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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CAMPUS I
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDO DE LINGUAGENS
ABDON MENDES BORGES SANTANA
NÓS E A GENTE
UM RETRATO DO PORTUGUÊS POPULAR DE SALVADOR
SALVADOR
2014
ABDON MENDES BORGES SANTANA
NÓS E A GENTE
UM RETRATO DO PORTUGUÊS POPULAR DE SALVADOR
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Estudo de Linguagens da Universidade
do Estado da Bahia – UNEB, como parte dos
requisitos para obtenção do grau de Mestre em Letras.
Orientadora:
Profª. Drª. Norma da Silva Lopes.
SALVADOR
2014
FICHA CATALOGRÁFICA
Sistema de Bibliotecas da UNEB
Bibliotecária: Jacira Almeida Mendes – CRB: 5/592
Santana, Abdon Mendes Borges
Nós e a gente: um retrato do português popular de Salvador / Abdon Mendes Borges Santana. –
Salvador, 2014.
114f.
Orientadora: Norma da Silva Lopes.
Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Ciências Humanas.
Colegiado de Letras. Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens. Campus I. 2014.
Contém referências.
1. Língua portuguesa - Regionalismo - Bahia. 2. Língua portuguesa - Variação. 3. Língua
portuguesa - Vícios de linguagem. I. Lopes, Norma da Silva. II. Universidade do Estado da Bahia,
Departamento de Ciências Humanas.
CDD: 469.798142
EXAME DE DISSERTAÇÃO
SANTANA, Abdon Mendes Borges. Nós e a gente: um retrato do português popular de
Salvador. Dissertação de Mestrado. Salvador:
UNEB, 2014.
BANCA EXAMINADORA:
___________________________________________________________________________
Professora Doutora Norma da Silva Lopes – Orientadora
___________________________________________________________________________
Professora Doutora Cristina dos Santos Carvalho – UNEB
___________________________________________________________________________
Professora Doutora Marcela Moura Torres Paim – UFBA
___________________________________________________________________________
Professora Doutora Ligia Pellon de Lima Bulhões – UNEB
Suplente
__________________________________________________________________________
Professora Doutora Marian dos Santos Oliveira – UESB
Suplente
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus pela força e coragem nesta caminhada.
À minha família pelo apoio e compreensão.
À diretora da Escola Municipal Manoel Henrique da Silva Barradas Jaqueline Mangueira pelo
apoio e compreensão desde o início.
À colega Carla Carvalho, companheira desde a graduação no curso de Língua Espanhola, pelo
incentivo, apoio e um pouco de inglês instrumental.
Aos colegas do PPGEL, tantos os da Linha 1 quanto da Linha 2, pelo companheirismo e pelas
resenhas.
A todos do PPGEL, corpo docente e funcionários, pela gentil dedicação que sempre me
prestaram.
À professora Sandra Carneiro de Oliveira, pela atenção e discussão acerca da investigação.
E principalmente à Profª. Drª. Norma da Silva Lopes, minha orientadora, que tem sido, desde
a graduação como aluno de iniciação científica, minha madrinha acadêmica, pela orientação,
paciência, dedicação e carinho que dedico este poema:
NORMA
Norma não é obrigação,
É tomar pela mão
Para não caminhar sozinho.
Norma não é permissão,
É quando preciso dizer “não”
E mostrar qual o melhor caminho.
Norma vai além da razão,
É muito mais que direção,
Ela é coração, amizade e carinho.
“o escritor e o fotógrafo utilizam as mesmas ferramentas, mas
enquanto descreve uma imagem com mil palavras o outro descreve
mil palavras com uma imagem.”
Jefferson Luiz Maleski
“A câmera é um instrumento que ensina a gente a ver sem câmera”
Dorothea Lange
RESUMO
Com base nos pressupostos teóricos e metodológicos da sociolinguística variacionista
(LABOV, [1972] 2008), essa dissertação faz um retrato do uso variável dos pronomes nós e a
gente na função de sujeito discursivo no Português popular falado em Salvador, aqui descritos
e analisados. Para este estudo, foram analisados 12 inquéritos do corpus do PEPP, divididos
em três faixas etárias e em escolaridade, ensino fundamental ciclos 1 e 2; e ensino médio. Os
fatores selecionados pelo pacote de programas computacional VARBRUL como relevantes
para o uso da variável nós foram o paralelismo discursivo, indeterminação do sujeito,
saliência fônica, faixa etária e a escolarização, na análise geral da amostra. Outras análises
com variáveis amalgamadas foram realizadas com a finalidade de obter melhores resultados.
Em geral o estudo concordou com pesquisas anteriores (OMENA, 1996; LOPES, 1993;
NASCIMENTO, 2013). Em termos gerais, o uso de a gente tem o triplo de ocorrência que o
nós na variedade popular, confirmando a hipótese de que o uso da forma inovadora utilizada
nas camadas mais populares seria muito maior do que a fala culta.
PALAVRAS-CHAVE: Salvador. Variação. Português Popular. Nós e a gente como sujeito.
RESUMEN
Con base en los presupuestos teóricos y metodológicos de la sociolingüística variacionista
(LABOV, [1972] 2008), esa disertación hace una fotografia del uso variable de los
pronombres nós y a gente en la función de sujeto discursivo en el Portugués popular hablado
en Salvador, aquí descritos y analisados. Para este estudio, fueron analisados 12 inquéritos del
corpus del PEPP, divididos en tres fajas etárias y en escolaridad de la enseñanza fundamental
ciclos 1 e 2 y enseñanza mediana. Los fatores elegidos por el paquete de programas
computacional VARBRUL como relevantes para el uso de la variable nós fueran el
paralelismo discursivo, indeterminación del sujeto, saliéncia fónica, edad y la escolarización,
en el análisis general de la amostra. Otros análisis con variábles amalgamadas fueram
realisados con fin de obtener mejores resultados. El estudio está en acuerdo con
investigaciones anteriores (OMENA, 1996; LOPES, 1993; NASCIMENTO, 2013). En
términos generales, el uso de a gente tiene o triplo de ocurriencias que el nós en la variedad
popular, confirmando la hipótesis de que el uso de la forma innovadora utilizada en las
camadas más populares seria más grande que el habla culta.
PALABRAS-CLAVE: Salvador. Variación. Portugués Popular. Nós y a gente como sujeto.
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1: Uso de Nós/ A gente PEPP. 64
Gráfico 2: Uso de Nós / A gente em NURC-SSA-LOPES; NURC-SSA-NASCIMENTO;
PEPP 65
Gráfico 3: Condicionamento do paralelismo formal no uso de Nós PEPP. 67
Gráfico 4: Condicionamento do paralelismo formal no uso de Nós NURC-SSA e PEPP 67
Gráfico 5: Condicionamento da (in) determinação do sujeito no uso de Nós PEPP. 70
Gráfico 6: Condicionamento da saliência fônica no uso de Nós PEPP. 71
Gráfico 7: Condicionamento da saliência fônica no uso de Nós NURC- LOPES e PEPP. 73
Gráfico 8: Condicionamento da faixa etária no uso de Nós PEPP. 75
Gráfico 9: Condicionamento da faixa etária no uso de Nós em NURC-SSA-LOPES, NURC-
SSA-NASCIMENTO e PEPP. 76
Gráfico 10: Condicionamento da escolaridade no uso de Nós PEPP. 77
Gráfico 11: Condicionamento do efeito da escolaridade e faixa etária no uso de Nós PEPP. 77
Gráfico 12: Condicionamento do efeito do gênero/sexo e faixa etária no uso de Nós PEPP. 79
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Grupos de fatores controlados 51
Quadro 2: Código de variáveis 52
Quadro 3: Distribuição dos Inquéritos do PEPP 53
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Uso de Nós / A gente PEPP. 64
Tabela 2: Uso de Nós / A gente em NURC-SSA-LOPES; NURC-SSA-NASCIMENTO;
PEPP. 65
Tabela 3: Condicionamento do paralelismo formal no uso de Nós PEPP. 66
Tabela 4: Condicionamento do paralelismo formal no uso de Nós NURC-LOPES e PEPP. 66
Tabela 5: Condicionamento da (in) determinação do sujeito no uso de Nós PEPP. 69
Tabela 6: Condicionamento da saliência fônica no uso de Nós PEPP. 70
Tabela 7: Condicionamento da saliência fônica no uso de Nós NURC-LOPES e PEPP. 72
Tabela 8: Condicionamento da faixa etária no uso de Nós PEPP. 74
Tabela 9: Condicionamento da faixa etária no uso de Nós em NURC-SSA-LOPES, NURC-
SSA-NASCIMENTO e PEPP. 75
Tabela 10: Condicionamento da escolaridade no uso de Nós PEPP. 76
Tabela 11: Condicionamento do efeito da escolaridade e faixa etária no uso de Nós PEPP. 77
Tabela 12: Condicionamento do efeito do gênero/sexo e faixa etária no uso de Nós PEPP. 78
Tabela 13: Frequência de uso de Nós PEPP – Inclusão do eu. 80
Tabela 14: Frequência de uso de Nós PEPP – Segundo Gênero/Sexo. 81
Tabela 15: Frequência de uso de Nós em NURC-LOPES; NURC-SSA-NASCIMENTO e
PEPP – Gênero/sexo. 81
LISTA DE ABREVIATURAS
DID Diálogos entre Informante e Documentador
DOC. Documentador
INF. Informante
INQ. Inquérito
L1 Língua 1
L2 Língua 2
NURC Projeto Norma Linguística Urbana Culta
PB Português Brasileiro
PE Português Europeu
PEPP Programa de Estudos do Português Popular Falado em Salvador
PP Português Popular
PPP Português Popular do Brasil
P.R. Peso relativo
Ocor. Ocorrências
TLI Transmissão Linguística Irregular
TLR Transmissão Linguística Regular
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 15
1. PORTUGUÊS BRASILEIRO: RETRATO PANORÂMICO 18
2. SOB A LENTE DA SOCIOLINGUÍSTICA 25
3. NÓS E A GENTE EM FOCO 31
3.1 TRAJETÓRIA DE A GENTE 31
3.2 ESTUDOS SOBRE NÓS E A GENTE NO PORTUGUÊS BRASILEIRO 36
4. METODOLOGIA 48
4.1 DELIMITAÇÃO DO CORPUS DO PEPP 48
4.2 DESCRIÇÃO DAS VARIÁVEIS E HIPÓTESES 49
4.2.1Variável dependente 49
4.2.2 Saliência fônica 53
4.2.3 Paralelismo formal 55
4.2.4 Inclusão do eu 57
4.2.5 (In) determinação do sujeito 59
4.2.6 Gênero/sexo 61
4.2.7 Faixa etária 61
4.2.8 Escolaridade 62
5. FOTOGRAFANDO: RESULTADOS 64
5.1 VARIÁVEIS SELECIONADAS 66
5.1.1 Paralelismo formal 66
5.1.2 (In) determinação do sujeito 68
5.1.3 Saliência fônica 70
5.1.4 Faixa etária 74
5.1.5 Escolaridade 76
15
INTRODUÇÃO
Registrar o instante, o momento, que pode ser trivial ou especial, não importa, o fato é
que, ao fazer um registro, o ser humano tenta apreender o real, representando-o e tornando-o
significativo. Assim, desde os tempos das cavernas, o homem registra a realidade por meio de
imagens, figuras, esculturas, pinturas, fotos, vídeos, etc., em um exercício constante de
apreensão da realidade e compreensão das mudanças.
Pode-se considerar que um dos mais importantes instrumentos de registro é a
fotografia, e que, inclusive ela, passou por grandes mudanças. Com o avanço das tecnologias
de informação e comunicação (TICs) que vêm se intensificando desde a segunda metade do
século XX, a fotografia passou dos rolos de filme negativo das máquinas fotográficas
analógicas para as fotos digitais nas telas touch screen dos celulares, tablets, e congêneres,
especialmente, as máquinas fotográficas digitais.
Entretanto, as mudanças, tecnológicas inclusive, não chegam para todos igualmente,
nem são aceitas por todos, o que é natural em sociedade, que como qualquer uma é
heterogênea por si mesma. Dessa forma, é tão comum ver a habilidade com que os
adolescentes digitam textos em seus celulares usando apenas os polegares ou como
conseguem tirar fotos de si mesmos, às vezes melhor do que se fossem tiradas por uma
segunda ou terceira pessoa; enquanto, os mais velhos não conseguem enviar um emotion pelo
celular.
Lidar com o novo nem sempre é fácil, mas parece contraditório que as pessoas aceitem
melhor que um aparelho celular mude completamente de um ano para o outro, e, no entanto,
relutam em aceitar com naturalidade a mudança linguística (BAGNO, 2011).
O uso de pronomes pessoais no preenchimento da posição de sujeito tem sido objeto
de estudo de importantes pesquisas variacionistas no Brasil (LUCCHESI, 2009; OMENA,
1996; LOPES, 1993; OLIVEIRA, 2008) que buscam o entendimento da situação em que se
encontra o fenômeno na atualidade, analisando possíveis indícios de mudança linguística.
Essas pesquisas visam a dar conta do fenômeno do preenchimento do sujeito por meio de
pronome pessoal, ou quando se admite a elipse, como via de regra, para se evitar redundância,
uma vez que o verbo flexionado já traz informação sobre a pessoa do discurso.
16
Utilizando a “lente” da sociolinguística variacionista, a presente pesquisa pretende
fotografar o uso variável de nós e a gente na função de sujeito no corpus do Programa de
Estudos do Português Popular Falado em Salvador, doravante PEPP.
O PEPP, construído entre 1998 e 2000, foi, na sua constituição, coordenado pela
professora doutora Norma da Silva Lopes, e como pesquisadoras as professoras Constância
Maria Borges de Souza e Emília Helena Portella Monteiro de Souza, tendo o apoio da
Universidade do Estado da Bahia, por meio do Departamento de Ciências Humanas e da Pró-
Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação.
O PEPP é constituído por 48 inquéritos, 24 homens e 24 mulheres soteropolitanos, em
4 faixas-etárias e com os níveis de escolaridade Fundamental e Médio, representando a massa
popular. O método de coleta de dados do PEPP foi a entrevista do tipo Diálogo entre
Informante e Documentador (DID), em situação de fala semi-espontânea, utilizando como
temas de conversa a família e infância, a educação e a atividade ocupacional.
Para esta pesquisa foram selecionados aleatoriamente 12 inquéritos dos 48 inquéritos
que constituem o PEPP, estratificados em gênero/sexo, idade (apenas três faixas-etárias de 15
a 24 anos, 25 a 35 e de 65 anos em diante), e escolaridades fundamental (de 1 a 4 anos) e
ensino médio (11 anos de escolarização).
A constituição do corpus do PEPP visa a contribuir com dados para pesquisas sobre a
formação e os caminhos do português brasileiro na sua variedade popular.
Tem-se demonstrado que, na variedade oral do português considerado culto, ocorre
uma disseminação do uso da forma a gente no lugar de nós (OMENA, 1996; LOPES, 1993).
Essa pesquisa se volta para as seguintes questões:
1. Em relação à variedade popular em que grau se encontra a referida
disseminação?
2. Quais fatores favorecem a implementação da forma a gente na variedade
popular?
Tentando responder a essas questões, tomou-se como objetivos deste trabalho:
1. Geral: Descrever e analisar as variáveis – sociais e linguísticas – que
influenciam a utilização dos pronomes nós / a gente no português falado em
Salvador.
2. Já os objetivos específicos são os seguintes:
a. Verificar as tendências gerais das variantes nós / a gente, levando-se em
conta os seguintes fatores linguísticos e sociais:
a) paralelismo,
17
b) inclusão do eu,
c) (in) determinação do sujeito,
d) saliência fônica,
e) gênero/sexo,
f) faixa etária,
g) escolaridade.
b. Comparar os resultados obtidos nesta pesquisa com aqueles apresentados
no referencial teórico e também, quando possível, com a pesquisa sobre a
mesma variável no corpus do Projeto Norma Urbana Culta – NURC-SSA –
(LOPES, 1993), (NASCIMENTO, 2013).
Esta dissertação constitui-se de Introdução, além de cinco capítulos e as Referências.
O estudo inicia com o capítulo “Português Brasileiro: Retrato Panorâmico”, que versa sobre a
formação do PB e as principais teorias sobre as suas origens. Seguido pelo capítulo “Sob a
lente da sociolinguística”, que se constitui de um levantamento dos aspectos teóricos e
metodológicos da sociolinguística variacionista (LABOV, [1972] 2008).
O capítulo seguinte, “Nós e A Gente em foco”, está subdividido em: “Trajetória de a
gente”, que trata do processo de gramaticalização da palavra portuguesa gente. Na segunda
sessão, “Estudos sobre nós e a gente no Português Brasileiro”, são apresentados resultados de
pesquisas sociolinguísticas que, além de descreverem as formas nós a gente, explicam
contextos de uso e fatores linguísticos e sociais que favorecem as escolhas de nós e a gente.
O capítulo “Metodologia” contém informações sobre o método de estudo, a
composição da amostra, a descrição dos grupos de fatores a serem pesquisados e as hipóteses
de trabalho.
No penúltimo capítulo, intitulado “Fotografando: resultados”, está contida a análise
dos dados com discussão dos resultados e, o último, “Revelações”, são as considerações finais
desta pesquisa.
18
1. PORTUGUÊS BRASILEIRO: RETRATO PANORÂMICO
A diferença entre o Português Europeu (PE) e o Português Brasileiro (PB) é notória,
assim como, também, é conhecida a distinção e o status quo entre a variedade culta e a
popular do PB. No entanto as razões dessa diferenciação ainda é alvo de estudos que tomam
como foco a origem do PB. Nesse campo, se situam três linhas teóricas conflitantes: a
crioulização (GUY, 2005 apud LINS, 2009); a transmissão irregular na aquisição de
linguagem (LUCCHESI, 2012); ou, ainda, a deriva natural da língua (NARO; SCHERRE,
2007). Conforme salienta Lins (2009):
a partir da afirmação de que as três hipóteses interpretativas existentes não
conseguem, de modo pleno e satisfatório, dar conta da interpretação dos
processos imbricados na formação do PB – fato que se comprova pelas
lacunas que apresentam, dúvidas que suscitam e pelos acirrados e acalorados
debates alimentados, em congressos nacionais e internacionais, entre
lingüistas e estudiosos da história do português em território brasileiro.
(LINS, 2009, p. 275)
Embora, esta pesquisa não tenha como objetivo decidir qual das hipóteses acerca da
origem do PB seja a correta ou mais acertada, até porque o corpus estudado não nos permitiria
tal proeza, mas sim conhecer e analisar as “forças” linguísticas e sociais, que atuaram ao
longo da história da formação linguística do Brasil.
Entre os principais defensores da hipótese de crioulização prévia na formação do PB é
o linguista Gregory Riordan Guy (2005 apud LINS, 2009) que acredita na presença de traços
crioulizantes no variante popular do PB, tanto na fonologia, morfologia e sintaxe. Guy
sustenta sua hipótese de crioulização prévia no Brasil, com bases em estudos de pidgin de
línguas africanas de base portuguesa, não só em evidências linguísticas, mas também em
fatores sociais como aspectos sócio-demográficos e principalmente na presença de negros
africanos em condição de escravidão no período colonial e imperial do país. Para entender
melhor em que se fundamenta a hipótese de crioulização prévia de Guy faz-se necessário
aclarar os conceitos de pidgin e crioulização explicitados por Naro (1973).
Naro (1973) faz referência ao pidgin na formação de uma língua crioula. O pidgin
provém da necessidade de comunicação de grupos que não partilham o mesmo sistema
linguístico, mas que entraram em contato íntimo por causa de fatores externos como o
comércio, a guerra, a migração etc. Contudo o pidgin não se constitui uma língua nativa.
19
Como exemplo, pode-se citar o russo-nork, um sistema de comunicação com elementos tanto
russos quanto noruegueses, oriundo do intenso comércio de pescado entre russos e
noruegueses, que não chegou a ser a base da língua da comunidade.
Para um pidgin se transformar em uma língua nativa, deve passar por uma expansão e
renovação lexical e gramatical, sistema denominado língua crioula; ainda que em parte
fundamentada num pidgin, é a língua nativa de certa comunidade. A língua crioula, por sua
vez, do ponto de vista diacrônico, difere de qualquer língua natural. Já sobre a ótica da
sincronia, ela está sujeita às mesmas regras gramaticais universais, uma vez que fora
constituída como primeira língua, assim como qualquer outra língua.
Conforme Naro (1973), o pidgin concorre com a língua de base, que fornece a maioria
dos componentes lexicais, e com as de substrato, que fornecem algumas estruturas
gramaticais. No primeiro caso, o pidgin se insere na fala dos adultos. Por outro lado, a língua
de base modifica a fala em direção à simplificação, enquanto a língua de substrato procura se
igualar a língua dos falantes da base. Todavia, nos primeiros estágios de pidginização as
versões variam de um falante para o outro devido a fatores como background linguístico,
quantidade de prática, etc. Isso faz com que haja carência de um grau de sistematização, ou
seja, a falta de um conjunto de regras para que se possa formular uma gramática para o pidgin.
Isso também se aplica ao crioulo. É necessário dizer que os adultos são agentes da
pidginização, enquanto as crianças, possuidores da gramática universal (GU), são da
crioulização devido ao uso de mecanismos que as permitem construir uma gramática
particular de sua própria língua nativa de acordo com os universais linguísticos.
A gramática crioula é formada a partir dos usos da geração de adultos, pela língua de
base e pelas línguas de substrato que culminará em dados para primeira geração de língua
crioula. Contudo, o conjunto das sentenças geradas pela gramática crioula, geralmente não
coincidirá com os daquela em cujos dados se baseou. Desta maneira, na língua crioula, que é
uma língua natural, pode haver estruturas não correspondentes à língua de base, nem ao
pidgin.
A relação entre pidgin e crioulo com a língua de base ou língua alvo, segundo os
linguistas, varia em proporções. Para alguns linguistas, tanto o processo de pidginização
quanto o de crioulização diferem da mudança natural de uma comunidade homogênea só em
número e não em tipo (NARO, 1973).
Portanto a mudança natural é gerada por modificações inconscientes das regras da
gramática inovadora, contudo dentro de uma gramática. Já a mudança crioula, apesar de ser
uma língua nativa, parte de dados dos adultos criados, pois são falantes que não têm mais a
20
faculdade de linguagem, pela simplificação e por outras tentativas de aprendizagem da língua
alvo. Assim, o processo de crioulização, a partir do pidgin formado da base e do substrato até
chegar ao crioulo é formalmente diferente da mudança natural de língua.
Segundo Naro (1973), os adultos, que não possuem mais a faculdade da linguagem,
são os agentes da pidginização cujas regras gramaticais não se sujeitam às restrições
universais. Por seu turno, a língua crioula, embora tenha com o pidgin uma relação
sistemática, não significa que seja produto da mesma forma de mudança natural. As
influências de substrato são limitadas e de difícil análise nos casos das formas superficiais
resultantes. Pelo fato de os pidgins, embora separados, mostrarem semelhanças no seu
desenvolvimento, esse dado evidencia uma realidade psicológica dos elementos gramaticais
afetados.
Guy (2005 apud LINS, 2009) reafirma sua posição a cerca da crioulização prévia no
PB quando diz que:
A evidência sócio-histórica indica a entrada e a saída de falantes de crioulos
e as condições suficientes para a crioulização, e a evidência interna do PPB
indicam vários traços mais de acordo com uma história de crioulização do
que com qualquer outra explicação. (GUY 2005 apud LINS, 2009, p. 277).
Ainda que a hipótese de crioulização prévia na formação do PB tenha sido alvo de
críticas por vários estudiosos, (NARO; SCHERRE, 2007), (LUCCHESI, 2012), (LINS,
2009), sua importância se deve ao foco na distinção entre o PB e o PE tendo como o agente o
negro africano no Brasil, pela sua contribuição linguística e cultural na formação do povo
brasileiro.
Outra linha teórica a respeito da formação do PB é a hipótese de transmissão
linguística irregular (TLI) defendida por Lucchesi (2012), baseada na observação sincrônica
de variações de comunidades isoladas, que, segundo o autor, podem refletir diacronicamente a
constituição dos padrões linguísticos, principalmente do Português Popular do Brasil (PPB).
Verifica-se que, atualmente, restritas regiões brasileiras afrodescendentes isoladas e de difícil
acesso, constituíram-se documento para estudo da formação do PB em situação de
escravização.
Cabe antes de adentrar na hipótese de TLI uma breve explicação do conceito de
transmissão linguística regular (TLR). Entende-se TLR como forma normal, natural de
aquisição de linguagem pelas crianças no processo de socialização que se manifesta de modo
inconsciente, enquanto na TLI a aquisição da língua – como segunda língua (L2) – pelos
21
adultos se manifesta de modo consciente com base de amostra não susceptível de uma análise
ordenada, com grau de caoticidade (LINS, 2009).
O estudo da fala de comunidades afro-brasileiras isoladas oferece indícios do processo
de contato entre línguas e sua influência na formação do PB e indica vertentes da realidade
linguística do Brasil, principalmente no PPB, como os estudos em Helvécia, extremo sul da
Bahia, por exemplo. Lucchesi argumenta que só um conceito amplo de TLI daria conta de
interpretar determinados processos históricos em que uma dada língua sofre alterações
significativas em decorrência de seus padrões de uso, o que implicaria em surgimento de
línguas pidgins e crioulas (LUCCHESI, 2012). Lucchesi (2012) defende a TLI de tipo leve no
contexto PPB brasileiro, segundo o qual:
No plano linguístico, a maior diferença entre os processos típicos de
pidginização e crioulização, que representam os casos mais radicais de
transmissão linguística irregular, e os processos de transmissão linguística
irregular mais leve, como no caso da formação das variedades populares da
língua portuguesa no Brasil, é que, no primeiro caso, a gramática da
variedade linguística que se forma na situação de contato é constituída
basicamente por elementos exógenos, enquanto, no segundo caso, os
elementos gramaticais da língua do grupo dominante suplantam eventuais
processos embrionários de gramaticalização e de transferência do substrato. (LUCCHESI, 2012, p.58)
Nesse contexto, a língua alvo se apresentaria de forma não regular e, decerto,
desordenado, impulsionando mecanismos de redução e simplificação para suprir as
necessidades comunicativas urgentes que superariam a precariedade gramatical da L2 ao qual
foram expostos os africanos no Brasil, “nesse sentido, o conceito de transmissão linguística
irregular de tipo leve é o que melhor dá conta do tipo de mudança que caracteriza essa
variedade linguística” (LUCCHESI, 2012, p.57). Tais reduções caracterizam o processo de
TLI em: (a) variação no uso de morfologia flexional e palavras gramaticais; (b) alteração dos
valores dos parâmetros sintáticos em função de valores não marcados; e (c) gramaticalização
de itens nas lacunas da estrutura linguística (LUCCHESI, 2012).
A questão da variação de uso da concordância verbal e nominal no PB não se restringe
a comunidades afro-brasileiras, mas nas áreas rurais, independente de origem étnica (NARO;
SCHERRE, 2007), o que, segundo Lins (2009), põe em xeque a hipótese de TLI na aquisição
do PB pelos africanos. Lins (2009) ainda lança uma série de questionamentos sobre a TLI
que foram desde as alegadas mudanças gramaticais ocorridas no processo de TLI e onde estas
residiriam até a questão-chave: como o processo de TLI explicaria a diferença entre PB e PE?
Sem desmerecer a existência ou não de TLI no PB, Lins (2009) conclui que:
22
hipótese em questão também não dá conta de interpretar a constituição
histórica do PB, embora, de certo, não possa ser posta à revelia/à parte, por
serem inegáveis os contributos de suas análises e de sua fundamentação
teórica, e o quanto significam para o desvelamento do cortinado de fatores
lingüísticos, históricos e sociais que potencializaram a configuração do PB.
(LINS, 2009, p. 284)
Vale ressaltar que a hipótese de TLI coaduna com pesquisa de Lopes (2009) no estudo
da concordância nominal na fala de Salvador, no corpus do PEPP. Assim, na sua pesquisa na
fala da cidade do Salvador, a autora considera que a população soteropolitana foi centro
urbano de escravização, os negros não tinham o português como L1 até os fins do século XIX,
o número de africanos e crioulos juntos era maior que a população de origem portuguesa,
sendo a maioria da população analfabeta. Houve após o fim da escravidão uma migração de
ex-escravos de municípios do Recôncavo para a capital baiana e essa população teve pouco
acesso ao PE. Além disso, o PE que chegou a Salvador era muito diversificado. Em resumo,
um contexto de aprendizagem irregular do português, principalmente nas camadas sociais
mais carentes como os escravos, alforriados, ex-escravos, crioulos e mestiços que passam a
fazer parte dos usuários do português popular brasileiro.
A terceira hipótese acerca da formação do PB a ser analisada nesta pesquisa é a da
“deriva secular” e a da “confluência de motivos”, lançadas por Anthony Julius Naro e Marta
Scherre, descritas na obra Origens do Português Brasileiro (NARO; SCHERRE, 2007).
Nessa obra, os autores Naro e Scherre (2007) apresentam argumentos que defendem a sua
posição sobre a origem do português brasileiro, principalmente o PPB, que é alvo de estigma
social. Segundo esses autores, alguns fenômenos presentes no português popular se
encontram nas línguas românicas e no português arcaico e clássico, rechaçando as hipóteses
de crioulização, de descrioulização e de transmissão linguística irregular, sem, no entanto,
negar a contribuição africana para sócio-história do português brasileiro. Logo, segue a linha
teórica da deriva natural da língua, assim como uma confluência de motivações que
impulsionaram as mudanças linguísticas previstas e realizadas, ainda que em menor grau, no
PE nos períodos arcaicos, clássicos e até nos dias atuais.
Assim, os autores fazem um panorama reflexivo sobre as origens do PB tendo como
posição teórica a “confluência de motivos” oriunda de diversas partes e impulsionando o que
já era previsto e, até certo grau, visto no PE. Embora os autores não especifiquem quais
seriam as forcas motivacionais, apenas refletem sobre as mesmas e se fixam em três aspectos
gramaticais distintivos entre PE e PB: concordância verbal e nominal variável e variação no
pronome sujeito (importante para nossa pesquisa), conforme ressalta Lins (2009). Essa teoria
23
se contrapõe à hipótese da crioulização e suas variações. Naro e Scherre (2007) tomam como
argumento primeiro a trajetória histórica da nação portuguesa que já era marcada por
situações de contato linguístico bem antes do descobrimento e colonização do Brasil.
Portanto, segundo os autores, as diferenças entre o PB e o PE são de grau e não de tipo.
A argumentação histórica, sob a luz de eventos em que o PE esteve em situação de
contato linguístico com outros povos ao longo de sua história, se divide em antes e depois da
colonização do Brasil. Entre os eventos de contatos entre povos que não falavam o português
que antecederam à colonização brasileira, os autores destacam: a presença árabe na península
ibérica entre os séculos VIII e XI, assim como as Cruzadas na Idade Média, em que se usava
como língua de contato o sabir, embora não existam registros sobre essa época. Tratava-se de
um sistema verbal de base lexical românica flexível a ponto de incluir itens de diversas
línguas que variavam de acordo com a situação de contato em que se encontravam, sendo os
principais o sabir ocidental (Mediterrâneo Ocidental e norte da África) e sabir oriental
(Oriente Médio). Sabe-se, pois, que ambas variantes já apresentavam formas variáveis de
flexões verbais e uso pronominal acentuado, tal como “mim saber” ao invés de “eu sei”,
formas recorrentes no sabir oriental. Já no século XVI, início da colonização portuguesa no
Brasil, já existia uma estratégia de comunicação entre luso-falantes e não-falantes, usada nas
primeiras explorações na África Ocidental, denominada “língua de preto”, também registrada
na colonização espanhola nas Américas, que era constituída de traços variantes pidginizantes,
incluindo a variação de flexão verbal e nominal.
A partir do descobrimento do Brasil por parte dos portugueses, no início da
colonização, a língua de contato utilizada na comunicação com os índios foi a “língua geral”.
Dessa maneira, as línguas gerais atendiam as necessidades de contato entre europeus e os
demais povos no território nacional, principalmente os povos indígenas, pois essas línguas
eram utilizadas como primeira língua das mães indígenas e de seus descendentes mestiços, e
como segunda língua para seus pais europeus. No entanto, as línguas gerais não formaram
pidgins nem crioulos, uma vez que não houve transmissão irregular, sendo muito semelhantes
ao “português de preto” utilizado na Europa e na África. Em outro viés, a partir do século
XVIII a língua portuguesa se intensificou entre a população brasileira, chegando ao grau de
predominância que existe hoje (NARO; SCHERRE, 2007).
Segundo Naro e Scherre (2007), não há registro de quaisquer influências de línguas
africanas sobre a portuguesa nem sequer sobre as línguas gerais, no período colonial
brasileiro, levando em conta que essas línguas supriam as necessidades de contato entre
europeus, indígenas e africanos. Além disso, a população negra era minoria na época. De
24
acordo com esse panorama, os autores (NARO; SCHERRE, 2007) são categóricos ao afirmar
que não houve africanização do português no Brasil a ponto de constituir-se um “português
negro” tal como ocorreu nos EUA com o “Black English”, tampouco, uma crioulização. Logo,
segundo os autores, resume-se o ambiente linguístico no Brasil nos primeiros séculos como
predomínio das línguas gerais, principalmente a paulista, com diversas línguas de contato no
aprendizado do português, e de elementos pidiginizantes europeus.
No entanto, a hipótese da deriva secular ou natural com a confluência de motivos
carece, de acordo com Lins (2009), de especificações mais detalhadas:
se houve deriva e se ela foi motivada por uma confluência de motivos
impulsionados pelo caráter genético da língua, haveria a necessidade de se
especificar quais aspectos genéticos estiveram presentes ou foram
preponderantes nesse processo, uma vez que “confluência de motivos”
abarca uma série de possibilidades de fatores que influiriam em determinada
direção, podendo alterar o resultado do produto lingüístico. (LINS, 2009, p.
288)
É importante salientar que nossa pesquisa não tem intuito de advogar acerca de uma
ou outra linha teórica sobre a origem do PB e de suas diferenças em relação o PE, mas
fotografar o PP de Salvador através do uso de nós e a gente. Ainda que seja inegável a
contribuição dos africanos, trazidos como escravos para o Brasil, para a formação do PB,
assim como a predominância quase que absoluta dos afro-descendentes na constituição da
camada popular brasileira e, principalmente, da população de Salvador, não é possível afirmar
tacitamente que a situação de contato entre línguas, à qual foram submetidos os africanos em
solo brasileiro, tenha acarretado numa mudança linguística significativa na estrutura
gramatical do PB que o fez distanciar-se do PE, especialmente, em relação ao quadro
pronominal e o preenchimento do sujeito plural do PB.
Motivada ou não por uma confluência de motivos (NARO; SCHERRE, 2007), ou
processo de crioulização e suas variantes (GUY, 2005 apud LINS, 2009), ou até mesmo por
aquisição de L2 pelos africanos por meio de uma transmissão linguística irregular
(LUCCHESI, 2012), é notória a diferença entre o PE e o PB.
25
2. SOB A LENTE DA SOCIOLINGUÍSTICA
Entende-se sociolinguística como ciência que estuda as variações e as mudanças
linguísticas num contexto social, e considera que, nas comunidades de fala, existirão, com
frequência, formas linguísticas em variação. Assim, a análise sociolinguística passa então a
tomar como objeto de estudo o caráter variante dos usos linguísticos. Desse modo, considera a
inexistência da variação livre, mas, sim, de uma heterogeneidade estruturada, tendo como
pressuposto que a escolha das variantes não é aleatória, mas relacionada a alguns grupos de
fatores, que podem ser sociais ou linguísticos. E essa relação entre uso linguístico e sociedade
está longe de ser nula, porque envolve relações de poder, estigma e prestígio, assim, esses
itens constituem temas de interesse sociolinguístico (MOLLICA, 2004). Bright faz uma
síntese dessa relação, no trecho: “A tarefa da sociolinguística é, portanto, demonstrar a
covariação sistemática das variações linguística e social, e, talvez, até mesmo demonstrar uma
relação causal de uma ou outra direção” (BRIGHT, 1974, p. 17).
A seguir, serão apresentadas breves descrição e análise da teoria a partir da obra
“Padrões Sociolinguísticos” (LABOV, [1972] 2008), no qual estão contidos os princípios
teóricos que nos serviram de base. Essa obra é relevante porque contém os princípios teóricos
e metodológicos da sociolinguística variacionista, apresentados a partir das próprias
experiências do autor como pesquisador e sociolinguista.
Para Labov, a mudança linguística envolve três problemas: a origem das variações
linguísticas; a difusão e a propagação das mudanças linguísticas; e a regularidade da mudança
linguística. Esse modelo parte do princípio da existência de variações na fala dos indivíduos; e
essas variações podem ser aferidas nos processos de assimilação ou dissimilação, analogia,
empréstimo, fusão, contaminação, variação aleatória, etc. Esse modelo também foi adotado
por Omena (1996) e Lopes (1993; 2003; 2004) no estudo do uso de nós e a gente no
português brasileiro culto. No processo de variação e mudança, só algumas variantes
recorrentes no uso entram em contraste até que uma delas se sobreponha a outras. Os fatores
estruturais são importantes no processo de difusão das mudanças linguísticas, mas não podem
responder por si só pela mudança, ou seja, as forças internas da língua só têm efeito quando
relacionadas dentro de um contexto social.
Labov perpassa de modo crítico pelas teorias que tentam explicar o mecanismo da
mudança linguística. Para ele o procedimento diacrônico, modelo seguido por linguistas
históricos, não dá conta da mudança em seu percurso. O desenvolvimento da mudança
26
linguística só pode ser entendido, segundo o autor, quando relacionado ao contexto social da
comunidade onde ela ocorre, isto é, considerar a correlação entre fatores linguísticos e sociais
como elementos inerentes à mudança.
Ao reconhecer a relevância do contexto social da comunidade de fala em estudo no
entendimento dos mecanismos da mudança linguística, Labov dedica sessão à descrição
sócio-cultural e histórica da comunidade de Martha‟s Vineyard, no estado de Massachusetts,
Estados Unidos. E argumenta que um ponto a ser considerado pelo sociolinguista é a escolha
da variável linguística a ser estudada. Aponta como relevantes três critérios de eleição da
variável linguística, a saber: frequência, estruturação e estratificação.
Labov ([1972] 2008) também examina a dimensão da variação linguística, que
diferencia os falantes segundo seu status social. Para tanto, encontra na sociologia e em sua
metodologia de pesquisa os instrumentos teórico-metodológicos apropriados para a correlação
entre uso linguístico variável e a estratificação social do falante em uma dada comunidade de
fala. Nos estudos da fala dos nova-iorquinos, Labov identifica grande variação linguística
coerente com a estratificação social, como estrutura complexa e regular muito encontrada nas
sociedades urbanas. Portanto, os usos variáveis da língua partilham do conjunto de normas
que regem o comportamento social dos indivíduos numa sociedade e, mais especificamente,
uma comunidade de fala.
Em relação à mudança linguística, Labov defendeu que o estudo das estruturas
linguísticas variantes oferece comprovação empírica para análise estrutural no nível funcional,
como também permite os estudos detalhados da mudança linguística em progresso. A
mudança se dá, segundo esse pesquisador, em dois estágios: na origem, que consiste em usos
variáveis restritos a um grupo de pessoas; na propagação, em que a variação é adotada por
grandes grupos de falantes.
No segundo estágio, da propagação, as forças sociais agem sobre as formas
linguísticas com pressões vindas de cima (representadas pelos processos de correção social e
hipercorreção) e pressões vindas de baixo (abaixo do nível de percepção consciente). Labov
examinou, entre outros fenômenos, a hipercorreção da classe média baixa da cidade de Nova
York e a sua influência no processo de mudança, na conexão entre variação linguística e
variação social. Desse modo, a relação entre uso linguístico e estratificação social na
comunidade de fala nova-iorquina caracteriza formas variantes em conflito que se direcionam
para adoção da realização de prestígio elencada pelos falantes de meia-idade da classe média
baixa, motivadas pela hipercorreção, por isso a hipercorreção por parte da classe média baixa
27
foi considerada nos estudos de Labov na cidade de Nova York como fator de aceleração da
mudança linguística em curso.
O estudo das mudanças linguísticas em progresso também traz seus próprios
problemas como: Problema da transição, segundo o qual a mudança passa de um estágio para
outro, nas relações dicotômicas entre “cadeias que avançam versus cadeias que retrocedem” e
“movimento constante versus alterações súbitas e descontínuas” (LABOV, [1972] 2008, p.
217); O problema do encaixamento em que as correlações entre sistemas linguísticos e não-
linguísticos (sociais) agem impulsionando a mudança; e o problema da avaliação que
relaciona os correlatos subjetivos (ou latentes) das mudanças objetivas (ou manifestas) ou o
julgamento dos falantes frente às variantes.
A linha seguida pelo autor nessa pesquisa foi a doutrina uniformitarista que pode ser
referida como a “afirmação de que os mesmos mecanismos que operam para produzir as
mudanças em larga escala do passado podem ser observados em ação nas mudanças que
presentemente ocorrem à nossa volta” (LABOV, [1972] 2008, p. 217). Labov conclui que as
pressões linguísticas e sociais agem sistematicamente no mecanismo da mudança linguística e
que se faz necessário, para melhor entendimento de mudança linguística, correlacionar os
fatores estruturais linguísticos com os sociais, ao invés, de analisá-los separadamente.
Para entender melhor a relação estabelecida entre a linguística e a sociolinguística no
tocante dos estudos da língua em seu contexto social, Labov traça um percurso histórico das
abordagens teórico-metodológicas da linguagem em seu uso social. Saussure (1962, p.321
apud LABOV, [1972] 2008, p. 217) distinguiu a langue (língua) da parole (fala), mas já
concebia a langue como “parte social da linguagem” e a linguística como “ciência que estuda
a vida dos signos no seio da vida social” (LABOV, [1972] 2008, p. 217). No entanto, os que
seguem a tradição saussuriana não valorizam a vida social nos estudos da linguagem, pois
abordam a língua dissociada de um contexto de uso real, configurando o paradoxo
saussuriano: “o aspecto social da língua é estudado pela observação de qualquer indivíduo,
mas o aspecto individual somente pela observação da língua em seu contexto social”
(LABOV, [1972] 2008, p. 217). O sucesso dos estudos da língua dissociada do contexto
social por parte dos gerativistas e seguidores também se deve aos problemas inerentes ao
estudo da fala. As elencadas foram:
1. A agramaticalidade da fala, pois parte da crença de que os falantes nativos
nunca cometem erros, no entanto, a fala está repleta de exemplos de frases
agramaticais, não sendo, portanto, evidências da competência do falante;
28
2. A variação na fala e na comunidade de fala, oriunda do pressuposto de que a
existência de formas variáveis para dizer “a mesma coisa” está associada a
“mistura dialetal” ou “alternância de código”, ou ainda de “variação livre”,
negando a variação como constitutiva do sistema linguístico;
3. A dificuldade de ouvir e gravar existe, se comparada aos estudos dos
foneticistas realizados em laboratórios e salas à prova de som, que seriam as
condições ideais para captação dos sinais de forma mais clara possível;
4. A raridade das formas sintáticas, segundo a qual é possível que o falante não
use as formas sintáticas previstas, substituindo-as por outras que, para os estudos
da langue, deixaria o pesquisador sem saída;
5. E, no estudo das intuições, em que Chomsky esperava que a maioria dos
falantes tivessem os julgamentos intuitivos da língua bem claros e, dessa forma,
pudessem elucidar como se constitui a competência do falante.
No entanto, a própria linguística voltada para a langue ou a competência encontra
problema na relação entre os dados e a teoria, principalmente nos itens de gramaticalidade e
acessibilidade das intuições acerca da língua. Porém, as dificuldades de operar com a fala
cotidiana, alegadas para se restringir aos dados linguísticos e intuições acerca da língua, têm
suas soluções descritas por Labov. Após uma lista de estudos sobre a fala no contexto social
real, Labov se reporta às questões metodológicas do estudo da fala e do paradoxo do
pesquisador. Assim, ele enumera cinco axiomas metodológicos que são:
1. Alternância de estilo, porque o falante não possui somente um estilo de fala;
2. Atenção que se evidencia através do automonitoramento;
3. Vernáculo, que para os estudos sociolinguísticos oferece dados mais
sistemáticos para análise da estrutura lingüística;
4. Na Formalidade, tem-se uma equação inversamente proporcional à atenção que
o falante dá à fala, isto é, quanto menos se observa que o falante se preocupa e se
autocontrola na fala, mais se aproxima do maior grau de informalidade;
5. Bons dados são obtidos, na grande maioria dos casos, em grande quantidade,
por meio da conversa gravada individual, embora se crie com essa situação, um
ambiente não-natural da fala cotidiana.
Com isso, temos o paradoxo do pesquisador, em que se visa estudar a fala cotidiana
de indivíduos em situação em que não estão sistematicamente observadas, no entanto os
dados só podem ser obtidos através de observação sistemática. A solução desse problema
29
recai mais uma vez sobre o pesquisador que precisa criar estratégias para romper o
constrangimento inicial da situação de entrevista em direção ao vernáculo.
Devem ser levadas em conta as questões que são inerentes à sociolinguística, tais
como: variável sociolinguística definida como correlacionada a alguma variável não-
linguística no contexto social; um marcador sociolinguístico estável; a variável gênero
também influi nos usos linguísticos, e parece serem as mulheres os falantes que menos usam
as formas estigmatizadas nos centros urbanos; a hipercorreção na relação de estratificação
social também foi observada como fator influente no uso da norma linguística de prestígio.
Enfim, Labov advoga que “a teoria linguística não pode ignorar o comportamento social dos
falantes de uma língua, tanto quanto a teoria química não pode ignorar as propriedades
observadas dos elementos” (LABOV, [1972] 2008, p. 298).
Labov argumenta a respeito da mudança linguística no panorama social dentro do
prisma diacrônico. Dessa maneira, ele discorre sobre a abordagem da linguística e da
sociolinguística em relação à língua com fato social, sendo tal concepção uma unanimidade,
isto é, todos entendem a língua como fato social, mas nem todos dão ênfase a esse aspecto da
língua, principalmente nos estudos da mudança linguística.
Assim, os tópicos retomados foram: variação linguística e variação social; nível de
abstração; função da diversidade; princípio da uniformidade; encaixamento da mudança
linguística no contexto social; avaliação e reações subjetivas à mudança. Contudo, a mudança
não se dá somente por fatores sociais, como também há fatores internos à língua que
independem de influências extralinguísticas, como condicionamentos universais e transição
de estágios de mudanças. Assim, os fatores sociais que podem influenciar os mecanismos da
mudança linguística apontados por Labov são: (i) classe socioeconômica, em que há relações
de estratificação social que envolvem também a linguagem, configurada pelo status social de
uma determinada variação que é mais prestigiada que outras; (ii) etnia; (iii) regionalização;
(iv) gênero/sexo.
Portanto Labov conclui que, para compreensão do processo de mudança linguística,
precisa considerar os fatores extralinguísticos (sociais), assim como os fatores internos
(linguísticos). A mudança surge a partir de um traço linguístico utilizado por um subgrupo e,
à medida que progride, se dissemina para outros grupos, e, no decorrer do tempo, adquire
complexidade e extensão, criando mecanismos de aceitabilidade e de rejeição (prestígio e
estereótipos) relacionados à estratificação social e o status do grupo falante de tal traço, agora
como uso variável.
30
Ao considerar seu pioneirismo e a relevância de suas pesquisas, sendo aquele que mais
estudou a fala no seu contexto social, desde a perspectiva da heterogeneidade constituinte da
língua, conclui-se que Labov foi quem melhor retratou a pesquisa sociolinguística
variacionista. A nossa pesquisa, que visa retratar o uso variável de nós e a gente na função
sujeito no português popular falado em Salvador, encontra na linha laboviana o aporte teórico
necessário ao seu desenvolvimento.
31
3. NÓS E A GENTE EM FOCO
Ajustar o foco da máquina fotográfica é uma ação tão comum para quem vai
fotografar, seja um fotógrafo profissional ou amador, que consiste basicamente em dois
movimentos: afastar e aproximar para poder enquadrar os elementos da imagem que devem
ser fotografados, isso, é claro, depende dos objetivos do usuário – o fotografo. Com o
pesquisador, no nosso caso o sociolinguista, não é muito diferente, pois ele faz
constantemente o ajuste de foco, ou seja, se aproxima e se afasta do seu objeto de estudo, em
consonância com seus objetivos e arcabouço teórico-metodológico.
Dessa maneira, nesse capítulo, vamos ajustar o foco da nossa pesquisa em dois
momentos. O primeiro momento no movimento de afastar o ângulo para uma análise da
trajetória histórica e de uso da forma a gente no português. O segundo, aproximando o foco
para os estudos variacionistas do uso de nós e a gente no português brasileiro.
3.1 A TRAJETÓRIA DE A GENTE
Ao ajustar o foco em direção ao uso de nós e a gente no PB, especialmente em sua
variedade popular, implica inevitavelmente em buscar traçar a trajetória histórica da forma a
gente até a atual situação de concorrência com a forma nós na função de sujeito no quadro
pronominal do PB. Para tanto, toma-se como base as pesquisas de Lopes (2003; 2004).
Porém, antes mesmo de analisar o percurso histórico e linguístico do a gente pronominal, faz-
se necessário uma descrição da forma segundo a gramática normativa.
Almeida (1952) define a gente como terceira pessoa gramatical, não inclusa no quadro
de pronomes pessoais, mas se aproximando de pronomes ou expressões de tratamento. De
maneira semelhante, Bechara (1966, p. 117) define a gente como “referência a um grupo de
pessoas em que se inclui a que fala, ou a esta sozinha, passa a pronome e se emprega fora da
linguagem cerimoniosa”. Cunha e Cintra (1999, p. 214) consideram como “Forma de
representação da 1ª pessoa” que, no coloquial, emprega-se no lugar de nós e, também por eu.
Segundo Lopes (2003), a forma a gente deriva do substantivo latino gěns, gěntis que
significava “raça”, “tribo”, “povo de uma localidade”, também se relacionava com o termo
homo gentis (pessoa da família). A forma substantiva gente, no PE, era utilizada tanto no
32
singular quanto no plural até o século XV mas, a partir do século XVI, o plural entra em
declínio ao passo que o singular ganha espaço no uso de tal forma.
O uso plural e o singular relativo ao percurso da forma substantiva de a gente
acarretou o emprego de concordância semântica que, predominantemente, levava o predicado
ao plural. Isso se devia em grande parte, conforme Lopes (2003), à relação de indeterminação
do sujeito e da equivalência, no português arcaico, com o vocábulo homem, que funcionava
tanto como substantivo quanto pronome indefinido.
Lopes (2003) ainda aponta a incoerência entre as gramáticas normativas ao classificar
a forma a gente que, ora a consideram forma de representação da primeira pessoa, ora como
forma de tratamento, ou como pronome indefinido. Sobre essa última classificação de a gente,
a autora argumenta que, o fato de ter sido herdado do substantivo gente o caráter genérico e
global leva diversos pesquisadores a entenderem como mecanismo de indeterminação do
sujeito.
No entanto, considerando o atual estágio evolutivo de a gente, classificá-la como
pronome indefinido constitui-se um grande equívoco, sendo o mais apropriado considerá-la
como pronome pessoal (LOPES, 2003), ou até mesmo o termo “Índice de Pessoa”, utilizado
por Bagno (2011, p.739), seria mais coerente.
Excetuando a nomenclatura cunhada por Bagno (2011), tem-se então o seguinte
esquema evolutivo: “GENTE [NOME GENÉRICO] → A GENTE [PRONOME
INDEFINIDO] → A GENTE [PRONOME PESSOAL]” (LOPES, 2003, p. 11).
Segundo Lopes (2003, p. 11), a forma a gente também interfere na relação de
concordância entre o sujeito e o verbo, estabelecendo concordância semântica em detrimento
da concordância formal, principalmente nas camadas populares brasileiras. Isto é, entre as
pessoas com pouco ou nenhum grau de instrução formal, ocorrem construções do tipo “a
gente vamos hoje”, “a gente tínhamos de voltar”, em que o falante entende que se trata de si
mesmo e de outras pessoas a ele associado. Além disso, pode ser notado um paralelismo ou
mesmo uma flutuação entre os usos de nós e a gente e a concordância verbo-predicativa.
“Considerar a gente como variante de nós, implica admitir que a forma nós,
tradicionalmente entendida como „plural de eu‟, pode apresentar várias possibilidades de
compreensão...” (BENVENISTE, 1988 apud LOPES, 2003, p. 12), tais como: eu+tu/você,
eu+ele/ela, eu+vós/vocês, eu+eles/elas, eu+todos. De modo que:
33
A forma plural refere-se a um conjunto de pessoas com quem se fala,
admitindo também um valor indeterminado, abrangente, genérico e até
difuso. A diferenciação semântica coaduna-se com uma distinção formal,
uma vez que o sentido expresso e os radicais das formas eu/ nós e tu/vós são
completamente distintos. A introdução de formas você (s)/ a gente ratifica a
ideia de que a pluralização do eu/tu por nós/vós não se processa pela junção
de elementos iguais [...] (LOPES, 2003, p. 12)
A fim de definir o processo diacrônico da gramaticalização da forma a gente, Lopes
(2003), sob a perspectiva funcionalista, aplica os cinco princípios de gramaticalização
(HOPPER, 1991 apud LOPES, 2003), que são:
a) layering (estratificação), que corresponde à coexistência de variantes com a
mesma função gramatical, sendo assim facilmente aplicável ao uso de nós e a
gente, uma vez que a substituição do primeiro pelo segundo não aconteceu,
mantendo dessa maneira uma competição entre as duas formas, no português
falado, conforme pesquisas anteriores (LOPES, 1993, 2003; OMENA, 1996;
LUCCHESI, 2002 e outros);
b) divergência, em que se mantém o item lexical original (substantivo gente);
especialização refere-se às opções de uso da construção gramatical emergente e os
limites a ela impostos, podendo se tornar obrigatório seu uso em determinados
contextos (OMENA, 1996);
c) persistência de traços semânticos originais que permanecem na forma
pronominal, como a referência indeterminadora e genérica do substantivo gente;
d) e, por fim, “estipula que as formas em processo de gramaticalização tendem a
perder ou neutralizar os marcadores morfológicos e os privilégios sintáticos
característicos das formas plenas e assumir os atributos das formas secundárias”
(OMENA & BRAGA, 1996 apud LOPES, 2003, 12-14).
Independente das linhas teóricas que estudaram o percurso da forma a gente no PB,
Lopes (2003, p. 15) considera a “gramaticalização como um subconjunto da mudança
linguística”. Logo, “a gramaticalização ocorreria quando um item lexical se torna, em certas
circunstâncias, um item gramatical ou quando itens gramaticais se tornam ainda mais
gramaticais”:
É como se os elementos lexicais fossem perdendo suas potencialidades
referenciais de representar ações, qualidades e seres do mundo biossocial e
fossem ganhando a função de estruturar o léxico na gramática, assumindo,
por exemplo, funções anafóricas e expressando noções gramaticais como
tempo-modo, aspecto. (LOPES, 2003, p. 16).
34
No entanto, em relação à forma pronominal a gente não houve perda total das
potencialidades referenciais herdadas do substantivo gente como a característica
indeterminadora e genérica, mas por outro lado houve uma “cristalização” quando assume a
função pronominal e já “não poderia mais sofrer expansão ou concordância ou receber
adjetivação ou determinação” (MENON, 1996 apud LOPES, 2003, 17).
A partir disso, busca-se compreender a distinção entre as duas classes gramaticais que
envolvem nesse caso a gramaticalização, ou seja, quais são as características que diferem os
nomes dos pronomes, uma vez que se entende ter havido uma mudança categorial de a gente.
A relação de semelhanças e diferenças entre nomes e pronomes pessoais é melhor explicada
nos seguintes termos de Lopes (2003):
Mas apesar de os pronomes e os substantivos exercerem as mesmas funções
sintáticas (núcleo do sujeito, complementos e sintagmas preposicionados),
há pelo menos uma diferença fundamental em termos de comportamento
sintático: os pronomes, principalmente os pessoais, ao contrário dos nomes,
não podem ser antecedidos por determinantes e funcionam, em geral, como
núcleos isolados no SN (LOPES, 2003, p. 18).
A concepção tradicional de pronomes pessoais, principalmente com relação aos
substantivos, ainda é muito conflitante, tanto no nível sintático quanto no oracional, devido ao
conceito de pronome como substituto do nome, mas se deve fundamentalmente em equipará-
los, pronomes pessoais e nomes, de modo geral sem analisar os grupos e subgrupos de
funções por eles exercidas.
Dentre as especificidades distintivas de nomes e pronomes pessoais, Lopes (2003, p.
28-29) destaca os traços de gênero, pessoa e número: os substantivos variáveis com o traço
[+animado] possuem correspondência de gênero feminino formal [afem] e semântica [aFEM],
já entre os invariáveis há casos de isomorfismo formal e semântico, a exemplo de vaca
[+fem], rei [-fem], pai [-fem]. Porém, se substantivo refere-se genericamente a ambos os
sexos, o gênero semântico é “neutro”, como casos de pessoa [+fem] e [FEM], vítima [+fem]
e [FEM], povo [–fem] e [FEM], multidão [+fem] e [FEM]. O grupo dos substantivos
inanimados não é codificado quanto ao gênero semântico. Assim, Lopes (2003; 2004)
compreende que uma das etapas de gramaticalização da forma a gente se deu a partir da perda
de traço formal e semântico de gênero [+fem] (a gente ficou arrasada [referência exclusiva a
mulheres]) > [fem] (a gente ficou arrasado [referência mista ou exclusiva a homens]).
35
A especificação de pessoas como característica distintiva de nomes e pronomes
pessoais em que se atribui valor positivo [+EU], incluindo o falante, negativo [-EU],
excluindo o falante, e para terceira pessoa, “neutro”, aponta como “não-pessoa”
(BENVENISTE, 1988 apud LOPES, 2003, p. 30), como traço inerente aos pronomes
pessoais. No entanto, a forma gramaticalizada a gente inclui por vezes, tanto o locutor quanto
seu interlocutor, construindo assim o esquema evolutivo: gente [eu, EU] > a gente [eu,
EU].
Já em relação ao traço de número, a autora postula que:
O a gente pronominal designa, mais comumente, um todo abstrato,
indeterminado e genérico, representando o conjunto base “ser–pessoa”,
perdendo, gradativamente, o sentido de “+ de um”. O que reforça a hipótese
do [PL] é que a forma cristalizada a gente, cuja referência conceptual é
uma massa indeterminada de pessoas disseminada na coletividade – com o
eu necessariamente incluído – herdou, justamente, a possibilidade
combinatória com o singular, e não com o plural. Além disso, a gente pode
ser usado por eu. (LOPES, 2003, p. 31)
Lopes (2003) chega à conclusão de que não houve uma mudança de (+) > (-), ou vice-
versa, sugerindo alteração na escala de valor na transição de gente para a gente, que parece ter
ocorrido principalmente nos traços subespecificados.
A autora analisa o processo da gramaticalização da forma a gente, segundo os
postulados da sociolinguística variacionista. A sua pesquisa linguística se dá através de estudo
em tempo real de longa e de curta duração, conjugando os estudos de tendências e painel.
Para análise do tempo real de longa duração, a autora fez uso dos corpora de textos escritos
do século XIII ao XX, priorizando as obras teatrais que reproduzissem características da
oralidade. Já para o estudo em tempo real de curta duração e em tempo aparente foram
utilizadas entrevistas do Arquivo Sonoro da Fala Culta do Rio de Janeiro do Projeto Norma
Linguística Urbana Culta (NURC), com comunidade linguística de dois momentos diferentes,
entre a década de 70 e 90, e também entrevistas gravadas entre 1992 e 1996.
Na primeira análise, Lopes (2003) constatou que a pronominalização de a gente foi
lenta e gradual, uma vez que só foram identificadas ocorrências esporádicas como pronome
no século XVIII, ainda assim com dubiedade interpretativa, tanto como sinônimo de pessoa
quanto de variante de nós. Desse modo, Lopes destaca:
36
Na análise em tempo real de longa duração, confirmou-se a
gramaticalização de a gente que passa, a partir do século XX, a comportar-se
como os outros pronomes pessoais (eu, tu/você, ele/ela), ou seja, torna-se
subespecificado semanticamente quanto ao gênero [FEM], tendendo a
combinar-se com adjetivos no masculino e/ou no feminino, dependendo do
sexo do referente. Quando há o traço de número plural, contudo, a
concordância com o masculino parece ser a mais produtiva, principalmente
nos casos em que o falante se refere a um grupo misto de pessoas ou quando
a referência é genérica. (LOPES, 2003, p. 78)
Em relação à análise dos dados de fala contidos no NURC-RJ, a autora observou que
“a substituição de nós por a gente se está efetivando progressivamente nos últimos 30 anos,
seja entre os falantes cultos, seja entre os não-cultos no Rio de Janeiro” (LOPES, 2004, p. 68).
Em resumo, quanto à trajetória de a gente, observou-se que houve um processo de
gramaticalização lento e gradual com índices de manutenção e inovação em relação a traços
de sua origem nominal. Dessa maneira, houve mudanças na relação gênero e número entre as
formas nominal (gente) e pronominal (a gente), mas a segunda forma manteve o caráter
indefinido e genérico encontrados na primeira, dando, assim, vazão ao uso da forma a gente
como forma de “eu-ampliado”, que vai além de tão somente primeira pessoa do plural ou
plural de “eu”, assumindo de sobremaneira a função de sujeito do enunciado. Ademais, a
inserção da forma a gente no quadro de pronomes pessoais, ainda que as gramáticas não a
descrevam como tal, tem influenciado, ao lado de “você”, na mudança de paradigmas de
relação de sujeito, constituindo-se frutíferos objetos de estudo, no qual esta pesquisa também
se insere.
3.2 ESTUDOS SOBRE NÓS E A GENTE NO PORTUGUÊS BRASILEIRO
Aumentando mais um pouco o zoom da nossa “máquina fotográfica” que retrata o uso
variável de nós e a gente no PB na função de sujeito, podemos observar outras pesquisas
anteriores à nossa com a mesma temática, dentre as quais se destacam Omena (1996), Lopes
(1993) e Lucchesi (2009). Esses três estudos serviram como orientação para nossa pesquisa,
cada um com seus enfoques distintos, mas complementares em si, sendo também utilizados
como base comparativa.
Omena (1996) pelo pioneirismo ao tratar do tema no PB e que muito contribuiu para
nossa pesquisa, esclarecendo, por vezes, as relações entre as variáveis que influenciavam o
37
uso de nós e a gente na função sujeito, a exemplo da escolaridade e da saliência fônica. Lopes
(1993) que na sua dissertação “Nós e A gente no português culto o Brasil” faz um
levantamento detalhado e extenso do uso de nós e a gente na função de sujeito no corpus do
NURC de três capitais brasileiras: Rio de Janeiro, Porto Alegre e Salvador. Ao estudar a fala
culta de Salvador permitiu-nos comparar com a variante popular do PEPP e fazer um retrato
mais “panorâmico” do uso de nós e a gente da fala soteropolitana. E Lucchesi (2009) por
relacionar o uso variável nós e a gente como a representação da primeira pessoa do plural na
função de sujeito com questão étnica, principalmente a contribuição africana na formação do
PB, levando em conta que a cidade de Salvador tem a maior população de afro-brasileiros do
país, foi imperativo considerarmos a relação ou influência africana no uso de nós e a gente.
Dessa maneira, começamos com a descrição analítica do texto “A referência à
primeira pessoa do discurso no plural” (OMENA, 1996), pelo seu pioneirismo, em que a
autora elenca as variáveis linguísticas que influenciam na escolha da variante a gente, nas
diversas funções gramaticais, dando ênfase à função de sujeito da oração, além de lançar a
discussão se o uso frequente de a gente na fala indica ou não uma mudança em curso no PB.
De início autora analisa o binômio 1ª pessoa gramatical/pluralidade do sujeito
preenchido com o uso das formas pronominais, no caso nós e a gente. Também analisou o
não-preenchimento do sujeito, sendo, no PB, permitida a elipse do sujeito da oração. Assim,
Omena (1996, p. 187) descreve a distribuição de nós e a gente, explícito ou implícito, nas
funções além de sujeito:
(7) “Ele já não conhece a gente, fica com medo sabe?” (função de “a gente” –
complemento [objeto direto])
(8) “Uns poucos lá que falam conosco” (função de “conosco” – adjunto adverbial)
(9) “Aí, inclusive, a menina que estaca de plantão nesse dias é amiga da gente”
(função de “da gente” – adjunto adnominal)
(10) “Aí a minha mãe é que vem abrir a porta pra gente” (função de “pra gente” –
complemento [objeto indireto])
(11) “Eles falam bem diferente da gente” (função de “da gente” – complemento
nominal)
(12) “Quem faz a moda é a gente” (função de “a gente” – predicativo do sujeito)
Numa análise sincrônica do PB a autora aponta a identificação da forma a gente com a
primeira pessoa do plural canônico nós, salientando também o valor de impreciso e geral de a
gente. A autora analisa os dados das pesquisas do uso de a gente em oposição a nós no PB,
38
que apontam maior frequência do primeiro em relação ao segundo, tanto na fala dos adultos
quanto das crianças em todas as funções gramaticais.
Mas, como característica dos pronomes pessoais, nós e a gente aparecem mais na
função de sujeito do que de objeto e essas ocorrências podem ser de primeira referência e os
sucessores explícito ou implícito. Omena (1996, p. 194-195) dispõe os dados da seguinte
maneira:
1) 1ª referência,
2) Forma antecedente a gente com referente igual,
3) Forma antecedente a gente com forma diferente,
4) Forma antecedente nós com referente igual,
5) Forma antecedente nós com referente diferente,
6) Forma antecedente zero com desinência verbal de terceira pessoa do
singular com referente igual,
7) Forma antecedente zero com desinência verbal de terceira pessoa do
singular com referente diferente,
8) Forma antecedente zero com desinência verbal de primeira pessoa do plural
com referente igual
9) Forma antecedente zero com desinência verbal de primeira pessoa do plural
com referente diferente
A autora, através dos dados de sua pesquisa, afirma que a probabilidade, numa
sequência discursiva, de se usar a gente é maior quando o antecedente formal for a gente e a
referência for igual a anterior, e vai diminuindo quando muda o referente. O mesmo se aplica
também em relação ao uso de nós, de maneira oposta.
Verifica ainda que antecedente com sujeito zero e verbo conjugado na 3ª pessoa do
singular favorece a forma a gente, e quando o referente for o mesmo. Já para a forma nós o
seu aparecimento é propiciado pela desinência verbal do sujeito nulo –mos, e mesmo
referente.
No entanto, em relação à primeira referência, quando nós / a gente aparecem pela
primeira vez, não pode haver influência do paralelismo sobre a escolha da variante
(probabilidade por volta de .50), o que indica que outros possíveis grupos de fatores
impulsionam a escolha. Mas a partir da escolha da variante a mesma atua no uso das formas
subsequentes.
A saliência fônica entre as formas verbais de 3ª pessoa do singular e 1ª do plural
também influem no aparecimento de a gente, e a menor diferença entre as formas verbais
39
pode favorecer a ocorrência de a gente, ao passo que a maior diferença entre elas pode
favorecer a forma nós. Para chegar a esse resultado, Omena (1996, p. 199-200) analisou os
seguintes fatores:
1) A mesma forma para ambas as pessoas: cantando;
2) Conservação da sílaba tônica e acréscimo da desinência mos: falava/falávamos;
3) Infinitivo com acréscimo da desinência mos: cantar/cantarmos;
4) Deslocamento do acento tônico e acréscimo da desinência mos, incluindo os
verbos de maior ou menor fechamento da vogal pretônica: fala/falamos;
5) Redução dos ditongos finais em vogais, com acréscimo da desinência mos:
cantou/cantamos;
6) Monossílabos tônicos ou oxítonos que passam a paroxítonos, aumento ou não
de mais de uma vogal, maior ou menor fechamento da vogal pretônica, acréscimo
da desinência mos: faz/fazemos;
7) Diferenças fonológicas acentuadas: veio/viemos; é/somos.
A partir disso, Omena pode observar que as formas gerundiais, por não terem flexão
verbal, favoreceram categoricamente a forma a gente. O infinitivo cuja diferenciação entre a
3ª pessoa do singular e a 1ª do plural é pouca favorece também o aparecimento de a gente.
Além disso, trata-se de uma tendência da língua evitar o infinitivo flexionado.
Os aspectos relacionados ao significado gramatical das formas verbais verificados
foram o tempo e aspecto, sendo o último constatado como irrelevante. Por outro lado, em
relação ao tempo verbal a autora verificou que os tempos não marcados e o presente
favorecem a forma a gente, enquanto pretérito e o futuro ao uso de nós.
Outro fator analisado foi a indeterminação e o número de referentes distribuídos em:
1) Grupo grande e indeterminado;
2) Grupo pequeno ou intermediário indeterminado;
3) Grupo grande e determinado;
4) Grupo pequeno ou intermediário determinado.
Em relação ao maior número de pessoas verificou-se a indeterminação como o mais
relevante para o favorecimento da forma a gente, ocorrendo o contrário no que se refere ao
uso de nós. No entanto, com grupos pequenos ou intermediários, determinados ou
indeterminados, ocorre uma neutralização, que indica perda da marca de indeterminação de a
gente.
Quanto aos tipos de discurso, Omena (1996) descreve as narrativas como
favorecedoras da forma nós porque esse tipo de texto é marcado pelo tempo verbal passado,
40
ao passo que as descrições de fatos e eventos, que geralmente têm caráter indeterminado ou
generalizante, impulsionam o uso de a gente.
A pesquisa de Lopes (1993) destaca-se pela riqueza de detalhes e profundidade de
suas análises em relação ao uso de nós e de a gente no português falado culto do Brasil.
Assim, Lopes em sua dissertação de mestrado analisa o uso variável de nós e de a gente
utilizando como corpus 18 arquivos do Projeto NURC do Rio de Janeiro, Porto Alegre e
Salvador1. Dessa maneira, a pesquisa de Lopes constituiu-se de 18 inquéritos de entrevistas
semi-estruturadas, com18 informantes divididos em gênero/sexo, três faixas-etárias (de 25 a
35 anos, de 36 a 55 anos e acima de 55 anos) e região.
A autora também se atém ao aparecimento de nós e a gente na função de sujeito,
devido à sua natureza pronominal, rica e produtiva nessa posição sintática.
Para tanto, admite quatro variantes possíveis dentre as variáveis dependentes, nós e a
gente (LOPES, 1993, p. 33-34):
1. O falante culto utiliza a forma nós explicita, com o verbo na 4ª pessoa
gramatical;
2. Possibilidade de não explicitar a forma nós, usando o verbo com a
desinência na 4ª pessoa gramatical;
3. Emprego da forma a gente explicita com verbo na terceira pessoa gramatical;
4. E uso implícito da forma a gente, com verbo na terceira pessoa gramatical.
A autora ressalta que não houve casos entre os falantes da norma culta das cidades
pesquisadas da forma estigmatizada “nós vai”, assim como o texto não menciona a ocorrência
de usos estigmatizados envolvendo a forma a gente, tal como “a gente vamos”, pressupõe-se
a não existência de tal ocorrência no corpus pesquisado por Lopes. Infere-se, pois, que o
estigma não recai sobre o uso de a gente, e sim sobre os usos de concordância verbal. Isso
vem ao encontro da inserção dessa forma no quadro pronominal do PB, reforçado pela ideia
de erro e de hipercorreção.
Lopes foi muito coerente em sua pesquisa do uso nós e a gente na função de sujeito,
principalmente, em relação às variáveis linguísticas e sociais que julgara serem fatores
condicionantes na escolha do falante. Assim, as variáveis linguísticas investigadas por Lopes
(1993, p. 35-37) foram:
1 Lopes (1993) analisou 369 dados dos corpora da cidade do Rio de Janeiro, 379 dados de Porto Alegre e 972
dados de Salvador. Priorisamos os dados de Salvador como critério de comparação entre os resultados do NURC
e do PEPP.
41
1. referência com três possibilidades: 1ª referência, mesmo referente e outro
referente;
2. determinação de referentes – grupo pequeno (até 4 pessoas), grupo
intermediário (turma ou grupo com mais de 4 pessoas) e grupo grande;
3. marcadores discursivos – operador e não operador;
4. saliência fônica;
5. tipos de oração;
6. orações – desenvolvidas ou reduzidas;
7. tipos de discurso – narrativo, descritivo, argumentativo e outros;
8. tempo verbal;
9. eu-ampliado – eu + você (s), eu + ele (s), eu + você (s) + ele (s);
10. identificação da forma antecedente no paralelismo – primeira referência de
uma série, referência isolada, nós como referente, a gente como referente,
referente com desinência verbal –mos e referente com desinência verbal ;
11. modalização – auxiliares modais (dever, poder, querer, etc), verbos de
opinião ou expressão cristalizada “eu acho” e outros verbos.
Além das seguintes variáveis sociais:
1. Gênero/sexo;
2. Faixa etária;
3. Região.
Todas variáveis supracitadas foram submetidas ao pacote de processamento de dados
do VARBRUL de análise estatística, dos quais Lopes (1993) obteve os seguintes resultados:
de 972 dados do corpora de Salvador, 375 de nós (39%), 333 de a gente (34%), 184 de
sujeito zero com verbo na 4ª pessoa gramatical (19%), 77 de sujeito zero com verbo na 3ª
pessoa do singular (8%). Dessa forma seus dados se constituíram de 562 de sujeito nós
explícito ou não, contra 410 sujeito a gente. Dos 972 dados, 523 foram de mulheres e 449 de
homens, sendo a distribuição etária de 253 de jovens, 333 adultos e 386 idosos.
A autora tomou a forma nós como variante de aplicação de favorecimento ou
desfavorecimento para análise das variáveis selecionadas pelo VARBRUL como mais
relevantes. O resultado das análises da amostra de Salvador apresentou como variáveis
selecionadas, na seguinte ordem: 1º) paralelismo formal; 2º) gênero/sexo; 3º) faixa etária; 4º)
eu-ampliado; 5º) saliência fônica. Foram também analisados pela autora os grupos de fatores
(mudança de referente, gênero discursivo, tamanho de grupo, tempo verbal, oração reduzida
ou desevolvida e tipo de oração).
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O paralelismo formal, identificado primeiramente por Omena no estudo de nós e a
gente no PB, foi das variáveis selecionadas a que mais se destacou, com ocorrência em todas
as subamostras. Para melhor controlar e analisar essa variável, Lopes (1993, p. 44) considerou
como estruturas paralelas: a) as formas variantes que ocorrem em uma oração imediatamente
anterior; b) as que ocorrem em orações à esquerda, com intercalação de um ou mais sintagmas
ou orações); c) estruturas repetidas idênticas.
Assim, os dados encontrados por Lopes referentes à variável paralelismo formal foram
os seguintes (com valor de aplicação nós): 1) a forma antecedente com a 1ª pessoa do plural
com sujeito com peso relativo (P.R) de .86; 2) com antecedente nós com P.R de .79; 3)
enquanto forma isolada com P.R . 53; 4) Quando a forma se encontra como 1ª referência, a
forma nós com P.R de .50; 5) O uso da forma nós se apresentou, quando precedida pela forma
pronominal a gente, em uma sequência discursiva com P.R. de .10; 6) já com o verbo na 3ª
pessoa do singular com desinência de sujeito , ocorreu com P.R .09.
Ao analisar esses dados, Lopes argumenta que a variável paralelismo formal se
mostrou o fator condicionante mais poderoso, sendo que a ocorrência tanto de nós quanto de a
gente na primeira referência ou isolada se mostrou nula, com pesos relativos próximo a .5.
Isso quer dizer que o falante escolhe qualquer uma das formas pronominais em questão sem
interferências. Ainda, segue a lógica discursiva de que uma forma gera outra forma, na sua
maioria idêntica à anterior, e a ausência de sujeito desencadeia outra ausência. Assim, a
escolha do falante será condicionadora das ocorrências posteriores na cadeia discursiva. Além
disso, a autora notou que, na oração precedida pelo pronome nós, o falante usa,
preferencialmente, o sujeito implícito com verbo terminado em –mos, com elipse pronominal
prevista na língua portuguesa.
A mudança de referência está estritamente relacionada à explicitação ou não do
sujeito, de tal maneira que uma complementa a outra para o entendimento das estratégias
discursivas que o falante utiliza para seguir o encadeamento enunciativo. Desse modo, os
resultados de Lopes para a mudança de referente apresentaram altos índices de ocorrência de
sujeito explícito na primeira referência (84%, com peso relativo .73 para o sujeito nós e 99%,
P.R .80 para o a gente ). Entretanto, a ocorrência de mesmo referente desfavorece a presença
do sujeito (.36 para nós explicito e .27 para a gente ); em virtude disso, o oposto (mudança de
referente) favorece a explicitação do sujeito (.56 para nós explícito e .66 para a gente ). A
respeito dessa variável, Lopes conclui que o falante utiliza o pronome explícito para marcar
sujeito no início do discurso, como estratégia de primeira referencialidade, mas em uma
43
sequência com referente idêntico há preferência pela elipse, ou sujeito implícito, e volta a
representá-lo em circunstâncias em que há mudança de referente.
A saliência fônica também se mostrou relevante na pesquisa de Lopes (1993, p.57):
Entre duas formas niveladas, que se opõem, é mais provável que a
manutenção dessa oposição quando existe, entre elas, uma diferenciação
fônica acentuada. Caso contrário, ou seja, quando for menor essa distinção, há
uma tendência de se neutralizar a oposição e prevalecer o uso de apenas uma
das formas. (LOPES, 1993, p.57)
A partir de uma escala de diferenciação fônica, entre as formas de singular e plural,
Lopes distinguiu os seguintes níveis:
Nível 1, acréscimo apenas de desinência –mos;
Nível 2, diferença também quanto à tonicidade;
Nível 3, monossílabos tônicos ou átonos que, ao receberem a desinência –mos
passam a paroxítonos;
Nível 4, acréscimo de desinência –mos e perda da vogal da terceira pessoa do
singular quando vai para o plural;
Nível 5, grandes diferenças fonológicas entre as formas de singular e plural, além
da desinência (maior saliência fônica);
Nível 6, formas do infinitivo com acréscimo de –mos;
Nível 7, formas de gerúndio (sem desinência de pessoa).
Sobre a variável saliência fônica, Lopes verificou que a maior diferença fônica entre as
formas verbais de singular e plural (níveis 3, 4 e 52) favoreceu a ocorrência do pronome nós
com P.R de .65 (nível3) e .77 (nível 4 e 5), enquanto que a menor diferenciação (níveis 1 e 2)
favoreceu a forma a gente. O nível 7, gerúndio, foi considerado irrelevante com apenas 4
ocorrências. Ao passo que o nível 6, do infinitivo impessoal, favoreceu o uso de a gente .
O “eu-ampliado”, assim denominado por Benveniste (1988 apud LOPES, 1993, p. 64),
pode englobar o “eu” (locutor), o “não-eu” (interlocutor) e as outras pessoas do discurso
definidas ou indefinidas (alia); essa variável foi, por Lopes, subdividida em: aspecto inclusivo
[+ determinado] – abrangendo o eu (emissor) e o não-eu (receptor), correspondendo a
eu+você (s); aspecto exclusivo [+ ou – determinado] – abrangendo o emissor e outro alguém
que não é o interlocutor e que está fora do momento da enunciação, corresponde a eu+ele/ela
2 Lopes (1993) considerou como mais altos na escala da saliência fônica os níveis 4 e 5 no tempo verbal do
pretérito perfeito. Logo, a autora toma esses níveis como apenas 1 nível.
44
ou eles/elas (não-pessoa); e aspecto genérico [–determinado] – o emissor (eu), o receptor
(não-eu) e outras pessoas (não-pessoa), equivale a eu+você (s) +ele/ela ou eles/elas.
Assim, com intuito de observar se o aspecto genérico favoreceria o uso de a gente,
pela sua natureza indeterminada, em oposição a nós em que o referente é mais restrito, Lopes
(1993, p. 68) verificou nos dados as seguintes hipóteses por ela confirmadas na sua pesquisa:
1) o falante utiliza mais a forma nós para se referir a ele mesmo e mais o
interlocutor (eu+não-eu; eu+você .66 e eu+vocês);
2) e quando se refere a eu+não-pessoa (eu+ele/ela, .87 e eu+eles/elas, .60);
3) Mas quando o falante amplia a referência, indeterminando-a, passa a favorecer o
uso da forma a gente. (eu+você(s)+ele(s)/ela(s), .35);
O tempo verbal foi outro fator que se mostrou significativo na pesquisa de Lopes, cuja
probabilidade maior de uso da forma nós ocorreu com os seguintes tempos: pretérito perfeito
(.90), futuro do subjuntivo (.84), imperfeito do subjuntivo (.58), e o futuro do pretérito do
indicativo (.61). Já o presente do indicativo, que pode indicar ações diversas com conotações
temporais amplas, equivalendo ao tempo não-marcado, favorece o uso de a gente (.60).
Houve favorecimento da forma a gente com os verbos no infinitivo (.65) e no gerúndio (.75).
Não obstante, a autora esclarece que a relação entre verbo e pronome é fruto da interferência
de outros fatores como: saliência fônica, gênero discursivo e determinação dos referentes
agindo de modo interdependente.
A modalização serve para o falante se posicionar ao que anuncia com maior ou menor
grau de comprometimento com o que é dito. A partir da hipótese de que o falante, ao
empregar os auxiliares modais com a gente e expressões de opinião tenderia a favorecer o uso
de nós, Lopes analisa dois recursos de modalização opostos: 1) auxiliares modais do tipo
poder, querer, dever, etc utilizados para diminuir a responsabilidade do falante em relação ao
seu discurso; e 2) os verbos ou expressões de opinião. E, tal como previsto, houve
favorecimento de nós em expressões de opinião (.92) e os auxiliares modais favoreceram a
gente (.69).
Além das variáveis linguísticas citadas ainda foram consideradas relevantes por Lopes
as seguintes variáveis: gênero discursivo e tamanho do grupo. No gênero discursivo foram
considerados textos narrativos, argumentativos e descritivos, sendo que a autora aponta para o
favorecimento do uso de nós em narrativas e de a gente na descrição. Assim, Lopes (1993, p.
80) mostrou que “As pequenas narrativas encontradas em nossas gravações correspondem a
fatos ou acontecimentos da experiência vivencial do locutor, envolvendo pessoas específicas
do seu convívio pessoal, sendo, por isso, evidente a preferência pelo pronome nós”. Nos
45
trechos descritivos “o falante assume uma postura generalizante, indeterminada”, com fatores
condicionantes de a gente.
No que tange ao tamanho do grupo (grande, intermediário e pequeno), a conclusão dos
dados levantados por Lopes (1993, p. 88) é que “...o uso de a gente é maior quando o falante
se reporta a grupo grande de pessoas, com referencia [-determinada]. Por outro lado, quando
o referente é [+determinado] e explícito (grupos pequenos e intermediários], o falante utiliza
preferencialmente a forma nós”.
Os fatores sociais estudados por Lopes foram gênero/sexo, faixa etária e região
geográfica. Sobre o primeiro fator a autora concluiu que “as frequências indicam que, entre as
mulheres, 51% das ocorrências foram de a gente contra 49% de nós. Entre os homens, tem-se
69% de ocorrências de forma nós contra 31% de a gente” (LOPES, 1993, p. 103).
A faixa etária, também selecionada como fator significante, apresentou frequência
equivalente nas faixas 2 (69%) (P.R .61) e 3 (68%) (.60) que indicam que os adultos e idosos
empregam a forma nós (padrão), enquanto que os jovens utilizam menos com apenas (29%)
(.21) e último nós (69%).
E, por fim, analisando a variável região, com grupos da fala de habitantes do Rio de
Janeiro, Salvador e Porto Alegre os resultados foram os seguintes; o uso da forma padrão nós
em Salvador (63%) (.66), Porto Alegre (72%) (.60), e Rio de Janeiro com (41%) (.31). Logo,
os falantes de nível universitário pesquisado pelo NURC na cidade do Rio de Janeiro utilizam
mais a forma inovadora a gente.
Lopes (1993, p. 129-130), a respeito das tendências dos usos de nós e de a gente no
português falado culto do Brasil concluiu que:
a) Numa sequência discursiva a forma a gente ocorre quando precedida de outra
forma a gente ou verbo na terceira pessoa do singular sem sujeito explicito. O
mesmo acontece com o pronome nós que tende a se repetir no paralelismo
discursivo;
b) Há a diferenciação no emprego de nós e a gente em relação a uso mais restrito
ou mais genérico;
c) Os tempos verbais não-marcados e o presente favorecem o uso de a gente:
formas com traço [– saliente], enquanto o futuro e pretérito perfeito e os tempos do
subjuntivo favorecem a presença de nós: formas com traço [+saliente];
d) Os falantes jovens empregam mais a forma a gente e os falantes idosos a
forma nós;
e) As mulheres tendem a usar mais forma a gente do que os homens;
f) O Rio de Janeiro é a cidade onde mais se usa o sujeito a gente, enquanto em
Porto Alegre e Salvador o emprego de nós é bem mais frequente.
46
Também consideramos relevante o estudo de Lucchesi (2009), que versa sobre a
representação da primeira pessoa do plural na função de sujeito, nós e a gente, na fala de
moradores de comunidades afro-descendentes do recôncavo baiano, principalmente em se
tratando de português popular brasileiro. A pesquisa se enquadra nos pressupostos da
sociolinguística variacionista e foi realizada entre 1992 e 2012, estruturada conforme as
variáveis sociais (comunidade, sexo, faixa etária, escolaridade e estada fora da comunidade) e
linguísticas (nível de referencialidade, paralelismo discursivo e tipo de texto).
Nessa pesquisa, Lucchesi (2009) discorre sobre os resultados e análises das
ocorrências da forma inovadora a gente, no PB, enquanto encaixamento linguístico e social da
variável dependente. Dessa forma, observou-se a variável referencialidade, em relação com a
especificidade e indeterminação, de acordo com os fatores: a) eu + (você (s) + ele
[+específico]; b) eu + [+/-específico]; indeterminação circunscrita [-específico];
indeterminação universal [- específico]. Observou que o uso da variante a gente predomina
em contextos de indeterminação, remetendo à ideia de coletividade, e o uso de nós em
contextos referenciais mais específicos, de forma genérica.
O paralelismo discursivo também foi uma variável analisada. Desse modo, na pesquisa
de Lucchesi verificou-se o paralelismo de primeira referência, referência anterior feita por a
gente ou forma verbal não marcada e referência anterior feita por nós ou forma verbal
marcada, na qual constatou a forte influência do paralelismo discursivo na variação do
pronome de primeira pessoa do plural do PB, obedecendo à regra de que marca resulta em
marca. Logo, verbo marcado com plural formal favoreceu o uso de nós, enquanto que com
verbo não-marcado houve o predomínio da variante a gente.
A variável tipo de texto estruturado pelo autor se constitui de fatores como: texto
argumentativo; texto descritivo e texto narrativo, em que os textos argumentativos e
descritivos apresentam mais frequência do a gente, pela sua natureza semântica de menor
especificidade e generalização, e os textos narrativos, pelo seu caráter específico e de fatos
particulares que implicam no uso mais frequente da variável nós.
Em relação às variáveis sociais levantadas na pesquisa sobre a implantação de a gente
nas comunidades estudadas, verificou-se que na variável faixa-etária, analisada conforme a
relação de tempo aparente, o uso de a gente é maior entre a faixa mais jovem, decaindo até a
mais velha, indicando uma gradação etária, pois, embora a implementação do a gente esteja
ocorrendo de forma acelerada, estudos demonstram que se encontra em situação de variação
estável, com cada vez menos resistência à forma inovadora no PB.
47
A escolaridade pode contribuir tanto para implantação da forma inovadora quanto para
manutenção da forma canônica. Dessa maneira, se configura como conservadora padrão nós
nas séries iniciais para as crianças, enquanto que adultos mais escolarizados usam com maior
frequência a forma a gente. No entanto, nas comunidades estudadas, constatou-se que quem
frequentou mais a escola utiliza mais a gente, porque essa variante é a que está em uso nos
centros urbanos, segundo Lucchesi (2009).
A variável comunidade, constituída por localidades rurais afro-brasileiras do
Recôncavo Baiano, a saber, Sapé, Helvécia, Barra e Cinzento, mostram distribuição diatópica
em que, na primeira, a forma a gente se encontra em processo de substituição da forma
conservadora praticamente concluída, na segunda e terceira comunidades em situação mais
avançada, mas a última ainda se mantém com o uso de nós. O autor considera a hipótese de
que a situação de contato entre as línguas tenha favorecido a implantação de a gente como a
primeira pessoa do plural, devido ao adiantamento do processo estar mais acentuado no PB
em comparação com o português europeu.
Lucchesi (2009) conclui que as pesquisas sobre o uso do pronome de primeira pessoa
do plural nas comunidades rurais afro-brasileiras do recôncavo baiano não diferem muito de
outras pesquisas realizadas sobre o PB.
Em suma, tendo essas três pesquisas descritas, temos tanto uma visão em foco dos
estudos da atual situação de uso variável de nós e a gente na função de sujeito quanto uma
panorâmica. Esses estudos são distintos entre si, porém complementares e importantes para a
presente pesquisa. Omena (1996) pelo seu pioneirismo nos estudos sociolinguísticos da
variável em questão, Lopes (1993) por ser a mais detalhista em suas análises da variável e por
incluir os falantes da cidade de Salvador em sua investigação da fala culta do PB. E Lucchesi
(2009) pelo seu estudo de abordagem étnico e social, principalmente em relação à importância
dos afro-descendentes na formação do PB. Embora essas três pesquisas sirvam como base a
este estudo, não são as únicas que serão citadas, especialmente em níveis comparativos, e
serão retomadas em capítulos posteriores.
48
4. METODOLOGIA
A metodologia utilizada nesta pesquisa segue os pressupostos teórico-metodológicos
da sociolinguística variacionista laboviana (LABOV, [1972] 2008), (BRIGHT, 1974), (GUY
e ZILLES, 2007), (SILVA-CORVALÁN, 2001), para análise do uso variável de nós e a gente
na função de sujeito no corpus do Programa de Estudos sobre o Português Popular Falado de
Salvador - PEPP.
Silva-Corvalán (2001) descreve dois métodos de seleção de amostra de falantes:
técnicas de amostra ao acaso; e seleção intencionada. Ambos os métodos foram aplicados
nessa pesquisa, sendo o primeiro uma coleta ao acaso de 12 informantes do quadro de 48
informantes do PEPP (Quadro 1), coletados em Salvador. O método empregado correlaciona
fatores linguísticos e extralinguísticos; desses últimos, os que são estudados com mais
frequência nas pesquisas sociolinguísticas são: faixa etária, gênero, escolaridade.
A análise dos dados, nessa vertente da linguística, engloba basicamente duas etapas: a
análise qualitativa, obrigatória, e a análise quantitativa, que depende do objetivo da
investigação. Da análise qualitativa decorre a identificação do fenômeno que se pretende
estudar; levantamento de hipóteses sobre o fenômeno; identificação da distribuição e
ocorrência do fenômeno; exame da ocorrência no corpus estudado. Ao passo que a análise
quantitativa implica a análise do fenômeno nos dados examinados, codificação de cada
ocorrência no corpus; quantificação e tratamento estatístico por meio do pacote
computacional e interpretação dos resultados.
O paradigma sociolinguístico é voltado para a descrição e explicação de certos usos
linguísticos variáveis característicos de uma comunidade de fala que, no caso desta pesquisa,
centra-se na variação de nós e a gente como sujeito no português popular de Salvador.
4.1 DELIMITAÇÃO DO CORPUS DO PEPP
O corpus desta pesquisa foi extraído do Programa de Estudos sobre o Português
Popular Falado de Salvador, PEPP, constituído entre 1998 e 2000, sob a orientação da
professora doutora Myrian Barbosa da Silva, tendo a coordenação da profa. Norma da Silva
Lopes, e como pesquisadoras as professoras Constância Maria Borges de Souza e Emília
49
Helena Portella Monteiro de Souza, na época as três eram doutorandas da Universidade
Federal da Bahia. A pesquisa teve o apoio da Universidade do Estado da Bahia, por meio do
Departamento de Ciências Humanas e da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação.
A fala de Salvador já tinha sido registrada na década de setenta com o projeto Norma
Urbana Culta (NURC / SSA), que coletou o português falado por pessoas com nível
universitário, tendo como material constituinte entrevistas da fala culta de Salvador, objeto de
estudo em dissertações, teses e outros trabalhos acadêmicos. Havia a necessidade de amostra
com outros níveis de escolaridade, dessa forma, o PEPP preencheu essa lacuna: se constituiu
por 48 inquéritos com falantes de níveis de escolaridade Fundamental e Médio (11 anos de
estudo), representando a massa popular, 24 homens e 24 mulheres soteropolitanas, em 4
faixas-etárias (de 15 a 24 anos, 25 a 35, 45 a 55 e de 65 anos em diante).
Para esta pesquisa foram selecionados aleatoriamente 12 inquéritos dos 48 inquéritos
que constituem o PEPP, estratificados em gênero / sexo, idade (apenas três faixas-etárias de
15 a 24 anos, 25 a 35 e de 65 anos em diante), e escolaridades fundamental (de 1 a 4 anos) e
ensino médio (11 anos de escolarização).
4.2 DESCRIÇÕES DAS VARIÁVEIS E HIPÓTESES
4.2.1Descrição da Variável dependente
A presente pesquisa considerou a variável dependente – uso alternado de nós e a gente
na função de sujeito – ocorrendo tanto de forma explícita quanto implícita. Em concordância
com pesquisas anteriores já citadas, considera-se cada elipse, como repetição do pronome
anterior em uma cadeia discursiva, embora sejam marcadas com o símbolo vazio (Ø). Deste
modo, são registradas seis possibilidades de ocorrência:
1) o falante usa o pronome sujeito a gente explícito ou
2) o implícito com o verbo flexionado na 3ª pessoa do singular, exemplos (1) e (2):
(1) Hoje não vê, é muito raro. A gente tinha boneca, Ø fazia batizado. (INQ
Info. 01, MULHER, FAIXA 4, FUNDAMENTAL)
50
(2) É, quando a gente estava esperando a prova chegar, aí Ø ficava, “opa,
fiscal”, aí começava aquela festa... . (INQ Info. 04, HOMEM, FAIXA 1,
MÉDIA)
3) sujeito nós explícito com o verbo na 1ª pessoa do plural, exemplos (3) e
(4):
(3) Feira de ciências, gincanas, eh, passeios pra observatórios, tem o de Feira
de Santana que nós, que nós fomos, no segundo ano que (...inint...). (INQ
35, HOMEM, FAIXA 1, MÉDIA)
(4) Nós não tínhamos condições de... (INQ Info. 29, MULHER, FAIXA 2,
FUNDAMENTAL)
ou
4) sujeito nós implícito com o verbo na 3ª pessoa do singular, exemplo (5):
(5) [...] eu já acho que a, a vida de hoje melhor do que a nossa, melhor em
um ponto, porque no outro ponto nós tinha mais liberdade, Ø tinha mais
saúde, e hoje em dia não se vê isso, não se vê isso. (INQ 35, HOMEM,
FAIXA 4, FUNDAMENTAL)
ou
5) sujeito nós implícito com verbo na 1ª pessoa do plural, exemplos (6) e
(7):
(6) DOC: Hum, quantos irmãos você tem?
Ø Somos dez comigo. (INQ 09, HOMEM, FAIXA 2, FUNDAMENTAL)
(7) Simples, uma escola simples, Ø estudávamos, na sala tinha uns trinta e
cinco alunos, era uma escola simples, que não tinha eh, brin, eh não tinha
aqueles brinquedos, não tinha aquelas escorregadeiras [...](INQ 09,
MULHER, FAIXA 2, FUNDAMENTAL)
A forma a gente + verbo no plural, não foi encontrada na amostra, tão pouco o
pronome nós com concordância não canônica do verbo com desinência –mo (OLIVEIRA,
2007). No entanto, da forma ainda estigmatizada nós+verbo no singular foram encontradas
poucas ocorrências.
Foi retirada da amostra uma ocorrência em que a forma nós, claramente, foi induzida
pelo documentador, configurando uma repetição da fala do documentador, saindo assim do
vernáculo, conforme exemplos (8):
51
(8) DOC: É, então não vamos lembrar não, não vamos lembrar não.
INF. 29: Ø Vamos pular essa parte. (INQ 21, MULHER, FAIXA 2,
MÉDIA)
Também foram retiradas da amostra as frases com estrutura cristalizada, como as
seguintes (9) e (10):
(9) Ano passado teve três acampamentos que o meu pai não deixou eu ir,
porque, por causa do namorado, ele não, vamos dizer assim... (INQ
03, MULHER, FAIXA 1, MÉDIA)
(10) Então eu não sabia nem o que seria digamos aquela, eu não, não
sabia que a temperatura caía um grau para cada seis metros. (INQ 14,
HOMEM, FAIXA 4, MÉDIA)
Do mesmo modo que ocorrem em construções com suspensão do pensamento ou
correção, como no exemplo (11).
(11) Meus irmãos foram, meus irmãos chegaram a, a ter até o ginásio e tudo,
teve até que se, alguns até que se formaram, mas a gente , nós não. (INQ 03,
MULHER, FAIXA 1, MÉDIA)
Tem-se como hipótese principal de que haverá preferência ao uso da forma a gente na
função de sujeito em relação ao nós no português popular falado em Salvador indicando
mudança em progresso muito mais acentuada do que ocorre na variedade culta. Isso se deve,
em grande parte, pela falta de estigma da forma a gente no PB, atestada desde a década de 80,
conforme Omena (1993) e Lopes (2004). Contudo, estigma e prestígio são conceitos
essencialmente sociais, mas a variação do uso de nós e a gente no PB popular envolve
questões linguísticas e sociais.
Consideramos nessa pesquisa, para a sistematização e descrição da variação de nós e a
gente, as variáveis independentes em quatro grupos de fatores linguísticos e três grupos de
fatores extralinguísticos (ou sociais), controlados e resumidos no quadro baixo:
Quadro 1: Grupos de fatores controlados
GRUPO DE FATORES
Linguísticos Extralinguísticos
1. Saliência Fônica 1. Gênero/sexo
2. Paralelismo ou forma antecedente 2. Faixa etária
3. Inclusão do eu 3. Escolaridade
4. (In) determinação do sujeito
Para análise quantitativa dos dados foi necessário estabelecer códigos para as variáveis
o que está detalhado no Quadro 2:
52
Quadro 2: Códigos de Variáveis
CÓD. VARIÁVEL
DEPENDENTE
CÓD. VARIÁVEIS INDEPENDENTES
Gênero/sexo
N Nós H Masculino
A A gente M Feminino
Faixa Etária
1 Faixa etária 1 (15-24 anos)
2 Faixa etária 2 (24-35 anos)
4 Faixa etária 4 (de 65 anos para cima)
Escolaridade
P Ensino básico (apenas fundamental 1)
S Ensino médio (secundário ou colegial)
Paralelismo formal
a Antecedente A GENTE
n Antecedente NÓS
z Antecedente zero com verbo na 1ª pessoa do plural
Inclusão do Eu
K Eu; Eu ou uma pessoa qualquer
W Duas ou três pessoas (eu+uma pessoa ou eu+duas pessoas)
Y Grupo intermediário (eu+grupo restrito)
X Grupo grande (eu+todo mundo)
Saliência Fônica
T Conservação da sílaba tônica e acréscimo da desinência –mos:
falava/ falávamos
I Infinitivo com acréscimo da desinência –mos: cantar/
cantarmos
D Deslocamento do acento tônico e acréscimo da desinência
mos: fala/falamos
R Redução dos ditongos finais em vogais, com acréscimo da
desinência mos: cantou/ cantamos
m Monossílabos tônicos ou oxítonos que passam a paroxítonos e
acréscimo da desinência mos: faz/fazemos
d Diferenças fonológicas acentuadas: veio/viemos; é/somos
(In) determinação do Sujeito
0 Indeterminação completa do pronome
1 Indeterminação parcial do pronome com um elo de referência
explícito no contexto
2 Indeterminação parcial com um elo de referência implícito
3 Forma com referência determinada
Os exemplos para o detalhamento das variáveis independentes são recolhidos do
corpus em estudo, ou seja, dos doze inquéritos selecionados do PEPP de Salvador, conforme
o quadro a seguir.
53
Quadro 3: Distribuição dos Inquéritos do PEPP
Idade Escolarização Gênero/Sexo
Homem Mulher
F1 15 a 24 anos Fundamental PEPP 18 PEPP 43
Médio PEPP 04 PEPP 03
F2 25 a 35 anos Fundamental PEPP 09 PEPP 29
Médio PEPP 13 PEPP 21
F4 de 65 anos em diante Fundamental PEPP 35 PEPP 01
Médio PEPP 14 PEPP 25
4.2.2 Saliência Fônica
A saliência fônica, grupo de fatores introduzido por Naro & Lemle (1977 apud
LOPES, 1993) e verificada em outras pesquisas (NARO; SCHERRE, 2007; LOPES, 1993,
1996, 2004; OMENA, 1996, et alli), é assim referida por LOPES (1996, p. 131): “Entre duas
formas niveladas, que se opõem, é mais provável a manutenção dessa oposição quando existe,
entre elas, uma diferenciação fônica acentuada”. Isso significa dizer que é provável que
quanto maior for o nível de diferenciação entre as formas verbais de singular e plural, haverá
maior probabilidade de ocorrência de nós em relação à forma a gente. A partir da divisão de
níveis de saliência fônica definidos por Lopes (1993), foram definidos nesta pesquisa os
seguintes níveis:
Nível 1, acréscimo apenas de desinência –mos:
(13) É, a gente briga muito... (INQ 29, MULHER, FAIXA 2,
FUNDAMENTAL)
(14) Tudo normal, os vizinhos é, que nós moramos em São Gonçalo nós
saíamos e íamos pra lá... (INQ 35, HOMEM, FAIXA 4, FUNDAMENTAL)
Nível 2, difere em quanto a tonicidade:
(15) A gente brincava muitos, brincava muito. A minha mãe mesmo,
quando ela era adolescente, ela empinava arraia. . (INQ 01, MULHER,
FAIXA 4, FUNDAMENTAL)
(16) Ah, vou contar uma, tem, eh, tinha uma vez né, brincávamos, você
conhece Itapoan? (INQ 09, HOMEM, FAIXA 2, FUNDAMENTAL)
54
Nível 3, monossílabos tônicos ou átonos que, ao receber a desinência –mos,
passam a paroxítonos:
(17) [...] A gente tem que bater, a gente tem que castigar, tem que proibir
alguma coisa. (INQ 01, MULHER, FAIXA 4, FUNDAMENTAL)
(18) [...] a educação, que não incentiva o jovem ao trabalho, também isso aí
influencia negativamente, é por isso que temos um número de pessoas muito
grande por parte de crimes né. (INQ 13, HOMEM, FAIXA 2, MÉDIA)
Nível 4, acréscimo de desinência –mos e perda da semivogal da terceira pessoa do
singular em oposição à primeira pessoa do plural, ou seja, redução do ditongo:
(19) Que eu dei um murro embaixo nele, aí pegou no lugar indevido, aí na,
na volta, que soou o gongo, aí na volta do, da, do descanso, a gente foi fazer
luva de novo... (INQ 18, HOMEM, FAIXA 1, MÉDIA)
(20) É isso, aí resultado, ele deixou e tudo, aí pronto, fomos namorar na
porta e tudo até aí estava ótimo né... (INQ 21, MULHER, FAIXA 2,
MÉDIA)
Nível 5, quando há incidência de grandes diferenças fonológicas entre as formas
de singular e plural:
(21) 09: Mas como a gente é uma pessoa que não pode fazer muita coisa...
(INQ 09, HOMEM, FAIXA 2, FUNDAMENTAL)
(22) DOC: Hum, quantos irmãos você tem?
INF. 09: Somos dez comigo. (INQ 09, HOMEM, FAIXA 2,
FUNDAMENTAL)
Nível 6, formas do infinitivo com acréscimo de –mos:
(23) “...meu irmão, bula naquele ali, que é pra nós pegarmos ele pra dar
bordoada” (INQ 35, HOMEM, FAIXA 4, FUNDAMENTAL)
Nível 7, corresponde as formas de gerúndio:
(24) É, era menor. Antigamente porque era uma casa perto da outra e tudo, a
gente estando na rua, de frente lá de casa no caso minha mãe, meu pai ficava
observando sempre a gente no caso entendeu? (INQ 21, MULHER, FAIXA
2, MÉDIA)
55
(25) ...aí batia, “não sei que lá”, aí a gente escrevendo, aí errava, aí ela
batia. (INQ 04, HOMEM, FAIXA 1, MÉDIA)
A hipótese levantada é que a forma verbal mais saliente é um fator condicionante para
a preferência pelo falante do pronome nós em relação à forma a gente. Ou seja, imagina-se
que se entre as formas verbais envolvidas na variação houver maior diferenciação entre
singular e plural, haverá maior a possibilidade de escolha do nós, ou o contrário em se
tratando da forma a gente.
4.2.3 Paralelismo Formal
A variável forma antecedente ou paralelismo formal foi apontada como fator relevante
no uso de nós / a gente como sujeito (OMENA, 1998; LOPES, 1993, 1996). Nesse grupo de
fatores, imagina-se que pode haver manutenção de uma mesma forma em uma sequência
discursiva, modificando-a quando o referente também modificar. Ou conforme Lopes (1993,
p. 42): “É como se o falante „optasse‟, num processo cognitivo, por repetir a mesma forma
enquanto mantém o mesmo referente, ao passo que mudará quando o referente for outro”.
Partindo da nossa hipótese de que, quando o falante utiliza nós ou a gente no início de
uma sequência discursiva, mantém essa primeira forma empregada, analisamos os fatores, já
estudados por Omena (1998) e Lopes (1993):
1. Primeira referência numa sequência:
(26) ...eu era mocinha, né, nós saíamos, íamos pra cinema... (INQ 01,
MULHER, FAIXA 4, FUNDAMENTAL)
(27) E muito, e muito. Porque naquela época que a gente morava lá na, lá
no Tancredo, a gente dormia com a porta aberta [...] (INQ 35, HOMEM,
FAIXA 4, FUNDAMENTAL)
2. Forma isolada:
(28) Encontro mas a raiva já passou já, agora a gente é amigo, eu acho.
(INQ 03, HOMEM, FAIXA 1, FUNDAMENTAL)
56
(29) Não nesse grupo mas em outro grupo, que é o grupo dessa minha prima,
que ela ensina coreografia também na igreja, aí nós duas criamos, fazer
coreografia eu só fiz com ela, que ela tem um grupo lá também. (INQ 03,
MULHER, FAIXA 1, MÉDIA)
3. Forma antecedente a gente:
(30) É, quando a gente estava esperando a prova chegar, aí Ø ficava, “opa,
fiscal... (INQ 04, HOMEM, FAIXA 1, MÉDIA)
(31) [...] dizer assim normal porque a gente começa a ver as dificuldades no
colégio, a gente estuda, estuda, estuda, consegue alguma coisa aí relaxa mais
um pouco [...] (INQ 03, MULHER, FAIXA 1, MÉDIA)
4. Forma antecedente nós:
(32) Nós fizemos, Ø tínhamos um plano, um dia fazer uma casa pra gente
morar [...] (INQ 09, HOMEM, FAIXA 2, FUNDAMENTAL)
(33) (...inint...) Está muito pior, não sei não minha filha, hoje eu acho que eu
não dava pra ensinar não, agora que a liberdade está, essa mesma estava num
colégio, nós tiramos por causa de tanta liberdade que o colégio... ela estava
fazendo prova levantava e ia ali perguntava aquela, levantava, ninguém fala
nada, e se, se a coordenadora reclamar com ela vai, como é, o diretor chama
atenção porque não tem que reclamar com a criança, e aí nós retiramos e
(...inint...) [...] (INQ 25, MULHER, FAIXA 4, MÉDIA)
5. Forma antecedente zero com desinência verbal de 3ª pessoa do singular:
(34) Ø fazia tipo uma casinha, um circo e ali a gente tinha, tinha que cercar
o circo... (INQ13, HOMEM, FAIXA 2, MÉDIA)
(35) [...] Só isso, mas não teve nada, mas isso porque a gente mesmo que
provocava, Ø abusava né, aí cansava, o pessoal de fora ficava jogando
pedra né, pela janela aquela coisa toda. (INQ 21, MULHER, FAIXA 2,
MÉDIA)
6. Forma antecedente zero com desinência verbal de 1ª pessoa do plural (ou
quarta pessoa) com referente igual:
(36) [...] aí pronto, aí ficamos, Ø ficamos dois anos, depois nós nos
separamos... (INQ 29, MULHER, FAIXA 2, FUNDAMENTAL)
(37) [...] contou a gente, sabia, aí pegou, demos, tomamos uma surra, aí eu
fiquei, eu e C... Ø tomamos uma surra, não foi fácil, “agora vocês vão tomar
banho”, quando nós voltamos [...](INQ 35, HOMEM, FAIXA 4,
FUNDAMENTAL)
57
4.2.4 Inclusão do eu
Para fins desta pesquisa, o tamanho do grupo e a inclusão do eu (que foram analisados
separadamente por diversos autores) serão amalgamados em um único grupo, conforme
sinaliza Oliveira (2008, p. 82): “visto que o objetivo é o mesmo: saber se há diferença na
escolha do pronome sujeito quando a referência é restrita (uma ou duas pessoas) ou mais
ampla (um grupo grande)”.
Desse modo, os estudos de Omena (1998) da fala de pessoas pouco escolarizadas, e de
Lopes (1993) com a fala culta, chegaram a resultados semelhantes em relação à variável
inclusão do eu e tamanho do grupo. Nessas pesquisas, ao referir-se a grupo grande e
indeterminado, o falante faz uso de a gente, enquanto que, se o grupo é grande e determinado,
a preferência é pelo uso de nós, demonstrando um resquício do caráter indeterminado da
forma originária gente. Entretanto, grupos pequenos indicam neutralização, ou perda gradual
de indeterminação pela forma a gente.
1. Eu; Eu ou uma pessoa qualquer:
(38) Na minha adolescência eu não ia pra bar, nós íamos passear no porto...
(INQ 01, MULHER, FAIXA 4, FUNDAMENTAL)
No exemplo (38), observa-se que o falante refere a si mesmo ao relatar fatos de sua
adolescência.
(39) Ou por dia o que, por semana, então cada semana ela dá um tema e nós
fazemos, aí pronto, aí Ø leva pra casa, faz e dá na, lá na recepção e pronto,
(...inint...). (INQ 04, HOMEM, FAIXA 2, MÉDIA)
Já no exemplo (39), o falante refere-se a um grupo de alunos que frequentam cursos
pré-vestibulares (no qual ele está inserido), que tinham como tarefa escrever redações para
que fossem corrigidas pelo professor. Ou seja, poderia se tratar tanto do eu do informante,
quanto qualquer outro aluno. Observa-se, por sua vez, que o falante utilizou as formas nós
(explícito) e a forma pronominal a gente (implícito), quase que indistintamente no mesmo
turno de fala.
58
2. Duas ou três pessoas (eu + uma pessoa ou eu + duas pessoas):
(40) Eu não lembro assim especificamente porque mas ele batia muito
quando a gente brigava, eu e minha irmã, quando a gente era pequena, que
a gente brigava muito, até agora mudou né, mas antigamente ele batia
quando a gente brigava, agora não. (INQ 03, MULHER, FAIXA 1,
MÉDIA)
No exemplo (40) tem-se o fator eu + uma pessoa, que no caso do inquérito, envolve a
informante e sua irmã enquanto ainda eram crianças.
(41) Aí Ø tiramos a roupa dela e jogamos dentro do cansanção, eu, eu, C... e
F... (INQ 35, HOMEM, FAIXA 4, FUNDAMENTAL)
O recorte (41) descreve a formação eu + duas pessoas no qual o informante relata que
se juntou com mais dois meninos de sua idade para armar uma situação constrangedora contra
a menina que bateu no informante-interlocutor, jogando uma planta que causa coceira ao
entrar em contato com a pele.
3. Grupo intermediário (eu + grupo restrito):
(42) É, quando a gente estava esperando a prova chegar... (INQ 04,
HOMEM, FAIXA 2, MÉDIA)
O grupo intermediário pode ser verificado no exemplo (42), pois o falante está se
referindo ao grupo de alunos que frequenta o mesmo curso pré-vestibular.
(43) Praia do Forte, e ano, esse ano teve de história pra conhecer (...inint...)
quatrocentos e cinquenta anos de Brasil, conhecer a visão assim de Salvador,
a visão marítima, a gente pegou uma escuna aí fomos pra Ilha dos Frades
[...] (INQ 03, MULHER, FAIXA 1, MÉDIA)
O mesmo ocorre no exemplo (43), no qual o falante se refere somente a um grupo de
alunos em excursão à Ilha dos Frades, logo, restringindo o grupo ao qual pertence.
4. Grupo grande (eu + todo mundo):
(44) São coisas que, que mais, por mais que a gente queira ensinar uma
criança como, como a gente era antes a televisão já ensina totalmente
diferente. (INQ 03, MULHER, FAIXA 2, FUNDAMENTAL)
59
No exemplo (44) a informante revela no seu discurso um tom mais abrangente e, por
seu turno, genérico, em que, no trecho “por mais que a gente queira ensinar uma criança”, não
só inclui a si mesma como também se refere a todos que têm filhos ou que se preocupam com
a educação das crianças.
(45) Hoje, hoje, ultimamente nós estamos vivendo pior do que passarinho...
(INQ 35, HOMEM, FAIXA 4, FUNDAMENTAL)
Por fim, quando se trata de grupo grande, como no recorte (45), a natureza abrangente
e genérica retorna.
Portanto, busca-se, nesta pesquisa, verificar as tendências de uso da forma pronominal
no preenchimento a gente na função de sujeito e a relação entre as pessoas referenciadas na
situação discursiva que envolve mais pessoas do que o alocutor e o alocutario, que Benveniste
(1988 apud LOPES, 1993) convencionou chamar de “eu ampliado”. Logo, tem-se a hipótese
de que o falante, ao referir-se às pessoas de um grupo grande e indeterminado, tende a usar
mais a gente.
4.2.5 (In) Determinação do sujeito
As formas nós e a gente também são utilizadas para indeterminar a referência. De
acordo com Cunha (2004, p. 128 apud OLIVEIRA, 2008), há quatro tipos de (in)
determinação:
1) Indeterminação parcial do pronome com um elo de referência explícito no
contexto:
(46) [...] porque antigamente a gente batia, botava de castigo, não é, prendia,
não vai... (INQ 01, MULHER, FAIXA 4, FUNDAMENTAL)
No trecho (46), em que a informante opina sobre a educação familiar da atualidade e
da sua geração, a forma a gente não traz informação precisa sobre a quem se refere quando
diz “a gente batia”. A indicação sobre o referente está contida no advérbio “antigamente”,
pois o locutor faz distinção entre dois grupos separados no tempo. Isto é, ao propor a oposição
entre as pessoas de uma época anterior com as da atualidade, o falante se insere em um grupo
60
e não no outro (no caso, o falante pertence a gerações anteriores a atual). Logo, “antigamente”
é o elo referencial de determinação do sujeito pronominal.
2) Indeterminação parcial do pronome com um elo de referência implícito no
contexto:
(47) [...] a gente pegou uma escuna aí fomos pra ilha dos Frades [...] (INQ
03, MULHER, FAIXA 1, MÉDIA)
No exemplo (48), o elo de referência não está explicitado no contexto, mas fora dele.
Porque a forma a gente carece de informações para que se saiba qual ou quais sujeitos da
comunidade de fala estão referidos no discurso. Assim, no contexto anterior a esse a
informante traz a informação de que ele e um grupo de estudantes fazem passeios educativos
(o eu - ampliado) e dessa vez foi à ilha dos Frades, revelando assim o sujeito implícito no
contexto.
3) Indeterminação completa do pronome
(49) Eh, quando a gente se reúne, que está todo mundo junto assim... (INQ
03, MULHER, FAIXA 1, MÉDIA)
No exemplo (49) a forma a gente indetermina completamente o sujeito do enunciado,
a ponto de não ter certeza sobre qual ou quais pessoas a que a informante se refere quando “A
gente se reúne”. Ou seja, não se sabe quantas pessoas e quais as situações.
4) Forma com referência determinada
(50) Aí né, eu, meu irmão e mais dois colegas Ø fomos brincar lá por perto
[...] (INQ 09, HOMEM, FAIXA 1, FUNDAMENTAL)
Por fim, no exemplo (50), a referência determinada dá para que se entenda que, a
forma nós está implícita pela marca Ø, mas, o informante explica que estão inseridos no
discurso ele, seu irmão e mais dois colegas, que foram brincar.
O caráter indeterminado de a gente (que não se perdeu no processo de
gramaticalização a qual a forma sofreu) leva à hipótese de que o seu uso deve ser maior em
61
contextos mais indeterminados, ao passo que a forma nós seja frequente com o sujeito
determinado.
4.2.6 Gênero/Sexo
As diferenças entre homens e mulheres no uso da língua vão além do plano lexical e
refletem a representação de cada gênero em uma sociedade (PAIVA, 2003). Assim, tomando
como exemplo o uso de formas linguísticas mais inovadoras, podem ser encabeçada tanto por
homem quanto por mulheres a depender do contexto em que cada gênero está envolvido
socialmente. Isso mostra a interdependência do agente gênero/sexo e os papéis que cada um
desempenha no processo de socialização.
No que concerne à interação da variável gênero/sexo na mudança linguística, Labov
([1978] 2008), sobre o inglês de Nova York, verificou que, quando se tratava de implementar
na língua uma forma de prestígio, as mulheres tendiam a assumir a liderança da mudança,
contudo quando os homens lideravam a implementação de uma variante desprestigiada as
mulheres tendiam para o conservadorismo.
Portanto, as funções pré-determinadas socialmente para homens e mulheres numa
dada comunidade linguística interferem no uso da variante padrão ou não quando sugerem à
forma um arcabouço de status social. Assim sendo, consideramos como hipótese que as
mulheres lideram o uso da forma inovadora a gente, uma vez que essa variante não é
estigmatizada, enquanto os homens utilizam a forma mais conservadora nós.
4.2.7 Faixa Etária
O fator idade influi sobre o uso de variantes linguísticas, contudo isto não significa
implementação sistêmica e cronológica de mudança, ou seja, com o passar do tempo, a
variação não necessariamente representa, por parte dos falantes, a assimilação das formas
mais inovadora, podendo haver coexistência entre as duas (NARO, 2003).
A correlação entre a variável faixa-etária e a mudança linguística tem como base a
corrente clássica que postula o fim da aquisição da linguagem até a puberdade, isto é, aos
62
quinze anos. Dentro desta perspectiva, admite-se o estudo da mudança em tempo aparente em
escala obtida através do estudo de falantes de idades distintas, o que pode explicitar uma
“gradação etária”, não correspondente ao estudo da mudança em tempo real.
A dicotomia tempo aparente versus tempo real se apresenta tal qual a saussuriana
langue versus parole. Não obstante, pesquisas nacionais e internacionais apontam, assim
como Coseriu, na sua divisão tripartida, para uma terceira hipótese: o indivíduo muda com o
tempo sem atingir o estágio dos falantes mais velhos atuais, mas, por sua vez, vai ao encontro
da deriva, excedendo esta marca e, desta maneira, implementando a mudança.
Ao trabalhar a faixa etária, dividida em Faixa 1 (15 a 24 anos), Faixa 2 (25 a 35 anos)
e Faixa 4 (acima de 65 anos), temos como hipótese que os mais jovens utilizem a forma a
gente, ao passo que os mais velhos utilizam a forma nós.
4.2.8 Escolaridade
A variável escolaridade é apontada como um dos fatores sociais que influenciam no
uso de nós e a gente, pelo caráter normativo-prescritivo da instituição escolar, em relação aos
usos linguísticos (OMENA, 1996). Assim sendo, consideramos como fatores de análise da
variável escolaridade duas etapas do ensino básico brasileiro: o ensino fundamental (da
primeira à oitava série) e ensino médio (as três séries finais do ensino básico).
A relação entre a variável escolaridade e mudança linguística dá-se sob dois vieses de
ação da primeira sobre a segunda: o da promoção e o da censura corroborando para o
nivelamento da norma padrão (VOTRE, 2003).
Votre (2003) estabelece distintas correlações das dinâmicas sociais na interação língua
e escolaridade; a primeira distinção dá-se entre a forma variante de prestígio e da norma
relativamente neutra, como se a neutralidade da linguística fosse possível. A segunda, por sua
vez, relaciona o fenômeno socialmente estigmatizado e o que é imune a tal estigma. A
terceira, por seu turno, aponta os fenômenos que sofrem a ação normativa da escola e aqueles
que lhe escapam à normatização.
Ainda Votre (2003) afirma que as formas socialmente prestigiadas, cujos usuários
gozam de status econômico e social, concorrem para que estas sejam utilizadas na literatura
oficial e se convertam em língua padrão sancionadas pelas gramáticas normativas, por
conseguinte, devem ser ensinadas, aprendidas e internalizadas no processo escolar. Por outro
lado, as realizações que fogem a variante padrão são estigmatizadas, alvo de críticas.
63
ridicularizadas e marginalizadas pelos círculos sociais, tidos como cultos. Por isso, cabe à
escola agir como inquisitora a extirpar o mau uso da linguagem que se supõe vernácula.
No entanto, em relação à forma a gente existe um contracenso, pois essa forma de
pronome pessoal, oriunda de um processo de gramaticalização, mas que já está inserida no
quadro pronominal do PB desde o século XIX, amplamente difundida na fala dos brasileiros,
incluindo os falantes da norma culta, não se apresenta como variante a ser extirpadas, pelas
gramáticas ou livro didático e muito menos aparece para ser combatido ensinado nas escolas e
livros didáticos. (LOPES, 1993; OMENA, 1996).
Apesar de a variável escolaridade interferir no domínio das formas cultas e no
abandono total ou parcial das formas estigmatizadas, a homogeneização do comportamento
social se concretiza na correlação com outras variáveis extralinguísticas e no
compartilhamento do valor do capital simbólico da comunidade discursiva.
64
FOTOGRAFIAS: RESULTADOS
À revelia do que diz o senso comum, que “uma imagem vale mais que mil palavras”,
entendemos que a imagem não “diz tudo por si só”, pois necessita que se a interprete e a
interpretação, inevitavelmente, é feita por/em/com palavras. Assim, neste capítulo
apresentamos um book do uso de nós e a gente no português popular falado em Salvador com
os dados do corpus do PEPP – SSA, comparando os achados, principalmente com os
resultados com os dados do NURC – SSA (LOPES, 1993) e (NASCIMENTO, 2013).
Dos 453 dados de nós e a gente, nos inquéritos, 216 dados são dos homens e 237 das
mulheres; 136 da faixa etária 4 (acima de 65 anos), 137 da faixa 1 (dos mais jovens) e 180 dos
adultos de faixa 2 (de 25 à 35 anos). De escolaridade Fundamental foram 254 dados, enquanto
que da Média, 199.
A análise geral das amostras dos inquéritos do PEPP cujo fator de análise escolhido foi
a variante nós por que fora a mesma utilizada nas pesquisas de Lopes (1993) e Nascimento
(2013) o que favoreceu e facilitou a comparação entre essas pesquisas e a nossa, selecionou
cinco variáveis como relevantes no uso de nós e a gente na função sujeito (paralelismo
discursivo, indeterminação do sujeito, saliência fônica, faixa etária e escolaridade) que serão
analisadas. Contudo, as outras variáveis não-selecionadas na análise geral também serão
posteriormente analisadas. Essa seção se inicia, fazendo uma análise apenas da variável
dependente, no geral dos dados (uso de nós e a gente) apresentada na Tabela abaixo:
Tabela 1: Frequência do uso de Nós / A gente PEPP
PRONOME N. OCOR. / TOTAL FREQUÊNCIA
Nós 109 /453 24%
A gente 344 /453 76%
Significância .016
Gráfico 1: Uso de Nós / A gente PEPP
65
Na Tabela 1 e Gráfico 1, observa-se que o uso do pronome a gente supera e muito o
uso de nós no português popular de Salvador, sendo nós três vezes menor, dos 453 dados, em
109 se utiliza o nós como sujeito contra 344 de a gente, tendo frequência de 76% de a gente
contra 24% de nós.
Esse resultado é muito diferente de outras pesquisas, em termos de frequência de uso
de nós, se aproximando de Lopes (1993), que pesquisou a mesma variável na norma culta de
Salvador, no qual a autora verificou que 63% utilizavam o nós contra 37% de a gente. E em
pesquisa recente (NASCIMENTO, 2013), ainda com a fala culta soteropolitana, foram
obtidos os resultados de frequência de uso de 51,80% para nós e 48,20% para a gente. Essa
comparação pode ser mais bem observada na Tabela 2 e Gráfico 2 (somente com as
frequências):
Tabela 2: Frequência do uso de Nós / A gente em NURC-SSA-LOPES; NURC-SSA-NASCIMENTO;
PEPP
PRONOME NURC-SSA-LOPES NURC-SSA-NASCIMENTO PEPP
Nós 63% 51,8% 24%
A gente 37% 48,2% 76%
Gráfico 2: Frequência do uso de Nós / A gente em NURC-SSA-LOPES; NURC-SSA-NASCIMENTO;
PEPP
É necessário esclarecer que o resultado obtido por Lopes (1993) se refere ao corpus
NURC de Salvador, embora a autora tenha pesquisado também as cidades do Rio de Janeiro e
de Porto Alegre. Nascimento (2013), por sua vez, realizou sua pesquisa com os corpora de
duas décadas do NURC-SSA, 70 e 90. A presente pesquisa trata de um corpus completamente
diferente dos outros dois, observa-se uma frequência de nós inferior às duas primeiras, o que
sugere uma maior difusão da forma inovadora a gente entre as camadas populares de
Salvador.
66
5.1 VARIÁVEIS SELECIONADAS
Nesta seção, faz-se a análise e a interpretação das variáveis selecionadas pelo
VARBRUL como relevantes para a escolha do pronome nós, explícito ou não, na função de
sujeito.
As variáveis selecionadas na rodada geral pelo VARBRUL estão dispostas e
analisadas de acordo com a ordem de relevância apontadas pelo mesmo programa
computacional.
5.1.1 Paralelismo Formal
Essa variável observa a tendência de se repetir uma forma em uma sequência
discursiva. Omena (1996) argumenta que a probabilidade de o falante escolher nós ou a gente
na primeira referência é a mesma, no entanto, depois de feita a escolha, essa será decisiva para
o uso na sequência. Ou seja, se a forma nós for a primeira referência, é provável que essa se
repita na segunda e demais referências discursivas.
Na presente pesquisa a variável paralelismo foi considerada relevante para o uso de
nós, sendo os fatores mais favorecedores o “antecedente nós” com frequência de 68% e Peso
Relativo (P.R.) .86, e o “antecedente zero com verbo na primeira pessoa do plural” com
frequência de 95% e P.R .98. Já os fatores que menos favoreceram foram “antecedente zero
com verbo na terceira pessoa do singular” sem nenhuma ocorrência e “antecedente a gente”
com 7% de frequência (.27) como mostra a Tabela 3 e Gráfico 3.
Tabela 3: Condicionamento do paralelismo formal no uso de Nós PEPP.
PARALELISMO N. OCOR. /
TOTAL
FREQUÊNCIA P.R.
a - Antecedente A GENTE 11/151 7% .27
n - Antecedente NÓS 26/38 68% .86
z - Antecedente zero com verbo na 1ª pessoa do plural 21/22 95% .98
TOTAL 58/211 27%
Significância .016
67
Gráfico 3: Condicionamento do paralelismo formal no uso de Nós PEPP.
Tabela 4: Condicionamento do paralelismo formal no uso de Nós NURC-LOPES e PEPP
PARALELISMO NURC-SSA (P.R.) PEPP (P.R.)
a - Antecedente A GENTE .10 .27
n - Antecedente NÓS .79 .86
z - Antecedente ZERO com verbo na 1ª pessoa do plural .86 .98
Gráfico 4: Condicionamento do paralelismo formal no uso de Nós NURC e PEPP
Na Tabela 3 e Gráfico 3 observa-se que os resultados dessa variável, a partir de dados
do PEPP estão em acordo com os dados de Omena (1996) do corpus censo, pois mostra que o
antecedente nós favorece sequências com nós, da mesma maneira ocorre com a forma a gente,
de forma inversa. Os dados do PEPP, em relação à variável paralelismo, concordam também
com Lopes (1993) que pesquisou o NURC (ver Tabela 4 e Gráfico 4).
Ao comparar a pesquisa de Lopes (1993) com os dados do PEPP, pode-se verificar
que na primeira a forma antecedente com a 1ª pessoa do plural com sujeito zero teve peso
relativo de .86 no NURC, enquanto no PEPP foi e .98. Já com antecedente nós foi de .79 no
NURC. A probabilidade de ocorrência da forma nós figurar quando foi precedida pela forma
68
pronominal a gente em uma sequência discursiva foi de .10 de peso relativo no NURC, no
PEPP, por seu turno, foi de .46.
Os resultados da análise dos corpora (NURC e PEPP) foram concordantes e coesos
entre si, embora houvesse pequena diferença numérica nas frequências e pesos relativos entre
eles. As semelhanças entre a pesquisa de Lopes (1993) e esta começam pelo fato de, em
ambos os estudos, a variável ter sido selecionada como relevante na rodada geral dos dados e
primeira também, pois o mesmo não ocorreu com a investigação de Nascimento (2013).
Diante disso, os resultados a que se chegou com os dados do PEPP corroboram com outras
pesquisas (OMENA, 1996), (LOPES, 1996) e (NASCIMENTO, 2013), no que se refere ao
paralelismo, o falante tende a manter a mesma forma pronominal usada na primeira referência
nas referências subsequentes. O fator antecedente zero com verbo na primeira pessoa do
plural favorece o uso de nós enquanto o antecedente na terceira do singular favorece o
aparecimento da forma a gente, nesta pesquisa, mas este fator não foi observado na pesquisa
de Nascimento (2013).
5.1.2 (In) determinação do sujeito
A segunda variável linguística selecionada pelo VARBRUL foi a (in) determinação do
sujeito, na qual as formas nós e a gente também são utilizadas para indeterminar a referência.
Foram considerados quatro tipos de (in) determinação (CUNHA, 2004, p. 128 apud
OLIVEIRA, 2008), que foram exemplificados e explicado com os dados do corpus do PEPP:
(i) Indeterminação parcial do pronome com um elo de referência explícito no contexto;
(51) “Cabeçudo”, aí ba, aí batia, “não sei que lá”, aí a gente escrevendo, aí
errava, aí ela batia (INQ 04, HOMEM, FAIXA 1, MÉDIO)
No exemplo (51) o elo de referência contextual explícito é o adjetivo “cabeçudo”,
pessoa de pouca inteligência, utilizado em ambiente escolar, logo, a compreensão de que o
pronome de “a gente escrevendo”, remete a qualquer aluno de uma sala de aula em que havia
agressão física por parte do professorado no alunado.
69
(ii) Indeterminação parcial do pronome com um elo de referência implícito no
contexto;
(52) É, perigoso fica porque a gente fica visado também.(INQ 18, HOMEM,
FAIXA 1, FUNDAMENTAL)
No exemplo (52) a forma a gente não explicita os sujeitos inseridos no contexto,
sendo, portanto, necessário buscar o contexto anterior para seu entendimento. No caso do
contexto de (52), o contexto anterior ao mesmo mostra que se tratava de um grupo de jovens
que se envolve em brigas e acaba ficando “visado”, ou seja, ficam sendo mais observados até
de forma preconceituosa.
(iii) Indeterminação completa do pronome;
(53) [...] Realmente quando a gente sai de um, de um stress daquele o
negócio é, é, é da pesada. (INQ 14, HOMEM, FAIXA 4, MÉDIO)
Em relação ao exemplo (53), o pronome a gente é totalmente indeterminado e não
distingue o sujeito discursivo.
(iv) Forma com referência determinada:
(54) Não nesse grupo mas em outro grupo, que é o grupo dessa minha prima,
que ela ensina coreografia também na igreja, aí nós duas criamos... (INQ 03,
MULHER, FAIXA 1, MÉDIO)
Ao contrário do exemplo (53), completamente indeterminado, o exemplo (54) tem a
forma determinada utilizando a forma nós, no qual o trecho “aí nós duas criamos”, já se sabe
que são duas pessoas, primas entre si, e que fazem coreografia para igreja.
Após a exemplificação e explicação dos tipos de (in) determinação do sujeito, segue a
análise dessa variável, que permite verificar a permanência do caráter indeterminado de a
gente, levando em consideração a hipótese de que o seu uso deve ser maior em contextos mais
indeterminados, ao passo que a forma nós deve ser frequente com o sujeito determinado.
70
Tabela 5: Condicionamento da (in) determinação do sujeito no uso de Nós PEPP.
(IN) DETERMINAÇÃO DO SUJEITO N. OCOR./TOTAL FREQ. P.R.
0 - Indeterminação completa do pronome 19/143 13% .43
1 - Indeterminação parcial do pronome com um elo
de referência explícito no contexto
15/113 13% .32
2 - Indeterminação parcial do pronome com um elo
de referência implícito no contexto
25/84 30% .67
3 - Forma com referência determinada 50/113 44% .64
TOTAL 119/453 24%
Significância .016
Gráfico 5: Condicionamento da (in) determinação do sujeito no uso de Nós PEPP.
Na Tabela 5e Gráfico 5, pode-se verificar que o fator que mais favorece ao uso de nós
é “indeterminação parcial do pronome com o elo de referência implícito no contexto” (.67),
seguido (mas muito próximo) pela “forma com referência determinada” (.64). Já o fator
menos favorecedor do uso de nós como sujeito foi “indeterminação parcial do pronome com o
elo de referência explícito no contexto” (.32), na sequência “indeterminação completa do
pronome” (.43).
O resultado demonstrado na Tabela 5 corrobora nossa hipótese de que quanto mais
determinada for a referencialidade do sujeito, maior a probabilidade de uso de nós, devido, em
grande parte, à manutenção do traço inicial mais indeterminado da forma a gente.
5.1.3 Saliência Fônica
A variável saliência fônica se apresentou no quarto lugar no que diz respeito ao
condicionamento do uso de nós no PEPP, de acordo com a rodada geral do VARBRUL, e a
terceira entre as variáveis linguísticas.
71
Scherre (apud NARO; SCHERRE, 2007) mostra a relação entre a saliência fônica dos
elementos singular e plural e a presença de marcas: há uma tendência a apresentar mais marca
formal de plural em sintagmas com mais saliência. A variável saliência fônica no uso de nós
no PB popular se mostrou relevante na primeira rodada geral da amostra do PEPP. Buscou-se,
então, verificar a hipótese de que o maior grau de saliência fônica favoreça o uso da forma
nós (marca formal de plural), enquanto que o menor nível favoreça o uso de a gente nos
resultados do PEPP, dispostos a seguir na Tabela 6 e Gráfico 6.
Tabela 6: Condicionamento da saliência fônica no uso de Nós PEPP.
SALIÊNCIA FÔNICA N.OCOR./TOTAL FREQ. P.R.
T - Conserva tonicidade e mais desinência –mos 34 /237 14% .35
I - Infinitivo c/ acréscimo da desinência –mos 3/10 30% .48
D - Deslocamento de tonicidade e acréscimo de –mos 22/86 26% .68
R - Redução dos ditongos, com acréscimo de –mos 38/63 60% .78
m - Monossílabos com acréscimo da desinência –mos 8/39 21% .53
d - Diferenças fonológicas acentuadas 4/12 33% .64
TOTAL 109/447 24%
Significância .016
Gráfico 6: Condicionamento da saliência fônica no uso de Nós PEPP.
Como se pode observar na Tabela 6 e Gráfico 6, os dados do PEPP confirmam a nossa
hipótese de que o maior nível de saliência fônica leva à forma nós. O fator redução dos
ditongos com acréscimo de desinência –mos (cantou/cantamos) foi o que teve maior
probabilidade de favorecimento de nós (.78), acompanhado por “deslocamento do acento
tônico e acréscimo da desinência –mos, incluindo os verbos de maior ou menor fechamento da
vogal pretônica” (fala/falamos) com de peso relativo .68, em seguida o fator “diferenças
fonológicas acentuadas” (veio/viemos; é/somos) com (.64). Ainda sobre as “diferenças
fonológicas acentuadas”, embora se esperasse que esse fator por ser mais saliente,
72
apresentasse maior probabilidade de uso de nós na função sujeito, não ocorreu na amostra de
dados do corpus do PEPP, ademais, tal fator se mostrou favorecedor ao uso de nós apenas na
terceira posição. Em vista disto, ressaltamos que o número pequeno de dados, como no caso
da amostra do PEPP levantados e analisados nesta pesquisa (foram 12 inquéritos dos 48 que
compõe o corpus PEPP), podem levar a resultados não que não permitem generalizar a esse
respeito.
Já os fatores “monossílabos tônicos ou oxítonos que passam a paroxítonos, aumento ou
não de mais de uma vogal, maior ou menor fechamento da vogal pretônica, acréscimo da
desinência –mos (faz/fazemos) com (.53) e “infinitivo com acréscimo da desinência –mos”
(cantar/cantarmos) com (.48), foram considerados de favorecimento nulo devido à
proximidade com o peso relativo nulo (.50). O fator “infinitivo com acréscimo da desinência
–mos”, por sua vez, por apresentar poucos dados, mostrou um peso relativo mais alto do que
o previsto embora seja menos saliente. O fator menos favorecedor do pronome nós,
consequentemente favorece a forma a gente , foi “conservação da sílaba tônica e acréscimo da
desinência –mos (falava/falávamos) com peso relativo .35, o fator com menor saliência
fônica.
Os resultados do PEPP em relação à variável saliência fônica estão em parte de acordo
com os de Lopes (1993) em que a forma mais saliente favorece o uso de nós como sujeito do
discurso distribuídos em níveis: 1- acréscimo de desinência –mos (.38); 2 - difere quanto a
tonicidade (.37); 3 - monossílabos tônicos ou átonos que, ao receber a desinência –mos
passam a paroxítona (.65); 4 - acréscimo de desinência –mos e perda da vogal da terceira
pessoa do singular quando vai para o plural (.77); 5 - apresenta maior saliência fônica, porque
há grandes diferenças fonológicas entre as formas de singular e plural (.77); 6 - formas do
infinitivo com acréscimo de –mos (.26), conforme Tabela 7.
Tabela 7: Condicionamento da saliência fônica no uso de Nós NURC-LOPES e PEPP
SALIÊNCIA FÔNICA NURC-LOPES
(P.R.)
PEPP-SSA
(P.R.)
T - Conserva tonicidade e mais desinência –mos .38 .35
I - Infinitivo com acréscimo da desinência –mos .26 .48
D - Deslocamento de tonicidade e acréscimo de –mos .37 .68
R - Redução dos ditongos, com acréscimo de –mos .77 .78
m - Monossílabos com acréscimo da desinência –mos .65 .53
d - Diferenças fonológicas acentuadas .77 .64
73
Gráfico 7: Condicionamento da saliência fônica no uso de Nós NURC-LOPES e PEPP
Na Tabela 7 e no Gráfico 7 pode-se fazer a comparação entre os resultados obtidos no
NURC (LOPES, 1993) e o PEPP, no que se refere à variável saliência fônica como fator de
influência sobre o uso de nós na função de sujeito discursivo. Nela verifica-se que há certo
grau de equivalência de resultados, entre NURC (LOPES, 1993) e o PEPP, que apontam
como fatores da saliência fônica que mais favorecem o uso de nós foram “redução dos
ditongos, com acréscimo de –mos” e “diferenças fonológicas acentuadas”, níveis 4 e 5
respectivamente (LOPES, 1993), com pesos relativos (.77) e (.77) no NURC, e (.78) e (.65)
no PEPP. Também encontra-se equivalência no fator “conservação da tonicidade e mais
desinência –mos”, no nível 1, nos dois corpora com peso relativos de .38 no NURC (LOPES,
1993) e .35 no PEPP, respectivamente, como desfavorecedores do uso da forma nós.
Em relação ao fator “monossílabos com acréscimo da desinência –mos”, nível 3,
houve divergência de resultados entre os corpora, pois esse fator se apresentou como
favorecedor do uso de nós no NURC (LOPES, 1993) com peso relativo de .65, enquanto no
PEPP, mostrou-se como nulo com peso de .53.
Ainda o nível 6 aparece entre as discrepâncias entre as duas pesquisas. A divergência
entre o NURC (LOPES, 1993) e o PEPP em relação à influência do nível 6 (infinitivo com
acréscimo da desinência –mos) foram tanto em valores de pesos relativos (.26 no NURC e .
48 no PEPP), quanto de posição quanto ao favorecimento ou não do uso de nós na função de
sujeito (o primeiro como desfavorecedor de nós no NURC e segunda posição com
favorecimento nulo no PEPP). Mas o que se pode notar que, enquanto no NURC (LOPES,
1993) o nível 6 é o que mais interfere para o não uso de nós como sujeito, no PEPP tal fator é
apenas o segundo no mesmo critério, se aproximando da influência nula com P.R de .48.
Entretanto, a maior diferença dos resultados do NURC (LOPES, 1993) e o PEPP, em
relação à variável saliência fônica foi o fator “deslocamento da tonicidade e acréscimo de
74
desinência –mos” que no NURC (LOPES, 1993) obteve um peso relativo de .37 de
desfavorecimento de uso de nós, enquanto que no PEPP o peso relativo foi de .68
favorecendo o uso de nós. É sabido que o deslocamento de sílaba tônica é um dado mais
saliente em relação, por exemplo, de “infinitivo e acréscimo de –mos”, logo o resultado do
PEPP mostrou-se mais coerente neste sentido do que Lopes (1993). Vale ressaltar que na
pesquisa de Lopes (1993), a autora relacionou estritamente a saliência fônica com tempo
verbal, além de optar por descrever a saliência em níveis de elemento salientes.
Portanto, consideramos coerente em muitos aspectos os resultados e análises da nossa
pesquisa do PEPP com o NURC estudado por Lopes (1993), no que se refere à saliência
fônica como variável influente no uso variável de nós e a gente na função sujeito. Embora
tenha havido diferenças entre as duas pesquisas, devido em parte ao número de dados
comparados entre elas, sendo no PEPP 453 dados contra 1.720 do NURC (972 dados de
Salvador), confirma-se a hipótese de que elementos com maior saliência fônica favorecem o
uso de nós, ao passo que o contrário favorece a forma a gente na posição de sujeito.
5.1.4 Faixa etária
A faixa etária, também variável selecionada pelo programa, pode apresentar indícios
de mudança em curso ou coexistência entre as duas variantes (NARO, 2003). Por
conseguinte, iniciaremos a seguir a análise dessa variável no corpus do PEPP descrita na
Tabela 8 e Gráfico 8.
Tabela 8: Condicionamento da faixa etária no uso de Nós PEPP.
FAIXA ETÁRIA N. OCOR/TOTAL FREQUÊNCIA P.R.
F1 – 15 a 24 anos 12/137 9% .19
F2 – 25 a 35 anos 46 /180 26% .64
F4 – acima de 65 anos 51 /136 38% .67
TOTAL 109/453 24%
Significância .016
75
Gráfico 8: Condicionamento da faixa etária no uso de Nós PEPP.
As três faixas etárias estudadas no corpus do PEPP apresentaram uma gradação do uso
do nós em que os mais velhos têm uma frequência maior (38%) e peso relativo .67, a faixa
etária intermediária (26%) e .64 e os mais jovens muito menos (9%) e P.R. .19.
Não é possível fazer uma correlação direta dessa variável com outras pesquisas
(OMENA, 1996), (LOPES, 1993), (LUCCHESI, 2009), (NASCIMENTO, 2013) porque não
há correlações precisas entre as faixas etárias. Contudo, pode-se verificar que há semelhanças
entre o estudo de Lopes (1993) com o NURC de Salvador em que os jovens usam forma a
gente (.68) e mais velhos a forma nós (.75). Nascimento (2013), também, mostrou que os
mais velhos utilizam a variável nós (.69) enquanto entre os mais jovens o seu uso cai para .31.
Observou-se também que há diferenças muito grandes em relação aos pesos relativos de uso
de nós como pronome-sujeito entre os mais jovens nas três pesquisas supracitadas, uma
trajetória descendente que parte do NURC-SSA (LOPES, 1993) com peso relativo de .68,
depois NURC-SSA (NASCIMENTO, 2013) com .31 e, finalmente, o PEPP, com .19,
indicando um crescimento do uso de a gente em detrimento de nós entre os mais jovens, tanto
na variante culta quanto popular, sendo nesta última em grau mais acentuado (ver Tabela 9 e
Gráfico 9).
Tabela 9: Condicionamento da faixa etária no uso de Nós em NURC-SSA-LOPES, NURC-SSA-
NASCIMENTO e PEPP.
FAIXA ETÁRIA NURC-LOPES NURC-SSA-NASCIMENTO PEPP
Mais velhos .75 .69 .67
Mais jovens .68 .31 .19
76
Gráfico 9: Condicionamento da faixa etária no uso de Nós em NURC-SSA-LOPES, NURC-SSA-
NASCIMENTO e PEPP.
As pesquisas apresentam resultados esperados entre si quando se trata do uso de nós /
a gente segundo o fator idade.
5.1.5 Escolaridade
A variável social escolaridade foi selecionada como relevante para ocorrência de
pronome nós na função de sujeito, também apontada em pesquisas anteriores (OMENA,
1996; LOPES, 1996; NASMENTO, 2013; LUCCHESI, 2009) como uma das mais influentes.
No presente estudo foram considerados dois níveis de escolarização: 1) Fundamental, do 1º ao
9º ano do ensino fundamental (fundamental ciclo 1 e 2); e 2) Média, que corresponde aos três
anos do ensino médio da educação básica. Assim, os resultados podem ser observados na
Tabela 10 e Gráfico 10:
Tabela 10: Condicionamento da escolaridade no uso de Nós PEPP.
ESCOLARIDADE N. OCOR / TOTAL FREQUENCIA P.R.
P - Ensino Fundamental 76/254 30% .58
S - Ensino Médio 33/199 17% .40
TOTAL 109/453 24%
Significância .016
77
Gráfico 10: Condicionamento da escolaridade no uso de Nós PEPP.
Os dados do PEPP mostraram que a escolaridade fundamental favorece mais o uso de
nós (.58), enquanto que na média usa-se mais a forma a gente (.86). Acredita-se que a
variável escolaridade não revela tudo quando analisada isoladamente, sendo, portanto,
necessário o cruzamento e correlação com outras variáveis sociais, assim como escolaridade e
gênero, para se ter uma visão mais panorâmica do fenômeno em estudo.
No entanto, ao fazer o cruzamento entre as variáveis amalgamando-as em
escolaridade + gênero, por meio do programa do pacote computacional VARBRUL, em
segunda rodada de dados do PEPP, não foi selecionada a variável resultante da junção da
escolaridade e do gênero. Assim apresentamos a análise dos resultados da interseção de
escolaridade + faixa etária. Essa variável que reúne a escolaridade e a faixa etária foi
selecionada como relevante para o uso de nós na posição de sujeito.
Tabela 11: Condicionamento do efeito da escolaridade e faixa etária no uso de Nós PEPP.
Escolaridade
F1 F2 F4
N. Ocor.
/ Total
Freq. P.R. N. Ocor.
/ Total
Freq. P.R. N. Ocor.
/ Total
Freq. P.R.
P -
Fundamental
0/100 0% .0 38/90 42% .70 38/78 49% .71
S - Médio 12/51 24% .38 8/90 9% .26 13/58 22% .43
Significância .007
Gráfico 11: Condicionamento do efeito da escolaridade e faixa etária no uso de Nós PEPP.
78
Analisamos os resultados apresentados na Tabela 11 e Gráfico 11 da variável
amalgamada escolaridade + faixa etária. Observou-se que é o jovem com pouca escolaridade
que menos usa o nós e quem mais tem probabilidade de usar essa forma são os de idade média
e os mais velhos dessa mesma escolaridade. Os mais escolarizados, independente da idade,
têm dado espaço ao crescimento do uso do a gente em detrimento do nós.
Segundo Omena (1996), o fator que mais favoreceu o uso de nós foi o ensino
fundamental, independente da idade, explicável, por se tratar da fase escolar em que se
aprende o uso de verbos e pronomes por repetição, em que nós se apresenta como pronome
sujeito enquanto a forma a gente não consta no quadro pronominal. Por outro lado, a fala com
uso do a gente não é censurada porque não é estigmatizada, é o que se revelou nos resultados
do fator condicionante do ensino médio.
Na Tabela 12 e Gráfico 12 pode-se observar o efeito da variável gênero/sexo sobre a
variável faixa etária como fator de influência do uso de nós como sujeito do discurso. Os
resultados desse cruzamento entre as duas variáveis, gênero/sexo e faixa etária, demonstraram
que as mulheres velhas da faixa etária 4, acima de 65 anos de idade, tendem utilizar mais a
forma canônica nós (.76) mais do que os homens (.62) da mesma faixa de idade. Por outro
lado, quando se refere à faixa dos mais jovens houve uma inversão, os homens utilizando
mais a forma nós (.21) e as mulheres menos (.17). Já na faixa intermediária, a probabilidade
de uso de nós é a mesma para ambos os gêneros, com peso relativo de .64.
Tabela 12: Condicionamento do efeito do gênero/sexo e faixa etária no uso de Nós PEPP.
Gênero
F1 F2 F4
N. Ocor. /
Total
Freq. P.R. N. Ocor. /
Total
Freq. P.R. N. Ocor. /
Total
Freq. P.R.
Feminino 7/78 9% .17 19/90 21% .64 14/48 29% .76
Masculino 5/59 8% .21 27/90 30% .64 37/88 42% .62
Significância .022
79
Gráfico 12: Condicionamento do efeito do gênero/sexo e faixa etária no uso de Nós PEPP.
Os resultados obtidos com o corpus PEPP aproximam-se aos do NURC (LOPES,
1993) quanto ao uso da forma nós pelos homens e mulheres mais novos, quando os homens
usa mais nós que as mulheres da mesma faixa etária, sendo pesos relativos de .43 para os
homens e .15 para as mulheres no NURC e .21 para homens e .17 para as mulheres no PEPP.
Mas em relação à faixa etária dos mais velhos, os resultados do NURC e o PEPP foram
opostos: enquanto no PEPP as mulheres utilizam mais o nós (com pesos relativos .76 para as
mulheres e .62 para os homens) no NURC (LOPES,1993) são os homens mais velhos que
mais utilizam a forma nós (pesos relativos de .81 para os homens e .41 para as mulheres).
5.2 VARIÁVEIS NÃO-SELECIONADAS
Após a análise das variáveis selecionadas pelo VARBRUL, segue o levantamento
analítico das variáveis não selecionadas, uma interna e uma externa ao sistema linguístico do
PB, na sua variedade popular. A princípio, a variável linguística inclusão do eu e, em seguida,
a extralinguística gênero/sexo)
A variável Inclusão do eu é também chamada por Benveniste (1988 apud LOPES,
1993) como eu-ampliado, e foi analisada também por outros pesquisadores (OMENA, 1996;
LOPES, 1996; NASCIMENTO, 2013; OLIVEIRA, 2008; LUCCHESI, 2009); nesta pesquisa
está amalgamada com a variável tamanho do grupo, conforme Oliveira (2008). Com exceção
de Oliveira (2008), todos os outros pesquisadores analisaram Inclusão do eu e tamanho do
grupo separadamente, por essa razão não foi possível fazer a correlação entre os dados de
investigações anteriores como tem sido feito até agora. Também a pesquisa de Oliveira (2008)
não foi comparada por se tratar de um estudo de uma comunidade afro-descendente do
80
recôncavo baiano, ou seja, por ser uma população rural e o enfoque da nossa pesquisa é o
português popular urbano. Assim sendo, segue a apresentação dos dados do PEPP (ver Tabela
13).
Tabela 13: Frequência de uso de Nós PEPP – Inclusão do eu
INCLUSÃO DO EU N. OCOR. / TOTAL FREQUENCIA
Eu; e uma pessoa qualquer 17 /163 10%
Duas ou três pessoas (eu+uma ou +duas pessoas) 40 /102 39%
Grupo intermediário (eu+grupo restrito) 42/143 22%
Grupo grande (eu+todo mundo) 10/45 29%
Significância .016
O que se pode verificar nos dados da Tabela 13 é que o fator com frequência mais alta
é “eu + duas ou três pessoas” com 39% de ocorrências, seguido por “grupo grande (eu+todo
mundo)” com 29% e “grupo intermediário (eu+grupo restrito)” com 22% das ocorrências. O
fator “eu; e uma pessoa qualquer” foi o fator com frequência mais baixa.
A premissa de que quanto maior fosse a indeterminação do sujeito ou do grupo, menos
probabilidade de ocorrer a forma nós e o inverso para o uso de a gente, não pode ser vista em
sua totalidade. Os fatores que concordaram com essa hipótese foram o eu + duas ou três
pessoas e de grupo intermediário.
A variável indeterminação do sujeito se relaciona com a inclusão do eu, uma vez que
se busca identificar o sujeito através do uso pronominal. Por outro lado, o estudo dessa
variável visa a verificar se o grau de indeterminação do pronome pessoal influencia na
escolha variável de nós ou a gente, sendo que este último tem caráter mais indeterminado do
que o primeiro. Dessa maneira, espera-se que a forma nós, em posição de sujeito, seja
utilizada em contextos mais determinados (indeterminações parciais e referência determinada)
e a forma a gente em contextos indeterminados (indeterminação completa do pronome
sujeito). Por conseguinte, é o que, basicamente, foi encontrado no PEPP (ver Tabela 5).
Desse modo, o caráter mais determinado do pronome nós ocorre com o uso do mais
frequente quando a referência é completamente determinada, (44%), seguido em escala
decrescente pelos fatores indeterminação parcial do pronome com um elo de referência
implícito no contexto (30%) e indeterminação parcial do pronome com um elo de referência
explícito (13%). Entretanto, o fator indeterminação completa do pronome que, a rigor, deveria
levar mais ao uso da forma a gente obteve a mesma frequência do fator indeterminação com
referência explícita (13%). Isso se deve pelo fato de a maioria dos contextos havia marcadores
referenciais de sujeito explicitado do tipo: antigamente, naquele tempo, na minha
adolescência. Esses tipos de marcadores temporais eram usados como elo de referência que
81
contribuíam para que o sujeito, ainda que o pronome fosse nós ou a gente, o indeterminasse.
Dessa forma, é provável que não se deva à indeterminação em si, mas ao elo de referência
com o pronome sujeito utilizado em larga escala.
Entre as variáveis extralinguísticas não selecionadas na amostra geral estão o
gênero/sexo e a faixa etária. A variável gênero/sexo foi considerada relevante no uso
alternado de nós e a gente na posição de sujeito do discurso por diversos autores (LOPES,
1993) (NASCIMENTO, 2013), mas na primeira rodada da presente pesquisa não foi
selecionada pelo programa VARBRUL, tão somente na segunda rodada amalgamada na
variável amalgamada (gênero e faixa etária), mesmo assim, merece a devida análise, pois esta
pode contribuir para o entendimento de usos e tendências linguísticas correlatas (ver Tabela
14).
Nesta pesquisa, considerando o uso de nós e a gente, as diferenças entre homens e
mulheres no uso da língua vão além do plano lexical e refletem a representação de cada
gênero em uma sociedade (PAIVA, 2003). Desse modo, A implementação das mudanças se
constata a predominância da forma de prestígio na fala feminina (LABOV, [1978] 2008).
Agora resta-nos verificar o índice de ocorrência do nós com os dados do corpus do
PEPP e relacioná-los com pesquisas anteriores (LOPES, 1993), e (NASCIMENTO, 2013)
apresentado na Tabela 14.
Tabela 14: Frequência de uso de Nós PEPP – Segundo Gênero/sexo
GÊNERO N. OCOR. / TOTAL FREQUÊNCIA
Homem 69 /237 29%
Mulher 40 /216 19%
Significância .016
Na Tabela 15, analisa-se que o uso de nós é maior entre os homens (29%), em
comparação com as mulheres (19%), assim revela que, no PEPP, utiliza mais o pronome de 1ª
pessoa do plural, com a realização da forma menos prestigiada (a gente).
Tabela 15: Frequência de uso de Nós em NURC-LOPES; NURC-SSA-NASCIMENTO e PEPP –
Gênero/sexo
PRONOME NURC-LOPES NURC-NASCIMENTO PEPP
Homem 49% 66% 29%
Mulher 69% 38% 19%
Em comparação com outras pesquisas (LOPES, 1993) (NASCIMENTO, 2013)
observou-se, na Tabela 15, que os homens da variedade culta mais que o dobro do pronome
nós do que os homens da variedade popular. Os percentuais de ocorrência de nós também são
82
muito discrepantes entre uma variedade e outra do PB em relação aos usos de nós pelas
mulheres. Há também uma significativa diferença entre homens e mulheres nos corpora do
NURC selecionados por Lopes (1993) e Nascimento (2013).
Em duas décadas (que separam as pesquisas) houve distinção entre os usos de nós entre
homens e mulheres da variedade culta (ver Tabela 15), dessa maneira, os homens passaram
usar a mais a forma nós (de 49 a 66%) ao passo que, as mulheres fizeram o caminho oposto,
apresentando perda de frequência (de 69 para 38%). Esses resultados sugerem que a forma a
gente está inserida nas falas cultas e populares do Brasil e essa variante não é estigmatizada,
além disso, caminha para inserção no quadro pronominal sujeito, e um certo status
sociolinguístico, por essa razão vem sendo encabeçada pelas mulheres.
Ainda que pesquisas anteriores a essa, como Omena (1996), Lopes (1993), Lucchesi
(2009) e Nascimento (2013), apontem para uso maior da forma a gente entre as pessoas
menos escolarizadas, não havia estudos específicos da variedade popular, cuja escolarização
vai até o ensino médio.
83
REVELAÇÕES
As mudanças tecnológicas têm acorrido em ritmo cada vez mais veloz que parece tão
natural à geração do terceiro milênio, mas, por vezes, causa sentimento de deslocamento
sociocultural e de nostalgia entre as pessoas mais velhas, não só os idosos como as de meia
idade também. Os adolescentes, tão adaptados à tecnologia do século XXI, que tiram fotos de
si mesmos com os celulares e já as publicam – ou melhor – postam nas redes sociais, mas não
fazem ideia do que era revelar fotos de filmes negativos tiradas em máquinas fotográficas
analógicas.
Depois de tiradas as fotos, as pessoas iam revelá-las nos lugares apropriados, lojas de
fotorrevelação, para ver como elas ficaram, criava-se uma ansiedade e expectativa em torno
disso, algo parecido com o momento em que se vai tirar a primeira carteira de identidade
(registro geral ou RG), e as fotos quase nunca saíam boas. Mas hoje, com as câmeras digitais
em que se veem as fotos instantaneamente no visor, ou se desejar, imprime ou posta nas redes
sociais, acabou-se a expectativa das fotografias de filme e as surpresas (nem sempre boas) da
revelação. Com as máquinas digitais se não se gostou da foto ou apaga ou faz fotoshop com
programa simples de computador.
Entre os sempre abertos à mudança e os que relutam em aceitá-la, há um sentimento
em comum: o desejo de registrar os momentos mais importantes seja em máquinas digitais,
celulares ou as antigas máquinas fotográficas, e compartilhá-los por meio de revelação por
filme ou por redes sociais. Da mesma maneira, essa pesquisa pretende apresentar a primeira
versão do seu álbum de fotografias do uso variável de nós e a gente na função de sujeito no
português popular falado na cidade de Salvador.
Sob a luz da sociolinguística variacionista laboviana foi estudada a alternância de nós
e a gente no PEPP, considerando a importância dessa variável para o entendimento do
português brasileiro, da sua origem e de suas especificidades em relação ao português
europeu, amplamente analisado (NARO; SCHERRE, 2007), (LUCCHESI, 2012). E
principalmente, pelo fato de que a forma pronominal a gente está em crescente disseminação
no PB, concorrendo com o pronome pessoal nós, o que se pode revelar uma mudança em
progresso ou, tão somente um caso de variação estável (OMENA, 1996), (LOPES, 1993) e
(NASCIMENTO, 2013).
84
Então, vamos às fotos, ou melhor, aos fatos encontrados e analisados sobre a
alternância entre nós e a gente como sujeito no corpus do PEPP. Assim, chega-se ao
entendimento que:
1) O uso do pronome a gente superou e muito o uso de nós no português popular de
Salvador, tendo frequência de 76% de a gente contra 24% de nós.
2) Sete grupos de fatores foram estudados sobre a variável dependente, em três rodadas
de análise, sendo uma geral (com variáveis isoladas) e duas amalgamadas (com
variáveis amalgamadas em escolaridade + gênero, escolaridade + faixa etária e
gênero + faixa etária) nas quais foram considerados selecionados pelo pacote de
programas estatísticos VARBRUL essas cinco variáveis: o paralelismo formal ou
discursivo, indeterminação do sujeito, saliência fônica, faixa etária e a
escolarização;
3) O paralelismo formal foi considerado relevante para o uso de nós, e os fatores que
se mostraram mais favorecedores foram antecedente nós e antecedente zero com
verbo na primeira pessoa do plural. Já o fator que menos favoreceu foi antecedente a
gente;
4) A segunda variável considerada relevante para o uso de nós foi a indeterminação do
sujeito, também utilizado para indeterminar a referência, cujo resultado confirmou a
hipótese de que os contextos mais determinados favorecem o uso de nós, enquanto
os indeterminados influenciam na escolha da forma a gente como sujeito;
5) A última variável linguística relevante no uso de nós como sujeito no corpus do
PEPP foi a saliência fônica, na qual se confirmou a hipótese de que uso da forma
nós seria favorecido pela maior grau de saliência fônica com mais marca formal de
plural. Assim, o maior nível de saliência fônica favorece a forma nós, sendo o fator
redução dos ditongos com acréscimo de desinência –mos (cantou/ cantamos) o que
mais condicionador da forma e o menos condicionador do uso de nós as formas
verbais em que a diferença entre as formas verbais usadas com a gente e o nós se dá
apenas com acréscimo da desinência –mos (canta/cantamos);
6) A variável faixa etária foi um fator extralinguístico considerado relevante no uso de
nós - o corpus PEPP apontou um crescimento do uso da forma a gente entre os mais
jovens, enquanto o uso de nós prevalece entre os mais velhos e um decréscimo na
faixa etária intermediária;
7) A variável escolaridade também foi considerada influente o fator fundamental
favorece o uso de nós, enquanto que a média favorece mais a forma a gente;
85
8) Os resultados da análise geral do PEPP se mostraram coesos com outras pesquisas
com o NURC (LOPES, 1993) (NASCIMENTO, 2013), embora o uso de a gente na
função de sujeito esteja muito mais acentuado na variante popular (PEPP) do que na
variante culta (NURC);
9) Comparando com outras pesquisas (OMENA, 1996), (LOPES, 1993), (LUCCHESI,
2009), (NASCIMENTO, 2013) houve concordância na maioria dos casos com os
dados do PEPP que aponta para disseminação cada vez maior da forma a gente;
10) Ao amalgamar a variável escolaridade com faixa etária, verificou-se que os mais
velhos e os de faixa de idade intermediária com apenas ensino fundamental utilizou
mais a forma nós, enquanto que os mais jovens e da mesma escolaridade utilizou
menos. No entanto, o fator mais determinante para o uso da forma a gente,
consequentemente o declínio do uso de nós como sujeito, foi o ensino médio,
influenciou o uso de nós em todas as faixas etárias.
11) A variável gênero/sexo não foi selecionada pelo VARBRUL na análise geral, mas
somente na analise de variável amalgamada gênero/sexo com faixa etária, na qual
verificou-se que entre as mulheres mais jovens foi menor o uso de nós,
consequentemente maior o uso da forma a gente, o contrário ocorreu entre as
mulheres mais velhas onde o uso de nós é maior em relação aos homens.
12) A principal diferença entre as pesquisas de Lopes (1993), Nascimento (2013) e a
nossa foi o alto índice de uso de a gente, nesta investigação, que chega a três vezes
mais do que as pesquisas anteriores
Observou-se com a pesquisa do uso variável de nós e a gente no português popular
falado em Salvador na amostra do corpus PEPP a expansão do uso da forma a gente,
amplamente utilizada na fala dos brasileiros independente de classe social, grau de instrução
ou regionalização, em concorrência com a forma nós na função de sujeito. Resta saber se trata
de uma concorrência de variantes ou mudança em progresso e se a variedade popular adotará
a forma inovadora a gente, em que a fotografia que hoje tiramos do uso variável de nós e a
gente, na função de sujeito, no português popular falado de Salvador fará parte do quadro
linguístico do PB na moldura do tempo.
Acreditamos que pesquisa vem contribuir para o entendimento do processo evolutivo
do uso variável de nós e a gente na função de sujeito no PB dentro de sua variante popular,
mesmo que ainda não se possa definir concretamente se haverá substituição completa do nós
por a gente.
86
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sociais. In: OLIVEIRA E SILVA, Giselle Machline; SCHERRE, Maria Marta Pereira (Orgs.).
Padrões sociolingüísticos: análise de fenômenos variáveis do português falado na cidade do
Rio de Janeiro. 2ª ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1998, p. 335-377.
OMENA, Nelize Pires de. A referência á primeira pessoa do discurso no plural. In: SILVA,
Giselle Machline de Oliveira e; SCHERRE, Maria Marta Pereira. Padrões Sociolingüísticos:
análise de fenômenos variáveis do português falado na cidade do Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro: Departamento de Linguística e Filologia, UFRJ, 1996, p. 183-215.
OMENA, N. P. & BRAGA, L. M. (1996): “A gente está se gramaticalizando?”, In: LOPES,
Célia Regina dos Santos. A inserção de “a gente” no quadro pronominal do português.
Frankfurt am Main/Madrid:Vervuert/Iberoamericana, 2003, v.18. p.174. Disponível em:
<http://www.letras.ufrj.br/laborhistorico/producao/Lopestese.pdf >. Acessado em: 10 jul.
2013.
SILVA-CORVALAN, Carmen. Sociolingüística y Pragmatica del español. Washignton,
DC; Georgetown Universit, 2001.
VOTRE, Sebastião Josué. Relevância da variável escolaridade. In: MOLLICA, Maria Cecília
& BRAGA, Maria Luiza, (orgs). Introdução à sociolingüística: o tratamento da variação._
São Paulo: Contexto, 2003, p.51-57.
89
ANEXO – LEVANTAMENTO DE OCORRÊNCIAS ENCONTRADAS PEPP
LEVANTAMENTO DE DADOS
INQUÉRITO Nº 01
DATA: 26/04/1998
Gênero/sexo: Mulher
Faixa etária: 4 (69 anos)
Escolaridade: Fundamental
NÓS
A GENTE
OCORRÊNCIAS QUANTIDADE DADOS
NÓS A GENTE
1
0
1
É, lá ... eh ... seria mais fácil, por causa do ordenado,
casa, você sabe, interior a vida é um pouco mais barata
do que assim na capital, né. Aí nós fomos, eu passei lá
seis anos.
1 0 1 [...] porque depois que minha mãe morreu, nós viemos
morar aqui no trezentos e oitenta e sete.
2
0
2
É. Tá entendendo? Aí eu vim e o pessoal me conhecia
porque eu era mocinha, né, nós saíamos, íamos pra
cinema, eu, por isso que eu digo, cinema eu fui muito,
não estou indo mais assim, agora, por causa da situação
de A ... [...]
5
0
5
Na minha adolescência eu não ia pra bar, nós íamos
passear no porto dos Tainheiros, passear, ali naquela,
naquele porto dos Tainheiros todo, íamos lá e voltava,
assim, ficávamos assim passeando pra lá e pra cá, nós
sentava na balaustrada, ficávamos conversando, dando
risada, era assim.
0
3
3
Ah, hoje é, eu acho. Porque hoje diz que não se pode
fazer como antigamente, porque antigamente a gente
batia, botava de castigo, não é, prendia, não vai, hoje
não. [...]
0 3 3 [...] A gente tem que bater, a gente tem que castigar,
tem que proibir alguma coisa.
0 2 2 A gente brincava muitos, brincava muito. A minha mãe
mesmo, quando ela era adolescente, ela empinava
arraia.
0 4 4 Muita bola, né, a gente jogava, e tal e coisa e corre na
praia e vai pra lá e ... b ... brinquedo de esconder, a
gente brincava de se esconder, iam procurar, o outro:
achei... eh!... essas brincadeiras.
0 2 2 [...] A gente tinha boneca, fazia batizado.
0 1 1 A gente estudava, tinha os dias de levar aqueles livros,
dia certo pra levar os livros.
0 1 1 Em ... em ... eu não sei se ... eh ... se negócio de
deveres, tá entendendo, as professoras não são assim
como as que eram de antigamente, que antigamente a
gente ia pro quadro, não era [...]
90
OCORRÊNCIAS QUANTIDADE DADOS
NÓS A GENTE
0 3 3 Não, a gente ...pintava. Na escola a gente pintava,
agora no meio da rua, não, a gente vinha muito...
0
1
1
Aquele tempo o português a gente tinha que ver as
palavras, não era? separar as sílabas, dava muito, muita
acentuação, oxítona, paroxítona, proparoxítona ...
0 2 2 Surtia, surtia, eu achava que a gente sabia, os acentos,
tudo, com ... as sílabas, tudo direitinho a gente sabia.
0
1
1
Pra mandar, fazer o dever, ensinar ... qualquer dúvida
que tenha, porque na escola ...ele está na escola está
aprendendo, ou pouco ou muito, está aprendendo, mas
a gente que verificar, na hora, algum erro, algumas
palavras, alguma coisa.
1
1
2
É, nós estudávamos muito em casa, porque não tinha
televisão, não tinha ... a gente sabia que tinha que ...
pegar, fazer o dever, tudo que tinha que levar pra
escola, pra depois então brincar. Mas, hoje, atualmente,
não é assim.
0
1
1
[...] Só se a gente ficar pedindo, ou quando às vezes
acontece eu me sentir mal, depende do que faça eu me
sinto mal de noite [...]
91
LEVANTAMENTO DE DADOS
INQUÉRITO Nº 03
DATA: 20/05/1999
Gênero/sexo: Mulher
Faixa etária: 1 (17 anos)
Escolaridade: Ensino médio
NÓS
A GENTE
OCORRÊNCIAS QUANTIDADE DADOS
NÓS A GENTE
0 3 3 É, primeiro porque a gente só, a pessoa só faz uma
coisa como aprende né e a família dele sempre trataram
ele assim, todo mundo, e é o jeito dele, não tem outro
jeito, até hoje mesmo, só que agora a gente leva mais
assim na brincadeira, quando ele está falando alto
demais a gente dá risada, eu e a menina lá, mas quando
é criança não, a gente chora logo.
0 4 4 Eu não lembro assim especificamente porque mas ele
batia muito quando a gente brigava, eu e minha irmã,
quando a gente era pequena, que a gente brigava muito,
até agora mudou né, mas antigamente ele batia quando
a gente brigava, agora não.
0 1 1 Ela faz a mesma quando é comigo, é quando a gente se
irrita que fica, quan, quando começa a ter corporal,
enquanto está falando não acontece nada, mas as vezes
uma dá um ponta pé sem querer aí começa.
0 1 1 Agora que ela está crescendo mais aí está melhor pra
gente se aproximar, que a gente, assim as conversas são
mais parecidas, antigamente era mais criança não tinha
muita coisa assim que conversar, hoje a gente conversa
mais eh, as atividades são mais parecidas do que
antigamente (...inint...).
0 1 1 ...a gente chorou muito na despedida dela...
4 0 4 Eh, eu nem lembro quantos anos eu tinha, mas eu era
jardim dois, eu acho, eu saí um grupo de, de meninas,
acho que foi umas três, também não lembro mais quem
eram, fomos pro banheiro em plena aula e pegamos
sabonete que estava no negócio e começamos a lavar a
mão e passamos um tempão só lavando a mão com o
sabonete só dando risada, aí ela chegou procurando a
gente na sala não achou foi no banheiro [...]
0 1 1 Não foi assim uma briga, foi uma bobagem que ela fez,
que, foi a festa de aniversário dela, aí estava todos os
amigos no quarto dela, porque apartamento pequeno
né, aí só estava os amigos da mãe, do, do pai na sala
conversando, e os amigos dela na, no quarto dela
conversando, aí abriram o guarda roupa dela e pegaram
um álbum de fotografias, a gente começou a ver [...]
92
OCORRÊNCIAS QUANTIDADE DADOS
NÓS A GENTE
0 4 4 [...] dizer assim normal porque a gente começa a ver as
dificuldades no colégio, a gente estuda, estuda, estuda,
consegue alguma coisa aí relaxa mais um pouco, aí pra
despreocupar um pouquinho vestibular que o início do
ano estava aquele tensão toda do vestibular, vestibular,
vestibular, agora já não estou tão assim.
3 1 4 Praia do Forte, e ano, esse ano teve de história pra
conhecer (...inint...) quatrocentos e cinqüenta anos de
Brasil, conhecer a visão assim de Salvador, a visão
marítima, a gente pegou uma escuna aí fomos pra ilha
dos Frades, depois fomos pra ilha de Itaparica e
voltamos, isso tudo com uma guia dentro do barco
explicando a, o que acontecia, as coisas, os pontos
principais da cidade, visto do mar.
0 2 2 Na, a gente foi na ilha de Maré, Praia do Forte é esse
ano, na ilha de Maré a gente, que a gente estava dando
sobre, eh, laços do reino animal [...]
0 1 1 Feira é uma casa de um, de um tio meu que se mudou
daqui e foi morar lá em Feira, ele e a família, a gente só
vai, eu só foi duas vezes lá pra visitar, agora em
Alagoinhas é a minha tia, L... que é a minha prima, e o
marido dela e outra que é, (...inint...) ia começar agora,
agora não está com três anos, V... e a gente foi, sempre
foi muito, foi muito ligados, desde pequena, aí eu passo
as férias porque ela geralmente não pode passar aqui,
porque as vezes ela fica em recuperação...
0 1 1 Lá em Alagoinhas? A gente sai muito, porque lá em
fim de ano chega um parque...
0 3 3 Eh, quando a gente se reúne, que está todo mundo junto
assim geralmente é em Alagoinhas todos os primos
juntos, eh, nesse fim de ano, é sempre fim de ano,
época de dezembro, tem um parque que chega lá, a
gente vai pro parque, eh, pra igreja, a igreja de minha
tia, pra o sítio, o sítio que foi de meu tio, que ele
vendeu mas o pessoal que cuida da casa, o novo dono é
muito amigo deles a gente fica lá passa o dia, é o
balneário, é um rio que, uma represa, que fizeram tipo
uma piscina, com chuveiro da água do rio mesmo.
0 2 2 [...] mas antigamente era uma rio livre, ficava todo
mundo nu lá, nesse rio eh, a gente nadava muito
quando a gente era pequeno, assim na idade de, de
nove anos, aconteceu muitos casos de crianças morrer.
0 1 1 Não, minha prima que conhece porque ela é de lá, ela
conhece as pessoas todas da roça, mas a gente não
conhecia não.
93
OCORRÊNCIAS QUANTIDADE DADOS
NÓS A GENTE
0 1 1 Eh, as coreografias é em músicas evangélicas que a
gente faz os passos em cima da letra da música, e eu
faço para os adolescentes e também apresento, aí
ensino a eles e, ensaio, e na apresentação todo mundo
apresenta.
1 0 1 Não nesse grupo mas em outro grupo, que é o grupo
dessa minha prima, que ela ensina coreografia também
na igreja, aí nós duas criamos, fazer coreografia eu só
fiz com ela, que ela tem um grupo lá também.
0 2 2 (..inint...) nosses vizinhos, as amigas dela mesmo eh,
tem o costume de usar roupa muito curta, lá em casa a
gente não gosta das amizades dela, aí a gente fala, “E...
esse pessoal não, E... essa roupa não, esse jeito não”.
94
LEVANTAMENTO DE DADOS
INQUÉRITO Nº 04
DATA: 23/05/1999
Gênero/sexo: Homem
Faixa etária: 1 (21 anos)
Escolaridade: Ensino médio
NÓS
A GENTE
OCORRÊNCIAS QUANTIDADE DADOS
NÓS A GENTE
0 4 4 É, quando a gente estava esperando a prova chegar, aí
ficava, “opa, fiscal”, aí começava aquela festa, já sabia
que aquele fiscal era tranqüilo, aí quando vinha fiscal
durão, o pessoa, “êta, e agora, meu Deus”, tinha gente
que trocava até de sala.
0 2 2 “Cabeçudo”, aí ba, aí batia, “não sei que lá”, aí a gente
escrevendo, aí errava, aí ela batia.
1 3 4 Ou por dia o que, por semana, então cada semana ela
dá um tema e nós fazemos, aí pronto, aí leva pra casa,
faz e dá na, lá na recepção e pronto, (...inint...).
1 0 1 Feira de ciências, gincanas, eh, passeios pra
observatórios, tem o de Feira de Santana que nós, que
nós fomos, no segundo ano que (...inint...).
1 0 1 Foi bom, saí do, lá do colégio lá foi brincando no
ônibus, chegou lá já na hora do almoço, aí almoçamos,
depois...
2 0 2 Aí depois fomos lá pro observatório lá de Feira de
Santana, e começamos a conhecer fotografias lá desde
o primeiro aparelho até o mais moderno, como é que se
faz isso, (...inint...)
95
LEVANTAMENTO DE DADOS
INQUÉRITO Nº 09
DATA: 19/07/1999
Gênero/sexo: Homem
Faixa etária: 2 (27 anos)
Escolaridade: Ensino fundamental
NÓS
A GENTE
OCORRÊNCIAS QUANTIDADE DADOS
NÓS A GENTE
2 0 2 [...] aí minha mãe teve que trabalhar, que minha mãe
não trabalhava, e nós também, desde pequeno
começamos a trabalhar vendendo vários tipos de coisa
na praia.
1 0 1 Não, não, nessa parte não, porque nós tínhamos
bastante respeito pelo meu pai, bastava só ele falar que,
mesmo ele longe ele dominava a gente, tanto a mim
que sou mais novo como os mais velhos.
1 0 1 Quando crianças sim, somos todos, hoje em dia que eu
tenho uma desavençazinha com um dos meus irmãos
mais velho.
0 1 1 [...] aí eu fui perdendo a, o estímulo pelo colégio e
optei por trabalhar, continuar trabalhando pra mim
mesmo na praia, porque quando o meu pai se separou
as coisas lá em casa era mais difícil né, pra, pra se
manter, aí a gente sempre ganhava um dinheirinho por
fora pra ajudar.
1 2 3 Eu não sei, eh, eh, brincar, tinha tempo de brincar, mas
bem pouquinho mesmo porque era na frente da casa né
onde nós morávamos porque os colegas tudo ficavam
juntos, dali pra praia, da praia pro colégio as vezes, só,
não tinha muita opção não pra falar assim de mim
quando era criança não, porque trabalhava muito pouco
tempo, a gente era muito preso dentro de casa, era
muito difícil.
1 0 1 Meus irmãos foram, meus irmãos chegaram a, a ter até
o ginásio e tudo, teve até que se, alguns até que se
formaram, mas a gente, nós não.
0 1 1 [...] como, é uma es, estatura né, estrutura, o pai dentro
de uma casa é uma estrutura, mesmo que muita gente
não acredita né, mas quando sai desmorona né, sai, é a
mesma coisa que ficar uma, uma casa sem, sem um
governo, fica tudo meio a vontade, todo mundo faz o
que quer, e aí a gente vai perdendo a, a, o estímulo da,
das coisas, meu pai sempre controlou, controlava tudo
quando ele estava em casa, e por fora ele só ouvia só
falar, aí quando alguém fazia, “olhe, seu filho está
assim, assim”, aí ele vinha, mandava chamar alguém,
pra dar um conselho qualquer coisa assim.
96
OCORRÊNCIAS QUANTIDADE DADOS
NÓS A GENTE
0 2 2 [...] aqui mesmo quando a gente recebe dinheiro aqui
todo mundo fica com uma cara assim meia retada
mesmo né, aí eu tento fazer, “rapaz esse dinheiro seu
vai longe viu, não sabe nem onde vai gastar”, então
torna assim um pouco, eh, alegre, aí a gente no dia que
recebe todo mundo está de cara feia [...]
0 1 1 Meu pai como eu lhe falei, ele, ele era assim tipo um, o
cara segurava tudo, a gente tinha muito respeito por ele,
nunca teve nada a falar não.
1 7 9 Bom, brincadeiras eu sempre gostei muito de jogar bola, a
não ser isso eu ia pra praia que era perto lá de onde eu
morava, bem pertinho, nós ia muito pra praia, jogava,
jogava uma, uma, uma tábua, não sei se vocês já viram,
os meninos que jogam uma tábua bem na, quando a, a
onda quebra aí a gente sempre passava a tarde toda ali
jogando, jogava a tábua ali, chamava de pe, pegar flui, a
gente, a gente ia brincar, então pegar onda mesmo lá, a
gente pegava assim na altura do peito aí deitava no meio
da onda e ia até o seco, até a parte da areia.
1 4 5 Geralmente não gostavam não, porque toda a vez que a
gente fazia um, uma, uma aventura dessa no outro dia
era castigo na certa, porque, e tínhamos que ir sem
pedir permissão se não eles não deixavam, porque tinha
que atravessar a pista, aí eles não deixavam, a gente
tinha que ir assim mesmo, quando inventava de ir era
só atravessar a pista e pegar a sua tábua.
1 0 1 Ah, vou contar uma, tem, eh, tinha uma vez né,
brincávamos, você conhece Itapoan?
2 2 4 Aí né, eu, meu irmão e mais dois colegas fomos brincar
lá por perto, porque lá só tem casa de pessoas que tem
uma certa condição né, aí eles jogaram lá na época os
velotrois quebrados, mas só que o meu irmão sempre
tinha um jeitinho pra consertar tudo, tudo que ele
achava ele consertava, aí no, no dia foi dois velotrois
quebrados, a gente pegou e levou pra casa, aí quando o
meu pai chegou do trabalho, que ele olhou, “de quem é
isso aí?”, “ah, o rapaz jogou fora”, “aonde”, “ah, lá...”,
“que dia”, “vombora lá”, aí pegou eu e ele pelo braço e
segurando o, os velotrois na mão, “onde foi?”, “foi
aqui”, “aqui aonde”, “foi nessa casa aí, o rapaz aí que
jogou fora”, o rapaz disse aí, “não, não prestava mais,
os meninos foram, pegou, eu mandei jogar tudo fora”,
tinha que vim aqui pra mostrar a ele que realmente foi
jogado fora e que a gente pegou, então ele pensou que
nós tínhamos pego de alguém, esse é um dos fatos que
ele gostava sempre corrigir.
97
OCORRÊNCIAS QUANTIDADE DADOS
NÓS A GENTE
1 1 2 Não, ele estava com a namorada dele, e ela estava
acompanhando, aí eu conheci ela, pensei, pensei até
dele me, me apresentar no caso, mas só que da,
demorou muito eu aí me adiantei, aí conheci ela nessa
festa, passamos a namorar, no, na época era escondido,
porque o pai dela que hoje é meu sogro di, eh, o
pessoal dizia que ele era muito bravo, mas que nada, no
dia que a gente resolveu [...]
1 1 2 [...] e eu fui de gaiato e me dei bem, aí ele deixou,
concordou que a gente fizesse a casa lá, a gente fez,
moramos todo mundo perto, pertinho um do outro, eu
moro no fundo e ele mora na frente.
3 2 5 Nós fizemos, tínhamos um plano, um dia fazer uma
casa pra gente morar, aí, ela foi morar com avó lá
mesmo, lá perto, aí não, não foi, estava dando bem, eu
também estava, na época ela estava, ela estava
trabalhando já quando ela resolveu, estava trabalhando
já, aí (....inint....) já tinha trabalhando em outros lugares
tinha um certo dinheiro né que dava pra fazer um, um
barraquinho pra gente morar, aí ela saiu do trabalho, eu
continuei no trabalho, mas tinha um dinheirinho a gente
aí resolveu por fazer na, na, no terreno de minha mãe,
ou no terreno do, do pai dela né, aí eu digo, “pra não,
pra não optar vombora fazer logo no terreno de sua
mãe porque se algum dia a gente se separar você fica aí
no seu terreno e eu volto pra casa de minha mãe não
precisa um olhar pra cara do outro sem necessidade”,
você entendeu? Mas até hoje estamos juntos, brincando
e tudo de vez em quando mas...
1 0 1 Fomos, morando lá e construindo cá.
1 2 3 Eu acho que depois que eu encarei ele acabou o, a
valentia dele viu, eu acho que só, faltava só uma pessoa
chegara até ele, que tem gente que fica, fica ali de perto
mas não tem coragem de encarar e dizer, “olhe estou
namorando com a sua filha e tal”, e eu fui de gaiato e
me dei bem, aí ele deixou, concordou que a gente
fizesse a casa lá, a gente fez, moramos todo mundo
perto, pertinho um do outro, eu moro no fundo e ele
mora na frente.
3 0 3 Primeiro que quando estávamos namorando ela disse
que ia se formar, e foi e se formou, esse é um dos
objetivos, e disse que nós íamos construir uma casa
juntos, e construímos juntos até hoje, e ela sempre está
fazendo algu, ela, hoje em dia ela não está empregada
trabalhando de carteira assinada [...]
0 1 1 ...agora depois que a gente teve filho...
98
LEVANTAMENTO DE DADOS
INQUÉRITO Nº 13
DATA: 11/10/1999
Gênero/sexo: Homem
Faixa etária: 2 (30 anos)
Escolaridade: Ensino médio
NÓS
A GENTE
OCORRÊNCIAS QUANTIDADE DADOS
NÓS A GENTE
2 0 2 [...] E com aquilo eu fui tendo um respeito com os
outros meninos maiores, também tivemos que começar
a trabalhar muito cedo, o meu irmão mais velho ele
ainda com, quando eu me lembro ele tinha dez anos já
estava trabalhando, a minha irmã com nome, e eu
comecei a trabalhar aproximadamente com oito anos,
pra nove anos de idade. E nisso nós tínhamos que
manter a casa né [...]
3 0 3 [...] colegial como eu falei né, no início ela tive, teve
que trabalhar em casa de empregada doméstica, e nisso
a maioria dos vizinhos na época pensava até que eu e
meus irmãos seria hoje uma pessoa assim, um
vagabundo, uma pessoa, eh, à margem da sociedade,
coisa que nenhum de nós hoje somos, todos nós
trabalhamos, todos nós temos casas, entendeu [...]
1 0 1 [...] a linguagem falada a pessoa aprende com a
facilidade, a escrita realmente temos que ir a escola, eu
mesmo aprendi a escrita depois que eu me reencontrei
com a escola.
0 3 3 É, a gente cria os filhos mas a gente não sabe o destino,
a gente tenta dar, passar o melhor pra eles né.
0 1 1 Dois cruzados, é, exatamente, tinha cada rima gostosa
né, e a gente podia brincar qualquer hora da noite, tinha
menos perigo [...]
0 7 7 É, tinha o fura pé que era um pedaço de ferro, a gente
amarrava a ponta e ficava brincando ou na areia ou no
barro, fazia tipo uma casinha, um circo e ali a gente
tinha, tinha que cercar o circo todo, tinha bola de gude,
a gente fazia um, um, um triângulo...
0 3 3 E ali botava as bolas de gude ia lá jogar, tinha também
os, a gente também com a própria bola de gude a gente
brincava assim, fazia três buraquinho e quem
conseguisse matar a bola era campeão.
0 6 6 [...] arraia é o seguinte, a gente pegava a arraia, a, a
rabada, a chamada rabada que é do saco de linhagem, a
gente desfiava o saco de linhagem, emendava as
rabadas, pegava um carrinho de linha certo, fazia a
chave de uma arraia ou um periquito, o periquito a
gente fazia com um papel...
99
OCORRÊNCIAS QUANTIDADE DADOS
NÓS A GENTE
0 4 4 Era com linha a chave, e a arraia a gente fazia com a
palha de coqueiro ou com a flecha, botava cola de
goma ou a cola tenaz armava a arraia e ia empinar né,
quando o vento estava bom...
0 2 2 Pra temperar né, a gente tinha que temperar, o chamado
temperar, pra empinar arraia, é, a gente temperava a
linha, era com o vidro e a cola, né, podia ser a cola
tenaz ou uma cola apropriada pra própria arra, pra
linha, pra fazer o tempero da...
0 3 3 Ah, hoje em dia são muitos jogos eletrônicos, vídeo
cassete, computador, mas naquele tempo não, os
meninos, eu me lembro que na escola Parque quando
eu estudava na segunda série lá a gente fazia carro de
mão, fazia os carrinhos de brinquedo, de madeira, lá a
gente aprendia o ofício de costureira, até hoje eu sei
costurar, sei costurar.
1 1 2 É, a própria escola ensinava naquela época, o setor de
trabalho, o setor de educação física a gente praticava
bastante esporte, eh, o único esporte que nós tínhamos
acesso assim é como quase os esportes de hoje era o
boxe, era o atletismo era também a capoeira, que
também hoje, como hoje a capoeira também tinha
muita fluência no passado, e bola mesmo, muita bola.
0 7 7 [...] aqueles filmes dos Três Mosqueteiros também a
gente pegava um cabo de vassoura, pegava um pedaço
de pau, pegava um, um frasco de Q Boa, cortava o
frasco de Q Boa, a parte superior do frasco a gente
enfiava no cabo de vassoura e fazia tipo uma espada, e
saía brindando.
0 1 1 (risos) Olha, como eu falei né, os meninos ele, a gente
brigava muito né, então os mais fracos chegava lá em
casa e dizia, “ah, dona Z.... seu filho me bateu”, aí eu
tinha que tomar porrada né, porque não podia bater no
mais fraco né.m
100
LEVANTAMENTO DE DADOS
INQUÉRITO Nº 14
DATA: 26/10/1999
Gênero/sexo: Homem
Faixa etária: 4 (73 anos)
Escolaridade: Ensino médio
NÓS
A GENTE
OCORRÊNCIAS QUANTIDADE DADOS
NÓS A GENTE
0 1 1 Ah, tratavam muito bem né, mas não eram, mas não
eram pessoas de recurso, esse lado dos G..., apesar de
ter um outro lado que era assim digamos metido a rico
né, mas o meu lado de cá era bem pobre, de forma que
a gente foi eh, passando né desse jeito, quando o meu
pai morreu, eu estava acho que com doze anos aí eu fui
morar com a minha tia lá no Rio Vermelho [...]
0 1 1 Ah, na época com bastante crianças ali da, do bairro né,
que todo mundo gostava de pescar ou então jogar
futebol ali na areia, e a gente sempre estava ali em
contato.
0 2 2 É, porque todo mundo, eu sempre gostei de, de, teve
uma atração do mar pra mim fora de sé, assim do, do
comum e eu fui pescar chicharro que era feito com,
naquela época não tinha linha de náilon, era, a gente
usava linha de novelo, novelo número vinte e o anzol
número dezoito, eu me lembro, esse pormenor é, é
importante, porque se a gente usasse um anzol bem
pequeno não pegava um peixe [...]
1 5 6 Ah, aí, aí está um negócio meio confuso porque a gente
ficava de um lado e de outro, entendeu, inclusive eu
estudei até na escola italiana, na Casa de Itália, bem,
bem jovem ainda né, quando o meu pai era vivo, e
então nós morava no Garcia, lá na rua do Bauru, uma
rua velha assim bem esburacada, e a gente fazia uma,
um jogo, ou estava na casa de, de meu pai, ou estava na
casa de minha tia lá no, no Carmo e aos domingos a
gente ia ao Rio Vermelho onde morava a minha outra
tia, eh, e, eram três pontos de, de, (...inint...)
0 1 1 [...] a escola acho que tinha quarenta e tantas mulheres
e eu acho que dois, tinha quatro, no máximo quatro
homens, então a gente ficava assim no meio das
mulheres, no meio das, bem servido né (risos), mas o
relacionamento era muito bom.
0 2 2 Eu tinha assim os amigos normais né, a gente se reunia
lá no, num canto, ficava fazendo um samba né, o samba
daqui era, eu soltei o meu primeiro pombo correio
aquela coisa toda, aí era, eu não praticava nenhum
esporte porque eu não tinha condições físicas mas o
pessoal lá jogava basquetebol, eu ficava só de, de olho,
(...inint...) [...]
101
OCORRÊNCIAS QUANTIDADE DADOS
NÓS A GENTE
3 0 3 [...] (...inint...) na aeronáutica era um C quarenta e sete,
que era o avião da, da época era esse, só pegava vinte e
oito pessoas, mas esse avião estava ca, levando um
motor imenso dentro dele, o avião, um motor de avião,
ia um oficial do exército, e iam mais dois colegas que
tam, que iam comigo pra escola técnica, eu acho que
meia dúzia de passageiros só, decolamos num vôo
direto Salvador – Rio, a razão de subida eram, era, isso
eu vim saber depois né, era cento e cinqüenta metros
por, por minuto, a cima de seiscentos metros a
temperatura já caiu uns três a quatro graus né, aí eu já
abri minha mala fui botando umas camisetas que tive
(...inint...) aí vesti, vesti o, a camisa por cima e lá se vai
daqui até o Rio de Janeiro batendo o queixo, porque
nós fomos numa altitude eh, acima de dois mil metros
né, aí chegamos lá foi aquele horror, um frio horrível,
eu fui no mês de junho...
0 2 2 (...inint...) o negócio mesmo pra valer né, aqueles,
naquele método americano de ensinar por semanas,
semana tal é tal assunto entendeu, e aí tinha uma
professora que ensinava física e teoria de vôo ligado a
aviação né, física aplicada a aviação e teoria de vôo, era
bem jovem aí então a gente perguntava pra ela o que é
que ela fazia nos Estados Unidos, ela dizia, “ah,
garçonete”, eu aí botei a mão, “não é possível que
garçonete ensinando aqui numa escola dessas e essa
matéria”, aí mais adiante a gente veio a descobrir que ela
era aviadora, piloto de caça, a função dela durante a
guerra era levar avião através do Alasca pra Rússia, era o
P cinqüenta e um, que só pega uma pessoa só, quando
terminou a guerra ela foi desativada né, e foi morar em
Miami, e lá em Miami não tinha emprego ela foi...
0 3 3 Já foi na, depois da guerra é, a guerra já tinha
terminado, eu aí fui, fiz o curso fundamental né, o
curso básico, ao mesmo tempo a gente tinha que fazer
um curso, esse é o curso técnico, mas ao mesmo tempo
a gente fazia um curso de infantaria, era obrigado a
fazer o curso de, de infantaria, de militar mesmo.
0 1 1 Aí eu fui, eu tive uma boa nota no curso fundamental,
aí escolheram um, um grupo assim, “tem vaga aqui pra,
meteorologia não tem mais, e, e tem pra controlador de
vôo, aí, mas você vão ser submetidos a um teste”, aí
eles, o teste veio bravo lá, aí a gente aí passou, eu
passei mais uma turma, vim, aí fiquei, aí gostei né.
0 4 4 Em São Paulo a gente faz um curso, faz um estágio em
São Paulo, depois faz outro estágio no Rio de Janeiro,
depois veio, eu vim pra aqui pra Salvador, daqui a
gente tem que ficar num período de adaptação [...]
102
OCORRÊNCIAS QUANTIDADE DADOS
NÓS A GENTE
0 2 2 É que a gente fica, é uma, dizem que é a fábrica
número um dos neuróticos, começa por aí. Realmente
quando a gente sai de um, de um stress daquele o
negócio é, é, é da pesada.
1 0 1 [...] e esse ano eu conheci um controlador de vôo lá de
Paris, lá de Orly, e se ele trabalha um mês e folga três,
agora com ainda, com ainda o, o fator que o salário
mínimo no, de modo geral no mundo inteiro é cinco
mil dólares, e o nosso aqui não chega a mil né, começa
por aí, e nós fazemos a mesma coisa que eles fazem.
3 0 3 É, é grande, em todos, agora recentemente eu fui aí na
torre daqui, e o pessoal está todo mundo desgostoso
porque não vale a pena você ganhar esse dinheiro, nós
ganhamos como sargento, nós não ganhamos como
controlador de vôo, tem uma gratificação pequena, mas
ganhamos como sargento e não controlador de vôo.
0 2 2 Bom, tem assim os, os fatores que a gente treina na
escola, assim como, como eh, executar um, um
procedimento no caso em que uma aeronave que a, a
última que está no bloqueio e prateleira que a gente
bota uma a seiscentos metros, outra novecentos, mil de
duzentos, mil e quinhentos, mil, mil e oitocentos, dois
mil e cem, dois e quatro né, altitudes de trezentos e
trezentos metros, então digamos que a do de, a que está
do, no topo na camada das nuvens, que aqui está tudo
fechado, entre em pane, o motor direito embandeirou,
quer dizer, no tempo dos aviões convencionais...
0 2 2 Quer dizer, aí o piloto grita de lá, “estou em
emergência, embandeirou o motor”, (...inint...), aí ele
tem prioridade né, então a gente tem que emitir uma
mensagem geral para todas as aeronaves que estão a
baixo de, digamos, de dois mil e quatrocentos metros, a
gente aí dá um mantenha as suas respectivas altitudes, e
tome o rumo x, e mantenha um ponto afastado cinco
minutos do bloqueio, aí o cara sai...
0 1 1 É, porque a gente tem que ficar sempre olhando os
segundos né, quando o avião por exemplo entra na, no
procedimento de, é que eu perdi a carta que estava
neste instante na minha mão [...]
0 1 1 A gente escreve ele na hora, independente de posto...
1 0 1 Do outro, vamos encerrar que...
0 3 3 Barco, barco do, barco com remo né, mas era normal a
gente sair hoje e voltar amanhã entendeu, isso era
normal, a gente fazia pescaria noturna [...]
0 1 1 [...] de Valença pra cá e a gente estava conversando
com, com o piloto, num avião pequeno, e ele estava
dizendo, “está vendo, isso aí é a Tibrás, até lá no Morro
de São Paulo”, então acabou, essa pescaria acabou.
103
LEVANTAMENTO DE DADOS
INQUÉRITO Nº 18
DATA: 17/11/1999
Gênero/sexo: Homem
Faixa etária: 1 (23 anos)
Escolaridade: Ensino fundamental
NÓS
A GENTE
OCORRÊNCIAS QUANTIDADE DADOS
NÓS A GENTE
0 1 1 Encontro mas a raiva já passou já, agora a gente é
amigo, eu acho.
0 2 2 Da própria escola, que a gente brigava lá dentro aí na
saída eles, como eles moravam lá no Centro, eles
estavam mais perto de casa, aí qualquer coisa a arma, aí
a gente tinha que sair escarrerado, e no Rui Barbosa
não, o Rui Barbosa era lá em Nazaré, até hoje ainda
existe o Rui Barbosa, aí eu estava mais próximo de
casa a vantagem era minha.
0 3 3 É bom que as vezes a gente testa força, e as vezes é
ruim porque a gente leva desvantagem quando a gente
apanha.
0 5 5 Só tem só um que andava pelo caminho errado, e era
novo também assim igual a mim, mas mais novo
porque a gente naquela época tinha treze, catorze anos
e ele andava por um caminho errado, e eu era errado
também porque eu andava brigando, e ele errado
porque andava usando tóxico, aí sempre, sempre a
gente sentava assim pra debater, dar uns conselhos a
ele, mesmo a gente não sabendo muita coisa mas a
gente dava uns conselhos a ele pra ele sair dessa vida
de droga e ele não saiu, Deus levou ele, está até hoje a
gente sentindo muita falta dele.
0 6 6 Foi que o segurança achou que a gente estava
procurando briga, aí eu, não foi eu que estava
procurando, foi meus colegas que eles dizem que
estava procurando, aí eu tive que me meter, aí foi
paulada, garrafada, chute, aí botaram a gente pra fora,
chegou cá fora a gente ficou esperando o pessoal sair,
aí quando saiu como a gente mora em Nazaré a gente aí
tirou os paus de, da barraca de capeta e começou dar de
ferro nos outros, pauladas, depois chamaram a polícia a
gente ainda estava no local ainda, chamaram a polícia a
gente aí teve que partir pra casa, correr.
0 2 2 É porque a gente levou desvantagem lá dentro por
causa do segurança e segundo por que não foi a gente
que estava procurando briga né, assim dizem os meus
colegas né porque eu não vi.
0 1 1 É, perigoso fica porque a gente fica visado também.
104
OCORRÊNCIAS QUANTIDADE DADOS
NÓS A GENTE
0 2 2 Até por, pelos pessoal que a gente brigou mesmo, a
gente pode ir pra outro lugar eles tá lá e querer pegar a
gente.
0 4 4 Garrafão era a brincadeira parecendo uns quadrados
que a gente colocava no chão, a gente jogava parecia
uma casca de banana e saia pulando, quem errasse aí
passava numa, num cordão, cordão polonês, o pessoal
com uma, com uma camisa, amarrada e cheia de areia
dentro, aí quem errasse passava no corredor polonês de
mais de trinta e saia apanhando na cabeça, aí era
divertido, as vezes a gente apanhava e chorava e outras
vezes não [...]
0 4 4 Lá eu brincava na escola Rui Barbosa, e a diretora
deixava de vez em quando aí a gente armava tudo lá
dentro do colégio, fazia a bagunça da gente depois a
gente limpava e ia embora pra casa, mas era divertido.
0 1 1 Mas agora até que acabou também o Rui Barbosa,
acabou a parte da, do recreio que a gente brincava
acabou [...]
0 4 4 É, tem que pagar, aí a gente de vez em quando a gente
arruma um babinha lá, a cada um dá dois reais, aí junta
quarenta reais, aí a gente paga uma hora e meia, umah
ora, aí a gente joga, depois é pegar a bola e cair pra
casa pra tomar o nosso banho.
0 2 2 É uma vez por mês quando a gente tem um dinheiro
sobrando né, que nunca a gente tem.
0 1 1 Não é não, brincadeira de agora está mais pesada,
brincadeira de hoje em diante agora é, qualquer
coisinha tem que ter uma briga, as brincadeiras de antes
não, a gente agüentava, agora os meninos estão
chegando agora tudo é briga.
0 5 5 Ah, a gente enche a lata de papel, aí bota um, um
arame, fura os dois lados, bota e sai pela rua chutando,
fazendo zoada meia noite, uma hora da manhã.
0
2 2 Pra não deixar o pessoal dormir muito cedo, que lá em
Nazaré é um bairro muito calmo, só mora senhor de
idade, senhora, aí a gente aí pra não deixar dormir
muito cedo aí a gente ficava abusando.
105
LEVANTAMENTO DE DADOS
INQUÉRITO Nº 21
DATA: 07/10/1998
Gênero/sexo: Mulher
Faixa etária: 2 (27 anos)
Escolaridade: Ensino médio
NÓS
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OCORRÊNCIAS QUANTIDADE DADOS
NÓS A GENTE
0 1 1 É, era menor. Antigamente porque era uma casa perto
da outra e tudo, a gente estando na rua, de frente lá de
casa no caso minha mãe, meu pai ficava observando
sempre a gente no caso entendeu?[...]
0 2 2 [...] que uma vez eh, uma vez foi uma festa do, da Boa
Viagem, aí minha mãe me levou, e eu adoro pipoca né,
aí eu sei que ela já tinha gastado comigo e tudo e já
estava sem dinheiro, aí a gente ia pra casa, aí no meio
do caminho a gente se bate com um rapaz vendendo
pipoca, “eu quero pipoca”, eu disse “mainha, eu quero
pipoca”, “não tem pipoca não”...
0 1 1 É isso, aí ela “olhe sua burra, a pipoca eu vou dar em
casa quando a gente chegar” [...]
0 2 2 [...] a gente botava de castigo, aí botava, ficava sempre
as duas, e hoje em dia é difícil uns pais até botar de
castigo, as vezes por falta de paciência pega e bate e
acabou, entendeu?
0 1 1 [...] “mas fulano deixe, se ela quer namorar, é melhor
namorar na porta do que namorar na rua escondida nos
becos né, e pelo menos aqui a gente está sabendo quem
é, já está conhecendo”, aí eu sei que ela aí conversou
com ele direitinho, e aí resultado, deixou.
1 1 2 É isso, aí resultado, ele deixou e tudo, aí pronto, fomos
namorar na porta e tudo até aí estava ótimo né, a gente
namorando e tudo [...]
0 1 1 [...] Enfrentei isso, e eu que levava ela pro médico,
aquela coisa toda, porque as vezes nunca tinha
tempo,...Inint..., não tinha, não tenho irmã, não tenho
irmão, entendeu, sou filha única, aí pronto, e aí eu
sempre ia, daqui a pouco aí ela ficou boa, operou e
tudo, a gente ia pro hospital, fiquei três dias e três
noites no Pronto Socorro com ela e tudo, entendeu, eu
não gosto nem de lembrar essas coisas, essas coisas
ruins...
0 4 4 Ah, professora, ah, naquela época eram ótimas, as
professoras ficavam direitinho, e era um respeito né,
que a gente tinha com elas, chamava ela de tia pra lá,
tia pra cá, e era ótimo, geralmente a gente vinha,
quando vinha pra casa, ela vinha também no mesmo
caminho né, que era perto de onde ela ia pegar o ônibus
dela pra ir embora, aí vinha é...
106
0 1 1 É, carregando as coisas, ai daqui a pouco era um, um
beijo de um lado, um beijo do outro e a gente
“professora, onde a senhora mora?”, ela sempre dizia,
“na rua do sobe e desse onde o carro desaparece”.
0 2 2 Na rua do sobe e desce onde o carro desaparece, pra
não dar o endereço né, então ela aí dizia sempre isso, e
aí a gente “onde é essa rua?”, a gente abestalhado,
novinho, “onde é essa rua? Será que existe essa rua?” E
essa rua nunca existiu...
0 1 1 Na certa, e aí pronto, aí teve um tempo que ela
engravidou e tudo, a gravidez dela foi um pouco difícil
e tudo, ela aí saiu e entrou outra no lugar dela né, era
boa também mas não a mesma coisa que ela né, e a
gente também já estava acostumado com ela, o método
dela, o jeito dela né, trabalhar e tudo.
0 1 1 É, ficar próximo, porque ela deixava a gente a vontade,
ficava a vontade, entendeu, ela não, quer dizer, que
tem, tinha menino que poderia até ter medo da
professora mas lá com ela não, a gente não tinha medo
e tudo, era, era ótimo, ela conversava com a gente
numa boa, natural, entendeu, naturalmente.
0 1 1 [...] cada uma mais diferente do que a outra né, umas
melhores, outras iguais, outras até piores, outras que a
gente não gostava nem de olhar pra cara.
0 1 1 [...] Muitos já dizem assim, que eu já vi “ah, já estou
feito, quem quiser que se faça” e acabou, entendeu, tem
muitos que não tem aquela atenção a dar, e tem muitos
que chegam lá no quadro e “abram livro tal, leia aí essa
parte”, e pronto, a gente ler, pronto, aí passa o exercício
e acabou, não chega nem a explicar.
0 2 2 É, que eu já passei por isso muito, entendeu, e outros
que chegavam lá, “façam um trabalho em tal assunto,
traga aqui e pronto”, a gente fazia, dava a nota e
acabou, entendeu? O que é que a gente aprendeu? [...]
0 2 2 É isso, a gente aprendeu o que? Eu cansei de fazer
trabalho e mais trabalhos, de levar lá, eles dão a nota e
acabou, quer dizer, não tem uma explicação, a gente
não tem um entendimento da matéria e nem nada, já
pensou?
0 4 4 [...] Aí muitas vezes tinha uns que a gente nem gostava,
achava até antipático, até o jeito de, de ensinar né,
aquele jeito assim meio grosso, meio brusco né, falava
uma vez e a gente perguntava, ele falava de novo, e
acabou entendeu, as vezes se a gente tivesse outra
dúvida aí pronto, já passava pra outro exercício, ou pra
outro, outra página né, e aí lá vai.
107
OCORRÊNCIAS QUANTIDADE DADOS
NÓS A GENTE
0 3 3 [...] Não teve problema nenhum, o único problema que
tinha mesmo, era, no caso assim, porque as vezes né,
no, no colégio na Ribeira que eu estudei era perto da
praia, aí pronto, as vezes não era nem problema, era a
gente mesmo pra bagunçar né, e aí o pessoal passava e
a gente ficava da janela e a gente ficava abusando quem
passava lá fora.
0 6 6 Não, isso é fora da aula, não, não durante a aula a gente
ficava quieto, ficava um santo, a gente não ...Inint....
nem nada, agora quando saía professor no intervalo
assim aí pronto a gente ficava abusando e tudo. Só isso,
mas não teve nada, mas isso porque a gente mesmo que
provocava, abusava né, aí cansava, o pessoal de fora
ficava jogando pedra né, pela janela aquela coisa toda.
0 1 1 [...] aí jogavam pedra, incomodavam a sala do lado, aí
sempre vinham reclamar e tudo, aí pa, parava uns dias,
daqui a pouco a gente voltava de novo, mas isso era pu,
pura curtição.
0 5 5 Foi, foi porque quando eu estudava no Costa e Silva,
Ave Maria, era incentivado pelo professor né, pelo
professor ele incentivava muito a gente aquela coisa
toda, tinha vezes que a gente “ah, não vou hoje não”,
aquela maresia, aquela coisa toda, “não vou”, aí quando
no outro dia ele, “porque não veio? Olhe se não vier eu
vou tirar ponto”, aquela coisa toda, quer dizer, isso
tudo incentiva a gente pra a gente ir no outro dia né, e a
gente gostava até né, de fazer física né, a gente se
sentia bem fazendo física, mas tinha vezes que a gente
não vinha não [...]
0 1 1 O dia todo não, quer dizer, os meninos vêm com dever,
a gente pega assim, acerta assim o horário né [...]
108
LEVANTAMENTO DE DADOS
INQUÉRITO Nº 25
DATA: 04/12/1999
Gênero/sexo: Mulher
Faixa etária: 4 (85 anos)
Escolaridade: Ensino médio
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OCORRÊNCIAS QUANTIDADE DADOS
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2 0 2 (...inint...) Está muito pior, não sei não minha filha,
hoje eu acho que eu não dava pra ensinar não, agora
que a liberdade está, essa mesma estava num colégio,
nós tiramos por causa de tanta liberdade que o
colégio... ela estava fazendo prova levantava e ia ali
perguntava aquela, levantava, ninguém fala nada, e se,
se a coordenadora reclamar com ela vai, como é, o
diretor chama atenção porque não tem que reclamar
com a criança, e aí nós retiramos e (...inint...) [...]
0 1 1 Não, nada de outros castigos, negócio de botar de
joelho, ela não fazia essas coisas não, e eram umas
soladas que a gente corria, com uma pegando, outra
não pegava, era assim.
0 2 2 E a gente dava até juros, não é hoje os meninos de
escola primária sai sem saber nada né, sociedade
comercial, tudo isso a gente dava, regra de três, simples
e composta, você saía da escola e sabia tudo isso.
0 2 2 Não, isso aí em casa a gente estudava, minha mãe
botava pra estudar, estudava pronto, (...inint...) [...]
0 3 3 As pedrinhas assim miudinhas, a gente pega, joga, são
doze pedrinhas, joga e depois vai apanhar.
0 3 3 Não, era assim, eram doze pedrinhas, a gente pegava as
pedrinhas jogava e catava, agora não podia, uma
pedrinha não podia tocar na outra, que perdia.
1 0 1 Ah, tinha, ah agora foi bom você perguntar, o meu
professor era R..., nós chamávamos ele de doutor Do
Mijo do (...inint...) [...]
1 0 1 [...] então o pessoal estava gritando para ele voltar
então eu tive que sair novamente, meu marido também,
nós fomos pra Mata, em Mata não me dei bem de jeito
nenhum, fui pra Itacaré, de Itacaré vim pra Salvador e
pronto.
109
LEVANTAMENTO DE DADOS
INQUÉRITO Nº 29
DATA: 11/01/2000
Gênero/sexo: Mulher
Faixa etária: 2 (30 anos)
Escolaridade: Ensino fundamental
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OCORRÊNCIAS QUANTIDADE DADOS
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1 0 1 Nós não tínhamos condições de...
1 0 1 [...] fazer de pau, pegar maderinha, o brinquedo era
esse que nós tínhamos, se eu tinha uma boneca a, era
doado pelo, por alguém que me dava a boneca, então
eu não tive uma infância ruim.
0 1 1 É, tinha mais invenções, porque eles pegavam
(...inint...), uma, ele fazia aquelas bonecas, uns faziam
uns, também sinal do que a gente fazia, que era um
(...inint...) [...]
0 3 3 Foi, eu estudei mais tarde, porque os meus pais não
tinham um recurso pra me por no colégio, e no, e
antigamente a gente só ia pro colégio acho com sete ou
oito anos, aí já fui muito tarde, a gente ficava mais,
aprendia mais as coisas assim, o abecê na, numa banca,
com uma pessoa...
0 1 1 Que era a mesma coisa assim, as condições iguais as
minhas, eu acho que ela fazia isso mais por, por pena
de ver a gente, a gente crescendo e não tendo um
estudo.
0 2 2 Não porque naquele tempo quando a gente ia pro
colégio, eh pra banca era, a gente só se dedicava a isso,
o horário era isso.
0 2 2 pegava, tinha naquele tempo a palmatória, a gente não
podia brincar, que era palmatória a gente (...inint...)
também, vinha no, na, no...
0 2 2 Porque a gente não sabia, quando perguntava a gente
não, não respondia direito ia pra, pro castigo.
2 1 3 Era esse, e diversão a gente não tinha, quando nós
estávamos estudando não.
1 3 4 Pra mim, quando eu cheguei no prédio da escola foi
como chegasse, tivesse chegado num paraíso, porque o
ensino foi totalmente diferente daquilo que eu aprendi,
era, as coisas eram melhor, a gente tinha mais coisa, a
gente tinha o recreio coisa que a gente não tinha, o
recreio, tínhamos a merenda, isso, e o ensino eu já
gostava, a menina já não punha mais a gente no, de
castigo, eu gostei quando eu fui pra uma escola do
governo.
1 0 1 Simples, uma escola simples, estudávamos, na sala
tinha uns trinta e cinco alunos, era uma escola simples,
que não tinha eh, brin, eh não tinha aqueles brinquedos,
não tinha aquelas escorregadeiras [...]
110
OCORRÊNCIAS QUANTIDADE DADOS
NÓS A GENTE
1 4 5 Gostava, a gente tinha mais amizades, via mais, a gente
fazia muitas colegas, pessoas que a gente não conhecia,
mas meninas que era muitas, e até hoje nós temos, de
muitas delas até hoje ainda tem uma amizade, de, da,
da infância ainda, ainda tenho a amizade delas ainda.
0 1 1 Era a, a inteligente, a mais inteligente da sala, era a
mais inteligente da sala, ela, quando a gente não sabia o
dever ela se dedicava a ensinar.
0 2 2 São coisas que, que mais, por mais que a gente queira
ensinar uma criança como, como a gente era antes a
televisão já ensina totalmente diferente.
0 1 1 Hora do banho, tinha hora do banho, se passasse, meu
pai vinha da (...inint...), era cinco, ele largava cinco
horas, se chegasse em casa e não encontrasse ninguém,
se encontrasse todo mundo sem tomar banho a gente
apanhava, era uma surra [...]
1 0 1 Que ele di, ele me falava, “ah (...inint...) eu ia, eu vou
ensinar vocês como eu, como eu era, como eu fui
criado”, foi passando, e ele foi passando da geração
dele pra o, o ensinamento dele pra nós, e nós queremos,
eu querendo ensinar a minha filha do jeito que eu
aprendi mas só que eu não consigo...
1 0 1 De nós também passar, estivesse uma visita, nós
passasse na sala era um castigo.
1 0 1 Eu já achava, eu não achava que aquilo certo né, eu já
não achava aquilo certo porque tinha idade mesmo que
já não permitia mais nós tomar uma surra, acho que
faltou mais diálogo.
1 0 1 Nos meus pais e nós, eu e o meu, e meu pai, faltou
mais diálogo [...]
0 1 1 É, a gente já ia correndo e voltava pra não, quando eu
comecei a namorar foi com os meus dezoito anos, já
tarde, dezoito pra dezenove, foi quando eu me casei [...]
1 0 1 Foi me sentir mais livre, porque eu era muito presa
porque o meu pai não dava oportunidade da gente ir ali
na praça, se nós fossemos tinha que ter horário.
1 0 1 Interferir é, e não interferia, qualquer coisa que nós
fizesse, “ah, deixe o seu pai chegar”, então ela deixava
toda a responsabilidade para ele.
1 0 1 [...] (...inint...) nós ficamos dois anos juntos, aí foi
quando teve aquele namoro na porta, não é, estava
ainda namorando escondido, aí a mãe dele, ele foi
pediu a mãe dele pra ir lá em casa pra gente, pediu,
pediu a meu pai a permissão de namorar na porta.
3 0 3 Ninguém vê, hoje em dia ninguém vai pedir mais, é
raro uma, uma pessoa vim pedir aos pais pra namorar
na porta né, é raro, aí pronto, aí ficamos, ficamos dois
anos, depois nós nos separamos [...]
111
OCORRÊNCIAS QUANTIDADE DADOS
NÓS A GENTE
1 0 1 Foi impedimento, foi, aí porque meus pais sempre
diziam, “não existe na família primo com primo, você
será a primeira”, aí teve aquele empecilho aí acabamos
mesmo nos casando mesmo no, no caso a forçado, no
caso eu fui, ele deu entrada nos papéis, eu casei de
menor.
0 3 3 [...] (...inint...) numa casa de alguém pra ajudar, porque
não tem é isso, a gente não ganhava nem de, não era
nem dinheiro, a gente não ia por troca do dinheiro, a
gente já ia troca por causa de uma roupa, pra ganhar
uma roupa.
112
LEVANTAMENTO DE DADOS
INQUÉRITO N º35
DATA: 24/10/1998
Gênero/sexo: Homem
Faixa etária: 4 (64 anos)
Escolaridade: Ensino fundamental
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OCORRÊNCIAS QUANTIDADE DADOS
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1 0 1 [...] depois disso vim morar no Sertanejo com os meus
pais novamente, depois disso fui pro Beiru, no Beiru
estamos vivendo hoje com a minha família, tem os
filhos, tem a minha esposa, tem o meu netinho muito
querido, que eu adoro muito, que é a minha fofura né, é
o meu nego...
0 1 1 [...] a nossa vida de, de criança é uma coisa muito 19
sadia, quando a gente tem infância muito com saúde é o
essencial [...]
0 1 1 Estou aposentado, mas estou ganhando bobagem, mas
essa vida é essa mesmo, a gente tem que ir seguindo
conforme é a vi, é a realidade.
3 1 4 [...] nossos pais nos fizeram pra nós aprendermos a
profissão, e nós íamos para o colégio, do colégio ia pra
alfa, alfa, pra oficina, pra alfaiataria, pra sapataria, o
que fosse, viu. E os meninos de hoje em dia já, já é
mais facilidade, porque hoje mesmo, hoje em dia a
pessoa vai pro colégio já entra no primeira, no primeiro
ano agora sai, já sai na oitava série pra ir pra, pra
primeiro (...inint...) primeiro grau, e no quinto ano a
gente tinha que estudar...
0 2 2 [...] aquele tempo era tudo fartura, a gente ia pegar
laranja, manga na roça de uns camaradas lá, elas levam
pra gente pra ir em São Camilo, era Vilas, era Santo
Antônio Rocha, era que essa turma assim, (...inint...)
tinha que ir lá no Saboeiro (...inint...), a gente ia lá
pegar manga lá, a vida lá era outra, era a única
brincadeira da gente antigamente.
0 1 1 É, antigamente, é, antigamente a gente ia, mas era tudo
conhecidos.
3 0 3 Tudo normal, os vizinhos é, que nós moramos em São
Gonçalo nós saíamos e íamos pra lá
1 1 2 Eu não acho que vão ter a liberdade que nós tínhamos,
que anti, a liberdade de anti, antigamente a liberdade
era uma liberdade sadia, e a gente não vê essa liberdade
com esse sadismo todo né [...]
0 2 2 E muito, e muito. Porque naquela época que a gente
morava lá na, lá no Tancredo, a gente dormia com a
porta aberta [...]
113
OCORRÊNCIAS QUANTIDADE DADOS
NÓS A GENTE
3 0 3 Hoje, hoje, ultimamente nós estamos vivendo pior do
que passarinho, porque o passarinho tem a liberdade, já
nós não temos a liberdade, porque a nossa residência
tem que ter grade pelas janelas, nas portas, em tudo, e
nós não podemos ter a liberdade...
0 2 2 Distante, quando a gente sabia de uma coisa dessa já
ficava estarrecido [...]
1 0 1 A escola eu pintava muito, na hora da, da picula eu
pintava, tinha uma irmã mais velha mesmo, a minha
irmã C..., ela dizia “meu irmão” e minha irmã, e minha
prima F..., “meu irmão, bula naquele ali, que é pra nós
pegarmos ele pra dar bordoada”[...]
1 0 1 [...] a professora, quer bater na professora, chama os
pais, vamos, quer agredir a professora, e não pode ser
assim, porque no meu tempo não era assim não, no
meu tempo ficava de joelho é, no limão, o limão
debaixo do queixo, no sal grosso, na tampinha, no
milho e de braços abertos, pra não deixar o limão cair.
0 2 2 Ah, os, os alu, os colegas, e aí a gente tinha que
estudar, sabatina tinha que estudar bastante pra não
perder na sabatina, era todo o Sábado sabatina. [...]
0 1 1 [...] aí foi lá e contou tudo a minha mãe, relatou todos
fatos a minha mãe, minha mãe não deixou, desse dia
pra cá pronto, aí todo dia que eu pegava ele bordoada,
bordoada, teve uma época que a gente ia sair...
10 0 10 C... e F..., aí ela disse “pega ela e bate, pega ela e bate”,
eu cheguei peguei a menina dei uns tapas, aí a, menina
veio maior do que eu pegou e me bateu, aí descemos,
saí do colégio, saímos cedo, aí descemos na, na Lagoa,
que nós morávamos cá na Tesoura em São Gonçalo, aí
descemos a lagoa, chegou dentro do mato, ficamos
escondidos, aí tinha assim uma ruma de cansanção, alta
mesmo, aí nós passamos aí, “lá vem ela, é vem a
menina, é vem ela aí”, aí pegamos essa menina, tiramos
a roupa dela, aí jogamos dentro do cansanção.
5 2 7 Aí tiramos a roupa dela e jogamos dentro do
cansanção, eu, eu, C... e F..., aí veio uma, uma prima de
meu pai chamada C... disse “mas menino, o que é que
vocês estavam fazendo com essa menina?”, a gente aí
largou a menina e saiu correndo, saiu todo mundo
correndo, chegamos em casa, pegamos a lata e aí fomos
a fonte pra regar água [...]
1 0 1 Sem ninguém mandar, enchemos a (...inint...) de água,
aí mã...
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LEVANTAMENTO DE DADOS
INQUÉRITO N º 43
DATA:
Gênero/sexo: Mulher
Faixa etária: 1 (20 anos)
Escolaridade: Ensino fundamental
NÓS
A GENTE
OCORRÊNCIAS QUANTIDADE DADOS
NÓS A GENTE
0 1 1 [...] Minha mãe disse que eu era muito abusada, que eu
tinha... tinha uma moça lá, uma velhinha que... que eu e
Vítor chamava de vó, que não é vó... vó não que a
gente chamava de vó.
0 5 Não. A gente chamava de vó. Aí a gente quando era
pequeno gostava muito dela aí ficava muito atrás dela,
chamava ela de vó, ela dizia que a gente não era vó
dela, que era para parar de chamar ela de vó...
0 2 2 [...] Eu e Vítor era pequenininho, não é? que mainha
trabalhava, a gente ficava dentro de um caixote debaixo
de um balcão, mainha trabalhava de... de garçom. A
gente ficava debaixo de um... de uma caixa.
0 1 1 Aí a gente ficava... (superp.)
0 2 2 Restaurante. Pequeno assim. Aí a gente ficava lá
debaixo. Eu Vítor era pequenininho. Aí eu que seu
mais velha do que ele, não é? totalmente eu criei ele
também cuidei dele, assim... todos eles. Vítor, mão,
mão quer dizer que é Nilton, não é? A gente chama de
mão. Não tem o costume de chamar de Nilton mesmo.
Aí a gente...
0 1 1 Assim, eu gostaria de tomar conta de neném, não é?
porque não vou agüentar mesmo trabalhar na casa de
branco, porque tem... tem gente que é exigente, não é?
a gente limpa uma coisa ela, ah, aqui ainda está sujo
[...]