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VOLUME 35 Nova Economia da Natureza Uma introdução crítica Thomas Fatheuer

Nova Economia Da Natureza Thomas Fatheuer Bollbrasil

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  • NOVA ECONOMIA DA NATUREZA

  • PUBLICAO DA SRIE ECOLOGIA

    VOLUME 35

    Nova Economia da NaturezaUma introduo crtica

    Thomas Fatheuer

    Uma publicao da Fundao Heinrich Bll

  • Publicado sob a licena Creative Common: http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/3.0. Atribuio - Voc deve atribuir o trabalho da forma especificada pelo autor ou licenciante (mas no de forma a sugerir que estes o apoiam ou subscrevem o seu uso da obra). Uso No-Comercial - Voc no

    pode utilizar esta obra para fins comerciais. Nenhum derivado - Se voc remixar, transformar ou construir em cima do material, voc no pode distribuir o material modificado.

    Nova Economia da NaturezaUma introduo crticaPor Thomas Fatheuer

    Volume 35 da Srie Ecologia. Outras edies da srie podem ser encontradas em www.boell.de em ingls e alemo. Alguns nmeros tm verses em portugus disponveis em www.br.boell.org.

    Editado pela Fundao Heinrich Bll, 2014Traduo: Camila MorenoReviso: Maureen Santos e Manoela ViannaProjeto Editorial: Feinkost Designnetzwerk, C. Mawrodiew (com base no layout de origem por Design Blotto)Diagramao: Flvia Mattos Impresso: Grafitto Foto da capa: Feinkost Designnetzwerk, C. Mawrodiew, baseado em uma obra de arte por Vinoth Chandar - Flickr.com (cc 2,0 por creativecommons.org/licenses/by/2.0/deed.en). ISBN 978-3-86928-124-7Para solicitar esta publicao, entre em contato com: Fundao Heinrich Bll, Rua da Glria, 190, sala 701, Glria, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, CEP 20.241-180T +55 21 3221-9900 F +55 21 3221-9922 E [email protected] W www.br.boell.org

    Sobre o autorThomas Fatheuer estudou cincias sociais e filologia clssica em Mnster, Alemanha. De 1992 a 2010

    morou e trabalhou no Brasil. De 2003 a julho de 2010 foi o representante do escritrio da Fundao

    Heinrich Bll no Rio de Janeiro. Antes disso, trabalhou em projetos de conservao florestal na regio

    amaznica para o Servio Alemo de Desenvolvimento (German Development Service, DED) e a

    Cooperao Tcnica Alem (German Technical Cooperation, GTZ). Atualmente vive e trabalha como

    autor e consultor em Berlim. Produziu diversas publicaes sobre o modelo de desenvolvimento

    brasileiro, a conservao das florestas tropicais e o conceito de Buen Vivir.

    Crdito da fotosp. 10 Pedro Biondi / Abr - Wikimedia (cc 3.0 por, creativecommons.org/licenses/by/3.0/br/deed.en)

    p. 19 Ireen Trummer - Wikimedia (cc by-sa 3.0, creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/deed.en)

    p. 21 Boricuaeddie - Wikimedia (cc by-sa 3.0, creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/deed.en)

    p. 25 Sasata - Wikimedia (cc by-sa 3.0, creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/deed.en)

    p. 31 Guarda Costeira dos EUA (US governo federal) - Wikimedia (copyright livre, de domnio pblico)

    p. 36 Marc St. Gil (US National Arquivos e Registros Administrao) - Wikimedia (copyright livre)

    p. 38-39 Joeb07 - Wikimedia (cc 3.0 por, creativecommons.org/licenses/by/3.0/deed.en)

    p. 43 Muhammad Mahdi Karim - Wikimedia (GNU Free Documentation License, verso 1.2)

    p. 50-51 Johann Jaritz - Wikimedia (cc by-sa 3.0, creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/deed.en)

    p. 56 Christiam Erick Nuez Pia - Wikimedia (cc by-sa 3.0, creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0 / deed.en)

    p. 61 Wilson Dias / Agncia Brasil - Wikimedia (cc 3.0 por, creativecommons.org/licenses/by/3.0/br/deed.en)

  • NDICE

    Prefcio 7

    Contexto do debate ou em busca de uma virada no jogo 9

    Reflexes sobre a histria de uma relao difcil: economia e natureza 15

    2.1 Um grande mal-entendido: A Tragdia dos Comuns 15

    2.2 Homo oeconomicus - ou imperialismo econmico 16

    2.3 A nova economia da natureza 17

    2.4 Metamorfoses da natureza 20

    2.5 Natureza como um sistema 22

    2.7 Capital natural 23

    A Nova Economia da Natureza: Campos de Ao 30

    3.1 Quantificao dos danos ambientais 31

    3.2 Internalizao das externalidades 32

    3.3 Trade-offs 45

    3.4 Servios ambientais e os mecanismos financeiros inovadores 63

    Iluses, caminhos errados e alternativas: consideraes finais 68

    Referncias 74

    Lista de Siglas 76

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    Prefcio

    Economia Verde a nova esperana, oferecendo uma resposta para as principais crises ecolgicas. De maneira concomitante, uma nova escola de pensamento econmico que considera a natureza e os servios da natureza vem ganhando terreno. A natureza e os servios ambientais deveriam no apenas receber maior visibilidade como elementos da economia, mas deveriam receber um valor monetrio. A hiptese de trabalho dos defensores de uma nova economia da natureza que o fato de que aquilo que a natureza prov para a humanidade grtis, a razo para o sobre-uso destrutivo da natureza. Ns devemos dar valor natureza para proteg-la este o novo mantra.

    A nova economia da natureza coloca f suprema na racionalidade econmica. Leva o homo oeconomicus a um novo alcance de natura oeconomica. Mesmo se acreditamos no potencial econmico, esta uma aposta extremamente arriscada. A experincia com o carro-chefe de instrumentos econmicos baseados no mercado, o comrcio de emisses, mostra que uma quantidade colossal de regulao necessria a fim de fazer tal instrumento funcionar.

    No entanto, muitas das grandes organizaes ambientais esto atualmente subscrevendo a esta linha de argumentao e fazendo elogios aos novos instrumentos para a valorizao dos servios ambientais. Uma razo para isso que os cofres pblicos para a conservao da natureza e biodiversidade esto vazios em todo o mundo, apesar da imensa necessidade de financiamento. Mesmo em um pas como a Alemanha, as autoridades para a conservao da natureza so severamente afetadas pela falta de pessoal e oramento. Escassez de pessoal e subfinanciamento afetam todos os nveis do funcionalismo pblico para a conservao. Novos instrumentos de mercado so, portanto, saudados como fontes de financiamento inovadoras, capazes de aumentar o apelo da conservao da natureza e da biodiversidade para o setor privado.

    H outros vieses polticos por trs dessa nova onda de valorizao da natureza. As principais convenes ambientais firmadas na Cpula da Terra em 1992 chegaram a um beco sem sada. Da mesma forma, a Conveno sobre a Diversidade Biolgica est patinando e suas resolues apenas esto sendo implementadas em um ritmo muito lento. O novo paradigma que gira em torno do capital natural parece mostrar uma maneira de sair deste dilema. Ser que valorao da natureza faz algum sentido? Onde estas novas abordagens esto indo na direo errada? Como uma fundao poltica verde, uma preocupao nossa analisar e debater estas questes para as linhas de interseco entre a democracia, ecologia e justia.

    Nossa inteno com esta publicao arriscar uma introduo ao tema, Pref

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    que descreve como a ideia da nova economia da natureza evoluiu, explicando e questionando criticamente hipteses-chave do novo paradigma. A presente publicao lana luz sobre a racionalidade dos atores relevantes e dos novos instrumentos e usa casos concretos como exemplos dos conflitos de objetivos sociais e ecolgicos e a influncia que a nova economia da natureza est ganhando na prtica. Como uma fundao alem, focamos no contexto alemo. A Alemanha um ator-chave na Nova Economia da Natureza e esperamos que com nossa perspectiva e experincia, possamos dar uma contribuio til para o debate global.

    Entregar a natureza s foras do mercado um empreendimento de alto risco, pois se o mercado falha, perdemos a natureza de forma irreversvel. Incentivos econmicos e mecanismos de mercado no conferem proteo automtica para a biodiversidade e os ecossistemas. Nossa esperana que esta publicao contribuir para um debate variado e baseado em evidncias, sobre o que faz sentido, o que no faz sentido e os riscos de continuar a valorizar e monetarizar a natureza. Consideramos muito bem-vindos todos os comentrios e crticas.

    Berlim, Abril de 2014

    Barbara UnmssigPresidente da Fundao Heinrich Bll

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    1 Contexto do debate ou em busca de uma virada no jogo

    A evidncia est longe de ser tranqilizadora: embora os diagnsticos crticos sobre os problemas ambientais globais j tenham sido feitos, o estado do mundo continua piorando. O ano de 2012 foi um ano recorde para as emisses globais de CO2. Com um timing perfeito a mensagem condenatria veio 20 anos aps a adoo da Conveno Quadro das Naes Unidas sobre Mudanas Climticas (UNFCCC, sigla em ingls) no Rio de Janeiro e no ano da realizao da Conferncia Rio+ 20. Em 2013, a Agncia Internacional de Energia (IEA) que certamente no grupo ambientalista radical - deu seu veredito sombrio: O mundo no est a caminho de cumprir a meta acordada pelos governos para limitar o aumento no longo prazo da temperatura mdia global a 2 graus Celsius (2C).1

    Outros indicadores de como o estado ambiental do planeta est se deteriorando so igualmente alarmantes. Em 20 de agosto, avanamos no Earth Overshoot Day, o dia em que o consumo mundial de recursos - calculado pela Global Footprint Network (Rede Global de Pegada Ecolgica) ultrapassou os limites tolerveis. No ano de 2000, os recursos para uma vida, consumo e produo sustentveis foram suficientes para durar at 9 de outubro.

    To igualmente difundido como os diagnsticos alarmantes so os chamados para a ao de polticos: O que negligenciado seguidamente neste debate que, se continuarmos na mesma, como no passado, ainda que no tenhamos preocupaes imediatas, esta inao ter terrveis conseqncias - isto apontado claramente pelo Relatrio Stern e publicaes anteriores. Por isso, firme minha convico de que a melhor opo para ns todos no mundo mudarmos alguma coisa, em vez de no fazer nada e sobrecarregar-nos com os efeitos colaterais catastrficos. Uma declarao bem clara da chanceler alem Angela Merkel no Terceiro Dilogo Climtico de Petersberg em 2012.2 medida que acumulamos conhecimento, adquirimos cada vez maior clareza sobre a necessidade de ao, mas no h sinal de uma poltica global que contenha qualquer possibilidade de solucionar os problemas identificados. Isto no se aplica apenas mudana climtica. O segundo grande acordo internacional que saiu da Cpula da Rio 92 foi dedicado conservao da biodiversidade. Aqui,

    1 http://www.iea.org/publications/freepublications/publication/WEO_Special_Report_2013_Redrawing_the_Energy_Climate_Map.pdf

    2 http://www.bundesregierung.de/ContentArchiv/DE/Archiv17/Reden/2012/07/2012-07-16-merkel-klimadialog.html (traduo livre).Co

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    mais uma vez, os resultados no tm sido encorajadores. O Objetivo de Desenvolvimento do Milnio relativo a deter a perda de biodiversidade at 2010 no foi atingido. Tampouco a terceira conveno da Rio 92, a Conveno das Naes Unidas de Combate Desertificao (UNCCD, sigla em ingls) conseguiu impedir a perda de solos frteis e o avano dos desertos.

    Dcadas aps termos identificado os principais problemas ambientais globais, fizemos mnimos progressos no sentido de solucion-los. Como conseqncia, a perspectiva de um processo global de regulao sofreu danos incalculveis, se no foi desperdiada por completo. Apesar de todas as suas deficincias, a adoo do Protocolo de Kyoto parecia convencer muitos atores que a perspectiva de um regime climtico global duradouro era uma meta realista. Aps a Conferncia de Copenhague (COP 15, em 2009), estas esperanas foram em grande parte reduzidas. Mesmo que existam inmeras justificativas para seguir com processos multilaterais, quase ningum espera mais que eles possam produzir uma soluo global. Em vez de um grande plano mestre, inmeros processos sem uma coordenao central tm sido postos em marcha na busca de respostas para os problemas globais. O diagnstico de que nada est sendo feito completamente errado; pelo contrrio, muita coisa tem sido feita. E h constantes notcias sobre avanos positivos: a Alemanha est fazendo um bom progresso na expanso das energias renovveis; o nmero de reas protegidas Co

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    Destruio da floresta na regio de Mato Grosso, Brasil Pedr

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    globalmente est aumentando e h um novo mecanismo (REDD) que pode proteger a floresta tropical de maneira eficaz. Contudo, esto estes processos conflitantes e que ocorrem em mltiplos nveis operando no plano correto para enfrentar os desafios globais? Tendo em vista certas tendncias e eventos ao longo dos ltimos anos, legtimo ter dvidas:

    H um aumento na explorao dos combustveis fsseis (petrleo, carvo, gs). Os preos altos tm favorecido o uso de novas tecnologias (fracking) e a prospeco de novos campos de petrleo (em alto mar, areias betuminosas, leo de xisto). De acordo com as previses dos agentes econmicos envolvidos (por exemplo, British Petroleum- BP), em vinte anos o gs, petrleo e carvo continuaro sendo responsveis por 80% da oferta global de energia.O discurso poltico na Europa dominado pela crise econmica e os emprstimos. Os formuladores de polticas provam que so consideravelmente mais eficazes em tomar medidas para salvar os bancos do que para resolver os problemas ambientais.Como os problemas de injustia social comeam a ressurgir (baixos salrios, previdncia para os pobres), as questes de sustentabilidade ambiental voltam a ser consideraes secundrias nos debates polticos. As discusses usuais sobre a justia mal tocam suas dimenses ecolgicas.Devido ao alto nvel de endividamento, o mbito de gastos dos oramentos pblicos baixo e o consenso social se inclina mais para a priorizao dos gastos com educao, a fim de garantir a competitividade.Nos ltimos anos, ficou claro que as alternativas polticas motivadas pela temtica ecolgica podem acabar competindo umas com as outras ou causando conseqncias negativas no intencionadas. Por exemplo, os biocombustveis, defendidos como uma resposta s mudanas climticas transformaram-se em um perigo para a segurana alimentar e para a biodiversidade.

    A transformao dos sistemas de energia no uma simples via de ganha-ganha, mas um desafio complexo, com potencial para o conflito e a frustrao.

    Estes so apenas alguns aspectos que demarcam uma situao confusa em que caminhos e solues antigas claramente j no lideram para a consecuo dos fins. Quem est disposto a continuar contando principalmente com os processos multilaterais? Parece haver pouco sentido em aumentar o volume das profecias da catstrofe - os profetas j gritaram at ficar roucos. E aps o desastre dos biocombustveis, a f em solues mgicas de win win deu lugar a um processo saudvel de enfrentar a realidade.

    Um tempo para reflexes sobre a viabilidade de transformaes scio-ecolgicas, mas tambm um tempo onde um novo paradigma e novas respostas so necessrios. Contra esse pano de fundo, no surpresa que uma nova ideia tomou conta da arena poltica. Na segunda dcada do sculo XXI, um nmero crescente de publicaes e instituies esto subscrevendo ideia da economia verde. A aliana de nenhum modo insignificante entre o PNUMA, o Banco Co

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    Mundial e a OCDE apresentou esse paradigma antes da Conferncia Rio + 20.A ideia da economia verde deve ser vista no contexto, esboado a seguir, das

    falhas do processo do Rio e, portanto, do mbito da poltica ambiental global. Um novo Protocolo de Kyoto no vai salvar o clima agora; apenas uma transformao da economia pode fazer a diferena crucial esta a mensagem. Embora os tratados internacionais possam promover essa transformao, no preciso esperar por eles ou ser dependente deles. Sem entrar no mrito do debate sobre a economia verde em maior profundidade neste momento, importante dizer que o papel da economia no apoio a uma transformao ecolgica tornou-se novamente um tema central. a economia, estpido! o grito que atinge os ambientalistas em todos os lugares. Em contextos marxistas tradicionais, isso costumava ser chamado de primazia da economia. Ela facilitada pela percepo onipresente de que os cofres pblicos esto vazios e que os Estados tm possibilidades de ao limitadas entre outros motivos porque esto altamente endividados. E assim, novos e inovadores mecanismos de financiamento, mecanismos de mercado e iniciativas de negcios tm surgido em todas as partes: A ecologia vira negcio (Ecology goes business). Esta nova ecologia influenciada pela economia enfatiza as oportunidades, mas no os riscos. As mudanas climticas e a perda de biodiversidade so vistos como riscos, mas tambm, to importante quanto, como oportunidades de negcio.

    A seguir, este aspecto especfico do conflito sobre a economia verde ser apresentado e discutido em maior detalhe. Ele gira em torno da questo de at onde um valor pode ser estipulado sobre os servios da natureza. Para uma nova economia que pretende superar a forma pela qual a economia tradicional desconsidera ou ignora a natureza, esta uma questo fundamental - e um ponto controverso, o qual provoca uma intensa polmica sobre a eminente monetarizao e financeirizao da natureza.

    Compensando o seu carro: a nova economia da natureza em ao

    Se voc dirige um carro, est preocupado pelas suas conseqncias ecolgicas? Procure na internet e voc vai encontrar facilmente solues para isso que aderem a um princpio fundamental da nova economia da natureza: a palavra mgica compensao. A ideia bsica simples: seu carro emite uma certa quantidade de CO2, o que pode ser facilmente quantificado. Agora possvel determinar quanto deve ser investido em programas implementados em outros lugares para anular a quantidade de CO2 que o seu veculo emite. Por exemplo, uma visita ao website da empresa clear the carbon - empresa de compensao, fornece um clculo imediato: o carro mdio-alto gasolina emite 3,369 toneladas de CO2 por ano. Para compensar este montante, o custo de 40 libras, ou cerca de 50 euros.

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    Esse dinheiro, o cliente aprende, ser ento investido em um projeto no Brasil que produz energia a partir de resduos de arroz. E se isso no o gosto do cliente, outros projetos de compensao so facilmente encontrados. Compensao tambm possvel atravs da compra de um certificado. O dinheiro torna-se ento o meio de equiparar as emisses de CO2 abatidos por um projeto no Brasil ou no Vietn contra o meu consumo individual de gasolina. Para um pequeno investimento - pouco mais do que o preo do jantar para dois em um restaurante barato em Londres voc pode aparentemente conduzir o seu carro por um ano inteiro com a conscincia limpa, sem danificar o clima.3

    3 Para detalhes do exemplo, acesse: www.clear-offset.com/carbon-offset-car.phpCont

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    2 Reflexes sobre a histria de uma relao difcil: economia e natureza

    Historicamente a relao entre ecologia e economia tem sido uma tarefa difcil. Uma vez que a crise ambiental global foi diagnosticada, conclui-se rapidamente que a economia clssica era incapaz de descrever o problema de forma adequada e muito menos fornecer instrumentos para combater a crise. Embora a economia clssica no tenha simplesmente ignorado a base material de produo, particularmente na forma de recursos, esteve fortemente concentrada na economia de escassez e a perspectiva associada de que os problemas de recursos naturais poderiam ser resolvidos atravs das tendncias de preos: se as matrias-primas se tornam escassas, os preos aumentam e as alternativas se tornam economicamente viveis. O mundo ainda no lidou com o esgotamento de uma matria-prima que tenha sido utilizada, afirmou o economista de recursos Robert D. Cairns, ainda em 1990.4 Tal abordagem s funciona se a economia est pensada como um sistema aberto, no qual os diferentes padres de produo podem ser substitudos.

    Desde a dcada de 1970 uma crtica evoluiu sobre a viso de mundo da economia clssica, ligada particularmente aos nomes de Herman Daly e Robert Costanza. A economia ecolgica v a Terra como um sistema quase fechado; quase, porque a energia solar flui de fora para dentro do sistema: Para a Terra, a regra bsica : a energia entra e flui e os recursos (naturais) circulam.5

    Para a economia ecolgica, este o ponto de virada decisivo que foi popularizado atravs de metforas como A nave Terra. A economia ecolgica prope reconectar a economia de forma sistemtica ao ecossistema da Terra e, desta forma, estabelecer uma profunda e influente crtica da economia clssica: que a sua caracterizao do dano ambiental como um efeito externo insuficiente. A crtica feita aos efeitos externos pela economia ecolgica talvez a sua maior vitria. O dficit de anlise que os danos ambientais no recebem uma valorao econmica correta foi aceita hoje no mainstream da poltica econmica e ambiental.

    Para uma compreenso das controvrsias atuais sobre a economia e a ecologia, contudo, importante estar ciente de alguns outros debates travados nas ltimas dcadas.

    4 Citado por Endres e Querner, 1993.5 Daly, 2004, p. 16. Re

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    2.1 Um grande mal-entendido: A Tragdia dos Comuns6

    Em 1968, Garrett Hardin publicou um dos artigos mais influentes na histria cientfica recente, sob o ttulo A tragdia dos comuns. O ponto do artigo era demonstrar que as estratgias individuais de uso de recursos necessariamente levam a um uso excessivo dos recursos comuns (commons). Os exemplos so pastagens em propriedade comum ou lagos utilizados por pescadores. Liberdade nos comuns traz runa para todos a teoria bsica e muito citado de Hardin.

    A abordagem de Hardin foi muito criticada desde seu surgimento; no entanto, ainda freqente a referncia tragdia dos comuns. O erro bsico de Hardin foi de que ele no fez distino entre comuns que eram cultivados coletivamente por um grupo determinado e os bens pblicos, como a atmosfera ou o oceano, que de fato so de livre acesso. Em particular, de acordo com a pesquisa da Prmio Nobel, Elinor Ostrom, existem vrias provas de que ao redor do mundo h muitos recursos manejados de forma comum (terras, lagos, sistemas de irrigao), os quais funcionam muito bem e de modo algum foram arruinados por excesso de uso.

    Embora Hardin tenha mais tarde admitido que ele deveria ter escrito comuns no manejados, esta auto-crtica faz pouca diferena para o pensamento fundamental de Hardin, uma vez que os comuns, para ele, so definidos especificamente pelo fato de que no so gerenciados.7

    O diagnstico de que o problema fundamental dos comuns a falta de direitos de propriedade definidos sobreviveu crtica sobre a teoria de Hardin. Para efeitos de uma economia da natureza, este um ponto crucial e que predetermina opes estratgicas. Se o problema identificado com a prpria natureza dos comuns, ento a definio dos direitos de propriedade parece ser a bala de prata.

    O cercamento (enclosure) dos comuns nos sculos XVIII e XIX na Inglaterra, o qual foi amplamente pesquisado por historiadores uma tendncia geral que tem sido vista repetidamente ao redor do globo: os comuns so destrudos e substitudos por agricultura baseada na propriedade privada. Uma das descries clssicas deste processo tem incio com Karl Marx, que o chamou de acumulao primitiva. Mesmo para Marx, um processo mais ou menos inevitvel na evoluo do capitalismo. Contudo, em muitas regies do mundo,

    6 Uma excelente viso geral do debate sobre os Commons (Comuns) a antologia editada por David Bollier e Silke Helfrich: The Wealth of the Commons, Amherst, 2012. A maioria dos textos esto disponveis online em: www.wealthofthecommons.org.

    7 "Comuns (Commons) designam um recurso a que a populao tem acesso gratuito e de forma no manejada: contrasta com a propriedade privada (acesso s para o proprietrio) e com a propriedade socializada (cujo acesso controlado por gestores nomeados por alguma unidade poltica (Hardin, 1985. p. 90) Citado por Ian Angus 2008: Novamente em O mito da tragdia dos comuns: uma resposta s crticas e questes. Angus oferece uma boa viso geral do debate: http://links.org. au/node/725.Re

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    o curso do desenvolvimento foi bastante diferente do modelo de ingls de cercamento. Apesar do regozijo mundial sobre a propriedade privada, esta no foi um triunfo total. Em particular, as florestas e as terras consideradas relativamente de pouca fertilidade (terras marginais) so utilizadas por comunidades indgenas locais. Muitas vezes, estes padres de uso so invisveis porque estes recursos so formalmente considerados propriedade do Estado. O debate mais recente, influenciado por Ostrom, demonstrou que a gesto sustentvel dos comuns uma realidade amplamente experimentada mesmo no mundo de hoje. Esta pelo menos foi uma contribuio para aliviar sua invisibilidade e para demonstrar que os comuns dependem de comuneiros (sujeitos).

    Na verdade, o trabalho de Ostrom refutou a teoria de Hardin mas falhou em perceber que as corporaes e os Estados, seno os indivduos, se comportam de formas que produzem, no obstante, tragdia.8 Os comuns esto realmente sendo destrudos, e isto no culpa do seu carter inerente o qual lhe dotado de forma quase-natural, mas das estratgias subjacentes s prticas dos atores envolvidos.

    2.2 Homo oeconomicus - ou imperialismo econmico

    O objeto da economia no bem definido. De fato, muitas teorias econmicas implicam certa viso do ser humano e as ideias sobre os impulsos que direcionam o comportamento humano. Uma definio bem conhecida de economia por Paul Samuelson afirma que a economia o estudo de como os homens e a sociedade acabam escolhendo, com ou sem o uso do dinheiro, empregar os recursos produtivos escassos que poderiam ter usos alternativos, para produzir mercadorias diversas e distribu-las para consumo, no presente ou no futuro, entre vrias pessoas e grupos na sociedade. 9

    Na tradio alem, encontramos a seguinte definio do princpio econmico: Princpio da teoria econmica atravs do qual a ao econmica racional deve ser tomada sob condies de recursos escassos para atingir fins econmico (por exemplo, a maximizao da utilidade nas residncias particulares, a maximizao do lucro na empresa). O objetivo alcanar o maior sucesso possvel com os recursos disponveis, ou obter um objetivo pr-determinado com o menor esforo e gasto possvel.10

    A pessoa que age dessa forma notoriamente conhecida como homo oeconomicus. Gary S. Becker, outro laureado com o prmio Nobel, radicalizou essa abordagem: para ele, o princpio econmico pode ser aplicado totalidade do comportamento humano. Becker publicou um grande nmero de estudos sobre diversas questes - por exemplo, a economia do casamento. Certos exageros causaram alguma reprovao, mas Becker considerado um dos

    8 Mattei, Ugo: First Thoughts for a Phenomenology of the Commons. In: Bollier e Helfrich (ed.): The Wealth of the Commons, 2012.

    9 Samuelson, Paul: Economics, New York, 1948.10 Duden Wirtschaft von A bis Z, 2013 (traduo livre). Re

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    economistas mais influentes das ltimas dcadas e influenciou decisivamente a teoria do capital humano.

    Os crticos de Becker o acusaram de imperialismo econmico. Se assim, suas teorias fornecem a base terica para um diagnstico reproduzido em muitos lugares: a economizao do mundo. Mais e mais aspectos da vida so estruturados de acordo com critrios econmicos. Em particular, as tendncias para a economizao so manifestas no sistema de sade e no cuidado dos idosos. A extenso do princpio econmico em (quase) todas as esferas da vida humana uma tendncia real, por um lado, mas tambm uma grande fronteira de resistncia. Onde um campo v a implementao de princpios econmicos como a condio fundamental para a estruturao racional do sistema social, para o lado oposto o mesmo representa uma tendncia perigosa no sentido da mercantilizao das relaes humanas. Este debate central para a compreenso da nova economia da natureza, porque esta, tambm, gira em torno de uma expanso do princpio do que econmico.

    2.3 A nova economia da natureza

    A utilizao econmica da natureza ou dos recursos naturais no nada novo assim como o debate sobre poupar ou usar de forma sustentvel estes recursos. Mas esse tipo de economia da natureza sempre baseada em extrair algo da natureza que em seguida se torna um bem comercializvel: o petrleo extrado do solo; rvores so derrubadas e transformadas em madeira. Estes so processos econmicos familiares. O que referido aqui como a nova economia da natureza tem uma motivao distinta. Um livro de Gretchen Daily e Katherine Ellison transformou o termo em moeda corrente. Publicado em 2002, o livro tem como ttulo: The New Economy of Nature: The Quest to make Conservation Profitable (A nova Economia da Natureza: a busca para tornar a conservao rentvel). O subttulo descreve perfeitamente a agenda da nova economia da natureza. No mais sobre a economia dos recursos naturais, mas sim em transformar a prpria natureza em uma fonte de lucro. Agora, ao invs de explorar e destruir a natureza e os recursos naturais, a base ou o objetivo das atividades econmicas deve ser a conservao da natureza.

    Esta ideia fascinante, e por isso no surpreende que Daily e Ellison tenham atrado muitos seguidores. Em 2013 mais dois livros foram publicados, com ttulos sugerindo abordagens semelhantes: o bem conhecido jornalista ambiental ingls Tony Juniper mostra como o dinheiro realmente cresce em rvores em seu livro What Has Nature Ever Done for Us (O que a natureza tem feito por ns); e o presidente da The Nature Conservancy (TNC), Mark Tercek, chama seu livro de Natures Fortune (A Fortuna da Natureza). O texto da capa promete que a natureza ser discutida na linguagem dos negcios: ativos, riscos e inovao. Estes livros, escritos em linguagem cotidiana, so as expresses jornalsticas mais eficazes de um movimento cientfico e poltico multifacetado que mudou fundamentalmente a justificativa da conservao da natureza e suas Re

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    estratgias nas ltimas dcadas. Como poderia o negcio caro de conservao da natureza se transformar em uma fonte de lucro? um caminho pavimentado com vrias premissas. Para chegar a esta possibilidade, em primeiro lugar, o conceito de natureza deve ser cuidadosamente redefinido. E na realidade, a viso de natureza ancorada na sociedade em geral nos ltimos 50 anos passou por uma profunda transformao. As ramificaes desta nova formulao11 so to extensas, que vale a pena um breve olhar sobre a sua gnese.

    11 Formulao (Framing) neste contexto significa a incorporao de uma palavra em um determinado contexto semntico. A nova incorporao do significado da natureza um processo que ensaiado, por assim dizer, por meio de seu uso pblico.

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    Regio selvagem em latitudes do norte: a rea protegida de Krvemaa, na EstniaIreen

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    2.4 Metamorfoses da natureza

    A destruio da natureza a questo central bvia da conservao ambiental e dos movimentos ecolgicos. Quase ningum hoje duvida da necessidade de deter a destruio da natureza ou mitigar seus efeitos na medida do possvel. Ao mesmo tempo, o conflito entre meio ambiente e desenvolvimento to atual, quanto desgastado por anos de debate. Na corrida para cada projeto de grande escala, cada estrada a ser aberta, assistimos a um novo episdio deste drama eterno. Mas o cho sob este campo de batalha to familiar est longe de ser slido. Se a natureza deve ser protegida, ento torna-se cada vez mais premente abordar a questo do que a natureza de fato . Neste ponto nos encontramos em um terreno difcil. A natureza um conceito complicado. em justaposio com o mundo humano? Os seres humanos ento no fazem parte da natureza? Como ficamos no caso de florestas artificiais que existem apenas para serem usadas?

    Vamos deixar a questo do que a natureza para os filsofos. Em nosso contexto, a questo mais interessante como a natureza tem sido vista e como ser vista. Atualmente, na tradio norte-americana em particular, a viso da natureza como selvagem (wilderness) tem uma forte influncia. Por trs da criao dos grandes parques nacionais estava a proposta de conservar uma vasta poro de natureza prstina, imaculada, praticamente intocada e proteg-la dos seres humanos. A abordagem de preservao das paisagens naturais em larga escala em parques e reas de conservao foi um princpio orientador de longa data da conservao da natureza internacional. Na Alemanha, Bernhard Grzimek (O Serengeti no morrer) cravou sua marca na ideia de conservao da natureza aps a Segunda Guerra Mundial. Grzimek tambm esteve principalmente preocupado com a conservao da natureza que ele concebeu como livre de seres humanos: E longe, longe e na vastido, apenas estepe, gua, nuvens, animais. Nenhuma pessoa.12 As pessoas deveriam ser reassentados para criar os parques nacionais africanos, uma posio que foi defendida na poca por outros, bem como Grzimek. Essa viso de natureza vividamente animada pela presena dos grandes animais da vida selvagem africana e transpe a ideia de natureza selvagem para o mundo em desenvolvimento.13

    Mesmo na Alemanha a ideia de preservao da natureza intocada no conseguiu fazer muito progresso, pela simples fato da inexistncia de no possuir mais uma natureza desse tipo. realmente espantoso como, em um pas como a Alemanha, uma forma da natureza forjada inteiramente por seres humanos - como a floresta alem - pode se tornar um ponto de referncia para os movimentos ambientalistas e amantes da natureza. David Blackbourn, em seu brilhante estudo The conquest of nature (A conquista da natureza), descreve a modernizao da Alemanha como a subjugao das suas paisagens naturais. Na

    12 Und weit, weit im Umkreis nur Estepe, Wasser, Wolken, Tiere. Keine Menschen Bernhard Grzimek: Kein Platz fr Tiere, 1954, p. 203, citado aps Torma 2004, p. 108.

    13 Uma breve apreciao do papel da Grzimek encontrado em Radkau 2011, p. 113ff. Refle

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    verdade, a Alemanha que conhecemos o resultado de uma vasta transformao de paisagens, que comeou antes, mas que certamente foi intensificada no sculo XVIII. O fato de que a conservao da natureza na Alemanha refere-se a esta natureza subjugada digno de nota - e mostra o quo variada a natureza pode ser como um ponto de referncia.

    Posies de conservacionistas ambientais que defendiam a natureza contra a destruio foram intentos difceis de ser sustentados. Tais posies poderiam ser descartadas como posies romnticas, de inimigos do progresso e de quem vive nos grotes. Para preservar a natureza como lugar de vida selvagem, isso tinha que ser justificado no valor intrnseco da natureza, exaltando sua beleza. No ambiente natural feito pelo homem da Alemanha, a preocupao era mais com estratgias para fazer o uso correto da natureza ou para sua remodelao da maneira adequada. Muitos esforos de conservao tambm foram direcionados para a preservao de reas de natureza j subjugada ou formada pela ao antropognica.

    Manguezais, os prestadores de servios ambientais em Porto Rico.Bori

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    2.5 Natureza como um sistema

    Na dcada de 1970 uma nova imagem da natureza se solidificou e permanece definitiva at hoje. Esse processo teve o seu prprio contexto histrico, claro. A revitalizao mais influente da imagem da natureza provavelmente remonta ao naturalista britnico Arthur Tansley e pode ser datado na dcada de 1930.14 Influenciado pela viso psicanaltica do ser humano, ele formula uma nova forma de conceber a natureza. Tansley descreve-a como um sistema integrado, no qual a energia flui. Ele chamou a natureza de um ecossistema - uma cunhagem de palavra extremamente bem sucedida. A natureza pode ser considerada em termos de suas interligaes e funes. Isso vai muito alm da descrio e classificao de plantas e animais e cria a base para um estudo sistemtico do funcionamento da natureza. Com isso, a pedra fundamental para a ecologia como uma cincia colocada.

    O neologismo de Tansley foi ampliado de maneira crucial na dcada de 1980 por Paul Ehrlich. Em 1983, Paul Ehrlich e Harald Mooney publicaram um livro com o ttulo de Extinction (Extino), no qual os renomados cientistas da Universidade de Stanford chamam a ateno para o nmero crescente de formas de vida no planeta que estavam desaparecendo definitivamente. O que define o seu livro para alm de outras publicaes do perodo no o assunto, mas o subttulo: a agenda que ele descreve transforma toda a ideia da natureza de cabea para baixo. Extinction, substitution and ecosytem services (Extino, substituio e servios ambientais) o ttulo completo do livro.

    Paul Ehrlich freqentemente ligado cunhagem de outra palavra: com sua esposa Anne foi co-autor de um livro, The Population Bomb (A bomba populacional), que foi publicado em 1968 e tornou-se um bestseller internacional. A imagem criada pelos Ehrlichs de que o aumento no nmero da populao humana estava criando uma ameaa equiparvel a de uma bomba (nuclear) provocou fortes objees.15 A concepo de servios ambientais teve um destino diferente e logo se tornou um termo comumente usado, sem maiores debates. J no mais a destruio da natureza vista como um mal lamentvel, mas tambm a perda de servios que so importantes para os seres humanos e para o qual substitutos fceis frequentemente no podem ser encontrados.

    Ao mesmo tempo, mais e mais cientistas esto pesquisando a diversidade de espcies do mundo e tentando identificar e contar sua quantidade gigantesca. Mesmo que as estimativas individuais sejam discutveis, torna-se claro que uma grande diversidade de formas de vida existe no mundo. Para o pesquisador da evoluo EO Wilson, geralmente visto como o autor principal do termo hoje generalizado biodiversidade, esta diversidade da vida no

    14 Diz-se que tudo comeou com um sonho em que Tansley atirou em sua esposa. Sua angstia sobre o sonho leva-o a Sigmund Freud e Tansley se torna seu paciente e admirador; de acordo com: Pedro Ayres: Shaping Ecology. The life of Arthur Tansley, Oxford 2012.

    15 O casal Erlich permanece ativo e seguem agarrados concepo de exploso demogrfica como um tema central. Ambas so bem resumidos na Ehrlich, A. e P., 2013. Re

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    simplesmente um capricho da natureza, mas um produto e um fundamento da evoluo e, portanto, tambm uma condio para toda a vida na Terra. Isto tambm foi colocado sob o foco por Ehrlich na chamada hiptese rebite: a biodiversidade como um bloco de construo da vida to importante quanto os rebites em uma aeronave. claro que alguns podem ser removidos, aqui e ali, mas se muitos se soltam, o avio vai cair do cu.

    Atravs de Wilson e outros, uma ideia to importante tornou-se rapidamente moeda corrente: a grande diversidade de formas de vida uma condio necessria para a vida no planeta.16 Ao disseminar o conceito de biodiversidade, destaca-se que a diversidade de espcies no pode ser vista separadamente da diversidade gentica e dos ecossistemas e por isso que a diversidade das espcies no um sinnimo adequado. Assim, a conservao da natureza tornou-se fundamentada em uma lgica muito mais eficaz. No entanto, isto significa que a conservao da natureza no pode ser abordada em termos de preservao de algumas espcies populares de forma isolada; deve conservar os habitats e os ecossistemas.

    2.6 Natureza como biodiversidade

    Em 1990 esta nova viso da natureza havia se consolidado na medida em que a biodiversidade tornou-se o conceito fundamental para uma das grandes convenes do Rio, a Conveno sobre a Diversidade Biolgica (CDB). O sucesso do conceito de biodiversidade talvez um dos captulos mais surpreendentes da histria contempornea das ideias. H vrias razes para sua ascenso fulminante:

    O conceito de biodiversidade suficientemente indeterminado para ser interpretado e preenchido de vrios modos. O prprio Wilson inicialmente hesitou em usar o termo porque ele sentiu que era muito audacioso.A biodiversidade suspende a diviso estrita entre a natureza como natureza selvagem e natureza/cultura. Uma alta biodiversidade tambm pode ser encontrada em jardins ou em paisagens influenciadas pela ao humana. um conceito no qual os conservacionistas da natureza encontram argumentos novos e baseados em evidncias para os perigos de destruir a natureza.Contribui para uma melhor descrio e quantificao da natureza. A diversidade de espcies pode ser expressa em termos numricos.Biodiversidade define a natureza como um recurso. No apenas existem recursos naturais na natureza (petrleo, carvo, etc.), mas a diversidade

    16 O surgimento e a difuso do conceito de biodiversidade tem sido bem pesquisado e documentado por Farnham (2007). As estatsticas so impressionantes: em 1987, o conceito mencionado apenas quatro vezes em artigos cientficos; em 2004, sobe para 4.030. Vale ressaltar que essa exploso aconteceu aps a adoo da Conveno do Rio. Em 1992, apenas 162 referncias so encontradas. Uma breve apresentao da carreira do conceito de biodiversidade tambm encontrada em Radkau 2011.Re

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    da prpria natureza pode ser vista como um recurso. O termo recursos genticos est se espalhando rapidamente. Desta forma, a natureza explicitamente conceituada como um material.Em combinao com a ideia de servios ambientais, a natureza como um recurso torna-se um prestador importante de servios para os seres humanos. Esta ideia muito bem incorporada pelos conservacionistas da natureza e ecologistas porque lhes parece proporcionar novos argumentos.Biodiversidade como um recurso evoca grandes expectativas. Uma grande proporo da biodiversidade mundial est concentrada nos pases em desenvolvimento. Em particular, as florestas tropicais esto provando ser extremamente diversificadas. Para os governos e tambm para os povos indgenas, isto desperta esperana de uma nova prosperidade: o ouro verde dos genes.

    provavelmente a sua indeterminao, e o grande potencial que isto abre para agregar-se a outras propostas, que favoreceram o sucesso do conceito. Os pases em desenvolvimento podem sonhar com um novo boom de recursos e os grupos farmacuticos com o acesso legalmente salvaguardado ao material gentico. Os conservacionistas esto satisfeitos com o novo esteio da conservao da natureza. Apesar do material de alta complexidade e cheio de armadilhas nos detalhes, no Rio em 1992 foi mais fcil adotar a Conveno da Biodiversidade do que uma Conveno sobre Florestas, que os pases em desenvolvimento em particular temiam que pudesse impor muitas condies e restries ao seu desenvolvimento econmico. 17

    Os objetivos desta Conveno...so a conservao da diversidade biolgica, a utilizao sustentvel de seus componentes e a repartio justa e eqitativa dos benefcios resultantes da utilizao dos recursos genticos, incluindo o acesso adequado aos recursos genticos e a transferncia adequada de tecnologias pertinentes, levando em conta todos os direitos sobre esses recursos e tecnologias e o financiamento adequado.18

    A formulao de tais objetivos reflete o esprito da poca, no incio da era do desenvolvimento sustentvel. o otimismo de que a conservao da natureza e o desenvolvimento econmico j no apresentam nenhum conflito fundamental, mas podem ser conciliados ao redor do eixo central da sustentabilidade. Os conservacionistas da natureza neste contexto j no so os mensageiros eternos do alerta e da desgraa; o tipo de proteo que eles defendem parte da

    17 Por isso, cf. Radkau 2011, p. 588ff.18 www.cbd.int/convention/articles/?a=cbd-01

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    A diversidade de cogumelos de uma floresta mista em Saskatchewan, Canad.

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    perspectiva do desenvolvimento sustentvel.19

    Desta forma, dentro de apenas 20 anos um paradigma inteiramente novo foi estabelecido para a compreenso da natureza e conservao da natureza. Como parte deste processo houve uma reaproximao definitiva - pelo menos conceitualmente - entre a economia e a ecologia. Os fundamentos de uma nova economia da natureza foram assim estabelecidos. Nos anos seguintes Cpula da Terra no Rio estes fundamentos foram ampliados e desenvolvidos.

    Um marco importante neste processo foi a Avaliao Ecossistmica do Milnio (MA, sigla em ingls), um estudo abrangente das Naes Unidas. Este estudo amplia a abordagem ecossistmica (ecosystem approach) que j est na base da Conveno sobre Diversidade Biolgica (CBD) e tenta sistematicamente apontar a dependncia do bem-estar humano ao funcionamento dos ecossistemas. fato que a MA soou notas de advertncia e incluiu um inventrio da destruio dos ecossistemas, mas ainda assim ganhou status de divisor de guas porque finalmente trouxe a linguagem dos servios ambientais para a linguagem comum.20 A apresentao do MA pela Comisso Alem para a UNESCO fez referncia explcita a este ponto: O relatrio deixou claro que os ecossistemas da Terra esto sendo destrudos cada vez mais. Em retrospectiva, um grande sucesso do relatrio que estabeleceu firmemente o termo servios ambientais. A natureza fornece alimentos, gua, madeira, fibras e recursos genticos livre de custos; oferece recreao, prazer esttico e realizao espiritual e suporta a formao do solo e a ciclagem de nutrientes. Em 2005, dos 24 servios ambientais que foram examinados pelo relatrio, 15 j estavam em uma condio de destruio avanada ou em curso.21

    Isto completa o desenvolvimento de um marco que define a natureza em uma linguagem que absolutamente compatvel com a economia. Servios um termo familiar que designa ativos econmicos comuns na vida cotidiana e para os quais estamos acostumados a pagar um preo. Um servio no precisa, mas pode ser monetarizado. Muitos conservacionistas ambientais estavam

    19 Isso j tinha sido articulado claramente no renomado Relatrio Brundtland: Desenvolvimento tende a simplificar os ecossistemas e reduzir a sua diversidade de espcies. E espcies, uma vez extintas, no so renovveis. A perda de espcies animais e vegetais pode limitar muito as opes das geraes futuras; assim, o desenvolvimento sustentvel exige a conservao de espcies de plantas e animais(Brundlandt Report, Captulo 2: Rumo ao Desenvolvimento Sustentvel, pargrafo 13. http://www.un-documents.net/our-common-future.pdf).

    20 A MA constitui um marco fundamental que colocou com firmeza o conceito de servios ambientais na agenda poltica. Embora enfatizando uma abordagem antropocntrica, o quadro da MA destacou a dependncia humana no somente nos servios ambientais, mas tambm no funcionamento subjacente aos ecossistemas, contribuindo para tornar visvel o papel da biodiversidade e dos processos ecolgicos no bem-estar humano. Desde a MA, a literatura sobre os servios ambientais e projetos internacionais que trabalham com o conceito se multiplicaram. http://foreststofaucets.info/wp-content/uploads/2010/03/The-History-of-Ecosystem-Service-in-Economic-Theory-and-Practice-Journal-Citation.doc.pdf

    21 www.unesco.de/mea.html (traduo livre) Refle

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    pouco conscientes desta colonizao econmica da linguagem e muito menos foi esta a sua inteno; estes estavam focados na modernizao da linguagem da conservao da natureza, em encontrar as palavras certas para comunicar a mensagem sobre a importncia da conservao da natureza para a vida humana.

    2.7 Capital natural

    At o momento, o captulo final na economizao da linguagem da natureza pode ser identificado no uso do termo capital natural. A definio clssica do conceito foi cunhado por Robert Costanza, que chama capital natural de a extenso da noo econmica de capital para bens e servios ambientais [...]Capital natural portanto o estoque de ecossistemas naturais que produz o fluxo de valiosos bens e servios ambientais para o futuro.22

    A linguagem da natureza agora est entrelaada com a linguagem da economia. Aqui, mais uma vez, o uso do termo no est limitado com qualquer clareza conceitual. Para muitos, o capital natural uma metfora, concebido para mostrar que s podemos viver dos lucros da natureza e que no devemos consumir o seu capital - como qualquer dona de casa prudente sabe. Em um exame mais atento, contudo, o termo revela-se problemtico. Ele joga muitas coisas dentro de um mesmo saco: recursos renovveis e no-renovveis, a funo de sumidouro (sink) e o funcionamento do sistema em geral. E tudo isso capital natural?

    No perodo de preparao para a Conferncia Rio+20, o termo capital natural surgiu em inmeros documentos baseados em torno do paradigma da economia verde. Isso levou a um intenso debate internacional no qual muitos pases em desenvolvimento e ONGs crticas expressaram os temores de uma reduo econmica do desenvolvimento sustentvel, que em si mesmo j um paradigma contestado, e condenaram o perigo de qualquer monetarizao da natureza.

    Embora a discusso e crtica majoritariamente acadmica ao tema da financeirizao ou monetarizao da natureza j estivesse em curso h algum tempo, em 2011, tornou-se um importante tpico de controvrsia internacional nos debates que antecederam a Rio+20. A concepo extremamente utilitarista e

    22 Robert Costanza: artigo Capital Natural na Encyclopedia of Earth. www.eoearth.org/view/article/154791/ A passagem completa diz o seguinte: O capital natural a extenso da noo econmica do capital (meios de produo fabricados) para bens e servios ambientais. Uma definio funcional de capital em geral : estoque que produz um fluxo de bens e servios valiosos para o futuro. O capital natural portanto o estoque de ecossistemas naturais que produz um fluxo de bens ou servios ambientais valiosos para o futuro. Por exemplo, um estoque de rvores ou de peixes fornece um fluxo de novas rvores ou de novos peixes, um fluxo que pode ser sustentvel indefinidamente. O capital natural tambm pode fornecer servios como reciclagem de resduos, captao de gua e controle de eroso. Uma vez que o fluxo de servios ambientais requer que eles funcionem como sistemas completos, a estrutura e a diversidade do sistema so importantes componentes de capital natural.

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    antropocntrica da natureza como uma provedora de servios para o bem-estar humano de forma alguma uma ideia universalmente aceita. Os defensores da nova economia da natureza foram forados a perceber, penosamente, que conceitos tais como natureza como me Terra ou direitos da natureza estavam sendo trazidos para debates como um contra-conceito. Um trabalho intenso da comisso responsvel teve lugar, durante o qual a linguagem econmica sobre a natureza foi em grande medida erradicada, o que ficou refletido no documento que foi finalmente aprovado. Qualquer que seja a avaliao final da Rio+20, a Conferncia tornou a economia verde e a economicismo da natureza em um dos grandes temas de controvrsia global.

    A economia dos ecossistemas - a abordagem TEEB

    De 2007 em diante, a abordagem da MA foi levada adiante por meio da conceitualizao elaborada do estudo TEEB. A sigla TEEB significa A Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade. A implementao do estudo remonta a uma resoluo dos ministros de Meio Ambiente dos pases do G8. Seu objetivo tornar visveis os benefcios econmicos da biodiversidade e os custos da perda da biodiversidade. Neste sentido, o TEEB tem a inteno expressa de ir mais alm do que a abordagem da MA. A MA propositadamente no tinha feito valorao econmica - e os problemas metodolgicos associados - o foco central de sua anlise. Isto o que TEEB agora visa corrigir. Um dos seus objetivos expressamente declarados quantificar a perda da diversidade biolgica em termos monetrios, tanto quanto possvel.23 Outra motivao para a encomenda do estudo do TEEB foi o (percebido) sucesso do Relatrio Stern, publicado em 2006 e dirigido a esclarecer os custos econmicos das mudanas climticas e da inao para enfrent-lo. Quanto ao TEEB, um banqueiro foi contratado para sua coordenao: Pavan Sukhdev, um diretor do Deutsche Bank. Sukhdev se tornou um embaixador extremamente acessvel e eloqente para a abordagem do TEEB e ajudou a angariar tanto a ateno da mdia quanto peso poltico ao relatrio. Em uma entrevista, Sukhdev resumiu a inteno de TEEB: H muito que chega a ns gratuitamente. Estes so produtos e servios que no so produtos e servios do mercado. Eles so da natureza dos bens pblicos. Mas o problema que no estamos mais em uma situao de abundncia. Estamos comendo este capital, por assim dizer, que est nos fornecendo servios muito valiosos de maneira gratuita. Ns usamos a natureza porque valiosa, mas a perdemos

    23 Por exemplo, tal como formulada, em uma apresentao por Carsten Nehver: www.ufz.de/export/data/1/26432_TEEB__nesshoever_short.pdf. Re

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    porque de graa.24 O TEEB tem como objetivo no apenas a conscientizao, mas tambm se prope a desenvolver orientaes polticas e econmicas para a ao. De acordo com o esboo do estudo TEEB, este deve ser complementado com estudos nacionais. No total, dezoito pases ou grupos de pases declararam suas intenes de realizar estudos TEEB. Eles incluem Brasil, ndia e frica do Sul, mas tambm a Repblica Tcheca, Polnia e Blgica. A Gergia um pas-piloto; um estudo exploratrio foi publicado em 2013 e fornece um exemplo dos resultados que podem ser esperados a partir de estudos nacionais TEEB. A importncia central da energia hidreltrica na Gergia enfatizada: embora a energia hidreltrica seja um recurso renovvel, esta depende dos impactos sobre os servios dos ecossistemas e da biodiversidade. Esta energia depende de um fornecimento regular de gua; tanto a qualidade como a quantidade da gua doce so fundamentais para o funcionamento deste setor. Alguns dos impactos do setor hidreltrico incluem a perda de habitat, deslocamento de comunidades locais e as emisses de gases de efeito estufa. No entanto, estes impactos nem sempre so devidamente abordados nas avaliaes ambientais atuais de usinas hidreltricas. Para este fim, um estudo TEEB para informar os processos de avaliao de impacto ambiental pode ser realizado para informar a poltica energtica geral da Gergia considerando os impactos ambientais e de distribuio do setor de energia do pas e de como estes impactos podem ser mitigados atravs de mecanismos como compensaes de biodiversidade.25 O fato de que a energia hidreltrica dependente de um fornecimento regular de gua no uma surpresa. Mas as recomendaes expressam claramente a direo pretendida com o estudo: a mitigao dos impactos atravs de mecanismos como compensao. Opes tais como evitar novas usinas hidreltricas ou explorar alternativas de poltica energtica, que esto sob todas as formas em discusso na Gergia, no tm lugar nessa agenda.26

    24 http://e360.yale.edu/feature/putting_a_price_on_the_real_value_of_nature/2481.25 www.teebweb.org/wp-content/uploads/2014/01/TEEBScoping-study-for-Georgia

    mainfindings7wayforward-2013.pdf.26 Um breve resumo dos debates entre a sociedade na Gergia sobre energia hidreltrica

    e suas conseqncias ecolgicas e sociais podem ser encontrados aqui: http://www.georgianjournal.ge/business/26238-khudoni-vital.html.

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    3 A Nova Economia da Natureza: Campos de Ao

    O debate atual freqentemente gira em torno da questo de saber se as abordagens econmicas so equivalentes a uma monetarizao da natureza. Frentes opostas surgiram e se tornaram entrincheiradas. Os proponentes de uma viso econmica da natureza vm com freqncia e de forma explcita rejeitando a acusao de monetarizao da natureza. Dar natureza um valor no o mesmo que estabelecer um preo, dizem. Isto certo. Os diferentes significados possveis do termo valor do origem a algumas das ambigidades no debate atual. Mas independentemente de como a valorizao monetria da natureza vista, o fato que isso j est acontecendo e influencia politicamente.

    De fato, a viso econmica da natureza compreende vrios aspectos e reas de atuao que acarretam na monetarizao e/ou implicam na criao de mecanismos de mercado:

    1. Quantificao dos danos ambientaisO dano ambiental existe e deve ser quantificado.

    2. Internalizao das externalidadesUm tema clssico e bem estabelecido pela economia ecolgica, que oferece

    uma perspectiva para a ao poltica e coincide em parte com a demanda popular de que o poluidor-pagador.3. Identificao das escolhas (trade-offs)

    Isto implica avaliar os aspectos econmicos das alternativas em escolha: mais barato construir diques ou restaurar vrzeas do rio?4. Valorizao econmica dos servios ambientais e estabelecimento de mecanismos de pagamento

    O pagamento por servios ambientais, PSA, tornou-se uma grande fonte de esperana - especialmente na poltica florestal (REDD+) e de clima.5. Incorporao do consumo de natureza e dos danos ambientais nos sistemas de contas nacionais e das empresas

    Outro debate pr-existente, estabelecido sob o ttulo para alm do PIB, no qual esto sendo feitos novos avanos.

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    3.1 Quantificao dos danos ambientais

    Em 2011, um tribunal do Equador condenou a empresa petroleira Chevron a uma multa de aproximadamente EU$14 bilhes pelos danos que teriam sido causados pela perfurao de petrleo na regio amaznica. A Chevron se recusa a reconhecer a sentena. Pagamentos para mitigar os danos de acidentes no so incomuns; o caso mais espetacular o litgio aps o desastre do poo Deepwater Horizon. Em geral, a quantificao dos danos econmicos no sentido estrito relativamente simples - por exemplo, a perda de renda dos pescadores. Mas como os danos aos ecossistemas devem ser reconhecidos na fixao de um valor de compensao? Frequentemente as somas so baseadas nos custos de reconstruo dos ecossistemas. Isto leva s disputas sobre detalhes dos clculos - embora haja poucas dvidas de que desejvel impor multas por danificar a natureza em tais casos. A alternativa - a no contabilizao de danos natureza e aos ecossistemas - inaceitvel, mesmo porque a dissuaso neste caso descartada. A avaliao monetria dos danos s pessoas j praticada. O Cdigo Civil Alemo prev uma indenizao por danos; o valor deve ser determinado em cada caso, por decises judiciais ou procedimentos de liquidao. Com base em tais julgamentos, uma tabela listando os valores de partes do corpo pode

    Deepwater Horizon em chamas, abril de 2010

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    ser produzida. Por exemplo, os rgos genitais so cotados a um valor mdio chocante baixo de EU$30.247, ao passo que a compensao de EU$511.345 pode ser efetuada para a perda de ambas as pernas. 27

    suficientemente evidente que esses clculos so necessrios, ainda que arbitrrios e controversos. Eles tambm so dependentes da capacidade das partes afetadas e dos contextos scio-polticos especficos. A prtica bem estabelecida de pagar indenizao por dor e sofrimento no levou a um mercado de partes do corpo. Da mesma forma, os pagamentos de compensao por danos ambientais podem ser vistos como uma forma limitada, mas necessria, de capturar o valor monetrio da natureza.

    3.2 Internalizao das externalidades

    A atividade humana causa danos que no so contabilizados, sobrecarregando o conjunto da comunidade. A incapacidade da economia clssica para capturar os danos ambientais um ponto crucial da crtica da economia ecolgica. Uma fbrica polui um rio e deixa assim os seus impactos ambientais para a comunidade - que fica sobrecarregada de poluentes.

    As conseqncias so bvias: os poluidores devem ser responsabilizados, um argumento conhecido como o princpio do poluidor-pagador. Isso resume um dos campos mais pesquisados da economia da natureza. Inmeros estudos tm quantificado os custos externos, ou externalidades, e a demanda de que estas sejam internalizadas j foi incorporada pelo jargo poltico. No entanto, um olhar mais atento para os resultados de pesquisa econmica sobre os custos externos levanta algumas questes.

    Entre os custos externos mais extensivamente pesquisados esto os impactos ambientais do transporte e de produo de energia. A Agncia Federal Alem do Meio Ambiente (Umweltbundesamt, UBA) publicou em 2007 uma reviso de pesquisas nesta rea e apresentou uma sugesto de conveno metodolgica. Os economistas ambientais determinam isto [ou seja, os custos ambientais] com as estimativas dos chamados custos externos [...]. A amplitude dessas estimativas muito grande.28 At aqui, a economia ecolgica forneceu estimativas com resultados muito variados. A UBA est tentando melhorar esta

    27 A tabela encontrada em um livro interessante de Jrn Klare: bin ich Wert foi? Eine Preisermittlung, Berlim 2010.

    28 Umweltbundesamt: Externe Kosten kennen - Umwelt schtzen besser, de 2007, http://www.dfld.de/Downloads/UBA_070427_ExterneKosten-1.pdf. Esta breve apresentao dos mtodos de determinao dos custos externos bastante legvel. Alm disso, a UBA props uma nova verso que mais detalhada e complexa: Umweltbundesamt: konomische Bewertung von Umweltschden. Methodenkonvention zur Schtzung von Umweltkosten de 2012, http://www.umweltbundesamt.de/sites/default/files/medien/378/publikationen/uba_methodenkonvention_2.0_-_2012_gesamt.pdf (traduo livre). Embora nos referimos aqui principalmente a estudos alemes, estes resultados no diferem daqueles realizadas em outros pases da Europa, nem dos estudos da UE, e podem ser tomados como exemplos bem documentados. A

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    situao insatisfatria com algumas recomendaes.Um aspecto central a utilizao de uma taxa mdia de custos: EU$70 por

    tonelada de CO2. Este nmero destina-se a expressar a estimativa dos danos causados pelos impactos das mudanas climticas em termos monetrios (cf. UBA 2007, p. 3). Este valor corresponde s recomendaes da Comisso Europia, que so baseados em uma ampla srie de projees (ExternE - custos externos da energia). EU$ 70 por tonelada de CO2 agora um nmero de chave em economia ambiental.

    Uma vez definido o nmero, os clculos podem prosseguir. Assim, os custos externos do lignito (um tipo de carvo) so fixados em 8,7 centavos de euro por kilowatt e o valor do leo para calefao em 6,1 centavos de euro, enquanto que a energia elica, com 0,1 centavos de euro em custos externo, ocupa uma posio muito boa. Tambm se pode demonstrar que os instrumentos de poltica ambiental no internalizam adequadamente os custos externos: do lignito e seus 8,7 centavos de euro de custos externos, apenas 1,83 so internalizados, deixando 6,8 de fora. O que realmente interessa que, de acordo com esses clculos, o comrcio de emisses faz a contribuio fenomenal de 0,0009 centavos de euro para a internalizao dos custos externos - isso no ano de 2005.29

    Passemos aos custos externos dos transportes. Mais uma vez, numerosos estudos em 2005 foram capazes de determinar estimativas e valores mdios e transmitir uma ordem de grandeza dos custos externos - de acordo com a UBA. As magnitudes estimadas so expressas em termos de nmeros muito concretos: uma viagem de carro causa, em mdia, em torno de trs centavos de euro de custos ambientais por quilmetro percorrido. Com uma quilometragem de 10 mil quilmetros por ano, isso equivale a EU$300. Na Alemanha, cerca de 30% deste valor j est coberto pelo imposto ecolgico sobre os combustveis. A internalizao dos custos ambientais custaria assim a ridcula soma de cerca de 20 euros por ms. Quais so as conseqncias luz destes clculos? possvel pedir um aumento de EU$0.22 no preo da gasolina e calcular que a carga tributria total sobre o trfego j maior do que os seus custos ambientais e que ento os motoristas de carro so as vacas leiteiras da nao. Esta a viso do automvel clube da Alemanha, o ADAC,30 que tambm fez comentrios muito pertinentes sobre a construo terica dos custos externos: nem as partes prejudicadas tm qualquer pretenso quanto ao ressarcimento dos danos, nem parece provvel que neste caso as receitas seriam empregadas para evitar os efeitos negativos externos.

    Em uma pesquisa recente dos mtodos de contabilizao dos custos externos a UBA tambm inclui um valor para o custo do rudo do trfego. Assim, um carro

    29 difcil indicar com preciso qual a contribuio que o comrcio de emisses faz para a internalizao dos custos externos, porque depende do preo flutuante de certificados de CO2. Um estudo do DIW e o Instituto Frauenhofer acha que para o ano de 2009, mais uma vez, o comrcio de emisses deram apenas uma contribuio muito baixa para a internalizao dos custos externos

    30 www.adac.de/_mmm/pdf/fi_internalisierung_externer_kosten_0508_30407.pdfA N

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    causa um custo de entre 0,79 e 1,94 de euros durante o dia, que sobe para entre 1,45 e 3,53 euros noite. Independentemente de como os economistas chegaram a esses nmeros, pelo menos estes esto sendo claramente calculados e levados a srio. Mas o que significa quantificar a poluio sonora em termos de uma soma equivalente em euros?

    Estes exemplos tm como objetivo dar uma breve viso sobre uma das aplicaes prticas da economia ambiental, de modo que alguns aspectos da frmula popular de internalizar as externalidades possam ser examinados mais de perto: a internalizao dos efeitos externos s funciona quando os custos podem e devem ser internalizados. No entanto, em muitos conflitos ambientais as partes no esto realmente interessadas na internalizao. Por exemplo, os custos de queimar uma floresta tropical devem ser internalizados? Ou os custos da energia nuclear? Em tais situaes de conflito, as estratgias de internalizao no ajudam. A internalizao somente funciona se o dano (por exemplo, a poluio ambiental) j est em curso.

    Internalizao se destina a corrigir os falsos sinais de preo. Assim, na opinio da UBA, no de admirar que o consumo excessivo acontea se algum uso particular do ambiente muito barato. Mas ser que o aumento dos custos para os motoristas de carro em EU$ 300 por ano (para citar a conta mais alta) realmente emite o sinal correto? Aqui, a interiorizao s iria perpetuar a estrutura vigente do setor dos transportes. A esperana de que os preos corretos levam a resultados corretos de governana questionvel.

    Para internalizar os custos necessrio monetarizar. Os economistas calculam valores monetrios para tudo, se isso necessrio, como o exemplo do rudo nos mostra. Estes valores monetrios so baseados em premissas complexas e A

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    Tabela 1: os custos ambientais externos mdios em centavos de euro por veculo-km

    Carros privados(frota de 2005)

    HGVs (> 3.5 t)

    Metodologia Fonte

    Custos Climticos 1,2 4,8 Conveno metodolgicaEU$70/t CO2

    UBA Infras Project,Fifo, 2007

    Poluio do Ar 0,5 5,6 Sade, danos materiais,perda de colheitas, de acordo com ExternE (ComissoEuropia 2005)

    UBA Infras Project,Fifo, computado por IER

    Natureza e Paisagem

    0,4 2,0 Custo de restaurao, purificao da gua, etc

    Infras/IWW (2004),converso prpria

    Rudo 0,8 5,0 Danos sade, discrepn-cia no preos dos aluguis

    Infras/IWW (2004),converso prpria

    Soma dos custos externos ambiental-mente relevantes

    2,9 17,4

    Fonte: www.dfld.de/Downloads/UBA_070427_ExterneKosten-1.pdf; tabela prpria

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    muitas vezes discutveis - que j no podem ser identificadas a partir do valor total calculado. A aparente objetividade de tais nmeros mascara os pressupostos normativos muitas vezes controversos utilizados na gerao dos mesmos.

    Outra questo que a variao dos valores calculados com freqncia muito ampla. Um exemplo bruto a avaliao dos custos externos da energia nuclear. O intervalo entre 1 e 100 centavos de euro por kWh. Mesmo para a gerao de eletricidade a partir de combustveis fsseis, o nmero de entre 1 e 25 centavos de euro. Ser que estes nmeros constituem realmente uma base til para as decises polticas?

    Quanto vale uma tonelada de CO2?

    Desde que o CO2 foi identificado como o gs de efeito estufa mais importante, reduzir as emisses deste gs tem sido um dos eixos centrais da poltica ambiental e climtica. De fato, uma grande vantagem de CO2 que ele fcil de medir. Mas como a economia pode converter CO2 em um valor monetrio? No contexto da internalizao dos custos externos, os danos causados pelo CO2 teriam de ser quantificados. Para este fim a UBA, seguindo as recomendaes de um projeto de pesquisa criado para avaliar os estudos existentes, prope utilizar o valor de EU$ 70 como uma unidade padro de custo. Os EU$ 70 pretendem refletir o estado de conhecimento entre especialistas reconhecidos. Outra abordagem comum determinar os custos de preveno, ou seja, os custos que surgem se as emisses de CO2 so reduzidas atravs de medidas de proteo do clima (por exemplo, isolamento de edifcios). Aqui, o valor oficial da UBA (em 2012) EU$ 77 por tonelada de CO2. Esse nmero da mesma ordem de grandeza que os custos dos danos, pois se a taxa de inflao levada em considerao, ento o valor de EU$ 70 (em 2007) j aumentou para EU$ 83. O economista norte-americano Frank Ackerman diz que este pode ser o nmero mais importante que j ouviu: US$ 33, o custos dos danos do CO2, fixado pelo governo norte-americano e conhecido como o custo social do carbono (CCS, sigla em ingls). A aplicao do CCS como um valor contbil voltado a orientar a regulao estatal. Baseado em clculos complexos este valor explicitamente uma condio poltica, que no pode ser condio como muito alto ou muito baixo se isso para atingir o seu efeito.31 Outro preo facilmente obtido: o preo de mercado das licenas de emisso (European Emissions Allowances). No ano de 2013, oscilou entre cinco e seis euros por tonelada. Por este preo, as empresas podem adquirir licenas que cobrem as suas emisses de CO2. A maioria das empresas tm recebido, e muitas empresas de manufaturados continuam a receber, um

    31 Cf. a este respeito a viso do World Resources Institute: Greenspan Bell, R. / Callan, D. 2011.A N

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    certo volume dessas licenas de forma gratuita. Quando estas permisses acabam, as empresas tm a possibilidade de adquirir novas permisses ou compensaes (offsets), principalmente gerados a partir do MDL, para cobrir suas emisses adicionais. No contexto de uma nova economia da natureza o CO2 crucial no apenas devido a sua importncia como um gs de efeito estufa mas porque fcil de medir e em nenhuma outra rea os custos de danos ou das emisses evitadas foi pesquisado to intensamente. No entanto, nas principais zonas econmicas dos pases desenvolvidos, os valores de CO2 politicamente especificados divergem entre si substancialmente. E se os valores calculados so levados minimamente a srio, o preo de mercado no um instrumento de orientao adequado; em outras palavras, o sinal de preo que transmite completamente falso. Alm disso, preos muito baixos como US$ 33 so questionveis. Estes valores se baseiam em suposies sobre as mudanas climticas que enfrentam um alto grau de incerteza, pois se referem ao futuro. Eles presumem que, mesmo para questes to complexas como as mudanas climticas, anlises de custo-benefcio podem ser produzidas com um certo grau de preciso e apresentadas em termos de valores monetrios.

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    Altos nveis de dixido de carbono provenientes da incinerao de pilhas velhas no Texas, EUA

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    No debate norte-americano, Eric Posner aponta que as decises sobre as mudanas climticas esto longe de ser orientadas por dados, mas envolvem questes normativas questionveis.32 Devem ser estas substitudas pela monetarizao? Ser que realmente desejamos delegar decises normativas para os economistas? Ou, para colocar de modo mais claro, ser que isso ir realmente funcionar? Ser que o lobby do carvo ser forado a se curvar diante de anlises de custo-benefcio? A monetarizao destas questes torna no-transparentes as decises normativas. Embora os especialistas possam compreend-las e verific-las na literatura, os participantes do debate pblico no costumam em geral ver alm dos valores declarados (expressos em termos de valores monetrios).

    Os exemplos j citados aqui destacam alguns dos dilemas da economia da natureza. Mas seja o que for que possamos pensar da monetarizao de danos e dos custos em evit-los - de certa forma isso j est sendo praticado e referido nos debates atuais. E para isso, h de fato um argumento poderoso: usar nmeros discutveis para calcular danos ambientais ainda melhor do que no levar nada em conta. De modo particular no discurso sobre a transio para sistemas de energia renovvel, seria fatal desconsiderar os danos ecolgicos causados pelos combustveis fsseis. Mas, questionvel se o custo muito baixo das externalidades, como os 6,8 centavos de euro para o lignito, realmente define um sinal apropriado para uma poltica energtica ambientalmente amigvel.

    Danos ambientais devem ser tornados visveis, e isso pode contribuir para a transparncia das decises polticas. Mas nem sempre precisam ser expressos em termos de valores monetrios. Por exemplo, a pesquisa tambm quantificou o nmero de possveis vtimas (aumento de mortalidade) decorrentes da utilizao de fontes de energia fssil. Vidas perdidas s contam depois de terem sido expressas em valores monetrios?

    32 Ibid., 10.A N

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    Economia da vida e da morte

    Poluentes matam, ou mais precisamente, poluentes do ar aumentam o risco de mortalidade. A fim de capturar os efeitos externos, a avaliao monetria de um aumento do risco de mortalidade fundamental. Para este fim, o valor estatstico de uma vida ou valor de anos de vida perdido deve ser computvel. Os economistas sabem que esto entrando em um campo eticamente minado aqui, mas garantem que isso no uma questo de quantificao do valor de vidas humanas, mas de mudar as probabilidades de mortalidade [...]. A vontade de pagar para alterar a probabilidade de mortalidade ou de doena deve, portanto, ser includa na estimativa de custos ambientais.33

    33 UBA 2012, p. 28 (traduo livre). A N

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    Como contabilizar o futuro? As taxas de desconto

    O debate sobre as taxas de desconto fundamental para a avaliao econmica das mudanas climtica e ao mesmo tempo, absolutamente incompreensvel para a maioria dos no-economistas. Em essncia sobre como valorar o futuro. Graas ao progresso tcnico, os computadores hoje so mais baratos hoje do que h vinte anos. Os economistas assim atribuem um valor mais baixo para os preos dos bens no futuro do que eles possuem no presente. Esta regra extremamente relevante quando se trata de quantificar os custos econmicos da mudana climtica. Se apenas esperarmos mais alguns anos, os custos de reduo das emisses de CO2 dos veculos poderia ser menor. O Relatrio Stern assume uma taxa de desconto relativamente baixa de 1,4%, um ponto que provocou objees considerveis. Uma taxa de desconto mais elevada reduziria

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    Paisagem arrasada: minerao a cu aberto de lignito na Saxnia, Alemanha

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    substancialmente os custos do combate s mudanas climticas. A taxa de desconto definida com base em suposies sobre o futuro. Os economistas, assim como as outras pessoas, no necessariamente concordam entre eles sobre o futuro; alm disso, eles no lograram acertar estas previses no passado. Isso nunca deve ser esquecido quando os nmeros citados por economistas so apresentados com uma aura de certeza cientfica, como se fossem to confiveis quanto o resultado de uma soma.

    3.3 Trade-offs

    Na dcada de 1980 o governo de Nova York enfrentou uma questo crucial. O que deve ser feito para garantir abastecimento de gua no futuro? Duas alternativas estavam sobre a mesa: a construo de uma nova planta de purificao ou investir na conservao de uma bacia hidrogrfica. Os economistas foram capazes de estabelecer que investir na rea de captao de gua era a opo mais barata. Assim, uma base racional foi encontrada para a deciso, que, naturalmente, foi em favor da bacia hidrogrfica.

    O caso de Nova York citado tantas vezes q