureza em geral, os seus seres vivos e todo o meio ambiente, fazem parte integrante da missão da Igreja.

Pergunta o Papa Francisco: “Que tipo de mundo queremos deixar a quem vai suceder-nos, às crianças que estão a crescer? Se não pul-sa nelas esta pergunta de fundo, não creio que as nossas preocu-pações ecológicas possam alcançar efeitos importantes”(nº 160).

Mais do que ouvir falar de, e até respigar uma ou outra citação des-ta encíclica e usá-la como palavra de referência, o que te propo-mos é a sua leitura integral. Só assim poderemos falar do que co-nhecemos e podemos também desta forma anunciar o Evangelho de Jesus Cristo com as palavras do nosso tempo!

Fica o convite… e boa leitura!

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Nem só de técnica vive o formador

Matilde SantosMocho paciente

“Antes ainda de cada um começar a ler, o que o for fazer já apareceu; já subiu os degraus do altar; alcançou o lugar onde se irá instalar, ele e o seu livro, em plena zona de luz, só…Já foi visto, examinado, observado, espiolhado da cabeça aos pés e dos pés à cabeça…É terrível quando se pensa nisso, não é verdade?É, no entanto, necessário pensar nisso.” 1

Não podemos esperar truques ou fórmulas mágicas que ajudem um formador a melhorar a animação pedagógica de um qualquer tema. A fórmula mágica é a preparação aturada e refletida que precede a formação. No entanto, vamos deixar algumas sugestões que nos ajudam a melhor relacionar com as pessoas que ajudamos a formar e a facilitar a aprendizagem.

O PRIMEIRO CONTACTO

O primeiro contacto de um formador com os formandos, mesmo antes de falar, acontece através da visão. Daí a importância que deve prestar à sua apresentação. Para além dos cuidados higiéni-cos básicos e essenciais, a sua apresentação deve pautar-se pela sobriedade e pelo conforto. A forma como se apresenta, se for cor-reta, contribui para dar importância e seriedade ao que vai fazer. A atenção dos formandos tem de ser atraída para o que o formador partilha em termos de conhecimentos, e não para o que o forma-dor usa ou deixa de usar.

No nosso caso a apresentação de um formador deve ser sempre em uniforme. E só há um uniforme – o oficial e regulamentar; e só há uma forma de o usar – uniforme completo e de forma correta.

1 Arte de Dizer, Recitar e Falar em público, Júlio Couto, Secretariado Diocesano de Liturgia do Porto

Quantas vezes nos abstraímos de ouvir o formador e concentra-mos a nossa atenção nas meias caídas ao fundo das pernas?

Para que o uso do uniforme seja natural, há que lhe juntar a atitu-de. Nada de falsas modéstias ou de afetação. O formador tem de ser «ele mesmo». Deve evitar a todo o custo qualquer tipo de ba-julação ou de adulação, bem como de excessiva familiariedade. Os formandos devem reconhecer no formador, logo de início, a cons-ciência da responsabilidade e do peso da tarefa que lhe cabe.

COMUNICAR DE CORPO INTEIRO

A postura física também revela como se sente o formador perante aqueles que estão à sua frente.

Deve procurar sempre uma posição direita, cabeça levantada, mas sem adotar uma postura hirta que o torne estático e inexpressivo. Deve movimentar-se com naturalidade, sem excessos, não se en-colhendo e refugiando-se num canto da sala. Sempre que este-ja em diálogo com o grupo ou seja interpelado por um formando, deve aproximar-se do grupo ou da pessoa em questão, mas não em demasia de forma a não voltar as costas para ninguém.

O olhar é fundamental no relacionamento do formador com os for-mandos. Sempre que não tenha de ler ou consultar o suporte que tiver escolhido para a sua formação, deve manter o olhar nos for-mandos. Mas cuidado para não fixar o olhar só num quadrante da sala, ou numa ou outra pessoa em particular. O olhar deve percor-rer todos os formandos para que nenhum deles se sinta excluído ou ignorado pelo formador. Há que evitar igualmente a todo o cus-to prender o olhar num ponto fixo da sala, muitas vezes um olhar absorto e distante. Para que assim possa proceder, nomeadamen-te quem tem cabelos longos, há que cuidar de um aspeto básico: prender o cabelo de forma a deixar os olhos libertos e “acessíveis” aos formandos.

Outro aspeto a ter em conta são as mãos. Para muitos formado-res é um verdadeiro problema o que fazer às mãos. Ora, mais uma vez devemos ter em atenção que as mãos não podem servir para distrair o formando. Devem, isso sim, ajudar na comunicação rela-cional a estabelecer entre o formador e cada formando. As mãos

Técnicas e dinâmicas

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devem acompanhar o formador a expressar a sua mensagem, aju-dando a tornar mais perceptível esta ou aquela ideia; nem deixar os braços caídos ao longo do corpo sem qualquer ação, nem ges-ticular de forma exagerada. E nunca, mas nunca mesmo, fazer for-mação com as mãos nos bolsos!

Um instrumento fundamental do formador é a voz. Escreveu MacLuhan: «O meio é a mensagem». Quer isto dizer que é tão im-portante o que se comunica como os meios usados para a comu-nicação. Paulo Trindade Ferreira fala-nos com clareza sobre como fazer o melhor uso da voz.

«Não basta apelar ao raciocínio, à lógica e à técnica. A valorização das emoções e dos afetos é determinante para a aprendizagem. Sendo a voz a embalagem das palavras ou a imagem da alma, como é corrente dizer-se, há que:

• Falar com voz forte, o mais nítida possível, devendo a sua inten-sidade estar de acordo com a dimensão do grupo e a disposi-ção da sala.

• Articular claramente as palavras, evitando engolir a terminação das frases.

• Modular o tom, elevando ou baixando a voz, não de modo re-gular, o que pode dar a impressão de monotonia, mas acen-tuando certas palavras ou sílabas sem a preocupação de obe-decer a qualquer periodicidade sistemática.

• Modular igualmente a cadência, não atribuindo a mesma dura-ção a todas as sílabas.

• Dar à voz um tom de tal forma coloquial que cada formando sinta que o que está a ser dito se dirige a ele pessoalmente.

• Utilizar pausas. Elas são o melhor meio para realçar os pontos importantes, despertar a atenção e reforçar a palavra dita.»2

ATITUDE: A PRIMEIRA FORMA DE FORMAR

Quantas vezes o plano da sessão que o formador preparou não se concretiza na sua totalidade, porque os formandos colocaram imensas questões ou porque todos eles tinham opinião! Entra aqui em jogo a capacidade de escuta do formador. No intuito de

2 Guia do Animador na Formação de Adultos, Paulo da Trindade Ferreira, Editorial Presença, 2009

cumprir à risca o programa e tão convicto da importância daqui-lo que vai dizer, o formador pode esquecer-se de um aspeto fulcral em formação: dar vez e voz ao formando. E, no entanto, é também aqui que se joga a qualidade da animação pedagógica. Dar espa-ço às pessoas, dar-lhes atenção, escutar os seus pontos de vista… sentir os formandos!

«É o que acontece com a maioria das pessoas quando, em mo-mentos difíceis, encontram um amigo. O que mais dele esperam não são os conselhos que lhes possa dar, mas a atenção, talvez si-lenciosa e discreta, que lhes deve dispensar.»3

E associada a esta capacidade de escuta e de sentir os formandos vem o entusiasmo e a paixão com que fazemos e animamos a for-mação. Sim, mais do que fazer, é preciso animar, isto é, dar alma, dar vida, dar força, dar movimento…

«Animar é aceitar apagar-se, pôr-se em relação e desenvolver os feixes da comunicação e informação. […] Animar é despertar os outros, respeitando-os e considerando-os, desde o primeiro con-tacto, como pessoas a quem se dá, mas de quem já muito se rece-beu. […] Animar é, antes de tudo e para além de um conjunto de técnicas, uma atitude interior e um estado de espírito.»4

Este texto, muito sucinto, pretende chamar a atenção para aspe-tos fundamentais na forma de ser e de estar de um formador. Tão fundamentais que interferem com a capacidade de aprendizagem de um formando. Devem por isso ser trabalhados, por cada um de nós, a par com as finalidades e conteúdos da formação. Pois, tal como o poeta afirma, o que dizemos ninguém o dirá como o dizemos.

O que dizemosNinguém o diráComo o dizemos;Palavra e gestoVoz e acentoCalor e ritmo,É tudo ímparÉ tudo novoÉ tudo único.Somos partículasInconfundíveis da Eternidade.

Carlos Queiroz

3 Idem

4 A Animação Pedagógica, R. Toraylle, Socicultur, Divulgação Cultural

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Sistema de Formação do CNE

Ser adulto na fé hoje: em busca de um novo modelo de crente

Emílio AlberichCatequesis evangelizadora. Manual de catequética fundamental

Editorial CCS, 2009

As considerações anteriores não bastam para distinguir com cla-reza a meta da maturidade religiosa para a qual se deve orientar a atividade catequética. Na nossa sociedade atual, procura-se um novo modelo de crente, uma nova espiritualidade cristã1, porque está em forte crise e é pouco convincente a imagem tradicional do “bom cristão” ou “fiel praticante”, isto é, a imagem do cristão — que observa as práticas e as normas religiosas — plasmada pela idade moderna. Atualmente, as condições cambiantes da sociedade e a derrocada da homogeneidade religiosa obrigam a rever esse mo-delo tradicional, sem lhe negar os valores, e a formular de modo diferente a meta da ação pastoral da Igreja. Não obstante os riscos dessa ação, oferecemos um esboço de “identikit” do cristão do fu-turo, do modelo de crente que imaginamos no horizonte ideal da tarefa da catequese. É um quadro que salienta intencionalmente os aspetos de novidade, em relação ao passado, desse novo modelo de crente adulto que a sociedade atual e a Igreja exigem.

UMA IDENTIDADE RELIGIOSA PERSONALIZADA E LIVRE

Esse crente hipotético não poderá sê-lo por tradição ou por per-tença sociológica, mas por opção pessoal, redescobrindo assim a sua própria identidade e a alegria de ser cristão. Essa personaliza-ção da fé implica a experiência de uma conversão renovada e a in-teriorização de atitudes livres de fé, rumo à maturidade. Num mun-do marcado pelo pluralismo e pelo desejo de autodeterminação, só uma comunidade de crentes livres e convictos oferece garantias de solidez e de credibilidade.

FÉ ENCARNADA NA CULTURA

Muitos crentes sentem a necessidade de uma religiosidade difí-cil de ser vivida no mundo atual, e têm a sensação de pertencer a dois mundos quase inconciliáveis entre si: o da fé cristã, da for-ma como foi herdada e transmitida, e o da cultura atual, constituí-do pelo conjunto das aspirações, valores e modos de pensar pró-prios da nossa época. Daí resulta um dilaceramento interior, cuja razão nem sempre se percebe, também entre aqueles que aceitam o Evangelho como critério de discernimento. É o drama da separa-ção entre valores culturais e exigências evangélicas, entre fé e cul-tura, “o drama da nossa época” (EN n. 20).

Trata-se, portanto, de inculturar a fé, ativando o diálogo entre fé e cultura e abrindo-se aos valores da modernidade e da pós-moder-nidade, aplicando com discernimento a dupla lei da continuidade com as autênticas aspirações e os valores da cultura moderna, e da rutura ou denúncia de tudo o que ameaça a dignidade do ser hu-mano ou os valores do Reino. Esse diálogo não exclui o uso equili-brado da racionalidade crítica e deve levar a uma revisão corajosa das representações religiosas tradicionais.2

1 Cf. J. Martin Velasco, El malestar religioso de nuestra cultura. Madrid, Paulinas, 1993. P.273-74

2 Cf. A. Fossion, Dieu toujours recommencé: essai sur la catéchèse contemporai-ne. Bruxelles, Lumen Vitae/ Novalis/Cerf/Labor et Fides, 1997 (cap. 8: “Le travail des représentations”).

“SENSUS ECCLESIAE”, MAS DE FORMA ADULTA

O novo modelo de crente deve ter certamente o sensus ecclesiae: sentido de pertença e de identificação com a comunidade eclesial, mistério e instituição, mas de forma madura, “adulta”, isto é, sem os traços infantilizantes e acrílicos que tantas vezes caracterizaram a atitude dos cristãos para com a instituição. A dimensão adulta do sentido da Igreja implica a vontade de pertença e de participação responsável, consciente, com sentido de relativa autonomia e espí-rito crítico construtivo.

ESPÍRITO COMUNITÁRIO

Temos em mente um crente não individualista, mas solidário e com espírito comunitário. Diante de tantas formas de individua-lismo, existem cristãos mais solidários, com mais espírito comuni-tário, mais capazes e necessitados de viver a própria fé “com os outros”, num movimento enriquecedor de partilha e de solidarie-dade. É o modelo de um cristão menos isolado e auto-suficien-te, mais tendente à co-responsabilidade e ao espírito de grupo. O crente, assim considerado, sentir-se-á de certa forma mais depen-dente dos outros, mais ligado à comunidade de fé a que perten-ce. Mas esse laço, longe de constituir um sinal de debilidade, an-tes será vivido como um sinal de enriquecimento e de maturidade.

COMPROMISSO COM O MUNDO E FORTE CONSCIÊNCIA ÉTICA

Temos em mente um crente que não seja falsamente “espiritualis-ta”, mas encarnado e comprometido, com grande vigor moral. É aquele que demonstra ser cristão não tanto pelas práticas religio-sas, mas no coração do mundo: na família e no trabalho, na política e no tempo livre, no compromisso pela transformação da socieda-de. A sua fisionomia espiritual é caracterizada pela abertura cultu-ral e pelo espírito de colaboração, sensibilidade ética e consciência dos valores, compromisso social e político, solidariedade para com os pobres e com os marginalizados.

ABERTURA E DIÁLOGO INTERCULTURAL E INTER-RELIGIOSO

Mergulhada num mundo pluralista, a fé deve ser vivida hoje em contacto com diversas religiões, culturas e visões do mundo. Essa situação não representa necessariamente uma ameaça, e pode ser um fator positivo, se vivida com espírito de confrontação leal e sincero. O nosso crente, assim considerado, deverá ser capaz de diálogo, aberto à aceitação do outro e à pluralidade. E isso o le-vará a fortalecer a própria identidade religiosa, não em conflito com os outros, mas num clima de colaboração e enriquecimen-to recíproco.

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Amigos na pista

Papa Francisco pede «capacidade de diálogo» e de construir «pontes» aos escuteiros1

O papa Francisco pediu aos membros da Associação das Guias e Escuteiros Católicos Italianos para que abram vias de comunicação com o mundo, contrariando a tendência para o estabelecimento de barreiras. Esta comunicação teve lugar por ocasião da audiência geral que ocorreu no passado dia 13 de junho.

«Estou certo de que a AGESCI pode gerar na Igreja um novo fer-vor evangelizador e uma nova capacidade de diálogo com a

1 Publicado no sítio do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura

sociedade», afirmou às cerca de 90 mil guias e escuteiros presentes na Praça de S. Pedro, no Vaticano.

«Fazer pontes, fazer pontes nesta sociedade onde há o hábito de fazer muros. Fazei pontes, por favor. Com o diálogo, fazei pontes», insistiu Francisco, citado pela Sala de Imprensa da Santa Sé.

Organismos como os escuteiros «são uma riqueza da Igreja que o Espírito Santo suscita para evangelizar todos os ambientes e seto-res», apontou o papa, que também realçou a importância da tarefa educativa realizada pela associação.

«Vós ofereceis um contributo importante às famílias para a sua mis-são educativa com as crianças, os rapazes e os jovens. Os pais con-fiam-vos porque estão convencidos da bondade e sabedoria do método escutista, baseado nos grandes valores humanos, no con-tacto com a natureza, na religiosidade e na fé em Deus; um méto-do que educa para a liberdade na responsabilidade. Que esta con-fiança das famílias não seja desiludida», sublinhou.

Francisco pediu aos dirigentes para manterem os laços com a paró-quia de origem dos agrupamentos e os seus responsáveis, ao mes-mo tempo que se integram nas prioridades e programa da dioce-se, e não se resumindo a «uma presença decorativa ao domingo [na missa] ou nas grandes ocasiões».

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Naquele tempo

Acerca das festas do solstício de Verão1

António CoutoBispo de Lamego

1. Com exceção (honrosa) da língua portuguesa, os nomes dos dias da semana das principais línguas vivas europeias estão marcados pelos astros: sol, lua, marte, mercúrio, júpiter, vénus, saturno. Esta maneira de dizer salienta a nossa dependência dos astros, que o mesmo é dizer, das forças da natureza que os astros representam. Excetuam-se, nalguns casos, o sábado e o domingo, que trazem a marca das tradições hebraica e cristã.

2. Mas, mesmo no caso português, é fácil verificar como o nosso paganismo convive amenamente com o nosso cristianismo. Basta um olhar atento a esta época do ano (solstício de verão), e às cele-brações que fazemos à volta dos santos populares: Santo António, São João e São Pedro.

3. Embora o fenómeno seja o mesmo, detenhamo-nos na festa de S. João, por ser a mais afeta a esta zona norte do país. A tradição bíblica faz de João Baptista um homem austero, que anda pelo si-lêncio do deserto para melhor escutar a Palavra de Deus, e que, a quantos o procuram, prega penitência e conversão. Mas nós feste-jamo-lo com esfuziante folia, no meio de barulho e muita música, abundância de vinho e danças e folguedos…

4. Entre os anos 117 e 135, o imperador Adriano, com o intuito de paganizar a Palestina, deitou por terra todos os lugares de culto cristão que lá havia, entre os quais se contava a «casa-igreja» de Ain Karem [= nascente do jardim], lugar do nascimento de João Baptista, a uns 8 Km a SO de Jerusalém, extinguindo assim o nas-cente culto cristão a João Baptista, e implantando no seu lugar o culto pagão de Adónis. O culto de Adónis é o culto da nature-za. Filho do incesto de Ciniras com Esmirna ou Mirra, a beleza de Adónis seduziu a deusa Afrodite ou Vénus, deusa do amor, da be-leza, da vegetação e da fertilidade. Ciúmes de outras deusas, entre as quais Perséfone, deusa da morte, fizeram que Adónis fosse mor-to por um javali, indo assim parar aos braços de Perséfone (inverno, morte). O facto deu origem a intrigas entre as duas deusas (Afrodite e Perséfone), só sanadas pelo decreto de Júpiter, que decidiu que Adónis ficasse com Perséfone um terço do ano, com Afrodite ou-tro terço, e que ficasse livre no último terço do ano. Mas Adónis ofereceu este último terço também a Afrodite. O tempo que passa com Perséfone é o Inverno, o tempo triste em que a natureza pa-rece que morre. O tempo que passa com Afrodite é o tempo da Primavera e do Verão, o tempo da explosão da vida e da alegria. As festas em honra de Adónis têm assim um tempo de choro e

1 Mesa de palavras - https://mesadepalavras.wordpress.com/2015/06/17/acerca-das-festas-do-solsticio-de-verao/

de lágrimas, que equivale à morte de Adónis e ao tempo que pas-sa com Perséfone, e um tempo mais intenso de folia, que equivale como que à «ressurreição» de Adónis e ao tempo que passa com Afrodite. Como se vê, Adónis não é mais do que natureza, e aquilo que nós festejamos no solstício de verão não é mais do que a exu-berância da natureza.

5. É esta paganização de João Baptista por Adónis que permanece ainda hoje nas nossas festas populares do solstício de verão.

6. Voltemos aos astros. A língua latina fornece-nos duas palavras para dizer «astro»: aster, (plural astra) e sidus (plural sidera). Na sua brilhante L’Écriture du désastre (Gallimard, 1980), Maurice Blanchot (1907-2003)  mostrou magistralmente que se as pessoas vivem li-gadas aos astros e se o seu comportamento depende deles sem qualquer possibilidade de liberdade, então a vida é com certe-za um «des-astre»! E é esta a compreensão que expressamos do «desastre», quando lemos num acontecimento dramático da nos-sa vida ou da vida dos outros, não o resultado da nossa vontade, mas a influência perniciosa de qualquer astro, o velho destino. Do mesmo modo, dizemos hoje vulgarmente que alguém está sidera-do, quando está de tal modo fascinado por um objeto ou por um acontecimento ou pessoa, que já não consegue dar um passo por conta própria.

7. Viver ligado aos astros e ao que eles dizem é, portanto, um desas-tre: se não nos conseguimos libertar deles, ficamos como que side-rados, prisioneiros nas mãos de um destino qualquer. Mas se nos separarmos deles, então ficamos de-siderados, do latim desidera-re, que deu o nosso desejar. Ao sabor do nosso desejo. É, portan-to, a libertação dos astros, a saída da sideração, que dá acesso ao desejo, que nasce da separação do astral e do regresso à vida e ao movimento, à liberdade e à história, a um tempo que seja nosso.

8. Mas será ainda necessário quebrar este arco desiderativo a que andamos presos e que apenas molda em nós um «eu» identitário, autorreferencial e patronal sempre em expansão (hipertrofia do «eu»), e que apenas sabe rejeitar ou absorver o outro, num proces-so cego de autorrealização ou autossatisfação. É necessário abrir--se ao extra, ao sentido objetivo, ao éschaton, ao dom que vem de fora, e que ninguém pode produzir por si mesmo. Temos to-dos de aprender a recebê-lo, abrindo as mãos e o coração. Lições de Junho.

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Correio

I PERCURSO INICIAL DE FORMAÇÃO - LAMEGOEquipa Regional de AdultosRegião de Lamego

Nos dias 16 e 17 de Maio realizou-se o IPE (Iniciação à Pedagogia Escutista) da Região de Lamego, tendo como Imaginário o “Rei Leão – Seguindo as Pegadas de Simba”, pois tal como Simba que, após ser expulso das Terras do Reino teve de iniciar um novo per-curso na sua vida, os Candidatos a Dirigentes iniciaram, também, uma nova fase no seu Percurso Inicial de Formação, uma etapa que culminará na realização da sua Promessa como Dirigentes dos seus Agrupamentos.

A adesão foi bastante satisfatória, tendo participado 28 for-mandos distribuídos por 4 Patrulhas. Deve-se ressalvar que os Formandos estavam a trabalhar como se fossem Exploradores, II secção: a Patrulha Nala, a Patrulha Rafiki, a Patrulha Timon e Pumba e a Patrulha Zazu. As Patrulhas foram formadas pela Equipa de Formação da Região de Lamego, tendo em conta os Agrupamentos de origem dos Formandos, se se tratavam de Noviços ou Aspirantes e a sua formação académica; de modo a que estas fossem heterogéneas e equilibradas.

No dia 16 pelas 08h15, no Seminário Maior de Lamego, a Equipa de Formação começou a receber os Formandos. Cada um deve-ria entregar um livro escutista; este pedido tinha como principal objetivo explicar e exemplificar aos Candidatos a Dirigentes a im-portância do cumprimento e o não cumprimento de uma ordem ou de um pedido de um Dirigente às suas crianças e jovens, assim como as consequências que daí advêm. Os livros foram colocados numa mesa no corredor para consulta de todos os participantes. Foi pedido, também, que trouxessem especialidades locais (doces ou salgados) para um lanche partilhado e para o Convívio no Café Concerto, a realizar nesse mesmo dia ao final da noite.

Às 09h00 ocorreu a Abertura Formal do IPE, onde foi apresentado o Imaginário e realizou-se um jogo para a formação das Patrulhas, jogo que consistiu na procura das peças de um puzzle onde cons-tava o nome de cada Formando e a imagem da personagem que constituía o nome de cada Patrulha.

Às 10h30 iniciaram-se os trabalhos, cada módulo de formação teve a duração de duas horas, incluindo formação em sala e jo-gos escutistas.

No decorrer do fim-de-semana de formação cada Patrulha ficou responsável por diversas tarefas: orações, servir as refeições, levan-tar as mesas, leituras, canto do salmo, citação da oração dos fiéis, entre outras.

A celebração da Eucaristia decorreu no sábado à noite, pelas 21 ho-ras, foi celebrada pelo Assistente da Região de Lamego o Senhor Padre Artur Mergulhão e animada pelos Formandos. Foi uma Eucaristia muito participativa, intensa e introspetiva, onde o pano de fundo foi a importância do papel de um bom Dirigente do CNE na educação e crescimento das crianças e jovens escuteiros e a im-portância da fé na vida e ao longo de todo o percurso escutista.

No dia 17 a alvorada foi às 08h00, os formandos e a Equipa de Formação tomaram o pequeno-almoço e às 09h00 iniciaram-se os trabalhos, formação em sala e realização de vários jogos escutistas.

Houve, também, no decorrer desta sessão, a realização de 3 Conselhos de Guias, nos quais todos participaram e tiveram opor-tunidade de ver como se faz e a sua importância. Os modelos apli-cados para exemplificar e explicar a importância de um Conselho de Guias foram o método pedagógico ativo e o método pedagó-gico demonstrativo, ou seja, os Guias de cada Patrulha reuniram--se em Conselho de Guias com o Chefe de Unidade, neste caso o Diretor de Formação, numa mesa central e os restantes elemen-tos das Patrulhas assistiram, mas sem se poder pronunciar, assis-tiram como meros observadores. Nos Conselhos de Guias realiza-dos foram discutidos alguns temas relacionados com as atividades formativas e a negociação das datas de entrega dos trabalhos in-dividuais e trabalhos de Patrulha a realizar pelos futuros Dirigentes.

Foi um fim-de-semana rico, em que houve partilha de conheci-mentos, convívio e criação de laços de amizade. Os Formandos mostraram-se empenhados, com sede de adquirir conhecimentos e de começar a trabalhar com os seus Agrupamentos.

A Região de Lamego começou a dar os primeiros passos no novo Sistema de Formação de Adultos, constituiu a sua Equipa e pôs mãos à obra. Devemos ter sempre em mente a seguinte frase do filme do Rei Leão:

“A jornada de mil quilómetros começa com o primeiro passo!”

O primeiro passo foi dado, agora é trabalhar e construir a nossa caminhada, tendo em mente o cumprimento do nosso objetivo que é formar Dirigentes com competências e aptidões para trans-mitir às nossas crianças e jovens os valores do Escutismo Católico Português, para que estes se tornem Homens Novos.

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Equipa Goodyear: Carlos Nobre, Matilde Santos, José Carlos Pinheiro.Design gráfico: Pedro Botelho

Colaboraram nesta edição:Carlos Nobre (Região do Porto)Equipa Regional de Adultos (Lamego)Matilde Santos (Região do Porto)

CORPO NACIONAL DE ESCUTASEscutismo Católico Português

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Quando rezares

Oração pela nossa Terra Louvados SejasSobre o cuidado da casa comum

Segunda Carta Encíclica do Papa Francisco

Deus Omnipotente,que estás presente eem todo o universoe na mais pequenina das tuas criaturas,Tu, que envolves com a tua ternura tudo o que existe,derrama em nós a força do teu amorpara cuidarmos da vida e da beleza.Inunda-nos de paz,para vivermos como irmãos e irmãssem prejudicar ninguém.

Ó Deus dos pobres,ajuda-nos a resgataros abandonados e esquecidos desta Terraque valem tanto aos teus olhos.

Cura a nossa vida,para protegermos o mundo e não o depredarmos,para semearmos beleza e não poluição nem destruição.

Toca os coraçõesdaqueles que buscam apenas benefíciosà custa dos pobres e da terra.

Ensina-nos a descobrir o valor de cada coisa,a contemplar com encanto,a reconhecer que estamos profundamente unidoscom todas as criaturasno nosso caminho para a tua luz infinita.

Obrigado por estares connosco todos os dias.Sustenta-nos, por favor,na nossa luta pela justiça, o amor e a paz.