Nota sobre Racismo

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  • 8/10/2019 Nota sobre Racismo

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    Nota de repdio s atitudes racistas manifestadas no debate do XI de Agosto

    Ns, do Coletivo Feminista Dandara, manifestamos publicamente nosso repdio aotexto produzido e distribudo nesta tera-feira, 04 de novembro, pelo Movimento Resgate

    Arcadas, acerca de seu posicionamento sobre a contratao de mulheres negras, passistas,

    como mulatas do Grito do Peru, e das demais consideraes feitas em rela o pauta racial.O Movimento Resgate Arcadas ignora completamente toda a histria escravista

    brasileira e contribui para a perpetuao do mito da democracia racial, ao desconsiderar quebrancos e negros no possuem o mesmo acesso a garantias sociais bsicas, como sade,educao e moradia. Esquece que a maioria da populao brasileira negra, e que, dasenzala ao "quarto de empregada", da lavoura ao canteiro de obra, esta populao a maisexplorada e precarizada - que no esta populao que comanda as instncias de poder, emtodas as esferas dominadas por uma elite branca.

    Tal posicionamento de maneira nenhuma contempla as discusses travadas pelo

    Coletivo Dandara, que, ao longo de seus sete anos de existncia, vem incessantemente,discutindo a importncia de um feminismo interseccional, em que a questo de gnero dialoguecom as questes de raa e classe. A Semana do Colorindo a Faculdade de Negra, realizadah quatro anos na semana anterior ao Grito do Peru, um exemplo de nossa atuao: visaquestionar as desigualdades raciais legitimadas por trs da apropriao de culturas etradies africanas e afro-brasileiras em um ambiente totalmente embranquecido comonossa faculdade.

    importante ressaltar que, embora a So Francisco tenha sido criada em 1827 e aescravido abolida, em tese, em 1888, apenas 5 pretxs e 52 pardxs se matricularam em Direitona USP no ano de 2014, sendo que anualmente 560 estudantes ingressam somente nesse

    curso!Dessa forma, no contexto especfico da So

    Francisco, as mulatas so vistas como figuras exticas quecumprem o papel de atrao numa festa. Naturaliza-se ofato de que os corpos das mulheres negras esto ao dispordos estudantes - vale dizer, dos homens - legitimando aposio de que aquele no um espao em que elas sobem-vindas enquanto sujeitos. A erotizao do corpo damulher negra esvazia qualquer autonomia que ascoloque enquanto sujeito ativo de sua prpriaidentidade nesse espao, contrariando as teses liberais deque a mulher negra deve ocupar o espao que ela quiser.

    Alm disso, as poucas mulheres negras que entramna Sanfran passam por um processo de embranquecimento, resultante do anseio por umaaceitao nesse processo de ascenso social, uma vez que o branco tido como o ideal a seralcanado. Isso porque a escravido foi abolida, mas os mitos sobre a negra e o negro no.Quem nunca ouviu a expresso cabelo ruim? Ou morena da cor do pecado? So

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    expresses racistas , que derivam da viso de que negros e negras so feios, maus, inferiores,ou ento superpotentes, hipersexualizados. No se trata de elogios, mas sim de um reflexo daatual viso da sociedade, a qual enxerga xs negrxs como animalescxs e xs brancxs comoracionais.

    Sabemos da dificuldade que as mulheres negras enfrentam para a construo da suaidentidade. O cabelo duro, tratado com pentes quentes e escovas progressivas, demandafora para ser assumido. O bumbum, os quadris e os seios avantajados se tornam marcas deum convite dirio para serem mais desrespeitadas que as mulheres brancas - quando,somente, j no lhes basta o tom de pele. Reconhecer-se como negra requer coragem paraassumir todos os nus que essa identidade - histrica e reiteradamente - te impe.

    nesse contexto que as mulheres negras entram na So Francisco: como alunasembranquecidas, que no se vem e no querem ser vistas como negras, por toda a cargahistrica negativa sobre ser negra; como passistas de samba, para sambar em frente a 99% deestudantes brancos; ou como trabalhadoras terceirizadas, inseridas num regime de trabalho

    precarizado e numa funo na qual so sumariamente invisibilizadas.Isto posto, necessrio que as e os estudantes dessa Faculdade de Direito se

    proponham a ouvir o que as negras e os negros tem a dizer sobre o que ser pretx numasociedade cujos espaos de poder so ocupados por brancxs. preciso que no se ignore ofeminismo negro, tampouco as opresses sofridas no dia-a-dia por cada negra e negro dedentro e de fora da So Francisco. preciso entender que a cultura negra vai muito almde um evento em que estudantes brancos se divertem ao assistir e fotografar mulheresnegras seminuas, criando uma atmosfera que coloca o corpo negro como algo extico,externo e aliengena a nossa realidade.

    Um coletivo poltico que pretende disputar o XI de Agosto, antes de se arrogar o direitode dizer qual a melhor representao cultural das mulheres negras a ser trazida, precisalevar em considerao a viso do conjunto das mulheres negras que ocupam espao naFaculdade. Isso no significa apenas ouvir a voz das estudantes negras que compem ocoletivo. Quando pessoas brancas respaldam uma viso que vem sendo sabidamente criticadapor contribuir com esteretipos racistas das mulheres negras, desconsiderando a leiturahistrica que vem sendo feita pelo movimento feminista e por grande parte das mulheresnegras da So Francisco, tomam uma postura poltica racista .

    por isso que dizemos, em alto e bom som: no, atitudes racistas no serotoleradas! No basta dizer que foi um erro, preciso assumir responsabilidade poltica. Porque

    racismo no questo de opinio . Ele existe e opera todos os dias, seja pela morte de umxpretx pela PM, seja pela mutilao da autoestima dessas e desses que compem mais de 50%da populao brasileira. Racismo uma questo estrutural e no apenas uma questo queest nos olhos de quem v. Ou no racista uma sociedade que destina a suas cidadsnegras os piores empregos, os piores salrios e piores condies de vida 1 e ainda defende que

    1 http://www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/TDs/td_0769.pdf

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    elas manifestem sua cultura, como fonte de renda complementar, dentro de uma dasuniversidades mais anti democrticas do pas?

    A representao cultural das mulheres negras no pode ser entendida de maneiradescolada do ambiente poltico no qual estamos inseridxs . A ideologia racial dominante naSo Francisco branca. Trazer cultura negra para esse ambiente impe a necessidade dedilogo com xs estudantes negrxs e com o movimento negro de maneira mais ampla .Construir uma posio revelia desses sujeitos polticos um ato extremamente irresponsvelde apropriao cultural, que contribui apenas para perpetuar representaes fetichizantes eracistas da negritude.

    Assim, preciso que o debate sobre racismo no se esvazie e no se reduza disputapelo Centro Acadmico, tornando-se objeto de opinies oportunistas e incitando a tolerncia aoracismo. O debate do racismo em nossa Faculdade precisa se consolidar como pauta a serlevada a srio por estudantes e coletivos e, de fato, aprofundada, por qualquer pessoa que seproponha a discutir poltica nesta faculdade de direito.

    Assinam esta nota xs seguintes estudantes negrxs:Brbara Correia Florncio SilvaDanilo CruzFernanda GomesFelipe Dias GonalvesIgor Rocha da SilvaJulia dos Santos DrummondJoo Paulo Possa TerraMariana Rodrigues OliveiraPatricia Bueno Ferreira AraujoRenan Machado Pasin