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www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósito legal: 2005-5822 1
Derecho y Cambio Social
NORMAS CONSTITUCIONAIS INCONSTITUCIONAIS E
DIREITOS HUMANOS
Carlos Medeiros da Fonseca1
Ozorio Vicente Netto2
Fecha de publicación: 01/05/2016
Sumário: 1.- Poderes constituintes originários e poderes
constituintes derivados. 2.- Normas-regra, normas-princípio e
normas-postulado. 3.- Inconstitucionalidade de norma
constitucional originária e a possibilidade de existência de
contradição no direito posto. 4.- Legitimidade para declarar a
inconstitucionalidade de norma constitucional originária. 5.- A
dogmática do supremo: (in)constitucionalidade do art. 5º, §3º,
crfb/88. Normas “supralegais”. Bloco de constitucionalidade.
Referências bibliográficas
Resumo: O presente trabalho parte da análise das feições do
poder constituinte, originário e derivado, e expõe as três
espécies de normas, no entender de Humberto Ávila: regra,
princípio e postulado. Apresenta a possibilidade de ser
reconhecida a inconstitucionalidade de normas constitucionais
originárias, defendendo a legitimidade do poder judiciário para
proceder a tal reconhecimento. Por fim, este artigo trata da
posição dogmática dos tratados internacionais de direitos
humanos no ordenamento brasileiro, expondo a tese do status
constitucional (material e formal) desses instrumentos
normativos.
Palavras-chave: poder constituinte originário; poder
1 Juiz Federal do Trabalho no Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (Rio de Janeiro).
Mestrando em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo. E-mail:
2 Advogado e Professor universitário. Mestrando em Direito pela Universidade Federal do
Espírito Santo. E-mail: [email protected]
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constituinte derivado; normas constitucionais inconstitucionais;
tratados de direitos humanos; hierarquia no ordenamento
brasileiro.
Abstract: This article is part of the analysis of the features of
the constituent power, original and derived, and exposes the
three kinds of law standards, according to Humberto Ávila: rule,
principle and postulate. It presents the possibility of being
recognized the unconstitutionality of original constitutional
rules, defending the legitimacy of the judiciary to make such
recognition. Finally, this research deals with the dogmatic
position of international treaties on human rights in the Brazilian
legal system, exposing the thesis of constitutional status
(material and formal) of these legal instruments.
Keywords: original constituent power; derived constituent
power; unconstitutional constitutional rules; human rights
treaties; hierarchy in the brazilian legal system.
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1. PODERES CONSTITUINTES ORIGINÁRIOS E PODERES
CONSTITUINTES DERIVADOS
Apoiando-se na premissa de que o direito deve ser legitimado por, em
primeiro plano, um direito supralegal (LUCHI, 2005, p.131-134), e por, em
segundo plano, um agir argumentativo; e considerando o conceito de
Constituição adotado neste trabalho, explanar-se-á sobre os procedimentos
de (re)criação linguística dessa Constituição.
Para tanto, inicia-se o tema por meio da definição do que seria o poder
constituinte, que, conforme Paulo Bonavides, trata-se de “um poder
político, um poder de fato, um poder que se não analisa em termos
jurídicos formais e cuja existência e ação independem de configuração
jurídica" (BONAVIDES, 2004, p. 147).
Renomado autor ainda destaca que esse poder se divide em
constituinte originário e derivado, de modo que se pode admitir, de fato, a
existência de dois poderes constituintes originários e de dois poderes
constituintes derivados (BONAVIDES, 2013, p. 53).
Sem embargo, o primeiro poder constituinte originário seria aquele
que advém da revolução e se concretiza em uma assembleia constituinte –
ou órgão semelhante – cuja função é a de elaborar a Constituição e criar,
por meio dela, um novo sistema jurídico, um novo regime, uma nova forma
de Estado, ou seja, um novo complexo de instituições. Não à toa, ele é
considerado o poder constituinte do povo em sua manifestação mais
fidedigna:
“Há, conforme já assinalamos, dois poderes constituintes originários. O
primeiro, visível, manifesto, palpável: promana da revolução e se concretiza
num colégio constituinte cuja tarefa maior reside no elaborar não apenas a
Constituição, mas criar , por meio dela, um novo sistema jurídico, um novo
regime, uma nova forma de Estado, a saber , novo complexo de instituições;
é ele, em suma, o poder constituinte do povo, da nação, do Estado em sua
manifestação mais profunda.” (BONAVIDES, 2013, p. 53).
Já o segundo, seria aquele poder constituinte originário que emana dos
hermeneutas da Constituição criada/escrita, ou seja: aqueles intérpretes que
transformam, atualizam e rejuvenescem a Constituição, como, por
exemplo, os órgãos da judicatura, os tribunais, os governantes, e os
construtores da jurisprudência constitucional, já que esses “estão não raro
a reescrever a Constituição, adequando-lhe o espírito e a letra às
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exigências transformadoras impostas por uma ciência que avança ou por
uma consciência que não retrógrada” (BONAVIDES, 2013, p. 53).
Bonavides assevera que:
“É assim que a Lei Maior rejuvenesce e se atualiza para acompanhar a
marcha dos tempos. A partir daí aufere a Lei Suprema estabilidade, sem
desfalcar-se do teor de legitimação que lhe é imprescindível, à medida que
as condições sociais se modificam e o avanço da ciência, da tecnologia, do
progresso e da civilização prossegue ininterrupto” (BONAVIDES, 2013, p.
53).
Interessante destacar, neste ponto específico, que a colocação de
Bonavides em relação aos aplicadores do Direito como criadores de direito
se conforma perfeitamente à ideia gnosiológica deste trabalho de que, a
partir do giro linguístico, a realidade é criada pelo ser humano, por meio da
linguagem, e que a legitimidade da legalidade (incluída a própria
Constituição nesse contexto de legalidade) se dá, não somente pela criação
legislativa, mas também por meio do agir comunicativo do poder judiciário
e do poder executivo, exatamente como defende Jürgen Habermas
(HABERMAS, 1992).
De outro giro, tem-se que a Constituição tanto pode ser obra do poder
constituinte originário propriamente dito, como pode ser obra do poder
constituinte derivado. Por sua vez, o poder constituinte derivado é aquele
que se funda na ordem jurídica estabelecida pelo poder originário e vem
apenas remover, transformar ou refazer a Constituição escrita vigente, sem,
contudo, destruir as bases institucionais que lhe são pertinentes
(BONAVIDES, 2013, p. 54).
Ou seja, trata-se de um “poder constituinte de segundo grau, que
reforma e emenda a Constituição da qual deriva toda a sua competência,
dentro de fronteiras que não podem ser transpostas” (BONAVIDES, 2013,
p. 54).
Não obstante, esse poder derivado se dividiria igualmente em dois: o
primeiro também elabora a Constituição por meio de emendas, ao passo
que o segundo a reforma/revisa. Ambos possuem sua origem/legitimidade
no primeiro poder constituinte originário, mas o primeiro poder constituinte
derivado acrescenta preceitos constitucionais novos à Constituição escrita;
já o segundo, também denominado poder de emenda ou poder revisor, age,
tanto na Constituição escrita primária, quanto naquela criada pelo primeiro
poder derivado, por meio de reformas/revisões (BONAVIDES, 2013, p.
54).
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Nesse passo, lobriga-se que ambos os poderes derivados não possuem
a pretensão de fundar um novo regime, ou de criar um sistema novo de
governo, nem de propor uma nova reorganização do Estado além dos
limites da Constituição escrita que os gerou. É dizer: o poder constituinte
derivado sempre deve observar o maior grau de hierarquia característico do
poder constituinte originário (BONAVIDES, 2013, p. 54).
Entretanto, no que se refere à legitimidade do poder constituinte
originário e seus limites, objeto necessário deste estudo, é importante tecer
considerações que remontam ao próprio conceito de direito aqui defendido,
bem como entender quais normas ocupam nosso ordenamento jurídico e
qual a hierarquia existente entre elas.
2. NORMAS-REGRA, NORMAS-PRINCÍPIO E NORMAS-
POSTULADO
Em termos gerais, a doutrina admite a existência de normas-regra e de
normas-princípio no ordenamento jurídico, embora a questão sobre se
princípio seja norma, ou não, não seja um assunto desprovido de
discussões.
Nesse passo, inicialmente, informa-se que este trabalho seguirá a
classificação de Humberto Ávila, até por questão de coerência, já que se
conceituou norma de acordo com sua doutrina, além, é claro, de ele
também estudar o direito a partir das concepções do giro linguístico
(ÁVILA, 2015, p. 53-54).
Com efeito, importante observar que, partindo do giro linguístico e da
própria conceituação de norma, as normas são sempre construídas, pelo
intérprete, a partir da hermenêutica dirigida à linguagem prescrita – direito
posto (ÁVILA, 2015, p. 50 e 91).
Sem embargo, essa construção pode gerar proposições a respeito do
texto escrito, de modo a qualificá-lo como normas-regra ou como normas-
princípio, já que essas conexões axiológicas emprestadas pelo intérprete
não pertencem à prescrição do direito positivado, mas ao próprio
hermeneuta (ÁVILA, 2015, p. 91).
De fato, pode ocorrer de, em alguns casos, haver norma e não haver
dispositivo, como no caso dos princípios da segurança jurídica e da certeza
do Direito; ao passo que há outros casos em que há dispositivo e não há
normas, como o dispositivo constitucional que prevê a “proteção de Deus”.
E mais, pode haver uma norma criada a partir de mais de um dispositivo ou
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várias normas criadas a partir de um só dispositivo (ÁVILA, 2015, p. 50-
51).
É dizer, a interpretação não é mera descrição de um significado
previamente informado, mas uma decisão do intérprete que constitui a
significação e os sentidos de um texto (ÁVILA, 2015, p. 51).
Não obstante, essa construção do intérprete toma como premissas a
prescrição do direito posto e o próprio ordenamento por ele analisado, de
modo que sua interpretação alcança limites nos núcleos de sentidos que a
prescrição lhe oferece (ÁVILA, 2015, p. 53).
Assim, de fato, não se pode perder de vista que o hermeneuta não
constrói, mas reconstrói a prescrição por ele analisada a partir da
linguagem, logo, ele não pode interpretar uma expressão “trinta dias” como
“mais de trinta dias”, nem “provisória” como “permanente” (ÁVILA, 2015,
p. 53-54).
Nesse diapasão, apesar de alguns doutrinadores não qualificarem
princípio como normas, por partirem de uma suposta impossibilidade de se
criar uma consequência normativa à hipótese que lhes dá origem,
necessário frisar, entretanto, que qualquer prescrição pode ser reformulada
segundo o critério hipotético-condicional, por exemplo:
“‘Se o poder estatal for exercido, então, deve ser garantida a participação
democrática’ (princípio democrático); ‘Se for desobedecida a exigência de
determinação da hipótese de incidência de normas que instituem obrigações,
então o ato estatal será considerado inválido’ (princípio da tipicidade)”
(ÁVILA, 2015, p. 64).
Dessarte, admitem-se os princípios como normas, na medida em que
se concebe a possibilidade de que qualquer dispositivo pode ser
reformulado de maneira a possuir uma hipótese e uma consequência
(ÁVILA, 2015, p. 64).
Ademais, para reforçar esse entendimento, necessário registrar que,
em princípio, deve ser dada importância, primeiramente, à razão a que um
princípio se refere no caso concreto e, em seguida, deve-se observar que
sempre haverá uma exigência de comportamento para a realização ou
preservação de determinado estado ideal de coisas a ser adotado (ÁVILA,
2015, p.64). Para Ávila:
“Os deveres de atribuir relevância ao fim a ser buscado e de adoção de
comportamentos necessários à realização do fim são consequências
normativas importantíssimas. Ademais, apesar de os princípios não
possuírem um caráter frontalmente descritivo de comportamento, não se pode negar que sua interpretação pode, mesmo em nível abstrato, indicar as
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espécies de comportamentos a serem adotados, especialmente se for feita
uma reconstrução dos casos mais importantes.
O ponto decisivo não é, pois, a ausência da prescrição de comportamentos e
de consequências no caso dos princípios, mas o tipo da prescrição de
comportamentos e de consequências, o que é algo diverso” (ÁVILA, 2015,
p.64-65).
Outrossim, facilita a compreensão dessa perspectiva a conceituação
por ele dada – e que também se adota neste estudo – a regras e a princípios,
senão vejamos:
“As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente
retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja
aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na
finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são
axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição
normativa e a construção conceitual dos fatos.
Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente
prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para
cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de
coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como
necessária à sua promoção” (ÁVILA, 2015, p.102).
Em complemento, registra-se que a reconstrução realizada pelo
intérprete (construção a partir da prescrição) pode assumir, não apenas
duas, mas três perspectivas diferentes, uma vez que, a depender da maneira
com que se examina a prescrição do Direito positivo:
“Um ou vários dispositivos, ou mesmo a implicação lógica deles decorrente,
pode experimentar uma dimensão imediatamente comportamental (regra),
finalística (princípio) e/ou metódica (postulado)” (ÁVILA, 2015, p. 92).
Com relação a essa terceira perspectiva, importante destacar que a
interpretação a ser realizada pelo hermeneuta do direito (aplicador ou
cientista) acaba por se submeter a condições sem as quais o objeto não
pode ser apreendido. Essas condições são os postulados, normas que
estruturam a aplicação de outras, verdadeiras “metanormas”, na medida em
que se qualificam como normas sobre a aplicação de outras normas
(ÁVILA, 2015, p. 164).
Nesse espeque, registra-se que há postulados hermenêuticos, que se
prestam à compreensão do Direito, e há postulados aplicativos, que visam a
estruturar a aplicação do direito no caso concreto (ÁVILA, 2015, p. 163-
164).
Em outras palavras, as normas-postulado determinam o modo como
devem ser interpretadas/aplicadas outras normas, seja ao estabelecer
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critérios, seja ao definir as medidas de aplicação, ou seja: são “normas
estruturantes da aplicação de princípios e regras” (ÁVILA, 2015, p. 180-
181).
Posto isso, chega-se à premissa que este artigo gostaria de traçar, no
sentido de que o ordenamento jurídico admite três espécies normativas –
princípios, regras e postulados – e não comporta a distinção de princípios e
regras proposta pela doutrina clássica, nem mesmo as de Robert Alexy e de
Ronald Dworkin.
Com efeito, Alexy e Dworkin distinguem princípios de regras “pelo
critério do modo final de aplicação, pois, para eles, as regras são
aplicadas de modo absoluto tudo ou nada, ao passo que os princípios, de
modo gradual mais ou menos”, ou seja, as regras seriam aplicadas no modo
all or nothing de Dworkin e os princípios, pela ponderação de Alexy
(ÁVILA, 2015, p. 65).
Em outras palavras, quanto ao modo de aplicação, os princípios
divergiriam das regras, porquanto estas se aplicariam mediante a subsunção
dos fatos à hipótese normativa (se houvesse esse encaixe, a aplicação seria
obrigatória) e aqueles, por estabelecerem deveres provisórios, seriam
aplicados mediante ponderação, com aplicação de diferentes dimensões de
peso aos princípios no caso concreto (ÁVILA, 2015, p. 112).
No entanto, essa distinção é falha ao se observar que as normas-regra
podem ser objeto de ponderação, sem que isso determine sua invalidade ou
que ela seja utilizada como exceção, mas pela simples utilização de
postulados como, por exemplo, o da razoabilidade, senão vejamos:
“A norma construída a partir do art. 224 do Código Penal, ap prever o crime
de estupro, estabelece uma presunção incondicional de violência para o caso
de a vítima ter idade inferior a 14 anos. Se for praticada uma relação sexual
com menor de 14 anos, então deve ser presumida a violência por parte do
autor. A norma não prevê qualquer exceção. A referida norma, dentro do
padrão classificatório aqui examinado, seria uma regra, e, como tal,
instituidora de uma obrigação absoluta: se a vítima for menor de 14 anos, e
a regra for válida, o estupro com violência presumida deve ser aceito.
Mesmo assim, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar um caso em que a
vítima tinha 12 anos, atribuiu tamanha relevância a circunstâncias
particulares não previstas pela norma, como a aquiescência da vítima ou a
aparência física e mental de pessoa mais velha, que terminou por entender,
preliminarmente, como não configurado o tipo penal, apesar de os requisitos
normativos expressos estarem presentes. Isso significa que a aplicação
revelou que aquela obrigação, havida como absoluta, foi superada por
razões contrárias não previstas pela própria ou outra regra.
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(...) Para seguir com o exemplo já utilizado, a violência sexual só deixa de
ser presumida se houver motivos extravagantes com forte apelo
justificativo, como aquiescência manifesta da vítima e a aparência física e
mental de pessoa mais velha. Enfim, no caso de aplicação de regras o
aplicador também pode considerar elementos específicos de cada situação,
embora sua utilização dependa de um ônus de argumentação capaz de
superar as razões para cumprimento da regra. A ponderação é, por
consequência, necessária” (ÁVILA, 2015, p. 66 e 71).
Mais a mais, também não é correto afirmar que, para que uma regra
seja aplicada, deverá haver a subsunção do fato à hipótese normativa, uma
vez que a própria aplicação analógica das regras afasta essa máxima
(ÁVILA, 2015, p. 71).
Sem embargo, imperioso destacar que, para Alexy e Dworkin,
segundo essa mesma concepção, os princípios também seriam diferentes
das regras devido ao modo como são solucionadas as antinomias que
surgem entre si (ÁVILA, 2015, p. 112).
Nesse contexto, a doutrina clássica entende que: entre o conflito de
regras, que apenas ocorreria no plano abstrato, seria necessária a declaração
de invalidade de uma delas, caso não fosse aberta uma exceção; e entre o
conflito de princípios, que apenas se daria no caso concreto, não se haveria
a declaração de invalidade de um deles, mas tão somente o estabelecimento
de uma regra de prevalência diante de determinadas circunstâncias
verificáveis somente no plano de eficácia dessas normas (ÁVILA, 2015, p.
112).
Veja-se, todavia, que essa distinção, existente na própria estrutura
normativa de princípios e regras, também é falível, como aponta,
detalhadamente, Humberto Ávila, in verbis:
“O modo de aplicação das espécies normativas, se ponderação ou
subsunção, não é adequado para diferenciá-las, na medida em que toda
norma jurídica é aplicada mediante um processo de ponderação. As regras
não fogem a esse padrão, na medida em que se submetem tanto a uma
ponderação interna quanto a uma ponderação externa: sofrem uma
ponderação interna porque a reconstrução do conteúdo semântico da sua
hipótese e da finalidade que lhe é subjacente depende de um confronto entre
várias razões em favor de alternativas interpretativas (exemplo: definição do
sentido de livro para efeito de determinação do aspecto material da regra de
imunidade); submetem-se a uma ponderação externa nos casos em que duas
regras, abstratamente harmoniosas, entram em conflito diante do caso
concreto sem que a solução para o conflito envolva a decretação de
invalidade de uma das duas regras (exemplo: uma regra que determina a concessão de antecipação de tutela para evitar dano irreparável e outra regra
que proíbe a antecipação se ela provocar despesas para a Fazenda Pública).
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É inapropriado, por isso, fazer uma distinção entre as espécies normativas
com base em propriedades comuns às espécies diferenciadas – a
ponderabilidade e a superabilidade.
O mesmo ocorre com relação ao modo de solução de antinomias. Embora o
conflito entre regras resolva-se, normalmente, com a decretação de
invalidade de uma delas, nem sempre isso ocorre, podendo ser constatados
conflitos entre regras com as mesmas características dos conflitos entre
princípios – concretos, contingentes e no plano da eficácia. Por esse motivo,
descabe fundar uma distinção entre as espécies normativas no modo de
solução de antinomias se ele, em vês de estremá-las, termina aproximando-
as em alguns casos.
Registre-se que a distinção entre as espécies normativas com base no modo
de aplicação e no modo de solução de antinomias também pode conduzir, de
um lado, a uma trivialização do funcionamento das regras, transformando-as
em normas que são aplicadas de modo automatizado e sem a necessária
ponderação de razões. Mais que isso: essa distinção leva a crer que as regras
não podem ser superadas, quando, em realidade, toda norma jurídica –
inclusive as regras – estabelece deveres provisórios, como comprovam os
casos de superação das regras por razões extraordinárias com base no
postulado da razoabilidade. De outro lado, esses critérios de distinção, se
não somados a critérios precisos de aplicação e de argumentação, podem
conduzir, indiretamente, a um uso arbitrário dos princípios, relativizados
conforme interesses em jogo” (ÁVILA, 2015, p. 113-114).
Como exemplo justificador dessa incongruência da doutrina clássica,
cita-se o caso em que uma regra do Código de Ética Médica – que
determina que o médico não pode esconder nada de seu paciente, devendo
falar toda a verdade sobre sua situação de saúde – entra em conflito com
outra regra, do mesmo Código de Ética Médica, que, por sua vez,
estabelece que o médico deverá fazer tudo que estiver ao seu alcance para
curar o paciente. Suponha-se, ainda, que, no caso concreto, dizer a verdade
ao paciente sobre sua doença diminui suas chances de cura (ÁVILA, 2015,
p. 75).
No exemplo dado acima, percebe-se que o médico, ao adotar uma
postura voltada a uma das regras em destaque, estará abdicando da
observância da outra, mas sem que isso implique a invalidade de qualquer
delas e, além disso, sem que isso implique que uma delas deva ser encarada
como exceção, de modo que apenas deverá haver um sopesamento entre
essas normas-regra (ÁVILA, 2015, p. 75).
Assim, verifica-se que é plenamente possível que haja um conflito de
regras em um dado caso concreto, como ocorre normalmente com os
princípios, ao passo que também é possível que haja um conflito abstrato
entre princípios.
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Dessarte, feitas essas considerações, consectário lógico é entender que
os princípios não podem ser vistos, necessariamente, como alicerces do
ordenamento jurídico, nem mesmo podem colocar as regras em segundo
plano somente por serem princípios.
Com efeito, em primeiro lugar, nota-se que as regras consistem em
normas que visam a solucionar conflitos entre bens e interesses, com
caráter de superabilidade mais rígida, ou seja, exigem um ônus
argumentativo maior para serem superadas, ao passo que os princípios
visam à complementaridade e, portanto, possuem superabilidade mais
flexível e dependem de um ônus argumentativo menor para serem
superados (ÁVILA, 2015, p. 130-131).
Como visto, a conceituação aqui adotada permite conceber que,
quando houver colisão entre princípio e regra, é de bom grado que se dê
prevalência à segunda espécie normativa, até para que não se fique preso a
“decisionismos” e a “achismos” dos aplicadores e dos cientistas do direito
(ÁVILA, 2015, p. 131).
É lógico que, inicialmente, deve-se atentar à hierarquia normativa, de
modo que, a título exemplificativo, nenhuma regra legal possa superar um
princípio constitucional. No entanto, no caso de se tratar de regra e
princípio de mesma hierarquia, prevalecerá, normalmente, a norma-regra
(ÁVILA, 2015, p. 131).
Não obstante, há também os casos em que o princípio poderá se
sobrepor à regra de mesma hierarquia, mas apenas se ficar demonstrado
que há uma razão extraordinária que impeça a aplicação da regra, como,
por exemplo, no caso de se interpretar como norma-regra a norma
constitucional que não permite a coexistência de mais de um sindicato da
mesma categoria em uma mesma base territorial e, em contraponto,
apontarem-se os princípios da democracia e da liberdade como colidentes
(ÁVILA, 2015, p. 131). Nesse caso, a regra poderá ser julgada
inconstitucional ou, na lógica positivista, deverá deixar de ser aplicada em
razão do postulado da razoabilidade.
No mais, se o mesmo comando constitucional referido no parágrafo
anterior, em uma nova perspectiva, for interpretado como princípio da
unicidade sindical, ainda assim seria possível resolver a antinomia
principiológica surgida para com os princípios, também constitucionais, da
democracia e da liberdade, pois, como já se demonstrou, os princípios
também podem colidir no plano abstrato. Esse embate, no entanto, será
analisado com mais nitidez, nos tópicos seguintes.
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3. INCONSTITUCIONALIDADE DE NORMA CONSTITUCIONAL
ORIGINÁRIA E A possibilidade de EXISTÊNCIA DE CONTRADIÇÃO NO
DIREITO POSTO
Há, na doutrina e na jurisprudência, divergências a respeito da
(im)possibilidade de se haver limitação ao poder constituinte originário
decorrente da revolução, aquele que, por meio de uma Assembleia
Nacional Constituinte – ou órgão de mesma função –, primeiro prescreve o
direito positivo, consistente na primeira Constituição escrita de um povo
após o movimento revolucionário (BONAVIDES, 2013, p. 53); bem como
a respeito de ser, ou não, possível a existência de contradição interna na
Constituição escrita.
Diante dessa celeuma, importante esclarecer que, segundo premissas
conceituais de Direito e de Constituição adotadas, pode-se identificar que a
resposta a ambos os questionamentos é afirmativa.
Em primeiro lugar, cumpre esclarecer que a legitimidade da legalidade
não se explica por uma racionalidade independente, ínsita às prescrições
legislativas (HABERMAS, 1992, p. 30).
Além disso, registra-se que nem mesmo o discurso jurídico se legitima
por uma racionalidade baseada em uma moral-neutral, como pretendeu
Weber, senão pela estratificação do direito em regras, princípios
(HABERMAS, 1992, p. 32) e postulados (ÁVILA, 2015, p. 164).
Outrossim, a segurança jurídica visada por quem defende o contrário
se esvazia nas ausências: de possibilidade de participação de todos os
interessados na criação das leis; de oportunidades iguais em decisões
políticas; e da própria distribuição homogênea de indenizações sociais
(HABERMAS, 1992, p. 24).
Digno de nota que esses fatos, por si sós, inviabilizam o pensamento
de que um Direito Constitucional válido, criado pelo povo e para o povo,
possa ter legitimidade sem que, antes, se verifique a inexistência de
violação do mínimo ético do imperativo categórico – fundamento de
validade do ordenamento jurídico para Kant (SALGADO, 2012, p. 187, e
LUCHI, 2005, 131-134) – bem como de um agir argumentativo que, no
momento do exercício do poder constituinte originário, não pode ser
afastado, haja vista a necessária imbricação entre Direito e Moral também
no mesmo plano (HABERMAS, 1992, p. 120, e LUCHI, 2005, 131-134).
Diante disso, qualquer poder constituinte, seja ele originário ou
derivado, estaria limitado pelo Direito natural (tido como Direito
supralegal) e pela Moral desenvolvida juntamente com o direito positivo,
por meio de um agir argumentativo.
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De outro giro, mas no mesmo sentido, Otto Bachof esclarece ser
possível a existência de normas constitucionais originárias
inconstitucionais por infração ao Direito supralegal positivado na
Constituição escrita (BACHOF, 1994, p. 62) e por infração ao Direito
supralegal não positivado, existente na Lei Fundamental – aqui entendida
como Constituição em seu sentido material (BACHOF, 1994, p. 67).
Com efeito, quanto à infração do Direito supralegal positivado:
“À «Constituição», e à Constituição não só em sentido material, mas
também em sentido formal, pertence igualmente o direito supralegal, na
medida em que tenha sido positivado pelo documento constitucional. Uma
norma jurídica que infrinja direito constitucional assim positivado será,
portanto, simultaneamente «contrária ao direito natural» e inconstitucional.
Se uma norma constitucional infringir uma outra norma da Constituição,
positivadora de direito supralegal, tal norma será, em qualquer caso,
contrária ao direito natural e, de harmonia com o exposto supra (...),
carecerá de legitimidade, no sentido de obrigatoriedade jurídica. Mas não
tenho dúvida em qualificá-la também, apesar de pertencer formalmente à
Constituição, como «inconstitucional», se bem que o fundamento último da
sua não obrigatoriedade esteja na contradição com o direito supralegal: a
«incorporação material» (IPSEN) dos valores supremos na Constituição faz,
porém, com que toda a infracção de direito supralegal, deste tipo, apareça
necessária e simultaneamente como violação ao conteúdo fundamental da
Constituição” (BACHOF, 1994, p. 62-63).
Não obstante, em relação à possibilidade de infração a Direito
supralegal não positivado, o autor prossegue:
“É susceptível de dúvida o saber se também pode incluir-se na
«Constituição» (não escrita) direito supralegal que não foi positivado
através da sua transformação em direito constitucional escrito.
(...) A favor da incorporação na «Constituição» milita, a meu ver, a
circunstância de o direito supralegal ser imanente a toda a ordem jurídica
que se reivindique legitimamente deste nome e, portanto, também, e até
mesmo em primeira linha, a toda a ordem constitucional que queira ser
vinculativa” (BACHOF, 1994, p. 67-68).
Logo, conclui-se que são limites ao poder constituinte originário: a
violação de norma de Direito natural-supralegal, assim entendida aquela
constante do mínimo ético (LUCHI, 2005, p.131-134); bem como a
ausência de um agir argumentativo válido na criação das normas
constitucionais originais, por meio do diálogo entre Moral e Direito em um
mesmo plano (HABERMAS, 1992, p. 120).
De outra banda, com relação à possibilidade de se extraírem
contradições dos textos prescritivos, necessário destacar que, porque o
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conhecimento está atrelado à linguagem, a visão do Direito como um bem
cultural, principalmente a partir do giro linguístico, deve ser compreendida
como correta, visto que todo conhecimento encontra-se dentro dos
quadrantes da linguagem, de modo que os fatos culturais advêm
exatamente dessa formação de conhecimento (MOUSSALEM, 2006, p. 36-
40).
Nesse sentido, nota-se que os fatos culturais são a objetivação da vida
humana, que só acontece por meio do emprego de interpretação no
universo humano, ou seja, por meio da linguagem. Nessa senda, o direito,
como fato cultural que é, também se mostra como fruto de uma linguagem
prescritiva identificável nos corpos das estruturas normativas que o
compõem, e essas estruturas normativas nem sempre estarão postas, apesar
de identificáveis (MOUSSALEM, 2006, p. 36-40).
Por outro lado, mas no mesmo diapasão, a ciência do direito é
composta de uma linguagem descritiva, criada por meio da comunicação
com os enunciados prescritos pelo direito, ou seja, é a linguagem que
descreve a linguagem (é uma metalinguagem), de modo que, por óbvio,
não pode reduzir a linguagem do direito, apenas descrevê-la por meio de
sua linguagem específica (MOUSSALEM, 2006, p. 36-40).
Dessa forma, reconhece-se que há níveis de linguagem, na medida em
que aquela sobre que se fala é denominada linguagem objeto (prescritiva –
o direito), ao passo que aquela que fala sobre o objeto é taxada de
metalinguagem (descritiva – ciência do direito). Logo, a linguagem não é
concebida como um fim, e sim como um paradigma a partir do qual será
construído o tema proposto por meio da conversação entre o objeto e a
metalinguagem (MOUSSALEM, 2006, p. 36-40).
Nesse sentido, Paulo de Barros Carvalho identifica que: “a linguagem
científica fala a respeito de outra linguagem: a linguagem técnica do
direito positivo. Pretende dizer como ela é, investigando-a nas suas
dimensões semióticas” (apud MORAES, 2012, p. 109).
Sem embargo, lobriga-se que a linguagem científica não é utilizada
nos textos prescritivos, mas apenas pelo cientista do direito, e o que
distingue a linguagem científica da linguagem ordinária ou técnica é
justamente a ausência de vaguidade e contradição que só ocorre na
linguagem puramente científica, logo a possibilidade de contradição no
Direito prescrito é patente, na medida em que sua linguagem é, quando
muito, técnica (CARVALHO apud MORAES, 2012, p. 109).
Igualmente, destaca-se o entendimento esposado por Lourival
Vilanova, no sentido de que “os sistemas jurídicos contêm contradições
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internas e que não satisfazem suficientemente a exigência de coerência ou
consistência intra-sistemática” (VILANOVA, 1982, p. 17).
E mais: “as proposições jurídicas meramente descrevem a
contradição entre normas como um fato” (VILANOVA, 1982, p. 17).
Logo, não há contradição em descrever que “no sistema S, a norma N é
vigente”, e que “no sistema S’, a norma não-N é vigente”. Para o autor,
“descrever em proposições cognoscitivas as normas contraditórias, N e
não-N, é consistente, não contraditório” (VILANOVA, 1982, p. 18).
Assim, finalmente, conclui-se que, tanto o poder constituinte
originário possui limitações, quanto a existência de contradições no Direito
positivo é, não só aceitável, como esperada, inclusive, por parte do
legislador constituinte originário.
Quase em postimeiro, com o escopo de estabelecer um consenso ao
fim deste trabalho, importante mencionar a interessante questão com
relação à anulação das contradições no sistema do direito positivo que, para
linha de pensadores positivistas, apesar de necessária para manter-se a
unidade e a coerência do ordenamento (BOBBIO, 2011, p. 79-82), só será
possível por meio da criação de outras normas.
Logo, para os positivistas, as normas contraditórias em relação ao
ordenamento jurídico, enquanto não sobrevier nova norma, deverão ter sua
aplicação rechaçada, por se tratar de normas ineficazes (proposição), mas
não desaparecem do ordenamento enquanto prescrição.
4. LEGITIMIDADE PARA DECLARAR A
INCONSTITUCIONALIDADE DE NORMA CONSTITUCIONAL
ORIGINÁRIA
Em linhas gerais, explanou-se até aqui que uma norma constitucional
originária pode ser objeto de controle: uma vez que pode estar em
contradição com normas supralegais, seja no plano positivo, seja no âmbito
material não escrito da Constituição; ou porque pode não ter sido criada por
meio de um agir argumentativo válido; ou, ainda, porquanto em
contradição com o sistema de Direito positivo.
De fato, a princípio, reconhecer a possibilidade de controle não
significa reconhecer a competência judicial para declarar essa não
obrigatoriedade jurídica, nem significa deixar de aplicar o direito
considerado pelo juiz como não vinculativo (BACHOF, 1994, p. 70).
No entanto, Bachof advoga no sentido de que o poder judiciário
poderia, sim, realizar tal controle, senão vejamos:
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“Abstraindo por completo do facto de a Lei Fundamental ser geralmente
pouco precisa na sua terminologia, e de usar a expressão «Constituição»,
por exemplo, em sentidos inteiramente diversos – razão por que importa
advertir em geral contra uma sobrevalorização das deduções terminológicas
–, a verdade é que todo o direito materialmente incorporado na Constituição
pela Lei Fundamental, ou por ela pressuposto, se deixa também subsumir,
sem violência, no conceito de «Lei Fundamental»”(BACHOF, 1994, p. 72-
73).
É dizer, se o termo Constituição deve ser interpretado no sentido de
Constituição, ao mesmo tempo, escrita e não escrita, formal e material; e se
o judiciário é competente para a guarda da Constituição, a legitimidade do
controle pelo judiciário não pode ser rechaçada (BACHOF, 1994, p. 72-73).
Em complemento, pode-se citar o entendimento esposado por Peter
Häberle, de pensamento realista, ou seja, mais voltado à práxis do que à
teoria, mas cujo conteúdo é oportunamente reconhecido como válido por
este trabalho, uma vez que compatível com os preceitos aqui adotados:
“A vinculação judicial à lei e a independência pessoal e funcional dos juízes
não podem escamotear o fato de que o juiz interpreta a Constituição na
esfera pública e na realidade (...) Seria errôneo reconhecer as influências, as
expectativas, as obrigações sociais a que estão submetidos os juízes apenas
sob o aspecto de uma ameaça a sua independência. Essas influências contêm
também uma parte de legitimação e evitam o livre arbítrio da interpretação
judicial. A garantia da independência dos juízes somente é tolerável, porque
outras funções estatais e a esfera pública pluralista (pluralistiche
Öffentlichkeit) fornecem material para a lei” (HÄBERLE, 2002, p. 31).
Veja-se, nesse diapasão, que a lição de Häberle vai ao encontro das
disposições legais que determinam que o juiz deve observar, na aplicação
da lei (em sentido lato), a função social e o bem comum, logo, o
entendimento acima é compatível com o ordenamento jurídico brasileiro.
Além disso, Peter Häberle expõe que:
“Em resumo, uma ótima conformação legislativa e o refinamento
interpretativo do direito constitucional processual constituem as condições
básicas para assegurar a pretendida legitimação da jurisdição constitucional
no contexto de uma teoria da Democracia” (HÄBERLE, 2002, p. 49).
Não é demais frisar que a “sociedade aberta de intérpretes” apregoada
por Häberle é de notável pertinência à Teoria do Discurso de Habermas,
sobretudo em razão de que, para ambos, o Direito deve ser
interpretado/validado por todos aqueles que dele participam, seja como
criadores, seja como destinatários.
Por fim, na incessante busca, não só pela coerência, mas também pelo
consenso, passa-se a explanar sobre a dogmática adotada pelo Supremo
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Tribunal Federal em relação às normas de pactos internacionais de
conteúdo eminentemente de Direitos Humanos que são incorporadas ao
ordenamento jurídico, bem como em relação à natureza e à forma como são
incorporadas, e, também, quanto às críticas doutrinárias a esse respeito.
5. A DOGMÁTICA DO SUPREMO:
(IN)CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 5º, §3º, crfb/88.
NORMAS “SUPRALEGAIS”. Bloco de constitucionalidade.
Sabe-se que, após a criação da Organização das Nações Unidas (ONU) em
1945, foi adotada e proclamada, por mais de 40 países, inclusive o Brasil,
por meio da Resolução 217 A (III), Assembleia Geral das Nações Unidas,
em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (PIOVESAN,
2008, p. 03-04).
Esse contexto veio a corroborar a importância dos direitos humanos
enquanto norma fundamental universal de qualquer ordenamento jurídico.
Nesse sentido e na mesma linha de raciocínio deste trabalho, Flávia
Piovesan afirma que:
“A Declaração de 1948 introduz a concepção contemporânea de direitos
humanos, marcada pela universalidade e indivisibilidade desses direitos.
Universalidade porque clama pela extensão universal dos direitos humanos,
sob a crença de que a condição de pessoa é o requisito único para a
titularidade de direitos, considerando o ser humano como um ser
essencialmente moral, dotado de unicidade existencial e dignidade, esta
como valor intrínseco à condição humana. Indivisibilidade porque a garantia
dos direitos civis e políticos é condição para a observância dos direitos
sociais, econômicos e culturais e vice-versa. Quando um deles é violado, os
demais também o são. Os direitos humanos compõem, assim, uma unidade
indivisível, interdependente e inter-relacionada, capaz de conjugar o
catálogo de direitos civis e políticos com o catálogo de direitos sociais,
econômicos e culturais” (PIOVESAN, 2008, p. 04).
É dizer, com o advento da Declaração Universal de 1948 e da
concepção contemporânea de direitos humanos por ela introduzida,
começou a ser desenvolvido, com mais afinco e com maior consenso por
parte dos países, o Direito Universal aos Direitos Humanos, especialmente
por meio da adoção de inúmeros tratados internacionais voltados à proteção
desses direitos.
Quanto a esses tratados, sua internalização hierárquico-normativa no
ordenamento pátrio de há muito é objeto de discussão no Brasil, de modo
que o Art. 5º, §2º, CRFB/88 (PLANALTO, 2015) regula o tema da seguinte
maneira:
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“Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”
(PLANALTO, 2015).
Diante dessa prescrição, a discussão doutrinária e jurisprudencial
sobre a posição hierárquica dos tratados de direitos humanos celebrados
pelo Brasil seguiu quatro caminhos interpretativos: o de que a natureza
desses tratados seria de ordem supranacional; o de que eles seriam normas
constitucionais, no sentido de Constituição escrita; o de que seriam normas
supralegais (acima dos instrumentos legislativos ordinários), mas
infraconstitucional; e, por fim, o de que entrariam no ordenamento jurídico
com status de lei ordinária. Nessa discussão, destaca-se o posicionamento
de uma das maiores juristas sobre o tema:
“É nesse contexto que há de se interpretar o disposto no art. 5º, § 2º do
texto, que tece a interação entre o Direito brasileiro e os tratados
internacionais de direitos humanos. Ao fim da extensa Declaração de
Direitos enunciada pelo art. 5º, a Carta de 1988 estabelece que os direitos e
garantias expressos na Constituição “não excluem outros decorrentes do
regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em
que a República Federativa do Brasil seja parte”. À luz desse dispositivo
constitucional, os direitos fundamentais podem ser organizados em três
distintos grupos: a) o dos direitos expressos na Constituição; b) o dos
direitos implícitos, decorrentes do regime e dos princípios adotados pela
Carta constitucional; e c) o dos direitos expressos nos tratados
internacionais subscritos pelo Brasil. A Constituição de 1988 inova, assim,
ao incluir, dentre os direitos constitucionalmente protegidos, os direitos
enunciados nos tratados internacionais de que o Brasil seja signatário. Ao
efetuar tal incorporação, a Carta está a atribuir aos direitos internacionais
uma hierarquia especial e diferenciada, qual seja, a de norma constitucional.
Essa conclusão advém de interpretação sistemática e teleológica do texto,
especialmente em face da força expansiva dos valores da dignidade humana
e dos direitos fundamentais, como parâmetros axiológicos a orientar a
compreensão do fenômeno constitucional.10 A esse raciocínio se
acrescentam o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais
referentes a direitos e garantias fundamentais e a natureza materialmente
constitucional dos direitos fundamentais,11 o que justifica estender aos
direitos enunciados em tratados o regime constitucional conferido aos
demais direitos e garantias fundamentais. Essa conclusão decorre também
do processo de globalização, que propicia e estimula a abertura da
Constituição à normação internacional — abertura que resulta na ampliação
do “bloco de constitucionalidade”, que passa a incorporar preceitos
asseguradores de direitos fundamentais” (PIOVESAN, 2008, p. 08-09).
Nesse sentido, por força da interpretação sistemática dada ao Art. 5º,
§§ 1º e 2º, CRFB/88 (PLANALTO, 2015), pode-se concluir, tanto pela
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linha jusnaturalista, quanto pela juspositivista, que a Constituição escrita
brasileira decorrente do poder constituinte originário atribuiu aos direitos
humanos previstos nos tratados internacionais a hierarquia de norma
constitucional, incluindo-os no elenco dos direitos constitucionalmente
garantidos, que apresentam aplicabilidade imediata (PIOVESAN, 2008, p.
09-10).
Não obstante, essa opção do constituinte originário se justifica em
face do caráter especial dos tratados de direitos humanos e da superioridade
desses tratados no plano internacional, tendo em vista que integrariam o
chamado jus cogens – direito cogente e inderrogável –, ou seja, o direito
natural a que este artigo faz referência (PIOVESAN, 2008, p. 10).
Outrossim, reforça esse entendimento, especialmente quanto à
importância constitucional dos tratados sobre Direitos Humanos, a lição de
José Joaquim Gomes Canotilho:
“A legitimidade material da Constituição não se basta com um “dar forma”
ou “constituir” de órgãos; exige uma fundamentação substantiva para os
actos dos poderes públicos e daí que ela tenha de ser um parâmetro material,
directivo e inspirador desses actos. A fundamentação material é hoje
essencialmente fornecida pelo catálogo de direitos fundamentais (direitos,
liberdades e garantias e direitos econômicos, sociais e culturais)”
(CANOTILHO, 1993, p. 74).
Por outro lado, note-se que a hierarquia infraconstitucional dos demais
tratados internacionais, que não possuem conteúdo de direitos humanos, é
extraída do art. 102, III, b, CRFB/88 (PLANALTO, 2015), que confere ao
Supremo Tribunal Federal (STF) a competência para julgar, mediante
recurso extraordinário, “as causas decididas em única ou última instância,
quando a decisão recorrida declarar a inconstitucionalidade de tratado ou
lei federal” (PIOVESAN, 2008, p. 11).
Assim, essa previsão foi, por vezes, equivocadamente interpretada
pelo próprio STF e por alguns doutrinadores, no sentido de que todos os
tratados internacionais, inclusive aqueles cujo conteúdo aborda direitos
humanos, estariam hierarquicamente no mesmo plano das leis ordinárias
(PIOVESAN, 2008, p. 11):
“Sustenta-se, assim, que os tratados tradicionais têm hierarquia
infraconstitucional, mas supralegal. Esse posicionamento se coaduna com o
princípio da boa-fé, vigente no direito internacional (o pacta sunt servanda),
e que tem como reflexo o art. 27 da Convenção de Viena, segundo o qual
não cabe ao Estado invocar disposições de seu direito interno como
justificativa para o não-cumprimento de tratado. À luz do mencionado
dispositivo constitucional, uma tendência da doutrina brasileira, contudo,
passou a acolher a concepção de que os tratados internacionais e as leis
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federais apresentavam a mesma hierarquia jurídica, sendo portanto aplicável
o princípio “lei posterior revoga lei anterior que seja com ela
incompatível”.” (PIOVESAN, 2008, p. 11).
Entrementes, no ano de 2004, o poder constituinte derivado
acrescentou o §3º ao Art. 5º, CRFB/88, por meio da emenda Constitucional
n.º 45, e estabeleceu, a partir de então, que os tratados e convenções
internacionais sobre direitos humanos pactuados pelo Brasil que forem
aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três
quintos dos votos dos respectivos membros, deverão ser considerados
emendas constitucionais (PLANALTO, 2015).
Entretanto, em vez de solucionar o problema, o §3º em comento
acabou por trazer ainda mais discussões à questão sob análise. Veja-se que,
face aos argumentos aqui lançados, sustentou-se que a hierarquia
constitucional desses tratados já se extraía da interpretação sistemática do
Art. 5º, §§ 1º e 2º, CRFB/88, ou seja, para resolver a celeuma, a redação do
aludido §3º deveria abraçar a hierarquia formalmente constitucional de
todos os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos
ratificados, e afirmar, categoricamente, que esses tratados possuem
hierarquia constitucional, e não apenas condicionar os novos tratados a
serem assinados a uma aprovação qualificada (PIOVESAN, 2008, p. 18).
Assim, certo é que a redação do Art. 5º, §3º, CRFB/88, trouxe à tona
outro problema: como ficariam os tratados ratificados anteriormente à
Emenda Constitucional nº 45/2004, já que todos contaram com ampla
maioria na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, excedendo,
inclusive, o quórum dos três quintos dos membros em cada Casa, mas que,
por inexistência de previsão nesse sentido, não foram aprovados por dois
turnos de votação em cada Casa? (PIOVESAN, 2008, p. 18).
Adiante-se que essa resposta não poderia ser a mesma que o STF
vinha aplicando outrora, no sentido de que seriam equiparados à lei
ordinária, já que, de uma forma ou de outra, o acréscimo constitucional em
questão veio a corroborar, em certa medida, a ideia de que os tratados
internacionais que versam sobre direito fundamental são materialmente
constitucionais. Nessa linha, assinala Piovesan:
“Reitere-se que, por força do art. 5º, § 2º, todos os tratados de direitos
humanos, independentemente do quorum de sua aprovação, são
materialmente constitucionais, compondo o bloco de constitucionalidade. O
quorum qualificado está tão-somente a reforçar tal natureza, ao adicionar
um lastro formalmente constitucional aos tratados ratificados, propiciando a
“constitucionalização formal” dos tratados de direitos humanos no âmbito
jurídico interno. Como já defendido por este trabalho, na hermenêutica
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emancipatória dos direitos há que imperar uma lógica material e não formal,
orientada por valores, a celebrar o valor fundante da prevalência da
dignidade humana. À hierarquia de valores deve corresponder uma
hierarquia de normas22 , e não o oposto. Vale dizer, a preponderância
material de um bem jurídico, como é o caso de um direito fundamental,
deve condicionar a forma no plano jurídico-normativo, e não ser
condicionado por ela” (PIOVESAN, 2008, p. 19).
Diante disso, em razão do mais atual jugado do Supremo Tribunal
Federal a respeito do tema, foi revigorado o posicionamento anteriormente
já defendido por Sepúlveda Pertence no ano de 2000 (PIOVESAN, 2008, p.
17), pois, no julgamento do Recurso Extraordinário 349.703-1, em que se
discutia a prisão civil do depositário infiel, por maioria e a partir do voto do
Ministro Gilmar Mendes, sob o argumento da adesão do Brasil ao Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos e à Convenção Americana sobre
Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), ambas em 1992,
decidiu-se que não haveria base legal para a prisão civil do depositário
infiel (PIOVESAN, 2008, p. 21-22).
Essa decisão baseou-se no caráter “supralegal” (acima dos
instrumentos legislativos ordinários e abaixo da constituição) desses
diplomas internacionais, de modo a tornar inaplicável toda a legislação
infraconstitucional com ele conflitante, seja ela posterior ou anterior ao ato
de internalização desses pactos (PIOVESAN, 2008, p. 21-22).
Entretanto, Flávia Piovesan se inclina a entender que o
posicionamento do voto divergente do Ministro Celso de Mello seria o
mais correto:
“Ao avançar no enfrentamento do tema, merece ênfase o primoroso voto do
Ministro Celso de Mello a respeito do impacto do art. 5º, § 3º e da
necessidade de atualização jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal,
quando do julgamento do HC 87.585-8, em 12 de março de 2008,
envolvendo a problemática da prisão civil do depositário infiel. À luz do
princípio da máxima efetividade constitucional, advertiu o Ministro Celso
de Mello que "o Poder Judiciário constitui o instrumento concretizador das
liberdades constitucionais e dos direitos fundamentais assegurados pelos
tratados e convenções internacionais subscritos pelo Brasil. Essa alta
missão, que foi confiada aos juízes e Tribunais, qualifica-se como uma das
mais expressivas funções políticas do Poder Judiciário. (...) É dever dos
órgãos do Poder Público -- e notadamente dos juízes e Tribunais -- respeitar
e promover a efetivação dos direitos humanos garantidos pelas
Constituições dos Estados nacionais e assegurados pelas declarações
internacionais, em ordem a permitir a prática de um constitucionalismo
democrático aberto ao processo de crescente internacionalização dos direitos
básicos da pessoa humana". É sob esta perspectiva, inspirada na lente "ex
parte populi" e no valor ético fundamental da pessoa humana, que o
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Ministro Celso de Mello reavaliou seu próprio entendimento sobre a
hierarquia dos tratados de direitos humanos, para sustentar a existência de
um regime jurídico misto, baseado na distinção entre os tratados tradicionais
e os tratados de direitos humanos, conferindo aos últimos hierarquia
constitucional. Neste sentido, argumentou: "Após longa reflexão sobre o
tema, (...), julguei necessário reavaliar certas formulações e premissas
teóricas que me conduziram a conferir aos tratados internacionais em geral
(qualquer que fosse a matéria neles veiculadas), posição juridicamente
equivalente à das leis ordinárias. As razões invocadas neste julgamento, no
entanto, convencem-me da necessidade de se distinguir, para efeito de
definição de sua posição hierárquica em face do ordenamento positivo
interno, entre as convenções internacionais sobre direitos humanos
(revestidas de "supralegalidade", como sustenta o eminente Ministro Gilmar
Mendes, ou impregnadas de natureza constitucional, como me inclino a
reconhecer) e tratados internacionais sobre as demais matérias
(compreendidos estes numa estrita perspectiva de paridade normativa com
as leis ordinárias). (...) Tenho para mim que uma abordagem hermenêutica
fundada em premissas axiológicas que dão significativo realce e expressão
ao valor ético-jurídico -- constitucionalmente consagrado (CF, art.4o, II) --
da "prevalência dos direitos humanos" permitirá, a esta Suprema Corte,
rever a sua posição jurisprudencial quanto ao relevantíssimo papel, à
influência e à eficácia (derrogatória e inibitória) das convenções
internacionais sobre direitos humanos no plano doméstico e
infraconstitucional do ordenamento positivo do Estado brasileiro. (...) Em
decorrência dessa reforma constitucional, e ressalvadas as hipóteses a ela
anteriores (considerado, quanto a estas, o disposto no parágrafo 2o do art.5o
da Constituição), tornou-se possível, agora, atribuir, formal e materialmente,
às convenções internacionais sobre direitos humanos, hierarquia jurídico-
constitucional, desde que observado, quanto ao processo de incorporação de
tais convenções, o "iter" procedimental concernente ao rito de apreciação e
de aprovação das propostas de Emenda à Constituição, consoante prescreve
o parágrafo 3o do art.5o da Constituição (...). É preciso ressalvar, no
entanto, como precedentemente já enfatizado, as convenções internacionais
de direitos humanos celebradas antes do advento da EC n.45/2004, pois,
quanto a elas, incide o parágrafo 2o do art.5o da Constituição, que lhes
confere natureza materialmente constitucional, promovendo sua integração
e fazendo com que se subsumam à noção mesma de bloco de
constitucionalidade".” (PIOVESAN, 2008, p. 24).
No entanto, não é demais frisar que, segundo entendimento calcado
nas premissas desta pesquisa, as normas de tratados internacionais cujo
conteúdo verse sobre direitos humanos possuem caráter Constitucional
(formal e material, escrito e não escrito), quer seja quando tratem do
mínimo ético do ordenamento jurídico, quer seja por força da
argumentação-moral mais robusta declinada pelo Ministro Celso de Mello.
Ademais, cabe destacar, ainda, a possibilidade de se interpretar que,
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caso o entendimento contido no voto do Ministro Celso de Mello não seja o
adotado pela nova composição do STF, o Art. 5º, §3º, CRFB/88, estaria a
diminuir a garantia fundamental prevista no §2º do mesmo artigo e, por
consequência, haveria uma colisão de prescrição normativa do poder
constituinte originário – Art. 5º, §2º c/c as cláusulas pétreas do Art. 60, §4º,
IV, ambos, CRFB/88 – (PLANALTO, 2015) com o poder constituinte
derivado, de modo que prevaleceria, nesse caso, como já exposto, o poder
originário por ser hierarquicamente superior e por se tratar de norma
atinente ao núcleo de criação do próprio direito posto (BONAVIDES, 2013,
p. 54).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. 16ª ed. São Paulo: Editora
Malheiros, 2015.
BACHOF, Otto. Normas Constitucionais Inconstitucionais? Trad. José
Manuel M. Cardoso da Costa. Ed. Livraria Almedina: Portugal, 1994.
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. São Paulo: Edipro,
2011.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 15ª ed. São Paulo:
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________________. A Constituinte de 1987-1988 e a Restauração do
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