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Novembro2017 Revista Mensal • 2 Euros Parceiro do Plano Nacional de Saúde 2014 Dependências questionou várias figuras nacionais em CAD e respostas são unânimes: Descontentamento de norte a sul face à atual orgânica dos serviços de CAD Entrevista com Miguel Vasconcelos no XXX Encontro das Taipas: “Se tivesse que escolher um presente ao nível dos serviços, pediria um serviço nacional vertical”

no XXX Encontro das Taipas: “Se tivesse que escolher um ... · via da descriminalização do consumo, mantendo um sinal claro de desaprovação social do uso de drogas. Consumir

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Parceiro do Plano Nacional de Saúde 2014

Dependências questionou várias figuras nacionais em CAD e respostas são unânimes:

Descontentamento de norte a sul face à atual orgânica dos serviços de CAD

Entrevista com Miguel Vasconcelos no XXX Encontro das Taipas:

“Se tivesse que escolher um presente ao nível dos serviços, pediria um serviço nacional vertical”

3O tráfico de canábis e o crime organizado

FICHA TÉCNICA Propriedade, Redacção,Direcção e morada do Editor: News-Coop - Informação e Comunicação, CRL; Rua António Ramalho, 600E; 4460-240 Senhora da Hora Matosinhos; Publicação periódica mensal registada no ICS

com o nº 124 854. Tiragem: 12000 exemplares. Contactos: 220 966 727 / 916 899 539; [email protected];www.dependencias.pt Director: Sérgio Oliveira Editor: António Sérgio Administrativo: António Alexandre

Colaboração: Mireia Pascual Produção Gráfica: Ana Oliveira Impressão: Multitema, Rua Cerco do Porto, 4300-119, tel. 225192600 Estatuto Editorial pode ser consultado na página www.dependencias.pt

O relatório sobre os mercados de droga na União Eu-ropeia ilustra os extensos impactos e a sua relação com outras atividades criminosas. Aquele relatório, que conju-ga a experiência e os conhecimentos da Europol em ma-téria de redes criminosas, com a visão global do EMCDDA sobre o fenómeno da droga, mostra como o negócio da droga e os grupos de criminalidade organizada afetam muitos setores da sociedade, porque “as drogas consti-tuem um grande negócio que, segundo as estimativas, correspondem a um quinto do produto do crime a nível mundial.

Na Europa, estima-se que representem entre 0,1e 0,6 % do PIB dos oito EstadosMembros relativamente aos quais existem dados publicados. Estima-se que, em 2013, o mercado retalhista de droga na UE ascendia, no míni-mo, a 24 mil milhões de euros (entre 21 e 31 mil milhões de euros), sendo o mercado de cannabis o maior, equiva-lente a cerca de 38 % do total, seguido pelo da heroína (28 %) e o da cocaína (24 %).” Estamos a falar apenas de 3 das substâncias ilícitas mais consumidas.

As ramificações do mercado de drogas ilícitas são muito vastas e não se limitam aos danos causados pelo seu consumo. Elas incluem o envolvimento noutros tipos de atividades criminosas e no terrorismo, os impactos nas empresas legais e na economia em geral, a fragilização e a corrupção das instituições do Estado e as consequên-cias nocivas para a sociedade em geral.

“A legitimação das enormes quantidades de dinheiro geradas pelo tráfico de droga é uma grande preocupação da criminalidade organizada e, quer tenhamos consciên-cia disso quer não, interfere com a nossa vida quotidiana. O dinheiro ilegal afecta a economia legal devido à aquisi-ção de empresas e de bens muito valiosos tendo em vista a sua «lavagem». Estes «investimentos» distorcem a eco-nomia real, deixando as empresas legais e os consumido-res numa situação de desvantagem competitiva. As ativi-

dades dos criminosos envolvidos no mercado de droga também podem afectar diretamente as empresas legais, através da exposição ao risco de serem associadas a es-quemas de branqueamento de capitais provenientes do tráfico, do roubo de eletricidade ou da destruição das pro-priedades arrendadas utilizadas na produção de droga”.

“Os criminosos, em especial os grupos de criminalida-de organizada transnacional, são adaptáveis e, por isso, os mercados de droga e seus intervenientes interagem de múltiplas formas com outras áreas de atividades ilegais. Se reconhecermos e colmatarmos as nossas lacunas de conhecimentos sobre a amplitude destas interações cria-remos uma importante oportunidade de recolha de infor-mações”.

A tudo isto não é alheio o tráfico de canábis com a cri-minalidade organizada, apesar das vestes “revolucioná-rias” desta perigosa substância e da imagem pública algo benigna do mercado de cannabis que ficou das atividades dos empresários hippies da década de 1960, que contras-ta fortemente com a realidade atual.

Os Grupos de Criminalidade Organizada desempe-nham agora um papel importante nesta grande e lucrativa indústria, associada à violência e a outras formas de cri-minalidade. Além do mais, a mera escala do mercado de cannabis faz com que seja importante para as atividades criminosas a todos os níveis. Por exemplo, os gangues de rua estão frequentemente envolvidos na venda a retalho e, às vezes, na produção, o que tem dado origem a confli-tos entre gangues em alguns EstadosMembros da UE. Os impactos negativos do grande mercado ilegal de cannabis nas comunidades locais e nos recursos das forças da lei, bem como os custos deles resultantes, são muitas vezes ignorados.

Sérgio Oliveira, director

4III Ciclo do FNAS em projeção:

Parceiros do FNAS assinam Carta de Compromisso

O Fórum Nacional Álcool e Saúde (FNAS) reuniu, no dia 14 de novembro, para assinar a sua Carta de Compromisso relativa ao triénio 2017-2020. O encontro decorreu no Palácio dos Marque-ses da Praia e Monforte, em Loures e contou com a presença dos membros que representam várias áreas da sociedade civil que, através desta plataforma, se comprometem a reforçar as ações necessárias para a redução dos danos provocados pelo consumo excessivo de bebidas alcoólicas.

O programa de trabalho contemplou, para além da assinatura da Carta de Compromisso, intervenções, nomeadamente sobre os re-sultados relativos ao Álcool no IV Inquérito à População Geral sobre o Consumo de Substâncias Psicoativas e também uma projeção deste que é o III Ciclo do FNAS. A propósito deste estudo, João Gou-lão considerou que “os resultados do inquérito aos consumos da po-pulação em geral, que nos lançam novos desafios servem também para nos marcar uma baseline a partir da qual podemos avaliar a evolução dos problemas do nosso país e, com isso, aferir também a eficácia das intervenções que vamos desenvolvendo. Temos, obvia-mente, algumas intercorrências que vivemos no nosso país, como a crise económica e social, que teve necessariamente impactos ao ní-vel dos consumos mas temos agora que lidar com a realidade que enfrentamos e, com isso, afinar a pontaria para, através dos contribu-

tos de cada um dos membros deste fórum, para tentarmos inverter algumas tendências que podemos constatar neste estudo”.

Recorde-se que o FNAS decorre do estabelecimento de uma Estratégia Europeia para a minimização dos efeitos nocivos do ál-cool que, a nível nacional, reúne mais de 70 entidades represen-tantes, quer da oferta, quer da procura e que é presidido pelo Coordenador Nacional para os Problemas da Droga, das Toxico-dependências e do Uso Nocivo do Álcool que é também, por ine-rência de funções, o Diretor-Geral do SICAD. Ora, o Diretor-Geral do SICAD é João Goulão que, dirigindo-se aos parceiros do fórum salientou que “é fundamental o envolvimento de todas as entida-des aqui presentes e de muitas outras, sejam representantes de serviços estatais, de organizações da sociedade civil ou represen-tantes da indústria da produção e distribuição de bebidas alcoóli-cas, para a prossecução de um objetivo comum, a contribuição para a redução dos impactos do uso nocivo do álcool”.

Manuel Cardoso, subdiretor do SICAD, Clara Vital e Cláudia Urbano apresentaram os dados relativos ao álcool no IV Inquérito Nacional ao Consumo de Substâncias Psicoativas na População Geral, Portugal 2016/2017. O aumento de consumo entre as mu-lheres foi um dos pontos discutidos pelos membros que marcaram uma forte presença no Forum.

5 Num segundo painel, os secretários permanentes do

FNAS, Alexandra Pinto e Raúl Melo, fizeram uma antevisão do que será este terceiro ciclo que agora se inicia, anunciando me-didas como uma maior aposta na disseminação da mensagem através de campanhas de comunicação, entre outras.

A terminar, João Goulão lançaria ainda uma constatação e um desejo: “Esta iniciativa, que em boa hora lançámos, a cons-tituição deste fórum, parece fazer escola um pouco por todo o mundo. Como saberão, o nosso país é tido como um modelo ou um exemplo nas políticas no âmbito dos CAD, o que desperta enorme interesse por parte das pessoas que pretendem colher da nossa experiência algum exemplo que possam seguir. Por-tanto, desejo que esta manhã de trabalho lance as bases para a continuação de uma profícua colaboração entre todos”.

O Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), no âmbito do Fórum Nacional Ál-cool e Saúde (FNAS), lançou uma campanha publicitária que pretende sensibilizar os pais de jovens até aos 18 anos para o uso nocivo de bebidas alcoólicas.

Há Conversas Mais Fáceis foi o mote para o concurso pro-movido pelo Clube de Criativos em parceria com a Autorregu-lação Publicitária (ICAP) e o SICAD, tendo sido ganho por Gonçalo Martinho e Roberta Batista, ambos criativos da FCB Portugal, que produziram três suportes visuais que, serão di-vulgados através das plataformas digitais do SICAD e poste-riormente distribuídos por Centros de Saúde e Unidades Hos-pitalares.

Os três suportes publicitários dirigem-se aos pais de jo-vens menores de 18 anos e alertam para a importância do diá-logo familiar sobre os riscos do consumo de bebidas alcoólicas para a saúde. Sob um fundo de cor sólida, o lettering forte des-taca a mensagem e desafia os pais a assumirem a responsabi-lidade de conversarem com os filhos sobre o consumo de bebi-das alcoólicas.

Segundo o IV Inquérito Nacional ao Consumo de Substân-cias Psicoativas na População Geral, Portugal 2016/17, cerca de metade dos jovens (15-24 anos) consumiram álcool no últi-mo ano, 38% nos últimos 30 dias e 2,2% apresentam um con-sumo de risco elevado ou dependência, pelo que a prevenção, com ênfase nos mais jovens, torna-se essencial para tentar re-verter estes dados.

6Entrevista de João Goulão à revista hojemacau:

“Criminalizar vítimas é pouco eficaz e pouco inteligente”

É o director do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD) de Portugal. João Goulão está em Macau para participar na 27ª conferência da Federação Internacional de Organizações Não-Governa-mentais para a Prevenção de Drogas e Abuso de Substân-cias (IFNGO). Crítico da legalização das drogas, é, contudo, apoiante da despenalização. Portugal é pioneiro neste tipo de políticas e os resultados são animadores.

Há 15 anos Portugal iniciou o processo de descriminaliza-ção das drogas. Macau está a andar no sentido oposto ao ter em vigor há um ano uma lei que aumentou as penas para os consumidores. Está no caminho errado?

Não me atrevo a dizer isso. De acordo com a minha sensibilida-de e a minha experiência, está. É o caminho errado porque é o opos-to de uma abordagem humanista das pessoas afectadas por proble-mas de dependências de drogas. Mas, nós estamos do outro lado do mundo e as culturas, as tradições e as formas de pensar são franca-mente distintas. É difícil apresentar receitas infalíveis e que sejam aplicáveis em qualquer lado do mundo. Aquilo que me proponho fa-zer aqui é a partilhar a experiência que nós próprios temos de uma escolha que foi feita há cerca de 16 anos em Portugal e que foi ir pela via da descriminalização do consumo, mantendo um sinal claro de desaprovação social do uso de drogas. Consumir drogas, em Portu-gal, continua a ser priobido embora seja apenas na esfera do direito administrativo. Qualquer coisa que podemos comparar com o facto de usar ou não usar o cinto de segurança, por exemplo. Alguma coisa que é destinada a proteger a minha própria integridade física mas que não é deixada ao mero livre arbítrio. Um consumidor de drogas que seja interceptado pela polícia não incorre em sanções penais, não vai para a cadeia, não fica com um registo criminal o que contri-

bui para diminuir o estigma, mas pode incorrer em sanções que po-dem ser multas ou outro tipo, como o desempenho de serviço cívico ou proibição de frequentar determinados locais.

Que resultados tem tido Portugal com a despenalização?Este regime tem dado muito bons resultados na nossa socie-

dade mas obviamente associado a uma série de outras interven-ções ao nível da prevenção do tratamento, da redução de danos e da reinserção social. É o pacote completo que tem dado bons re-sultados. No meu ponto de vista não é legítimo, nem é sério do ponto de vista intelectual, estabelecer uma relação de causa-efei-to entre a descriminalização apenas e os resultados que temos obtido.

Seria complicado replicar esse modelo em Macau?Eventualmente, sim. Só é possível aplicar um modelo deste

tipo se houver respostas na área da saúde e na área social capa-zes de lidar com o problema. Não estamos a falar de tráfico, essa é uma outra questão. Não estamos a falar dos enormes interesses económicos que se movimentam em torno disto, estamos a falar das vítimas desses interesses. Criminalizar estas vítimas, seja em que latitude for, parece-me pouco eficaz e pouco inteligente.

Macau está a atravessar um período de maior integração regional. Como é que as autoridades podem responder às consequências dessa integração, nomeadamente se vierem a ter resultados no aumento do tráfico e de consumo?

Essa não é propriamente minha área de expertise. É a minha primeira visita a Macau e estou francamente impressionado. No meu imaginário, Macau corresponderia ao que vi na zona central da cidade, com o casino Lisboa que era o que conhecia dos fil-mes. Fiquei completamente esmagado por esta Las Vegas que encontrei. Sabia que havia uns casinos mas isto tem uma dimen-são que não estava à espera. E, obviamente que olhar para isto, faz-me pensar nos enormes volumes de dinheiro que aqui se mo-vimentam e nas organizações que se movimentam em seu torno. Seguramente estarão implicadas organizações ligadas ao tráfico. Tudo isto exige uma atenção muito especial das autoridades e não é fácil lidar com isso. O meu lado da questão, aquele que conhe-ço, é o daqueles que alimentam toda essa indústria. Em Portugal alargámos, há cerca de cinco anos, o scope da nossa intervenção a todos os comportamentos aditivos. Lidamos não apenas com as substâncias ilícitas, mas também com o álcool, e com comporta-mentos aditivos sem substância como é o caso do jogo ou do ecrã. Do que vejo aqui, as coisas entrecruzam-se com uma enor-me intensidade. Do lado da saúde, é importante existirem respos-tas para todos os tipos de adições, ou seja para as substâncias ilí-citas e lícitas, e todos estes comportamentos sem substância que geram muito sofrimento ao próprio e às famílias.

©Sofia M

argarida Mota

7É algo céptico em relação à legalização das drogas leves. Não sou propriamente céptico, mas é preciso pensarmos bem no

que é que estamos a falar. Quando, em Portugal, foi descriminalizado o consumo de drogas, foi para todas as substâncias. A medida foi ba-seada num princípio: a relação que o indivíduo estabelece com a substância e não a substância em si. Faz pouco sentido falar em le-galizar um determinado grupo de substâncias e deixar todas as ou-tras no mesmo regime. Neste momento diria que Portugal foi ao limite do paradigma proibicionista. Mantemos a proibição de usar drogas, todas elas, mas deixaram de ser objecto de procedimento criminal. Fomos pioneiros a ensaiar este modelo e em regra geral, todos os in-dicadores relacionados com substâncias têm vindo a baixar o que é uma situação que, não sendo resolvida como não o é em nenhuma sociedade, tem registado progressos importantes. Abrimos um deter-minado caminho e estamos a ser imitados, diria, por vários países. Fomos um laboratório social: fizemos uma experiência e temos resul-tados para mostrar. Neste momento, não enfrentamos como enfren-távamos há 15 ou 16 anos, uma situação dramática. Por outro lado, há outros países que estão a ensaiar novos caminhos. Acho que não perdemos nada em esperar o resultado dessas experiências. Não te-mos a pressão que tínhamos há 20 anos, para mudar a todo o custo. Portanto, vamos esperar para ver o que é que sai do que está a ser feito e depois pensar o que fazer. Não se trata de cepticismo, mas sim de ter alguma cautela.

É importante olhar para o uso da canábis na medicina?Sim, é importante e em relação a isso não tenho nenhuma re-

sistência. Só que isso não é um “negócio” meu. Isso é o “negócio” das organizações médicas e para o Infarmed que é a agência re-guladora de medicamentos. Se os produtos de canábis responde-rem às exigências de que são sujeitos os novos medicamentos que são introduzidos no mercado, se o balanço custo-benefício – e estou a falar de custos que impliquem o risco da dependência – for francamente positivo, não tenho nenhuma resistência. O que francamente me desagrada é a mistura mais ou menos intencional que tem havido na discussão entre a questão do uso terapêutico da canábis e o seu uso recreativo, como se o seu uso medicinal fosse como um cavalo de tróia para fazer passar o uso recreativo, dizendo assim: “isto é tão bom que até cura doenças”. Não é disso que se trata e também não gostava de ver os médicos a prescre-verem a pedido, para circunstâncias que não têm justificação clíni-ca. Uma coisa é a regulação do uso terapêutico em circuitos estri-tamente médicos, uma outra conversa é a do uso recreativo.

Estamos na era das drogas sintéticas, que são muitas ve-zes vendidas online. Há ainda um grande desconhecimento acerca desta matéria e ausência de regulação?

Nós tentámos reagir a este mercado e às novas substâncias pis-coactivas, no florescer das chamadas smartshops que, de um mo-mento para o outro, apareceram em todos os cantos de Portugal. Produzimos legislação, numa altura em que estávamos a ser con-frontados com emergências hospitalares relacionadas com essas no-vas substâncias e mesmo algumas mortes, que, na prática, levou ao encerramento destas smartshops. Embora estejamos cientes que continua haver consumos dessas substâncias, o que é um facto é que o número de emergências hospitalares baixou drasticamente. Elas circulam, são consumidas em Portugal mas diria que é um mer-cado relativamente residual. E, acrescento, ainda temos de estar pre-parados para que haja algum recrudescimento desse mercado. Nor-

malmente, somos um bocado tradicionais e as coisas chegam a Por-tugal um bocadinho mais tarde do que noutros países e quando ve-mos a realidade em alguns países europeus temos de nos preparar para que o fenómeno alastre largamente.

Como é que está a ser o acompanhamento do aumento de consumidores de heroína com a recente crise?

Depois da crise económica, houve realmente um certo regres-sos do consumo de heroína por via injectada que era uma realida-de que já não se via há muito. Este regresso é sobretudo à custa de antigos utilizadores que recaíram em sequência da crise, pes-soas confrontadas com dificuldades acrescidas e que recaíram. São também consumidores de idade mais avançada, que tiveram os seus episódios de consumo aos 20, 30 anos, depois pararam durante uns 10 ou 20 anos, e depois recaem. Somos confrontados agora com uma população diferente. Aquilo que era o investimen-to no sentido de uma completa inserção social, para devolver esta pessoa completamente e integralmente à sociedade, já não é o mais adequado. Não temos o mesmo tipo de veleidades quando estamos com pessoas de 50 e 60 anos. O grande objectivo agora é acompanhar estas pessoas que se mantiveram vivas e acompa-nhá-las no processo de um envelhecimento com dignidade. As prioridades em relação a esta população mais envelhecida são di-ferentes do que aquelas que se colocam a jovens consumidores.

Em relação ao vício do jogo. Enquanto director do SICAD, que perfis podemos traçar?

Não tenho nenhuma experiência profissional em lidar com esta questão. Estamos ainda numa fase de cruzamento de experiências com quem está mais adiantado nestas matérias, com centros interna-cionais que lidam com esta questão. Há perfis diversificados em rela-ção aos quais eu não consigo discorrer grande coisa.

O ecrã é um vício sem substâncias que começa a ter al-gum relevo na sociedade actual. Em que ponto é que está a abordagem desta adição?

Os mecanismos de todos estes comportamentos têm que ver com o tornarem-se no centro da vida da pessoa, seja o jogo, seja o ecrã, seja a acumulação dos dois. Aqui o que tentamos partilhar com experiências de outros países é o debate destas questões e as abor-dagens possíveis de serem feitas utilizando a internet inclusivamen-te. Podemos utilizar Pop Ups que aparecem num determinado mo-mento a alertar para o número de horas que o utilizador está a ter. É impressionante, um pouco por todo o mundo, mas aqui em Macau ainda mais, o número de pessoas que passa o tempo a olhar para o telefone. Vemos aqui centenas de pessoas e não vemos uma que não esteja a olhar para o ecrã. Mas tudo tem de ser pensado de for-ma adequada às culturas das pessoas às quais se dirige . Não pode-mos pensar num pronto a vestir de intervenções, temos de nos adaptar às realidades culturais de cada país ou região.

Ainda sobre o vício do jogo, estão ser pensadas alguma parcerias com Macau para intervir nesta problemática?

Isto não é fácil. Além de partilharmos experiências através de momentos como esta conferência ou a partilha de conhecimentos de outros encontros, a distância e os custos envolvidos não nos permi-tem uma partilha técnica tão intensa quanto seria desejável. Gostaria muito de mandar uma equipa de profissionais do meu serviço. Mas é desejável que este intercâmbio se mantenha e se aprofunde.

8Crianças e Jovens Hoje – Família, Escola, Sociedade foi o mote para encontro:

PIAC comemorou 10 anos de existência

Por ocasião da celebração dos 10 anos do Programa Inte-grado de Apoio à Comunidade – PIAC, realizou-se nos dias 12 e 13 de outubro, no IPO Porto, um Encontro Come-morativo, subordinado ao tema Crianças e Jovens Hoje – Família, Escola, Sociedade. Um painel de oradores convi-dados, de reconhecido mérito em diferentes áreas de in-tervenção, promoveu um debate sobre os aspetos cen-trais na intervenção com crianças e jovens em risco, com as famílias e as estruturas da sociedade que com estes in-tervêm.Este Encontro resultou num importante momento de parti-lha, reflexão e aprendizagem entre a equipa do PIAC e as das instituições que esta colaboram.

PIMENTA MARINHO, PRESIDENTE DA ARS NORTE

“Precisamos de partilhar, articular e cooperar”

Referiu, neste Encontro, que o modelo português continua a ser reconhecido internacionalmente… No entanto, sabe-se que, há quatro anos, houve um serviço responsável pela concepção desse modelo que foi desmembrado… O Dr. Pimenta Marinho integra um grupo de trabalho que deverá apresentar uma solu-ção para o futuro desta área… para quando?

Pimenta Marinho (PM) – Demorará, com certeza, menos que os quatro anos… O Sr. Secretário de Estado deu 120 dias para o grupo de trabalho concluir este processo e o grupo de trabalho tem estado a produzir trabalho, tem feito muita reflexão… Ainda

esta semana estivemos reunidos e está tudo bem encaminhado para que possamos apresentar uma proposta que reúna os dife-rentes consensos. Mas o mais importante nem é tão pouco o que o grupo de trabalho apresentará… Independentemente dos mode-los, temos as pessoas que trabalham cá e as pessoas na comuni-dade e temos que manter esse nível de intervenção. E ao nível da ARS Norte, tudo temos feito e mais faremos para melhorar ainda a nossa capacidade de resposta, para que possamos ter profissio-nais satisfeitos, a gostarem do que fazem e com capacidade de intervenção junto de quem precisa de nós. É para isso que traba-lhamos diariamente.

Este era um serviço que acumulava experiência e saberes e que alicerçava práticas e respostas integradas em evidên-cia científica. Não lhe parece difícil a missão de hoje, integra-das essas respostas em cinco ARS diferentes?

PM – Apesar de haver uma direção, o modelo português já ti-nha vários serviços. Ninguém trabalha sozinho. É impossível a al-guém que trabalhe isolado obter sucesso. Precisamos de parti-lhar, articular e cooperar, mais ainda nesta área. Mas, na saúde, estamos habituados a faze-lo todos os dias. Não existe nenhum profissional que, sozinho, resolva todos os problemas dos doen-tes. Acho que temos experiência, conhecimento e motivação para potenciar esse trabalho.

Em que medida veria com bons olhos a concepção de uma estrutura vertical para esta área?

PM – Uma vez que faço parte do grupo de trabalho, que discu-tiu o tema e produziu um relatório, não me pronunciarei sobre isso…

Relatório esse que se revelou inconclusivo…PM – Sim, mas sendo um trabalho de grupo, não quero condi-

cionar nem sugerir… Há vantagens e desvantagens em todos os modelos… Temos é que pensar nas pessoas e nos doentes e, em função desses problemas, encontrar o modelo que melhor respon-da. Por outro lado, os modelos não são eternos. Devemos experi-mentar e ter a humildade de mudar quando algo não está a funcio-nar bem.

9RUI GUIMARÃES

“Não podemos cometer o ‘crime’ de criar expetativas…”

Que balanço faz deste Encontro, que serve para comemo-rar os 10 anos de existência do PIAC?

Rui Guimarães (RG) – O balanço só pode ser muito positivo. A adesão foi massiva, tivemos que encerrar as inscrições há cerca de um mês, e isso reflete bem a relação que temos com a comuni-dade. Ao mesmo tempo, a qualidade das mesas, dos oradores e dos intervenientes é notória, e expressa uma diversidade que es-pelha a forma como concebemos, abordamos e intervimos nas problemáticas com que nos confrontamos. Nesse sentido, o que pretendemos com este evento foi abrir um espaço de reflexão par-tilhada, convidando personalidades ligadas a instituições que dia-riamente connosco colaboram e outras de elevado renome nestas matérias, para que em conjunto possamos estar cada vez mais capazes de contribuir para a resolução das dificuldades e proble-mas que fazem com que estas crianças e jovens vejam nos com-portamentos aditivos uma resposta ao seu sofrimento, com tudo o que isso traz associado, e proporcionar-lhes a oportunidade de construir um futuro melhor.

Visto à distância de 10 anos, o que mudou?RG – Em primeiro lugar, penso que é de saudar o facto de co-

memorarmos 10 anos de existência duma unidade, na altura pio-neira, inovadora e única a nível nacional, que sempre procurou ali-cerçar a sua intervenção em padrões de elevada qualidade, e constatar que ao fim destes 10 anos continuamos a merecer todos esses epítetos e a ser um serviço de referência ao nível da Pre-venção Indicada dos Comportamentos de Aditivos e Dependên-cias. Para além disso, o que temos sentido é que a complexidade das situações que acompanhamos tem sido cada vez maior, o que tem obrigado a uma constante reflexão e adaptação das nossas práticas às características da nossa população. O que percebe-mos é que cada vez mais os consumos e os comportamentos adi-tivos cursam com outros tipos de fatores de risco, quer individuais como a psicopatologia, o deficit de competências e outros, quer de contexto como a institucionalização, a conflitualidade familiar, a in-certeza do futuro, etc., ou seja, uma variedade de fatores que con-ferem uma grande complexidade à problemática. Perante isto, é difícil equacionar respostas efetivas para estas questões que não sejam, por um lado especializadas, com uma abordagem com-preensiva e desenvolvimental, e por outro integradas, interinstitu-cionais e com uma vertente comunitária muito presente, o que re-força ainda mais a importância do modelo de organização e inter-venção do PIAC.

A área de intervenção do PIAC vai dos 4 aos 26 anos de idade… Porquê uma intervenção numa idade tão precoce?

RG – Nós intervimos na área da prevenção indicada e esta, por definição, incluí não só crianças e jovens que já apresentem comportamentos de risco, nomeadamente consumos ou outros comportamentos aditivos, mas também crianças e jovens que possuam fatores de risco que sabemos estarem altamente corre-lacionados com a probabilidade de desenvolverem uma problemá-tica deste tipo no futuro. E a questão que se coloca é: vale a pena esperar, sabendo que a probabilidade de isso acontecer é muito grande? Vale a pena estarmos à espera que os comportamentos se efetivem para intervirmos depois, mesmo sabendo que muitas vezes estes quando se iniciam em idades precoces provocam da-nos irreparáveis no desenvolvimento? A nossa perspetiva é que vale a pena investir nestas crianças, mesmo até numa perspetiva economicista e de racionalização de recursos, e poder ajudar a al-terar percursos que tantas vezes se assumem como um destino ao qual é difícil fugir.

Retive da sua comunicação uma queda vertiginosa do in-dicador consultas…

RG – Isso não representa a realidade atual, o número de con-sultas tem vindo a aumentar, muito embora nos debatamos com carências de recursos, a vários níveis. O que aconteceu foi que, em meados de 2010, houve efetivamente um grande corte de re-cursos afetos ao PIAC, o que se manifestou obrigatoriamente no número de ativos, de eventos e atendimentos que se realizavam. Desde então, e particularmente desde 2014, o que temos procura-do é, com uma relação de maior proximidade com as instituições que referenciam e com o surgimento das consultas de jovens dos CRI, reduzir um pouco o número de primeiras consultas que esta-va na ordem das 600 por ano e tornava absolutamente impossível a manutenção de uma resposta de qualidade, onde ela é absolu-tamente necessária sob o risco de agravar ainda mais as proble-máticas. Com uma população com o nível de sofrimento como a que nos procura, não podemos cometer o “crime” de criar expeta-tivas, provocar desequilíbrios, mesmo que em equilíbrios precá-rios, e depois não corresponder às necessidades mais elementa-res ao nível do acompanhamento. O nosso foco tem sido, então, aumentar a periodicidade das consultas e as taxas de retenção, o que se tem verificado de forma sustentada e reflete o aumento da qualidade da nossa intervenção. Esta questão do tempo e da dis-ponibilidade é absolutamente fundamental para que estas crian-ças e jovens possam reparar e transformar o que se foi desorgani-zando nos seus percursos desenvolvimentais. De outra forma, só se perpetuará o ciclo da revitimização e a inevitável escalada na problemática.

10Entrevista com Miguel Vasconcelos no XXX Encontro das Taipas:

“Se tivesse que escolher um presente ao nível dos serviços, pediria um

serviço nacional vertical”A Unidade de Desabituação - Centro das Taipas celebrou,

no passado dia 2 de Junho de 2017, trinta anos de existência. O Centro das Taipas foi a primeira unidade especializada na inter-venção em toxicodependência instituída no âmbito da Saúde, ten-do à época constituído uma mudança de paradigma na aborda-gem realizada junto das pessoas afetadas pelo fenómeno. Ao lon-go de trinta anos, o Centro das Taipas constituiu-se como uma uni-dade de saúde de referência nacional e internacional. Ao intervir de forma criativa e inovadora, criou um modelo de intervenção multidisciplinar (designado Modelo Integrado), com sustentação no paradigma bio-psico-social, abrangendo as áreas do Tratamen-to, Redução de Riscos e Minimização de Danos, Reinserção e Prevenção das dependências.

Assim, o Centro das Taipas tem vindo a comemorar os seus trinta anos de serviço público através da realização de uma série de eventos ao longo deste ano de 2017, denominado 30 Anos / 30 Eventos.

O último foi precisamente o XXX Encontro das Taipas, que de-correu entre os dias 9 e 10 de novembro, em Lisboa, no ISCTE/IUL. Sob o lema 30 anos de inovação, o evento cativou a partici-pação de várias dezenas de profissionais. Dependências marcou também presença no evento, onde entrevistou Miguel Vasconce-los, Coordenador Técnico da UD/Centro das Taipas, e Filipe Cali-nas, gastrenterologista do CHLC.

MIGUEL VASCONCELOS, COORDENADOR TÉCNICO DA UD/CENTRO DAS TAIPAS

“Estes serviços estão a perder profissionais”

Em que medida está plasmado o slogan adotado para este XXX Encontro, 30 anos de inovação, no desenho do pro-grama?

Miguel Vasconcelos (MV) – Obviamente que sim… Foi o tema do congresso, em que procurámos trazer as terapias mais inovadoras e o resumo das últimas coisas que estão a ser feitas para um público diversificado, como é o nosso.

E quais são essas “últimas coisas” que estão a ser feitas?

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MV – Esta área das neurociências, por exemplo, ainda é desconhecida para muitos profissionais, sobretudo quando fa-lamos nos últimos avanços. A estimulação magnética é também uma área que, apesar de relativamente recente, está em voga… E sobretudo as novas formas de consumir e os novos consumidores. As substâncias antigas estão relativamente con-troladas mas temos uma série de novos consumos e de novas substâncias, muito mais potentes, como é o caso da canábis, em que estamos frequentemente a ser deparados com mais pe-didos, tal como sucede relativamente às dependências sem substância, como o jogo, a internet, o sexo, as compras e isso obriga-nos a adotar uma atitude diferente. Temos que recriar a atitude face a pessoas que se encontram muitas vezes naquela linha cinzenta entre o abuso e a dependência – e algumas substâncias não são tão aditivas fisicamente como outras – e que não se consideram doentes. Consideram que têm um estilo de vida diferente, que escolheram. E aí, a meu ver, funciona muito melhor a prevenção e a redução de riscos. Mas temos que sair do Centro porque essas pessoas não vêm ter connos-co. O que, aliás, já fazemos. Nomeadamente em escolas, em contextos festivos e académicos…

E nos casos que chegam tarde e em que já existe patolo-gia instalada, as respostas necessárias são diferentes das que eram oferecidas para as drogas tradicionais?

MV – Relativamente às drogas tradicionais, a única que tinha um tratamento “cirúrgico” eram os opiáceos… Existem receptores identificados e medicamentos que inibem ou têm um efeito ago-nista ou antagonista, portanto, aí havia uma resposta farmacológi-ca muito evidente. As outras baseiam-se muito no tratamento dos síndromes de privação, dos sintomas, num acompanhamento psi-coterapêutico mais ou menos estruturado e numa ajuda para a mudança do estilo de vida. Isso irá certamente manter-se…

Fala-se muito, atualmente, na necessidade de encontrar outros tipos de respostas para estas novas substâncias… Mas não era isso que já acontecia face à cocaína?

MV – Eu acho que sim. A cocaína, tipicamente, é uma subs-tância que a pessoa consome por picos, nada tendo a ver com a heroína, em que os consumos são constantes, não tendo quadros tão aparatosos. São pessoas muito mais irregulares nos consumos e penso que, neste momento, a melhor resposta ainda é o apoio psicoterapêutico. Ainda temos poucos dados relativamente à estimulação cerebral profunda, temos também a nova estimulação magnética transcraneana, cuja eficiência ainda desconhecemos… Mas a nível farmacológico funciona-mos pouco. Conseguimos tratar os quadros associados aos consumos; quando há duplo diagnóstico, conseguimos tratar a patologia de base, que irá melhorar; e conseguimos utilizar me-dicamentos para diminuir a impulsividade mas com um efeito que consideramos “ao lado”…

Estaremos na iminência de vermos novos atores a traba-lharem em CAD?

MV – Se quiser pensar nas pessoas que dominam as tecnolo-gias da informação, creio que será fundamental; nas neurociên-cias, algumas coisas estão em curso… existem muitos campos em investigação mas, resultados práticos, ainda não temos mui-tos…

Estando há 25 anos nas Taipas e tendo, por isso, acompa-nhado a quase totalidade da história da instituição, se tivesse que eleger três ou quatro marcos, quais destacaria?

MV – O primeiro de todos foi a perspetiva inovadora na cria-ção da resposta e dos cuidados. Ainda hoje se mantém atual, pouco burocratizada, muito centrada nas necessidades da pes-soa e com grande respeito pela mesma, tentando ao máximo abolir ideias pré-concebidas e usando o que funciona na prática e o que é cientificamente comprovado. Creio que é isso que nos caracteriza: o humanismo da resposta, centrada na pessoa doente ou em via de ficar doente. Outro marco importante foi assumir que alguns doentes eram doentes crónicos, nomeada-mente os dependentes de opiáceos e o aparecimento das tera-pias de substituição. Durante muito tempo, não os tivemos,

12nessa fase inicial, tivemos que utilizar tudo o que tínhamos, o que nos permitiu refinar respostas nessas áreas. Mas, de facto, como em todas as doenças, temos doentes crónicos, alguns dos quais têm clara indicação para um tratamento de manuten-ção até ser necessário. O terceiro marco foi assumir políticas de redução de riscos. Não nos centrámos apenas no tratamen-to mas assumimos que a doença tem vários estadios e que existem que não pensam sequer tratar-se mas têm, pelo me-nos, por elas e para a sociedade, que reduzir os riscos associa-dos às suas práticas e a sociedade também tem que proteger--se. Creio que é uma questão ética muito importante e convém aceitar isso. O que também não é estranho: o juramento de Hi-pócrates tem os séculos que tem e define que a prioridade é não fazer mal; depois, tratar e, quando não se pode tratar, ali-via-se. Esse é o fundamento médico e muito das relações das ciências sociais da ajuda.

Haverá espaço para mais 30 anos?MV – Certamente, connosco não (risos)… O problema é

que, face a todas as crises que o país atravessa, estes serviços estão a perder profissionais e, mais grave ainda, não há reno-vação das equipas. Apesar de tudo, esta equipa, para a idade que tem e para o tempo de terreno que acumula, até apresenta muita vitalidade e mantém grandes níveis de criatividade. Mas essa não renovação é hoje uma ameaça para qualquer equipa.

Não se afigura apetecível entrar atualmente nesta área para trabalhar…

MV – Há pessoas que gostam desta área mas o Estado não contrata… Quando abrimos as Taipas, tínhamos 165 profissio-nais… hoje, temos 64…

E isso não significa que a procura tenha decrescido…MV – Não. Com o bom trabalho que foi feito, ainda no tem-

po do IDT, o número das consultas foi duplicando ano após ano… Mas aumentámos a resposta com menos profissionais, portanto, as pessoas estão nos limites, até mesmo no que con-cerne à própria segurança da sua intervenção.

Normalmente, quando se celebra um aniversário, tem--se direito a um presente… Se fosse convidado a escolher um para o Centro e para a sua equipa, qual escolheria?

MV – Ser reforçado com mais profissionais… Se tivesse que escolher um presente ao nível dos serviços, pediria um serviço na-cional vertical.

FILIPE CALINAS, GASTRENTEROLOGISTA DO CHLC

“Conseguimos eliminar a infeção do VHC”

O que nos traz aqui, hoje, a este Encontro das Taipas?Filipe Calinas (FC) – Convidaram-me, o que me deu muita honra,

a participar, para falar sobre os 30 anos da história do tratamento da he-patite c e como chegámos de um passado em que conseguimos elimi-nar a infeção em menos de 5 por cento dos indivíduos até a um estado atual, em que conseguimos curar 98 por cento dos indivíduos tratados. No fundo, é trazer toda a inovação conseguida ao longo de 30 anos.

É certamente menos uma preocupação para quem intervém em CAD…

FC – Creio que não deve ser essa a preocupação major… Mas di-gamos que é uma ajuda para todos aqueles que querem um novo rumo, poderem tê-lo sem a infeção pelo vírus da hepatite c. Pelo menos em termos da saúde física, poderão contar com a colaboração dos no-vos tratamentos.

Apesar dessa nova áurea trazida pelos novos tratamentos, a verdade é que muitos profissionais do terreno continuam a recla-mar face à existência de uma enorme franja da população por diagnosticar. No seio dos dependentes, aqueles que tenham algu-ma adesão à terapêutica é mais fácil mas, depois, existem os ou-tros…

FC – Acho que entre aqueles de quem estamos hoje aqui a falar, os toxicodependentes, o problema do diagnóstico não será o mais impor-tante, desde que estejam ligados a centros da adição porque, na verda-de, é fácil rastreá-los. E o grande problema não se coloca tanto quanto à identificação da infeção mas mais no que fazer após esse diagnósti-co, ou seja, no seu encaminhamento para os sítios especializados no tratamento. Em relação à outra franja, onde se incluem os ex-toxicode-pendentes, aí existem de facto dificuldades. Por um lado, temos uma menor atenção por parte dos profissionais de saúde que mais lidam com eles e, por outro, o facto de os próprios utentes não referirem (ou não lhes ser questionado) aos seus médicos esse passado.

Para aqueles utentes toxicodependentes que não vão às es-truturas de saúde, a não ser às equipas de rua, que poderão con-tactar episodicamente ou mais assiduamente, em que medida po-deria ser útil a adopção de equipamentos que possibilitassem esse diagnóstico, como o fibroscan?

FC – É verdade. Todos nós temos a intenção de fazer chegar todos os meios a estas unidades móveis porque sabemos, de experiência fei-ta, que é a única forma de conseguirmos ter estes utentes com diag-nósticos adequados. Estamos a esforçar-nos mas têm sido esforços in-dividuais, não planificados nem das entidades da saúde mas de médi-

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Ambientes e carros 100% livres de fumoCom o intuito de intervir no âmbito da redução dos efeitos noci-

vos do tabaco, e especificamente com o objetivo de despoluir o ar do interior das casas e dos carros nos Açores, a Secretaria Regional da Saúde, do XII Governo Regional dos Açores, celebrou um protocolo com a Universidade do Minho, no sentido da aplicação do programa Domicílios e Carros 100 % Livres de Fumo, desenvolvido pelo Prof. José Precioso, na Região Autónoma dos Açores.

Como é sabido, a exposição ao Fumo Ambiental do Tabaco (FAT) é particularmente nociva para os grupos de indivíduos mais suscetíveis como: as crianças, os asmáticos, as pessoas com insufi-ciência respiratória e as mulheres grávidas (USDHHS, 2006). Neste sentido, José Precioso e a sua equipa evidenciaram, num estudo realizado em 2014, que 14,3% das crianças estão expostas ao FAT em casa, de forma diária em 8,5%, ou ocasionalmente em 5,8%, pelo facto de pelo menos algum dos conviventes, frequentemente o pai ou a mãe, fumarem em casa.

De forma a reduzir a maior prevalência de crianças expostas ao FAT no domicílio, 20% na Região Autónoma dos Açores, pelo facto de pelo menos um dos conviventes fumar em casa, a Direção Regio-nal de Prevenção e Combate às Dependências (DRPCD) levou a cabo um conjunto de ações formativas junto da comunidade docente das diversas escolas da Região, com o propósito de iniciar a imple-mentação do programa no dia 17 de novembro (dia do não fumador) do presente ano.

A intervenção “Domicílios e Carros 100% Livres de Fumo” é um programa de prevenção da exposição das crianças ao FAT, destina-do a crianças do 4º ano de escolaridade e aos seus pais ou encarre-gados de educação. Tem como principal finalidade aumentar a pre-valência de pais que não fumam e/ou não permitem que se fume no domicílio e no carro. Pretende-se com este programa, capacitar os alunos a protegerem-se da exposição ao FAT, convencendo os pais a não fumar no domicílio e no carro. O mesmo foi desenhado para ser aplicado em contexto escolar, na sala de aula, pelos professores, e é constituído por sete sessões: 1) pequena abordagem teórica so-bre as consequências do fumo ativo/passivo; 2) elaboração de mate-riais preventivos (cartazes, um dístico para colar em casa a informar que se trata de um domicílio sem fumo, cartas aos pais, entre ou-tros); 3) treinar as crianças para que convençam os pais a não fumar no domicílio através de exercícios de role playing; 4) envio de um desdobrável aos pais sobre as consequências do fumo passivo; 5) afixação de autocolantes no domicílio e no carro a informar que é proibido fumar; 6) assinatura de uma declaração em que os pais se comprometem a criar um domicílio sem fumo; 7) afixação de carta-zes por locais estratégicos tendo os pais como alvo. Pretende-se com a realização do programa em causa inverter números fortemen-te penalizadores para as crianças açorianas, no que concerne à ex-posição ao fumo ambiental.

Tratamento e redução de riscos com estratégias integradas e multidisciplinares:

Suzete Frias visita a Clinica do Outeiro

Suzete Frias, é a Directora Regional de Prevenção e Combate às Dependências, e veio visitar os açorianos doentes em tratamento nas Clinicas Terapêuticas. Dependências acompanhou esta dirigente na visita á Clinica do Outeiro, e pode constatar, que a abordagem tera-pêutica, correspondia aos princípios e objectivos de tratar cada um dos utentes como pessoas e com total respeito pela sua plena integri-dade e liberdade individual, que os resultados obtidos eram franca-mente positivos face a qualidade dos serviços prestados por uma jo-vem e qualificada equipa técnica, que assentava no tratamento inte-gral e humanístico.

Esta é uma unidade especializada no tratamento de pessoas com problemas de consumos problemáticos de substâncias psicoati-vas que assenta a sua intervenção baseados na evidencia técnica e cientifica como forma de garantir o melhor serviço junto dos doentes e consequentemente na continuidade e relação da clinica com o doente e sua família, como constatou Suzete Frias nas conversas pri-vadas que teve com os Açorianos internados, aprofundando assim a eficácia de uma resposta prevista pela Direcção Regional de aprofun-dar a relação e articulação com os parceiros. Foi muito interessante para aqueles doentes perceberem que tinham o apoio e acompanha-mento da Direcção Regional, que veio saber se o “investimento em saúde” estava a corresponder ao que era esperado, e quais eram as ideias e perspectivas de cada um deles face ao tratamento que esta-vam a receber da clinica.

Todos referiram, a importância e a oportunidade que a clinica lhes possibilitou na mudança de vida, saber identificar o passado, tra-balhar e perceber o presente, são a ferramenta indispensável para ultrapassar os comportamentos e construir o futuro…Fora m estas as palavras de conforto que a Directora Regional ouviu daquelas pes-soas que acreditam na sua autonomização e inserção numa vida onde possam viver mais livres…

15Programa de Competências FamiliaresPerante a necessidade de se consolidar a implementação

da Estratégia Regional para a Promoção de Estilos de Vida Saudável e Prevenção de Comportamentos de Risco, a Secre-taria Regional da Saúde, do XXII Governo Regional dos Açores, entendeu como vital assumir uma ação interventiva que promo-va adequadas competências parentais em figuras “cuidadoras” de crianças e jovens, numa linha de prevenção de condutas de risco das gerações mais jovens. Deste modo, optou por imple-mentar na Região Autónoma dos Açores o Programa “Prevenir em Família e Comunidade”, uma estratégia que se centra, entre outras iniciativas, na adaptação à Região, do Programa de Competências Familiares (PCF), adaptado para a realidade ibé-rica pela Universidade das Ilhas Baleares – Espanha.

Partindo-se do pressuposto de que é na família que se refe-rencia parte importante da origem/desenvolvimento de condu-tas problemáticas, procurou-se centrar a ação sobre a realidade familiar das crianças e jovens da Região. De facto, é sabido que a influência da família no início, na progressão e no desenvolvi-mento de condutas problemáticas dos mais jovens e nomeada-mente a interação destes com o consumo de drogas, cresce numa proporção frequentemente direta, face ao aumento dos fatores de risco.

Fatores como o mau trato parental, o abuso, a vitimização/exposição a quadros de violência, são elementos que contri-buem para aumentar o risco de um consumo de drogas, algo que será ainda “ampliado” se as figuras de referência (pais/cui-dadores e/ou irmãos/outros coabitantes) apresentarem condu-tas aditivas. Por outro lado, e de acordo com vários estudos efe-tivados ao longo dos últimos 20 anos, verificou-se que é possí-vel anular/reduzir o abuso de substâncias por parte dos adoles-centes/jovens, quando a vinculação/exercício da prática parental, por parte dos adultos de referência, se revela muito positiva. Neste sentido, e defendendo o princípio de que um am-biente familiar positivo pode ajudar cada uma das famílias da Região Autónoma dos Açores a evitar que os seus filhos se envolvam em condu-tas de consumos de drogas, a Direção Regional de Prevenção e Combate às Dependências (DRP-CD) encontra-se a levar a cabo a implementação do programa “Preve-nir em Família e C o m u n i -

dade”, tendo por base o Programa americano Strengthening Fa-milies Program, adaptado para a realidade espanhola pela Uni-versidade das Ilhas Baleares, cujo modelo teórico é sustentado pela Teoría del Abuso de Drogas en la Adolescencia, de Kump-fer e DeMarsh (1985) e pelo Modelo Ecológico Social de Adoles-centes Drogodependientes de Kumpfer y Turner (1990/1991).

Como é sabido, a exposição ao Fumo Ambiental do Tabaco (FAT) é particularmente nociva para os grupos de indivíduos mais suscetíveis como: as crianças, os asmáticos, as pessoas com insu-ficiência respiratória e as mulheres grávidas (USDHHS, 2006). Neste sentido, José Precioso e a sua equipa evidenciaram, num estudo realizado em 2014, que 14,3% das crianças estão expostas ao FAT em casa, de forma diária em 8,5%, ou ocasionalmente em 5,8%, pelo facto de pelo menos algum dos conviventes, frequente-mente o pai ou a mãe, fumarem em casa.

De forma a reduzir a maior prevalência de crianças expostas ao FAT no domicílio, 20% na Região Autónoma dos Açores, pelo facto de pelo menos um dos conviventes fumar em casa, a Direção Regional de Prevenção e Combate às Dependências (DRPCD) le-vou a cabo um conjunto de ações formativas junto da comunidade docente das diversas escolas da Região, com o propósito de iniciar a implementação do programa no dia 17 de novembro (dia do não fumador) do presente ano.

A intervenção “Domicílios e Carros 100% Livres de Fumo” é um programa de prevenção da exposição das crianças ao FAT, destinado a crianças do 4º ano de escolaridade e aos seus pais ou encarregados de educação. Tem como principal finalidade aumentar a prevalência de pais que não fumam e/ou não permi-tem que se fume no domicílio e no carro. Pretende-se com este programa, capacitar os alunos a protegerem-se da exposição ao FAT, convencendo os pais a não fumar no domicílio e no carro. O mesmo foi desenhado para ser aplicado em contexto escolar, na sala de aula, pelos professores, e é constituído por sete ses-sões: 1) pequena abordagem teórica sobre as consequências

do fumo ativo/passivo; 2) elaboração de materiais preventivos (cartazes, um dístico para colar

em casa a informar que se trata de um domi-cílio sem fumo, cartas aos pais, entre ou-

tros); 3) treinar as crianças para que conven-çam os pais a não fumar no domicílio através de

exercícios de role playing; 4) envio de um desdobrá-vel aos pais sobre as consequências do fumo pas-sivo; 5) afixação de autocolantes no domicílio e no

carro a informar que é proibido fumar; 6) assina-tura de uma declaração em que os pais se com-prometem a criar um domicílio sem fumo; 7) afi-xação de cartazes por locais estratégicos tendo os pais como alvo. Pretende-se com a realiza-

ção do programa em causa inverter números for-temente penalizadores para as crianças açorianas,

no que concerne à exposição ao fumo ambiental. O Programa implica uma intervenção direta ao

nível de três diferentes níveis de funcionamento do sistema familiar: ao

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Relativamente ao Tratamento de CAD e considerando a especificidade da RAA, a DRPCD à semelhança da política implementada a nível nacional, optou por utilizar como veicu-lo os cuidados de saúde primários. Criou-se nalgumas unida-des de saúde de ilha a consulta de intervenção nos compor-tamentos aditivos e dependencias e nas USI que já tinham esta consulta implementada, reforçou-se a sua dinâmica através de formação aos profissionais de saúde.

No entanto, existem duas ilhas que são exceção, nomea-damente a ilha do Corvo que atendendo à sua dimensão e densidade populacional requer uma organização diferencia-da, bem como a Ilha de S. Miguel que contrariamente à ilha do Corvo, tem metade da população total dos Açores, exigin-do assim, particularidades na forma de intervenção em CAD.

Na ilha de S. Miguel as consultas de CAD e os progra-mas de tratamento em ambulatório são desenvolvidos por instituições com intervenção na área dos comportamentos aditivos e nas dependencias. Estas instituições dão resposta ao nível dos vários eixos que direcionam o trabalho da DRP-CD.

As consultas de intervenção nos comportamentos aditi-vos e nas dependências visam a redução do consumo de substâncias psicoativas, a prevenção dos comportamentos aditivos e a diminuição das dependências, assentando numa visão biopsicossocial, constituindo um eixo fundamental da abordagem multidisciplinar, em que os diferentes recursos terapêuticos se integram e articulam de acordo com o diag-nóstico, e as necessidades do utente. Neste sentido, as con-sultas são constituídas por uma equipa multidisciplinar, no-

meadamente médico, enfermeiro, assistente social e psicólo-go.

Quanto à Redução de Riscos e Minimização de Danos, a Direção Regional da Prevenção e Combate às Dependen-cias em parceria com a Divisão de Intervenção nos Compor-tamentos Aditivos e nas Dependências da ARSLVT e com os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde promoveu uma formação para a implementação do Programa Troca de Se-ringas e Redução de Riscos e Minimização de Danos (RRMD) nas ilhas Terceira e S. Miguel, entre os dias 24 e 27 de setembro. Esta formação foi destinada aos profissionais de saúde das unidades de saúde e instituições que intervêm na área dos comportamentos aditivos e nas dependencias.

Consideram-se objetivos da intervenção em RRMD, a di-minuição dos comportamentos de riscos relacionados com o consumo de substancias psicoativas ilícitas, o aumento da proximidade das pessoas às estruturas de suporte às suas problemáticas e o rastreio de doenças sexualmente trans-missíveis e/ou tuberculose.

Esta formação estendeu-se aos diversos contextos, no-meadamente, festivo, académico e cibernético, uma vez que estes contextos e comportamentos são caracterizados por uma representação social positiva aliada a uma desvaloriza-ção do risco dos mesmos.

As intervenções em RRMD aplicam-se a uma população diversa quer em termos de faixas etárias, estilos e histórias de vida, pelo que a sua abordagem deverá ter como finalida-de a promoção da mudança da atitude, perceção e por sua vez, do comportamento a fim de diminuir os riscos.

nível do treino de competências parentais; ao nível do treino de ha-bilidades sociais dos “descendentes” – filhos e filhas destes pais; ao nível do treino dos envolvidos na melhoria das relações familia-res. Este, contextualizar-se-á, parcialmente, na implementação das sessões de Interação Parental/Competências Parentais em dois contextos – numa aposta de prevenção universal e numa estra-tégia de prevenção seletiva/indicada. No âmbito universal, irão aplicar-se 5 sessões semanais consecutivas, sendo abordados os seguintes temas: o nosso tempo – recompensas, metas e ob-jetivos; a comunicação – melhoria as relações e dos espaços de interação familiar; a gestão da pressão de grupo e aprendiza-gem em família; a Resolução de problemas. No que concerne à prevenção seletiva/indicada, irão aplicar-se 14 sessões semanais

consecutivas, pretendendo-se abranger famílias em risco, com crianças a cargo de idades superiores a 6 anos, eventualmente co-tadas pela presença de diagnósticos de adição, e estruturas fami-liares passíveis de facilitarem a implicação dos respetivos descen-dentes, menores de idade, em “quadros” de risco que facilitem o consumo de substâncias ou outros comportamentos antissociais. Procura-se, neste âmbito, melhorar as competências dos pais e das crianças, aumentando as habilidades sociais e melhorando o entendimento dos fatores de stress.

A implementação do presente programa constituir-se-á como a primeira aplicação nacional deste tipo de estratégias, englobando uma intervenção de âmbito socio educativo, com um conteúdo socio emocional de tipo seletivo.

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Com o futuronas mãos.

A Lipor cuida e protege o ambiente. Moderna, sensível e próxima de todos, a sua vontade de abraçar o futuro é renovada todos os dias. E é em nome do ambiente, que a Lipor agradece a todos cada gesto que contribui para um ambiente melhor.

1815º Encontro Nacional de Atualização em Infeciologia promete futuro risonho:

500 participantes, um programa transversal

e uma plateia rejuvenescidaA cidade do Porto foi a escolhida pela AARI – Associação de

Apoio às Reuniões de Infeciologia – para a realização do 15º En-contro Nacional de Atualização em Infeciologia. O evento decor-reu entre os dias 11 e 13 de outubro e reuniu cerca de 500 partici-pantes.

Como veiculou Rui Sarmento e Castro, Presidente do Encon-tro, “a Associação de Apoio às Reuniões de Infeciologia (AARI) é uma entidade sem fins lucrativos, criada há vários anos no âmbito do Hospital de Joaquim Urbano, com os objetivos de apoiar a or-ganização de vários tipos de ações de formação na área da Infe-ciologia e de, entre outros, contribuir, com os recursos disponíveis, para a melhoria dos cuidados prestados aos doentes no interna-mento e no ambulatório e, paralelamente, para a dignificação das condições de trabalho dos profissionais”. Rui Sarmento e Castro recorda que “o Hospital de Joaquim Urbano (HJU) foi integrado administrativamente no Centro Hospitalar do Porto (CHP) em 2011 e, em julho de 2016, as instalações do HJU foram definitiva-mente transferidas para o espaço do CHP, integração esta que, aliada a novas regras entretanto criadas para a realização de reu-niões científicas, “obrigaram a AARI a assumir a total responsabi-lidade da organização dos Encontros Nacionais de Atualização em Doenças Infeciosas”.

Salientando a importância da organização deste tipo de even-tos, o clínico realça que “a Infeciologia é, hoje, uma área em per-manente transformação, devido ao aparecimento de novos agen-tes infeciosos ou à reemergência de velhos conhecidos, obrigan-do a uma atualização constante de conhecimentos”.

Num périplo pela história, Rui Sarmento e Castro recorda que “nos finais do século passado, a hepatite A, o sarampo, a varicela e a parotidite, entre outras, eram causas frequentes de interna-mento de crianças. O Plano Nacional de Vacinação reduziu drasti-camente a incidência destas doenças. Os profissionais da saúde mais jovens nunca tiveram oportunidade de ver doentes afetados

por algumas destas patologias que agora reemergem. Recente-mente, registámos a ocorrência de surtos de hepatite A e de hepa-tite C associados ao uso de drogas recreacionais e de sarampo em crianças não vacinadas. Nos anos 80 do século XX, o apareci-mento da pandemia por VIH/SIDA causou elevada mortalidade e, hoje, podemos considerar que a epidemia está praticamente con-trolada no nosso país. Por isso, os doentes infetados por VIH vão envelhecendo, obrigando-nos a uma maior atenção às alterações físicas e metabólicas inerentes à inflamação crónica induzida pelo VIH e ao aumento da idade.

Na última década enfrentámos a SARS, a pandemia pelo ví-rus influenza H1N1 e o aparecimento de outras doenças emergen-tes. Nos anos mais recentes, estamos preocupados com um novo coronavírus, com outra(s) estirpe(s) de vírus da gripe aviária e ob-servamos a chegada de casos de dengue à ilha da Madeira e de casos do mesmo vírus, oriundos de Angola, ao território continen-tal. Nos dias que correm, estamos atentos à eventual chegada a Portugal de casos de Chikungunya ou de Zika”.

Revelando alguns dos desafios presentes, Rui Sarmento e Castro salienta que “continuamos, ainda, preocupados com o re-crudescimento da resistência de alguns agentes aos antibióticos implicando medidas especiais de prevenção da transmissão e com a acrescida dificuldade de tratamento relacionada com o apa-recimento de estirpes de Mycobacterium tuberculosis resistentes a quase todos os antituberculosos. São também preocupantes as notícias sobre epidemias causadas pelo vírus Ébola ou pelo Flavi-vírus da febre amarela causadoras de elevada mortalidade”.

Relativamente à problemática das hepatites e ao recente sur-gimento de uma luz ao fundo do túnel, o Presidente do Encontro salienta que “uma grande revolução aconteceu, recentemente, na área das hepatites víricas, com o desenvolvimento de novos fár-macos orais que abrem novas esperanças aos portadores do ví-rus da hepatite C. A erradicação deste vírus, devido à elevada efi-cácia dos fármacos, parece possível a médio prazo. Progressos científicos são também esperados na luta contra o vírus da hepa-tite B”.

“Há 33 anos, sob o impulso do Dr. A. Rocha Marques, anterior Diretor do Serviço de Doenças Infeciosas, o HJU iniciou a realiza-ção de reuniões de formação em Doenças Infeciosas, com o obje-tivo de assegurar a atualização de conhecimentos de profissionais médicos e de outras áreas da saúde. Honrando essa tradição e esse exemplo, é com grande prazer que realizamos o 15.º Encon-tro Nacional de Atualização em Infeciologia, um ponto de encontro de centenas de médicos e outros profissionais que nos têm honra-do com a sua presença. Esperamos ainda que o Encontro permita a troca de conhecimentos e de experiências e o aprofundamento das relações de amizade e colaboração entre quem se dedica a

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esta área da Medicina e com todos os profissionais que no ambu-latório constituem, com grande empenhamento e mérito, a primei-ra linha de luta contra as infeções.

Já terminado o 15º Encontro Nacional de Atualização em Infe-ciologia, pedimos a Rui Sarmento e Castro que nos fizesse um ba-lanço da realização: “Foi positivo termos contado com cerca de 500 participantes, número que vai de encontro às anteriores reali-zações; o programa foi bom, falámos muito sobre doenças infecio-sas em geral, desde tuberculose, pneumonias, doenças do viajan-te… Hoje, tivemos uma manhã dedicada à Hepatologia, ontem ao VIH… Cobrimos as principais áreas das doenças infeciosas e as mais atuais e, como tal, acho que os objetivos foram conseguidos, não só em termos de participação mas também na discussão. As salas estiveram sempre cheias, recebemos muitos trabalhos para apreciação e validação, que foram discutidos quer nas comunica-ções orais, quer junto dos posters. Em suma, é um balanço bom, sobretudo para os infeciologistas e para os médicos em geral que aqui estiveram”.

Um fator que ressaltou num relance pela plateia foi a juventu-de dos participantes no Encontro… Sinónimo de rejuvenescimen-to? Rui Sarmento e Castro considera-o “um excelente sinal quanto ao futuro destas especialidades em Portugal. É para isso, funda-mentalmente, que organizamos estes tipos de eventos. Para nós, mais velhos, trata-se de um refreshment mas, para os mais novos, estas reuniões constituem óptimas oportunidades para contacta-rem com os conhecimentos e colegas que, pela sua diversificação e experiência, lhes transmitem mais-valias”.

Tendo sido um dos pioneiros na sua área em Portugal, fomos ouvindo ao longo dos últimos anos os testemunhos de Rui Sar-mento e Castro que nos transportam para a década de 80, em que um diagnóstico de VIH constituía basicamente um atestado de óbito a curto prazo… Volvidas três décadas, a verdade é que as terapêuticas atualmente disponíveis permitiram a estabilização desses doentes, bem como a cura de outros, nomeadamente no que concerne à infeção por VHC. No entanto, Rui Sarmento e Castro alerta que “ neste momento, as hepatites víricas B e C es-tão a ultrapassar a tuberculose, que é a mais indutora de morte, bem como o VIH ou a malária. É certo que não será assim no futu-ro mas, não estando a população devidamente diagnosticada, não

conhece a infeção e aparecem-nos muitas vezes em estados já terminais, com cirroses graves, cancro do fígado, etc.”. No entan-to, reconhece que, exceptuando a tuberculose e a malária, “temos assistido a um notável desenvolvimento do ponto de vista farma-cológico; claro que o VIH e a Hepatite C estão a dar muito dinheiro às companhias e o positivo disto é que os doentes são realmente curados mas também verificamos que doenças como a malária e a tuberculose afetam particularmente países pobres”.

ANA CLÁUDIA MIRANDA

Barreiras à eliminação da Hepatite C

“O entusiasmo que vivemos hoje em dia, quer relacionado com a utilização, quer com a eficiência da terapêutica da Hepatite C com os novos antivíricos de ação direta, é paralelo ao entusias-mo que a comunidade científica vai tendo e manifestando em rela-ção à expectativa futura, visando quer a eliminação, quer na pers-pectiva mais optimista, a erradicação desta doença. E isso faz-nos remeter a alguns conceitos, descritos desde há várias décadas, nomeadamente visando o controlo de qualquer doença infeciosa e remete-nos aos conceitos nomeadamente de eliminação e de er-radicação, sendo que a eliminação traduz a redução para zero na incidência de uma determinada doença, numa área geográfica de-finida, como resultado de esforços deliberados; e a erradicação, por si, exige a inexistência de transmissão da infeção por extermi-nação do agente infecioso. Ora, numa perspetiva mais pragmática e realista, o que temos a curto e médio prazo será visar a elimina-ção da doença.

As metas da OMS visam 90 por cento de infeções diagnosti-cadas até 2030, 80 por cento das infeções diagnosticadas trata-das, uma redução das novas infeções em 90 por cento e uma re-dução da mortalidade em 65 por cento. No entanto, quando nos deparamos com a cascata atual do tratamento, a nível global, da Hepatite C, não deixamos de constatar que muito temos ainda pela frente e que há que transpor as barreiras para o tratamento global, se queremos alcançar a eliminação. Desde logo, devemos conhecer a epidemiologia global e local, definir estratégias de im-plementação, primariamente a nível local, promovendo o rastreio e o diagnóstico, a educação para a saúde, implementando medi-das de prevenção e de diminuição sustentada da transmissão, ga-rantindo a equidade no acesso aos cuidados diferenciados, elimi-nando as barreiras de acesso aso mesmos e promovendo uma estratégia de tratamento universal. Para tudo isto, é preciso ga-rantir um financiamento sustentado e manter a retenção nos cui-dados de saúde.

Existe efetivamente uma grande dificuldade em estimarmos o real impacto em termos epidemiológicos. Os resultados dos vários estudos vão sendo algo contrastantes, sendo que os estudos mais recentes em termos de epidemiologia global estimam cerca de 80 milhões de doentes virémicos, com uma quantidade de doentes com anticorpo C positivo rondando os 110 milhões mas é impor-tante conhecermos a realidade local, nomeadamente no que res-peita às categorias de transmissão mais frequentes e que diferem de acordo com a região em que estamos a focar o nosso interes-se. A nível europeu estão estimadas cerca de 4 milhões de pes-soas infetadas, sabendo-se que a prevalência também é muito va-riável entre países de baixo ou elevado rendimento.

20Afunilando o nosso espetro de atenção, em Portugal também

existem alguns dados contraditórios em termos de prevalência, com estudos mais recentes que estimam uma prevalência de 0,54 por cento, com maior prevalência na zona de Lisboa e Vale do Tejo. Sabemos porém que, em populações nicho, associadas a maior risco de transmissão, como os utilizadores de drogas por via parentérica e os reclusos, essa prevalência é sobejamente supe-rior.

Quando queremos definir as estratégias de implementação a nível local, a promoção do rastreio e do diagnóstico é de extrema importância. A nível global, temos outra barreira: a percentagem de pessoas que conhecem o diagnóstico é muito pequena, haven-do muito trabalho a fazer. A nível europeu, esta franja de popula-ção cronicamente infetada tem um amplo espetro. Em Portugal, estão bem definidas as populações alvo que devem ser rastrea-das de uma forma mais proactiva para a infeção por VHC, isto pelo menos numa primeira fase para diagnosticar um maior núme-ro de doentes. Mas não deixa de ser de extrema importância fazer uma divulgação, sensibilização e promoção para a saúde da co-munidade para que o próprio indivíduo se identifique como um po-tencial alvo de infeção e que, junto dos seus médicos assistentes, seja também ele veículo e peça para ser rastreado.

Sabemos portanto que, para além desta estratégia de rastreio universal que pode ou não ter lugar em determinados settings, existem populações alvo que devem merecer a nossa atenção, al-gumas das quais, atrevo-me a dizer, têm sido algo negligenciadas na estratégia de acesso mas sobre as quais temos que ter uma atitude mais proactiva: os reclusos, os utilizadores de substâncias ilícitas, os homens que têm sexo com homens e os migrantes de áreas de elevada prevalência. São grupos que apresentam espe-cificamente não só no diagnóstico mas também no acesso aos cuidados de saúde várias barreiras, que se estratificam por vários patamares: nomeadamente, num primeiro impacto sobre o desco-nhecimento face à doença, na possibilidade de existirem algumas experiências nocivas do passado, remetendo particularmente às terapêuticas com Interferon, ao desconhecimento relativamente à possibilidade de tratamento e de cura acessível. A falta de confian-ça também é muitas vezes bilateral, muitas vezes relacionada com estigma e expectativa acerca do grau de adesão do doente, a par da complexidade do nosso modelo de cuidados, com muitas barreiras que condicionam o acesso e disponibilidade.

No entanto, temos exemplos de sucesso, como os programas de troca de seringas e de substituição opióide que centralizámos na população UDEV e que, de uma forma paralela, conseguimos exemplificar com aqui com a infeção por VIH a nível nacional. Não tivemos uma curva com este padrão tão marcado no quebrar da infeção por VIH e, certamente, conseguiremos, com as estraté-gias apropriadas, traduzir para a infeção por VHC.

O último relatório do SICAD estima que 84 por cento dos indi-víduos utilizadores de substâncias opióides de elevado risco (cer-ca de 32 mil) apresentam infeção por VHC, metade dos quais em programas de substituição opióide. Os reclusos apresentam uma prevalência estimada de cerca de 16 por cento em Portugal, sa-bendo-se que existe uma forte associação entre reclusão e utiliza-ção de drogas endovenosas, bem como a partilha de agulhas e parafernálias. A epidemia entre homens que têm sexo com ho-mens é muito particular, tendo especificidades muito próprias e sabemos que a taxa de infeção registou um marcado aumento nos últimos anos, com uma forte associação à co-infeção por VIH,

também através da injeção de substâncias ilícitas por via parenté-rica em contexto de comportamentos sexuais de maior risco, com partilha de objetos sexuais, práticas sexuais mais traumáticas e com diagnóstico concomitante de outras DST… Mas existe a par-ticularidade de os indivíduos, pelo próprio tipo de consumo, não se identificarem com o tradicional utilizador de drogas endovenosas e, nesse sentido, precisarão de estratégias de comunicação e de prevenção muito dirigidas. Para isso temos que garantir, acima de tudo, a equidade no acesso aos cuidados de saúde, eliminando as barreiras, e o tratamento universal.

Estamos todos familiarizados com esta rampa ascendente, que culmina avizinhando os 100 por cento de eficácia com os regi-mes de antivíricos de ação direta mas, na verdade, e depois deste trabalho árduo ao longo dos últimos anos, dos 80 milhões afecta-das a nível global, tratámos pouco mais do que 1,5 milhões. Por-tanto, temos um longo caminho a percorrer. É essencial abreviar-mos e criarmos canais de referenciação direta, garantindo recur-sos humanos e outros e capacidade de resposta em tempo útil. Quebrar as barreiras de acesso exige envolver as estruturas e os pares da comunidade que, muitas vezes, facilitam o primeiro con-tacto com o sistema de saúde, eliminando muitas vezes barreiras culturais ou linguísticas.

Para tudo isto, é preciso garantir um financiamento sustenta-do, criar políticas de saúde com orçamentos próprios e que reco-nheçam que a eliminação da infeção é um problema de saúde pú-blica relevante, que pode ter um impacto económico positivo, como foi recentemente ilustrado pelo próprio relatório do Progra-ma Nacional para as Hepatites Víricas, onde, depois de termos tratado cerca de 12 mil doentes, foi evitado um grande número de mortes, com ganhos substanciais em termos de anos de vida e múltiplas intervenções, nomeadamente em termos de doença he-pática descompensada e transplante hepático, com uma poupan-ça económica substancial. Daí que as estratégias de reembolso e comparticipação de novos medicamentos não pode ser um jogo de forças mas sim uma estratégia partilhada, não só entre os va-riados intervenientes, como os stakeholders, os decisores de polí-ticas de saúde governamental e indústria farmacêutica mas envol-vimento da comunidade e dos profissionais de saúde de uma for-ma mais global. Hoje em dia, atingimos vários patamares desta pirâmide, culminando com uma eficácia extrema, com regimes de elevada segurança e tolerabilidade, com barreiras genéticas con-fortáveis, com uma duração mínima e com elevada comodidade posológica. Mas a base da pirâmide não pode estar restrita pelo custo do tratamento”.

21Projeto Antes Que Te Queimes celebra 10 anos:

De par em par, sempre a somar!A Escola Superior de Enfermagem de Coimbra acolheu, no dia 10 de outubro, a Conferência 10 Anos Antes Que Te Queimes, evento que serviu para assinalar a comemoração de uma década de exis-tência de um projeto de intervenção em contexto recreativo em que educadores de pares fazem aconselhamento durante as noites de festas académicas com a finalidade de promoverem a diversão sem risco e reduzir os danos relacionados com o consumo nocivo de be-bidas alcoólicas. São ações de intervenção de rua com aconselha-mento individual, utilizando uma abordagem dialógica que promove a literacia e predispõe para comportamentos que favoreçam a saú-de e segurança durante estas festas. Em 10 anos, este projeto, que envolve entidades como a Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, a PEER, o IREFREA e a Associação Existências, permitiu que se aprimorasse a intervenção e se disseminasse o modelo. De-pendências acompanhou o evento e entrevistou Conceição Bento, Presidente do CD da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra.

CONCEIÇÃO BENTO, PRESIDENTE DO CD DA ESCOLA SUPERIOR DE ENFERMAGEM DE COIMBRA

“Informação não é o mesmo que conhecimento”

Que objetivos estiveram subjacentes à conceção deste projeto, ini-ciado há 10 anos?

Conceição Bento (CB) – Confesso que apoiei o projeto desde a primei-ra hora… À data, começámos a identificar que havia um elevado consumo de álcool entre os estudantes e danos associados. E a primeira intervenção des-tinou-se a trabalharmos com os nossos estudantes. Percebemos que, se for-mássemos os nossos estudantes para serem pares educadores nas festas, os estaríamos a proteger. E foi assim que nasceu: começar a proteger os nos-sos e, com isso, ajudar os outros. É claro que cada estudante da Escola que se envolve neste projeto fica automaticamente protegido e torna-se um con-sumidor responsável ou, não se torna consumidor se ainda não iniciou o con-sumo de álcool, para além de estar a desenvolver-se profissionalmente para agir perante este tipo de situações.

Visto à distância de 10 anos, o que mudou no Antes Que Te Quei-mes?

CB – Visto à distância, acho que mudou muito o perfil do que acontece nas festas académicas. Não sei se aumentou ou não o consumo de álcool nas festas mas sei que a relação da cidade com as festas foi mudando e, hoje, identificamos que existem muitas pessoas não estudantes que vêm para a festa e a tornam cada vez mais insegura. Portanto, existem cada vez mais razões para que nos preocupemos.

Em que medida poderá ser associado ao evento praxe o motivo para esses abusos?

CB – Não sei se existe uma relação direta entre praxe e consumo de álcool… Sabemos hoje que, mesmo nos sítios onde não existem tradi-ções académicas como as nossas, há maior consumo entre os jovens e parece que os jovens fazem uma maior associação entre divertir-se e consumirem bebidas alcoólicas ou outras substâncias… Claro que a festa resulta num momento desencadeador mas não tenho a certeza do que aconteceria se não existisse praxe… Acho que a praxe tem implicações na forma como se constroem relações entre os jovens mas não tanto se é esse o catalisador para o consumo.

Sendo Coimbra uma cidade universitária por tradição e excelên-cia, falamos de jovens à partida informados relativamente às conse-quências inerentes a este tipo de consumo abusivo… Não lhe pare-ce estranho que seja precisamente esta a população que adota com-portamentos mais desviantes ao nível do consumo?

CB – Cada vez mais sabemos que informação não é o mesmo que conhecimento e, portanto, a incorporação da informação na ação e a dis-ponibilidade afectiva para agir integrando a informação disponível é um processo de desenvolvimento pessoal muito mais complexo. Isto significa que temos que começar a trabalhar mais cedo no desenvolvimento pes-soal dos nossos jovens.

Em que medida poderão projetos como este beneficiar da cele-bração de parcerias com entidades como as autarquias e demais agentes e representantes da sociedade civil dos territórios?

CB – Nós temos beneficiado sempre da colaboração das diferen-tes entidades de Coimbra, desde os tempos do Governo Civil, à Câ-mara Municipal, passando pelas forças de segurança pública ou os transportes, que têm cooperado com este projeto. Agora, creio que po-deríamos sentarmo-nos todos à mesa e, de forma intencional, reorga-nizarmos todas as ofertas e projetos existentes atualmente, dirigidos desde a prevenção até à redução de riscos e minimização de danos e fazermos melhor. Também sei que estamos disponíveis para isso e que têm havido passos nesse sentido. Este projeto das noites seguras em Coimbra é já resultado da mobilização dos diferentes atores para pensarmos respostas que são mais transversais relativamente a este problema do consumo de álcool.

Estes tipos de projetos são avaliados pela Escola?CB – Sempre! Fazem parte do processo de avaliação e têm tido mui-

to boa avaliação, particularmente ao nível dos principais objetivos, o de-senvolvimento pessoal e profissional dos enfermeiros que formamos. Sendo evidente que pretendemos cooperar com a comunidade, ajudan-do-a a resolver os problemas que a cada momento vive, produzindo e transferindo conhecimento e intervindo, a verdade é que esse não é pro-priamente o coração da nossa missão. A nossa missão é formar profissio-nais, neste caso enfermeiros, socialmente responsáveis. Estes projetos fazem parte porque não se podem formar enfermeiros socialmente res-ponsáveis se não se formarem pessoas globalmente desenvolvidas e ca-pazes de terem uma intervenção cidadã. É aí que estamos centrados e, nesse campo, as avaliações são muito positivas.

22Saúde e Proteção Social na agenda:

APM – RedeMut celebra Dia Nacional do MutualismoA APM-RedeMut – Associação Portuguesa de Mutualidades ce-

lebrou mais uma vez o Dia Nacional do Mutualismo, reunindo várias individualidades e parceiros do setor da economia social, dirigentes e técnicos das associações mutualistas portuguesas. O encontro ser-viu para uma discussão em torno das oportunidades do sistema com-plementar de proteção social nas áreas da saúde e da segurança so-cial, bem como outras questões que preocupam o setor, nomeada-mente o há já muito aclamado CAM – Código das Associações Mu-tualistas, que continua a carecer de aprovação, conforme recordou Joaquim Teixeira Rocha, Presidente da Mesa da Assembleia Geral da APM. Na abertura, Eduardo Graça, Presidente da Cooperativa An-tónio Sérgio para a Economia Social, destacou o assinalável percur-so reformista deste setor da economia social nos últimos 10 anos (aprovação da lei de bases da economia social, criação de novas en-tidades – Cases e a CNES – e elaboração de duas novas contas sa-télite). No entanto, lamentou que, pela sua capacidade de produzir respostas adequadas, mesmo em tempo de crise, “devia ser mais re-conhecido pelos poderes públicos e pela própria comunidade, como sendo um setor decisivo para a promoção da coesão social”. A mes-ma opinião é partilhada por Manuel Lopes que afirma que “em Portu-gal, a força do terceiro setor tem uma dimensão e uma capilaridade por todo o país absolutamente assinalável”. O coordenador nacional para a reforma dos cuidados continuados considera que “não existe setor público nenhum com capacidade para oferecer cuidados de proximidade e de continuidade como o setor social tem”. No primeiro painel, alusivo ao tema “Que reforma para os cuidados de saúde pri-mários em Portugal?”, foram apresentados os dados de saúde do re-latório do Observatório Mutualista: a APM tem 15 associações mu-tualistas prestadoras de cuidados de saúde que servem 145 mil as-sociados, “existindo um caminho a percorrer e oportunidade para as AM crescerem”, como afirmou João Queiroz. Marta Salavisa, da Es-cola Nacional de Saúde Pública, apresentou o SNS +, um projeto que ambiciona aumentar a literacia em saúde da população portuguesa. “Queremos que as pessoas sejam ativas na sua saúde, que saibam prevenir e gerir a sua doença, que optem por estilos de vida saudá-veis e que saibam procurar cuidados de saúde adequados à sua si-tuação”. A última intervenção da manhã esteve a cargo de Arnaldo Araújo, Médico de Saúde Pública, que lamentou o atraso na reforma da saúde pública. Mostrando-se séptico relativamente às mudanças nas políticas de saúde de proximidade, exortou as mutualidades “para estabelecerem parcerias nestas áreas, que são áreas funda-mentais”. No painel da tarde, com o tema “Qual o papel do sistema

complementar no futuro da segurança social em Portugal?” apresen-taram-se os dados de previdência recolhidos pelo Observatório Mu-tualista. São 14 associações mutualistas que disponibilizam modali-dades complementares de segurança social a cerca de 950 mil subs-critores, promovendo a poupança e garantindo proteção nas even-tualidades de morte, invalidez, doença, velhice, cobertas por fundos que ascendem a perto de 5 mil milhões de euros, que nos fazem acreditar que o Mutualismo pode voltar a ocupar um lugar de desta-que na proteção social dos cidadãos, como, aliás, já teve quando o estado de previdência ainda não existia. Foi esta conclusão de João Queiroz que deu mote à intervenção de Margarida Correa d’Aguiar, Presidente da Cidadania Social. A ex-secretária de Estado da Segu-rança Social falou sobre o grande potencial que as mutualidades têm no tecido económico e social, chamando também a atenção para a problemática da sustentabilidade do sistema da segurança social e para a fraca cultura de poupança para a reforma, referindo que “as mutualidades podem ajudar no desenvolvimento do sistema comple-mentar, adequando os níveis de proteção social às necessidades dos cidadãos, desenvolvendo uma oferta solidária, atrativa e responsá-vel, disponibilizando soluções de cobertura adaptada, estimulando a poupança para a reforma, apoiando a literacia financeira e difundindo informação de qualidade e acessível acerca da evolução da cobertu-ra do sistema público de pensões”. Também Miguel Teixeira Coelho, Administrador do Montepio Geral, considera urgente a aposta no sis-tema complementar, agindo em parceria com o sistema público. Que está, aliás, consagrado na Lei de Bases. “As mutualidades têm um papel central, porque estiveram na origem do sistema de proteção social”, reforça. Neste contexto, Maria do Carmo Tavares, ex-dirigen-te da CGTP, assumindo-se como associada mutualista há mais de 30 anos, defendeu ser urgente estimular a poupança junto de toda a po-pulação, sendo o sistema complementar uma peça fundamental nes-se processo”. O encerramento esteve a cargo de Pedro Bleck, Vice--Presidente da AIM, que reafirmou o compromisso de que “a AIM tudo fará para o reconhecimento deste setor”. João Marques Pereira, Presidente do Conselho de Administração da APM, aqui entrevistado por Dependências, encerrou a cerimónia, afirmando o orgulho no tra-balho desenvolvido pelas Mutualidades, “apesar das grandes dificul-dades de toda a ordem, continuam a alimentar projetos, continuam a crescer e a melhorar a qualidade dos serviços que prestam aos seus associados e à comunidade geral em que estão inseridos”.

23JOÃO MARQUES PEREIRA, PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DA APM

“Somos a associação daquelas que querem estar, com estas regras”

Num dia em que se comemora o Dia Nacional do Mutualis-mo, não seria já tempo de as instituições do setor deixarem de viver de costas voltadas, antes unindo esforços?

João Marques Pereira (JP) – Em Portugal, existe constitucio-nalmente o direito à liberdade de associação… Portanto, há três anos, entendemos fazer uso desse direito porque a outra associa-ção representativa do mutualismo que existia não prosseguia em fins e em forma o que muitos de nós pensamos serem os princí-pios fundamentais do mutualismo. Nomeadamente aspetos como a democraticidade, a efetiva representatividade, transparência nos métodos, etc. Tentámos diversas vezes, em termos democrá-ticos, alcançar esse objetivo, verificámos que não conseguíamos porque estava montada uma situação que era praticamente inul-trapassável e, então, como sabemos qual é o nosso lugar, resol-vemos pura e simplesmente sair. As pessoas que continuam a fa-zer parte da outra associação têm o seu direito, é aquilo que que-rem e nada temos contra isso e não foi por acaso que adotámos a designação Associação Portuguesa de Mutualidades… Somos a associação daquelas que querem estar, com estas regras. A divi-são é natural e em face de diferenças muito grandes de estilo e de forma.

Nestas comemorações, elegeram como tema principal a saúde… Que contributo poderá o mutualismo oferecer ao país neste domínio?

JP – Existem dois temas fortes neste evento: os cuidados primá-rios de saúde e o mutualismo enquanto veículo de proteção social. Quanto à saúde, é evidente que, assumindo o mutualismo as carac-terísticas de complementaridade relativamente ao SNS, tem que es-tar muito atento ao que se passa ao nível das necessidades e ao ní-vel da capacidade apresentada pelo SNS para assegurar as efetivas respostas às populações. E essa é a preocupação do mutualismo: estar cada vez mais capaz, quer a nível de quantidade, quer de qua-lidade, de exercer essa efetiva capacidade de complementaridade relativamente ao SNS. As associações mutualistas têm dois objeti-vos: trabalhar em prol da qualidade de vida e colmatar as necessida-

des dos seus sócios e, relativamente à comunidade em geral, da qual não estão abstraídas, serem complementares relativamente ao que os órgãos do Estado não conseguem fazer bem ou de todo. As mu-tualidades estão no terreno a tentar colmatar essas falhas.

Em que medida serve esta RedeMut associados de uma mutualidade de um determinado concelho português que pre-tenda recorrer a serviços de uma outra mutualidade noutro local do país?

JP – Essa é precisamente a ideia… A ideia fundamental que presidiu inicialmente à fundação da RedeMut foi possibilitar às pessoas servirem-se em condições especiais de benefício de to-das as capacidades instaladas nas mutualidades de todo o país.

Numa era marcada pelas conhecidas dificuldades econó-mico-financeiras, como avalia a situação das mutualidades?

JP – As mutualidades não são entes especiais nesta realidade que vivemos. De uma maneira geral, têm uma situação económi-co-financeira relativamente estável, até porque são há muitos anos geridas com bastante prudência e cuidado. Claro que existe sempre um ou outro caso em que, por erros cometidos no passa-do, enfrentam algumas situações de recuperação problemática mas não é essa a regra.

Enquanto presidente do Conselho de Administração da APM, que grande objetivo elege para o atual mandato?

JP – São dois, essencialmente: um consiste em tentar que se-jamos admitidos como membros da Confederação da Economia Social, que se encontra em formação; outro, que tem que ver com este, é ver a Associação reconhecida pelo Governo e determina-dos órgãos adstritos como verdadeiramente representativa da maioria do mutualismo em Portugal, algo que até hoje ainda não aconteceu. Alcançados esses objetivos, o resto fluirá certamente e temos outros projetos para colocar em prática, outros tipos de ajudas às associações… Há depois uma quantidade enorme de trabalho a fazer.

24Grupo Parlamentar do PCP visita CRI Porto Oriental:

“Levamos daqui desmotivação, mais dificuldades na resposta pública, aumento do tempo de espera,

carência de profissionais e dificuldade em atrair e contratar profissionais”

A exemplo do que tem vindo a suceder ao longo dos últimos anos, uma delegação do Grupo Parlamentar do PCP visitou as instalações do CRI Porto Oriental, onde testemunhou in loco os anseios e frustrações com que, diariamente, se deparam os pro-fissionais em CAD, fruto da decisão política tomada pelo anterior Governo, que resultou na extinção do IDT e consequente transfe-rência das suas valências e competências para as ARS. Carla Cruz foi uma das deputadas presentes nesta iniciativa e, em en-trevista à Dependências, afirmou que o atual Governo “já tem con-dições para tomar nas suas mãos uma decisão de criar uma nova estrutura que responda cabalmente aos problemas dos CAD”.

CARLA CRUZ, DEPUTADA DO PCP

“A decisão do PSD e do CDS/PP de extinguir o IDT foi uma má decisão”

Não é a primeira vez que o Grupo Parlamentar do PCP se desloca a estas instalações para auscultar os profissionais… Que experiência leva desta visita?

Carla Cruz (CC) – De facto, é verdade, temo-nos deslocado a estes centros de respostas e já reunimos aqui, no Porto, mas igual-mente em Braga e em outras regiões do país, assim como acolhe-mos o Grupo de Aveiro no Grupo Parlamentar, na Assembleia da Re-pública. E o que levamos daqui é um somatório de preocupações que, infelizmente, vão na linha daquilo que o PCP avançou, logo em 2011, quanto às possíveis consequências de um modelo de integra-ção nas ARS. Levamos daqui desmotivação de profissionais, leva-mos mais dificuldades na resposta pública, aumento do tempo de es-pera, carência de profissionais e dificuldade em atrair e contratar pro-fissionais, designadamente médicos, para esta área. São preocupa-ções que, ao longo destes anos, têm sido acompanhadas pelo PCP, temos intervindo, quer com a apresentação de requerimentos, quer até de projetos de resolução e normas inscritas no Orçamento de Es-tado. E trouxemos aqui uma novidade aos profissionais que reuniram connosco, que consiste numa proposta de alteração que fizemos à proposta de Orçamento de Estado para 2018, em que colocámos uma norma que diz que o Governo, em 2018, delega no SICAD a criação da estrutura da toxicodependência que englobe todas as ver-tentes que consideramos representar o dito modelo português.

Resolução essa que também já tinha sido proposta pelo PCP e aprovada no parlamento mas que, pelo visto, não foi cumprida…

CC – No ano passado, tínhamos uma norma que visava avaliar as consequências e decisões relativamente a isso, o Governo decidiu criar um grupo de trabalho para fazer essa avaliação, existe um rela-tório que não é conclusivo – e já sobre isso também tivemos a opor-tunidade de questionar o ministro em sede de parlamento, aquando da discussão da proposta de Orçamento de Estado – mas pensamos que face a todas estas informações, se o Governo assim o quiser, já tem condições para tomar nas suas mãos uma decisão de criar uma nova estrutura que responda cabalmente aos problemas dos CAD. Vamos bater-nos para que esta norma seja aprovada. E dizemos mais: até à criação e entrada em funções dessa nova estrutura, o atendimento e acompanhamento a estes doentes é feito nas atuais estruturas. Não se pode criar aqui um vazio de não resposta. Mas também dissemos a estes profissionais que as informações que va-mos colhendo adensam as nossas preocupações e, nesse sentido, vamos entregar hoje mesmo um requerimento na Assembleia da Re-pública para a audição, na Comissão Parlamentar de Saúde, do Dire-tor do SICAD e do Secretário de Estado Adjunto e da Saúde relativa-mente a esta problemática.

Sabemos que o PCP tem vindo a questionar o governo…CC – Na audição que decorreu na semana passada, tivemos a

oportunidade de dizer ao Sr. Ministro que já há informação suficiente para tomar uma decisão e, portanto, exigimos que o Governo tome essa decisão e que não a adie nem a “empurre com a barriga”. Os re-sultados estão aí: aumento do tempo de resposta, desmotivação e saída de profissionais… está em causa a prestação de facto de cui-dados a esta população, que carece de cuidados diferenciados, es-pecializados, diferentes dos que são prestados à restante população. Haja vontade política para tomar essa decisão. E permita-me dizer que, se não estamos hoje numa situação pior, foi devido à dedicação destes profissionais que, no meio das dificuldades, no seio de entro-pias do sistema, continuaram a dar o seu melhor, a responder, a so-correr-se dos conhecimentos que tinham… Como os profissionais afirmaram era expectável que, estando integrados nas ARS, a articu-lação com os cuidados de saúde hospitalares, por exemplo, como os encaminhamentos para especialidades dos hospitais fossem mais céleres, mas o que se verifica é exatamente o contrário. Hoje temos uma resposta fragmentada, perdeu-se uniformidade na resposta em todo o território nacional. São exemplos muito concretos que mos-tram que a decisão do PSD e do CDS/PP de extinguir o IDT foi uma má decisão, uma decisão economicista que não se fundamentou em nenhum estudo ou critério técnico mas apenas e claramente num ataque a esta importantíssima e bem fundamentada resposta que tí-nhamos. Agora, cabe ao Governo do PS tomar uma decisão que in-verta isto.

25Dependências questionou várias figuras nacionais em CAD e respostas são unânimes:

Descontentamento de norte a sul face à atual orgânica dos serviços de CAD

PEDRO CATITA, CRI LISBOA OCIDENTAL

1.ª questão Os CRI têm atribuições de intervenção em diferentes contex-

tos e de resposta a múltiplas necessidades da comunidade numa realidade volátil que vai evoluindo com o tempo.

Nos últimos anos temo-nos vindo a deparar com necessida-des “novas” para as quais não estávamos preparados:

Crescente número de doentes com comorbilidades físicas e psiquiátricas acentuadas e com limitações de mobilidade que exi-gem uma articulação ainda mais fluída com outros Serviços de Saúde e Sociais;

Crescente número de solicitações de apoio a jovens com comportamentos aditivos de risco e que apresentam comorbilida-de psiquiátrica que exige uma avaliação e eventual acompanha-mento da pedopsiquiatria;

Crescente número de solicitações de intervenção em meio es-colar ou comunitário, seja numa perspectiva Preventiva, de Rein-

serção ou de Redução de Riscos que obriga a uma estreita articu-lação com diversas outras entidades.

Face a este panorama torna-se particularmente preocupante a política de não reposição dos profissionais que, desde o ano 2010, sensivelmente, saíram do serviço (por aposentação ou por outras causas).

Embora se entendam os constrangimentos financeiros que o País tem atravessado, condicionar significativamente a interven-ção numa doença com características epidémicas tem efeitos multiplicadores com custos agravados a médio e longo prazo.

Actualmente verificam-se já nalgumas equipas limitações acentuadas em certos grupos profissionais, sendo muito preocu-pante a área da Medicina, o que colocará em causa todo o acom-panhamento médico e/ou psiquiátrico da população que atende-mos. Considerando o elevado número de doentes em acompa-nhamento, que estão integrados em Programa de Metadona e/ou que apresentam comorbilidade psiquiátrica, esta situação terá um efeito devastador na eficácia da resposta dos nossos Serviços.

2.ª questãoComo já deixei patente na resposta anterior, verificam-se

constrangimentos na substituição de profissionais nos nossos Serviços desde há cerca de 7 anos (estamos integrados nas ARS há menos de 5 anos).

Naturalmente que a carência de profissionais se vai acentuan-do devido à progressiva saída de técnicos seja por aposentação ou por outros motivos.

Este facto condiciona, evidentemente, a capacidade e quali-dade de resposta dos cuidados de saúde que prestamos.

Numa altura em que a comunidade interventora em comportamentos aditivos e dependências continua a assistir à de-gradação de um modelo que já foi considerado um caso de estudo a nível internacional, Dependências recolheu depoi-mentos de alguns dos profissionais portugueses que contribuíram para a sua construção e de coordenadores nacionais de estruturas que continuam, no terreno, a tentar mitigar os efeitos de uma já insustentável indefinição política. Primeiro a extinção do IDT e consequente transição das equipas de intervenção local para a égide das ARS e, depois, a demora na adoção de um novo enquadramento orgânico das estruturas com respostas em CAD têm resultado numa contínua degradação e desintegração das respostas, com sucessivas perdas de recursos humanos e logísticos, desmotivação de profissionais, aumento dos tempos de espera dos utentes e dificuldade em atrair e contratar novos profissionais. Face a esta situação, unanimemente considerada insustentável no seio dos profissionais em CAD e que levou já a diver-sos pedidos de demissão por parte de coordenadores nacionais, Dependências endereçou três questões aos interlocu-tores que se seguem:1. Considerando o enquadramento orgânico (integração na ARS) e dotação de recursos, como avalia a atual capacida-de de resposta e intervenção do CRI nos diferentes eixos de missão?2. Considera ter-se verificado alguma variação ao nível da capacidade e qualidade das respostas após a extinção do IDT e consequente integração na ARS?3. Numa altura em que continua a discutir-se sobre um possível modelo orgânico de cúpula para a área dos CAD, sen-do que a maioria dos profissionais sugerem uma organização vertical, que principais competências deveriam ser atri-buídas a essa possível estrutura organizacional?

26No entanto, é fundamental ter em consideração outros facto-

res (com responsabilidades dispersas por várias entidades: Minis-tério da Saúde, ACSS, SPMS, SICAD, ARS) que interferem forte-mente na disponibilidade dos profissionais para o exercício da sua actividade técnica:

Falta de integração dos profissionais dos serviços numa estra-tégia nacional coerente e coesa de intervenção nos CAD, decor-rente da ausência de comunicação regular entre a entidade nor-mativa da área (SICAD) e os profissionais que prestam os cuida-dos de saúde;

Falta de perspectiva estratégica por parte do Ministério da Saúde/ACSS quanto à reposição dos profissionais que vão saindo do Serviço;

Indiferença do Ministério da Saúde quanto à inexistência de mecanismos ágeis de referenciação dos doentes dos nossos Ser-viços para as consultas de especialidade dos Hospitais (não te-mos acesso ao CTH- Consulta a Tempo e Horas);

Deficiente funcionamento dos serviços de apoio das ARS (Re-cursos Humanos, Aprovisionamento, Informática, etc., com possí-veis diferenças de ARS para ARS) quanto à resposta às solicita-ções dos profissionais e das Unidades de Intervenção Local. Res-postas inexistentes ou muito morosas, processos muito centraliza-dos e nada ágeis, desconhecimento ou pouca sensibilidade às realidades locais e de quem as tem de gerir.

Desadequação frequente dos recursos materiais indispensá-veis ao exercício da actividade, nomeadamente: meios informáti-cos, de comunicação, de cópia e digitalização. Verifica-se uma gri-tante falta de recursos que possam assegurar a correcta configu-ração e manutenção dos sistemas e das máquinas, sendo defi-cientíssimo o papel normativo e estratégico dos SPMS. Neste aspecto tem sido excruciante assistir ao impacto dos problemas que advêm da prescrição médica pelo PEM na produtividade dos escassos médicos que temos e à completa ausência de colabora-ção efectiva ou em tempo útil, por parte do organismo responsável pela aplicação informática (SPMS).

Paralelamente, e provavelmente também com variações de ARS para ARS, o maior potencial de recursos destas estruturas permitiu ultrapassar alguns constrangimentos a diversos níveis que é justo referir (reparação e melhoria de infra-estruturas, equi-pamento, recursos humanos, farmácia, etc.)

3.ª questãoA questão não se colocará tanto em termos das competências

que uma organização vertical deverá ter (que provavelmente não seriam muito diferentes das do extinto IDT), mas sim dos meios e recursos que deverá ter qualquer solução organizacional que as-segure a prestação de cuidados de saúde nesta área.

Neste plano, os factores constrangedores referidos na respos-ta anterior são fundamentais.

Seja qual for o modelo orgânico encontrado, será crucial con-templar os recursos suficientes para prestar os cuidados de saúde de forma adequada e compreensiva (numa patologia com estas característica tem de ser assim), sob pena de não se verificar qualquer retorno da afectação de recursos humanos, financeiros e materiais a esta área.

Intervir na área dos CAD exige (é a lição que podemos tirar do sucesso que as políticas públicas tiveram nesta área entre finais dos anos 80 e até finais da primeira década do século XXI) que se reúnam 3 elementos cruciais:

Uma distribuição territorial das unidades que garanta a acessi-bilidade desta população, naturalmente ambivalente (decorre da sua patologia) e, com frequência, com poucos meios para aceder a respostas distantes;

Uma abordagem multidisciplinar e compreensiva dos diversos problemas que um doente com patologia aditiva apresenta de modo a construir um percurso terapêutico abrangente;

Uma diversidade de respostas que permita ir ao encontro das diversas fases que o doente com patologia aditiva passa ao longo do seu percurso de vida (Prevenção, Redução de Riscos, Dissua-são, Tratamento e Reinserção);

Ora, considerando as características epidémicas desta patolo-gia e para potenciar a eficácia das respostas que se vão desenvol-vendo localmente, será fundamental que se inscrevam numa es-tratégia nacional, coerente, harmónica e evolutiva de acordo com as alterações que se verificarem na realidade.

Esta exigência técnica não é compaginável com estratégias desenvolvidas isoladamente por cada ARS por si própria e, muito menos, por cada ACES ou Unidade Local de Saúde per si, sem que se assegure uma devida coordenação a nível nacional.

O sucesso, reconhecido internacionalmente, da intervenção do nosso País nesta área demonstra, sem espaço para equívocos ou “experimentações”, a vantagem de uma “condução” integrada do conhecimento do fenómeno, da definição estratégica da inter-venção, do desenvolvimento e adequação das respostas, da alo-cação de recursos e da avaliação dos resultados.

PAULO JESUS, CRI ALENTEJO CENTRAL

1.ª questãoNo quadro da integração do CRI do Alentejo central na ARS

não se registaram alterações significativas que tivessem condicio-nado a sua capacidade de resposta e intervenção.

2.ª questãoAs dificuldades vividas (escassez de recursos médicos, enve-

lhecimento dos colaboradores) já transitavam dos tempos do IDT.No início do processo de integração na ARS Alentejo ocorre-

ram dificuldades e constrangimentos mas não foram condiciona-dores da qualidade das respostas, prestadas à comunidade.

3.ª questãoConsideramos que, independentemente do modelo organiza-

cional que venha a ser definido, devem ser salvaguardados os princípios que sempre nortearam as intervenções em CAD, entre as quais destacamos o da autonomia por parte das estrutura lo-cais (CRI).

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NUNO MIGUEL, MÉDICO PSIQUIATRA

Em 1987 a situaçao em relação às toxicodependências e con-sumos abusivos de substâncias psicoactivas era dramática. No início dos anos oitenta tinha-se difundido a técnica - até aí desco-nhecida em Portugal – de fumar heroína ( fazer uma chinesa como se dizia) e essa nova forma de consumir, sem injectar, levou a que muitas pessoas se iniciassem no consumo de heroína, não imagi-nando que apenas “uns fumos” tivessem consequências tão pro-fundas. Mas a verdade é que tinham, não apenas para os poucos que continuaram apenas a fumar mas também para os muitos que já dependentes passaram a injectar. E é nesses anos tam-bém que o problema da SIDA e das Hepatites B e C se impõe com toda a sua força.

A criação do Centro das Taipas permitiu dar uma resposta adequada a esta situação, baseada num modelo integrado de tra-tamento de toxicodependentes que incluía uma consulta, um cen-tro de dia, uma unidade de desabituação e uma urgência, e que se articulava com comunidades terapêuticas.

A eficácia deste modelo levou à sua replicação de forma adap-tada no Porto – O Cat de Cedofeita – e no Algarve – o SPAT Algar-ve. E em 1990 a Ministra Leonor Beleza criou um novo serviço na-cional, no Ministério da Saúde – o Serviço de Prevençao e Trata-mento das Toxicodependências que integrava estes três novos centros de tratamento e os centros que dependiam até então do Ministério da Justiça – os CEPDs de Norte, Centro e Sul, tendo como finalidade organizar e coordenar a prevenção e tratamento da toxicodepencia em todo o país.

Foi esta medida de criação de um serviço vertical no Minis-tério da Saúde para dar resposta ao problema da toxicodepen-dência , de acordo com o novo modelo, que permitiu contra to-das as expectativas transformar um problema que constituía um grave problema nacional (aproximadamente 100.000 de-pendentes de heroína e muitos outros de outras substâncias) e que era considerado nos inquéritos de opinião pública um dos problemas que mais preocupavam os portugueses, num proble-ma ainda hoje real e que não se pode deixar de ter em conta, mas claramente diferente. Dizem-no todas as avaliações e apreciações nacionais e internacionais. Dizem-no os números não só dos consumos e dependências mas também das doen-ças infeciosas (SIDA, Hepatites, tuberculose) das overdoses ou da criminalidade relacionada com o consumo de droga.

O problema do consumo e dependência de substâncias é um problema complicado, muito instável na sua realidade, em que novos consumos ou formas de consumir mudam, em que tratamentos adequados e eficazes numa altura se tornam ina-dequados em novas circunstâncias, em que a relação com ou-tras doenças impõe a sua consideração, em que surgem novas

necessidades nomeadamente na prevenção e redução de ris-cos, com relação com a área da justiça, da segurança social, com a educação. É um problema em constante mutação e exi-gindo mudanças em tempo útil.

Foi a existência do serviço vertical que permitiu criar inú-meras articulações com outros organismos públicos, com as farmácias, com as IPSSs . E fazê-lo em tempo, com agilida-de e de forma coordenada no conjunto do país. Foi a exis-tência deste serviço também que, pela constante comunica-ção entre os organismos de base de todo o país e o topo do serviço, tornou possível o desenvolvimento de um conheci-mento compartilhado e de uma cultura diferente nesta área. E que tornou possível a descriminalização do consumo das drogas e a política de redução de riscos, com os programas de troca de seringas, os programas de substituição opiácea de baixo limiar, as equipas de rua, os centros de acolhimento etc.

Este serviço vertical do Ministério da Saúde , SPTT, foi duran-te anos acompanhado na sua acção por um serviço dependente da Presidência do Conselho de Ministros, primeiro chamado Pro-jecto Vida e mais tarde IDT , Instituto da Droga e da Toxicodepen-dência e acabou por ser integrado neste último que passou a cha-mar-se Instituto Português da Droga e Toxicodependência. Obvia-mente esta fusão comportou problemas e dificuldades mas o es-sencial do modelo e da organização manteve-se permitindo continuar a dar uma resposta adequada à situação.

Mas subitamente há seis anos um Governo decidiu extin-guir o serviço, antes mesmo de conhecer a realidade e de ter qualquer programa alternativo verdadeiramente estruturado. Extinguiu porque sim! E fê-lo apesar do Secretário de Estado da Saúde, responsável pela medida se desfazer em elogios aos técnicos e estruturas do serviço e aos resultados do seu traba-lho, como fez na Sessão de Abertura do Encontro das Taipas desse ano.

E nestes seis anos temos visto em funções um modelo organi-zacional estranho, com um serviço central cortado da relação com os centros de tratamento e os seus técnicos e por isso com um co-nhecimento diminuído e uma capacidade de coordenação inexis-tentes; e o conjunto dos centros de tratamento existentes dividi-dos por cinco ARSs. Este modelo, apesar de muitas boas vonta-des existentes, não tem funcionado adequadamente e são muitas as vozes que alertam para perda de qualidade da intervenção nesta área claramente relacionada com este modelo que dificulta o o diagnostico das situações, a coordenação das intervenções, o desenvolvimento de uma cultura e até a atractividade para conse-guir obter a colaboração de novos técnicos para trabalhar nesta área difícil.

O Governo actual vai ter que tomar uma decisão sobre esta questão, regressar ao modelo vertical ,com as correcções neces-sárias, regressar ao modelo que tão bons resultados deu ou insis-tir em adaptações neste modelo fragmentado e decapitado que unanimemente não tem funcionado bem.

Inexplicavelmente há quem insista nisto, pessoas poderosas, que desconhecem a realidade, habituadas a tomar nos gabinetes decisões “teoricamente” correctas mas com consequências práti-cas pesadamente negativas. Não lhes chegam estes seis anos? É preciso continuar no erro até ver a toxicodependência com o seu cortejo de vidas detruidas, doenças, overdoses e crimes alastrar pelo país como o fogo alastrou?

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VIRGINIA SANTOS, CRI BAIXO ALENTEJO

1.ª questãoA atual capacidade de resposta e intervenção do CRI nos dife-

rentes eixos de missão é claramente insuficiente por falta de dota-ção de profissionais nas diversas áreas de missão, com reflexos irreparáveis na qualidade do trabalho desempenhado e na conti-nuidade de um trabalho altamente especializado.

2.ª questãoA integração na ARS acarretou um nível cada vez menor da

capacidade e da qualidade das respostas, por inoperacionalidade de meios e/ou recursos e uma maior burocratização que torna o modelo de intervenção cada vez mais ineficaz.

3.ª questãoDefendo um modelo vertical e uniforme em todas as regiões

do país, sem assimetrias no acesso e resposta aos utentes, um modelo coeso e integrado em todas as áreas de missão, um mo-delo em que os profissionais tenham total autonomia.

ÓSCAR VALDEMAR MORAIS, CRI BRAGANÇA

1.ª questãoA atual capacidade de respostas em CAD neste “modelo orgâ-

nico” é de total vulnerabilidade, como pode um CRI prestar cuida-dos de qualidade aos seus utentes, se na maioria se não na totali-dade dos eixos, desenvolve todas as atividades inerentes a esta matéria por apenas um técnico que, na prática deveria ser uma equipa estruturada/personalizada.

2.ª questãoA qualidade dos cuidados apos a extinção do IDT, espelha-se

na estrutura orgânica que, mais se assemelha a um castelo em desmoronamento. A constante degradação no que concerne em meios humanos, administrativos, técnicos, clínicos e equipamen-tos, refletem-se nos respetivos cuidados prestados aos utentes.

3.ª questãoAdministrativas, financeiras e técnicas, construir uma organi-

zação estruturada, dotada de identidade que assente numa tríade de pilares basilares. Promotora de formação e informação ade-quada em tempo oportuno que, promova a prevenção, tratamento, Redução de Riscos e Minimização de Danos, Reinserção, Dissua-são e investigação.

CRISTINA BARROSO, CRI LEIRIA

1.ª questãoA resposta que tem sido dada pelos nossos serviços nas 4

áreas de missão só tem sido possível devido ao enorme esforço e dedicação dos técnicos que tudo têm feito para minimizar as per-das de recursos humanos que temos sofrido e que não têm sido repostos, em particular de médicos e de enfermagem. A falta de recursos a estes 2 níveis, num serviço de saúde com intervenção numa área como é a dos comportamentos aditivos e dependên-cias, em que parte da população está inserida em programas de substituição opiacea, necessitando de um acompanhamento dia-rio (mas que não tem sido possível pelos escassos recursos de enfermagem, por exemplo), com parte da população seguida mais envelhecida e com patologia psiquiatrica associada, cada vez com mais utentes com problemas de alcoolismo para além da popula-ção mais jovem que nos tem chegado para atendimento na pre-venção mas que acaba por precisar de atendimento em consulta médica, tem dificultado as respostas, não permitindo manter a qualidade que desejariamos e a que nos habituamos ao longo dos anos. Naturalmente, estas limitações acabam por interferir em to-das as áreas de missão mas, torna-se particularmente preocupan-te no tratamento. Estamos sempre a trabalhar no limite, sempre com receio de não poder dar a resposta necessária ao utente - Se falta o único médico que temos quem atende o utente e passa o receituario imprescindível? Se falta o enfermeiro, quem vai admi-nistrar a metadona? Como se fazem reunioes de equipa com téc-nicos que não estão no serviço diariamente? Como pode uma equipa trabalhar com tranquilidade e qualidade sem médico e sem enfermeiro ou que se encontra no serviço duas vezes por semana ou menos regularmente ainda? E em que se traduz este esforço na saúde dos proprios técnicos? Muitas destas questoes têm sido colocadas mas sem resposta.

2.ª questãoNão houve qualquer melhoria desde que se procedeu à integra-

ção dos nossos serviços na ARS apesar da expetativa criada e com-promisso de encontrar soluções para algumas lacunas já existentes

29anteriormente mas que se agravaram. Lembro-me especialmente do compromisso assumido de que se encontraria um médico para dar resposta à população seguida na ET da Marinha Grande...ainda hoje sem solução, obrigando o Coordenador da DICAD a deslocar-se um dia a cada 2 ou 3 semanas de intervalo a esta unidade para minimi-zar essa lacuna. Ou o caricato que foi de ter-nos sido proposto, antes da integração na ARS Centro, podermos ocupar um espaço no Cen-tro de Saúde de Pombal após as obras, sendo que afinal depois já tal não era possível (foi encontrada uma alternativa, após muita pressão e luta nesse sentido, mas fora do Centro de Saúde). São só 2 exem-plos, haveria mais...E estou a reportar-me apenas ao CRI de Leiria. Ainda é muito difícil esta articulação, mesmo ao nível da prevenção, de forma a integrar as respostas dadas pelas várias estruturas da ARS, com intervenção a este nível, rentabilizando os recursos.

3.ª questãoSeria essencial criar condições que permitissem a continuação

do trabalho que temos vindo a realizar ao longo dos anos, interven-ção integrada, nas várias areas de missão. A melhor solução passa-ria, certamente, por criar uma estrutura com autonomia administrativa e financeira, que tivesse em conta as necessidades dos serviços, do-tando-os dos recursos adequados para garantir o seu funcionamen-to. Faria sentido a existência de uma estrutura organizacional que emanasse diretrizes a nível nacional, promovendo a continuidade do desenvolvimento de estratégias comuns a todos os serviços com in-tervenção na área das dependências, e que fosse facilitador da arti-culação com outras estruturas, através das redes de referenciaçao a funcionar de forma efetiva e eficaz, sabendo claramente o papel que caberia a cada um, como, quando e para que estrutura encaminhar.

ANTÓNIO BRITO CAMACHO, MÉDICO UD ALGARVE

1.ª questãoNo que concerne ao tratamento a capacidade de resposta ás

solicitações aumentou, os profissionais vão saindo por várias ra-zões e há anos que não se fazem concursos nem contratações,-menos a fazer mais.

2.ª questãoA capacidade diminuiu,mas a qualidade é um imperativo dos

profissionais deste serviço,quem passou pelo SPTT e IDT tem re-gras solidificadas.

3.ª questãoAs competências do antigo IDT, trabalhando COM a colabora-

ção das ARS que seria negociada entre as estruturas.

ÁLVARO PEREIRA, MÉDICO UD ALGARVE

1.ª questãoNão parece ser minimamente ajustada às necessidades.

2.ª questãoApesar de nos últimos tempos do IDT já se notar um decrésci-

mo do impacto das intervenções, com a pulverização dos serviços (acentuada com a integração nas ARS’s) as respostas diminuí-ram.

3.ª questãoA nível Nacional poderá ser uma Direcção Geral – nem me in-

teressa o estatuto jurídico que tiver – mas deve ter, sobretudo, uma função normativa, que com base essencialmente derivada da clínica, uniformize procedimentos, transformando a actual manta de retalhos num todo o mais homogéneo possível – construindo um Serviço verdadeiramente nacional e não um monte de servici-nhos que em cada região funciona de maneira diferente. Natural-mente seria o rosto da organização do País na área dos CAD e teria as funções que antes tinha.

A nível loco-regional (o território do que foram os CRI’s, ou algo equiparado) deverá existir uma estrutura de Direcção que, cumprindo o normativo nacional definido, terá autonomia adminis-trativa e financeira, gerindo um orçamento conforme o plano de actividades proposto e aceite – Direcção com: 1 elemento que sai-ba de administração em saúde + um director clínico médico; Di-recção (com poderes de Direcção!!!) responsável por todas as áreas de missão (fim dos coordenadores que não têm poder para coordenar o que quer que seja, dos chefes e chefinhos e ajudan-tes de chefes que se chefiam a eles próprios)

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CARLOS VASCONCELOS, ASSISTENTE GRADUADO SÉNIOR DE PSIQUIATRIA

Nota introdutóriaCorrespondendo a um desafio do Diretor da Revista Depen-

dências, elaborei este texto, tentando responder à pergunta “o que fazer?” em relação ao serviço dos CAD. Comecei a trabalhar nes-tes serviços, enquanto médico psiquiatra, vai para trinta anos (completo-os no próximo dia 19 de dezembro). Focarei a minha resposta ao nível do tratamento, que é a minha área de competên-cia. Também terei em conta o agravamento progressivo quantitati-vo e qualitativo dos nossos serviços. Os remédios eficazes no iní-cio de 2016 já não o são neste momento. Não tenho dúvidas que entrámos em estado terminal e que para a reversão deste estado são necessárias medidas heróicas de ressuscitação.

Notas históricasO serviço dedicado aos CAD (comportamentos aditivos e de-

pendências) tem uma história longa de 40 anos. Inicialmente tive-mos os CEPD (Centro de Estudos e Profilaxia da Droga) criados numa base regional em 1977. Estes serviços eram dotados de au-tonomia técnica, administrativa e financeira e seguiram modelos distintos de intervenção clínica. O CEPD/Norte com o modelo de manutenção opioide com metadona. O CEPD/Centro e o CEPD/Sul privilegiando os programas livre de drogas e a comunidade te-rapêutica; o CEPD/Centro foi introdutor do programa de manuten-ção com antagonista de opióides (a naltrexona). Esta foi a fase que designo de fase dos modelos institucionais e durou cerca de 10 anos. Nesta época histórica estas instituições estavam basica-mente especializadas no tratamento da heroinodependência.

A criação dos CATś e do SPTT a partir de 1987 e mais tarde a sua fusão com os CEPDś, permitiu criar alguma homogeneidade na oferta dos programas de tratamento. Para isso também contri-buiu a explosão da epidemia da SIDA em Portugal, a tuberculose pulmonar e a sua variedade multirresistente, a hepatite C. e a ne-cessidade de reter os utentes em tratamento. Constituindo-se como um serviço nacional e vertical o SPTT aproximou e integrou as diversas experiências de trabalho. Durante 15 anos (de 1977 a 1992) os dependentes de heroína que pretendiam fazer um pro-grama de manutenção com metadona tiveram de se deslocar para o Porto (e só de Lisboa vieram cerca de 400 utentes). Na segunda metade da década de 90 isso deixou de ser necessário.

Os vinte anos que corresponderam à década de 90 e à primei-ra década do século XXI foram primeiro de crescimento e depois de consolidação. E o grande avanço foi o crescimento dos progra-mas de manutenção opioide ao longo de todo o país, primeiro nas capitais de distrito, depois numa malha mais estreita. Os progra-mas de manutenção opioide com metadona foram alargados para os Centros de Saúde, para as Farmácias e também para os Esta-

belecimentos Prisionais. Entretanto mudámos de nome: de SPTT passámos a IDT (Instituto da Droga e Toxicodependências).

O serviço funcionava bem: as listas de espera tornaram-se praticamente inexistentes; qualquer utente podia contactar com um elemento da sua equipa terapêutica no próprio dia; as read-missões eram feitas no próprio dia; tratamentos sem limite de tem-po; atendimento psiquiátrico aos familiares diretos como cônjuge e atendimento psicológico aos filhos; inexistência de taxas mode-radoras. Os utentes podiam beneficiar do melhor tratamento dis-ponível a nível mundial. Fomos dos primeiros a introduzir a meta-dona, o LAAM, a buprenorfina, os implantes de naltrexona, as de-sintoxicações ultra-rápidas de heroína, etc. Faço também referên-cia ao tratamento com auriculoacupunctura no CAT de Gondomar e mais recentemente ao modelo português de descriminalização dos consumos de substâncias. Este era o funcionamento que tí-nhamos, este era o serviço altamente motivado e eficaz que trata-va dependentes.

O problema de nos chamarmos institutoO IDT foi extinto na leva dos Institutos encerrados em 2011.Os últimos seis anos após a extinção do IDT trouxeram-nos

ao momento atual.A extinção do IDT realizada em final de 2011 foi um erro políti-

co. Ninguém conseguiu admitir este facto. Nem mesmo o governo atual que fez tantas reversões de decisões tomadas no governo Passos Coelho.

Os últimos seis anos foram caraterizados por uma perda con-tínua de recursos e de valor.

Embora a área da Adictologia seja eminentemente técnica, é uma área em que ninguém resiste a dar opinião, pois é fortemente marcada pela ideologia.

Foi nomeado um grupo de trabalho pelo Governo constituido por destacados dirigentes das ARS’s, SICAD, Saúde Mental, Cui-dados Priomários, Ministério da Saúde, etc. Nenhum elemento que trabalhasse no terreno foi convidado (sublinho, nenhum), sen-do que era o único que podia transmitir a realidade do que se pas-sa no quotidiano dos nossos serviços.

As conclusões do grupo de trabalhoPasso a citar algumas conclusões que reuniram a unanimida-

de dos participantes no Grupo de Trabalho, e que foram conside-rados pontos fortes dos nossos serviços:

Manutenção dos indicadores do movimento clínicoCultura organizacionalResiliência dos profissionaisQualificação dos recursos humanosEu diria que são conclusões extremamente tranquilizadoras

para quem não tem contacto direto com o terreno como é a totali-dade dos elementos do grupo de trabalho… se fossem verdadei-ras.

Pois estão todas erradas. Eu tenho cerca de trinta anos de tra-balho consecutivo na área da Adictologia, exercendo cargos de di-reção durante a metade deste tempo, mas sempre desenvolvendo trabalho clínico, conforme muitas centenas de utentes podem tes-temunhar, e repito sem qualquer dúvida: estas conclusões estão erradas.

Isto só aconteceu por que não foi considerada a presença dum elemento, qualquer que fosse, que trabalhasse no terreno. Ele teria explicado coisas como esta:

31O sistema informático que mede a nossa atividade apresenta

alguns problemas, para além de nem sempre funcionar. Não re-gista com rigor situações de abandono de tratamento. No caso por exemplo dos programas de manutenção opioide com metadona ou buprenorfina, os abandonos têm de ser introduzidos manual-mente pelos médicos e nem sempre há tempo para o fazer. Em re-lação aos eventos médicos quantos destes são consultas e quan-tos são renovação da medicação não presencial? O registo de consultas deveria ser validado por um elemento administrativo. Mas infelizmente os poucos assistentes técnicos que dispomos não chegam para as encomendas. Qualquer técnico, por absurdo, pode realizar o “milagre dos pães”, transformando contactos tele-fónicos ou encontros fugazes no corredor, em consultas. O SIM não dá conta disso.

Mas vamos supor que os números apresentados estão com-pletamente certos e reproduzem com fidelidade a realidade do movimento clínico.

Comentário: Não suscitou curiosidade no seio do grupo a falta de correlação dos utentes novos com os utentes ativos? Como é que a entrada verdadeiramente avassaladora de utentes novos entre 2011 e 2015 (que conforme se pode verificar tiveram um crescimento positivo todos os anos) não teve praticamente refle-xos no número de utentes ativos? Recordar que os utentes novos passarão a utentes ativos no ano seguinte.

O tratamento dum utente com CAD deve ter uma duração mí-nima de dois anos para ter alguma eficácia. Mas os tempos mé-dios de tratamento nos casos de sucesso são muito superiores. Os dados acima expressos revelam uma enorme falta de retenção dos utentes em tratamento. Ora a retenção é um indicador de boa qualidade dos serviços.

Aonde é que eu quero chegar?O grupo de trabalho deveria ter incluído um técnico (médico

de preferência) que trabalhasse no terreno; em alternativa deveria ter visitado os nossos serviços procurando ter um conhecimento in loco da realidade;

Os números que são apresentados no relatório final não preci-sam de ser “espremidos”. Eles mostram à evidência um serviço com grande procura mas que não consegue reter os utentes que vêm de novo;

Os serviços estavam especializados em tratamento de heroi-nodependentes; não houve preparação técnica das equipas para o tratamento de alcoólicos, de dependentes de tabaco, cannabis ou de cocaína. Ainda menos para o tratamento das dependências sem substâncias, como o jogo patológico…

A redução de recursos num serviço que trabalha com equipas multidisciplinares e com o modelo biopsicossocial tem verdadeiro impacto na eficácia da intervenção clínica. As ET´s podem abrir as portas e receber mais utentes, mas estes não sentem que o seu problema está a ser resolvido.

Os CAD´s são condições crónicas. Os serviços têm de estar preparados para seguir os utentes longos anos.

O grupo de trabalho não conseguiu interpretar os dados que es-tavam à sua frente. Efetivamente o número de utentes novos esteve em crescimento todos os anos e seria previsível que o número de utentes ativos acompanhasse esse crescimento. Observamos um crescimento dos utentes ativos entre 2011 e 2012, mas a partir dessa altura os números não avançam o que significa que para um número de utentes novos há outros tantos que abandonam o tratamento. Não se trata de utentes tratados, essa eficácia não existe em lado ne-

nhum do mundo. São drop-outs. A conclusão é que estamos a admitir utentes que não temos capacidade de tratar.

Em relação à cultura organizacional, à resiliência dos profissio-nais e à qualificação dos recursos humanos, também estamos con-versados. O SPTT e também o IDT numa fase inicial, tinham estrutu-ras de tratamento, os CAT’s, cuja direção clínica era assegurada por médicos. A extinção do IDT também levou à extinção das direções clínicas. Passou a haver responsáveis clínicos. Os responsáveis clí-nicos podem ser médicos ou psicólogos do ponto de vista legal, mas também e na prática, podem ser enfermeiros ou técnicos de serviço social. Nunca houve tantos conflitos interdisciplinares como agora. Quanto à resiliência dos profissionais basta contar os profissionais com baixas prolongadas ou com vontade de abandonar o serviço. Em relação à qualificação dos recursos humanos há vários anos que não há qualquer formação específica direcionada para a Adição, e os profissionais que vão adquirindo alguma formação fazem-no pelo seu mérito e/ou à sua custa.

A saída dos médicos mais qualificados, através de reforma, por falecimento, por transferência para outros serviços, por baixas prolongadas, levou a que houvesse uma degradação da qualida-de técnica das intervenções. Mais: a entrada de médicos sem pre-paração técnica através do outsourcing, não resolveu o problema da falta de recursos médicos. Antes o tornou mais evidente. As coordenações que passamos a ter não perceberam a importância dessa qualificação e estes médicos foram autenticamente lança-dos às feras, passando a fazer intervenções do senso comum.

Condições para uma tempestade perfeitaO momento atual trouxe-nos esta realidade: as DICADś e con-

sequentemente os CRI´s e as ET´s, são tratadas como estruturas administrativas dentro das ARSś e não como um serviço clínico, embora o objetivo das ET´s seja tratar. Os médicos são minoritá-rios dentro das equipas. Muitas vezes trabalham sós. Não há em geral massa crítica para levar a cabo uma discussão clínica entre os médicos. Estes sentem-se rebaixados à figura de meros pres-critores. As direções clínicas médicas a nível regional não estão presentemente a funcionar. A direção clínica do SICAD também não pode interferir. Como estamos, não conseguimos atrair outros médicos e os raros que são integrados têm grandes dificuldades em adquirir competências e ganhar espaço dentro das equipas. Para além disto não conseguem progredir em termos de carreira porque esta não existe.

Temos aqui algumas condições para aquilo que poderá ser designado por uma tempestade perfeita:

Um serviço com cada vez mais dificuldade em tratar e reter doentes no tratamento.

Um serviço que não está a ser renovado com novos profissio-nais (e que afasta potenciais interessados).

Um serviço que nos próximos cinco anos vai assistir ao afas-tamento dos seus profissionais mais qualificados (os que ainda restam), por reforma, deixando muitos territórios despovoados de recursos médicos.

Um serviço sem direção clínica.Estas condições estão e irão ocorrer independentemente da

vontade subjetiva de cada um. Há que antecipar e tomar decisões ainda que difíceis.

Em vez de optar pelo costumeiro “o que fazer”, vou optar nes-te contexto pelo “o que não fazer”. Parece-me mais pedagógico.

32Em primeiro lugar não tomar nenhuma decisão e deixar

as coisas como estão.Um dos resultados desta linha de orientação já se manifestou

aqui no Norte: foi o pedido de demissão do coordenador técnico da DICAD e da grande maioria dos coordenadores dos CRI’s. Este é um processo em curso e não está posta de parte a possibi-lidade deste movimento alastrar às restantes regiões do país.

Tudo vai depender do que acontecer no curto prazo.

A integração nos ACEśAs unidades locais (os CRIś) têm uma área de implantação

mais vasta do que os próprios ACES. Se optarmos por um proces-so mecanicista de inclusão dos CRIś nos ACES, não será possível ter uma equipa multidisciplinar em cada um deles. Alguém fez es-tas contas para tentar perceber a fazibilidade desta proposta? Acho que ninguém.

Isto significaria a pulverização de recursos conforme já foi apontado noutros textos de opinião.

O que fazer?Quais serão então as condições mínimas para uma proposta

organizativa que reúna o consenso dos profissionais, que permita relançar o trabalho dos CAD e resolver a situação atual de impas-se?

A organização a ser criada não deve ser desenhada em fun-ção e à medida de determinados intervenientes. Esta organização deve resistir ao tempo, à política e aos políticos, aos dirigentes e deve ser criada para funcionar.

Li há poucos dias uma frase que me marcou: se uma ideia é uma boa ideia, poderá ser explicada em duas ou três frases. Não vou defender a bondade da minha proposta, vou antes escrever o que se pode fazer em três frases:

Autonomia administrativa, manter uma coordenação regional e contratualização;

Respostas integradas com os cuidados primários e com os cuidados especializados; implementação e aplicação da rede de referenciação dos CAD;

Qualificação de todos os recursos humanos.

Nota finalA situação actual implica premência na resolução da situação

de impasse da nossa organização. Esperar mais vai levar à sua destruição. Este é um processo de feito retardado mas que é im-parável. O atentismo terá custos muito elevados no futuro.

Iniciei o meu texto com a frase “quando não se sabe que não se sabe…”; a fase seguinte é “quando se sabe que não se sabe”. Espero ter contribuído.

LEONEL ALVES, ENFERMEIRO

1.ª QuestãoPensei muito, antes de responder às questões colocadas: que

interesse pode ter a opinião de um Enf. Chefe que em Abril de 2018 fará 40 anos de Serviço; que importância pode ter a minha opinião ao lado de figuras inquestionavelmente mais conhecedo-ras desta problemática e com outro estatuto técnico e científico, etc. Prevaleceu o que eu entendo ser um dever de quem iniciou funções nos então SPTT em Abril de 2000.

A integração na ARS apesar de enquadrada em normativas legais e sendo uma transformação dita planeada, foi sempre per-cebida como uma imposição para todos os abrangidos. Para lá de outras falhas existiu uma notória falta de comunicação.

A intervenção do CRI nas diferentes Áreas de Missão que se reflete nas UIL, é deficiente, dado que existe uma falta gritante de Técnicos a atuar no “terreno”. Falta essa, que para falarmos ver-dade já se arrastava nos dois últimos anos de vida do ex-IDT.IP. No entanto, após a integração acentuou-se e muito. Não foi nem é compreendido que se deve concetualizar um modelo como sendo um paradigma, um conjunto de atitudes e atividades que se repe-tem a si mesmas, sendo praticadas de forma massiva, constituin-do-se numa forma hegemónica de práticas profissionais e sociais, caminhando para um sistema de medidas definidas intersectorial-mente executadas e avaliadas, flexíveis face à evolução dos pro-blemas e adequadas à prevenção, tratamento, reabilitação/rein-serção e promoção da qualidade de vida do indivíduo, família e comunidade.

2.ª QuestãoClaro que sim; para pior: sinteticamente. A Rede de Referen-

ciação que não existe na prática do dia-a-dia. Fragilidade ou ine-xistência de articulação com os Serviços de Saúde Mental regio-nais. Sem desapreço pelo Coordenador da DICAD, não existe au-tonomia de poder decisório, constituindo-se assim um longo cami-nho em processos de decisão, caraterizados pela ineficácia e ineficiência. Necessidade de mais recursos humanos e materiais, o que leva os diferentes profissionais a conviver diariamente com a perda de qualidade de respostas à comunidade.

3.ª QuestãoVamos ser francos. Paradoxalmente, ou talvez não, o conjunto

de atividades executadas no atual “modelo” com o objetivo emble-mático de prevenir, cuidar e reinserir a população com CAD pade-ce das caraterísticas típicas de um sistema declarado, mas não formalmente falido.

Defendo uma organização que tenha autonomia em compe-tências técnicas e científicas; dotada de técnicos das diferentes

33áreas do saber. Uma estrutura leve e flexível onde democratica-mente os diferentes níveis de conhecimentos teóricos e práticos, aumenta a capacidade para tolerar a desigualdade e previne que se estabeleçam as “aristocracias do conhecimento” que normal-mente dividem as equipas e que revelam atitudes que podemos designar como cultural e profissionalmente etnocentristas. Um preconceito anacrónico continua a mistificar as Orientações e Pla-nos para “isto e aquilo”. Permanece ainda para muitos uma indefi-nição de papéis nos Superiores hierárquicos com os outros cola-boradores. E extremando este fato, podemos ser levados a co-mentar que esta alienação apresentada pelas equipas pode ser em alguns casos, mais grave do que aquela que procuram cuidar.

Corremos o risco de projetar as dificuldades que sentimos à população que servimos. Entre aqueles que cuidam, pode suce-der que muitos são os que necessitam de cuidados crescentes. A insatisfação no campo do trabalho em CAD é indiscutível. É públi-ca e notória uma tensão de expetativas quanto à efetivação ou não dos nossos objetivos: humanos e profissionais. Parece existir um excessivo e prolongado sofrimento entre os próprios cuidado-res. No que tange à Organização, por favor, chamem-lhe o que quiserem.

JOÃO ANDRADE RIBEIRO, CRI LISBOA OCIDENTAL

1ª QuestãoA integração na ARS não impediu a crescente depleção de re-

cursos, afectando a capacidade de resposta: por exemplo, saíram do CRI Lisboa Ocidental 3 psiquiatras em 3 anos sem substitui-ção. E as listas de espera aumentaram, muito devido também aos cada vez mais numerosos pedidos que chegam para tratamento por imposição (álcool e condução, violência doméstica, etc.). Sem abertura de concursos necessários para colmatar as brechas, o panorama está a levar a queixas cada vez mais intensas dos pro-fissionais.

2ª Questão A integração poderia ter levado a uma maior aproximação aos

restantes serviços, o que não aconteceu: continua-se sem dispor de sistema informático comum (alert por exemplo); sem conseguir que muitos hospitais se tornassem mais acessíveis; e sem que a nível da reinserção se tenha acautelado também uma maior inte-gração. Assim, está tudo por fazer quanto à integração, que a ter sido bem sucedida teria sido a mais-valia acrescentada em termos de qualidade. A capacidade de resposta da ARS é altamente defi-citária, dada a máquina pesada e falta de recursos de que também dispõe, assim como uma maior distancia funcional.

3ª QuestãoRetomar o modelo de coesão que existia no IDT, aproximando

as cúpulas do terreno que devem servir; atribuir maior autonomia às estruturas do terreno, ditas UIL, prescindindo eventualmente de estruturas intermédias redundantes; e capacidade de liderança na área das dependências permitindo uma integração efetiva com todas as restantes estruturas de saúde, públicas e privadas.

JOÃO CURTO, ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE ADICTOLOGIA

As adições são doenças crónicas e recidivantes que se podem prevenir e tratar. São doenças complexas porque na sua génese in-tervêm factores sociais, psicológicos, biológicos e genéticos que se refletem nas dimensões neuro psíquica, somática e na relação do in-divíduo com o meio, familiar, socio cultural e profissional.

A existência de uma organização de serviços públicos integra-dos para as adições revela-se de primordial importância, como aliás se comprova ao longo da existência da estrutura com coor-denação nacional desde os tempos do CEPD (Centro de Estudos e Profilaxia da Droga) até ao extinto IDT (Instituto da Droga e da Toxicodependência), passando pelos resultados obtidos e com-provados nacional e internacionalmente na prevenção e controlo dos comportamentos aditivos e dependências.

As mudanças operadas nos serviços públicos para as depen-dências e comportamentos aditivos entre 2000 e 2011, quer nas estruturas e cultura organizacional, quer na regulamentação legal e tendo em conta a evolução científica, tornaram mais fácil o aces-so e a adesão dos cidadãos e a encontrar facilmente as referên-cias adequadas à sua situação, ao mesmo tempo que se assistia a um elevado contributo para a diminuição do estigma das pes-soas com problemas de adição. Possibilitaram a construção de um sistema compreensivo em que a população teve a oportunida-de de desfazer, por exemplo, a confusão sobre o significado das intervenções na redução riscos e minimização de danos, através da circulação de informação sobre os riscos relativos das diferen-tes adições, incluindo as implicações legais. O benefício das equi-pas multidisciplinares próprias nas dependências, revelou-se uma vantagem para a gestão de todos as intervenções, incluindo o au-mento da motivação, os tratamentos e o acompanhamento de co-morbilidades como sejam as doenças infecciosas como as hepati-tes e o VIH e as doenças psiquiátricas.

E que papel do estado perante uma tão complexa e exigente tarefa de manter os bons resultados atingidos senão retomar uma estrutura vertical para as adições, conseguindo inverter o desgas-te dos profissionais, com consequências na transmissão do co-nhecimento aos novos profissionais, e a qualidade dos serviços

34prestados a todos quantos se sentem envolvidos nesta acção, desde as pessoas em risco, aos doentes, às famílias, aos próprios profissionais das unidades públicas e privadas, cuja interação se revelou eficaz através de uma estratégia nacional assumida por todos. Recordo que desde 2010 que existe a tendência nos países europeus para uma abordagem nacional e coerente para os pro-blemas ligados ás adições, coordenada por uma estrutura publica central dos governos nacionais, maioritariamente dependente do ministério da saúde e que deriva precisamente da complexidade que caracteriza as adições.

Já tivemos tempo suficiente para compreender, seis anos de intercorrências, o que significa uma estratégia nacional para as adições implementada por uma rede pública vertical e integrada entre um nível central e um nível local, e de cuja avaliação deve depender uma nova planificação que contenha as mudanças nos comportamentos aditivos, alteração dos padrões de consumo substâncias emergentes, e as designadas adições comportamen-tais. A questão aqui é uma acção sobre políticas públicas para as adições. O tempo de reflexão já foi ontem.

EMIDIO ABRANTES, CRI AVEIRO

1.ª questãoRecentemente em entrevista à Dependências tive a oportuni-

dade de dizer que a capacidade de intervenção depende inteira-mente da coerência das respostas integradas nas diferentes áreas de missão. Os CRI’s de uma forma geral não têm recursos huma-nos suficientes para intervir nas diferentes áreas, sendo que o eixo do tratamento é um dos pilares chaves e o mais deficitário, com falta de médicos essencialmente.

2.ª questãoVerificamos atualmente que o processo de integração nas

ARS I.P., ocorrido a partir de 2012, enfaticamente sustentado em futuros ganhos de racionalidade e qualidade em saúde, através do aproveitamento das sinergias das suas primitivas e novas atribui-ções (na simplificação do modelo de funcionamento e na eficiên-cia das competências das estruturas e hierarquias), não se con-cretizou. Verificou-se, nestes últimos 3 anos, uma excessiva buro-cratização (duplicada e até triplicada em diferentes níveis de deci-são) dos procedimentos e processos administrativos e de gestão, que se tornaram lentos, morosos e inábeis. A Rede de Referencia-ção é outra miragem…não funciona e é inexistente…nem sequer existimos nas plataformas informáticas dos sistemas de informa-ção da saúde, nem podemos referenciar fora das nossas equipas tal como não podemos ser referenciados por outras unidades.

3.ª questãoNesta altura essa discussão já deveria ter sido ultrapassada há

muito tempo, o governo já tem uma proposta de reestruturação do serviço que foi enviada pelo SICAD que corresponde globalmente aos anseios dos profissionais. A estrutura organizacional deve inte-grar os cinco pilares no âmbito dos comportamentos aditivos [trata-mento, prevenção, reinserção, redução de riscos e dissuasão] essen-ciais para o modelo integrado, que hoje se encontram espartilhadas e fragmentados. As Unidades de Intervenção Local ou CRI’s devem ter mais competências para responder de uma forma mais célere aos problemas das comunidades locais. O modelo organizacional passa por constituir um serviço especializado em adições dentro do SNS, num modelo integrado, coeso, coerente, compreensivo e flexível, permitindo intervenções individualizadas com adaptação dos recur-sos às necessidades do utente, quer do ponto de vista clínico quer do ponto de vista social, respondendo à multiplicidade de fatores asso-ciados a esta doença é essencial. Exige uma intervenção multidisci-plinar e em rede, com recurso a vários tipos de respostas e estruturas terapêuticas adaptados à pessoa, é em nossa opinião necessário reestruturar um serviço de âmbito nacional que coordene e execute as políticas em matéria de CAD. Integrada no SNS e em articulação permanente, como sempre estivemos com as estruturas locais de saúde, cuidados saúde primárias e hospitais.

RUI CORREIA, CRI GUARDA

1.ª questãoGlobalmente e no seu todo, creio que os nossos serviços têm

vindo a atravessar um longo período de degradação progressiva, sendo que, atualmente, esta situação nos coloca no limite da ca-pacidade de reposta. Se nada for feito rapidamente, a acessibili-dade ao tratamento ficará seriamente comprometida.

2.ª questãoDecorrente da nossa experiência, a integração na ARS em

nada contribuiu para resolver os problemas de que já vínhamos enfermando: a complementaridade e apoio entre os serviços pú-blicos de saúde em nada melhorou e as fragilidades sentidas ao nível dos recursos humanos acentuaram-se sobremaneira.

3.ª questãoO atual modelo orgânico de intervenção em Comportamentos

Aditivos e Dependências não se revela eficaz. Urge por isso refun-dá-lo, com uma estrutura organizacional dotada de autonomia ad-ministrativa e financeira, que garanta os recursos necessários ao bom funcionamento dos serviços e cuja intervenção assente numa operacionalização de políticas comuns a todas as Unidades.

35

PAULA CARRIÇO, CRI COIMBRA

1.ª questãoTrabalhar nesta área é um trabalho árduo, exaustivo, pouco re-

compensador e desvalorizado pela maior parte dos políticos e profis-sionais. Apesar disso, todas as áreas de missão têm profissionais im-plicados, com reconhecido mérito e vasta experiência profissional nesta área. Pelo que, o trabalho no terreno em todos os níveis de in-tervenção continuam a ser executados, apesar da ausência de orien-tações efetivas por parte da ARS e absoluta falta de autonomia e re-conhecimento, graças à nossa brutal resiliência e empenho.

A nossa capacidade de resposta e intervenção está obvia-mente limitada, justamente pela ausência de integração efetiva e articulação já referidas, somados aos vários constrangimentos, di-ficuldades e limitações conhecidas e sentidas por todos, profissio-nais e utentes, cada vez mais desmotivados.

2.ª questãoA indefinição quanto ao modelo de articulação entre SICAD e

ARS terá sido um dos maiores constrangimentos. Considero a avalia-ção da nossa integração, bastante negativa e com impacto muito gra-ve nos nossos serviços. Defendo a manutenção da nossa identidade, diferenciação, coesão, autonomia funcional e técnica, de forma a po-tencializar as várias competências, dentro da nossa rede de interven-ção. O Modelo Integrado que engloba os 5 níveis de intervenção ou áreas de missão foram desmantelados, com todas as implicações funcionais daí inerentes. Sabemos todos que as ARS e os agrupa-mentos não funcionam como deveriam. Mas o SICAD também não. Sabemos também que se fala em reestruturação e mudança. É nesta lógica de mudança que pensamos, na procura do reforço que nos foi retirado e numa integração efetiva e supostamente eficaz.

3.ª questãoViabilizar o nosso serviço poderia implicar a criação de Unidades

locais regionais, com a já referida autonomia e carteira de serviços, que não temos no momento. Não temos de forma clara, inequívoca e devidamente validada, as funções e competências que nos são atri-buídas. A verticalidade regional, na nossa área de atuação, englo-bando os vários níveis de intervenção, faz todo o sentido, porém nun-ca de uma forma isolada, como tem ocorrido ao longo de anos e re-forçada, veja-se por ex. a nossa plataforma informática. A abordagem de proximidade e integrada, da “pessoa” com toxicodependência, obriga a uma leitura holística e harmónica de todas as vertentes, de forma articulada com o restante SNS.

Proposta: Manter o modelo de Unidades de Intervenção Local (Centro

de Respostas Integradas), criando-lhes autonomia funcional e técnica, clarificando qual a verdadeira carteira de serviços dessas Unidades num modelo de contratualização semelhante às USF.

Manter o modelo de equipa multidisciplinar e multiprofissio-nal, apostando em profissionais qualificados na área dos compor-tamentos aditivos e intervenção familiar, ponderando-se a criação de uma competência no âmbito dos CAD.

A definição de um modelo de contratualização de toda a activi-dade, seja de prevenção, dissuasão, redução de riscos e minimi-zação de dados, tratamento e reinserção social .

Garantir a uniformização do sistemas de informação com as demais aplicações em uso nos Centros de Saúde e Hospitais.

Apostar na necessária articulação de proximidade com as diver-sas Unidades Funcionais dos ACeS e Serviços Hospitalares, nomea-damente Saúde Mental e Infecciosas, criando-se à semelhança do que existe na área da Saúde Materno Infantil, as Unidades Coorde-nadoras Funcionais na área dos Comportamentos Aditivos.

ROCHA ALMEIDA, MÉDICO PSIQUIATRA

Estar desde 2011, ano em que o IDT, IP foi extinto, sem uma definição clara sobre a organização destes serviços origina que não exista estratégia, planeamento ou qualquer contratualização para a área dos comportamentos aditivos e dependências, instru-mentos importantes para a operacionalização da intervenção clíni-ca, para o desenvolvimento da intervenção comunitária e para a referenciação/articulação entre os vários serviços de saúde e ou-tras instituições públicas ou privadas.

Com este quadro e estando nós em Novembro de 2017, não é difícil imaginar como estão os serviços e os profissionais que aí traba-lham. Temos uma rede pública de serviços com intervenção nos comportamentos aditivos e dependências abrangendo todo o país e que contempla: 22 Centros de Respostas Integradas (CRI) com 45 Equipas de Tratamento e extensões, 4 Unidades de Desabituação (UD), 3 Unidades de Alcoologia (UA), 3 Comunidades Terapêuticas (CT) e 21 Comissões para a Dissuasão da Toxicodependência (CDT). Existem ainda perto de 1500 camas contratualizadas para in-ternamentos prolongados em Comunidades Terapêuticas Privadas.

É tempo de se decidir se será necessária para o nosso país uma rede pública de serviços de saúde especializados na área das adições. Se sim, então dêem-lhe uma identidade própria, um nome, dentro das estruturas do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Se o modelo atual não tem funcionado adequadamente, e continuando os serviços a serem os mesmos que existiam em 2011 mostrando assim que a resposta nesta área continua a ser necessária, porque não reestruturar esta rede de serviços já exis-tente? Uma rede de serviços para as adições que possa contem-plar três níveis de intervenção:

• A dissuasão, com as CDT O tratamento em ambulatório que integra também a interven-

ção na comunidade, com os CRI

36• As unidades de internamento com a UA, a UD e a CTUma rede com autonomia técnica e funcional que tem de estar

integrada no SNS.As equipas locais terão de ter mais autonomia e competên-

cias, face às solicitações das populações e das instituições locais que recorrem aos seus serviços. Estão no terreno há muitos anos e o reconhecimento das suas intervenções é sentido por todos.

É importante que continue a existir uma identidade regional. As equipas técnicas não estão dimensionadas todas da mesma maneira e a articulação entre serviços estará mais facilitada atra-vés de uma estrutura regional, conselho clínico regional.

Também a coordenação nacional se revela necessária no senti-do de organizar e operacionalizar a nível nacional as intervenções nesta área, tendo em consideração os três níveis de intervenção an-teriormente descritos. Perante um fenómeno complexo e em cons-tante transformação é importante que esta rede esteja atenta à reali-dade existente, aos atuais padrões de consumo e ao grave problema do consumo de álcool, de forma a garantir formação e atualização específica para os seus profissionais. Mas também não deve deixar de prestar cuidados a uma população dependente de heroína que acompanha há já vários anos, que continua a solicitar o seu apoio e que por isso, não pode nem deve ser abandonada.

JOAQUIM FONSECA, DICAD-ARSLVT

Numa lógica compreensiva, e como ponto prévio, importa ter em conta o enquadramento orgânico e as condições em que a ati-vidade da DICAD se desenvolve.

Aquando da integração na ARSLVT, o primeiro desafio foi o de ultrapassar a assimetria das condições pré-Integração (DRLVT do IDT), que contava com uma estrutura de Coordena-ção Regional de cinco dirigentes (um delegado regional – equi-parado a Subdiretor-geral -, dois subdelegados – equiparados a Diretor de Serviços - e dois chefes de divisão com as respec-tivas equipas NAT e NAG – um para a dimensão Técnica e ou-tro para o apoio à Gestão), acompanhados de Directores de Unidades de Intervenção Local (CRI, UA, CT e UD) com cargo de dirigente equiparado a chefe de Divisão, para uma estrutura na ARSLVT com apenas um dirigente, equiparado a Chefe de Divisão, mantendo-se os Coordenadores de UIL mas sem qualquer equiparação a Dirigente. Acrescendo a esta situação o facto de ter sido necessário um período de cerca de seis me-ses para que a DICAD, como existe hoje, fosse criada. Poste-riormente foi, ainda necessário constituir uma equipa de Coor-denação que se tem vindo a consolidar. Como é sabido, às DI-CAD foram atribuídas apenas as competências técnicas, no pressuposto de que a atividade de Apoio ao funcionamento da intervenção em CAD seria operacionalizado pelas restantes estruturas dos Serviços Centrais das ARS.

Este foi o primeiro grande desafio. Inscrever a atividade “as-sistencial” e de “intervenção comunitária” na lógica de uma estru-tura (Serviços Centrais da ARSLVT) que não estava vocacionada para a prestação de cuidados. Um trabalho que exigiu grande es-forço de todos os profissionais da DICAD, quer ao nível da Coor-denação, quer das Equipas Técnicas das UIL.

Exigiu também uma adaptação por parte dos profissionais dos Serviços Centrais da ARSLVT, sendo que, em alguns casos o ní-vel de resposta foi bem conseguido (p.ex. articulação com a Uni-dade de Farmácia, que garantiu a gestão e a distribuição do clori-drato de metadona , entre outros), noutros continuam a subsistir muitas dificuldades na operacionalização da resposta às necessi-dades das Equipas da DICAD, quer em termos de equipamentos/instalações, quer de recursos humanos.

Um outro aspeto relevante desta integração foi o facto da exis-tência de liquidez financeira na ARS, ter permitido cumprir sem atra-sos os pagamentos dos internamentos convencionados às Comuni-dades Terapêuticas, realidade que importa continuar a garantir.

Relativamente à dimensão Recursos Humanos, factor crítico de sucesso de qualquer organização, não obstante as grandes di-ficuldades que persistem, foi realizado algum investimento, não tendo sido promovida qualquer transferência de profissionais das Equipas da DICAD para outras estruturas da ARS.

Na área da Enfermagem foi possível colocar 12 profissionais contratados através de concurso estando em processo de coloca-ção mais 5.

Continuam, contudo, a existir dificuldades ao nível do corpo médico, que, estando a envelhecer, não tem tido possibilidade de passar “testemunho” a colegas mais novos. Este levantamento foi feito equipa a equipa e remetido à Tutela.

Assim, foram encetados alguns esforços para a colocação de novos médicos, mas sem sucesso. Foi aberto um concurso para médico Psiquiatra para a região de Setúbal, tendo ficado deserto por falta de candidatos; foi atribuída à DICAD uma vaga para mé-dicos Psiquiatras no concurso nacional. Lugar que foi ocupado por um profissional que trabalhava para a DICAD por empresa, tendo este desistido do lugar passado um mês.

Por força desta dificuldade de contratação definitiva, mantém--se, a aquisição de horas de médico por empresa, por forma a su-prir algumas necessidades, verificando-se alguma dificuldade no seu recrutamento nas zonas mais periféricas da RLVT.

Foi possível, também, beneficiar de algumas vagas no concur-so para assistentes técnicos que permitiu dotar algumas equipas de mais profissionais nesta área, muitos deles oriundos da Cate-goria de Assistente Operacional da DICAD.

Genericamente, e não obstante as naturais movimentações que decorrem da organização da vida pessoal dos profissionais, como sejam as mobilidades para outras regiões para reagrupa-mento familiar, situação vivida com alguma acutilância na área da enfermagem, uma vez que muitos enfermeiros se encontravam deslocados, continuamos a contar com os mesmos profissionais que transitaram em 2013, exceção feita aos Assistentes Técnicos da Delegação Regional, que foram integrados nos diferentes de-partamentos dos Serviços centrais da ARSLVT.

Em suma, é verdade que foram feitos esforços para tentar col-matar as carências e as situações de lacunas de recursos huma-nos pontuais, mas é também verdade que existem constrangi-mentos sérios ao nível de profissionais designadamente médicos, Assistentes Operacionais para as Unidades de Internamento, e

37enfermeiros em algumas ET, e seria desejável que se criassem condições efetivas para a sua contratação.

No que diz respeito à capacidade de resposta em Tratamento, têm-se verificado dificuldades ao nível das Unidades de Interna-mento, em alguns casos por força de situações que não é possível antecipar, como, por exemplo, um período em que de 4 Assisten-tes Operacionais, de uma das unidades, 3 estavam de baixa mé-dica por diferentes razões, ou a frequente ausência, por motivo de doença, de uma médica.

Apesar das dificuldades, foi possível manter a atividade das várias Equipas de Tratamento. Foram ainda mantidas as reuniões Clínicas de âmbito Regional, as Reuniões de Coordenação e uma grande atividade formativa.

Neste âmbito, em concertação com o SICAD, foi possível rea-lizar a implementação do “piloto” da Rede de Referenciação, num ACES do Distrito de Santarém, contando com o envolvimento da ERA da ARSLVT. Está em preparação o alargamento para o res-tante território do Distrito. Um constrangimento sentido pelos pro-fissionais, para a melhor implementação da Rede, prende-se com a ausência de interoperatividade entre sistemas dos CSP e dos CAD, pelo que seria importante concluir o processo que se encon-tra em marcha entre o SPMS e o SICAD .

Relativamente às restantes áreas de Intervenção importa ter em conta que, aquando da criação dos CRI no âmbito do IDT, se presu-mia a partilha de recursos entre equipas. Ao longo do tempo verificou--se que a maioria destes profissionais eram oriundos das Equipas de Tratamento, sendo que, na sua generalidade, não estavam alocados a 100% àquelas atividades, designadamente Prevenção e RRMD, si-tuação que levou a que a resposta estivesse sempre aquém do ne-cessário. Acresce ainda que, por força da criação do Programa Ope-racional de Respostas Integradas, que pressupõe um diagnóstico de território, parte do tempo daqueles profissionais é investido na realiza-ção desta atividade de diagnóstico. No entanto, ao longo dos últimos cinco anos, foi possível aumentar o envolvimento de Técnicos das UIL em atividades de Redução de Riscos e Minimização de Danos, au-mentando, em consequência, o número de ações desenvolvidas por técnicos da DICAD, para além do acompanhamento a projetos finan-ciados e desenvolvidos por outras entidades.

Verificou-se ainda um aumento da intervenção em Prevenção, quer ao nível de técnicos envolvidos, quer ao nível de ações. Nes-te domínio foi estabelecida uma importante parceria com a “Saúde Escolar” dos ACES (Projeto Integrado de Prevenção dos CAD) permitindo o desenvolvimento conjunto de ações entre técnicos da DICAD e das Equipas de Saúde Escolar, bem como a forma-ção aos profissionais da Saúde Escolar sobre a temática dos CAD, culminado com um Encontro Regional, realizado em 2016;

Foi ainda possível garantir toda a atividade de diagnóstico ter-ritorial que permitiu aferir da continuidade de algumas interven-ções no âmbito dos PRI (p. ex. o programa de metadona para a Cidade de Lisboa) e a apresentação de propostas para novas in-tervenções, por exemplo as discutidas “Salas para Consumo as-sistido”. Por força desta atividade de diagnóstico continuam a ser desenvolvidos, em concertação com o SICAD, todos os procedi-mentos com vista ao financiamento de projetos, designadamente o lançamento de vários concursos.

Importa ter em conta que toda esta actividade ocorreu num contexto de completa autonomia técnica que foi concedida pelos CD da ARSLVT à Coordenação da DICAD. Assim, foi possível a elaboração de Planos de Atividades em articulação com as UIL e

em consonância com os diferentes documentos nacionais orienta-dores, emanados, quer pelo SICAD, com quem foi mantido um constante diálogo e cooperação institucional, quer pela DGS.

O pensamento que aqui partilho sobre esta dinâmica, sendo atualmente coordenador da DICAD, não resulta da defesa de um qualquer “status quo”, uma vez que parte do pressuposto de que, apesar de todas as realizações anteriormente demonstradas, será difícil manter futuramente o esforço que a sua consecução repre-sentou ao longo destes cinco anos, muito em particular ao nível da Coordenação da DICAD. Não se torna viável manter a atual estru-tura, cujo funcionamento assenta na existência de um único diri-gente com delegação de competências muito limitada, e sem uma estrutura de suporte ao funcionamento.

Considero que a questão dos modelos organizacionais, pela sua complexidade, não deve ser simplificada com um “ ficar ou sair” das ARS. Importa responder à questão, e tendo em conta as necessida-des das pessoas que são alvo da nossa intervenção: qual o melhor formato da estrutura de resposta a estas necessidades?

Alguns modelos que vão sendo tornados públicos (ainda sem pormenor), apresentam vantagens e desvantagens, não me sendo possível assumir, em definitivo, qualquer um deles. Importa apro-fundar o desenho da sua estrutura orgânica, sem isso é difícil um posicionamento. Vejamos a título de exemplo: uma lógica “Nacio-nal/Vertical” coloca uma estrutura única ao serviço de uma temática única, o que pode ser muito bom pela concentração de esforços na-quela temática. Toda a atividade daquela estrutura converge para a realização do mesmo desígnio. No entanto, se considerarmos um modelo de coexistência de temáticas múltiplas, como o que ocorre numa estrutura como a ARS, em que o pensamento dos diferentes atores diverge entre o que é a dinâmica dos CSP, Hospitalares ou os CAD, pode ser promotor de um diálogo entre as diferentes com-ponentes da saúde, logo, mais favorável aos destinatários, pela compreensão mais holística.

Obviamente que esta última dinâmica, pode levar a dispersão e, por consequência, à perda de eficiência e eficácia da resposta em CAD. Esta resposta, especializada, necessita de uma coesão das equipas, designadamente ao nível do Tratamento, que pode ser posta em causa. Para a sua consecução teria que ser encon-trada uma organização que garantisse, a par da autonomia técni-ca, uma maior agilização de procedimentos.

Por outro lado, uma estrutura nacional/vertical sem estruturas re-gionais, fortes, poderá levar a uma concentração de grande parte da atividade de gestão em Lisboa e, acrescendo a isso a impossibilidade de dotar as UIL (CRI, etc.) de uma figura de Dirigente e de meios hu-manos em maior número, estas poderão vir a ser estruturas com difi-culdade de desenvolver a sua atividade em paridade com as restan-tes parceiras (p.ex. ACES). Além disso existe uma lógica de coerên-cia regional e dinâmicas próprias de cada região, que importa garantir com uma estrutura de coordenação regional.

Em qualquer modelo que venha a ser encontrado considero essencial que se encontre um elemento aglutinador, que pode ser conseguido com a assunção da Coordenação Nacional, e por con-sequência da sua estrutura de suporte, no caso presente o SI-CAD, sustentada numa articulação efetiva com todos os organis-mos e estruturas que intervêm no domínio dos CAD.

Percorrido este tempo, de quase cinco anos, qualquer que ve-nha a ser a orgânica a implementar, será importante assegurar que se manterá o caminho já feito com os CSP, e outras estruturas da saúde e da área social, reforçando as pontes já estabelecidas.