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8/14/2019 Uma experincia educomunicativa na Escola Edna de Mattos Siqueira Gaudio, Vitria(ES)
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Trabalho de Concluso de Curso Comunicao Social JORNALISMO Centro de Artes - UFESUMA EXPERINCIA EDUCOMUNICATIVA NA ESCOLA EDNA DE MATTOS SIQUEIRA GAUDIO,VITRIA (ES)
2006MAXLANDERDIAS
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INTRODUO
possvel afirmar que uma rdio-escola contribui para formao dos
alunos nela envolvidos? E mais: a partir de uma reflexo acerca do atual quadro da
mdia brasileira, uma experincia de rdio-escola tende a consolidar novas formas
de se fazer comunicao social? Tende a democratizar os meios?
Prticas - como a que ser relatada neste trabalho - chamadas
atualmente de educomunicativas esto em toda a parte e so, em boa medida, a
busca humana pela liberdade, pela expresso. Alm de como assim o considera
este projeto ser um grande passo rumo democratizao da comunicao,
consolidao do direito de dizer a palavra.
A escola, da maneira como foi construda, tende a ser um espao onde
quem manda fala e quem obedece ouve. obvio que, com o passar dos anos, este
espao tornou-se menos ditatorial e algumas de suas incoerncias foram sanadas.
No h mais espao para o aluno ser colocado no canto da sala com um chapu de
Burro, ou mesmo ajoelhar no milho, e ainda, receber reguadas nas mos. Mesmo
que isto ainda acontea, o que era regra tornou-se exceo. Todavia, algoimportantssimo ainda no mudou (mas precisa ser mudado): no ambiente escolar,
h quem nada sabe e os que tudo ensinam. Para piorar, boa parte do contedo que
ensinado ali pura abstrao e uma forma ingrata de aprisionar o educando.
Complementarmente, outras convenes sociais seguem este mesmo
trajeto. Nesse caminho encontra-se a comunicao social, os aparelhos de mdia, os
mass media. Tal qual a escola, os veculos de comunicao tambm se configuram
como um local onde uns falam e outros ouvem. As correes no so fsicas, pormmorais. Eles tudo ensinam. Ns nada sabemos. Para piorar boa parte do contedo
transmitido pura abstrao e uma forma ingrata de aprisionar o espectador, o
ouvinte, o internauta.
Similaridades parte, o importante perceber que o ser humano, como
ser social, capaz de renovar, regredir, oprimir, libertar. A escola, os mass media,
no so fins, mas sim meios, formas de se alcanar determinado objetivo. Que pode
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ser a liberdade, a expresso, a democracia, a utopia. Tudo se torna um reflexo do
objetivo.
Sendo assim, esta experincia educomunicativa utiliza, dentro docolgio Edna de Mattos Siqueira Gaudio, no municpio de Vitria, ES, o veculo de
comunicao rdio com o intuito de chegar democracia dos meios, devolver a
palavra a quem de direito.
O rdio, por ser essencialmente democrtico ao trabalhar apenas com a
fala, tem sido, historicamente, uma arma tanto nas mos de movimentos
revolucionrios quanto nas mos de polticos conservadores. Sua constituio,
segundo Ferrareto, resultado do esforo humano para atender a uma necessidadehistrica: a transmisso de mensagens distncia sem o contato pessoal entre o
emissor e o receptor [...] (2001, p.80).
No Brasil o monoplio de mdia e a legislao defasada, opressora
impedem o uso democrtico do rdio. Junte-se a isso o fato das rdios comerciais
estarem saturadas de programaes vazias intelectualmente e pobres culturalmente.
Logo, "[...] as centenas de milhes de marginalizados do continente latino-
americano s podero afirmar o seu direito existncia reinventando as formas de
luta e de expresso" (MACHADO, ARLINDO E MAGRI, 1986, p.98)", no qual
destaco neste trabalho a comunicao social atravs do rdio.
No incio da dcada de vinte, ao ser idealizado por Roquette-Pinto, o
rdio tinha por finalidade a educao do povo brasileiro. Na rdio Sociedade do Rio
de Janeiro iniciou-se um sonho no qual "[...] o professor Roquette-Pinto teria visto
no rdio um instrumento de transformao educativa. Conferncias cientficas,
msica erudita e anlise dos fatos polticos e econmicos marcam, deste modo, as
primeiras transmisses [...]". (FERRARETTO, 2001, p.98)
Contudo com a chegada da dcada de trinta o rdio j se potencializa a
partir da venda de espao publicitrio e da constante invaso cultural estrangeira,
principalmente norte-americana. Com isso o seu carter educativo foi sendo
gradativamente deixado de lado. A prpria Rdio Sociedade do Rio de Janeiro
populariza um pouco sua programao, apesar de Roquette-Pinto no abandonar seu
objetivo inicial (FERRARETTO, 2001, p.103).
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Com expanso das prticas publicitrias, no s no rdio, mas em todos
os meios de comunicao social, e a crescente penetrao de modos estrangeiros de
se vestir, se portar, de viver American way of Life apareceram movimentos que
remaram contra a corrente. Surgiram rdios livres na Europa na dcada de 70 e no
Brasil na dcada de 80. Em seu bojo a vontade de reconstruir o radialismo
democrtico e a necessidade de se pronunciar a palavra sem a mediao e a
regulao de ningum, pois os homens so essencialmente comunicao.
Na dcada de 90, a partir da realidade das rdios livres que foram
bastante reprimidas, porm permaneceram na sua luta pela liberdade de expresso ,
surge um outro movimento: o das rdios comunitrias. O grito do gueto, a voz dos
que no tem voz avana rapidamente pelo Brasil. Com uma proposta diferente das
rdios livres, as rdios comunitrias pretendem atuar na legalidade, com concesso,
no entanto a maior parte delas no consegue um aval do Ministrio das
Comunicaes e continuam sendo perseguidas pela Polcia Federal por ordem da
Agncia Nacional de Telecomunicaes (Anatel), a reguladora do setor. Saldo final:
vrias delas foram, e continuam sendo, fechadas.
A preocupao com a realidade comunicacional no Brasil
principalmente no que tange a histrica concentrao de mdia , juntamente com oavano das tecnologias sobre a vida social, fomentou estudos que propunham uma
leitura crtica dos meios e alternativas para o quadro vigente. Complementarmente
surgem propostas para o cenrio atual, como a Educomunicao.
Unio das reas de conhecimento Educao/Comunicao a
Educomunicao um campo transdisciplinar recente. Apesar da insero de
veculos de comunicao na escola ser bastante antiga a sua reflexo terica se
consolida apenas na dcada de 90 e pode ser definida como um conjunto de aesque buscam criar e fortalecer ecossistemas comunicativos em espaos educativos
presenciais e virtuais. O objetivo a expresso, a produo de cultura (MACHADO
e ALVES, acesso 3 jul. 2006).
Sua contribuio maior para este trabalho se d no seguinte sentido:
apropriao dos meios de comunicao para a construo de uma identidade
comunicativa prpria sem intermediao e que possibilite aos alunos e,
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consequentemente a escola, a reinveno do conhecimento, do dilogo, da
cooperao.
O presente trabalho, ao debruar-se sobre este arcabouo tericorecente, provavelmente comete erros metodolgicos que toda e qualquer cincia
nova comete, ou no coleta resultados imediatos como possvel se esperar em
muitas outras experimentaes. H que se levar em considerao ainda o fato da
escola no possuir uma infra-estrutura especfica para a realizao de um projeto de
rdio-escola, tudo um tanto quanto amador e isto contribui para um possvel
insucesso da realizao da prtica. Todavia a inteno aqui refletir acerca da
insero de novas tecnologias na escola e sua contribuio para o saber estudantil e
no dar um veredicto final sobre a validade das teorias educomunicativas como um
todo.
Com o objetivo de conhecer a teoria, a prtica e a metodologia
recorremos aos tericos do Ncleo de Comunicao e Educao da Universidade de
So Paulo (NCE/USP). Nomes como Ismar de Oliveira Soares, Eliany Salvatierra
Machado; Patrcia Horta Alves so recorrentes ao longo das pginas que se seguem
e contriburam enormemente para a estruturao deste projeto.
Como complemento aos tericos e experimentadores da
Educomunicao utilizamos as reflexes desenvolvidas por Paulo Freire e por
Antonio Gramsci sobre a educao, sobre a escola, sobre o ensino de uma forma
geral.
Paulo Freire, em suas investidas pedaggicas no nordeste brasileiro e
no mundo, criou uma forma de se ensinar que levava o ser humano do campo da
abstrao para a ao a partir das discusses nos crculos de cultura. Seus estudos
lhe permitiram afirmar que pensar o mundo julg-lo; e a experincia dos crculos
de cultura mostra que o alfabetizando, ao comear a escrever livremente, no copia
palavras, mas expressa juzos (FREIRE, 1987, p.13). Para Freire o mundo
histrico-cultural e o homem o constri e reconstri constantemente a partir e
atravs da relao com o outro. Ao transformar a realidade que o cerca o homem se
transforma e vice-versa (1987, p.76). Ento qual seria a verdadeira tarefa do
educador/mediador na educao? Simplesmente transmitir contedos pr-fabricados
ou ensinar a ler a palavra e no o mundo? A tarefa do educador, ento, a de
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problematizar aos educandos o contedo que os mediatiza [...] (FREIRE, 1987,
p.81). Somente dessa forma a educao poder ser fora de transformao. Mas,
para isto, necessrio [ainda] que sua transformao seja resultado das
transformaes experimentada na realidade qual se aplica. (FREIRE, 1968, p.84).
Para ser bem claro Paulo Freire pretendia, com seu mtodo, elevar o ser
humano a uma nova racionalidade na qual ningum sabe mais do que ningum, e
todos, em colaborao, aprendem, a partir da crtica ao estgio atual em que se
encontram. Logo, refletem, reformulam o mundo em que esto e que ajudaram a
construir assim como este prprio mundo, sendo uma construo humana,
contribuiu para a formao deles mesmos de uma forma mais solidria, um
planeta humanizado.
Todavia este planeta tal qual sonha Freire s existir no instante em
que, conforme assinala Antonio Gramsci, os homens excludos, ao tomarem
conscincia de classe, verem-se no apenas como indivduos, mas como grupo
capaz de criticar o senso comum e elaborar uma nova forma de pensar baseada na
filosofia da prxis (MOCHCOVITCH, 1988, p.14).
Neste quadro, os intelectuais (do partido comunista, no caso) tm o
papel fundamental de unir os proletrios ideologicamente e como fora histrica
em um propsito nico: a tomada do poder pela classe subalterna e a transformao
desta em classe hegemnica que, consequentemente, por fim a luta de classes a
partir da eliminao das mesmas. Assim cada indivduo passa a ser considerado
como representante da humanidade inteira e pea importante para a mudana que se
quer efetuar (TAVARES, 1989, p.89).
O que tomamos como primordial do pensamento de Gramsci para este
trabalho diz respeito conscincia de classe a partir da crtica ao senso comum e,
principalmente, a educao como um dos processos de transformao da sociedade
(TAVARES, 1989, p.18).
Assim a contribuio terica que Freire e Gramsci do para a execuo
desta proposta educomunicativa primordial para o que se buscou fazer,
principalmente no que diz respeito a trabalhar a criticidade em todo o tempo,
construir/compartilhar conhecimento, fomentar o dilogo.
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Uma das justificativas para a execuo deste trabalho que a mdia,
com a contemporaneidade, se tornou parte da nossa vida ao ditar regras e costumes,
modas e padres, formar culturalmente, socialmente e educacionalmente. Logo,
tornou-se dispensvel pensar a educao apenas no espao escolar, pois, acredita-se
que, todas as instncias sociais contribuem para a substancial formao do homem.
Partindo desta concepo e baseado na transdisciplinaridade, estruturou-se o ramo
do conhecimento que se convencionou chamar Educomunicao.
Um outro ponto a crescente concentrao, monopolizao dos meios
de comunicao social. A alternativa que aqui propus est baseada na construo de
um ambiente na escola (no caso a rdio) que d voz aos alunos. Pois a linguagem,
como construo social transmitida atravs da cultura, atravessada por vises de
mundo, representaes mais prximas ou mais distanciadas da realidade vivida
(PENTEADO, 1998, p.128).
Neste espao quebrar a hegemonia de empresas de comunicao
reportar seus prprios acontecimentos, entender como se d a edio de matrias,
ser sujeito da ao e no mais objeto. Pode parecer ingnuo, mas ao desencadear
este processo hoje, no perodo escolar, pressuponho que amanh eles continuaro a
buscar formas de se expressar e no se sujeitaro a serem apenas objetos. Afinal"[...] o homem que tem voz' um homem que sujeito de suas prprias aes, um
homem que projeta livremente o seu prprio destino (LIMA, apud Freire, 1981,
p.66)
Este trabalho tem por objetivo desenvolver a capacidade crtica e
criadora em um ambiente de intensa comunicao, para que linguagens, opinies e
identidades sejam expressadas atravs do rdio, alm de criar um ambiente onde a
cooperao e o resultado obtido pelo grupo so o ponto de partida para a construode um saber coletivo. De acordo com Penteado, somente dessa forma ser possvel
caminhar em direo a uma educao escolar formadora, reveladora, suporte para
o exerccio pleno da verdadeira cidadania (1998, p.13).
Sendo assim, buscamos em Vitria, junto a direo da Escola
Municipal de Ensino Fundamental Edna de Mattos Siqueira Gudio, uma
oportunidade para desenvolver esta experincia educomunicativa. A escolha do
colgio veio por indicao de uma assistente social (Mariza Tietz) da unidade de
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sade do bairro Jesus de Nazareth, onde est situado o Edna. Isso aconteceu em
maro de 2006 aps uma das reunies para a organizao do Entre Comunidades
(evento da Pr-Reitoria de Extenso da Ufes).
Situado em uma regio onde grande parte dos moradores vive da pesca,
o bairro Jesus de Nazareth relatado neste trabalho a partir da viso de uma
moradora, assim como a realidade da EMEF Edna de Mattos Siqueira Gudio
transmitida por uma das mais antigas funcionrias do colgio. Vale ressaltar que a
comunidade tem na escola um referencial e s vezes at um refgio, na busca pela
ascenso social. Concomitantemente, o colgio tenta retribuir ao oferecer no s
aula, mas tambm, nos finais de semana, cursos (artesanato, musicalizao, dana)
dentro do programa do Governo Federal Escola Aberta.
A proposta do projeto rdio-escola consistia em organizar uma rdio
com contedo pedaggico e no simplesmente musical com alunos de stima srie.
A escolha de alunos de stima srie deveu-se ao seguinte fato: no prximo ano,
estes estaro cursando a oitava srie e podero dar continuidade a idia ao
preparar/capacitar outros de stima com o intuito de postergar a prtica. Dentro do
campo da Educomunicao, o rdio um dos veculos mais utilizados por resgatar a
oralidade.
Metodologicamente o trabalho foi baseado na pesquisa participante ou
pesquisa ao e o reflexo de toda uma opo pelo dilogo, pelo "fazer com" e na
perspectiva de construir/vizualizar novas formas de se expressar atravs do veculo
de comunicao social rdio. Boa parte das experincias foram relatadas em um
dirio de campo, que serviu para especificar melhor tudo que acontecia durante a
pesquisa.
Em abril de 2006 comeamos as primeiras reunies aps uma conversa
com a direo da escola sobre a viabilidade ou no deste trabalho. Dentre os
procedimentos aprovados e adotados constavam a escolha de 20 alunos (dos 50
existentes na stima srie vespertino) que foram selecionados a partir do interesse
de cada um em relao ao rdio na escola e sua perspectiva educativa. Para esta
seleo foi aplicado um questionrio contendo as seguintes perguntas: 1) Voc ouve
rdio regularmente? 2) Que rdio voc ouve? 3) Na sua opinio, para que serve o
rdio? 4) Se hoje voc tivesse uma rdio nas mos o que faria?
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Debates baseados no olhar cotidiano dos alunos sobre a escola, a mdia
e as coisas que os cercam apareceram em um primeiro momento e, afim de faz-
los conhecer a dinmica e a estrutura de uma rdio, estes foram levados, logo nas
primeiras semanas do projeto, Universitria FM no horrio do programa Bandejo
104.7, que vai ao ar diariamente das 12 s 14 horas e produzido e apresentado por
estudantes de Comunicao Social da Ufes.
Na etapa seguinte assistimos ao filme brasileiro Uma onda no ar
(RATTON, 2002) que conta a histria da constituio da rdio Favela de Belo
Horizonte (MG), uma rdio inicialmente livre, posteriormente comunitria.
Textos sobre funcionamento de estruturas de rdio e suas modalidadestambm foram lidos e debatidos. Programas com temticas e dinmicas diferentes
das rdios comerciais foram apresentados para uma melhor elucidao da proposta
do que viria a ser esta rdio-escola. Posteriormente, mais precisamente no ms de
julho, eles foram separados em grupos, onde cada um tinha uma tarefa especfica
um era o reprter, o outro editor de udio. Quando a matria ia ao ar no recreio um
era o operador da mesa de som (sonoplasta), e o outro o locutor Na ocasio
seguinte era feito um rodzio nas atividades.
Ainda naquele ms foram escolhidos o nome da rdio e a escolha dos
temas para as matrias. O resultado de todo este processo de prtica
educomunicativa, aliado a insero de novas tecnologias para a ampliao do
conhecimento e expresso e o arcabouo terico freireano e gramsciano a rdio
MJN, a rdio que nossa escola ouve.
Nossos encontros aconteceram de Abril Setembro de 2006, ou seja,
foram seis meses para que estruturssemos a proposta, gravssemos sete vinhetas e
colocssemos no ar na hora do recreio que dura vinte minutos trs programas.
Para discutir esta experincia e seus resultados o trabalho foi dividido em quatro
captulos.
No captulo 1 tratamos da constituio do rdio como veculo de
expresso e comunicao social no Brasil e no mundo e seu crescimento a partir da
criao da indstria fonogrfica e das primeiras empresas de mdia.
J no Captulo 2 o debate gira em torno do direito a palavra e daspropostas para a democratizao dos meios. Rdios livres, comunitrias e
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1 -ORDIO: HISTRIA E EVOLUO
ido como um dos primeiros meios de comunicao de massa, o
rdio resultado de experincias diversas. Inicialmente o homem
moderno, j acostumado a deixar a sua histria grafada em pedras,
peles de animais e papel, buscava uma maneira de guardar tambm as vozes que se
perdiam no ar.
T
No comeo eram as palavras. A sabedoria passava da boca para o ouvido, doouvido para a boca, de gerao para gerao, em uma tradio oral que perduroupor muitos sculos, equivalente a 99% de toda a histria humana. No haviaescrita para explicitar os conhecimentos. Pintavam-se bises e estampavam-semos nas cavernas, mas no se desenhava a voz humana e no se codificava opensamento em sinais posteriormente decifrveis (LPEZ VIGIL, 2003, p.9).
Primeiro vieram as tentativas bem sucedidas com aparelhos que
necessitavam de cabos. O telgrafo e o telefone foram os precursores do rdio. Otelgrafo, pela primeira vez, ofereceu velocidade ao conhecimento. Mas no era o
udio real da natureza nem as palavras vivas das pessoas que viajavam atravs
daquela primeira linha entre Washington e Baltimore (LPEZ VIGIL, 2003, p.10).
Animados com a descoberta das ondas eletromagnticas que se
propagam no espao, os cientistas do sculo XIX buscavam agora uma maneira de
lanar e captar as vozes atravs do ar. O italiano Guglielmo Marconi foi o pioneiro
na transmisso sem fios utilizando-se da radiotelegrafia.
[...] conectando uma antena ao transmissor, Marconi conseguiu projetar o seu sinala mil metros de distncia. Depois, aumentando a longitude da onda, superou os 16quilmetros do Canal da Mancha. Em 1901, como um atleta depois de treinar paraum grande salto, cobriu os 3.300 Quilmetros que separam a Inglaterra de TerraNova no Canad. Os novos telegramas voavam livres. Podiam prescindir dos cabose dos postes terrestres (LPEZ VIGIL, 2003, p.13).
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Entretanto a primeira transmisso, se levarmos em considerao a
eficincia, foi realizada por um canadense.
Na vspera de Natal de 1906, o canadense Reginald Fessenden realizou a primeiratransmisso de som: dessa vez os radiotelegrafistas dos navios, que navegavampelas costas da Nova Inglaterra, no captaram os impulsos longos e curtos emcdigo morse, mas uma voz emocionada que lia o relato do nascimento de Jesus,acompanhada por uma msica de Haendel. Fessenden conseguira emitirdiretamente a voz humana sem necessidade de cdigos, mas sua proeza malchagava a um quilmetro e meio (LPEZ VIGIL, 2003, p.13).
No ano seguinte, o norte-americano Alexander Lee de Forest deu maisum passo. Sua proeza foi conseguir fazer com que vlvulas de eletrodos
transformassem as modulaes do som em sinais eltricos. Assim, transmitidas de
antena para antena, essas informaes eram novamente reconvertidas em vibraes
sonoras. Estava dado o grande salto rumo a eternidade do rdio (LPEZ VIGIL,
2003, p.14).
O meio de comunicao rdio desenvolveu-se ancorado nas
expectativas da sociedade capitalista. Seus idealizadores e experimentadoresacreditavam grandemente no seu potencial. No incio da dcada de 20 o rdio j
imprimia um novo ritmo sua caminhada. Esse passo alm seria transformado em
sua maior caracterstica e marcaria para sempre o formato deste veculo das massas:
o dilogo a partir da proximidade com o pblico e seu envolvimento com a
crescente indstria fonogrfica.
a Frank Conrad que a indstria de radiodifuso deve a sua existncia.Trabalhando poucas horas por manh na oficina de sua garagem, ele desenvolveuno s a tecnologia, mas tambm os conceitos empresariais sobre os quais aindstria est baseada. Quando substituiu o fongrafo por um microfone, eledescobriu uma grande quantidade de ouvintes que tinham construdo seus prpriosreceptores de galena e que, ao escutarem msicas, escreviam e telefonavampedindo mais canes e notcias. Baseado nestas solicitaes, Conrad decidetransmitir regularmente programas estruturados para satisfazer seus ouvintes.Quando faltam discos de sua prpria coleo, ele toma emprestado de uma loja deWilkinsburg em troca de mencionar o estabelecimento comercial no ar o primeiroanncio radiofnico (o dono da loja descobriria que os discos tocados na estao deConrad vendiam mais do que os outros). Todos estes conceitos de radiodifuso aestao, o pblico, os programas e o anncio subvencionando a programao soresultados do trabalho de Conrad (FERRARETTO, 2001, p.89).
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Em novembro de 1920 seria estruturada nos EUA a primeira indstriade radiodifuso baseada em conceitos tcnicos e econmicos conhecidos e
utilizados at hoje pelas empresas de mdia. Assim em 2 de novembro de 1920, na
cidade de Pittsburg, ao comear suas transmisses, nascia com a KDKA
oficialmente a indstria de radiodifuso, no sentido de produo e transmisso de
contedos, um novo campo para investimento de capital (FERRARETTO, 2001,
p.89).
Juntamente com a indstria da radiodifuso surgem tambm as
primeiras redes de comunicao e de concentrao de mdia (jornal impresso, rdio,
cinema e posteriormente TV) nos Estados Unidos. A pioneira seria a NBC. "A
partir da RCA, surge a primeira rede norte-americana, em 15 de novembro de 1926,
a National Broadcasting Corporation (FERRARETTO, 2001, p.91)". Nos grandes
centros econmicos mundiais a histria no seria diferente. Porm na Inglaterra, por
exemplo, a estruturao do meio de comunicao se deu a partir do Estado e no do
mercado. Na British Broadcasting Company (BBC), os cidados seriam os
financiadores da mdia e no as empresas como acontece em boa parte do planeta.
Um dos marcos do rdio mundial surge em meados dos anos 20. Desde 1919, aBritish Marconi fazia emisses regulares na Gr-Bretanha. Com outros gruposempresariais cria, em 18 de outubro de 1922, a British Broadcasting Company. Em1926, o governo britnico estatiza a radiodifuso no pais [...] (FERRARETTO, 2001,p.92).
Por todos os cantos do planeta as experincias com a utilizao deste
meio se multiplicavam no incio da dcada de 20. Na Argentina o local escolhido
para a transmisso foi a laje do Teatro Coliseu. No Uruguai os radialistas tambm
escolheram uma laje, s que a de um Hotel, o Urquiza. Nos Estados Unidos, mais
precisamente em Pittsburgh, o local escolhido foi uma garagem. Na bela Paris a
imponente Torre Eiffel serviu de antena para as primeiras investidas. At entre os
socialista da URSS havia a preocupao de explorao do rdio por ser ele, segundo
Lenin, o jornal sem papel e sem fronteiras. Nascido para ser grande, o rdio
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alcanava mais de seis milhes de pessoas em 1924 (LPEZ VIGIL, 2003, p.14 e
15).
1.1 E NO BRASIL...
No Brasil a estruturao das rdios se deu no mesmo molde dos EUA, a
partir da tica do mercado. As primeiras tentativas de utilizao do rdio estavam
ligadas aos amantes da radiofonia espalhados pelo pas, principalmente nas capitais.
Rio de Janeiro e Recife possuam grupos amadores que utilizavam o veculo como
passatempo. Em 1923, um ano depois da demonstrao feita por americanos durante
uma exposio internacional no Rio de Janeiro, surgiria a primeira rdio do Brasil.
Conforme Ferrareto, "com a Rdio Sociedade do Rio de Janeiro, criada no ano
seguinte, comea efetivamente a trajetria da radiodifuso sonora do pas, marcando
a superao de seus antecedentes histricos, os grupos de amadores da radiofonia
(2001, p.94)".
[...] os pioneiros da radiodifuso sonora brasileira reuniram-se na sede daAcademia Brasileira de Cincias, 20 de abril de 1923, fundando a Rdio Sociedade
do Rio de Janeiro. O grupo liderado por Roquette-Pinto e Morize consegue, ento,junto ao governo o emprstimo dos transmissores da Praia Vermelha durante umahora por dia (FERRARETTO, 2001, p.96).
Edgar Roquette-Pinto (professor e cientista tido como o "pai do rdio
brasileiro") foi um dos idealizadores deste veculo de comunicao no pas. Sua
importncia para o desenvolvimento do rdio no Brasil reside no fato de ter sonhado
com um meio que no levaria s entretenimento, mas, principalmente, cultura paraum pas onde residiam muitos iletrados.
[...] o professor Roquette-Pinto teria visto no rdio um instrumento detransformao educativa. Conferncias cientficas, msica erudita e anlise dosfatos polticos e econmicos marcam, deste modo, as primeiras transmisses dardio sociedade do Rio de Janeiro (FERRARETTO, 2001, p.98).
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Nas palavras de Roquete-Pinto, o rdio o jornal de quem no sabe
ler; o mestre de quem no pode ir escola; o divertimento gratuito do pobre; o
animador de novas esperanas; o consolador do enfermo; o guia dos sos, desde que
o realizem com esprito altrusta e elevado (FERRARETTO, 2001, p.97).
Para organizao e melhor utilizao do rdio como meio de
comunicao de massa no Brasil faltavam ainda alguns ajustes relacionados
estruturao de um sistema de financiamento das programaes, ou seja,
publicidades. As empresas utilizariam o veculo para a venda dos seus produtos e a
rdio disponibilizaria espao na programao para a veiculao. Este tipo de troca
traria vida longa no s s rdios, mas aos meios de comunicao em geral.
Na primeira metade dos anos 20, portanto, o Brasil ainda no havia despertadopara as potencialidades de lucro do rdio a partir de uma programao financiadapela venda de espao publicitrio. Esta nova conscincia das possibilidadeslucrativas do veculo tem suas origens na Rdio Clube do Brasil, fundada em 1 de
junho de 1924 por Elba Dias, um dos tcnicos que auxiliara na estruturao daRdio Sociedade. A emissora foi a primeira do pas a obter autorizao paratransmitir publicidade (FERRARETTO, 2001, p.100).
Com a popularizao dos aparelhos de rdio e com a organizao das
primeiras emissoras tornou-se necessrio criar programaes para um publico cada
vez mais vasto. O prprio Estado notou a importncia estratgica deste meio de
comunicao. Transmitir a ideologia advinda do poder foi uma das primeiras
medidas adotadas pelo presidente Getlio Vargas e seu grupo que em 1930 puseram
fim a poltica caf-com-leite. Com o intuito de unir as classes sociais e alardear os
feitos governistas foi criado, em 1935, o programa a Hora do Brasil (posteriormenteVoz do Brasil).
[...] o regime implantado em 1930 que vai transformar o veculo em instrumentoideolgico. Dentro da lgica dos revolucionrios de 30, a radiodifuso serve paraconsolidar uma unidade nacional necessria modernizao do pas e para reforara conciliao entre as diversas classes sociais (FERRARETTO, 2001, p.107).
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Entre a dcada de 30 e a de 50 o rdio tornar-se-ia o "queridinho do
Brasil". As vozes dos radialistas viraram personagens nas rdios-novelas e nos
programas de auditrio mudando profundamente o dia-a-dia do povo brasileiro.
[...] o rdio viveria aquela que considerada a sua poca de ouro, caracterizadapor uma programao voltada ao entretenimento, predominando programas deauditrio, radionovelas e humorsticos. [...] O veculo adquire, desta forma,audincia massiva, tornando-se, no incio dos anos 50, principalmente por meio daNacional, a primeira expresso das indstrias culturais no Brasil (FERRARETTO,2001, p.112).
Por meio do rdio a transmisso de produes estruturadas sob
formatos pr-concebidos ("enlatados americanos") tambm colocaria o pas no eixo
do consumismo, mudaria os costumes da nossa juventude e influenciaria desde
ento a nossa msica. Os programas levavam nomes dos seus patrocinadores, no
caso empresas multinacionais. Era o American Way of life invadindo as terras
tupiniquins atravs das ondas do rdio.
Atravs de programas como Um milho de melodias, Aquarelas das Amricas,Aquarelas do Mundo, Nas asas de um Clipper, A hora da Broadway, Your hit Parade,Big Broadcasting, Matinal da Exposio e outros que tais, a msica norte-americanafoi invadindo os lares brasileiros e induzindo a nossa juventude adoo dos seusritmos (FERRARETTO, 2001, p.118).
Alguns autores fazem crticas vorazes sobre a forma como o rdio se
estabeleceu no Brasil, principalmente em relao ao vnculo mantido entre os meiose as empresas, impedindo de maneira substancial a liberdade de expresso, e a
poltica de concesses que delimita espaos no ar e permite a sua utilizao somente
pelos "amigos do poder".
Em termos estruturais, mdias como o rdio e a televiso representam, no Brasil, aconvergncia de interesses do aparelho estatal, das redes de distribuio, dosistema publicitrio e da indstria fonogrfica (muitas vezes organizados sob formade pools). No funcionam jamais como servio pblico e menos ainda como meiosde comunicao [...] (MACHADO, ARLINDO E MAGRI, 1986, p.16).
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Sobre o mecanismo de concesses os mesmos autores complementam
que "a sua simples existncia j uma forma de censura, pois sua funo discriminar os que esto autorizados a falar e os que esto condenados a ouvir
(MACHADO, ARLINDO E MAGRI, 1986, p.17)".
A questo das concesses sempre rendeu estudos variados no pas,
principalmente depois da Constituio de 1988 que estendeu [...] esse poder [de
outorgar e renovar] ao Congresso Nacional, nos termos do Pargrafo 1 do artigo
223 (LIMA, 2005).
Tendo em vista que as concesses tinham uma longa histria de servir como moeda de troca do Poder Executivo no jogo poltico, o fato de deputados esenadores terem de referendar as outorgas e as renovaes foi considerado umimportante avano no sentido da democratizao das comunicaes no Brasil(LIMA, 2005).
Entre os tericos ligados ao estudo da relao entre a Mdia e a Poltica
est Vencio Artur de Lima1. Para ele a atual Carta do Brasil avanou em muitospontos no que diz respeito a Comunicao Social. A constituio de 1988 [...]
proibiu que deputados e senadores mantenham contrato ou exeram cargos, funo
ou emprego remunerado em empresas concessionrias de servio pblico (LIMA,
2005). No entanto o prprio autor acredita e seus estudos no o deixam duvidar
que essas normas legais no tem sido cumpridas e que, na prtica, tenha se
frustrado o sentimento inicial de avano democrtico decorrente da Constituio
Brasileira (LIMA, 2005).
1 Pesquisador snior do Ncleo de Estudos sobre Mdia e Poltica da Universidade de Braslia.
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Um nmero expressivo de deputados e senadores, nas diferentes legislaturas desde1988, concessionrio e continua a exercer cargos e/ou funes nas suas prpriasconcesses de rdio e televiso.[...]
Mais do que isso: deputados e senadores concessionrios de rdio e televiso tmparticipado ativamente nos trabalhos da Comisso de Cincia, Tecnologia,Comunicao e Informtica (CCTCI), na Cmara dos Deputados, e da Comisso deEducao, no Senado Federal, instncias decisivas no s na tramitao dosprocessos de renovao e de homologao das novas concesses, mas tambm naaprovao de qualquer legislao relativa radiodifuso (LIMA, 2005).
As concesses para emissoras de rdio e TV so objeto de decreto do
presidente da Repblica, dependendo sempre da aprovao do Congresso. Contudo,
quase que por aclamao as concesses so sempre renovadas e o poder (de dizer apalavra) permanece nas mos de uns poucos. Levantamento divulgado em
novembro de 1995, indicava que [...] das 2.908 emissoras de rdio, 1169 pertencem
a polticos ou ex-polticos (LIMA, 1998). As conseqncias disso so enormes e
contribuem para a manuteno da concentrao de mdia no pas. Podem ser
definidas como a perpetuao do velho coronelismo na poltica brasileira, s que
agora travestido de coronelismo eletrnico.
Muitos polticos, alguns de expresso nacional e outros de peso exclusivamenteregional, fizeram nos ltimos anos do rdio e da televiso instrumentos para secomunicar com os eleitores. Alguns j controlavam rdios e TVs e apenasaumentaram o seu aparato de comunicao. Outros ou esto entrando agora nessarea ou experimentaram recentemente inegvel progresso nesse terreno. Quasetodos foram beneficiados pelas licenas para funcionamento dadas durante ogoverno Fernando Henrique [...] (Observatrio da Imprensa, acesso em 20 set. de2006).
A Associao Brasileira de Emissoras de Rdio e Televiso (ABERT)
informa que no Brasil existem aproximadamente 3 mil emissoras de rdio
comerciais e 7 mil comunitrias, sendo que esse nmero deve dobrar nos prximos
dez anos (SOUZA, acesso em 20 set. 2006). H ainda vrias outras que funcionam,
porm sem a devida autorizao.
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do rdio. Algumas dessas formas encontraram terreno frtil ainda nos anos de
chumbo. Entretanto foi apenas a partir da abertura poltica que a maioria das aes
de democratizao miditica eclodiram pelo Brasil. As rdios livres aproveitaram o
ensejo e foram levadas por esta freqncia. As escolas acompanharam a tendncia e
passaram a ver nos meios de comunicao bons aliados para o conhecimento.
Apesar da rdio livre no estar necessariamente ligada a uma proposta de rdio
educativa, ambas trazem no seu bojo algo em comum: a expectativa de construir
algo diferente do que est historicamente colocado.
2 -O DIREITO PALAVRA NA COMUNICAO SOCIAL
O direito palavra se equipara ao direito humano vida, visto que o
homem essencialmente comunicao (LIMA, apud FREIRE, 1981, p.63). Sendo
assim, boa parte dos pases estabeleceram suas leis sob os princpios bsicos dos
direitos dos seres humanos e de sua liberdade, inclusive liberdade de expresso. O
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Pacto de So Jos da Costa Rica considerado um marco na histria da humanidade
pois definiu sistemas de regulamentao referentes aos Direitos Humanos, direitos
estes que devem ser observados por Estados e indivduos de tal forma que em dados
momentos os pases signatrios necessitem rever suas prprias leis nacionais em
favor das internacionais (COELHO NETO, apud ACCIOLLY, 2002, p.112). No
artigo 13 deste pacto consta que
Toda pessoa tem direito liberdade de pensamento e de expresso. Esse direitocompreende a liberdade a liberdade de buscar, receber e difundir informaes eidias de toda natureza sem consideraes de fronteiras, verbalmente ou porescrito, ou em forma impressa ou artstica, ou por qualquer outro processo de sua
escolha (COELHO NETO, 2002, p.114).
Seguindo este mesmo percurso referencial, a Constituio Brasileira de
1988 versa, durante todo o Captulo V, a respeito da Comunicao Social. Antes
mesmo, no Captulo I, art. 5 em seus termos IV e IX o tema liberdade de
pensamento e expresso j so citados de forma bem clara. No entanto entre a lei e a
prtica existe um imenso abismo quando o assunto radiodifuso.
O Ministrio das Comunicaes (MiniCom) surgiu na ditadura militar.
Antes, em 1961, no governo Jnio Quadros, apareceu o Conselho Nacional de
Telecomunicaes (Contel) com o objetivo de regulamentar o setor. Em 1962 a lei
4.1174, chamada Cdigo Brasileiro de Telecomunicaes, entrou em vigor. Com a
nova carta magna do pas o MiniCom rgo ligado ao poder executivo passou a
elaborar toda poltica pblica do setor de comunicao abrangendo as reas de
radiodifuso, telecomunicaes e servios postais (COELHO NETO, 2002, p.90).
O Ministrio das Comunicaes estabelece trs tipos de emissoras de rdioenquanto geradoras de contedo e independentemente de serem AM ou FM. Soelas: comerciais, educativas e comunitrias. Esta diferenciao passou a ser feitadesta forma a partir do surgimento das comunitrias em 1998 (SANTOS, 2005,p.71).
4
Este cdigo, mesmo ferindo alguns conceitos constitucionais e no versando sobre rdios comunitrias,ainda utilizado pelos rgos federais contra as rdios no-concessionrias (COELHO NETO, 2002,p.116).
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As rdios comerciais so as rdios que operam a partir de concesso do
Governo Federal. Seu objetivo o lucro a partir da venda de espao publicitriopara os seus clientes. Os candidatos a receber os canais se habilitam quando
existem editais abertos no Ministrio das Comunicaes (SANTOS, 2005, p.73).
J as rdios educativas funcionam seguindo uma lgica e uma
regulamentao diferente das comerciais. Pertencem universidades, ao Estado e
fundaes que em vrios casos gerem financeiramente os estabelecimentos de
ensino superior do pas.
As emissoras educativas tm como diferencial a proibio da obteno de lucro,mas podem se manter graas ao apoio cultural. Essas emissoras educativas operamde acordo com o poder econmico da entidade a qual representam e com aspossibilidades tcnicas de determinada regio. A concesso pode tambm serrenovada ou revogada, dependendo do trabalho efetuado pela emissora (SANTOS,2005, p.73).
A lei n9.612 de 19 de fevereiro de 1998 instituiu o atual servio deradiodifuso comunitria. Sob protestos dos radioamantes nacionais a Lei das
Rdios Comunitrias mais restringiu do que facilitou a vida j to complicada desta
mdia popular. No texto, alm de constar os deveres relacionados programao e
estruturao das radcom, tm-se ainda vrias assuntos de interpretao dbia,
principalmente quando cita o artigo 2 no qual O servio de radiodifuso
comunitria obedecer aos preceitos desta lei e, no que couber, aos mandamentos da
lei n4.117, de 27 de agosto de 1962, modificada pelo decreto-Lei n 236, de 28 de
fevereiro de 1967, e demais disposies legais (COELHO NETO, 2002, p.124).
Como se no bastasse, o Decreto n2.615/98 regulamentou as rdios
comunitrias da seguinte forma: estabeleceu a atual restrio dos mil metros a partir
da antena transmissora acatando uma proposta da ABERT (COELHO NETO, 2002,
p.127) e manteve o carter punitivo da legislao do perodo ditatorial que
considera crime passvel de deteno por um ou dois anos (ORTRIWANO, 1985,
p.35).
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Alm dos trs tipos de rdio regulamentados no pas existem ainda
outras iniciativas conhecidas como:
Rdio Corneta [ou rdio-poste] - Em cidades do interior funcionam, estas"emissoras" que propagam notcias, msica e publicidade, atravs de fios e cabosligados a alto-falantes ou "cornetas" espalhadas pelas ruas - principalmente naspraas e feiras. Muitos desses sistemas de som se auto-intitulam "rdioscomunitrias".Rdio Livre - aquela montada por uma pessoa ou grupo com interesses prprios.Pode ser de esquerda, direita, comercial, anarquista, catlica. No existe legislaopara ela.[...]Rdio Clandestina ou Ilegal Aquela que opera s escondidas. As emissoras
comunitrias jamais so clandestinas, porque no h como fazer clandestina umacomunidade, ou as pessoas que ocupam seu microfone (REDE VIVA FAVELA, acessoem 20 set. 2006).
A maioria das rdio-escolas espalhadas pelo pas se configuram como
rdio corneta (radio-poste) em razo da dificuldade de se manter uma rdio
estruturada com transmissor/ antena e por conta da impossibilidade de se colocar
esta rdio em um colgio para funcionar o tempo todo. A prpria rdio-escola
relatada neste trabalho uma experincia deste tipo, rdio-poste.
A fiscalizao do setor de radiodifuso no Brasil ficou por conta da
Agncia Nacional de Telecomunicaes (Anatel). Ela, como uma autarquia, no
est subordinada a nenhum rgo de governo e suas decises s podem ser
contestadas judicialmente (COELHO NETO, 2002, p.92).
Ampliando esse conceito de autonomia, alm da independncia administrativa, [aAnatel] conta tambm com independncia financeira, garantida principalmente,pelos recursos do Fundo de Fiscalizao das Telecomunicaes (Fistel), o qual desua exclusiva gesto.[...]A Anatel conta ainda com Conselho Consultivo, formado por representantes doExecutivo, do congresso, das entidades prestadoras de servio, dos usurios e dasociedade em geral (COELHO NETO, 2002, p. 92).
O combate s rdios ilegais tambm feito pela Polcia Federal,Ministrio Pblico Federal e Justia Federal.
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O debate acerca da legalidade ou ilegalidade de determinada rdio no
se esvazia numa simples anlise documentria de um rgo do Governo Federal.
necessrio entender como os meios de comunicao tm peso junto a opinio
pblica e influenciam na escolha de candidatos, nas tendncias da moda e ditam boa
parte dos costumes atuais. Durante muito tempo os grandes conglomerados de
mdia nacional impediram que as rdios comunitrias no ascendessem a este nvel.
Continuariam relegadas a rdios ilegais, pejorativamente chamadas de piratas
pelos empresrios da comunicao.
Uma campanha da ABERT (Associao Brasileira de Empresas de Rdio eTeleviso), sem apresentar uma prova sequer, encarregou-se de difundir boatoscatastrficos, no sentido de que rdios comunitrias derrubam avies. Outrosrumores tm sido disseminados, no raro oriundos de supostas fontes idneas, nosentido de que as RadCom no s derrubam avies, mas tambm afundam naviose interferem em ambulncias (COELHO NETO, 2002, p. 79).
Para que fique bastante claro importante ressaltar que as rdios
comunitrias operam em frequncia modulada (FM) e tem alcance mximo de 1
KM5. Os ganhos delas no so exorbitantes, pois os anncios reproduzidos ali sodas lojas localizadas no bairro, farmcias e supermercados. Ento porque as grandes
redes se preocupariam com rdios to incapazes economicamente? A palavra que
poder se configura como a nica resposta plausvel neste caso (LIMA, apud
FREIRE, 1981, p.66). Imagine s se todos pudessem retratar seus prprios
acontecimentos, trouxessem sempre um outro ponto de vista, diferente da j viciada
opinio do jornalismo convencional. "Talvez essa seja uma das grandes novidades
introduzidas pelas rdios livres [e comunitrias] nos meios de comunicao demassa: tornar o meio to transparente quanto possvel [...] (MACHADO,
ARLINDO E MAGRI, 1986, p.30).
Todo o empenho dos radioamantes tem seu fundamento nos
movimentos de liberdades radiofnicas que tomaram conta do planeta nos anos
setenta quando a luta no era simplesmente pela liberdade econmica como
gostavam de alardear os capitalistas, mas sim cultural, poltica e principalmente de
5 bvio que se esta rdio est localizada em um ponto alto, ou no existe nenhum obstculo para apropagao de suas ondas sonoras, possivelmente seus domnios radiofnicos se ampliaro.
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expresso. Estes ares libertrios chegaram por aqui nos anos 80 e influenciaram a
juventude brasileira, movimentos populares e os tericos da comunicao.
2.1 - OS MOVIMENTOS DE DEMOCRATIZAO DO RDIO E ALGUMASINICIATIVAS
Em contraposio s produes e concepes radiofnicas existentes
surgem na Itlia as rdios livres. Em sua proposta constava o fim do monoplio da
radiodifuso nas mos do Estado e as polticas de concesses. Dificilmente se
poder imaginar outra forma de viabilizar o acesso da sociedade aos meios de
radiodifuso que no seja a devoluo das ondas ao domnio pblico (MACHADO,
ARLINDO E MAGRI, 1986, p.18).
Diferentemente das rdios piratas6, as rdios livres pretendiam
disseminar a idia de que todos podem e devem fazer comunicao via rdio. Este
movimento de contestao ganhou vrios adeptos mundo afora e tambm vrias
formas de se estruturar. Influenciou movimentos de revoluo e foi utilizado para
assegurar a liberdade de expresso dos que outrora se encontravam alijados do seu
direito de pronunciar a palavra. Foi, durante boa parte da histria, a voz daqueles
que foram calados por regimes de represso.
Em Vitria (ES), Eduardo Lima Ferreira operava a Rdio Paranica, na faixa de1.494kHz, transmitindo em diversos horrios alternados. O estudante de 16 anosconcentrava suas emisses das 19 s 20h, coincidindo com a rede obrigatria doradiojornal oficial Voz do Brasil. No dia 2 de fevereiro de 1971, a Polcia Federalapreende o equipamento utilizado e o rapaz s no foi preso porque era menor deidade (FERRARETTO, 2001, p.187).
Uma boa definio para caracterizar o movimento das rdios livres que
incendiaram no s a Itlia, mas tambm boa parte da Europa na dcada de 70 o
seguinte:
6 A pirataria um fenmeno tipicamente ingls. A partir do final dos anos 50, algumas emissoras forammontadas dentro de barcos, para emitir fora das guas territoriais da Gr-Bretanha, como forma de burlara tutela estatal. A rdio Merkur, por exemplo, emitia nas costas de Copenhague (Dinamarca), a Nord nas
costas de Estocolmo (Sucia), a Vernica em guas holandesas, a Caroline e a Atlanta no mar daInglaterra. Era costume erguer uma bandeira negra, como a dos corsrios, nos barcos emissores, e essedetalhe deu origem expresso rdios piratas" (MACHADO; ARLINDO e MAGRI, 1986, p.60).
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O movimento das rdios livres, iniciado na Itlia em 1975, visava perfurar omonoplio estatal das telecomunicaes, atravs de emisses de rdio ilegais ou
no autorizadas. Nascidas no bojo de movimentos polticos contestatrios, as rdioslivres estimularam as pessoas a passar da condio passiva de ouvintes para a deagentes ativos de seus discursos e a colocar no ar as suas idias, os seus prazeres,as suas msicas preferidas, sem precisar de autorizao para isso. As faixas deonda foram consideradas propriedade coletiva e cabia coletividade usufruir delas(MACHADO, ARLINDO E MAGRI, 1986, p.59).
Porm, com a legalizao das rdios livres na Europa, todo tipo de
contestao passou a fazer parte de um passado que j no partilhava mais com o
presente, nem era objeto de desejo para o futuro. At mesmo na Frana, onde as
antenas livres se converteram rapidamente num dos mais significativos eventos
polticos e culturais do final dos anos 70 (MACHADO, ARLINDO E MAGRI,
1986, p.71), a institucionalizao foi um passo decisivo para o fim da liberdade de
dizer a palavra. Segundo esses autores, o destino das rdios livres europias foi
selado com a sua legalizao. Elas que haviam sabido resistir a todas as
modalidades de represso, no estavam preparadas para enfrentar a arma mais
traioeira: a institucionalizao (1986, p.77).
Na Amrica Latina experincias deste tipo estiveram presentes em
praticamente todos os pases. Na Bolvia, em El Salvador e na Nicargua, mineiros,
guerrilheiros e sandinistas, respectivamente, construram seus transmissores
radiofnicos. Jamais se calaram quando a situao era desfavorvel ou em
momentos de perseguio. Em Cuba, o rdio foi utilizado pelas lideranas
revolucionrias e principalmente por Ernesto Guevara. "Foi 'Che' quem teve a idia
de criar a Rdio Rebelde. Entre 1958 e 1959, essa rdio funcionou comoinstrumento de combate e uma arma poltico-militar de eficincia comprovada
(MACHADO, ARLINDO E MAGRI, 1986, p.96)".
No Brasil (especialmente em Sorocaba), a partir da dcada de 80,
surgem iniciativas que marcariam profundamente a constituio de um movimento
engajado na batalha no apenas pelas rdios livres, mas tambm pela liberdade de
expresso e por um meio de comunicao comprometido com a conscientizao de
seu povo. "Na metade dos anos 80, o rdio livre comea a ganhar contornos maispolticos. usado para expressar posicionamentos cerceados pela grande mdia
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(FERRARETTO, 2001, p.188)". No final desta dcada, a Unio Nacional dos
Estudantes (UNE) organiza um encontro com o intuito de discutir e traar diretrizes
para este movimento.
Em 1989, a Unio Nacional dos Estudantes promove em So Paulo o I EncontroNacional sobre Rdios Livres, no qual comparecem representantes de 10 estados.Surge o Coletivo Nacional de Rdios Livres, que participa, dois anos depois, daformao da Frente Parlamentar origem do Frum Nacional pela Democratizaoda Comunicao (FERRARETTO, 2001, p.188).
Nessa devoluo da voz aos seres humanos, as rdios livres e seusradialistas libertrios cumpriram um importante papel. Marcariam para sempre a
histria radiofnica do planeta munidos apenas de idias na cabea e do direito
palavra.
Talvez essa seja uma das grandes novidades introduzidas pelas rdios livres nosmeios de comunicao de massa: tornar o meio to transparente quanto possvel,eliminar os intermedirios, intrpretes, comentaristas e deixar que os
acontecimentos sejam reportados pelos seus prprios personagens (MACHADO,ARLINDO E MAGRI, 1986, p.30).
Todavia boa parte das rdios brasileiras que comearam como livres
tentaram autorizao para funcionamento, buscaram enquadramento na lei das
radcom. Muitas continuam na ilegalidade e acabam trabalhando com liminares
judiciais, por causa da lentido do Ministrio das Comunicaes, e outras deixaram
de existir devido a perseguio da Anatel e da Polcia Federal.
2.2 -RDIO E EDUCAOUtilizando-se dos aparatos tecnolgicos contemporneos para
experimentar novas formas de produo de conhecimento e assim ligar a educao
aos novos tempos, surgem, no decorrer dos anos, uma srie de iniciativas unindo o
rdio educao. O prprio Governo Federal na dcada de 70 instituiu, atravs de
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um decreto, a transmisso obrigatria programaes educativas por todas as rdios
do Brasil.
Iniciado em 1 de setembro de 1970, dentro do Servio de Radiodifuso Educativado Ministrio da Educao e Cultura, em homenagem deusa grega da sabedoria, oProjeto Minerva atendia um decreto presidencial e uma portaria interministerial den 408/70, que determinava a transmisso de programao educativa em carterobrigatrio, por todas as emissoras de rdio do pas. Tal obrigatoriedade erafundamentada na Lei 5.692/71 que foi revogada pela Lei de Diretrizes e Bases daEducao (Lei n 9.394, de 20 de dezembro de 1996) (SOUZA, acesso no dia 19 deset. 2006).
Nesta proposta o objetivo maior era a educao de adultos atravs do
ensino distncia e o rdio foi escolhido por ser um meio de grande familiaridade
do pblico alvo (SOUZA, acesso em 19 set. 2006). Tambm nos anos 80 uma srie
de experincias educativas com a utilizao do rdio tornaram-se realidade, porm
agora sem a tutela do estado.
Algumas destas rdios utilizavam transmissores, pois conseguiram
autorizao junto ao rgo competente para funcionamento, outras foram ao arcom sistemas de alto-falantes mesmo (radio-poste). Em Campos, no Rio de Janeiro,
duas experincias merecem destaque: a Rdio Viso e a Rdio Vanguarda
Educativa. A primeira operava com alto-falantes espalhados pela escola.
A Rdio Viso foi instalada, em 1986, na Escola Tcnica Estadual Professor JooBarcelos, no Ensino Fundamental e Mdio, e operava atravs de um circuito internode alto-falantes. [...] A programao tinha a durao de vinte minutos dirios, noshorrios do recreio, com programao editada e produzida pelos alunos (MOTTA,2005, p.43).
J a rdio Vanguarda Educativa avanava em dois pontos
preponderantes: utilizava-se de um transmissor de baixa potncia com autorizao
do Ministrio da Educao e Cultura (MEC) e abria espao para os profissionais de
comunicao cujo papel era o de capacitador.
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Sua transmisso era em rede interna, mas se utilizava de um pequeno transmissorde rdio (portanto sem fios). O sinal de udio era captado por receptores acopladoss caixas de som amplificadas, instaladas em locais estratgicos na escola.[...]
Antes do funcionamento, foram realizadas oficinas abertas para o curso deprogramador, locutor, jornalista e operador de udio, ministrados porcomunicadores e professores (MOTTA, 2005, p.44).
A constituio da primeira rdio escola remonta o final da dcada de 40
e incio da dcada seguinte. Em 1950 a Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS) deu o primeiro passo rumo explorao do veculo com objetivos
educacionais.
"Um professor de Engenharia queria demonstrar aos seus alunos os princpiosbsicos envolvidos na construo de transmissores e na irradiao propriamentedita. [...] No dia 1 de julho de 1950, a reitoria da universidade obtm umaautorizao para operar uma estao de radiotelefonia voltada transmissoeducativa" (FERRARETTO, 2001, p.140).
Atualmente a maioria das rdio educativas se encontram nas mos dasuniversidades. Algumas servem para o experimentalismo e contribuem para a
formao dos alunos de comunicao social, por exemplo. Outras educativas,
contudo, mantm as mesmas caractersticas das rdios comerciais, so fachadas
com interesse apenas no retorno financeiro.
Em um ramo onde o monoplio de mdia predominante e a
programao completamente influenciada pelas gravadoras multinacionais, a
existncia/ sobrevivncia de rdios educativas e comunitrias um bom exemplo deque nem tudo est perdido para o futuro do rdio comprometido com o povo
brasileiro.
A experincia relatada neste trabalho, apesar de possuir um pblico
especfico e at certo ponto restrito por se tratar de uma rdio-escola que tambm
rdio-poste , busca trilhar o caminho do direito palavra e do meio de
comunicao social comprometido com a transformao da sociedade. Baseados
nesta premissa amparam-se os conceitos educomunicacionais. Estes, contudo,
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estruturados por uma formao educacional crtica, libertadora, trazem de tericos
como Paulo Freire e Antonio Gramsci, que veremos adiante, marcas profundas.
3 -EDUCAO CRTICA NA PERSPECTIVA DE GRAMSCI EFREIRE: SEMENTES DA EDUCOMUNICAO
O filsofo Antnio Gramsci nasceu na Itlia e foi militante do Partido
Comunista Italiano no perodo ditatorial e fascista de Benito Mussolini. Perseguido,
escreveu boa parte do seu pensamento na priso. Na sntese do seus escritos sobre
educao destaca-se a seguinte frase: toda relao pedaggica igualmente
hegemnica (TAVARES, 1989, p.17).Baseado em seus manuscritos, sendo ele um autntico marxista e um
dos maiores tericos contemporneos dessa corrente, possvel constatar a
importncia que Gramsci d ao processo educacional em geral, s relaes
pedaggicas que permeiam toda a estrutura social e ao processo de transformao
dessa sociedade. Segundo Tavares (1989, p.18), se toda relao hegemnica,
ento a educao s tem sentido integrada ao processo de transformao da
sociedade.
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Seu pensamento est centrado, assim como o socialismo cientfico de
Marx, na figura do proletariado: a classe social advinda da Revoluo Industrial.
Gramsci, no entanto, vai alm ao analisar a estrutura e a superestrutura do capital e
formula uma teoria baseada na elevao cultural, educacional das classes
exploradas. A escola e o partido so preponderantes e devem trabalhar para
consolidar, nas instncias pedaggicas, a contra-hegemonia.
Nenhum plano de mudanas poder ser realizado sem uma educao adequada aosinteresses do proletariado, e esta educao adequada a misso histrica doproletariado exige uma nova escola, instrumento de contra-hegemonia e da novacultura. Esta ltima, entendida em seu sentido poltico, torna possvel a crtica do
sistema anterior [...] (TAVARES, 1989, p.23).
Por cultura, segundo o filsofo italiano entende-se como:
organizao, disciplina do prprio eu interior, tomada de posse da prpriapersonalidade, conquista da conscincia superior, pela qual se conseguecompreender o prprio valor histrico, a prpria funo na vida, os prprios direitos
e deveres (MOCHCOVITCH apud GRAMSCI, 1988, p.57).
Porm nada disso feito de maneira espontnea. Pensando sempre no
ser humano com um todo, o prprio homem deve repensar frmulas baseadas em
suas experincias, percepes e conhecimentos e, a partir da crtica estrutura
anterior, alcanar a liberdade no seu sentido mais amplo.
[...] educar construir uma nova filosofia assimilvel por todos os homens que,possuindo a filosofia espontnea do senso comum, tm o direito a umacompreenso crtica do mundo. No se deve, em nenhum momento, pensar que oshomens sejam incapazes de chegar a este ponto (TAVARES, 1989, p.46).
E pensando no coletivo possvel elevar o homem a uma nova
racionalidade partindo da prtica cotidiana da educao jamais neutra. Somente
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ser verdadeira a liberdade que se afirma como ao coletiva e no individual, mas
sem anular a personalidade de cada indivduo (TAVARES, 1989, p.46).
Gramsci pensa em uma educao que forme, no indivduo, a conscincia de que oconhecimento individual s ter valor em relao com o social, que satisfaa osinteresses particulares, mas tambm os coletivos (TAVARES apud RODRIGUES,1989, p.44).
A inteno de Gramsci trazer tona questionamentos, dvidas ligadas
sociedade capitalista e sua estrutura, onde a escola uma das maiores aliadas.
Neste aparelho ideolgico do Estado a educao serve ao poder, produzindo a
separao entre a teoria e prtica, entre cultura e poltica, entre saber elitizado e
trabalho (TAVARES, 1989, p.44).
difcil pensar uma educao comprometida com a parcela social
menos favorecida, na sociedade da diviso em classes. Afinal, a prpria estrutura
existe para manter a ordem: de uma lado os que devem mandar (detentores da
propriedade privada) e do outro os que devem obedecer (detentores da fora de
trabalho). Assim, o conhecimento comprometido com a causa dos verdadeirosprodutores de riquezas dentro da esfera social deve se basear em uma educao que
conscientiza a classe subalterna, revela as contradies existentes e possibilita uma
nova concepo de mundo, ponto de partida para uma nova relao social
(TAVARES, 1989, p.44). O autor acrescenta (1989, p.43):
O papel que a educao desempenha tanto na hegemonia como na contra-
hegemonia, visa as relaes sociais, que incluem o homem, cujo objetivo modificar ou manter uma estrutura social.[...] a modificao do homem se d na medida em que se modifica o conjunto dasrelaes do qual ele o ponto central, podendo-se afirmar que ele educa seeducando.
Outro ponto importante que permeia os escritos do filsofo e militante
italiano diz respeito crtica ao senso comum pela elaborao de um bom senso.
Gramsci atribua boa parte das trevas do povo incapacidade da escola deampliar questionamentos em torno da estrutura posta.
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O pensamento deste marxista italiano influenciou, e ainda influencia,
muitos tericos, filsofos ligados aos mais variados campos de estudos da
estrutura/superestrutura do capital. Paulo Freire, grande educador humanista, foi um
deles.
Um dos maiores tericos da Educao no mundo, Paulo Freire, nasceu
no Brasil. Seus estudos esto situados na libertao humana a partir do
conhecimento pleno, da educao. Tal qual Gramsci, Freire via na educao crtica,
conscientizadora, e no apenas tcnica (FREIRE, 1968, p.88), o rumo para o
homem simples, proletrio alcanar a sua verdadeira emancipao. A prtica da
liberdade s encontrar adequada expresso numa pedagogia em que o oprimido
tenha condies de, reflexivamente, descobrir-se e conquistar-se como sujeito de
sua prpria destinao histrica. (FREIRE, 1987, p.9)
Freire comeou os suas experincias na dcada de 60 em Pernambuco,
terra onde nasceu. L testou pela primeira vez no s um mtodo, mas uma nova
forma de se conceber a Educao. Segundo Brando (1981, p.8),
Mosssor fica perto de Angicos, uma cidadezinha nos fundos do Nordeste, ondeneste ano o sol seca e resseca tudo o que h. Foi ali onde, pela primeira vez depois de uma pequena experincia em um bairro do Recife , a equipe do serviode Extenso Universitria da Universidade Federal de Pernambuco, coordenada peloprofessor Paulo Freire, testou o que veio a se chamar: o mtodo Paulo Freire deAlfabetizao de Adultos.[...] ali no se experimentava s um novo mtodo, mas, atravs dele, um novosentimento de Mundo, uma nova esperana no Homem.
A partir desta iniciativa Freire desencadeou um processo que culminou
com a sua perseguio pelo governo ditatorial do pas e, consequentemente, o
exlio. Contudo a forma de se educar tanto adultos, quanto jovens, adolescentes e
crianas seria consistentemente repensada. Seu legado atravessou fronteiras e
alcanou o planeta. No perodo em que esteve no Chile, fez avanar o nvel de
alfabetizao daquela populao, chegando a receber congratulaes da
Organizao das Naes Unidas para a Educao, Cincia e a Cultura (Unesco).
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Pouco tempo depois da chegada ao Chile o pas destaca-se entre todos do mundopelo seu trabalho em favor do adulto analfabeto. O Chile recebe da UNESCO umadistino como um dos 5 pases que melhor contriburam para superar oanalfabetismo. Programas nacionais so desenvolvidos a partir das idias e do
sistema de trabalho de um brasileiro exilado (BRANDO, 1981, p.20).
Entre as propostas de Paulo Freire estavam os crculos de cultura e o
aprender a ler o mundo partindo do seu prprio mundo. Para ele no possvel
ensinar para um lavrador falando a linguagem de um doutor, usando caracteres,
imagens ou qualquer outro tipo de comunicao que no faz parte do seu cotidiano.
Imagine um operrio chegando, depois de uma jornada macha de trabalho, na sala
de aula e tendo que repetir no meio da noite: Eva viu a uva. A ave do Ivo.Ivo vai na roa (BRANDO, 1981, p.23).
preciso a aproximao, o dilogo, a reciprocidade em relao ao
conhecimento. Afinal, no h homem absolutamente inculto (FREIRE, 1987, p.19).
Tambm no h homens que sabem demais, at mesmo porque o saber pressupe
um eterno devir, pois o mundo est em constante mutao e construo.
[...] educar e educar-se, na prtica da liberdade, tarefa daqueles que sabem quepouco sabem por isto sabem que sabem algo e podem assim chegar a saber mais em dilogo com aqueles que, quase sempre, pensam que nada sabem, para queestes, transformando seu pensar que nada sabem em saber que pouco sabem,possam igualmente saber mais (FREIRE, 1968, p.25).
Em relao aos crculos de cultura espaos onde os educandos e o
mediador se reuniam para se educarem mutuamente a inteno era que, em
grupos, os educandos pudessem compartilhar conhecimentos e avanar no
aprendizado da leitura. A presena de um coordenador-mediador nas reunies trazia
um significado diferente para eles acostumados a enxergar no professor, locado
em uma sala de aula, a referncia do saber. Neste espao cultural se lia o mundo
comum quele grupo, a partir de imagens e conversas. Porm o que torna o trabalho
de Freire renovador a capacidade de se poder ler o mundo social buscando a
transformao deste a partir dos questionamentos. a Pedagogia do Oprimido
construda por ele, com ele e para ele.
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A pedagogia do oprimido, como pedagogia humanista e libertadora, ter doismomentos distintos. O primeiro, em que os oprimidos vo desvelando o mundo da
opresso e vo comprometendo-se, na prxis, com a sua transformao; osegundo, em que, transformada a realidade opressora, esta pedagogia deixa de serdo oprimido e passa a ser a pedagogia dos homens em processo de permanentelibertao (FREIRE, 1987, p.41).
Paulo Freire delega comunicao um papel importantssimo nesta luta
pelo dizer a palavra, criticizar o mundo e transform-lo. O conhecimento jamais
pode ser monlogo, ou como ele mesmo diz: aquele que enchido por outro de
contedos cuja inteligncia no percebe; de contedos que contradizem a formaprpria de estar em seu mundo, sem que seja desafiado, no aprende (FREIRE,
1968, p.28).
imprescindvel notar, em Paulo Freire, a f que ele depositava no
homem. Crendo que este pode e deve ser livre, prope um trabalho a partir da
educao, mas sem deixar de lado todos as outras esferas sociais. A sua utopia no
deixa de ser uma utopia poltica, econmica, cultural, ambiental entre outras. Em
suas afirmaes, todos os processos de conhecimento so processos pedaggicos.Deposita confiana nos homens que se baseiam no senso comum para definir
parmetros. Entretanto luta, com eles e junto deles, pela superao dessa forma de
pensar a qual acredita ser um legado da sociedade capitalista. Sociedade que no lhe
permite ser o agente transformador da histria. Assim, quanto mais as massas
populares desvelam a realidade objetiva e desafiadora sobre a qual elas devem
incidir sua ao transformadora, tanto mais se inserem nela criticamente (FREIRE,
1987, p.40).
Freire um homem religioso e seu pensamento imbudo de otimismo e f nosseres humanos. Ele sempre acredita que, a despeito de todas as adversidades eobstculos, o homem, um dia, ser livre. neste sentido que ele utpico. Mas suautopia, [...] nada tem de ilusrio, fantstico ou inatingvel, mas trata-se de umautopia revolucionria, que significa recusa em aceitar este status quo [...] (LIMA,1981, p.129).
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No fundo, para a educao estruturada sobre o capitalismo e que busca
atender aos anseios dos homens que seguem a ganhar em um jogo como esse,
difcil a aceitao da palavra por qu. Ela contm desafios mil aos seres humanos,
desafios que podem abater instituies e trazer novamente o homem oprimido ao
cerne da deciso, porm agora munido de armas que outrora se mantinham nas
mos dos opressores. Segundo Freire, nenhuma ordem suportaria que os oprimidos
todos passassem a dizer: Por qu? (1987, p.75). Para muitos este tipo de dvida a
ser respondida cria um clima de desordem:
No so raras as vezes em que participantes destes cursos [alfabetizao peloscrculos de cultura], numa atitude em que manifestam o seu medo da liberdade,se referem ao que chamam de perigo da conscientizao. A conscincia crtica(...dizem...) anrquica. Ao que outros acrescentam: No poder a conscinciacrtica conduzir desordem? H, contudo, os que tambm dizem: Por que negar?Eu temia a liberdade. J no a temo! (FREIRE, 1987, p.23)
Da mesma maneira que o terico lana mos dos questionamentos
feitos pelos participantes, ele tambm, citando o comentrio de um operrio, relata:
No posso dizer que haja entendido todas as palavras que foram ditas aqui, masuma coisa posso afirmar: cheguei a esse curso ingnuo e, ao descobrir-me ingnuo,comecei a tornar-me crtico. Esta descoberta, contudo, nem me faz fantico, nemme d a sensao de desmoronamento (FREIRE, 1987, p.23).
De forma sucinta o autor, parafraseando Weffort que prefaciou o seu
livro Educao como Prtica da Liberdade , traz luz a estas questescomplementando que se a tomada de conscincia abre o caminho expresso das
insatisfaes sociais, se deve a que estas so componentes reais de uma situao de
opresso (FREIRE, 1987, p.24).
A situao de opresso diz respeito sociedade capitalista e atualmente
o seu formato mais aprofundado: o neoliberalismo. O pernambucano Paulo Freire
sempre preocupou-se com a situao do planeta e cria totalmente que nesta
sociedade da explorao indiscriminada o ser humano jamais poderia tornar-sehumanizado, a no ser que tomasse as rdeas da histria, escolhesse o seu destino.
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A pedagogia neoliberal uma pedagogia da excluso justamente porque reduz opedaggico ao estritamente pedaggico, buscando retirar da pedagogia a sua
essncia poltica. A pedagogia da esperana o oposto da pedagogia da excluso.Ensinar inserir-se na histria: no s estar na sala de aula, mas num imaginriopoltico mais amplo (GADOTTI, 1997).
Desde as primeiras investidas no Nordeste brasileiro, Freire sempre
procurou ampliar o conceito de educao e as suas esferas de atuao a partir do
dilogo. O processo de conhecimento bem mais amplo e deve levar o ser humano
a uma ao, a um progresso histrico. A nossa convico a de que, quanto maiscedo comece o dilogo, mais revoluo ser (FREIRE, 1987, p.125).
Ora, a educao um processo a longo prazo e precisa combater o imediatismo e oconsumismo, se quiser contribuir para a construo de uma ps-modernidadeprogressista. A educao, para ser libertadora, precisa construir entre educador eeducando uma verdadeira conscincia histrica (GADOTTI, 1997).
O homem deve perceber que o conhecimento est alm da sala de aula
e isto exige uma prtica muito mais complexa que perpassa toda a vida, todas as
relaes de interao com outros seres e com a Terra. Requer de ns o repensar a
utilizao de meios de elevao cultural dos homens. Do giz que toca o quadro ao
dedo que toca a tela de um monitor tudo deve servir para o aprofundamento das
relaes humanitrias e recprocas entre os seres.
Desde seus primeiros escritos [Paulo Freire] considerou a escola muito mais do queas quatro paredes da sala de aula. Criou o Crculo de Cultura, como expressodessa nova pedagogia que no se reduzia noo simplista de aula. Na sociedadedo conhecimento de hoje isso ainda muito mais verdadeiro, j que o espaoescolar muito maior do que a escola. Os novos espaos da formao (mdia,rdio, TV, vdeo [...]) alargaram a noo de escola e de sala de aula (GADOTTI,2002).
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Em 1980 Paulo Freire volta ao Brasil aps 16 anos de exlio e muito
trabalho para expandir a proposta da educao libertadora pelo mundo. Neste
mesmo ano participa de um Congresso intitulado Comunicao e Educao
Popular, realizado pela Unio Crist Brasileira de Comunicao Social (UCBC), e
deixa a sua marca na nova etapa do mtodo de Leitura Crtica da Comunicao
(SUZINA E FAXINA, 2004, p.6). Consequentemente marcaria tambm o seu nome
na histria do emergente campo da Educomunicao no pas.
Paulo Freire morreu em 1997 deixando um grande legado para a
sociedade. Aos homens, que lutam constantemente para superar a irracionalidade
instaurada, deixou uma tarefa rdua: buscar conhecer, sempre mais, a realidade
como um todo, pois a percepo parcializada da realidade rouba ao homem a
possibilidade de uma ao autntica sobre ela (FREIRE, 1968, p.34).
4 -EXPERINCIAS PRTICAS DE EDUCOMUNICAOCada meio tem uma contribuio a dar para o desenvolvimento humano [...]. O
desenvolvimento equilibrado do indivduo requer um contato balanceado com osvrios meios. Crescendo expostas a uma diversidade de meios de comunicao, ascrianas podem no concluir sua educao com tanta prtica em leitura, comoantigamente. Mas adquirem um conjunto de habilidades mais diversificado do queera possvel quando a linguagem escrita era o meio de comunicao de massadominante (MARTINARI apud GREENFIELD, p.160).
Repensar prticas eleva o ser humano a uma nova categoria, a um novo
estgio. Boa parte dos projetos educomunicacionais nasceram, cresceram e se
desenvolveram sobre a crtica ao sistema escolar do tipo escola-empresa onde
[...] a hierarquizao das funes, a meritocracia, a determinao autoritria dos
objetivos e onde a eficincia sempre uma medida de julgamento para a avaliao
do produto [...] (DVILA, 1985, p.29).
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sabido que a escola prepara o indivduo para a vivncia em grupo,
para a sua insero em um espao onde impera determinada cultura, lngua e cincia
e, nos ltimos sculos, para o mercado de trabalho7.
A educao, numa sociedade de classes, cumpre (como servio oferecido econtrolado basicamente pelo Estado) uma funo legitimadora do status quo, namedida em que a principal responsvel pelo processo contnuo de socializao dosindivduos. Uma de suas funes primordiais , pois, a transmisso da ideologiadominante (CUNHA, 1985, p.21).
Em meio a diferenas visveis entre os atores sociais, a escola mantma sua caracterstica de dissimular a verdade objetiva de sua relao com a estrutura
das relaes de classe, o que evidentemente favorece os interesses das classes
dominantes (DVILA apud BOURDIEU e PASSERON, 1985, p.46), afinal, seria
difcil a harmonia social se assim no fosse. A sociedade no poderia existir sem
que houvesse em seus membros certa homogeneidade: a educao a perpetua e
refora, fixando de antemo na alma das crianas certas similitudes essenciais,
reclamadas pela vida coletiva (DVILA apud DURKHEIM, 1985, p.22).
Contudo h que se perguntar: realmente, teria a escola esta especfica funo? No
teriam os homens escolhas prprias a partir do conhecimento adquirido tanto no
ensino colegial quanto no saber dirio?
conveniente constatar que em sociedades cuja dinmica estrutural
conduz dominao de conscincias, a pedagogia dominante a pedagogia das
classes dominantes. Os mtodos da opresso no podem, contraditoriamente, servir
libertao do oprimido (FREIRE, 1987, p.9). Todavia a contemporaneidade
trouxe novos anseios. A disseminao em massa do conhecimento e da informao
ainda que meramente superficial em muitos casos fez surgir novas prticas.
A transdisciplinaridade to comum em nosso tempo e alardeada a
dcadas por Paulo Freire8e outros filsofos libertrios preocupados com a formao
7 A escola pblica, a instruo generalizada para todo o povo, instituda pelo capitalismo no sculo XIX ecorresponde a uma necessidade econmica do sistema: a generalizao dos conhecimentos para a
formao do know-how dos trabalhadores urbanos (CUNHA, 1985, p.16).8 Paulo Freire, na prtica, sabia trabalhar com vrias disciplinas ao mesmo tempo: a etnografia, a teorialiterria, a filosofia, a poltica, a economia, a sociologia, etc. Trabalhava mais com teorias do que com
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humana como um todo props outros parmetros para o ensino. Um ensino por
completo, que sugira ao homem o caminho a seguir e no simplesmente o ordene a
segui-lo. O ensino apoiado na prtica, no viver dirio, no dilogo, onde o saber
emana do concreto, jamais do abstrato.
O que importa fundamentalmente educao, contudo, como uma autnticasituao gnosiolgica, a problematizao do mundo do trabalho, das obras, dosprodutos, das idias, das convices, das aspiraes, dos mitos, da arte, da cincia,enfim, o mundo da cultura e da histria, que, resultando das relaes homem-mundo, condiciona os prprios homens, seus criadores (FREIRE, 1968, p.83).
Sendo assim,
Algumas instituies escolares, conscientes das contradies presentes nasociedade e, consequentemente na escola, tm incorporado em seu contexto meiosde comunicao, entendidos como recursos facilitadores do trabalho docente.Acreditam, assim, que com a utilizao de linguagens audiovisuais, o alu