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Diversidade Étnico-Cultural
Responsável pelo Conteúdo:
Prof. Rodrigo Medina Zagni
Globalização, Espaço e Grupos Sociais
Material teórico
Globalização, Espaço e Grupos
Nesta unidade vamos tratar de mudanças significativas nas dinâmicas culturais, políticas, tecnológicas e econômicas operadas no último século, um período de mundialização do capitalismo e, como querem diversos autores, de globalização. Sendo assim, este é um conteúdo fundamental não só porque nos serve de base informativa para compreender como se conforma nossa própria realidade; mas para aprender a compreender melhor nosso mundo e as questões relacionadas à diversidade, numa “aldeia global”.
Atenção
Para um bom aproveitamento do curso, leia o material teórico atentamente antes de realizar
as atividades. É importante também respeitar os prazos estabelecidos no cronograma.
A condição humana e a diversidade das culturas em tempos de
globalização
Para o antropólogo, sociólogo e filósofo francês Edgar Morin (1921-), o fator
determinante da condição humana é a compreensão da relação que o indivíduo mantém com
a natureza, com o meio que o cerca, simultaneamente inserido e fora desta mesma natureza.
Para ele, situar o Homem no universo implica em uma mudança de mentalidade, que
iria anteriormente à concepção newtoniana de universo ordenado e reduzido a sistemas e
equações matemáticas, para um universo nitzchieniano, ou seja, disperso, errante, antagônico,
concomitantemente ordenado e desordenado, como dissera o filósofo alemão Friedrich
Wilhelm Nietzsche (1844-1900): “Há mais ordem no caos do que na própria ordem.” Desta
forma, derrubando dogmas que determinavam o homem inserido num planeta que girava em
torno do astro maior do universo, para adotar uma consciência de que este mesmo homem
viajaria em um planeta em torno de um dos muitos astros errantes que vagariam pelas
periferias das galáxias, estando, portanto, mais sujeito às forças da desorganização e dispersão
do que da ordem newtoniana passível de tradução matemática, instaura-se uma era de certeza
das incertezas. Os novos tempos, tempos de globalização.
Não implicaria em conceber o Homem
destituído da posição central no universo e
desta forma despojá-lo de importância
tornando-o insignificante (um grão de areia no
universo), mas tomar consciência de si mesmo
neste universo em constante expansão,
reconhecendo sua condição humana.
A partir destes princípios, já podemos
identificar pelo menos três naturezas de
identidade da condição humana que devem
ser tomadas de forma totalizante, segundo
Morin: terrena, física e biológica.
Material Teórico
“Consciencia sin ciencia y ciencia sin consciencia son mutiladas y mutilantes”. Edgar Morin
A condição humana ainda comportaria a natureza da animalidade e da humanidade,
em constante simbiose de correlação, bem como dois princípios básicos, um biofísico e outro
psico-sócio-cultural, da mesma forma remetendo-se mutuamente.
O Homem de Morin seria um só e, em sua totalidade, acumularia todas as
características aqui relacionadas. Constituir-se-ia das partes que compõem o todo e o não
desenvolvimento de uma das partes comprometeria o Homem em sua totalidade, regredindo-
o à condição de primata, que é o caso do ser biológico e não cultural.
O papel da cultura teria que estar em total simbiose com a existência biológica, pois em
seu caráter cumulativo estaria em constante desenvolvimento no indivíduo, assimilando
informações dentro do processo de educação. Da mesma forma, o ser biológico também não
pode ser relegado, pois suas necessidades primárias implicariam na satisfação do todo e sua
degeneração comprometeria o “eu” cultural.
Não se trata de desprezar as partes em nome do uno, da totalidade, mas entender que
o ser humano é, ao mesmo tempo, unidade e diversidade, é biológico no sentido cultural e
cultural no âmbito biológico. Há diversidade biologicamente bem como nos traços
psicológicos, culturais e sociais, mas há também a unidade resultante, convivendo com a
diversidade existente.
Dentro desta unidade/ diversidade, há ainda, para Morin, a dualidade da natureza do
indivíduo, que cumula as características da natureza humana, comuns a todos os seres e
resultantes de processos culturais cumulativos aos mesmos transmitidos, e outra de natureza
particular, singularidades cerebrais, mentais, psicológicas, afetivas, intelectuais, subjetivas...
Tomando o aspecto cultural em sua diversidade, é comum identificarmos o erro e
minimizar o indivíduo em sua unidade diante da diversidade cultural, ou ao contrário,
“Todo desenvolvimento verdadeiramente humano significa o desenvolvimento conjunto das autonomias individuais, das participações comunitárias e do sentimento de pertencer à espécie humana.”
Edgar Morin
enaltecer a unidade humana em detrimento da diversidade das culturas, quando a tolerância
e a aceitação “do outro”, das culturas distantes e “diferentes”, viria da compreensão da
natureza humana da unidade/ diversidade, favorecendo a unidade que assegura a diversidade
e a diversidade que inscreve a unidade.
Desta forma, problemas étnicos, linguísticos, religiosos e tantos outros de origem
cultural manifestos sob o racismo, a incompreensão e a intolerância, seriam sanados pela
simples compreensão da diversidade como característica inerente do ser humano.
Ensinar a compreensão num contexto de segregações culturais e
étnicas
Ainda para Edgar Morin, ensinar a compreensão faz-se essencial na educação que
pensa para o futuro uma vez que é um dos pilares básicos para a educação voltada à paz, e
enfocaria as causas principais do racismo, da xenofobia e do desprezo, tão comuns em
tempos de globalização na medida de contatos interculturais; não de forma sintomática, mas
apontando diretamente para suas causas.
A compreensão humana extrapola os limites da razão, da racionalidade e das
reduções matemáticas; portanto, a compreensão intelectual ou objetiva não seria suficiente
para a compreensão humana correta.
Edgar Morin exemplifica sua
concepção de compreensão humana e da
incapacidade da intelectualidade humana
em fazê-lo, ao determinar que as razões
pelas quais uma criança chora não podem
ser determinadas pela mensuração do
grau de salinidade de sua lágrima ou do
volume das mesmas; mas sim a partir das
aflições infantis daquele que tenta a
compreensão, identificando-se com a
criança e, desta forma, empreendendo um
processo de empatia, de identificação e
de projeção, que de fato permitiria uma
compreensão mais ampla.
400 × 400 - 37k - jpg - 2.bp.blogspot.com/.../H8upmjvU-QA/S692/12_1.jpg Veja abaixo a imagem em: trabracismoeepbr.blogspot.com/2007/09/racismo..
O fator humano é essencial e para entendê-lo o intelecto humano seria incompetente, e
as tão injustiçadas emoções humanas, paixões e aspirações, relegadas pelas correntes
racionalistas e positivistas à insignificância, mostram-se, em pleno século XX, essenciais à
compreensão total do ser humano.
Esta compreensão serviria de forma determinante para apontar as causas de
etnocentrismos e sociocentrismos, que resultariam em segregações culturais e étnicas e, desta
forma, não mais incidiriam somente sobre os sintomas de tão comuníssimos males
contemporâneos, podendo, desta forma, ser mais eficazes em seu combate.
Egdar Morin elenca as principais mazelas humanas que impedem esta natureza de
compreensão, determinando-as como:
• etnocentrismo (julgar a cultura alheia sob o prisma da sua);
• autojustificação (como um processo que impede a tomada de consciência e
autocorreção);
• self-deception (auto-decepção, um processo autopunitivo da mesma forma
dogmático e ortodoxo);
• possessões (relativas à natureza humana de posse, mas de característica egoísta);
• reduções (que impedem a compreensão do todo dissociando-o das partes, uma vez
que reduz problemáticas complexas à estruturas simplificadas e desta forma
incompletas);
• talião ou vingança (impulsionados pela mais baixa qualidade de sentimentos da
natureza humana; porém, inerentes ao ser).
Segundo ainda Morin, tais sentimentos estariam arraigados ao espírito humano como
parte componente do Homem e querer extraí-los do indivíduo, mesmo que no processo
educacional, não seria o mais correto; mas sim superá-los, enaltecendo sentimentos da mesma
forma indeléveis; porém de natureza mais nobre.
Para que houvesse total compreensão deste aspecto da natureza humana, seria
necessário um processo mental de auto-exame permanente, uma vez que a via direta para a
compreensão humana do outro é a compreensão total de nossas próprias faltas e fraquezas.
Afastando a autojustificação a partir deste processo, poderíamos conceber e vislumbrar nossas
próprias fragilidades, insuficiências e carências, determinando que somos todos falíveis e
compreendendo a nós mesmos, possibilitando, somente desta forma, a compreensão do
outro.
Esta tomada de autoconsciência despojaria o indivíduo de sua posição centralizada
consigo mesmo, admitindo a existência do outro e superando, desta forma, o egocentrismo e
o etnocentrismo intrínsecos à sua natureza. “Permite que não assumamos a posição de juiz de
todas as coisas”.
Tomando do micro para o macro, do
indivíduo para a sociedade, podemos
determinar o mesmo padrão necessário de
compreensão do “outro”, estipulando desta
forma uma consciência de que não há uma
cultura-mestra, como, por exemplo, acreditava-
se durante todo o século XIX com relação ao
nacionalismo belicista inglês, nação que
segundo seus principais novelistas teria
“direito divino sobre todas as árvores e
sombras nos quatro cantos do mundo”, pois
se pensava como a única nação civilizada,
portadora da missão de “levar civilização
àqueles que não possuíam”. É óbvio que esta
mentalidade extremamente etnocentrista e
equivocada, que não levava em consideração
culturas alheias, provocou aberrações históricas,
como tentativas de “civilizar” a Índia e a China,
cujos traços culturais milenares profundamente
arraigados chocaram-se com a cultura
Ocidental, convulcionando crises sociais
desmedidas. Sem contar que esta mesma
mentalidade legitimava os saques às culturas do
mundo inteiro naquele mesmo século como, por
exemplo, as relíquias egípcias saqueadas e
levadas aos museus ingleses e franceses, num
desrespeito total e completo à história e à
cultura daquele povo.
No dia 12 de Março de 1930, Mahatma Gandhi e vários discípulos iniciaram a marcha em protesto ao domínio inglês na Índia. A caminhada de quase 400 quilômetros tornou-se conhecida como Marcha do Sal.
A morte do antropólogo francês Claude Lévi-Strauss, aos 100 anos, na madrugada de sábado, em Paris, foi anunciada apenas ontem por colegas acadêmicos.
A civilização Ocidental deveria, portanto, passar por uma fase revisionista que
culmanaria em despojá-la de sua posição de prisma-mestre de todo o mundo, de modelo de
“desenvolvimento” para com todos os demais países subdesenvolvidos e deixar de julgar o
outro, o estrangeiro, a cultura diferente, como inferior. Neste aspecto, as noções de
Antropologia Cultural a respeito da diversidade étnica, religiosa, sócio-econômica como
estruturas culturais engrandeceria em muito essas noções, primordialmente as do estruturalista
francês Claude Levi-Strauss (1908-2009), do antropólogo, etnólogo e escritor norte-americano
Lewis Henry Morgan (1818-1881) etc.
O gênero humano entre indivíduo, espécie e sociedade, em busca de
uma solidariedade planetária
A ética do gênero humano, para Morin, compreende um caráter ternário da condição
humana, a saber: indivíduo / sociedade / espécie. Desta forma, devemos considerá-lo como
ser isolado, inserido no meio social em que vive e ainda dentro da espécie a qual pertence,
tendo portanto três naturezas de características que inter-retro-agem, ou seja, devem ser
consideradas apartadas e correlacionadas.
A educação para o futuro deve atender ao desenvolvimento conjunto destas qualidades
individuais enquanto indivíduo, enquanto agente e paciente de grupos sociais e ainda de
componente de uma unidade maior, que é a espécie humana. Estas três naturezas de
qualidade são dissociáveis, e tomá-las isoladamente ignorando-se o todo constitui grave erro
no qual chafurdam os processos contemporâneos de ensino vigentes.
O indivíduo é produto e produtor da espécie humana e, portanto, atento às qualidades
individuais de cada um, não há como dissociar das qualidades inerentes à espécie e, por sua
vez, não podemos relegar indivíduos que interagem produzindo características de convívio
social subordinadas às da espécie, que subordinam as individuais e ao mesmo tempo são
subordinadas por elas.
A necessidade humana de catalogar sentimentos, relações de conhecimento e
subordiná-las umas às outras, deve dar lugar a uma consciência de inter-relação constante, de
interdependência para a maximização da parte, relacionando-a com todas as demais unidades
parciais possíveis, para compreensão melhor do todo.
O gênero humano seria, portanto constituído de desenvolvimento de autonomias
individuais tomados em conjunto sob um sentimento unificado de pertencer-se à espécie
humana.
Desta forma, o indivíduo se relacionaria com as
próprias estruturas sociais-políticas como o Estado, produto
do Homem que por sua vez é seu resultado direto.
Edgar Morin enaltece o sistema democrático
“americano” como tradução da ética humana: “o cidadãos
produzem a democracia que produz o cidadãos”; porém, o
faz sem observar as contingências envolvidas e resultantes
do próprio sistema democrático, seus antagonismos, suas
contradições, como expressão máxima da síntese que
abrangeria todo sistema político vigente e a noção marxista
de marcha triática.
Uma visão mais completa que a de Morin deveria
atentar para as mazelas do próprio sistema democrático e o
quanto esta democracia teria se afastado dos ideais
iluministas do século XVIII e XIX, tanto quanto do
pensamento grego que o gestou em termos embrtionários.
Postuladas por Voltaire, Montesquieu, Denis Diderot,
D’Alembert e até mesmo por Rousseau (guardadas certas
ressalvas quanto a este último); e traduzidas na
independência dos Estados Unidos da América por Thomas
Jefferson e outros adeptos desta escola filosófica; é evidente,
diante do quadro sócio-político-econômico atual ,que as
ambições iluministas do séculos passados estão longe de
serem concretizadas pela tão sonhada democracia, que no
caso dos EUA relegou aspirações igualitárias adotando um
modelo baseado no belicismo, na força, na ameaça de
guerra como forma de coerção.
A contradição dos ditos “defensores da democracia”,
ou seja, as nações anglo-americanas envolvidas nos últimos
664 × 750 - 105k - jpg - www.uoregon.edu/.../WesternCiv102/Voltaire2.jpg Veja abaixo a imagem em: www.uoregon.edu/.../WesternCiv102/102Week9.html
Thomas Jefferson was arguably one of the greatest men in our
country’s founding history, and was a brilliant thinker – a true
renaissance man. It has been said the greatest volume of sheer
brainpower in one place occurred when Jefferson dined alone.
conflitos armados (EUA, Inglaterra, Espanha etc.), são atacadas fortemente por afirmações do
próprio autor, das quais podemos citar pelo menos duas:
v
A tecnoburocracia resultante da democracia seria responsável ainda por uma
segregação política e cultural tão gritante quanto todos os demais antagonismos deste sistema,
uma vez que instauraria um reinado de peritos nas áreas pertinentes à estrutura política-
burocrática-democrática em detrimento do grosso da população, que acaba não participando
efetivamente da tomada de decisões políticas em tempo de globalização, como idealizavam
seus predecessores.
Novamente, tomando o rumo do micro para o macro, podemos analisar a relação
entre países ricos e pobres, desenvolvidos e subdesenvolvidos, determinando que se não há
democratização do conhecimento de fato, não há igualdade de relações entre estas duas
naturezas distintas de nações, no plano de uma política internacional globalizada.
Alcançar a ética do gênero humano implicaria em atingir a antropo-ética, ou seja, a
relação entre o indivíduo singular e a espécie humana totalizadamente, para se buscar uma
solidariedade planetária.
“O respeito à diversidade significa que a democracia não pode
ser identificada com a ditadura da maioria sobre as minorias;
deve comportar o direito das minorias e dos contestadores à
existência e à expressão, e deve permitir a expressão das idéias
heréticas e desviantes.”
“A democracia necessita ao mesmo tempo de conflitos de idéias
e de opiniões, que lhe conferem sua vitalidade e produtividade.”
Edgar Morin
Individualismo e globalização
O historiador inglês Eric Hobsbawm (1917-) afirma que com a globalização surgiu uma
espécie de dissolidarização de classes, constituída pelo que classificou como: “valores de um
individualismo associal absoluto”. Com isso, Hobsbawn problematiza um novo ciclo sistêmico
do capitalismo, caracterizado pelo fenômeno da circulação global de capital, de forma a lançar
luzes em seus sintomas sociais, na forma de indivíduos egocentrados.
As novas necessidades de manutenção do frágil e já consolidado modo de produção
moldaram novas relações sociais, numa espécie de isolamento em que os indivíduos se
alienam da condição de classe, ou seja, de pertencerem a grupos de
interesses comuns.
Como então poderíamos definir “Globalização” sem nos
prendermos somente aos aspectos econômicos superestruturais e à
frágil idéia de “aldeia global”, buscando como paradigma o exercício
de Hobsbawm em aproximar a distante retórica sobre globalização do
cotidiano de uma sociedade que privilegia o consumo de massa de
tudo o que é amoedável pelo capital, incluindo desejos, pessoas, idéias e
sentimentos?
Definiremos “globalização” a partir dos estudos do crítico literário e político marxista
Fredric Jameson (1934-), tratando dos cinco níveis que a caracterizariam, para demonstrar a
coesão e articular políticas de resistência à globalização e seus efeitos negativos. São os níveis:
tecnológico, político, cultural, econômico e social.
Globalização tecnológica
Sintetizando a metodologia de Fredric Jameson no estudo “Globalização e estratégia
política”, o autor elege, como dissemos, cinco níveis a partir dos quais discorre sobre os
resultados de sua análise.
O primeiro nível é o tecnológico e, logo de início, o termo já evidencia um dos
principais antagonismos do conceito de “globalização”, que supõe a totalidade de algo.
A revolução da informática e as novas tecnologias de informação, apesar terem se
constituído de forma irreversível na produção e organização industriais e comercialização de
produtos, não atingem a totalidade da população mundial, em sua grande maioria excluída
não só do dialeto digital, mas do próprio mercado de consumo para estes produtos.
Fredric Jameson
A exclusão digital produzida no bojo de um sistema que se pretende totalizante, assiste
ainda à formação de um exército de analfabetos digitais, cada vez mais excluídos das relações
de produção mecanizadas e de acesso restrito à mão-de-obra extremamente especializada.
Globalização e política
Da tecnologia para a política, Jameson dedica parte de seu estudo ao papel
desempenhado pelo Estado-nação, que segundo alguns teóricos teria dado lugar às
corporações transnacionais (conhecidas na década de 1970 apenas como multinacionais).
O neoliberalismo ou a doutrina de livre mercado defendidos para que referidas
corporações pudessem operar circulando capitais em âmbito global, ilusoriamente faz pensar
em um distanciamento do Estado nas medidas econômicas para a auto-regulação do
mercado.
Por outro lado, o Estado passou a ser um agente fundamental nesse sistema, a partir
da instituição de mecanismos legais e medidas intervencionistas que contraditoriamente
garantem a “autogestão” das economias, requerendo para tanto uma efetiva intervenção
governamental e um Estado centralizador.
Outro antagonismo é o papel nacionalista visivelmente exercido pelos povos e
governos europeus e o estadunidense. Ao passo do frágil discurso de “aldeia global”, temos a
ascensão de partidos políticos de extrema direita, ligados muitas vezes a grupos religiosos
intolerantes, políticas racistas e xenófobas, na maior parte da Europa e também no novo
mundo.
Há um evidente descompasso entre o
discurso de aceitação da diversidade cultural
em um mundo “cada vez menor” e o
comportamento de povos europeus,
notadamente cultos como fra nceses,
ingleses e alemães, repudiando
publicamente africanos, hindus e latino-
americanos; ou estadunidenses, que
levantam barreiras físicas e legais para Durante discurso pronunciado no campo histórico do Rütli durante feriado nacional, Samuel Schmid, atual presidente da Confederação Helvética e ministro da Defesa, é vaiado e insultado por 700 neonazistas.
impedir a imigração de mexicanos, que comumente morrem nas fronteiras.
Na Alemanha os neonazistas do Nationaldemokratische Partei Deutschlands, liderados
por Peter Marx - jurista e secretário geral do grupo parlamentar do NPD -, conquistaram 12
cadeiras no Parlamento Regional do Estado da Saxônia, o Landtag, em Dresden,
denunciando a assustadora aceitação de 9,2% dos eleitores, ou seja, 19.087 almas, aos
preceitos da causa nazista que se pensava adormecidos.
No discurso político do partido inclui-se a atribuição do desemprego que atinge boa
parte dos jovens alemães aos imigrantes, ao contrário do que qualquer estatística racional
possa concluir em relação à proporção entre a força de trabalho estrangeira e a alemã naquele
Estado.
Em 2002, quando foram divulgados os resultados do
primeiro turno da eleição presidencial francesa, o mundo
prendeu a respiração com o sucesso de Jean-Marie Le Pen,
da Frente Nacional francesa, grupo político de extrema
direita com intrínsecas relações com a NPD.
O mesmo ocorreu na Áustria com a eleição de um
Primeiro-Ministro neonazista.
Na Inglaterra, basta jogadores latino-americanos ou
africanos tocarem na bola, em partidas de futebol, para que
os hooligans imitam grunhidos imitando macacos. Na
Espanha o mesmo fenômeno ocorre.
Globalização e diversidade cultural
O discurso pró-globalização nos Estados Unidos constitui-se cuidadosamente sobre
uma base “politicamente correta”, fundamentalmente em relação às diferenças étnicas,
pregando uma aceitação que de início sabe-se frágil em um país que tem profundas tradições
racistas.
Outro ponto central no discurso pró-globalização é o papel das unidades caracterizadas
como Estados-nações e seu ficcional desaparecimento.
Para Eric Hobsbawm, as economias nacionais seriam “unidades mais velhas”,
definidas por políticas territoriais de Estado, que estariam reduzidas às complicações
decorrentes de atividades transnacionais. Nos argumentos de Fredric Jameson, percebemos
Jean Marie Le Pen
que estas unidades políticas estão sendo desestruturadas pela idéia e pelas políticas neoliberais
em virtude das necessidades do grande capital, para promoção de um estágio de
comercialização mundial, com a formação de
gigantescos blocos econômicos.
Na prática, o que vemos é o enfraquecimento
desses governos alimentando a hegemonia de estados
centrais nessa nova ordem econômica, estabelecida
por meio de comércios agressivos. Ao invés de
desaparecerem os limites nacionais, os Estados-nações
estão sendo paulatinamente subordinados a estados-
centrais.
Como explicar o desaparecimento da idéia de
nação com o ressurgimento do nacionalismo
politicamente à direita dos movimentos sociais?
Como coexistir a idéia de aceitação das diversidades
étnicas e culturais com as graves condutas de
intolerância religiosa, a perseguição a homossexuais, negros e latino-americanos em diversas
realidades nacionais.
Enquanto o discurso neoliberal, na periferia do sistema capitalista, defende a abertura
de suas fronteiras fiscais e de seus mercados para a penetração de seus produtos e
tecnologias, no centro do sistema vigora o nacionalismo econômico.
Esse fenômeno pode ser verificado no filme documental de Michael Moore, “Roger &
Eu”, podem ser lidas, pintadas em viadutos e muros de Flint, Michigam, as frases: slut
imports (“vagabundas importam”) ou ass holes drive imports (“bundões dirigem importados”).
A hegemonia política de estados centrais no sistema capitalista caminha ao passo do
chamado imperialismo cultural, ascendente principalmente após o término da Segunda
Guerra Mundial com os tratados de concessão para emissoras norte-americanas de TV e de
garantia de mercado para produções cinematográficas hollywoodianas, em acordos firmados
com diversos países.
425 × 495 - 57k - jpg - liveforfilms.files.wordpress.com/2010/03/mich... Veja abaixo a imagem em: liveforfilms.wordpress.com/.../
A globalização cultural lê-se, no discurso de Jameson, como uma tentativa de
uniformizar o mundo a um modelo de cultura de massa, no campo televisivo, musical,
comportamental, gastronômico, da indumentária, e em todos os outros.
Não se trataria de uma tentativa ingênua de tomada de mercados, evidenciando que a
cultura, na era do capital, constitui produto, é amoedável e portanto caminha ao passo da
economia; mas a destruição de culturas locais onde se estabelece. Implica no desaparecimento
de restaurantes típicos onde se fixam os fast foods, no desestímulo à produção cinematográfica
de países antes tradicionais nesse ramo.
A dimensão econômica da globalização
Para tratarmos da dimensão econômica da globalização, segundo Fredric Jameson,
temos que retomar o princípio de que não houve o desaparecimento dos Estados-nações
diante das corporações transnacionais: o autor nos mostra que há uma notória cumplicidade
entre ambos, e os discursos em torno de sua
inexistência mascaram seus interesses individuais,
com o uso da fantasia criada pela idéia da
globalização, que grosso modo pode ser definida
como um novo ciclo sistêmico no modo de
produção vigente, no qual há necessidades de
circulação global de capital, cuja acumulação
primitiva tem novo lugar nas mega-corporações.
O Estado tem o papel de garantir a
quebra de barreiras para seu livre fluxo. Não se
trata de um movimento natural: há um grande
As indústrias culturais locais de entretenimento dificilmente irão suplantar Hollywood com uma forma global bem-sucedida no mundo inteiro, em especial devido ao fato de que o próprio sistema americano sempre incorpora elementos exóticos do estrangeiro, um pouco de cultura samurai, outro de música sul-africana, o cinema de John Woo, comida tailandesa, e assim por diante. Fredric Jameson
451 × 296 - 24k - jpg - www.candidatoavereador.com.br/materias/img/up... Veja abaixo a imagem em: www.candidatoavereador.com.br/.../faq.php?id=40
interesse das corporações em se estabelecer em
países pobres, alimentando-se de miseráveis e
desesperados como mão-de-obra barata e semi-
escrava, de isenções fiscais e concessões de
governos corruptos e de multidões de
desempregados nos locais de onde migraram. O
mesmo ciclo se desencadearia novamente quando
as mesmas corporações abandonassem esses novos
locais, já não mais tão pobres com a criação de um
mercado consumidor a partir da instituição de mão-
de-obra assalariada, seguindo em busca de novos
miseráveis que aceitassem uma espécie de
“escravidão voluntária”.
Para Fredric Jameson, da mesma forma
que no nível cultural, o estabelecimento econômico
em áreas de exploração e a transferência de
operações para locais mais baratos, minaria as
economias e destruiria os mercados nacionais,
evidenciando um dos vários aspectos perigosos da
globalização, como a especulação destrutiva de
moedas estrangeiras e a dependência econômica
de países subdesenvolvidos, submissos às políticas
econômicas dos países do Primeiro Mundo, em
troca de empréstimos e investimentos. No mundo
economicamente globalizado, nesses termos,
transferências instantâneas de capital poderiam
empobrecer, da noite para o dia, regiões inteiras.
Globalização e sociedade
O último nível caracterizado por Fredric Jameson
em sua análise sobre a globalização é o social e,
“. . . Enchentes, AIDS, assassinatos.
Corte para o comercial. Compre um
carro! Compre Colgate! Se tiver mau
hálito ninguém falará com você! Se tiver
espinhas as meninas não transarão com
você. É tão somente uma campanha de
medo e consumo. Acho que é nisso que
se baseia nossa economia: mantenha a
adrenalina e as pessoas consumirão. É
assim que as coisas funcionam!”
Marilyn Mason, in: TIROS EM
COLUMBINE, Direção: Michael
Moore. Produção: Kathleen Glynn; Jim
Czarnecki; Salter Street Films 2; Dog Eat
Dog Films Production. Intérpretes:
Michael Moore. Roteiro: Michael Moore.
[S.I.]: Alliance Atlantis, 2002. 1 DVD
(120 min.), son., color.
Marlyn Mason aponta para o motor
principal da engrenagem capital nesse
novo ciclo que se designou como
globalização: o consumo, que molda
todas as relações sociais e culturais, a
partir do determinante econômico.
. . . [O consumismo é] o ponto central de
nosso sistema econômico, e também o
modo de vida para o qual somos todos
os dias sem cessar treinados por toda
nossa cultura de massas e indústria de
entretenimento, com uma intensidade de
imagens e de mídias sem precedentes na
história.
Fredric Jameson
nesse aspecto, a destruição do que se convencionou como tecido cotidiano faz-se evidente
com o distanciamento do indivíduo do conceito de grupo e classe. Os padrões de unidades
nucleares de família e clã cederam à sociedade moderna impessoal de consumo, que em seus
próprios dizeres “individualiza e atomiza”, negando o zõom politikòs de Aristóteles.
Para Fredric Jameson trata-se do elemento chave que desencadearia toda a
configuração de nossa sociedade, explicando-a melhor do que os conceitos de base moralista
de “individualismo corrosivo” ou “materialismo consumista”.
A mais dura crítica à globalização
John Peter Berger (1926-), crítico de arte, romancista, pintor e escritor inglês,
prefaciando a obra “Fahrenheit 11 de setembro”, do cineasta estadunidense Michael Francis
Moore (1954-), caracterizou o papel dos EUA sob o governo George W. Bush (1946-) em
relação à globalização e às mega corporações, como uma “quadrilha” que teria tomado de
assalto – pela fraude eleitoral denunciada no filme – a Casa Branca e o Pentágono “. . . para
que o poder dos Estados Unidos dali em diante estivesse a serviço, prioritariamente, dos
interesses globais das grandes empresas”.
A afirmação parece dura pelas adjetivações que traz; porém, sintetiza os interesses que
levaram à formação de um grupo político a serviço das mega corporações, que teria
conduzido o poder da nação economicamente mais desenvolvida e que se pretenderia a
“polícia do mundo”, nos dizeres de Jameson, dando o tom de uma globalização
extremadamente violenta, na defesa de um modelo de mundo, o que possibilitaria dizer de
uma espécie de “globalitarismo”.
Sua percepção é a de que a globalização se caracterizaria como um embuste que
mascararia uma nova fase do capital, no interesse das mega corporações aliadas aos Estados-
nações mais ricos e industrializados do sistema capitalista, subordinados aos EUA, que de
forma predatória se alimentaria das economias dos países pobres, da mão de obra semi-
escrava, aculturando povos inteiros no escopo de aliciar o consentimento unânime a todo e
qualquer intervencionismo, para o estabelecimento e manutenção de um modelo de
hegemonia político-econômica, que prescindiria da dominação cultural.
Violência urbana e cidades globais
A violência nas grandes metrópoles é uma triste
realidade nas cidades globais, sendo possível, em
termos sociológicos, identificar seus principais
motivadores causais, dentre eles, nas grandes
cidades, temos, como fatores geradores de
violência:
• o acentuamento das
contradições do capitalismo e, com
isso, a agudização das restrições sociais e do problema da miséria;
• o gozo de direitos restringido a uma parcela privilegiada da sociedade; sendo
que para o grosso dela resta uma democracia de muito baixa intensidade;
• a má distribuição de renda gerando processos distintos de ocupação do espaço;
ou seja, a formação de bolsões de pobreza onde o Estado pouco penetra, criando
vazios de poder que são ocupados por outros grupos de interesse;
• um sistema prisional que não reeduca, que desumaniza, bestializa e, furtando os
direitos mais essenciais daqueles por quem deveria zelar, atira-os ao estado de
natureza "hobbesiano" atentando diariamente contra a dignidade humana,
devolvendo à sociedade profissionais do crime extremamente raivosos,
especializados e organizados;
• a corrupção de parte do poder público
que passa a se relacionar com o crime
organizado;
• a falta de políticas que tratem dos
motivadores causais da violência urbana
de forma articulada, ou seja, não apenas
focadas em políticas de segurança pública
restritas ao aparelhamento, treinamento e
aperfeiçoamento das políciais (isso
também seria necessário, bem como dar
400 × 260 - 48k - jpg - www.jornalorebate.com/25/2662006051618235515B...
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Michel Foucault é u
dignidade aos próprios policiais, com salários decentes e garantias de segurança
para si e sua família); mas também políticas de mais longa duração como
educacionais, de formação técnica para inserção no mercado de trabalho, focadas
na redução da pobreza e na minimização das desigualdades;
• deixar de afirmar o Estado que, como disse o filósofo francês Michel Foucault
(1926-1984), apenas vigia e pune.
Isso porque seria perceptível hoje, segundo confluem os estudos sociológicos sobre
questões de segurança pública, um significativo grau de institucionalização do crime
organizado, correspondente a apenas um dos tentáculos sempre renascentes da Hidra.
Haveria outros tentáculos igualmente nocivos e articulados como:
• a logística que dá suporte ao crime e dele se alimenta;
• parte do poder judiciário, em diversas realidades, implicada em escândalos como os
de vendas de sentença e transferências de presos (o que chegou a ser veiculado
pela grande mídia, recentemente, no Brasil);
• parte das polícias que, em diversos níveis, podem estar relacionadas ao crime
organizado;
• a política que faz uso das polícias e negocia com o crime organizado; entre outros.
Num contexto em que convencionou-se, do senso
comum às políticas de segurança pública, por criminalizar
a pobreza, seria preciso derrubar o mito de que
a delinqüência está dada irreversivelmente pela origem
social. Entra no cômputo, mas não é um destino
inexorável. Se fosse assim, não teríamos escândalos como
aqueles que envolvem a classe política em esquemas de
corrupção, ou parte do empresariado implicado em
especulações criminosas ou sonegações fiscais de grande
vulto econômico. A questão a se pensar é: para quem é
aplicada, de fato, a lei? Ou, para quais segmentos de 250 × 310 - 28k - jpg - 3.bp.blogspot.com/.../s320/hidra1.jpg
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sociedade o braço armado do Estado funciona para servir e proteger?
O crime organizado constitui uma rede que envolve desde segmentos nos mais altos
escalões das estruturas de poder, até os soldados do tráfico nas comunidades tomadas por
esses grupos; passando pela tal classe média que pensa estar isenta desses problemas.
Estaria ocorrendo, portanto, nas grandes cidades, o problema de as políticas que
visariam reverter esses quadros de violência urbana estarem sendo perpetradas de forma
unidimensional, pois seguiria o sucateamento do ensino público, agravando-se o problema da
exclusão social bem como do uso político das polícias. Quanto à corrupção de parte
significativa dos corpos políticos de diversos Estados, fica o desafio de se compreender sua
dimensão não apenas de prática; mas fundamentalmente de cultura política.
Como prevenir a violência que se evidencia então em todos os setores das sociedades
globais?
As respostas apontam para políticas articuladas:
• de segurança: reaparelhamento de todo o
aparato policial com pesados investimentos em
inteligência; capacitação de seus agentes
inclusive em relação a direitos humanos;
pagamento de salários dignos; garantias
mínimas de proteção às famílias dos policiais,
que são alvo do crime organizado;
• de educação: reversão dos processos de sucateamento do ensino público;
capacitação e, primordialmente, garantias de dignidade aos professores, os mais
importantes agentes das transformações que precisam urgentemente ser operadas
nessas sociedades;
• de geração de renda e inserção social: não apenas políticas assistenciais, mas
que ataquem os motivadores causais do fenômeno da pobreza;
• uma política instituída de tolerância: de garantias à diversidade, nos mais
variados âmbitos da vida social (religioso, sexual, étnico, político etc.).
420 × 282 - 25k - jpg - www.paginaunica.com.br/.../policia%20federal.jpg Veja abaixo a imagem em: www.paginaunica.com.br/ler-
? 999
Intolerância em sociedades globais
Como vimos até aqui, o que nos constitui essencialmente são as diferenças. O
imperativo, para a construção de uma sociedade tolerante é, portanto, a aceitação do outro,
do diverso.
É impensável nesses termos que
sociedades plurais, como a brasileira,
convivam com graves problemas de
intolerância exatamente ao diverso. Nos
grandes centros urbanos, em cidades
consideradas como globais, grupos religiosos
profanam imagens e símbolos rituais de outras
religiões, o racismo velado ou desvelado
circulando como enlatados culturais, condutas
de violência contra homossexuais (dos
espancamentos ao assassínio), o trato dos
estrangeiros como inferiores e uma série de
outros exemplos, revelam que as sociedades que se dizem planetárias convivem mal com a
diversidade.
Podemos afirmar, sob vários aspectos, que ao invés de valores de tolerância à
diversidade, estamos na vigência de uma cultura de ódio expresso, vazado nos mais variados
âmbitos da vida social, o que nos impõe uma imensa e urgente tarefa a fazer: construir uma
contracultura da tolerância, para reafirmar o Homem, os próprios valores humanísticos, no
seio de uma sociedade planetária que desumaniza, valorando o "ser" pelo "ter", como nos
disse o psicanalista e escritor alemão Erich Fromm (1900-1980).
Nos casos de guerras ideológicas, religiosas e étnicas, a intolerância chega a
ultrapassar os limites da irracionalidade com relação a indivíduos ou grupos específicos.
Apesar de as guerras serem extremamente racionalizadas, de os morticínios na
modernidade serem perpetrados com o recurso fundamental da técnica e de a intolerância ter
se desenvolvido, como nos disse o escritor, filósofo, semiólogo, linguista e bibliófilo italiano
Humberto Eco (1932-), de tipo selvagem para categórico, não podemos deixar de verificar
que os argumentos sobre os quais tentam se ancorar condutas de intolerância em alguma base
de cientificidade, o fazem construindo ou se reapropriando de pseudociências, criadas em
essência para legitimar seculares preconceitos ou ideias de superioridade civilizacional.
Erich Fromm (Frankfurt am Main, 23 de março de 1900 — Muralto, 18 de março de
1980) foi um psicólogo alemão.
Infelizmente os exemplos de intolerância concreta em sociedades que se apresentam
como globais são vários. A modernidade pode ser caracterizada, primordialmente, por essas
ocorrências:
Os nazistas durante a Segunda
Guerra Mundial ao perpetrarem o
abominável: o Holocausto; os conflitos
étnico-nacionalistas na África; as
sistemáticas tentativas de "limpeza étnica"
nos Bálcãs; e o barril de pólvora que se
tornou o Oriente Médio, dentre tantos
outros.
Temos graves questões humanitárias
em jogo, que não devem ser preteridas em
relação às ideologias, convicções religiosas
ou pertenças étnicas. O Homem universal e
seus direitos inalienáveis devem ser o cerne
das reflexões sobre a política, não apenas
um dos elementos componentes de um
sistema mecânico-funcionalista.
Nesse contexto conturbado por
ocorrências de ódio expresso numa
sociedade que propagandeia valores
universais e totalizantes, seria possível
estabelecer uma cultura de paz em favor da tolerância? Sociedades fragmentadas por
diferentes grupos sociais, como é o caso, por exemplo, dos países que constituem a América
Latina, experimentariam que tipo de globalização?
O modelo de desenvolvimento, ou o modelo de progresso que adotou a civilização
ocidental, entende o progresso como puramente técnico, como o meio capaz de promover o
progresso humano.
Em verdade, a própria idéia de progresso deve ser repensada para incorporar uma
gama muito mais variada de relações, para além dos processos produtivos. É preciso, então,
pensar o progresso em termos totalizantes e meios para sua consecução, que abarque o
338 × 500 - 98k - jpg - blog.cancaonova.com/.../06/principio-nazista.jpg Veja abaixo a imagem em: blog.cancaonova.com/tiba/2009/06/
Homem e suas aspirações, não meras
modernizações abstratas: é preciso repensar o
Homem, para repensar a própria idéia de
civilização, tendo como horizonte o mundo que
queremos.
Atualmente, os exemplos mais latentes de
intolerância no mundo globalizado são: as
constantes epidemias de fome em países
periféricos do sistema capitalista, o reinventado imperialismo e o velho discurso civilizador dos
países ricos, a ascensão de uma direita ultra-reacionária como força política na Europa, o
conflito israeli-palestino, a retórica negacionista iraniana em relação ao Holocausto judeu
durante a Segunda Guerra Mundial, a ascensão do terrorismo como ameaça global, os
novos/velhos terrorismos de Estado, os conflitos étnico-nacionalistas na África, golpes
militares, a hiper-exploração de trabalhadores pobres em vários lugares do mundo, o trabalho
infantil e a pedofilia, a pena de morte nos Estados Unidos e tantos outros países, o estupro
legalizado no matrimônio no Afeganistão, o fundamentalismo religioso em qualquer religião, a
idéia de que matar pode ter um propósito divino... Entre tantos outros exemplos possíveis.
Obviamente, pensar a tolerância em sociedades duais, em formações sociais eivadas de
contradições e com gravíssimos problemas de subdesenvolvimento e dependência, é uma
tarefa muito mais difícil, mas que faz muito mais sentido. Isso porque temos, na América
Latina, uma das mais violentas
histórias de conflitos civilizacionais,
desde a colonização, a hecatombe
que vitimou civilizações
antiquíssimas, a escravidão, as
guerras de independência
(excluindo-se daí a experiência
lusófona), o ciclo civilização &
barbárie, o caudilhismo, o
populismo, as ditaduras, as
revoluções sociais, a organização
dos setores subalternos, oprimidos,
como forças políticas... A América
http://free-palestine.deviantart.com/art/Who-is-Goliath-now-
400 × 300 - 49k - jpg - fcpinheiro.files.wordpress.com/.../ditadura.jpg Veja abaixo a imagem em: fcpinheiro.wordpress.com/.../
Latina é complexa e apaixonante, e pode ter ainda muito que ensinar aos povos da Terra em
termos de multiculturalismo, hibridismo, aceitação das diferenças e consecutivas superações
operadas pelos de baixo que tantas vezes "assaltaram o céu", termo muito adequado utilizado,
noutro contexto, pelo filósofo alemão Karl Marx (1818-1883), referindo-se ao efêmero mas
significativo sucesso da Comuna de Paris, em 1871.
Seria preciso, portanto, para os novos tempos de circulação mundializada do capital,
ou como queiram, de globalização, repensar o Homem, na adversidade e frente aos desafios a
serem superados pelas novas/velhas sociedades.
Entendendo a intolerância como um dos maiores desafios a serem superados num
contexto de multiculturalismo, devemos observar sua ocorrência também no plano político,
como o recurso a meios
excessivamente coercitivos para
garantia, pela força ou ameaça
do uso da força, de apenas
uma interpretação de mundo, o
que leva à ideia de civilidade
ou cidadania como a adoção
de comportamentos de
obediência plena e irreflexiva.
Seria preciso repensar o
indivíduo de forma plena
exatamente como aquele que
deve tomar as rédeas do
destino em suas mãos, o agente
de sua própria história, não
aquele que anula a si, as suas
particularidades, aquilo que o
constitui como único, em nome
de uma ideologia que
uniformize corações e mentes e
que lhe torne estupidamente
obediente, como gado. 411 × 600 - 192k - jpg - www.sebastianweb.com.br/.../Milton%20Santos.jpg Veja abaixo a imagem
em: www.sebastianweb.com.br/blog/index.php?pagina=11
Essa obediência não se manifesta apenas em relação aos Estados; mas à própria
sociedade de consumo de massa na difusão de seus valores. Podemos utilizar, para a análise
desse aspecto, o conceito de "globalitarismo" cunhada pelo geógrafo bra sileiro Milton Santos
(1926-2001), que entendia o consumo de massa como o novo "fundamentalismo" dos novos
tempos. Não seriam ideologias políticas os controladores desse inadmirável mundo novo: o
que nos uniformiza, padroniza e nos torna subservientes seriam os valores partilhados por essa
sociedade materialista, difundidos pelas mega-corporações, que nos submeteria à ditadura da
aparência, que entenderia indivíduos, os valoraria e lhes atribuiria a própria existência social
em relação ao repertório de bens tridimensionais que conseguissem concentrar no tempo
efêmero de sua existência.
A ideologia vigente hoje não seria política, totalitarista; mas sim a do consumo acrítico,
sem sentido e nocivo ao próprio planeta, igualmente fundamentalista.
Ainda sobre o tema “globalização, espaço e grupos sociais”, indico os textos abaixo,
disponíveis na internet, a título de leitura complementar:
ROCHET, Juliana; PRADO, Ana Pires “Educação e diversiodade cultural”; disponível no
link: http://www.iesb.br/grad/direito/cadernos/1/EducacaoDiversidadeCultural.pdf.
MORIN, Edgar; “Por uma globalização global”, disponível no link:
http://www.globalizacion.org/biblioteca/MorinGPlural.htm.
Indico ainda os filmes:
Encontro com Milton Santos ou o mundo global visto do lado de cá; dir.: Silvio
Tendler, Brasil, documentário, colorido, 2007.
Material Complementar
ARRIGHI, Giovanni; SILVER, Beverly J. Caos e governabilidade no moderno sistema
mundial. Rio de Janeiro: Contraponto; Editora UFRJ, s/d.
BLASS, Leila Maria da Silva; PAIS, José Machado (org.). Tribos urbanas: produção artística e
identidades. São Paulo: Annablume, 2007.
HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX, 1914-1991. São Paulo: Companhia
das Letras, 1995.
JAMESON, Fredric. A cultura do dinheiro. Petrópolis: Vozes, 2001.
LÉVI-STRAUSS, Claude. Tristes Trópicos. São Paulo: Anhembi, 1957.
MOORE, Michael. O livro oficial do filme Fahrenheit 11 de setembro. São Paulo: Francis,
2004.
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2000.
REIS, Hiliana; “Fronteiras, territórios e espaços interculturais”, InTexto, UFRGS, n. 10, 2004,
acessível no sítio http://www.intexto.ufrgs.br/n10/a-n10a9.html , último acesso em 19/08/2007.
SANTOS, Milton. Técnica, espaço, tempo: globalização e meio técnico-científico
informacional. São Paulo: HUCITEC, 1994.
SEGATO, Rita Laura, “Formações de diversidade: Nação e Opções religiosas no contexto da
globalização”, trabalho apresentado durante o encontro sobre “Religião e Globalização”, VI
Jornada sobre Alternativas Religiosas na América Latina, Porto Alegre, 6 a 8 de Nov. de 1996.
VOLTAIRE. Cartas filosóficas. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
WERNECK, Jurema; “Da diáspora globalizada: Notas sobre os afrodescendentes no Brasil e o
início do século XXI”, paper de conclusão do curso “A teoria crítica da cultura hoje: Alguns
caminhos possíveis. ECO-UFRJ, 2003.
Referências
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Anotações