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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS CAMPUS I PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDO DE LINGUAGENS ABDON MENDES BORGES SANTANA NÓS E A GENTE UM RETRATO DO PORTUGUÊS POPULAR DE SALVADOR SALVADOR 2014

NÓS E A GENTE - ppgel.uneb.br · Aos colegas do PPGEL, tantos os da Linha 1 quanto da Linha 2, pelo companheirismo e pelas resenhas. A todos do PPGEL, corpo docente e funcionários,

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CAMPUS I

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDO DE LINGUAGENS

ABDON MENDES BORGES SANTANA

NÓS E A GENTE

UM RETRATO DO PORTUGUÊS POPULAR DE SALVADOR

SALVADOR

2014

ABDON MENDES BORGES SANTANA

NÓS E A GENTE

UM RETRATO DO PORTUGUÊS POPULAR DE SALVADOR

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Estudo de Linguagens da Universidade

do Estado da Bahia – UNEB, como parte dos

requisitos para obtenção do grau de Mestre em Letras.

Orientadora:

Profª. Drª. Norma da Silva Lopes.

SALVADOR

2014

FICHA CATALOGRÁFICA

Sistema de Bibliotecas da UNEB

Bibliotecária: Jacira Almeida Mendes – CRB: 5/592

Santana, Abdon Mendes Borges

Nós e a gente: um retrato do português popular de Salvador / Abdon Mendes Borges Santana. –

Salvador, 2014.

114f.

Orientadora: Norma da Silva Lopes.

Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Ciências Humanas.

Colegiado de Letras. Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens. Campus I. 2014.

Contém referências.

1. Língua portuguesa - Regionalismo - Bahia. 2. Língua portuguesa - Variação. 3. Língua

portuguesa - Vícios de linguagem. I. Lopes, Norma da Silva. II. Universidade do Estado da Bahia,

Departamento de Ciências Humanas.

CDD: 469.798142

EXAME DE DISSERTAÇÃO

SANTANA, Abdon Mendes Borges. Nós e a gente: um retrato do português popular de

Salvador. Dissertação de Mestrado. Salvador:

UNEB, 2014.

BANCA EXAMINADORA:

___________________________________________________________________________

Professora Doutora Norma da Silva Lopes – Orientadora

___________________________________________________________________________

Professora Doutora Cristina dos Santos Carvalho – UNEB

___________________________________________________________________________

Professora Doutora Marcela Moura Torres Paim – UFBA

___________________________________________________________________________

Professora Doutora Ligia Pellon de Lima Bulhões – UNEB

Suplente

__________________________________________________________________________

Professora Doutora Marian dos Santos Oliveira – UESB

Suplente

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pela força e coragem nesta caminhada.

À minha família pelo apoio e compreensão.

À diretora da Escola Municipal Manoel Henrique da Silva Barradas Jaqueline Mangueira pelo

apoio e compreensão desde o início.

À colega Carla Carvalho, companheira desde a graduação no curso de Língua Espanhola, pelo

incentivo, apoio e um pouco de inglês instrumental.

Aos colegas do PPGEL, tantos os da Linha 1 quanto da Linha 2, pelo companheirismo e pelas

resenhas.

A todos do PPGEL, corpo docente e funcionários, pela gentil dedicação que sempre me

prestaram.

À professora Sandra Carneiro de Oliveira, pela atenção e discussão acerca da investigação.

E principalmente à Profª. Drª. Norma da Silva Lopes, minha orientadora, que tem sido, desde

a graduação como aluno de iniciação científica, minha madrinha acadêmica, pela orientação,

paciência, dedicação e carinho que dedico este poema:

NORMA

Norma não é obrigação,

É tomar pela mão

Para não caminhar sozinho.

Norma não é permissão,

É quando preciso dizer “não”

E mostrar qual o melhor caminho.

Norma vai além da razão,

É muito mais que direção,

Ela é coração, amizade e carinho.

“o escritor e o fotógrafo utilizam as mesmas ferramentas, mas

enquanto descreve uma imagem com mil palavras o outro descreve

mil palavras com uma imagem.”

Jefferson Luiz Maleski

“A câmera é um instrumento que ensina a gente a ver sem câmera”

Dorothea Lange

RESUMO

Com base nos pressupostos teóricos e metodológicos da sociolinguística variacionista

(LABOV, [1972] 2008), essa dissertação faz um retrato do uso variável dos pronomes nós e a

gente na função de sujeito discursivo no Português popular falado em Salvador, aqui descritos

e analisados. Para este estudo, foram analisados 12 inquéritos do corpus do PEPP, divididos

em três faixas etárias e em escolaridade, ensino fundamental ciclos 1 e 2; e ensino médio. Os

fatores selecionados pelo pacote de programas computacional VARBRUL como relevantes

para o uso da variável nós foram o paralelismo discursivo, indeterminação do sujeito,

saliência fônica, faixa etária e a escolarização, na análise geral da amostra. Outras análises

com variáveis amalgamadas foram realizadas com a finalidade de obter melhores resultados.

Em geral o estudo concordou com pesquisas anteriores (OMENA, 1996; LOPES, 1993;

NASCIMENTO, 2013). Em termos gerais, o uso de a gente tem o triplo de ocorrência que o

nós na variedade popular, confirmando a hipótese de que o uso da forma inovadora utilizada

nas camadas mais populares seria muito maior do que a fala culta.

PALAVRAS-CHAVE: Salvador. Variação. Português Popular. Nós e a gente como sujeito.

RESUMEN

Con base en los presupuestos teóricos y metodológicos de la sociolingüística variacionista

(LABOV, [1972] 2008), esa disertación hace una fotografia del uso variable de los

pronombres nós y a gente en la función de sujeto discursivo en el Portugués popular hablado

en Salvador, aquí descritos y analisados. Para este estudio, fueron analisados 12 inquéritos del

corpus del PEPP, divididos en tres fajas etárias y en escolaridad de la enseñanza fundamental

ciclos 1 e 2 y enseñanza mediana. Los fatores elegidos por el paquete de programas

computacional VARBRUL como relevantes para el uso de la variable nós fueran el

paralelismo discursivo, indeterminación del sujeto, saliéncia fónica, edad y la escolarización,

en el análisis general de la amostra. Otros análisis con variábles amalgamadas fueram

realisados con fin de obtener mejores resultados. El estudio está en acuerdo con

investigaciones anteriores (OMENA, 1996; LOPES, 1993; NASCIMENTO, 2013). En

términos generales, el uso de a gente tiene o triplo de ocurriencias que el nós en la variedad

popular, confirmando la hipótesis de que el uso de la forma innovadora utilizada en las

camadas más populares seria más grande que el habla culta.

PALABRAS-CLAVE: Salvador. Variación. Portugués Popular. Nós y a gente como sujeto.

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1: Uso de Nós/ A gente PEPP. 64

Gráfico 2: Uso de Nós / A gente em NURC-SSA-LOPES; NURC-SSA-NASCIMENTO;

PEPP 65

Gráfico 3: Condicionamento do paralelismo formal no uso de Nós PEPP. 67

Gráfico 4: Condicionamento do paralelismo formal no uso de Nós NURC-SSA e PEPP 67

Gráfico 5: Condicionamento da (in) determinação do sujeito no uso de Nós PEPP. 70

Gráfico 6: Condicionamento da saliência fônica no uso de Nós PEPP. 71

Gráfico 7: Condicionamento da saliência fônica no uso de Nós NURC- LOPES e PEPP. 73

Gráfico 8: Condicionamento da faixa etária no uso de Nós PEPP. 75

Gráfico 9: Condicionamento da faixa etária no uso de Nós em NURC-SSA-LOPES, NURC-

SSA-NASCIMENTO e PEPP. 76

Gráfico 10: Condicionamento da escolaridade no uso de Nós PEPP. 77

Gráfico 11: Condicionamento do efeito da escolaridade e faixa etária no uso de Nós PEPP. 77

Gráfico 12: Condicionamento do efeito do gênero/sexo e faixa etária no uso de Nós PEPP. 79

LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Grupos de fatores controlados 51

Quadro 2: Código de variáveis 52

Quadro 3: Distribuição dos Inquéritos do PEPP 53

LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Uso de Nós / A gente PEPP. 64

Tabela 2: Uso de Nós / A gente em NURC-SSA-LOPES; NURC-SSA-NASCIMENTO;

PEPP. 65

Tabela 3: Condicionamento do paralelismo formal no uso de Nós PEPP. 66

Tabela 4: Condicionamento do paralelismo formal no uso de Nós NURC-LOPES e PEPP. 66

Tabela 5: Condicionamento da (in) determinação do sujeito no uso de Nós PEPP. 69

Tabela 6: Condicionamento da saliência fônica no uso de Nós PEPP. 70

Tabela 7: Condicionamento da saliência fônica no uso de Nós NURC-LOPES e PEPP. 72

Tabela 8: Condicionamento da faixa etária no uso de Nós PEPP. 74

Tabela 9: Condicionamento da faixa etária no uso de Nós em NURC-SSA-LOPES, NURC-

SSA-NASCIMENTO e PEPP. 75

Tabela 10: Condicionamento da escolaridade no uso de Nós PEPP. 76

Tabela 11: Condicionamento do efeito da escolaridade e faixa etária no uso de Nós PEPP. 77

Tabela 12: Condicionamento do efeito do gênero/sexo e faixa etária no uso de Nós PEPP. 78

Tabela 13: Frequência de uso de Nós PEPP – Inclusão do eu. 80

Tabela 14: Frequência de uso de Nós PEPP – Segundo Gênero/Sexo. 81

Tabela 15: Frequência de uso de Nós em NURC-LOPES; NURC-SSA-NASCIMENTO e

PEPP – Gênero/sexo. 81

LISTA DE ABREVIATURAS

DID Diálogos entre Informante e Documentador

DOC. Documentador

INF. Informante

INQ. Inquérito

L1 Língua 1

L2 Língua 2

NURC Projeto Norma Linguística Urbana Culta

PB Português Brasileiro

PE Português Europeu

PEPP Programa de Estudos do Português Popular Falado em Salvador

PP Português Popular

PPP Português Popular do Brasil

P.R. Peso relativo

Ocor. Ocorrências

TLI Transmissão Linguística Irregular

TLR Transmissão Linguística Regular

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 15

1. PORTUGUÊS BRASILEIRO: RETRATO PANORÂMICO 18

2. SOB A LENTE DA SOCIOLINGUÍSTICA 25

3. NÓS E A GENTE EM FOCO 31

3.1 TRAJETÓRIA DE A GENTE 31

3.2 ESTUDOS SOBRE NÓS E A GENTE NO PORTUGUÊS BRASILEIRO 36

4. METODOLOGIA 48

4.1 DELIMITAÇÃO DO CORPUS DO PEPP 48

4.2 DESCRIÇÃO DAS VARIÁVEIS E HIPÓTESES 49

4.2.1Variável dependente 49

4.2.2 Saliência fônica 53

4.2.3 Paralelismo formal 55

4.2.4 Inclusão do eu 57

4.2.5 (In) determinação do sujeito 59

4.2.6 Gênero/sexo 61

4.2.7 Faixa etária 61

4.2.8 Escolaridade 62

5. FOTOGRAFANDO: RESULTADOS 64

5.1 VARIÁVEIS SELECIONADAS 66

5.1.1 Paralelismo formal 66

5.1.2 (In) determinação do sujeito 68

5.1.3 Saliência fônica 70

5.1.4 Faixa etária 74

5.1.5 Escolaridade 76

5.2 VARIÁVEIS NÃO SELECIONADAS 79

REVELAÇÕES 83

REFERÊNCIAS 86

ANEXO

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INTRODUÇÃO

Registrar o instante, o momento, que pode ser trivial ou especial, não importa, o fato é

que, ao fazer um registro, o ser humano tenta apreender o real, representando-o e tornando-o

significativo. Assim, desde os tempos das cavernas, o homem registra a realidade por meio de

imagens, figuras, esculturas, pinturas, fotos, vídeos, etc., em um exercício constante de

apreensão da realidade e compreensão das mudanças.

Pode-se considerar que um dos mais importantes instrumentos de registro é a

fotografia, e que, inclusive ela, passou por grandes mudanças. Com o avanço das tecnologias

de informação e comunicação (TICs) que vêm se intensificando desde a segunda metade do

século XX, a fotografia passou dos rolos de filme negativo das máquinas fotográficas

analógicas para as fotos digitais nas telas touch screen dos celulares, tablets, e congêneres,

especialmente, as máquinas fotográficas digitais.

Entretanto, as mudanças, tecnológicas inclusive, não chegam para todos igualmente,

nem são aceitas por todos, o que é natural em sociedade, que como qualquer uma é

heterogênea por si mesma. Dessa forma, é tão comum ver a habilidade com que os

adolescentes digitam textos em seus celulares usando apenas os polegares ou como

conseguem tirar fotos de si mesmos, às vezes melhor do que se fossem tiradas por uma

segunda ou terceira pessoa; enquanto, os mais velhos não conseguem enviar um emotion pelo

celular.

Lidar com o novo nem sempre é fácil, mas parece contraditório que as pessoas aceitem

melhor que um aparelho celular mude completamente de um ano para o outro, e, no entanto,

relutam em aceitar com naturalidade a mudança linguística (BAGNO, 2011).

O uso de pronomes pessoais no preenchimento da posição de sujeito tem sido objeto

de estudo de importantes pesquisas variacionistas no Brasil (LUCCHESI, 2009; OMENA,

1996; LOPES, 1993; OLIVEIRA, 2008) que buscam o entendimento da situação em que se

encontra o fenômeno na atualidade, analisando possíveis indícios de mudança linguística.

Essas pesquisas visam a dar conta do fenômeno do preenchimento do sujeito por meio de

pronome pessoal, ou quando se admite a elipse, como via de regra, para se evitar redundância,

uma vez que o verbo flexionado já traz informação sobre a pessoa do discurso.

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Utilizando a “lente” da sociolinguística variacionista, a presente pesquisa pretende

fotografar o uso variável de nós e a gente na função de sujeito no corpus do Programa de

Estudos do Português Popular Falado em Salvador, doravante PEPP.

O PEPP, construído entre 1998 e 2000, foi, na sua constituição, coordenado pela

professora doutora Norma da Silva Lopes, e como pesquisadoras as professoras Constância

Maria Borges de Souza e Emília Helena Portella Monteiro de Souza, tendo o apoio da

Universidade do Estado da Bahia, por meio do Departamento de Ciências Humanas e da Pró-

Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação.

O PEPP é constituído por 48 inquéritos, 24 homens e 24 mulheres soteropolitanos, em

4 faixas-etárias e com os níveis de escolaridade Fundamental e Médio, representando a massa

popular. O método de coleta de dados do PEPP foi a entrevista do tipo Diálogo entre

Informante e Documentador (DID), em situação de fala semi-espontânea, utilizando como

temas de conversa a família e infância, a educação e a atividade ocupacional.

Para esta pesquisa foram selecionados aleatoriamente 12 inquéritos dos 48 inquéritos

que constituem o PEPP, estratificados em gênero/sexo, idade (apenas três faixas-etárias de 15

a 24 anos, 25 a 35 e de 65 anos em diante), e escolaridades fundamental (de 1 a 4 anos) e

ensino médio (11 anos de escolarização).

A constituição do corpus do PEPP visa a contribuir com dados para pesquisas sobre a

formação e os caminhos do português brasileiro na sua variedade popular.

Tem-se demonstrado que, na variedade oral do português considerado culto, ocorre

uma disseminação do uso da forma a gente no lugar de nós (OMENA, 1996; LOPES, 1993).

Essa pesquisa se volta para as seguintes questões:

1. Em relação à variedade popular em que grau se encontra a referida

disseminação?

2. Quais fatores favorecem a implementação da forma a gente na variedade

popular?

Tentando responder a essas questões, tomou-se como objetivos deste trabalho:

1. Geral: Descrever e analisar as variáveis – sociais e linguísticas – que

influenciam a utilização dos pronomes nós / a gente no português falado em

Salvador.

2. Já os objetivos específicos são os seguintes:

a. Verificar as tendências gerais das variantes nós / a gente, levando-se em

conta os seguintes fatores linguísticos e sociais:

a) paralelismo,

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b) inclusão do eu,

c) (in) determinação do sujeito,

d) saliência fônica,

e) gênero/sexo,

f) faixa etária,

g) escolaridade.

b. Comparar os resultados obtidos nesta pesquisa com aqueles apresentados

no referencial teórico e também, quando possível, com a pesquisa sobre a

mesma variável no corpus do Projeto Norma Urbana Culta – NURC-SSA –

(LOPES, 1993), (NASCIMENTO, 2013).

Esta dissertação constitui-se de Introdução, além de cinco capítulos e as Referências.

O estudo inicia com o capítulo “Português Brasileiro: Retrato Panorâmico”, que versa sobre a

formação do PB e as principais teorias sobre as suas origens. Seguido pelo capítulo “Sob a

lente da sociolinguística”, que se constitui de um levantamento dos aspectos teóricos e

metodológicos da sociolinguística variacionista (LABOV, [1972] 2008).

O capítulo seguinte, “Nós e A Gente em foco”, está subdividido em: “Trajetória de a

gente”, que trata do processo de gramaticalização da palavra portuguesa gente. Na segunda

sessão, “Estudos sobre nós e a gente no Português Brasileiro”, são apresentados resultados de

pesquisas sociolinguísticas que, além de descreverem as formas nós a gente, explicam

contextos de uso e fatores linguísticos e sociais que favorecem as escolhas de nós e a gente.

O capítulo “Metodologia” contém informações sobre o método de estudo, a

composição da amostra, a descrição dos grupos de fatores a serem pesquisados e as hipóteses

de trabalho.

No penúltimo capítulo, intitulado “Fotografando: resultados”, está contida a análise

dos dados com discussão dos resultados e, o último, “Revelações”, são as considerações finais

desta pesquisa.

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1. PORTUGUÊS BRASILEIRO: RETRATO PANORÂMICO

A diferença entre o Português Europeu (PE) e o Português Brasileiro (PB) é notória,

assim como, também, é conhecida a distinção e o status quo entre a variedade culta e a

popular do PB. No entanto as razões dessa diferenciação ainda é alvo de estudos que tomam

como foco a origem do PB. Nesse campo, se situam três linhas teóricas conflitantes: a

crioulização (GUY, 2005 apud LINS, 2009); a transmissão irregular na aquisição de

linguagem (LUCCHESI, 2012); ou, ainda, a deriva natural da língua (NARO; SCHERRE,

2007). Conforme salienta Lins (2009):

a partir da afirmação de que as três hipóteses interpretativas existentes não

conseguem, de modo pleno e satisfatório, dar conta da interpretação dos

processos imbricados na formação do PB – fato que se comprova pelas

lacunas que apresentam, dúvidas que suscitam e pelos acirrados e acalorados

debates alimentados, em congressos nacionais e internacionais, entre

lingüistas e estudiosos da história do português em território brasileiro.

(LINS, 2009, p. 275)

Embora, esta pesquisa não tenha como objetivo decidir qual das hipóteses acerca da

origem do PB seja a correta ou mais acertada, até porque o corpus estudado não nos permitiria

tal proeza, mas sim conhecer e analisar as “forças” linguísticas e sociais, que atuaram ao

longo da história da formação linguística do Brasil.

Entre os principais defensores da hipótese de crioulização prévia na formação do PB é

o linguista Gregory Riordan Guy (2005 apud LINS, 2009) que acredita na presença de traços

crioulizantes no variante popular do PB, tanto na fonologia, morfologia e sintaxe. Guy

sustenta sua hipótese de crioulização prévia no Brasil, com bases em estudos de pidgin de

línguas africanas de base portuguesa, não só em evidências linguísticas, mas também em

fatores sociais como aspectos sócio-demográficos e principalmente na presença de negros

africanos em condição de escravidão no período colonial e imperial do país. Para entender

melhor em que se fundamenta a hipótese de crioulização prévia de Guy faz-se necessário

aclarar os conceitos de pidgin e crioulização explicitados por Naro (1973).

Naro (1973) faz referência ao pidgin na formação de uma língua crioula. O pidgin

provém da necessidade de comunicação de grupos que não partilham o mesmo sistema

linguístico, mas que entraram em contato íntimo por causa de fatores externos como o

comércio, a guerra, a migração etc. Contudo o pidgin não se constitui uma língua nativa.

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Como exemplo, pode-se citar o russo-nork, um sistema de comunicação com elementos tanto

russos quanto noruegueses, oriundo do intenso comércio de pescado entre russos e

noruegueses, que não chegou a ser a base da língua da comunidade.

Para um pidgin se transformar em uma língua nativa, deve passar por uma expansão e

renovação lexical e gramatical, sistema denominado língua crioula; ainda que em parte

fundamentada num pidgin, é a língua nativa de certa comunidade. A língua crioula, por sua

vez, do ponto de vista diacrônico, difere de qualquer língua natural. Já sobre a ótica da

sincronia, ela está sujeita às mesmas regras gramaticais universais, uma vez que fora

constituída como primeira língua, assim como qualquer outra língua.

Conforme Naro (1973), o pidgin concorre com a língua de base, que fornece a maioria

dos componentes lexicais, e com as de substrato, que fornecem algumas estruturas

gramaticais. No primeiro caso, o pidgin se insere na fala dos adultos. Por outro lado, a língua

de base modifica a fala em direção à simplificação, enquanto a língua de substrato procura se

igualar a língua dos falantes da base. Todavia, nos primeiros estágios de pidginização as

versões variam de um falante para o outro devido a fatores como background linguístico,

quantidade de prática, etc. Isso faz com que haja carência de um grau de sistematização, ou

seja, a falta de um conjunto de regras para que se possa formular uma gramática para o pidgin.

Isso também se aplica ao crioulo. É necessário dizer que os adultos são agentes da

pidginização, enquanto as crianças, possuidores da gramática universal (GU), são da

crioulização devido ao uso de mecanismos que as permitem construir uma gramática

particular de sua própria língua nativa de acordo com os universais linguísticos.

A gramática crioula é formada a partir dos usos da geração de adultos, pela língua de

base e pelas línguas de substrato que culminará em dados para primeira geração de língua

crioula. Contudo, o conjunto das sentenças geradas pela gramática crioula, geralmente não

coincidirá com os daquela em cujos dados se baseou. Desta maneira, na língua crioula, que é

uma língua natural, pode haver estruturas não correspondentes à língua de base, nem ao

pidgin.

A relação entre pidgin e crioulo com a língua de base ou língua alvo, segundo os

linguistas, varia em proporções. Para alguns linguistas, tanto o processo de pidginização

quanto o de crioulização diferem da mudança natural de uma comunidade homogênea só em

número e não em tipo (NARO, 1973).

Portanto a mudança natural é gerada por modificações inconscientes das regras da

gramática inovadora, contudo dentro de uma gramática. Já a mudança crioula, apesar de ser

uma língua nativa, parte de dados dos adultos criados, pois são falantes que não têm mais a

20

faculdade de linguagem, pela simplificação e por outras tentativas de aprendizagem da língua

alvo. Assim, o processo de crioulização, a partir do pidgin formado da base e do substrato até

chegar ao crioulo é formalmente diferente da mudança natural de língua.

Segundo Naro (1973), os adultos, que não possuem mais a faculdade da linguagem,

são os agentes da pidginização cujas regras gramaticais não se sujeitam às restrições

universais. Por seu turno, a língua crioula, embora tenha com o pidgin uma relação

sistemática, não significa que seja produto da mesma forma de mudança natural. As

influências de substrato são limitadas e de difícil análise nos casos das formas superficiais

resultantes. Pelo fato de os pidgins, embora separados, mostrarem semelhanças no seu

desenvolvimento, esse dado evidencia uma realidade psicológica dos elementos gramaticais

afetados.

Guy (2005 apud LINS, 2009) reafirma sua posição a cerca da crioulização prévia no

PB quando diz que:

A evidência sócio-histórica indica a entrada e a saída de falantes de crioulos

e as condições suficientes para a crioulização, e a evidência interna do PPB

indicam vários traços mais de acordo com uma história de crioulização do

que com qualquer outra explicação. (GUY 2005 apud LINS, 2009, p. 277).

Ainda que a hipótese de crioulização prévia na formação do PB tenha sido alvo de

críticas por vários estudiosos, (NARO; SCHERRE, 2007), (LUCCHESI, 2012), (LINS,

2009), sua importância se deve ao foco na distinção entre o PB e o PE tendo como o agente o

negro africano no Brasil, pela sua contribuição linguística e cultural na formação do povo

brasileiro.

Outra linha teórica a respeito da formação do PB é a hipótese de transmissão

linguística irregular (TLI) defendida por Lucchesi (2012), baseada na observação sincrônica

de variações de comunidades isoladas, que, segundo o autor, podem refletir diacronicamente a

constituição dos padrões linguísticos, principalmente do Português Popular do Brasil (PPB).

Verifica-se que, atualmente, restritas regiões brasileiras afrodescendentes isoladas e de difícil

acesso, constituíram-se documento para estudo da formação do PB em situação de

escravização.

Cabe antes de adentrar na hipótese de TLI uma breve explicação do conceito de

transmissão linguística regular (TLR). Entende-se TLR como forma normal, natural de

aquisição de linguagem pelas crianças no processo de socialização que se manifesta de modo

inconsciente, enquanto na TLI a aquisição da língua – como segunda língua (L2) – pelos

21

adultos se manifesta de modo consciente com base de amostra não susceptível de uma análise

ordenada, com grau de caoticidade (LINS, 2009).

O estudo da fala de comunidades afro-brasileiras isoladas oferece indícios do processo

de contato entre línguas e sua influência na formação do PB e indica vertentes da realidade

linguística do Brasil, principalmente no PPB, como os estudos em Helvécia, extremo sul da

Bahia, por exemplo. Lucchesi argumenta que só um conceito amplo de TLI daria conta de

interpretar determinados processos históricos em que uma dada língua sofre alterações

significativas em decorrência de seus padrões de uso, o que implicaria em surgimento de

línguas pidgins e crioulas (LUCCHESI, 2012). Lucchesi (2012) defende a TLI de tipo leve no

contexto PPB brasileiro, segundo o qual:

No plano linguístico, a maior diferença entre os processos típicos de

pidginização e crioulização, que representam os casos mais radicais de

transmissão linguística irregular, e os processos de transmissão linguística

irregular mais leve, como no caso da formação das variedades populares da

língua portuguesa no Brasil, é que, no primeiro caso, a gramática da

variedade linguística que se forma na situação de contato é constituída

basicamente por elementos exógenos, enquanto, no segundo caso, os

elementos gramaticais da língua do grupo dominante suplantam eventuais

processos embrionários de gramaticalização e de transferência do substrato. (LUCCHESI, 2012, p.58)

Nesse contexto, a língua alvo se apresentaria de forma não regular e, decerto,

desordenado, impulsionando mecanismos de redução e simplificação para suprir as

necessidades comunicativas urgentes que superariam a precariedade gramatical da L2 ao qual

foram expostos os africanos no Brasil, “nesse sentido, o conceito de transmissão linguística

irregular de tipo leve é o que melhor dá conta do tipo de mudança que caracteriza essa

variedade linguística” (LUCCHESI, 2012, p.57). Tais reduções caracterizam o processo de

TLI em: (a) variação no uso de morfologia flexional e palavras gramaticais; (b) alteração dos

valores dos parâmetros sintáticos em função de valores não marcados; e (c) gramaticalização

de itens nas lacunas da estrutura linguística (LUCCHESI, 2012).

A questão da variação de uso da concordância verbal e nominal no PB não se restringe

a comunidades afro-brasileiras, mas nas áreas rurais, independente de origem étnica (NARO;

SCHERRE, 2007), o que, segundo Lins (2009), põe em xeque a hipótese de TLI na aquisição

do PB pelos africanos. Lins (2009) ainda lança uma série de questionamentos sobre a TLI

que foram desde as alegadas mudanças gramaticais ocorridas no processo de TLI e onde estas

residiriam até a questão-chave: como o processo de TLI explicaria a diferença entre PB e PE?

Sem desmerecer a existência ou não de TLI no PB, Lins (2009) conclui que:

22

hipótese em questão também não dá conta de interpretar a constituição

histórica do PB, embora, de certo, não possa ser posta à revelia/à parte, por

serem inegáveis os contributos de suas análises e de sua fundamentação

teórica, e o quanto significam para o desvelamento do cortinado de fatores

lingüísticos, históricos e sociais que potencializaram a configuração do PB.

(LINS, 2009, p. 284)

Vale ressaltar que a hipótese de TLI coaduna com pesquisa de Lopes (2009) no estudo

da concordância nominal na fala de Salvador, no corpus do PEPP. Assim, na sua pesquisa na

fala da cidade do Salvador, a autora considera que a população soteropolitana foi centro

urbano de escravização, os negros não tinham o português como L1 até os fins do século XIX,

o número de africanos e crioulos juntos era maior que a população de origem portuguesa,

sendo a maioria da população analfabeta. Houve após o fim da escravidão uma migração de

ex-escravos de municípios do Recôncavo para a capital baiana e essa população teve pouco

acesso ao PE. Além disso, o PE que chegou a Salvador era muito diversificado. Em resumo,

um contexto de aprendizagem irregular do português, principalmente nas camadas sociais

mais carentes como os escravos, alforriados, ex-escravos, crioulos e mestiços que passam a

fazer parte dos usuários do português popular brasileiro.

A terceira hipótese acerca da formação do PB a ser analisada nesta pesquisa é a da

“deriva secular” e a da “confluência de motivos”, lançadas por Anthony Julius Naro e Marta

Scherre, descritas na obra Origens do Português Brasileiro (NARO; SCHERRE, 2007).

Nessa obra, os autores Naro e Scherre (2007) apresentam argumentos que defendem a sua

posição sobre a origem do português brasileiro, principalmente o PPB, que é alvo de estigma

social. Segundo esses autores, alguns fenômenos presentes no português popular se

encontram nas línguas românicas e no português arcaico e clássico, rechaçando as hipóteses

de crioulização, de descrioulização e de transmissão linguística irregular, sem, no entanto,

negar a contribuição africana para sócio-história do português brasileiro. Logo, segue a linha

teórica da deriva natural da língua, assim como uma confluência de motivações que

impulsionaram as mudanças linguísticas previstas e realizadas, ainda que em menor grau, no

PE nos períodos arcaicos, clássicos e até nos dias atuais.

Assim, os autores fazem um panorama reflexivo sobre as origens do PB tendo como

posição teórica a “confluência de motivos” oriunda de diversas partes e impulsionando o que

já era previsto e, até certo grau, visto no PE. Embora os autores não especifiquem quais

seriam as forcas motivacionais, apenas refletem sobre as mesmas e se fixam em três aspectos

gramaticais distintivos entre PE e PB: concordância verbal e nominal variável e variação no

pronome sujeito (importante para nossa pesquisa), conforme ressalta Lins (2009). Essa teoria

23

se contrapõe à hipótese da crioulização e suas variações. Naro e Scherre (2007) tomam como

argumento primeiro a trajetória histórica da nação portuguesa que já era marcada por

situações de contato linguístico bem antes do descobrimento e colonização do Brasil.

Portanto, segundo os autores, as diferenças entre o PB e o PE são de grau e não de tipo.

A argumentação histórica, sob a luz de eventos em que o PE esteve em situação de

contato linguístico com outros povos ao longo de sua história, se divide em antes e depois da

colonização do Brasil. Entre os eventos de contatos entre povos que não falavam o português

que antecederam à colonização brasileira, os autores destacam: a presença árabe na península

ibérica entre os séculos VIII e XI, assim como as Cruzadas na Idade Média, em que se usava

como língua de contato o sabir, embora não existam registros sobre essa época. Tratava-se de

um sistema verbal de base lexical românica flexível a ponto de incluir itens de diversas

línguas que variavam de acordo com a situação de contato em que se encontravam, sendo os

principais o sabir ocidental (Mediterrâneo Ocidental e norte da África) e sabir oriental

(Oriente Médio). Sabe-se, pois, que ambas variantes já apresentavam formas variáveis de

flexões verbais e uso pronominal acentuado, tal como “mim saber” ao invés de “eu sei”,

formas recorrentes no sabir oriental. Já no século XVI, início da colonização portuguesa no

Brasil, já existia uma estratégia de comunicação entre luso-falantes e não-falantes, usada nas

primeiras explorações na África Ocidental, denominada “língua de preto”, também registrada

na colonização espanhola nas Américas, que era constituída de traços variantes pidginizantes,

incluindo a variação de flexão verbal e nominal.

A partir do descobrimento do Brasil por parte dos portugueses, no início da

colonização, a língua de contato utilizada na comunicação com os índios foi a “língua geral”.

Dessa maneira, as línguas gerais atendiam as necessidades de contato entre europeus e os

demais povos no território nacional, principalmente os povos indígenas, pois essas línguas

eram utilizadas como primeira língua das mães indígenas e de seus descendentes mestiços, e

como segunda língua para seus pais europeus. No entanto, as línguas gerais não formaram

pidgins nem crioulos, uma vez que não houve transmissão irregular, sendo muito semelhantes

ao “português de preto” utilizado na Europa e na África. Em outro viés, a partir do século

XVIII a língua portuguesa se intensificou entre a população brasileira, chegando ao grau de

predominância que existe hoje (NARO; SCHERRE, 2007).

Segundo Naro e Scherre (2007), não há registro de quaisquer influências de línguas

africanas sobre a portuguesa nem sequer sobre as línguas gerais, no período colonial

brasileiro, levando em conta que essas línguas supriam as necessidades de contato entre

europeus, indígenas e africanos. Além disso, a população negra era minoria na época. De

24

acordo com esse panorama, os autores (NARO; SCHERRE, 2007) são categóricos ao afirmar

que não houve africanização do português no Brasil a ponto de constituir-se um “português

negro” tal como ocorreu nos EUA com o “Black English”, tampouco, uma crioulização. Logo,

segundo os autores, resume-se o ambiente linguístico no Brasil nos primeiros séculos como

predomínio das línguas gerais, principalmente a paulista, com diversas línguas de contato no

aprendizado do português, e de elementos pidiginizantes europeus.

No entanto, a hipótese da deriva secular ou natural com a confluência de motivos

carece, de acordo com Lins (2009), de especificações mais detalhadas:

se houve deriva e se ela foi motivada por uma confluência de motivos

impulsionados pelo caráter genético da língua, haveria a necessidade de se

especificar quais aspectos genéticos estiveram presentes ou foram

preponderantes nesse processo, uma vez que “confluência de motivos”

abarca uma série de possibilidades de fatores que influiriam em determinada

direção, podendo alterar o resultado do produto lingüístico. (LINS, 2009, p.

288)

É importante salientar que nossa pesquisa não tem intuito de advogar acerca de uma

ou outra linha teórica sobre a origem do PB e de suas diferenças em relação o PE, mas

fotografar o PP de Salvador através do uso de nós e a gente. Ainda que seja inegável a

contribuição dos africanos, trazidos como escravos para o Brasil, para a formação do PB,

assim como a predominância quase que absoluta dos afro-descendentes na constituição da

camada popular brasileira e, principalmente, da população de Salvador, não é possível afirmar

tacitamente que a situação de contato entre línguas, à qual foram submetidos os africanos em

solo brasileiro, tenha acarretado numa mudança linguística significativa na estrutura

gramatical do PB que o fez distanciar-se do PE, especialmente, em relação ao quadro

pronominal e o preenchimento do sujeito plural do PB.

Motivada ou não por uma confluência de motivos (NARO; SCHERRE, 2007), ou

processo de crioulização e suas variantes (GUY, 2005 apud LINS, 2009), ou até mesmo por

aquisição de L2 pelos africanos por meio de uma transmissão linguística irregular

(LUCCHESI, 2012), é notória a diferença entre o PE e o PB.

25

2. SOB A LENTE DA SOCIOLINGUÍSTICA

Entende-se sociolinguística como ciência que estuda as variações e as mudanças

linguísticas num contexto social, e considera que, nas comunidades de fala, existirão, com

frequência, formas linguísticas em variação. Assim, a análise sociolinguística passa então a

tomar como objeto de estudo o caráter variante dos usos linguísticos. Desse modo, considera a

inexistência da variação livre, mas, sim, de uma heterogeneidade estruturada, tendo como

pressuposto que a escolha das variantes não é aleatória, mas relacionada a alguns grupos de

fatores, que podem ser sociais ou linguísticos. E essa relação entre uso linguístico e sociedade

está longe de ser nula, porque envolve relações de poder, estigma e prestígio, assim, esses

itens constituem temas de interesse sociolinguístico (MOLLICA, 2004). Bright faz uma

síntese dessa relação, no trecho: “A tarefa da sociolinguística é, portanto, demonstrar a

covariação sistemática das variações linguística e social, e, talvez, até mesmo demonstrar uma

relação causal de uma ou outra direção” (BRIGHT, 1974, p. 17).

A seguir, serão apresentadas breves descrição e análise da teoria a partir da obra

“Padrões Sociolinguísticos” (LABOV, [1972] 2008), no qual estão contidos os princípios

teóricos que nos serviram de base. Essa obra é relevante porque contém os princípios teóricos

e metodológicos da sociolinguística variacionista, apresentados a partir das próprias

experiências do autor como pesquisador e sociolinguista.

Para Labov, a mudança linguística envolve três problemas: a origem das variações

linguísticas; a difusão e a propagação das mudanças linguísticas; e a regularidade da mudança

linguística. Esse modelo parte do princípio da existência de variações na fala dos indivíduos; e

essas variações podem ser aferidas nos processos de assimilação ou dissimilação, analogia,

empréstimo, fusão, contaminação, variação aleatória, etc. Esse modelo também foi adotado

por Omena (1996) e Lopes (1993; 2003; 2004) no estudo do uso de nós e a gente no

português brasileiro culto. No processo de variação e mudança, só algumas variantes

recorrentes no uso entram em contraste até que uma delas se sobreponha a outras. Os fatores

estruturais são importantes no processo de difusão das mudanças linguísticas, mas não podem

responder por si só pela mudança, ou seja, as forças internas da língua só têm efeito quando

relacionadas dentro de um contexto social.

Labov perpassa de modo crítico pelas teorias que tentam explicar o mecanismo da

mudança linguística. Para ele o procedimento diacrônico, modelo seguido por linguistas

históricos, não dá conta da mudança em seu percurso. O desenvolvimento da mudança

26

linguística só pode ser entendido, segundo o autor, quando relacionado ao contexto social da

comunidade onde ela ocorre, isto é, considerar a correlação entre fatores linguísticos e sociais

como elementos inerentes à mudança.

Ao reconhecer a relevância do contexto social da comunidade de fala em estudo no

entendimento dos mecanismos da mudança linguística, Labov dedica sessão à descrição

sócio-cultural e histórica da comunidade de Martha‟s Vineyard, no estado de Massachusetts,

Estados Unidos. E argumenta que um ponto a ser considerado pelo sociolinguista é a escolha

da variável linguística a ser estudada. Aponta como relevantes três critérios de eleição da

variável linguística, a saber: frequência, estruturação e estratificação.

Labov ([1972] 2008) também examina a dimensão da variação linguística, que

diferencia os falantes segundo seu status social. Para tanto, encontra na sociologia e em sua

metodologia de pesquisa os instrumentos teórico-metodológicos apropriados para a correlação

entre uso linguístico variável e a estratificação social do falante em uma dada comunidade de

fala. Nos estudos da fala dos nova-iorquinos, Labov identifica grande variação linguística

coerente com a estratificação social, como estrutura complexa e regular muito encontrada nas

sociedades urbanas. Portanto, os usos variáveis da língua partilham do conjunto de normas

que regem o comportamento social dos indivíduos numa sociedade e, mais especificamente,

uma comunidade de fala.

Em relação à mudança linguística, Labov defendeu que o estudo das estruturas

linguísticas variantes oferece comprovação empírica para análise estrutural no nível funcional,

como também permite os estudos detalhados da mudança linguística em progresso. A

mudança se dá, segundo esse pesquisador, em dois estágios: na origem, que consiste em usos

variáveis restritos a um grupo de pessoas; na propagação, em que a variação é adotada por

grandes grupos de falantes.

No segundo estágio, da propagação, as forças sociais agem sobre as formas

linguísticas com pressões vindas de cima (representadas pelos processos de correção social e

hipercorreção) e pressões vindas de baixo (abaixo do nível de percepção consciente). Labov

examinou, entre outros fenômenos, a hipercorreção da classe média baixa da cidade de Nova

York e a sua influência no processo de mudança, na conexão entre variação linguística e

variação social. Desse modo, a relação entre uso linguístico e estratificação social na

comunidade de fala nova-iorquina caracteriza formas variantes em conflito que se direcionam

para adoção da realização de prestígio elencada pelos falantes de meia-idade da classe média

baixa, motivadas pela hipercorreção, por isso a hipercorreção por parte da classe média baixa

27

foi considerada nos estudos de Labov na cidade de Nova York como fator de aceleração da

mudança linguística em curso.

O estudo das mudanças linguísticas em progresso também traz seus próprios

problemas como: Problema da transição, segundo o qual a mudança passa de um estágio para

outro, nas relações dicotômicas entre “cadeias que avançam versus cadeias que retrocedem” e

“movimento constante versus alterações súbitas e descontínuas” (LABOV, [1972] 2008, p.

217); O problema do encaixamento em que as correlações entre sistemas linguísticos e não-

linguísticos (sociais) agem impulsionando a mudança; e o problema da avaliação que

relaciona os correlatos subjetivos (ou latentes) das mudanças objetivas (ou manifestas) ou o

julgamento dos falantes frente às variantes.

A linha seguida pelo autor nessa pesquisa foi a doutrina uniformitarista que pode ser

referida como a “afirmação de que os mesmos mecanismos que operam para produzir as

mudanças em larga escala do passado podem ser observados em ação nas mudanças que

presentemente ocorrem à nossa volta” (LABOV, [1972] 2008, p. 217). Labov conclui que as

pressões linguísticas e sociais agem sistematicamente no mecanismo da mudança linguística e

que se faz necessário, para melhor entendimento de mudança linguística, correlacionar os

fatores estruturais linguísticos com os sociais, ao invés, de analisá-los separadamente.

Para entender melhor a relação estabelecida entre a linguística e a sociolinguística no

tocante dos estudos da língua em seu contexto social, Labov traça um percurso histórico das

abordagens teórico-metodológicas da linguagem em seu uso social. Saussure (1962, p.321

apud LABOV, [1972] 2008, p. 217) distinguiu a langue (língua) da parole (fala), mas já

concebia a langue como “parte social da linguagem” e a linguística como “ciência que estuda

a vida dos signos no seio da vida social” (LABOV, [1972] 2008, p. 217). No entanto, os que

seguem a tradição saussuriana não valorizam a vida social nos estudos da linguagem, pois

abordam a língua dissociada de um contexto de uso real, configurando o paradoxo

saussuriano: “o aspecto social da língua é estudado pela observação de qualquer indivíduo,

mas o aspecto individual somente pela observação da língua em seu contexto social”

(LABOV, [1972] 2008, p. 217). O sucesso dos estudos da língua dissociada do contexto

social por parte dos gerativistas e seguidores também se deve aos problemas inerentes ao

estudo da fala. As elencadas foram:

1. A agramaticalidade da fala, pois parte da crença de que os falantes nativos

nunca cometem erros, no entanto, a fala está repleta de exemplos de frases

agramaticais, não sendo, portanto, evidências da competência do falante;

28

2. A variação na fala e na comunidade de fala, oriunda do pressuposto de que a

existência de formas variáveis para dizer “a mesma coisa” está associada a

“mistura dialetal” ou “alternância de código”, ou ainda de “variação livre”,

negando a variação como constitutiva do sistema linguístico;

3. A dificuldade de ouvir e gravar existe, se comparada aos estudos dos

foneticistas realizados em laboratórios e salas à prova de som, que seriam as

condições ideais para captação dos sinais de forma mais clara possível;

4. A raridade das formas sintáticas, segundo a qual é possível que o falante não

use as formas sintáticas previstas, substituindo-as por outras que, para os estudos

da langue, deixaria o pesquisador sem saída;

5. E, no estudo das intuições, em que Chomsky esperava que a maioria dos

falantes tivessem os julgamentos intuitivos da língua bem claros e, dessa forma,

pudessem elucidar como se constitui a competência do falante.

No entanto, a própria linguística voltada para a langue ou a competência encontra

problema na relação entre os dados e a teoria, principalmente nos itens de gramaticalidade e

acessibilidade das intuições acerca da língua. Porém, as dificuldades de operar com a fala

cotidiana, alegadas para se restringir aos dados linguísticos e intuições acerca da língua, têm

suas soluções descritas por Labov. Após uma lista de estudos sobre a fala no contexto social

real, Labov se reporta às questões metodológicas do estudo da fala e do paradoxo do

pesquisador. Assim, ele enumera cinco axiomas metodológicos que são:

1. Alternância de estilo, porque o falante não possui somente um estilo de fala;

2. Atenção que se evidencia através do automonitoramento;

3. Vernáculo, que para os estudos sociolinguísticos oferece dados mais

sistemáticos para análise da estrutura lingüística;

4. Na Formalidade, tem-se uma equação inversamente proporcional à atenção que

o falante dá à fala, isto é, quanto menos se observa que o falante se preocupa e se

autocontrola na fala, mais se aproxima do maior grau de informalidade;

5. Bons dados são obtidos, na grande maioria dos casos, em grande quantidade,

por meio da conversa gravada individual, embora se crie com essa situação, um

ambiente não-natural da fala cotidiana.

Com isso, temos o paradoxo do pesquisador, em que se visa estudar a fala cotidiana

de indivíduos em situação em que não estão sistematicamente observadas, no entanto os

dados só podem ser obtidos através de observação sistemática. A solução desse problema

29

recai mais uma vez sobre o pesquisador que precisa criar estratégias para romper o

constrangimento inicial da situação de entrevista em direção ao vernáculo.

Devem ser levadas em conta as questões que são inerentes à sociolinguística, tais

como: variável sociolinguística definida como correlacionada a alguma variável não-

linguística no contexto social; um marcador sociolinguístico estável; a variável gênero

também influi nos usos linguísticos, e parece serem as mulheres os falantes que menos usam

as formas estigmatizadas nos centros urbanos; a hipercorreção na relação de estratificação

social também foi observada como fator influente no uso da norma linguística de prestígio.

Enfim, Labov advoga que “a teoria linguística não pode ignorar o comportamento social dos

falantes de uma língua, tanto quanto a teoria química não pode ignorar as propriedades

observadas dos elementos” (LABOV, [1972] 2008, p. 298).

Labov argumenta a respeito da mudança linguística no panorama social dentro do

prisma diacrônico. Dessa maneira, ele discorre sobre a abordagem da linguística e da

sociolinguística em relação à língua com fato social, sendo tal concepção uma unanimidade,

isto é, todos entendem a língua como fato social, mas nem todos dão ênfase a esse aspecto da

língua, principalmente nos estudos da mudança linguística.

Assim, os tópicos retomados foram: variação linguística e variação social; nível de

abstração; função da diversidade; princípio da uniformidade; encaixamento da mudança

linguística no contexto social; avaliação e reações subjetivas à mudança. Contudo, a mudança

não se dá somente por fatores sociais, como também há fatores internos à língua que

independem de influências extralinguísticas, como condicionamentos universais e transição

de estágios de mudanças. Assim, os fatores sociais que podem influenciar os mecanismos da

mudança linguística apontados por Labov são: (i) classe socioeconômica, em que há relações

de estratificação social que envolvem também a linguagem, configurada pelo status social de

uma determinada variação que é mais prestigiada que outras; (ii) etnia; (iii) regionalização;

(iv) gênero/sexo.

Portanto Labov conclui que, para compreensão do processo de mudança linguística,

precisa considerar os fatores extralinguísticos (sociais), assim como os fatores internos

(linguísticos). A mudança surge a partir de um traço linguístico utilizado por um subgrupo e,

à medida que progride, se dissemina para outros grupos, e, no decorrer do tempo, adquire

complexidade e extensão, criando mecanismos de aceitabilidade e de rejeição (prestígio e

estereótipos) relacionados à estratificação social e o status do grupo falante de tal traço, agora

como uso variável.

30

Ao considerar seu pioneirismo e a relevância de suas pesquisas, sendo aquele que mais

estudou a fala no seu contexto social, desde a perspectiva da heterogeneidade constituinte da

língua, conclui-se que Labov foi quem melhor retratou a pesquisa sociolinguística

variacionista. A nossa pesquisa, que visa retratar o uso variável de nós e a gente na função

sujeito no português popular falado em Salvador, encontra na linha laboviana o aporte teórico

necessário ao seu desenvolvimento.

31

3. NÓS E A GENTE EM FOCO

Ajustar o foco da máquina fotográfica é uma ação tão comum para quem vai

fotografar, seja um fotógrafo profissional ou amador, que consiste basicamente em dois

movimentos: afastar e aproximar para poder enquadrar os elementos da imagem que devem

ser fotografados, isso, é claro, depende dos objetivos do usuário – o fotografo. Com o

pesquisador, no nosso caso o sociolinguista, não é muito diferente, pois ele faz

constantemente o ajuste de foco, ou seja, se aproxima e se afasta do seu objeto de estudo, em

consonância com seus objetivos e arcabouço teórico-metodológico.

Dessa maneira, nesse capítulo, vamos ajustar o foco da nossa pesquisa em dois

momentos. O primeiro momento no movimento de afastar o ângulo para uma análise da

trajetória histórica e de uso da forma a gente no português. O segundo, aproximando o foco

para os estudos variacionistas do uso de nós e a gente no português brasileiro.

3.1 A TRAJETÓRIA DE A GENTE

Ao ajustar o foco em direção ao uso de nós e a gente no PB, especialmente em sua

variedade popular, implica inevitavelmente em buscar traçar a trajetória histórica da forma a

gente até a atual situação de concorrência com a forma nós na função de sujeito no quadro

pronominal do PB. Para tanto, toma-se como base as pesquisas de Lopes (2003; 2004).

Porém, antes mesmo de analisar o percurso histórico e linguístico do a gente pronominal, faz-

se necessário uma descrição da forma segundo a gramática normativa.

Almeida (1952) define a gente como terceira pessoa gramatical, não inclusa no quadro

de pronomes pessoais, mas se aproximando de pronomes ou expressões de tratamento. De

maneira semelhante, Bechara (1966, p. 117) define a gente como “referência a um grupo de

pessoas em que se inclui a que fala, ou a esta sozinha, passa a pronome e se emprega fora da

linguagem cerimoniosa”. Cunha e Cintra (1999, p. 214) consideram como “Forma de

representação da 1ª pessoa” que, no coloquial, emprega-se no lugar de nós e, também por eu.

Segundo Lopes (2003), a forma a gente deriva do substantivo latino gěns, gěntis que

significava “raça”, “tribo”, “povo de uma localidade”, também se relacionava com o termo

homo gentis (pessoa da família). A forma substantiva gente, no PE, era utilizada tanto no

32

singular quanto no plural até o século XV mas, a partir do século XVI, o plural entra em

declínio ao passo que o singular ganha espaço no uso de tal forma.

O uso plural e o singular relativo ao percurso da forma substantiva de a gente

acarretou o emprego de concordância semântica que, predominantemente, levava o predicado

ao plural. Isso se devia em grande parte, conforme Lopes (2003), à relação de indeterminação

do sujeito e da equivalência, no português arcaico, com o vocábulo homem, que funcionava

tanto como substantivo quanto pronome indefinido.

Lopes (2003) ainda aponta a incoerência entre as gramáticas normativas ao classificar

a forma a gente que, ora a consideram forma de representação da primeira pessoa, ora como

forma de tratamento, ou como pronome indefinido. Sobre essa última classificação de a gente,

a autora argumenta que, o fato de ter sido herdado do substantivo gente o caráter genérico e

global leva diversos pesquisadores a entenderem como mecanismo de indeterminação do

sujeito.

No entanto, considerando o atual estágio evolutivo de a gente, classificá-la como

pronome indefinido constitui-se um grande equívoco, sendo o mais apropriado considerá-la

como pronome pessoal (LOPES, 2003), ou até mesmo o termo “Índice de Pessoa”, utilizado

por Bagno (2011, p.739), seria mais coerente.

Excetuando a nomenclatura cunhada por Bagno (2011), tem-se então o seguinte

esquema evolutivo: “GENTE [NOME GENÉRICO] → A GENTE [PRONOME

INDEFINIDO] → A GENTE [PRONOME PESSOAL]” (LOPES, 2003, p. 11).

Segundo Lopes (2003, p. 11), a forma a gente também interfere na relação de

concordância entre o sujeito e o verbo, estabelecendo concordância semântica em detrimento

da concordância formal, principalmente nas camadas populares brasileiras. Isto é, entre as

pessoas com pouco ou nenhum grau de instrução formal, ocorrem construções do tipo “a

gente vamos hoje”, “a gente tínhamos de voltar”, em que o falante entende que se trata de si

mesmo e de outras pessoas a ele associado. Além disso, pode ser notado um paralelismo ou

mesmo uma flutuação entre os usos de nós e a gente e a concordância verbo-predicativa.

“Considerar a gente como variante de nós, implica admitir que a forma nós,

tradicionalmente entendida como „plural de eu‟, pode apresentar várias possibilidades de

compreensão...” (BENVENISTE, 1988 apud LOPES, 2003, p. 12), tais como: eu+tu/você,

eu+ele/ela, eu+vós/vocês, eu+eles/elas, eu+todos. De modo que:

33

A forma plural refere-se a um conjunto de pessoas com quem se fala,

admitindo também um valor indeterminado, abrangente, genérico e até

difuso. A diferenciação semântica coaduna-se com uma distinção formal,

uma vez que o sentido expresso e os radicais das formas eu/ nós e tu/vós são

completamente distintos. A introdução de formas você (s)/ a gente ratifica a

ideia de que a pluralização do eu/tu por nós/vós não se processa pela junção

de elementos iguais [...] (LOPES, 2003, p. 12)

A fim de definir o processo diacrônico da gramaticalização da forma a gente, Lopes

(2003), sob a perspectiva funcionalista, aplica os cinco princípios de gramaticalização

(HOPPER, 1991 apud LOPES, 2003), que são:

a) layering (estratificação), que corresponde à coexistência de variantes com a

mesma função gramatical, sendo assim facilmente aplicável ao uso de nós e a

gente, uma vez que a substituição do primeiro pelo segundo não aconteceu,

mantendo dessa maneira uma competição entre as duas formas, no português

falado, conforme pesquisas anteriores (LOPES, 1993, 2003; OMENA, 1996;

LUCCHESI, 2002 e outros);

b) divergência, em que se mantém o item lexical original (substantivo gente);

especialização refere-se às opções de uso da construção gramatical emergente e os

limites a ela impostos, podendo se tornar obrigatório seu uso em determinados

contextos (OMENA, 1996);

c) persistência de traços semânticos originais que permanecem na forma

pronominal, como a referência indeterminadora e genérica do substantivo gente;

d) e, por fim, “estipula que as formas em processo de gramaticalização tendem a

perder ou neutralizar os marcadores morfológicos e os privilégios sintáticos

característicos das formas plenas e assumir os atributos das formas secundárias”

(OMENA & BRAGA, 1996 apud LOPES, 2003, 12-14).

Independente das linhas teóricas que estudaram o percurso da forma a gente no PB,

Lopes (2003, p. 15) considera a “gramaticalização como um subconjunto da mudança

linguística”. Logo, “a gramaticalização ocorreria quando um item lexical se torna, em certas

circunstâncias, um item gramatical ou quando itens gramaticais se tornam ainda mais

gramaticais”:

É como se os elementos lexicais fossem perdendo suas potencialidades

referenciais de representar ações, qualidades e seres do mundo biossocial e

fossem ganhando a função de estruturar o léxico na gramática, assumindo,

por exemplo, funções anafóricas e expressando noções gramaticais como

tempo-modo, aspecto. (LOPES, 2003, p. 16).

34

No entanto, em relação à forma pronominal a gente não houve perda total das

potencialidades referenciais herdadas do substantivo gente como a característica

indeterminadora e genérica, mas por outro lado houve uma “cristalização” quando assume a

função pronominal e já “não poderia mais sofrer expansão ou concordância ou receber

adjetivação ou determinação” (MENON, 1996 apud LOPES, 2003, 17).

A partir disso, busca-se compreender a distinção entre as duas classes gramaticais que

envolvem nesse caso a gramaticalização, ou seja, quais são as características que diferem os

nomes dos pronomes, uma vez que se entende ter havido uma mudança categorial de a gente.

A relação de semelhanças e diferenças entre nomes e pronomes pessoais é melhor explicada

nos seguintes termos de Lopes (2003):

Mas apesar de os pronomes e os substantivos exercerem as mesmas funções

sintáticas (núcleo do sujeito, complementos e sintagmas preposicionados),

há pelo menos uma diferença fundamental em termos de comportamento

sintático: os pronomes, principalmente os pessoais, ao contrário dos nomes,

não podem ser antecedidos por determinantes e funcionam, em geral, como

núcleos isolados no SN (LOPES, 2003, p. 18).

A concepção tradicional de pronomes pessoais, principalmente com relação aos

substantivos, ainda é muito conflitante, tanto no nível sintático quanto no oracional, devido ao

conceito de pronome como substituto do nome, mas se deve fundamentalmente em equipará-

los, pronomes pessoais e nomes, de modo geral sem analisar os grupos e subgrupos de

funções por eles exercidas.

Dentre as especificidades distintivas de nomes e pronomes pessoais, Lopes (2003, p.

28-29) destaca os traços de gênero, pessoa e número: os substantivos variáveis com o traço

[+animado] possuem correspondência de gênero feminino formal [afem] e semântica [aFEM],

já entre os invariáveis há casos de isomorfismo formal e semântico, a exemplo de vaca

[+fem], rei [-fem], pai [-fem]. Porém, se substantivo refere-se genericamente a ambos os

sexos, o gênero semântico é “neutro”, como casos de pessoa [+fem] e [FEM], vítima [+fem]

e [FEM], povo [–fem] e [FEM], multidão [+fem] e [FEM]. O grupo dos substantivos

inanimados não é codificado quanto ao gênero semântico. Assim, Lopes (2003; 2004)

compreende que uma das etapas de gramaticalização da forma a gente se deu a partir da perda

de traço formal e semântico de gênero [+fem] (a gente ficou arrasada [referência exclusiva a

mulheres]) > [fem] (a gente ficou arrasado [referência mista ou exclusiva a homens]).

35

A especificação de pessoas como característica distintiva de nomes e pronomes

pessoais em que se atribui valor positivo [+EU], incluindo o falante, negativo [-EU],

excluindo o falante, e para terceira pessoa, “neutro”, aponta como “não-pessoa”

(BENVENISTE, 1988 apud LOPES, 2003, p. 30), como traço inerente aos pronomes

pessoais. No entanto, a forma gramaticalizada a gente inclui por vezes, tanto o locutor quanto

seu interlocutor, construindo assim o esquema evolutivo: gente [eu, EU] > a gente [eu,

EU].

Já em relação ao traço de número, a autora postula que:

O a gente pronominal designa, mais comumente, um todo abstrato,

indeterminado e genérico, representando o conjunto base “ser–pessoa”,

perdendo, gradativamente, o sentido de “+ de um”. O que reforça a hipótese

do [PL] é que a forma cristalizada a gente, cuja referência conceptual é

uma massa indeterminada de pessoas disseminada na coletividade – com o

eu necessariamente incluído – herdou, justamente, a possibilidade

combinatória com o singular, e não com o plural. Além disso, a gente pode

ser usado por eu. (LOPES, 2003, p. 31)

Lopes (2003) chega à conclusão de que não houve uma mudança de (+) > (-), ou vice-

versa, sugerindo alteração na escala de valor na transição de gente para a gente, que parece ter

ocorrido principalmente nos traços subespecificados.

A autora analisa o processo da gramaticalização da forma a gente, segundo os

postulados da sociolinguística variacionista. A sua pesquisa linguística se dá através de estudo

em tempo real de longa e de curta duração, conjugando os estudos de tendências e painel.

Para análise do tempo real de longa duração, a autora fez uso dos corpora de textos escritos

do século XIII ao XX, priorizando as obras teatrais que reproduzissem características da

oralidade. Já para o estudo em tempo real de curta duração e em tempo aparente foram

utilizadas entrevistas do Arquivo Sonoro da Fala Culta do Rio de Janeiro do Projeto Norma

Linguística Urbana Culta (NURC), com comunidade linguística de dois momentos diferentes,

entre a década de 70 e 90, e também entrevistas gravadas entre 1992 e 1996.

Na primeira análise, Lopes (2003) constatou que a pronominalização de a gente foi

lenta e gradual, uma vez que só foram identificadas ocorrências esporádicas como pronome

no século XVIII, ainda assim com dubiedade interpretativa, tanto como sinônimo de pessoa

quanto de variante de nós. Desse modo, Lopes destaca:

36

Na análise em tempo real de longa duração, confirmou-se a

gramaticalização de a gente que passa, a partir do século XX, a comportar-se

como os outros pronomes pessoais (eu, tu/você, ele/ela), ou seja, torna-se

subespecificado semanticamente quanto ao gênero [FEM], tendendo a

combinar-se com adjetivos no masculino e/ou no feminino, dependendo do

sexo do referente. Quando há o traço de número plural, contudo, a

concordância com o masculino parece ser a mais produtiva, principalmente

nos casos em que o falante se refere a um grupo misto de pessoas ou quando

a referência é genérica. (LOPES, 2003, p. 78)

Em relação à análise dos dados de fala contidos no NURC-RJ, a autora observou que

“a substituição de nós por a gente se está efetivando progressivamente nos últimos 30 anos,

seja entre os falantes cultos, seja entre os não-cultos no Rio de Janeiro” (LOPES, 2004, p. 68).

Em resumo, quanto à trajetória de a gente, observou-se que houve um processo de

gramaticalização lento e gradual com índices de manutenção e inovação em relação a traços

de sua origem nominal. Dessa maneira, houve mudanças na relação gênero e número entre as

formas nominal (gente) e pronominal (a gente), mas a segunda forma manteve o caráter

indefinido e genérico encontrados na primeira, dando, assim, vazão ao uso da forma a gente

como forma de “eu-ampliado”, que vai além de tão somente primeira pessoa do plural ou

plural de “eu”, assumindo de sobremaneira a função de sujeito do enunciado. Ademais, a

inserção da forma a gente no quadro de pronomes pessoais, ainda que as gramáticas não a

descrevam como tal, tem influenciado, ao lado de “você”, na mudança de paradigmas de

relação de sujeito, constituindo-se frutíferos objetos de estudo, no qual esta pesquisa também

se insere.

3.2 ESTUDOS SOBRE NÓS E A GENTE NO PORTUGUÊS BRASILEIRO

Aumentando mais um pouco o zoom da nossa “máquina fotográfica” que retrata o uso

variável de nós e a gente no PB na função de sujeito, podemos observar outras pesquisas

anteriores à nossa com a mesma temática, dentre as quais se destacam Omena (1996), Lopes

(1993) e Lucchesi (2009). Esses três estudos serviram como orientação para nossa pesquisa,

cada um com seus enfoques distintos, mas complementares em si, sendo também utilizados

como base comparativa.

Omena (1996) pelo pioneirismo ao tratar do tema no PB e que muito contribuiu para

nossa pesquisa, esclarecendo, por vezes, as relações entre as variáveis que influenciavam o

37

uso de nós e a gente na função sujeito, a exemplo da escolaridade e da saliência fônica. Lopes

(1993) que na sua dissertação “Nós e A gente no português culto o Brasil” faz um

levantamento detalhado e extenso do uso de nós e a gente na função de sujeito no corpus do

NURC de três capitais brasileiras: Rio de Janeiro, Porto Alegre e Salvador. Ao estudar a fala

culta de Salvador permitiu-nos comparar com a variante popular do PEPP e fazer um retrato

mais “panorâmico” do uso de nós e a gente da fala soteropolitana. E Lucchesi (2009) por

relacionar o uso variável nós e a gente como a representação da primeira pessoa do plural na

função de sujeito com questão étnica, principalmente a contribuição africana na formação do

PB, levando em conta que a cidade de Salvador tem a maior população de afro-brasileiros do

país, foi imperativo considerarmos a relação ou influência africana no uso de nós e a gente.

Dessa maneira, começamos com a descrição analítica do texto “A referência à

primeira pessoa do discurso no plural” (OMENA, 1996), pelo seu pioneirismo, em que a

autora elenca as variáveis linguísticas que influenciam na escolha da variante a gente, nas

diversas funções gramaticais, dando ênfase à função de sujeito da oração, além de lançar a

discussão se o uso frequente de a gente na fala indica ou não uma mudança em curso no PB.

De início autora analisa o binômio 1ª pessoa gramatical/pluralidade do sujeito

preenchido com o uso das formas pronominais, no caso nós e a gente. Também analisou o

não-preenchimento do sujeito, sendo, no PB, permitida a elipse do sujeito da oração. Assim,

Omena (1996, p. 187) descreve a distribuição de nós e a gente, explícito ou implícito, nas

funções além de sujeito:

(7) “Ele já não conhece a gente, fica com medo sabe?” (função de “a gente” –

complemento [objeto direto])

(8) “Uns poucos lá que falam conosco” (função de “conosco” – adjunto adverbial)

(9) “Aí, inclusive, a menina que estaca de plantão nesse dias é amiga da gente”

(função de “da gente” – adjunto adnominal)

(10) “Aí a minha mãe é que vem abrir a porta pra gente” (função de “pra gente” –

complemento [objeto indireto])

(11) “Eles falam bem diferente da gente” (função de “da gente” – complemento

nominal)

(12) “Quem faz a moda é a gente” (função de “a gente” – predicativo do sujeito)

Numa análise sincrônica do PB a autora aponta a identificação da forma a gente com a

primeira pessoa do plural canônico nós, salientando também o valor de impreciso e geral de a

gente. A autora analisa os dados das pesquisas do uso de a gente em oposição a nós no PB,

38

que apontam maior frequência do primeiro em relação ao segundo, tanto na fala dos adultos

quanto das crianças em todas as funções gramaticais.

Mas, como característica dos pronomes pessoais, nós e a gente aparecem mais na

função de sujeito do que de objeto e essas ocorrências podem ser de primeira referência e os

sucessores explícito ou implícito. Omena (1996, p. 194-195) dispõe os dados da seguinte

maneira:

1) 1ª referência,

2) Forma antecedente a gente com referente igual,

3) Forma antecedente a gente com forma diferente,

4) Forma antecedente nós com referente igual,

5) Forma antecedente nós com referente diferente,

6) Forma antecedente zero com desinência verbal de terceira pessoa do

singular com referente igual,

7) Forma antecedente zero com desinência verbal de terceira pessoa do

singular com referente diferente,

8) Forma antecedente zero com desinência verbal de primeira pessoa do plural

com referente igual

9) Forma antecedente zero com desinência verbal de primeira pessoa do plural

com referente diferente

A autora, através dos dados de sua pesquisa, afirma que a probabilidade, numa

sequência discursiva, de se usar a gente é maior quando o antecedente formal for a gente e a

referência for igual a anterior, e vai diminuindo quando muda o referente. O mesmo se aplica

também em relação ao uso de nós, de maneira oposta.

Verifica ainda que antecedente com sujeito zero e verbo conjugado na 3ª pessoa do

singular favorece a forma a gente, e quando o referente for o mesmo. Já para a forma nós o

seu aparecimento é propiciado pela desinência verbal do sujeito nulo –mos, e mesmo

referente.

No entanto, em relação à primeira referência, quando nós / a gente aparecem pela

primeira vez, não pode haver influência do paralelismo sobre a escolha da variante

(probabilidade por volta de .50), o que indica que outros possíveis grupos de fatores

impulsionam a escolha. Mas a partir da escolha da variante a mesma atua no uso das formas

subsequentes.

A saliência fônica entre as formas verbais de 3ª pessoa do singular e 1ª do plural

também influem no aparecimento de a gente, e a menor diferença entre as formas verbais

39

pode favorecer a ocorrência de a gente, ao passo que a maior diferença entre elas pode

favorecer a forma nós. Para chegar a esse resultado, Omena (1996, p. 199-200) analisou os

seguintes fatores:

1) A mesma forma para ambas as pessoas: cantando;

2) Conservação da sílaba tônica e acréscimo da desinência mos: falava/falávamos;

3) Infinitivo com acréscimo da desinência mos: cantar/cantarmos;

4) Deslocamento do acento tônico e acréscimo da desinência mos, incluindo os

verbos de maior ou menor fechamento da vogal pretônica: fala/falamos;

5) Redução dos ditongos finais em vogais, com acréscimo da desinência mos:

cantou/cantamos;

6) Monossílabos tônicos ou oxítonos que passam a paroxítonos, aumento ou não

de mais de uma vogal, maior ou menor fechamento da vogal pretônica, acréscimo

da desinência mos: faz/fazemos;

7) Diferenças fonológicas acentuadas: veio/viemos; é/somos.

A partir disso, Omena pode observar que as formas gerundiais, por não terem flexão

verbal, favoreceram categoricamente a forma a gente. O infinitivo cuja diferenciação entre a

3ª pessoa do singular e a 1ª do plural é pouca favorece também o aparecimento de a gente.

Além disso, trata-se de uma tendência da língua evitar o infinitivo flexionado.

Os aspectos relacionados ao significado gramatical das formas verbais verificados

foram o tempo e aspecto, sendo o último constatado como irrelevante. Por outro lado, em

relação ao tempo verbal a autora verificou que os tempos não marcados e o presente

favorecem a forma a gente, enquanto pretérito e o futuro ao uso de nós.

Outro fator analisado foi a indeterminação e o número de referentes distribuídos em:

1) Grupo grande e indeterminado;

2) Grupo pequeno ou intermediário indeterminado;

3) Grupo grande e determinado;

4) Grupo pequeno ou intermediário determinado.

Em relação ao maior número de pessoas verificou-se a indeterminação como o mais

relevante para o favorecimento da forma a gente, ocorrendo o contrário no que se refere ao

uso de nós. No entanto, com grupos pequenos ou intermediários, determinados ou

indeterminados, ocorre uma neutralização, que indica perda da marca de indeterminação de a

gente.

Quanto aos tipos de discurso, Omena (1996) descreve as narrativas como

favorecedoras da forma nós porque esse tipo de texto é marcado pelo tempo verbal passado,

40

ao passo que as descrições de fatos e eventos, que geralmente têm caráter indeterminado ou

generalizante, impulsionam o uso de a gente.

A pesquisa de Lopes (1993) destaca-se pela riqueza de detalhes e profundidade de

suas análises em relação ao uso de nós e de a gente no português falado culto do Brasil.

Assim, Lopes em sua dissertação de mestrado analisa o uso variável de nós e de a gente

utilizando como corpus 18 arquivos do Projeto NURC do Rio de Janeiro, Porto Alegre e

Salvador1. Dessa maneira, a pesquisa de Lopes constituiu-se de 18 inquéritos de entrevistas

semi-estruturadas, com18 informantes divididos em gênero/sexo, três faixas-etárias (de 25 a

35 anos, de 36 a 55 anos e acima de 55 anos) e região.

A autora também se atém ao aparecimento de nós e a gente na função de sujeito,

devido à sua natureza pronominal, rica e produtiva nessa posição sintática.

Para tanto, admite quatro variantes possíveis dentre as variáveis dependentes, nós e a

gente (LOPES, 1993, p. 33-34):

1. O falante culto utiliza a forma nós explicita, com o verbo na 4ª pessoa

gramatical;

2. Possibilidade de não explicitar a forma nós, usando o verbo com a

desinência na 4ª pessoa gramatical;

3. Emprego da forma a gente explicita com verbo na terceira pessoa gramatical;

4. E uso implícito da forma a gente, com verbo na terceira pessoa gramatical.

A autora ressalta que não houve casos entre os falantes da norma culta das cidades

pesquisadas da forma estigmatizada “nós vai”, assim como o texto não menciona a ocorrência

de usos estigmatizados envolvendo a forma a gente, tal como “a gente vamos”, pressupõe-se

a não existência de tal ocorrência no corpus pesquisado por Lopes. Infere-se, pois, que o

estigma não recai sobre o uso de a gente, e sim sobre os usos de concordância verbal. Isso

vem ao encontro da inserção dessa forma no quadro pronominal do PB, reforçado pela ideia

de erro e de hipercorreção.

Lopes foi muito coerente em sua pesquisa do uso nós e a gente na função de sujeito,

principalmente, em relação às variáveis linguísticas e sociais que julgara serem fatores

condicionantes na escolha do falante. Assim, as variáveis linguísticas investigadas por Lopes

(1993, p. 35-37) foram:

1 Lopes (1993) analisou 369 dados dos corpora da cidade do Rio de Janeiro, 379 dados de Porto Alegre e 972

dados de Salvador. Priorisamos os dados de Salvador como critério de comparação entre os resultados do NURC

e do PEPP.

41

1. referência com três possibilidades: 1ª referência, mesmo referente e outro

referente;

2. determinação de referentes – grupo pequeno (até 4 pessoas), grupo

intermediário (turma ou grupo com mais de 4 pessoas) e grupo grande;

3. marcadores discursivos – operador e não operador;

4. saliência fônica;

5. tipos de oração;

6. orações – desenvolvidas ou reduzidas;

7. tipos de discurso – narrativo, descritivo, argumentativo e outros;

8. tempo verbal;

9. eu-ampliado – eu + você (s), eu + ele (s), eu + você (s) + ele (s);

10. identificação da forma antecedente no paralelismo – primeira referência de

uma série, referência isolada, nós como referente, a gente como referente,

referente com desinência verbal –mos e referente com desinência verbal ;

11. modalização – auxiliares modais (dever, poder, querer, etc), verbos de

opinião ou expressão cristalizada “eu acho” e outros verbos.

Além das seguintes variáveis sociais:

1. Gênero/sexo;

2. Faixa etária;

3. Região.

Todas variáveis supracitadas foram submetidas ao pacote de processamento de dados

do VARBRUL de análise estatística, dos quais Lopes (1993) obteve os seguintes resultados:

de 972 dados do corpora de Salvador, 375 de nós (39%), 333 de a gente (34%), 184 de

sujeito zero com verbo na 4ª pessoa gramatical (19%), 77 de sujeito zero com verbo na 3ª

pessoa do singular (8%). Dessa forma seus dados se constituíram de 562 de sujeito nós

explícito ou não, contra 410 sujeito a gente. Dos 972 dados, 523 foram de mulheres e 449 de

homens, sendo a distribuição etária de 253 de jovens, 333 adultos e 386 idosos.

A autora tomou a forma nós como variante de aplicação de favorecimento ou

desfavorecimento para análise das variáveis selecionadas pelo VARBRUL como mais

relevantes. O resultado das análises da amostra de Salvador apresentou como variáveis

selecionadas, na seguinte ordem: 1º) paralelismo formal; 2º) gênero/sexo; 3º) faixa etária; 4º)

eu-ampliado; 5º) saliência fônica. Foram também analisados pela autora os grupos de fatores

(mudança de referente, gênero discursivo, tamanho de grupo, tempo verbal, oração reduzida

ou desevolvida e tipo de oração).

42

O paralelismo formal, identificado primeiramente por Omena no estudo de nós e a

gente no PB, foi das variáveis selecionadas a que mais se destacou, com ocorrência em todas

as subamostras. Para melhor controlar e analisar essa variável, Lopes (1993, p. 44) considerou

como estruturas paralelas: a) as formas variantes que ocorrem em uma oração imediatamente

anterior; b) as que ocorrem em orações à esquerda, com intercalação de um ou mais sintagmas

ou orações); c) estruturas repetidas idênticas.

Assim, os dados encontrados por Lopes referentes à variável paralelismo formal foram

os seguintes (com valor de aplicação nós): 1) a forma antecedente com a 1ª pessoa do plural

com sujeito com peso relativo (P.R) de .86; 2) com antecedente nós com P.R de .79; 3)

enquanto forma isolada com P.R . 53; 4) Quando a forma se encontra como 1ª referência, a

forma nós com P.R de .50; 5) O uso da forma nós se apresentou, quando precedida pela forma

pronominal a gente, em uma sequência discursiva com P.R. de .10; 6) já com o verbo na 3ª

pessoa do singular com desinência de sujeito , ocorreu com P.R .09.

Ao analisar esses dados, Lopes argumenta que a variável paralelismo formal se

mostrou o fator condicionante mais poderoso, sendo que a ocorrência tanto de nós quanto de a

gente na primeira referência ou isolada se mostrou nula, com pesos relativos próximo a .5.

Isso quer dizer que o falante escolhe qualquer uma das formas pronominais em questão sem

interferências. Ainda, segue a lógica discursiva de que uma forma gera outra forma, na sua

maioria idêntica à anterior, e a ausência de sujeito desencadeia outra ausência. Assim, a

escolha do falante será condicionadora das ocorrências posteriores na cadeia discursiva. Além

disso, a autora notou que, na oração precedida pelo pronome nós, o falante usa,

preferencialmente, o sujeito implícito com verbo terminado em –mos, com elipse pronominal

prevista na língua portuguesa.

A mudança de referência está estritamente relacionada à explicitação ou não do

sujeito, de tal maneira que uma complementa a outra para o entendimento das estratégias

discursivas que o falante utiliza para seguir o encadeamento enunciativo. Desse modo, os

resultados de Lopes para a mudança de referente apresentaram altos índices de ocorrência de

sujeito explícito na primeira referência (84%, com peso relativo .73 para o sujeito nós e 99%,

P.R .80 para o a gente ). Entretanto, a ocorrência de mesmo referente desfavorece a presença

do sujeito (.36 para nós explicito e .27 para a gente ); em virtude disso, o oposto (mudança de

referente) favorece a explicitação do sujeito (.56 para nós explícito e .66 para a gente ). A

respeito dessa variável, Lopes conclui que o falante utiliza o pronome explícito para marcar

sujeito no início do discurso, como estratégia de primeira referencialidade, mas em uma

43

sequência com referente idêntico há preferência pela elipse, ou sujeito implícito, e volta a

representá-lo em circunstâncias em que há mudança de referente.

A saliência fônica também se mostrou relevante na pesquisa de Lopes (1993, p.57):

Entre duas formas niveladas, que se opõem, é mais provável que a

manutenção dessa oposição quando existe, entre elas, uma diferenciação

fônica acentuada. Caso contrário, ou seja, quando for menor essa distinção, há

uma tendência de se neutralizar a oposição e prevalecer o uso de apenas uma

das formas. (LOPES, 1993, p.57)

A partir de uma escala de diferenciação fônica, entre as formas de singular e plural,

Lopes distinguiu os seguintes níveis:

Nível 1, acréscimo apenas de desinência –mos;

Nível 2, diferença também quanto à tonicidade;

Nível 3, monossílabos tônicos ou átonos que, ao receberem a desinência –mos

passam a paroxítonos;

Nível 4, acréscimo de desinência –mos e perda da vogal da terceira pessoa do

singular quando vai para o plural;

Nível 5, grandes diferenças fonológicas entre as formas de singular e plural, além

da desinência (maior saliência fônica);

Nível 6, formas do infinitivo com acréscimo de –mos;

Nível 7, formas de gerúndio (sem desinência de pessoa).

Sobre a variável saliência fônica, Lopes verificou que a maior diferença fônica entre as

formas verbais de singular e plural (níveis 3, 4 e 52) favoreceu a ocorrência do pronome nós

com P.R de .65 (nível3) e .77 (nível 4 e 5), enquanto que a menor diferenciação (níveis 1 e 2)

favoreceu a forma a gente. O nível 7, gerúndio, foi considerado irrelevante com apenas 4

ocorrências. Ao passo que o nível 6, do infinitivo impessoal, favoreceu o uso de a gente .

O “eu-ampliado”, assim denominado por Benveniste (1988 apud LOPES, 1993, p. 64),

pode englobar o “eu” (locutor), o “não-eu” (interlocutor) e as outras pessoas do discurso

definidas ou indefinidas (alia); essa variável foi, por Lopes, subdividida em: aspecto inclusivo

[+ determinado] – abrangendo o eu (emissor) e o não-eu (receptor), correspondendo a

eu+você (s); aspecto exclusivo [+ ou – determinado] – abrangendo o emissor e outro alguém

que não é o interlocutor e que está fora do momento da enunciação, corresponde a eu+ele/ela

2 Lopes (1993) considerou como mais altos na escala da saliência fônica os níveis 4 e 5 no tempo verbal do

pretérito perfeito. Logo, a autora toma esses níveis como apenas 1 nível.

44

ou eles/elas (não-pessoa); e aspecto genérico [–determinado] – o emissor (eu), o receptor

(não-eu) e outras pessoas (não-pessoa), equivale a eu+você (s) +ele/ela ou eles/elas.

Assim, com intuito de observar se o aspecto genérico favoreceria o uso de a gente,

pela sua natureza indeterminada, em oposição a nós em que o referente é mais restrito, Lopes

(1993, p. 68) verificou nos dados as seguintes hipóteses por ela confirmadas na sua pesquisa:

1) o falante utiliza mais a forma nós para se referir a ele mesmo e mais o

interlocutor (eu+não-eu; eu+você .66 e eu+vocês);

2) e quando se refere a eu+não-pessoa (eu+ele/ela, .87 e eu+eles/elas, .60);

3) Mas quando o falante amplia a referência, indeterminando-a, passa a favorecer o

uso da forma a gente. (eu+você(s)+ele(s)/ela(s), .35);

O tempo verbal foi outro fator que se mostrou significativo na pesquisa de Lopes, cuja

probabilidade maior de uso da forma nós ocorreu com os seguintes tempos: pretérito perfeito

(.90), futuro do subjuntivo (.84), imperfeito do subjuntivo (.58), e o futuro do pretérito do

indicativo (.61). Já o presente do indicativo, que pode indicar ações diversas com conotações

temporais amplas, equivalendo ao tempo não-marcado, favorece o uso de a gente (.60).

Houve favorecimento da forma a gente com os verbos no infinitivo (.65) e no gerúndio (.75).

Não obstante, a autora esclarece que a relação entre verbo e pronome é fruto da interferência

de outros fatores como: saliência fônica, gênero discursivo e determinação dos referentes

agindo de modo interdependente.

A modalização serve para o falante se posicionar ao que anuncia com maior ou menor

grau de comprometimento com o que é dito. A partir da hipótese de que o falante, ao

empregar os auxiliares modais com a gente e expressões de opinião tenderia a favorecer o uso

de nós, Lopes analisa dois recursos de modalização opostos: 1) auxiliares modais do tipo

poder, querer, dever, etc utilizados para diminuir a responsabilidade do falante em relação ao

seu discurso; e 2) os verbos ou expressões de opinião. E, tal como previsto, houve

favorecimento de nós em expressões de opinião (.92) e os auxiliares modais favoreceram a

gente (.69).

Além das variáveis linguísticas citadas ainda foram consideradas relevantes por Lopes

as seguintes variáveis: gênero discursivo e tamanho do grupo. No gênero discursivo foram

considerados textos narrativos, argumentativos e descritivos, sendo que a autora aponta para o

favorecimento do uso de nós em narrativas e de a gente na descrição. Assim, Lopes (1993, p.

80) mostrou que “As pequenas narrativas encontradas em nossas gravações correspondem a

fatos ou acontecimentos da experiência vivencial do locutor, envolvendo pessoas específicas

do seu convívio pessoal, sendo, por isso, evidente a preferência pelo pronome nós”. Nos

45

trechos descritivos “o falante assume uma postura generalizante, indeterminada”, com fatores

condicionantes de a gente.

No que tange ao tamanho do grupo (grande, intermediário e pequeno), a conclusão dos

dados levantados por Lopes (1993, p. 88) é que “...o uso de a gente é maior quando o falante

se reporta a grupo grande de pessoas, com referencia [-determinada]. Por outro lado, quando

o referente é [+determinado] e explícito (grupos pequenos e intermediários], o falante utiliza

preferencialmente a forma nós”.

Os fatores sociais estudados por Lopes foram gênero/sexo, faixa etária e região

geográfica. Sobre o primeiro fator a autora concluiu que “as frequências indicam que, entre as

mulheres, 51% das ocorrências foram de a gente contra 49% de nós. Entre os homens, tem-se

69% de ocorrências de forma nós contra 31% de a gente” (LOPES, 1993, p. 103).

A faixa etária, também selecionada como fator significante, apresentou frequência

equivalente nas faixas 2 (69%) (P.R .61) e 3 (68%) (.60) que indicam que os adultos e idosos

empregam a forma nós (padrão), enquanto que os jovens utilizam menos com apenas (29%)

(.21) e último nós (69%).

E, por fim, analisando a variável região, com grupos da fala de habitantes do Rio de

Janeiro, Salvador e Porto Alegre os resultados foram os seguintes; o uso da forma padrão nós

em Salvador (63%) (.66), Porto Alegre (72%) (.60), e Rio de Janeiro com (41%) (.31). Logo,

os falantes de nível universitário pesquisado pelo NURC na cidade do Rio de Janeiro utilizam

mais a forma inovadora a gente.

Lopes (1993, p. 129-130), a respeito das tendências dos usos de nós e de a gente no

português falado culto do Brasil concluiu que:

a) Numa sequência discursiva a forma a gente ocorre quando precedida de outra

forma a gente ou verbo na terceira pessoa do singular sem sujeito explicito. O

mesmo acontece com o pronome nós que tende a se repetir no paralelismo

discursivo;

b) Há a diferenciação no emprego de nós e a gente em relação a uso mais restrito

ou mais genérico;

c) Os tempos verbais não-marcados e o presente favorecem o uso de a gente:

formas com traço [– saliente], enquanto o futuro e pretérito perfeito e os tempos do

subjuntivo favorecem a presença de nós: formas com traço [+saliente];

d) Os falantes jovens empregam mais a forma a gente e os falantes idosos a

forma nós;

e) As mulheres tendem a usar mais forma a gente do que os homens;

f) O Rio de Janeiro é a cidade onde mais se usa o sujeito a gente, enquanto em

Porto Alegre e Salvador o emprego de nós é bem mais frequente.

46

Também consideramos relevante o estudo de Lucchesi (2009), que versa sobre a

representação da primeira pessoa do plural na função de sujeito, nós e a gente, na fala de

moradores de comunidades afro-descendentes do recôncavo baiano, principalmente em se

tratando de português popular brasileiro. A pesquisa se enquadra nos pressupostos da

sociolinguística variacionista e foi realizada entre 1992 e 2012, estruturada conforme as

variáveis sociais (comunidade, sexo, faixa etária, escolaridade e estada fora da comunidade) e

linguísticas (nível de referencialidade, paralelismo discursivo e tipo de texto).

Nessa pesquisa, Lucchesi (2009) discorre sobre os resultados e análises das

ocorrências da forma inovadora a gente, no PB, enquanto encaixamento linguístico e social da

variável dependente. Dessa forma, observou-se a variável referencialidade, em relação com a

especificidade e indeterminação, de acordo com os fatores: a) eu + (você (s) + ele

[+específico]; b) eu + [+/-específico]; indeterminação circunscrita [-específico];

indeterminação universal [- específico]. Observou que o uso da variante a gente predomina

em contextos de indeterminação, remetendo à ideia de coletividade, e o uso de nós em

contextos referenciais mais específicos, de forma genérica.

O paralelismo discursivo também foi uma variável analisada. Desse modo, na pesquisa

de Lucchesi verificou-se o paralelismo de primeira referência, referência anterior feita por a

gente ou forma verbal não marcada e referência anterior feita por nós ou forma verbal

marcada, na qual constatou a forte influência do paralelismo discursivo na variação do

pronome de primeira pessoa do plural do PB, obedecendo à regra de que marca resulta em

marca. Logo, verbo marcado com plural formal favoreceu o uso de nós, enquanto que com

verbo não-marcado houve o predomínio da variante a gente.

A variável tipo de texto estruturado pelo autor se constitui de fatores como: texto

argumentativo; texto descritivo e texto narrativo, em que os textos argumentativos e

descritivos apresentam mais frequência do a gente, pela sua natureza semântica de menor

especificidade e generalização, e os textos narrativos, pelo seu caráter específico e de fatos

particulares que implicam no uso mais frequente da variável nós.

Em relação às variáveis sociais levantadas na pesquisa sobre a implantação de a gente

nas comunidades estudadas, verificou-se que na variável faixa-etária, analisada conforme a

relação de tempo aparente, o uso de a gente é maior entre a faixa mais jovem, decaindo até a

mais velha, indicando uma gradação etária, pois, embora a implementação do a gente esteja

ocorrendo de forma acelerada, estudos demonstram que se encontra em situação de variação

estável, com cada vez menos resistência à forma inovadora no PB.

47

A escolaridade pode contribuir tanto para implantação da forma inovadora quanto para

manutenção da forma canônica. Dessa maneira, se configura como conservadora padrão nós

nas séries iniciais para as crianças, enquanto que adultos mais escolarizados usam com maior

frequência a forma a gente. No entanto, nas comunidades estudadas, constatou-se que quem

frequentou mais a escola utiliza mais a gente, porque essa variante é a que está em uso nos

centros urbanos, segundo Lucchesi (2009).

A variável comunidade, constituída por localidades rurais afro-brasileiras do

Recôncavo Baiano, a saber, Sapé, Helvécia, Barra e Cinzento, mostram distribuição diatópica

em que, na primeira, a forma a gente se encontra em processo de substituição da forma

conservadora praticamente concluída, na segunda e terceira comunidades em situação mais

avançada, mas a última ainda se mantém com o uso de nós. O autor considera a hipótese de

que a situação de contato entre as línguas tenha favorecido a implantação de a gente como a

primeira pessoa do plural, devido ao adiantamento do processo estar mais acentuado no PB

em comparação com o português europeu.

Lucchesi (2009) conclui que as pesquisas sobre o uso do pronome de primeira pessoa

do plural nas comunidades rurais afro-brasileiras do recôncavo baiano não diferem muito de

outras pesquisas realizadas sobre o PB.

Em suma, tendo essas três pesquisas descritas, temos tanto uma visão em foco dos

estudos da atual situação de uso variável de nós e a gente na função de sujeito quanto uma

panorâmica. Esses estudos são distintos entre si, porém complementares e importantes para a

presente pesquisa. Omena (1996) pelo seu pioneirismo nos estudos sociolinguísticos da

variável em questão, Lopes (1993) por ser a mais detalhista em suas análises da variável e por

incluir os falantes da cidade de Salvador em sua investigação da fala culta do PB. E Lucchesi

(2009) pelo seu estudo de abordagem étnico e social, principalmente em relação à importância

dos afro-descendentes na formação do PB. Embora essas três pesquisas sirvam como base a

este estudo, não são as únicas que serão citadas, especialmente em níveis comparativos, e

serão retomadas em capítulos posteriores.

48

4. METODOLOGIA

A metodologia utilizada nesta pesquisa segue os pressupostos teórico-metodológicos

da sociolinguística variacionista laboviana (LABOV, [1972] 2008), (BRIGHT, 1974), (GUY

e ZILLES, 2007), (SILVA-CORVALÁN, 2001), para análise do uso variável de nós e a gente

na função de sujeito no corpus do Programa de Estudos sobre o Português Popular Falado de

Salvador - PEPP.

Silva-Corvalán (2001) descreve dois métodos de seleção de amostra de falantes:

técnicas de amostra ao acaso; e seleção intencionada. Ambos os métodos foram aplicados

nessa pesquisa, sendo o primeiro uma coleta ao acaso de 12 informantes do quadro de 48

informantes do PEPP (Quadro 1), coletados em Salvador. O método empregado correlaciona

fatores linguísticos e extralinguísticos; desses últimos, os que são estudados com mais

frequência nas pesquisas sociolinguísticas são: faixa etária, gênero, escolaridade.

A análise dos dados, nessa vertente da linguística, engloba basicamente duas etapas: a

análise qualitativa, obrigatória, e a análise quantitativa, que depende do objetivo da

investigação. Da análise qualitativa decorre a identificação do fenômeno que se pretende

estudar; levantamento de hipóteses sobre o fenômeno; identificação da distribuição e

ocorrência do fenômeno; exame da ocorrência no corpus estudado. Ao passo que a análise

quantitativa implica a análise do fenômeno nos dados examinados, codificação de cada

ocorrência no corpus; quantificação e tratamento estatístico por meio do pacote

computacional e interpretação dos resultados.

O paradigma sociolinguístico é voltado para a descrição e explicação de certos usos

linguísticos variáveis característicos de uma comunidade de fala que, no caso desta pesquisa,

centra-se na variação de nós e a gente como sujeito no português popular de Salvador.

4.1 DELIMITAÇÃO DO CORPUS DO PEPP

O corpus desta pesquisa foi extraído do Programa de Estudos sobre o Português

Popular Falado de Salvador, PEPP, constituído entre 1998 e 2000, sob a orientação da

professora doutora Myrian Barbosa da Silva, tendo a coordenação da profa. Norma da Silva

Lopes, e como pesquisadoras as professoras Constância Maria Borges de Souza e Emília

49

Helena Portella Monteiro de Souza, na época as três eram doutorandas da Universidade

Federal da Bahia. A pesquisa teve o apoio da Universidade do Estado da Bahia, por meio do

Departamento de Ciências Humanas e da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação.

A fala de Salvador já tinha sido registrada na década de setenta com o projeto Norma

Urbana Culta (NURC / SSA), que coletou o português falado por pessoas com nível

universitário, tendo como material constituinte entrevistas da fala culta de Salvador, objeto de

estudo em dissertações, teses e outros trabalhos acadêmicos. Havia a necessidade de amostra

com outros níveis de escolaridade, dessa forma, o PEPP preencheu essa lacuna: se constituiu

por 48 inquéritos com falantes de níveis de escolaridade Fundamental e Médio (11 anos de

estudo), representando a massa popular, 24 homens e 24 mulheres soteropolitanas, em 4

faixas-etárias (de 15 a 24 anos, 25 a 35, 45 a 55 e de 65 anos em diante).

Para esta pesquisa foram selecionados aleatoriamente 12 inquéritos dos 48 inquéritos

que constituem o PEPP, estratificados em gênero / sexo, idade (apenas três faixas-etárias de

15 a 24 anos, 25 a 35 e de 65 anos em diante), e escolaridades fundamental (de 1 a 4 anos) e

ensino médio (11 anos de escolarização).

4.2 DESCRIÇÕES DAS VARIÁVEIS E HIPÓTESES

4.2.1Descrição da Variável dependente

A presente pesquisa considerou a variável dependente – uso alternado de nós e a gente

na função de sujeito – ocorrendo tanto de forma explícita quanto implícita. Em concordância

com pesquisas anteriores já citadas, considera-se cada elipse, como repetição do pronome

anterior em uma cadeia discursiva, embora sejam marcadas com o símbolo vazio (Ø). Deste

modo, são registradas seis possibilidades de ocorrência:

1) o falante usa o pronome sujeito a gente explícito ou

2) o implícito com o verbo flexionado na 3ª pessoa do singular, exemplos (1) e (2):

(1) Hoje não vê, é muito raro. A gente tinha boneca, Ø fazia batizado. (INQ

Info. 01, MULHER, FAIXA 4, FUNDAMENTAL)

50

(2) É, quando a gente estava esperando a prova chegar, aí Ø ficava, “opa,

fiscal”, aí começava aquela festa... . (INQ Info. 04, HOMEM, FAIXA 1,

MÉDIA)

3) sujeito nós explícito com o verbo na 1ª pessoa do plural, exemplos (3) e

(4):

(3) Feira de ciências, gincanas, eh, passeios pra observatórios, tem o de Feira

de Santana que nós, que nós fomos, no segundo ano que (...inint...). (INQ

35, HOMEM, FAIXA 1, MÉDIA)

(4) Nós não tínhamos condições de... (INQ Info. 29, MULHER, FAIXA 2,

FUNDAMENTAL)

ou

4) sujeito nós implícito com o verbo na 3ª pessoa do singular, exemplo (5):

(5) [...] eu já acho que a, a vida de hoje melhor do que a nossa, melhor em

um ponto, porque no outro ponto nós tinha mais liberdade, Ø tinha mais

saúde, e hoje em dia não se vê isso, não se vê isso. (INQ 35, HOMEM,

FAIXA 4, FUNDAMENTAL)

ou

5) sujeito nós implícito com verbo na 1ª pessoa do plural, exemplos (6) e

(7):

(6) DOC: Hum, quantos irmãos você tem?

Ø Somos dez comigo. (INQ 09, HOMEM, FAIXA 2, FUNDAMENTAL)

(7) Simples, uma escola simples, Ø estudávamos, na sala tinha uns trinta e

cinco alunos, era uma escola simples, que não tinha eh, brin, eh não tinha

aqueles brinquedos, não tinha aquelas escorregadeiras [...](INQ 09,

MULHER, FAIXA 2, FUNDAMENTAL)

A forma a gente + verbo no plural, não foi encontrada na amostra, tão pouco o

pronome nós com concordância não canônica do verbo com desinência –mo (OLIVEIRA,

2007). No entanto, da forma ainda estigmatizada nós+verbo no singular foram encontradas

poucas ocorrências.

Foi retirada da amostra uma ocorrência em que a forma nós, claramente, foi induzida

pelo documentador, configurando uma repetição da fala do documentador, saindo assim do

vernáculo, conforme exemplos (8):

51

(8) DOC: É, então não vamos lembrar não, não vamos lembrar não.

INF. 29: Ø Vamos pular essa parte. (INQ 21, MULHER, FAIXA 2,

MÉDIA)

Também foram retiradas da amostra as frases com estrutura cristalizada, como as

seguintes (9) e (10):

(9) Ano passado teve três acampamentos que o meu pai não deixou eu ir,

porque, por causa do namorado, ele não, vamos dizer assim... (INQ

03, MULHER, FAIXA 1, MÉDIA)

(10) Então eu não sabia nem o que seria digamos aquela, eu não, não

sabia que a temperatura caía um grau para cada seis metros. (INQ 14,

HOMEM, FAIXA 4, MÉDIA)

Do mesmo modo que ocorrem em construções com suspensão do pensamento ou

correção, como no exemplo (11).

(11) Meus irmãos foram, meus irmãos chegaram a, a ter até o ginásio e tudo,

teve até que se, alguns até que se formaram, mas a gente , nós não. (INQ 03,

MULHER, FAIXA 1, MÉDIA)

Tem-se como hipótese principal de que haverá preferência ao uso da forma a gente na

função de sujeito em relação ao nós no português popular falado em Salvador indicando

mudança em progresso muito mais acentuada do que ocorre na variedade culta. Isso se deve,

em grande parte, pela falta de estigma da forma a gente no PB, atestada desde a década de 80,

conforme Omena (1993) e Lopes (2004). Contudo, estigma e prestígio são conceitos

essencialmente sociais, mas a variação do uso de nós e a gente no PB popular envolve

questões linguísticas e sociais.

Consideramos nessa pesquisa, para a sistematização e descrição da variação de nós e a

gente, as variáveis independentes em quatro grupos de fatores linguísticos e três grupos de

fatores extralinguísticos (ou sociais), controlados e resumidos no quadro baixo:

Quadro 1: Grupos de fatores controlados

GRUPO DE FATORES

Linguísticos Extralinguísticos

1. Saliência Fônica 1. Gênero/sexo

2. Paralelismo ou forma antecedente 2. Faixa etária

3. Inclusão do eu 3. Escolaridade

4. (In) determinação do sujeito

Para análise quantitativa dos dados foi necessário estabelecer códigos para as variáveis

o que está detalhado no Quadro 2:

52

Quadro 2: Códigos de Variáveis

CÓD. VARIÁVEL

DEPENDENTE

CÓD. VARIÁVEIS INDEPENDENTES

Gênero/sexo

N Nós H Masculino

A A gente M Feminino

Faixa Etária

1 Faixa etária 1 (15-24 anos)

2 Faixa etária 2 (24-35 anos)

4 Faixa etária 4 (de 65 anos para cima)

Escolaridade

P Ensino básico (apenas fundamental 1)

S Ensino médio (secundário ou colegial)

Paralelismo formal

a Antecedente A GENTE

n Antecedente NÓS

z Antecedente zero com verbo na 1ª pessoa do plural

Inclusão do Eu

K Eu; Eu ou uma pessoa qualquer

W Duas ou três pessoas (eu+uma pessoa ou eu+duas pessoas)

Y Grupo intermediário (eu+grupo restrito)

X Grupo grande (eu+todo mundo)

Saliência Fônica

T Conservação da sílaba tônica e acréscimo da desinência –mos:

falava/ falávamos

I Infinitivo com acréscimo da desinência –mos: cantar/

cantarmos

D Deslocamento do acento tônico e acréscimo da desinência

mos: fala/falamos

R Redução dos ditongos finais em vogais, com acréscimo da

desinência mos: cantou/ cantamos

m Monossílabos tônicos ou oxítonos que passam a paroxítonos e

acréscimo da desinência mos: faz/fazemos

d Diferenças fonológicas acentuadas: veio/viemos; é/somos

(In) determinação do Sujeito

0 Indeterminação completa do pronome

1 Indeterminação parcial do pronome com um elo de referência

explícito no contexto

2 Indeterminação parcial com um elo de referência implícito

3 Forma com referência determinada

Os exemplos para o detalhamento das variáveis independentes são recolhidos do

corpus em estudo, ou seja, dos doze inquéritos selecionados do PEPP de Salvador, conforme

o quadro a seguir.

53

Quadro 3: Distribuição dos Inquéritos do PEPP

Idade Escolarização Gênero/Sexo

Homem Mulher

F1 15 a 24 anos Fundamental PEPP 18 PEPP 43

Médio PEPP 04 PEPP 03

F2 25 a 35 anos Fundamental PEPP 09 PEPP 29

Médio PEPP 13 PEPP 21

F4 de 65 anos em diante Fundamental PEPP 35 PEPP 01

Médio PEPP 14 PEPP 25

4.2.2 Saliência Fônica

A saliência fônica, grupo de fatores introduzido por Naro & Lemle (1977 apud

LOPES, 1993) e verificada em outras pesquisas (NARO; SCHERRE, 2007; LOPES, 1993,

1996, 2004; OMENA, 1996, et alli), é assim referida por LOPES (1996, p. 131): “Entre duas

formas niveladas, que se opõem, é mais provável a manutenção dessa oposição quando existe,

entre elas, uma diferenciação fônica acentuada”. Isso significa dizer que é provável que

quanto maior for o nível de diferenciação entre as formas verbais de singular e plural, haverá

maior probabilidade de ocorrência de nós em relação à forma a gente. A partir da divisão de

níveis de saliência fônica definidos por Lopes (1993), foram definidos nesta pesquisa os

seguintes níveis:

Nível 1, acréscimo apenas de desinência –mos:

(13) É, a gente briga muito... (INQ 29, MULHER, FAIXA 2,

FUNDAMENTAL)

(14) Tudo normal, os vizinhos é, que nós moramos em São Gonçalo nós

saíamos e íamos pra lá... (INQ 35, HOMEM, FAIXA 4, FUNDAMENTAL)

Nível 2, difere em quanto a tonicidade:

(15) A gente brincava muitos, brincava muito. A minha mãe mesmo,

quando ela era adolescente, ela empinava arraia. . (INQ 01, MULHER,

FAIXA 4, FUNDAMENTAL)

(16) Ah, vou contar uma, tem, eh, tinha uma vez né, brincávamos, você

conhece Itapoan? (INQ 09, HOMEM, FAIXA 2, FUNDAMENTAL)

54

Nível 3, monossílabos tônicos ou átonos que, ao receber a desinência –mos,

passam a paroxítonos:

(17) [...] A gente tem que bater, a gente tem que castigar, tem que proibir

alguma coisa. (INQ 01, MULHER, FAIXA 4, FUNDAMENTAL)

(18) [...] a educação, que não incentiva o jovem ao trabalho, também isso aí

influencia negativamente, é por isso que temos um número de pessoas muito

grande por parte de crimes né. (INQ 13, HOMEM, FAIXA 2, MÉDIA)

Nível 4, acréscimo de desinência –mos e perda da semivogal da terceira pessoa do

singular em oposição à primeira pessoa do plural, ou seja, redução do ditongo:

(19) Que eu dei um murro embaixo nele, aí pegou no lugar indevido, aí na,

na volta, que soou o gongo, aí na volta do, da, do descanso, a gente foi fazer

luva de novo... (INQ 18, HOMEM, FAIXA 1, MÉDIA)

(20) É isso, aí resultado, ele deixou e tudo, aí pronto, fomos namorar na

porta e tudo até aí estava ótimo né... (INQ 21, MULHER, FAIXA 2,

MÉDIA)

Nível 5, quando há incidência de grandes diferenças fonológicas entre as formas

de singular e plural:

(21) 09: Mas como a gente é uma pessoa que não pode fazer muita coisa...

(INQ 09, HOMEM, FAIXA 2, FUNDAMENTAL)

(22) DOC: Hum, quantos irmãos você tem?

INF. 09: Somos dez comigo. (INQ 09, HOMEM, FAIXA 2,

FUNDAMENTAL)

Nível 6, formas do infinitivo com acréscimo de –mos:

(23) “...meu irmão, bula naquele ali, que é pra nós pegarmos ele pra dar

bordoada” (INQ 35, HOMEM, FAIXA 4, FUNDAMENTAL)

Nível 7, corresponde as formas de gerúndio:

(24) É, era menor. Antigamente porque era uma casa perto da outra e tudo, a

gente estando na rua, de frente lá de casa no caso minha mãe, meu pai ficava

observando sempre a gente no caso entendeu? (INQ 21, MULHER, FAIXA

2, MÉDIA)

55

(25) ...aí batia, “não sei que lá”, aí a gente escrevendo, aí errava, aí ela

batia. (INQ 04, HOMEM, FAIXA 1, MÉDIA)

A hipótese levantada é que a forma verbal mais saliente é um fator condicionante para

a preferência pelo falante do pronome nós em relação à forma a gente. Ou seja, imagina-se

que se entre as formas verbais envolvidas na variação houver maior diferenciação entre

singular e plural, haverá maior a possibilidade de escolha do nós, ou o contrário em se

tratando da forma a gente.

4.2.3 Paralelismo Formal

A variável forma antecedente ou paralelismo formal foi apontada como fator relevante

no uso de nós / a gente como sujeito (OMENA, 1998; LOPES, 1993, 1996). Nesse grupo de

fatores, imagina-se que pode haver manutenção de uma mesma forma em uma sequência

discursiva, modificando-a quando o referente também modificar. Ou conforme Lopes (1993,

p. 42): “É como se o falante „optasse‟, num processo cognitivo, por repetir a mesma forma

enquanto mantém o mesmo referente, ao passo que mudará quando o referente for outro”.

Partindo da nossa hipótese de que, quando o falante utiliza nós ou a gente no início de

uma sequência discursiva, mantém essa primeira forma empregada, analisamos os fatores, já

estudados por Omena (1998) e Lopes (1993):

1. Primeira referência numa sequência:

(26) ...eu era mocinha, né, nós saíamos, íamos pra cinema... (INQ 01,

MULHER, FAIXA 4, FUNDAMENTAL)

(27) E muito, e muito. Porque naquela época que a gente morava lá na, lá

no Tancredo, a gente dormia com a porta aberta [...] (INQ 35, HOMEM,

FAIXA 4, FUNDAMENTAL)

2. Forma isolada:

(28) Encontro mas a raiva já passou já, agora a gente é amigo, eu acho.

(INQ 03, HOMEM, FAIXA 1, FUNDAMENTAL)

56

(29) Não nesse grupo mas em outro grupo, que é o grupo dessa minha prima,

que ela ensina coreografia também na igreja, aí nós duas criamos, fazer

coreografia eu só fiz com ela, que ela tem um grupo lá também. (INQ 03,

MULHER, FAIXA 1, MÉDIA)

3. Forma antecedente a gente:

(30) É, quando a gente estava esperando a prova chegar, aí Ø ficava, “opa,

fiscal... (INQ 04, HOMEM, FAIXA 1, MÉDIA)

(31) [...] dizer assim normal porque a gente começa a ver as dificuldades no

colégio, a gente estuda, estuda, estuda, consegue alguma coisa aí relaxa mais

um pouco [...] (INQ 03, MULHER, FAIXA 1, MÉDIA)

4. Forma antecedente nós:

(32) Nós fizemos, Ø tínhamos um plano, um dia fazer uma casa pra gente

morar [...] (INQ 09, HOMEM, FAIXA 2, FUNDAMENTAL)

(33) (...inint...) Está muito pior, não sei não minha filha, hoje eu acho que eu

não dava pra ensinar não, agora que a liberdade está, essa mesma estava num

colégio, nós tiramos por causa de tanta liberdade que o colégio... ela estava

fazendo prova levantava e ia ali perguntava aquela, levantava, ninguém fala

nada, e se, se a coordenadora reclamar com ela vai, como é, o diretor chama

atenção porque não tem que reclamar com a criança, e aí nós retiramos e

(...inint...) [...] (INQ 25, MULHER, FAIXA 4, MÉDIA)

5. Forma antecedente zero com desinência verbal de 3ª pessoa do singular:

(34) Ø fazia tipo uma casinha, um circo e ali a gente tinha, tinha que cercar

o circo... (INQ13, HOMEM, FAIXA 2, MÉDIA)

(35) [...] Só isso, mas não teve nada, mas isso porque a gente mesmo que

provocava, Ø abusava né, aí cansava, o pessoal de fora ficava jogando

pedra né, pela janela aquela coisa toda. (INQ 21, MULHER, FAIXA 2,

MÉDIA)

6. Forma antecedente zero com desinência verbal de 1ª pessoa do plural (ou

quarta pessoa) com referente igual:

(36) [...] aí pronto, aí ficamos, Ø ficamos dois anos, depois nós nos

separamos... (INQ 29, MULHER, FAIXA 2, FUNDAMENTAL)

(37) [...] contou a gente, sabia, aí pegou, demos, tomamos uma surra, aí eu

fiquei, eu e C... Ø tomamos uma surra, não foi fácil, “agora vocês vão tomar

banho”, quando nós voltamos [...](INQ 35, HOMEM, FAIXA 4,

FUNDAMENTAL)

57

4.2.4 Inclusão do eu

Para fins desta pesquisa, o tamanho do grupo e a inclusão do eu (que foram analisados

separadamente por diversos autores) serão amalgamados em um único grupo, conforme

sinaliza Oliveira (2008, p. 82): “visto que o objetivo é o mesmo: saber se há diferença na

escolha do pronome sujeito quando a referência é restrita (uma ou duas pessoas) ou mais

ampla (um grupo grande)”.

Desse modo, os estudos de Omena (1998) da fala de pessoas pouco escolarizadas, e de

Lopes (1993) com a fala culta, chegaram a resultados semelhantes em relação à variável

inclusão do eu e tamanho do grupo. Nessas pesquisas, ao referir-se a grupo grande e

indeterminado, o falante faz uso de a gente, enquanto que, se o grupo é grande e determinado,

a preferência é pelo uso de nós, demonstrando um resquício do caráter indeterminado da

forma originária gente. Entretanto, grupos pequenos indicam neutralização, ou perda gradual

de indeterminação pela forma a gente.

1. Eu; Eu ou uma pessoa qualquer:

(38) Na minha adolescência eu não ia pra bar, nós íamos passear no porto...

(INQ 01, MULHER, FAIXA 4, FUNDAMENTAL)

No exemplo (38), observa-se que o falante refere a si mesmo ao relatar fatos de sua

adolescência.

(39) Ou por dia o que, por semana, então cada semana ela dá um tema e nós

fazemos, aí pronto, aí Ø leva pra casa, faz e dá na, lá na recepção e pronto,

(...inint...). (INQ 04, HOMEM, FAIXA 2, MÉDIA)

Já no exemplo (39), o falante refere-se a um grupo de alunos que frequentam cursos

pré-vestibulares (no qual ele está inserido), que tinham como tarefa escrever redações para

que fossem corrigidas pelo professor. Ou seja, poderia se tratar tanto do eu do informante,

quanto qualquer outro aluno. Observa-se, por sua vez, que o falante utilizou as formas nós

(explícito) e a forma pronominal a gente (implícito), quase que indistintamente no mesmo

turno de fala.

58

2. Duas ou três pessoas (eu + uma pessoa ou eu + duas pessoas):

(40) Eu não lembro assim especificamente porque mas ele batia muito

quando a gente brigava, eu e minha irmã, quando a gente era pequena, que

a gente brigava muito, até agora mudou né, mas antigamente ele batia

quando a gente brigava, agora não. (INQ 03, MULHER, FAIXA 1,

MÉDIA)

No exemplo (40) tem-se o fator eu + uma pessoa, que no caso do inquérito, envolve a

informante e sua irmã enquanto ainda eram crianças.

(41) Aí Ø tiramos a roupa dela e jogamos dentro do cansanção, eu, eu, C... e

F... (INQ 35, HOMEM, FAIXA 4, FUNDAMENTAL)

O recorte (41) descreve a formação eu + duas pessoas no qual o informante relata que

se juntou com mais dois meninos de sua idade para armar uma situação constrangedora contra

a menina que bateu no informante-interlocutor, jogando uma planta que causa coceira ao

entrar em contato com a pele.

3. Grupo intermediário (eu + grupo restrito):

(42) É, quando a gente estava esperando a prova chegar... (INQ 04,

HOMEM, FAIXA 2, MÉDIA)

O grupo intermediário pode ser verificado no exemplo (42), pois o falante está se

referindo ao grupo de alunos que frequenta o mesmo curso pré-vestibular.

(43) Praia do Forte, e ano, esse ano teve de história pra conhecer (...inint...)

quatrocentos e cinquenta anos de Brasil, conhecer a visão assim de Salvador,

a visão marítima, a gente pegou uma escuna aí fomos pra Ilha dos Frades

[...] (INQ 03, MULHER, FAIXA 1, MÉDIA)

O mesmo ocorre no exemplo (43), no qual o falante se refere somente a um grupo de

alunos em excursão à Ilha dos Frades, logo, restringindo o grupo ao qual pertence.

4. Grupo grande (eu + todo mundo):

(44) São coisas que, que mais, por mais que a gente queira ensinar uma

criança como, como a gente era antes a televisão já ensina totalmente

diferente. (INQ 03, MULHER, FAIXA 2, FUNDAMENTAL)

59

No exemplo (44) a informante revela no seu discurso um tom mais abrangente e, por

seu turno, genérico, em que, no trecho “por mais que a gente queira ensinar uma criança”, não

só inclui a si mesma como também se refere a todos que têm filhos ou que se preocupam com

a educação das crianças.

(45) Hoje, hoje, ultimamente nós estamos vivendo pior do que passarinho...

(INQ 35, HOMEM, FAIXA 4, FUNDAMENTAL)

Por fim, quando se trata de grupo grande, como no recorte (45), a natureza abrangente

e genérica retorna.

Portanto, busca-se, nesta pesquisa, verificar as tendências de uso da forma pronominal

no preenchimento a gente na função de sujeito e a relação entre as pessoas referenciadas na

situação discursiva que envolve mais pessoas do que o alocutor e o alocutario, que Benveniste

(1988 apud LOPES, 1993) convencionou chamar de “eu ampliado”. Logo, tem-se a hipótese

de que o falante, ao referir-se às pessoas de um grupo grande e indeterminado, tende a usar

mais a gente.

4.2.5 (In) Determinação do sujeito

As formas nós e a gente também são utilizadas para indeterminar a referência. De

acordo com Cunha (2004, p. 128 apud OLIVEIRA, 2008), há quatro tipos de (in)

determinação:

1) Indeterminação parcial do pronome com um elo de referência explícito no

contexto:

(46) [...] porque antigamente a gente batia, botava de castigo, não é, prendia,

não vai... (INQ 01, MULHER, FAIXA 4, FUNDAMENTAL)

No trecho (46), em que a informante opina sobre a educação familiar da atualidade e

da sua geração, a forma a gente não traz informação precisa sobre a quem se refere quando

diz “a gente batia”. A indicação sobre o referente está contida no advérbio “antigamente”,

pois o locutor faz distinção entre dois grupos separados no tempo. Isto é, ao propor a oposição

entre as pessoas de uma época anterior com as da atualidade, o falante se insere em um grupo

60

e não no outro (no caso, o falante pertence a gerações anteriores a atual). Logo, “antigamente”

é o elo referencial de determinação do sujeito pronominal.

2) Indeterminação parcial do pronome com um elo de referência implícito no

contexto:

(47) [...] a gente pegou uma escuna aí fomos pra ilha dos Frades [...] (INQ

03, MULHER, FAIXA 1, MÉDIA)

No exemplo (48), o elo de referência não está explicitado no contexto, mas fora dele.

Porque a forma a gente carece de informações para que se saiba qual ou quais sujeitos da

comunidade de fala estão referidos no discurso. Assim, no contexto anterior a esse a

informante traz a informação de que ele e um grupo de estudantes fazem passeios educativos

(o eu - ampliado) e dessa vez foi à ilha dos Frades, revelando assim o sujeito implícito no

contexto.

3) Indeterminação completa do pronome

(49) Eh, quando a gente se reúne, que está todo mundo junto assim... (INQ

03, MULHER, FAIXA 1, MÉDIA)

No exemplo (49) a forma a gente indetermina completamente o sujeito do enunciado,

a ponto de não ter certeza sobre qual ou quais pessoas a que a informante se refere quando “A

gente se reúne”. Ou seja, não se sabe quantas pessoas e quais as situações.

4) Forma com referência determinada

(50) Aí né, eu, meu irmão e mais dois colegas Ø fomos brincar lá por perto

[...] (INQ 09, HOMEM, FAIXA 1, FUNDAMENTAL)

Por fim, no exemplo (50), a referência determinada dá para que se entenda que, a

forma nós está implícita pela marca Ø, mas, o informante explica que estão inseridos no

discurso ele, seu irmão e mais dois colegas, que foram brincar.

O caráter indeterminado de a gente (que não se perdeu no processo de

gramaticalização a qual a forma sofreu) leva à hipótese de que o seu uso deve ser maior em

61

contextos mais indeterminados, ao passo que a forma nós seja frequente com o sujeito

determinado.

4.2.6 Gênero/Sexo

As diferenças entre homens e mulheres no uso da língua vão além do plano lexical e

refletem a representação de cada gênero em uma sociedade (PAIVA, 2003). Assim, tomando

como exemplo o uso de formas linguísticas mais inovadoras, podem ser encabeçada tanto por

homem quanto por mulheres a depender do contexto em que cada gênero está envolvido

socialmente. Isso mostra a interdependência do agente gênero/sexo e os papéis que cada um

desempenha no processo de socialização.

No que concerne à interação da variável gênero/sexo na mudança linguística, Labov

([1978] 2008), sobre o inglês de Nova York, verificou que, quando se tratava de implementar

na língua uma forma de prestígio, as mulheres tendiam a assumir a liderança da mudança,

contudo quando os homens lideravam a implementação de uma variante desprestigiada as

mulheres tendiam para o conservadorismo.

Portanto, as funções pré-determinadas socialmente para homens e mulheres numa

dada comunidade linguística interferem no uso da variante padrão ou não quando sugerem à

forma um arcabouço de status social. Assim sendo, consideramos como hipótese que as

mulheres lideram o uso da forma inovadora a gente, uma vez que essa variante não é

estigmatizada, enquanto os homens utilizam a forma mais conservadora nós.

4.2.7 Faixa Etária

O fator idade influi sobre o uso de variantes linguísticas, contudo isto não significa

implementação sistêmica e cronológica de mudança, ou seja, com o passar do tempo, a

variação não necessariamente representa, por parte dos falantes, a assimilação das formas

mais inovadora, podendo haver coexistência entre as duas (NARO, 2003).

A correlação entre a variável faixa-etária e a mudança linguística tem como base a

corrente clássica que postula o fim da aquisição da linguagem até a puberdade, isto é, aos

62

quinze anos. Dentro desta perspectiva, admite-se o estudo da mudança em tempo aparente em

escala obtida através do estudo de falantes de idades distintas, o que pode explicitar uma

“gradação etária”, não correspondente ao estudo da mudança em tempo real.

A dicotomia tempo aparente versus tempo real se apresenta tal qual a saussuriana

langue versus parole. Não obstante, pesquisas nacionais e internacionais apontam, assim

como Coseriu, na sua divisão tripartida, para uma terceira hipótese: o indivíduo muda com o

tempo sem atingir o estágio dos falantes mais velhos atuais, mas, por sua vez, vai ao encontro

da deriva, excedendo esta marca e, desta maneira, implementando a mudança.

Ao trabalhar a faixa etária, dividida em Faixa 1 (15 a 24 anos), Faixa 2 (25 a 35 anos)

e Faixa 4 (acima de 65 anos), temos como hipótese que os mais jovens utilizem a forma a

gente, ao passo que os mais velhos utilizam a forma nós.

4.2.8 Escolaridade

A variável escolaridade é apontada como um dos fatores sociais que influenciam no

uso de nós e a gente, pelo caráter normativo-prescritivo da instituição escolar, em relação aos

usos linguísticos (OMENA, 1996). Assim sendo, consideramos como fatores de análise da

variável escolaridade duas etapas do ensino básico brasileiro: o ensino fundamental (da

primeira à oitava série) e ensino médio (as três séries finais do ensino básico).

A relação entre a variável escolaridade e mudança linguística dá-se sob dois vieses de

ação da primeira sobre a segunda: o da promoção e o da censura corroborando para o

nivelamento da norma padrão (VOTRE, 2003).

Votre (2003) estabelece distintas correlações das dinâmicas sociais na interação língua

e escolaridade; a primeira distinção dá-se entre a forma variante de prestígio e da norma

relativamente neutra, como se a neutralidade da linguística fosse possível. A segunda, por sua

vez, relaciona o fenômeno socialmente estigmatizado e o que é imune a tal estigma. A

terceira, por seu turno, aponta os fenômenos que sofrem a ação normativa da escola e aqueles

que lhe escapam à normatização.

Ainda Votre (2003) afirma que as formas socialmente prestigiadas, cujos usuários

gozam de status econômico e social, concorrem para que estas sejam utilizadas na literatura

oficial e se convertam em língua padrão sancionadas pelas gramáticas normativas, por

conseguinte, devem ser ensinadas, aprendidas e internalizadas no processo escolar. Por outro

lado, as realizações que fogem a variante padrão são estigmatizadas, alvo de críticas.

63

ridicularizadas e marginalizadas pelos círculos sociais, tidos como cultos. Por isso, cabe à

escola agir como inquisitora a extirpar o mau uso da linguagem que se supõe vernácula.

No entanto, em relação à forma a gente existe um contracenso, pois essa forma de

pronome pessoal, oriunda de um processo de gramaticalização, mas que já está inserida no

quadro pronominal do PB desde o século XIX, amplamente difundida na fala dos brasileiros,

incluindo os falantes da norma culta, não se apresenta como variante a ser extirpadas, pelas

gramáticas ou livro didático e muito menos aparece para ser combatido ensinado nas escolas e

livros didáticos. (LOPES, 1993; OMENA, 1996).

Apesar de a variável escolaridade interferir no domínio das formas cultas e no

abandono total ou parcial das formas estigmatizadas, a homogeneização do comportamento

social se concretiza na correlação com outras variáveis extralinguísticas e no

compartilhamento do valor do capital simbólico da comunidade discursiva.

64

FOTOGRAFIAS: RESULTADOS

À revelia do que diz o senso comum, que “uma imagem vale mais que mil palavras”,

entendemos que a imagem não “diz tudo por si só”, pois necessita que se a interprete e a

interpretação, inevitavelmente, é feita por/em/com palavras. Assim, neste capítulo

apresentamos um book do uso de nós e a gente no português popular falado em Salvador com

os dados do corpus do PEPP – SSA, comparando os achados, principalmente com os

resultados com os dados do NURC – SSA (LOPES, 1993) e (NASCIMENTO, 2013).

Dos 453 dados de nós e a gente, nos inquéritos, 216 dados são dos homens e 237 das

mulheres; 136 da faixa etária 4 (acima de 65 anos), 137 da faixa 1 (dos mais jovens) e 180 dos

adultos de faixa 2 (de 25 à 35 anos). De escolaridade Fundamental foram 254 dados, enquanto

que da Média, 199.

A análise geral das amostras dos inquéritos do PEPP cujo fator de análise escolhido foi

a variante nós por que fora a mesma utilizada nas pesquisas de Lopes (1993) e Nascimento

(2013) o que favoreceu e facilitou a comparação entre essas pesquisas e a nossa, selecionou

cinco variáveis como relevantes no uso de nós e a gente na função sujeito (paralelismo

discursivo, indeterminação do sujeito, saliência fônica, faixa etária e escolaridade) que serão

analisadas. Contudo, as outras variáveis não-selecionadas na análise geral também serão

posteriormente analisadas. Essa seção se inicia, fazendo uma análise apenas da variável

dependente, no geral dos dados (uso de nós e a gente) apresentada na Tabela abaixo:

Tabela 1: Frequência do uso de Nós / A gente PEPP

PRONOME N. OCOR. / TOTAL FREQUÊNCIA

Nós 109 /453 24%

A gente 344 /453 76%

Significância .016

Gráfico 1: Uso de Nós / A gente PEPP

65

Na Tabela 1 e Gráfico 1, observa-se que o uso do pronome a gente supera e muito o

uso de nós no português popular de Salvador, sendo nós três vezes menor, dos 453 dados, em

109 se utiliza o nós como sujeito contra 344 de a gente, tendo frequência de 76% de a gente

contra 24% de nós.

Esse resultado é muito diferente de outras pesquisas, em termos de frequência de uso

de nós, se aproximando de Lopes (1993), que pesquisou a mesma variável na norma culta de

Salvador, no qual a autora verificou que 63% utilizavam o nós contra 37% de a gente. E em

pesquisa recente (NASCIMENTO, 2013), ainda com a fala culta soteropolitana, foram

obtidos os resultados de frequência de uso de 51,80% para nós e 48,20% para a gente. Essa

comparação pode ser mais bem observada na Tabela 2 e Gráfico 2 (somente com as

frequências):

Tabela 2: Frequência do uso de Nós / A gente em NURC-SSA-LOPES; NURC-SSA-NASCIMENTO;

PEPP

PRONOME NURC-SSA-LOPES NURC-SSA-NASCIMENTO PEPP

Nós 63% 51,8% 24%

A gente 37% 48,2% 76%

Gráfico 2: Frequência do uso de Nós / A gente em NURC-SSA-LOPES; NURC-SSA-NASCIMENTO;

PEPP

É necessário esclarecer que o resultado obtido por Lopes (1993) se refere ao corpus

NURC de Salvador, embora a autora tenha pesquisado também as cidades do Rio de Janeiro e

de Porto Alegre. Nascimento (2013), por sua vez, realizou sua pesquisa com os corpora de

duas décadas do NURC-SSA, 70 e 90. A presente pesquisa trata de um corpus completamente

diferente dos outros dois, observa-se uma frequência de nós inferior às duas primeiras, o que

sugere uma maior difusão da forma inovadora a gente entre as camadas populares de

Salvador.

66

5.1 VARIÁVEIS SELECIONADAS

Nesta seção, faz-se a análise e a interpretação das variáveis selecionadas pelo

VARBRUL como relevantes para a escolha do pronome nós, explícito ou não, na função de

sujeito.

As variáveis selecionadas na rodada geral pelo VARBRUL estão dispostas e

analisadas de acordo com a ordem de relevância apontadas pelo mesmo programa

computacional.

5.1.1 Paralelismo Formal

Essa variável observa a tendência de se repetir uma forma em uma sequência

discursiva. Omena (1996) argumenta que a probabilidade de o falante escolher nós ou a gente

na primeira referência é a mesma, no entanto, depois de feita a escolha, essa será decisiva para

o uso na sequência. Ou seja, se a forma nós for a primeira referência, é provável que essa se

repita na segunda e demais referências discursivas.

Na presente pesquisa a variável paralelismo foi considerada relevante para o uso de

nós, sendo os fatores mais favorecedores o “antecedente nós” com frequência de 68% e Peso

Relativo (P.R.) .86, e o “antecedente zero com verbo na primeira pessoa do plural” com

frequência de 95% e P.R .98. Já os fatores que menos favoreceram foram “antecedente zero

com verbo na terceira pessoa do singular” sem nenhuma ocorrência e “antecedente a gente”

com 7% de frequência (.27) como mostra a Tabela 3 e Gráfico 3.

Tabela 3: Condicionamento do paralelismo formal no uso de Nós PEPP.

PARALELISMO N. OCOR. /

TOTAL

FREQUÊNCIA P.R.

a - Antecedente A GENTE 11/151 7% .27

n - Antecedente NÓS 26/38 68% .86

z - Antecedente zero com verbo na 1ª pessoa do plural 21/22 95% .98

TOTAL 58/211 27%

Significância .016

67

Gráfico 3: Condicionamento do paralelismo formal no uso de Nós PEPP.

Tabela 4: Condicionamento do paralelismo formal no uso de Nós NURC-LOPES e PEPP

PARALELISMO NURC-SSA (P.R.) PEPP (P.R.)

a - Antecedente A GENTE .10 .27

n - Antecedente NÓS .79 .86

z - Antecedente ZERO com verbo na 1ª pessoa do plural .86 .98

Gráfico 4: Condicionamento do paralelismo formal no uso de Nós NURC e PEPP

Na Tabela 3 e Gráfico 3 observa-se que os resultados dessa variável, a partir de dados

do PEPP estão em acordo com os dados de Omena (1996) do corpus censo, pois mostra que o

antecedente nós favorece sequências com nós, da mesma maneira ocorre com a forma a gente,

de forma inversa. Os dados do PEPP, em relação à variável paralelismo, concordam também

com Lopes (1993) que pesquisou o NURC (ver Tabela 4 e Gráfico 4).

Ao comparar a pesquisa de Lopes (1993) com os dados do PEPP, pode-se verificar

que na primeira a forma antecedente com a 1ª pessoa do plural com sujeito zero teve peso

relativo de .86 no NURC, enquanto no PEPP foi e .98. Já com antecedente nós foi de .79 no

NURC. A probabilidade de ocorrência da forma nós figurar quando foi precedida pela forma

68

pronominal a gente em uma sequência discursiva foi de .10 de peso relativo no NURC, no

PEPP, por seu turno, foi de .46.

Os resultados da análise dos corpora (NURC e PEPP) foram concordantes e coesos

entre si, embora houvesse pequena diferença numérica nas frequências e pesos relativos entre

eles. As semelhanças entre a pesquisa de Lopes (1993) e esta começam pelo fato de, em

ambos os estudos, a variável ter sido selecionada como relevante na rodada geral dos dados e

primeira também, pois o mesmo não ocorreu com a investigação de Nascimento (2013).

Diante disso, os resultados a que se chegou com os dados do PEPP corroboram com outras

pesquisas (OMENA, 1996), (LOPES, 1996) e (NASCIMENTO, 2013), no que se refere ao

paralelismo, o falante tende a manter a mesma forma pronominal usada na primeira referência

nas referências subsequentes. O fator antecedente zero com verbo na primeira pessoa do

plural favorece o uso de nós enquanto o antecedente na terceira do singular favorece o

aparecimento da forma a gente, nesta pesquisa, mas este fator não foi observado na pesquisa

de Nascimento (2013).

5.1.2 (In) determinação do sujeito

A segunda variável linguística selecionada pelo VARBRUL foi a (in) determinação do

sujeito, na qual as formas nós e a gente também são utilizadas para indeterminar a referência.

Foram considerados quatro tipos de (in) determinação (CUNHA, 2004, p. 128 apud

OLIVEIRA, 2008), que foram exemplificados e explicado com os dados do corpus do PEPP:

(i) Indeterminação parcial do pronome com um elo de referência explícito no contexto;

(51) “Cabeçudo”, aí ba, aí batia, “não sei que lá”, aí a gente escrevendo, aí

errava, aí ela batia (INQ 04, HOMEM, FAIXA 1, MÉDIO)

No exemplo (51) o elo de referência contextual explícito é o adjetivo “cabeçudo”,

pessoa de pouca inteligência, utilizado em ambiente escolar, logo, a compreensão de que o

pronome de “a gente escrevendo”, remete a qualquer aluno de uma sala de aula em que havia

agressão física por parte do professorado no alunado.

69

(ii) Indeterminação parcial do pronome com um elo de referência implícito no

contexto;

(52) É, perigoso fica porque a gente fica visado também.(INQ 18, HOMEM,

FAIXA 1, FUNDAMENTAL)

No exemplo (52) a forma a gente não explicita os sujeitos inseridos no contexto,

sendo, portanto, necessário buscar o contexto anterior para seu entendimento. No caso do

contexto de (52), o contexto anterior ao mesmo mostra que se tratava de um grupo de jovens

que se envolve em brigas e acaba ficando “visado”, ou seja, ficam sendo mais observados até

de forma preconceituosa.

(iii) Indeterminação completa do pronome;

(53) [...] Realmente quando a gente sai de um, de um stress daquele o

negócio é, é, é da pesada. (INQ 14, HOMEM, FAIXA 4, MÉDIO)

Em relação ao exemplo (53), o pronome a gente é totalmente indeterminado e não

distingue o sujeito discursivo.

(iv) Forma com referência determinada:

(54) Não nesse grupo mas em outro grupo, que é o grupo dessa minha prima,

que ela ensina coreografia também na igreja, aí nós duas criamos... (INQ 03,

MULHER, FAIXA 1, MÉDIO)

Ao contrário do exemplo (53), completamente indeterminado, o exemplo (54) tem a

forma determinada utilizando a forma nós, no qual o trecho “aí nós duas criamos”, já se sabe

que são duas pessoas, primas entre si, e que fazem coreografia para igreja.

Após a exemplificação e explicação dos tipos de (in) determinação do sujeito, segue a

análise dessa variável, que permite verificar a permanência do caráter indeterminado de a

gente, levando em consideração a hipótese de que o seu uso deve ser maior em contextos mais

indeterminados, ao passo que a forma nós deve ser frequente com o sujeito determinado.

70

Tabela 5: Condicionamento da (in) determinação do sujeito no uso de Nós PEPP.

(IN) DETERMINAÇÃO DO SUJEITO N. OCOR./TOTAL FREQ. P.R.

0 - Indeterminação completa do pronome 19/143 13% .43

1 - Indeterminação parcial do pronome com um elo

de referência explícito no contexto

15/113 13% .32

2 - Indeterminação parcial do pronome com um elo

de referência implícito no contexto

25/84 30% .67

3 - Forma com referência determinada 50/113 44% .64

TOTAL 119/453 24%

Significância .016

Gráfico 5: Condicionamento da (in) determinação do sujeito no uso de Nós PEPP.

Na Tabela 5e Gráfico 5, pode-se verificar que o fator que mais favorece ao uso de nós

é “indeterminação parcial do pronome com o elo de referência implícito no contexto” (.67),

seguido (mas muito próximo) pela “forma com referência determinada” (.64). Já o fator

menos favorecedor do uso de nós como sujeito foi “indeterminação parcial do pronome com o

elo de referência explícito no contexto” (.32), na sequência “indeterminação completa do

pronome” (.43).

O resultado demonstrado na Tabela 5 corrobora nossa hipótese de que quanto mais

determinada for a referencialidade do sujeito, maior a probabilidade de uso de nós, devido, em

grande parte, à manutenção do traço inicial mais indeterminado da forma a gente.

5.1.3 Saliência Fônica

A variável saliência fônica se apresentou no quarto lugar no que diz respeito ao

condicionamento do uso de nós no PEPP, de acordo com a rodada geral do VARBRUL, e a

terceira entre as variáveis linguísticas.

71

Scherre (apud NARO; SCHERRE, 2007) mostra a relação entre a saliência fônica dos

elementos singular e plural e a presença de marcas: há uma tendência a apresentar mais marca

formal de plural em sintagmas com mais saliência. A variável saliência fônica no uso de nós

no PB popular se mostrou relevante na primeira rodada geral da amostra do PEPP. Buscou-se,

então, verificar a hipótese de que o maior grau de saliência fônica favoreça o uso da forma

nós (marca formal de plural), enquanto que o menor nível favoreça o uso de a gente nos

resultados do PEPP, dispostos a seguir na Tabela 6 e Gráfico 6.

Tabela 6: Condicionamento da saliência fônica no uso de Nós PEPP.

SALIÊNCIA FÔNICA N.OCOR./TOTAL FREQ. P.R.

T - Conserva tonicidade e mais desinência –mos 34 /237 14% .35

I - Infinitivo c/ acréscimo da desinência –mos 3/10 30% .48

D - Deslocamento de tonicidade e acréscimo de –mos 22/86 26% .68

R - Redução dos ditongos, com acréscimo de –mos 38/63 60% .78

m - Monossílabos com acréscimo da desinência –mos 8/39 21% .53

d - Diferenças fonológicas acentuadas 4/12 33% .64

TOTAL 109/447 24%

Significância .016

Gráfico 6: Condicionamento da saliência fônica no uso de Nós PEPP.

Como se pode observar na Tabela 6 e Gráfico 6, os dados do PEPP confirmam a nossa

hipótese de que o maior nível de saliência fônica leva à forma nós. O fator redução dos

ditongos com acréscimo de desinência –mos (cantou/cantamos) foi o que teve maior

probabilidade de favorecimento de nós (.78), acompanhado por “deslocamento do acento

tônico e acréscimo da desinência –mos, incluindo os verbos de maior ou menor fechamento da

vogal pretônica” (fala/falamos) com de peso relativo .68, em seguida o fator “diferenças

fonológicas acentuadas” (veio/viemos; é/somos) com (.64). Ainda sobre as “diferenças

fonológicas acentuadas”, embora se esperasse que esse fator por ser mais saliente,

72

apresentasse maior probabilidade de uso de nós na função sujeito, não ocorreu na amostra de

dados do corpus do PEPP, ademais, tal fator se mostrou favorecedor ao uso de nós apenas na

terceira posição. Em vista disto, ressaltamos que o número pequeno de dados, como no caso

da amostra do PEPP levantados e analisados nesta pesquisa (foram 12 inquéritos dos 48 que

compõe o corpus PEPP), podem levar a resultados não que não permitem generalizar a esse

respeito.

Já os fatores “monossílabos tônicos ou oxítonos que passam a paroxítonos, aumento ou

não de mais de uma vogal, maior ou menor fechamento da vogal pretônica, acréscimo da

desinência –mos (faz/fazemos) com (.53) e “infinitivo com acréscimo da desinência –mos”

(cantar/cantarmos) com (.48), foram considerados de favorecimento nulo devido à

proximidade com o peso relativo nulo (.50). O fator “infinitivo com acréscimo da desinência

–mos”, por sua vez, por apresentar poucos dados, mostrou um peso relativo mais alto do que

o previsto embora seja menos saliente. O fator menos favorecedor do pronome nós,

consequentemente favorece a forma a gente , foi “conservação da sílaba tônica e acréscimo da

desinência –mos (falava/falávamos) com peso relativo .35, o fator com menor saliência

fônica.

Os resultados do PEPP em relação à variável saliência fônica estão em parte de acordo

com os de Lopes (1993) em que a forma mais saliente favorece o uso de nós como sujeito do

discurso distribuídos em níveis: 1- acréscimo de desinência –mos (.38); 2 - difere quanto a

tonicidade (.37); 3 - monossílabos tônicos ou átonos que, ao receber a desinência –mos

passam a paroxítona (.65); 4 - acréscimo de desinência –mos e perda da vogal da terceira

pessoa do singular quando vai para o plural (.77); 5 - apresenta maior saliência fônica, porque

há grandes diferenças fonológicas entre as formas de singular e plural (.77); 6 - formas do

infinitivo com acréscimo de –mos (.26), conforme Tabela 7.

Tabela 7: Condicionamento da saliência fônica no uso de Nós NURC-LOPES e PEPP

SALIÊNCIA FÔNICA NURC-LOPES

(P.R.)

PEPP-SSA

(P.R.)

T - Conserva tonicidade e mais desinência –mos .38 .35

I - Infinitivo com acréscimo da desinência –mos .26 .48

D - Deslocamento de tonicidade e acréscimo de –mos .37 .68

R - Redução dos ditongos, com acréscimo de –mos .77 .78

m - Monossílabos com acréscimo da desinência –mos .65 .53

d - Diferenças fonológicas acentuadas .77 .64

73

Gráfico 7: Condicionamento da saliência fônica no uso de Nós NURC-LOPES e PEPP

Na Tabela 7 e no Gráfico 7 pode-se fazer a comparação entre os resultados obtidos no

NURC (LOPES, 1993) e o PEPP, no que se refere à variável saliência fônica como fator de

influência sobre o uso de nós na função de sujeito discursivo. Nela verifica-se que há certo

grau de equivalência de resultados, entre NURC (LOPES, 1993) e o PEPP, que apontam

como fatores da saliência fônica que mais favorecem o uso de nós foram “redução dos

ditongos, com acréscimo de –mos” e “diferenças fonológicas acentuadas”, níveis 4 e 5

respectivamente (LOPES, 1993), com pesos relativos (.77) e (.77) no NURC, e (.78) e (.65)

no PEPP. Também encontra-se equivalência no fator “conservação da tonicidade e mais

desinência –mos”, no nível 1, nos dois corpora com peso relativos de .38 no NURC (LOPES,

1993) e .35 no PEPP, respectivamente, como desfavorecedores do uso da forma nós.

Em relação ao fator “monossílabos com acréscimo da desinência –mos”, nível 3,

houve divergência de resultados entre os corpora, pois esse fator se apresentou como

favorecedor do uso de nós no NURC (LOPES, 1993) com peso relativo de .65, enquanto no

PEPP, mostrou-se como nulo com peso de .53.

Ainda o nível 6 aparece entre as discrepâncias entre as duas pesquisas. A divergência

entre o NURC (LOPES, 1993) e o PEPP em relação à influência do nível 6 (infinitivo com

acréscimo da desinência –mos) foram tanto em valores de pesos relativos (.26 no NURC e .

48 no PEPP), quanto de posição quanto ao favorecimento ou não do uso de nós na função de

sujeito (o primeiro como desfavorecedor de nós no NURC e segunda posição com

favorecimento nulo no PEPP). Mas o que se pode notar que, enquanto no NURC (LOPES,

1993) o nível 6 é o que mais interfere para o não uso de nós como sujeito, no PEPP tal fator é

apenas o segundo no mesmo critério, se aproximando da influência nula com P.R de .48.

Entretanto, a maior diferença dos resultados do NURC (LOPES, 1993) e o PEPP, em

relação à variável saliência fônica foi o fator “deslocamento da tonicidade e acréscimo de

74

desinência –mos” que no NURC (LOPES, 1993) obteve um peso relativo de .37 de

desfavorecimento de uso de nós, enquanto que no PEPP o peso relativo foi de .68

favorecendo o uso de nós. É sabido que o deslocamento de sílaba tônica é um dado mais

saliente em relação, por exemplo, de “infinitivo e acréscimo de –mos”, logo o resultado do

PEPP mostrou-se mais coerente neste sentido do que Lopes (1993). Vale ressaltar que na

pesquisa de Lopes (1993), a autora relacionou estritamente a saliência fônica com tempo

verbal, além de optar por descrever a saliência em níveis de elemento salientes.

Portanto, consideramos coerente em muitos aspectos os resultados e análises da nossa

pesquisa do PEPP com o NURC estudado por Lopes (1993), no que se refere à saliência

fônica como variável influente no uso variável de nós e a gente na função sujeito. Embora

tenha havido diferenças entre as duas pesquisas, devido em parte ao número de dados

comparados entre elas, sendo no PEPP 453 dados contra 1.720 do NURC (972 dados de

Salvador), confirma-se a hipótese de que elementos com maior saliência fônica favorecem o

uso de nós, ao passo que o contrário favorece a forma a gente na posição de sujeito.

5.1.4 Faixa etária

A faixa etária, também variável selecionada pelo programa, pode apresentar indícios

de mudança em curso ou coexistência entre as duas variantes (NARO, 2003). Por

conseguinte, iniciaremos a seguir a análise dessa variável no corpus do PEPP descrita na

Tabela 8 e Gráfico 8.

Tabela 8: Condicionamento da faixa etária no uso de Nós PEPP.

FAIXA ETÁRIA N. OCOR/TOTAL FREQUÊNCIA P.R.

F1 – 15 a 24 anos 12/137 9% .19

F2 – 25 a 35 anos 46 /180 26% .64

F4 – acima de 65 anos 51 /136 38% .67

TOTAL 109/453 24%

Significância .016

75

Gráfico 8: Condicionamento da faixa etária no uso de Nós PEPP.

As três faixas etárias estudadas no corpus do PEPP apresentaram uma gradação do uso

do nós em que os mais velhos têm uma frequência maior (38%) e peso relativo .67, a faixa

etária intermediária (26%) e .64 e os mais jovens muito menos (9%) e P.R. .19.

Não é possível fazer uma correlação direta dessa variável com outras pesquisas

(OMENA, 1996), (LOPES, 1993), (LUCCHESI, 2009), (NASCIMENTO, 2013) porque não

há correlações precisas entre as faixas etárias. Contudo, pode-se verificar que há semelhanças

entre o estudo de Lopes (1993) com o NURC de Salvador em que os jovens usam forma a

gente (.68) e mais velhos a forma nós (.75). Nascimento (2013), também, mostrou que os

mais velhos utilizam a variável nós (.69) enquanto entre os mais jovens o seu uso cai para .31.

Observou-se também que há diferenças muito grandes em relação aos pesos relativos de uso

de nós como pronome-sujeito entre os mais jovens nas três pesquisas supracitadas, uma

trajetória descendente que parte do NURC-SSA (LOPES, 1993) com peso relativo de .68,

depois NURC-SSA (NASCIMENTO, 2013) com .31 e, finalmente, o PEPP, com .19,

indicando um crescimento do uso de a gente em detrimento de nós entre os mais jovens, tanto

na variante culta quanto popular, sendo nesta última em grau mais acentuado (ver Tabela 9 e

Gráfico 9).

Tabela 9: Condicionamento da faixa etária no uso de Nós em NURC-SSA-LOPES, NURC-SSA-

NASCIMENTO e PEPP.

FAIXA ETÁRIA NURC-LOPES NURC-SSA-NASCIMENTO PEPP

Mais velhos .75 .69 .67

Mais jovens .68 .31 .19

76

Gráfico 9: Condicionamento da faixa etária no uso de Nós em NURC-SSA-LOPES, NURC-SSA-

NASCIMENTO e PEPP.

As pesquisas apresentam resultados esperados entre si quando se trata do uso de nós /

a gente segundo o fator idade.

5.1.5 Escolaridade

A variável social escolaridade foi selecionada como relevante para ocorrência de

pronome nós na função de sujeito, também apontada em pesquisas anteriores (OMENA,

1996; LOPES, 1996; NASMENTO, 2013; LUCCHESI, 2009) como uma das mais influentes.

No presente estudo foram considerados dois níveis de escolarização: 1) Fundamental, do 1º ao

9º ano do ensino fundamental (fundamental ciclo 1 e 2); e 2) Média, que corresponde aos três

anos do ensino médio da educação básica. Assim, os resultados podem ser observados na

Tabela 10 e Gráfico 10:

Tabela 10: Condicionamento da escolaridade no uso de Nós PEPP.

ESCOLARIDADE N. OCOR / TOTAL FREQUENCIA P.R.

P - Ensino Fundamental 76/254 30% .58

S - Ensino Médio 33/199 17% .40

TOTAL 109/453 24%

Significância .016

77

Gráfico 10: Condicionamento da escolaridade no uso de Nós PEPP.

Os dados do PEPP mostraram que a escolaridade fundamental favorece mais o uso de

nós (.58), enquanto que na média usa-se mais a forma a gente (.86). Acredita-se que a

variável escolaridade não revela tudo quando analisada isoladamente, sendo, portanto,

necessário o cruzamento e correlação com outras variáveis sociais, assim como escolaridade e

gênero, para se ter uma visão mais panorâmica do fenômeno em estudo.

No entanto, ao fazer o cruzamento entre as variáveis amalgamando-as em

escolaridade + gênero, por meio do programa do pacote computacional VARBRUL, em

segunda rodada de dados do PEPP, não foi selecionada a variável resultante da junção da

escolaridade e do gênero. Assim apresentamos a análise dos resultados da interseção de

escolaridade + faixa etária. Essa variável que reúne a escolaridade e a faixa etária foi

selecionada como relevante para o uso de nós na posição de sujeito.

Tabela 11: Condicionamento do efeito da escolaridade e faixa etária no uso de Nós PEPP.

Escolaridade

F1 F2 F4

N. Ocor.

/ Total

Freq. P.R. N. Ocor.

/ Total

Freq. P.R. N. Ocor.

/ Total

Freq. P.R.

P -

Fundamental

0/100 0% .0 38/90 42% .70 38/78 49% .71

S - Médio 12/51 24% .38 8/90 9% .26 13/58 22% .43

Significância .007

Gráfico 11: Condicionamento do efeito da escolaridade e faixa etária no uso de Nós PEPP.

78

Analisamos os resultados apresentados na Tabela 11 e Gráfico 11 da variável

amalgamada escolaridade + faixa etária. Observou-se que é o jovem com pouca escolaridade

que menos usa o nós e quem mais tem probabilidade de usar essa forma são os de idade média

e os mais velhos dessa mesma escolaridade. Os mais escolarizados, independente da idade,

têm dado espaço ao crescimento do uso do a gente em detrimento do nós.

Segundo Omena (1996), o fator que mais favoreceu o uso de nós foi o ensino

fundamental, independente da idade, explicável, por se tratar da fase escolar em que se

aprende o uso de verbos e pronomes por repetição, em que nós se apresenta como pronome

sujeito enquanto a forma a gente não consta no quadro pronominal. Por outro lado, a fala com

uso do a gente não é censurada porque não é estigmatizada, é o que se revelou nos resultados

do fator condicionante do ensino médio.

Na Tabela 12 e Gráfico 12 pode-se observar o efeito da variável gênero/sexo sobre a

variável faixa etária como fator de influência do uso de nós como sujeito do discurso. Os

resultados desse cruzamento entre as duas variáveis, gênero/sexo e faixa etária, demonstraram

que as mulheres velhas da faixa etária 4, acima de 65 anos de idade, tendem utilizar mais a

forma canônica nós (.76) mais do que os homens (.62) da mesma faixa de idade. Por outro

lado, quando se refere à faixa dos mais jovens houve uma inversão, os homens utilizando

mais a forma nós (.21) e as mulheres menos (.17). Já na faixa intermediária, a probabilidade

de uso de nós é a mesma para ambos os gêneros, com peso relativo de .64.

Tabela 12: Condicionamento do efeito do gênero/sexo e faixa etária no uso de Nós PEPP.

Gênero

F1 F2 F4

N. Ocor. /

Total

Freq. P.R. N. Ocor. /

Total

Freq. P.R. N. Ocor. /

Total

Freq. P.R.

Feminino 7/78 9% .17 19/90 21% .64 14/48 29% .76

Masculino 5/59 8% .21 27/90 30% .64 37/88 42% .62

Significância .022

79

Gráfico 12: Condicionamento do efeito do gênero/sexo e faixa etária no uso de Nós PEPP.

Os resultados obtidos com o corpus PEPP aproximam-se aos do NURC (LOPES,

1993) quanto ao uso da forma nós pelos homens e mulheres mais novos, quando os homens

usa mais nós que as mulheres da mesma faixa etária, sendo pesos relativos de .43 para os

homens e .15 para as mulheres no NURC e .21 para homens e .17 para as mulheres no PEPP.

Mas em relação à faixa etária dos mais velhos, os resultados do NURC e o PEPP foram

opostos: enquanto no PEPP as mulheres utilizam mais o nós (com pesos relativos .76 para as

mulheres e .62 para os homens) no NURC (LOPES,1993) são os homens mais velhos que

mais utilizam a forma nós (pesos relativos de .81 para os homens e .41 para as mulheres).

5.2 VARIÁVEIS NÃO-SELECIONADAS

Após a análise das variáveis selecionadas pelo VARBRUL, segue o levantamento

analítico das variáveis não selecionadas, uma interna e uma externa ao sistema linguístico do

PB, na sua variedade popular. A princípio, a variável linguística inclusão do eu e, em seguida,

a extralinguística gênero/sexo)

A variável Inclusão do eu é também chamada por Benveniste (1988 apud LOPES,

1993) como eu-ampliado, e foi analisada também por outros pesquisadores (OMENA, 1996;

LOPES, 1996; NASCIMENTO, 2013; OLIVEIRA, 2008; LUCCHESI, 2009); nesta pesquisa

está amalgamada com a variável tamanho do grupo, conforme Oliveira (2008). Com exceção

de Oliveira (2008), todos os outros pesquisadores analisaram Inclusão do eu e tamanho do

grupo separadamente, por essa razão não foi possível fazer a correlação entre os dados de

investigações anteriores como tem sido feito até agora. Também a pesquisa de Oliveira (2008)

não foi comparada por se tratar de um estudo de uma comunidade afro-descendente do

80

recôncavo baiano, ou seja, por ser uma população rural e o enfoque da nossa pesquisa é o

português popular urbano. Assim sendo, segue a apresentação dos dados do PEPP (ver Tabela

13).

Tabela 13: Frequência de uso de Nós PEPP – Inclusão do eu

INCLUSÃO DO EU N. OCOR. / TOTAL FREQUENCIA

Eu; e uma pessoa qualquer 17 /163 10%

Duas ou três pessoas (eu+uma ou +duas pessoas) 40 /102 39%

Grupo intermediário (eu+grupo restrito) 42/143 22%

Grupo grande (eu+todo mundo) 10/45 29%

Significância .016

O que se pode verificar nos dados da Tabela 13 é que o fator com frequência mais alta

é “eu + duas ou três pessoas” com 39% de ocorrências, seguido por “grupo grande (eu+todo

mundo)” com 29% e “grupo intermediário (eu+grupo restrito)” com 22% das ocorrências. O

fator “eu; e uma pessoa qualquer” foi o fator com frequência mais baixa.

A premissa de que quanto maior fosse a indeterminação do sujeito ou do grupo, menos

probabilidade de ocorrer a forma nós e o inverso para o uso de a gente, não pode ser vista em

sua totalidade. Os fatores que concordaram com essa hipótese foram o eu + duas ou três

pessoas e de grupo intermediário.

A variável indeterminação do sujeito se relaciona com a inclusão do eu, uma vez que

se busca identificar o sujeito através do uso pronominal. Por outro lado, o estudo dessa

variável visa a verificar se o grau de indeterminação do pronome pessoal influencia na

escolha variável de nós ou a gente, sendo que este último tem caráter mais indeterminado do

que o primeiro. Dessa maneira, espera-se que a forma nós, em posição de sujeito, seja

utilizada em contextos mais determinados (indeterminações parciais e referência determinada)

e a forma a gente em contextos indeterminados (indeterminação completa do pronome

sujeito). Por conseguinte, é o que, basicamente, foi encontrado no PEPP (ver Tabela 5).

Desse modo, o caráter mais determinado do pronome nós ocorre com o uso do mais

frequente quando a referência é completamente determinada, (44%), seguido em escala

decrescente pelos fatores indeterminação parcial do pronome com um elo de referência

implícito no contexto (30%) e indeterminação parcial do pronome com um elo de referência

explícito (13%). Entretanto, o fator indeterminação completa do pronome que, a rigor, deveria

levar mais ao uso da forma a gente obteve a mesma frequência do fator indeterminação com

referência explícita (13%). Isso se deve pelo fato de a maioria dos contextos havia marcadores

referenciais de sujeito explicitado do tipo: antigamente, naquele tempo, na minha

adolescência. Esses tipos de marcadores temporais eram usados como elo de referência que

81

contribuíam para que o sujeito, ainda que o pronome fosse nós ou a gente, o indeterminasse.

Dessa forma, é provável que não se deva à indeterminação em si, mas ao elo de referência

com o pronome sujeito utilizado em larga escala.

Entre as variáveis extralinguísticas não selecionadas na amostra geral estão o

gênero/sexo e a faixa etária. A variável gênero/sexo foi considerada relevante no uso

alternado de nós e a gente na posição de sujeito do discurso por diversos autores (LOPES,

1993) (NASCIMENTO, 2013), mas na primeira rodada da presente pesquisa não foi

selecionada pelo programa VARBRUL, tão somente na segunda rodada amalgamada na

variável amalgamada (gênero e faixa etária), mesmo assim, merece a devida análise, pois esta

pode contribuir para o entendimento de usos e tendências linguísticas correlatas (ver Tabela

14).

Nesta pesquisa, considerando o uso de nós e a gente, as diferenças entre homens e

mulheres no uso da língua vão além do plano lexical e refletem a representação de cada

gênero em uma sociedade (PAIVA, 2003). Desse modo, A implementação das mudanças se

constata a predominância da forma de prestígio na fala feminina (LABOV, [1978] 2008).

Agora resta-nos verificar o índice de ocorrência do nós com os dados do corpus do

PEPP e relacioná-los com pesquisas anteriores (LOPES, 1993), e (NASCIMENTO, 2013)

apresentado na Tabela 14.

Tabela 14: Frequência de uso de Nós PEPP – Segundo Gênero/sexo

GÊNERO N. OCOR. / TOTAL FREQUÊNCIA

Homem 69 /237 29%

Mulher 40 /216 19%

Significância .016

Na Tabela 15, analisa-se que o uso de nós é maior entre os homens (29%), em

comparação com as mulheres (19%), assim revela que, no PEPP, utiliza mais o pronome de 1ª

pessoa do plural, com a realização da forma menos prestigiada (a gente).

Tabela 15: Frequência de uso de Nós em NURC-LOPES; NURC-SSA-NASCIMENTO e PEPP –

Gênero/sexo

PRONOME NURC-LOPES NURC-NASCIMENTO PEPP

Homem 49% 66% 29%

Mulher 69% 38% 19%

Em comparação com outras pesquisas (LOPES, 1993) (NASCIMENTO, 2013)

observou-se, na Tabela 15, que os homens da variedade culta mais que o dobro do pronome

nós do que os homens da variedade popular. Os percentuais de ocorrência de nós também são

82

muito discrepantes entre uma variedade e outra do PB em relação aos usos de nós pelas

mulheres. Há também uma significativa diferença entre homens e mulheres nos corpora do

NURC selecionados por Lopes (1993) e Nascimento (2013).

Em duas décadas (que separam as pesquisas) houve distinção entre os usos de nós entre

homens e mulheres da variedade culta (ver Tabela 15), dessa maneira, os homens passaram

usar a mais a forma nós (de 49 a 66%) ao passo que, as mulheres fizeram o caminho oposto,

apresentando perda de frequência (de 69 para 38%). Esses resultados sugerem que a forma a

gente está inserida nas falas cultas e populares do Brasil e essa variante não é estigmatizada,

além disso, caminha para inserção no quadro pronominal sujeito, e um certo status

sociolinguístico, por essa razão vem sendo encabeçada pelas mulheres.

Ainda que pesquisas anteriores a essa, como Omena (1996), Lopes (1993), Lucchesi

(2009) e Nascimento (2013), apontem para uso maior da forma a gente entre as pessoas

menos escolarizadas, não havia estudos específicos da variedade popular, cuja escolarização

vai até o ensino médio.

83

REVELAÇÕES

As mudanças tecnológicas têm acorrido em ritmo cada vez mais veloz que parece tão

natural à geração do terceiro milênio, mas, por vezes, causa sentimento de deslocamento

sociocultural e de nostalgia entre as pessoas mais velhas, não só os idosos como as de meia

idade também. Os adolescentes, tão adaptados à tecnologia do século XXI, que tiram fotos de

si mesmos com os celulares e já as publicam – ou melhor – postam nas redes sociais, mas não

fazem ideia do que era revelar fotos de filmes negativos tiradas em máquinas fotográficas

analógicas.

Depois de tiradas as fotos, as pessoas iam revelá-las nos lugares apropriados, lojas de

fotorrevelação, para ver como elas ficaram, criava-se uma ansiedade e expectativa em torno

disso, algo parecido com o momento em que se vai tirar a primeira carteira de identidade

(registro geral ou RG), e as fotos quase nunca saíam boas. Mas hoje, com as câmeras digitais

em que se veem as fotos instantaneamente no visor, ou se desejar, imprime ou posta nas redes

sociais, acabou-se a expectativa das fotografias de filme e as surpresas (nem sempre boas) da

revelação. Com as máquinas digitais se não se gostou da foto ou apaga ou faz fotoshop com

programa simples de computador.

Entre os sempre abertos à mudança e os que relutam em aceitá-la, há um sentimento

em comum: o desejo de registrar os momentos mais importantes seja em máquinas digitais,

celulares ou as antigas máquinas fotográficas, e compartilhá-los por meio de revelação por

filme ou por redes sociais. Da mesma maneira, essa pesquisa pretende apresentar a primeira

versão do seu álbum de fotografias do uso variável de nós e a gente na função de sujeito no

português popular falado na cidade de Salvador.

Sob a luz da sociolinguística variacionista laboviana foi estudada a alternância de nós

e a gente no PEPP, considerando a importância dessa variável para o entendimento do

português brasileiro, da sua origem e de suas especificidades em relação ao português

europeu, amplamente analisado (NARO; SCHERRE, 2007), (LUCCHESI, 2012). E

principalmente, pelo fato de que a forma pronominal a gente está em crescente disseminação

no PB, concorrendo com o pronome pessoal nós, o que se pode revelar uma mudança em

progresso ou, tão somente um caso de variação estável (OMENA, 1996), (LOPES, 1993) e

(NASCIMENTO, 2013).

84

Então, vamos às fotos, ou melhor, aos fatos encontrados e analisados sobre a

alternância entre nós e a gente como sujeito no corpus do PEPP. Assim, chega-se ao

entendimento que:

1) O uso do pronome a gente superou e muito o uso de nós no português popular de

Salvador, tendo frequência de 76% de a gente contra 24% de nós.

2) Sete grupos de fatores foram estudados sobre a variável dependente, em três rodadas

de análise, sendo uma geral (com variáveis isoladas) e duas amalgamadas (com

variáveis amalgamadas em escolaridade + gênero, escolaridade + faixa etária e

gênero + faixa etária) nas quais foram considerados selecionados pelo pacote de

programas estatísticos VARBRUL essas cinco variáveis: o paralelismo formal ou

discursivo, indeterminação do sujeito, saliência fônica, faixa etária e a

escolarização;

3) O paralelismo formal foi considerado relevante para o uso de nós, e os fatores que

se mostraram mais favorecedores foram antecedente nós e antecedente zero com

verbo na primeira pessoa do plural. Já o fator que menos favoreceu foi antecedente a

gente;

4) A segunda variável considerada relevante para o uso de nós foi a indeterminação do

sujeito, também utilizado para indeterminar a referência, cujo resultado confirmou a

hipótese de que os contextos mais determinados favorecem o uso de nós, enquanto

os indeterminados influenciam na escolha da forma a gente como sujeito;

5) A última variável linguística relevante no uso de nós como sujeito no corpus do

PEPP foi a saliência fônica, na qual se confirmou a hipótese de que uso da forma

nós seria favorecido pela maior grau de saliência fônica com mais marca formal de

plural. Assim, o maior nível de saliência fônica favorece a forma nós, sendo o fator

redução dos ditongos com acréscimo de desinência –mos (cantou/ cantamos) o que

mais condicionador da forma e o menos condicionador do uso de nós as formas

verbais em que a diferença entre as formas verbais usadas com a gente e o nós se dá

apenas com acréscimo da desinência –mos (canta/cantamos);

6) A variável faixa etária foi um fator extralinguístico considerado relevante no uso de

nós - o corpus PEPP apontou um crescimento do uso da forma a gente entre os mais

jovens, enquanto o uso de nós prevalece entre os mais velhos e um decréscimo na

faixa etária intermediária;

7) A variável escolaridade também foi considerada influente o fator fundamental

favorece o uso de nós, enquanto que a média favorece mais a forma a gente;

85

8) Os resultados da análise geral do PEPP se mostraram coesos com outras pesquisas

com o NURC (LOPES, 1993) (NASCIMENTO, 2013), embora o uso de a gente na

função de sujeito esteja muito mais acentuado na variante popular (PEPP) do que na

variante culta (NURC);

9) Comparando com outras pesquisas (OMENA, 1996), (LOPES, 1993), (LUCCHESI,

2009), (NASCIMENTO, 2013) houve concordância na maioria dos casos com os

dados do PEPP que aponta para disseminação cada vez maior da forma a gente;

10) Ao amalgamar a variável escolaridade com faixa etária, verificou-se que os mais

velhos e os de faixa de idade intermediária com apenas ensino fundamental utilizou

mais a forma nós, enquanto que os mais jovens e da mesma escolaridade utilizou

menos. No entanto, o fator mais determinante para o uso da forma a gente,

consequentemente o declínio do uso de nós como sujeito, foi o ensino médio,

influenciou o uso de nós em todas as faixas etárias.

11) A variável gênero/sexo não foi selecionada pelo VARBRUL na análise geral, mas

somente na analise de variável amalgamada gênero/sexo com faixa etária, na qual

verificou-se que entre as mulheres mais jovens foi menor o uso de nós,

consequentemente maior o uso da forma a gente, o contrário ocorreu entre as

mulheres mais velhas onde o uso de nós é maior em relação aos homens.

12) A principal diferença entre as pesquisas de Lopes (1993), Nascimento (2013) e a

nossa foi o alto índice de uso de a gente, nesta investigação, que chega a três vezes

mais do que as pesquisas anteriores

Observou-se com a pesquisa do uso variável de nós e a gente no português popular

falado em Salvador na amostra do corpus PEPP a expansão do uso da forma a gente,

amplamente utilizada na fala dos brasileiros independente de classe social, grau de instrução

ou regionalização, em concorrência com a forma nós na função de sujeito. Resta saber se trata

de uma concorrência de variantes ou mudança em progresso e se a variedade popular adotará

a forma inovadora a gente, em que a fotografia que hoje tiramos do uso variável de nós e a

gente, na função de sujeito, no português popular falado de Salvador fará parte do quadro

linguístico do PB na moldura do tempo.

Acreditamos que pesquisa vem contribuir para o entendimento do processo evolutivo

do uso variável de nós e a gente na função de sujeito no PB dentro de sua variante popular,

mesmo que ainda não se possa definir concretamente se haverá substituição completa do nós

por a gente.

86

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linguístico de uma comunidade afro-brasileira. Dissertação de Mestrado, UNEB, 2008.

OLIVEIRA E SILVA, Giselle Machline. Variáveis sociais e perfil do Corpus Censo. In:

OLIVEIRA E SILVA, Giselle Machline; SCHERRE, Maria Marta Pereira (Orgs.). Padrões

sociolingüísticos: análise de fenômenos variáveis do português falado na cidade do Rio de

Janeiro. 2ª ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1998a, p. 51-81.

______; PAIVA, Maria da Conceição Auxiliadora de. Visão de Conjunto das variáveis

sociais. In: OLIVEIRA E SILVA, Giselle Machline; SCHERRE, Maria Marta Pereira (Orgs.).

Padrões sociolingüísticos: análise de fenômenos variáveis do português falado na cidade do

Rio de Janeiro. 2ª ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1998, p. 335-377.

OMENA, Nelize Pires de. A referência á primeira pessoa do discurso no plural. In: SILVA,

Giselle Machline de Oliveira e; SCHERRE, Maria Marta Pereira. Padrões Sociolingüísticos:

análise de fenômenos variáveis do português falado na cidade do Rio de Janeiro. Rio de

Janeiro: Tempo Brasileiro: Departamento de Linguística e Filologia, UFRJ, 1996, p. 183-215.

OMENA, N. P. & BRAGA, L. M. (1996): “A gente está se gramaticalizando?”, In: LOPES,

Célia Regina dos Santos. A inserção de “a gente” no quadro pronominal do português.

Frankfurt am Main/Madrid:Vervuert/Iberoamericana, 2003, v.18. p.174. Disponível em:

<http://www.letras.ufrj.br/laborhistorico/producao/Lopestese.pdf >. Acessado em: 10 jul.

2013.

SILVA-CORVALAN, Carmen. Sociolingüística y Pragmatica del español. Washignton,

DC; Georgetown Universit, 2001.

VOTRE, Sebastião Josué. Relevância da variável escolaridade. In: MOLLICA, Maria Cecília

& BRAGA, Maria Luiza, (orgs). Introdução à sociolingüística: o tratamento da variação._

São Paulo: Contexto, 2003, p.51-57.

89

ANEXO – LEVANTAMENTO DE OCORRÊNCIAS ENCONTRADAS PEPP

LEVANTAMENTO DE DADOS

INQUÉRITO Nº 01

DATA: 26/04/1998

Gênero/sexo: Mulher

Faixa etária: 4 (69 anos)

Escolaridade: Fundamental

NÓS

A GENTE

OCORRÊNCIAS QUANTIDADE DADOS

NÓS A GENTE

1

0

1

É, lá ... eh ... seria mais fácil, por causa do ordenado,

casa, você sabe, interior a vida é um pouco mais barata

do que assim na capital, né. Aí nós fomos, eu passei lá

seis anos.

1 0 1 [...] porque depois que minha mãe morreu, nós viemos

morar aqui no trezentos e oitenta e sete.

2

0

2

É. Tá entendendo? Aí eu vim e o pessoal me conhecia

porque eu era mocinha, né, nós saíamos, íamos pra

cinema, eu, por isso que eu digo, cinema eu fui muito,

não estou indo mais assim, agora, por causa da situação

de A ... [...]

5

0

5

Na minha adolescência eu não ia pra bar, nós íamos

passear no porto dos Tainheiros, passear, ali naquela,

naquele porto dos Tainheiros todo, íamos lá e voltava,

assim, ficávamos assim passeando pra lá e pra cá, nós

sentava na balaustrada, ficávamos conversando, dando

risada, era assim.

0

3

3

Ah, hoje é, eu acho. Porque hoje diz que não se pode

fazer como antigamente, porque antigamente a gente

batia, botava de castigo, não é, prendia, não vai, hoje

não. [...]

0 3 3 [...] A gente tem que bater, a gente tem que castigar,

tem que proibir alguma coisa.

0 2 2 A gente brincava muitos, brincava muito. A minha mãe

mesmo, quando ela era adolescente, ela empinava

arraia.

0 4 4 Muita bola, né, a gente jogava, e tal e coisa e corre na

praia e vai pra lá e ... b ... brinquedo de esconder, a

gente brincava de se esconder, iam procurar, o outro:

achei... eh!... essas brincadeiras.

0 2 2 [...] A gente tinha boneca, fazia batizado.

0 1 1 A gente estudava, tinha os dias de levar aqueles livros,

dia certo pra levar os livros.

0 1 1 Em ... em ... eu não sei se ... eh ... se negócio de

deveres, tá entendendo, as professoras não são assim

como as que eram de antigamente, que antigamente a

gente ia pro quadro, não era [...]

90

OCORRÊNCIAS QUANTIDADE DADOS

NÓS A GENTE

0 3 3 Não, a gente ...pintava. Na escola a gente pintava,

agora no meio da rua, não, a gente vinha muito...

0

1

1

Aquele tempo o português a gente tinha que ver as

palavras, não era? separar as sílabas, dava muito, muita

acentuação, oxítona, paroxítona, proparoxítona ...

0 2 2 Surtia, surtia, eu achava que a gente sabia, os acentos,

tudo, com ... as sílabas, tudo direitinho a gente sabia.

0

1

1

Pra mandar, fazer o dever, ensinar ... qualquer dúvida

que tenha, porque na escola ...ele está na escola está

aprendendo, ou pouco ou muito, está aprendendo, mas

a gente que verificar, na hora, algum erro, algumas

palavras, alguma coisa.

1

1

2

É, nós estudávamos muito em casa, porque não tinha

televisão, não tinha ... a gente sabia que tinha que ...

pegar, fazer o dever, tudo que tinha que levar pra

escola, pra depois então brincar. Mas, hoje, atualmente,

não é assim.

0

1

1

[...] Só se a gente ficar pedindo, ou quando às vezes

acontece eu me sentir mal, depende do que faça eu me

sinto mal de noite [...]

91

LEVANTAMENTO DE DADOS

INQUÉRITO Nº 03

DATA: 20/05/1999

Gênero/sexo: Mulher

Faixa etária: 1 (17 anos)

Escolaridade: Ensino médio

NÓS

A GENTE

OCORRÊNCIAS QUANTIDADE DADOS

NÓS A GENTE

0 3 3 É, primeiro porque a gente só, a pessoa só faz uma

coisa como aprende né e a família dele sempre trataram

ele assim, todo mundo, e é o jeito dele, não tem outro

jeito, até hoje mesmo, só que agora a gente leva mais

assim na brincadeira, quando ele está falando alto

demais a gente dá risada, eu e a menina lá, mas quando

é criança não, a gente chora logo.

0 4 4 Eu não lembro assim especificamente porque mas ele

batia muito quando a gente brigava, eu e minha irmã,

quando a gente era pequena, que a gente brigava muito,

até agora mudou né, mas antigamente ele batia quando

a gente brigava, agora não.

0 1 1 Ela faz a mesma quando é comigo, é quando a gente se

irrita que fica, quan, quando começa a ter corporal,

enquanto está falando não acontece nada, mas as vezes

uma dá um ponta pé sem querer aí começa.

0 1 1 Agora que ela está crescendo mais aí está melhor pra

gente se aproximar, que a gente, assim as conversas são

mais parecidas, antigamente era mais criança não tinha

muita coisa assim que conversar, hoje a gente conversa

mais eh, as atividades são mais parecidas do que

antigamente (...inint...).

0 1 1 ...a gente chorou muito na despedida dela...

4 0 4 Eh, eu nem lembro quantos anos eu tinha, mas eu era

jardim dois, eu acho, eu saí um grupo de, de meninas,

acho que foi umas três, também não lembro mais quem

eram, fomos pro banheiro em plena aula e pegamos

sabonete que estava no negócio e começamos a lavar a

mão e passamos um tempão só lavando a mão com o

sabonete só dando risada, aí ela chegou procurando a

gente na sala não achou foi no banheiro [...]

0 1 1 Não foi assim uma briga, foi uma bobagem que ela fez,

que, foi a festa de aniversário dela, aí estava todos os

amigos no quarto dela, porque apartamento pequeno

né, aí só estava os amigos da mãe, do, do pai na sala

conversando, e os amigos dela na, no quarto dela

conversando, aí abriram o guarda roupa dela e pegaram

um álbum de fotografias, a gente começou a ver [...]

92

OCORRÊNCIAS QUANTIDADE DADOS

NÓS A GENTE

0 4 4 [...] dizer assim normal porque a gente começa a ver as

dificuldades no colégio, a gente estuda, estuda, estuda,

consegue alguma coisa aí relaxa mais um pouco, aí pra

despreocupar um pouquinho vestibular que o início do

ano estava aquele tensão toda do vestibular, vestibular,

vestibular, agora já não estou tão assim.

3 1 4 Praia do Forte, e ano, esse ano teve de história pra

conhecer (...inint...) quatrocentos e cinqüenta anos de

Brasil, conhecer a visão assim de Salvador, a visão

marítima, a gente pegou uma escuna aí fomos pra ilha

dos Frades, depois fomos pra ilha de Itaparica e

voltamos, isso tudo com uma guia dentro do barco

explicando a, o que acontecia, as coisas, os pontos

principais da cidade, visto do mar.

0 2 2 Na, a gente foi na ilha de Maré, Praia do Forte é esse

ano, na ilha de Maré a gente, que a gente estava dando

sobre, eh, laços do reino animal [...]

0 1 1 Feira é uma casa de um, de um tio meu que se mudou

daqui e foi morar lá em Feira, ele e a família, a gente só

vai, eu só foi duas vezes lá pra visitar, agora em

Alagoinhas é a minha tia, L... que é a minha prima, e o

marido dela e outra que é, (...inint...) ia começar agora,

agora não está com três anos, V... e a gente foi, sempre

foi muito, foi muito ligados, desde pequena, aí eu passo

as férias porque ela geralmente não pode passar aqui,

porque as vezes ela fica em recuperação...

0 1 1 Lá em Alagoinhas? A gente sai muito, porque lá em

fim de ano chega um parque...

0 3 3 Eh, quando a gente se reúne, que está todo mundo junto

assim geralmente é em Alagoinhas todos os primos

juntos, eh, nesse fim de ano, é sempre fim de ano,

época de dezembro, tem um parque que chega lá, a

gente vai pro parque, eh, pra igreja, a igreja de minha

tia, pra o sítio, o sítio que foi de meu tio, que ele

vendeu mas o pessoal que cuida da casa, o novo dono é

muito amigo deles a gente fica lá passa o dia, é o

balneário, é um rio que, uma represa, que fizeram tipo

uma piscina, com chuveiro da água do rio mesmo.

0 2 2 [...] mas antigamente era uma rio livre, ficava todo

mundo nu lá, nesse rio eh, a gente nadava muito

quando a gente era pequeno, assim na idade de, de

nove anos, aconteceu muitos casos de crianças morrer.

0 1 1 Não, minha prima que conhece porque ela é de lá, ela

conhece as pessoas todas da roça, mas a gente não

conhecia não.

93

OCORRÊNCIAS QUANTIDADE DADOS

NÓS A GENTE

0 1 1 Eh, as coreografias é em músicas evangélicas que a

gente faz os passos em cima da letra da música, e eu

faço para os adolescentes e também apresento, aí

ensino a eles e, ensaio, e na apresentação todo mundo

apresenta.

1 0 1 Não nesse grupo mas em outro grupo, que é o grupo

dessa minha prima, que ela ensina coreografia também

na igreja, aí nós duas criamos, fazer coreografia eu só

fiz com ela, que ela tem um grupo lá também.

0 2 2 (..inint...) nosses vizinhos, as amigas dela mesmo eh,

tem o costume de usar roupa muito curta, lá em casa a

gente não gosta das amizades dela, aí a gente fala, “E...

esse pessoal não, E... essa roupa não, esse jeito não”.

94

LEVANTAMENTO DE DADOS

INQUÉRITO Nº 04

DATA: 23/05/1999

Gênero/sexo: Homem

Faixa etária: 1 (21 anos)

Escolaridade: Ensino médio

NÓS

A GENTE

OCORRÊNCIAS QUANTIDADE DADOS

NÓS A GENTE

0 4 4 É, quando a gente estava esperando a prova chegar, aí

ficava, “opa, fiscal”, aí começava aquela festa, já sabia

que aquele fiscal era tranqüilo, aí quando vinha fiscal

durão, o pessoa, “êta, e agora, meu Deus”, tinha gente

que trocava até de sala.

0 2 2 “Cabeçudo”, aí ba, aí batia, “não sei que lá”, aí a gente

escrevendo, aí errava, aí ela batia.

1 3 4 Ou por dia o que, por semana, então cada semana ela

dá um tema e nós fazemos, aí pronto, aí leva pra casa,

faz e dá na, lá na recepção e pronto, (...inint...).

1 0 1 Feira de ciências, gincanas, eh, passeios pra

observatórios, tem o de Feira de Santana que nós, que

nós fomos, no segundo ano que (...inint...).

1 0 1 Foi bom, saí do, lá do colégio lá foi brincando no

ônibus, chegou lá já na hora do almoço, aí almoçamos,

depois...

2 0 2 Aí depois fomos lá pro observatório lá de Feira de

Santana, e começamos a conhecer fotografias lá desde

o primeiro aparelho até o mais moderno, como é que se

faz isso, (...inint...)

95

LEVANTAMENTO DE DADOS

INQUÉRITO Nº 09

DATA: 19/07/1999

Gênero/sexo: Homem

Faixa etária: 2 (27 anos)

Escolaridade: Ensino fundamental

NÓS

A GENTE

OCORRÊNCIAS QUANTIDADE DADOS

NÓS A GENTE

2 0 2 [...] aí minha mãe teve que trabalhar, que minha mãe

não trabalhava, e nós também, desde pequeno

começamos a trabalhar vendendo vários tipos de coisa

na praia.

1 0 1 Não, não, nessa parte não, porque nós tínhamos

bastante respeito pelo meu pai, bastava só ele falar que,

mesmo ele longe ele dominava a gente, tanto a mim

que sou mais novo como os mais velhos.

1 0 1 Quando crianças sim, somos todos, hoje em dia que eu

tenho uma desavençazinha com um dos meus irmãos

mais velho.

0 1 1 [...] aí eu fui perdendo a, o estímulo pelo colégio e

optei por trabalhar, continuar trabalhando pra mim

mesmo na praia, porque quando o meu pai se separou

as coisas lá em casa era mais difícil né, pra, pra se

manter, aí a gente sempre ganhava um dinheirinho por

fora pra ajudar.

1 2 3 Eu não sei, eh, eh, brincar, tinha tempo de brincar, mas

bem pouquinho mesmo porque era na frente da casa né

onde nós morávamos porque os colegas tudo ficavam

juntos, dali pra praia, da praia pro colégio as vezes, só,

não tinha muita opção não pra falar assim de mim

quando era criança não, porque trabalhava muito pouco

tempo, a gente era muito preso dentro de casa, era

muito difícil.

1 0 1 Meus irmãos foram, meus irmãos chegaram a, a ter até

o ginásio e tudo, teve até que se, alguns até que se

formaram, mas a gente, nós não.

0 1 1 [...] como, é uma es, estatura né, estrutura, o pai dentro

de uma casa é uma estrutura, mesmo que muita gente

não acredita né, mas quando sai desmorona né, sai, é a

mesma coisa que ficar uma, uma casa sem, sem um

governo, fica tudo meio a vontade, todo mundo faz o

que quer, e aí a gente vai perdendo a, a, o estímulo da,

das coisas, meu pai sempre controlou, controlava tudo

quando ele estava em casa, e por fora ele só ouvia só

falar, aí quando alguém fazia, “olhe, seu filho está

assim, assim”, aí ele vinha, mandava chamar alguém,

pra dar um conselho qualquer coisa assim.

96

OCORRÊNCIAS QUANTIDADE DADOS

NÓS A GENTE

0 2 2 [...] aqui mesmo quando a gente recebe dinheiro aqui

todo mundo fica com uma cara assim meia retada

mesmo né, aí eu tento fazer, “rapaz esse dinheiro seu

vai longe viu, não sabe nem onde vai gastar”, então

torna assim um pouco, eh, alegre, aí a gente no dia que

recebe todo mundo está de cara feia [...]

0 1 1 Meu pai como eu lhe falei, ele, ele era assim tipo um, o

cara segurava tudo, a gente tinha muito respeito por ele,

nunca teve nada a falar não.

1 7 9 Bom, brincadeiras eu sempre gostei muito de jogar bola, a

não ser isso eu ia pra praia que era perto lá de onde eu

morava, bem pertinho, nós ia muito pra praia, jogava,

jogava uma, uma, uma tábua, não sei se vocês já viram,

os meninos que jogam uma tábua bem na, quando a, a

onda quebra aí a gente sempre passava a tarde toda ali

jogando, jogava a tábua ali, chamava de pe, pegar flui, a

gente, a gente ia brincar, então pegar onda mesmo lá, a

gente pegava assim na altura do peito aí deitava no meio

da onda e ia até o seco, até a parte da areia.

1 4 5 Geralmente não gostavam não, porque toda a vez que a

gente fazia um, uma, uma aventura dessa no outro dia

era castigo na certa, porque, e tínhamos que ir sem

pedir permissão se não eles não deixavam, porque tinha

que atravessar a pista, aí eles não deixavam, a gente

tinha que ir assim mesmo, quando inventava de ir era

só atravessar a pista e pegar a sua tábua.

1 0 1 Ah, vou contar uma, tem, eh, tinha uma vez né,

brincávamos, você conhece Itapoan?

2 2 4 Aí né, eu, meu irmão e mais dois colegas fomos brincar

lá por perto, porque lá só tem casa de pessoas que tem

uma certa condição né, aí eles jogaram lá na época os

velotrois quebrados, mas só que o meu irmão sempre

tinha um jeitinho pra consertar tudo, tudo que ele

achava ele consertava, aí no, no dia foi dois velotrois

quebrados, a gente pegou e levou pra casa, aí quando o

meu pai chegou do trabalho, que ele olhou, “de quem é

isso aí?”, “ah, o rapaz jogou fora”, “aonde”, “ah, lá...”,

“que dia”, “vombora lá”, aí pegou eu e ele pelo braço e

segurando o, os velotrois na mão, “onde foi?”, “foi

aqui”, “aqui aonde”, “foi nessa casa aí, o rapaz aí que

jogou fora”, o rapaz disse aí, “não, não prestava mais,

os meninos foram, pegou, eu mandei jogar tudo fora”,

tinha que vim aqui pra mostrar a ele que realmente foi

jogado fora e que a gente pegou, então ele pensou que

nós tínhamos pego de alguém, esse é um dos fatos que

ele gostava sempre corrigir.

97

OCORRÊNCIAS QUANTIDADE DADOS

NÓS A GENTE

1 1 2 Não, ele estava com a namorada dele, e ela estava

acompanhando, aí eu conheci ela, pensei, pensei até

dele me, me apresentar no caso, mas só que da,

demorou muito eu aí me adiantei, aí conheci ela nessa

festa, passamos a namorar, no, na época era escondido,

porque o pai dela que hoje é meu sogro di, eh, o

pessoal dizia que ele era muito bravo, mas que nada, no

dia que a gente resolveu [...]

1 1 2 [...] e eu fui de gaiato e me dei bem, aí ele deixou,

concordou que a gente fizesse a casa lá, a gente fez,

moramos todo mundo perto, pertinho um do outro, eu

moro no fundo e ele mora na frente.

3 2 5 Nós fizemos, tínhamos um plano, um dia fazer uma

casa pra gente morar, aí, ela foi morar com avó lá

mesmo, lá perto, aí não, não foi, estava dando bem, eu

também estava, na época ela estava, ela estava

trabalhando já quando ela resolveu, estava trabalhando

já, aí (....inint....) já tinha trabalhando em outros lugares

tinha um certo dinheiro né que dava pra fazer um, um

barraquinho pra gente morar, aí ela saiu do trabalho, eu

continuei no trabalho, mas tinha um dinheirinho a gente

aí resolveu por fazer na, na, no terreno de minha mãe,

ou no terreno do, do pai dela né, aí eu digo, “pra não,

pra não optar vombora fazer logo no terreno de sua

mãe porque se algum dia a gente se separar você fica aí

no seu terreno e eu volto pra casa de minha mãe não

precisa um olhar pra cara do outro sem necessidade”,

você entendeu? Mas até hoje estamos juntos, brincando

e tudo de vez em quando mas...

1 0 1 Fomos, morando lá e construindo cá.

1 2 3 Eu acho que depois que eu encarei ele acabou o, a

valentia dele viu, eu acho que só, faltava só uma pessoa

chegara até ele, que tem gente que fica, fica ali de perto

mas não tem coragem de encarar e dizer, “olhe estou

namorando com a sua filha e tal”, e eu fui de gaiato e

me dei bem, aí ele deixou, concordou que a gente

fizesse a casa lá, a gente fez, moramos todo mundo

perto, pertinho um do outro, eu moro no fundo e ele

mora na frente.

3 0 3 Primeiro que quando estávamos namorando ela disse

que ia se formar, e foi e se formou, esse é um dos

objetivos, e disse que nós íamos construir uma casa

juntos, e construímos juntos até hoje, e ela sempre está

fazendo algu, ela, hoje em dia ela não está empregada

trabalhando de carteira assinada [...]

0 1 1 ...agora depois que a gente teve filho...

98

LEVANTAMENTO DE DADOS

INQUÉRITO Nº 13

DATA: 11/10/1999

Gênero/sexo: Homem

Faixa etária: 2 (30 anos)

Escolaridade: Ensino médio

NÓS

A GENTE

OCORRÊNCIAS QUANTIDADE DADOS

NÓS A GENTE

2 0 2 [...] E com aquilo eu fui tendo um respeito com os

outros meninos maiores, também tivemos que começar

a trabalhar muito cedo, o meu irmão mais velho ele

ainda com, quando eu me lembro ele tinha dez anos já

estava trabalhando, a minha irmã com nome, e eu

comecei a trabalhar aproximadamente com oito anos,

pra nove anos de idade. E nisso nós tínhamos que

manter a casa né [...]

3 0 3 [...] colegial como eu falei né, no início ela tive, teve

que trabalhar em casa de empregada doméstica, e nisso

a maioria dos vizinhos na época pensava até que eu e

meus irmãos seria hoje uma pessoa assim, um

vagabundo, uma pessoa, eh, à margem da sociedade,

coisa que nenhum de nós hoje somos, todos nós

trabalhamos, todos nós temos casas, entendeu [...]

1 0 1 [...] a linguagem falada a pessoa aprende com a

facilidade, a escrita realmente temos que ir a escola, eu

mesmo aprendi a escrita depois que eu me reencontrei

com a escola.

0 3 3 É, a gente cria os filhos mas a gente não sabe o destino,

a gente tenta dar, passar o melhor pra eles né.

0 1 1 Dois cruzados, é, exatamente, tinha cada rima gostosa

né, e a gente podia brincar qualquer hora da noite, tinha

menos perigo [...]

0 7 7 É, tinha o fura pé que era um pedaço de ferro, a gente

amarrava a ponta e ficava brincando ou na areia ou no

barro, fazia tipo uma casinha, um circo e ali a gente

tinha, tinha que cercar o circo todo, tinha bola de gude,

a gente fazia um, um, um triângulo...

0 3 3 E ali botava as bolas de gude ia lá jogar, tinha também

os, a gente também com a própria bola de gude a gente

brincava assim, fazia três buraquinho e quem

conseguisse matar a bola era campeão.

0 6 6 [...] arraia é o seguinte, a gente pegava a arraia, a, a

rabada, a chamada rabada que é do saco de linhagem, a

gente desfiava o saco de linhagem, emendava as

rabadas, pegava um carrinho de linha certo, fazia a

chave de uma arraia ou um periquito, o periquito a

gente fazia com um papel...

99

OCORRÊNCIAS QUANTIDADE DADOS

NÓS A GENTE

0 4 4 Era com linha a chave, e a arraia a gente fazia com a

palha de coqueiro ou com a flecha, botava cola de

goma ou a cola tenaz armava a arraia e ia empinar né,

quando o vento estava bom...

0 2 2 Pra temperar né, a gente tinha que temperar, o chamado

temperar, pra empinar arraia, é, a gente temperava a

linha, era com o vidro e a cola, né, podia ser a cola

tenaz ou uma cola apropriada pra própria arra, pra

linha, pra fazer o tempero da...

0 3 3 Ah, hoje em dia são muitos jogos eletrônicos, vídeo

cassete, computador, mas naquele tempo não, os

meninos, eu me lembro que na escola Parque quando

eu estudava na segunda série lá a gente fazia carro de

mão, fazia os carrinhos de brinquedo, de madeira, lá a

gente aprendia o ofício de costureira, até hoje eu sei

costurar, sei costurar.

1 1 2 É, a própria escola ensinava naquela época, o setor de

trabalho, o setor de educação física a gente praticava

bastante esporte, eh, o único esporte que nós tínhamos

acesso assim é como quase os esportes de hoje era o

boxe, era o atletismo era também a capoeira, que

também hoje, como hoje a capoeira também tinha

muita fluência no passado, e bola mesmo, muita bola.

0 7 7 [...] aqueles filmes dos Três Mosqueteiros também a

gente pegava um cabo de vassoura, pegava um pedaço

de pau, pegava um, um frasco de Q Boa, cortava o

frasco de Q Boa, a parte superior do frasco a gente

enfiava no cabo de vassoura e fazia tipo uma espada, e

saía brindando.

0 1 1 (risos) Olha, como eu falei né, os meninos ele, a gente

brigava muito né, então os mais fracos chegava lá em

casa e dizia, “ah, dona Z.... seu filho me bateu”, aí eu

tinha que tomar porrada né, porque não podia bater no

mais fraco né.m

100

LEVANTAMENTO DE DADOS

INQUÉRITO Nº 14

DATA: 26/10/1999

Gênero/sexo: Homem

Faixa etária: 4 (73 anos)

Escolaridade: Ensino médio

NÓS

A GENTE

OCORRÊNCIAS QUANTIDADE DADOS

NÓS A GENTE

0 1 1 Ah, tratavam muito bem né, mas não eram, mas não

eram pessoas de recurso, esse lado dos G..., apesar de

ter um outro lado que era assim digamos metido a rico

né, mas o meu lado de cá era bem pobre, de forma que

a gente foi eh, passando né desse jeito, quando o meu

pai morreu, eu estava acho que com doze anos aí eu fui

morar com a minha tia lá no Rio Vermelho [...]

0 1 1 Ah, na época com bastante crianças ali da, do bairro né,

que todo mundo gostava de pescar ou então jogar

futebol ali na areia, e a gente sempre estava ali em

contato.

0 2 2 É, porque todo mundo, eu sempre gostei de, de, teve

uma atração do mar pra mim fora de sé, assim do, do

comum e eu fui pescar chicharro que era feito com,

naquela época não tinha linha de náilon, era, a gente

usava linha de novelo, novelo número vinte e o anzol

número dezoito, eu me lembro, esse pormenor é, é

importante, porque se a gente usasse um anzol bem

pequeno não pegava um peixe [...]

1 5 6 Ah, aí, aí está um negócio meio confuso porque a gente

ficava de um lado e de outro, entendeu, inclusive eu

estudei até na escola italiana, na Casa de Itália, bem,

bem jovem ainda né, quando o meu pai era vivo, e

então nós morava no Garcia, lá na rua do Bauru, uma

rua velha assim bem esburacada, e a gente fazia uma,

um jogo, ou estava na casa de, de meu pai, ou estava na

casa de minha tia lá no, no Carmo e aos domingos a

gente ia ao Rio Vermelho onde morava a minha outra

tia, eh, e, eram três pontos de, de, (...inint...)

0 1 1 [...] a escola acho que tinha quarenta e tantas mulheres

e eu acho que dois, tinha quatro, no máximo quatro

homens, então a gente ficava assim no meio das

mulheres, no meio das, bem servido né (risos), mas o

relacionamento era muito bom.

0 2 2 Eu tinha assim os amigos normais né, a gente se reunia

lá no, num canto, ficava fazendo um samba né, o samba

daqui era, eu soltei o meu primeiro pombo correio

aquela coisa toda, aí era, eu não praticava nenhum

esporte porque eu não tinha condições físicas mas o

pessoal lá jogava basquetebol, eu ficava só de, de olho,

(...inint...) [...]

101

OCORRÊNCIAS QUANTIDADE DADOS

NÓS A GENTE

3 0 3 [...] (...inint...) na aeronáutica era um C quarenta e sete,

que era o avião da, da época era esse, só pegava vinte e

oito pessoas, mas esse avião estava ca, levando um

motor imenso dentro dele, o avião, um motor de avião,

ia um oficial do exército, e iam mais dois colegas que

tam, que iam comigo pra escola técnica, eu acho que

meia dúzia de passageiros só, decolamos num vôo

direto Salvador – Rio, a razão de subida eram, era, isso

eu vim saber depois né, era cento e cinqüenta metros

por, por minuto, a cima de seiscentos metros a

temperatura já caiu uns três a quatro graus né, aí eu já

abri minha mala fui botando umas camisetas que tive

(...inint...) aí vesti, vesti o, a camisa por cima e lá se vai

daqui até o Rio de Janeiro batendo o queixo, porque

nós fomos numa altitude eh, acima de dois mil metros

né, aí chegamos lá foi aquele horror, um frio horrível,

eu fui no mês de junho...

0 2 2 (...inint...) o negócio mesmo pra valer né, aqueles,

naquele método americano de ensinar por semanas,

semana tal é tal assunto entendeu, e aí tinha uma

professora que ensinava física e teoria de vôo ligado a

aviação né, física aplicada a aviação e teoria de vôo, era

bem jovem aí então a gente perguntava pra ela o que é

que ela fazia nos Estados Unidos, ela dizia, “ah,

garçonete”, eu aí botei a mão, “não é possível que

garçonete ensinando aqui numa escola dessas e essa

matéria”, aí mais adiante a gente veio a descobrir que ela

era aviadora, piloto de caça, a função dela durante a

guerra era levar avião através do Alasca pra Rússia, era o

P cinqüenta e um, que só pega uma pessoa só, quando

terminou a guerra ela foi desativada né, e foi morar em

Miami, e lá em Miami não tinha emprego ela foi...

0 3 3 Já foi na, depois da guerra é, a guerra já tinha

terminado, eu aí fui, fiz o curso fundamental né, o

curso básico, ao mesmo tempo a gente tinha que fazer

um curso, esse é o curso técnico, mas ao mesmo tempo

a gente fazia um curso de infantaria, era obrigado a

fazer o curso de, de infantaria, de militar mesmo.

0 1 1 Aí eu fui, eu tive uma boa nota no curso fundamental,

aí escolheram um, um grupo assim, “tem vaga aqui pra,

meteorologia não tem mais, e, e tem pra controlador de

vôo, aí, mas você vão ser submetidos a um teste”, aí

eles, o teste veio bravo lá, aí a gente aí passou, eu

passei mais uma turma, vim, aí fiquei, aí gostei né.

0 4 4 Em São Paulo a gente faz um curso, faz um estágio em

São Paulo, depois faz outro estágio no Rio de Janeiro,

depois veio, eu vim pra aqui pra Salvador, daqui a

gente tem que ficar num período de adaptação [...]

102

OCORRÊNCIAS QUANTIDADE DADOS

NÓS A GENTE

0 2 2 É que a gente fica, é uma, dizem que é a fábrica

número um dos neuróticos, começa por aí. Realmente

quando a gente sai de um, de um stress daquele o

negócio é, é, é da pesada.

1 0 1 [...] e esse ano eu conheci um controlador de vôo lá de

Paris, lá de Orly, e se ele trabalha um mês e folga três,

agora com ainda, com ainda o, o fator que o salário

mínimo no, de modo geral no mundo inteiro é cinco

mil dólares, e o nosso aqui não chega a mil né, começa

por aí, e nós fazemos a mesma coisa que eles fazem.

3 0 3 É, é grande, em todos, agora recentemente eu fui aí na

torre daqui, e o pessoal está todo mundo desgostoso

porque não vale a pena você ganhar esse dinheiro, nós

ganhamos como sargento, nós não ganhamos como

controlador de vôo, tem uma gratificação pequena, mas

ganhamos como sargento e não controlador de vôo.

0 2 2 Bom, tem assim os, os fatores que a gente treina na

escola, assim como, como eh, executar um, um

procedimento no caso em que uma aeronave que a, a

última que está no bloqueio e prateleira que a gente

bota uma a seiscentos metros, outra novecentos, mil de

duzentos, mil e quinhentos, mil, mil e oitocentos, dois

mil e cem, dois e quatro né, altitudes de trezentos e

trezentos metros, então digamos que a do de, a que está

do, no topo na camada das nuvens, que aqui está tudo

fechado, entre em pane, o motor direito embandeirou,

quer dizer, no tempo dos aviões convencionais...

0 2 2 Quer dizer, aí o piloto grita de lá, “estou em

emergência, embandeirou o motor”, (...inint...), aí ele

tem prioridade né, então a gente tem que emitir uma

mensagem geral para todas as aeronaves que estão a

baixo de, digamos, de dois mil e quatrocentos metros, a

gente aí dá um mantenha as suas respectivas altitudes, e

tome o rumo x, e mantenha um ponto afastado cinco

minutos do bloqueio, aí o cara sai...

0 1 1 É, porque a gente tem que ficar sempre olhando os

segundos né, quando o avião por exemplo entra na, no

procedimento de, é que eu perdi a carta que estava

neste instante na minha mão [...]

0 1 1 A gente escreve ele na hora, independente de posto...

1 0 1 Do outro, vamos encerrar que...

0 3 3 Barco, barco do, barco com remo né, mas era normal a

gente sair hoje e voltar amanhã entendeu, isso era

normal, a gente fazia pescaria noturna [...]

0 1 1 [...] de Valença pra cá e a gente estava conversando

com, com o piloto, num avião pequeno, e ele estava

dizendo, “está vendo, isso aí é a Tibrás, até lá no Morro

de São Paulo”, então acabou, essa pescaria acabou.

103

LEVANTAMENTO DE DADOS

INQUÉRITO Nº 18

DATA: 17/11/1999

Gênero/sexo: Homem

Faixa etária: 1 (23 anos)

Escolaridade: Ensino fundamental

NÓS

A GENTE

OCORRÊNCIAS QUANTIDADE DADOS

NÓS A GENTE

0 1 1 Encontro mas a raiva já passou já, agora a gente é

amigo, eu acho.

0 2 2 Da própria escola, que a gente brigava lá dentro aí na

saída eles, como eles moravam lá no Centro, eles

estavam mais perto de casa, aí qualquer coisa a arma, aí

a gente tinha que sair escarrerado, e no Rui Barbosa

não, o Rui Barbosa era lá em Nazaré, até hoje ainda

existe o Rui Barbosa, aí eu estava mais próximo de

casa a vantagem era minha.

0 3 3 É bom que as vezes a gente testa força, e as vezes é

ruim porque a gente leva desvantagem quando a gente

apanha.

0 5 5 Só tem só um que andava pelo caminho errado, e era

novo também assim igual a mim, mas mais novo

porque a gente naquela época tinha treze, catorze anos

e ele andava por um caminho errado, e eu era errado

também porque eu andava brigando, e ele errado

porque andava usando tóxico, aí sempre, sempre a

gente sentava assim pra debater, dar uns conselhos a

ele, mesmo a gente não sabendo muita coisa mas a

gente dava uns conselhos a ele pra ele sair dessa vida

de droga e ele não saiu, Deus levou ele, está até hoje a

gente sentindo muita falta dele.

0 6 6 Foi que o segurança achou que a gente estava

procurando briga, aí eu, não foi eu que estava

procurando, foi meus colegas que eles dizem que

estava procurando, aí eu tive que me meter, aí foi

paulada, garrafada, chute, aí botaram a gente pra fora,

chegou cá fora a gente ficou esperando o pessoal sair,

aí quando saiu como a gente mora em Nazaré a gente aí

tirou os paus de, da barraca de capeta e começou dar de

ferro nos outros, pauladas, depois chamaram a polícia a

gente ainda estava no local ainda, chamaram a polícia a

gente aí teve que partir pra casa, correr.

0 2 2 É porque a gente levou desvantagem lá dentro por

causa do segurança e segundo por que não foi a gente

que estava procurando briga né, assim dizem os meus

colegas né porque eu não vi.

0 1 1 É, perigoso fica porque a gente fica visado também.

104

OCORRÊNCIAS QUANTIDADE DADOS

NÓS A GENTE

0 2 2 Até por, pelos pessoal que a gente brigou mesmo, a

gente pode ir pra outro lugar eles tá lá e querer pegar a

gente.

0 4 4 Garrafão era a brincadeira parecendo uns quadrados

que a gente colocava no chão, a gente jogava parecia

uma casca de banana e saia pulando, quem errasse aí

passava numa, num cordão, cordão polonês, o pessoal

com uma, com uma camisa, amarrada e cheia de areia

dentro, aí quem errasse passava no corredor polonês de

mais de trinta e saia apanhando na cabeça, aí era

divertido, as vezes a gente apanhava e chorava e outras

vezes não [...]

0 4 4 Lá eu brincava na escola Rui Barbosa, e a diretora

deixava de vez em quando aí a gente armava tudo lá

dentro do colégio, fazia a bagunça da gente depois a

gente limpava e ia embora pra casa, mas era divertido.

0 1 1 Mas agora até que acabou também o Rui Barbosa,

acabou a parte da, do recreio que a gente brincava

acabou [...]

0 4 4 É, tem que pagar, aí a gente de vez em quando a gente

arruma um babinha lá, a cada um dá dois reais, aí junta

quarenta reais, aí a gente paga uma hora e meia, umah

ora, aí a gente joga, depois é pegar a bola e cair pra

casa pra tomar o nosso banho.

0 2 2 É uma vez por mês quando a gente tem um dinheiro

sobrando né, que nunca a gente tem.

0 1 1 Não é não, brincadeira de agora está mais pesada,

brincadeira de hoje em diante agora é, qualquer

coisinha tem que ter uma briga, as brincadeiras de antes

não, a gente agüentava, agora os meninos estão

chegando agora tudo é briga.

0 5 5 Ah, a gente enche a lata de papel, aí bota um, um

arame, fura os dois lados, bota e sai pela rua chutando,

fazendo zoada meia noite, uma hora da manhã.

0

2 2 Pra não deixar o pessoal dormir muito cedo, que lá em

Nazaré é um bairro muito calmo, só mora senhor de

idade, senhora, aí a gente aí pra não deixar dormir

muito cedo aí a gente ficava abusando.

105

LEVANTAMENTO DE DADOS

INQUÉRITO Nº 21

DATA: 07/10/1998

Gênero/sexo: Mulher

Faixa etária: 2 (27 anos)

Escolaridade: Ensino médio

NÓS

A GENTE

OCORRÊNCIAS QUANTIDADE DADOS

NÓS A GENTE

0 1 1 É, era menor. Antigamente porque era uma casa perto

da outra e tudo, a gente estando na rua, de frente lá de

casa no caso minha mãe, meu pai ficava observando

sempre a gente no caso entendeu?[...]

0 2 2 [...] que uma vez eh, uma vez foi uma festa do, da Boa

Viagem, aí minha mãe me levou, e eu adoro pipoca né,

aí eu sei que ela já tinha gastado comigo e tudo e já

estava sem dinheiro, aí a gente ia pra casa, aí no meio

do caminho a gente se bate com um rapaz vendendo

pipoca, “eu quero pipoca”, eu disse “mainha, eu quero

pipoca”, “não tem pipoca não”...

0 1 1 É isso, aí ela “olhe sua burra, a pipoca eu vou dar em

casa quando a gente chegar” [...]

0 2 2 [...] a gente botava de castigo, aí botava, ficava sempre

as duas, e hoje em dia é difícil uns pais até botar de

castigo, as vezes por falta de paciência pega e bate e

acabou, entendeu?

0 1 1 [...] “mas fulano deixe, se ela quer namorar, é melhor

namorar na porta do que namorar na rua escondida nos

becos né, e pelo menos aqui a gente está sabendo quem

é, já está conhecendo”, aí eu sei que ela aí conversou

com ele direitinho, e aí resultado, deixou.

1 1 2 É isso, aí resultado, ele deixou e tudo, aí pronto, fomos

namorar na porta e tudo até aí estava ótimo né, a gente

namorando e tudo [...]

0 1 1 [...] Enfrentei isso, e eu que levava ela pro médico,

aquela coisa toda, porque as vezes nunca tinha

tempo,...Inint..., não tinha, não tenho irmã, não tenho

irmão, entendeu, sou filha única, aí pronto, e aí eu

sempre ia, daqui a pouco aí ela ficou boa, operou e

tudo, a gente ia pro hospital, fiquei três dias e três

noites no Pronto Socorro com ela e tudo, entendeu, eu

não gosto nem de lembrar essas coisas, essas coisas

ruins...

0 4 4 Ah, professora, ah, naquela época eram ótimas, as

professoras ficavam direitinho, e era um respeito né,

que a gente tinha com elas, chamava ela de tia pra lá,

tia pra cá, e era ótimo, geralmente a gente vinha,

quando vinha pra casa, ela vinha também no mesmo

caminho né, que era perto de onde ela ia pegar o ônibus

dela pra ir embora, aí vinha é...

106

0 1 1 É, carregando as coisas, ai daqui a pouco era um, um

beijo de um lado, um beijo do outro e a gente

“professora, onde a senhora mora?”, ela sempre dizia,

“na rua do sobe e desse onde o carro desaparece”.

0 2 2 Na rua do sobe e desce onde o carro desaparece, pra

não dar o endereço né, então ela aí dizia sempre isso, e

aí a gente “onde é essa rua?”, a gente abestalhado,

novinho, “onde é essa rua? Será que existe essa rua?” E

essa rua nunca existiu...

0 1 1 Na certa, e aí pronto, aí teve um tempo que ela

engravidou e tudo, a gravidez dela foi um pouco difícil

e tudo, ela aí saiu e entrou outra no lugar dela né, era

boa também mas não a mesma coisa que ela né, e a

gente também já estava acostumado com ela, o método

dela, o jeito dela né, trabalhar e tudo.

0 1 1 É, ficar próximo, porque ela deixava a gente a vontade,

ficava a vontade, entendeu, ela não, quer dizer, que

tem, tinha menino que poderia até ter medo da

professora mas lá com ela não, a gente não tinha medo

e tudo, era, era ótimo, ela conversava com a gente

numa boa, natural, entendeu, naturalmente.

0 1 1 [...] cada uma mais diferente do que a outra né, umas

melhores, outras iguais, outras até piores, outras que a

gente não gostava nem de olhar pra cara.

0 1 1 [...] Muitos já dizem assim, que eu já vi “ah, já estou

feito, quem quiser que se faça” e acabou, entendeu, tem

muitos que não tem aquela atenção a dar, e tem muitos

que chegam lá no quadro e “abram livro tal, leia aí essa

parte”, e pronto, a gente ler, pronto, aí passa o exercício

e acabou, não chega nem a explicar.

0 2 2 É, que eu já passei por isso muito, entendeu, e outros

que chegavam lá, “façam um trabalho em tal assunto,

traga aqui e pronto”, a gente fazia, dava a nota e

acabou, entendeu? O que é que a gente aprendeu? [...]

0 2 2 É isso, a gente aprendeu o que? Eu cansei de fazer

trabalho e mais trabalhos, de levar lá, eles dão a nota e

acabou, quer dizer, não tem uma explicação, a gente

não tem um entendimento da matéria e nem nada, já

pensou?

0 4 4 [...] Aí muitas vezes tinha uns que a gente nem gostava,

achava até antipático, até o jeito de, de ensinar né,

aquele jeito assim meio grosso, meio brusco né, falava

uma vez e a gente perguntava, ele falava de novo, e

acabou entendeu, as vezes se a gente tivesse outra

dúvida aí pronto, já passava pra outro exercício, ou pra

outro, outra página né, e aí lá vai.

107

OCORRÊNCIAS QUANTIDADE DADOS

NÓS A GENTE

0 3 3 [...] Não teve problema nenhum, o único problema que

tinha mesmo, era, no caso assim, porque as vezes né,

no, no colégio na Ribeira que eu estudei era perto da

praia, aí pronto, as vezes não era nem problema, era a

gente mesmo pra bagunçar né, e aí o pessoal passava e

a gente ficava da janela e a gente ficava abusando quem

passava lá fora.

0 6 6 Não, isso é fora da aula, não, não durante a aula a gente

ficava quieto, ficava um santo, a gente não ...Inint....

nem nada, agora quando saía professor no intervalo

assim aí pronto a gente ficava abusando e tudo. Só isso,

mas não teve nada, mas isso porque a gente mesmo que

provocava, abusava né, aí cansava, o pessoal de fora

ficava jogando pedra né, pela janela aquela coisa toda.

0 1 1 [...] aí jogavam pedra, incomodavam a sala do lado, aí

sempre vinham reclamar e tudo, aí pa, parava uns dias,

daqui a pouco a gente voltava de novo, mas isso era pu,

pura curtição.

0 5 5 Foi, foi porque quando eu estudava no Costa e Silva,

Ave Maria, era incentivado pelo professor né, pelo

professor ele incentivava muito a gente aquela coisa

toda, tinha vezes que a gente “ah, não vou hoje não”,

aquela maresia, aquela coisa toda, “não vou”, aí quando

no outro dia ele, “porque não veio? Olhe se não vier eu

vou tirar ponto”, aquela coisa toda, quer dizer, isso

tudo incentiva a gente pra a gente ir no outro dia né, e a

gente gostava até né, de fazer física né, a gente se

sentia bem fazendo física, mas tinha vezes que a gente

não vinha não [...]

0 1 1 O dia todo não, quer dizer, os meninos vêm com dever,

a gente pega assim, acerta assim o horário né [...]

108

LEVANTAMENTO DE DADOS

INQUÉRITO Nº 25

DATA: 04/12/1999

Gênero/sexo: Mulher

Faixa etária: 4 (85 anos)

Escolaridade: Ensino médio

NÓS

A GENTE

OCORRÊNCIAS QUANTIDADE DADOS

NÓS A GENTE

2 0 2 (...inint...) Está muito pior, não sei não minha filha,

hoje eu acho que eu não dava pra ensinar não, agora

que a liberdade está, essa mesma estava num colégio,

nós tiramos por causa de tanta liberdade que o

colégio... ela estava fazendo prova levantava e ia ali

perguntava aquela, levantava, ninguém fala nada, e se,

se a coordenadora reclamar com ela vai, como é, o

diretor chama atenção porque não tem que reclamar

com a criança, e aí nós retiramos e (...inint...) [...]

0 1 1 Não, nada de outros castigos, negócio de botar de

joelho, ela não fazia essas coisas não, e eram umas

soladas que a gente corria, com uma pegando, outra

não pegava, era assim.

0 2 2 E a gente dava até juros, não é hoje os meninos de

escola primária sai sem saber nada né, sociedade

comercial, tudo isso a gente dava, regra de três, simples

e composta, você saía da escola e sabia tudo isso.

0 2 2 Não, isso aí em casa a gente estudava, minha mãe

botava pra estudar, estudava pronto, (...inint...) [...]

0 3 3 As pedrinhas assim miudinhas, a gente pega, joga, são

doze pedrinhas, joga e depois vai apanhar.

0 3 3 Não, era assim, eram doze pedrinhas, a gente pegava as

pedrinhas jogava e catava, agora não podia, uma

pedrinha não podia tocar na outra, que perdia.

1 0 1 Ah, tinha, ah agora foi bom você perguntar, o meu

professor era R..., nós chamávamos ele de doutor Do

Mijo do (...inint...) [...]

1 0 1 [...] então o pessoal estava gritando para ele voltar

então eu tive que sair novamente, meu marido também,

nós fomos pra Mata, em Mata não me dei bem de jeito

nenhum, fui pra Itacaré, de Itacaré vim pra Salvador e

pronto.

109

LEVANTAMENTO DE DADOS

INQUÉRITO Nº 29

DATA: 11/01/2000

Gênero/sexo: Mulher

Faixa etária: 2 (30 anos)

Escolaridade: Ensino fundamental

NÓS

A GENTE

OCORRÊNCIAS QUANTIDADE DADOS

NÓS A GENTE

1 0 1 Nós não tínhamos condições de...

1 0 1 [...] fazer de pau, pegar maderinha, o brinquedo era

esse que nós tínhamos, se eu tinha uma boneca a, era

doado pelo, por alguém que me dava a boneca, então

eu não tive uma infância ruim.

0 1 1 É, tinha mais invenções, porque eles pegavam

(...inint...), uma, ele fazia aquelas bonecas, uns faziam

uns, também sinal do que a gente fazia, que era um

(...inint...) [...]

0 3 3 Foi, eu estudei mais tarde, porque os meus pais não

tinham um recurso pra me por no colégio, e no, e

antigamente a gente só ia pro colégio acho com sete ou

oito anos, aí já fui muito tarde, a gente ficava mais,

aprendia mais as coisas assim, o abecê na, numa banca,

com uma pessoa...

0 1 1 Que era a mesma coisa assim, as condições iguais as

minhas, eu acho que ela fazia isso mais por, por pena

de ver a gente, a gente crescendo e não tendo um

estudo.

0 2 2 Não porque naquele tempo quando a gente ia pro

colégio, eh pra banca era, a gente só se dedicava a isso,

o horário era isso.

0 2 2 pegava, tinha naquele tempo a palmatória, a gente não

podia brincar, que era palmatória a gente (...inint...)

também, vinha no, na, no...

0 2 2 Porque a gente não sabia, quando perguntava a gente

não, não respondia direito ia pra, pro castigo.

2 1 3 Era esse, e diversão a gente não tinha, quando nós

estávamos estudando não.

1 3 4 Pra mim, quando eu cheguei no prédio da escola foi

como chegasse, tivesse chegado num paraíso, porque o

ensino foi totalmente diferente daquilo que eu aprendi,

era, as coisas eram melhor, a gente tinha mais coisa, a

gente tinha o recreio coisa que a gente não tinha, o

recreio, tínhamos a merenda, isso, e o ensino eu já

gostava, a menina já não punha mais a gente no, de

castigo, eu gostei quando eu fui pra uma escola do

governo.

1 0 1 Simples, uma escola simples, estudávamos, na sala

tinha uns trinta e cinco alunos, era uma escola simples,

que não tinha eh, brin, eh não tinha aqueles brinquedos,

não tinha aquelas escorregadeiras [...]

110

OCORRÊNCIAS QUANTIDADE DADOS

NÓS A GENTE

1 4 5 Gostava, a gente tinha mais amizades, via mais, a gente

fazia muitas colegas, pessoas que a gente não conhecia,

mas meninas que era muitas, e até hoje nós temos, de

muitas delas até hoje ainda tem uma amizade, de, da,

da infância ainda, ainda tenho a amizade delas ainda.

0 1 1 Era a, a inteligente, a mais inteligente da sala, era a

mais inteligente da sala, ela, quando a gente não sabia o

dever ela se dedicava a ensinar.

0 2 2 São coisas que, que mais, por mais que a gente queira

ensinar uma criança como, como a gente era antes a

televisão já ensina totalmente diferente.

0 1 1 Hora do banho, tinha hora do banho, se passasse, meu

pai vinha da (...inint...), era cinco, ele largava cinco

horas, se chegasse em casa e não encontrasse ninguém,

se encontrasse todo mundo sem tomar banho a gente

apanhava, era uma surra [...]

1 0 1 Que ele di, ele me falava, “ah (...inint...) eu ia, eu vou

ensinar vocês como eu, como eu era, como eu fui

criado”, foi passando, e ele foi passando da geração

dele pra o, o ensinamento dele pra nós, e nós queremos,

eu querendo ensinar a minha filha do jeito que eu

aprendi mas só que eu não consigo...

1 0 1 De nós também passar, estivesse uma visita, nós

passasse na sala era um castigo.

1 0 1 Eu já achava, eu não achava que aquilo certo né, eu já

não achava aquilo certo porque tinha idade mesmo que

já não permitia mais nós tomar uma surra, acho que

faltou mais diálogo.

1 0 1 Nos meus pais e nós, eu e o meu, e meu pai, faltou

mais diálogo [...]

0 1 1 É, a gente já ia correndo e voltava pra não, quando eu

comecei a namorar foi com os meus dezoito anos, já

tarde, dezoito pra dezenove, foi quando eu me casei [...]

1 0 1 Foi me sentir mais livre, porque eu era muito presa

porque o meu pai não dava oportunidade da gente ir ali

na praça, se nós fossemos tinha que ter horário.

1 0 1 Interferir é, e não interferia, qualquer coisa que nós

fizesse, “ah, deixe o seu pai chegar”, então ela deixava

toda a responsabilidade para ele.

1 0 1 [...] (...inint...) nós ficamos dois anos juntos, aí foi

quando teve aquele namoro na porta, não é, estava

ainda namorando escondido, aí a mãe dele, ele foi

pediu a mãe dele pra ir lá em casa pra gente, pediu,

pediu a meu pai a permissão de namorar na porta.

3 0 3 Ninguém vê, hoje em dia ninguém vai pedir mais, é

raro uma, uma pessoa vim pedir aos pais pra namorar

na porta né, é raro, aí pronto, aí ficamos, ficamos dois

anos, depois nós nos separamos [...]

111

OCORRÊNCIAS QUANTIDADE DADOS

NÓS A GENTE

1 0 1 Foi impedimento, foi, aí porque meus pais sempre

diziam, “não existe na família primo com primo, você

será a primeira”, aí teve aquele empecilho aí acabamos

mesmo nos casando mesmo no, no caso a forçado, no

caso eu fui, ele deu entrada nos papéis, eu casei de

menor.

0 3 3 [...] (...inint...) numa casa de alguém pra ajudar, porque

não tem é isso, a gente não ganhava nem de, não era

nem dinheiro, a gente não ia por troca do dinheiro, a

gente já ia troca por causa de uma roupa, pra ganhar

uma roupa.

112

LEVANTAMENTO DE DADOS

INQUÉRITO N º35

DATA: 24/10/1998

Gênero/sexo: Homem

Faixa etária: 4 (64 anos)

Escolaridade: Ensino fundamental

NÓS

A GENTE

OCORRÊNCIAS QUANTIDADE DADOS

NÓS A GENTE

1 0 1 [...] depois disso vim morar no Sertanejo com os meus

pais novamente, depois disso fui pro Beiru, no Beiru

estamos vivendo hoje com a minha família, tem os

filhos, tem a minha esposa, tem o meu netinho muito

querido, que eu adoro muito, que é a minha fofura né, é

o meu nego...

0 1 1 [...] a nossa vida de, de criança é uma coisa muito 19

sadia, quando a gente tem infância muito com saúde é o

essencial [...]

0 1 1 Estou aposentado, mas estou ganhando bobagem, mas

essa vida é essa mesmo, a gente tem que ir seguindo

conforme é a vi, é a realidade.

3 1 4 [...] nossos pais nos fizeram pra nós aprendermos a

profissão, e nós íamos para o colégio, do colégio ia pra

alfa, alfa, pra oficina, pra alfaiataria, pra sapataria, o

que fosse, viu. E os meninos de hoje em dia já, já é

mais facilidade, porque hoje mesmo, hoje em dia a

pessoa vai pro colégio já entra no primeira, no primeiro

ano agora sai, já sai na oitava série pra ir pra, pra

primeiro (...inint...) primeiro grau, e no quinto ano a

gente tinha que estudar...

0 2 2 [...] aquele tempo era tudo fartura, a gente ia pegar

laranja, manga na roça de uns camaradas lá, elas levam

pra gente pra ir em São Camilo, era Vilas, era Santo

Antônio Rocha, era que essa turma assim, (...inint...)

tinha que ir lá no Saboeiro (...inint...), a gente ia lá

pegar manga lá, a vida lá era outra, era a única

brincadeira da gente antigamente.

0 1 1 É, antigamente, é, antigamente a gente ia, mas era tudo

conhecidos.

3 0 3 Tudo normal, os vizinhos é, que nós moramos em São

Gonçalo nós saíamos e íamos pra lá

1 1 2 Eu não acho que vão ter a liberdade que nós tínhamos,

que anti, a liberdade de anti, antigamente a liberdade

era uma liberdade sadia, e a gente não vê essa liberdade

com esse sadismo todo né [...]

0 2 2 E muito, e muito. Porque naquela época que a gente

morava lá na, lá no Tancredo, a gente dormia com a

porta aberta [...]

113

OCORRÊNCIAS QUANTIDADE DADOS

NÓS A GENTE

3 0 3 Hoje, hoje, ultimamente nós estamos vivendo pior do

que passarinho, porque o passarinho tem a liberdade, já

nós não temos a liberdade, porque a nossa residência

tem que ter grade pelas janelas, nas portas, em tudo, e

nós não podemos ter a liberdade...

0 2 2 Distante, quando a gente sabia de uma coisa dessa já

ficava estarrecido [...]

1 0 1 A escola eu pintava muito, na hora da, da picula eu

pintava, tinha uma irmã mais velha mesmo, a minha

irmã C..., ela dizia “meu irmão” e minha irmã, e minha

prima F..., “meu irmão, bula naquele ali, que é pra nós

pegarmos ele pra dar bordoada”[...]

1 0 1 [...] a professora, quer bater na professora, chama os

pais, vamos, quer agredir a professora, e não pode ser

assim, porque no meu tempo não era assim não, no

meu tempo ficava de joelho é, no limão, o limão

debaixo do queixo, no sal grosso, na tampinha, no

milho e de braços abertos, pra não deixar o limão cair.

0 2 2 Ah, os, os alu, os colegas, e aí a gente tinha que

estudar, sabatina tinha que estudar bastante pra não

perder na sabatina, era todo o Sábado sabatina. [...]

0 1 1 [...] aí foi lá e contou tudo a minha mãe, relatou todos

fatos a minha mãe, minha mãe não deixou, desse dia

pra cá pronto, aí todo dia que eu pegava ele bordoada,

bordoada, teve uma época que a gente ia sair...

10 0 10 C... e F..., aí ela disse “pega ela e bate, pega ela e bate”,

eu cheguei peguei a menina dei uns tapas, aí a, menina

veio maior do que eu pegou e me bateu, aí descemos,

saí do colégio, saímos cedo, aí descemos na, na Lagoa,

que nós morávamos cá na Tesoura em São Gonçalo, aí

descemos a lagoa, chegou dentro do mato, ficamos

escondidos, aí tinha assim uma ruma de cansanção, alta

mesmo, aí nós passamos aí, “lá vem ela, é vem a

menina, é vem ela aí”, aí pegamos essa menina, tiramos

a roupa dela, aí jogamos dentro do cansanção.

5 2 7 Aí tiramos a roupa dela e jogamos dentro do

cansanção, eu, eu, C... e F..., aí veio uma, uma prima de

meu pai chamada C... disse “mas menino, o que é que

vocês estavam fazendo com essa menina?”, a gente aí

largou a menina e saiu correndo, saiu todo mundo

correndo, chegamos em casa, pegamos a lata e aí fomos

a fonte pra regar água [...]

1 0 1 Sem ninguém mandar, enchemos a (...inint...) de água,

aí mã...

114

LEVANTAMENTO DE DADOS

INQUÉRITO N º 43

DATA:

Gênero/sexo: Mulher

Faixa etária: 1 (20 anos)

Escolaridade: Ensino fundamental

NÓS

A GENTE

OCORRÊNCIAS QUANTIDADE DADOS

NÓS A GENTE

0 1 1 [...] Minha mãe disse que eu era muito abusada, que eu

tinha... tinha uma moça lá, uma velhinha que... que eu e

Vítor chamava de vó, que não é vó... vó não que a

gente chamava de vó.

0 5 Não. A gente chamava de vó. Aí a gente quando era

pequeno gostava muito dela aí ficava muito atrás dela,

chamava ela de vó, ela dizia que a gente não era vó

dela, que era para parar de chamar ela de vó...

0 2 2 [...] Eu e Vítor era pequenininho, não é? que mainha

trabalhava, a gente ficava dentro de um caixote debaixo

de um balcão, mainha trabalhava de... de garçom. A

gente ficava debaixo de um... de uma caixa.

0 1 1 Aí a gente ficava... (superp.)

0 2 2 Restaurante. Pequeno assim. Aí a gente ficava lá

debaixo. Eu Vítor era pequenininho. Aí eu que seu

mais velha do que ele, não é? totalmente eu criei ele

também cuidei dele, assim... todos eles. Vítor, mão,

mão quer dizer que é Nilton, não é? A gente chama de

mão. Não tem o costume de chamar de Nilton mesmo.

Aí a gente...

0 1 1 Assim, eu gostaria de tomar conta de neném, não é?

porque não vou agüentar mesmo trabalhar na casa de

branco, porque tem... tem gente que é exigente, não é?

a gente limpa uma coisa ela, ah, aqui ainda está sujo

[...]