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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS FENÔMENOS FÍSICOS Notas de aula PROF. ANDERSON COSER GAUDIO DEPARTAMENTO DE FÍSICA CCE UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO 2014

Notas de aula - Prof. Anderson · Introdução ao Estudo dos Fenômenos Físicos Prof. Anderson Coser Gaudio-UFES 4 1. O Curso de Física Antes da reforma da educação brasileira,

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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS FENÔMENOS FÍSICOS

Notas de aula

PROF. ANDERSON COSER GAUDIO

DEPARTAMENTO DE FÍSICA – CCE

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

2014

Introdução ao Estudo dos Fenômenos Físicos Prof. Anderson Coser Gaudio-UFES

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Sumário

1. O CURSO DE FÍSICA .............................................................................................................................................. 4

1.1. O CURSO DE FÍSICA DA UFES ............................................................................................................................. 5

1.2. AFINAL, O QUE É FÍSICA? ................................................................................................................................... 6

1.3. O QUE É NECESSÁRIO PARA SER UM BOM FÍSICO? ..................................................................................................... 8

1.4. A PROFISSÃO DE FÍSICO ....................................................................................................................................10

1.5. BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................................................11

2. A PRÁTICA CIENTÍFICA ........................................................................................................................................12

2.1. PSEUDOCIÊNCIA .............................................................................................................................................13

2.2. CIÊNCIA E CONHECIMENTO CIENTÍFICO .................................................................................................................14

2.3. O MÉTODO CIENTÍFICO .....................................................................................................................................15

2.3.1. Falhas do “método científico” ................................................................................................................16

2.3.2. Um exemplo real ...................................................................................................................................17

2.4. O FENÔMENO NATURAL E SUA OBSERVAÇÃO ..........................................................................................................20

2.5. OBSERVAÇÃO E MEDIÇÃO EM FÍSICA ....................................................................................................................20

2.6. FENOMENOLOGIA, MODELOS QUALITATIVOS E QUANTITATIVOS ..................................................................................20

3. MEDIÇÕES ..........................................................................................................................................................21

3.1. SISTEMA DE UNIDADES .....................................................................................................................................22

3.2. PREFIXOS DO SI ..............................................................................................................................................24

3.3. PADRÕES DE MEDIÇÃO .....................................................................................................................................25

3.4. ERROS EXPERIMENTAIS .....................................................................................................................................26

3.5. ALGARISMOS SIGNIFICATIVOS E INCERTEZAS ...........................................................................................................26

3.5.1. Algarismos significativos em problemas de Física ...................................................................................27

3.6. OPERAÇÕES COM ALGARISMOS SIGNIFICATIVOS ......................................................................................................28

3.6.1. Adição e Subtração ................................................................................................................................29

3.6.2. Multiplicação e Divisão ..........................................................................................................................29

3.6.3. Regra para os arredondamentos ............................................................................................................30

3.7. ANÁLISE ESTATÍSTICA .......................................................................................................................................30

4. ALGUMAS FERRAMENTAS ÚTEIS EM FÍSICA ........................................................................................................31

4.1. ANÁLISE DIMENSIONAL .....................................................................................................................................31

4.2. ORDENS DE GRANDEZA.....................................................................................................................................31

4.3. APROXIMAÇÕES MATEMÁTICAS ..........................................................................................................................31

4.4. USO DA CALCULADORA CIENTÍFICA ......................................................................................................................31

4.5. DICAS PARA RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS DE FÍSICA ..................................................................................................32

5. APLICAÇÃO DE CONCEITOS E IDEIAS - MECÂNICA ...............................................................................................35

Introdução ao Estudo dos Fenômenos Físicos Prof. Anderson Coser Gaudio-UFES

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5.1. PÊNDULO SIMPLES ..........................................................................................................................................35

5.1.1. Introdução.............................................................................................................................................35

5.1.2. Teoria ....................................................................................................................................................35

5.1.3. Aplicação ..............................................................................................................................................39

5.1.1. Prática: Determinação da latitude .........................................................................................................42

5.1.2. Prática: Determinação da longitude .......................................................................................................44

5.1.3. Prática: Determinação da aceleração da gravidade local .......................................................................47

5.1.4. Modelagem ...........................................................................................................................................49

5.1.5. Problemas .............................................................................................................................................49

5.2. QUEDA LIVRE .................................................................................................................................................50

5.2.1. Introdução.............................................................................................................................................50

5.2.1. Teoria ....................................................................................................................................................51

5.2.2. Aplicação ..............................................................................................................................................54

5.2.3. Prática...................................................................................................................................................55

5.2.4. Modelagem ...........................................................................................................................................59

5.2.5. Problemas .............................................................................................................................................62

Introdução ao Estudo dos Fenômenos Físicos Prof. Anderson Coser Gaudio-UFES

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1. O Curso de Física

Antes da reforma da educação brasileira, iniciada em 1996, os cursos de Física resumiam-se a

apenas duas modalidades: licenciatura e bacharelado. A primeira formava professores para atuar no

ensino de nível médio, enquanto o bacharelado formava profissionais para a docência em nível

superior e a pesquisa científica. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN – Lei

9.394, de 20 de dezembro de 1996) e, principalmente, as normas subsequentes criadas pelo

Ministério da Educação (MEC) e pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), modificaram a

concepção do que deveria ser o “novo” curso de Física. Segundo as Diretrizes Nacionais

Curriculares para os Cursos de Física, aprovadas pelo Parecer 1.304/2001 do CNE, os cursos devem

ter duração de quatro anos e enquadrar-se em uma das modalidades definidas por estas diretrizes,

quais sejam, Físico-pesquisador, Físico-educador, Físico-tecnólogo e Físico-interdisciplinar. Não

importando a modalidade do curso, deve haver um núcleo de disciplinas que seja comum a todas e

que deve ocupar os dois primeiros anos do curso. A ideia por trás disso é que o núcleo comum deva

proporcionar uma base de conhecimentos que definam o perfil geral do físico:

“O físico, seja qual for sua área de atuação, deve ser um profissional

que, apoiado em conhecimentos sólidos e atualizados em Física, deve

ser capaz de abordar e tratar problemas novos e tradicionais e deve

estar sempre preocupado em buscar novas formas do saber e do fazer

científico ou tecnológico. Em todas as suas atividades a atitude de

investigação deve estar sempre presente, embora associada a

diferentes formas e objetivos de trabalho.”

Portanto, o perfil geral do físico deve ser galgado a partir da aprovação nas disciplinas do núcleo

comum do currículo do curso. Indo além do perfil geral, foram destacados quatro perfis específicos,

que deverão ser alcançados no ciclo profissional do curso ou, na terminologia do MEC, em seus

módulos sequenciais. Esta diferenciação deve ser operacionalizada por meio da existência de

disciplinas especializadas em cada curso, nos dois últimos anos do currículo. O Parecer 1.304/2001

do CNE define cada um destes perfis:

“Físico-pesquisador: ocupa-se preferencialmente de pesquisa, básica

ou aplicada, em universidades e centros de pesquisa. Esse é com

certeza, o campo de atuação mais bem definido e o que

tradicionalmente tem representado o perfil profissional idealizado na

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maior parte dos cursos de graduação que conduzem ao Bacharelado

em Física.

Físico-educador: dedica-se preferencialmente à formação e à

disseminação do saber científico em diferentes instâncias sociais, seja

através da atuação no ensino escolar formal, seja através de novas

formas de educação científica, como vídeos, “software”, ou outros

meios de comunicação. Não se ateria ao perfil da atual Licenciatura

em Física, que está orientada para o ensino médio formal.

Físico-tecnólogo: dedica-se dominantemente ao desenvolvimento de

equipamentos e processos, por exemplo, nas áreas de dispositivos

opto-eletrônicos, eletro-acústicos, magnéticos, ou de outros

transdutores, telecomunicações, acústica, termodinâmica de motores,

metrologia, ciência dos materiais, microeletrônica e informática.

Trabalha em geral de forma associada a engenheiros e outros

profissionais, em microempresas, laboratórios especializados ou

indústrias. Este perfil corresponderia ao esperado para o egresso de

um Bacharelado em Física Aplicada.

Físico-interdisciplinar: utiliza prioritariamente o instrumental (teórico

e/ ou experimental) da Física em conexão com outras áreas do saber,

como, por exemplo, Física Médica, Oceanografia Física,

Meteorologia, Geofísica, Biofísica, Química, Física Ambiental,

Comunicação, Economia, Administração e incontáveis outros campos.

Em quaisquer dessas situações, o físico passa a atuar de forma

conjunta e harmônica com especialistas de outras áreas, tais como

químicos, médicos, matemáticos, biólogos, engenheiros e

administradores.”

A partir de 2001 o MEC estabeleceu prazos para que todos os cursos de Física promovessem

reformas curriculares para adaptarem-se à LDBEN.

1.1. O Curso de Física da UFES

O curso de Física presencial da UFES concluiu sua reforma curricular em 2008 e decidiu por

manter sua vocação anterior com a proposição das modalidades Físico-pesquisador (FP) – antigo

bacharelado – e Físico-educador (FE) – antiga licenciatura. Os detalhes sobre a concepção

pedagógica e o currículo desses cursos estão definidos em seus respectivos Projetos Pedagógicos de

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Curso (PPC), disponível para consulta no site do Colegiado de Curso de Física (COLFIS). Cabe aqui

destacar duas novidades em relação ao currículo anterior, implantado em 2001. A primeira é que o

currículo de 2008 previu a elaboração de uma Monografia de Fim de Curso nos últimos dois

semestres de ambos os cursos. A segunda é a execução de Atividades Complementares ao longo de

todo o curso. Estas visam o enriquecimento curricular por meio da participação do aluno em variadas

atividades, relacionadas ao ensino, pesquisa e extensão.

Infelizmente, algumas diretrizes previstas no Parecer 1.304/2001 do CNE não foram

observadas quando da reformulação curricular de 2008. Os principais desvios em relação ao parecer

são: (a) A recomendação de manter um núcleo comum de disciplinas nos dois primeiros anos do

curso, o que seria responsável pela formação do perfil geral do físico, não foi observada. Até o

quarto período da modalidade FE, há nada menos do que sete disciplinas que só deveriam aparecer

na segunda fase do curso. (b) A recomendação da duração de quatro anos para todas as modalidades

do curso de Física não foi seguida, pois a modalidade FE (noturno) de nosso curso de Física possui

duração de cinco anos. (c) As atividades complementares que, ao menos em princípio, enriqueceriam

o currículo do futuro físico, só foram definidas como obrigatórias para a modalidade FE. Na

modalidade FP, a execução de atividades complementares é optativa. Como era de se esperar, na

prática nenhum aluno desta modalidade participa de atividades complementares. Esta me parece uma

falha grave, pois no cardápio disponível no PPC das duas modalidades estão previstas atividades de

ensino, pesquisa e extensão, que deveriam ser capazes de “enriquecer” o currículo tanto do PE

quanto do FP.

1.2. Afinal, o que é Física?

Hoje em dia é cada vez mais raro que os capítulos introdutórios dos livros de Física

apresentem uma definição clara e sucinta do que seja a Física. A maioria desses livros prefere

trabalhar as ideias e os personagens que criaram a ciência física e, assim, tentar gerar na mente do

estudante um quadro mais amplo do que seja a física. Ou seja, preferem o conceito à definição.

Também não estamos interessados numa definição particular de Física, nem tampouco em

propor uma nova definição. No entanto, achamos que pode haver utilidade em comparar as

definições mais comuns para tentar chegarmos a uma conclusão mais basal sobre o termo Física.

Sendo assim, seguem algumas delas:

“Física é uma ciência que procura entender como as coisas acontecem

em nosso meio ambiente natural e por que elas ocorrem de tal

maneira.” (McKelvey & Grotch)

Introdução ao Estudo dos Fenômenos Físicos Prof. Anderson Coser Gaudio-UFES

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“É a ciência que investiga as leis do universo no que diz respeito à

matéria e à energia, que são seus constituintes, e suas interações.”

(Dicionário Houaiss)

“É o estudo da relação entre a matéria e a energia, de suas propriedades

e das leis que regem sua interação.” (Guia do Estudante Abril)

“Ciência que se propõe a compreender e a descrever os fenômenos que

ocorrem na natureza, especialmente os relacionados às propriedades e

interações de matéria e energia.” (pt.wiktionary.org)

“Ciência que se ocupa dos componentes fundamentais do Universo, das

forças que interagem entre si e dos efeitos das ditas forças.”

(pt.shvoong.com)

“Ciência que lida com matéria e energia e a forma como eles interagem

em termos de calor, luz, eletricidade e som.” (Merriam-Webster)

Tendo em vista as definições acima, fica fácil perceber que os três conceitos mais citados

sobre o que seja a Física são: matéria, energia e interação. Naturalmente que as áreas e os modos de

atuação dos físicos são bem diversos. No entanto, se quisermos resumir o que os físicos fazem em

seu trabalho, independentemente de sua especialidade, podemos dizer que o foco da Física está

concentrado na investigação sobre matéria, energia e suas interações.

Mas precisamos ir além das definições para galgar a verdadeira dimensão do que seja a

Física. Para isso, temos de lembrar que o objeto de estudo da Física é a natureza. Ou seja, o físico

estuda a matéria, a energia e suas interações em ambientes que vão desde a intimidade dos quarks, no

interior dos núcleos atômicos, até os superaglomerados de galáxias nos confins do universo.

Falta conectar

Talvez o princípio mais fundamental da Física seja o de que a natureza funciona com base em

regularidades. São exemplos dessas regularidades o fato de que todos os seres vivos nascem,

crescem, se reproduzem e morrem; que os corpos sempre caem em direção à Terra; que o Sol sempre

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nasce no leste e se põe no oeste; que as estrelas estão no céu, arrumadas do mesmo jeito. A

observação de fenômenos regulares levam os físicos a propor leis. Estas devem possuir caráter tão

geral quanto possível, preferencialmente universal. Note que, para serem aceitas, as leis não

precisam necessariamente ser demonstradas. Este é o caso da Lei Zero da Termodinâmica, que diz

que “se dois corpos estiverem em equilíbrio térmico com um terceiro, estarão em equilíbrio térmico

entre si”.

Quando se reúne um conjunto harmônico de leis que conseguem explicar grande número de

fenômenos em determinada área de conhecimento, além de prever a existência de fenômenos ainda

desconhecidos, o resultado é uma teoria científica. As teorias são o patamar mais elevado a que pode

ser elevado o trabalho do físico. Usamos as teorias como referência teórica em estudos e

investigações científicas. Sempre que uma teoria provê uma explicação satisfatória sobre

determinado fenômeno ficamos confiantes

E quando uma lei já aceita pela comunidade científica parece ter sido violada, isso geralmente

desperta grande interesse. Pode ser que isso signifique uma falha ou deficiência na própria lei (e uma

oportunidade para seus opositores) ou

, sendo que estas podem ser detectadas a partir da observação. Os físicos de verdade são pessoas que

não resistem a tentar compreender como essas regularidades ocorrem e como tirar proveito desse

conhecimento.

1.3. O que é necessário para ser um bom físico?

Tentar enumerar uma série de predicados que, em conjunto, definiria uma pessoa como um

físico em potencial pode ser muito arriscado. No entanto, considerando o caráter científico da Física,

todas as qualidades que favorecem o exercício da ciência também favorecerão o exercício da Física.

Sendo assim, podemos assim destacar:

a) Pensamento crítico

Consiste em analisar de forma lógica e cuidadosa as informações que nos chegam para que

nossas ações e crenças sejam baseadas em fundamentos concretos (CASTRO, 2002). Se você deseja

saber se possui pensamento crítico, responda “Sim” ou “Não” às seguintes perguntas: Você costuma

(a) seguir a sabedoria popular? (b) acreditar em boatos? (c) seguir sua “intuição”? (d) seguir as

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palavras de uma “autoridade” (política, religiosa, etc.)? (e) seguir preceitos religiosos? (f) jogar uma

moeda ao tomar decisões? (g) pedir conselhos a videntes, ou similar? (h) evitar pensar num assunto e

simplesmente tomar uma decisão?

Para saber o resultado é simples. Quanto maior o número de respostas “Sim”, menor é sua

capacidade de pensar criticamente.

b) Interesse e curiosidade

c) Capacidade de formular perguntas-chave

Uma das etapas essenciais do trabalho do futuro físico consiste na elaboração de “boas”

perguntas. Mas o que são as boas perguntas?

São aquelas Estas são exatamente as perguntas a que o estudante está acostumado a formular

durante as aulas. Uma pergunta Por exemplo, a pergunta “Quais são as forças que agem sobre um

corpo em queda livre?” revela ape.

Por que algo, antes que o nada?

Por que o céu é azul?

Por que a maçã cai e a Lua não?

Dado o presente, qual será o futuro?

Escala de tempo para as respostas:

Newton demorou pouco menos de dois anos para decifrar a mecânica celeste.

Feynman levou 8 anos para desenvolver e eletrodinâmica quântica.

Andrew Wiles conseguiu provar o teorema de Fermat após três séculos de frustradas tentativas.

d) Abstração

Em Física, a abstração é a habilidade de se concentrar nos aspectos essenciais de um

problema, desprezando todas as características menos importantes. Em relação a isso, o estudante

deve sempre lembrar que, ao contrário do senso comum, a natureza não é exatamente caracterizada

pela simplicidade. Graças à complexidade da natureza, a análise física de cada fenômeno deve ser

feita de forma a eliminar todos os aspectos que criam em torno dele um nevoeiro que dificulta sua

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investigação, e assim manter apenas os demais aspectos que, juntos, ainda constituem a essência do

fenômeno.

Talvez o exemplo mais famoso de abstração da Física tenha sido o de Galileu em relação à

queda dos corpos. No Século III a.C., Aristóteles estabeleceu o princípio de que corpos mais pesados

cairiam mais rapidamente ao solo quando soltos simultaneamente de uma mesma altura. Essa ideia

prevaleceu até o Sec. XVII (quase dois mil anos), quando Galileu provou que se a resistência do ar

fosse desconsiderada, todos os corpos, leves e pesados, cairiam com mesma aceleração. Mas por que

desprezar o ar, se ele está sempre presente aqui na Terra? Aí é que está a genialidade de Galileu. Ao

contrário de seus contemporâneos, Galileu conseguiu enxergar que a Terra não é o centro do

universo (a hipótese de Copérnico) e nem o único lugar em que os fenômenos físicos como a queda

livre poderia ocorrer. Assim, a existência do ar em nosso planeta poderia ser considerada um mero

acidente e que não necessariamente seria a regra em outros locais fora da Terra.

e) Gosto pelo estudo

1.4. A profissão de Físico

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Figura 1.1. Atividades relacionadas ao ensino e à pesquisa e demais atividades que o físico pode exercer.

1.5. Bibliografia

CASTRO, A. T. Uma introdução ao pensamento crítico. Rio de Janeiro: Projeto Ockham, 2002.

Disponível em: <http://www.projetoockham.org/ferramentas_critico_1.html> Acesso em: 04 abr.

2014.

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2. A prática científica

Quando eu era criança a televisão ainda era muito cara para uma família pobre como a nossa.

Assim, ouvíamos frequentemente os programas do rádio. Na verdade, como minha mãe não gostava

de silêncio em casa, o rádio ficava ligado o dia inteiro. E como ela também não queria perder a

continuidade das notícias e das atrações do rádio, ela o mantinha sempre a todo volume. Assim,

querendo ou não, não importa onde estivéssemos brincando em nosso quintal, éramos obrigados a

ouvir toda a programação diária. No período da manhã havia um cidadão chamado Omar Cardoso, o

astrólogo. Ao longo dos intervalos da programação normal, ele anunciava as previsões do dia para as

pessoas nascidas em certos intervalos de datas. Ele tinha voz grave e séria. Impunha respeito. Lá em

casa, sempre que era anunciada a fala de Omar Cardoso todos tinham de se calar. Minha mãe corria

para perto do rádio para ouvir melhor o que estava previsto para acontecer com as pessoas. E quando

chegava a hora das previsões para os nascidos entre 20/02 e 20/03 (ela era pisciana, de 15/03), quem

ousasse abrir a boca tinha castigo certo.

O mais interessante sobre Omar Cardoso é que, ao que me lembro, ele nunca errou uma

previsão sequer. Num dia ele se dirigiu aos capricornianos (22/12 a 20/01) para que “tomem cuidado,

pois alguém próximo a você pode prejudica-lo no trabalho”. E assim, este foi um dia em que

centenas de milhares de pessoas passaram o dia olhando de um lado para outro, desconfiadas,

enquanto tentavam trabalhar. Noutro dia, os leoninos (22/07 a 22/08) foram alertados de que “hoje é

um dia propício ao romance e, sendo assim, devem ficar atentos aos sinais emitidos pelo sexo

oposto”. Mais uma vez, outra miríade de crentes munidos de confiança extra, avalizada pelo

astrólogo infalível, saía de casa preparada para encontrar sua alma gêmea. Em minha casa, sempre

que mamãe ouvia a previsão de peixes, ela prontamente se preparava para um dia de cuidados

especiais, seja para impedir que algo ruim ocorresse, seja para facilitar que algo bom se realizasse. E

sempre funcionou!

Como o leitor já deve ter percebido, as previsões diárias feitas por Omar Cardoso são sempre

acompanhadas por verbos que transmitem incerteza (“...alguém próximo a você pode prejudica-lo no

trabalho”) ou que deixam as coisas um pouco vagas, tais como “...dia propício ao romance...” e

“...sinais emitidos pelo sexo oposto”. Daí que se você capricorniano não foi prejudicado no trabalho

nesse dia, é porque o cuidado tomado surtiu efeito. E se você leonino arrumou uma nova namorada

nesse outro dia, mais um ponto para o astrólogo. Mas e se o amor de sua vida não apareceu? Muito

simples, a culpa foi sua. Você não foi capaz de decodificar os “sinais emitidos pelo sexo oposto”.

Portanto, na próxima vez preste mais atenção.

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Era uma pena que Omar Cardoso não se dirigia às crianças. Suas profecias eram endereçadas

aos adultos, pois falavam sempre de saúde, trabalho, romance, relações pessoais e viagens, ou seja,

assuntos que não afetavam a vida das crianças daquela época. Eu às vezes tentava imaginar em como

Omar Cardoso obtinha suas famosas previsões. Eu sabia que elas vinham do céu e que conhecendo o

momento exato do nascimento de uma pessoa e a configuração do céu naquele momento, o livro de

sua vida estaria completo. Tudo que você precisaria fazer é seguir as instruções.

2.1. Pseudociência

A astrologia é o exemplo mais famoso do que chamamos de pseudociência. Como o nome

sugere, pseudociência não é ciência. O prefixo pseudo é de origem grega e significa falso. Portanto, a

pseudociência é algo que apenas tenta se confundir com a ciência. Ela costuma usar linguagem

envernizada com termos científicos e faz uso frequente de afirmações confiantes e cheias de

autoridade. Só que tudo que emana das pseudociências carece de algo essencial e que no fim das

contas é responsável pelo prefixo que lhe é atribuído; a refutabilidade.

Karl Popper foi um dos mais importantes filósofos da ciência do século XX. O termo

racionalismo crítico é o conceito central de sua epistemologia1. Segundo Popper, qualquer candidato

a conhecimento científico deve, para início de conversa, ser passível refutação. Ou seja, deve ser

possível elaborar e executar testes que permitam falsear as premissas em que se baseiam tal

conhecimento. Assim, uma afirmação como “um político importante morrerá no ano que vem” não

pode ser considerada como científica sob a ótica de Popper, pois se baseia em afirmação vaga e que

pode se concretizar puramente por critério estatístico. Assim, a chance de que algum político

importante venha a falecer durante o ano é praticamente 100%, mesmo porque a afirmação não

menciona o grau de importância do político (pode ser municipal, estadual ou federal), muito menos

sua nacionalidade (pode ser de qualquer lugar do mundo). Já a afirmação “todos os cisnes são

brancos” tem, segundo Popper, caráter científico, pois pode ser falseada com facilidade. Para isso,

basta encontrar um cisne que não seja branco.

Além da astrologia, há muitas outras pseudociências, tais como Ufologia, Numerologia,

Grafologia, Homeopatia, Criptozoologia, Cromoterapia, etc. Mas as pseudociências não se limitam

às logias. Pessoas inescrupulosas, oportunistas e desonestas se utilizam das pseudociências para tirar

proveito das pessoas simples e (cientificamente) ignorantes, gente que não falta em nosso país. Nesta

categoria podem ser incluídos cartomantes, quiromantes, alguns líderes religiosos, entre outros.

1 Epistemologia é o ramo da filosofia que estuda a natureza, a origem e a validade do conhecimento.

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Até em assuntos simples e caseiros a pseudociência pode estar presente. São exemplos: a

colocação de vassoura invertida atrás da porta para a visita ir embora mais cedo, o cultivo de

espadas-de-São Jorge para afastar mau-olhado, a colocação de garrafas pet cheias de água próximas

ao medidor de luz para economizar energia, bater três vezes na madeira para afastar o azar, a mística

do número 13 (em vários países, muitos prédios não possuem andar número 13, pois não vendem

bem), além de muitos outros.

2.2. Ciência e conhecimento científico

De forma bem ampla, podemos classificar o conhecimento humano em duas grandes

categorias. A primeira refere-se ao conhecimento confiável, testável, relacionável e capaz de gerar

explicações e previsões sobre a natureza. A segunda categoria engloba o conhecimento informal, as

tradições, as invencionices, os medos, os tabus, os dogmas, as proibições infundadas, etc. A ciência é

uma invenção humana que funciona como um filtro para separar o conhecimento científico (a

primeira categoria) das demais formas de conhecimento (a segunda).

Embora encontrar conhecimento informal e pseudocientífico seja muito fácil, pois está por

toda a parte, felizmente encontrar o conhecimento científico também não é muito difícil. Ele está nos

livros, nos artigos científicos, em alguns programas de TV e em partes selecionadas de jornais e

revistas. Para o estudante que começa seu curso de graduação em Física, o local mais adequado para

o encontro com o conhecimento científico é o livro didático, recomendado pelo professor. E uma vez

que o recomenda, o professor deve apresenta-lo aos seus alunos. É lamentável quando, na

apresentação do livro, o professor apenas se restrinja a enumerar os conteúdos que serão abordados

ao longo do semestre usando o índice como referência. Este momento deveria ser mais formal. Mais

cerimonioso. O professor deveria alertar o estudante de que o conhecimento científico contido

naquele livro não caiu do céu. Deveria enfatizar e conscientizar o aluno de que aquele conhecimento

é fruto da construção da mente humana e, portanto, não é descoberto, não é exato, não é verdadeiro,

não é definitivo e não é imutável. Outra coisa que o estudante deveria aprender é que tudo o que está

escrito nos livros-texto de Física é uma herança intelectual da raça humana, acumulada ao longo dos

séculos. Cada seção desses livros é o resultado do esforço de vidas inteiras consumidas por trabalho

árduo e esgotamento físico e mental. Nesse processo, alguns poucos homens e mulheres conheceram

a glória e tornaram-se imortais. No entanto, a grande maioria dos construtores do conhecimento

científico permanecerá para sempre desconhecida do estudante. Mas este deveria saber que os

anônimos são tão importantes quanto os gênios. Não haveria Newtons e Einsteins se não houvesse

escolas, professores, colegas, auxiliares, orientadores, orientandos e, principalmente, livros, escritos

pelos estudiosos que os precederam. Também não devemos nos esquecer dos governos e dos

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contribuintes, ou seja, a população em geral, que financiam o avanço da ciência. Assim, o aluno

deveria ter consciência de que o conhecimento científico é resultado do esforço coletivo global e é,

portanto, patrimônio de toda a humanidade.

2.3. O método científico

A compreensão sobre o que seja o método científico tem sido um pouco comprometida pela

necessidade de apresenta-lo de forma didática para alunos secundaristas. Esta necessidade fez com

que, pouco a pouco, a apresentação do método científico convergisse para um esquema algorítmico,

mais parecido com um fluxograma (Figura 2.1). Em esquemas desse tipo, a aplicação do método

começa invariavelmente com a observação do fenômeno. Embora muitos fenômenos possam ser

observados no ambiente natural, a observação de que trata o método científico é aquela realizada em

condições controladas e de forma sistemática, o que na maioria das vezes só pode ser feito num

laboratório. A observação feita dessa forma invariavelmente gera dados numéricos na forma de

tabelas, além de relatos qualitativos sobre aspectos variados acerca do fenômeno.

Figura 2.1. Diagrama de fluxo que ilustra a sequência de etapas que constituem o método científico ensinado

em muitos livros didáticos do ensino médio.

Seguindo a ordem da Figura 2.1, haverá necessidade de arrumar uma explicação plausível

para o comportamento dos dados coletados no processo de observação controlada. Para isso, o

método científico prescreve que devemos formular tantas hipóteses quantas forem possíveis de forma

que ao menos uma possa conter uma explicação razoável para o que foi observado. Essas hipóteses

devem seguir a recomendação de Popper, ou seja, devem ser falseáveis. Assim, o cientista deve

organizar sua lista de hipóteses, colocando as mais prováveis no topo. A seguir, deve planejar e

executar experimentos para tentar falsear cada uma delas. Fazendo isso, pode ser que uma ou mais

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16

hipóteses sobrevivam aos testes. Nesse caso, deve-se estabelecer algum critério para selecionar qual

hipótese contém a melhor explicação para o fenômeno. Um critério que se tornou clássico é o da

navalha de Ockham, que diz que “se em tudo o mais forem idênticas as várias explicações de um

fenômeno, a mais simples é a melhor”. E se nenhuma das hipóteses sobreviver aos testes? Neste

caso, talvez o cientista tenha deixado escapar alguma hipótese plausível. Ou talvez ele esteja diante

de um fenômeno cuja explicação dependa de um princípio físico ainda desconhecido.

O passo seguinte mostrado na Figura 2.1, a teoria científica, é um dos pontos fracos desse tipo

de esquema2. De acordo com a receita, uma ou mais hipóteses comprovadas experimentalmente são

promovidas a teoria. A partir daí, deve-se utilizar a teoria para explicar fenômenos conhecidos ainda

sem explicação razoável e, mais importante, tentar prever a existência de fenômenos ainda

desconhecidos. Se a teoria sobreviver a esses testes, ela certamente será reconhecida pela

comunidade científica. Caso não sobreviva, deverá passar por um processo de reciclagem, em que as

hipóteses de base deverão ser reavaliadas. Assim o ciclo é repetido até que se consiga uma teoria que

satisfaça ao critério de explicação e previsão.

2.3.1. Falhas do “método científico”

No artigo intitulado “Sobre o ensino do método científico”, Moreira e Ostermann (1993)

destacam o caráter humano da atividade científica. Sendo a ciência uma criação humana e praticada

por seres humanos, não há como estabelecer uma ordem rígida sobre como o conhecimento

científico pode ser criado. É mais razoável conceber as criações científicas como uma permanente

interação entre o pensar, o sentir e o fazer.

O cinema costuma mostrar os cientistas como pessoas racionais, lógicas, disciplinadas,

focadas e íntegras, de tal forma que quando batem o martelo sobre a explicação de algum fenômeno

o assunto está encerrado. Na prática não é bem assim. Os homens e as mulheres têm seus problemas

pessoais, suas paixões, preconceitos, instabilidades, sexualidade além de outras características que

fazem parte do “pacote” que caracteriza a personalidade do cientista. E tudo isso interfere na forma

de criar, de trabalhar, de pensar e de decidir sobre a ordem das coisas. Isso se tiver alguma ordem,

pois o processo de criação científica pode requerer idas e vindas, rupturas, reformulações, abandonos

e outras ações que definitivamente não estão em acordo com a ordem algorítmica do método

científico tradicional.

2 Uma teoria científica é muito mais do que um conjunto de hipóteses recém-comprovadas. Trata-se sim de um conjunto

de leis, princípios e conceitos que trabalham de forma harmônica para explicar os fenômenos de um vasto campo de

conhecimento, além ser capaz de prever fenômenos ainda não observados.

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17

O maior problema envolvendo esquemas como o da Figura 2.1 é que eles podem gerar a

ilusão de que seguindo os passos indicados pelo fluxo poder-se-ia obter conhecimento científico

seguro. Segundo Moreira e Ostermann (1993), se isso fosse verdade poderia representar a

possibilidade da existência de uma máquina de conhecimento científico. Bastaria alimentar esta

máquina com observações e dados experimentais e coloca-la em operação para obter conhecimento

científico confiável.

Na seção seguinte são mostradas as principais etapas do desenvolvimento do

eletromagnetismo como ciência unificada. Com isso pretende-se ilustrar um dos caminhos por onde a

ciência física progride. Veremos que os fatos não necessariamente seguem a ordem estabelecida pelo

diagrama da Figura 2.1. O exemplo a seguir Vamos tentar ilustrar o que se convencionou chamar de

método científico com um exemplo.

2.3.2. Um exemplo real

Até o início do século XIX, os fenômenos elétricos eram completamente dissociados dos

fenômenos magnéticos. Ou seja, eletricidade e magnetismo eram duas áreas distintas da Física.

Enquanto que na eletricidade eram estudados cargas, correntes e outros fenômenos elétricos, no

magnetismo estudavam-se o campo magnético da Terra, os imãs e as propriedades magnéticas dos

diversos materiais.

Em abril de 1820, durante uma aula de Física na Universidade de Copenhagen onde fazia

demonstrações experimentais com aparatos elétricos e magnéticos, o Prof. Hans Christian Øersted

apresentou a seus alunos um efeito inusitado. Inicialmente ele posicionou a agulha de uma bússola

perpendicularmente a um fio elétrico conectado a uma fonte de corrente contínua. Ao ligar a corrente

nada aconteceu; a agulha permaneceu inerte. Mas ao alinhar a agulha magnética ao fio e religar a

corrente, ocorreu um fenômeno que nunca havia sido relatado na literatura científica3. A agulha

sofreu uma deflexão e assim permaneceu até que a corrente fosse desligada. Quando isso foi feito, a

agulha voltou a se alinhar com o fio. Então o professor inverteu o sentido da corrente, o que fez com

que a deflexão da agulha fosse novamente observada com igual intensidade, porém no sentido

inverso ao ocorrido anteriormente.

3 Há registros de que o italiano Gian Domenico Romagnosi tenha observado o fenômeno da deflexão da agulha

magnética por uma corrente elétrica cerca de 20 anos antes de Øersted. No entanto, o trabalho de Romagnosi não foi

reconhecido pela comunidade científica. (STRINGARI e WILSON, 2000)

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18

Figura 2.2. Experimento de Øersted. Fio condutor de corrente contínua e bússola alinhada ao fio. A

passagem da corrente elétrica provoca deflexão na agulha magnética.

Nos meses que se seguiram, Øersted estudou o fenômeno de forma mais metódica. O

resultado de suas observações foi inicialmente publicado numa comunicação privada e de circulação

restrita. No mesmo ano, teve seus resultados publicados no Journal für Chemie und Physik (Schrag,

Nuremberg, v.29, p. 275-281, jul. 1820) sob o título Experimenta circa effectum conflictus electrici

in acum magneticam (Experimentos sobre o efeito da eletricidade em conflito com a agulha

magnética4).

A importância desta observação foi logo reconhecida pela comunidade científica. Ainda em

1820, o físico francês André-Marie Ampère publicou a lei matemática que permite o cálculo da

corrente elétrica total em um ou mais condutores a partir do conhecimento do campo magnético

resultante gerado pelas correntes. Nesse mesmo ano, os também franceses Jean-Baptiste Biot e Félix

Savart descobriram a lei que permite determinar o campo magnético gerado por uma dada corrente

elétrica.

A experiência de Øersted, que denunciou a criação de um campo magnético a partir de uma

corrente elétrica, gerou na comunidade científica a expectativa de que o processo inverso também

fosse possível. Muitos foram os pesquisadores que trabalharam incessantemente ao longo da década

de 1820 para demonstrar que era possível a criação de correntes elétricas a partir de campos

magnéticos. Dentre eles, os que mais se destacaram foram o americano Joseph Henry, o inglês

Michael Faraday e o russo Heinrich Lenz. Embora Henry e Faraday tenham conseguido descobrir a

indução eletromagnética no mesmo ano (1831), Faraday foi o primeiro a publicar seus resultados. A

Lenz coube a descoberta de outro fenômeno eletromagnético que também envolve indução, que ficou

conhecido como Lei de Lenz.

4 Tradução livre.

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Figura 2.3. Experimento de Faraday. A bateria à direita gera corrente elétrica que percorre a bobina A, ao centro, que se

transforma num potente eletroímã. Quando A é inserida na bobina maior B, por alguns instantes aparece uma corrente

induzida em B que é detectada no galvanômetro G, à esquerda. Para manter a corrente induzida é preciso movimentar

constantemente A para dentro e para fora de B. O movimento de saída da bobina A induz corrente com sentido contrário

ao do movimento de saída. Portanto, a indução de Faraday produz corrente elétrica alternada.

Ao longo da primeira metade o século XIX, outras contribuições ao eletromagnetismo foram

feitas, sendo algumas teóricas e a maioria experimental. Até que em 1861 o escocês James Clerk

Maxwell publicou um trabalho monumental que unificou definitivamente a eletricidade e o

magnetismo, consolidando a área da física denominada eletromagnetismo. Suas quatro equações, um

primor de síntese matemática5, foram capazes de explicar todos os fenômenos eletromagnéticos

conhecidos e alguns desconhecidos. Dentre estes, a natureza da luz foi o mais importante.

À época em que as leis de Maxwell foram publicadas, a luz era um fenômeno isolado e

completamente à parte do eletromagnetismo. Nada fazia suspeitar que pudesse haver alguma relação

entre ambos. Devemos lembrar que a teoria ondulatória da luz, de Huygens-Young-Fresnel, havia

vencido a teoria corpuscular de Newton após séculos de disputa. Além disso, graças aos

experimentos de Ole Rømer (1676), Hippolyte Fizeau (1849) e Léon Foucault (1862), a velocidade

da luz já era conhecida com imprecisão de uma parte em 170.

Ao manipular adequadamente suas leis, Maxwell foi capaz de prever a existência de um

fenômeno ondulatório novo, as ondas eletromagnéticas. Estas seriam originadas a partir do

movimento acelerado de cargas elétricas. Em 1888, o alemão Heirich Hertz foi bem sucedido em

gerar pela primeira vez as ondas previstas por Maxwell, que ficaram conhecidas como ondas

hertzianas. O mais interessante disso tudo é que a teoria de Maxwell também foi capaz de prever a

velocidade dessas ondas. E para surpresa geral, a velocidade prevista para as ondas eletromagnéticas

5 A primeira formulação de Maxwell era um sistema de vinte equações a vinte incógnitas. As equações de Maxwell

mostradas hoje nos livros de Física utilizam cálculo vetorial e foi o resultado do trabalho do inglês Oliver Heaviside e do

norte-americano Willard Gibbs (1884).

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20

era igual à velocidade experimental das ondas luminosas. Ou seja, a teoria de Maxwell permitiu a

descoberta de que a luz é uma onda eletromagnética, cuja única diferença para as demais é a

capacidade de ser detectada pelo olho humano.

STRINGARI, S.; WILSON, R. Romagnosi and the discovery of electromagnetism. Rendiconti

Lincei. Scienze fisiche e naturali v:11, n:2 p.115 -136, 2000.

2.4. O fenômeno natural e sua observação

2.5. Observação e medição em Física

A Física é uma ciência experimental. Seus avanços nem sempre têm início em experimentos,

mas são estes que sempre darão a última palavra. Portanto, a experimentação em Física é algo de

fundamental importância. A experimentação pode dividida em diversas etapas, tais como

planejamento do experimento, montagem do aparato experimental, medição/coleta de dados,

tratamento estatístico e interpretação dos resultados.

2.6. Fenomenologia, modelos qualitativos e quantitativos

PARTE II

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21

3. Medições

A obra do pintor holandês Vincent van Gogh exibida na Figura 3.1 é intitulada “Meio-dia:

Descanso do Trabalho”. Trata-se de um quadro que mostra dois camponeses tirando uma soneca

sobre um monte de feno logo após o almoço. Observe-a atentamente e tente responder: qual é a

medida da beleza deste quadro?

Figura 3.1. Meio-dia: Descanso do Trabalho. Van Gogh, 1889

O link da Figura 3.2a abaixo irá direcionar o leitor para uma apresentação orquestral da Ária

na corda Sol da Suíte No. 3, do compositor alemão J.S. Bach. Ouça-a com atenção.

(a) (b)

Figura 3.2. (a) Vídeo da apresentação da Ária da Suíte No. 3, do compositor alemão J.S. Bach, disponível no

endereço http://www.youtube.com/watch?v=3mlsKCyuDnw. (b) Johann Sebastian Bach (1685–

1750).

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Agora tente responder: qual é a medida da beleza desta música? Você deve estar pensando...

É possível estabelecer uma unidade cuja escala possa traduzir em números algo como beleza? Note

que não estamos falando de olhar o quadro ou ouvir a música e dar uma nota entre zero e dez. Se

assim fosse, pessoas diferentes atribuiriam números diferentes para avaliar a beleza dessas obras e,

portanto, não chegaríamos à conclusão alguma sobre o verdadeiro grau de sua beleza. A dificuldade

para traduzir beleza em números decorre do fato de que beleza é um conceito puramente abstrato.

Não podemos quantificar objetivamente e de forma reprodutível as sensações pessoais que surgem

da observação de uma obra de arte. Esta é uma das razões que impede a arte de ser classificada como

ciência.

Entre outras coisas, para que uma área de conhecimento possa ser classificada como ciência,

as observações resultantes das atividades nessa área devem poder ser traduzidas em números. E mais

que isso, os números devem ser reprodutíveis em qualquer lugar e a qualquer tempo. A Física é uma

dessas áreas, assim como são a Química, a Biologia, e muitas outras. A Física é uma ciência que

progride sempre embasada em observações experimentais. E a parte mais importante de qualquer

observação é a medição.

É sabido que nem todo estudante se tornará cientista. Portanto, para quê temos que nos

preocupar com medições? Não devemos pular esta parte e ir direto para a Física propriamente dita? É

claro que não. Acontece que a realização de medições não é importante apenas no âmbito da ciência.

Em nosso cotidiano sempre estamos fazendo medições. Sempre que consultamos o relógio, fazemos

a medida do tempo. Sempre que subimos numa balança, medimos nossa massa. Quando estamos

com febre, não medimos a temperatura corporal? Quando fazemos um pão, há necessidade de medir

a massa do trigo, o volume do leite e a temperatura do forno. As medições estão presentes em nossa

vida, independente de sermos cientistas ou não. Por este motivo, o estudante deve aprender os

fundamentos envolvidos na medição. Este conhecimento irá ajudá-lo ao longo de toda sua vida. E

não há lugar melhor para se aprender isso do que nas aulas de física.

3.1.Sistema de unidades

O sistema de unidades físicas adotado no Brasil é o Sistema Internacional de Unidades, ou SI,

que também é adotado pela maioria dos países do mundo. Uma exceção notável são os Estados

Unidos, que usam o chamado Sistema Inglês. O SI define os padrões e as unidades de medição das

grandezas físicas que compõe o sistema. Para nós neste momento, as grandezas físicas mais

importantes são o tempo, a massa e o comprimento.

A unidade do SI para o tempo é o segundo, cujo símbolo é s. O segundo é definido em função

do período de uma radiação emitida pelo átomo de césio. Tecnicamente, o segundo é a duração de

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23

9.192.631.770 períodos da radiação correspondente à transição entre dois níveis hiperfinos do estado

fundamental do átomo de césio 133. Essa radiação é de natureza eletromagnética, tal como é a luz

visível ou a radiação responsável pelo aquecimento dos alimentos no forno de microondas. Você

deve lembrar que o período é o tempo que um sistema oscilante leva para completar um ciclo.

Um exemplo notável de padrão de tempo é o NIST-F1, relógio atômico de césio capaz de

trabalhar 60 milhões de anos sem adiantar ou atrasar um segundo sequer (Figura 3.3). O NIST-F1 é

mantido pelo National Institute of Standards and Technology (NIST) e atualmente é o padrão

primário de tempo utilizado nos Estados Unidos.

Figura 3.3. NIST F-1.

A unidade do SI para o comprimento é o metro, cujo símbolo é m. No passado, o metro era

definido como sendo a distância entre dois riscos feitos sobre uma barra metálica (Figura 3.4a). Hoje,

o padrão de comprimento é definido em função da velocidade da luz. O metro é a distância

percorrida pela luz durante 1/299.792.458 s, sendo que a velocidade da luz foi definida exatamente

como o inverso desse valor. Na prática, o comprimento deixou de ser uma das grandezas

fundamentais do SI, sendo substituído pela velocidade.

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24

(a) (b)

Figura 3.4. (a) Antigo padrão do metro. (b) Padrão moderno do metro, materializado com o uso de um laser

de hélio-neon estabilizado por vapor de iodo.

A unidade do SI para a massa é o quilograma, cujo símbolo é kg. O padrão de massa é um

cilindro metálico que fica guardado na Agência Internacional de Pesos e Medidas, em Paris (Figura

3.5). Cópias desse padrão foram enviadas para o mundo inteiro. A cópia brasileira fica armazenada

no Inmetro que, entre outras coisas, fornece os padrões que serão usados na calibração de

instrumentos de medição em todo o Brasil.

Figura 3.5. Padrão do quilograma.

3.2.Prefixos do SI

O Sistema Internacional de Unidades define prefixos-padrões que podem ser usados para

designar múltiplos e submúltiplos das unidades do sistema. Os principais múltiplos e submúltiplos

são mostrados na Tabela 3.1.

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25

Tabela 3.1. Prefixos do SI

Fator Prefixo Símbolo Fator Prefixo Símbolo

101 deca da 101

deci d

102 hecto h 102

centi c

103 quilo k 103

mili m

106 mega M 106

micro

109 giga G 109

nano n

1012

tera T 1012 pico p

1015

peta P 1015 femto f

Muitas grandezas que usam estes prefixos nos são familiares. Vejamos alguns exemplos: um

quilograma é igual a mil gramas, ou 103 g; um mililitro é igual a um milésimo de litro, que é igual a

103

L; um megaton é igual a um milhão de toneladas, ou 106 toneladas, de alguma coisa como, por

exemplo, do explosivo TNT; e um gigabyte é igual um bilhão de bytes, ou seja, 109 bytes. Os

prefixos do SI também servem de inspiração para a criação de novos termos usados na área

científica. Por exemplo, o termo nanotecnologia refere-se ao conjunto de conhecimentos e técnicas

que possibilitam a construção de estruturas e novos materiais a partir dos átomos individuais. Nesse

termo, o prefixo nano é usado para designar a ordem de grandeza das estruturas construídas, ou seja,

109

m.

3.3.Padrões de medição

Para medirmos alguma coisa, precisamos de um padrão de referência. Por exemplo, para

medirmos a massa de um objeto, precisamos de um padrão de massa. O que é isto? Um padrão de

massa nada mais é do que um objeto cuja massa será usada para comparação com a massa que

queremos medir. O tipo, o tamanho e a forma desse objeto são escolhidos arbitrariamente. Suponha

que o padrão de massa escolhido seja um pequeno cilindro de metal, que convencionamos ter

exatamente uma unidade de massa (Figura 3.6a).

(a) (b)

Figura 3.6. (a) Cilindro metálico que poderia ser usado como padrão fictício para o quilograma. (b) A medida

da massa é uma comparação entre a massa de um objeto e a massa de um padrão pré-definido.

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26

Portanto, para medir a massa de uma melancia, por exemplo, devemos contar quantos desses

cilindros de metal são necessários para equilibrar a melancia numa balança (Figura 3.6b). Se forem

precisos quatro cilindros, a massa da melancia será igual a quatro unidades de massa. Podemos ainda

dar um nome para a unidade de massa referente ao padrão escolhido, só para não termos de dizer

toda hora que a melancia tem “quatro unidades de massa”. Vamos batizá-la de quilograma. Portanto,

a tal melancia têm agora quatro quilogramas de massa.

Agora vem a parte principal. Como você já deve suspeitar, ao medirmos a massa de um

objeto, não é preciso saber do que ela é feita. Além disso, a medida da massa não nos fornece

qualquer informação precisa sobre a natureza da massa presente no objeto. Muito menos podemos

concluir algo sobre o motivo de o objeto ter massa, ou ainda sobre o que seja a própria massa. A ação

de medir é basicamente uma comparação entre uma quantidade conhecida, que é o padrão, e uma

desconhecida, que é o que desejamos medir.

3.4.Erros experimentais

3.5.Algarismos significativos e incertezas

Quando efetuamos a medida da largura de uma folha de papel, estamos querendo descobrir

qual é o valor real dessa grandeza. E que valor é esse? Ninguém sabe e ninguém nunca saberá

exatamente. Mas vamos imaginar que um ser divino nos informasse que certa folha de papel A4

tivesse 21,02684938... cm de largura, com todas as casas decimais que desejássemos. Neste exemplo,

vamos simplesmente ignorar a impossibilidade de obter medida exata e completa para qualquer

grandeza física. Pois bem, agora vamos entregar essa folha a um físico para que ele efetue a medida

de sua largura. Só que não mencionamos o fato de que já conhecemos seu valor exato por

antecipação. O físico toma uma régua milimetrada de boa qualidade (Figura 3.7a), faz a medida e nos

diz o resultado: 21,03 0,02 cm. O resultado causa-nos certa surpresa. O 21,03 cm já era esperado,

mas que negócio é este de “ 0,02”? Ele nos explica que a largura da folha não é exatamente 21,03

cm, mas sim um valor desconhecido (ao menos para ele) que está localizado entre 21,01 cm e 21,05

cm. O termo “ 0,02” é chamado de incerteza da medição. Aí você consulta o valor exato da largura

fornecido pelo ser divino e constata que o físico tem razão: de fato a largura exata encontra-se nesse

intervalo. O físico então resolve melhorar a acurácia da medida e usa um paquímetro para medir a

largura da folha (Figura 3.7b). Desta vez, ele obtém 21,024 0,003 cm, sendo que agora o valor real

da largura deve está entre 21,021 cm e 21,027 cm. Você conclui que o físico acertou novamente.

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27

(a) (b)

Figura 3.7. (a) Detalhe da escala uma régua milimetrada. (b) Paquímetro.

Há pelo menos duas coisas que devemos concluir a respeito desse exemplo. Em primeiro

lugar, toda medida física está associada a uma incerteza, sendo que muitos são os fatores

responsáveis pela incerteza da medida. Os mais importantes são a limitação da escala do instrumento

de medida, o nível de calibração do instrumento, as condições reinantes no ambiente da medição e a

habilidade do medidor. Em segundo lugar, quando efetuamos a medida de uma grandeza estamos

tentando descobrir um valor que é desconhecido. A medição é o meio utilizado para encontrar esse

valor. Quanto melhor for o instrumento de medida utilizado, maior será a extensão do conhecimento

do valor procurado.

A expressão extensão do conhecimento do valor procurado está relacionada com o número

de algarismos significativos da medida. As duas medidas efetuadas pelo físico diferem em relação à

quantidade de algarismos significativos. Deixando-se de lado a incerteza, a primeira medida, 21,03

cm, tem quatro algarismos significativos, enquanto que a segunda, 21,024 cm, tem cinco. Podemos

notar que o número de algarismos significativos de uma medida é determinado pelo tipo de

instrumento usado na medição. Quanto melhor o instrumento, maior o numero de algarismos

significativos da medida e, consequentemente, mais informação ela nos traz.

3.5.1. Algarismos significativos em problemas de Física

Considere o enunciado do seguinte problema de mecânica básica (Halliday, Resnick e

Walker, Fundamentos de Física, 8.ed., 2008):

“Um elevador e sua carga têm uma massa total de 1.600 kg. Determine a tensão

do cabo de sustentação quando o elevador, que estava descendo a 12 m/s, é

levado ao repouso com aceleração constante em uma distância de 42 m.”

Como na maioria dos problemas de Física, o enunciado deste problema cita valores

numéricos de grandezas físicas: massa de 1.600 kg, velocidade de 12 m/s e distância de 42 m. De

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28

onde saíram esses números? Ora, da cabeça de quem elaborou o problema! Sim, é verdade. Só que,

como esses valores referem-se a grandezas físicas, você não pode vê-los simplesmente como

números, mas sim como medições. E como tal, devem estar sujeitas às restrições normais das

medidas, como a incerteza.

Mas sendo assim, não deveria haver incertezas explícitas no enunciado, como (1.600 2) kg?

Felizmente não. O uso de notação de incertezas tornaria a resolução dos problemas

desnecessariamente complicada. Há uma maneira mais simples de resolver as coisas. Devemos

assumir que os valores das medidas de todas as grandezas físicas nos problemas têm incerteza de

uma unidade no último algarismo significativo da medida. Por exemplo, no enunciado acima, os

valores das grandezas citadas devem ser vistos como (1.600 1) kg, (12 1) m/s e (42 1) m. E se

houver decimais na medida? Devemos olhar para o último algarismo significativo das medidas. Por

exemplo, veja o enunciado a seguir:

“Um gás ideal diatômico, com rotação, mas sem oscilações, sofre uma

compressão adiabática. A pressão e o volume iniciais são 1,20 atm e 0,200 m3. A

pressão final é 2,40 atm. Qual é o trabalho realizado pelo gás?”

Neste caso, interpretamos as medidas presentes no enunciado como (1,20 0,01) atm e

(0,200 0,001) m3 e (2,40 0,01) atm.

3.6.Operações com algarismos significativos

Quando se trabalha com uma grandeza física cuja medida não traz explícita a incerteza, é

preciso ter em mente que, mesmo assim, a incerteza afeta diretamente o último dígito da medida.

Portanto, as operações que você efetuar com as medidas de qualquer grandeza darão como resultado

um número que tem uma quantidade bem definida de algarismos significativos.

Vamos dar um exemplo que pode melhorar a compreensão sobre isso. Imagine que um

camponês decidiu medir o perímetro de um terreno irregular de quatro lados. Para efetuar as

medições ele utilizou uma trena de fibra de vidro de boa qualidade, além de contar com ajuda de um

empregado. Assim, o primeiro lado mediu 35,45 m, o segundo 48,70 m e o terceiro 42,37 m. Quando

se preparava para iniciar a medição do quarto e último lado, sua esposa o chamou para almoçar. Para

não ficar sem terminar o trabalho, o camponês decidiu-se por realizar essa medida contando passos

de 1 m, o que resultou em 65 m.

A pergunta agora é: que medida do perímetro foi obtida? É fácil verificar que a soma

aritmética dos lados resultará em 191,52 m. Mas será que, do ponto de vista físico, este resultado é

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29

razoável? Instintivamente o estudante já deve ter percebido que algo deve estar errado nesse

procedimento. O raciocínio é fácil: não pode ser possível somar de igual para igual medidas feitas

com instrumentos tão diferentes (trena e passos). Enquanto que na medida 35,45 m, bem como nas

demais medições realizadas com a trena, a incerteza está no centésimo de metro, na medida 65 m a

incerteza está no metro. Assim, ao efetuar a soma, o desconhecimento dos centésimos de metro da

última medição inutilizará o conhecimento dos centésimos de metro das três primeiras. Funciona

como se a última medida nivelasse por baixo todas as demais.

3.6.1. Adição e Subtração

Ao somar e subtrair medidas físicas, devemos proceder de forma parecida ao que é ensinado

no ensino fundamental. Ou seja, organize as medidas

Exprime-se a soma dos números fatorando-se a maior potência de dez;

Verifica-se, então, qual desses números tem o algarismo duvidoso de maior ordem;

O algarismo duvidoso do resultado da adição e/ou subtração estará nessa mesma ordem.

Exemplo:

(a) 2,247 103 + 3,25 10

2 = (2,247 + 0,325) 10

3 = 2,572 10

3

Neste exemplo, os algarismos duvidosos em cada uma das parcelas pertencem à mesma ordem,

à dos milésimos.

(b) b) 3,18 104 + 2,14 10

2 = (3,18 + 0,0214) 10

4 = 3,20 10

4

Observe que os algarismos duvidosos em 3,18 e 0,0214 pertencem a ordens distintas:

respectivamente centésimos e décimos de milésimos. Neste caso, o resultado da soma será

significativo até a ordem dos centésimos apenas:

3,18 + 0,0214 -> 3,18 + 0,02 = 3,20

(c) c) 2550,0 + 0,75 = 2550,8

Aqui o número 0,75 foi arredondado para 0,8. Observe que os algarismos duvidosos em 2550,0

e 0,75 também pertencem a ordens distintas, décimos e centésimos, respectivamente. O

resultado da soma será significativo até a ordem dos décimos.

2550,0 + 0,75 -> 2550,0 + 0,8 = 2550,8

3.6.2. Multiplicação e Divisão

Mantém-se no resultado uma quantidade de algarismos idêntica à da grandeza com menor número de

dígitos significativos

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30

Exemplo: 2,3 3,1416 245 = 1,8 103

O produto dos três números deu como resultado, em notação científica, 1,7702916 103.

Todavia, mantivemos apenas dois algarismos em virtude da grandeza representada pelo número

2,3 ter apenas dois algarismos significativos.

O número 1,7702916 foi arredondado para 1,8 porque seu terceiro dígito (7) é maior do que 5.

3.6.3. Regra para os arredondamentos

Como regra geral adiciona-se uma unidade ao último algarismo significativo, se o dígito seguinte a

ele for maior ou igual a 5. Mantém-se o último algarismo significativo inalterado se o dígito seguinte

a ele for menor do que 5.

ATENÇÃO

Após identificar os algarismos significativos, assinale-os e efetue os cálculos com um ou mais

algarismos além dos necessários. Porém, não perca de vista o número de algarismos significativos

resultante de cada operação intermediária, assinalando-os também.

Na apresentação dos resultados devem permanecer apenas os algarismos significativos, isto é, os

assinalados com um traço. Observe ainda que, dentre os algarismos assinalados como significativos,

a incerteza afeta “diretamente” o de menor ordem.

Note, por exemplo, que se a incerteza for maior do que 5 unidades nesta menor ordem,

necessariamente o algarismo de ordem precedente a esta será também afetado. Em vista disto, ao

comparar dois valores resultantes de cálculos, os quais você espera que sejam iguais, os algarismos

de ordem precedente à última podem eventualmente diferir de uma unidade.

3.7.Análise estatística

Introdução ao Estudo dos Fenômenos Físicos Prof. Anderson Coser Gaudio-UFES

31

4. Algumas ferramentas úteis em física

4.1.Análise dimensional

4.2.Ordens de grandeza

4.3.Aproximações matemáticas

4.4.Uso da calculadora científica

Teste sua habilidade de fazer operações com uma calculadora científica. Para isso, faça as operações

abaixo e confira o resultado.

(a) 815.000(1 0,0775) 27253,95219

(b) 1

171,16387881 1 1

560 390 670

(c) 4 13

3557015782,24036

0,0631

4

(d)

91 0,0725 1

3500 42361,18450,0725

(e) 4 4435 3,5 1,25 0,8

4859,1406522

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32

(f)

1/3

2

13502,5 36,50801589

0,15 1,7

(g)

2

2 285001081,957489

7 12,5 8,5

8 3

(h)

2 2

3

16875 875 1500 6053,95673

1,3

(i) 3 56 96 56

0,08047 0,7411 log 1,82138393940,3

(j)

3

6

250 10

3300 47 1018 1 14,40872087e

(k)

12

1,82,255,5 1 0,07 0,07 9,5 18,0524019

4

(l) 2 2

6 5145 3000 30002,8 8,9 0,5649438202

2,5 4005 4005

(m) 1 19 19 19

153900 137700 17 137700 17 17 20557554 2 2 2

(n)

5/ 22

2

3 13500 3,51 15546,20589

2,52 2,5

(o) 1,27 1

3 1,27

200ln

14,70,9103533068

3 1,27 2001

1,27 1 14,7

4.5.Dicas para resolução de problemas de Física

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33

Problemas de física não são resolvidos com fórmulas ou macetes, mas com fundamentos de

física, raciocínio e matemática. Em diversas ocasiões permiti que os alunos escrevessem todas as

fórmulas que conheciam (bem como as que não conheciam) no quadro negro e o resultado não foi

aquele esperado. Aliás, foi ligeiramente pior. Os alunos perderam tanto tempo à busca de fórmulas

salvadoras que faltou tempo para pensar sobre os problemas.

(a) Leia com atenção o enunciado do problema antes de começar a resolvê-lo. Esta parece ser uma

dica desnecessária, mas não é. É muito comum o aluno não entender detalhes envolvidos na

situação devido a uma leitura superficial do enunciado. Pressão manométrica é diferente de

pressão. Velocidade relativa é diferente de velocidade;

(b) Durante a leitura, tente descobrir os princípios físicos envolvidos na situação. A energia

mecânica é conservada? É preciso corrigir a variação da aceleração da gravidade durante o

trajeto do objeto? A força de atrito deve ser considerada? Há necessidade de fazer correções

relativísticas? O empuxo do ar é relevante?

(c) Faça um esquema da situação envolvida no problema. Se este se desenvolve em várias etapas,

faça um esquema que mostre a evolução da situação, mesmo que isso resulte em mais trabalho.

Indique no esquema as variáveis escalares e vetoriais envolvidas e associe essas variáveis a

símbolos e abreviações consistentes. Não utilize o mesmo símbolo ou abreviação para variáveis

diferentes;

(d) Sempre indique os referenciais de espaço, de tempo, de energia potencial, etc. necessários no

esquema. Como analisar a resposta obtida para a velocidade vx = 10 m/s de um objeto, sem um

referencial xyz?

(e) Talvez a maior dúvida dos alunos consista em saber se a solução obtida para um problema, para

o qual não há resposta disponível, está correta ou não. Em geral os alunos odeiam resolver os

problemas pares dos livros de física. Para que resolver um problema se não teremos

possibilidade de verificar se a solução está correta? Talvez a melhor forma de termos certeza

sobre a correção da solução obtida é resolver o mesmo problema por dois caminhos, os mais

diferentes possíveis, e comparar as respostas. Mas isso raramente é possível para alunos de

graduação. Neste caso, veja a dica seguinte;

(f) Mesmo que um problema exija a apresentação de resposta numérica, tente resolvê-lo

literalmente antes de substituir os valores numéricos de variáveis e constantes. A obtenção da

resposta literal permite a execução de testes para verificação de sua consistência que não são

possíveis de outra forma. Primeiro, verifique se a dimensão da resposta está correta. Se o

problema pede o cálculo de uma força, a resposta deve ter dimensão de força (M.L/T2, que no

Sistema Internacional resulta em kg.m/s2, ou N). Se a dimensão estiver correta, a solução pode

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34

estar correta. Porém, se a dimensão estiver errada, a solução estará errada. Segundo, verifique se

a expressão literal obtida é consistente com o comportamento do sistema em situações extremas.

O campo gravitacional gerado por um objeto não pontual ou esférico de massa M num ponto

localizado a uma distância r do objeto deve ser aproximadamente igual a GM/r2 para pontos

muito afastados do objeto. A resposta obtida é consistente com este fundamento? Terceiro, tente

comparar a expressão obtida com equações obtidas em situações parecidas. Faça uma análise das

semelhanças e diferenças entre elas. Por último, substitua os valores numéricos e faça as

operações com cuidado. Analise a resposta numérica e veja se a mesma é consistente. Já houve

casos em que a velocidade obtida para um objeto era maior do que a velocidade da luz! A altura

da órbita de um satélite medida a partir do centro da Terra já foi calculada como sendo menor do

que o raio do planeta! Em ambos os casos, se o aluno tivesse feito uma rápida análise do

resultado teria detectado o erro e poderia revisar o cálculo;

(g) Utilize quantidade razoável de algarismos significativos para expressar a resposta numérica do

problema.

PARTE III

Introdução ao Estudo dos Fenômenos Físicos Prof. Anderson Coser Gaudio-UFES

35

5. Aplicação de conceitos e ideias - Mecânica

5.1.Pêndulo simples

5.1.1. Introdução

O pêndulo é um objeto suspenso a partir de um pivô de tal forma que possa oscilar livremente

sob a ação da gravidade (Figura 5.1). A característica mais importante dos pêndulos é a regularidade

de suas oscilações. Galileu foi o primeiro a observar a independência do período em relação à

amplitude da oscilação (isocronismo) e a utilizar essa característica para a construção de um relógio

de pêndulo. No entanto, a invenção do relógio de pêndulo foi creditada ao holandês Christiaan

Huygens, que o patenteou em 1673.

Figura 5.1. Exemplos de pêndulos.

5.1.2. Teoria

Um pêndulo simples consiste num sistema idealizado em que uma massa pontual m está

suspensa por um fio fino, leve e inextensível de comprimento L, o que faz com que toda a massa do

pêndulo esteja concentrada em sua extremidade inferior (Figura 5.2a). Ao ser deslocado de sua

posição de equilíbrio de um ângulo m e solto, passa a oscilar de tal forma que não haja perda de

energia devido ao atrito com o ar ou nos pontos de suspensão.

Introdução ao Estudo dos Fenômenos Físicos Prof. Anderson Coser Gaudio-UFES

36

(a) (b)

Figura 5.2. Pêndulo simples.

Nessas condições, a massa suspensa está sujeita a apenas duas forças: a da gravidade ( gF ),

exercida pela Terra, e a de tração ( TF ), exercida pela corda (Figura 5.2b). Como a direção da força

de tração (linha de ação da força) passa pelo ponto de suspensão do pêndulo (ponto O), esta não é

capaz de exercer torque sobre a massa suspensa. Assim, o movimento do pêndulo simples é

governado apenas pela força gravitacional. Esta pode ser decomposta em seus componentes radial (

rF ) e tangencial ( tF ). O componente radial neutraliza a força de tração, mantendo assim constante o

comprimento do fio (Figura 5.3a).

(a) (b)

Figura 5.3. Componentes da força gravitacional.

O componente tangencial da força gravitacional vale, de acordo com a Figura 5.3b:

sen sent gF F mg (5.1)

O sinal negativo na Eq. (5.1) decorre dos sentidos inversos do deslocamento angular do

pêndulo, em relação à vertical, e do torque gerado por esse componente. Ou seja, sempre que o

pêndulo se desloca para um lado, o componente tangencial da força gravitacional age no sentido de

acelerar a massa no sentido oposto.

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37

Para obter a equação de movimento do pêndulo, é preciso resolver a segunda lei de Newton

em sua forma angular, Eq. (5.2), onde t é o torque do componente tangencial da força gravitacional

(Ft L), I é o momento de inércia do pêndulo simples (mL2) e é sua aceleração angular.

t I (5.2)

.tF L I

(5.3)

22

2sen .

dmgL mL

dt

(5.4)

2

2sen 0

d g

dt L

(5.5)

A Eq. (5.5) é uma equação diferencial de segunda ordem não-linear, cuja solução exata

envolve um tipo especial de integral, chamada integral elíptica completa do primeiro tipo, que é algo

ainda um pouco avançado para alunos recém-ingressos na universidade. A solução exata para a

função (t) foge ao escopo deste texto, embora possa ser consultada alhures (Beléndez et al., 2007).

Por este motivo, é comum que apenas a expressão função do período em termos da amplitude seja

mostrada nos livros básicos de Física, uma vez que pode ser expressa na forma de uma expansão em

série de potências, como vemos na Eq. (5.6).

2 2 22 4

2 2 2

1 1 .32 1 sen sen

2 2 2 .4 2

m mLT

g

(5.6)

No entanto, uma solução alternativa para o pêndulo simples pode ser obtida rapidamente

adotando-se a aproximação sen . Esta aproximação é tanto mais verdadeira quanto menor for o

valor de , em radianos, como mostra a Tabela 5.1.

Tabela 5.1. Comportamento da aproximação sen .

(rad) sen Erro %

1 0,8414710 16

0,5 0,4794255 2,1

0,1 0,0998334 0,017

0,05 0,0499792 0,0021

0,01 0,0099998 0,000017

E qual é o valor de que valida esta aproximação? Esta é uma pergunta muito frequente que,

na maioria das vezes, costuma ficar sem resposta satisfatória. Um critério interessante que pode ser

usado é o limite de erro tolerado no valor calculado do período. Por exemplo, se adotarmos esse

limite como sendo de 1%, o valor máximo aceitável de m é de aproximadamente 23.

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38

Exercício 5.1. O desvio relativo entre o valor experimental do período de um pêndulo simples (Texp) e

seu valor calculado (Tcalc) é dado por:

exp calc

exp

T T

T

Se aproximarmos o valor de Texp pelos dois primeiros termos da expansão em série do período do

pêndulo simples, de acordo com a Eq. (5.6), teremos:

2

exp calc

11 sen

4 2

mT T

.

Mostre que o valor máximo de m que pode ser tolerado ao cometer um erro , é:

1 12sen 2 1

1m

Assim, adotando-se a aproximação sen , a Eq. (5.5) será:

2

20

d g

dt L

(5.7)

Representando g/L por 2 , uma das possíveis soluções para esta equação é

cosmt t

(5.8)

Nesta equação, o termo t é chamado de fase do movimento. É a fase que define a posição

angular do pêndulo em qualquer instante de tempo t. O termo é a constante de fase do movimento

pendular. Seu valor define a posição angular do pêndulo no instante t = 0. Ou seja:

0 cosm

(5.9)

O termo é interpretado como a frequência angular do movimento do pêndulo, o que

equivale à velocidade angular escalar média do pêndulo (daí o uso da barra sobre o símbolo, o que

evita confusão com a velocidade angular instantânea, ). Por exemplo, uma frequência angular de 2

rad/s significa que o pêndulo descreve um ângulo de 2 rad, ou seja, um ciclo completo, em 1 s.

De posse da Eq. (5.8), podemos obter expressões para a velocidade angular ( ) e para a

aceleração angular ( ), em função do tempo.

senm

d tt t

dt

(5.10)

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39

2 2cosm

d tt t t

dt

(5.11)

Exercício 5.2. Mostre que a Eq. (5.9) é uma solução da Eq. (5.7).

O período de qualquer sistema oscilante, cuja frequência angular é , é dado por:

2T

(5.12)

No caso do pêndulo simples, onde adotamos g/L por 2 , teremos:

2L

Tg

(5.13)

Como esperado, a aproximação sen tornou o período independente da amplitude

angular m .

5.1.3. Aplicação

Historicamente, a principal aplicação do conceito de pêndulo simples foi a invenção do

relógio de pêndulo. Antes disso, o tempo era medido com o auxílio de ampulhetas, velas de parafina

acesas, relógios de sol e relógios de água, também chamado de clepsidra (Figura 5.4). Nessa época, o

modo mais acurado de medir o tempo acarretava numa imprecisão de até quinze minutos por dia.

Após a introdução do relógio de pêndulo, essa medida foi reduzida para apenas cerca de quinze

segundos por dia.

E para quê isso era tão importante?

Introdução ao Estudo dos Fenômenos Físicos Prof. Anderson Coser Gaudio-UFES

40

(a) (b) (c)

Figura 5.4. Instrumentos antigos para medição de tempo. (a) relógio de sol, (b) relógio de água (clepsidra) e

(c) relógio de areia (ampulheta).

No século XVII, época do desenvolvimento do relógio de pêndulo, a navegação representava

o principal meio de expansão do domínio colonial das nações mais desenvolvidas e,

consequentemente, de ampliação de reserva de mercado para o comércio. Para aumentar esse

domínio, era preciso navegar para cada vez mais longe de casa. Essa necessidade tornou urgente a

melhoria da medição da latitude () e, principalmente, da longitude () (Figura 5.5).

Figura 5.5. Ângulos que definem a latitude () e a longitude ().

A determinação da latitude é relativamente fácil. No hemisfério norte, basta ler o ângulo entre

o horizonte e a estrela Polar (Figura 5.6). No hemisfério sul, o ângulo a ser medido é entre o

horizonte e a estrela Sigma Octantis. Essas duas estrelas estão alinhadas ao eixo de rotação da Terra

e, dessa forma, estão sempre fixas no céu noturno (Figura 5.7).

Introdução ao Estudo dos Fenômenos Físicos Prof. Anderson Coser Gaudio-UFES

41

Figura 5.6. Medida da latitude.

Figura 5.7. Estrelas usadas como referência na

medida da latitude.

Se por um lado a medida da latitude é simples, o mesmo não é verdadeiro para a longitude. A

medida da latitude é facilitada pelo fato de haver duas estrelas fixas no céu noturno, uma em cada

polo (Figura 5.7). Essas estrelas fornecem a referência ideal para a determinação da latitude. No caso

da longitude, a situação é diferente. Na direção leste-oeste não há uma estrela sequer que esteja fixa

em relação à Terra, pois a abóbada celeste gira continuamente no sentido leste-oeste. Isso

impossibilita a determinação precisa da longitude por meio da medida de ângulos (embora isso possa

ser feito de forma aproximada usando-se a Lua como referência). Portanto, antes do advento do GPS,

a única maneira de medir a longitude era por meio do uso de relógios.

A longitude A de um ponto A, localizado sobre a superfície da Terra, é um ângulo medido

sobre o plano (ortogonal ao eixo de rotação e paralelo ao plano equatorial da Terra), que passa pelo

ponto A (Figura 5.8). O ângulo é centrado no ponto onde o eixo de rotação cruza o plano (ponto

O), sendo medido a partir do ponto R. O ponto de referência (R) é definido pela interseção de uma

linha de referência, que vai do polo norte ao polo sul ao longo da superfície da Terra, com o plano .

Por convenção internacional, a linha de referência, denominada Meridiano de Greenwich, passa pelo

Observatório Real de Greenwich, na Inglaterra, e possui longitude igual a 0. Partindo-se daí para o

leste, temos valores crescentes de longitude de 0 a +180 e, para o oeste, de 0 a 180. Como o Sol

está (relativamente) fixo no espaço e a Terra gira em torno de seu eixo no sentido oeste-leste, ao

viajarmos para o leste nosso relógio fica atrasado e, portanto, devemos adiantá-lo para que fique

sincronizado com a hora local. O contrário ocorre quando viajamos para o oeste, quando devemos

atrasar nosso relógio.

Introdução ao Estudo dos Fenômenos Físicos Prof. Anderson Coser Gaudio-UFES

42

Figura 5.8. Definição da longitude do ponto A, localizado sobre a superfície da Terra.

A Terra é uma (quase) esfera que leva 24 horas para dar uma volta completa em torno de seu

eixo. Dividindo-se os 360 de sua circunferência por esse tempo, obtemos 15 por hora. Ao sair para

o mar aberto, um navegador antigo levava consigo um relógio sincronizado com a hora local.

Durante a viagem, ele determinava a hora do navio com base em observação astronômica, como por

exemplo, a localização do Sol. Ao comparar a hora atual com a hora do relógio trazido de casa, a

longitude era determinada com base na regra de 1 h = 15 de longitude. Por exemplo, se a hora

astronômica estiver atrasada em relação à hora do relógio em 2,5 horas, a longitude será de 38 em

relação ao ponto de partida.

Portanto, como a determinação do posicionamento global dependia essencialmente da

medição do tempo, houve grande incentivo financeiro para o desenvolvimento de relógios cada vez

mais precisos. E o relógio de pêndulo reinou absoluto durante quase de três séculos.

5.1.1. Prática: Determinação da latitude

Nesta atividade prática, os alunos são desafiados a medir a latitude do local onde vivem,

utilizando recursos bem primitivos. Este experimento deve ser executado à noite, com céu limpo e

em local um pouco afastado das luzes da cidade. Além disso, deve ser realizado por um grupo de três

a cinco pessoas.

Materiais

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43

(a) Tripé de máquina fotográfica ou alguma superfície estável ao nível do rosto

(b) Nível de pedreiro

(c) Transferidor circular

(d) Régua

(e) Lanterna

Procedimento experimental

(a) Monte o tripé e posicione sobre o mesmo o nível de pedreiro na posição horizontal. Se

necessário, ajuste o tripé de forma a manter a bolha de ar do nível da horizontal exatamente

no centro das marcas de referência.

(b) Posicione a régua ao lado do nível e aponte-a para o local mais provável onde esteja a estrela

-octans. Mantenha a régua imóvel.

(c) Use o transferidor para ler o ângulo entre o nível e a régua. Estabeleça a incerteza da medição

de acordo com as condições gerais da mesma. Este ângulo corresponde à latitude local (exp).

(d) Repita a medição alternando as pessoas que fazem a leitura e que operam a régua. Faça isso

até obter cinco medidas.

Tabela de dados

Registre as medições na tabela abaixo e utilize as regras de operação com algarismos significativos

para obter o valor médio da latitude local.

Medida Ângulo exp Valor médio de exp

1 ±

±

2 ±

3 ±

4 ±

5 ±

Comparação

Agora é preciso comparar o valor médio de exp com algum valor de referência. A forma mais

confortável de obter um valor de referência, tanto da latitude quanto da longitude, é por meio do

Introdução ao Estudo dos Fenômenos Físicos Prof. Anderson Coser Gaudio-UFES

44

Google Mapsa. Ao acessar o site, busque no mapa o local onde foi realizado o experimento. Em

seguida, clique com o botão direito do mouse sobre esse local e selecione a opção “O que há aqui?”

no menu flutuante. As coordenadas geográficas do local aparecerão no alto do mapa à esquerda.

Verifique na documentação do Google Maps a incerteza da medida da latitude.

Valor de referência da latitude (ref)

±

O valor de referência está dentro dos limites do valor experimental? Demonstre.

Desvio relativo

Compare o valor obtido no experimento (exp) com o valor de referência (ref), do Google

Maps. Não se esqueça de utilizar as regras de operação com algarismos significativos.

exp ref

%

ref

100%d

(5.14)

5.1.2. Prática: Determinação da longitude

Nesta atividade prática, que complementa a anterior (5.1.1. Prática: Determinação da latitude)

os alunos são novamente desafiados, desta vez para fazer a medição da latitude do local onde vivem,

utilizando recursos primitivos. Este experimento deve ser executado em local aberto e calçado (como

uma quadra de esportes), próximo ao meio dia e com céu limpo. Além disso, deve ser realizado por

um grupo de três a cinco pessoas.

Materiais

(a) Vara fina e reta, com cerca de 1,5 m de altura.

(b) Relógio digital

(c) Giz

(d) Calculadora

(e) Papel e lápis

Procedimento experimental

a http://maps.google.com

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45

(a) Sincronize o relógio com a exata de Greenwich (hora GMT)a. Este deve ser o único relógio

presente durante todo o experimento. A referência local de hora deverá ser obtida

exclusivamente por meio da posição do Sol.

(b) O grupo deve chegar ao local onde será realizado o experimento quando avaliar que falta

aproximadamente uma hora para a posição mais elevada do Sol, que corresponde ao meio-

dia. Na dúvida, o grupo deverá chegar mais cedo ao local. O estudante deve notar que o

meio-dia real não necessariamente corresponderá a alguma hora cheia no horário GMT.

(c) Escolha uma posição para a vareta, de tal forma que a sombra fique localizada sobre uma

superfície plana e calçada, e mantenha-a fixa na vertical.

(d) Utilize o giz para marcar o final da sombra da vareta (topo da vareta) com um ponto. Ao lado

do ponto escreva o número 1. Anote a hora GMT a que corresponde este ponto.

(e) Repita a operação anterior a cada 5 min, utilizando a numeração sequencial (2, 3, 4, etc.), e as

respectivas horas GMT.

(f) Observe o padrão de localização dos pontos, para identificar o local e a hora em que a sombra

tenha o menor comprimento possível. Para isso, a marcação dos pontos deve continuar por

mais uns 15 min após a sombra da vareta começar a aumentar.

(g) Uma os pontos contíguos com uma linha, respeitando a curvatura a que os pontos sugerem.

Esquema dos pontos

Reproduza, na forma de um esquema, o desenho gerado na calçada, mostrando os pontos, a

numeração e a curva assim formada.

a http://wwp.greenwichmeantime.com/info/current-time/

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46

Tabela de dados

Registre os pontos obtidos e as horas GMT correspondentes.

Ponto Hora GMT (hh:mm:ss)

1 : :

2 : :

3 : :

4 : :

5 : :

6 : :

7 : :

8 : :

9 : :

10 : :

11 : :

12 : :

13 : :

14 : :

15 : :

Determinação da hora GMT do meio dia

Utilize os dados obtidos para identificar a que hora GMT corresponde o meio-dia solar do

local do experimento.

Hora local (hh:mm:ss) Hora GMT (hh:mm:ss)

12 : 00 : :

Determinação da longitude

Utilize a regra de que “a cada hora de diferença em relação à hora de Greenwich corresponde

a 15 de longitude” para determinar a longitude local.

Valor experimental da longitude (exp)

±

Comparação

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47

De forma semelhante ao experimento de determinação da latitude (5.1.1. Prática:

Determinação da latitude), utilize o Google Maps para obter o valor de referência da longitude local,

que corresponde ao valor de referência (ref).

Valor de referência da longitude (ref)

±

O valor de referência está dentro dos limites do valor experimental?

Desvio relativo

Compare o valor obtido da longitude no experimento (exp) com o valor de referência (ref),

do Google Maps. Não se esqueça de utilizar as regras de operação com algarismos significativos.

exp ref

%

ref

100%d

(5.15)

5.1.3. Prática: Determinação da aceleração da gravidade local

Como tarefa prática, os alunos deverão fazer a determinação experimental da aceleração da

gravidade com o uso de um pêndulo simples. Essa determinação é baseada na Eq. (5.13), que pode

ser representada da seguinte forma:

22 4

T Lg

(5.16)

Esta equação é comparável a

y ax b , (5.17)

onde 2y T , 24

ag

, x L e 0b . A regressão linear de 2T em função de L deverá fornecer o

valor do coeficiente angular 24

g

e, por conseguinte, de g. O erro padrão do coeficiente angular

deverá ser usado para determinar a incerteza de g.

Materiais

(a) Uma carambola de pesca, feita de chumbo (ou algo similar);

(b) Fio fino e resistente, preferencialmente “fio urso”;

(c) Transferidor circular;

(d) Trena;

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48

(e) Cronômetro;

(f) Computador com o software Mathematica instalado.

Procedimento experimental

(h) Ajuste inicialmente o comprimento do pêndulo para 40,0 cm. Esta medida que deve ser feita

entre o ponto de suspensão do fio e o centro de massa do pêndulo.

(i) Desloque o pêndulo de cerca de 10 em relação a sua posição de equilíbrio e solte-o. Ao

completar seu primeiro ciclo, dispare o cronômetro e meça o tempo para dez oscilações

completas. Anote o resultado na coluna 10t da tabela de dados (ver abaixo). Repita este

procedimento duas vezes para concluir a medição em triplicata de 10t .

(j) Repita as etapas (a) e (b) para os demais valores de L da tabela de dados.

(k) Preencha as demais colunas da tabela de dados.

Tabela de dados

(m)aL 10 (s)bt 10 (s)ct (s)dT 2 (s)eT

d

0,40

0,60

0,80

1,00

1,20

a Comprimento do pêndulo;

b Tempo para dez oscilações completas, medido em triplicata;

c Média aritmética dos tempos para dez oscilações completas;

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49

d Período do pêndulo, que é igual a 10 /10t .

e Quadrado do período do pêndulo.

Cálculos

Utilize o software Mathematica nas etapas a seguir.

(a) Crie uma lista com os dados experimentais obtidos: dados = {{0.40, 2

1T },{0.60, 2

2T },... };

(b) Use a função LinearModelFit do Mathematica para fazer uma regressão linear de 2T em

função de L, determinar o coeficiente angular da reta e, com isso, obter o valor da aceleração

da gravidade.

(c) Use o parâmetro ParameterErrors para obter o erro padrão do coeficiente angular com

70% de confiança. (Use o Help do Mathematica para auxiliá-lo nessa tarefa – clique F1.)

(d) Construa um gráfico de T 2

em função de L, para visualizar os pontos. Para isso, use a função

ListPlot. Sobreponha aos pontos a reta média que corresponde ao resultado da regressão

linear obtida no item (b). Visite o Help para essa função e melhore a aparência do gráfico o

quanto for possível.

Resultado

Valor obtido para a aceleração da gravidade:

g = ( _______________ _______________ ) m/s2.

5.1.4. Modelagem

Como exercício final, os alunos deverão utilizar o Mathematica para construir um modelo

funcional de pêndulo, cujos parâmetros L, m e g possam ser escolhidos pelo usuário.

5.1.5. Problemas

Problema 1. Um pêndulo simples de comprimento L, está

solidário com um carrinho que desliza sem atrito por um

plano inclinado de . Calcular o período de oscilação do

pêndulo no carrinho deslizando plano abaixo.

Introdução ao Estudo dos Fenômenos Físicos Prof. Anderson Coser Gaudio-UFES

50

Problema 2. Um pêndulo simples de comprimento L, é solto em repouso fazendo um ângulo 0 com a

vertical. (a) Admitindo que o movimento seja harmônico simples, calcular a velocidade do pêndulo

ao passar por = 0. (b) Calcular, com a conservação da energia, a velocidade mencionada no item

anterior. (c) Mostrar que os resultados de (a) e (b) coincidem quando o afastamento angular 0 for

pequeno. (d) Calcular a diferença nos dois resultados para = 0,20 rad e L = 1,0 m.

5.2.Queda livre

5.2.1. Introdução

Quem nunca desejou ser um super-herói? Quem, em alguma fase da vida, nunca desejou

possuir alguma habilidade extraordinária, algo que o tornasse especial e que o diferenciasse das

outras pessoas. Ou seja, quem nunca desejou ter superpoderes? O sonho de possuir superpoderes

permeia a imaginação de todas as crianças e até de alguns adultos. Entre os meninos talvez haja uma

preferência toda especial pelo Super-Homem. Por que motivo? Por causa de seus incríveis poderes.

O Super-Homem é indestrutível, possui força ilimitada, visão de raios-X e ...pode voar. E não é voar

simplesmente. É voar em supervelocidade. Graças ao poder de voar do Super-Homem, muitos

meninos costumam amarrar uma capa em torno do pescoço para brincar de voar. Muitos chegam a

saltar de cadeiras e mesas na esperança de conseguir voar, mesmo que só por alguns instantes.

Desnecessário dizer que essas brincadeiras acabam invariavelmente no chão.

Talvez seja numa dessas brincadeiras que, pela primeira vez, muitas crianças tomem

consciência de que há algo na natureza que não nos permite flutuar livremente acima do solo. Por

que motivo isso ocorre? A explicação mais simples para isso é que o nosso planeta, a Terra, age

como um poderoso imã sobre todos os corpos a sua volta. É o que chamamos de gravidade. A

atração da Terra sobre os corpos gera nestes uma aceleração que os mantém grudados ao solo. É a

aceleração da gravidade, cujo símbolo é g.

A aceleração da gravidade faz-se presente em qualquer ponto em volta da Terra e até em seu

interior. A direção da aceleração é radial e o sentido é para o centro do planeta. Sempre que

deixamos cair um objeto ou o lançamos para cima, a aceleração da gravidade acelera-o em direção

ao solo. Nas proximidades da superfície da Terra, o módulo da aceleração da gravidade tem o valor

aproximadamente constante de 9,8 m/s2.

Talvez a coisa mais importante sobre a aceleração da gravidade é que ela é a mesma para

todos os corpos, independente de suas massas. Isso significa que se deixarmos cair de uma mesma

altura dois objetos quaisquer, de massas diferentes, ele deveriam chegar ao solo exatamente no

Introdução ao Estudo dos Fenômenos Físicos Prof. Anderson Coser Gaudio-UFES

51

mesmo instante de tempo. Mas é isso o que observamos na prática? É claro que não. Experimente

soltar uma pena e um martelo simultaneamente de uma mesma altura que você não terá dúvidas de

que o martelo chegará primeiro ao solo. Observações como essa tiveram profunda influência sobre o

pensamento dos filósofos da antiguidade.

No século IV a.C., o filósofo grego Aristóteles defendeu a ideia de que os corpos mais

pesados cairiam mais rapidamente do que os corpos mais leves. Ao afirmar isso, Aristóteles apenas

formalizou uma conclusão que certamente já era de conhecimento público. Ou será que antes de

Aristóteles nunca alguém havia percebido que uma pedra caía mais rápido do que uma pena de

ganso? O mérito de Aristóteles foi usar esse postulado, em conjunto com muitos outros, para

sistematizar as leis da natureza. A simplicidade dos argumentos utilizados, sempre coerentes com o

senso comum, somada ao imenso prestígio de Aristóteles, fez com que suas ideias ganhassem força

de dogma e reinassem absolutas por quase 2.000 anos.

Até que um dia existiu um homem chamado Galileu Galilei (1564 – 1642). Com seus estudos

sobre o rolamento de esferas sobre planos inclinados, que é uma forma lenta de queda livre, Galileu

provou que todos os corpos caem com a mesma aceleração. O fato de não observarmos isso no dia a

dia, concluiu Galileu, é consequência da resistência do ar que tem maior influência sobre o

movimento de corpos mais leves.

Galileu também teve seu nome ligado a um dos experimentos mais famosos da história da

física: o da Torre de Pisa. Conta-se que Galileu reuniu uma pequena multidão em torno da torre

inclinada da cidade de Pisa, Itália, para provar que esferas de chumbo de massas diferentes, soltas

simultaneamente do alto da torre, tocariam o solo ao mesmo tempo. Apesar de os registros históricos,

ou a ausência deles, indicarem que essa experiência de fato nunca ocorreu, a lenda tomou corpo e

ganhou força de verdade com o passar dos séculos.

E quanto à queda do martelo e da pena? Ainda hoje muita gente não acredita que esses

objetos possam cair com a mesma aceleração. Pois bem, se você também não acredita, então veja o

seguinte experimento realizado pelo astronauta David Scott em agosto de 1971, durante a missão

Apolo 15. O experimento foi conduzido na Lua, lugar onde não há atmosfera e, portanto, a queda dos

corpos não pode ser afetada pela resistência do ar.

5.2.1. Teoria

O tipo mais comum de movimento retilíneo com aceleração constante é o de um corpo que

cai a partir do repouso apenas sob a ação da aceleração da gravidade. Esse movimento é chamado

queda livre. Nas proximidades da superfície da Terra, um corpo sujeito à queda livre acelera

Introdução ao Estudo dos Fenômenos Físicos Prof. Anderson Coser Gaudio-UFES

52

continuamente em direção ao solo a uma taxa aproximada de 9,8 m/s2. Na superfície da Lua, a queda

livre ocorre com aceleração de apenas 1,6 m/s2.

Uma observação importante sobre a queda livre refere-se à resistência do ar. Na forma em

que é definido, o movimento de queda livre não pode sofrer influência da resistência do ar. Quando o

ar exerce resistência à queda do corpo, gera neste uma aceleração no sentido contrário ao seu

movimento. O módulo dessa aceleração aumenta com a velocidade do corpo e, portanto, a aceleração

devida à resistência do ar é variável. Por definição, apenas as quedas que ocorrem no vácuo podem

ser de fato consideradas como queda livre. Na prática, apenas corpos massivos, como uma bola de

chumbo caindo de alturas não muito grandes, desenvolvem movimento de queda livre. No entanto,

por motivos didáticos, é comum desprezarmos a resistência do ar mesmo em situações em que ela é

essencial, como no caso do salto livre de um paraquedista.

Na descrição matemática do movimento de queda livre, normalmente utilizamos como

sistema de coordenadas o eixo cartesiano y posicionado na vertical, com os valores crescentes de y

para cima. Também é usual atribuirmos ao solo o valor y = 0. Isso implica em que todos os pontos

acima do solo receberão valores de y positivos. Com o eixo y nessa configuração, a aceleração da

gravidade, com sentido contrário aos valores crescentes de y, possui sinal negativo. Ou seja, a = g =

9,8 m/s2. A equação a = g é a equação diferencial do movimento de queda livre vertical. Para

resolvê-la, precisamos integrá-la.

dv

gdt

dv gdt

0 0

v t

v tdv g dt

0 0v v g t t

Considerando-se t0 = 0, teremos:

0tv v gt (5.18)

A Eq. (5.18) costuma ser chamada de função horária da velocidade da queda livre. Como é também

uma equação diferencial, vamos integrá-la para obter y(t):

0

dyv gt

dt

0 0dy v gt dt v dt gtdt

Integrando-se, teremos:

Introdução ao Estudo dos Fenômenos Físicos Prof. Anderson Coser Gaudio-UFES

53

0 0 0

0

y t t

y t tdy v dt g tdt

2 2

00 0 0

2

t ty y v t t g

Considerando-se t0 = 0, teremos:

2

0 02

t

ty y v t g (5.19)

A Eq. (5.19) é a função horária da posição para a queda livre. Devemos notar que o sinal

negativo da aceleração da gravidade nesta e na Eq. (5.18) gera consequências nos gráficos de y × t e

de v × t (Figura 5.9). Na função horária da posição, que é uma equação do segundo grau, a parábola

possui a concavidade voltada para baixo, enquanto que na função horária da velocidade, que é uma

equação do primeiro grau, a reta apresenta declividade negativa. A curva do gráfico de a × t, por sua

vez, é uma constante.

Figura 5.9. Gráficos de y t, v t e a t da queda-livre de um corpo que cai a partir do repouso de uma

altura h = 30 m.

Uma terceira equação de movimento para a queda livre pode ser obtida ao eliminarmos o

tempo entre as Eqs. (5.18) e (5.19). O resultado será:

2 2

0 02v v g y y (5.20)

A Eq. (5.20) é conhecida como equação de Torricelli, graças aos experimentos do italiano

Evangelista Torricelli (1608-1647) sobre o movimento de jatos de líquidos que vazam a partir de

furos em seus recipientes.

O exemplo mais simples de movimento de queda livre é o de um corpo que cai a partir do

repouso de uma altura h acima do solo. Para estudá-lo, vamos utilizar como sistema de coordenadas

o eixo cartesiano y orientado na vertical com origem no solo (Figura 5.10). A coordenada inicial do

corpo, que corresponde ao ponto de partida do movimento, será y0 = h, enquanto que a coordenada

final, o solo, será y = 0. Como o corpo parte do repouso, sua velocidade inicial será nula, ou seja, v0

= 0.

Introdução ao Estudo dos Fenômenos Físicos Prof. Anderson Coser Gaudio-UFES

54

Figura 5.10. Esquema da queda-livre de um corpo que cai no solo, a partir do repouso, de uma altura h.

Nessas condições, a equação de Torricelli resultará em:

2 0 2 0v g h

2 2v gh

2v gh

Este resultado corresponde ao valor da velocidade com que o corpo tocará o solo, quando

liberado a partir do repouso de uma altura h. O estudante deve prestar muita atenção a este resultado,

pois há diversas situações físicas importantes, semelhantes a esta, em que este resultado poderá ser

aplicado. Uma dessas situações é o de um líquido contido num tanque onde há um furo, por onde o

líquido escapa. O centro do furo está localizado a uma distância vertical h da superfície do líquido.

Torricelli demonstrou que a velocidade com que o jato escapa do tanque é igual a 2gh , ou seja, a

mesma velocidade atingida por uma gota d’água em queda livre ao longo da mesma distância h. Este

resultado ficou conhecido como o teorema de Torricelli.

5.2.2. Aplicação

Em 14/10/2012, o paraquedista austríaco Felix Baumgartner quebrou o recorde mundial de

altitude, ao saltar em queda livre de um balão de hélio a 38.969 m (Figura 5.11). A aventura foi

patrocinada pela empresa austríaca Red Bull, no projeto denominado Red Bull Stratos. O nome do

Introdução ao Estudo dos Fenômenos Físicos Prof. Anderson Coser Gaudio-UFES

55

projeto lembra o termo “estratosfera”, a região da atmosfera situada entre 15 e 50 km de altitude, de

onde o salto foi executado. O recorde anterior pertencia ao Cel. Joseph Kittinger, da força aérea

norte-americana, que saltou de 31.300 m em 16/08/1960.

Ao pular do balão, Baumgartner acelerou praticamente sem a resistência do ar. Pouco depois

de iniciar o salto, o corpo do paraquedista começou a girar sem controle por cerca de 80 segundos, o

que por pouco não fez com que a missão fosse abortada. Foi nesse período crítico, aos 42 s, que

Baumgartner quebrou o recorde mundial de velocidade em queda livre, atingindo a velocidade

supersônica de 1.342 km/h, o segundo recorde do saltoa. Assim, tornou-se o primeiro e, até o

momento, único homem a quebrar a velocidade do som sem o auxílio de propulsão artificial. Seu

paraquedas foi acionado após 4 min 16 s de deixar o balão. Com isso, Baumgartner quebrou o

terceiro e último recorde mundial da aventura, o de maior distância percorrida em queda livre, que

foi de 36.402 m.

Figura 5.11. Salto recordista de Felix Baumgartner (Wikipedia).

5.2.3. Prática

A atividade prática proposta para esta seção é, novamente, a medida da aceleração da

gravidade. Só que agora a medida será por meio da medida direta do tempo de queda (t = tq) de uma

pequena esfera metálica a partir de uma altura y0 = h 2 m. Como o tempo de queda livre de uma

a A velocidade do som ao nível do mar é de 1.225 km/h.

Introdução ao Estudo dos Fenômenos Físicos Prof. Anderson Coser Gaudio-UFES

56

altura dessas é de cerca de 1 s, não poderemos simplesmente usar um cronômetro manual para medi-

lo. Também não precisaremos usar aparato mais sofisticado, como fotocélulas.

Para a medida do tempo de queda da esfera, usaremos um software editor de som instalado

num notebook. A ideia consiste em que o microfone do computador capte o som emitido pela esfera

no início da queda (t0) e o emitido ao chegar ao solo (t). Como todo editor de som tem uma linha do

tempo, é possível medir os instantes de tempo em que ocorreram os picos correspondentes a t0 e t

(Figura 5.12). O tempo de queda será obtido por diferença. Nesta atividade, sugerimos o software

WavePad Sound Editor, produzido por NCH Software.a Ao fazer o download do programa, o aluno

deverá escolher a versão livre, exclusivamente para uso doméstico.

Figura 5.12. Medida dos instantes de tempo do início (t0 = 3,192 s) e do final (t = 4,596 s) de um evento.

Neste caso, o intervalo de tempo é de 1,404 s.

Para determinar a aceleração da gravidade, utilizaremos a Eq. (5.19), onde a posição inicial é

h (y0 = h), a posição final é zero, pois a coordenada y tem a origem no solo (y = 0), a velocidade

vertical inicial é nula (v0 = 0). O tempo t corresponde ao intervalo de tempo medido no editor de

som.

2

0 02

t

ty y v t g

2

0 02

th t g

2

2

tg h

a http://www.nch.com.au/wavepad/index.html

Introdução ao Estudo dos Fenômenos Físicos Prof. Anderson Coser Gaudio-UFES

57

2

2hg

t (5.21)

O estudante deve notar que o valor de g é fortemente influenciado pelo tempo de queda que,

por coincidência, é a medida mais difícil a ser realizada. Por esse motivo, esta atividade prática tem

caráter meramente acadêmico. Determinações de g por meio de queda livre só fazem sentido com

medidas ótico-eletrônicas do tempo de queda, utilizando sensores adequados para detectar o início e

fim do movimento. Por esse motivo, não nos preocuparemos em fazer medidas do tempo de queda a

partir de variadas alturas para obter g por meio de regressão linear. Para os objetivos desta atividade,

a realização de cinco medidas diretas será suficiente para calcularmos g por média aritmética.

Materiais:

(a) Esfera de rolimã, com cerca de 1 cm de diâmetro;

(b) Haste metálica;

(c) Notebook com microfone e editor de som instalado;

(d) Trena;

(e) Calculadora.

Procedimento experimental

(a) Posicione a esfera na borda de uma superfície localizada a cerca de 2 m de altura, como o

topo de uma porta aberta.

(b) Com o auxílio de uma trena de boa qualidade, meça cinco vezes a altura dessa superfície em

relação ao chão.

(c) Com o software WavePad carregado e o microfone conectado (é preferível o uso de um

microfone com fio ao invés do embutido no notebook), dê início à gravação.

(d) Suba numa escada doméstica ou num banco (tome cuidado) e use a haste metálica para dar

um golpe horizontal na esfera. Esse golpe será registrado no editor sonoro, assim como

também será registrado o som do choque da esfera contra o solo (cerâmico PI-5, de

preferência).

CUIDADO: Não faça isso utilizando esferas maiores do que a recomendada e nem em pisos

de porcelanato. Há risco de fratura do piso.

(e) Determine o intervalo de tempo de queda no editor.

(f) Faça esta medida cinco vezes.

Tabelas de dados

Introdução ao Estudo dos Fenômenos Físicos Prof. Anderson Coser Gaudio-UFES

58

Altura da superfície de onde partirá a esfera

Medida (m)ih

a

5

ihh

b ih h c

5

ih hh

d

1

2

3

4

5

a Tempo de queda da i-ésima medida da altura. Refaça medidas que difiram em mais de dois desvios-padrão em relação à

média. Use sua calculadora para isso;

b Média aritmética das alturas;

c Desvios absolutos entre a i-ésima altura e média aritmética;

d Média aritmética dos desvios absolutos;

Tempo de queda livre:

Medida (s)it

a

5

itt b

it t c

5

it tt

d

1

2

3

4

5

a Tempo de queda da i-ésima medida. Refaça medidas que difiram em mais de dois desvios-padrão em relação à média.

Use sua calculadora para isso;

b Média aritmética dos tempos de queda;

c Desvios absolutos entre o i-ésimo tempo de queda e média aritmética;

d Média aritmética dos desvios absolutos;

Cálculos

Utilize uma calculadora nas etapas a seguir.

(a) Utilize as tabelas acima para compor os valores de h e t, com suas respectivas incertezas;

h h h e t t t

Introdução ao Estudo dos Fenômenos Físicos Prof. Anderson Coser Gaudio-UFES

59

(b) Para determinar o valor de g faça a operação a seguir considerando as incertezas envolvidas.

2

2hg

t

Resultado

Valor obtido para a aceleração da gravidade:

g = ( _______________ _______________ ) m/s2.

5.2.4. Modelagem

Na prática, as equações de queda-livre têm aplicação limitada. Isso se deve à interferência da

atmosfera no movimento dos corpos. Um corpo que se move num meio fluido, como o ar, sofre ação

de uma força de arrasto (Fd) contrária ao seu movimento, cuja origem é a interação entre as

moléculas do fluido e do corpo. Sabemos que o módulo da força de arrasto aumenta com a

velocidade relativa entre o corpo e o fluido. Entretanto, o comportamento exato da relação força-

velocidade não é trivial. A experiência acumulada mostra que essa dependência pode ser

representada pela Eq. (5.22).

n

dF bv (5.22)

Nesta equação, b e n são constantes e v é a velocidade instantânea do corpo. A constante b

depende da forma do corpo e das propriedades do fluido. O número n é igual a 1 para velocidades

pequenas do corpo em relação ao fluido e igual a 2 para velocidades elevadas. A definição do que

sejam pequenas e grandes velocidades pode variar bastante. Uma referência útil pode ser n = 1 para

velocidades de módulos menores do que 2 m/s no ar e menores do que 0,03 m/s na água; e n = 2 para

velocidades de módulos entre 10 m/s e 200 m/s no ar e entre 0,05 m/s e 2 m/s na água.

A Eq. (5.22) é uma forma simplificada de duas equações mais detalhadas para definir a força

de arrasto. A primeira é a lei de Stokes, Eq. (5.23), onde é o coeficiente de viscosidade dinâmica

do fluido e R o raio do corpo, considerado esférico.

6F Rv (5.23)

A segunda é a equação de Rayleigh, Eq. (5.24), onde C é o coeficiente de arrasto do corpo em

relação ao meio, é a densidade do fluido e A é a área da seção transversal do corpo.

21

2F C Av (5.24)

Introdução ao Estudo dos Fenômenos Físicos Prof. Anderson Coser Gaudio-UFES

60

A inclusão da força de arrasto na 2ª lei de Newton para um corpo em queda livre em alta

velocidade (n = 2) resulta em:

2

RF mg bv ma (5.25)

Vamos tentar simular o movimento de um objeto sujeito à força descrita na Eq. (5.25),

usando o algoritmo de integração de Euler. A simulação por este algoritmo, como em todos os

demais, parte de uma configuração do sistema no instante de tempo t = 0, que é definida pelos

valores iniciais de algumas grandezas físicas, como posição, velocidade e aceleração.

Para iniciar a simulação, faz-se o tempo correr não de forma contínua, mas em pequenos

passos t. A ideia é que se o passo da simulação for suficientemente pequeno, cada mudança na

configuração do sistema ocorrerá com velocidade aproximadamente constante. Assim, pelo método

de Euler, teremos as seguintes equações que nortearão a evolução do sistema.

1 0 0x x v t (5.26)

1 0 0v v a t (5.27)

2

1 0a mg bv (5.28)

Para fazer a simulação, sugiro usar uma planilha Excel. A Figura 5.13 mostra o arcabouço da

planilha com a simulação pretendida, onde aparecem as fórmulas que controlam os cálculos. Na

Figura 5.14 podemos ver os valores numéricos gerados na simulação.

Figura 5.13. Simulação de queda livre numa planilha Excel, com exibição das fórmulas.

Introdução ao Estudo dos Fenômenos Físicos Prof. Anderson Coser Gaudio-UFES

61

Figura 5.14. Simulação de queda livre numa planilha Excel, com exibição dos valores numéricos.

A Figura 5.15(a) mostra o resultado numérico da simulação em que a resistência do ar foi

considerada. Observe o comportamento dos valores da aceleração, que diminui à medida que a

velocidade aumenta. Esta por sua vez tende a um valor constante enquanto a aceleração tende a zero.

Na Figura 5.15(b) podemos ver o gráfico comparativo de y t, para as simulações da queda livre com

e sem resistência do ar.

Introdução ao Estudo dos Fenômenos Físicos Prof. Anderson Coser Gaudio-UFES

62

(a) (b)

Figura 5.15. (a) Resultado numérico da queda livre com resistência do ar. (b) Gráfico comparativo das duas

simulações.

5.2.5. Problemas

Problema 1. Uma pedra é solta a partir do repouso na borda de um poço. (a) Se o som do choque da

pedra com a água é ouvido 2,67 s depois, qual a distância entre a borda e a superfície da água? A

velocidade do som no ar (à temperatura ambiente) é de 337 m/s. (b) Se o tempo de viagem do som

for desprezado, que erro percentual é introduzido no cálculo da profundidade do poço?

Problema 2. Um canhão com velocidade de disparo de 1.000 m/s é usado para iniciar uma avalanche

na encosta de uma montanha. O alvo está a 2.000 m do canhão na horizontal e 800 m acima do

canhão. A que ângulo, acima da horizontal, o canhão deve ser disparado?

0

20

40

60

80

100

120

0 2 4 6

y (m)

Tempo (s)

Queda livre

Sem resist. ar

Com resist. ar

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63

BELÉNDEZ et al.; Exact solution for the nonlinear pendulum. Rev. Bras. Ens. Fis., v. 29. n. 4,

p.645-648, 2007