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#04 Revista de Cultura e Teoria Politica 2ª parte do argo “O problema da terra no Brasil e a Revolução Agrária An-Feudal” O Imperialismo estadunidense e a resistência popular nas Filipinas Encontro do presidente Mao com o revolucionário lanoamericano

NOVA CULTURA #4

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#04 Revista de Cultura e Teoria Politica

2ª parte do artigo “O problema da terra no Brasil e a Revolução Agrária Anti-Feudal”

O Imperialismo estadunidense e a resistência popular nas Filipinas

Encontro do presidente Mao com orevolucionário latinoamericano

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UNIÃO RECONSTRUÇÃO COMUNISTA - www.uniaoreconstrucaocomunista.blogspot.com02 URC

SUMÁRIO

EDITORIAL: “Unidade da classe operária contra o avanço conser-vador e anticomunista, em defesa das organizações populares”

página 03

“O problema da terra no Brasil e aRevolução Agrária Anti-Feudal (parte II)”

página 06

“Sobre o Realismo Socialista”página 26

“O Imperialismo estadunidense ea resistência popular nas Filipinas”

José Maria Sisonpágina 30

“Encontro de Mao tsé-tung e Ernesto “Che” Guevara”página 42

Figuras do Movimento Operáriopágina 51

NOVA CULTURA Nº 04 - ABRIL/2014Revista teórica eletrônica, uma publicação da

União Reconstrução Comunista (URC).

Colaboradores: Ícaro Leal Alves, Gabriel Martinez, Alexandre Rosendo, Lucas Medina, Alberto Steffen

Neto, Klaus Scarmeloto, Paulo Esteves, Diego Gregório

Para entrar em contato conosco e ter mais informações sobre a URC, sobre nossas publicações e sobre nossas atividades, escreva para o email da organização:

[email protected]

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EDITORIAL: “Unidade da classe operária contra avanço conservador e anticomunista” (...) URC 03

Unidade da classe operária contra o avanço conservador e anticomunista,

em defesa das organizações populares!

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As transformações recentes no cenário político nacional estão causando uma verda-deira confusão no conjunto da esquerda brasileira. O avanço da intervenção imperialista nos assuntos políticos do país é visível, já que os monopólios internacionais não se contentam em apenas avançar sobre a economia nacional, necessitando também de mudanças políti-cas efetivas que garantam de maneira mais tranquila a manutenção dos seus interesses. Sabendo que o PT, nesses pouco mais de 12 anos que administra o governo brasilei-ro, aplicou muitas medidas que eram orientadas pelo imperialismo, o que justifica tal inter-venção? O imperialismo sabe que o PT, mesmo com todas as transformações ideológicas que sofreu (de partido pequeno burguês de fachada radicalóide se converteu em uma orga-nização que expressa os interesses da média burguesia brasileira), tal organização ainda possui uma base social e hegemonia nos principais movimentos de massa do país. O impe-rialismo, atolado em grave crise estrutural desde 2008, sabe que para ampliar ainda mais sua taxa de lucro, precisa necessariamente remover os “entulhos” que restam e constituem, de forma ou de outra, um freio ao avanço para a melhor consecução de seus interesses. Nesse processo, não poupam esforços nem mesmo em passar por cima dos movimentos comportados, reformistas e revisionistas. A ofensiva desse setor, portanto, não pode ser considerado um mero “ataque contra o PT”, mas sim contra o movimento popular como um todo. O movimento que ataca o PT, o chamando de partido “comunista”, é o mesmo que ataca todas as outras organizações de esquerda, nas suas mais variadas tendências. Certos setores da esquerda, igualmente reformistas e revisionistas, mas que utilizam de um vocabulário pseudorradical, tem dificuldades de entender coisas tão óbvias. Acredi-tam que o imperialismo e as classes dominantes atuam de maneira espontânea nos confli-tos políticos e não sabem trabalhar para atacar o movimento popular em todos os campos em que isso for possível. No afã de criticar por criticar a gerência petista e, principalmente, subestimando a ascensão do movimento conservador e reacionário, acabam cumprindo o papel de aliados objetivos deste último. Esses elementos desconhecem – ou fingem desconhecer, o que é mais provável – a história de nosso país. São os primeiros que se iludem com a “solidez da democracia brasi-leira”, bandeira tão apregoada pelos reformistas e revisionistas que participam do governo. Ora, o que a história brasileira demostra é que as classes dominantes possuem uma larga tradição na aplicação de golpes e maquinações contra governos, mesmo quando esses governos serviram em alguma medida seus interesses; isso porque as classes dominantes e o imperialismo temem até mesmo a ascensão de forças burguesas nacionais de caráter mais moderado. Os setores mais reacionários da oposição ao governo, que há poucos anos atrás não conseguiam colocar 20 pessoas nas ruas, hoje em dia já realizam manifestações com caráter mais massivo. A esquerda assiste o crescimento desse fenômeno sem tomar as medidas de defesa exigidas, evitando preparar a classe operária e as massas populares para o combate efetivo contra toda forma de reação mais extremada. Para que não se re-vele ao povo sua total desconexão com o movimento operário e camponês, bradam sobre a necessidade de “criar um terceiro caminho”, mas não explicam como vão fazer isso sem os movimentos de massa que estão sob direção do petismo e que sozinhos são dezenas de vezes mais significantes do que todos esses partidos pequeno burgueses “esquerdistas” somados. Pelo visto, acreditam ser possível fazer revolução sem o povo. Ainda tentando justificar suas teses, a esquerda da pequena-burguesia afirma que “o PT também ataca o povo”. Confundem o governo do PT, com o PT enquanto partido político, que possui várias tendências internas, e uma direção com vários elementos dessas tendên-cias. Sim, é verdade que as alas mais influentes do PT respaldam as medidas tomadas pelo governo, ainda que se utilizem dos mais variados elementos retóricos para justificá-las, mas existem muitos setores, de base, que fazem oposição às medidas antipopulares. Será que sobre partidos como PSDB e DEM (para ficarmos apenas no âmbito dos partidos políticos) podemos falar a mesma coisa? Seria correto tratar todo o conjunto do petismo como inimi-go principal dos trabalhadores, deixando de lado o necessário combate ao fascismo, suas organizações, bem como o monopólio de imprensa, totalmente atrelado ao imperialismo?

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É importante ressaltarmos a crescente intervenção imperialista nos assuntos inter-nos do país. As manifestações do dia 15 de março, por exemplo, contaram com a participa-ção de movimentos que são abertamente financiados por instituições estrangeiras pró-im-perialistas, fato bastante denunciado por alguns jornalistas. É evidente que o imperialismo norte-americano, em um contexto de profunda crise, busca empreender uma nova ofensiva neocolonial contra os povos, especialmente contra os países dependentes, aumentando ainda mais os superlucros para seus grupos monopolistas. Os recentes ataques contra a estatal Petrobrás, longe de representarem uma genuína preocupação desses elementos com os problemas da corrupção, visam apenas promover o desprestígio da empresa, jus-tificando o seu sucateamento e posterior privatização. Com todos esses problemas, não podemos deixar de demonstrar o papel objetivo cumprido pelo petismo e pelo revisionismo. Os 12 anos de governo petista, em aliança com revisionistas (PCdoB) e partidos burgueses tradicionais, criou um ambiente político propí-cio para o avanço do fascismo. Ao mesmo tempo que aplicavam uma série de medidas de caráter pró-imperialista e reacionários (reformas estruturais antipopulares, como a reforma da previdência, manutenção do tripé econômico neoliberal, etc.), adotaram medidas tími-das de assistência social – sempre seguindo cartilhas das instituições do imperialismo, como FMI e Banco Mundial. As classes dominantes brasileiras são tão reacionárias e retro-gradas que enxergam negativamente até pequenas mudanças como essa, o que por si só demonstra sua mediocridade e decadência ideológica. As forças do petismo e do revisionismo semeiam a ilusão de que o “país vai bem” e que a democracia no país avança, ao passo que o extermínio da juventude pobre e negra, nas favelas, e o assassinato de lideranças no campo, continuam e até se intensificam. Isso abre margem para que a insatisfação contra o PT aumente até mesmo em locais onde o partido possui uma influência. Os revisionistas, descaracterizando o papel fundamental de um Partido Comunista numa sociedade onde a burguesia e o latifúndio detêm o poder político, transformaram sua organização em uma mera máquina eleitoral, que se contenta em obter cargos no âmbito das administrações públicas do Estado reacionário, em suas diversas esferas. Utilizando o nome do “comunismo”, contribuem com a desmoralização do ideal comunista perante as massas. A URC, organização que luta pela reconstituição de um Partido Comunista marxista--leninista em nosso país, tem a plena noção de que o petismo não pode travar essa luta de maneira correta, dado o seu caráter de classe e suas concepções ideológicas. Porém, acredi-tamos que seria extremamente incorreto defendermos uma pseudo neutralidade frente a essa polarização concreta que se manifesta no cenário político atual. Para nós, é necessário ter claro que o ascenso fascista e conservador, capitaneado pelos monopólios de comunicação, não representam simplesmente um ascenso contra o PT ou contra o governo Dilma Rousseff, mas sim contra toda a esquerda nacional, ou contra tudo que pareça ser de esquerda. Embora certos grupos sectários se neguem a enxergar a realidade, a classe operá-ria ainda encontra-se sob a hegemonia do petismo e do reformismo burguês, fato que não impede que os setores mais reacionários das classes dominantes nutram um raivoso ódio contra esses setores. O ódio de classe contra as massas populares é cada vez mais aberto e violento. Nessa contenda, nosso lado será sempre o lado dos oprimidos e explorados. Re-organizar e reconstruir o Partido Comunista (marxista-leninista), combatendo o fascismo, a vacilação e a reação das classes dominantes é a tarefa premente de todas as organizações e agrupamentos que lutam pela reconstituição do partido revolucionário do proletariado.

UNIÃO RECONSTRUÇÃO COMUNISTA

Nota política publicada originalmente em 18 de março, no blog da URC: www.uniaoreconstrucaocomunista.blogspot.com.br

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por Alexandre Rosendo

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A GRAVIDADE DO PROBLEMA DA TERRA NO BRASIL DO SÉCULO XXI

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5. A GRAVIDADE DO PROBLEMA DA TERRA NO BRASIL DO SÉCULO XXI Iniciamos o novo milênio com históricas derrotas para o proletariado e o campesinato brasileiros. O início do período do “neoliberalismo” no final dos anos 80 e início dos anos 90, da “abertura econômica”, das privatizações, das desnacionalizações, e desregulamentações le-vou ao enorme aprofundamento da dominação imperialista estrangeira sobre a economia bra-sileira. Cada vez mais, o imperialismo norte-americano impôs sobre o Brasil o sucateamento de sua indústria, o controle de seu sistema financeiro por órgãos imperialistas internacionais, o aumento de suas taxas de juros, políticas econômicas de choque e austeridade sobre a popu-lação. As consequências de tais políticas nefastas e vende-pátria não foram senão a enorme queda das condições de vida dos trabalhadores brasileiros, a eliminação de milhões de postos de trabalho, cortes de gastos sobre direitos sociais e trabalhistas, redução do mercado inter-no, fome e miséria. Dentre as principais medidas impostas pelo imperialismo norte-americano sobre a nossa pátria no alvorecer do novo milênio, ao lado da destruição da indústria, está a imposição do agrarismo. A cada ano que passa, os produtos agrícolas, matérias primas e semi--manufaturados de baixa ou média industrialização passam a ter um peso maior na pauta de exportações brasileiras em relação às manufaturas industrializadas de reexportação (isto é, as manufaturas montadas com componentes importados colocadas para serem reexportadas para as matrizes de suas empresas no exterior). Aquelas, atualmente, já compõem cerca de 80% do valor das exportações brasileiras. Diante da necessidade de submeter cada vez mais a agricultura brasileira às necessidades da indústria e agroindústria dos países estrangeiros, companhias estrangeiras transnacionais do agronegócio passaram a se apropriar de amplas extensões de terras até mesmo nos mais remotos rincões de nosso país. A grilagem e violência sem precedentes sobre terras trabalhadas não apenas pelos camponeses, como também so-bre os domínios ancestrais dos povos indígenas, povos legítimos e originários de nossa terra, levou à eclosão de uma verdadeira situação de guerra pelos campos brasileiros. São elas que resultam em enormes conflitos anti-feudais pelas vastas regiões rurais do Pará e Maranhão, onde camponeses e povos originários lutam contra a grilagem de madeireiras, mineradoras, barragens, hidroelétricas e plantations de soja; são elas que resultam no genocídio de um povo que há séculos habita nossa terra, a nação Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, somente para enriquecer o bolso de meia dúzia de parasitas estrangeiros que submetem a nação bra-sileira à condição de mera exportadora de açúcar e soja; são elas que resultam nos conflitos entre coronéis e empresas estrangeiras, de um lado, e camponeses e povos indígenas, de outro, pelas vastas regiões sertanejas do nordeste do país, onde os primeiros utilizarão os mega-projetos como a transposição do Rio São Francisco e o Canal do Sertão, como sempre, para manter o subdesenvolvimento, o atraso e a miséria do Brasil, e os segundos lutam e se-guirão lutando pela conquista da terra, pela dinamização e expansão do desenvolvimento das forças produtivas nacionais, pela independência completa da nação brasileira; são elas que resultam nas recentes violências das empresas Anglo-American PLC e “MMX”, do capitalista burocrático Eike Batista, lacaio do imperialismo norte-americano, contra os camponeses do estado de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, que na ambição de construírem o maior minero-duto do mundo para saquearem nossas riquezas minerais, estão causando enormes desastres ambientais pelas regiões que passam, grilando terras e causando duros golpes contra a eco-nomia camponesa local e, portanto, contra o abastecimento das zonas urbanas com alimentos e matérias-primas agrícolas industriais. Contudo, os campesinatos mineiro e carioca não estão passivos tais desmandos, e seguem preparando e levando e cabo novas lutas de resistência pela região. Os quatro casos citados, dos conflitos agrários que se desenvolvem nas regiões cen-tro-oeste, norte, nordeste e sudeste de nosso país não são senão apenas a pequena ponta do iceberg das lutas que todos os anos tomam os campos brasileiros. O incentivo ao agra-rismo e a crescente liquidação do parque industrial do Brasil, até mesmo das transnacionais anteriormente aqui instaladas, que estão substituindo a montagem de componentes impor-tados pela importação direta de manufaturas acabadas, fizeram com que a luta pela terra

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ganhasse um peso exponencialmente maior - colocando a questão em termos de luta política das massas - em comparação com os últimos anos. Durante a década de 1990, em torno de 5,66 milhões de lavradores, assalariados agrícolas e povos originários se levantaram na luta pela conquista da terra, com uma média anual de 566 mil pessoas que participaram de conflitos agrários. Durante a década de 2000, este número subiu para 7,44 milhões de pes-soas que se levantaram na luta pela terra, com uma média anual de 744 mil pessoas que participaram de conflitos agrários. Durante o século XXI, isto é, até os tempos presentes, de 2000 a 2014, mais de 10 milhões de camponeses se levantaram na luta pela terra[1]. O agrarismo levou também à predominância das lutas agrário-camponesas sobre as lutas dos operários e funcionários públicos dos centros urbanos ou de pequenas cidades pelo aumento de salários e contra os cortes de direitos por parte das sucessivas gerências de turno. Nos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, houveram 2391 greves por parte da classe operária e do funcionalismo público, ao passo que, no mesmo período, pelos campos brasileiros, eclodi-ram 5097 conflitos agrários, isto é, mais do que o dobro. No último ano de 2014, 817,1 mil camponeses, assalariados agrícolas e povos tradicionais, em 1286 conflitos, se levantaram na luta pela conquista da terra e da água, maior número desde o ano de 2005. Número este, aliás, superando a média anual do número de camponeses que, durante a década de 2000, se envolveram em conflitos agrários[2]. Em meio a todas estas movimentações entre os campos brasileiros, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), cumpriu o papel absolutamente predominan-te nos levantes agrários que aconteceram durante o período em questão; configurando--se, inclusive, como o maior movimento de massas do Brasil na atualidade. Contudo, isso não exclui o nosso reconhecimento do papel importantíssimo que cumpriram outros movimentos rurais que lutam pela reforma agrária. Entre eles, podemos citar o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), o Movimento de Libertação dos Sem Terra (MLST), o Movimento Camponês Popular (MCP), o Movimento Terra Livre (MTL), a Comissão Pasto-ral da Terra (CPT), a Liga dos Camponeses Pobres (LCP), o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o Movimento de Luta pela Terra (MLT), dentre vários outros movimentos agrários e sindicatos rurais que, caso o proletariado brasileiro leve a cabo sua luta revo-lucionária sob uma linha revolucionária correta, dirigido por um genuíno Partido de van-guarda Marxista-Leninista, certamente serão ganhos para a Frente única antiimperialista e anti-feudal, dirigida por este mesmo partido. Diante da necessidade sem precedentes de o proletariado e os comunistas brasileiros se aterem à questão agrária, devemos compreender mais alguns pontos importantes acerca das leis gerais do desenvolvimento agrícola e como esta mesma questão agrária se manifesta nas condições de nosso país.

5.1. AS LEIS GERAIS DO DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO NA AGRICULTU-RA: AS VIAS PRUSSIANA E AMERICANA DO DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA O ponto de partida para entendermos as leis gerais do desenvolvimento do capitalismo na agricultura será a compreensão de como se dá a transição de uma sociedade pré-capita-lista para uma sociedade capitalista. Nas sociedades pré-capitalistas, feudais ou escravistas (excluindo-se aqui explicações preliminares acerca da comunidade primitiva), a economia se encontrava num estágio predominantemente natural, quer dizer, economia onde os pro-dutores diretos consumiam os produtos nos estabelecimentos onde eram produzidos, onde a produção não era voltada para o mercado, isto é, para a venda, mas para a subsistência dos produtores diretos e de suas famílias. O estágio de economia natural das sociedades pré-capitalistas corresponde a um grau extremamente baixo da divisão social do trabalho. Aqui, a produção é divida em unidades econômicas homogêneas, onde os produtores diretos

[1] Dados disponibilizados pela Comissão Pastoral da Terra, nos estudos publicados anualmente com o título de Conflitos no Campo Brasil.[2] Dados disponibilizado pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos - DIEESE, na série Estudos e pesqui-sas, nº 63 e 66, e pela publicação Conflitos no Campo Brasil, da Comissão Pastoral da Terra.

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destas realizam todos os tipos de trabalhos necessários para levar a cabo a produção para o auto-consumo. O camponês de uma sociedade pré-capitalista onde predomina a econo-mia natural e a divisão social do trabalho é muito pouca desenvolvida fabrica, como ferreiro, as enxadas que utiliza para o trabalho na terra, extrai as matérias primas necessárias para a produção por sua própria conta e as beneficia com suas próprias mãos para criar seus instrumentos de produção, etc., ao invés de adquirir estas no mercado. Contudo, com o de-senvolvimento da divisão social do trabalho no seio das sociedades pré-capitalistas, diminui cada vez mais o número de unidades econômicas responsáveis pela produção de maneira autônoma, sem ter de recorrer ao mercado. Cresce cada vez mais o número de estabeleci-mentos econômicos heterogêneos, que se especializam na produção deste ou daquele pro-duto, desenvolve-se a separação entre a agricultura e a indústria extrativa, entre a agricultura e o artesanato. O aprofundamento da divisão social do trabalho tem como consequência o desenvolvimento da economia mercantil simples, isto é, a produção de mercadorias por parte dos produtores diretos que se baseiam no trabalho pessoal (camponeses, artesãos, etc.), pois a especialização das unidades econômicas produtivas cria um mercado para os diferentes tipos de produção, cada unidade econômica de um tipo serve como mercado para a unidade econômica de outro tipo. Numa sociedade baseada na mais completa economia natural e com parco desenvolvimento da divisão social do trabalho, não se poderia sequer pensar no desenvolvimento de uma economia mercantil, dado que aquela impossibilita até mesmo a abertura de mercados para a produção simples de mercadorias[3]. O estímulo ao desenvolvimento da economia mercantil simples leva à concorrência entre os produtores dispersos de mercadorias, onde, à base das leis gerais que regem a eco-nomia mercantil simples, alguns poucos camponeses conseguem inundar mais os mercados com sua produção do que os outros, que arruínam a imensa maioria dos camponeses que não conseguem mais realizar sua produção simples de mercadorias, ou somente o conseguem em condições insuficientes para a manutenção de suas condições de vida e de sua família. Devi-do à impossibilidade de se manterem com o trabalho pessoal nas próprias terras, tais campo-neses mais empobrecidos passam a trabalhar como assalariados, de maneira mais ou menos frequente, na economia destes camponeses mais abastados. Tal é o processo de diferencia-ção no seio do campesinato, isto é, o campesinato, mediante a atuação das leis da economia mercantil, se divide cada vez mais em dois pólos[4]: os camponeses ricos (camponeses mais acomodados que, apesar de também trabalharem como lavradores, empregam trabalhadores assalariados) e os camponeses pobres (camponeses que, não conseguindo se manterem com o trabalho na própria terra, precisam se assalariar nas economias dos camponeses mais abastados). Contudo, tal polarização não implica numa coexistência mais ou menos prolon-gada com a camada dos camponeses médios, que conseguem manter suas condições de existência com o trabalho na própria terra, sem precisarem se assalariar. A polarização entre camponeses pobres e camponeses ricos, na medida em que os primeiros passam a depender cada vez mais do trabalho como assalariados para adquirirem produtos no mercado e os se-gundos passam a depender cada vez menos de trabalharem como camponeses nas próprias terras, se confunde gradualmente com a polarização entre o proletariado rural e a burguesia rural. Aqui, a produção agrícola não mais se organiza no contexto de pequenos produtores proprietários ou arrendatários dos meios de produção (isto é, a terra, o arado, etc.), senhores das próprias condições de produção, que produzem individualmente para escoarem sua pro-dução no mercado. Agora, há, de um lado, os proprietários agrários capitalistas dos meios de produção (da terra e dos meios de produção), e, de outro, proletários ou semiproletários rurais assalariados. O valor da produção agrícola, que é agora inteiramente destinada ao mercado e

[3] Furtaremo-nos, aqui, de explicar algumas das leis que regem a economia mercantil, como a lei do valor e a lei da oferta e da demanda efetiva, por questões puramente didáticas. A compreensão sobre tais leis já se encontra no artigo A Economia Política Marxista, publicado na edição 2 da Revista Nova Cultura.[4] A concorrência não é o único meio de os camponeses ricos arruinarem todo o conjunto restante dos pequenos produtores, proletarizan-do-os. O emprego de métodos de usura também é um poderoso meio para a ruína do campesinato médio.

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não para o auto-consumo, é decomposta em três partes: capital constante (a parte do capital despendida pelos proprietários rurais capitalistas nos meios de produção), capital variável (a parte do capital despendida pelos proprietários rurais capitalistas na manutenção dos salários dos operários agrícolas) e mais-valia (a parte da jornada de trabalho dos operários agrícolas apropriada pelos agrários capitalistas e adicionada como valor à mercadoria final). A lei econômica fundamental que rege o desenvolvimento da produção capitalista é a crescente extração da mais-valia extraordinária[5] do trabalho realizado pelos operários as-salariados na mercadoria. Sendo assim, no contexto em que a produção capitalista domina a agricultura de um país, os capitalistas agrários buscam arruinar os produtores restantes mediante a elevação do nível técnico de suas economias para além do trabalho socialmente necessário. Aqui, há o aumento na composição orgânica do capital[6] no seio da fazenda ca-pitalista. As fazendas capitalistas de nível técnico mais ou menos elevado anexam, mediante as leis da concorrência, os minifúndios anti-econômicos e pouco produtivos dos camponeses pobres. As terras em que os camponeses pobres antes produziam sob forma natural ou de economia mercantil simples, são anexadas pelas fazendas capitalistas e a própria produção no seio da antiga granja camponesa torna-se capital. Tais movimentos passam a mudar o perfil da produção agrícola, anteriormente dispersa em muitos estabelecimentos agrícolas de baixo nível técnico, e agora concentradas em alguns poucos imensos estabelecimentos agrícolas de enorme nível técnico, de elevada composição orgânica do capital - quanto maior torna-se uma fazenda, mais produtiva ela é. O aumento sem precedentes da concentração de terras é, portanto, parte constitutiva da atuação das leis gerais do desenvolvimento do capitalismo na agricultura. Sob o capitalismo, a terra torna-se uma “máquina de fazer dinhei-ro” - esta torna-se cada vez mais produtiva quanto maior é sua concentração, na medida em que se devem aumentar os investimentos em capital constante para se alçar a mais-valia extraordinária do trabalho dos operários agrícolas. Apesar de a atuação das leis gerais da produção capitalista na agricultura ser, no geral, equivalente à atuação destas na indústria, o desenvolvimento do capitalismo na agricultura possui certas particularidades em relação ao desenvolvimento do capitalismo na indústria. Por exemplo, sabemos que o aumento da composição orgânica do capital é uma das carac-terísticas do desenvolvimento do capitalismo na indústria, onde a parte constante do capital sobe relativamente, enquanto a parte variável do capital desce relativamente não somente no seio de uma única empresa, como no conjunto de toda a economia capitalista. Contudo, ape-sar de no seio da indústria haver uma queda relativa de investimentos no capital variável, há um aumento absoluto nos gastos com o capital variável, na medida em que aumentam cada vez mais na sociedade o número de proletários assalariados para servirem às necessidades dos capitalistas, que passam a vender sua força de trabalho como assalariados e a adquirirem no mercado seus meios de subsistência, ao invés de produzi-los por conta própria. O desen-volvimento do capitalismo na agricultura, na medida em que demanda alçar a mais-valia ex-traordinária dos operários agrícolas, abre um mercado para a compra de fertilizantes, tratores, adubação, colheitadeiras, agrotóxicos, etc. das manufaturas dos centros urbanos, levando à dinamização do desenvolvimento do capitalismo nos centros urbanos na medida em que ven-de para as cidades alimentos e matérias primas, e, com os lucros alcançados, adquire meios de produção produzidos pela indústria. Lênin aponta que “o capitalismo urbano provê todos os

[5] O marxismo identificou, ao longo da história da produção capitalista, três formas de mais-valia: a mais-valia absoluta, que é o aumento da mais-valia produzida pelos operários para o capitalista obtida através do aumento absoluto da jornada de trabalho; a mais-valia relativa, que é o aumento da mais-valia produzida pelos operários mediante a elevação do nível técnico da produção, onde a relação entre o trabalho necessário e o trabalho suplementar diminui por conta do aumento relativo do trabalho suplementar; e a mais-valia extraordinária, que é a mais-valia alçada por um ou um punhado de capitalistas mediante a redução do tempo de trabalho socialmente necessário para a produção de uma determinada mercadoria, que condiciona este punhado de capitalistas a conquistarem os mercados e arruinarem os capitalistas restantes por meio da concorrência.[6] Composição orgânica do capital é a relação entre o capital constante e o capital variável investidos numa empresa. À medida em que se desenvolve a produção capitalista, a parte do capital despendida nos gastos com meios de produção se eleva relativamente aos gastos com os salários dos operários.

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recursos da ciência moderna para o desenvolvimento da técnica na agricultura, mas mantém a posição social dos produtores no mesmo nível miserável...”[7] O aumento da composição orgânica na agricultura, assim, leva não apenas à queda relativa dos gastos do capital com a parte variável, como também à queda absoluta dos gastos com o capital variável, pois o au-mento da mecanização, o uso científico do solo, etc., passa a tornar supérfluo o excedente de mão de obra na agricultura, onde esta começa a drenar para os centros urbanos não apenas matérias primas, alimentos e capital excedente, como também mão de obra para os estabe-lecimentos industriais e comerciais. É o processo popularmente conhecido como êxodo rural, de imigração da população das zonas rurais para os centros urbanos. Tal é a maneira como se desenvolve o capitalismo na agricultura e esta passa a servir como apêndice para a dinamização do desenvolvimento do capitalismo nas cidades. Este pro-cesso, contudo, pode se dar sob duas formas diferentes. Eis a maneira como Lenin os descre-ve, referindo-se ao problema do desenvolvimento econômico da Rússia:

“Na atual base econômica da revolução russa, duas vias fundamentais são possíveis para o seu desenvolvimento e desfecho: - ou a antiga propriedade fundiária privada, ligada por milhares de laços à servidão, se conserva e se transforma lentamente em estabelecimento puramente capitalista, do tipo junker. Nesse caso, a base da passa-gem definitiva do sistema de pagamento em trabalho para o capitalismo é a transfor-mação interna da propriedade fundiária baseada na servidão; toda a estrutura agrária do Estado se torna capitalista, conservando por muito tempo traços feudais; - ou o antigo latifúndio é destruído pela revolução, que liquida com todos os vestígios da ser-vidão, especialmente o regime da grande propriedade fundiária. Nesse caso, a base da passagem definitiva do sistema de pagamento em trabalho para o capitalismo é o livre desenvolvimento da pequena produção camponesa, que recebe grande impulso com a expropriação dos latifúndios em benefícios dos camponeses; toda a estrutura agrária se torna capitalista, pois a decomposição do campesinato se processa tanto mais rapidamente quanto mais plena é a destruição dos vestígios da servidão...”[8]

A primeira forma de desenvolvimento do capitalismo na agricultura, onde este se dá de forma muito mais lenta devido à forte sobrevivência dos restos feudais, chama-se via prussiana ou via reformista do desenvolvimento do capitalismo. Tal foi o caminho de desenvolvimento do ca-pitalismo seguido por países como Espanha, Rússia, Itália, Japão, Alemanha, e outros, ainda que todos estes países (com exceção da Espanha) tenham passado por reformas agrárias de tipo bur-guês - que retalharam os latifúndios em pequenas propriedades camponesas - após a Segunda Guerra Mundial. A segunda forma de desenvolvimento do capitalismo na agricultura, onde o fim da obrigação ao pagamento de rendas para os latifundiários por parte do campesinato e a expro-priação dos latifúndios (isto é, a destruição cabal do feudalismo) resulta num enorme estímulo ao desenvolvimento da economia mercantil simples dos camponeses e à sua rápida transformação em economia mercantil capitalista, chama-se via americana ou via revolucionária do desenvolvi-mento do capitalismo. Tal foi o caminho de desenvolvimento do capitalismo seguido por países como Estados Unidos, Holanda, França e outros (além dos antigos países de “via prussiana” que adotaram este segundo caminho de maneira tardia), bem como por antigos países socialistas ou de democracia popular, como a União Soviética, China, República Popular Democrática da Co-reia, Cuba, Alemanha democrática, Albânia, etc., que utilizaram a reforma agrária de tipo burguês por meio da via americana do desenvolvimento, como forma de dinamizar o desenvolvimento das forças produtivas internas e garantir a transição para a sociedade socialista. Observemos, agora, como todas estas leis se manifestam sob as condições concretas de nosso país.

[7] LENIN, Vladimir Ilich. O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia, p. 229. [8] LENIN, Vladimir Ilich. O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia, p. 10.

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5.2. O COMPORTAMENTO DA AGRICULTURA LATIFUNDIÁRIA BRASILEIRA DIAN-TE DAS LEIS GERAIS DO DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA

5.2.1. AS RELAÇÕES DE PRODUÇÃO NOS CAMPOS BRASILEIROS E A SITUAÇÃO DOS PRODUTORES DIRETOS Quais são as relações de produção predominantes no campo brasileiro? Dados do Mi-nistério do Desenvolvimento Agrário de 2011 dão conta de dizer que 54% do campesinato bra-sileiro (que em sua imensa maioria são camponeses pobres, ou seja, também assalariados sazonais) não possui pedaço algum de terra, sendo esta camada, portanto, obrigada a trabalhar como meeiros, rendeiros, porcenteiros, comodatários, posseiros[9] e sob demais formas feu-dais e semifeudais de produção e exploração. Somente 2,9% são assentados do programa de pseudo-reforma agrária, 39% são proprietários e o restante possui acesso à terra através de outras maneiras, também feudais ou semifeudais em sua maior parte[10]. Verificamos, portanto, o predomínio das relações de produção de tipo feudal pelas regiões rurais do país. No conjunto das relações de produção feudais que vigoram nos campos brasileiros, cabe notar também as formas de exploração análogas ao semi-feudalismo que se dão até mesmo sobre os campo-neses proprietários da própria terra, como a exploração mediante o atravessamento, onde o capital comercial impõe baixos preços à produção camponesa por conta da falta de mercados para o escoamento da produção dos camponeses, impedindo o livre desenvolvimento da eco-nomia mercantil simples e sua consequente transformação em economia mercantil capitalista; a exploração mediante a usura, onde através da concessão de empréstimos a elevadas taxas de

[9] Meeiro: Lavrador sem terra que trabalha terra alheia entregando metade da produção final ao proprietário da terra que trabalha pelo direi-to de usufruir desta; Rendeiro: Lavrador sem terra que trabalha terra alheia entregando ao proprietário fundiário uma determinada quantida-de de dinheiro previamente determinada pelo direito de usufruir desta; Porcenteiro: Lavrador sem terra que entrega ao proprietário fundiário uma porcentagem da produção pelo direito de usufruir da terra; Comodatário: Lavrador sem terra agregado à terra alheia e submetido a alguma obrigação em trabalho pelo direito a usufruir da terra (trata-se da forma mais arcaica de feudalismo, a corveia); Posseiro: Lavrador sem terra que ocupa terra de terceiro para trabalhá-la e garantir suas condições, trata-se de uma forma intermediária de exploração da terra entre o feudalismo e o capitalismo - da mesma forma que o posseiro não é um camponês feudal pois não está submetido ao pagamento de uma renda, não é um camponês de tipo burguês pelo fato de não ser proprietário da terra que cultiva. Trata-se de uma forma, portanto, semifeudal de exploração do campesinato. [10] Revista Princípios, nº 125, edição de junho-julho de 2013, p. 35.

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juros para os lavradores, muitos se endividam e não raro pagam seus empréstimos em espécie. Através da usura, também, o endividamento leva muitos lavradores a perderem as terras que possuem em propriedade e a se reduzirem à condição de arrendatários. Exploração análoga ao semi-feudalismo, ainda existente de forma generalizada, é também a coação extra-econômica sobre os operários agrícolas brasileiros, como a presença da peonagem ou das relações do barracão, onde ao serem forçados a consumirem produtos nos estabelecimentos dos próprios latifundiários, pagam preços que são superiores ao que ganham com os salários e se endividam nas fazendas latifundiárias, atando-se à terra mediante o endividamento. Como se encontram as condições da massa dos produtores diretos nas regiões rurais do Brasil diante da organização geral da produção? Dos 16.414.728 postos de trabalho na agricultura brasileira, 12.810.591 (os produtores diretos individuais constituem 78% da massa dos produto-res diretos do campo brasileiro)[11] são ocupados por produtores que produzem de forma familiar, isto é, por produtores individuais atados à pequena produção, sob forma natural ou de economia mercantil simples, o que indica o baixo grau de desenvolvimento do capitalismo no campo de nos-so país. Contudo, quais critérios tornam a esmagadora maior parte dos camponeses brasileiros como camponeses pobres, mesmo com um grau tão pequeno de assalariamento? Em que medi-da a existência de camponeses pobres nos países semicoloniais pode ser compreendida como reflexo da penetração do capitalismo no campo? Compreendemos que os dados fornecidos pelo Censo Agrário do IBGE de 2006 são limitados no que se referem a esta questão, pois não conse-guem responder quantos camponeses individuais deixam o trabalho como produtores individuais para se assalariarem temporariamente, diante da impossibilidade de manterem seu sustento com o trabalho individual. Ao contrário do que ocorre nos países capitalistas, em nosso país, o elevado número de camponeses pobres (semi-proletários) não está relacionado ao desenvolvimento do capitalismo no campo. Na necessidade de açambarcar nossos produtos agrícolas, o imperialismo estrangeiro estabeleceu no campo brasileiro imensas plantations, de cana de açúcar, café, den-dê, algodão, soja, etc. passando a demandar a mão de obra barata dos camponeses brasileiros, reduzindo-os à condição de camponeses pobres que se assalariam temporariamente, e impedin-do o desenvolvimento da economia mercantil simples nos campos brasileiros diante da drenagem para o exterior do capital excedente auferido na agricultura latifundiária.

5.2.2. CONCENTRAÇÃO DA PRODUÇÃO, CARACTERIZAÇÃO TECNOLÓGICA E RELAÇÕES CIDADE-CAMPO NO BRASIL Afirmamos anteriormente que o aumento da concentração de terras como fruto da con-centração da produção é uma das características do desenvolvimento do capitalismo no campo. Em que medida se dá a concentração de terras no campo brasileiro? Dados elaborados acerca do problema[12] permitem-nos fazer o seguinte panorama: Nos campos brasileiros, há 5.181.645 imóveis rurais, ocupando 571.740.919 hectares. Daqueles, há 1.744.540 imóveis rurais inferiores a 10 hectares (extensão média: 4,7 hectares), ou 33,7% dos imóveis rurais brasileiros, operando apenas 1,4% das terras. Há 1.316.237 imóveis rurais infe-riores a 25 hectares (extensão média: 16,2 hectares), ou 25,4% dos imóveis rurais brasileiros, operando apenas 3,7% das terras. Assim, observamos que 59,1% dos imóveis rurais brasileiros operam apenas 5,1% das terras, acusando a predominância dos minifúndios e pequenas pro-priedades anti-econômicas, contradizendo a lei do capitalismo segundo a qual o capital maior tende a engolir o capital menor. Porém, a mesma fonte nos fornece a informação de que apenas 0,8% dos estabelecimentos agrícolas (de mais de 2000 hectares) operam 42,5% das terras. 3,2% dos estabelecimentos agrícolas (superiores a 500 hectares) operam 62,6% das terras. Poderíamos, a partir daí, concluir que a grande concentração de terras que se verifica no campo brasileiro seria reflexo do desenvolvimento do capitalismo?

[11] Censo Agropecuário do IBGE, 2006.[12] Os dados acerca da concentração de terras no Brasil foram retirados do Sistema Nacional de Cadastro Rural publicado pelo INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), no ano de 2009.

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Dissemos mais atrás que “As fazendas capitalistas de nível técnico mais ou menos elevado anexam, mediante as leis da concorrência, os minifúndios anti-econômicos e pouco produtivos dos camponeses pobres. O que os camponeses pobres antes produziam sob forma natural ou de economia mercantil simples, é anexada pelas fazendas capitalistas e a própria produção no seio da antiga granja camponesa torna-se capital. [...] da produção agrícola, anteriormente dispersa em muitos estabelecimentos agrícolas de baixo nível técnico, e agora concentradas em alguns poucos imensos estabelecimentos agrícolas de enorme nível técnico, de elevada composição orgânica do capital - quanto maior torna-se uma fazenda, mais produtiva ela é”. Eis a característica da concentração de terras sob o capitalismo. Observemos como a estrutura agrária se comporta diante de tal lei. Os latifúndios brasileiros e companhias transnacionais estrangeiras, que compõem apenas 3,2% dos estabelecimentos agrícolas (de acima de 500 hectares), operam 62,6% das terras, ao passo que os camponeses pobres, médios e ricos, bem como a burguesia rural (conjunto este que se situa nos estabelecimentos inferiores a 100 hectares), operam apenas 17,1% das terras. Os grandes proprietários rurais recebem mais de 70% dos cré-ditos na agricultura, enquanto que os proprietários de menos de 100 hectares recebem menos de 30% dos créditos agrícolas. Contudo, destes estabelecimentos com menos de 100 hectares de extensão, apenas 5% recebem menos de 30% dos créditos agrícolas for-necidos para a “agricultura familiar”[13]. Contudo, de onde vem a produção agrícola no Brasil? Estes camponeses, assalariados agrícolas e capitalistas do campo, ainda que enfurnados em apenas 17% das terras e rece-bendo menos de 30% dos créditos agrícolas, são responsáveis por: 67% da produção nacional de feijão; 97% do fumo; 84% da mandioca; 31% do arroz; 49% do milho; 52% do leite; 59% do rebanho suíno; 40% das aves e dos ovos; 25% do café; 32% da soja; mais de 50% da produ-ção nacional de batata-inglesa, tomate, ágave, algodão arbóreo, banana, cacau, caju, coco, guaraná, pimenta do reino, uva e a maioria absoluta dos hortifrutigranjeiros. Mais de 70% dos alimentos que abastecem os centros urbanos brasileiros vêm destas propriedades. Esta imen-sa maioria de minifúndios e pequenos e médios estabelecimentos, enfurnados em 17% das terras e recebendo menos de 30% dos créditos agrícolas, fornecem quase metade da rique-za bruta produzida no campo[14]. Comparando-se a produtividade média por hectare de uma granja inferior a 100 hectares com um latifúndio de mais de 1000 hectares, a produtividade da primeira é R$667,00 por hectare, ao passo que a produtividade da segunda (R$358,00 por hectare) despenca para quase metade da produtividade da primeira[15]. 82% das propriedades inferiores a 100 hectares geram lucro, ao passo que apenas 69% das propriedades “patronais” (latifúndios de mais de 1000 hectares) geram lucro[16]. De que se ocupam, pois, as grandes propriedades no Brasil? Mais de 70% da área dos latifúndios no Brasil, de mais de 1000 hectares, permanecem deitadas improdutivas, utilizadas de maneira parasitária com fins de especulação e enriquecimento pessoal dos proprietários agrários, não com o fim de se estabelecer modernas agroindústrias capita-listas. Os menos de 30% da área das propriedades de mais de mil hectares permanecem ocupadas por alguns poucos gêneros de exportação, como cana de açúcar, milho e soja. A criação de gado de maneira extensiva (a pecuária extensiva é responsável pela criação de 93% do rebanho bovino no Brasil) para a exportação de carnes é também um dos usos pro-dutivos dos grandes latifúndios no Brasil. Na verdade, pseudo-produtivos se levarmos em conta o caráter extremamente atrasado da criação bovina em nosso país, cuja produtividade é de apenas uma cabeça de gado por hectare. Observando as três principais culturas lati-fundiárias citadas - cana de açúcar, soja, e milho -, constatamos que, de 1996 a 2006, estas

[13] UMBELINO, Ariovaldo. A Longa Marcha do Campesinato Brasileiro, p. 189.[14] Idem.[15] Revista Princípios, nº 125, edição de junho-julho de 2013, p. 35.[16] A Mistificação burguesa do campo e a atualidade da Revolução Agrária, artigo publicado na edição nº 1 do Jornal A Nova Democracia.

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tiveram um aumento, respectivamente, de 33,3%, 69,3% e 12,2% da área colhida, ao passo que o rendimento médio por hectare destas culturas aumentou, respectivamente, 10,9%, 11,5% e 47,7%, ou seja, o aumento da produção por meios latifundiários, pré-capitalistas, teve um aspecto muito maior do que o aumento da produção por meios capitalistas - somen-te o milho constitui uma exceção importante a este fato. As leis do desenvolvimento (ou anti-desenvolvimento) da agricultura latifundiária no Brasil contradizem as leis gerais do desenvolvimento do capitalismo na agricultura, que estabelece a concentração dos grandes e modernos meios técnicos, do uso científico solo e da enorme produtividade em alguns poucos gigantescos estabelecimentos agrícolas. Ao contrário da concentração de terras que se dá no contexto do sistema capitalista, que leva com que quanto maior seja uma fazenda, mais produtiva ela seja, no Brasil a produtividade média de uma fazenda é inversamente proporcional a sua extensão territorial. Quanto me-nor uma fazenda, mais produtiva ela é, dentro de nosso contexto. Observamos também que o grosso da produção agrícola em nosso país permanece dispersa em parcelas pequenas e anti-econômicas de terras, produção esta levada a cabo por pequenos agricultores, ao invés de agroindústrias operadas em bases capitalistas. Se constatamos através de vários fatos o caráter semifeudal, pré-capitalista da agricultura brasileira, e ainda assim obser-vamos em nosso país a enorme concentração de terras, de que maneira as propriedades teriam obtido tamanho nível de concentração, principalmente se levarmos em conta que as imensas propriedades agrícolas improdutivas, sem nenhum uso, ao invés de diminuírem, vem aumentando sem precedentes sua extensão (a área ocupada por terras improdutivas aumentou, de 133,7 milhões de hectares, em 2003, para 228,5 milhões de hectares, em 2010!)? Observamos os seguintes motivos: 1) Os latifundiários brasileiros são herdeiros feudais das velhas sesmarias estabelecidas pelo sistema colonial português. Mesmo após o fim do colonialismo português e o estabelecimento do sistema semicolonial em 1822, os latifundiários não foram expropriados de seus imensos domínios territoriais. A Lei de Ter-ras de 1850, que estabelecia que as terras a partir de então só poderiam ser obtidas por meio da compra, num contexto onde a imensa maioria da população estava desligada do sistema mercantil, impediu o acesso à terra por parte dos camponeses e o mantimento da terra como meio de manutenção do poder das grandes oligarquias rurais; 2) O aumento da concentração de terras no Brasil se dá quase que exclusivamente por meio de formas pré--capitalistas de acumulação de capital, isto é, por meio da acumulação primitiva que separa o produtor direto dos meios de produção, não por meio de acumulação capitalista que leva a cabo a reprodução ampliada do capital e aumenta a produtividade por hectare das gran-des fazendas, transformando em capital a produção anteriormente natural ou simples dos minifúndios ou pequenas propriedades anexados à grande propriedade. Que temos a dizer, pois, da caracterização tecnológica da agricultura brasileira? O aumento do uso de tecnologias modernas na agricultura, como maquinários (tratores, colheitadeiras, etc.), fertilizantes, adubação, irrigação, etc. constitui uma das principais conse-quências do desenvolvimento do capitalismo agrícola em um dado país. Contudo, num país tão imenso como o nosso, o emprego de tecnologias modernas no campo ainda permanece extremamente fraco, e mais fraco ainda se comparamos o uso destas no Brasil com outros paí-ses. Dos cerca de 5,4 milhões de estabelecimentos agropecuários no país, somente 1% possui colheitadeiras agrícolas, 9,97% possui tratores, e 38% utilizam fertilizantes. O único indicador de uma maior modernização agrícola seria o uso de agrotóxicos - e, ainda assim, modernização extremamente ligada ao imperialismo estrangeiro através da dependência de importações de agrotóxicos ou da produção autóctone destes com colaboração estrangeira -, que já cobre mais de 60% dos estabelecimentos agrícolas no país. São cerca de 788 mil tratores distribuídos entre estes 9,97% de estabelecimentos agropecuários. Contudo, destes 788 mil tratores, cerca de 591 mil, ou 75% deles, se concentram nas regiões sul-sudeste, que compõem somente 30% das terras voltadas para atividades agropecuárias, e os restantes 25% estão dispersos nas regiões norte, nordeste e centro oeste, que compõem 70% das terras voltadas para a agropecuária: 75%

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dos tratores estão concentrados em menos de 30% das terras agricultáveis! Tal situação fica ainda mais escancarada se observamos as discrepâncias de desenvolvimento que existem no seio das próprias regiões mais avançadas do ponto de vista do desenvolvimento do capitalismo na agricultura. Atenhamo-nos ao caso do Sudeste. O estado de Minas Gerais, ainda que possua 59,1% das terras agricultáveis da região sudeste, possui somente 37,1% dos tratores do Sudes-te, ao passo que São Paulo, com apenas 31,8% da área agricultável total do Sudeste, possui 54,5% dos tratores da região sudeste! Admitindo que a totalidade dos 788 mil tratores presentes nos estabelecimentos agrícolas brasileiros são utilizados em forma de arado mecânico (não o são, embora não tenhamos conseguido informações acerca da proporção dos 788 mil tratores que são utilizados em forma de arado mecânico), comparemos com outras formas de aragem da terra presentes no Brasil. O Censo Agrário do ano de 1996 acusa a presença de 1,34 milhão de arados puxados a tração animal. Somando este número ao número de tratores (supondo que o número de arados tenha se conservado o mesmo de 1996 para cá, e não tenha aumentado), observamos que a força de tração animal representa 62,9% da força da força de tração total ve-rificada no Brasil, o que constata que a mecanização agrícola no Brasil constitui ainda um fator secundário se levarmos em conta o trabalho humano e animal predominante nos trabalhos agrí-colas do país. Ponhamo-nos, pois, a comparar nossa situação com de outros países. Enquanto, no ano de 2006, a tração animal representava 62,9% da força de tração total verificada na agri-cultura do país, já no ano de 1960 (sim, 1960!), ela representava, na Dinamarca, França, Alema-nha Ocidental, Holanda e Estados Unidos, respectivamente, 21%, 40%, 24%, 40% e 9%[17]. Os Estados Unidos, já no ano de 1954, possuía tratores em ao menos de 53% de seus estabeleci-mentos agrícolas[18]. Já no ano de 1965, os Estados Unidos atingiram saturação tecnológica em sua agricultura, quando o número de tratores em seus estabelecimentos agrícolas alcançaram 4,78 milhões de unidades, e, em 1960, este já possuía em seus estabelecimentos agrícolas 1,04 milhão de colheitadeiras[19] (somente lembrando que, no ano de 1960, o Brasil possuía cerca de 63 mil tratores em seus estabelecimentos agrícolas, número que, apesar de haver evoluído para 788 mil, permanece extremamente pequeno se comparamos ao grau de desenvolvimento agrícola dos Estados Unidos e outros países capitalistas). Porém, isso não é ainda suficiente. Até mesmo em comparação com outros países semicoloniais e semifeudais, a agricultura de nosso país se encontra atrasada. Comparemo-nos com um país como a Índia. Esta, ainda que possuindo uma extensão territorial quase três vezes inferior ao de nosso território, utilizava em sua agricultura, já nos anos 2000-2001, cerca de 2,6 milhões de tratores[20], número quase qua-tro vezes superior ao nosso número de tratores, falando em termos absolutos[21]. A irrigação também é outro ponto importante para medirmos o nível do desenvolvimento do capitalismo na agricultura de um país. Embora tenha aumentado em 39% o número de es-tabelecimentos agrícolas irrigados e em 42% a área irrigada de 1996 para 2006, aumento este que, de fato, não pode ser desconsiderado, seu uso permanece ainda ínfimo na agricultura brasileira. Mesmo com este aumento, seu uso se estende a apenas 6,3% dos estabelecimen-tos agrícolas do país, cobrindo apenas 4,45 milhões de hectares, ou 7,4% da área de lavouras temporárias ou permanentes do país. E quanto ao uso de fertilizantes? Presentes em 38% dos estabelecimentos agropecuários do país, o seu grau de concentração na agricultura brasileira também é semelhante ao dos tratores, comparando a região sul-sudeste com o resto do país. O Brasil consome anualmente cerca de 10 milhões de toneladas de fertilizantes. É o quarto maior consumidor do mundo, atrás da China, Índia e Estados Unidos, respectivamente, responsável por 6% do consumo mundial, embora em termos de produção responda por apenas 2% da produção mundial. Dividindo o uso de fertilizantes pela lavoura total de 76 milhões de hectares, obtemos uma média de 132 quilogramas por hectare, con-

[17] GUIMARÃES, Alberto Passos. Quatro Séculos de Latifúndio, p. 249.[18] Manual de Economia Política - Academia de Ciências da URSS. 1961: Editora Vitória, p. 319.[19] GUIMARÃES, Alberto Passos. A Crise Agrária, p. 173.[20] Vanguard Magazine, edição indiana de abril de 1983, p. 25. Disponível em <http://bannedthought.net/India/Vanguard/index.htm>.[21] Revista Princípios, nº 125, edição de junho-julho de 2013, p. 11.

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sumo ainda pífio se compararmos com países como a Holanda, que quase 50 anos atrás possuía uma utilização de fertilizantes de 610 quilogramas por hectare, ou com a Bélgica com 520 quilo-gramas por hectares, ou a Nova Zelândia com 503 quilogramas por hectare, ou o Japão com 354 quilogramas por hectare. Lembrando ao leitor que todos estes são dados da década de 1960![22] O uso sementes geneticamente melhoradas possui também um papel importantíssimo no desenvolvimento agrícola de todos os países. Permite aumentar a produtividade por hec-tare das lavouras e é, da mesma maneira, um importante critério para medirmos o nível de desenvolvimento do capitalismo no campo. O Brasil possui, atualmente, a segunda maior área de lavoura do mundo plantada com sementes transgênicas, 30 milhões de hectares. No ano de 2013, a área de grãos plantados com sementes transgênicas superou a área plantada com sementes não-transgênicas[23]. Tais fatos têm sido expostos por várias personalidades no seio do movimento popular como um avanço do capitalismo no campo brasileiro, em detrimento do feudalismo e demais formas de produção pré-capitalistas. Embora cubra apenas cerca de 39,4% da área de lavoura do país, o uso de sementes transgênicas tem sido incentivado pelo imperialismo estrangeiro, o que nos leva a concluir que o uso de sementes transgênicas tenderá a aumentar em nosso país nos próximos anos. Porém, em que medida o seu uso nos permite concluir que isso representa um avanço do capitalismo em detrimento do feudalismo? Estaria o imperialismo estrangeiro incentivando o Brasil a desenvolver o capitalismo no campo? Se nos detivermos melhor no problema em questão, concluiremos que o uso de transgênicos no Brasil possui as seguintes características: 1) as sementes transgênicas no Brasil são modificadas geneticamente para não fazerem nascer novas sementes ao nascer uma nova colheita, man-tendo o campesinato e os capitalistas agrários brasileiros, assim, dependentes da tecnologia de sementes das transnacionais estrangeiras; 2) os transgênicos são modificados geneticamente para suportarem elevados volumes de agrotóxicos sem que a lavoura morra, estando ligados à necessidade, portanto, de manter o Brasil como mercado consumidor da produção imperialista estrangeira de agrotóxicos e demais insumos químicos nocivos à saúde; 3) o uso de sementes transgênicas está extremamente concentrado em três culturas principais: milho, soja e algo-dão. Por estes motivos citados, podemos concluir que, ao contrário do que é equivocadamente propagado, de o uso de transgênicos estar associado ao avanço do capitalismo na agricultura brasileira, dizemos que está extremamente ligado à dominação imperialista estrangeira que, ao contrário, retrai o desenvolvimento do capitalismo nos centros urbanos brasileiros para dinami-zar o desenvolvimento do capitalismo nos centros urbanos dos países capitalistas. Como se dão as relações entre a cidade o campo no seio do sistema capitalista? O de-senvolvimento do capitalismo num dado país leva a nada mais do que uma subordinação da agricultura à indústria onde, em tal processo, a agricultura fornece para a indústria nacional e para os estabelecimentos comerciais a força de trabalho “libertada” da agricultura, matérias pri-mas e alimentos para o abastecimento da classe operária e da população urbana em geral. Em tal processo de desenvolvimento do capitalismo na agricultura, o capital agrícola excedente na agricultura é drenado para as cidades através da aquisição de fertilizantes, irrigação, tratores, colheitadeiras, combustíveis e demais instrumentos de produção necessário para o desenvol-vimento do capitalismo na agricultura. A drenagem do excedente agrícola para as cidades, na medida em que adquire tais meios de produção, contribui também para a dinamização do desenvolvimento do capitalismo nos centros urbanos (o que é aqui escrito não deve ser con-fundido com a teoria reacionária da suposta “harmonia de interesses” entre a cidade e o campo no seio do capitalismo. No capitalismo, há uma oposição antagônica entre a cidade e o campo, oposição esta na qual, no processo de troca mercantil de excedentes entre a agricultura e a

[22] Dado retirado do estudo Scope, Progress and Constraints of Farm Mechanization in India, disponível em <http://agricoop.nic.in/Farm%20Mech.%20PDF/05024-03.pdf>.[23] Apesar de a Índia superar o Brasil em termos absolutos de mecanização agrícola, esta permanece muitas décadas atrás de nós em ter-mos relativos. Os cerca de 2,6 milhões de tratores utilizados na agricultura indiana são contrabalanceados pelos cerca de aproximadamente 58 milhões de arados puxados a tração animal, o que significa que a força de tração animal na agricultura indiana corresponde por quase toda a força de tração total, 95,7%, número este que aumenta ainda mais se levarmos em conta o peso do trabalho humano na aragem das terras.

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indústria, sempre há um déficit comercial para a agricultura que acaba gerando grande atraso da agricultura em relação à indústria em todos os países. Já dizia o próprio Lenin que, no início do século XX, nos países capitalistas europeus a agricultura se encontrava ainda no atrasado estágio manufatureiro), tal é o significado da subordinação da agricultura à indústria no capita-lismo. Assim, a ligação econômica mercantil entre a cidade e o campo é um importante critério, também, para medirmos o grau de desenvolvimento do capitalismo no campo de um país. Em que medida isto estaria se dando no Brasil? Observemos o caso do consumo de fertilizantes no Brasil. Ainda que sendo o quarto maior consumidor mundial deste insumo, as importações são responsáveis por 73% do consu-mo nacional de fertilizantes nitrogenados, 45% do consumo de fertilizantes fosfatados, e 90% do consumo de fertilizantes de potássio. E, quanto aos 27% de consumo de fertilizantes nitro-genados, 55% do consumo de fertilizantes fosfatados e 10% de consumo de fertilizantes de potássio cobertos pela produção autóctone, vejamos como ela está organizada. Somente duas empresas monopolizam quase toda a produção autóctone de fertilizantes nitrogenados, que são a Vale do Rio Doce e a Petrobras. Sabemos que a Vale do Rio Doce, privatizada pelo vende-pátria Fernando Henrique Cardoso durante a década de 1990, não foi apenas privatizada, mas também desnacionalizada. O controle acionário da Vale se encontra em 63% nas mãos de acionistas estrangeiros. A Petrobras também, empresa meio-estrangei-ros, possui 35% do seu controle acionário nas mãos do imperialismo norte-americano - 35% das suas ações estão negociadas na bolsa de Nova York. Na produção interna de fertilizantes fos-fatados, as seguintes empresas a dominam: Copebrás, Vale do Rio Doce, Timac, Yara, Galvani, Cibrafertil, Fospar, Profertil, Heringer e Bunge. A Copebrás foi adquirida pela Anglo American no ano de 1985, já se trata, portanto, de uma empresa norte-americana.

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Já comentamos sobre o controle acionário da Vale, 2/3 estrangeiro. A Timac AGRO foi adquirida em 100% pelo grupo empresarial francês Roullier no ano de 1999. Yara é uma empresa norueguesa, que em agosto de 2014 adquiriu o controle de 60% da Galvani por 318 milhões de dólares. A empresa Cibrafertil, de Camaçari, foi adquirida em 2012 pela norte ame-ricana Omimex INC (empresa estrangeira, portanto). Bunge é uma empresa norte-americana, e a terceira maior empresa exportadora do pais. Provavelmente, a Fospar é a única empresa nacional a tomar parte na produção interna (é uma sociedade anônima, portanto não possuí-mos ainda elementos para afirmarmos que é de fato uma empresa realmente brasileira, mas, por via da conveniência consideremos esta como uma empresa brasileira). Não obtivemos informações para a Profertil e Heringer. Somente a Vale do Rio Doce domina quase toda a produção interna de fertilizantes de potássio. Portanto, observemos. Das onze empresas que controlam toda a produção de fertilizantes no Brasil, cinco são 100% estrangeiras. Duas são predominantemente es-trangeiras. Uma é parcialmente estrangeira. Somente uma é nacional, as duas restantes não obtivemos informações[24]. Quanto ao consumo de outros insumos por parte da agricultura brasileira, também o consumo de tratores, colheitadeiras, agrotóxicos, adubação, etc. é coberto quase que inteiramente por importações ou pela produção autóctone com colaboração estrangeira (tal como o consumo de fertilizantes). Até mesmo o uso de sementes transgênicas em nossa agricultura está ligado à necessidade do imperialismo de drenar o capital agrícola excedente aqui auferido para o exterior, na forma de importação de agrotóxicos e paga-mento de royalties. Podemos concluir, portanto, que a relação econômica entre a cidade e o campo é, em nosso país, quebrada por conta da dominação imperialista e pela presen-ça predominante de imensos latifúndios improdutivos. Ao contrário do que ocorre em um sistema capitalista, o capital excedente auferido pela agricultura brasileira não é drenado para os centros urbanos, mas para o exterior sob forma de importações e pagamento de royalties, impedindo a formação do capitalismo nos centros urbanos brasileiros. Dado que a agricultura em forma de monoculturas voltada para exportação é a maior consumi-dora de tais insumos, podemos concluir o quanto os latifundiários e o agronegócio estão ligados ao imperialismo estrangeiro, ao passo que os agentes realmente responsáveis pela ligação econômica entre a cidade e o campo, que são os camponeses e a burguesia rural, são entravados, criminalizados e boicotados de todas as maneiras por conta da condição semicolonial de nosso país.

5.2.3. CONCLUSÕES Finalizando nosso estudo acerca do problema em questão, delineamos as seguintes conclusões acerca dos traços fundamentais que caracterizam o campo brasileiro:

- Predominância das relações feudais e semi-feudais de produção nas zonas rurais;- Predominância de vastos latifúndios improdutivos, utilizados com fins de especulação ou arrendamento;- Atraso técnico predominante;- Atraso cultural dos produtores diretos;- Aumento da produção por meios principalmente extensivos, com o aumento do rendimen-to por hectare cumprindo um papel secundário no desenvolvimento agrícola;- Produção dispersa em pequenas parcelas de terra;- Produção agrícola voltada principalmente para a exportação;- Baixa complementariedade entre a geração de excedentes na agricultura e o desenvolvi-mento da indústria nacional.- Falta de mercados para o escoamento da produção camponesa, que tem seu desenvolvi-mento entravado pela ação de atravessadores.

[24] Estudo disponível em: <http://www.anda.org.br/multimidia/investimentos.pdf>

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6. QUESTÕES POLÍTICAS ACERCA DA ORGANIZAÇÃO DAS MASSAS CAMPONESAS Quanto às questões necessárias para organizarmos os camponeses na tarefa histórica de concluir a Revolução Agrária, deve-se ter uma linha política correta, para não recairmos em erros já cometidos no passado. Nos momentos atuais, delineiam-se as seguintes classes e camadas sociais no meio rural brasileiro: 1) camponeses pobres; 2) camponeses médios; 3) camponeses ricos; 4) proletariado rural; 5) burguesia rural; 6) classe latifundiária. Frente a tal configuração, podemos tirar as seguintes conclusões acerca de como mobilizar corretamente as massas rurais: Os principais aliados do proletariado em sua luta pela revolução agrária são os camponeses pobres, por serem não apenas a camada mais numerosa das massas rurais brasileiras, como também por ser a camada do meio rural que mais se aproxima do proleta-riado. No geral, são arrendatários de terras alheias, ou podem possuir alguma nesga de terra insuficiente para sua manutenção e de sua família. Não conseguindo se manter como peque-nos produtores, assalariam-se temporariamente nas vastas plantations de cana de açúcar, nas fazendas de gado, nas roças de grandes latifundiários, nas economias dos camponeses ricos, etc. Tal camada do campesinato se encontra quase sempre com um pé no pauperis-mo, constituindo os semi-proletários do campo brasileiro - junto com o proletariado rural, é a camada mais revolucionária das zonas rurais, a menos tendente a ter ilusões e vacilações pequeno-burguesas. O campesinato pobre e os proletários do campo, atualmente, constituem a principal base social do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), bem como da esmagadora maioria dos movimentos de massa camponeses. Os camponeses médios, camada forma pelos produtores individuais que vivem do próprio trabalho, não se assalariam e não exploram o trabalho assalariado alheio (embora possam, em certa medida, arrendar parte de suas terras para os camponeses pobres), são também um importante aliado da Re-volução Agrária, embora estes também se dividam em várias subcamadas conforme estejam mais ou menos próximos do campesinato rico ou dos camponeses pobres semi-proletários. A primeira camada, mais próxima dos camponeses ricos, formada por lavradores mais prós-peros que conseguem escoamento para sua produção e acumulam maiores quantidades de dinheiro, tendem a ter uma posição vacilante com relação à revolução agrária: São os que mais facilmente acreditam em mentiras propagadas por latifundiários, de que “os comunistas querem tomar a terra de todo mundo!”, ou que “o MST é um movimento de bandidos, bader-neiros e vagabundos!”. Tal camada também tende a se acomodar e se iludir com o sistema semicolonial e semifeudal, com linhas de crédito para médios produtores fornecidas pelo go-verno reacionário, etc. A segunda camada, formada pelos camponeses médios cuja situação está mais próxima da dos camponeses pobres, vive uma série de incertezas acerca do dia de amanhã. Tendo de acumular enormes dívidas com bancos ou usurários e lavrando suas terras com meios técnicos atrasadíssimos e, não raro, fatores de ordem natural varrem suas lavou-ras e matam seus rebanhos de fome, levando as terras dos camponeses médios a serem penhoradas, a serem vendidas em leilão. A última seca de 2011-2013 no sertão do Nordeste e no norte de Minas Gerais reduziu à condição de camponeses pobres uma enorme camada de camponeses médios, através do endividamento. Apesar de também possuir uma série de ilusões pequeno-burguesas, sua maior proximidade com a situação dos camponeses pobres, sua iminente proletarização, tor-na esta camada inferior dos camponeses médios mais sensível à propaganda da Re-volução Agrária. Portanto, em nossa propaganda pela Revolução Agrária, devemos nos apoiar principalmente no proletariado rural, nos camponeses pobres e na camada infe-rior dos camponeses médios. E quanto à situação dos camponeses ricos e da burguesia rural? Os primeiros são camponeses abastados que, ainda que também exerçam trabalhos como produtores indi-viduais, empregam trabalhadores assalariados, arrendam terras para lavradores pobres, e podem explorar outros camponeses, também, através da usura e do atravessamento. Os camponeses ricos constituem, portanto, elementos ao mesmo tempo camponeses, semi-capitalistas e semi-feudais das regiões rurais. Assim como a camada superior dos

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camponeses médios, os camponeses ricos são também beneficiados por linhas de crédito governamentais, mercados de escoamento para a produção, etc., tendendo, portanto, a serem menos combativos e mais conciliadores diante dos ataques do governo e da clas-se latifundiária. A burguesia rural, que representa as relações de produção capitalistas no campo brasileiro, o desenvolvimento do capitalismo segundo suas leis gerais já citadas, se encontra também numa posição semelhante. Não obstante, ainda que possuindo tais tendências pequeno-burguesas, burguesas e conciliadoras, os camponeses médios da camada superior, os camponeses ricos e a burguesia rural possuem contradições antagônicas com o arcaico sistema do latifúndio, dado que a presença predominante de vastas sesmarias improdutivas no campo brasileiro é um empecilho para o desenvolvimento de sua produção. Nos últimos anos, a grilagem de terras sem precedentes levada a cabo por companhias transnacionais estrangeiras, ma-deireiras, mineradoras e latifundiários não tem poupado sequer esta camada de produtores do campo, causando duros golpes ao abastecimento alimentar dos centros urbanos. Tais ações têm aumentado a capacidade de os camponeses médios da camada superior, os camponeses ricos e a burguesia rural servirem como aliados, ainda que vacilantes e com poucos compromissos, da Revolução Agrária contra o feudalismo. Tais são as movimenta-ções que devemos observar. O que temos a dizer quanto à classe latifundiária? Compreendemos a classe latifundiá-ria como o conjunto formado pelos proprietários de vastas extensões de terras, que as utilizam com fins de especulação fundiária, arrendamento ou produção de produtos primários orienta-dos para a exportação, e pelas empresas monopolistas estrangeiras que detêm ou arrendam terras em nosso país, operando fazendas sob bases capitalistas ou utilizando terras com fins especulativos. Dentre as classes dominantes brasileiras, a classe latifundiária é a classe mais débil, representante das relações de produção mais atrasadas, opressivas e retrógradas, opri-mindo o campesinato, os assalariados agrícolas e as populações dependentes do regime latifundiário através de todo tipo de coações extra-econômicas. Advém da classe latifundiária o velho fenômeno popularmente conhecido como “coronelismo”, isto é, a utilização da miséria dos camponeses e dos trabalhadores no geral como forma de se conquistar poder político, votos, prestígio pessoal e dependência por parte da população. Diante do avanço da luta dos camponeses e assalariados agrícolas pela conquista da terra e pela luta da realização da mais elementar demanda da mais elementar revolução democrático-burguesa, empregam pistoleiros e jagunços como forma de ameaçar, torturar e até mesmo assassinar camponeses e suas lideranças. Para manterem os vastos domínios da classe latifundiária, os pistoleiros incendeiam roças dos lavradores, violentam mulheres e moças adolescentes, tocam fogo em casas, e praticam mais um sem número de crimes. Na impossibilidade de os pistoleiros, por si sós, manterem intactos os domínios dos latifundiários, estes recorrem ao braço armado do Estado reacionário brasileiro - a Polícia Militar, a “Força Nacional de Segurança Pública”, etc. -, totalmente subserviente aos seus interesses, para massacrar o movimento camponês. Tivemos como exemplos recentes da barbárie cometida pela classe latifundiária o massacre de 17 de fevereiro, em Redenção do Pará, onde pistoleiros invadiram um assentamento e assassinaram a tiros e golpes de facão o casal de lavradores Washington da Silva e Leidiane Soares, além de três crianças de 11, 12 e 14 anos, como forma de estimularem os colonos do assentamento a deixarem as terras onde estavam vivendo e produzindo. Dentre os crimes cometidos pela classe latifundiária contra o campesinato, figura também o histórico Massacre de Eldorado dos Carajás, cometido no ano de 1996, onde 21 camponeses ligados ao MST foram mortos e centenas ficaram feridos após serem metralhados pela Polícia Militar durante a ocupação de uma fazenda por parte destes camponeses. As lutas que vêm se desenvolvendo nos campos brasileiros tomam formas particular-mente radicalizadas, e devemos estar atentos também às regiões onde estas tomam formas mais reformistas, flexibilizando nossa tática diante da situação concreta.

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Nos últimos anos, os estados do Maranhão, Tocantins e Pará têm permanecido na vanguarda da luta de classes no campo. Aqui, estas têm tomado a formado de verdadeiras guerras camponesas, com levas inteiras de lavradores ocupando terras de grandes fazen-deiros e empresas estrangeiras, defendendo a posse de suas terras de armas na mão, aplicando na prática o velho princípio democrático da “terra para quem nela trabalha”. A região da mata no nordeste brasileiro, zona canavieira, bem como o litoral sul da Bahia, são regiões com históricos seculares de lutas do campesinato pela posse da terra, e têm mantido a tradição de regiões extremamente violentas, onde a pistolagem e o coronelismo reinam absolutos. Nos últimos anos, a falência de dezenas de usinas de açúcar e fazen-das de cacau tem tornado devolutas vastas terras antes cobertas por lavouras de expor-tação, estimulando a ocupação destas por posseiros organizados em sindicatos rurais e movimentos agrários. A região da mata nordestina é, e sempre foi, uma região explosiva, de grandes tradições de lutas camponesas (durante os anos 50 e 60, a região da mata pernambucana foi o principal centro de fundação e atuação das Ligas Camponesas) e de denso povoamento. É de extrema importância para os revolucionários observar a atuação dos movimentos camponeses nesta região, devido ao seu papel chave que cumprirá na propaganda da Revolução Agrária e nas mobilizações de camponeses. Em São Paulo, a presença de centenas de milhares de hectares de terras devo-lutas nas regiões de Pontal do Paranapanema e do Vale do Ribeira (esta se configura, atualmente, como a região mais pobre do estado) tem tornado-as as regiões de maiores conflitos entre latifundiários e posseiros neste estado. Apesar de ser uma região de baixa densidade populacional, o Pontal do Paranapanema se configura como o principal centro de atuação do MST e da Frente Nacional de Luta Campo e Cidade (FNL), outro movimen-to rural recém formado na região, e um grande foco de violências por parte da polícia e de milícias armadas por parte formadas por fazendeiros locais. A região do Vale do Ribeira, nos últimos anos, tem se caracterizado pelo grande avanço de companhias mineradoras e da “grilagem verde”, convertendo arbitrariamente pequenas posses de camponeses e povos originários em “parques ambientais” para a atuação de ONGs a serviço do impe-rialismo estrangeiro explorarem nossa biodiversidade para engordar os bolsos de labora-tórios privados europeus e norte-americanos, impedindo camponeses e povos originários de praticarem a agricultura, a pesca e a pecuária sob pretexto de serem “prejudiciais ao meio ambiente”. Que hipocrisia sem tamanho para um governo que concede tantos benefícios, facilidades e isenções para madeireiras, mineradoras e fazendas de gado, as atividades econômicas anti-desenvolvimento mais danosas para o meio ambiente! O Vale do Ribeira, assim, como uma região extremamente pobre e marcada por conflitos agrários, inclusive com experiências de lutas guerrilheiras (como a experiência armada da Vanguarda Popular Revolucionária - VPR desenvolvida na região), merece também atenção especial por parte dos revolucionários. Nas regiões sertanejas do Nordeste e do norte de Minas Gerais, grandes lutas anti-feu-dais, anti-coronelismo e contra a seca também têm sido levadas a cabo pelos camponeses e assalariados agrícolas, concentrando-se predominantemente nos sertões da Bahia e do Cea-rá. O mega-projeto dos “perímetros irrigados” no sertão, a transposição do Rio São Francisco, a construção do Canal do Sertão e outros projetos da região tem motivado a grilagem massiva de terras por parte de empresas estrangeiras e coronéis locais, avançando até mesmo sobre assentamentos da pseudo-reforma agrária do governo. O uso das águas do Canal do Sertão em lavouras de exportação de frutas em fazendas pertencentes a transnacionais estrangei-ras, com uso massivo de agrotóxicos e irrigação, tem agravado o problema das secas no ser-tão, e tem levado o campesinato e os movimentos de massa locais a questionarem para quem efetivamente servirá estes mega-projetos. Estes estão lutando para por os mega-projetos a serviço dos camponeses e do desenvolvimento do sertão, e não para meia dúzia de coronéis e sanguessugas estrangeiros.

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No ano de 2014, grandes tomadas de terra por parte de posseiros aconteceram nos esta-dos do Paraná e Goiás (no caso do Paraná, relevante papel cumpriu a organização da juventude camponesa para esta ação). Em Goiás, dezenas de milhares de posseiros organizados pelo MST tomaram as terras improdutivas da Fazenda Santa Mônica, de propriedade do grande lati-fundiário Eunício Oliveira, formada por meio principalmente da grilagem. Os posseiros já estão cultivando as terras, vendendo sua produção excedente e contribuindo para dinamizar a econo-mia da região de Corumbá e limítrofes. As ameaças de reintegração de posse por parte do Esta-do brasileiro têm batido de frente com a firmeza dos posseiros, que clamam que irão resistir no caso de serem expulsos das terras. A chance do surgimento de uma nova Guerra de Canudos no coração de nosso país é um conflito que devemos acompanhar com nossas maiores atenções. De resto, na mobilização e organização das massas rurais, devemos nos ater aos seguintes princípios: priorizar as regiões de denso povoamento, que já tenham experiên-cias de luta se desenvolvendo, e nos atermos de forma secundária às regiões rurais de parco povoamento que não tenham tantas experiências de luta revolucionária por parte do campesinato, visando organizá-las também para levar a cabo grandes levantes agrários.

6.1. A QUESTÃO INDÍGENA Segundo dados disponibilizados pela Comissão Pastoral da Terra, o Brasil dos tempos atuais possui uma população indígena de cerca de 900 mil pessoas. Seu ínfimo peso na popu-lação brasileira (apenas 0,45% da população), contudo, é contrabalanceado pela grande impor-tância política que possui a luta dos povos originários pela manutenção de seus domínios an-cestrais e seus modos de vida tradicionais, atualmente negados pelo atual regime semicolonial e semifeudal sob a bota do imperialismo norte-americano. Sobre os povos indígenas, levantam-se atualmente as formas mais brutais, bárbaras e atrasadas de exploração e expropriação capita-listas e pré-capitalistas. Vegetando sob a fome e a desnutrição, os povos indígenas são vítimas de longas horas de trabalho, que não raro chegam a 16 horas por dia nas grandes plantations do imperialismo estrangeiro, nos canaviais, nos coqueirais e dendezais - são utilizados como traba-

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lhadores manuais mal-pagos ou não pagos, ainda que os trabalhos que desempenhem sejam os mais penosos e cansativos. Ao lado não apenas da brutal expropriação pré-capitalista que avan-ça sobre seus domínios ancestrais, os povos indígenas são também vítimas de todo tipo de rou-barias, enganações e falsas promessas de trabalho, através das quais são aliciados por máfias de tráfico humano, para trabalharem como escravos nas fazendas latifundiárias, na prostituição ou para serem assassinados e terem seus órgãos vendidos no exterior. O avanço da grilagem por meio de companhias de estrangeiras do agronegócio (que utilizam as terras principalmente para a plantação extensiva de cana de açúcar e soja) tem se tornado um verdadeiro inferno para os indígenas, principalmente para os mais jovens, que diante das faltas de perspectiva na vida, cometem suicídios em massa, pelo fato de na prática já estarem mortos por dentro. É no estado do Mato Grosso do Sul onde a questão indígena, em nosso país, toma atualmente o aspecto mais candente, com o atual genocídio levado a cabo pelos latifundiá-rios, em conluio com o governo reacionário, contra o povo Guarani-Kaiowá. De 1986 a 1997, se registraram cerca de 244 mortes por suicídio entre índios Guarani-Kaiowá no Mato Gros-so do Sul, número este que praticamente triplicou nos últimos anos, com o suicídio de 684 indígenas Guarani-Kaiowá entre 2000 e 2013. A morte de bebês e crianças pela desnutrição ou doenças relacionadas é banal entre o povo Guarani-Kaiowá, com o lamentável saldo de cerca de 800 crianças aniquiladas pela desnutrição anualmente. Situação semelhante se ve-rifica entre outros povos indígenas, como entre o povo Xavante (mais concentrado no estado do Mato Grosso) e o povo Yanomami. No estado do Mato Grosso do Sul, a retomada de seus domínios ancestrais através de ações de ocupação tem sido a principal forma de luta dos povos indígenas. No Maranhão, no ano de 2014, o avanço de madeireiras sobre as terras ancestrais do povo Ka’apor motivou o surgimento de uma milícia de auto-defesa armada indígena, forma de luta que também tem se generalizado para outras regiões, como entre o povo Tupinambá no litoral sul da Bahia. A questão indígena constitui outro importante ponto para o avanço da Revolução Brasileira. Os comunistas e revolucionários devem dar a esta questão a devida relevância. 7. ALGUMAS MEDIDAS RADICAIS Diante da situação aqui descrita, propomos as seguintes medidas radicais para a transformação do campo brasileiro e, consequentemente, de nossos centros urbanos: Im-plementação de uma reforma agrária mínima, isto é, uma reforma agrária que: 1) reduza os arrendamentos abusivos cobrados pelos proprietários pelos camponeses para trabalharem suas terras; 2) garanta preços justos para a produção camponesa, bem como as condições necessárias para o escoamento da produção camponesa para os mercados, como estradas modernas, meios de transporte, etc., para que os camponeses não sejam vítimas da explora-ção dos atravessadores e agiotas; 3) cancele as dívidas dos camponeses para com seus cre-dores, e garanta créditos gratuitos ou a taxas de juros baixas para que os camponeses pos-sam adquirir crescentes meios técnicos para a melhoria da produção; 4) estabeleça formas cada vez mais complexas de produção cooperativa no campo; 5) aumente os salários dos trabalhadores rurais e garanta para estes direitos trabalhistas como o pagamento do décimo terceiro salário, estabilidade no emprego, férias remuneradas, fim dos trabalhos análogos à escravidão, direitos estes inexistentes num país onde quase 70% dos assalariados agrícolas trabalham sem carteira assinada e são vítimas de todo tipo de terceirizações abusivas (no nordeste e no norte, a proporção de assalariados agrícolas que trabalham sem carteira assi-nada é de 80% e 83%, respectivamente). Defendemos também que, à medida que nossas lutas progridam a um patamar mais avan-çado, devemos estabelecer em nosso país o programa da reforma agrária máxima, que exproprie sem indenização as terras dos grandes latifundiários, e distribua-as de maneira gratuita para todos os camponeses sem terra ou com pouca terra, se mantenha e respeite as propriedades dos médios e ricos lavradores, mais abastados, sob o lema de “terra para quem trabalha nela”, e estatize as grandes empresas do agronegócio, colocando-as sob controle da sociedade.

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“Arte realista é arte combativa. Luta contra visões errôneas da realidade e impulsos que se opõem aos interesses reais da humanidade. Produz possíveis formas corretas de pensar e amplia os impulsos produtivos”.

BERTOLT BRECHT

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I

Ao analisar o desenvolvimento da arte e da ciência na idade Moderna, Engels na “Dialética da Natureza”, coloca:

“A investigação moderna da Natureza, a única que nos levou a um desenvolvimen-to científico, sistemático, unilateral... que começa com a última metade do século XV, chamamos de Renascimento. A realeza, apoiada nos burgueses das cidades, quebrou o poder da nobreza feudal... abriu-se ao Ocidente atônito um mundo novo: ...ante as suas figuras luminosas desvaneciam-se os espectros da Idade Média; a Itália ascendeu a um florescimento inesperado da arte que parecia uma como reverberação da Antiguidade clássica e que nunca mais voltou a ser alcançado. Na Itália, na França, na Alemanha, surgiu uma nova literatura, a primeira literatura moderna; a Inglaterra e a Espanha viveram logo depois a sua época clássica da literatura. Foi a maior revolução progressista que a humanidade até então tinha vivido... Os heróis daquele tempo ainda não estavam escravizados pela divisão do trabalho, cujos efeitos limitadores nós tão freqüentemente sentimos nos seus sucessores. O que, porém, lhes é próprio é que quase todos eles viviam e traba-lhavam em meio a luta prática, tomavam partido e lutavam, uns pela palavra e pela escrita, outros pela espada, muitos com ambas. Daí aquela plenitude e força do caráter que fez deles homens completos”.

por Guilherme CarvalhoSobre o Realismo Socialista

“Todo artista tem de ir onde o povo está. Se for assim, assim será.” (Milton Nascimento)

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O que fica evidente na análise de Engels é que com a derrocada do feudalismo pela burguesia, abre-se espaço para um período inteiramente novo e sem precedentes para a criação humana, quer seja na arte, na filosofia ou na ciência. Em última análise, o que permitiu o surgimento das incríveis obras de Da Vinci, Rafael, a astronomia de Copérnico e etc., foi a revolução no modo de produção e nas relações sociais. Com o fim do feudalismo e a dominação espiritual pelo Clero da Igreja, a estrutura em que se assentavam as rela-ções sociais se modificou. Com a ascensão da burguesia como classe dominante, nasce o modo capitalista de produção, ainda na sua fase mercantilista. A arte e a literatura, como todos os fenômenos da vida social, quando analisados a luz do materialismo histórico, se revelam através das transformações ocorridas no curso da história e que dependem fundamentalmente da lei geral do desenvolvimento econômico. Em cada período histórico, as relações de produção e de organização do trabalho assu-mem formas diversas, por exemplo, no feudalismo, as relações sociais se davam entre o senhor feudal e servo, já no capitalismo, entre burguês e proletário. Se, portanto, o modo em que produzimos modifica as relações sociais entre os ho-mens, o marxismo conclui que em cada período da história emergem diferentes formas ide-ológicas, políticas, religiosas e artísticas, que moldam os valores, a moral e os costumes de uma época. A ideologia compõe grande parte da superestrutura do tecido social que busca legitimar o poder da classe dominante e o modo de produção vigente. Em suma: “as idéias dominantes de uma época são as idéias da classe dominante”. Isso significa dizer que o artista cria em condições historicamente determinadas e que sua arte interpreta e reflete a realidade de seu tempo. A criação artística não é uma simples inspiração abstrata ou uma intuição metafísica, como querem os filósofos burgue-ses da arte. O marxismo coloca de uma vez por todas, a criação humana como parte das relações sociais, tornando possível analisar concretamente o processo de criação artístico dentro da sociedade de classes de maneira dialética e científica. Na obra ’’Materialismo e Empiriocriticismo’’, Lênin sintetiza a concepção materialista e dialética do conhecimento como “a teoria do reflexo”, demonstrando que o processo de reflexo do mundo exterior na consciência do homem se mostra como um material vivo que se reelabora na medida em que o artista conhece a realidade e a transforma em material artístico definido, o que resulta em um objeto de percepção sensorial direta ao leitor, es-pectador ou ouvinte. É necessário deixar claro que o fato do marxismo encontrar a existência de leis objeti-vas da criação artística, não implica em entender a arte de maneira mecânica e vulgar. O ma-terialismo conseqüente entende que o processo artístico depende também da personalidade do artista, sua experiência de vida, sua concepção de mundo, seu talento e posição social. A estética marxista nega categoricamente que a criação artística esteja à margem da vida so-cial, pois seu papel transformador na sociedade advém da capacidade que a arte possui de refletir verdadeiramente a realidade. O artista é aquele que tem a capacidade de imprimir a dimensão humana em meio à realidade concreta, em suas inúmeras facetas e contradições.

II

Agora que traçamos, em linhas gerais, o caráter científico do processo de criação artística, demonstrando que a arte, diferente do que apregoam os filósofos burgueses, não é uma manifestação acima das classes, pura, e sem função na sociedade, passemos, a tratar sobre de que maneira é entendida a arte no socialismo e seu estilo realista. Uma arte que rejeita categoricamente o individualismo burguês e que caminha junto com os anseios das massas populares: eis o realismo socialista. Como disse Brecht: “Arte realista é arte combativa. Luta contra visões errôneas da realidade e impulsos que se opõem aos interesses reais da humanidade. Produz possíveis formas corretas de pensar e amplia os impulsos produtivos. ’”

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O realismo socialista parte do princípio de que nossa literatura não pode ser apolítica, não pode partilhar de um vago conceito abstrato como o de a “arte pela arte”, ao contrário, deve desempenhar um papel de vanguarda na vida social. É nisso que se inspira o princí-pio leninista de literatura de partido. Como o próprio Lenin colocou: “É impossível viver na sociedade e dela não depender. A liberdade do escritor, do artista, da atriz burguesa não é senão dependência camuflada (ou hipocritamente disfarçada) da bolsa do empresário”. Nesse sentido é necessário compreender o principio da literatura de partido como uma colaboração entre arte e revolução, uma fusão orgânica da força criadora dos artistas com a vontade do povo e do Partido Comunista. Ora, se a revolução socialista é a mobiliza-ção organizada e consciente das massas sob a liderança do Partido do proletariado munido de uma teoria científica da realidade, a arte em ascensão criará novos valores espirituais e culturais que se inspiram e refletem esse momento histórico. É necessário insistir na concepção marxista de que a arte reflete a base social e em ultima análise corresponde a um modo de produção em que se encontra, para entender-mos como os valores artísticos, morais e espirituais se comportam no socialismo. Com a socialização dos meios de produção e a planificação da economia, é natural que surja uma nova arte que engendre valores coletivistas e de norte comunista que revele aspectos inteiramente novos da vida do povo sob o socialismo. Com a destruição da explo-ração e da propriedade privada, um mundo novo de possibilidades de se fazer arte surge: o artista já não cria mais para vender seu trabalho como mercadoria, nem fica a mercê de mecenas e empresários que dirigem o processo criativo. Sob o jugo do capitalismo, com a divisão entre trabalho manual e intelectual, o homem é tolhido de seu sentido social e seus impulsos de criação são apagados para tornarem-se mera força de trabalho destinados a extração de mais-valia. No socialismo, a personalidade do artista é restaurada e a recoloca no cerne do processo de construção de uma nova sociedade. Nesse sentido, é essencial que o artista do socialismo tenha uma visão de mundo marxista-leninista para que sua arte provoque e estimule a capacidade revolucionária dos povos. Se como disse Kim Jong Il “o capitalismo transforma os homens em inválidos espiri-tuais”, a arte feita em uma sociedade sem classes, naturalmente deve combater as visões burguesas e individualistas da arte que são resquícios da velha sociedade. Os filósofos burgueses insistem em criticar a estética do realismo socialista com o argumento de que a arte no socialismo é submetida pela política, pelo Partido Comunista e então seria uma arte dirigida. Ora, a sociedade que é construída sobre a ideologia marxista-leninista, analisa os fenômenos sociais sob a ótica classista. A destruição total da exploração capitalista, só vira com um Partido que organize a classe operária para seus objetivos revolucionários e nesse contexto a arte socialista está ao lado das massas populares e do Partido Comunista. A arte socialista, o Partido, o proletariado, os camponeses pobres, todos se prestam a um mesmo objetivo: a construção da ditadura do proletariado sobre a burguesia. Não se trata como querem os intelectuais a serviço do capital, de que arte realista socialista é controlada e inócua, mas ao contrário; a arte realista busca criar novas descrições da vida das massas que constroem o socialismo. Com exceção dos artistas progressistas que se inspiram na arte feita pelos povos, o capitalismo usurpa a chamada belles arts para seu benefício e cria uma arte que só serve para narrar a vida do burguês, sua glória e sua riqueza, enquanto a arte popular, o folclore, a música dos povos é considera uma arte menor, pobre, de mau gosto e nenhuma sofisticação. A revolução socialista cria a possibilidade inédita dos povos serem donos de sua arte, dos seus valores culturais e espirituais. A edificação socialista não acaba com a iden-tidade das nações e de seus povos, ao contrário, as fortalece. Uma arte rica emerge das cinzas do capitalismo e retoma o potencial criador dos homens que podemos resumir no princípio do realismo socialista: “nacional em forma, socialista em conteúdo.”

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O Imperialismo estadunidense ea resistência popular nas Filipinas

por Prof. José Maria SisonTradução de Alberto Steffen Neto

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“O Imperialismo estadunidense e a resistência popular nas Filipinas” URC 31

Eu gostaria de discutir com vocês como o imperialismo estadunidense se impôs sobre o povo filipino, violou sua soberania nacional e frustrou suas aspirações por democracia, justiça social e desenvolvimento desde 1898 através de meios militares, políticos, econômicos e culturais. Neste contexto, eu gostaria de discutir primeiramente como o capitalismo monopolista ou moderno impe-rialismo surgiu como estágio final de desenvolvimento do capitalismo, e como a era do imperialismo se iniciou. O capitalismo monopolista é parasitário, decadente e moribundo, abrindo possibilidades mais amplas para o surgimento do socialismo. Sendo imperialista, ele é enfaticamente violento e agressivo em reprimir as revoluções e em conquistar territórios econômicos e políticos no exterior. Já em meados do século XIX, de 1848 a 1868, a Inglaterra demonstrou pelo menos duas características fundamentais do imperialismo: a possessão de vastas colônias e uma indústria monopolista, a qual já podia extrair lucros monopolistas ou superlucros. Este foi o primeiro caso dentre os países capitalistas em que o capitalismo de livre concorrência se desenvolveu para o capitalismo monopolista, como a força dominante da economia. Contudo, seria nas últimas três décadas do século XIX em que vários países, incluindo os EUA, a França, Alemanha, Itália, Ja-pão e Rússia, veriam o desenvolvimento da livre concorrência para o capitalismo monopolista. Juntamente com a Inglaterra, todos manifestaram as cinco características do imperialismo. A quinta característica, que é a divisão completa do mundo entre as potências capitalistas, direta-mente engendrou o cenário das guerras imperialistas.

1. A dominação dos monopólios capitalistas sobre a economia;2. A fusão do capital industrial com o capital bancário em capital financeiro e surgimento da oligarquia financeira;3. Maior importância na exportação de capital excedente sobre a exportação de excedentes de mercadorias, como meio de obter superlucros;4. Alianças e contra-alianças de carteis, sindicatos capitalistas e trustes em nível internacional;5. A conclusão da divisão do mundo pelas grandes potências capitalistas, abrangendo paí-ses subdesenvolvidos ou menos desenvolvidos ou áreas como território econômico (fontes de matérias-primas baratas e barata mão-de-obra, mercados cativos e áreas de investi-mento) e como território político (colônias, semicolônias, protetorados, países dependentes e esferas de influência).

Para uma potência capitalista monopolista, certo país ou área estrangeira torna-se um território econômico mais confiável quando este é também um território político conquistado através de uma intervenção militar ou agressão. Os recém-chegados no jogo colonial, como os EUA, tiveram que se lançar em atos de agressão em sua emergência imperialista. Em compara-ção com as potências imperialistas ocidentais, a Rússia e o Japão desenvolveram o capitalismo monopolista em menor grau, mas o uso agressivo de poder militar possibilitou que eles adquiris-sem territórios para extraírem lucros monopolistas. Assim como agora, as potências capitalistas tentavam dividir o mundo entre eles através de amigáveis negócios de mercado, até que suas competições econômicas e rivalidades políticas se tornassem guerras. A conclusão da divisão do mundo entre as potências capitalistas a partir do fim do século XIX preparou terreno para uma violenta luta entre elas pela redivisão do mundo. Os países mais atrasados no jogo colonial desequilibraram a correlação de forças e engendraram a eclosão das guerras. Com isso, a era do imperialismo moderno foi inaugurada pelas guerras e tomou forma definitiva no período de 1898 a 1914. A Guerra Hispano-Americana (1898), a Guerra Anglô-Boer (1899-1902), a Guerra Russo-Japonesa (1904-05) e a crise econômica na Europa em 1900 foram os principais mar-cos históricos da nova era. Lenin afirmou categoricamente que a era do imperialismo não se iniciou antes de 1898 a 1900 e, portanto, nem Marx ou Engels viveram o suficiente para constatarem isso.

Artigo escrito pelo professor Jose Maria Sison, presidente da Liga Internacional de Luta dos Povos (ILPS) para o Fórum sobre Imperialismo e Resistência,organizado pela ILPS-Holanda em Amsterdã, no dia 6 de Junho de 2014

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I. PERPETUAÇÃO DA AGRESSÃO DOS EUA Os EUA assumiram uma característica completa de país imperialista sobre a base do capitalismo monopolista, quando ele deliberadamente provocou a Guerra Hispano-Americana de 1898 em ordem a conquistar as colônias da Espanha: Cuba, Porto Rico e as Filipinas. Em contexto com a dita guerra, os EUA fingiram fazer amizade com a junta de Aguinaldo em Hong Kong e, na verdade, trouxe Aguinaldo de volta para as Filipinas num estabelecimento ameri-cano para proclamar as Filipinas independente (sob a “proteção” dos EUA) e retomar a guerra nacional de independência contra a Espanha. O povo filipino saiu vitorioso em libertarem-se por todo o país e estavam prestes a tomar o Intramuros, a cidadela fortificada dos colonizadores espanhóis. Mas os EUA interferiram com o envio de tropas filipinas para o propósito e manobrou para preparar o desembarque de mais tropas norte-americanas. Por trás de seus supostos aliados filipinos, os interventores estaduni-denses arranjaram com a Espanha uma batalha simulada em 13 de Agosto de 1898 para justi-ficar a rendição do último ao primeiro. Isso foi feito no dia após a Espanha e os EUA assinarem um acordo de armistício encerrando a Guerra Hispano-Americana. Os EUA e a Espanha forjaram o Tratado de Paris em 10 de Dezembro de 1898, em que a Espanha vendia as Filipinas para os EUA pelo preço de 20 milhões de dólares. Em 21 de Dezembro de 1898, o Presidente McKinley dos EUA emitiu a Proclamação da Benevolente As-similação, manifestando o plano americano de colonizar as Filipinas. Os EUA desencadearam uma guerra de agressão contra o povo filipino em 4 de Fevereiro de 1899. Este episódio ficou conhecido como a Guerra Filipino-Americana. Os EUA utilizaram uma força militar superior e extrema barbaridade de mais de 126.000 soldados para conquistar uma nação de 7.000.000 de habitantes. Ele impiedosamente realizou massacres, tortura de presos e reconcentração da po-pulação, tática da queima da terra e bloqueio de alimentos. Os EUA mataram mais de 700.000 pessoas ou 10% da população filipina entre 1899 e 1902, diretamente através de suas brutais operações e indiretamente através das conseguintes fomes e epidemias. Da mesma forma, procedeu em matar 800 mil filipinos até 1916. Para manter as Filipinas como colônia, os EUA estabeleceram bases militares em vários pontos estratégicos. Organizou o tão chamado Escoteiros Filipinos como tropas fantoches e, consequentemente, converteram-nas na Polícia Filipina. Como resultado das reivindicações implacáveis do povo filipino por independência nacional, os EUA decidiram já em 1935 fazer das Filipinas uma semicolônia em 1946, após dez anos de um período de transição conhecido como Governo de Bem Estar Social ou Commonwealth. O Ato de Defesa Nacional de 1936 foi o primeiro ato legislativo deste governo, fazendo da polícia fantoche o Primeiro Exército Regular sob a supervisão direta do Departamento Filipino do Exército dos EUA. O presidente Quezon do Commonwealth fez do General Douglas MacArthur o marechal do exército fantoche. OS EUA formaram, doutrinaram, equiparam e treinaram o exército fantoche. Nas vésperas da Segunda Guerra Mundial, os EUA colocaram o exército fantoche sob as ordens das Forças Armadas dos EUA no Extremo Oriente (FAEUAEO). Quando a Segunda Guerra Mundial estourou em 1941, os fascistas japoneses derrotaram o exército norte-americano em Bataan e ocupou as Filipinas até 1945. Para recuperar as Filipinas como colônia, os EUA coordenaram ações guerrilheiras das FAEUAEO. Antes da conquista da in-dependência nominal das Filipinas em 1946, os EUA impuseram aos líderes fantoches filipinos o Tratado de Relações Gerais, que assegurassem a continuação das bases militares dos EUA e os direitos de propriedades dos cidadãos e corporações norte-americanas. Este tratado até ratificou antecipadamente que as relações diplomáticas das Filipinas estariam sujeitas a aprovação dos EUA. Após as Filipinas se tornar uma semicolônia, os EUA perpetuaram sua agressão vitorio-samente, mantendo o controle das Filipinas militarmente. Obtiveram um acordo de assistência militar para fazer dos serviços armados das Filipinas dependentes dos planejamentos, treina-mentos, da inteligência e de equipamentos dos EUA; e um acordo de bases militares para as forças militares norte-americanas se manterem nas Filipinas por mais 99 anos. Ele também vinculou as Filipinas a um pacto de defesa mútua e o controle pelos EUA do pacto de segurança

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regional, a Organização do Tratado do Sudeste Asiático (SEATO em inglês). Por conta de seu poder militar sobre as Filipinas, os EUA foram capazes de dominar a economia e política filipina, e intervisse a vontade sobre os assuntos filipinos desde 1946. Ele manipulou o resultado das eleições presidencial a favor do candidato mais compatível com o servilismo aos interesses norte-americanos nas Filipinas e na região. Instigou a ditadura fas-cista de Marcos em 1972 em uma tentativa fútil de suprimir os movimentos revolucionários de massas que surgiram desde 1961 por conta da extração desenfreada de superlucros pelas em-presas norte-americanas, pela corrupção burocrática e o esgotamento das fronteiras terrestres. O povo filipino estava indignado que o regime fascista pôde persistir por tanto tempo, de 1972 a 1986, por causa do militarismo dos EUA e da assistência econômica a ele. Eles também se irritaram pelas consequências diretas e indiretas dos aviões, navegações e tropas dos EUA que ope-ravam em torno das bases americanas. Assim, após a queda de Marcos, os autores da Constituição de 1987 ganharam grande apoio popular e tiveram coragem em aprovar provisões que proibiriam bases militares estrangeiras, tropas, equipamentos e armas nucleares nas Filipinas. Este banimento foi de fato fruto da luta revolucionária do povo contra a decadente ditadura imposta pelos EUA. O acordo de bases militares com os EUA terminou em 1991 pelo Senado das Filipinas, com grande e claro apoio do movimento democrático nacional. Mas, desde então, os EUA vêm recorrendo a todos os tipos de manobras para contornar a proibição constitucional de bases mi-litares estrangeiras. Ao invocar o pacto de defesa mútua, eles utilizaram os exercícios militares conjuntos e os treinamentos interoperacionais entre os EUA e as Filipinas como pretexto para manter postos e a presença rotativa das tropas norte-americanas nas Filipinas. Ele tem sido capaz de obter o Acordo de Forças Visitantes e o Acordo Mútuo de Apoio Logístico para permitir a entrada e a permanência de forças militares americanas em qualquer lugar nas Filipinas por qualquer período de tempo. Os EUA têm usado o 11 de Setembro e a tão conhecida “guerra ao terror” para justificar a presença e intervenção militar dos EUA nas Filipi-nas. Tem também aumentado os pretextos para tais intervenções. Isso inclui “ajuda humanitária”, missões médicas, ação civil, ajuda em resgate de desastres, socorre e reabilitação e assim vai. O último pretexto dos EUA para expandir sua presença militar nas Filipinas é de que está fazendo um eixo estratégico na região do Oceano Pacífico na Ásia e protegendo o país de uma suposta agressão chinesa em vista as reivindicações da China sobre 90% do Mar Sul da China, abarcando cerca de 90% da Zona Econômica Especial (ZEE) e 100% da Plataforma Continental Estendida (PCE) das Filipinas. Assim, com a colaboração servil do regime de Aquino, os EUA foram capazes de obter o Acordo de Cooperação de Defesa Reforçada (EDCA em inglês). Este acordo permite aos EUA a estabelecer bases militares num número indefinido de “Áreas Aprovadas”, fortificadas a custos das Filipinas, pagando nenhuma tributação, desfru-tando gratuitamente de um perímetro de segurança das tropas fantoches, impedindo as auto-ridades filipinas de saberem decisões e atividades dentro desses enclaves ou bases militares norte-americanas e permitindo aviões e navios americanos de ir e vir, com as autoridades fili-pinas barradas pelos militares dos EUA de saberem se esses transportadores carregam armas nucleares, biológicas, bacteriológicas e outros tipos de armas de destruição em massa. Além disso, o acordo permite que as Forças Armadas das Filipinas provenham ou facilite acesso para as forças americanas em qualquer lugar do território filipino que eles decidam. Apesar da traição e subserviência do regime de Aquino em aceitar o EDCA, o Presidente Obama dos EUA, em sua recente visita a Manila, claramente declarou que os EUA são neutros acerca das disputas marítimas entre as Filipinas e a China no Mar Ocidental das Filipinas, e que sua política não pretende contrariar a China. Na verdade, os EUA possuem uma política dupla de cooperação e contenção sobre a China e faz suas decisões baseadas no interesse nacional dos EUA. De qualquer forma, Os EUA possuem muito mais interesse em relações com a China do que com as Filipinas. O povo deve estar em alerta da possibilidade dos EUA e da China coo-perarem em explorar o petróleo, gás e outros recursos naturais na ZEE e na PCE das Filipinas. Em face da agressão perpetuada pelo imperialismo norte-americano nas Filipinas, o povo filipino e suas forças revolucionárias têm adotado uma linha de revolução popular-democrática

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através da guerra popular. O povo está travando uma guerra civil contra o sistema político se-micolonial. Ao mesmo tempo, eles condenam intervenção militar estadunidense crescente a favor do regime fantoche. Eles estão, portanto, preparados para travar uma guerra de liberta-ção nacional. Por conta disso, os EUA deve desencadear uma agressão em grande escala. O povo filipino não está amedrontado de tal possibilidade, mas, sim, preparado contra isso. Eles consideram isso uma oportunidade para realizar justiça aos heróis mártires pelo imperialismo norte-americano e pelo sofrimento de milhões de pessoas como consequência direta e indireta sob o jugo do imperialismo norte-americano.

II. CONTINUANDO A PILhAGEM ECONôMICA Os EUA possuíam um motivo estratégico e objetivo para se apropriar e fazer das Filipi-nas uma colônia. Isso está conectado com o expressivo desejo dos EUA de expandir o mercado internacional para suas manufaturas, para transformar o Oceano Pacífico num “lago americano” para este propósito e para ter uma base para lançar esforços para obter uma parte da China, numa impaciência das potências capitalistas de estabelecerem esferas de influência. Os EUA lançaram obrigações em Wall Street para financiar sua guerra de agressão nas Filipinas. Ultimamente, fez o povo filipino pagar por seus próprios gastos militares através de impostos. Mas o maior ganho do imperialismo norte-americano vem da extração de superlucros da troca colonial dos manufaturados americanos e as matérias-primas filipinas, assim como através de investimentos diretos e indiretos nas Filipinas. Neste processo, o imperialismo norte--americano tornou a economia das Filipinas de feudal para semifeudal. O imperialismo norte-americano não eliminou o feudalismo. Limitou-se a sobrepor o modo de exploração imperialista, alterando a aparência geral da economia social para semi-feudal. Numa tentativa de apaziguar o ódio do povo aos latifundiários das ordens religiosas estrangeiras, o governo colonial dos EUA expropriou algumas delas para redistribuir aos cam-poneses. Mas os camponeses não podiam pagar para completar os pagamentos do preço de redistribuição. As terras eventualmente caíram nas mãos da classe dos latifundiários. O governo colonial dos EUA suspendeu as restrições feudais na movimentação física dos camponeses. Isso possibilitou aos camponeses de abrirem terras em áreas fronteiriças ou pro-curar empregos em áreas urbanas, em locais públicos e minas. Burocratas e latifundiários sedu-ziram os camponeses a fazerem seus domicílios em áreas da fronteira, mas, em última análise, eles alegaram e registraram serem propriedades deles. Os mercadores usurários também acom-panharam os camponeses nas fronteiras e eventualmente se transformaram em latifundiários. A ordem colonial norte-americana diferiu significativamente da ordem colonial espanhola pela extração dos superlucros num fluxo muito maior de manufaturados importados e da expor-tação de matérias-primas, a partir da necessidade crônica de tomar empréstimos para cobrir os déficits comerciais e os novos esquemas de consumo excessivo, e do maior fluxo de investi-mentos estrangeiros diretos. Os EUA abriram minas, expandiram a plantação para a exportação de matérias-primas e estabeleceu poucas fábricas de produtos de produtos de matérias-primas disponíveis localmente. As estradas, pontes, portos e outros meios de transporte e comunica-ção foram melhoradas para o crescimento do comércio interno e externo. O sistema de escolas públicas e privadas foi desenvolvido para produzir profissionais e técnicos para a burocracia e os negócios de empresas que estavam em ascensão. Numa economia e sociedade semifeudal, a dominação conjunta da classe dos grandes compradores e latifundiários (um por cento da população) surgiu e substitui a dominação sin-gular dos latifundiários feudais dos séculos anteriores. O estrato social intermediário da média--burguesia e da pequena-burguesia urbana se expandiram e se tornaram 1 e 8 por cento da sociedade, respectivamente. De poucos pontos percentuais, a classe operária cresceu para 15% da população. Os camponeses descenderem de uma estrutura feudal que compunha 90% da população, e na atual estrutura semifeudal estão em torno de 75% da população. A dominação econômica dos EUA nas Filipinas foi interrompida pela invasão e ocupação japonesa durante a Segunda Guerra Mundial. O caráter imperialista do Japão e suas guerras de

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agressão impediram de ter credibilidade sua propaganda de “Grande Ásia Oriental próspera”. Os agressores japoneses provocaram danos e destruição de vidas, comunidades e propriedades dos Filipinos. No curso de recapturar as Filipinas, especialmente em sua pressa para expulsar os japo-neses através do bombardeio massivo, os EUA aderiram e agravaram a destruição de vidas e de propriedades. Os pagamentos dos danos da guerra norte-americana foram feitos principalmente para as corporações norte-americanas restabelecerem seu domínio econômico nas Filipinas. Os EUA não só mantiveram o direito de propriedade das empresas norte-americanas e de seus cidadãos através do Tratado de Relações Gerais antes de garantir a independência no-minal para as Filipinas em 1946 como também impôs ao Estado filipino, supostamente indepen-dente, a Emenda de Paridade na Constituição das Filipinas. Esta emenda permitia as empresas e cidadãos norte-americanos a ter os mesmos direitos dos filipinos em obter utilidades públicas e na exploração de recursos naturais. Além do mais, através do Acordo Laurel-Langley, os EUA obtiveram das Filipinas o privilégio de possuir e operar todos os tipos de negócios sem restrição. Uma guerra civil estourou nas Filipinas entre as forças reacionárias estrangeiras e a dominação feudal e as forças revolucionárias de libertação nacional e democracia em 1948. A exigência pela industrialização nacional e a reforma agrária se tornou tão grande que as autoridades reacionárias tiveram que forjar uma reforma agrária na forma de programas de reassentamento e desapropriações simbólicas de terras latifundiárias, bem como fingir a in-dustrialização nacional sob a forma da substituição de importação pra produção, que foram, na verdade, operações de montagem e empacotamento, dependentes de licenciamento, financia-mento acordos técnicos e acordos de mercados para com as empresas norte-americanas. A economia das Filipinas foi de mal a pior quando o regime de Marcos fez uma farra de gastos e empréstimos para construir infraestrutura turística e instalações sofisticadas para os turis-tas, e optou pela chamada produção orientada para exportação em zonas de processamento para exportação e na exportação de mão-de-obra na ausência de um real desenvolvimento industrial para gerar empregos. A produção orientada para a exportação é um tipo muito pior de pseudo-in-dustrialização que a produção por substituição de importação. Isso eleva o preço dos componentes importados e diminui o preço da exportação de semimanufaturados. Os trabalhadores são em sua maioria categorizados como casuais, aprendizes ou alunos. Eles recebem baixos salários e são privados de segurança no emprego. Seus sindicatos e outros direitos democráticos são reduzidos. Até hoje, a produção orientada para exportação é deturpada como desenvolvimento in-dustrial. Isso tem sofrido um recuo desde a crise financeira asiática de 1997 e a crise financeira global de 2007/08. A montagem e exportação de semicondutores e outros produtos caíram. O que se tornou mais evidente que a orientação da produção para a exportação é a bolha nas torres re-sidenciais e nos escritórios e os enclaves turísticos de luxo, que está agora prestes a estourar por causa do aumento crescente dos investimentos em carteira. Todos os regimes desde os tempos do presidente fantoche Ramos estão agindo como loucos para abrir todo o país para as empresas mineradoras estrangeiras que arruínam a agricultura e o meio-ambiente, impede uma industriali-zação futura e pilha os minérios para fora do país sem terem que pagar impostos condizentes. A política econômica nas Filipinas tem sempre sido ditada pelo imperialismo norte-america-no. Nos tempos de Marcos, o Banco Mundial esteve ativo em impelir uma política keynesiana de realizar trabalhos públicos para promover uma produção de matérias-primas e a troca colonial da exportação de matérias-primas e importação de manufaturados, e, com isso, desviando recursos e empréstimos do que deveria ser direcionado para a industrialização nacional. O primeiro regime de Aquino jogou a industrialização nacional mais longe ainda, adotando as políticas neoliberais di-tadas pelos EUA e levando a cabo e liberalizando o comércio com prejuízos na indústria e também na agricultura. O regime de Ramos seguiu a política anti industrialização canalizando enormes re-cursos e empréstimos estrangeiros para construções privadas sofisticadas e instalações turísticas. Ao todo, os regimes após Marcos foram obrigados a exportar matérias-primas e mão--de-obra e foram presos na política da globalização neoliberal dos imperialistas sob as ordens do Consenso de Washington do FMI, do Banco Mundial (especialmente dos investimentos pri-vados da Corporação Internacional Financeira) e do OMC (incluindo seu predecessor “Acordo

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Geral de Tarifas e Comércio”). Os EUA têm utilizado dessas agências multilaterais para forçar a liberalização do comércio e de investimentos, de privatizações de bens públicos, desregula-mentações sociais e de proteção ambiental e da desnacionalização de economias subdesen-volvidas como das Filipinas. Assim como seus amos imperialistas, os regimes fantoches nas Filipinas aderiram às políticas neoliberais porque isso combina com suas ganâncias. Eles acre-ditam que sempre podem transferir o ônus das crises para o povo, e eles verão um movimento mais poderoso de massas revolucionárias desafiá-los. Sob as auspicias gerais da OMC e da proliferação de bilaterais e multilaterais acordos de livre comércio, as Filipinas está impedida de garantir sua soberania econômica, conservando seu patrimô-nio nacional em benefício do povo filipino e levando a cabo sua industrialização e reforma agrária. A Cooperação Econômica da Ásia-Pacífico, o Acordo de Parceria Trans-Pacífico e a Comunidade Eco-nômica ASEAN são estruturas que pretendem selar as Filipinas ao sistema imperialista de pilhagem e particularmente às políticas neoliberais da ganância desenfreada dos capitalistas monopolistas. Em face da continuação da pilhagem das Filipinas pelo imperialismo norte-americano, se aproveitando da colaboração das classes exploradoras locais dos grandes compradores e dos latifundiários, o povo filipino e suas forças revolucionárias estão comprometidas com a luta pela libertação nacional e democracia, realizando justiça social, conservando o patrimônio nacional e levando a cabo um programa de desenvolvimento através da industrialização nacional e da reforma agrária. Eles podem acabar com o subdesenvolvimento das Filipinas somente destruin-do o sistema explorador dos grandes compradores e dos latifundiários servis ao imperialismo norte-americano e, assim, libertando as forças patrióticas e progressivas para realizar um genu-íno desenvolvimento e alcançar a justiça social.

III. O SERVILISMO INCESSANTE DOS OFICIAIS Mesmo quando ele levou a cabo suas guerras de agressão contra o povo filipino, os EUA tentaram seduzir os líderes do governo revolucionário das Filipinas a se renderem. Isso causou uma divisão no Ga-binete de Aguinaldo, entre membros revolucionários, como Apolinario Mabini e Antonio Luna, e os capitula-cionistas, como Pardo de Tavera, Paterno e Buencamino. Mas o movimento de massas revolucionário era muito forte para ser detido pelos capitulacionistas, que foram ridicularizados como asimilistas e Sajonistas. Os agressores norte-americanos levaram a cabo uma brutal guerra de conquista para servir de interesse ao capitalismo monopolista dos EUA. Mas hipocritamente eles declararam que eles vieram para as Filipinas para “civilizar” e “cristianizar” o povo, após mais de três séculos de ordem colonial espanhola e de proselitismo católico romano. Eles também alegaram de não terem interesse em possuir as Filipinas, mas, sim, em ensinar a democracia e autogoverno para as Filipinas, apesar do sucesso dos filipinos em exercer a democracia através da construção de um governo revolucionário e de um exército, e assim derrotando o colonialismo espanhol... Eles elogiaram a democracia jeffersoniana para embelezar o imperialismo moderno. Com isso, eles estavam confiantes de serem capazes de cooptar a burguesia liberal liderando a revo-lução das Filipinas. A burguesia liberal filipina derivou sua compreensão política dos estudos do liberalismo burguês europeu. Eles não surgiram de um desdobramento de uma burguesia manu-fatureira como na Europa. Na verdade, eles eram filhos de latifundiários, burocratas coloniais e comerciantes. Os EUA calcularam que poderiam contar com um número crescente de colabora-dores políticos através do desenvolvimento da economia semifeudal dos grandes compradores e latifundiários, usando o sistema educacional e o sistema de pensionado, que enviava estudantes nativos para as universidades norte-americanas para promover uma mentalidade colonial pró EUA e, então, expandindo a burocracia e as empresas para acomodar estes universitários. Após sua captura em 1901, o Presidente Aguinaldo foi ameaçado de morte e persuadido pelos capturadores norte-americanos para emitir o Manifesto de Paz pedindo às forças revolucionárias a se renderem. Aos líderes que se voltaram contra a revolução foram dadas várias posições de vários níveis no governo colonial dos EUA e foram encorajados de formar, em 1901, o Partido Federal, para servir de regime colonial e ajudar a desencorajar e suprimir a resistência revolucionária popular. Aqueles que continuaram a lançar resistências revolucionárias foram submetidos a uma série

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de leis draconianas e sofreram de torturas, mortes por enforcamento e outros meios. Mesmo após do fim oficial da Guerra Filipino Americana, os EUA emitiram a Lei Bandeira proibindo o povo filipino de exibir a bandeira filipina. Eles continuaram a serem subjugados a massacres, detenções arbitrárias e torturas, bloqueios alimentares e reconcentração. Quando os EUA calcularam que essas ações haviam definitivamente liquidado o movimento re-volucionário armado e treinado um amplo corpo de fantoches policiais e profissionais, isso permitiu ao Partido Nacionalista existir e clamar por imediata, absoluta e completa independência nacional. O Partido Nacionalista era um partido reformista, comprometido em exigir independência nacional apenas por meios legais e pacíficos e enviando missões a Washington para uma eventual garantia de independência. Como consequência da inspiração da vitoriosa Grande Revolução de Outubro em 1917 e das terríveis condições coloniais, os modernos movimentos sindicais, que se iniciou em 1902, se tornou relativamente grande e tornou-se a base para o estabelecimento do Partido Comunis-ta das Ilhas Filipinas em 1930. Os EUA imediatamente tentou suprimir este partido criando acu-sações de rebelião contra os líderes. Quando a Grande Depressão piorou as condições sociais nas Filipinas em 1930 e o perigo do fascismo crescia, o surgimento da ampla Frente Popular antifascista abriu caminho para a libertação dos líderes comunistas da prisão e do exílio interno. Em 1935, os EUA estavam prontos para estabelecer o Governo Commonwealth como período de transição para um status de semicolônia nas Filipinas. Os EUA aprovaram a Consti-tuição das Filipinas como uma moldura aos políticos filipinos e prometeram garantir a sua inde-pendência nacional em 1946. Os imperialistas japoneses e os fascistas invadiram e ocuparam as Filipinas de 1941 a 1945 e pretendiam ser até mais generosos que o imperialismo norte--americano por rapidamente conceder a independência nominal para uma República Filipina fantoche. No curso da guerra inter-imperialista, o Partido Comunista foi capaz de construir um exército popular contra o Japão (Hukbalhap), órgãos locais de poder político e um poderoso movimento de massas que confiscavam as terras dos latifundiários. Durante a Segunda Guerra Mundial, os EUA mantiveram o Governo Commonwealth em exílio em Washington e direcionaram da Austrália as forças guerrilheiras filipinas, os quais juraram lealdade às Forças Armadas dos EUA no Extremo Oriente. Isso foi capaz de recuperar as Filipinas em 1945 e garantir sua independência nacional em 1946 para um grupo de filipinos fantoches liderados por Manuel Roxas, que havia rompido com o Partido Nacionalista e forma-do o Partido Liberal. Então, as Filipinas se tornaram uma semicolônia dirigida pelos fantoches que estavam a serviço do imperialismo norte-americano e das classes exploradoras locais, dos grandes compradores (da burguesia-compradora) e dos latifundiários. Os EUA e as classes exploradoras locais provocaram a resistência revolucionária popular impondo sobre elas violações da independência nacional e do patrimônio nacional, anulando a re-forma agrária e outros direitos sociais feitos pelo movimento revolucionário anti japonês e levando a cabo uma brutal campanha de supressão militar. A espinha dorsal do movimento revolucionário armado se rompeu no início dos anos de 1950. Mas isso sucedeu em chamar atenção à condição semicolonial e semifeudal e da necessidade da revolução democrática dirigida pela classe operária. Parecia que a falsa democracia dos oligarcas compradores-latifundiários poderia perdu-rar para sempre como um jogo de cadeiras musicais entre o Partido Nacionalista e o Partido Liberal, os quais substituíam-se um ao outro nas eleições periódicas que eles monopolizaram. Os dois partidos eram um duopólio como os Partidos Republicano e Democrata nos EUA. Mas a crise crônica na sociedade filipina continuou piorando, expondo a incapacidade de todos esses regimes de resolverem as crises, direcionando a necessidade de uma revolução, mas também forçando um presidente como Marcos a levar a cabo uma contrarrevolução. O Partido Comunista das Filipinas foi restabelecido em 1968 como um destacamento avançado da classe operária sob a liderança do Marxismo-Leninismo-Pensamento Mao Zedong (ou Maoísmo). Ele retificou os erros e deficiências dos movimentos revolucionários anteriores. Lançou uma linha geral da revolução democrática-popular através da guerra popular prolon-gada. Considerou os camponeses como a principal força da revolução em combinação com o proletariado. A aliança básica de operários-camponeses alinhou a pequena burguesia urbana

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como uma força revolucionária e posteriormente com a média-burguesia contra a ditadura con-junta da classe da burguesia-compradora e dos latifundiários. Após a instigação dos EUA, Marcos lançou mão de uma ditadura fascista sob o pretexto de “salvar a república e construir uma nova sociedade” em 1972. Ele procurou destruir os mo-vimentos revolucionários armados das Filipinas e do povo Moro. Ele teve sucessos apenas em incendiar a resistência das amplas massas populares. Eventualmente, o povo totalmente desa-creditou, isolou e derrubou o regime fascista. Mesmo seu amo, o imperialismo norte-americano, se virou contra ele quando ficou indubitavelmente claro de que Marcos era uma pessoa mais passiva do que ativa. Temendo que as forças revolucionárias crescessem o suficiente para der-rubar todo o sistema dominante, os EUA e as classes exploradoras locais decidiram se livrar de Marcos e voltar ao velho caminho dos regimes pseudodemocráticos. Os regimes pseudodemocráticos, de Cory Aquino a se filho Benigno III, provaram serem total-mente servis ao imperialismo dos EUA, exploratório e opressivo, corrupto e brutal. Eles impuseram ao povo filipino as políticas do neocolonialismo e neoliberalismo e infligiram sofrimentos extrema-mente terríveis sobre o povo. A multiplicidade dos partidos reacionários não se provou melhor que o duopólio dos Partidos Nacionalista e Liberal ou a ordem de partido único de Marcos. O capitalismo burocrático se tornou pior desde a ditadura de Marcos. Assim, o povo filipino e suas forças revolucio-nários se tornaram mais determinadas em derrubar por completo o sistema dominante e consequen-temente encerrar o domínio dos EUA, em ordem de realizar a completa libertação nacional e social.

IV. PERSISTêNCIA DA MENTALIDADE COLONIAL Desde o começo de sua ordem colonial nas Filipinas, o imperialismo dos EUA esta-va determinado a dominar e controlar o povo filipino culturalmente além das formas militares, econômicas e políticas. Ele procurou capturar os corações e mentes do povo fingindo ser be-neficente e altruísta e fazendo o povo esquecer sobre a extrema brutalidade de suas guerras de agressões, através da propaganda política e do sistema de educação e cultural. Assim, ele dramatizou a chegada de centenas de professores norte-americanos a bordo do navio Thomas e a conversão de algumas de suas tropas para áreas pacificadas para professores escolares. Os imperialistas estadunidenses se fingiram muito mais gentis e bondosos que os colo-nialistas espanhóis que eles demonizaram. E ainda, de forma inteligente, forjou um compromis-so entre sua própria cultura imperialista e o feudalismo da dominante Igreja Católica Romana. Os EUA controlaram a rede pública do sistema educacional e permitiu a igreja e suas ordens religiosas a controlarem o principal sistema de ensino privado. Propagou um conservador e pró-imperialista tipo de liberalismo, enquanto as escolas das religiões sectárias continuaram as instruções religiosas e aceitaram a nova ordem colonial. Os EUA suprimiram as expressões de patriotismo e anti-imperialismo por líderes políticos e de massas, por jornais, escritores criati-vos, artistas e professores. Uma mentalidade colonial pró EUA suplantou a forma anterior pró espanhola nas es-colas. As autoridades coloniais dos EUA estabeleceram o sistema de pensionado, oferecendo bolsas de estudos a estudantes destacados para estudos superiores nos EUA. Quando os pen-sionados retornaram, eles propagavam suas adulações dos EUA e, assim, estavam seguros de promoções no sistema educacional, na burocracia, nos negócios e profissionalmente. A suplan-tação do espanhol pelo inglês como meio principal nas escolas e no governo garantiu a predo-minância da mentalidade colonial pró EUA. Mas tal mentalidade colonial nunca poderia obliterar o patriotismo e as aspirações revolucionárias do povo filipino. De vários modos, o povo exigiu por independência nacional, democracia e a condenação do regime colonial dos EUA. Organi-zações de operários e intelectuais preservaram em alto a propagação das ideias e sentimentos patrióticos e progressistas. Elas foram reforçadas e revitalizadas pelo estabelecimento do Par-tido Comunista das Ilhas Filipinas, que foi declaradamente guiado pelo Marxismo-Leninismo e que exigiu uma nacional, científica cultura de massas. As influências da Grande Revolução de Outubro e dos movimentos revolucionários na Chi-na, Espanha, Alemanha, nos EUA e em todos os lugares alcançaram as Filipinas, especialmente

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quando a Grande Depressão se agravou e os movimentos fascistas e antifascistas surgiram em várias partes do mundo. As autoridades coloniais dos EUA tentaram combinar anticomunismo com a mentalidade colonial para desacreditar as forças patrióticas e progressistas. Mas eles fa-lharam porque a crise econômica e social estava se agravando e a ameaça do fascismo levou o povo para a luta de independência nacional, pelos direitos democráticos e justiça social. Durante sua ocupação nas Filipinas, de 1942 a 1945, os imperialistas japoneses tentaram imitar os imperialistas norte-americanos através da educação, da mídia de massas, organiza-ções fantoches como a KALIBAPI, da língua japonesa e outros meios culturais impostos sobre o povo de vários aspectos de sua cultura colonial, incluindo suas ideias fascistas e práticas que levaram a acentuação de vestígios feudais, até mesmo sua linguagem corporal (por exemplo, curvando-se profundamente para demonstrar respeito e submissão). Eles despertaram raiva patriótica sobre o povo filipino. Muitos filipinos não enviaram suas crianças às escolas públicas controladas pelos japoneses e as mantiveram longe da doutrinação japonesa. Depois de sua reconquista das Filipinas em 1946, os imperialistas norte-americanos se pas-saram por libertadores do povo filipino, mesmo enquanto eles estavam claramente restabelecendo seu domínio militar, econômica, política e cultural. Eles mostraram sinais de que desejariam adiar a concessão de uma independência nominal, a menos que suas imposições injustas fossem aceitas. Eles foram confrontados pela antiga união dos Partidos Comunistas e Socialistas, que dirigiram o Exército Popular Anti-Japonês e pela ampla Aliança Democrática de forças patrióticas e progres-sistas que exigiram a independência nacional e resistiram às imposições imperialistas. Desde a garantia da nominal independência de 1946, quando o sistema dominante nas Filipinas se tornou semicolonial, os EUA tentaram perpetuar uma mentalidade colonial pró-EUA dentre os filipinos e combinaram isso com anticomunismo. Utilizou dos partidos políticos dominan-tes, as escolas, a mídia de massas, as igrejas, filmes, músicas pop e programas de entretenimento para tachar os EUA como defensores da democracia ou distrair o povo das causas de libertação nacional e social nas Filipinas e dos avanços das forças de libertação nacional e socialistas. As ideias e sentimentos políticos engendrados pelo duopólio dos Partidos Liberal e Na-cionalista eram pró-imperialista e reacionários. As grandes autoridades políticas e educacionais impeliram aos administradores escolares e professores a adotarem os currículos e programas que eles haviam aprovados. Os EUA garantiram bolsas de estudo sob os programas Fulbright e Smith-Mundt para manter sua influência nas universidades-chave e em todo o sistema educa-cional. Também utilizou de conferências, seminários e bolsas de viagens para promover ideias e sentimentos pró-imperialistas e anticomunistas sobre os acadêmicos, jornalistas, escritos criati-vos, artistas, sindicalistas e outras pessoas. A CIA se tornou mais notória por meio de suas fundações dianteiras (Fundação Asiática, PEN e o Congresso pela Liberdade Cultural), financiando e manipulando organizações cultu-rais e atividades sobre as linhas pró-imperialistas e anticomunistas como uma tarefa importante da Guerra Fria promovida pelos EUA. As autoridades reacionárias no Estado e nas escolas religiosas também eram notórias em prevenir estudos de trabalhadores de intelectuais e de líderes políticas da antiga revolução democrática e se opuseram aos discursos e escritos de anti-imperialistas contemporâneos, como Claro Mayo Recto. Quando as organizações de massas que adotaram a revolução de nova democracia cresceram em força nos anos 1960 e início dos anos de 1970, as “ajudas” estrangeiras e agên-cias educacionais norte-americanas e as fundações privadas dos EUA como de Ford e Rock-feller intensificaram sua interferência nos campos educacionais e culturais nas Filipinas. Depois de declarar a Lei Marcial em 1972, Marcos estabeleceu o controle draconiano sobre a mídia de massas e os canais culturais, e aprofundou a propaganda de sua ditadura fascista através do sistema educacional com seus currículos e programas censurados. O regime fascista e os EUA também iniciaram a utilizar o Banco Mundial para financiar as tão chamadas reformas para alinhar a educação com as políticas dos EUA. Os regimes pós-Marcos têm propagado as ideias e sentimentos antinacionais e antidemo-cráticos junto com a linha neocolonial e neoliberal. A cultura imperialista dos EUA se tornou ainda

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mais presente. Enquanto um regime após o outro tem canalizado mais fundos públicos para o pa-gamento da dívida externa, à corrupção burocrática e campanhas militares de supressão, todos têm reduzido os fundos dos colégios e universidades estatais em ordem de pressioná-los a aumentarem propinas e procurarem assistência do setor privado e das entidades estrangeiras dos EUA. Os EUA e outras agências governamentais imperialistas e empresas privadas financiam e dirigem organizações não-governamentais ou organizações da sociedade civil para subverter instituições culturais e educacionais e atacam outros trabalhos educacionais e culturais dos mo-vimentos democrático-populares nacionais. As agências norte-americanas, como a Agência de Desenvolvimento Internacional, a Fundação Nacional para a Democracia, o Instituto de Paz dos EUA e similares são bem conhecidos por financiar grupos para subverter e atacar os esforços e aspirações do povo das Filipinas para a libertação nacional e social. Mais do que nunca, o povo filipino e suas forças revolucionárias exigem e lutam por uma educação e cultura nacional, científica e de massas. Os quadros e ativistas de massas estão propagando este tipo de cultura e educação patriótico e progressista, e contribuindo criativa-mente para avançar mesmo nas escolar e outras instituições culturais do sistema dominante. Mas certamente eles são mais efetivos no movimento de massas, no exército popular e nas áreas governadas pelo governo popular-democrático.

V. PERSPECTIVA DO POVO DAS FILIPINAS NA REVOLUÇÃO DE NOVA DEMOCRACIA O povo filipino e suas forças revolucionárias persistem na luta por independência nacio-nal e democracia sob a direção da classe operária e seu destacamento de vanguarda, o Partido Comunista das Filipinas. É precisamente através da luta revolucionária que eles constroem sua força para derrubar o sistema dominante e estabelecer o sistema estatal de democracia popular. Eles estão preparados para lutar contra o imperialismo norte-americano quando ele aumentar sua intervenção militar para uma guerra total de agressão. Ambos, o imperialismo dos EUA e o sistema dominante dos grandes compradores e latifundiários, não podem perdurar para sempre nas Filipinas. Por suas próprias ganâncias de-senfreadas e terrorismo sob as auspicias do neocolonialismo e neoliberalismo, eles, cada vez mais, expõem seu caráter injusto e falido, e condicionam o povo a intensificar suas lutas pela libertação nacional e social. Após sair vitorioso da revolução de nova democracia, o povo filipino pode proceder ao estágio socialista da revolução nas Filipinas. A traição do socialismo pelo revisionismo moderno desde fins da década de 1960, culmi-nando na restauração completado do capitalismo em seus respectivos países de 1989 a 1991, levou ao pleno domínio do neocolonialismo nos países subdesenvolvidos e o neoliberalismo em todo o sistema capitalista mundial. Desde 2007-2008, quando os EUA e outras nações im-perialistas sofreram um grande choque pela crise econômica e financeira comparável à Grande Depressão, as condições dos explorados e oprimidos pioraram como se não tivesse fim; mas, ao mesmo tempo, têm dirigido as amplas massas do povo para resistirem. O imperialismo dos EUA tem minado sua própria posição como única superpotência devido à exagerada produção militar de alta tecnologia e das guerras de agressão, fazendo a China um im-portante parceiro na globalização neoliberal, baseando-se em trabalho chinês barato para produzir bens-de-consumo, por uma menor cotação de produção e de emprego nos EUA, acelerando a finan-ceirização da economia dos EUA e se tornando um devedor da China. A completa entrada da China e Rússia nas fileiras dos grandes países capitalistas não fortaleceu o sistema do mundo capitalista, mas o tornou mais agudo e mais propenso à intensificação das contradições interimperialistas. Até a primeira década do século XXI, China e Rússia têm sido condescendentes com os EUA em se envolver em guerras de agressão, como no caso do Iraque e do Afeganistão. Mas, posteriormente, eles se tornaram cautelosos com o expansionismo dos EUA e formaram a Organização de Cooperação de Shangai para contrabalancear a crescente agressividade dos EUA e da OTAN. Eles também promoveram o BRIC como um bloco econômico para contrapor a arrogância norte-americana na economia, no comércio e nas questões financeiras. As contradi-ções interimperialistas estão ainda aparentemente distantes de engendrarem uma guerra direta

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ou indireta entre alguma das grandes potências capitalistas, apesar de seus envolvimentos em disputas civis, tais como na Síria e na Ucrânia. No Leste Asiático, a China passou de ser conhecida como patrocinadora da grande burgue-sia-compradora chinesa colaboradora com os EUA e outras empresas multinacionais em operações de fábricas exploradoras e construção privada para se tornar uma potência capitalista industrial, envolvendo a colaboração nacionalista de ambos os Estados e o privado capitalismo monopolista. Mas a China ainda está evitando ser chamada de uma potência imperialista completa, que utiliza de agressões para adquirir tanto territórios políticos como territórios econômicos. Mesmo em mis-sões de paz da ONU, ela prefere contribuir com assessoria policial do que com tropas militares. Nas disputas marítimas sobre o Mar do Sul da China, a China está visivelmente exagera-da e potencialmente violenta. Mas até agora não se envolveu em nenhum ato de agressão para o propósito de subjugar algum país. A apresentação pelas Filipinas de suas disputas marítimas com a China ao Tribunal Internacional do Direito do Mar é um ato pacífico e poderia ser uma forma pacífica de resolver as disputas marítimas e disputas similares. Uma situação em que a China sempre pode insistir numa soberania indiscutível acima dos 90% sobre o Mar do Sul da China é mais propensa a violência. O regime reacionário de Aquino vangloriou-se de que os EUA protegerão as Filipinas da China e permitiu os EUA a manterem bases militares, tropas, equipamentos, materiais de guerra (tanques, navios de guerra e aviões de ataque) e mesmo armas nucleares sobre o território filipino, sob o novo Acordo de Cooperação em Defesa Reforçado, em clara violação com a Constituição de 1987. Na verdade, os EUA declararam neutralidade entre as Filipinas e a China acerca da disputa marítima. Ele está deliberadamente mantendo uma dupla política, de cooperação e contenção em relação à China. Os EUA está consciente de que possui muito mais interesse econômico, comercial, financeiro e de segurança sobre a China do que sobre as Filipinas. Mesmo a camarilha dominante de Aquino possui relações lucrativas com empresas de mineração, de construção, de processamento e exportação e comerciais chinesas. Nesse meio tempo, o ímpeto provocador da política neoconservadora, para fazer dos EUA dominante por todo o século XXI, e o uso de uma abordagem de amplas proporções pre-tende acabar com qualquer rival imperialista, e as provocações mais recentes do eixo norte--americano na Ásia contra a China, assim como as expansões dos EUA-EU-OTAN na Ucrânia contra a Rússia, têm empurrado a China e a Rússia a assinarem em 21 de Maio (2014) um acordo de 30 anos no valor de 400 bilhões de dólares de gás natural. Este acordo solidifica a aliança de China e Rússia contra os esquemas hegemônicos dos EUA e está no centro dos mais pertinentes acordos comerciais, financeiros e econômicos, e está concomitante a um gran-de aumento de aliança de segurança e cooperação entre os dois vizinhos gigantes. A luta pela redivisão do mundo entre as grandes potências capitalistas está constantemente se desenvol-vendo antes de grandes terremotos virem a tona e servirem de prelúdio para o surgimento sem precedentes de movimentos anti-imperialistas e socialistas. O povo filipino e as forças revolucionárias devem ter a noção da complexidade do sis-tema capitalista mundial atual e estudar como tirar proveito de oportunidades apresentadas pelas contradições interimperialistas, como fizeram os Bolcheviques quando ainda não havia nenhum país socialista para ajuda-los. Eles devem resolutamente elevar o nível das capacida-des de consciência revolucionária e de luta. Devem estar determinados a vencer a revolução democrático-popular e proceder para uma revolução socialista. Eles devem estar preparados para confrontar e combater o inimigo imperialista número um em todas as etapas. Eles podem ter a certeza que a turbulência do sistema capitalista mundial, assolado por uma prolongada, intensificada e ampliada crise, é a véspera de renovadas revoluções anti-im-perialistas e proletárias numa escala global. Devem se basear principalmente em si mesmos em levar a cabo a revolução como têm feito vitoriosamente por tanto tempo, intensificar os esforços para promover a solidariedade e apoio a outros povos e movimentos revolucionários e tirar vantagem de uma crise global, das contradições interimperialistas e ascensão e propagação de revoluções anti-imperialistas e proletárias numa escala global.

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Este diálogo entre dois grandes revolucionários do século XX, ocorreu em 19 de Novembro de 1960 em Pequim, pouco tempo após o triunfo da Revolução Cubana. Além do imenso valor histórico instrínseco ao encontro dessas importantes figuras do movimento comu-nista internacional, a conversa aqui transcrita também contribui para a compreensão de conceitos essenciais, como a de burguesia compradora, para a compreensão da realidade mundial hoje. A transcrição da entrevista estava originalmente em espanhol e foi traduzi-

da para o português pelos companheiros do Portal Vermelho À Esquerda.

ENCONTRO DE Mao tsé-tunge ernesto “Che” guevara

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Presidente Mao: Delegação cubana, seja bem-vinda!Guevara: [“abreviado no original como Ge”, não abreviado aqui]: É um grande placer [para nós] ter esta oportunidade de saudar ao presidente Mao [em pessoa]. Nós sempre veneramos ao presidente Mao em nossa luta. Somos uma delegação oficial, representando Cuba, ainda que os membros de nossa delegação nasceram em quatro países diferentesPresidente Mao: Você é argentino?Guevara: Nasci na Argentina.Presidente Mao: E onde nasceram os outros membros da delegação?Guevara: [Ramiro Fernando] Maldonado [Secretário Geral do Partido Social Revolucionário do Equador] é equatoriano, [economista Albán] Lataste é chileno, eu nasci na Argentina, todos os demais nasceram em Cuba. Ainda que alguns de nós não nascemos em Cuba, o povo cubano não se ressente que não tenhamos nascido em Cuba. Nós realmente defendemos a revolução

“Che Guevara admirava a Mao Tsé-Tung. Em novembro de 1960, ambos os dirigentes revolu-cionários se reuniram pela primeira vez em Pequim. A revolução cubana estava a ponto de completar o segundo aniversário da tomada do poder. E no ano que estava pra terminar, o enfrentamento com o imperialismo norte-americano se havia radicalizado e o governo revolucionário havia procedido a na-cionalização e confisco das empresas e propriedades norte-americanas. A ameaça de uma agressão imperialista parecia iminente. No processo de radicalização da revolução, Cuba havia estabelecido acor-dos com a URSS e se inclinava ao campo socialista. A seguir, apresentamos a minuta da conversa que tiveram Mao Tsé-Tung e o Che. Se bem que não haja muito de novo em relação com as ideias de ambos ou com a interpretação dos fatos que viveram, tem um importante valor histórico. Há alguns momentos da conversa que é interessante ressaltar. Um deles tem a ver com a confusão de Che Guevara em relação aos conceitos de burguesia-compradora e burguesia nacional, que Mao trata de corrigir, assinalando corretamente que não se deve confundi-las. Ambos os conceitos foram utilizados pela Internacional Comunista para se referir à burguesia nos países coloniais e dependentes. Na China, para referir-se à burguesia-compradora se utilizou também o termo “burguesia burocrática”, como indicou Mao Zedong em seu artigo de 1947 “A Situação Atual e Nossas Tarefas”. Nessa conversa, por exemplo, Mao reitera que Jiang Jieshi (Chang Kai-shek) era o “comprador” dos ingleses e norte-americanos. Outro momento digno de destaque na conversa é quando, ao fazer-se referência ao artigo de Che Guevara intitulado “Notas Para o Estudo da Ideologia da Revolução Cubana”, Mao assinala que ele está de acordo com os pontos aí anotados pelo Che. Mas ao continuar o diálogo, Mao traz a exame os três princípios formulados por Che em seu folheto “A Guerra de Guerrilhas”. Se bem que nesse livro se pode observar a influência de Mao sobre Che Guevara, consideramos, porém que não se pode dizer em ter-mos absolutos que Guevara adotara e adaptara as teses militares de Mao à realidade latino-americana. E particularmente, quanto ao segundo princípio que diz que “nem sempre há que se esperar que se deem todas as condições para a revolução: o foco insurrecional pode cria-las”, não cremos que Mao estivesse de acordo com ele, porque em seus escritos demonstra que observa a teoria leninista das condições ob-jetivas e subjetivas da revolução, do que o segundo princípio do Che se distancia. Outro aspecto importante a assinalar é a personalização que faz Zhou Enlai quando fala sobre a experiência da Revolução Chinesa. Ele não disse “quando fazíamos a revolução” ou “quando fazíamos a guerra de guerrilhas” e sim “quando o presidente Mao fazia as guerrilhas”. Este tipo de referências, porém, não o fazia somente o “adulador” Zhou Enlai, o faziam todos os dirigentes chineses, na presença de Mao, excluindo-se do protagonismo que também tiveram, independentemente da evolução de suas posições políticas. Isto, já em 1960, indicava o grau exagerado do culto à personalidade de Mao, que alcançaria níveis estratosféricos durante a Revolução Cultural, quando o próprio Lin Biao era o que mais incorria em expressões verdadeiramente aduladoras.”

Hora: 4:20 PM – 6:30 PM, 19 de Novembro de 1960Lugar: Salão Qingzhen em Zhongnanhai

Participantes: Do lado cubano – Chefe de Delegação e Presidente do Banco de Desenvolvimento Nacional, Ernesto Che Guevara,e outros membros da delegação. Do lado chinês – Zhou Enflai, Li Xiannian, Geng Biao, Shen Jian, Lin Ping

Intérpretes: Cai Tongguo, Liu XiliangEscrivão: Zhang Zai

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cubana. Fidel [Castro] representa a vontade de todos os latino-americanos.Presidente Mao: Vocês são internacionalistas.Guevara: Os internacionalistas da América Latina.Presidente Mao: Os povos da Ásia, os povos da África e todo o campo socialista os apoiam. No ano passado você visitou alguns países asiáticos, [não é verdade?]Guevara: Alguns países como Índia, Sião [Tailândia], Indonésia, Birmânia, Japão, Paquistão.Presidente Mao: Com exceção da China, [você] esteve em todos os principais países da Ásia.Guevara: Por isso estou na China agora.Presidente Mao: Mao: Bem vindo!Guevara: Nossa situação interna ainda não se havia estabilizado quando saí de Cuba no ano passado, por essa razão nos conduzimos cautelosamente com o mundo exterior, diferente de agora. [Agora] a situação interna se consolidou e podemos ser mais resolutos.Presidente Mao: A atual situação internacional é melhor que a do ano passado.Guevara: A nação inteira está unida, mas a cada dia os imperialistas esperam nos dividir.Presidente Mao: Fora os operários e camponeses, quem mais se uniu a vocês?Guevara: Nosso governo representa os operários e camponeses. Nosso país, no entanto, tem uma pequena burguesia que tem uma relação amistosa e coopera conosco.Presidente Mao: Não [há] burguesia nacional?Guevara: A burguesia nacional estava basicamente composta por importadores. Seus interesses estavam en-trelaçados com os do imperialismo e estavam contra nós. [Por isso] os destruímos econômica e politicamente.Presidente Mao: Eles eram burguesia compradora. Não [devem] ser considerados como bur-guesia nacional.Guevara: Alguns dependiam completamente do imperialismo. O imperialismo lhes dava capital, tecnologia, patentes e mercado. Ainda que vivessem em seu próprio país, seus interesses es-tavam entrelaçados com o imperialismo; era o caso, por exemplo, dos comerciantes de açúcar.Presidente Mao: Os empresários do açúcar.Guevara: Eles mesmos. Agora o negócio do açúcar foi nacionalizado.Presidente Mao: Vocês basicamente expropriaram todo o capital norte-americano.Guevara: Não basicamente, completamente. Talvez algum capital tenha escapado [da expro-priação]. Mas não é que não o queiramos [expropria-lo].Presidente Mao: Vocês ofereceram compensação ao expropria-los?Guevara: Sim [uma companhia açucareira] nos comprava mais de três milhões de toneladas de açúcar [antes da expropriação], [nós] oferecíamos uma compensação entre 5% e 25% [do valor do açúcar comprado]. [As pessoas] não familiarizadas com a situação em Cuba tem dificuldade para entender a ironia incorporada nessa políticaPresidente Mao: Segundo a imprensa, vocês devolviam o capital e o lucro sobre 47 “caballe-rias” por ano, com uma taxa de interesse anual de 1%Guevara: Só as [companhias] que compravam mais de 3 milhões de toneladas de açúcar eram com-pensadas. Se não haviam comprado, não havia compensação. Havia dois bancos canadenses, relati-vamente grandes. Não os nacionalizamos, e isto é consistente com nossas políticas interna e externa.Presidente Mao: É estratecimanete aceitável tolerar temporariamente a presença de algumas companhias imperialistas. Nós também temos algumas [companhias imperialistas] aqui.Premier [Zhou Enlai]: Por exemplo, como o HSBC [Hong Kong and Shanghai Banking Corpo-ration], cuja presença é quase simbólica.Guevara: Esses bancos canadenses em Cuba são o mesmo que o HSBC aqui.Presidente Mao: Vocês [devem] unir aos operários e camponeses, quero dizer, a maioria.Guevara: Algumas pessoas da burguesia se puseram contra nós e se uniram ao campo inimigo.Presidente Mao: Aqueles que se puseram contra vocês são seus inimigos. Vocês tem feito um grande trabalho em suprimir esses contrarrevolucionários.Guevara: Os contrarrevolucionários realizavam atos de agressão. [Por exemplo] algumas ve-zes, ocupavam algumas ilhas, [nesse caso] os aniquilavamos imediatamente depois. Nada pra se preocupar. [Nós] executávamos ao líder fuzilando-o quando o capturávamos. Seu equipa-

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mento vinha dos Estados Unidos e era lançado de paraquedas.Presidente Mao: Vocês também capturaram vários norte-americanos [não é verdade?]Guevara: [Eles foram] processados imediatamente e fuzilados.Premier [Zhou Enlai]: O governo norte-americano protestava e vocês respondiam.Presidente Mao: Vocês são firmes. Sejam firmes até o final, essa é a esperança [da revolução], e o imperialismo se encontrará em grandes dificuldades. Mas se vacilarem e entrarem em acor-dos o imperialismo verá que é fácil [lidar com vocês].Guevara: Na primeira etapa de nossa revolução, Fidel propôs uma forma de resolver o proble-ma da moradia pública, porque o governo tem a responsabilidade de que todos tenham uma moradia. Confiscamos as propriedades dos grandes proprietários de casas e as distribuímos entre o povo. Os pequenos proprietários de casas conservam suas propriedades como antes.Presidente Mao: E depois?Guevara: Agora estamos na segunda etapa da revolução, quer dizer, terminar com o fenômeno da ex-ploração do homem pelo homem. Na estreita relação com a situação interna e internacional, estamos tra-balhando na consolidação de nosso regime: erradicando o analfabetismo e o desemprego (que está em uma condição particularmente séria), desenvolvendo o setor industrial e aprofundando a reforma agrária.Presidente Mao: Excelente! Vocês tem influência na América Latina, e até na Ásia e África. Eles serão influenciados enquanto vocês fizerem bem as coisas.Guevara: Especialmente a América LatinaPresidente Mao: A pequena burguesia e a burguesia nacional latino-americanas tem medo do socialismo. Por um bom tempo, vocês não deveriam se apressar com as reformas sociais. Este método lhes permitirá ganhar a pequena burguesia e a burguesia nacional da América Latina. Depois da vitória, foram nacionalizados todos os negócios de Jiang Jieshi [Chian Kai-shek] e os negócios que anteriormente pertenciam à Alemanha, Itália e Japão mas que depois passaram a ser patrimônio de Jiang, isso permitiu que o capital propriedade do Estado alcançasse 80% de todo o capital industrial. Ainda que a burguesia nacional tivesse só 20% [de todo o capital industrial], empregava mais de 1 milhão de operários e controlava toda a rede comercial. Nos tomou quase sete anos resolver este problema. [Nós] lhes demos empregos, direito ao voto, ad-ministração conjunta público-privada e compra de participações, com a esperança de resolver este problema. Esta solução [conjunta] lhes satisfez e teve um bom efeito relativo no exterior. Depois de ver esta saída, pese que a burguesia asiática não estava completamente, esteve de acordo em que esta era uma forma aceitável de uni-los e que estava bem em utilizar a política de compra de participações. O problema do setor artesanal urbano e a pequena burguesia foi enfrentado, igulamente, por meio das cooperativas.Guevara: Devemos aprender da experiência de outros países, incluindo China e outros países socialistas. Quanto à burguesia, lhes demos respeito, trabalho e dinheiro, desejando que não abandonassem o país. Também lhes demos salários aos técnicos. Tradicionalmente, não temos indústria artesanal, em consequência, não temos problemas nesse sentido. Temos reunido os desempregados nas cooperativas, as quais em retribuição lhes dão emprego.Presidente Mao: Estados Unidos não quer que Cuba tenha burguesia nacional. Este é o mes-mo caso do Japão na Coréia e do noroeste da China [por exemplo, Manchuria], e no caso da França no Vietnã. Eles não permitem que os locais tenham grandes projetos.Guevara: Este fato se assemelha a [ao que aconteceu na] América Latina. A fim de destruir as forças feudais, o imperialismo promoveu a burguesia nacional. A burguesia nacional também podia pedir impostos mais altos para a importação. Mas não lutava pelos interesses nacionais; de fato, está coligado ao imperialismo.Presidente Mao: Tenho uma pergunta. A indústria brasileira do aço está vinculada aos Estados Unidos em termos de capital?Guevara: As principais fábricas metalúrgicas do Brasil foram estabelecidas com capital norte-americano.Premier [Zhou Enlai]: Qual é a porcentagem do capital norte-americano? Brasil produz 1.6 milhões de toneladas de aço [anualmente].Guevara: Não está claro o montante total do capital na maior fábrica do Brasil. Mas tecnologi-camente depende completamente dos Estados Unidos. Brasil é um país grande, porém, real-

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mente não existe diferença entre ele e outros países latino-americanos.Presidente Mao: Tenho outra pergunta. Vocês levaram mais de dois anos desde o desembarque inicial em Cuba até o momento da vitória final. Vocês uniram os camponeses e obtiveram a vitó-ria. Existe alguma possibilidade de que outro país latino-americano possa seguir esse modelo?Guevara: Não se pode responder a essa pergunta em um só sentido [yigaierlun]. De fato, você tem mais experiência e uma análise mais perspicaz [que nós]. Em minha opinião, Cuba enfren-tava mais dificuldades para iniciar uma revolução que outros países latino-americanos. Havia, porém, um só fator favorável: obtivemos a vitória explorando a negligencia dos imperialistas. Os imperialistas não concentraram suas forças ao lidar conosco. Eles creram que Fidel ia lhes pedir empréstimos depois da vitória e que cooperaria com eles. [Pelo contrário], iniciar a revolução em outros países latino-americanos enfrentaria o mesmo perigo que a Guatemala – Estados Unidos interviria enviando marines.[1]

Presidente Mao: Há algumas diferenças [entre esses países latino-americanos] enquanto a situação interna?Guevara: Politicamente, há [diferenças]. Mas em termos sociais, [todos esses países] caem em duas ou três categorias. Três países tem uma luta armada [em desenvolvimento]: Paraguai, Nicaragua e Guatemala.Presidente Mao: Agora os Estados Unidos dirigem suas lanzas [duifu] à Guatemala e Nicaragua.Guevara: Na Colômbia e no Perú, emerge a possibilidade de um grande movimento revolucionário popular.Presidente Mao: Como foi dito, no Perú, a maioria do povo precisa da terra. Também na Colombia.Guevara: O caso do Peru é interessante. Sempre houve o costume do comunismo primitivo. Durante seu domínio, os espanhóis trouxeram o feudalismo e a escravidão. Mas o comunismo primitivo não desapareceu por isso. Pelo contrário, sobrevive até hoje. O partido comunista ga-nhou as eleições em Cuzco. Esta luta [pela vitória comunista nas eleições] está irmanada com a luta racial. No Peru vivem muito índios nativos, mas só os brancos e os mestiços podem possuir a terra e serem proprietários.Presidente Mao: O povo local tem uma população de 9 milhões a 10 milhões, enquanto que a população espanhola ali é estimada só em dez mil.Guevara: Essas cifras podem ter sido exageradas. Peru tem 12 milhões de habitantes, dos quais 10 milhões são nativos e dois milhões são brancos.Presidente Mao: [Peru é] similar à África do Sul. A África do Sul tem só 3 milhões de ingleses.Premier [Zhou Enlai]: Há 3 milhões de ingleses, 1 milhão de holandeses, 1 milhão de mesti-ços, 8 milhões de negros e meio milhão de indianos. As pessoas dessas duas últimas catego-rias vivem nas condições mais miseráveis. Só os brancos têm direito ao voto.Guevara: Peru no entanto tem escravidão. A terra se vende com as pessoas incluídas.Premier [Zhou Enlai]: Como o Tibet no passado.Guevara: Nessas zonas atrasadas, os habitantes não usam dinheiro. Quando se vende, [o vendedo] põe os produtos em um lado da balança e moedas de cobre no outro para medi-los. Não se usa notas ali.Presidente Mao: A situação na Colômbia é algo diferente, [não é verdade?]Guevara: Colômbia tem um feudalismo mais fraco, mas tem uma presença católica mais forte. Os proprietários e a Igreja Católica se confabulam com os Estados Unidos. Os índios nativos são pobres, mas não escravos. As forças guerrilheiras costumavam estar presentes na Colôm-bia, mas agora deixaram de lutar.Presidente Mao: Cuba tem relações diplomáticas com outros países latino-americanos?Guevara: Vários países se coligaram e endureceram suas relações com Cuba. Esses países são Haiti, República Dominicana e Guatemala. Colômbia, El Salvador e Honduras, juntos, declararam ao embaixador cubano persona non grata. Brasil retirou seu embaixador, ainda que por outra razão.Premier [Zhou Enlai]: No total são 7 países.Presidente Mao: Nesse caso, [Cuba] tem relações com a maioria dois países: 19 [países latino--americanos] menos 7 é igual a 12.

[1] Uma clara alusão à derrubada – respaldada pela CIA – de Jacobo Arbenz em 1954

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Guevara: [Cuba] não tem relações com os 3 primeiros [Haiti, República Dominicana e Guatemala]. Nos 4 últimos países [Colômbia, El Salvador, Honduras e Brasil], há chargé d’affaires cubano, mas não embaixador cubano. Para os cubanos, ir ao Brasil, é como ir ao outro lado da Cortina de Ferro.Presidente Mao: Qual a natureza das guerras na Guatemala e Nicaragua? São guerras populares?Guevara: Não posso dar uma resposta precisa. Minha impressão é que [a guerra em] Guate-mala é [guerra popular] enquanto que [a guerra] em Nicaragua é só de tipo normal. [Elas são] distantes [de Cuba]. Não tenho idéia [da natureza de suas guerras]. [O que disse] é só uma resposta subjetiva.Presidente Mao: O que acontece na Guatemala está relacionado com [Jacobo] Árbenz [Guzmán]?Guevara: Só vi a declaramção de Árbenz sobre este tema antes de vir para a China. A revolu-ção [aí] é talvez de caráter popular.Presidente Mao: Então, Árbenz está em Cuba agora?Guevara: Sim, está em Cuba.Presidente Mao: Ele esteve na China e na União Soviética. É uma pessoa agradável.Guevara: Nós confiamos nele. Cometeu alguns erros no passado, mas é direito, firme e se pode confiar nele.

(O presidente Mao convidou a todos os membros da delegação a uma ceia, durante a qual continuaram conversando)

Guevara: Há duas coisas quase idênticas entre China e Cuba que me impressionaram mui-tíssimo. Quando vocês estavam fazendo a revolução, o ataque de Jiang Jieshi contra vocês foi [denominado] cerco e aniquilação [weijiao], duas palavras que também foram usadas pelos reacionários em nosso caso. As estratégias [utilizadas por eles] foram as mesmas.Presidente Mao: Quando corpos estranhos entram no corpo, as células brancas os cercam e ani-quilam. Jiang Jieshi nos considerava uma bacteria e queria nos destruir. Nós lutamos contra ele, com intervalos, durante 22 anos, com duas colaborações e duas rupturas as que naturalmente alargaram o prazo. Durante a primeira colaboração, nós incorremos em [o erro de seguir] o opor-tunismo de direita. Surgiu um grupo direitista no seio do partido. O resultado foi que Jiang Jieshi depurou o partido, se opôs ao comunismo e reprimiu com guerra, isto aconteceu durante a Expe-dição do Norte. O segundo período, de 1924 a 1927, foi só de guerra. Não nos deixaram saída, igual a Batista que não lhes deixou nenhuma saída. Jiang Jieshi nos ensinou a nós e também ao povo chinês, assim como Batista lhes ensinou a vocês e ao povo cubano: não há outra saída a não ser empunhar as armas e lutar. Nenhum de nós sabia como lutar e tampouco nos preparamos para lutar. O Premier e eu somos intelectuais; ele (referindo-se a Li Xiannian, Vice-Premier) era operário. Mas que outra opção nos sobrava? Ele [Jiang Jieshi] queria acabar conosco.

(O presidente Mao levanta seu copo e propõe um brinde pelo êxito da revolução popular cubana e à saúde de todos os membros da delegação)

Presidente Mao: Uma vez que estalou a guerra, continuou durante os dez anos seguintes. Construímos bases de apoio, mas incorremos no [o erro de seguir] o oportunismo de direita; e quando a política se inclinou excessivamente à esquerda, consequentemente perdemos as bases de apoio, e fomos obrigados a nos retirar, no que foi a Grande Marcha. Estes erros nos ensinaram. Basicamente cometemos dois erros, um de direita e outro de “esquerda”- e apren-demos a lição. Quando o Japão fez a guerra contra a China, cooperamos novamente com Jiang Jieshi, uma experiência que vocês não tiveram.Guevara: É uma fortuna que não a tivéssemos.Presidente Mao: Vocês não tiveram a possibilidade de cooperar com Batista.Guevara: Batista não tinha contradições com os norte-americanos.Presidente Mao: Jiang Jieshi é o cão de guarda dos ingleses e norte-americanos. Quando o Japão invadiu [a China], Jiang Jieshi não aprovou. No terceiro período, [que durou] 8 anos [1937-45], cooperamos com Jiang Jieshi para lutar contra o Japão. A cooperação não foi boa, [porque] Jiang Jieshi representava a classe capitalista compradora, sendo o intermediário da

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Inglaterra e Estados Unidos. No quarto período, depois que o Japão fora expulso, Jiang Jisehi nos atacou; passamos um ano nos defendendo [contra ele] e logo contra-atacamos, o que nos custou um total de três anos e meio; em 1949 alcançamos a vitória em todo o país e Jiang Jieshi fugiu pra Taiwan. Vocês não tem uma Ilha Taiwan.Premier [Zhou Enlai]: Vocês tem a Ilha de Binuo [a Isla de Pinos]. Mas que Batista tivesse a chance de fugir para essa ilha, eles tomaram a Isla de Pinos.Presidente Mao: Que bom que tomaram.Guevara: A possibilidade de que os Estados Unidos nos ataquem continuam.Premier [Zhou Enlai]: Os norte-americanos tentaram atacar a Isla de Pinos.Presidente Mao: Então, o imperialismo norte-americano é nosso inimigo comum, e também é inimigo comum de todos os povos do mundo. Todos vocês são muito novos.Guevara: Nós nem éramos nascidos quando vocês começaram a fazer a revolução, exceto ele (apontando ao Comandante Suñol) que já havia nascido. Ele tem 35 anos e é o mais velho de nós.Presidente Mao: No passado, lutamos na guerra. Hoje [nós] devemos lutar na construção.Suñol: Defender a revolução.Guevara: A China também tem outra coisa em comum com Cuba. A avaliação da situação [realizada] no Congresso do PCCh em 1945 diz: algumas pessoas das cidades ignorava o campo; nossa luta se dividiu em duas partes: uma realizava a guerra de guerrilhas nas zonas montanhosas e a outra fazia as greves nas cidades; as pessoas que promoviam as greves menosprezava aos que lutavam na guerra de guerrilhas nas zonas montanhosas. Ao final, fracassaram os que promoviam greves.Premier [Zhou Enlai]: Muito parecido…Presidente Mao: Reconfortar-se com o desperdício de forças é aventureirismo. [Enquanto sejam] incapa-zes de prestar atenção ao campo, não será fácil para as pessoas das cidades se aliarem aos camponeses.Premier [Zhou Enlai]: …Me dei conta depois de ler seu artigo do 5 de outubro (se refere à nota de Guevara, publicada na revista Verde Oliva, sobre o estudo da ideologia revolucionária cubana[2]). Li o resumo desse artigo e os temas que analisava. [Você] pode ser considerado um intelectual.Guevara: Ainda estou por chegar à etapa de ser um intelectual.Presidente Mao: [Você] se converteu em autor. Eu, também, tenho lido um resumo de seu artigo, e estou bastante de acordo com seus pontos. [O artigo] possivelmente pode ter influência na América Latina.Premier [Zhou Enlai]: Você trouxe o texto completo?Guevara: Tratarei de encontra-lo.Presidente Mao: Você propôs três princípios em seus artigos. O povo pode derrotar aos re-acionários. Não se tem que esperar que todas as condições estejam maduras para iniciar a revolução. Qual é o terceiro de seus princípios?Guevara: O terceiro princípio é que na América Latina a tarefa principal se desenvolve nas áreas rurais.Premier [Zhou Enlai]: É muito importante vincular a revolução com as áreas rurais.Guevara: Nos atemos muito a esse ponto.Premier [Zhou Enlai]: Alguns amigos latino-americanos não prestam atenção aos campone-ses, enquanto que vocês prestaram muita atenção a esse ponto e triunfaram. A revolução chi-nesa é igual: muita gente não dava importância à contribuição dos camponeses, enquanto o camarada Mao Zedeong concedeu muita importância a este ponto.Presidente Mao: O inimigo nos ensinou isso, ao nos permitir existir nas cidades. Ele [Jiang Jieshi] queria matar pessoas. Que outra coisa podíamos fazer?Guevara: Fidel [Castro] encontrou um ponto muito importante nas obras do Presidente Mao, algo do que nos demos conta no princípio. Se refere ao tratamento generoso com os prisionei-ros de guerra: curar suas feridas e envia-los de volta. Compreendemos esse ponto, que nos ajudou muito [em nossa luta].Presidente Mao: Essa é a maneira de desintegrar as tropas inimigas.Premier [Zhou Enlai]: Seu artigo também toca nesse ponto.

[2] Referência a “Notas para o estudo da ideologia da revolução cubana”de Ernesto Guevara, Verde Oliva (revista das forças armadas de Cuba), 8 de outubro de 1960.

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Guevara: Esse [ponto] foi agregado depois. Originalmente, aos prisioneiros os levávamos os sapatos e a roupa, porque nossos soldados não tinham [nem sapatos nem roupa]. Mas depois Fidel nos proibiu de fazer isso.

(O presidente Mao levanta seu copo e propõe um brinde à saúde de Fidel.)

Guevara: [As pessoas] não comiam bem enquanto faziam a guerra de guerrilhas. Também es-távamos escassos de alimento espiritual. Não podíamos ler materiais.Premier [Zhou Enlai]: Quando o presidente Mao fazia a guerra de guerrilhas, com frequência enviava as pessoas a conseguir periódicos.Presidente Mao: Tratar os periódicos como fontes de informação. Os periódicos inimigos com frequência divulgavam os movimentos do inimigo, e eram uma fonte de informação. Nós come-çamos a revolução com vários milhares de pessoas; [o tamanho das tropas] então subiu a dez mil e logo cresceu até trezentos mil; nesse momento cometemos o erro de “esquerda”. Depois da Grande Marcha, os trezentos mil se reduziram a vinte e cinco mil. O inimigo se sentiu me-nos temeroso de nós. Quando os japoneses invadiram [China], quisemos cooperar com Jiang Jieshi. Ele disse que podiamos [cooperar com ele], porque dado [que eramos] tão poucos, não nos temia. O objetivo de Jiang Jieshi era que os japoneses nos aniquilassem. Mas não espera-va que, depois que lutassemos contra o Japão, cresceríamos de vinte e cinco mil a um milhão e várias centenas de milhares. Quando, depois da rendição dos japoneses, as tropas de Jiang Jieshi de quatro milhões começaram a nos atacar, nós tinhamos um milhão e bases de apoio com uma população de cem milhões. Em três anos e meio, derrotamos a Jiang Jieshi. Essa [guerra nesses anos] não foi mais uma guerra de guerrilhas, foi uma guerra de ampla escala. Como você menciona em seu artigo, aviões, canhões, tanques, tudo isso fracassou em desem-penhar algum papel fundamental. Jiang Jieshi tinha tudo, enquanto que nós não tínhamos nada disso. Só mais tarde capturamos alguns canhões.Premier [Zhou Enlai]: No último período, inclusive, capturamos tanques.Presidente Mao: O principal [tipo de armamento que capturamos] era de artilharia. Isso nos permitiu criar divisões de artilharia, brigadas de artilharia e regimentos de artilharia. Tudo de equipamento norte-americano.Premier [Zhou Enlai]: Depois da libertação de Pequim, tivemos uma parada militar. Tudo era equipamento norte-americano. Todavia os norte-americanos não haviam partido. O Consul Ge-ral e o adido militar norte-americanos também assistiram e observaram a parada.Guevara: No começo da guerra, as pessoas que eu comandava apenas excediam a uma com-panhia. Uma vez, capturamos um tanque e todos nos alegramos bastante. Mas Fidel quis leva--lo. Eu estava triste, e obedeci só depois de receber bazucas em troca.Presidente Mao: Ainda que os aviões voem nos céus todos os dias, dificilmente podem pro-vocar baixas. [A gente] pode usar roupa de camuflagem. Se pode usar vestimenta verde pra mudar a aparência. Todos vocês estavam usando uniformes. Todos são soldados.Guevara: Rodriguez (Vice Ministro de Relações Exteriores) não é soldado. Nessa época ele estava sofrendo no cárcere.Presidente Mao: Você (dirigindo-se a Rodriguez) parece muito jovem.Rodriguez: 25 anos.Presidente Mao: Vocês (dirigindo-se a Mora e Suñol) são soldados.Guevara: O pai de Mora morreu na guerra. Suñol foi ferido três vezes, em seis partes [do cor-po]. Eu fui ferido duas vezes. Rodriguez foi torturado na prisão. No princípio tínhamos poucos homens. Até Fidel lutou com sua própria arma. [Eramos] só doze pessoas.Presidente Mao: Não eram oitenta e tantas pessoas?Guevara: O número foi reduzindo gradualmente, ficando no final só doze pessoas.Presidente Mao: Essas doze pessoas são sementes. A temperatura em vosso país é boa.Guevara: [Cuba está] a 22 graus ao norte.Presidente Mao: Suas terras também são boas.

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Guevara: Todas as terras são cultiváveis. Se pode plantar árvores de coco nas zonas arenosas. Mas é difícil cultivar nas montanhas.Presidente Mao: Então [a população de] seu país poderia crescer pelo menos 30 milhões.Guevara: A Ilha de Java da Indonésia tem em torno de 50 milhões [de pessoas].Presidente Mao: Vocês deveriam agradecer ao [General Rubén Fulgêncio] Batista [e Zaldívar], da mesma forma que nós agradecemos a Jiang Jieshi. Ele nos deu lições matando pessoas.Mora [Becerra]: Também estamos agradecidos com Batista porque ele pôs mais gente do nosso lado.Presidente Mao: Nós temos outro professor: o imperialismo. É nosso ensinador constante. O melhor professor é o imperialismo norte-americano. Vocês também tiveram dois professores: Batista e o imperialismo norte-americano. [Até onde sei] Batista está agora nos Estados Unidos. Ele pensa em uma restauração?Guevara: Os partidários de Batista estão agora divididos em 5 facções, que elegeram cinco candidatos presidenciais. Esses candidatos tem pontos de vista diferentes uns dos outros. Al-guns se opõe a Batista, enquanto que outros se comportam mais ou menos como Batista.Presidente Mao: Eles não são rivais para Batista. Que idade tem Batista?Guevara: 60 anos.Presidente Mao: Nosso Jiang Jieshi tem agora 74 anos e anela todos os dias para regressar a Pequim.Mora: Todos esses 5 candidatos foram dirigentes partidários. As pessoas reconhecem seus nomes e eles também anelam todos os dias regressar a Cuba.Guevara: Eles saíram da América Central, quatro ou cinco dias depois da nossa vitória, e pla-nejavam chegar a Cuba. Disseram que viriam a derrotar Batista sem estar informados de que nós já haviamos alcançado a vitória da revolução.Presidente Mao: Há muitos países centro-americanos. Em minha opinião a República Dominica-na é promissora, porque ali todo o povo está se unindo contra [Rafael Leonidas] Trujillo [Molinna].Guevara: É difícil dizer. Trujillo é o ditador latino-americano mais velho [changshu] da América Latina. Os norte-americanos estão pensando em desfazer dele.Presidente Mao: Os norte-americanos não querem Trujillo?Guevara: Todos estão contra ele. Por isso, tem que ser substituído.Premier [Zhou Enlai]: Como [o líder sul-vietnamita] Ngo Dinh Diem e [o líder sul-coreano] Syngman Rhee.Presidente Mao: Ngo Dinh Diem está se queixando ao máximo.Premier [Zhou Enlai]: A vida de cliente não é fácil.Presidente Mao: Agora os norte-americanos não querem a Jiang Jeshi. Nós nos estamos co-meçando a gostar dele. Os que são 100 por cento pró-americanos são piores que Jiang Jieshi, que é só 99 por cento pró-americano. Ele, no entanto, quer conservar seus antecedentes.Premier [Zhou Enlai]: Isso é dialético.Suñol: Creio que vocês esperam que Jiang Jieshi regresse.Presidente Mao: Com a condição de que rompa com os EUA, lhe daremos um lugar em nosso governo.Premier [Zhou Enlai]: No entanto é melhor se trouxer, junto com ele, a Taiwan.Presidente Mao: Ainda que pareça que ele não esteja interessado em voltar.

Fonte: Arquivo do Ministério de Relações Exteriores da China, N° 202-00098-01, págs. 1-14. Segundo a versão em inglês para Cold War International Historic Project, de Zhang Qian.

Traduzida para o Espanhol para o “Crítica Marxista-Leninista”, por Jiang Yucmoi.

Traduzida para o português por Luca Pilares para o Portal Vermelho à Esquerda. 23/12/2014, Cuiabá-MT, Brasil.

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“Figuras do Movimento Operário: Arthur Ewert” URC 51

ARThUR ERNEST EwERT (1890-1959) nasceu em Hein-richswalde, na Alemanha, filho de uma família de campo-neses pobres. Operário de profissão na indústria curtidora de Berlim, tornou-se comunista no ano de 1908, quando se filia ao Partido Social Democrata (como eram conhecidos os comunistas na época). A partir de 1931, sob ordens da Internacional Comunista, é enviado para o exterior com a missão de auxiliar o movimento revolucionário nos países coloniais e semicoloniais. Neste mesmo ano, participa ativa-mente no movimento revolucionário antiimperialista e anti--feudal na China, tomando parte na histórica Longa Marcha do Exército Vermelho de Operários e Camponeses, dirigido pelo Partido Comunista da China, ajudando a consolidar as bases de apoio revolucionárias nas regiões rurais chinesas.Exemplo de firmeza e moral proletárias, de inigualável inter-nacionalismo proletário e de solidariedade à revolução mun-dial, principalmente à luta de libertação nacional dos povos oprimidos pelo imperialismo, Arthur Ewert possui papel de destaque na trajetória da Revolução Brasileira e da luta re-volucionária dos povos latino-americanos. No ano de 1934, sob orientação também da Internacional Comunista, é chamado para a missão de auxiliar o povo brasileiro e seu destacamento de vanguarda, o Partido Comunista do Brasil, em sua luta revolucio-nária contra o imperialismo e o feudalismo, aqui chegando no ano de 1935, no Rio de Janeiro, vindo de Buenos Aires. Já ao chegar em nosso país, Ewert, utilizando na clandestinidade o pseudônimo Harry Berger (nome pelo qual até os dias de hoje é popularmente conhecido na historiografia), esta-belece estreitos contatos com o Partido Comunista do Brasil. Cumpre desde papel de destaque na construção da ANL - Aliança Nacional Libertadora, sempre conscientizando os comunistas brasileiros quanto à necessidade da formação de ampla frente única de classes revolucionárias, democráticas e patrióticas para libertar o país do domínio do fascismo e das potências imperialistas estrangeiras. Em junho de 1935, viaja para Alagoas, no nordeste brasileiro, para conhecer pessoalmente a atuação das Ligas Camponesas e das guerrilhas rurais que vinham se formando na região do Baixo São Francis-co. Tomando conhecimento da situação do campo, Arthur Ewert argumentava que, sem o apoio das massas de milhões de lavradores e assalariados agrícolas, não seria possível a vitória do movimento revolucionário do proletariado no Brasil. Seguia além, defendendo a necessidade de se priorizar o trabalho de massas no campo, sem recusar inclusive o trabalho entre os bandos errantes do campo, o “Cangaço”, por conta da experiência militar que possuíam.Preso após o fracasso da Levante Popular de 1935 dirigido pela Aliança Nacional Libertadora, Arthur Ewert é preso com sua companheira, Elise Saborowski, e passa pelas mais bárbaras e desumanas torturas durante os doze anos nos quais permanece preso. Dando tudo de si pela libertação de nossa gente da dominação imperialista, não apenas a sua liberdade, seu sangue, sua integridade física e conhecimento, como inclusive sua razão, enlouquecendo após muitos anos de desumanas torturas, Arthur Ewert figura entre os lendários heróis do povo brasileiro.

Figuras do Movimento OperarioArthur Ewert

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UNIÃO RECONSTRUÇÃO COMUNISTAURC

A União Reconstrução Comunista (URC) visa ser um polo aglutina-dor de todos os militantes revolucionários e ativistas descontentes com os rumos tomados pelo movimento comunista em nosso país, destruído e corroído pelo revisionismo e oportunismos de direita e esquerda. Após longos estudos e debates e um ano da fundação do Coletivo Bandeira Vermelha, conquistamos, enfim a base da unida-de orgânica que deve nortear nossa prática: a unidade ideológica na teoria do proletariado desenvolvida por Marx, Engels, Lenin, Stalin e Mao; a luta pela refundação do Partido Comunista com base na teoria revolucionária do proletariado; a necessidade de se levar a cabo a Revolução Proletária dentro das condições concretas de nosso país.