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15-1-1949 Ano IX Diretor e redator: MUCIO LEÃO. Gerente: LEONARDO MARQUES. Secretario: SEHGIO R. VELLOZO. PREÇO CrS 2,00 N.o 3 Vol. X Noticia sobre Gregorio de Matos G regório de Matos Guerra nasoeu na Bahia, em 20 de de- zembro de 1633. e era filho de Gregorio de Matos e de D. Ma- ria da Guerra, senhora de en- genho na Pata tiva, naquela Capitania. (O nome do pai do poeta, que, conforme os melho- res biógrafos, é dado como sen- do Gregorio de Matos, aparece era Sacramente Blake e Artur Mota como sendo Pedro Gon- çalves de Matos). Gregorio era o terceiro filho do casal: o primeiro teve o no- me üe Pedro de Matos de Vas- cancelos, e foi lavrador e fun- cionário público: o segundo foi o Padre Eusebio de Matos, que se tornou tambem poeta, e foi -. um famoso pregador sacro. Quanto ao nosso poeta, foi êle batizado em 23 de dezembro de 1633, com o nome de João. Por ocasião de sua crisma, no ano seguinte, o Bispo D. Pedro da Silva mudou-lhe o nome pa- ra Gregorio. Ciregorio de Matos iniciou os estudos de Humanidades na Bahia, com os jesuítas, re- velando, desde a meninice, suas tendências para a poesia, e so- bretudo para a poesia satírica. Em 1663 esta em Coimbra, ma- tricuiado no primeiro «ano de Cânones, e.°ali permanece até 1661, quando obtém o seu tltu- lo de formatura. Passou a re- sidir em Lisboa, e ali abriu banca de advogado. Foi igual- mente, Juiz do Crime e Juiz de Órfãos. Esse período de sua vi- da é bastante obscuro. Parece que veio ao Brasil mas nada se sabe ao coto. Sabe-se que, em certo momento, o Príncipe Re- gente, D. Pedro II, quis man- dá-lo ao Brasil, a fim de proce- der a uma sindicância acerca da conduta de Salvador Correia de e Benevides, no Rio de Janeiro. Gregorio de Matos nâo aceitou o encargo. Nem por is- so deixou de ser nomeado, em 24 de março de 1679. Desem- bargador de Relação Eclesiás- tica da Bahia, com 300S0OO. Em 1681 estava residindo na Bahia, e ali gozava da amizade de D. Gaspar Barata, primeiro Arcebispo daquela Capitania. Obteve então a nomealjão de Tesoureiro-Mor da Catedral e a dc Vigário Geral com murça de Conego, tendo apenas as Ordens menores. Como, porém, se. recusasse a receber as ordens sacras, e houvesse falecido o seu protetor, desandou para êle a j-oda da fortuna. E Oregono veio a perder os cargos que exercia. K dessa época o crime em [jue tombou sem vida o Al- caide-Mor Francisco Teles dc Menezes. Gregorio de Matos se MTOlado entre os responsa- veis por êsse assassinato. Jun- tamente com Bernardo Vieira Ravasco, é forçado a asilar-se em Lagrado. entrado em anos. casa-se com a formosa viuva Maria de Povos. Vendo crescidas, com o casamento, as suas responsabi- lidades, procura abandona:' a vida folgada que vivera até en- tão, nos seus anos de boêmia. Tenta, regressar ás atividades de advogado. Mas descuida-sc das causas, cujos prazos Im- prorrogáveis perde: vive a ferir os colegas advogados e os Jui- zes. com as suas terríveis sati- ras... A pobre senhora viti- ma. ria também, dos sarcasmos do marido acaba não poden- do mais suportar a situação: abandona Gregorio. e recolhe- se ã casa de um parente. Alar- mada. a família corre ao poeta, para que èle torne a receber a esposa; Gregorio consente, mas estabelece suas condições: D. Maria ha de regressar á casa acompanhada por um capitão do mato. como negra fugida... e se lhe nascer um filho ha de receber o nome de Gonçalo, porque em sua casa quem man- da é a galinha, nâo o galo... D. Maria aceitou as condições: e mais tarde, ao dar á luz um filho, este realmente se chamou Gonçalo... A essa altura da vida. acha- va-se o Boca do Inferno visado por todos os ódios, na Bahia. Uma noite (conta-se seus desa- feUos procuraram alvejá-lo, dis- parando contra êle um tiro, Não sendo atingido, mas veri- ficando que sua vida corre pe- rigo, êle se recolhe ao reconca- vo. Foi, porém, preso por or- dem do Governador Dom JoSo de Lencastro, e remetido para Angola. %ra isso em 1694. No ano seguinte, obtlnha a sua li- berdade. E regressava ao Bra- sil. Indo residir em Pemambu- co, onde era Governador Caeta- no de Melo e Castro. Esta au- toridade o recebe com o maior afeto, oferecendo-lhe sua pro- teção e os recursos de que ne- cessita, mas pedindo-lhe em troca um único favor: que êle n&o fizesse mais versos. O poe- ta prometeu. E é dessa época aquele divertido episódio, no qual Gregorio, tendo visto duas mulheres que se descompunham e lutavam a unhadas na rua, saiu gritando: Aqui-del-rei contra o Snr. Caetano de Melo. Perguntou-lhe alguém por- que aquele grito. E o poeta re- trucou: _ Que maior motivo que o proiblr-me de fazer versos, quando ha tais motivos para eles? Em Pernambuco, nao oDstan- te a promessa formal feita oo Governador, continuou fl ferir, com os seus tremendos sarcas- 3 mos, todos os que desses sarcas- mos se faziam merecedores. Foi ali que faleceu, no ano de "¦Gregorio de Matos é patrono da Academia Brasileira de Le- trás (cadeira n.° 16>; e oa. Academia Bahiana de Letras. BIBLIOGRAFIA _ obras Poéticas ãe Gregorio de Matos Guerra, precedidas da vida do poeta pelo licenciado Manuel Pereira Rabelo r Tomo ! _ Rio, 1882 - 419 pass a edição devida a Vale Cabral, que assina a introdução (de pás. V a LU). Obras de Gregorio de Matos: I _ Sacra. W29 - Oficina Industrial Gráfica, rua da Ml- serlcórdia. 74. Rio de Janeiro, in-8» 193x126. 237 pags. Con- Sm: "Nota de C. <°n*fnc-o> a (lTeS); "Éditos e inéditos de Gregorio de Matos", por A. ífrânlo» P. (eteoto); Grego*, rio de Matos, poeta religioso . por Homero Pires; "Vida e morte de Gregorio de Matos Guerra, escrita pelo licenciado Manuel Pereira Rabelo, e mais apurada depois por outro en- genho"; 26 sonetos, 36 déct- mas; quadras e quintilhas. IILírica, Álvaro Pinto. editor (Armário do Brasil), Rio de Janeiro (1923), in-8.1», 193 x x 126, 335 págs. Contém: Prefá- cio, por Afrânio Peixoto; 113 sonetos, 6 oitavas, 42 décimas, 6 romances, 1 endeixa.- IIIGraciosa, 1930, Oficina Industrial Gráfica, r. da Mise- ricórdia, 74, Rio de Janeiro, in-8.0, 193x123. 343 págs. Con- tém: "Nota preliminar", por Afrânio Peixoto; "Gregorio de Matos", por Xavier Marques; 30 sonetos, 24 romances, 56 dô- cimas, 3 quintilhas; 3 redondl- lhas, 2 oitavas. 2 canções; co- pias; endeixas; 2 silvas. IV-V -Saíirica, Vo!. I 1930. Oficina Industrial Grá- fica, rua da Misericórdia, 74, Rio de Janeiro, in-8.°, 193-126, 330 págs. Contêm: "Nota pre- liminar", por Afrânio Peixoto: "Gregorio de Matos", por Constancio Alves; "Aos Vicios": 28 sonetos, 28 romances, 12 epi- gramas. Vo!. 7/ Contêm: "Nota preliminar", A. (frãnio) P.(êixoto): 13 sonetos, 91 dê- cimas; 2 romances; tercetos; 4 quadras; sextilhas: 2 silvas: 2 epigramas, e "Índice geral das poesias de Gregorio de Matos", publicadas nos S volumes de suas Obras, editadas pela Aca- demia Brasileira de Letras". VI Última, 1933, Oficina Industrial Gráfica, rua da Ml- serlcórdia, 74, Rio de Janeiro, in-8.°, 193x128, 375 págs. Con- têm: "Nota preliminar", de Afrânio Peixoto; "Notas sobre Gregorio de Matos, do Arquivo da Universidade de Coimbra"; "A vida espantosa de Gregorio de Matos"; (Retrato histórico), por Pedro Calmon; "Vida do grande poeta americano, Gre- gório de Matos Guerra"; 39 so- netos: metáforas; 46 décimas; sátira do Padre Lourenço Ri- beiro contra o dr. Gregorio de Matos Guerra; 15 romances; 1 endeixa; Índice Geral. ²Erótica. 2 vols. Em sessão da Academia (26- 7-1934) Afrânio Peixoto comu- nicòu que a Erótica do poeta fora organizada em dois códl- ces dactilografados, dos quais um ficara no reservado da Aca- demia, tendo o outro sido man- dado para a Biblioteca Nacio- nal. ²Parnaso Brasileira, por Januário da Cunha Barbosa, 2 vols. Rio. 1831. (Encerra Poesias de Gregorio de Matos de páginas 53 a 62.) ²Parnaso Brasileiro, por J. M. Pereira da Silva, 2 vols. 1843. (Encerra 2 sátiras de Gregorio de Matos, no 1.° vo- lume, págs. 47-53). Florilégio da Poesia Bra- silelra 3 vols. Lisboa, 1850-1853; 2.»» edição Rio, 1946. (Encerra várias poesias de Gregorio de Matos, no 1." tomo, págs. 17-127). Parnaso Brasileiro, de Me- lo Morais Filho 2 vols. Rio. 1885. (Encerra no 1." vo- lume cinco sátiras de Gregorio de Matos). ²Sentença proferida a 2 de (Continua no pág. 17) ^Hiill^^tm\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\aWÊ;''-'i ^HHIBbIIT':1: : Gregorio de Matos. Retrato existente na Academia Brasileira Letras, na galeria dos patronos. SUMARIO PÁGINA 13: ²Noticia sabre Gregorio de Matos. PÁGINAS 14 E 15: ²A Poesia de Gregorio de Matos: ²Vários Sonetos. m*— Retrato do Governador A. L. G. da Câmara Couti- nho. ""•— Romance em defesa do dito governador. PÁGINAS 16 E 17: ²Ensaio sobre Gregorio de Matos, de Múcio Leão. ²Uma biografia de Casimiro de Abreu. PAGINA 18: ²A Vida dos Livros. PAGINA 19: ²A Sentença, conto de Bre- no Accloly. PAGINAS 20, 21 E 22: ²Antologia d a Literatura Brasileira contemporânea. 2.» série Antologia da Prosa XXVI Celso Vieira: ²Celso Vieira (notícia bio- gráfica) ²Biografia de Celso Vieira. ²Algumas fontes sobre Cel- so Vieira. ²Maravilhas do Instinto ²O Ócio das Lindas Mãos ²Adonias ²Rainltas de Batalhas PÁGINA 23: ²Páginas dos Autores Novos ²XXIII Débora Leão. ²Noticia biográfica sobre Débora Leão. Sonetos de Débora Leão: ²Deus ²Maternidade ²A Criança e a Nuvem ²Nuvem Leve ²O Amor ²Gota dágua ²Prisioneira ²Na multidão ²Indiferença ²Exortação ²Estréia da Tarde ²Andorinha ²Transformações ²Separação PAGINA 24: ²Nada, soneto de Joaquim Nabuco. ²Álbum de Guiimard, n." 11 ²Horto Florestal de Ua- tinia. ¦AUTORES E LIVROS" A SEUS ASSINANTES Em virtude de constantes re- clamações de assinantes que nâo têm recebido regularmente a nossa revista, resolvemos pas- sar a fazer todas as remessas com porte registrado. Assim sendo, deduziremos de todas as assinaturas anuais a importân- cia correspondente ao registro, ou seja CrS 14,00. Aqueles que possuem assina- AOS COLECIO •AUTORES E' possível que, dadas as no- torias deficiências do serviço do correio nacional, alguns assi- nantes tenham ficado desfalca- dos de um ou outro número do nosso nono volume. Aos que assim se encontrarem, preveni- turas anuais receberão, pois, 7 números a menos do que antes receberiam, passando o prazo de suas assinaturas a findar-se em fevereiro de 1940, com o n.° 4 do volume XI. As assinaturas semestrais nào sofrem alteração; também não o sofrem as trimestrais, pov terem o seu prazo esgotado. NADORES DE E LIVROS" mos que temos na redação exemplares de todos os nume- ros do nono volume, exempla- res estes que ficam desde à disposição dos interessados que não desejem ver desfalcadas suas coleções. SORTEIO DE UMA COLEÇÃO DE •AUTORES E LIVROS" Cumprindo uma promessa fei- ta desde o primeiro número de nosso nono volume, pusemos em sorteio, com a Loteria Federal do dia 29 de dezembro do ano passado (a última extração do ano) uma coleção de "Autores e Livros'* desde o seu inicio (1944) até o momento atual. Não correspondendo o nume- ro de nenhum dos nossos assi- nantes ao número do bilhete da sorte grande daquele dia .1 .Jl. nenhum deles ganhou a coleção referida. Volta, assim, aquela coleção de "Autores e Livros" a ser posta em sorteio com a última extração de 1949. Naquela oca- sião, o assinante cujo numero corresponder ao grande prêmio da Loteria Federal receberá os seus dez volumes de "Autores e Livros".

Noticia sobre Gregorio de Matosmemoria.bn.br/pdf/066559/per066559_1949_00002.pdf · 2012-05-07 · Página 14 AUTORES E LIVROS Sábado, 15-1-1849 — Vol. X. V 2 3 A poesia de Gregorio

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15-1-1949Ano IX

Diretor e redator: MUCIO LEÃO.Gerente: LEONARDO MARQUES.Secretario: SEHGIO R. VELLOZO.

PREÇO — CrS 2,00

N.o 3Vol. X

Noticia sobre Gregorio de MatosG regório de Matos Guerra

nasoeu na Bahia, em 20 de de-zembro de 1633. e era filho deGregorio de Matos e de D. Ma-ria da Guerra, senhora de en-genho na Pata tiva, naquelaCapitania. (O nome do pai dopoeta, que, conforme os melho-res biógrafos, é dado como sen-do Gregorio de Matos, apareceera Sacramente Blake e ArturMota como sendo Pedro Gon-çalves de Matos).

Gregorio era o terceiro filhodo casal: o primeiro teve o no-me üe Pedro de Matos de Vas-cancelos, e foi lavrador e fun-cionário público: o segundo foio Padre Eusebio de Matos, quese tornou tambem poeta, e foi

-. um famoso pregador sacro.Quanto ao nosso poeta, foi

êle batizado em 23 de dezembrode 1633, com o nome de João.Por ocasião de sua crisma, noano seguinte, o Bispo D. Pedroda Silva mudou-lhe o nome pa-ra Gregorio.

Ciregorio de Matos iniciou osestudos de Humanidades naBahia, com os jesuítas, já re-velando, desde a meninice, suastendências para a poesia, e so-bretudo para a poesia satírica.Em 1663 esta em Coimbra, ma-tricuiado no primeiro «ano deCânones, e.°ali permanece até1661, quando obtém o seu tltu-lo de formatura. Passou a re-sidir em Lisboa, e ali abriubanca de advogado. Foi igual-mente, Juiz do Crime e Juiz deÓrfãos. Esse período de sua vi-da é bastante obscuro. Pareceque veio ao Brasil mas nada sesabe ao coto. Sabe-se que, emcerto momento, o Príncipe Re-gente, D. Pedro II, quis man-dá-lo ao Brasil, a fim de proce-der a uma sindicância acercada conduta de Salvador Correiade Sá e Benevides, no Rio deJaneiro. Gregorio de Matos nâoaceitou o encargo. Nem por is-so deixou de ser nomeado, em24 de março de 1679. Desem-bargador de Relação Eclesiás-tica da Bahia, com 300S0OO.

Em 1681 estava residindo naBahia, e ali gozava da amizadede D. Gaspar Barata, primeiroArcebispo daquela Capitania.Obteve então a nomealjão deTesoureiro-Mor da Catedral ea dc Vigário Geral com murçade Conego, tendo apenas asOrdens menores. Como, porém,se. recusasse a receber as ordenssacras, e houvesse falecido o seuprotetor, desandou para êle aj-oda da fortuna. E Oregonoveio a perder os cargos queexercia. K dessa época o crimeem [jue tombou sem vida o Al-caide-Mor Francisco Teles dcMenezes. Gregorio de Matos sevê MTOlado entre os responsa-veis por êsse assassinato. Jun-tamente com Bernardo VieiraRavasco, é forçado a asilar-seem Lagrado.

Já entrado em anos. casa-secom a formosa viuva Maria dePovos. Vendo crescidas, com ocasamento, as suas responsabi-lidades, procura abandona:' avida folgada que vivera até en-tão, nos seus anos de boêmia.Tenta, regressar ás atividadesde advogado. Mas descuida-scdas causas, cujos prazos Im-prorrogáveis perde: vive a feriros colegas advogados e os Jui-

zes. com as suas terríveis sati-ras... A pobre senhora — viti-ma. ria também, dos sarcasmosdo marido — acaba não poden-do mais suportar a situação:abandona Gregorio. e recolhe-se ã casa de um parente. Alar-mada. a família corre ao poeta,para que èle torne a receber aesposa; Gregorio consente, masestabelece suas condições: D.Maria ha de regressar á casaacompanhada por um capitãodo mato. como negra fugida...e se lhe nascer um filho ha dereceber o nome de Gonçalo,porque em sua casa quem man-da é a galinha, nâo o galo...D. Maria aceitou as condições:e mais tarde, ao dar á luz umfilho, este realmente se chamouGonçalo...

A essa altura da vida. acha-va-se o Boca do Inferno visadopor todos os ódios, na Bahia.Uma noite (conta-se seus desa-feUos procuraram alvejá-lo, dis-parando contra êle um tiro,Não sendo atingido, mas veri-ficando que sua vida corre pe-rigo, êle se recolhe ao reconca-vo. Foi, porém, preso por or-dem do Governador Dom JoSode Lencastro, e remetido paraAngola. %ra isso em 1694. Noano seguinte, obtlnha a sua li-berdade. E regressava ao Bra-sil. Indo residir em Pemambu-co, onde era Governador Caeta-no de Melo e Castro. Esta au-toridade o recebe com o maiorafeto, oferecendo-lhe sua pro-teção e os recursos de que ne-cessita, mas pedindo-lhe emtroca um único favor: que êlen&o fizesse mais versos. O poe-ta prometeu. E é dessa épocaaquele divertido episódio, noqual Gregorio, tendo visto duasmulheres que se descompunhame lutavam a unhadas na rua,saiu gritando:

— Aqui-del-rei contra o Snr.Caetano de Melo.

Perguntou-lhe alguém por-que aquele grito. E o poeta re-trucou:

_ Que maior motivo que o

proiblr-me de fazer versos,quando ha tais motivos paraeles?

Em Pernambuco, nao oDstan-te a promessa formal feita ooGovernador, continuou fl ferir,com os seus tremendos sarcas-

3 mos, todos os que desses sarcas-mos se faziam merecedores.

Foi ali que faleceu, no ano de

"¦Gregorio de Matos é patrono

da Academia Brasileira de Le-trás (cadeira n.° 16>; e oa.

Academia Bahiana de Letras.

BIBLIOGRAFIA_ obras Poéticas ãe Gregorio

de Matos Guerra, precedidas davida do poeta pelo licenciadoManuel Pereira Rabelo r Tomo! _ Rio, 1882 - 419 pass

E» a edição devida a ValeCabral, que assina a introdução(de pás. V a LU).

Obras de Gregorio de Matos:I _ Sacra. W29 - Oficina

Industrial Gráfica, rua da Ml-serlcórdia. 74. Rio de Janeiro,in-8» 193x126. 237 pags. Con-Sm: "Nota de C. <°n*fnc-o>a (lTeS); "Éditos e inéditosde Gregorio de Matos", por A.

ífrânlo» P. (eteoto); Grego*,rio de Matos, poeta religioso .

por Homero Pires; "Vida e

morte de Gregorio de MatosGuerra, escrita pelo licenciadoManuel Pereira Rabelo, e maisapurada depois por outro en-genho"; 26 sonetos, 36 déct-mas; quadras e quintilhas.

II — Lírica, Álvaro Pinto.editor (Armário do Brasil), Riode Janeiro (1923), in-8.1», 193 x

x 126, 335 págs. Contém: Prefá-cio, por Afrânio Peixoto; 113sonetos, 6 oitavas, 42 décimas,6 romances, 1 endeixa. -

III — Graciosa, 1930, OficinaIndustrial Gráfica, r. da Mise-ricórdia, 74, Rio de Janeiro,in-8.0, 193x123. 343 págs. Con-tém: "Nota preliminar", porAfrânio Peixoto; "Gregorio deMatos", por Xavier Marques;30 sonetos, 24 romances, 56 dô-cimas, 3 quintilhas; 3 redondl-lhas, 2 oitavas. 2 canções; co-pias; endeixas; 2 silvas.

IV-V — -Saíirica, Vo!. I —1930. Oficina Industrial Grá-fica, rua da Misericórdia, 74,Rio de Janeiro, in-8.°, 193-126,330 págs. Contêm: "Nota pre-liminar", por Afrânio Peixoto:"Gregorio de Matos", porConstancio Alves; "Aos Vicios":28 sonetos, 28 romances, 12 epi-gramas. Vo!. 7/ — Contêm:"Nota preliminar", A. (frãnio)P.(êixoto): 13 sonetos, 91 dê-cimas; 2 romances; tercetos; 4quadras; sextilhas: 2 silvas: 2epigramas, e "Índice geral daspoesias de Gregorio de Matos",publicadas nos S volumes desuas Obras, editadas pela Aca-demia Brasileira de Letras".

VI — Última, 1933, OficinaIndustrial Gráfica, rua da Ml-serlcórdia, 74, Rio de Janeiro,in-8.°, 193x128, 375 págs. Con-têm: "Nota preliminar", deAfrânio Peixoto; "Notas sobreGregorio de Matos, do Arquivoda Universidade de Coimbra";"A vida espantosa de Gregoriode Matos"; (Retrato histórico),por Pedro Calmon; "Vida dogrande poeta americano, Gre-gório de Matos Guerra"; 39 so-netos: metáforas; 46 décimas;sátira do Padre Lourenço Ri-beiro contra o dr. Gregorio deMatos Guerra; 15 romances; 1endeixa; Índice Geral.

Erótica. 2 vols.Em sessão da Academia (26-

7-1934) Afrânio Peixoto comu-nicòu que a Erótica do poetafora organizada em dois códl-ces dactilografados, dos quaisum ficara no reservado da Aca-demia, tendo o outro sido man-dado para a Biblioteca Nacio-nal.

Parnaso Brasileira, porJanuário da Cunha Barbosa, 2vols. — Rio. 1831. (EncerraPoesias de Gregorio de Matosde páginas 53 a 62.)

Parnaso Brasileiro, por J.M. Pereira da Silva, 2 vols.— 1843. (Encerra 2 sátiras deGregorio de Matos, no 1.° vo-lume, págs. 47-53).

Florilégio da Poesia Bra-silelra — 3 vols. — Lisboa,1850-1853; 2.»» edição — Rio,1946. (Encerra várias poesiasde Gregorio de Matos, no 1."tomo, págs. 17-127).

Parnaso Brasileiro, de Me-lo Morais Filho — 2 vols. —Rio. 1885. (Encerra no 1." vo-lume cinco sátiras de Gregoriode Matos).

Sentença proferida a 2 de

(Continua no pág. 17)

^Hiill ^^tm\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\aWÊ;''-'i

^H HIBbIIT':1: :

Gregorio de Matos. Retrato existente na Academia BrasileiraLetras, na galeria dos patronos.

SUMARIOPÁGINA 13:

Noticia sabre Gregorio deMatos.

PÁGINAS 14 E 15:A Poesia de Gregorio deMatos:Vários Sonetos.

m*— Retrato do Governador A.L. G. da Câmara Couti-nho.""•— Romance em defesa do ditogovernador.

PÁGINAS 16 E 17:Ensaio sobre Gregorio de

Matos, de Múcio Leão.Uma biografia de Casimiro

de Abreu.PAGINA 18:

A Vida dos Livros.PAGINA 19:

A Sentença, conto de Bre-no Accloly.

PAGINAS 20, 21 E 22:Antologia d a Literatura

Brasileira contemporânea.2.» série — Antologia daProsa — XXVI — CelsoVieira:Celso Vieira (notícia bio-

gráfica)Biografia de Celso Vieira.

Algumas fontes sobre Cel-so Vieira.Maravilhas do Instinto

O Ócio das Lindas MãosAdoniasRainltas de Batalhas

PÁGINA 23:Páginas dos Autores Novos

XXIII — Débora Leão.Noticia biográfica sobre

Débora Leão.Sonetos de Débora Leão:DeusMaternidade

A Criança e a NuvemNuvem Leve

O AmorGota dáguaPrisioneira

Na multidãoIndiferençaExortaçãoEstréia da TardeAndorinhaTransformaçõesSeparação

PAGINA 24:Nada, soneto de Joaquim

Nabuco.Álbum de Guiimard, n." 11

Horto Florestal de Ua-tinia.

¦AUTORES E LIVROS" A SEUS ASSINANTESEm virtude de constantes re-

clamações de assinantes quenâo têm recebido regularmentea nossa revista, resolvemos pas-sar a fazer todas as remessascom porte registrado. Assimsendo, deduziremos de todas asassinaturas anuais a importân-cia correspondente ao registro,ou seja CrS 14,00.

Aqueles que possuem assina-

AOS COLECIO•AUTORES

E' possível que, dadas as no-torias deficiências do serviço docorreio nacional, alguns assi-nantes tenham ficado desfalca-dos de um ou outro número donosso nono volume. Aos queassim se encontrarem, preveni-

turas anuais receberão, pois, 7números a menos do que antesreceberiam, passando o prazode suas assinaturas a findar-seem fevereiro de 1940, com on.° 4 do volume XI.

As assinaturas semestrais nàosofrem alteração; também nãoo sofrem as trimestrais, povjá terem o seu prazo esgotado.

NADORES DEE LIVROS"

mos que temos na redaçãoexemplares de todos os nume-ros do nono volume, exempla-res estes que ficam desde já àdisposição dos interessados quenão desejem ver desfalcadassuas coleções.

SORTEIO DE UMA COLEÇÃO DE•AUTORES E LIVROS"

Cumprindo uma promessa fei-ta desde o primeiro número denosso nono volume, pusemos emsorteio, com a Loteria Federaldo dia 29 de dezembro do anopassado (a última extração doano) uma coleção de "Autores

e Livros'* desde o seu inicio(1944) até o momento atual.

Não correspondendo o nume-ro de nenhum dos nossos assi-nantes ao número do bilhete da

sorte grande daquele dia —.1 .Jl. — nenhum deles ganhoua coleção referida.

Volta, assim, aquela coleçãode "Autores e Livros" a serposta em sorteio com a últimaextração de 1949. Naquela oca-sião, o assinante cujo numerocorresponder ao grande prêmioda Loteria Federal receberá osseus dez volumes de "Autores eLivros".

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Página 14 AUTORES E LIVROS Sábado, 15-1-1849 — Vol. X. V 2

3

A poesia de Gregorio de MatosA Dona Angela, tuna das três filhai de Vasco de

Souu de Paredes, e sua mulher Dona Victoria, de tioriwa formosura, que D. João de Alencastro quando foií S3te ffoverno para Lisboa, levou comsigo um retrato seo.

SONETONão vira em minha vida a formosura.Ouvia falar nela cada dia,E ouvida me incitava, e me moviaA querer ver tão bela architectura:

Hontem a vi por minha desventuraNa cara. no bom ar, na galhardiaDe uma mulher, que em Anjo se mentia;De um Sol, que se trajava em creatura;

Ma tem-me, disse eu, vendo abrazar-me,Se esta a cousa não é, que encarecer-meSabia o mundo, e tanto exagerar-me:

Olhos meos, disse.então por defender-me.Se a beleza heis de ver, para matar-me,Antes olhos cegueis, do que eu perder-me.

A mesma D. Angela.

SONETOAnjo no nome, Angélica na cara!Isso é ser flor, e Anjo juntamente:Ser Angelina flor, e Anjo florente.Em quem, senfto em vós, se uniformara:

Quem vira uma tal flor, que a não cortara,Do verde pé, da rama florecente;E quem um Anjo vira tio luzente,Que por seo Deos o não idolatrara?

Se pois como Anjo sois dos meos altares,Foreis o meo Custodio, e a minha guarda,livrara eu de diabólicos azares.

Mas vejo, que por bela, e por galharda.Puto que os Anjos nunca dão pesares,Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda.

A mesma Dama: É traduecao de outro Soneto, com-aic.-,to por Felipe 4." Rd de Espanha.

SONETOSe hade ver-vos quem. hade retratar-vos,E é forçoso cegar quem.chega a ver-vos.Sem agravar meos olhos, e ofender-vos.Não hade ser possivel copiar-vos.

Com neve, e rosas quiz assemelhar-vos;Mas fora honrar as flores, e abater-vos;Dous Zephiros por olhos quiz fazer-vos:Mas quando sonham elles de imitar-vos:

Vendo que a impossíveis me aparelho,Descofiel da minha tinta imprópria.E a obra encomendei a vosso espelho.

Por que nele com luz, e cor mais própriaSereis, se n&o me engana o meo conselho.Pintor, pintura, original, e copia.

Retrata o Autor a Dona Angela.

SONETODebuxo singular, bella pintura,Adonde a Arte hoje imita a Natureza.A quem emprestou cores a Belleza,A quem infundiu alma a Formosura.

Esphera breve; aonde por ventura,O Amor, com assombro, e com fineza.Reduz incomprehensivel gentileza:E em pouca sombra, muita luz apura.

Que encanto é este tal, que equivocadaDeixa toda a attenção mais advertidaNessa copia à Belleza consagrada?

Pois, ou bem sem engano, ou bem fingida:No rigor da verdade, está pintada,No rigor da apparencia, estás com vida.

Saudoso, o Poeta não acua na soledade alivio ásMias magoas.

SONETONa parte da espessura mais sombria,Onde uma fonte de um rochedo nasce.Com os olhos na fonte, a mão na face,Sentado, o Pastor Silvio assim dizia:

Ai! como me mentlo a fantasia,Cuidando nesta estância repousasse:Que importa, que eu a sede mitigasse.Se da saudade cresce a hydropesia.

Solte o Zephiro brando os seos alentos.E excite no meo peito amantes fragoas,Pois sobem da corrente os movimentos.

Que ê tyrana oficina para as magoas.Ouvir nas folhas combater os ventos,Por entre as pedras murmurar as agoas

Chora uni bem perdido, porque o desconhece-o naposse.

SONETO

Porque não merecia o que lograva.Deixei como ignorante o bem que tinha.Vim sem considerar aonde vinha.Deixei sem atender o que deixava:

Suspiro agora em vão o que gozava.Quando não me aproveita a pena minha,Que quem errou sem ver o que convinha,Ou entendia pouco, ou pouco amava.

Padeça agora, e morra suspirandoO mal, que passo, o bem que. possuía;Pague no mal presente o bem passado,

Quem podia, e n&o quiz viver gozandoConfesse, que, está pena merecia,E morra,, quando menos confessado

Namorado* o Poeta, fala com uu arroto.

SONETO

Como .corres, arrolo fugitivo?Adverte, para, pois precipitadoCorres soberbo, como o meo cuidado,Que sempre a despenhar-se corre altivo.

Torna atraz, considera,discursivo,Qüe esse curso, que levas apressado,No caminho que emprendes despenhodo.Te deixa morto, e me retrata vivo,

Porem corre, não pires, pois o Intento,Que teo desejo conseguir procura,Logra o ditoso fim do pensamento.

triste.de um pensamento sem ventura,Que tendo venturoso o nascimento,Não acha assim ditosa a sepultura,

A uma Dama dormindo junto a uma fonte.

SONETO

Á margem de uma fonte, que corria.Lira doce dos pássaros cantores,A bella ocasião das minhas doresDormindo estava ao despertar do. dia.

Mas como dorme Silvia, não vestiaO ceo seus horizontes de mil cores,Dominava o silencio sobre as flores,Calava o mar, o rio não se ouvia.

Não dão o parabém a nova AuroraPiores canoras, Pássaros fragrantes,Nem seo âmbar respira a rica Flora.

Porém abrindo Silvia os dous diamantes,Tudo a Silvia festeja, tudo adora,Aves cheirosas, flores ressonantes.

Pretende o Poela moderar o excaansiv» sentimentode Vasco de Souu de Paredes na morte da dita snafilha.

SONETO

Sobolos rios, sobolas torrentesDe Babilônia, o povo ali oprimidoCantava ausente, triste, e afligidoMemórias de Sião, que tem presentes.

Sobolas do Cahipe agoas correntesUm peito melancólico, e sentido,Vm Anjo chora em cinzas reduzido,Que são bens reputados.sobre ausentes.

Para que é mais idade, ou mais um anno,Em quem por privilegio, e naturezaNasceo flor, a que um sol faz tanto damnoi?

Vossa prudência, pois, em tal durezaNão sinta a dor, e tome o desengano,Que um dia c eternidade da beleza.

A instabilidade das cousas do Mundo.

SONETONasce o Sol, e não dura mais que um dia,Depois da Luz, se segue a noite escura,Em tristes sombras morre a formosura,Em continuas tristezas a alegria.

Porém se acaba o Sol, porque nascia?Se é tão formosa a luz, porque não dura,Como a belleza assim se transfigura?Como o gosto da pena assim se fia?

Mas no Sol, e na luz falta a firmezaNa formosura não se dé constância,E na alegria sinta-se tristeza.

Começa o mundo emfim pela ignorância,E tem qualquer dos bens por naturezaA firmeza somente na inconstância.

Bote a sua casaca de veludo,E seja capitão sequer dois dias:Converse á porta fle Domingos Dias,Que pega fidalgula mais que tudo.

Seja um magano. um pícaro, abeltmcto:V4 a palácio; e apoz das cortesias.Perca quanto ganhar nas mercancias;E em que perca o,alheio, esteja mudo.

Ande sempre na casa e montaria:Dé nova locução, novo epitêto;E diga-o sem propósito á porfla:

Que em dizendo 'ateio, protesto, ajfect*, ..Seta no entendimento da BahiaMui fidalgo, mui rico e mui discreto.

Z.VFaça misuras de A, com o pé direito:

Os beija-mãos de gafador da peila;Saiba a todo cavalio a parentella,O eiffOD, o criador e seu defeito.

Sao nio souber, e o vir russim, .do. sette.Chame o lacaio, e, posto na janella.Mande • que lh'o passeie o mór cautflla;.Que ainda que o não entenda.se ha respeita),

Saia na armada; so^fra. lá seus. botaes;A ouvir cantar damas mais se applique:Fale sempre na quinta, pôtro e. galgo,.

E com .lato, e o favor de.Quatro asnQtes,De prompto ouvir e crer, se porá a piq!l*fDe amanhecer um dia grão fidalgo.

A uma procissão de cinza,em, Pprnaijibyco.

Um negro magro, em suflllé mui justai;Dois azorragues de um joá pendentes.Barbado o Peres; mais dois penitentes;Seis crianças com azas sem mais custo:.

De vermelho o mulato mais robusto;.Tres meninos fradinhos innocentes;Dez ou doze brixotes mui agentes;Vinte ou trinta canellos de hombro onusto.

Sem debita reverencia seis andores;Um pendão de algodão tinto em tejuco;Em fileiras dez pares de menores:-

Atraz um negro, um cego, um mamaluco;Tres lotes de rapazes grltadorea;Ê a procissão de cinza em Pernambuco.,

Á abundante ilha de Gonçalo Dias,Oh ilha rica, inveja, de Cambaya,

Fértil de peixe, fruetas e marisco!Mais gallegos na praia do que cisco;Mais cisco nos gallegos que na praia.

Tu, a todo o Brazil podes dar vaia,Pois tantos lucros dis. e a pouco risco;Tu abundas aos filhos de Francisco,Picote de cação, burel de arraia.

Tu. em cocos dis só & frota o lastro;Fructa em toneis, a china ás toneladas;Tu tens a sua carga a teu cuidado,

Se sabe o preclariasimo AlemcastroQue taes serviços fazes ás armadas.Creio que fará de ti um gráo morgado.

A uma tormentaNa confusão do nula horrendo dia,

Painel oa noite, em tempestade brava.Do fogo e ar o ser se embaraçava,Da, terra e ar o ser se confundia.

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Sábado, 1S-1-1»40 — Vol. X, n." 2 AUTORES E LIVROS Página 18

A poesia de Oregorio de MatosBramava q mar; o vento embrayecla;

A noite em dia, emfim, se equivocava;S com estrondo horrível se assombraA tora, e se abalava, e estremecia.

Desde os altos aos concfcvos rochedos,Desde o centro aos mais altos obeliscos,Houve temor nas nuvens e penedos;

Pois dava o ceu, ameaçando riscos,Com assombros, com pasmos e com medos.Relâmpagos, trovães, ralos, corriscos.

Contra os abusos do púlpitoVia de perfeição é a Sacra Via;

Via do ceo, caminho da verdade:Mas ir ao ceo com tal publicidade,Mais que virtude, o deito a hypocrizta.

O ódio é d'alma infante companhia:A paz, deixou-a Deos â christandade;Mas arrastar por força uma vontade,Em vez de caridade, é tyrannia.

O dar pregões no púlpito é indecência:Que é de fulano? Venha aqui sicrano;Forque peccado e peccador se veja...

Sò próprio é de um porteiro de audiência.E se nisto mal digo, ou me engano;Em me remetto á Santa Madre Igreja.

Desenganos da vida humana.É a vaidade, oh Fablo, nesta vida,

itoza, que da manha lisonjeada,Purpuras mil, com ambição doirada,Airosa rompe, arrasta presumida.

Ê planta, que de Abril favorecida.Por mares da soberba desatada.Florida galeota empavezada,Sulca ufana, navega destemida.

Ê náu, emfim, que em breve ligeireza,Com presumpção de Phenlx generosa.Galhardias aposta com presteza.

Mas ser planta, ser rosa e náu vistosa.De que importa, se a guarda, sem defeza,Penha a náu. ferro a planta, tarde a rosa?

Ao mesmo assumpto.

São neste mundo império de loucura,Posse, engenho, nobreza e galhardia.Os padrões da vaidade, em que confiaA presumpção dos homens sem cordura.

Mas se em cinzas se torna a formosura,Se em cadáver a muda fidalguia,É palestra do engenho a campa fria.Sc da riqueza é cofre a sepultura.

Ês tronco na dureza empenhascado;Ês homem, mais que a rocha empedernido;Ês mármore na constância do peccado.

Como vives, 6 homem presumido,Veido qual ha de ser teu triste estado,Se és galan, nobre, rico ou entendido.

Estando para morrer.Pequei, senhor: mas nâo porque hei peccado,

Da vossa alta piedade me despido:Antes quanto mais tenho delinquldo,Vos tenho a perdoar mais empenhado.

Se basta a vos Irar tanto peccado,A abrandar-vos sobeja um sé gemido:Que a mesma culpa, que vos ha offendido.Vos tem para o perdão llsonjeado.

Se uma ovelha perdida, já cobrada.Gloria tal, e prazer t&o repentinoVos deu, como afirmais na Sacra História:

Eu sou, senhor, ovelha desgarrada;Cobrai-a; e nao queirais. Pastor Divino,Perder na vossa ovelha a vossa gloria.

Retrato do governador A. L. C. da Ca-mata Coutinho.

Vá de retractoPor consoantes;Que eu sou Tlmantes

De um nariz de tocano côr de pato.

Pelo cabelloComeça a obra;Que o tempo sobra

Para pintar a giba de camello.

Causa-me engulhoO pello tintado;Que, de molhado,

Parece que sae sempre de mergulho.N&o junto as faltas

Dos olhos baios;Que versos raios,

Nunca ferem senão coisas mui altas.

Mas a fachadaDa sobrancelha,Se me assemelha

Uma negra vassoura esparralhada.

Nariz de embono,Com tal sacada,Que entra na escada

Duas horas primeiro que seu dono.

Nariz que falaLonge do rosto;Pois na Sé posto,

Manda na Praça pôr a guarda em ila.

Membro de olfatos;Mas t&o guardadosQue um rei coroado

O pode ter por copa de cem pratos.

Tão temerário- E o tal nariz

Que por um trizNão ficou cantareira de um armário.

Você me perdoe,Nariz nefando,Que eu vou cortando,

E ainda fica nariz em que se assoe.

Ao pé da alturaDo nosso oiteiroTem o sendeiro

O que bocea nasceu e é rasgadura.

Na gargantona,Membro do gosto, .Está composto

O órgão mais subtil da voz fanhona.

Vamos á giba:Mas eu que intento,Se nâo sou vento

Para poder trepar lá tanto arriba?

Sempre eu insisto,Que no horizonteDeste alto monte,

Foi tentar o diabo a Jesus Christo.

Chamam-lhe autoresPor falar fresco,Dorsum burlesco,

No qual fabricaverunt peccatores.

Havendo apostasSe é gente ou feraSe assentou que era

um caracol, que traz a casa ás costas.

De grande, arribaTanto se entona,Que já blazona

Que engeltou ser canastra, por ser giba.

Oh pico alçado!Quem lá subira,Pra que vira

Se é Etna abrazador, se Alpes nevado.

Romance em defensa do dito governador.

Agora sálo eu a campo,For vós, meu Antônio Luiz;Que Já fede tanto verso,Já enfada tanto pasquim.

Que vos quer esta canalhaTorpe, de villáos ruins?Tanto poeta sendeiro?Tanto trovador russim?

Se fizestes mau governo,(Que é certo que foi ruim),Elles que o façam pelor,Que eu lhes dou de quatro mil.

Que enforcastes muita gente?Mente quem tal coisa diz:Gabriel os enforcava,Que eu com estes olhos vi.

Ê verdade, que gostaveisVós mesmos de vel-os ir;Sois amigos de enforcados;Ter-lhes odio, isso é que é ruim.

Esse povoe muito besta;E não sabe distinguir,Que o ser amigo é virtude,E o vicio é não ser assim.

Cada qual gosta o que gosta;Um carneiro, outros perdiz:Vós, um quarto de enforcado,Eu, um quarto de pernil.

Em gostos não ha disputa;Dai ao demo o povo vil,Que até nos gostos se metteA ser dos gostos juiz.

O querer não tem razão,Que a vontade é mui subtil;E assim, por onde quer entra,E talvez não querer sair.

Cada um quer o que quer;Não há nisso que arguir:Fez Deos as vontades livres.Prendel-as, é frenezim.

Sois amigo de enforcados:Quem vol-o pôde impedir?Oxalá fareis amigoDe levar o mesmo fiml

Ora vamos á farinha:Foi pouca, cara e ruim;Mas vós, não sois sol, nem chuva,Para haver de a produzir.

Eu confesso que houve fome,Governando vós.aqui:Sois mofino; e por mofino,Ficou mofino o Brazil.

Ser mofino, não é culpa,A fortuna o quiz assim:Quem é mofino çcmsigo,Com os mais ha de ser feliz?

Não vos mandou governarElrel farinhas aqui,As carnes, nem os peccados;Porém a forca, isso sim.

Valha o diabo a vossa alma,Cabellos de colomim!Mandou-vos elrei, acaso,Desgovernar o Brazil?

Mandou-vos acaso elreiA Sodoma? Ou ao Brazil?E se não estaes em Judéa,Quem vos metteu a Rabi?

IdemMeu Deus, que estais pendente em um madeiro.

Em cuja fé protesto de viver;Em cuja santa lei hei de morrer,Amoroso, constante, firme e Inteiro.

Neste trance, por ser o derradeiro,Pois vejo a minha vida anoitecer,Ê. meu Jesus, a hora de se verA brandura de um pai, manso »™«ro

Mui grande é vosso amor, e o meu delicto.Porém, pode ter fim todo o pecesr.Mas n»o o vosso amor, que é infinito.

Esta razão me obriga a confiar.Que por mais que pequei, neste conflictoEspero em vosso amor de me salvar.

Os pés dão figasA mór grandeza!Por cuja empreza

Tomaram tanto pé, tantas cantigas.

Velha coitada;Cuja figura,Na arqultectura

Da popa da náo nova está entalhada.

Ba viagem,Senhor Tocano;Que para o anno,

Vos espera a Bahia entre a bagagem.

Ora ide-vos com os diabos;Que não quero já sairA campo, por um

villão iuim.

^'*-<&____«_¦•_.

Assinatura de Gieaàriode Matos

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Página 16 AUTORES E LIVROS Sábado, 15-1-1949 —Vò1lX,V 2

Ensaio sobre Gregorio de MatosMUCIO LEÃO

l — LIRISMO E SÁTIRA

Houve em Gregorio de Matos dois aspectos nítidose cada um predominante em uma fase: o do poetaiírico e o do poeta satírico. Até os meiádos de sua;ída, deve ter predominado nele a poesia lírica. E' afase de aceitação das coisas, da tranqüilidade ds almai de coração, a fase na qual êle vai fixar-se em Por-ugal, estudar leis em Coimbra, trabalhar honesta ejroficuamente, tornar-se o jurista de todos respeitado.?oi nessa fase que o encontrou o Padre Bernardes. Foiiessa fase que o suave oratòriano o viu, certo dia emjue alguém propunha ao poeta aquele difícil mote:1 móis formosa que Deus — mbte que êle, pondo os_lhos no céu e lentamente coflando o bigode, glosou

Eu com duas damas vimDe uma certa romariaUma feia em demasia,Sendo a outra um serafim.

E vendo-as eu vir assim.Sós e sem amantes seus,Lhes perguntei: "Anjos meus,Quem vos pós em tal estado?"Disse a feia, que o pecado:A mais formosa, que Deus.

Deslumbrou-se Bernardes com essa décima, e maisarde contou o episódio em uma das meditações daua Nova Floresta.

Gregorio deve ter sido um gênio propenso a essa-spécie de sutilezas lítero-religiosas desde os começosie sua carreia. Há uma outra glosa sua, igualmentespirituosa e sutil, em que o mote é esta outra blas-èmiaiBêbeão esíá Santo Antônio.

Mas o poeta, que em 1653 se encontra estudando;s suas leis em Coimbra, não é apenas um fazedor delábeis versos improvisados. E' um lírico,, um apatxo-íatío cantor das coisas de seus amores, da beleza e do-ncanto das muitas mulheres que ama. E' assim, porrxemplo, que êle vê uma dama dormindo junto a umaonte, e porque ela dorme, toda a paisagem era tomomudece, se apaga, como que dorme, também...

Porém abrindo Silvia os dois diamantesTudo a Silvia festeja, tudo adora,Aves cheirosas, flores ressoantes...

E não se diga que essa expansão de lirismo êle¦ó a possuiu na mocidade. E' impossível mostrar, comexatidão rigorosa, a evolução do seu pensamento poé-uco, porque êle não punha datas nos versos que escre-via. Há, entretanto, um dos seus mais belos e maisinspirados sonetos líricos que traz como dedicatória oíome de D. Maria ds Povos, quando sua noiva. Querdizer: é um soneto já de seus começos de velhice, sa-íiido como o poeta casou tarde, quando andava emidade de avô. Mas ouça-se a peça a qua nos referi-mos, e que parece constiuir um eco de outra maisantiga, de um formoso soneto de Ronsard:

Discreta, e formosíssima Maria,Enquanto estamos vendo a qualquer hora.Em tuas faces a rosada Aurora,Em teus olhos e boca, o Sol e o dia:

Enquanto com gentil descortesia,O ar, que fresco Adonis te namora,Te espalha a rica trança brilhadora,Quando vem passear-te pela fria:

Goza, goza da flor da mocidade,Que o tempo trata a toda a llgeireza,E imprime em toda a flor sua pisada.

"" ó, não aguardes, que a madura idade,Te converta essa flor, essa beleza.Em terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada.

E é em um dos seus sonetos líricos que encon-tramos certo pensamento que, pela sua extensão, peloseu vago, pela sugestão esquisita que contém, consti-tui um dos mais belos versos de,-nossa lingua, Re-íerimo-nos ao fecho de certo soneto em que o poetaprocurava consolar Vasco de Sousa Paredes da mortede sua filha, e dizia-lhe:

— Vm dia é eternidade da beleza.

O lirismo de Gregorio" de Matos tinha, não raro,sua manifestação filosófica, como o vemos naquele so-neto acerca da instabilidade das coisas do mundo, noqual o poeta medita que

tem qualquer dos bens por naturezaA firmeza somente na inconstância.

Há, enfim, um outro aspecto do lirismo do nossopoeta, que cumpre fazer ressaltar: o da sua inspira-ção religiosa. Não foi êle um místico, nem para a unçâomística temos tendência nós, brasileiros, herdeiros deportugueses. Poi religioso, e sobretudo os dois sonetosdirigidos a Jesus Cristo, por êle feitos já no leito demorte, são peças das mais formosas que nesse gêneropossui a nossa poesia.

II — A FÔRÇA DA REVOLTA

Mas nesse poeta apaixonado e ardente que tantoamava o amor, havia uma fôrça irreprimível de re-volta. E, como sempre acontece, foi essa irreprimívelfôrça dè revolta que o conduziu à sátira, que o fézachar nesse terreno a sua realização literária maispoderosa, que lhe trouxe afinal o apelido flamejante— Boca io Inferno. Esse aspecto de sua personalidadeliterária findou por assumir uma predominância exces-

siva, rio julgamento dos críticos que o têm estudado,a ponto de um deles, e um dos mais sábios e capazes,Araripe Júnior, só querer ver em Qregórlo o satírico,chegando ao extremo de apontá-lo como uin noíobilis-sinto canalha. Pouco mais nele viu José Veríssimo doque esse mesmo tipo do inadaptado, do sujeito quese coloca fora das leis morais: "Gregorio de Matosé a mais perfeita e mais ilustre expressão desse tipoessencialmente nacional, do qual foi e continua a sera Bahia a fecunda progenitora, o capadócio. E' éle oseu mais eminente protótipo...". iHistôria da Litera-tura Brasileira, pág. 94).

Escrevendo antes de Araripe Júnior e José Verís-simo, Silvio Romero pode compreender melhor o poetabaiano. E eis como o retratou: "Se a alguém no Brasilse pudesse conferir o título de fundador da nossa literatura, esse deveria ser Gregorio de Míatos. Foi filhodo país; teve mais talento poético do que Anchieta:foi mais do povo; foi mais desabusado; mais mun-dano, produziu mais e num sentido mais nacional. Oque me prende no estudo desta individualidade é aausência do artifício literário; o poeta nâo vai porum caminho e o homem por outro..." (História daLiteratura Brasileira, vol. 1.°, pág. 173.)

Os críticos mais recentes têm conseguido ver emGregorio de Matos alguma coisa mais do qUe o canaüiaque nels enxergou Araripe Júnior, ou o capadócio quenele encontrou José Veríssimo. B em nossos dias umcritico estrangeiro, Ernesto Feder, pôde traçar umcurioso paralelo entre Gregorio de Matos e Heine, mos-trando como, senão na expressão poética, ao menosno rumo da realização da vida, são semelhantes osdois destinos.

III — GREGORIO DE MATOS E AS ANEDOTAS

Para que assim avultasse a fama de poeta satíricode Gregorio de Matos um outro elemento concorreucom os seus diabólicos versos — a imensa trama deanedotas que findou por ser a sua vida. O licenciadoRabelo teve o cuidado de guardar as mais picarescasdessas curiosas histórias. Eis algumas delas:

Havia Gregorio de Matos escrito aquela temívelDécima dedicada à Sé da Bahia:

A nossa Sé da Bahia,Como ser um mada de festas,E' um presépio de bestas,Se não fôr estrebaria.Várias bestas cada diaVemos, que o sino congrega,Caveira, mula galega;O Deão, burrinha parda;Pereira, rocim de albarda,Que tudo dà Sé carrega..

Certo conego não viu o seu nome na longa enu-meração, e dirigiu-se a Gregorio, para lhe agradecera gentileza do esquecimento.

Náo, senhor conego, vossa mercê não ficou ex-cluído. disse-lhe o poeta. Não viu ali, no terceiro verso,as bestas? Pois vossa mercê é uma delas.

Essa crueldade» teve-a êle em vários outros lancesde sua vida.

Certo dia encontra Rocha Pita, o futuro historia-dor, que lhe pede uma rima para mim. Dá-lhe o poetaa única resposta que devia dar a um pedido tão tolo:

Ponha capim.Nunca mais Rocha Pita lhe perdoou essa crueldade.Curiosa passagem foi também a de certo sujeito

que procurou o poeta para fazé-lo patrono de umacausa que estava a mover contra o genro. Morrera-lhea filha, e o marido desta a enterrara de capela e palma,publicando-a donzela. Sendo assim, o pai da moçaqueria reaver agora o dote que dera à moça, ao casa-Ia. Gregorio arrazoou os autos com estes versos:

"Gaita de fole, não quer tanger;

Olhem o diabo o que foi fazer.

O advogado" do rapaz aproveltõu"essès versos, pro-vou o ridículo do feito, e facilmente ganhou a causa.Era provavelmente o que desejava, no fundo da alma,o patrono do sogro shyloquiano.

De outra feita foi Gregorio procurado por umfrade que estava em extrema aflição. Um seu sobrinho,por haver furtado a naveta de uma igreja, ia ser.sentenciado à morte. Desejava insistentemente que opoeta pusesse embargos a esse triste destino. Res-pondeu-lhe Gregorio que nada podia fazer, porque ti-nha, naquele momento, também, um cuidado que muitoo aborrecia. Desejou saber o frade que cuidado seriaesse, pois talvez lhe pudesse achar remédio. Perguntou-lhe Gregorio se não via, na porta da casa, uma cruzdesenhada. Pôde vé-la o frade. Então o poeta disse-lhe:

Essa cruz foi feita por Maria de S. Bento (erauma figura muito conhecida na cidade). Saiu ela da-qui há alguns instantes, e ia tão apoquentada que fézeste sinal na porta, indicando que nunca mais aquitornaria, L |

Propôs-se então o frade a ir buscá-la, no caso emque Gregorio, em reeompensa, fizesse o arrazoado queêle pedia. E isso ficou combinado. Saiu o frade, e nãotardou a voltar com a mulher. Então, indignado, gri-tou para éla Gregorio:

Não fôste tu, mulata ridícula, que fizeste aquelacruz, jurando por ela que nunca mais aqui voltarias?O que querias, era aqui tornar. Agora, vai-te, que quemte ordena sou eu: não tornes mais a pôr aqui os pés.

Feito isso, tomou Gregorio dos autos que levava ofrade, pôs nele as razões de defesa do rapaz que iaser condenado à morte:

Registre-se o episódio daquele juiz em Peinain-buco...

Fôra, primeiramente, um pobre diabo, criado decerto sujeito que o tratava muito bem. Cresceu «prós-perou, e um dia foi

'feito Juiz Ordinário na Vila deIguarassú. Seu antigo amo, encontrando-o lia rua, eignorando que éle houvesse atingido a posição tüo lin-portante, chamou-o de vos. O Juiz, tomando o trata-mento por falta de respeito, mandou autuar o im-prudente, propondo contra êle Um libelo crime « eivei.Aflito, o ex-patrão do juiz pediu a Gregorio que lhepatrocinasse a causa. E Gregorio féz a defesa comestes versos:

Se a Deus se trata por íw,E se chama a El-Rei por vós;Como chamaremos nósAo Juiz de Iguarassú?Tu e vós, e vós e tu.

Sim: êsseestranho poeta não gostava de transigircom nenhuma afetação com nenhum convencionalismo.Certo dia, em um engenho de Pernambuco, conversavaéle com o abastado proprietário, e naturalmente sequeixava da vida, que tivera sempre falha e pobre,sempre perseguida. O proprietário, bem Instalado emsua fortuna, aproveitou a ocasião para uma boa tiradamoralista: ,

E* isto mesmo, doutor Gregorio. Nós mesmossomos os autores da nossa fortuna; colhemos aquiloque semeamos.

Retrucou-lhe Gregorio que às vezes não (• tantoassim, ás vezes nós pagamos pela malícia com queerradamente interpretam um gesto nosso, uma nossapalavra... > I

Quer Vossa Mercê um exemplo? Olhe: ali vemaquele boi (e apontava para um animal no pasto)que só tem um corno, como vossa mercê está vendo.Mas se eu lhe chamar boi de uni como, Deus me livreda indignação do seu dono...

O fidalgo fêz-se de desentendido, e não teve maistiradas moralisantes para o impossível GregOri?,

IV - GREGORIO DE MATOS E O MEIOBRASILEIRO

Nessas várias anedotas o que vemos é um espíritodesprovido de qualquer hipocrisia, em luta com a hipo*crisia dos outros. Foi esse, em uma palavra, o grandeürama de Gregorio de Matos. Imagine-se, para umespírito de sua sensibilidade, o que seria a condenaçãode viver numa terra como a Bahia dos fins do séculoXVII. E' do mesmo século a permanência que tevena capital da colônia um grande escritor português.D. Francisco Manuel de Melo. E que resultou dessasua permanência aqui? Um livro que seria um lãtegovibrado na alma brasilica — aquele Brasil, Inferno deBrancos, Purgatório de Negros, Paraíso de Mulatos —que o ilustre clássico nunca chegou a escrever.

Paraíso de Mulatos... era isso, em uma palavraa cidade que conheceu Gregorio de Matos, Ma Bahiadesses primeiros tempos, o mulato era tudo. Era ofilho querido dos ricos e dos poderosos, o filho dosamores dominantes, dos amores das negras, paixão elucura dos sentidos lusos exaltados. E como eles semultiplicavam, e como eram audazes, e como eraminteligentes, e como tudo sabiam querer e exigir! Umbranco como Gregorio de Matos, que chegasse paracompetir com tal gente, estava perdido. Tudo lhe eranegado, para ser dado aos outros.

Na descrição que nos deixou da Bahia, a notacentral que registra é a dos mulatos: muitos mulatosdesavergonhados... E é assim que êle começa a suasátira famosa — â Gente da Bahia:

Não sei para que é nascerNeste Brasil empestadoUm homem branco e honradoSem outra raça.

Terra tão grosseira e crassa,Que a ninguém se tem respeitoSalvo se mostra algum geítoDe ser mulato.

Quanto ao português que para aqui vem. — o po-brete de Cristo que em casa come baleia e na rua arrotamanjares — merecem-lhe versos mais violentos ainda.Gregorio pinta-o como o aventureiro, o ladrão, o boçal,Pinta-o também como o depravado, o viciado, o sodo-mita. E não penseis que é apenas o emigrante pobree obscuro que êle fulmina em seus versos raios (comoêle próprio os chama). Não: são os portugueses maisricos, os mais poderosos, os mais capazes, de vingançase castigos. E', por exemplo, o provedor da Casa daMoeda, Nicolau de Oliveira, que êle destrói com apoesia ferocí.sslma a que deu o título de Afarinícoias.Essa, poesia é, por si só. uma formidável demonstraçãodo talento satírico de Gregorio de Matos, e é pena queo descomedido de sua linguagem a vede aos ouvidosmais delicados. Tecida em versos de 9 e 11 sílabas, paraescrevê-la Gregorio inventou um novo e estranho dia-leto. Ouçam-se os versos de uma suas estrofes:

A naveta tfíPque se trataE* de latão, não de prata.

Catarina conigibus eraUma das avós da parte viril,Dóride vem conixarem-s'e todasAs conigibundas do tal genezls.

Como o provedor da Santa Casa, os outros podeio-sos senhores da colônia recebem as setas ervadas dessedestruidor de Ídolos. E' sua vítima constante o go-vernador Antônio Luiz da Câmara Coutinho, aquelepara quem o nosso poeta se tornou um pintor —traçando dele um retrato absurdo, grotesco, e maravi-Shoso. E' sua vitima outro governador — Antônio de

Sousa e Meneses, o famoso Braço de Praia. E' sua

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Sábado, 15-1-1949 — Vol. X, n." 2 AUTORES E IiíVROS Página 17

Ensaio sobre Gregorio de Matosvítima O desembargador Rabo de Vaca. São-no tantose tantos outros magistrados, homens ricos, fidalgos, aílor inteira da colônia, pois

Que" os "brasileiros

são bestas,E estarão a trabalharToda a vida, por manteremMaganos de Portugal.

V QREGÓKIO E A FIDALQVIA

Magftnos de Portugal — ou mesmo do Brasil. Por-que Gregorio de Matos envolve no mesmo desprezo to-dos os sangues azuis — os de là de fora e os de cããe dentro. E era assim, nessa lingua mesclada e pito-jesca, que êle satirizava certo fidalgo caramuru:

Vm Payá de' MOnay bonzo brama,Primaz da Cafraria do Pegú,QUe sem ser do Pequim, por ser do Acú,Quer ser filho do sol, nascendo cá.

Era eu em PortugalSábio, discreto, entendido,Poeta melhor que algunsDouto como os meus visinhos.

E chegando a esta TerraLogo não fui nada disto,Porque um direito entre tortosParece que anda torcido.

(liem, pág. 268)

Repare-se que uma das razões que devem ter sidomais profundas para esse desajustamento de Gregoriode Matos foi o esquecimento em que no Brasil deixa-ram o seu talento, o seu saber de jurista. Em váriaspassagens de suas sátiras vemos transparecer a maguadesse esquecimento. E é pena que o poeta não tenhapodido tomar conhecimento da única homenagem queos seus saberes jurídicos mereceram no Brasil. Conta-se que quando éle faleceu, o ouvidor de Pernambucodisse:

— Jà morreu quem entendia de Direito.

Deus me guarde nfto é mais do que o éstribilho cU-Gongora — .Díos me libre.

Os versos finais das estrofes da Distribuição üeCornos, são igualmente de Gongora. Ainda rest»»inumerosas composições que lhe foram inspiradas «st-não por êle servilmente traduzidas) de Quevedo. I;acaso nâo haverá, em sua obra, outros numerososfortes reflexos?..,

IX GREQÓRIO DE MATOS. EXPRESSÃO OO'BRASIL

Tenha embora" um avô nascido là,Cá tem três peja costa do Cairú,E o principal sé diz Paraguassú,Descendente este tal de um Guinamá.

* QUe é fidalgo nos ossos cremos nòs,Püis nisso consistia o mór brazfioBaqueies que comiam seus avós.

E como isto lhe vem por geração,lilie ficou por costume em seus tetrosMorder os que provêm de outra nação.

VI — EXPLICAÇÃO DE UM SATÍRICO

Como nenhum dos seUs críticos futuros, Gregorio dcMatos 'tem a plena consciência desse drama que vive,desse (KsaJUstamento qUe existe entre a sua personali-dade e o meio em que se acha condenado a viver. íJereconhece que a sua sátira é uma fatalidade do seudestino.

Meus males de quem procedem?Não è de vós? Claro é isso.Que eu não faço mal a nadaPor ser terra e mato arisco.Se me lançais mà semente,Como quereis fruto limpo,Lançai-a boa, e vereisSe vos dou cachos opimosEu me lembro que algum tempoIsto foi no meu princípio.A semente que me davam.Era boa e de bom trigo.

(IV — Satírica, pág. 184)

El em outra poesia:

—-—" — '¦ vn _ PROBLEMA DA AUTENTICIDADE

Vm dos aspectos sob os quais a obra desse poeta,hoje abundantemente publicada, deveria ser estudada,é o da autenticidade da autoria dos versos. Sabe-se

. que D. João de Lencastre, governador da Bahia (1694-1702) tinha em grande apreço a figura e o gênio deGregorio de Matos. Para que se náo perdesse a obrafio poeta, mandou recolher tudo o que na Bahia corriacom o nome dele. E' fácil imaginar quanta coisa apo-crifa pode ser introduzida, nesse sistema desprovido dequalquer critica, entre os seus versos. Dois depoimeh-tos, pudemos' ter desde logo nesse terreno: o primeiroé o fato conhecido de terem os versos de Eusébio deMatos sido acrescentados aos versos do seu irmão Ore-górlo. O outro é o que se prende ao caderno dos versosobscenos de Gregorio de Matos, cadernos que, como sesabe, existe em cópias, nos arquivos da Academia Bra-sileira de Letras e na Biblioteca Nacional. Examinandoesses códices, pudemos ver que numerosos sonetos, nu-merosos trabalhos neles existentes, já se acham im-

pressos, correndo mundo no 7.° volume de Bocage. —

Serão de Bocage mesmo?Serão de Gregorio? Problemapara sempre insolúvel...

OTJI — QREGÓRIO DE MATOS, TRADUTOR

Há outro aspecto, na obra de Gregorio de Tratos,Dublicada pela Academia, que ainda merece exame:seria saber o que é de fato da autoria dele, o que nãopassa de tradução do espanhol. Sabido é que Gregoriocie Matos traduziu longamente Quevedo, como tambémtraduziu Gongora, mestre de ambos. Sabemos tambémque essas suas traduções correm mundo sem nenhuma

"indicação de origem... João Ribeiro mostrou algumasdessas origens. O éstribilho de Qregório — JWiasrresdo Brasil são — não é mais do que a letrllla de Gon-gora — Müagres de corte son. O éstribilho de Gregorio

A poesia de Gregorio de Matos mostra, em Üa-grante, aquele momento em que se dá a primeiroimensa mescla racial do Brasil. Nela se acham, eufusão e em confusão, as três expressões étnicas íji;vieram a formar o primeiro Brasil.

E o estilo do poeta, a maneira picaresca e ca»-catural como êle se diverte em ver as coisas que :cercam, atinge nesse ponto um colorido que nenhu:moutro poeta conseguiu depois. E o melhor exemplo disfifo famoso soneto bi ou tri-lingue, que aqui trarei-crevemos:

Há coisa como ver um PaiaiáMui prezado de ser Caramuru.Descendente do sangue de tatu,Cujo torpe idioma é Cobepd?

A linha feminina é Carimd,Muqueca, pititinga, carurú,Mingau de puba, vinho de cajiiPisado num pilão de Pirajá.

A masculina é um Aricobé,Cuja filha Cobé, c'um branco PahyDormiu no promontório de Posse.

O branco é um Maráo que veio aqui:Ela é uma Índia de Maré';Cobepd, Aricobé, Cobé, Pahy.

E, afinal de contas; que representa tódá essa ãíiiipflamejante e indignada de Gregorio de Matos? Reprisenta o primeiro monumento da consciência brasileirpdessa consciência que acaso já se deseja livre, que jase sente acaso livre da colônia. E realmente o Brasildesse maravilhoso século XVII está já multo distant-da metrópole européia. Vêmo-lo em coisas essenciais.Vêmo-lo na permanência em nossas terras americanados ódios contra os holandeses, enquanto nas ten»européias Portugal e Holanda trocam idílicos embaixa-dores. Vêmõ-lo na permanência da luta contra os ho-landeses, luta mantida apenas por brasileiros, que le-vam a cabo a libertação de Pernambuco, enquanto eroLisboa o que se quer é a entrega dessa capitania aosinvasores, já senhores dela. E vêmo-lo, mais que er,-.tudo, talvez, no maravilhoso exemplo da vida e dnpoesia de Gregorio de Matos, poesia e vida que seoem si uma total afirmação do Brasil, um grito dc

protesto em prol da liberdade do Brasil.

PUBLICAÇÕES DA ACADEMIA BRASILEIRA

CLÁSSICOS BRASHJSIROS

1 — Literatura

OBRAS DE GREGORIODE MATTOS

H - LYRICA

NOTICIA SOBRE GREGORIODE MATOS

©TALirÀ*

- Álvaro Pinto, Editor

(ANNUARIO DO BRASIL)

Rio de Janeiro

Páíifia de roslo «to setrando iioilirae da "Lirfca", de Cretório de

Matos (ediçio da Academia)

(Cont. da 13." página)novembro de 1671. Vem emPegas, t. 7.° à Ordenação doLivro 1.°, titulo 87, parág. 24.PONTES SOBRE GREGORIO,

DE MATOSAlves, Constando — Gre-

górlo de Matos, in Satírica<4.° e 5.° vols. das obras, edi-ção da Academia) Mundo Li-terário. 5-7-924.

Alves, Constando — Notain Obras de Gregorio de

Matos, Edição da Academia(Saem) — 1929.

Arquivo da Universidadede Coimbra — Notas sobre G.de Matos — in ultima (sextovolume das obras, edição daAcademia).

Bento, Murilo — aut. bahia-no — A Renascença (Bahia)

27-9-1894.Barbuda, Júlio — Lltera-

tura Brasileira — pág. 123.Calmon, Pedro — A Vida

espantosa de Gregorio de Ma-tos — Notas sobre Gregorio deMatos— in Ultima (sexto vo-lume das obras, edição da Aca-demia).

Carvalho, Ronald de —Pequena Historia — 98.

Jornal do Brasil — NotaBiográfica em 19-10-1945.

Lima, Oliveira — Aspec-tos da Literatura colonial Bra-sileira — III.

Marques, Xavier — Grego-rio de Matos in Gracioso 13.°vol. das Obras, edição da Aca-demla) — Rev. da Lit. Por-tuguesa — n.» 26.

Mota, Otoniel — Confe-rência sobre Gregorio de Ma-tos — Revista da AcademiaPaulista, n.° 6.

Mota, Artur — Hist. daLit. Brasileira — Período de

Formação — pág. 464. — Rev.Acad. n.» 91.

Paranhos, Haroldo — His-tória do Romantismo no Bra-sll — 1." vol.

Peixoto, Afránio — Éditose inéditos de Gregorio de Ma-tos — In Obras re G. de M.,edição da Academia ISacra)

1929.Perdigão, Henrique — DI-

cionárlo Universal de Litera-tura, pág. 138.

Pires, Homero — Gregoriode Matos, poeta religioso, lnObras de Gregorio de Matos,edição da Academia (Sacro)

1929.Pires, Homero — Revista

da Academia de Letras da Ba-hia, junho a dezembro de 1932.

Rabelo, Manuel Pereira —Vida e Morte de Gregorio deMatos Guerra, escrita pelo li-cenclado... — in Obras deGregorio de Matos, edição daAcademia (Sacro) — 1929.

Ribeiro, João — Gregoriode Matos e Manuel BernardesFabordão — Cartas devolvidasm.

Romero, Silvio — Históriada Literatura — 1.°, 173.

Romero, Silvio e João RI-beiro — Manual da Históriada Literatura Brasileira — 27.

Teixeira, Múcio — RevistaBrasileira — 15-12-1895.

Veríssimo, José — Histô-ria da Literatura, 87. — Re-vista da Academia, n.° 7.

Wolf, Ferdinand — Lit-térature Brésilienne — 17.

UMA BIOGRAFIADE CASIMIRO

DE ABREUNilo Bruzzi, o poeta encan-

tador de Dona Lua e de Luarde Verona, revelou-se ultima-mente um dos mais sutis cri-ticos brasileiros. Em artigos doJornal do Comércio, fixou êle.figuras ilustres de nossa poe-sia, como Alphonsus de Gui-maraens, Júlio Salusse, Gilber-to Amado, Homero PratesAloisio de Castro, Valfredo Mar-tins, etc.

Apalxonando-se pela vida deCasimiro de Abreu, empreen-deu longos estudos em arqui-vos públicos, em arquivos decartórios e de igrejas. E o re-sultado dessas aturadas pes-quisas foi uma revisão completa,de fatos e de circunstâncias.Tem Nilo Bruzzi, a estas horasjá completo, um estudo bio-gráfico de Casimiro de Abreuno qual os acontecimentos daexistência desse grande poete,do nosso romantismo aparecemsob luz inteiramente diferentedaquela em que até hoje ostemos visto.

E' portanto com Justa curíc-sidade que aguardamos êsteseu trabalho.

Antogra/o de Gregorio de Matos iApxtd "Vitima", ediçãoda Academia)

tèz

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Página 18 AUTORES E LIVROS Sabtdo, 15i|4949; M MmX, ítM X

A VIDA DOS LIVROSMORAVIA, Alberto — Os 7n-

di/ermíes — Tradução de Al-cântara Silveira — ColeçãoOceano — Instituto ProgressoEditorial. São Paulo, 1848, 211paginas. .Alberto Moravia é entre os

autores jovens da Itália um dosque já conquistaram fama eglória. Ao lado de poucos ou-tros — João Comisso, Artur Lo-ria, Conrado Álvaro e Orlo Ver-gani, é êle hoje o representanteda bela e sonora prosa italiana.Alberto Moravia é o mais moçodesse grupo. Nascido em 1997,Alberto Tincherle (que este éo seu verdadeiro nome) aindanâo tinha trinta anos quandofirmava, em sua pátria e foradela, seu invejável renome.

Foi com efeito este romance— Gli indifferenti — aparecidoem 1929, que impôs a todos osleitores o nome do jovem Mo-ravia.

A quem lé estas páginas umaimpressão fica, profunda, dolo-rosa e revoltada: a impressãode qu= chafurdou por algunsmomentos em um lamaçal tabl-do e podre. Não é que Moraviapertença ao grupo dos escrito-res sujos ou pornográficos. Na-da disso. Ele é, como escritor,discreto e fino, e percebemosque despreza os efeitos fáceisdas descrições ou das narraçõesamorosas ou sexuais. Mas quepessimismo atroz o dele! Comoa paisagem moral dos sereshumanos, vista pelos seusolhos, pintada pela sua pena,se torna medíocre, mesquinha,sórdida! Longe Carlyle, com asua representação satírica doshomens como um rebanho deporcos, da vida como um gran-de, um infinito cocho. LongeAnatole France, com a sua idéiade que a humanidade é umsimples apodrecimento superfl-ciai do planeta. Pessimismo —mas pessimismo sem remissão— é aqui, é com Alberto Mo-ravia. Toda a humanidade quese move em Os Indiferentes épequenina, é vil, e sõ tem umarazão para viver e para #gir:é a satisfaão de um egoísmomiúdo e torpe. E' assim Leo,o centro de toda essa história,o amante da mãe, que acabaconquistando a filha; é assimClara, a menina que conquistapara si o amante de sua mãe;é assim Maria da Graça, amãe de Clara, fácil e' dócil'diante das mais difíceis situa-

.'ÇÕes morais. E é assim, sobre-tudo, Miguel, o pobre Miguel,tão frágil, tão consciente desua fraqueza, tão incapaz dereagir contra ela, achando-seridículo, sendo ridículo, toda avez em que pretende operarcontra ela qualquer reação.

. Moravia parece ter tido nes-te romance a sua hora demaior realismo, de pessimismomais atroz. Sua evolução deescritor parece se vir proces-sando num sentido de mais ca-ridade pelos seres que descreve,pelos ambientes que pinta. An-tes assim. Ao findar a leiturade seu Os Indiferentes, depoisde nos termos indignado coma friesa tão egoística de Carla,com a abulia tão desprezível deMiguel, vem-nos à memóriaaquela meditação melancólicade Maeterlinck: "Sij'étaisDieu,j'auraís pitié du coeur des hom-mes."

IVO, Ledo — Ode ao Crepús-ciào. Pongetti. Rio, 1948. —107 págs.Ledo Ivo é um caso raro de

fecundidade literária. Nasceuem 1924, e conta portanto ape-nas vinte e quatro anos. Nessealvorescer de sua vida, já nosdeu cinco livros, sendo três deversos — As imaginações(1944), Ode e Elegia (1945), eesta Ode ao Crepúsculo; e doisromances — As Alianças (1947)e O Caminho sem aventura(1948). Isso é apenas uma par-te de sua atividade, pois êleescreve todos os domingos nossuplementos literários da im-prensa carioca, redige dois outrês jornais, dirige uma revista

de estudantes na Faculdade emque termina o curso de Direito.

E tMa essa força, toda essaenergia, se contém num físicoque aparenta ainda mais mo-cidade do que a de Ledo Ivo.file é um desses homens feli-zes que estão sempre na ado-lescéncla. Quem o vê, real-mente, ágil, risonho, desem-baraçado, expansivo, pensariaantes estar vendo um colegial.Isto, no momento atual talvezlhe pareça desagradável. Maistarde, se êle conservar esseprivilégio, verá como lhe forambons e amáveis os deuses...

Ode ao Crepúsculo é umavasta, ardente sinfonia, e nelao poeta se agita em sua plenae lndómita liberdade. O tempoimita as ondas — diz Ledo Ivo,iniciando essa imensa orgiaverbal. E não é somente otempo que imita as ondas, po-deriamos dizer-lhe: é tambéma poesia. Pois nada mais se-melhante ao movimento dasondas do que o movimento des-sa Ode: ora crespa e altanada.ora doce e tranqüila, ora blás-fema, ora religiosa, ora densade lubricidade, ora inocentecomo um sorriso de criança.E' realmente uma grande orgiade palavras, de cores, de inten-ções. Basta dizer-se que a pa-lavra hora, na segunda partedesta elegia, vem empregadacerca de setenta vezes! E issosomente em duas páginas do li-vro. Ledo Ivo adotou de umavez o processo das repetições,e está dando quinaus em Au-gusto Frederico Schmidt.

E nessa enumeração quantacoisa profunda, trágica, ousimplesmente pitoresca. Veja-mos algumas delas:

... Hora de dar corda no re-lógio — o (empo está em mi-nhos mãos. estou apto a pre-cipitar a noite...

... Hora de sorrir à gratidãodo tempo nublado; de usar sa-patos de borracha e edificar omeití dia...

Hora das providências hi-giènicas; dos seios, nus e dosmovimentos isocronos..,

... Hora em qué o mês deabril é um guarda-chuva aber-to...

... Hora em que os elefantesdiscutem o esplendor da canZ-cuia...

... Hora da escrituração mer-:' cantil, do sangue reativado, dasmúsicas enfurecidas;

... Hora de cultivar os cogu-meios da dúvida, de ser amor-daçado...

Citamos essas Imagens, entremilhares de outras. Agora nosperguntamos: Será isso, real-mente, essa catadupa de sonse de metáforas, a poesia? Oua poesia não é, antes, medida,

tinuará sempre a existir umavasta, intransponível barreira,que isola os Estados do Rio deJaneiro. Essa barreira afastouo poeta dos meios literários ca-riocas, e por isso o seu nomenão chegou a ter em nossosjornais e em nossos círculos arepercussão que era acaso dc-vida aos seus reais méritos depoeta e de estudioso. A suatradução de' Macbeth revelaaquele amor da mais exigenteperfeição, que distingue os ar-

* tistas.

LIVROS RECEBIDOS

— Academia Brasileira deLetras — Discursos Academi-COS 11944-1946) — Vof. Xll —1948 — Publicações da Acade-mia Brasileira — Rio de Ja-neiro..

Encerra: Recepção do sr. LuizEdmundo: I — Discurso do sr.Luiz Edmundo: II — Respostado sr. Viriato Correia. —Re»cepção dv sr. Rodrigo OtávioFilho: I — Discurso do sr. Ro-drigo Otávio Filho: -II — Res-posta do sr. Pedro Calmon. —

,_ Recepção do sr. A. Carneiromos (Chardorn, Porto, 1915); e á Leâo: I — Discurso do sr. A.a adaptação em 7 quadros e em g Carneiro Leão; II — Respostaversos de Júlio Dantas (LisboaS do sr. Barbosa Lima Sobrinho.

1905). Fragmentariamente, lem- g — Recepção do sr. Viana Moog:

tararíamos que existem trechos E I — Discurso do sr. Vianade uma e de outra traduzidos w Moog; II — Resposta do sr. Al-por grandes poetas nacionais. A ceu Amoroso Lima. — Recep-inclusive por Olavo Bilac. Co- p Ção do sr. Peregrino Júnior:mo se vê. é multo pouco. Isso jj I — Discurso do sr. Peregrinomostra que é urgente a criação g Júnior; II — Resposta do sr.em nosso país de uma socie- V[. Manuel Bandeira. —• Recepçãodade shakespeareana, a qual ' do sr. Roberto Slmonsen: I —

Discurso do sr. Roberto Simon-sen; II — Resposta do sr. JoséCarlos de Macedo Soares.

harmonia, concentração, crls-talização?...

*SHAKESPEARE — Macbeth.

Rei Lelutr. — Traduções deArtur Sales e J. Costa Ne-ves. Prefácio de Artur deSales. W. M. Jackson, Inc.Rio, s.d. (1948-. 306 págs.E' dedicado a Shakespeare o

volume X dos Clássicos Jack-son, e traz duas peças: o Mac-beth. na tradução de Artur Sa-les, e o Rei Lehar, na traduçãode J. Qpsta Neves.

Ambas essas tragédias têmmais de uma tradução para anossa língua. Do Macbeth, sa-bemos da existência da tra-dução portuguesa de DomingosRamos (Chardorn, Porto); deuma brasileira, devida a F. Pi-nheiro Guimarães, que forre-presentado por João Caetano;de outra brasileira, a que serefere Onestaldo de Pennafortem sua edição de Romeu e Ju-lieta (pág. 275) a qual vemsem nome de autor. Do ReiLehar sabemos da existênciadas duas seguintes (portugue-sas ambas): de Domingos Ra-

promova a tradução, com umcritério uniforme, de toda aobra do máximo poeta da Iin-gua inglesa. Já temos, de res-to, o trabalho muito bem ini-ciado: é difícil imaginar tra-duções mais perfeitas da quesejam aquelas que nos deramhá alguns anos Tristâo daCunha, do Hamleto, e Onestal- ,....do de Pennafort, do Romeu e Á

— Arquivos — Revista bl-mestral publicada pelo Serviçode Documentação do Minísté-rio da Educação e Saúde, AnoI, n.» 2 — Março-Abril de 1947.Diretor, José Simeão Leal. 321páginas.

- Azevedo. Fernando deJulieta. Se chegasse a ser fun- A professor da Universidade dedada no Brasil uma Sociedade \Shakespeareana, nos moldes :que imaginamos e com o pro-

'-;

grama da tradução da obra in-tegral do poeta, os dois tra-balhos — o de Tristâo daCunha e o de Onestaldo dePennafort — Já poderiam seradotadas como modelos.

A tradução de Macbeth ê em

São Paulo — Canaviais é En.lenhos na Vida Política doBrasil. Ensaio sociológico sò-bre o elemento político na ei-vüização do Açúcar — Institutodo Açúcar e do Álcool — Riode Janeiro, 1948, 243 págs.

— Corrêa. Roberto Alvim —Anteu e a Critica. Ensaios Lí-terúrios. Livraria José Olimpio,verso, e havia sido anterior- 4 Ri0 19^ 2M pâtsmanta _r1ltnih_ra_rla na liMnnnn ___ *_ —mente divulgada na imprensa

do Rio de Janeiro, e AUTO-RES E LIVROS, em suas co-lunas da primeira fase, teveocasião de publicar-lhe unstrechos. Artur de Sales é umdos poetas mais representatl-vos da Bahia nos últimos tem-pos, e ali viveu sempre dedl-cado ao estudo. Existe e con-

Cooperativa dos Usineirosde Pernambuco Limitada

Telegrama: COPER Caixa Postal: 487Ünica recebedora e distribuidora do açúcar de produção dasusinas do Estado pelos centros de consumo do pais t do exterior

ARMAZÉNS PRÓPRIOS PARA RECOLHER: ASRUAS DO URIIM N/> 248 E GUARARAPES N.° 113

Capital subscrito CrS 4.966.100,00integralisado CrS 4.877.200,00

Fundo de Reserva CrS 986.466,70RECIFE — PERNAMBUCO—BRASILEscritório no Rio de Janeiro: Rua da Candelária, 9 - s/301Em São Paulo: — Rua Alvares Penteado N.° 180 sW09

O ano passado registrou a Cooperativa dos Usineiros dePernambuco uma produção total de í milhões de sacas deaçúcar, a maior safra ainda verificada em qualquer amaaçucareira do pais,

A nova Diretoria da Cooperativa dos Usineiros de Per-nambuco está assim constituída:

CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO — José Pessoa deQueiroz, Presidente; Armando de Queirós Monteiro, Secreta-rio; luis Inácio Pessoa de Melo, Tesoureiro; Manuel Caetanode Brito, Diretor; Manuel Marajá, Diretor.

CONSELHO FISCAL — Membros efetivos: Júlio Queiroz,Leoncio Araújo e Romero Cabral da Costa; Suplentes: JoséLopes de Siqueira Santos, Alonso Freire e Enock Maranhão.

Cuadernos Dominicanos deCultura. Mensarlo, Afio V, n. 60

Agosto 1948, vol. V.Encerra: Flerida de Nolasco

El Momento Místico; JoséBrell —La Verde Sombra (Tea-tro); Mariano Lebron Savifion

Tres Poemas.Cunha. Zurel — Sombras

no Coração, s.t.n.d. TCidadedo Salvador — 1948?), 139 pá-ginas.

Dantas, Olavo — Damasdo Naipe do Amor (Romance)

Capa de Osvaldo Teixeira —

Irmãos Pongetti Editores —Rio, 1949, 225 págs.

, '—

Dlckinson, Romãs H. — .Wstdria da Literatura Norte-Americana. Coleção Minerva.História Literária, III — Tra-dução de Rolmes Barbosa —Instituto Progresso Editorial 3.A. — São Paulo, 1948, 422 pftgs.

Donato, Mário — As Ca-çadas do Tio Vicente — Con-tinuaçáo do "Sargentinho" —Instituto Progresso EditorialS.A. — São Paulo, 1948; 127páginas.

Maio, Tadeu e H. — OColar de Sidera — Editora Ura-

sillense. Ltda. — São Paulo,1949, 268 págs.

Masi, Pedro Luiz — Delf-rio». Rio de Janeiro, 1948, 70páginas.

Matos, Valdemar — A Ba-hia de Castro Alves; SegundaEdição — Instituto ProgressoEditorial S.A. — São Paulo,1948.

Mussolinl, Raquel — Mt-nha vida com Benito — ColeçãoMeridiano, 8 — Instituto Pro-gresso Editorial S.A. — SãoPaulo, 1948, 331 págs.

Pímentel. Cjro — PoemasCadernos do Clube de PoesiaSão Paulo, 1946, 34 págs.

Reis, Ernani — Em defesado Congresso — Comentáriosdé, lidos ao Microfone da Rá-dio Nacional. PRE-8. Rio, 1948,16 págs.

O.I.E. (Selecclon de No-tidas) n. 22. Octobre, 1947 —Madrid, 11 págs.

SBAT — Boletim. AnoXXVII, n.° 24S. Dezembro de1948. — Martins Penna, o ver-ãadeiro criador do teatro bra-süeiro. Edição comemorativado seu centenário. 25 págs.Tabajara, Nelson — DaTaba aó Arranha-céu (A en-crUzflhada nacional). P.B.N.Clube do Brasil Editora. —Rio,s.d. (1948), 129 págs.

Taunay, Visconde de —Céus e Terras do Brasil. Via-gens de Outrcra. Paisagensbrasileiras. — Edições Molho-ramentos. São Paulo, 1941,229páginas.

Flaubert, Gustave — Edil-cação Sentimental — Traduçãode Mirimha de Lacerda Soares.—' Edições Melhoramentos. SãoPaulo, 1948. 38 págs.

Ferreira; Antônio — OCardeal Saraiva (üm Grandelimiano) -. Labortndo-^úioes

Editorial DomisgQsaBsireiraPorto, s.d. <1948), nSpigs.

Soares, José Carlos deMacedo — O Espirito do Ita-maraii. Discurso Pronunciadona sessão solene em homenagemao Embaixador João Neves daFontoura na sede io P.E.K.Clube do Brasil. Ministério dasRelações Exteriores. Serviço dePublicações — Imprensa Na-clonal, 1948, 12 «ágs.Soares, José Carlos deMacedo — Santo Antônio, au-tor da Imitação de Cristo. Ora-

(Continua na pag. 22)

AUTORES E LIVROSPropriedade de Mucio Carneiro Leão

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• * ¦

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Av. Rio Branco, 4-18." andar — Fone: 23-1931. Tratarcom Eurico Cardoso.

Faculdade Nacional de Filosofia — 4." andar. Tratar comArtur Farias,

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Sébxto, 15-1-1949 — Vols X, ».' 2 AUTORES B LIVROS PâgM M*

1

Sem poder libertar-se da-quela visão sentia-se amor-talhado. Cansou-se de es-1 regar os olhos, de apertaras têmporas mas tudo con-tinuava enegrecido comodantes.

Lá estava aquele remorsoa verrumar-lhe a consciên-cia, a roubar-lhe o sono,chupando-lhe a face antesde torná-la livida. Defron-te estava a cama, o guarda-roupa**, três malas de courocrú se alinhando de encon-tro à parede. Estava o la-vatório com a sua bacia delouça. Estava a janela, on-de tantas vezes ile ficavadebruçado. Ainda estava orelógio, mudo ornamento,quebrado pelas suas pró-prias mãos como, se essabrutalidade impedisse otempo de marchar. Estavatudo isso e mais uma garra-ia de cachaça, jogada nomeio do quarto, vazia.

Major Tiopompo não po-dia distinguir nenhum dês-ses objetos, nem mesmo vis-lumbrar o guar d a-roupaavançar para o teto tábuasenvernizadas, semi-aberto,enforcando casacões.

Se os ponteiros não esti-vesem quebrados, a pêndu-Ia poderia bater sincroníca*mente, emprestando um si-nal de vida àquele silênciode coisas mortas. Sim. SI-lênclo de coisas mortas poisa respiração do Major Tio-pompo mal aquecia o na-riz. Era uma respiração fra-qufsshna, fria como a de umpeixe, lembrando a de umapessoa que morre de velhi-ce sem saber que está mor-rendo. Atingira o limite osofrimento do Major Tio-pompo.

NSo era mais aquele de-sesperp que lhe raiava osolhos de sangue, obrigava-»a entreabrir os beiços paradeixar escorrer uma babaque lhe envenenava o pei-to. Não era mais aquela in-quieta ção enloquecendo-lheos dedos, aquele suor lavan-do-lhe o rosto, colando a ca-misa aos cabelos do peito.

Começava Major Tiopom-po a sofrer plàcidamente,sem nenhum gesto que pu-desse denunciar a agonia doseu coração. Silencioso,mudo como uma pedra, ape*nas derreando-se i mesa, obraço direito apoiando a ca-beca, a mão esquerda na tmesma paralisia de seu bra-Co jogado para trás.

No outro lado da mesaum castiçal empunhava um¦cotoco de vela.

As pernas do Major Tio-pompo jogando as botas pa-ra a frente, as esporas ro-setando os tijolos como sefossem eles flancos de umcavalo.

Gradualmente deteve-seem i todas as fases do deses-pero e, agora, seu sofrimen-to prostra-o numa posiçãode bêbado, que nem dorme,nem sonha, nem se aproxi-ma da morte. Tal como sese quisesse detê-lo numafronteira que delimitasseesses quatro estados d'alma.¦1 penas atingida por aquelesque experimentam o sabordo remorso. E era um re-morso que judiava MajorTiopompo, obrigando-o aafastar-se da mulher, dosfilhos, a esqueeer-se dos ne-góoios, como se tivesse me-

A SENTENÇA •-... a ceiolydo que alguém pressentissea causa daquelas três rugasque desciam pela sua testa.

Três rugas que surgiramna mesma tarde em que todaSanfAna do Ipanema foiprocurar Melânia.

Melânia, a morta, a des-virginizada aos 14 anos, afétida Melânia que aindaestava de pernas abertascomo quando fora encontra-da, três dias depois, no ca*pinzal do Padre Bulhões.

Melânia, de quem os olhosserviam de pasto aos uru-bus, de quem o nariz eraum formigueiro, entrando esaindo formigas numa labu-ta sem fim. A Melânia, depeitos mordidos, de ombrosmordidos, de beiços mordi-dos como se aquele amorsomente pudesse .ser às den-farias. Melânia, a de vesti-do arregaçado até a citura,sem poder ver o clarão doeiarchotes, nem escutar quechamavam pelo seu nome,procuravam seu corpo quehá três dias não era visto.

Foram os urubus que de-ram a pista. Se não fossemos seus revôos em direçãoao capinzal, fausto festim decarniça, ninguém teria sus-peitado e nada teria alerta*do á curiosidade de todos.

E então foi quase toda acidade acendendo tochas desebo porque no inverno odin é curto. A meia léguapodia-se ver urubus revoan-do, agourentos, aterrissando,* célere em direção ao capin-zal, ganhando em seguida oespaço, nutridos de carniça,digerindo entranhas podres.

Se o povo não caminhas*se depressa nada mais en-contraria senão uma carcas-sa de ossos, uma caveira,restos.

Major Tiopompo foi.umadas testemunhas. Suspeita-vam de Davino, o sacristão.Encontraram no bauzinhode flandres de Melânia dozebilhetes, todos eles de amor.

Para que melhor acusa-ção se ali estava a letra deDavino jurando amor arden-te, paixão de levá-lo ao sui-cidio se Melânia não o acei-tasse por marido? Para quemelhor testemunho se o anelde Devino estava numa cai-xinha de prata, na gavetade Melânia? Se foi encon-trado um décimo terceiro bi-lhete de Davino, suplicandoa Melânia que pensasse bem,que não lhe rompesse o co-ração com aquela recusa ?Para que mais provas?

Assim mesmo foram arro-lados quatro homens que,de regresso ás suas fazen-das, por várias vezes viramDavino trilhando o capin-zal, justamente onde Mela-nia era carne podre.

Uma dessas quatro teste-munhas foi o Major Tio-pompo; que nem pestane-jou. Foi_ logo contando

tudo, respondendo desem-baraçado, conteste, feliz àsperguntas do Juiz de Di-reito. Naquela noite umagarrafa de vinho do Portoferveu-lhe o sangue. Dor-miti sonhando com mulhe-res nuas, dinheiro estufan-.do sacos de 10 arroubas,eomo Prefeito demitindo osinimigos, fazendo o diabo.Um grande.

Acordou mais disposto.Durante seis meses podia-

se ver o Major Tiopompoatravessar o largo da Igre-ja esporeando o "russo",torcendo as pontas do bigo-de, arrancando do coletebranco o "cebolão" quemarcava as horas em alga-rismos arábicos.

Mas em junho uma tro-voada desabou. E a terra,esturricada, virou lama.Uma lama que escorregavados morros, lambia as ruascomo uma lingua enorme.Uma língua que não tives-se tamanho, de um palmode espessura, transforman-do toda SanfAna do Ipa-nema num atoleiro. Pingosgrossos vazando telhas que,há meio século, serviam dechapéu. A chuva e a lamaaprisionando a cidade. Du-rante uma semana, cadacasa era uma prisão.

Na Fazenda, Major Tio-pompo começava a sentiruma tristeza amortecer-lheos nervos, torná-lo lerdo,moroso. As suas pernas nãoestavam inchadas nem in-Clamadas as suas mãos, mas,ao andar, Major Tiopomposentia-as chumbadas. Mes-mo ao segurar a asa de umaxícara os dedos ardiamcomo se, em cada um deles,um panarício estivesse nas-cendo. E veio a insôniaque lhe tirava o apetite.

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DIRETORESDr. José Maria WhitakerDr. Erasmo Teixeira de AssunçãoDr. J. C. de Macedo Soares

prostava-o durante todo odia na cadeira de lona.

Nem a chuva, nem a lamatinham culpa daquela tris-teza.,

Longe de sua Fazenda, atrovoada fazia estragos.

Apenas molhadas as suasterras se perdiam de vista,enraizando-se nas toucei-ras de milho, embranque-cendo-se nos capuchos dealgodão, dando seiva a tron-cos que estendiam braçospara frutificar pinhas enor-mes.

Qual a razão daquele so-frimento? Qual o motivoque o forçava a se distan-ciar dos filhos, da mulher,até mesmo do retrato que oespelho da sala lhe podiaoferecer?

Aquela depressão aniqui-lou-o para sempre quandose viu forçado a trepar nu-ma cadeira e enlutar o es-pelho. Agora sim. Podiapassar defronte dele, olhar,cansar-se de ficar olhando-uporque, então, sem nenhu-ma luz, estava empretecidonaquele pedaço de pano.

E Major Tiopompo sentiuos lábios se abrirem, porum instante .adocicados.Terrível engano!

Não demorou aquele re-morso a recrudescer, a atra-vessar, de lado a lado, a ca-

beca, numa repetição demarteladas como se com-prtdos pregos estivessemsendo batidos. Doloroso!Horrível!

Esteve a ponto de gritarpela mulher, chamar os fi-lhos. E no meio deles lavaraquela nódoa, desabafandotudo! Desabafando semomitir nenhum detalhe,para que todos ficassem sa-bendo como seu pecado eranegro. Depois, cair de Joe-lhos diante da mulher, pe-dir-lhe perdão, enxugandoas lágrimas em sua saia.Desfaleccr. Pedir a morte.

Porém o Major Tiopompoestava sem forças, fraco de-mais para poder soltar umgrito. Antes de cair tentouagarrar os ferros da cama.Tombou pesado como umfardo, ficando durante anoite estendido no chão,lembrando um homem quehouvesse recebido um tironas costas.

Acordou tarde. Sol alto.vE tremendo foi o seu es-

forco para conseguir ar-rastar-se até à mesa, ficai-derreado na cadeira, a&

pernas para um lado, os bra-ços para outro.

Naquele dia Davino iriaser julgado.

As duas da tarde o Juiz(Cont. na pávüu 22)

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Página 20 AUTORES E LIVROS Sábado. 15-1-1949 — Vol. X, n." 2

ANTOLOGIA DA LITERATURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEASegundo Série - Antologia da Prosa - XXVI - CELSO VIEIRA

MARAVILHAS DO INSTINTO

Celso Vieira

BIBLIOGRAFIA DECELSO VIEIRA

Livros:— Endimião (.Diálogos e As-

pectost — Tip. Leuzinger —Rio de Janeiro, 1919, 378 págs.

2." edição.Endimião {Diálogos e As-O Semeador — Brasil-

Portugal Ltda. Sociedade Edi-tora ,— Lisboa, s.d. (1919) —206 págs.Defesa Social (Estudosjurídicos) — 1920.

Varnhagen (O Homem e aObra) — Anuàrio do Brasil —Rio, 1923, 94 págs.

Anchieta. Ed. Pimenta deMelo íi Cia. Rio, 1930. 2.* Edi-ção. — Foi traduzido para oespanhol (1945).

Para as Lindas Mãos —Contos. Civilização BrasileiraEditora. Rio, 1932, 163 págs.

Socialização Brasileira —Rio, 1933.

Aspectos do Brasil — ANoite Editora, Rio, 1936. — 255

¦ Tobios Barreto (1839-1939)Estudo por... — Academia

Brasileira de Letras, Rio deJaneiro, 1939, 84 págs.

Estados e Orações (Tra-balhos na Presidência de 1940)

Publicações da AcademiaBrasileira de Letras — Rio,1941, 288 págs.

Manuel Bandeira, clássicoe místico — 1945.

Antologia de alguns com-íeurs brasileiros — Livro orga-nizado em colaboração comMúcio Leão e publicado naslínguas francesa e italiana.

Avulsos:Venus Camoniana, em 3

capítulos, na revista AmericaBrasüeira, ed. de 1923.

Evolução do pensamentorepublicano, ensaio publicadona obra A margem da Repú-nica, ed. do Anuário do Bra-sil", 1924.

A terra e logo (conquistado Ouairá), trabalho divididoem 6 capítulos, ed. do Pais,1927.

Carlota Joaquína, em 10D, João VI, o fundador,

tese incluída no X vol., tomon, 2." série, 1." parte, do Con-gresso do Mundo Português, ed.de 1940, Lisboa.

Outros estudos publicados na"Revista da Academia Brasilei-ra de Letras":

Medeiros e Albuquerque,1934.

Martins Júnior, 1934.Coelho Neto, 1934.üocfco Pita. 1938.Arte de Enrique Larreta,

1943.Alcides Maya, 1944.

O autor de Canaan (GraçaAranha), 1944.

O segundo Roosevelt, 1945.Discursos e Conferências —

Na Academia Brasileira de Le-tras:

Discurso de recepção em1934" (I — Tobias Barreto;n — Graça Aranha; III —Santos Dumont).

(Continua na P*f • **)

Como os elogios fossemapenas, entre os juizes da-quela roda intelectual, paraa inteligência destra e sa-gaz, atuando mecanicamen-te no espaço, lembrou ai-guém as maravilhas do ins-tinto, que é a própria natu-reza vigilante, desde o tor"por embrionário até à pie-i ítude orgânica das nossasndaptações. A trepadeira,ascendendo em busca daclaridade, a orquídeaatraindo os insetos à obrafecundante do polen, a raizdesviando-se à cata de ali-mento são poderosos instin-tos vegetais. De que pro-fundeza milenária não vêmeles, reinando sôbre as es-pécles, por destino dos ger-mes ou fixação hereditáriade movimentos úteis aosindivíduos?

Um estudante de filoso-fia suspirou:

Lembremos o suaveBergson, meus amigos. Seo instinto pudesse refletir,diz o mestre, na "Evolu-ção creadora", o alvorecerdesta fôrma de conciênciadaria ao pensador a chavedos segredos últimos davida. Mas a realidade ins-tintiva é agir, somenteagir...

E a vida continua,obtemperou alguém, a pro-pôr os mesmos enigmasdesesperadores à filosofiabergsoniana, enquanto asabelhas e as formigas, zom-bando talvez das cigarras,acadêmicas do Colégio deFrança, perpetuam coletivi-dades assombrosas, órgani-zações monumentais.

O apologista sábio do ins-tinto, leitor de Fabre, in-terveiu com displicência:

Basta. Esses deva-neios da metafísica sôbre oinstinto sãor desagradáveis,por absurdos. Vejamos oassunto à luz da , HistóriaNatural; consideremos, ratra-vés do nosso perfeito sensoobjetivo, os himenopterosparalisadores, a minúcia edelicadeza com que eles fer-retoam, cirurgicamente, oscentros nervosos das lagar-tas, das aranhas, dos grilos,dos escaravelhos, sôbre osquais desovam. Assim osdeixam imobilizados, masvivos, para alimento dassuas larvas, que em outrascondições não evoluiriam.Raros são os enganos, ra-ríssimos, e ante a Scolia ouo Splex tem fortes razõesa cirurgia humana paraguardar os ferros no esto-jo, perturbada e corando...Sejamos leais entre os inse-tos. Quantas celebridadesmédicas não invejam a per-feição operatória das vés-pas?

Então celebramos, à por-- fia, toda a exuberância e

toda a agudeza do instintomaravilhoso em algumasespécies animais. Se a in-teligência muniu o homemde instrumentos com queêle calcula as distâncias ou

ase põe a rumo, sem instru-mentos fazem viagens mui-to mais longas os pássarose os peixes, guiados sô peloinstinto. A nidificarão des-coberta' uma série de tiposarquiteturais e ornamen-tais. variando conforme asestações, a latitude, o cli-ma, e na diversidade, na es-pontaneidade mesma desselabor, Michelet assignalacom os Réaumur e os Hu-ber,' extasiado, um claro dis-cernimento ou aquele ins-tinto-milágre, capaz de seamoldar ao infinito sempremutável das circunstâncias

CELSO VIEIRAc dos acasos. Só o homemrenunciou, intelectualizan-do-se depois da caverna,para ser mais feroz, ao po-der sub-conciente e mi-raculoso.

O divórcio entre o ho-mem e a natureza, advertiuna roda um pintor de cos-tumes gaúchos, não é abso-luto como dizeis. Vive-seainda belamente pelo ins-tinto, mesmo em paísescultos. Já ouvistes falar do"rastreador"?

Silenciaram todos, aguar-dando a revelação do cem-panheiro. Este sorriu, elu-cidou:

Nada mais nada me-nos que um tipo do "Fa-cundo", de Sarmiento, ain-da hoje conservado entreas figuras características etradicionais do pampa ar-gentino. O "rastreador" su-pera em teimosia um "de-tetive" da agência Pinker-ton e no faro deixa venci-dos os próprios cães poli-ciais de Berlim, tão diferen-tes dos nossos, adquiridospelo finado general SouzaAguiar. E' o instinto dacaça humana elevado à po-tència máxima. Dickens, seo conhecesse antes da famo-sa página de "Oiiver Twist",descrevendo esse ramo daarte venatória, não deixaria,por seu turno, de lhe seguiro rasto literário em trintaou quarenta páginas imor~tais.

Adiante.Um gaúcho "maio" as-

sassina outro num rancho,sem testemunhas, à noite, evai estrada fôra, certo daimpunidade, assobiando aoluar. Muitas horas depois,ao amanhecer, chega o"rasterador", examina o lo-cal, descobre um vestígio, emarcha silencioso para oseu campo de operações —a uniformidade sem raiasda planura verde. Por seá-ras, pastagens, hortas, vila-rejos, pontes, vai êle jor-nadeando imperturbável,durante semanas, meses,anos, até que um dia esta-ca à porta de uma casa,entra, aponta um homem àjustiça, dizendo tranqüila-mente: "aqui está o assas-sínio". E o criminoso tudoconfessa.

Admirável para as no-velas de Sherlock Holmes.

Existiu na provínciaargentina um "rastreador"infalível, Calizar. A despei-to de todas as simulações,todos os disfarces, todos osesconderijos dos réus evadi-dos, esse homem lhes de-terminava a passagem e orumo por um galho que-brado, uma impressão plan-kir entre mil outras, algu-mas hervas borrííadas àmargem de um arroio. Calibar é da época de Sar-miento, mas não esquecereio caso atual da senhoritaX..., filha de estancieiro,que havia perdido na vas-tidão do Pampa um anel.Foi chamado o "rastrea-dor", e ao cair da noitepartiu, sozinho, à procurada jóia. Três dias esteveausente, rojando no Pam-pa corso se fôra uma serpe,mas trouxe, afinal, o obje-to precioso. Sabeis como otinha achado? Nas éguas deum córrego distante. Que

soberba vitória do ins-tinto!

— Que faro! disse-lheoutro. Mas pelo "rastera-dor", serpeando através doPampa, não somente pode-mos oferecer o "cavador"

da cidade brasileira, comotambém o guia, sugestivapersonificação do instinto.Nas minhas aventuras desertanista — o que eu cha-mo com algum exagero aminha fase rondônica —tive certa vez um guia sur-do, que, depois de jorna-dear longas horas à frentedo comõio, se voltou inisteriosamente para mim e ad-vertiu: "Cuidado! Ai vem aonça.. ." Desprezei o avisodaquela surdez, incapaz deouvir os meus gritos, quan-to mais um passo obliquioc aveludado na espessurada mata virgem... Poucodepois, entretanto, passou ofelino voraz: como estives-se ao alcance da espingar-da. naquele mesmo recantode selva o deixei prostra-do. O guia sustentava quehá três horas "ouvia", pre-cisamente "ouvia" o andarsutil da fera entre os bam-buais. Fingindo concordar,para não discutir aos bra*dos com a vangloria huma-na daquela surdez, atribuideveras o milagre ao sen-tido olfativo. Não avaliaiscomo o instinto de orienta-ção desses andarilhos per-turba o raciocínio. Eles ti-ram diagonais inconcebíveis,ou melhor, intransitáveis, 'no labirinto de selvas ondeos próprios gatos maraca-jás circulam penosamenteou incertos vagueiam; elescaminham sôbre lianas,barrancos, precipícios, tor-rentes, com a serenidadeque não temos no alfaltodo Rio, entre os automó-veis.

Uma observação truncoua palavra ao narrador:

—Os instintos nâo sóevoluem, como se aguçam,por vezes, quando a neces-sidade os local isa num sen-tido acessório, por deficiên-cia de órgãos. E' assim queo tacto, na cegueira, apro-pria o instinto de orienta-ção, c eu mesmo conhecioutrora um cego, extrema-mente vqidoso, com a idéiafixa de ocultar o seu infor-túnio. Armado de óculospretos ,o infeliz, passeavatodos os dias, só, através dacidade tumultuosa. Ia e vi-nha placidamente, risonho,descuidado, sem que ostranseuntes lhe suspeitassemalguma vez a cegueira.Deste modo lograva circularna sua treva com elegân-cia...

— Quem sabe, aventurou,então, o poeta do grupo, seo prodígio das modalidadesinstintivas, desdobradas noespaço, não abrange porigual o tempo? Não serájusto compreender o instin-to aplicado à sucessão dosfenômenos, como se aplicaem relações multíformes àsua co-existência? A anti-guidade nunca repeliu, porisso mesmo, a crença noinstinto divinatório, e ain-da hoje, fora da cartoman-cia urbana, topareis no ser-lão, agachada sob as palhasde coqueiro do rancho, en-tre farrapos, a mulher queadvinha, a mulher "boca depraga", desfechando angu-rios sôbre a terriola ame-drontada .Junto do brasei-ro, os seus olhos cintilantesde miséria e loucura inter-rogam o tempo vindouro...Nós, filhos da Inteligência,perdemos todos esses mara-vilhosos instintos, deixa-mos atrofiar-se todas essaspossibilidades orgân i c a s .dado o exclusivo trabalhodas operações mentais, e osnossos esforços na legisla

ção, na moral, na sciencia,nos costumes, nos atos davida quotidiana, despren-ciem cada vez mais o ho-mem da zona instintiva.feita de simpatias e prosei!-timentos.

— Consolai-vos, amigos,retorquiu o filósofo, quevoltara insidiosamente aobergsonismo. Algum dia.

confirmando Henri Bergson,"o instinto desinteressado,eoticicnte de si mesmo,apto enfim para. refletir oseu objeto e se alargar, semlimites'*, o instinto fazen-do-se intuição, nebuloso ain-da, mas revelador, abriraoutras portas ao sonho eoutros impérios ao saber.A faculdade estética, apre-ci.dendo "a intenção daVida", é já um relâmpagona sumidade nevoenta, aprimeira fôrma de conciên*cia do instinto, acima daspercepções normais, e vós,artistas, soíb os grandesinstintivos deste momentouniversal. Vós conheceisfora da Inteligência, paraempregar a linguagem damestre adorável, e o esplen-dor supremo do institnto éa obra de arte.

íamos separar-nos envai-decidos, quando o maisidoso da roda eomentour

•— Da animalidade à me-tafisica não foi pequena aviagem. Esquecestes na vos-sa logomaquia, porém, oinstinto das coletividadesnacionais, a sagrada forçaque nos vai despertandoineoncientemente para adefesa. Se.há maravilha noinstinto, é a dessa reaçãocontra o pacifismo intelec-tual. cujo veneno imobili-sara o nosso Brasil, atacan-rio-lhe os centros nervosos,como fazem aos grilos oshimenopteros paralisadores,descritos nos "Souvenirsentomologiques" de Fabre.A esse institnto devemossubmeter dignamente a nos-sa inteligência.

BIOGRAFIA DECELSO VIEIRA

Nasceu no Recife, a 13 dejaneiro de 1878, e é filho deRafael Francisco Pereira c D.Marcionila Vieira de Melo Pe-reira.

Fêz os preparatórios no Oi-násio Pais Leme, do Pará, eestudou Direito na Faculdadedo Pará e na do Rio de Ja-neiro. Exerceu os seguintescargos:

Auxiliar do Chefe de Policiado Rio de Janeiro, de 1907 a1919; Diretor do Gabinete doMinistro da Justiça, de 1919 a1920; Secretário do Tribunal deApelação do Distrito Federal,desde novembro de 1920; Deleagado junto ao Centro de Estu-dos Americanos em Roma. E'sócio fundador da Academiade Letras de Pernambuco; só-cio correspondente do GabinetePortuguês de Leitura do Recifee honorário do Gabinete Por-tuguês de Leitura do Rio deJaneiro; sócio da Academia dasCiências de Lisboa.

Foi eleito em 20 de julho de1933 para a Academia Brasi-leira de Letras, na sucessão deSantos Dumont. Foi presidentedessa instituição em 1940. E'comendador da Ordem de S.Tiago de Portugal.

Tem colaborado nos seguln-tes jornais e revistas: "O Dia-rio", "Diário do Comércio", "OPais", "Rio-Jornal", "Jornaldo Comércio", "A Noite", "Kos-mos", "Revista da Semana"t"O Cruzeiro", "Ilustração Bra-sileira". "Revista da AcademiaBrasileira de Letras" (todos doRio); "A Província" (do Re-cife), "A Provincia do Pará"(Belém); "A União" (da Pa-raíba); "Correio Paulistano"(de São Paulo), etc.

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Sábado, 15-1.1949 -r-TVta. X, *».; 2 AUTORES E LIVROS Página 21

ANTOLOGIA DA LITERATURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEASegunda Série - Antologia da Prosa -XXVI -CELSO VIEIRA

O Ócio das lindas mãos ADO NIAS

As tuas mãos indolenleí,amiga minha, são modelosrio arto e de ócio, que nin-£uém sabe se andam ou sedormem, pelos caminhosveludosos da mulher e doáspide, na lentidão comque passam, na languidezem que vivem .São comoduas gêmeas quietas e ado-ráveis, filhas de uma pre-Siiiça lendária. A mais feiaespécie animal, simbolisadaem tuas mãos, parece terproduzido a mais linda es-pécie do mundo.

Quando o sol martela nozenith a hora candente. dotrabalho, meio dia, a ma-nicura vem acordá-las parao banho, colorir-lhes o es-malte das unhas, recortadoom lunulas, semelhantes àspérolas, de que se ornamos dedos. E elas acordam,espreguiçam-se, buscam atepidez cheirosa da água.tateiam devagar, entrebiombos e espelhos, a linhaebúrnen do teu corpo, aonda negra do teu cabelo,flamas de seda, névoas derenda. Que enlevo e quefadiga!

Molemente, arrastam-sedepois, à mesa, para o grãodourado e fumegante docada dia .Vagamente, de-pois, manuseiam algumarevista de modas, o escri-nio das jóias, um álbum deretratos ou de tolices, umacesta de vime, onde colecio-nas bagatelas. Erram nosmóveis finos de laça, pen-dem nas almofadas de ve-ludo, sobem aos iarros, emque se exila e se desfolha amagestade imperial dos era-vos de Petrópolis, maisuma vez dormitam sobre aspáginas do livro, que te re-í-lete e possue, tagarelacomo a tua língua, estérilcomo o teu seio, vasio comoo teu coração.

Aquecidas por um beijodo sol, estremunhadas, saemagora de cada para o jar-dim, onde aplaudes a ci-garra, que tanto baila, des-prezas a formiga, que tantolida a teus pés. No artifíciodos renques e dos tufos or-valhados essas mãos afu-guentam borboletas, visitama concha de mármore dosgrandes cisnes, alvos e ré-gios, indiferentes à tua pas-sagem. Leda. Semi-mortasde cansaço, voltam do pas-seio as duas irmãs ociosas,e então, se a direita buscaum dedal intacto, para bor-dar, ou uma pena virgem,para escrever, logo a es-querda protesta: "Não fa-ças tal. Repousemos". E asduas caem, inertes, no re-levo macio dos teus joe-lhos. ' X

Mas nem as pajoulas,flores do ópio e do sono,dormem eternamente, sa-cudidas pelo vento irasci-vel. Assim, quando pousasns cotovelos no rebordo es-treilo da janela, cuido veragitadas por êle as tuasmãos, pálidas flores sono-lentas, cuja imobilidadeexaspera a sua inquietação.Olhas a terra. Nada sentes.Olhas o céu. Nada te diz.Que tédio! Cansadamente,fechas de manso a janela.E outra vez arqueias os bra-ços níis, bocejas, miras-teao espelho, compões umsinal da face, uma dobrado vestido, um caracol des-feito. Que tédio! Se as tuasmãos acendessem, ao me-nos, o cigarro egípcio de

Celso Vieira

Tórtola, a dansarina louca,c nas volutas caprichosasde fumo azulado visses en-treaberto o lotus do sonhooriental... Se as tuas mãoscreassem, ao menos, umpouco de harmonia sobre oteclado...

Vamos lá, preguiçosas,vamos atormentar os vizi-nhos ao piano. Premem asteclas, soam as cordas, e aocontacto dos teus dedos, aoefluvio das palmas em cujaslinhas foi traçado o teu des-tino suave — dormir —,Glück resvala num torpormusical, o estrepitoso Listacabeceia e adormece,Brahms, desfalecido. mer-gulha no seu arroio lácteo,Chopin flutua e desmaia noseu.halo noturno. Embebi-das nesse perfume, que-brantadas por essa indolên -cia, as horas não voam maissomo silfides: vagam comosonambulas. O' inefávelpreguiça, que adormentas aprópria música inefável!Mensageiras do ócio, dosono. do nada, as tuas mãosenvolvem, aniquilam namesma letargia o que elastocam. s \

De qualquer modo, po-rém, são tuas, e hão de^ ser-

vir para alguma coisa à suadona gentil. Se outras mãoslaboriosas te vestem, é fôr-ça que elas transportem abolsa e o leque, embora acontragosto, no cinema, noteatro, no hotel, nos recan*tos mais ou menos umbro-sos do teu Éden, onde nãohá frutos proibidos nemcóleras dardejantes ou es-padas de lume. Sem ideal.sem vigor, sem paixão, dan-sas mais um tango, maisum dia, mais uma noite...Porque tu és apenas, viverí-do"e bailando, o contorno eo momento da forma tran-sitória, o desejo das coisasscintilantes e pueris, a almarudimentar e vaidosa, en-cerrada num breve casulode seda.

Enfim, à noite, despren- "

.'endo-se do "rouge", doespelhinho de prata, do pódc arroz — o pó que sem-pro foste e has de ser —.as tuas mãos depõem abolsa, deixam o leque, numgesto de enfado irresistívelSó duos vezes pecaram con-ira a arte nua de Phidias..calçando luvas. Podem ago-ra dormir com serenidade,até ao meio dia, essas mãosiSatigadas, que não socorre-ram um pobre, não vestiramuma criança, não levarama Deus uma flor, apenas ur-diram frivolidades, ornatosefêmeros do tédio.

O ócio das lindas mãoscontinuam.. . E dizer queoutras nasceram igualmen-ie belas, mas foram prega-das na sua cruz, em silên-cio, pela miséria implacá-vel... Sentir que elas doemc sangram — mãos de ope-rárias, de escravas, de már-tires — para a evidênciafarfalhante do goso e doluxo... Saber que nuncadormem na prece dos cláus-tros, na somBra dos hospi-tais, à margpn dos camposde batalha, Outras mãos re-ligiosas e incansáveis. .Não lhes conheces o esfór-ço, a caridacTe, o sofrimen-to. E são todas essas mãosde mulher, vigilantes, ma-drugadoras, anônimas, do-loridas no seu cativeiro, de-formadas pelo seu trabalho,que te fecham a porta deouro do céu, amiga minha.

Celso Vieira

A idade pesava sobre orei David, enublando-lheos olhos ardentes e sonha-dores, entorpecendo-lhe asmãos rugosas e trêmulas,que haviam sido tão destrasno volteio da funda e napulsação melódica da har-pa. Já lhe era um tormentodeixar, mesmo ajudado pe-los escravos, o leito de ouroe de cedro; era-lhe já im-possível, mesmo conduzidopor sacerdotes e capitães,subir os degraus reluzentesdo trono. Porque viessem »os dias cada vez mais lú-gubres, determinaram osconselheiros e camaristasbuscar-lhe uma virgem,mixto de flor e de chama,para lhe aquecer as mãosinertes, alegrar os olhosenevoados. Trouxeram-lhea maior beleza virginal doreino, Abisag de Sunam.

Ora os dois príncipes ri-vais, Adonias e Salomão,filho este de Bethsabée.aquele de Haggith, e ambosfilhos do rei-poeta, conce-beram pela divina Abisagum amor invencível, capazde todas as loucuras bíbli-cas — o grande amor ju-dáico e sanguisedento dacasa de David.

Fascinada entre os dois.mas indecisa, por seremmoços, fortes e belos, tendocada qual o seu partido mi-litar na corte, não se decidiaa virgem por um deles.Sem desanimar os galan-teios, as confidencias deambos, ouvia tudo com aresingênuos, remirando o bra-celete ou recompondo ovéu. e apenas ciciava, for-mosa e esquiva:

Sou a humilde servado rei.

Deciírador de enigmas,não tardou Salomão em de-cifrar o daquela esfinge: sóum rei possuiria Abisag.E tão penetrante foi Ado-nias, que se fez logo notarpelo seu aparato e pela suaarrogância, como se as dozetribus o houvessem procla-mado senhor de Israel e deJudá. Insolitamente, adqui-riu esplêndidos coches reais,ajaezou um séquito orien-tal dc possantes cavaleiros,e ao sair para a caça eraprecedido, anunciado porcinqüenta batedores, que aomesmo tempo corriam eclamavam:

Deixai passar o reiAdonias!

Como o velho pai não orepreendesse, . perdoando-lhe a audácia do feito pelorionáire do tipo, êle arqui-tetou com os chefes da suafacção, o general Joab e opontífice Abiathar, um pro-nunciamento sob a formade banquete. Junto à pe-dra de Zoheleth, sentaram-se os convivas, na sua maio-ria homens de armas, e pro-fusamente beberam sobre odesmoronar das vitualhas,que ali fumegavam: carnei-ros, novilhos, aves gordas ctenras. Cada libação ter-minava por um grito sedi-cioso:

— Viva o rei Adonias!Para esse ágape não fo-

ram convidados os sectá-rios de Salomão, entre osquais se destacavam o pro-feta Nathan, homem de bar-ba infinita e voz reboantecomo todos os profetas, e oguerreiro Banaias, filho deJojada, um dos trinta e setevalentes do reino, matadorde atletas egípcios e de lo-bbs famintos. Durava ain-da o repasto, quando o pro-

feta Natlian segredou a Ba-na ias:

— Ou fazemos Salomãonosso rei, agora mesmo, ou

estamos perdidos. Adoniasmandará trespassar-nos àlança, por intriga de Abia-thar e de Joab.

O caçador de leões, er-guendo os punhos, teve umbramido tão doloroso, queas próprias feras estremece-ram no antro. Mas o ho*mem das profecias não igno-rava a escolha feita por Da-vid em segredo, o Juramen-to do velho rei a Bathsabée),cujo filho, depois dele, ccomo êle assentara desdemuito, deveria soberana-mente reinar. Desusandoaté à câmara de Bethsabée,nas sombras do paço, nar-rou-lhe o que soubera daconjuração, do execrávelfestlm de Zoheleth, e per-suadiu-a com eloqüência aprocurar David, reacender-lhe a memória bruxoleante

Assediado pelas súplicas,pelos afagos da tentadorade outros dias, o monarcados salmos ordenou que Sa-lomão enfreasse a mula real,seguisse para Gihon, e aífosse ungido sem demorano tabernaculo. Soaram astrombetas, o povo de Israelo Judá conclamou:

— Viva o rei Salomão!Estrondeavam por toda a

cidade os clangores e asovaçòes. Presentindo a irado novo rei, os convivas deAdonias empalideceram, fu-giram...

Louco e branco de terror,o príncipe correu pora osantuário vizinho, aterrou*se ao chifre que se retorcia,veneravel, sobre o altar deJehovah .„ Era o direito cór-neo e sacro do asilo, entreos judeus. Tremendo comoas varas verdes do Líbano,sacudidas pela rajada, opríncipe não largaria o cha'velho, enquanto não lhetrouxessem o indulto.

Magnânima foi a sen-tença: Adonias ea indulta-do por essa vez, mas pa-garia a sua primeira mal-dade com a própria vida.Como o filho de Haggith.serpeando, viesse beijar-lheo degrau ebúrneo do tro-no, Salomão desviou daque-Ja humildade os olhos fui-gurar.tes, disse-lhe apenascom secura:

— Vai para tua casa.Pouco depois, finou-se

tranqüilamente David, en-tre a velha paixão criminò-sa de Bethsabée e o lindoamor intacto de Abisag.

Na penumbra do seu re-tiro espicaçavam Adonias.instigando-o à revolta, opontífice Abiathar e o ge-neral Joab. Como podia êle,o herdeiro legitimo do rei-no, abandonar consciente-mente os seus foros, assuas ambições, os seus ami-gos? Não tinha êle a prefe-rència do exército, acaste-lado nos muros inexpugná-veis? Dele .não eram asafeições e os aplausos do

povo? Coragem, belo Ado-nias! Erguido pela

"/ifória

sobre um feixe ile lanças.no teu carro de gueira, es-ma gar ás os phel«eteu.:j e ce-reteus de Banaias, destro-narás o impudente £ nrro-gante Salomão.

Assim falavam cs doiscenspiradores. Peaaettlyo ecabisbaixo, entretanto, Ado-nias silenciava, quaí;e nâoouvia as palavras aeeradas,violentamente desferidasconto se fossem darilos. Oseu desejo voava para Abi-sag de Sunam. a .palmeiragraciosa e esbelta. Oo jar-dim real.

Nâo logrando r omper-Ihea mudez, captar-lhe para

fins políticos a alma tlistan-te. fechada num bloco im-penetrável de gdo. o pon-tifice resmoneava uro sar-casmo:

— E' incompiêíteu medo. Sempíum chifre a que ¦na Judéia um ps:1":belde.

Adonias contir;v.a,.;r>. íi re-fletir no silêncio ütísm ho-ras, frementes e lacerantescomo tentativas ;k um vòcencarcerado. Salomão eroforte, sábio, juiOc; deviareinar sobre os ho.me.tii; comn voz dominadora, a Iam-pejo dos seu*; olhc<> deáguia. Mas devia ceder-lhe,por isso mesmo, vm poucede luz na terra — Abisagde Sunam. Porque ni\o fal-tariam a Salomão esposas cconcubinas entre ns filharde Jerusalém, preciosasmulheres de outro dima eoutro sangue, egípcias, ,moa-bitss. iduméas. S Êle, Ado-nias, sacrificand o^lhe o di*reito de primogeinHiua, a^suas esperanças e reivindi-

(Cont. na página. !4)

Gííívél Oe haverá;e agarreíicdpe re-

CONTRA 0FEMINISMO

CELSO VlllHAApenas uma idéia nos con-

turba, e é que o fe^r.^stnó;n&cvá extinguindo caí.!?, ves mafca beleza entre as imulhcies, ecada- vez mais regtJamlo, poiellas, o desejo dos1- hu.toe.niu, cc-mo Insinuou aquele Kieümo so-ciólogo Gino Bertoírni, eo exi-bir uma série de fotografiashorrendas — sijhííet&s; em queo outro sexo havia perdido tá-das as graças. vMJ.S8amdo-sebruscamente^sob s.. nitieiía dosnossos ofícios e das nossaspreocupações. Então, da som-bria terra sem idflira, M tíefugir com espante o amor, le-vando o carcaz transbordanteda rútílas frechas, para sempreinúteis. A mulher Lie gelo oude íógo não tornará, decerto, zpassar no sonho cIdíí íuloles-centes, intoxicados pelos ro-mances de Beloi. Exouitfecidaias liras, os clarÍ::L anunciaraestridulamente que se rproximeo reinado da muJhcr de ar-mas, tâo diversa de saelena ede Aspasia — a inart tralada.insensível mulher dc ferro da-épocas vindouras.

(O Semeador).

Acr c-/^

Autógrafo de Celso Vieira

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Página: 22 AUTORES E LIVROS Sábado, 1S.1 J949-^ Vo» X, n" 2

ANTOLOGIASegunda Sé

DA LITERATURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEArie - Antologia da Prosa - XXVI - CELSO VIEIRA

RAINHAS DE BATALHASCELSO VIEIRA

SANTOSA lança e a espada reina-

ram julgidamente nos com-bates singulares ou no cho-que das massas guerreirasaté ao prélio de Azincourt,onde os mosquetes de Hen-rique V, abatendo à cavala-ria francesa os penachosmais ondulantes e glorio-sos, deram começo ao im-perio marcial dos explosl-vos. Era a primeira de-monstraçâo mortífera, emsucessivas descargas, doinvento fradesco - de Sch-warz — a pólvora. O quepode inventar um frade ale-mão no seu retiro, entre aimagem do Senhor e o bre-viário...

Para os maléficos quesaíram da forja de Tubal-cain — oficial de marteloe artífice em toda a quali-dade de obras de cobre e deferro, como lá diz a Biblia— não sobejam volumes aHistória. Para as desgra-ças que vieram da oficinade lavas do Etna, ondeVulcano aprestava enco-mendas bélicas a heróis edeuses, não remanescem tá*bons à Cronologia. Mastodas as forjas, reboando.todos os vulcões, reacenden-do-se por atualizar os mi-tos siderúrgicos, teriamquase enevoado o prestígiodas suas chamas, quaseemudecida a potência doseu fragor, ante calamida-des novas que deflagram nacela de frei Schwarz.

O reino da lança e dogládio, ainda que este nãodeixasse de simbolizar ocomando — realidade tãodiversa de uma e de outrocom os seus mapas e tele-fones! — findava depois deAzincourt nos poemas, noscancioneiros, nos romances,logo se esvaia no fumo dosencontros decididos já pelocanhão. Ao tempo das rap-súdias de Homero, límpidoe sonoro tempo das armasbrancas, seguira-se o dasarmas negras — o que ha-via de explodir, afinal, comas imprecações hugoanas aum canhão montado para obatismo de fogo, em 70, sobo nome de Victor Hugo.Vai, fere, mata, arraza!bradava o poeta, à fera apo-calítica, dardejando os seusalexandrinos contra a mar-cha dos uhlanos, que asse-diariam em breve Paris.Outros canhões venceram,não este, infortunadamentepara Hugo e pára a Fran-ça, mas o gênio francez dei-xava consagrada na epo-péia dos nossos dias a armanegra. E alinhados sobrecarretas, em baterias, ouavassalando os mares nablindagem das torres gira-tórias, os Krupp e os Arms-trong sobrancearam alturasde Olimpo, entre o orgulhoe o terror dos povos.

Reis da éra mecânica eexplosiva, cujos ideais ai-temam com as suas ambi-ções e atrocidades, eles der-ribam, fulminam, esboroam.descrevendo e ampliando atrajetória de um poder iii-mitado. Mas, na batalha in-comparável do Somme. nês-se clarão de mil incêndios alavrar como nenhum outroem plena História, por abis-mos onde o passado e o fu-turo combatem, não detive-ram eles a soberania tro-vejante. Versão dos cor-respondentes ingleses, sob atempestade, é que as rainhasda batalha foram as metra-lhadoras, acionadas pelaenergia de musculatura ede alma dos "tommies" atéo cansaço extremo, em que

lhes pendiam os braços,inertes e doloridos.

Com os seus leques dcvaretas metálicas, os seuspentes de balas, correndoao sol da primavera por ai-déias, cidades, ruínas en-sanguentadas, sobre monta-nhas de cadáveres, elas per-passam, reluzem, desfe-cham a morte, sibilantes eávidas, num turbilhão defogo,em que circulam dra-gões e sâurios fabulosos. Nadisforme, repelente anato-mia industrial da guerra,desde os obuzeiros aos"tanks", só essas máquinasfulvas, leves, girando portrincheiras como apariçõesde um só instante, disputamaos aeroplanos o esmero daslinhas, a surpresa dos Ian-ces, a mobilidade airosa ofácil. Pousam na terra im-pregnada de gazes veneno-sos ou liqüefeita em sangue,mas não se prendem ao solorevolto, e da fusão inicialdiríamos que trouxeramalgo, a brilhar entre cinzas,afora um pouco de veloci-dade imponderável comque vencem distâncias a luzc o som — luz de álvora-rias triunfantes, som de cia-rins em marcha.. .

Assim deslisam, terríveisií faiscantes, as metralha-doras inglesas, que a His-tória sagrou ardentementerainhas da batalha. Depoisdas Amazonas, concebidaspela antigüidade helênica,e das Walkirias, ideadaspela antigüidade germâni-ca, reaparecem a perpecti-va da guerra em contornosfemininos. No horizontedos mitos, nevoento ou lú-cido, eram visões fugitivasas senhoras do combate;hoje, são máquinas destrui-doras, glorificadas pela ne-cessidade humana de embe-lezar o círculo apavorante,insondável nas suas flâmas.intraduzível no seu clamor.

O espírito, como a espé-cie. tem obedecido a umalei de fecundidade e reno-vação alegorisando a Vidaem símbolos femininos: ashoras para o tempo, as fôr-ças para a natureza, as leispara a ciência, as musaspara a arte... Dominadoras ou graciosas, tais con-cepções envolvem a subs-tância das próprias coisas,a essência dos próprios se-res. Que milagre esperamosdessas rainhas fatais, er-guídas e coroadas sobre onniquilamento, em que orase alarga o reino intangíveldas sombras?

Divisando-as por entreflores e chamas de prima-vera, lembramos o furor di*lacerante e indomável dasErínias, reaparecendo ago-ra, multiplicadas vertigino-samente, para de novo per-seguir c atormentar milhõesde criminosos. Filhas danoite, vampfricas, depois dehaverem simbolisado a Au-rora na lenda remotíssimados árias, elas guardavam oculto da família, da lealda-de, da justiça, das tradições,o onde fossem violados ês-ses princípios ou sentimen-tos, a sua ira desaçaimadabramia com a fereza impla-cável que aterrava os bonse os maus, arrancando aogênio de Eschilo o pavorosoanôtcma: cadelas infernais!

Como as Erínias, morden-do e rugindo entre novelosde serpes, violentamenteperseguem abomináveis cri-mes as raínhas-guerreiras,servidas pela intrepidez

magnífico dos "tommies" dcHaig. A nossa conciênciavibra no seu furor, e o quevarrem as suas balas é tudoquanto nos ameaça a liber-dade moral e civil; despo-tismo asiático de Xerxesaçoitando o mar, opressãode castas mais insensíveisque o ferro das próprias ar-maduras, exercida em no-me de sombrios ídolos, cru-entos e vorazes, sob o largomanto purpúreo.

Destarte as ralnhasa ex-terminadoras, com os lé-quês dc varetas metálicas,os dourados pentes de ba'Ias, vão por trincheiras,campos, lugares inundadosde, sangue, como se atra-••essassem os jardins de su-olícios e agonias do seuimenso domínio real. Vãonstreando e abatendo —Erínias atuais — hordasululantes de malfeitores,que ainda esperam a vitó-ria sobre os despojos domundo civilisado. Mas po-demos já entrever ,comopôde Atenas, a trarisfigu-ração eschiliana das fúriasem Eumenides, soberbas eplácidas formas da Justiça,reinando sobre o destinodos homens, após o ferro eapós o fogo, num santuáriodo Areópago.

Querendo fazer do próprioarco de triunfo um arco dealiança entre os povos guerrel-ros, Santos Dumont esperou,em váo, no amplo circulo denévoas, o pássaro azul da len-da, o íris sobre a montanha,e apenas Viu nas brumas doseu ocaso que os abutres voe-Javam sobre os cadáveres. Aci-ma dos vôos macabros, porém,flameje o nosso ideal na suaesperança e humanize na suaaudácia o lema dos aviadorescontemporâneos: nuiis alto,mais longe, mais veloz. Maisalto, para a estratosfera, coma ciência de Picard. Mais lon-ge, para os desertos do polo ouas montanhas da lua. Maisveloz, até onde? Roçando qui-mericamente os véus, a cabe-leira, os anéis dos corpos as-trais, desata-se o vôo sidéreodos rom2nc:s de Wells, dasfantasias de Maeterllnck, dasestrofes de Luiz Delfino. —"Não se irá a uma estréia?"—indagava o poeta brasileiro, cos-micainente, desvairado no tur-bilhão dos sóis ofuscantes. naespiral das nebulosas ind^fini-das. Se alguém pudesse atingiro divino estelário com enver-gadura de águia mecânica, náodeveria levar somente às estrê-Ias o impulso dado pelo nossocompatriota aos voadores hu-manos, mas também a sua mi-

DUMONTCELSO VIEIRA

rasem de fraternidade unlvcr»

Santos Dumont... Ainda lon-ge da paz, longe dos astros,ouvimos-Ihe o nome através dascidades tumultuosas,donde re?-surtem gigantes de aço, mo-dernizando a mesma ambição,que se petrificou e aluiu naarquitetura da lenda bíblica.Santos Dumont, libertador deasas inumeráveis — as asas in-visíveis do seml-deus adorme-cido ou acorrentado no ho-mem... Com a sua glória vòae revoa o ideal soterrado nosdestroços lendários de Babel.A empresa quimérica tornou-se o emblema contemporâneo,símbolo da nossa impaciência,jungida ao planeta, quarendoviolar o mistério infinito. Soba fuga dos aviões ressoa a ter-ra, como se fosse um orbe decristal, e em vôos, pela atmos-fera, e em ciclos, pela história,o alado gênio transluz na ex-plosão de todos os dinamos aé-reos, no arranco de todo,1; ospássaros humanos. Que se ele-vam ou se dsspenhnm com omesmo vigor e á mesma febreda alma precipitada em aliis-mos, hoje. paia ascender outravez, amanhã, no eterno desafiodos heróis aos céus.

(Discursoslume 8.°).

Acadêmicos,

A SENTENÇA(Continuação da pág. 19)

de Direito começaria a sor-tear os jurados. Tressan-dando a suor frio ficaria osalão do Júri, mesmo quefosse do tamanho de umapraça.

Quem deixaria de ver nsacristão na cadeira de réu,de ouvir o promotor re-verberando numa catiliná-ria, ae em SanfAna do Ipa-nema não existia outra di-versão a não ser um circo,de ano em ano? Se somen-te no véspera de Natal a ci-dade tomava um ar festivo?

Um júri de um criminosodaquela espécie era a me-lhor d i v e r s-ã o daquelagente.

Major Tiopompo, por sualivre e espontânea vontade,ficaria o resto da vida cs-tendido sobre a mesa. Masnaquele remorso que lheemagrecera os ombros, afi-nara-lhe os dedos, fizeradesaparecer de seus olhosaquela força de iman —obrigava-o a deixar oquarto.

Dona Ingrácia, vendo-ot§n pálido,, indagou:

— Estás doente, homem?Por que não vais à cidade?Pede a Seu Coriolano umpurgante.

Não se sentia bastanteforte para desembucharaquela história à sua mu-lher. Nem tão pouco aosfilhos. Certamente o amai-diçoariam, cuspiriam denojo.

Esperou que trouxessemo cavalo para escanchar-sena sela e partir numa de-sabrida louca. De ventasabertas o cavalo levantavaum poeirão, suando, casti-gado pelas esporas, pelo chi-cote dando lapadas nasduas ancas. De crinas auvento, vencia atalhos, pula-va cercas, deixando revol-tas as águas do riacho. Tal-vez um "fordeco" não ven-cesse aquela distância emmenos tempo.

Que máquina de carneera aquele cavalo. Agora

. martelando o calçamentode pedra, voando de ruaacima.

Cem metros mais, a Pre-feitura (onde se realizavamas sessões do júri), estavacompacta, gente se equili-brando no peitoril de jane-Ias, trepada em caixões decebola.

Na cadeira de réu o sa-cristão absorto, indiferentea tudo aquilo, de cabeçacaída como se desejassedormir.

Quando o Juiz perguntouonde estava o seu advoga-do, se tinha alguma decla-ração a fazer, Davino limi-tou-se a abrir os olhos.Nem uma palavra em suadefesa. Nem um gesto qui'pudesse assinalar a repulsados jurados.

Comum era o réu abrir aboca, cair num pranto defazer dó.

Davino mais sugeria unibronze que na cadeira hou-vesse sentado, um ornamen-to entre aquelas paredesbolorentas. Nem uma pa-lavra, nenhum contraçãomuscular ao ouvir as tre-mendas acusações que o es-crivão lia nos autos.

Apesar do cavalo corrermuito .quando o Major Tio-pompo se apeiou, já ha-viam os jurados se pronun-ciado. Começava o Juiz aler a sentença, citando arti-gos e parágrafos do CódigoPenal.

Pepé, Davino escutava asentença de trinta anos,sem aperceber-se de nada,como se o que ouvisse fosseuma declaração de um prê-mio qué a municipalidadeacaba de lhe conceder.

— Trinta anos — frizouo Juiz.

Nesse instante Major Tio-pompo empurrava, acotove-lava, praguejava aquelagente que lhe interditava apassagem.

Aos berros Major Tio-pompo se acusou.

Conseguira chegar ao sa-lão. E defronte do Juiz pe-diu que a sentença fossepara êle. Para êle que ha-via amado Melânia, sedu*zindo-a apesar dos seus ses-•senta anos, arrochando-lhe

o pescoço no momento emque o amor era orgasmo.

Então, Davino se enfure-çeu. Libertou-se daquelaindiferença e protestouProtestou como quem se voroubado. Protestou impon-do respeito à lógica. Fezver que Melânia não se iriaentregar a um velho comoMajor Tiopompo (— rapontou para o peito arfan-te do velho. Um velho ca-reca oue. de amor nadasabia. Entregou-se, sim. aêle Davino. que sempre «amafa.. .qite daria a vidapara obter aquele amor. Ea todos convenceu alegan-do que. no bauziníio deflandres de Melânia, foramencontrados bilhetes queêle lhe escrevera. Nova-mente feriu o peito do ve-lho com o dedo, afirmando:— Esse velho enlouqueceu.

Aquilo não podia conti-nuar. Era um desrespeitoà justiça. O Juiz reclamousilêncio. E fez um gesto adois soldados da Polícia.Imediatamente os soldadostorceram os braços do Ma-jor Tiopompo carregando-opara fóra, aos empurrões.

Major Tiopompo não re-sistíu. Impossível sobre vi-ver àquela injustiça.

Fora Davino quem enlou*quecera por não poder amarMelânia. Davino se cou-vencera ser o senhor de Me-Tânia quando, na realidade,apenas cm sonho êle a pos-suira.

E numa tarde, quando to-rios da Fazenda colhiam es-pigas verdes para cangiciade S. João, Major Tiopom-po selou o cavalo. E foi-se.pela garganta de dois mor-ros. para nunca mais voltar

A VIDA DOS LIVROS(C»nt. da página 23)

Çáo pronunciada pelo sr. . ¦ •como paraninfo das diplomaciasda Escola Normal e do Cursaade Secretariado, do ExternatoSáo José, de São Paulo, aos 11de dezembro de 1947. Tip. Ma-ria Auxílium, São Paulo, 1943.s.n. págs.

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{fébado, 15-1-1949 — Vol. X, n." 2 AUTORES E LIVROS Página 23

PAG NA DOS AUTORES NOVOSXXIII - DÉBORA LEÃO

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MaternidadeMulher: as leis eternas, absolutas,le espantam quando a dôr te dilaceraas entranhas. Que importa, se executaso tarefa mais nobre,que te espera?...

Bendize tantas dores, tantas lutas:amar não é somente uma quimera:amam azas e flores impolutas,há extremos no querer de uma pantera.

Vê a terra, tua irmã, nesta grandeza:quantas vezes também sonhando ficaem flor, plena de luz e de beleza!

Pois a terra que é grande, bela e ricadeu-te com o seu exemplo a singelezada ánore que floresce.e frutlftca.

A criança e a nuvemOlho a nuvem menor que vi na vida.lembrando um Quadro verdejante c quedo,aqui e ali uma árvore florida,o ijüxgêio do alegre passarêdo;

uma criança brinca, distraída,no rio claro, em baixo do arvoredo,vendo uma nuvem na água refletida,joga na ribanceira seu brinquedo,

tato no rio, colhe a espuma á flux. 'e erguendo as mãos murmura: — "Oh! luz divina.ob! creadora, poderosa, luz.

faze uma nuvem transparente e fina.parecida comigo, pequenina,para brincar por mim nos céus asuis!

Nuvem leveO céu também tem vista, tem paisagem.Mudam as nuvens, mas, de quando em quando,•-parece a ligeira carruagem,sói ninguém na boleta' governando.

Não te lembras de alguém assim vagando,sem guia. sem caminho, sem paragem,dia e noite incancavel, viajando,sem conhecer o termo da viagem?

Não vês que a vida é frágil e inconstante,que tudo é igual á nuvem linda e breve?Até tua alma, pobre viajante,

sem saber onde vai, por onde esteve,vibra e palpita pelo mundo errante,até .sumir-se como a nuvem leve...

No céu cai uma estréia; no jardimdesfolham-se as roseiras sobre mim;do monte rola a pedra esfarelada.

Eu compreendo. Tudo tem um fim,tudo se acaba. E calma sossegada,espero a morte, indiferente ao nado..

Exortação

O Amor

Débora ledo

Bebora Leão nasceu no Recife, é filha do Profes-sor Laurindo Carneiro Leio e D. Maria FelicíssimaCarneiro Leio, e irmã de Múclo Leio. Casou-se c«mCisar Pinto Simões, funcionário do .Banco do BrasilnatCapital da República. E' pintora e poetisa, nuncatendo, entretanto, consentido em exibir seus quadrosnem em publicar seus versos.: Sua produção literáriaé toda de sonetos, gênero em que a poetisa se-movecom. uma liberdade, ecom umaoiwroce perfeitas.

DeusE-vcrdade palpável, evidente,que-» carne volta ao pé, à, terra escura:taintiem o Instinto prova claramente:. rtAacaKlMão d» criaturas

então ura^Síaof'» amar.- e aí.d»r ardenten&o se corrompem n'uma sepultura,evolam-se num fluido transparente,formam nossa alma delicada e puro.

Enamorada de longínquos céus,sedenta de beleza e perfeição,p alma pressente, compreende Deus:

pois Deus é o nosso próprio coração,está naqueles Íntimos troféus,imunizados da putrefação.

- Porque constantemente ambicionamos,se nada é nosso e tudo aqui deixamos?Se desta vida a leve alma incorporeanão nos leva siquer vaga memória?

Amemo-uos, porque enquanto nos amamos,felises como os pássaros nog ramos,esta doce emoção, mesmo ilusória,vale mais que o poder, o luxo e a glória.

Só sabe quem perdido, tresloucado,amou profundamente e teve a sortede apertar contra o peito o peito amodo

também ardentemente apaixonado.Depois de tão esplendido transporte.que importa a dór da vida e a dor da morte?

Gata dáguaGota de orvalho que do céu desceste,que este selo sombrio percorresteent buscado oceano: mais formosavoltaria n'uma névoa vaporosa

para a sublime região celeste.Mas, quisera saber d-onde nasoeste.que planeta, que estrela grandiosaformou a cintilante nebulosa

da tua origem; .límpido, brilhante,levaa-m* o pensamento bem distante,enquanto o meu olhar profundo, imerso,

procura as vidas do teu seio errante,encontra o velho, primitivo berço,e o túmulo provável do universo.

Oh! vento amigo, escuta meus pesares,minhas saudades como outrora ouvistp,minhas juras de amor, entre os palmares.Oh vento amigo, da amplidão* dos ares,

procura meu amado! Se o encontrares,se acaso êle ainda vive, se ainda existe,conta-lhe tudo, tudo quanto ouvisteda minha voz amargurada e triste!

Oh juritl, amoroso passarinho,desdobra as asas com teu lindo par.vòa ligeiro, vai fazer teu ninho

no seu jardim! Ouvlndo-te arrulhar,talvez ele recorde meu carinho,talvez se lembre de me procurar.

Estrela da tardeLinda estrela da tarde, resplandeseescomo a rainha do estrelado céu.Querida estrela, se este brilho teuouvisse minhas máguas, minhas preces.

entendesse minh'alma, o grito seu,sempre chamando o ingrato que a esqueceu IAh se este apelo ouvisses e.entendesses,talvez no céu azul resplandecesses.

inda mais bela, aqui, ali e além,correndo pelos límpidos espaços,com luminosos rutilantes traços,

sempre ofuscando os falhos do meu bem,;,até guiá-lo aos meus ardentes braços,como a formosa estrela de Betlem...

Andorinha

Prisioneira-jüj

"Afinal o que eu sou? a vil escrava,a triste prisioneira..." E os olhos cravano espaço; adeja a borboleta, alémvoa o passado leve, vai ,e vem.... ...,

Até a pobre repulsiva larvano seü casulo imóvel ceia, parva,.,espera as azas pra voar também!"Só eu nâo tenho o incompBravel bem".

"Enquanto as borboletas entre as gazascoloridas revoam, entre as brazasda saudade mumuro o meu lamento.

Ah! quem me dera, desdobrando as azas.cortando as nuvens, desusando ao vento,ir onde vai meu louco pensamento".

É uma hora triste, acaba-se a tardinha.Na areia fofa, trêmula andorinhade azas quebradas, mira pelos aresseu par, voando com outros lindos pares.

Ave ferida a padecer sozinha,a tua dôr é semelhante á minha:companheira de tácitos pesares,quero cantar e rir até cantares,

Na multidãoDesfila ante os meus olhos o cortejode estranha e variada multidão;quantos rostos acesos de desejo,sedentos d'uma nova sensação.

Outros ostentam, sem pudor, sem pejo.o estigma Imundo da devassidáo;outros, sombrios órfãos do bafejoda sorte, da ventura, da ilusão.

Procuro em todos, desvairadamente,qualquer cousa que lembre o grande horror,que se assemelhe, ao menee vagamente,

aquele imenso e desgraçado amor,que transformou meu rosto resplendentsn'uma expressiva mascara de dór.

IndiferençaGosto de olhar o céu, quando medito;a formosa poeira do infinito,nos luminosos raios de oiro e prata,nio sei que fluidos mágicos desata,

que transforma o recanto que eu habito.Tudo é grande, fantástico, bonito.Tudo me chama, tudo me arrebatana linguagem remota, fria, abstrata.

r os nossos- males passarão ..D~..v_.Hei de esquecer recônditas feridas,liio de sarar-te as azas doloridas.

Como os primeiros serfio derradeirose os derradeiros hão de ser primeiros,as esquecidas serão preferidas...

TransformaçõesN&o morre, apenas pêlo chão desabaa árvore, que as sementes repartidasjá são formosas árvores floridas.E a matéria, que a podridão macabra

"" tanto aproveita? Dã* nojeita babanada se perde, as carnes poluídasrotas, transformam-se em milhões de vidas.Então, mimValma, exulta, nada acaba.

Olha as ondas do mar beijando as fragas:entre os raios do sol e ondas aéreas,vão e voltam aos céus e às térreas plagas.

Como as revoltas inquietas vagas,assim vives, minh'alma, entre as etèreasexistências e as sórdidas matérias.

SeparaçãoTu sabes que meu peito ingênuo e castotransformou-se, que agora é um louco e vastoincêndio, a mesma febre que te inflama,e, unidos e abrasados como a flama,

a brasa~ incandescente. Como o lastrode luz resplandescente envolve o astro,assim vivemos: tua alma reclamatoda min-alma, que te adora e te ama.

Mas nesta vida de surpresas cruaspode o ciüme, a ingratidão feroz,o ódio latente separar-nos. Nós

então seremos um para o outro — sóisinesquecíveis; nossas almas duaspálidas, mortas, regeladas luas...

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Álbum de Guignard

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N. 11 — Horto Florestal de Itatiaia

BIBLIOGRAFIA DE CELSO VIEIRA

(Cont. áa patina 20)J-ecepçdo do Acadêmico

Vitor Viana, 1937.Ceticismo e Beleza na cora

de Anatole France, 1944.Na Casa de Itália:

Leopardi, oração proferidano centenário do poeta e pu-blicada no Jornal do Comércio,am julho de 1937.

No Gabinete Português deLeitura:

O dia de Camões, confe-rência publicada no Jornal doComércio, em junho de 1935.

No Instituto Histórico e Qeo-gráfico Brasileiro:

. — O Misticismo de Anchieta,am 1933, conferência incluídana coletânea Anchieta, ed. daLivraria do Globo. Porto Ale-gre.'EDIÇÕES

MELHORAMENTOS"Está entregue ao mercado

ledor a vigésima sexta ediçãodo famoso romance de TaunayInocência, um dos pilares bá-sicos da nossa formação lite-rária. E' mais um lançamentodas "Edições Melhoramentos".

Poucos sabem que há noBrasil uma versão de Os Lu-siadas, especialmente paia anossa juventude escolar. E' umlançamento das "Edições Me-lhoramentos", qua se encontrajá na sétima edição.

O folclore está na ordemdo dia na programação de nos-sas editoras. Em segunda edi-ção, a "Melhoramentos" acabade lançar a apreciada obra deLindolfo Gomes, "Contos Po-pulares Brasileiros".

EDIÇÃO IPÊO Instituto Progresso Edito-

rial (IPÊ) apresentará este anoTâia a Poesia ie Guilherme deAlmeida.

No Liceu Literário Português:Instrução popular, confe-

rência publicada no Jornal doComércio, em setembro de 1934.e editada pela diretoria do Li-ceu em opúsculo.

No Teatro Municipal:A Semana ia Asa, oração

publicada em outubro de 1936no Jornal do Comércio.

Redigiu:A mocidade (Recife, 1892.

Teve aí como companheiroCastro Martins.

O Eco Juvenil (idem, idem.—Teve aí como companheirosFrancisco Cunha e José Perei-ra Ramos.

Usou os pseudônimos de Al-ceste e Zich.

PONTES SÔBRE CELSOVIEIRA

Campos, Humberto de —Anchieta — Crítica — 2.a série.

Celso Vieira poeta — Re-vista das Academias de Letras,n.° 48, pág. 192.

Duarte, José — Sôbre oj•Aspectos do Brasil" de CelsoVieira — Rio, 1937.

Fernão Neves — A Acade-mia Brasileifa.

Figueiredo, Antero de —Carta no "Jornal do Brasil" dc8 de setembro de 1948.

Galvão, Zéferino — D.cio-nário histórico, etc. — de Per-nambuco.

Leão, Múcio — GraçaAranha e Celso Vieira — Jornaldo Brasil — 9-5-1937. — As-pectos do Brasil —¦ idem, 13 denovembro de 1936.

Melo, Washington — Mun-do Literário — 5-7-1923 — 284páginas.

Perdigão, Henrique — Di-cionario Universal de Literá-tura — 899 págs.

Ribeiro, João — AnchietaJornal do Brasil — 6-11-929.

Várias opiniões acerca deEndimião — Revista Nacional

Junho, 1919.

ADONIAS(Cont. da páfina 21)

cações dinásticas, o alto so-nho do poder, gosaria b en-canto de todas as mulheresem uma só — Abisag.

Há uma coisa maisdesejável que ó poder, con-luia. E' o amor.

Subjugado pelo coração,foi um dia ao palácio real.disse à Bethsabée:

Muito bem sabes qus-me pertence o reino de Is-rael e Judã. Sôbre o teu fi-llio posso invocar a prima-zia do nascimento, o votoquase unânime dos judeus edos israelitas .A um bra-do meu, avançaria o exér-cito de Joab, com as lançaseni riste, para me entroni-sar. Mas deixo não só estereino, todos os reinos domundo a Salomão, contan-to que eu tenha por mulherAbisag de Sunam. Quereiinterceder junto ao rei?

Sim, prometeu-lhe aviuva de Urias e David.

Maternalmente, diante d:icôrle, falou Bethsabée a Sa-lomão, cujo esplendor prin-Cipiava a ofuscar os séculosantigos. E em vez do gesto.que a sua ternura aguar-clava do rei — a simplesdádiva de Abisag ao irmãoAtlonias. como era justo —viu uma nuvem crescer,tempestuosa, nos olhos ros-plendescentes do filho:

O' mãe. tro veiou Sa-lomão, pede-me antes o rei-no para Adonias. Não é êlr-o mais valoroso, o mais dig-no de reinar, escoltado pe-los brooueis de Joab. con-sagrado pela unção deAbiatar?

Houve um ca'a£rio namedula dos trinta e sete va-lentes de Israel. Salomãoproseguuiu, coberta a face

NADATudo é nada no mundo; o nada é tudo,Porque tudo do nada foi tirado,Pcrque no nada tudo é transformado,E ao nada voltará n'um dia tudo.

Deus do nada co'um gesto tirou tudo;O Universo do nada foi tirado,E n'um dia, no nada transformado, ,Deixará de existir; e assim vai tudo.

Só nessa alma persiste, e Deus Eterno,Cuja essência é de si mesmo increada,Pois é um Ser divino, Ente superno.

Na potência do mundo agigantada,N'esta terra, no Deus, no próprio Inferno.Semente uma palavra eu leio; NADA.

19 de Março de 1S65

JOAQUIM NABUCO

rr.cíios^ de lividez mortal:— Perdoei-lhe já uma

vez, quando ousou disputar-me 3 reino. Agora, é maio.o seu crime. Banaias!

O matador de íeões apa*receu. formidável.

-- Sai com a tua espadao traze-me a cabeça de Ado-nlo s.

Uma hora depois, a ca-bem do irmão era apre-foríç»da ao rei. entre loirvores t'os escribas c acla-marões dos soldados. Asmulheres tremiam, espavo-ridas, sob os diademas ruti-lantes; boquiabertos e hor-rorisados, ajoelhavam osprincipss, quase desfaleci-dos. no mármore-rosa dolagedo. Então, o soberanoexclamou:

Quem vjlver o desejopar.! Abiáag morrerá comuAdonian.

Magnificn mente, desceidn trono, inclinou-se p~r..cia. beiiou-lhe cs cabelo*mais crespos que a lã do.-rebar.hos de Galaad, o.*olhos .submissos como o •das pombas arrulhadoras. nboca de romã trescalanU.madura, orvalhada:

Senhor, dissa Abisaga medo, o teu peder é im-placáveí.

Cingindo-o no seu de;.-:(lumbramento, levando - apara a sua câmara, Salomâarespondeu:

Há uma coisa mair inrplacáveí que o poder, mais.poderosa qiie a morte: é oamor.