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Novos recursos disponíveis para o audiovisual são maiores que nossa capacidade produtiva

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Este artigo tem como perspectiva discutir os possíveis impactos econômicos e sociais na produção audiovisual brasileira independente, em virtude da recém aprovada Lei 12.485/11, em especial, nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

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Os novos recursos disponíveis para o audiovisual nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste: serão maiores que nossa capacidade produtiva?

André Muniz LEÃO1

RESUMO: Este artigo tem como perspectiva discutir os possíveis impactos econômicos e sociais na produção audiovisual brasileira independente, em virtude da recém aprovada Lei 12.485/11, em especial, nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. PALAVRAS-CHAVE: Gestão, cultura, audiovisual, cinema brasileiro, Lei 12.485/112, produção independente, Condecine3, Fundo Setorial do Audiovisual, Serviço de Acesso Condicionado e TV por assinatura. 1. Introdução

“O cinema não vive sem a TV”. Silvio Tendler4

A história do audiovisual brasileiro não pode ser contada nem representada como

outras indústrias que avançaram e ascenderam, de forma linear e progressiva. Em especial a política audiovisual brasileira está permeada de acentuadas curvas ascendentes, muito próximas a outras curvas tão descendentes quanto. A estabilidade institucional e de políticas públicas não esteve constantemente ao lado da produção audiovisual brasileira.

No início dos anos 90, perdas como: extinção da Embrafilme, do Concine e da Fundação do Cinema Brasileiro5; estiveram muito próximas na linha do tempo aos ganhos como: a criação da Lei Rouanet e da Lei do Audiovisual.

No início dos anos 2000, a reestruturação da SAv e a criação da Ancine e do Conselho Superior de Cinema pela MP 2.228-1 marcaram positivamente o audiovisual brasileiro. Mas a desvinculação do Conselho Superior de Cinema à Casa Civil da Presidência da República foi um forte revés.

Mesmo assim, o mercado audiovisual brasileiro foi crescendo desde então. Até que quase 10 anos mais tarde presenciamos a derrota do Governo Federal e do setor audiovisual

1 O cineasta André Muniz Leão é produtor executivo, diretor de produção e primeiro assistente de direção. É formado em Audiovisual e cursou Produção Cinematográfica na Escuela Internacional de Cine y TV de Cuba – EICTV. Seus curtas participaram em mais de 130 festivais de cinema realizados em mais de 40 países. É vice-presidente da Associação Brasiliense de Cinema e Vídeo – ABCV. Contato: [email protected] 2 Aprovada em 12 de setembro de 2011 pela presidenta Dilma Rousseff, ainda está (até a publicação deste artigo) no período de 180 dias para sua regulamentação pela Ancine e Anatel. 3 Condecine é a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional. Foi estabelecida pela Medida Provisória nº 2.228-1 e sua arrecadação recebeu forte incremento com a modificação da redação de referida MP pela recém aprovada Lei 12.485/11. 4 Frase proferida no programa VerTV, transmitido pela TV Câmara e pela TV Nacional de Brasília. O cineasta carioca e ativo cineclubista Silvio Tendler é detentor das três maiores bilheterias de documentários na história do cinema brasileiro. 5 Foi extinta pelo então presidente Collor com apenas dois anos de existência e sem ter cumprido bem com suas atribuições, pois nunca recebeu dotação orçamentária (apud Da-rín, 2011).

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independente para as tevês comerciais na almejada transformação da Ancine em Ancinav6. Poucos anos se passaram e o setor audiovisual brasileiro independente, calejado pela derrota anterior, conseguiu a aprovação do PLC 116 que, depois de sancionado, passou a ser identificado como Lei 12.485/11.

É interessante notar que em um período temporal de cerca de 10 anos, e que demonstrou ser cíclico nas últimas décadas, o audiovisual brasileiro sofreu profundas transformações. Tanto para bem, quanto para mal. Um ciclo virtuoso que sempre esteve em contraposição com a desconstrução de algumas políticas audiovisuais brasileiras.

Outro fator a ser destacado é que a Lei 12.485/11 não tem relação direta, como fazia o projeto de Lei da Ancinav, com a TV aberta e sim com a TV por assinatura. TV que por décadas teve sua exploração realizada por poucas prestadoras de serviços (operadoras, programadoras e distribuidoras) em virtude da suposta estagnação do número de assinantes, que muita dificuldade teve de atingir o patamar dos cinco milhões (Gráfico 1).

Gráfico 1 - Evolução do número de assinantes da TV paga, por tecnologia. Fonte: Anatel (2011).

Já no início de 2011, os dados da Anatel mostram que o número de assinantes ultrapassou os 11 milhões, chegando a mais de 12% dos lares brasileiros com TV paga (Gráfico 2). Patamar que está bem longe dos de outros países com economias similares ou inferiores. No entanto, mesmo chegando a tão poucos lares, se estima que em 2011 o montante de verba publicitária aplicada nas tevês por assinatura foi equivalente ao que se pagou para a veiculação publicitária na TV aberta7. E a tendência é que, vertiginosamente, esse montante aumente e ultrapasse o que se aplica na TV aberta. Sobretudo porque estudos afirmam que chegaremos, em poucos anos, aos 80 milhões de assinantes de TV paga.

6 Caso fosse criada, certamente se chamaria: Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual - ANCINAV. Regularia, além da produção cinematográfica brasileira, todo o audiovisual brasileiro, incluindo a publicidade veiculada nas TV’s abertas e cobraria seus devidos impostos. 7 Dados apresentados por João Maria de Oliveira, Técnico de Planejamento e Pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas Setoriais, de Inovação, Regulação e Infraestrutura (Diset) do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA no dia 18 de novembro de 2011 no Museu da República em Brasília.

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Gráfico 2 - Penetração da TV paga sobre o total de domicílios com TV (2009). Fonte: Zenith Optimedia 2009. Disponível em: <www.midiafatos.com.br>.

A partir desse cenário é criada, com a entrada em vigor da Lei 12.485/11, a possibilidade de um mercado audiovisual brasileiro mais consistente. Dão-se mais alguns passos rumo à democratização da produção e do consumo dos conteúdos audiovisuais brasileiros. 2. Indústria do Entretenimento no mundo e no Brasil. A cifra de negócios da indústria do entretenimento no ano de 2010 atingiu os US$ 1,7 trilhão8. Sendo então o setor da economia que mais cresceu em todo o mundo, com 8,5% ao ano. O Brasil e a China foram os dois únicos países que cresceram acima dessa média anual. No Brasil, alcançamos os US$ 23 bilhões em negócios da indústria do entretenimento. E estima-se que chegaremos aos US$ 60 bilhões até 2014. É importante ressaltar que essa indústria cultural, muito mais próxima da sustentabilidade ambiental que a maioria das outras indústrias, gera muito mais emprego e renda que outras indústrias tradicionais por cada real aplicado. Por exemplo, para cada 1 milhão de reais investido na indústria cultural, são gerados 100 empregos. Enquanto o mesmo 1 milhão de reais em investimentos na indústria automobilística gera apenas 10 empregos9. O consumo brasileiro a cada ano na área do entretenimento (tevê, radio, cinema, internet, telefonia etc) é de mais de 800 milhões de horas em produtos que ocupam nossos meios de comunicação de massa. Que por sua vez estão presentes em mais de 90% dos lares e cobrem a totalidade do território nacional. São oito redes de tevês operando em escala nacional, mais de 400 operadoras de TV por assinatura, 30 milhões de antenas parabólicas, cerca de 220 milhões de aparelhos celulares10, mais de 20 milhões de computadores navegando na Internet nas casas dos brasileiros e cerca de cem mil lan houses espalhadas pelo Brasil. No entanto, não ocupamos em igual proporção a veiculação de conteúdos nessas mídias. Produzimos no Brasil menos de 5% dos conteúdos aqui veiculados nos meios de comunicação de massa e também nas escolas, aeroportos, hospitais, ônibus, metrô, hotéis etc. Pior ainda se analisamos a perspectiva do destinatário desses bens culturais, que dos 190 milhões de brasileiros, somente 14 milhões têm acesso ao consumo de bens e eventos artístico-culturais. 8 Segundo dados de relatório da Price Waterhouse (apud Barreto, 2011). 9 Dados de estudo da Fundação Pinheiro Neto (apud Barreto, 2011). 10 Não se sabe a exata cifra do número de aparelhos com tecnologia para exibir vídeos ou músicas.

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Mirando na convergência, o audiovisual no mundo tem um presente estimulante e um futuro promissor. Estima-se que, a cada mês, cerca de 75% dos internautas assistem à vídeos na web. A grande maioria em sítios de relacionamento como Youtube e Vimeo. E em 2015, calcula-se que 90% da circulação de dados na Internet será em vídeo, grande parte em HD11. Essa mesma estimativa projeta que em 2015 teremos cinco bilhões de pessoas com acesso móvel a banda larga e que mais de 90% da população mundial terá pelo menos uma linha celular móvel. 3. Indústria do audiovisual brasileiro A visibilidade do audiovisual brasileiro é muito baixa na TV aberta. Entre nacionais e estrangeiros, foram exibidos em 2010 pouco menos de 1.800 filmes12. As produções nacionais ocuparam apenas 13,5% das horas destinadas a filmes. Enquanto as produções estrangeiras tiveram uma participação de 86,5%.

A Rede Globo, por exemplo, exibiu cerca de 10% de filmes nacionais em sua grade de programação. Já a EBC13, quem liderou o número de exibições de títulos nacionais, exibiu 75% de filmes brasileiros em sua programação.

O cenário da produção nacional para a TV por assinatura também não é animador. Somente 11,1% do conteúdo veiculado na TV fechada é brasileiro. Já no cinema nacional, a análise dos dados da Ancine referentes ao ano de 2010 mostra que o somatório de todos os recursos captados por produtores independentes em todo o país via mecanismos de incentivos fiscais14 foi de aproximadamente 169 milhões. E o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA)15, disponibilizou em 2011 cerca de 84 milhões em recursos. Ou seja, o país inteiro utilizou pouco mais de 250 milhões para as produções audiovisuais vistas em nossos cinemas e tevês.

Mais de 90% dos recursos captados em 2010 e 2011 foram captados por produtoras do Rio de Janeiro e de São Paulo. Portanto, os outros 25 estados da Federação ficaram com apenas os restantes 25 milhões arrecadados.

Segundo Manoel Rangel, diretor-presidente da Ancine, a presença dos filmes brasileiros no ano de 2011 no mercado de exibição em salas de cinema (market share)16 foi de 12,4%. Nos cinemas de todo o país, em 2011, foram vendidos 143,9 milhões de ingressos. E o preço médio do ingresso (PMI) ficou em R$9,99 (tabela 1). Gerando um total de renda bruta de 1,44 bilhão de reais. Mas os filmes brasileiros, que tiveram uma entre as três melhores participações no mercado dos últimos 10 anos, só venderam 18 milhões de ingressos, o que

11 Estimativa apresentada por Hans Vestberg, CEO da Ericsson, no MIPTV 2011, em Cannes (apud Markun, 2011). 12 Dados do relatório da Ancine de 2010 (apud Leal Filho, 2001). 13 Empresa Brasil de Comunicação – EBC. É encarregada de unificar e gerir, sob controle social, as emissoras federais já existentes, instituindo o Sistema Público de Comunicação. Assim como articular e implantar a Rede Nacional de Comunicação Pública (apud Cruvinel, 2011). 14 Nesse cálculo foram considerados os recursos captados por meio dos Artigos 1º, 1º A, 3º e 3º A, da Lei nº 8.685/93 (Lei do Audiovisual), e dos Artigos 39 e 41 da Medida Provisória (MP) nº 2228-1/01. Também foi considerada a Lei nº 8.313/91 (Lei Rouanet) (apud Oliveira e Ribeiro, 2011). 15 O FSA foi criado pela Lei nº 11.437/06, como uma categoria de programação específica do Fundo Nacional de Cultura (FNC). Seus recursos são oriundos da própria atividade econômica, de contribuições recolhidas pelos agentes do mercado, principalmente da Condecine, e do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel). E a partir de março de 2012 terá um acréscimo oriundo da arrecadação do Condecine, estipulado pela Lei 12.485/11. 16 Disponível em: <http://www.ancine.gov.br/sala-imprensa/noticias/informe-anual-da-ancine-mostra-que-p-blico-e-renda-cresceram-em-2011>.

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arrecadou 163 milhões de reais de renda bruta. Ou seja, a renda é bruta porque esse montante posteriormente é dividido entre distribuidores, exibidores, produtores etc. Essa arrecadação foi possível em virtude do lançamento de 99 filmes nas salas de cinema, o maior número de filmes brasileiros dos últimos 10 anos. Reafirmando sua posição de grande produtor de cinema da América Latina. Tabela 1 - Evolução do mercado de 2002 a 2011.

Fontes: 2002 a 2008: Filme B. 2009 a 2011: SADIS Agregado. 3.1. Dificuldades do audiovisual brasileiro. O tripé da realização cinematográfica é formado por: produção, distribuição e exibição. Certamente na atualidade os problemas do audiovisual brasileiro se evidenciam mais na concentração de recursos nas mãos de pouquíssimas produtoras e na falta de políticas públicas para alavancar as pequenas e médias produtoras nacionais, assim como regionalizar mais a produção de conteúdo. Tudo isso no campo da produção. Já a distribuição continua a ser um grande gargalo. Ter um filme gravado e finalizado não garante sua estréia nas salas de cinema. E a exibição se trava, pois o Brasil possui pouco mais de 2.250 salas de cinema. Estão presentes em apenas 7% dos municípios brasileiros. Geralmente concentrados nas capitais e com o valor de ingresso entre os mais caros do mundo, pois, entre outras razões, quase sempre estão situados nos shopping centers. Desses 7% dos municípios com salas de cinema, mais de 85% deles estão no eixo Rio - São Paulo - Minas Gerais. Portanto, mesmo com os 163 milhões de reais de renda bruta de arrecadação das entradas para os cinemas, ela não é suficiente para financiar a produção nacional. Os incentivos fiscais são os que garantem essa produção de quase 100 filmes anuais lançados nos cinemas. Estima-se que sem as linhas de fomento de incentivos fiscais federais e locais, utilizando somente o valor arrecadado em bilheteria, menos de 10 filmes brasileiros por ano seriam economicamente viáveis. Projeta-se que seria necessário o dobro de salas de cinema no Brasil para que a bilheteria pudesse garantir o financiamento dos filmes nacionais. Ou, pelo menos, equiparar os custos de produção. No entanto, caso tivéssemos o dobro de salas de cinema, cerca de cinco mil, teríamos a mesma média de salas por habitantes da Argentina e do

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México17. Mas ainda muito longe das melhores médias mundiais: dos EUA e França. Para chegarmos a patamares similares aos deles, deveríamos ter em média cerca de 20 mil salas de cinema espalhadas por todo o país. Entretanto, foi com muita dificuldade que conseguimos passar dos 10% desse número. Outra dificuldade é a distorção criada pelas leis de incentivo, que deveriam, prioritariamente, fomentar a produção independente, mas acabam beneficiando as empresas que já dominam o mercado. Tanto na Lei Rouanet, quanto na Lei do Audiovisual e na MP 2.228-1 essa distorção acontece. Na Lei Rouanet e em dois artigos da Lei do Audiovisual18, o que acontece é que empresas privadas utilizam dinheiro público para promover suas marcas. Ou seja, escolhem os filmes a financiar segundo a possibilidade de retorno publicitário para suas marcas, aspecto regido quase sempre pela possibilidade de sucesso comercial tendo em vista a ligação (indireta e às vezes oculta) com os grandes grupos midiáticos que oferecerão divulgação em seus meios. Outro tipo de distorção criada pelas próprias leis de fomento ao audiovisual vem de dois outros artigos da Lei do Audiovisual19 e também da MP nº 2.228-1. No primeiro caso a lei permite a dedução de 70% do imposto devido à Receita Federal, oriundo das remessas ao exterior dos lucros obtidos no Brasil por essas empresas estrangeiras, caso se invista em co-produções com produtoras independentes brasileiras. No segundo caso, a MP permite o não pagamento da contribuição Condecine para aquelas empresas que investirem, em co-produção com produtora brasileira, os 3% dos lucros que seriam enviados ao exterior em virtude da bilheteria feita no Brasil com filmes estrangeiros. O problema é que, em ambos os casos, como essas empresas distribuidoras têm a preferência na utilização desses recursos públicos, são elas, essas empresas estrangeiras, as gestoras dessas políticas públicas de fomento ao audiovisual. E como são elas as donas do cofre do dinheiro público, estabelecem contratos inviáveis para os produtores independentes. Essas duas leis e a MP também criam distorções que favorecem enormemente as tevês abertas, detentoras de concessões públicas, o que já é um enorme privilégio, fortalecendo ainda mais uma concentração de mercado. 4. Novo marco regulatório a partir da Lei 12.485/11.

No dia 12 de Setembro de 2011 a presidenta Dilma Rousseff sancionou a lei Nº 12.485, que versa sobre a comunicação audiovisual de acesso condicionado20, criando novas regras para o mercado de TV paga. A referida lei estará até 12 de março no período de regulamentação21. Tanto a Ancine, quanto a Anatel, que regulamentarão a lei em suas respectivas áreas de atuação, já abriram consultas públicas nos últimos dias de dezembro de 2011 para aperfeiçoar suas instruções normativas.

A produção brasileira de audiovisual independente foi quem mais ganhou com a aprovação dessa lei, pois ela estabelece cotas provisórias de exibição de conteúdo nacional veiculados em horário nobre: 3 horas e 30 minutos semanais. E a metade dessas horas deve ser produzida por produtora brasileira independente. A lei também estabelece cotas de canais independentes nos pacotes de TV paga.

17 Disponível em: <http://www.jorwiki.usp.br/linmat07/index.php/N%C3%BAmero_de_Salas>. 18 Artigo 1º e 1º-A da Lei nº 8.685/93 (Lei do Audiovisual). 19 Artigo 3º e 3º-A da Lei nº 8.685/93 (Lei do Audiovisual). 20 Fazem parte do Serviço de Acesso Condicionado: TV a cabo, TV por satélite, TV por ondas curtas, enfim, todos os tipos de assinatura de serviços de TV. 21 180 dias, em total, desde sua aprovação.

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Referida lei reduziu a TFF22 que gera receita para o Fistel23. E o exato valor dessa redução recebeu novo destino: a Condecine24 (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional), que por sua vez alimenta os recursos do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA).

A partir de março, quando se arrecada a Condecine, essa ampliação dos recursos do Fundo Setorial do Audiovisual apoiará a produção de obras audiovisuais que terão como objetivo o cumprimento dessas cotas estabelecidas pela lei supracitada, assim como o fomento às produções cinematográficas.

Essa contribuição, criada pela nova lei, está estimada pelo IPEA em um montante anual de mais de 660 milhões de reais. Cálculo baseado somente em uma das 55 tarifas que estabelece a lei: a que estipula a cobrança de R$ 3,22 por cada linha de celular habilitada no país. O cálculo é simples: o país tem, como já dito anteriormente, mais de 200 milhões de linhas de celular habilitadas. Gerando assim mais de 650 milhões de reais, somente por essa tarifa. Outro grande avanço da Lei 12.485/11 foi estabelecer que pelo menos 10% da receita desse fundo fomentará conteúdo audiovisual independente a ser veiculado primeiramente em canais comunitários, universitários ou de programadoras brasileiras independentes25. Estabelece também que, no mínimo, 30% da receita de referido fundo será destinada a produtoras brasileiras estabelecidas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. 4.1. Especificidades da Lei 12.485/11 para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e os desafios para a aplicação desse novo marco regulatório nessas três regiões. A aplicação desse mínimo de 30% da receita do FSA gerará para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, um montante estimado em mais de 200 milhões de reais, proporcionando então uma enorme demanda de realização de novos produtos audiovisuais. É uma injeção orçamentária sem precedentes para o audiovisual dessas três regiões, que produzia todo seu audiovisual com menos de 10% desse valor.

A Ancine estabelecerá as normas para a comprovação de que as produtoras brasileiras estão de fato estabelecidas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Entre outros, devem fazer parte desses critérios: “o local da produção da obra audiovisual, a residência de artistas e técnicos envolvidos na produção e a contratação, na região, de serviços a ela vinculados”.26

Na atual fase de regulamentação da lei e em sua posterior implementação e vigência, os produtores audiovisuais dessas três regiões, mesmo sem uma mobilização articulada, têm se manifestado publicamente tentando garantir a mais fidedigna das formas de aplicação dos 30% dos recursos destinados a eles, com exclusividade. Sabem que não podem perder os avanços que a lei proporciona aos produtores independentes dessas regiões para os desejos da grande mídia.

Quando recordamos que São Paulo e Rio de Janeiro utilizam a cada ano mais que 90% dos recursos de incentivos fiscais para o audiovisual e que o montante total arrecadado é similar aos 200 milhões de reais reservados para essas três regiões, significa dizer que cada um dos estados que compõem as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste terão um provável

22 TFF: Taxa de Fiscalização de Funcionamento. Regulamentada pela Anatel. 23 Fistel: Fundo de Fiscalização das Telecomunicações. Regulamentado pela Anatel. 24 Até a aprovação da Lei 12.485/11, a Condecine incidia apenas sobre “a veiculação, a produção, o licenciamento e a distribuição de obras cinematográficas e videofonográficas com fins comerciais, por segmento de mercado a que forem destinadas” (Artigo 32 da MP nº 2228-1/01). 25 Artigo 27, § 3º, inciso II 26 Artigo 27, § 3º, inciso I

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aumento de recursos para o Audiovisual, exclusivamente proporcionado pela referida lei, em mais de 1000%.

O que mais se questiona em relação às empresas produtoras brasileiras dessas três regiões é capacidade que elas têm de produzir conteúdos que as habilitem a fazer uso desse recurso, pois a disponibilidade orçamentária não garante aos produtores dessas três regiões o acesso ao recurso. Isso dependerá da capacidade produtiva e da infraestrutura técnica disponível para poder dar vazão ao volume de produtos audiovisuais que esse recurso demandará.

Destacam-se nesse cenário supra-regional a Bahia, o Distrito Federal e Pernambuco. São eles os três maiores produtores audiovisuais dessas três regiões. O Distrito Federal, que já foi o terceiro maior pólo produtor de audiovisual do país, perdendo apenas para Rio de Janeiro e São Paulo, pelos dados de 2010 da Ancine, está na sexta colocação em relação à captação de recursos pelas leis de incentivo fiscal na área do audiovisual, perdendo para: (além de RJ e SP) RS, BA e PR.27 Pernambuco também já esteve mais bem posicionado no cenário nacional, mas ainda é um forte expoente dessas três regiões. E a Bahia vem subindo posições nos últimos anos em virtude das políticas públicas implementadas no estado nos últimos anos.

Por fim, é necessário que essas três regiões avaliem se possuem suficientes profissionais no mercado audiovisual para a realização de grandes produções simultâneas. O mesmo deve ser pensado em relação aos equipamentos e casas de locação de luz, maquinaria, som, câmeras etc.

Caso seja um fato de que as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste não estejam preparadas para produzir de acordo com o que será demandado, cabe aos entes públicos regionais proporem políticas públicas que dotem essas regiões de capacidade produtiva.

Certamente outra iniciativa que contribuirá na consolidação do parque industrial audiovisual em cada estado dessas três regiões é a aprovação de leis de incentivo fiscal nos âmbitos estaduais. 4.2. Desafios da atividade produtiva do audiovisual no Brasil. Com o acréscimo orçamentário proporcionado pela Lei 12.485/11 ao FSA almeja-se que a atividade audiovisual brasileira consiga transformar-se em uma verdadeira indústria. Mas isso não é tarefa fácil. Até pouco tempo, as obras audiovisuais lançadas no país dependiam, quase que exclusivamente, dos incentivos fiscais e dos editais de fomento direto. Mas tais mecanismos, mesmo que imprescindíveis, não geram para as empresas de audiovisual uma contínua atividade de geração de conteúdo que lhes permita produzir em série, durante todo o ano. Isso porque os editais não têm uma periodicidade e o processo de captação leva tempos muito diferentes a cada novo projeto e, em alguns casos, por força de lei, as empresas só podem trabalhar com um projeto por vez. Editais são fundamentais para garantir a renovação de linguagem, a experimentação e a formação de novos realizadores, mas é profundamente ineficaz na formação de uma indústria audiovisual. A inconstância da realização de projetos audiovisuais muitas vezes inviabiliza o funcionamento da maioria das empresas de pequeno e médio porte, pois não conseguem capitalizar-se produzindo, exclusivamente, projetos “culturais”. Chegando muitas vezes a fechar as portas. Outras conseguem sobreviver à sazonalidade dos editais e projetos 27 Dados apresentados por João Maria de Oliveira, pesquisador do IPEA, na Conferência Sobre os Impactos Econômicos da Lei 12.485/11, realizada no dia 18 de novembro de 2011 no Museu da República, em Brasília.

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incentivados com isenção fiscal realizando diferentes tipos de trabalhos na área do audiovisual: institucionais, publicidade etc. No entanto, essa constante mudança nas atividades das empresas não lhes permite estabelecer um típico processo produtivo industrial: com fluxo produtivo contínuo e cada profissional cuidando de uma etapa ou determinada tarefa na produção. O que costuma acontecer é que, dependendo da etapa em que se encontra o projeto: criação, produção ou distribuição, a empresa tem que se enfrentar à ociosidade de equipamentos específicos e profissionais em suas áreas de atuação que não tenham relação direta com a etapa momentaneamente desenvolvida. Característica produtiva que, em muitos casos, inclusive a atividade artesanal já logrou superar. Outros fatores, talvez não tão preponderantes, também dificultam a formação de uma indústria e a consolidação do mercado. Essa ausência de fluxo de produções de maneira contínua fez com que as produtoras perdessem profissionais para outras áreas. Ou foram eles absorvidos pelo funcionalismo público. Muitos, inclusive com formação na área audiovisual, não conseguiram nunca um bom posicionamento na área e também procuraram outras fontes de financiamento pessoal. Há também aqueles que trabalham na informalidade, pois a demanda não lhes permite arcar com os custos da formalidade. Erroneamente algumas entidades entendem que a busca da formalidade e a profissionalização das empresas e serviços prestados na área do audiovisual se dará com a obrigatoriedade de que as propostas apresentadas nos editais e concursos advenham, exclusivamente, de pessoas jurídicas. Esse impedimento não leva em conta que a atividade artística é inerente ao perfil criacionista do autor. E que o artista pode ser também funcionário público ou empresário de outro setor e não precisa, necessariamente, viver de sua arte. 5. Considerações finais A implementação da Lei 12.485/11 proporcionará uma revolução cultural e econômica no audiovisual brasileiro, em especial nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

O crescimento do número de realização de produtos audiovisuais, de profissionais atuando na área, de projetos em desenvolvimento e também do acréscimo financeiro que referida lei dotará ao FSA poderá elevar a produção audiovisual brasileira à patamares de consolidação industrial. As significativas melhorias proporcionadas pela Lei 12.485/11 precisam vir acompanhadas de outras iniciativas públicas como: a ampla circulação dos nossos filmes em festivais nacionais e internacionais; a ampliação do número de salas de cinema a fim de alcançarmos proporções similares aos países que mais investem em audiovisual; o apoio a empresas e a iniciativas que visem uma melhor distribuição do filme brasileiro; a democratização do acesso às salas de cinema; e o apoio à criação e ao fortalecimento de novas produtoras independentes.

Cabe agora já começar a pensar nas revoluções que essa lei proporcionará na área audiovisual brasileira para que estejamos preparados para novas proposições de leis e modelos de políticas públicas para o audiovisual que entrarão em vigor daqui a 10 anos, cumprindo assim o ciclo virtuoso do audiovisual brasileiro que a cada década conquista melhorias significativas para o setor. Portanto, o audiovisual deve continuar sendo tratado por políticas públicas consistentes, pois é uma indústria estratégica: gera divisas e trabalho qualificado, acumula riquezas e movimenta indiretamente outras muitas indústrias.

Mas sobretudo, o audiovisual deve ser estratégico para o estabelecimento de políticas públicas por sua capacidade de formação e transformação do imaginário coletivo de nossa sociedade. Por sua vocação à representação da diversidade e da riqueza inerente à nossa condição de seres humanos.

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