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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------- CENTRO DE EDUCAÇÃO, COMUNICAÇÃO E ARTES ESPECIALIZAÇÃO EM COMUNICAÇÃO POPULAR E COMUNITÁRIA MÁRIO ROGÉRIO PINTO DE CAMARGO NÚCLEO PIRATININGA DE COMUNICAÇÃO Uma experiência de contra-hegemonia na comunicação brasileira Londrina 2012

NPC: uma experiência de contra-hegemonia na comunicação brasileira

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Monografia escrita por Mário Camargo para a obtenção do certificado de especialização em Comunicação Popular e Comunitária pela Universidade Estadual de Londrina. Orientada por Rozinaldo Miani.

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA

-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------

CENTRO DE EDUCAÇÃO, COMUNICAÇÃO E ARTES

ESPECIALIZAÇÃO EM COMUNICAÇÃO POPULAR E COMUNITÁRIA

MÁRIO ROGÉRIO PINTO DE CAMARGO

NÚCLEO PIRATININGA DE COMUNICAÇÃO Uma experiência de contra-hegemonia na comunicação brasileira

Londrina

2012

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MÁRIO ROGÉRIO PINTO DE CAMARGO

NÚCLEO PIRATININGA DE COMUNICAÇÃO Uma experiência de contra-hegemonia na comunicação brasileira

Esta monografia é requisito parcial para a obtenção do certificado de especialização em Comunicação Popular e Comunitária pela Universidade Estadual de Londrina Orientador: Prof. Dr. Rozinaldo Antonio Miani

Londrina 2012

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MÁRIO ROGÉRIO PINTO DE CAMARGO

NÚCLEO PIRATININGA DE COMUNICAÇÃO Uma experiência de contra-hegemonia na comunicação brasileira

Esta monografia é requisito parcial para a obtenção do certificado de especialização em Comunicação Popular e Comunitária pela Universidade Estadual de Londrina

BANCA EXAMINADORA

______________________________________

Prof. Dr. Rozinaldo Antonio Miani (orientador)

Universidade Estadual de Londrina

______________________________________

Profa. Dra. Luzia Mitsue Yamashita Deliberador

Universidade Estadual de Londrina

______________________________________

Prof. Dr. José Mário Angeli

Universidade Estadual de Londrina

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“Os proletários nada têm a perder a não ser as algemas.

Têm um mundo a ganhar”.

(Karl Marx; Friedrich Engels, Manifesto Comunista)

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Agradecimentos

A Ana e Murilo pelo tempo em que deixamos de estar

juntos. A Luzia Deliberador pela paciência. A Rozinaldo

Miani pela inspiração e incentivo. A meus pais.

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LISTA DE SIGLAS

Abraço - Associação Brasileira de Rádios Comunitárias

CUT - Central Única dos Trabalhadores

FARC - Forças Armadas Revolucionários da Colômbia

FNDC - Fórum Nacional pela Democratização dos Meios de Comunicação

MAS - Mídia Accontabilit Sistems

MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra

NPC - Núcleo Piratininga de Comunicação

ONG - Organização Não-Governamental

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CAMARGO, Mário Rogério Pinto de. Núcleo Piratininga de Comunicação: uma experiência de contra-hegemonia na comunicação brasileira. 2012. 72 f. Monografia (Especialização em Comunicação Popular e Comunitária). Departamento de Comunicação. Universidade Estadual de Londrina. 2012.

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo mostrar como a experiência do Núcleo

Piratininga de Comunicação (NPC), formado por militantes de movimentos sociais e

do movimento sindical, jornalistas, sociólogos e professores universitários contribui

para uma comunicação contra-hegemônica. Para tanto foi realizada Análise de

Discurso da programação do 15º Encontro Anual do NPC realizado na cidade do Rio

de Janeiro entre os dias 11 e 15 de Novembro de 2009. O NPC atua na realização

de cursos, palestras, oficinas sobre história dos trabalhadores, neoliberalismo,

comunicação popular, entre outros, além de um grande encontro nacional anual.

Essas atividades aprofundam as questões em torno da necessidade da construção

de uma comunicação dos trabalhadores para a disputa da hegemonia. Discussão

que ressalta a importância cada vez maior da comunicação na sociedade e

demonstra como os modelos dos veículos de comunicação comercial não se

preocupam em colocar a classe trabalhadora como protagonista em sua

programação.

Palavras Chave: Comunicação Popular, Núcleo Piratininga, Contra-hegemônica.

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CAMARGO, Mário Rogério Pinto de. Núcleo Piratininga de Comunicação: uma experiência de contra-hegemonia na comunicação brasileira. 2012. 72 f. Monografia (Especialização em Comunicação Popular e Comunitária). Departamento de Comunicação. Universidade Estadual de Londrina. 2012.

ABSTRACT

This work aims to demonstrate how the experience of Piratininga Communication

Center (NPC), which is consisted of militants of social movements and labor union

associations, journalists, sociologists, professors, contribute to a counter-hegemonic

communication. For this, there was a Discourse Analysis of the schedule of the 15th

NPC Annual Meeting, held in the city of Rio de Janeiro, on November 11 to 15th,

2009. NPC operates in courses, lectures, workshops on the workers´ history,

neoliberalism, popular communication and other matters. Besides that, a large

annual national meeting takes place in order to deepen such issues whose topics

refer to the necessity of building a communication process by the workers to dispute

hegemony in the society. This discussion is in view of the increasing importance of

the communication movement in the society, and the models of commercial vehicles

of communication that are not concerned about placing the working class as the

protagonist in their program.

Keywords: Comunicação Popular, Núcleo Piratininga, Contra-hegemônica.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................... 10

CAPÍTULO 1 - ALGUMAS PRELIMINARES CONCEITUAIS ..................... 12

1.1 - Comunicação Comunitária .............................................................. 12

1.2 - Comunicação Popular ..................................................................... 13

1.3 - Comunicação Popular e Comunitária .............................................. 15

1.4 - Comunicação, Cidadania e Práticas Educativas ............................. 16

1.4.1 - Nossa história já começou desigual ...................................... 16

1.4.2 - Evolução e involução da sociedade urbanizada no Brasil .. 18

1.4.3 - A atualidade da luta pela cidadania ...................................... 19

CAPÍTULO 2 - MÍDIA, MOVIMENTOS E MOBILIZAÇÕES SOCIAS .......... 22

2.1 - Concentração dos meios de comunicação...................................... 24

2.2 – Cobertura dos movimentos sociais ................................................ 26

2.3 – Melhoria da comunicação popular ................................................. 31

2.4 – Regulamentação dos meios........................................................... 36

CAPÍTULO 3 - SOBRE HEGEMONIA ........................................................ 38

CAPÍTULO 4 - NÚCLEO PIRATININGA DE COMUNICAÇÃO.................... 42

CAPÍTULO 5 - 15º CURSO ANUAL DO NPC: DISCURSO E

CONTRA-HEGEMONIA ...................................................... 46

5.1 – O Discurso ...................................................................................... 47

5.2 - Análise de Discurso do 15º Curso Anual do NPC........................... 48

5.2.1 – A programação do encontro................................................. 49

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 55

REFERÊNCIAS ........................................................................................... 56

ANEXOS ..................................................................................................... 59

ANEXO A - Conheça o NPC ....................................................................... 59

ANEXO B - Programação do 15º Curso Anual do NPC .............................. 60

APÊNDICE .................................................................................................. 63

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INTRODUÇÃO

O objeto de análise deste trabalho é a atuação do Núcleo Piratininga de

Comunicação (NPC). Criado entre o final de 1994 e o início de 1995, o NPC

constitui-se em um grupo de militantes de movimentos sociais e do movimento

sindical, jornalistas, sociólogos e professores universitários preocupados em

desenvolver, discutir e contribuir de alguma maneira com a comunicação dentro do

campo delimitado como comunicação popular e comunitária (movimentos, sindicatos

e outras organizações de expressão popular).

Nesse sentido, pretende-se descrever e analisar o trabalho realizado pelo

NPC, a fim de demonstrar uma experiência de comunicação contra-hegemônica no

Brasil, e compreender o contexto particular de realização de seu 15º Curso Anual.

Num país invadido pelo discurso único, por métodos e políticas de comunicação

concentradoras, conservadoras e globalizadas, que em nada contribuem para a

democratização e para a emancipação das camadas populares da sociedade,

conhecer a experiência do NPC é de grande importância.

Para tanto, este trabalho realiza um levantamento histórico sobre o

surgimento do NPC e os objetivos de sua atuação. Além disso, contextualiza a

cobertura da chamada grande imprensa sobre a classe trabalhadora, os movimentos

sociais e sindicais no Brasil, para então buscar demonstrar como o NPC tem

contribuído para contrapor o discurso hegemônico na mídia propondo debates,

reflexões e alternativas de comunicação no campo popular e comunitário.

Esta análise ainda busca conceituar a questão da hegemonia para justificar o

conceito de comunicação contra-hegemônica.

O corpus da análise a ser desenvolvida aqui é a programação do 15º Curso

Anual do Núcleo Piratininga de Comunicação, realizado entre os dias 11 e 15 de

novembro de 2009, no Rio de Janeiro.

Para dar base metodológica ao estudo, será utilizada a Análise de Discurso,

tendo em vista o interesse de debater as razões das pautas adotadas para os

encontros nacionais do NPC.

Antes de navegar diretamente sobre o objeto de estudo desta monografia,

considera-se necessário discorrer sobre alguns conceitos que, de certa forma,

contribuirão para a análise posterior dos assuntos em pauta.

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Dentre esse universo conceitual é importante compreender a distinção e as

conjunções entre comunicação popular e comunitária, que muitas vezes é ignorada

e, com isso, pode vir a causar confusões durante o desenrolar das análises. O leitor

encontrará ainda uma reflexão da importância da comunicação como prática

educativa, ainda mais no seio do esboço aqui delimitado: o campo da comunicação

popular. Isso será realizado no primeiro capítulo.

No segundo capítulo, para situar a discussão, opta-se por construir um quadro

sobre a relação da mídia brasileira com os movimentos sociais no país,

principalmente em relação ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra

(MST). Com esse olhar pode-se compreender melhor os pré-conceitos e os

esquecimentos propositais em alguns momentos e a exacerbação da crítica que a

mídia dispensa a esses personagens sociais.

Em seguida, faz-se necessária uma reflexão conceitual sobre hegemonia, na

medida em que se reconhece o caráter contra-hegemônico desempenhado pelo

NPC nos processos político-ideológicos na sociedade brasileira atual.

Construído esse mosaico teórico-conceitual que circunda o tema deste

trabalho segue-se, enfim, para as análises relacionadas diretamente ao Núcleo

Piratininga de Comunicação. Num primeiro momento (capítulo 4) apresentamos as

principais informações a respeito da organização popular em questão, a partir,

principalmente, de entrevista realizada com um dos seus principais idealizadores,

Vito Giannotti. No capítulo seguinte, após uma breve reflexão sobre a metodologia

da Análise de Discurso, apresentamos análises relacionadas ao 15º Curso Anual do

Núcleo Piratininga de Comunicação na busca para compreender o papel do NPC

para a formação e o apoio aos movimentos populares espalhados pelo Brasil.

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CAPÍTULO 1:

ALGUMAS PRELIMINARES CONCEITUAIS

1.1 - Comunicação Comunitária

As perspectivas da Comunicação Comunitária estão demarcadas por algumas

características bastante definidas: a cidadania e a participação como conquista. A

busca da Comunicação Comunitária é gerar a consciência das pessoas enquanto

sujeitas de seu processo de crescimento e transformação por meio da prática

constante da participação e da construção da cidadania. Entenda-se por cidadania a consciência que todos devemos atingir sobre a

conquista de nossos espaços de expressão, convivência e de decisão. Direito que

todos devemos conquistar de participar das trocas simbólicas de uma sociedade.

Como caminho para essa conquista, para estimular a cidadania, se faz

necessário levar em consideração a questão da localidade. Estabelecer que é no

ambiente local e no tempo cotidiano que se deve buscar e estimular a participação,

gerando necessariamente a consciência crítica e o questionamento em relação à

realidade.

A Comunicação Comunitária se estabelece, então, não somente como um

grande instrumento, mas como elemento estruturador, como um processo

pedagógico. Como nos disse Paulo Freire, a comunicação é um ato pedagógico e a

educação é um ato comunicativo. É nesse sentido que a Comunicação Comunitária

deve agir. Uma comunicação que revele as contradições da sociedade e que

desperte a crítica como maneira de superar dificuldades e para que haja uma

compreensão mais aprimorada da realidade.

Pedro Demo afirma que a participação “não é dádiva, é reivindicação. Não é

concessão, é sobrevivência. Participação precisa ser construída, forçada, refeita e

recriada” (DEMO, 1996: 18). A Comunicação Comunitária exige a participação das

pessoas na sua construção. Quanto maior o nível de participação, maior o nível de

democratização das decisões. Maior a partilha do poder. Por isso, democratizar a

comunicação significa também democratizar a sociedade.

Porém, o que não está explícito na Comunicação Comunitária é a consciência

de classe. A busca pela solução entre a exploração capital e trabalho. Isso não quer

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dizer que a participação e a Comunicação Comunitária não caminhem para isso.

Novamente Paulo Freire nos remete para um recorte bastante classista. Para ele, a

consciência gerada na participação tem que necessariamente mostrar a relação de

mais valia entre quem produz e quem detém o capital. Apesar disso, o objetivo

central da Comunicação Comunitária é despertar a participação¹.

1.2 - Comunicação Popular

Podemos classificar como a primeira experiência de Comunicação Popular no

Brasil a imprensa anarquista do início do século XX. Essa imprensa era produzida

principalmente por imigrantes europeus que, fugindo das perseguições aos

comunistas, ocorridas principalmente na Itália, Espanha e Alemanha, procuraram no

Brasil uma nova seara para o trabalho e para a atividade política. Esse era um

momento importante no Brasil, já que o processo produtivo deixava de ser

manufatureiro e passava a ser executado em larga escala. As cidades brasileiras

recebiam cada vez mais imigrantes e pessoas vindas da zona rural. Todos sonhando

com uma vida melhor na zona urbana. Esse momento da revolução industrial

brasileira, se assim podemos chamá-la, propiciava um ambiente novo e fértil para a

discussão sobre capital e trabalho. Algo que já estava principalmente na pauta dos

debates dos imigrantes europeus.

Esse relacionamento entre os anarquistas e os trabalhadores urbanos se deu

sobremaneira através de jornais. Esses jornais tratavam da exploração do capital

sobre a mão-de-obra e da necessidade de que os trabalhadores se

conscientizassem da exploração estabelecida sobre eles naquele momento e que

essa era uma forma adotada em outros países. Era uma comunicação dirigida à

classe trabalhadora, mas não necessariamente produzida pelo proletariado da

época. Estas são algumas bases da chamada Comunicação Popular. Um recorte

nitidamente classista sobre as relações de trabalho exploradoras e sobre a

organização de uma sociedade mais igualitária visando o socialismo.

______________ ¹ Importante considerar ainda o papel exercido pelas novas tecnologias no que concerne à comunicação comunitária que segue além dos limites geográficos e de participação citados. A possibilidade de mobilização e reivindicação possibilitadas pelas redes sociais configura-se em instrumento de grande valia para movimentos sociais e outros tipos de organizações populares; pois também estabelecem formas de integração entre cidadãos e cidadãs com interesses em comum, mesmo que distantes do ponto de vista geográfico. A ‘aproximação’ cibernética se consolida com uma aliada na busca de maior participação social.

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Depois da experiência pioneira do movimento anarquista que permaneceu

forte até meados da década de 1940, pode-se tomar como exemplo de

Comunicação Popular a comunicação dos partidos de esquerda no Brasil, quase

sempre clandestinos. Eles tinham praticamente a mesma pauta da experiência de

comunicação dos anarquistas.

Um pouco mais recentemente observa-se no Brasil a comunicação no meio

sindical fazendo esta leitura sobre a exploração da classe trabalhadora e as

reivindicações pelo direito a melhores salários, condições de trabalho, dentre outras

pautas.

Diferentemente da Comunicação Comunitária, que exige a participação

efetiva na construção do processo de comunicação, sem necessariamente fazer

uma discussão sobre classe trabalhadora, a Comunicação Popular é uma

comunicação feita para a classe trabalhadora, mas não necessariamente por ela.

Exemplos mais recentes em alguns sindicatos demonstraram que é possível manter

um nível importante de participação na construção da comunicação sindical, desde

que esteja absolutamente evidente a disputa de classe na nossa sociedade. A

respeito da comunicação popular, afirma Cicília Peruzzo:

[...] o popular situa-se no universo dos movimentos sociais. Como escreveu Canclini, trata-se de uma nova maneira de pensar o popular, ligando comunicação e cultura. Ela ocupa-se da comunicação no contexto de organizações e movimentos sociais vinculados às classes subalternas (PERUZZO, 1998: 119).

Outras autoras que contribuem para a definição de Comunicação Popular são Luzia

Deliberador e Ana Rampazzo que comentam:

[...] a Comunicação Popular é uma comunicação de resistência, reivindicação e pressão, ligada a movimentos populares e à luta de classes, constituindo-se enquanto veículo de manifestações de suas causas, anseios e interesses. (DELIBERADOR, 2005: 08)

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1.3 - Comunicação Popular e Comunitária

Tanto o modelo de Comunicação Comunitária quanto o de Comunicação

Popular definidos acima contribuem de alguma maneira para a democratização da

comunicação no Brasil, bem como para a construção de espaços de trocas

simbólicas, espaços de manifestação de pessoas que, em outras formas de

comunicação comerciais, não teriam chance de expressão da sua realidade, dos

seus desejos, de sua identidade.

A trajetória das atividades do Núcleo Piratininga de Comunicação demonstra

exatamente esses aspectos positivos. Inicialmente suas palestras, oficinas e cursos

prioritariamente estavam mais voltados para a melhoria e ampliação da

comunicação no movimento sindical, em uma perspectiva contra-hegemônica da

classe trabalhadora. Não abandonando essa perspectiva, a demanda dos

movimentos sociais e os resultados alcançados na comunicação sindical

aproximaram ainda mais o NPC de outros setores organizados da sociedade, como

Movimento dos Trabalhadores Sem Terra e de todas as formas de organizações

urbanas, principalmente como tem ocorrido nas comunidades do Rio de Janeiro.

A cada ano, o Encontro Nacional do NPC tem atraído, além de militantes e

dirigentes sindicais, pessoas ligadas a organizações de bairro, direitos humanos,

estudantes e professores, inclusive aproximando as universidades da temática

tratada pelo NPC. Este fenômeno de aproximação de interesses é notado por

Peruzzo:

[...] o caráter mais combativo das comunicações populares –

no sentido político-ideológico, de contestação e projeto de sociedade – foi cedendo espaço a discursos de experiências mais realistas e plurais (no nível do tratamento da informação, abertura à negociação) e incorporando o lúdico, a cultura e o divertimento com mais desenvoltura, o que não significa dizer que a combatividade tenha desaparecido. Houve também a apropriação de novas tecnologias da comunicação e incorporação do acesso à comunicação como direito humano. (PERUZZO, 2006: 06)

A diversidade de grupos de interesse e a experiência acumulada desde a

década de 1990 culminaram em atividades de cunho comunitário, mas ainda no

sentido reivindicatório, seja na luta por melhores condições de vida, pelos direitos

humanos, entre outros. Exemplo disso é o trabalho desenvolvido pelo NPC desde

2003 nos cursos de Comunicação Comunitária ministrados. Normalmente, o curso é

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voltado a lideranças de comunidades e movimentos populares; estudantes de

comunicação moradores de favelas; e estudantes e jornalistas ligados aos

movimentos sociais do Rio de Janeiro.

Durante o curso os alunos têm aulas sobre história do Brasil, história da

classe trabalhadora, teoria e técnica de comunicação, entre outras. O resultado final

do curso é a produção do jornal Vozes das Comunidades. A publicação é produzida

pelos próprios alunos, desde a elaboração da pauta passando pela apuração e

produção de textos.

Nesse sentido o NPC se estabelece como espaço potencializador das

perspectivas da Comunicação Popular e da Comunicação Comunitária como

convergentes e não como antagônicas. Elementos de construção utilizados na

Comunicação Comunitária podem ser utilizados na ótica da Comunicação Popular,

dando força a ela. Os aspectos Comunitários, se tratados sob a ótica da luta de

classes e contra-hegemônica contribuem sobremaneira para a libertação das

populações marginalizadas dos direitos atribuídos a outros setores da sociedade,

como o da Educação, da Moradia, da Saúde, entre outros.

Esses aspectos acabam por influenciar a pauta dos encontros do NPC, como

poderá ser percebido mais adiante.

1.4 - Comunicação, Cidadania e Práticas Educativas

Não há como compreender a evolução de uma sociedade e/ou suas

contradições se não levarmos em consideração as diferenças e costumes

construídos e reconstruídos nas trocas sociais. Por isso, se faz necessário tentar

compreender a evolução da sociedade brasileira para lançar um estudo mais

sistematizado dos problemas a que se pretende debruçar este trabalho. É

necessário também compreender a busca e a resistência das populações oprimidas

no processo de formação da nação brasileira.

1.4.1 - Nossa história já começou desigual

Ao se observar com afinco a história do Brasil percebe-se, em um país ainda

“adolescente”, que a participação efetiva da população em busca de seus direitos e

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17

deveres e, portanto, em busca da sua cidadania plena, é algo que ainda está em

construção. Assim como um adolescente que começa a testar seus limites e a

conhecer novos horizontes. Afinal, o homem é um ser inacabado.

A história do nosso país, desse ponto de vista, não é alegre e nem deve servir

de exemplo. A exploração da natureza e a exploração de mulheres e homens que

aqui já viviam, de longe, é a mostra da desconsideração do local, do desprezo pelas

culturas já instaladas. Um desrespeito ao diferente. O pensamento absolutista e a

chaga dominadora dos ditos colonizadores europeus dizimaram não apenas corpos,

mas sim histórias e costumes. Valores importantíssimos para compreendermos essa

teia de tramas estabelecidas objetiva e subjetivamente entre as pessoas de um

mesmo grupo e também de grupos diferentes.

“Para que se prestem à utilidade desejada, as colônias não podem ter o

necessário para subsistir por si, sem dependência da Metrópole”. Esse era o

pensamento do Marquês de Pombal, em carta escrita em 1776 ao embaixador da

França sobre medidas tomadas pelo governo português em relação ao Brasil.

Não bastasse isso, o modo de produção extrativista e escravista estabeleceu

em nossa pátria relações de poder exacerbado. Negras e negros, índias e índios, e

até mesmo europeus, foram explorados em sua força de trabalho e em suas

dignidades. A exclusão, entendida aqui na maior gama de sentidos que possa

absorver, é uma marca que nos acompanha ainda hoje.

Mas a cultura europeia também absorveu elementos da cultura de resistência

existente na terra brasilis. Tanto os costumes indígenas como os costumes africanos

estão presentes nos hábitos dos brasileiros. Não houve, porém, praticamente

nenhuma mudança na relação de poder entre os euro-descendentes, índios e

afrodescendentes. Segundo Caio Prado Junior,

Naquele passado se constituíram os fundamentos da nacionalidade: povoou-se um território semi-deserto, organizou-se nele vida humana que diverge tanto daquela que havia aqui, dos indígenas e suas nações, como também, embora em menor escala, da dos portugueses que empreenderam a ocupação do território. Criou-se no plano das realizações humanas algo novo (PRADO JÚNIOR, 1987: 10).

Além da abordagem histórica, que colabora sobremaneira para embasar de

forma convincente os argumentos a serem defendidos aqui, também opta-se por

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fazer um rápido debate sobre a influência interna e externa nas relações de

produção estabelecidas nesses cinco séculos da história da formação e da

transformação da nação brasileira.

1.4.2 - Evolução e involução da sociedade urbanizada no Brasil

Dizem alguns autores que a globalização da economia no planeta Terra teve

início com o advento das grandes navegações em busca de novas nações a serem

colonizadas e em busca de novos mercados. Após esse período, cada vez mais os

modos de produção, os modelos de organização social e política foram influenciados

por concepções externas.

Mais recentemente, após a chamada segunda Revolução Industrial, no início

do século XX, o modo de produção industrializado, as sociedades cada vez mais

urbanizadas, influenciadas por esse novo modelo produtivo, geraram um sistema

social diferenciado. As contradições de um novo sistema que tentava se estabelecer,

em conflito com hábitos culturais seculares, proporcionavam ao mundo um

questionamento e, ao mesmo tempo, uma mudança muito rápida, jamais

presenciada em toda a história da evolução humana.

No Brasil, aspectos da nossa herança de Colônia foram sendo alterados

rapidamente. Essa transição passou pelo encontro de grupos étnicos desenraizados

com a formação de um povo dotado de unidade linguística e identidade cultural.

Caracteriza-se também pela passagem de governos coloniais para a formação de

um Estado nacional. No campo econômico, a transformação de um mercado

exclusivamente externo para o mercado interno; o fim, mesmo que burocrático, do

escravismo; da fragmentação à unificação da base geográfica; da instalação da

indústria no país e a consequente migração da população para os centros urbanos.

Em poucas décadas as relações, o modo de produção e as trocas culturais

foram se transformando de forma assustadora. É chegada a modernidade. Porém, o

Brasil que ainda se limitava a produzir fontes de riquezas para países da Europa não

estava preparado para enfrentar essa nova etapa do capitalismo mundial. Afirma

Caio Prado Júnior,

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Os processos rudimentares empregados na agricultura do país, infelizmente problemas ainda mais flagrantes na atualidade, já despertavam a atenção em pleno séc. XVIII; e enxergava-se neles como se deve enxergar hoje, a fonte de boa parte dos males que afligem a colônia e que ainda agora afligem o Brasil nação em 1942 (PRADO JÚNIOR, 1987: 12).

O novo modelo de produção que salta da manufatura para a indústria remete

multidões rurais para as periferias dos grandes centros urbanos. Sem mão-de-obra

especializada e um modo de vida completamente distinto, essa população vê-se

novamente sem perspectivas.

No entanto, a velocidade das mudanças, as dificuldades geradas por esse

novo modo de produção e a tentativa de reorganização social dentro das cidades

foram elementos que levaram as populações urbanas a um forte questionamento e à

produção de um novo modelo, mesmo que inacabado, de relação das trocas

simbólicas.

Segundo José Murilo de Carvalho, “o ano de 1930 foi um divisor de águas na

história do país. A partir dessa data, houve aceleração das mudanças sociais e

políticas, a história começou a andar mais rápido” (CARVALHO, 2001: 87).

1.4.3 - A atualidade da luta pela cidadania

Esse novo modo de sobrevivência e de consciência das necessidades

geradas por essa nova relação estabelecida no meio urbano trouxe à tona muitas

contradições desse modelo de desenvolvimento. A busca por direitos passou a fazer

parte do espectro de necessidades do dia-a-dia. A sociedade tornava-se mais

complexa à medida de sua explosão demográfica. A distância entre a produção e

seu destino aumenta proporcionalmente à distância da convivência entre as

pessoas.

Era preciso resgatar o sentido do local e do cotidiano. Neste sentido, Raquel

Paiva afirma a necessidade de que:

Estabelecer vínculos, na ótica da possibilidade comunitária, significa instaurar um sistema capaz de gerar o sentimento e o direito regidos pelo “fazer parte” da coletividade. Esse pertencimento exige adoção de regras objetivas capazes de assegurar sobrevivência. O conjunto de regulamentos criados pela civilização, de acordo com a avaliação

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de Freud, funcionaria como proteção contra os instintos hostis dos homens (PAIVA, 1998: 117).

Foi dessa maneira que se estabeleceram em boa parte das periferias das

grandes cidades um processo referencial de pertencimento e de trocas simbólicas

geradoras de identidades, já que “supõe-se que os sujeitos, vivendo em

comunidade, estariam necessariamente num patamar diferente do restante da

humanidade, pois afinal estariam em comunhão uns com os outros” (PAIVA, 1998:

118).

Esse processo de comunhão revela um despertar da consciência crítica sobre

seu meio, sobre a comunidade, sobre a necessidade de que cada cidadão, cada

cidadã possa e deva participar de maneira efetiva nas decisões coletivas que

resultam em alterações de sua condição de vida. Dessa forma, para Paiva, “o sujeito

deixaria de atuar como mero figurante no processo social, seguindo no sentido de

consolidar-se como autor - como grupamento - de sua realidade social. Passa a

vigorar, nesse horizonte, a perspectiva de reformulação do status quo” (PAIVA,

1998: 124).

Nessa mesma perspectiva, Maria do Rosário de Fátima e Silva nos revela que

[...] nesse cotidiano de movimentação ganha evidência a contribuição de todos os segmentos sociais, considerando etnias, o gênero, as faixas etárias, a inserção social política, econômica e cultural, em um esforço de aumentar a qualidade e as possibilidades de vida para todos os cidadãos (SILVA, 1997: 209).

Ainda segundo a autora, essa cidadania deve instituir “cidadãos portadores de

direitos e deveres e, sobretudo, “criadores de direitos”, co-participantes da gestão

pública, co-gestores de responsabilidades sociais” (SILVA, 1997: 218).

O desencadear dessa cidadania, dessa conquista, passa necessariamente

por um aprendizado. Por um processo pedagógico. Não se trata da pedagogia

formal, que estamos acostumados a observar nos bancos das escolas, mas de um

processo de ensino e aprendizagem que se estabelece nas relações de trocas

simbólicas do cotidiano que, em grande parte, são fragmentadas e desorganizadas.

E este sim também é um projeto comunicacional, como indica Paulo Freire. A

realidade é a base do nosso conhecimento. A virtude da curiosidade e a força de

vontade podem revelar saberes extremamente representativos para o crescimento

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21

da sociedade. Principalmente, nas situações onde as populações estão alijadas dos

processos sociais.

Para Cicília Peruzzo, estudiosa da questão, “a comunicação produzida por

setores subalternos organizados vem contribuindo para ampliar o espectro educativo

em torno do exercício da cidadania” (PERUZZO, 2001: 111).

Quanto maior a organização, quanto maior for o envolvimento da sociedade

civil, maior será o grau de aprendizagem e consciência crítica sobre a realidade e

sobre o papel da comunicação nos nossos dias. E o sentimento de identidades

locais também contribui para esse crescimento, conforme reforça Peruzzo.

As pessoas, ao participarem de uma práxis cotidiana voltada para os interesses e necessidades dos próprios grupos a que pertencem, ou ao participarem de organizações e movimentos comprometidos com interesses sociais mais amplos, acabam inseridas num processo de educação informal que contribui para a elaboração-reelaboração das culturas populares e a formação para a cidadania (PERUZZO, 2002: 1).

As ideias apresentadas acima colaboram no sentido de compreender a

importância da participação e organização social dos movimentos populares em

busca de sua autonomia aliadas às práticas de comunicação auto-referenciadas.

Principalmente, quando se pretende destacar, no capítulo a seguir, o papel dos

meios de comunicação de massa no Brasil que, de um lado procuram ignorar os

movimentos populares e sociais e, de outro, os marginalizam e os criminalizam.

Page 22: NPC: uma experiência de contra-hegemonia na comunicação brasileira

22

CAPÍTULO 2:

MÍDIA, MOVIMENTOS E MOBILIZAÇÕES SOCIAIS

Esta etapa do trabalho busca contribuir com a reflexão sobre o papel da mídia

no Brasil em relação aos movimentos sociais e suas mobilizações. Historicamente

percebe-se que os movimentos sociais, de maneira geral, têm sido tratados com

descaso pelos meios de comunicação de massa e, de modo específico, até mesmo

de forma preconceituosa.

Há muitos fatores que contribuem para esse olhar dos grandes meios de

comunicação de massa sobre os movimentos. Segundo José Arbex Jr., a hostilidade

em relação movimentos sociais não é recente.

O processo de criminalização dos movimentos sociais não é um fenômeno recente na América Latina, e menos ainda no Brasil. Ao contrário, o jornalismo moderno brasileiro, por exemplo, foi marcado, desde sua origem, por uma demonstração explícita de hostilidade para com as organizações populares. Basta mencionar a revolta de Canudos, liderada por Antônio Conselheiro, o primeiro grande evento nacional para cuja cobertura foram enviados correspondentes dos grandes jornais da época, situados principalmente na capital da nascente República e, secundariamente, em São Paulo (ARBEX JR., 2003: 149).

Segundo o autor, o conflito em Canudos é resultado de uma intriga fabricada

pela mídia que “serviu para justificar e encobrir o massacre praticado pelo Exército

Nacional” (ARBEX JR., 2003: 150).

Também se procura apontar aqui algumas das razões que podem levar a crer

que o jornalismo brasileiro não se encaixa no que se pode classificar como

jornalismo público. Trata-se de um jornalismo de interesses que, em determinados

momentos, age sob interesses políticos e, em outros, sob interesses econômicos e,

mais ainda, em boa parte, sob os dois interesses concomitantemente.

A imprensa propriamente dita chegou ao Brasil em 1808 com a vinda da

família real de Portugal para as terras tupiniquins. Fazia-se naquela época uma

cobertura sobre os acontecimentos da corte, muito distantes do cotidiano do resto do

país. Sobre a Gazeta do Rio de Janeiro, considerado o primeiro periódico do Brasil,

Werneck Sodré diz que o jornal era “feito na imprensa oficial, nada nele constituía

Page 23: NPC: uma experiência de contra-hegemonia na comunicação brasileira

23

atrativo para o público, nem essa era a preocupação dos que o faziam, como dos

que haviam criado” (SODRÉ, 1998: 20).

No fim do século XIX e início do século XX, juntamente com o aumento de

publicações tradicionais, começaram a se desenvolver no Brasil uma série de

publicações de partidos e outros movimentos políticos, como o anarquista, que

durante mais de 40 anos teve uma forte influência sobre a opinião pública no Brasil.

Mesmo assim, a presença, explícita ou mais sutil, do governo sobre os jornais era

ainda muito grande.

No advento do Estado Novo, logo após a chegada do Rádio no Brasil, o

governo Getúlio Vargas descobriu a força do então novo meio de comunicação de

massa que encantava o país. Foi nessa época que se criou a “Voz do Brasil”,

programa que levava informações sobre o governo federal aos quatro cantos do

país. Na mesma época, o governo construiu acordos para que as informações do

governo fossem veiculadas. Mais tarde, Getúlio se valeu dessa estratégia para

vencer as eleições. Ainda no poder, Getúlio também experimentou a chegada da TV

no Brasil. Ele e seus sucessores souberam utilizar da TV e do Rádio como

instrumentos de propaganda ideológica. Costumeiramente, os grandes meios de

comunicação impressos também mantinham um vínculo muito próximo dos

governantes, afastando assim a possibilidade de um jornalismo crítico e de interesse

público. Quem dera, então, uma cobertura digna dos movimentos populares.

Outros episódios são reveladores dessa relação quase intrínseca entre os

meios de comunicação de massa e os governos. A criação da Rede Globo pode ser

considerada um dos fatos mais marcantes nesse sentido. O governo federal

favoreceu a entrada de capital estrangeiro no país e privilegiou uma única emissora.

Um escândalo do ponto de vista da sobreposição do interesse privado em relação

aos interesses públicos. Para Pedrinho Guareschi,

A história da TV Globo Rio, Canal 4, é cheia de artimanhas, marcadas por sérias interrogações. Sua inauguração data de 26 de abril de 1965. A associação entre a Globo e o grupo norte-americano Time Life resultou numa injeção, por parte dos americanos de 5 milhões de dólares, além do envio de técnicos (GUARESCHI, 2005: 70).

Mais recentemente, já na época da abertura política, o então presidente José

Sarney presenteou parlamentares com mais de 300 concessões de radiodifusão, em

Page 24: NPC: uma experiência de contra-hegemonia na comunicação brasileira

24

troca do voto favorável à prorrogação de seu mandato por um ano. Na era Fernando

Henrique Cardoso, o enredo que se seguiu foi o mesmo. Em troca de votação

favorável aos projetos do governo, o presidente facilitou concessões de radiodifusão

a políticos.

Segundo Venício Lima, o “levantamento divulgado em 1995 indicava que

31,12% das emissoras de rádio e televisão no Brasil eram controladas por políticos

e, em alguns estados da Federação, metade ou quase a metade das emissoras de

rádio estavam sob controle de políticos (LIMA, 2001: 107). Ainda de acordo com

Lima, a revista Carta Capital fez um levantamento em 1998 para tentar identificar os

candidatos que estavam à frente nas pesquisas em seus estados e constatou que

“em pleitos majoritários - governadores e senadores - em pelo menos 13 estados

eram políticos vinculados à área da mídia” (LIMA, 2001: 108).

Em outro estudo a que Lima se refere, realizado em 1997 por Costa e Brener,

o autor revelou que “das 1848 estações repetidoras de televisão autorizadas depois

de 1995, 268 foram entregues a empresas ou entidades controladas por políticos

profissionais” (LIMA, 2001: 109).

Com esses dados faz ainda mais sentido a afirmação do professor Arlindo

Machado, no prefácio da obra de John Downing. Para ele,

As mídias, entendidas em seu sentido mais amplo, compreendem um complexo intrincado de interesses, demandas, um conflito permanente entre as diferentes forças que constituem (proprietários, patrocinadores, trabalhadores, cidadãos, políticos militantes), além de envolverem também negociações com os sujeitos representados e com os públicos a que se destinam (MACHADO, 2002: 9/10).

2.1 - Concentração dos meios de comunicação

O problema está também aí. As concessões são de um serviço público. Há

regras que deveriam ser seguidas para que as concessões pudessem ser

outorgadas ou renovadas. Mas, no Brasil, os meios de radiodifusão se comportam

como empresas privadas, de serviços privados, que não precisam prestar contas ao

país, muito menos responder à legislação do setor.

Quando não estão nas mãos de políticos, as concessões de radiodifusão

concentram-se nas mãos de poucas famílias, que também têm seus interesses

políticos vinculados aos interesses comerciais. Lima nos revela:

Page 25: NPC: uma experiência de contra-hegemonia na comunicação brasileira

25

[...] alguns poucos grupos familiares ainda controlam a radiodifusão e a mídia impressa no Brasil. De fato, estimativa feita por Nuzzi (1995) indicava que cerca de 90% da mídia brasileira era controlada por apenas 15 grupos familiares. Hoje são apenas 13. Os oito principais grupos familiares do setor de rádio e televisão no Brasil são: a) nacionais: família Marinho (Globo); família Saad (Bandeirantes); família Abravanel (SBT); e b) regionais: família Sirotsky (RBS), família Daou (TV Amazonas), família Jereissati (TV Verdes Mares); família Zahran (Mato Grosso e Mato Grosso do Sul); e família Câmara (TV Anhangüera) (LIMA, 2001: 105).

A situação dos meios de comunicação de massa no Brasil se configura como

monopólio, mesmo contrariando a legislação que impede esse tipo de atuação. A

Constituição Federal trata no seu capítulo 5, artigo 220, parágrafo 5: “Os meios de

comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou

oligopólio”. Mas, segundo Venício Lima, há prática do monopólio em quatro tipos de

concentração da mídia. São elas:

a) Concentração Horizontal. “Trata-se da oligopolização ou monopolização

que se produz dentro de uma mesma área do setor. O melhor exemplo desse tipo de

concentração no Brasil continua a ser a televisão, paga ou aberta” (LIMA, 2001: 96).

Esse tipo de concentração é visto na Rede Globo, que mantém uma rede de

TV aberta além de uma rede de TV por assinatura.

b) Concentração Vertical. “Trata-se da integração das diferentes etapas da

cadeia de produção e distribuição. Por exemplo, um único grupo controla desde os

vários aspectos da produção de programas de televisão até a sua veiculação

comercialização e distribuição” (LIMA, 2001: 99-100).

Novamente as Redes de TV brasileiras, (Globo, Bandeirantes, SBT)

aparecem como produtoras e distribuidoras de programação televisiva.

c) Propriedade Cruzada. “Trata-se da propriedade, pelo mesmo grupo, de

diferentes tipos de mídia do setor de comunicações. Por exemplo: TV aberta, TV por

assinatura (a cabo, MMDS, ou via satélite-DTH), rádio, revistas, jornais e, mais

recentemente, a telefonia (fixa, celular, móvel, via satélite), provedores de internet,

transmissão de dados, paping etc” (LIMA, 2001: 101).

Repetidamente, as organizações Globo se destacam nesse tipo de

concentração, já que mantêm uma editora com diversos títulos de revistas, um

jornal, várias rádios e uma rede de televisão.

Page 26: NPC: uma experiência de contra-hegemonia na comunicação brasileira

26

d) Monopólio em Cruz. “Trata-se da reprodução, em nível local e regional, dos

oligopólios da ‘propriedade cruzada’, constituindo o que se chamou ‘monopólios em

cruz’. Verificou-se que, na grande maioria dos estados da Federação, os sistemas

regionais de comunicação são constituídos por dois ‘braços’ principais, geralmente

ligados às Organizações Globo” (LIMA, 2001: 103).

Há vários exemplos de grupos que mantêm jornais, emissoras de rádio e

emissora de televisão ao mesmo tempo, como é o caso do grupo Sirotisky, no Rio

Grande do Sul e Santa Catarina.

Este é apenas um pequeno relato da situação das propriedades dos meios de

comunicação de massa no país. Não se pretende discutir exaustivamente esses

aspectos da concentração da mídia no Brasil. Porém, a história da mídia no país, a

relação da política com os meios de comunicação e as políticas de comunicação dos

governos, que privilegiam a concentração da propriedade nos meios de

comunicação, se constituem em um amplo e fértil espectro de relações de

interesses. Este, por sua vez, está muito distante do interesse público, aquele que

deveria orientar os meios de comunicação; como consequência, estão também

muito distantes dos interesses dos movimentos populares ou sociais.

Para compor um cenário ainda mais esclarecedor sobre o tema e corroborar

com a tese do professor Arlindo Machado, é importante observar que um dos

interesses privados que se sobrepõem aos interesses públicos são as campanhas

das empresas de comunicação do Brasil contra qualquer tentativa de

democratização das comunicações em terras brasilianas.

2.2 – Cobertura dos movimentos sociais

A luta pela democratização da comunicação no país tem sofrido ataque

constante dos grandes meios de comunicação, que entendem ser esta uma

atividade única e exclusivamente comercial e de direito de poucos. As concessões

de rádios comunitárias são lentas. As entidades organizadas da sociedade, que

pretendem buscar um canal de expressão, levam anos para conseguir uma

concessão de radiodifusão de 25 kWh. Muitas concessões, mesmo para rádios

comunitárias, têm sido influenciadas por apadrinhamentos dos mesmos políticos ou

grupos políticos que mantêm a concentração dos meios de comunicação de massa.

Page 27: NPC: uma experiência de contra-hegemonia na comunicação brasileira

27

Outras centenas de rádios são fechadas no país. Principalmente aquelas que

realmente defendem a liberdade de expressão e não estão ligadas a partidos ou a

políticos, geralmente conservadores.

Há claramente uma perseguição política sobre aquelas comunidades

organizadas que buscam expressar sua voz e a crítica, tão necessária em uma

democracia. A Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço) tem

sistematicamente denunciado abusos da Polícia Federal e de outros órgãos

fiscalizadores do setor contra as rádios comunitárias.

Poucos são os exemplos de cobertura jornalística que possibilitaram aos

movimentos populares se expressar através da mídia. Um exemplo já citado aqui,

que demonstra a escassez de espaço para as classes populares e para os assuntos

não oficiais na mídia, foi a cobertura da Guerra de Canudos, que resultou em livro.

Mesmo assim, parte significativa da população, até hoje, sequer tem ideia do que

aconteceu naquele conflito. Para Arlindo Machado,

Em se tratando de discussão sobre mídias, parece-me que no Brasil, são as próprias mídias hegemônicas que colocam os temas para o debate público. Jornais e televisão, principalmente, ditam as questões que em seguida serão discutidas, não apenas nos lares, bares e escritórios, mas também nos ambientes intelectuais, nas salas de aula, nas publicações e revistas especializadas (MACHADO, 2002: 10).

Nesse sentido, Perseu Abramo revela que há padrões de manipulação na

imprensa brasileira que corroboram para que os movimentos populares e

expressões não oficiais fiquem de fora do interesse dos noticiários. Dentre eles, o

que classifica como oficialismo; quando em lugar dos fatos utiliza-se uma versão,

“mas de preferência a versão oficial. A melhor versão oficial é a da autoridade, e a

melhor autoridade, a do próprio órgão de imprensa” (ABRAMO, 2003: 30).

A esse respeito, Patrick Champagne vai ainda mais longe. O autor afirma que

“a mídia doravante faz parte integrante da realidade ou, se preferir, produz efeitos de

realidade criando uma visão mediática da realidade que contribui para criar a

realidade que ela pretende descrever” (CHAMPAGNE, 2000: 75).

Considerando a história da imprensa no Brasil, a concentração das

emissoras, as políticas de comunicação que privilegiam essa concentração e o perfil

da cobertura jornalística, busca-se lançar atenção à cobertura da grande imprensa

Page 28: NPC: uma experiência de contra-hegemonia na comunicação brasileira

28

nos acontecimentos dos movimentos sociais mais recentes no Brasil. Mais

especificamente, tentar decifrar algumas condutas dos meios de comunicação de

massa em relação ao período da abertura política brasileira até o final dos anos da

década de 1990. Faz-se uma leitura bastante rápida de movimentos importantes

como as “Diretas Já”, o “Fora Collor”, e busca-se dar mais atenção à atuação do

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, que tem sido um dos alvos

preferenciais de ataques dos ditos meios de comunicação de massa.

O movimento das “Diretas Já” foi o primeiro grande acontecimento após o

processo de abertura política no Brasil. Manifestações em todas as grandes cidades

do país pediam a aprovação da Emenda Dante de Oliveira, que previa eleições

diretas imediatas para presidente da República.

Os meios de comunicação, de um modo geral, e a Rede Globo de Televisão,

em particular, ignoraram o quanto puderam as manifestações que aconteciam no

país, até um momento que elas não eram mais invisíveis, nem mesmo para a mídia

internacional. A Rede Globo foi quase que obrigada a cobrir os acontecimentos para

que não perdesse credibilidade perante seus telespectadores. Matéria sobre esse

movimento apareceu na emissora no dia em que a Praça da Sé reuniu milhares de

pessoas em grupos políticos que reivindicavam o direito da população escolher seu

presidente. Frustrando até certo ponto o movimento, a emenda constitucional foi

rejeitada no Congresso e as eleições aconteceriam apenas anos depois, em 1989.

Não se pretende entrar aqui nas avaliações referentes à cobertura da

imprensa nas eleições de 1989. Mas, sem dúvidas, há vários estudos na área da

comunicação apontando para um favorecimento de Fernando Collor de Mello, o

candidato das elites. O importante aqui, no entanto, é lembrar que o movimento pelo

impeachment do presidente Fernando Collor de Melo, nascido quase que

concomitantemente na classe política e também do desejo dos movimentos

populares, recebeu tratamento insignificante pela maior emissora de televisão do

país. Havia motivos para isso. A Rede Globo foi uma das apoiadoras de Collor

reservando-lhe espaço privilegiado na emissora, antes mesmo da campanha oficial

começar.

Após pressão dos movimentos populares por todo o país e da mídia

internacional, novamente a Rede Globo se viu obrigada a mostrar de maneira ampla

e não velada, como vinha fazendo, o que estava acontecendo.

Page 29: NPC: uma experiência de contra-hegemonia na comunicação brasileira

29

A mais recente e importante vítima da mídia é o Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), “cujo o (sic) crime é dar uma expressão

organizada à multissecular luta pela reforma agrária” (ARBEX JR., 2003: 151).

O MST nasceu no início da década de 1980 no sul do país. Suas

reivindicações e suas estratégias de atuação acabaram chamando a atenção de

outros trabalhadores rurais no restante do Brasil, principalmente, aqueles que

perderam as suas terras para bancos, grileiros e outros exploradores. Essas famílias

de agricultores não tinham como enfrentar o desemprego nas grandes cidades;

muitos até tentaram, mas não tinham mão-de-obra específica para o meio urbano.

Sem terra e sem rumo, apostaram nas propostas do MST como uma possibilidade

de vida melhor.

Mas foi na década de 1990 que houve uma redefinição no cenário das lutas

sociais no Brasil. As ocupações de terra se intensificaram. Vários conflitos

começaram a explodir pelo país. No estado São Paulo, em especial na região do

Pontal do Paranapanema, no Paraná e Rio Grande do Sul as lutas se intensificaram.

O MST chegou ao norte e, particularmente o sul do Pará, se revelou uma região de

conflitos permanentes. Foi nessa região que ocorreu o chamado massacre de

Eldorado dos Carajás, que será comentado mais adiante.

Importante observar que o tom dado pela imprensa brasileira ao avanço da

organização dos movimentos por terra refletia quase que única e exclusivamente os

interesses dos donos de grandes concentrações de terra. É necessário chamar a

atenção para os índices de concentração no Brasil. Eles passam pela concentração

na mídia, pela concentração de terras e pela concentração de riquezas.

A mídia encara os conflitos de terra como caso de polícia e tenta criminalizar

o MST, incluindo-o na mesma categoria das guerrilhas da América Latina, com as

Forças Armadas Revolucionários da Colômbia (FARC), no país andino. Muito

gradativamente o assunto da concentração de terra começou a tomar parte do

debate público. Importante frisar que o MST, a exemplo de outros movimentos, não

se baseou apenas nos grandes meios de comunicação de massa para fazer a

disputa hegemônica na sociedade.

Em particular a Revista Veja tem se mostrado um veículo de comunicação

opositor ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Por diversas vezes

Page 30: NPC: uma experiência de contra-hegemonia na comunicação brasileira

30

suas páginas imprimiram matérias tendenciosas e até caluniosas em relação ao

movimento e a seus integrantes.

Artigo do prof. Dr. Roberto Boaventura da Silva Sá, da Universidade Federal

de Mato Grosso (UFMT), analisa a edição 1648, de maio de 2000 da revista Veja,

cujo título da capa é: “A Tática da Baderna - o MST usa o pretexto da reforma

agrária para pregar a revolução socialista”. Dentre outras coisas, comenta o autor

que após a abertura da matéria a revista “ultrapassa todos os limites da decência.

Numa afronta a um jornalismo que se pretende sério, apropria-se indevidamente de

poderes jurídicos, toma o lugar de um juiz, antecipa sentenças e decide o tempo de

punição” (SÁ, 2001: 18-19).

Esse é um retrato sistemático da cobertura dos meios de comunicação de

massa em relação ao MST. Entretanto, a mídia também sobrevive de

acontecimentos que permitem uma cobertura menos preconceituosa dos

movimentos. E também certa apropriação temporária dos espaços da mídia pelos

próprios movimentos. Com o MST não foi diferente. Em determinada época,

principalmente após o massacre de Eldorado dos Carajás, em 17 de abril de 1996, o

MST aproveitou-se da comoção social em torno da tragédia para disputar espaços

na mídia. A imprensa internacional novamente contribuiu para essa tendência. Não

se pretende dizer aqui que a mídia internacional seja a redentora da mídia brasileira,

nem de qualquer forma avaliar a cobertura das mídias externas no Brasil. Porém,

com certeza, nesse caso, a repercussão internacional do massacre em outros

países influenciou a cobertura local.

Como forma simbólica de reação, o MST preparou, um ano mais tarde, a

Marcha dos Sem-Terra. Em 17 de abril de 1997 chegava à capital federal, segundo o

movimento, cerca de 100 mil pessoas. A grande maioria era de integrantes do MST

vindos à pé de todas as regiões do Brasil. A cobertura da mídia sobre esse evento

sensibilizou a nação em relação à questão agrária e colocou na pauta os problemas

da concentração de terras. De certa forma, contribuiu ainda para a mudança de

conceito sobre o tema da luta pela terra no Brasil, como afirma Maria da Glória

Gohn: “O MST tem promovido várias transformações na cultura política dominante

no país em relação a representações que a sociedade tinha a respeito da reforma

agrária e ‘obrigando’ os governantes a colocarem em pauta a questão rural” (GOHN,

2000: 155).

Page 31: NPC: uma experiência de contra-hegemonia na comunicação brasileira

31

Mesmo assim, ainda hoje, pequena parte da população tem conhecimento

sobre o trabalho desenvolvido pelo MST na área da Educação, por exemplo. A esse

respeito, Arbex Jr. relata que “em 2000, o MST mantinha 1800 escolas de ensino

fundamental em 23 estados brasileiros, empregando 3900 educadores responsáveis

por 160 mil crianças e adolescentes” (ARBEX JR., 2003: 152).

Sonia Serra, no entanto, destaca as contradições que a própria mídia revela

em coberturas como as das mortes de jovens pobres das favelas. Para ela,

[...] não basta olhar apenas para os produtores de notícias nas empresas jornalísticas, suas ideologias e códigos ocupacionais, as rotinas organizacionais, os critérios de noticiabilidade, de forma isolada e endógena. É preciso observar também como os jornalistas interagem entre si e com os outros atores sociais, que são também fornecedores de potenciais notícias (SERRA, 2002: 48).

Conclui a autora que os representantes de grupos subordinados “encontram

formas de operar nas brechas para modificá-las e, desta forma, influenciar a opinião

pública e as políticas públicas” (SERRA, 2002: 48). Mas essas ações se constituem

ainda em exceção.

2.3 – Melhoria da comunicação popular

Dentre as alternativas para que os movimentos sociais e populares possam

obter uma cobertura com mais coerência da mídia brasileira, elencamos algumas

contribuições que demonstram, de certa monta, a necessidade de ações advindas

da sociedade como um todo, das universidades, dos governos federal, estaduais e

municipais, do seio dos movimentos populares e dos meios de comunicação de

massa, por iniciativa própria ou por pressão externa.

A sociedade brasileira tem buscado, ainda que de maneira tímida, apostar em

iniciativas que buscam fazer uma leitura crítica da mídia, como, por exemplo, o

surgimento de espaços virtuais de informações e discussões na internet como no

caso dos sites “Mídia Vigiada”, “Observatório da Mídia”, “Carta Maior”, dentre outros.

Tem também buscado discutir a necessidade da democratização das comunicações

no país, como são os casos do Fórum Nacional pela Democratização dos Meios de

Comunicação (FNDC) e da Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço).

Page 32: NPC: uma experiência de contra-hegemonia na comunicação brasileira

32

As universidades também têm produzido estudos e pesquisas que apontam

para a necessidade da democratização da comunicação no país. Essas iniciativas

da sociedade e das universidades devem ser estimuladas ainda mais. Mas, se

isoladas, não obterão êxitos que sejam compatíveis com o esforço que empregam

em suas atividades.

Já os governos federal, estaduais e municipais também deveriam dar mais

atenção ao tema, tendo em vista que a cada dia as comunicações assumem um

papel mais estratégico na sociedade.

As comunicações, definitivamente, devem galgar o espaço de políticas

públicas em todas as esferas de governo. Em âmbito federal, seria necessário dar

mais rapidez às concessões de rádios comunitárias e aumentar a fiscalização sobre

aquelas que utilizam esse espaço para promoção pessoal e política ou econômica e,

por isso, estão longe do conceito de emissoras comunitárias. Da mesma forma

garantir o respeito às regras de concessão para as emissoras de grande potência e

ampliar a fiscalização sobre elas. Há muitos casos no Brasil de desrespeito à

legislação e que não são coibidos. Muitas emissoras e jornais são utilizados para

propaganda política e para a defesa de interesses econômicos. Cobrar também que

os canais a cabo efetivem o espaço comunitário como determina a legislação.

Dentro do sistema de ensino, os governos federal, estaduais e municipais

devem incentivar a inclusão de espaços ou disciplinas destinadas à leitura crítica da

mídia, tendo em vista que boa parte do tempo de crianças, jovens e adultos é

destinada aos meios de comunicação de massa. Ainda, em se tratando de governos,

os municípios deveriam incentivar a criação de conselhos municipais de

comunicação com o objetivo de fiscalizar, propor políticas públicas de comunicação

e propor mudanças na pauta e na programação dos meios de massa.

Esse debate já vem tomando corpo na sociedade, tendo em vista que as

rádios comunitárias, por funcionarem com pequena potência, deveriam ser de

responsabilidade legal dos municípios.

Os movimentos populares, historicamente, têm buscado espaços nos meios

de comunicação de massa e também têm produzido sua própria comunicação, como

forma de ser ouvido pela sociedade e também como forma de reafirmação

identitária. Como já abordado aqui, os espaços reservados pela mídia em relação

aos movimentos populares deixam de reservar tratamento mais adequado de forma

Page 33: NPC: uma experiência de contra-hegemonia na comunicação brasileira

33

geral, principalmente, quando esses movimentos são pautados pela mídia. Mesmo

assim, quando os movimentos buscam encontrar espaços nos meios de

comunicação de massa, nem sempre são compreendidos de maneira correta. Em

outros momentos, os movimentos se transformam em ferramenta de disputa

hegemônica, como também já tratado aqui. Por isso, defende-se a importância de

políticas públicas de comunicação que preservem o espaço de manifestação e

comunicação desses movimentos na mídia, como enseja um sistema democrático

pleno, ou seja, a pluralidade de expressões nos meios de comunicação de massa.

A pauta desses meios tem sido influenciada pela classe política e pelo poder

econômico, como trata bem os autores que discorrem sobre a Agenda-Setting. Ou

seja, o agendamento público deve deixar de ser pautado por interesses particulares.

Além disso, é preciso ampliar a produção de comunicação dos movimentos para que

eles conquistem cada vez mais a liberdade de expressão garantida na Constituição

Federal. Neste sentido, chama a atenção Cicília Peruzzo, professora e pesquisadora

do campo da Comunicação Popular e Comunitária, entendendo que quanto maior a

participação de integrantes dos movimentos na construção da comunicação maior

será sua autonomia. Para a autora,

[...] é premente tentarmos compreender o envolvimento popular na produção, no planejamento e na gestão da comunicação comunitária, como forma até de contribuir para o avanço em qualidade participativa e na conquista da cidadania (PERUZZO, 1998: 144).

O fortalecimento de processos comunicacionais é importante para os

movimentos, não apenas para alcançar maior visibilidade e compreensão na

sociedade de disputas hegemônicas, mas também para que os processos

comunicacionais possam, além de tudo, contribuir para que seus próprios militantes

tenham condições de, a partir da consciência do papel da comunicação, conhecer

uma leitura mais aprofundada das disputas na sociedade.

As mais variadas formas de comunicação contribuem também para a

compreensão identitária dos movimentos e comunidades. A comunicação nesses

espaços tem um papel importante de formação e educação para a consciência

crítica e consequentemente para o fortalecimento dos movimentos, como

argumentam José Vanderley Gouveia e Nilton José dos Reis Rocha:

Page 34: NPC: uma experiência de contra-hegemonia na comunicação brasileira

34

A descoberta mais espetacular pode-se dizer, é quando se descobrem os caminhos invisíveis da comunicação, onde caminham as idéias, as cantigas, as mentiras, as verdades, os sonhos, os poemas e os desejos. Quem sabe ler, escreve. Quem não sabe, dita. Assim os artigos de letrados e não-letrados vão dar corpo aos jornais populares dentro do cotidiano das posses urbanas (GOUVEIA; ROCHA, 2002: 73).

Peruzzo, entretanto, chama a atenção para os desafios e limites da

comunicação no campo popular. Dentre outras coisas, aponta para a abrangência

reduzida, meios inadequados, falta de competência técnica no seio dos movimentos.

Para diminuir essas e outras dificuldades, as universidades poderiam investir em

projetos de pesquisa e extensão; estimulando dessa forma um olhar dos alunos para

outros aspectos da comunicação.

No entanto, além dessa colaboração da academia, há a necessidade do

aperfeiçoamento dos processos de comunicação, principalmente neste tempo em

que os fluxos de informações e de comunicações tendem a romper as barreiras do

tempo e do espaço. A chamada globalização e as novas tecnologias possibilitaram

novos caminhos também para a Comunicação Popular.

Há vários autores tratando sobre a constituição de redes de comunicação

populares. Downing defende que não há ruptura entre as redes de mídia e as redes

de Comunicação Popular e que as duas são importantes para contribuir com os

movimentos.

Lamentavelmente, a ruptura entre a mídia e comunicação interpessoal que se vê nos estudos sobre comunicação é particularmente prejudicial para a tentativa de entender as ligações entre mídia radical alternativa e redes sociais. No entanto, tais redes são essenciais tanto para essa mídia como para os movimentos sociais e políticos (DOWNING, 2002: 70).

Principalmente, em épocas de crise, as redes interpessoais de comunicação

podem cumprir papel importante, como aconteceu recentemente na Venezuela com

o golpe de Estado cometido contra o presidente Hugo Chavez, em abril 2002. Uma

rede de informações interpessoais, obviamente com o apoio de rádios comunitárias,

colocou milhares de pessoas nas ruas pedindo a volta do presidente ao poder. Os

meios de comunicação de massa diziam que o presidente havia renunciado, quando

na verdade fora tirado à força do poder. A mobilização popular acabou desmentindo

Page 35: NPC: uma experiência de contra-hegemonia na comunicação brasileira

35

os meios de comunicação de massa e contribuiu para o fracasso do golpe de Estado

e o retorno de Chavez à presidência daquele país.

A constituição de redes comunicacionais, sejam elas midiatizadas ou não,

sem dúvida, são um importante instrumento para os movimentos e para a

democratização das comunicações na sociedade. Gouveia e Rocha afirmam,

[...] a rede se propõe a conferir um tratamento não fragmentado, mas transdisciplinar, às coberturas jornalísticas do cotidiano das comunidades e dos grupos sociais. Quer dizer, ao lado de trabalhar o cruzamento da comunicação e da educação dentro e fora da escola, a proposta é incluir áreas da saúde, da cultura do esporte e do lazer, e das políticas públicas que contribuem na construção da cidadania sem exclusão material ou simbólica (GOUVEIA; ROCHA, 2002: 75).

Ao menos parte dos movimentos sociais no Brasil tem procurado

aperfeiçoamento no que diz respeito à disputa hegemônica pautada sob a égide dos

meios de comunicação de massa. Não é mais possível ignorar a força dos meios de

comunicação de massa nas sociedades modernas. Ao mesmo tempo, a população,

de um modo geral, ainda não está habituada, ou não tem consciência, para fazer

uma leitura crítica sobre o que é veiculado diariamente e, no caso do Brasil,

principalmente, no que é transmitido pela chamada mídia eletrônica. Gohn constata,

[...] os movimentos dependem do meio ambiente externo, afirma Tarrow, e eles representam um contrapoder à massificação da mídia... os movimentos podem formar opiniões que contraformatam as opiniões difundidas pela mídia. Por outro lado, eles podem usar recursos da mídia para mobilizar seguidores (GOHN, 2000: 49).

Por último, os movimentos sociais, na realidade toda a sociedade, deve

buscar interferir nos meios de comunicação de massa no país, que se

transformaram em grandes grupos com poder político e econômico muito forte. E

esses interesses privados têm interferido demasiadamente, e de forma negativa, na

pauta e na angulação das coberturas jornalísticas, artísticas e culturais da mídia

brasileira.

Page 36: NPC: uma experiência de contra-hegemonia na comunicação brasileira

36

2.4 - Regulamentação dos meios

Faz-se mais do que necessário o debate sobre a regulamentação e a

fiscalização dos meios de comunicação de massa. Entretanto, esta é uma batalha a

ser travada com interesses econômicos e políticos, como já foi abordado; por isso,

não se pode esperar uma mudança na mídia brasileira, sem uma pressão externa

sobre os governos e sobre a própria mídia.

Dentre outras formas para contribuir com essa questão dois aspectos

importantes devem ser levados em consideração:

a) o respeito à Constituição Federal que diz no seu capítulo 5, artigo 220,

parágrafo 5º: “Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente,

ser objeto de monopólio ou oligopólio”;

b) criar formas de controle público sobre os meios de comunicação de

massa.

Sobre a questão do monopólio, Venício Lima tem tratado muito bem do

assunto, como já foi demonstrado anteriormente. Já o pesquisador Claude Jean

Bertrand apresenta uma abordagem muito rica sobre a fiscalização interna ou

externa dos MCMS. Defende o autor quaisquer maneiras de fiscalização da mídia; o

que ele denomina de MAS - Mídia Accontabilit Sistems: sistemas de fiscalização ou

de apontamento da mídia. “O conceito engloba perto de sessenta desses meios.

Todos já foram empregados, em alguma parte e em alguma época” (BERTRAND,

2002: 35).

Como não é possível abordar neste artigo todos os tipos de MAS, faz-se a

opção de classificar e exemplificar alguns deles. Bertrand diz que há alguns tipos de

ações de fiscalização da mídia encontradas pelo mundo. Elas podem ser:

a) um programa impresso ou difundido, como o “código de ética, um

conjunto de regras discutido e consensualmente aprovado pelos profissionais de

mídia” (BERTRAND, 2002: 36);

b) indivíduos ou grupos, como “uma crítica interna ou ‘comissão de avaliação

de conteúdos’ (como os shinsa-shitsu adotados pelos diários japoneses nos anos

20) para inspecionar o jornal” (BERTRAND, 2002: 37);

c) processos, nesse caso destaca-se a importância da educação superior. “A

mídia de qualidade deveria contratar apenas pessoas com diploma universitário, de

Page 37: NPC: uma experiência de contra-hegemonia na comunicação brasileira

37

preferência (embora isso seja controvertido) em comunicações. Um curso separado

de ética da mídia, exigido de todos os estudantes de jornalismo” (BERTRAND, 2002:

40);

d) internos, externos e cooperativos; o autor diz que além dos controles

internos dos meios há a possibilidade de controles externos e até mesmo

cooperados. “Os MAS externos demonstram que a responsabilidade pode ser

imposta aos meios de comunicação a sua revelia [...] Os MAS cooperativos são sem

dúvida os mais interessantes, pois implicam que a imprensa, os profissionais e o

público se aliem para promover o controle de qualidade” (BERTRAND, 2002: 42);

Para abordar esses sistemas de controle, o autor busca mostrar suas

vantagens e limites e que nem todos podem ser aplicados no mesmo país ou ao

mesmo tempo. São apontamentos importantes que demonstram possibilidades que

devem ser adequadas a cada realidade e que novas formas de controle da mídia

podem e devem surgir. De certa maneira, no Brasil há exemplos de controle interno

na figura do Ombudsman e de controle externo por iniciativas de entidades da

sociedade civil.

O importante a destacar neste trabalho é a urgência de um debate mais

amplo e verdadeiramente público sobre o papel dos meios de comunicação de

massa na sociedade contemporânea, cada vez mais globalizada e pautada pelos

sistemas de comunicação. É inegável que a sociedade reconheça que os

movimentos populares sempre foram tratados de maneira indevida ou

preconceituosa e, até mesmo, ignorados pelos grandes meios de comunicação. E

essa abordagem, ou a falta dela, refletem, na realidade, uma disputa hegemônica de

modelo de sociedade, que caminha a passos lentos no sentido da democracia, mas

que também tem sofrido vários golpes com traços de autoritarismo e preconceito.

Neste capítulo apresentamos um singelo panorama e algumas pequenas

sugestões que podem contribuir com a tarefa, que deve ser assumida por toda

sociedade, de democratização dos meios de comunicação, que se pretende ser mais

igualitária. Não há outro caminho a seguir a não ser o respeito e o espaço para a

manifestação das diferenças.

Page 38: NPC: uma experiência de contra-hegemonia na comunicação brasileira

38

CAPÍTULO 3:

SOBRE HEGEMONIA

A palavra hegemonia é muito empregada hoje em dia, principalmente pelo

campo das ciências sociais e política. Porém, não é uma expressão nova. O primeiro

conceito de hegemonia nasce, na realidade, na Grécia sob o significado de guia,

chefe, condutor. “Na Grécia antiga, a hegemonia era a preponderância política e a

direcção militar de um Estado ou de uma cidade numa confederação (a hegemonia

de Atenas na Liga de Delos)” (BIROU, 1982: 190).

Mais tarde, o conceito de hegemonia foi utilizado por Lênin e outros autores

socialistas, mas sem a utilização direta do termo e sem a definição mais profunda do

que a explicada por Antônio Gramsci no final da década de 1920 e início da década

de 1930.

A perspectiva apresentada por esses autores para o conceito de hegemonia é

extremamente atual e muito eficaz para explicar a relação de disputas ideológicas na

sociedade contemporânea. Entretanto, o tratamento dado por Gramsci ampliou o

conceito de hegemonia ao utilizá-lo para explicar os modos de dominação pela

burguesia. Ele também avança no sentido de observar os fenômenos

superestruturais da política, da cultura e do sistema de valores no contexto da ordem

capitalista.

O fato da hegemonia pressupõe indubitavelmente que sejam levados em conta os interesses e as tendências dos grupos sobre os quais a hegemonia será exercida, que se forme um certo equilíbrio de compromisso, isto é, que o grupo dirigente faça sacrifícios de ordem econômico-corporativa; mas também é indubitável que tais sacrifícios e tal compromisso não podem envolver o essencial, dado que, se a hegemonia é ético-política, não pode deixar de ser também econômica; não pode deixar de ter seu fundamento na função decisiva que o grupo dirigente exerce no núcleo decisivo da atividade econômica (Gramsci, 2002b;48)

Em outras palavras, se o proletariado procurasse construir a sua hegemonia

política sobre o conjunto da sociedade precisaria, além da luta econômica contra o

patrão e o governo, se colocar à frente das lutas contra qualquer manifestação de

arbitrariedade e de opressão onde quer que ela se produza. Um sistema de alianças

Page 39: NPC: uma experiência de contra-hegemonia na comunicação brasileira

39

se faz necessário para mobilizar contra o capitalismo e o Estado burguês a maioria

da população trabalhadora.

Percebe-se que não há em Gramsci uma supervalorização da subjetividade

em detrimento da objetividade. Se por um lado ele não vê a economia como mera

produção de objetos materiais, por outro não nega a determinação em última

instância da totalidade social pela economia.

“A estrutura e as superestruturas formam um ‘bloco histórico’, isto é,

o conjunto complexo e contraditório das superestruturas é o reflexo do conjunto das relações sociais de produção”. (Gramsci, 2004: 250).

Gramsci interpreta a determinação política pela economia não como uma

imposição mecânica, mas como algo que condiciona. A sua originalidade esta

demonstrada ainda quando aplica o conceito de hegemonia à burguesia; aos

mecanismos de exercício da hegemonia das classes dominantes. Segundo ele, as

relações capitalistas de produção podem ser mantidas sob condições democráticas

e, consequentemente, a exploração pode ocorrer.

Nota-se ainda que Gramsci discorre a respeito de hegemonia como sendo

direção intelectual e moral. Ele afirma que essa direção deve ser exercida no campo

das ideias e da cultura, manifestando assim a capacidade de conquistar o consenso

e de formar base social, uma vez que não há direção política sem consenso.

“O critério metodológico sobre o qual se deve basear o

próprio exame é este: a supremacia de um grupo social se manifesta de dois modos, como ‘domínio’ e como ‘direção intelectual e moral’. Um grupo social domina os grupos adversários, que visa a ‘liquidar’ ou a submeter inclusive com a força armada, e dirige os grupos afins e aliados. Um grupo social pode e, aliás, deve ser dirigente já antes de conquistar o poder governamental (esta é uma das condições principais para a própria conquista do poder); depois, quando exerce o poder e mesmo se o mantém fortemente nas mãos, torna-se dominante, mas deve continuar a ser também ‘dirigente’” (Gramsci, 2002 a: 62-63).

E as dinâmicas sociais, na visão de Gramsci, passam pela compreensão do

papel da sociedade civil. E o conceito de sociedade civil introduzido por Gramsci se

coloca como extremamente coerente para explicar a relação conflitante, em princípio

estruturada no significado da dialética, que se estabelece nas relações sociais.

Page 40: NPC: uma experiência de contra-hegemonia na comunicação brasileira

40

Gramsci busca compreender os conceitos aplicados por Hegel na definição de

sociedade civil, para então organizá-lo sob um enfoque distinto.

A sociedade civil, segundo Hegel, é o espaço onde o homem realiza suas

necessidades. É o espaço da vida privada. Se a sociedade civil é o espaço da

propriedade privada, tem dessa maneira sua base no capitalismo.

Não se pode perder de vista que a classe dominante repassa sua ideologia e

realiza o controle do consenso através de uma rede articulada de instituições

culturais, que seriam os aparelhos privados de hegemonia, como a escola, a igreja,

e os meios de comunicação.

Nesse sentido, há no capitalismo o dono do capital e o vendedor da força de

trabalho; a exploração. O Estado então aparece como mediador em favor da

acumulação do capital, pois possui o poder de garantir a propriedade privada. Dessa

maneira, na sociedade de classes não existe Estado neutro. Existe um Estado de

interesses.

Segundo Downing, Gramsci considera que o papel do Estado não deve ser de

protetor da propriedade privada, mas sim, dentro de sua leitura de sociedade civil, o

Estado deve garantir o bem-estar social.

Essa concepção de construção, de processo em desenvolvimento, corrobora

com o sentido do pensamento dialético e reforça o sentido de que as disputas no

cotidiano são entrelaçadas por sentidos e necessidades, que às vezes

contraditórios, resultam da disputa de ideias nem sempre tão claras e precisas, mas

sempre disputas de poder, seja ele local ou macro, na política, na religião, na

cultura, enfim, em todos os espaços de manifestação da sociedade civil. De acordo

com Downing,

a) a hegemonia nunca é um cadáver congelado, sendo constantemente negociada pelas classes sociais superiores e subordinadas, b) a hegemonia cultural capitalista é instável e sujeita a graves crises intermitentes, ainda que, ao mesmo tempo, c) possa desfrutar longos períodos de uma normalidade raramente questionada (DOWNING, 2002: 50).

A sociedade civil está concentrada em duas esferas: organismos privados

como sindicatos, igreja, que desenvolvem políticas e significados no campo dos

valores simbólicos; e nas instituições públicas, como governos e justiça que exercem

Page 41: NPC: uma experiência de contra-hegemonia na comunicação brasileira

41

dominação e controle. Para Gramsci, a política é um instrumento de mediação entre

o homem e a realidade.

A sociedade civil é um todo com suas contradições. Todos são iguais perante

o Estado e desiguais em relação ao trabalho e ao poder que exercem em

determinadas situações.

No capitalismo, a força hegemônica está nas mãos e mentes dos donos do

capital. E a grande maioria, expropriada pelo capital. A hegemonia do lucro sobre o

social exclui do mercado de trabalho milhões de pessoas em todo o mundo, sob a

ordem do acúmulo de lucros, da propriedade privada.

No campo simbólico, na sociedade contemporânea, os meios de

comunicação de massa mantêm papel fundamental para sustentar esse modelo

social, econômico e político. Tornou-se mais um aparelho ideológico do Estado. Não

é exagerado ressaltar que o Estado é responsável por garantir a normalidade dessa

situação.

A disputa de hegemonia, como diz Gramsci, em nossos tempos passa

necessariamente também por uma disputa no campo simbólico e cultural da

sociedade. Da sociedade do entretenimento, da exploração e da concentração de

renda e de capital sobre novas bases de produção: a globalização.

Esses elementos constituem as bases das preocupações e discussões

proporcionadas pelo Núcleo Piratininga de Comunicação em seu curso anual. Nesse

trabalho em particular, serão analisadas mais adiante as questões discutidas durante

o 15º Curso Anual do NPC.

Page 42: NPC: uma experiência de contra-hegemonia na comunicação brasileira

42

CAPÍTULO 4:

NÚCLEO PIRATINIGA DE COMUNICAÇÃO

O Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC) nasceu em meados da década

de 1990 por uma iniciativa do metalúrgico, militante sindical e escritor Vito Giannotti,

e da jornalista e militante Cláudia Santiago. Vito Giannotti, em 2006, em e entrevista

exclusiva 1 contou um pouco dessa história:

Na prática (O NPC) nasceu da experiência minha de São Paulo, que durante vários anos estive na direção da CUT e viajando, dando palestras sobre a CUT, sobre a história dos trabalhadores e sempre falando muito da comunicação dos trabalhadores (GIANNOTTI, 2006: 1).

Naquela época, Vito já havia escrito alguns livros sobre a luta dos

trabalhadores e sobre comunicação sindical. Cláudia Santiago já trabalhava na

Central Única dos Trabalhadores (CUT) do Rio de Janeiro. Os dois mostravam-se

preocupados em melhorar a comunicação dos trabalhadores, principalmente com a

intenção de alertá-los sobre a exploração do capital, mas também para que tivessem

chance de divulgar suas opiniões, ideias e experiências. Chamava a atenção de

Giannotti e Santigo a influência dos chamados meios de comunicação de massa,

como as redes de rádio, televisão e, de certa maneira, os jornais.

Os trabalhadores repetiam o que a Globo falava. No começo da Globo, quando comecei a trabalhar em São Paulo, eu estava impressionado com a penetração das mensagens da Globo entre os trabalhadores e com a dificuldade enorme que nós tínhamos de fazer penetrar nossas mensagens (GIANNOTTI, 2006: 1).

Os dois tinham uma preocupação especial com o discurso e a linguagem

utilizados pelos meios de comunicação dos sindicatos ligados à CUT. Não era uma

linguagem que a grande maioria dos trabalhadores pudesse compreender bem,

considerando também o baixo nível de interesse da população pela leitura. Mais

tarde, Claudia Santiago e Vito Giannotti acabaram editando um livro sobre o tema.

Mas antes disso, resolveram ministrar cursos e palestras para explicar ideias e

ações que poderiam melhorar a comunicação dos trabalhadores, a comunicação dos

1 A íntegra dessa entrevista com Vito Giannotti está no Apêndice desta monografia.

Page 43: NPC: uma experiência de contra-hegemonia na comunicação brasileira

43

sindicatos com suas bases e com a sociedade na busca de uma comunicação

contra-hegemônica.

Os cursos começaram chamar a atenção de vários sindicatos e movimentos

populares. Outras pessoas com a mesma preocupação de Vito Giannotti e Cláudia

Santiago começaram a se aproximar.

[...] desde o início começaram a aparecer pessoas que tínhamos conhecido em cursos e que começaram a se ligar muito nesses assuntos. E se criou quase uma comunidade de interesses e aí se criou e nós pensamos em criar alguma coisa mais estável, definitiva, que seria um núcleo de comunicação que chamamos de Piratininga (GIANNOTTI, 2006: 2).

Em 1995, o NPC começou a ministrar cursos por todo o País. Em vários

estados se espalhou a notícia da existência de um grupo de pessoas preocupadas

em melhorar a comunicação da classe trabalhadora.

Pouco a pouco, cada ano que passava, se incorporava um grupo, diria, de amigos. Acabavam se incorporando, pessoas como você, que era de Campinas, que fez vários cursos condizia das ideias do núcleo, junto com você outras pessoas do Rio Grande do Sul, de Sergipe, do Maranhão, do Rio de Janeiro. Então pouco a pouco se criou uma equipe, um núcleo (GIANNOTTI, 2006: 3).

Para se sustentar juridicamente, o núcleo se transformou em uma

Organização Não-Governametal, apesar de toda as críticas de seus integrantes ao

papel da ONGs na sociedade capitalista. Os integrantes em torno do NPC

compartilhavam das mesmas preocupações, de como melhorar os aspectos da

comunicação - pauta, linguagem, meios, formatos - para a disputa de ideias na

sociedade.

A demanda crescente dos cursos, a produção de vários materiais

comunicativos específicos e a necessidade de tentar reunir o expoente de dirigentes

sindicais e comunicadores em torno da trocas de ideias sobre a comunicação dos

trabalhadores fez surgir em 1997 o Encontro Anual do NPC, que passou a reunir

representantes de todo o país em um único debate.

O NPC convida personalidades da área acadêmica de comunicação,

jornalistas e militantes para impulsionar os debates nas mesas temáticas. O acúmulo

Page 44: NPC: uma experiência de contra-hegemonia na comunicação brasileira

44

de cursos e debates pelos estados e os cursos anuais reuniu um mosaico de

conceitos em torno da comunicação popular e sindical no Brasil.

Acho que a nossa grande virtude foi saber incorporar ideias que andavam espalhadas pelo Brasil a fora com as quais nós tivemos contato devido a essas viagens, a esses cursos regionalizados. Nós incorporamos e criamos um conjunto de ideias que está muito claro (GIANNOTTI, 2006: 4).

A ideia central é a de que os trabalhadores têm direito a sua comunicação

direito de fazer sua própria comunicação. Ou seja, a comunicação não é neutra, está

a serviço de um modelo de sociedade.

Os trabalhadores têm também o direito a entender a comunicação feita para

ele, com linguagem e meios adequados. Os estudos e os anos de experiência

mostraram que muitas vezes a comunicação feita para os trabalhadores não é

compreendida pela maioria. A linguagem deve ser adequada ao seu nível de

escolaridade e ao seu repertório. Outra grande preocupação do NPC é a pauta dos

trabalhadores. Giannotti afirma o “profundo senso político” necessário para se

discutir a questão da pauta, afinal,

Nós temos que fazer uma comunicação para disputar a hegemonia da sociedade. Nós não fazemos comunicação neutra, para informar, para deleitar os trabalhadores. Nós fazemos uma comunicação de combate, de batalha, de guerra, de luta (GIANNOTTI, 2006: 5).

Nesse sentido, a pauta deve ser ampla, que interesse ao trabalhador. Que o

trabalhador sinta-se atraído por ela. Uma pauta que fale da vida, dos filhos, da

educação, do namoro, da escola, da diversão. A pauta deve tratar de questões da

classe trabalhadora, principalmente as econômicas, mas não somente, a despeito do

que discorre Gramsci sobre a necessidade da disputa de hegemonia passar pela

estrutura e também pela superestrutura.

Assim sendo, os trabalhadores têm o direito a uma informação decente na

televisão; têm direito ao lazer, dentre outros porque na concepção do NPC, em uma

sociedade capitalista não existe democracia para a classe trabalhadora.

[...] não existe democracia nenhuma para os trabalhadores. Isso é uma ficção. É uma fantasia que se repete a cada eleição. Isso é uma grande mentira. Nós queremos que haja uma democracia sim. E, em

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45

todas as mensagens do Núcleo [...] existe uma perspectiva nítida, clara, de construção de uma sociedade socialista (GIANNOTTI, 2006: 5).

O NPC defende que é necessário construir outra sociedade a serviço da

classe trabalhadora, que é a imensa maioria da população. Giannotti afirma que é

preciso “mudar o poder para poder democratizar” (2006: 3). Mas isso não representa

o abandono das lutas dentro da sociedade capitalista. É uma luta de disputa

hegemônica. Há espaços para essa luta, mesmo que pequenos.

A classe trabalhadora continua pouco organizada. Não há um grande jornal

que faça contraponto ao pensamento único da mídia no Brasil. Existem revistas, mas

com pouca tiragem e não atingem a maioria, bem como importantes experiências

locais, mas também de pouco alcance. A respeito da imprensa sindical, Giannotti

afirma:

A imprensa sindical entrou em crise junto com o sindicalismo na década de 90, que caiu com a sua combatividade e seu enfrentamento com o sistema e com o empresariado. A imprensa sindical também andou diminuindo de número, de frequência, se empobrecendo na pauta, mas até 2002, até a eleição do Lula, a imprensa sindical teve uma presença forte no Brasil (GIANNOTTI, 2006: 8).

A imprensa dos trabalhadores, de certa maneira reflete o momento em que a

eleição de um presidente que foi operário resolveria as demandas acumuladas pelos

movimentos. A disputa de hegemonia nesse momento se arrefece. Mas não acaba.

Em suma, o objetivo central do NPC é melhorar a comunicação dos

trabalhadores para construir um mundo com justiça e sem exclusão. O ponto de

partida é a certeza de que sem comunicação não há possibilidade de os

trabalhadores lutarem para alcançar a hegemonia política na sociedade.

A explicitação desses aspectos que dão sentido ao Núcleo Piratininga de

Comunicação passarão mais adiante pela investigação sob a ótica da Análise de

Discurso. O objetivo é identifica-los na programação do 15º Encontro Anual do

NPC.

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46

CAPÍTULO 5:

15º CURSO ANUAL DO NPC: DISCURSO E CONTRA-HEGEMONIA

O estudo a que se propõe este trabalho trata da análise de discurso do 15º

Curso Anual do NPC. Busca-se mostrar como a coerência histórica do núcleo, de

luta contra-hegemônica no seio dos movimentos sindical e popular, está expressa

nos temas que geraram debate durante o encontro realizado entre os dias 11 e 15

de novembro de 2009.

Para analisar o tema sugerido nesta monografia optou-se pela Análise de

Discurso como ferramenta metodológica. Trata-se de uma forma coerente para

debater os efeitos e contradições da linguagem como instrumento, como elemento

constituidor, e que está no centro da disputa de hegemonia.

Por meio das palavras uma sociedade ou grupo expressa seus valores,

costumes, crenças, inquietudes e vontades. O discurso e linguagem nascem com o

ser humano, da necessidade da sociedade se comunicar.

5.1 - O discurso

Os estudos das palavras, do discurso são tão antigos quanto o próprio

surgimento destas. Da intensa interpretação e reinterpretação de seus significados

foram criando, durante o tempo, outras formas de relação da sociedade com o

mundo das linguagens, das palavras e, portanto, dos discursos, como representação

ou negação daquilo que se quer saber, como diz Michel Pêcheux, um dos principais

estudiosos do assunto.

O discurso, por sua vez, necessita da palavra e da linguagem para se tornar

realidade. Mas, imprescindível se torna compreender que palavras, que linguagens

podem estar presentes nas análises do discurso. O próprio discurso precisa ser bem

definido para que as questões em seu entorno possam trazer razão de estudos, de

análises. Segundo Helena Brandão, o discurso

[...] é o efeito de sentido construído no processo de interlocução (opõe-se à concepção de língua como mera transmissão de informação). ‘O discurso não é fechado em si mesmo e nem é do domínio exclusivo do locutor: aquilo que se diz significa em relação

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47

ao que se diz, ao lugar social do qual se diz, para quem se diz, em relação a outros discursos (Orlandi) (BRANDÃO, 2004:106).

Eni Orlandi também avalia que o discurso é “palavra em movimento, prática

da linguagem: com o estudo do discurso observa-se o homem falando” (ORLANDI,

2005: 15). Ou seja, o discurso tem uma relação histórica e social com quem o

transmite, como confirma Pêcheux:

[...] todo discurso é o índice potencial de uma agitação das filiações sócio-históricas de identificação, na medida em que ele constitui ao mesmo tempo um efeito dessas filiações e um trabalho (mais ou menos consciente, deliberado, construído ou não, mas de todo modo atravessado pelas determinações inconscientes) de deslocamento e espaço: não há identificação plenamente bem sucedida, isto é, sócio-histórica que não seja afetada, de uma maneira ou de outra, por uma ‘infelicidade’ no sentido performativo do termo - isto é, no caso, por um ‘erro de pessoa’, isto é, sobre o outro, objeto da identificação (PÊCHEUX, 2006: 56/57).

Como as contradições de identidades se revelam por meio do discurso é

também nesse espaço que o conhecimento e o poder se articulam, onde as trocas

sociais encontram o cenário para o seu desenvolvimento, como comenta Foucault.

[...] o discurso é o espaço em que saber e poder se articulam, pois quem fala, fala de algum lugar, a partir de um direito reconhecido institucionalmente. Esse discurso que passa por verdadeiro, que veicula saber (o saber institucional), é gerador de poder (apud

BRANDÃO, 2004: 37).

Este é o interesse principal para a aplicação da análise de discurso na

programação do encontro do Núcleo Piratininga de Comunicação, que se fará a

seguir. Buscar revelar que o discurso constituidor do programa de um encontro de

comunicadores, líderes sindicais e de movimentos sociais em torno do assunto

comunicação, traz consigo, carregada em sua fala, em sua competência de dizer,

valores ideológicos, saberes acumulados como função da linguagem; como explica

Orlandi: “[...] a ideologia não é ocultação mas função da relação necessária entre

linguagem e mundo. Linguagem e mundo se refletem no sentido da refração, do

efeito imaginário de um sobre o outro” (ORLANDI, 2005: 47).

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48

Nesse sentido, é importante ainda perceber que o discurso é um processo em

curso. Ele não é um conjunto de textos, mas uma prática. É essa prática do discurso

o interesse maior a ser apresentado na análise que se segue.

5.2 - Análise de Discurso do 15º Curso Anual do NPC

O 15º Curso Anual do NPC foi realizado na cidade do Rio de Janeiro entre os

dias 11 e 15 novembro de 2009. O evento reuniu mais de 150 pessoas, entre

comunicadores sociais do campo popular e sindical, dirigentes sindicais e de

movimentos sociais e populares de todas as regiões do país e teve por objetivo

debater alternativas de comunicação, em formato e discurso, que possibilitassem à

classe trabalhadora formas e meios de comunicação.

Sob o tema central "Mídia, o verdadeiro partido da burguesia" o encontro

trouxe subtemas extremamente relevantes no sentido de explicitar que meios de

comunicação de massa, em todo o mundo e, particularmente no Brasil, são

instrumentos de dominação e controle, ou seja, de poder, e que seu discurso está

atrelado a um modo de pensar, a uma ideologia, que tenta inibir avanços da classe

trabalhadora.

De outro modo, e não menos importante, ao evidenciar tal fato, o encontro

propõe alternativas de enfrentamento a esse modelo social excludente que utiliza a

mídia como uma das principais ferramentas de luta ideológica. Reagir e mostrar à

classe trabalhadora a necessidade e o direito à comunicação tem sido a busca da

prática-discurso do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC).

Quando o NPC se propõe a colocar no centro do debate o tema “Mídia, o

verdadeiro partido da burguesia" pode-se perceber, pelo discurso, a nítida

disposição em revelar e denunciar que não há espaço de manifestação da classe

trabalhadora pelos meios de comunicação de massa. Na análise desse discurso

ainda cabe enfatizar que não se trata de procurar o seu sentido verdadeiro, mas o

real sentido em sua materialidade linguística e história.

Para o Brasil, como visto no Capítulo 2, os meios de comunicação se

materializam na história como meio de discurso da disputa hegemônica em defesa

dos interesses da burguesia. Se o discurso da “Mídia, o verdadeiro partido da

burguesia" parte neste momento da análise de um movimento de combate às

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49

desigualdades sociais, em defesa de uma sociedade mais justa e igualitária,

contrário aos interesses da burguesia, a materialidade história e linguística se mostra

coerente em torno dessa prática comprometida. O processo discursivo desse

enunciado tem relações ideológicas e, como o discurso é um processo não acabado,

ele produz sentidos, desde a análise de quem o produz, conforme afirma Orlandi:

“Como autor, o sujeito ao mesmo tempo em que reconhece uma exterioridade à qual

ele deve se referir, ele também se remete a sua interioridade, construindo desse

modo sua identidade como autor” (2005: 76).

O autor é o sujeito que, tendo domínio de certos mecanismos discursivos,

representa, pela linguagem, esse papel na ordem em que está inscrito, na posição

em que se constitui, assumindo a responsabilidade pelo que diz, como diz.

Entretanto, não se deve esquecer que não é natural do autor a produção desse

discurso.

Já o processo de produção de sentido sofre deslizes. Falamos a mesma

língua, mas falamos diferentes. As palavras remetem a discursos que derivam seus

sentidos das formações discursivas. Desse modo, historicidade deve ser

compreendida como aquilo que faz com que os sentidos sejam os mesmos e

também que eles se transformem.

Para um público ideologicamente identificado com a classe trabalhadora, o

discurso do NPC sugere o que Orlandi classifica como discurso polêmico, como

descrição do funcionamento discursivo em relação a suas determinações histórico-

sociais e ideológicas. “[...] aquele em que a polissemia é controlada, o referente é

disputado pelos interlocutores, e estes se mantêm em presença, numa relação tensa

de disputa pelos sentidos” (ORLANDI, 2005: 86).

Dessa forma, o discurso polêmico configura-se como uma prática de

resistência e afrontamento, próprios da história do NPC narrada no Capítulo 4 e do

público a quem ele se destina.

5.2.1 - A programação do encontro

A mesa de abertura do evento discutiu o tema: “Mídia, o verdadeiro partido da

burguesia” e foram convidados para a mesa Virgínia Fontes, professora de História

da Universidade Federal Fluminense, José Arbex Júnior, professor de Comunicação

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50

da PUC-SP, Pascual Serrano, jornalista do Le Monde Diplomatic e Site Rebelion e

Ignácio Ramonet, jornalista do Le Monde Diplomatic, em espanhol.

Nota-se nessa mesa a discussão do tema central do encontro. Um discurso

diretamente contra-hegemônico em relação aos meios de comunicação de massa no

Brasil e no mundo. Como aponta Gramsci, os meios de comunicação são aparelhos

de disputa de hegemonia que atuam na superestrutura. Os convidados também são

estudiosos da luta de classes e optaram por uma comunicação contra-hegemônica,

seja ela na academia ou na produção de periódicos.

Como aponta Orlandi, o processo discursivo acima tem relações ideológicas

e, como o discurso é um processo não acabado, ele produz sentidos, desde a

análise de quem o produz. E o sentido deste discurso é notadamente contra-

hegemônico.

A segunda atividade do primeiro dia tratou da “Cultura brasileira e identidade

nacional”. Um tema delicado e repleto de significados e compreensões distintas.

Tratado por acadêmicos como Adelaide Gonçalves, professora de História da

Universidade Federal do Ceará, Renato Ortiz, professor de Sociologia da

Universidade Estadual de Campinas, Beatriz Vieira, professora de História da

Universidade Cândido Mendes e por Adriana Facina, professora de Antropologia da

Universidade Federal Fluminense o tema buscou mostrar sob a ótica da classe

trabalhadora a força significante das manifestações culturais no seio da sociedade e

sua importância para o sentido de pertencimento de reafirmação de sua identidade,

não hermética e caricaturizada, mas construtora de sujeitos da história, de sua

história particular e regional, como retalhos de uma colcha que se alinhava colorida.

Outra forma discursiva que se apresenta como alternativa aos meios de

comunicação empresariais está evidente na primeira mesa do segundo dia de

atividades. Sob o tema “Mídia e resistência na América Latina hoje”. Tema este

tratado por Dênis de Moraes, professor de Comunicação da Universidade Federal

Fluminense e Altamiro Borges, jornalista do Portal Vermelho. Quando se fala em

resistência refere-se à resistência dos trabalhadores frente à mídia comercial, que

opera como instrumento de hegemonia do capitalismo. A resistência latino-

americana frente à produção da indústria cultural do hemisfério norte que, quase em

sua totalidade, nega a identidade cultural regional.

Page 51: NPC: uma experiência de contra-hegemonia na comunicação brasileira

51

O segundo tema do dia tem relação direta com o objeto deste trabalho e

explicitamente considera a comunicação como um instrumento de disputa de

hegemonia: “Comunicação de resistência e hegemonia”. O tema inicialmente seria

abordado por Vito Giannotti, coordenador do NPC, Jocilene Chagas, jornalista do

Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário Federal do Estado de São Paulo, Roberto

Ponciano, coordenador de Comunicação do Sindicato dos Servidores das Justiças

Federais do Rio de Janeiro (Sisejufe), Clomar Porto, coordenador de Comunicação

do Sindicato dos Metalúrgicos de Caxias do Sul e Maria Melo, representante do

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra. No entanto, Henry Figueiredo

representou o Sisejufe e Cida Marchi, representante do Sindicato Nacional dos

Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário (Sinpaf) substituiu

Jocilene Chagas. Novamente, o tema resistência aparece para demonstrar a

necessidade de um bloco histórico, como afirma Gramsci no sentido de combater a

hegemonia da classe dominante.

Ainda no mesmo dia, a mesa “Mídia de Resistência: Revistas e Alternativas”

contou com a participação de Reginaldo Moraes, professor de Política da Unicamp,

Renato Rovai, editor da revista Fórum, Hamilton de Souza, jornalista de revista

Caros Amigos, Alipio Freire, jornalista do jornal Brasil de Fato e Raimundo Pereira,

jornalista da revista Retratos do Brasil.

O sentido da palavra resistência como contraponto à hegemonia capitalista

por meio de seus instrumentos de comunicação está latente no tema apresentado

aos participantes. Mostra ainda exemplos de alternativas ao discurso dominante,

insinuando a necessidade da construção de meios de comunicação fortes que levem

adiante os interesses da classe trabalhadora para que seja protagonista de sua

história.

No dia13/11, o debate se dá primeiramente sob o tema “Mídia no Brasil:

realidades regionais”, com Venício Lima, professor de Comunicação da Universidade

de Brasília, Christian Góes, jornalista do Sindicato dos Jornalistas de Sergipe e Nildo

Oriques, professor de Política da Universidade Federal de Santa Catarina. Também

para combater o discurso único dominante é preciso respeitar as características

regionais; os costumes e valores da classe trabalhadora em cada região. Também

revela o centrismo da comunicação ao mostrar em grande parte a realidade do

Page 52: NPC: uma experiência de contra-hegemonia na comunicação brasileira

52

Sudeste brasileiro como modelo de organização social, que exclui outras expressões

regionais.

Logo depois “O Direito à informação e a Confecom” foram abordados por

Gustavo Gindres, jornalista e integrante do Coletivo Intervozes, Marcos Dantas,

professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Laurindo Leal, Ouvidor da

Empresa Brasileira de Comunicação e professor de Comunicação da USP. No

mesmo sentido do debate anterior, pretende-se colocar a Comunicação como um

direito que deve ser buscado por meio da organização social; que a comunicação

novamente transparece como meio e instrumento reivindicatório.

Na parte da tarde, Cláudia Santiago, jornalista e coordenadora do NPC,

Gizele Martins, jornalista do jornal O Cidadão (Comunidade da Maré/RJ) e Maurício

Campos, engenheiro e membro da Rede Contra a Violência, discorreram sobre

“Mídia e a criminalização da pobreza e dos movimentos sociais”. Com o mesmo

efeito da discriminação regional, a mídia no Brasil e também em outros locais se

apresenta para desvalorizar a população pobre e os movimentos sociais, colocando-

os como criminosos ao passo que se constituem em importantes formas de

resistência. Como já tratado em capítulo anterior, ser pobre não é sinônimo de

violência como tenta demonstrar os meios de comunicação, o mesmo ocorre com a

organização da classe trabalhadora ao reivindicar seus direitos, como o direto à

terra.

As atividades desse dia encerram-se com o debate sobre “Atualidade de

batalha da mídia na América Latina hoje”. Estiveram à mesa Beto Almeida, jornalista

e diretor da TV Sul, Shirlei Orozco, jornalista e Cônsul da Bolívia, e Maria Lúcia

Fattorelli, auditora Cidadã da Dívida. Os temas anteriores levam a crer que se vive

hoje em uma verdadeira batalha na mídia, na América Latina, mas não somente. O

debate dessa mesa busca trazer elementos que demonstram que os meios de

comunicação comerciais, como instrumentos hegemônicos do capitalismo, agem no

mesmo padrão em outros países do nosso continente, formando parte do ‘bloco

histórico’ como classifica Gramsci, para manter sua hegemonia.

O sábado foi dedicado à prática da comunicação popular e comunitária por

meio de oficinas. Foram elas: Linguagem, Ilustração, Fotografia, Rádio Comunitária,

Novas mídias e suas aplicações, Cinema militante e Infográficos. Como a práxis é a

forma como as forças se renovam e se retroalimentam para novas disputas, este dia

Page 53: NPC: uma experiência de contra-hegemonia na comunicação brasileira

53

foi dedicado a oferecer aos participantes oportunidades de conhecimentos mais

específicos sobre a técnica da comunicação, mas sempre sobre a ótica da pauta da

classe trabalhadora; de como utilizar os instrumentos de comunicação em favor da

classe trabalhadora.

No domingo, os participantes assistiram à exibição do filme Linha de Passe

seguido de debate com o diretor do filme Walter Moreira Salles, João Pedro Stédille,

coordenador do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, MC Leonardo, MC

e presidente da Associação dos Profissionais e Amigos do Funk (Apafunk) e Cláudia

Santiago, jornalista e coordenadora do NPC.

A obra é bastante realista, sensível e, sobretudo, humana. Sua estética crua e

documental, que busca captar e representar a realidade tal qual ela se apresenta

aos nossos sentidos. Ele trata do crescimento das igrejas evangélicas no Brasil e do

futebol como esperança de ascensão social. Temas que perpassam o cotidiano dos

brasileiros, que trazem discussões importantes sobre a influência da superestrutura

na tomada de decisões sobre os dilemas e angústias morais e existenciais de seres

humanos em uma busca diária pela sobrevivência. Está latente ainda o confronto

entre o morro e o asfalto ao retratar a vida na periferia sob uma perspectiva um tanto

quanto original, sem estereotipar ou vitimizar os personagens e sem perpetuar o

lugar-comum de que a favela é, necessariamente, o reduto da violência e da

criminalidade.

Como se percebe as preocupações do filmes estiveram presentes em grande

nos debates do encontro, bem como a sua abordagem para que se compreenda um

pouco mais a deplorável situação social do país, sem o confronto clichê entre morro

e asfalto.

Como o discurso é gerador de poder percebe-se na programação do encontro

nacional do NPC, como espaço de saberes que se articulam, a busca pela

conscientização e organização da luta contra-hegemônica por meio da comunicação

e da cultura, sem esquecer os temas estruturais que devem ser pauta do dia a dia

da classe trabalhadora.

A programação desta edição do encontro anual demonstra a coerência entre

discurso e prática em torno da construção de uma comunicação contra-hegemônica

da classe trabalhadora e dos movimentos sociais no Brasil diante de um modelo de

meios de comunicação de massa extremamente excludente. Demonstra também a

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54

necessidade da organização desse setor da sociedade na produção de seus meios

de comunicação, na reivindicação por um marco regulatório que permita maior

controle social sobre os meios comerciais de comunicação e ainda espaço para os

setores sociais que ainda não possuem voz ativa, tendo como horizonte a

comunicação como serviço público e como direito social. É nesse sentido que, desde

sua criação até, hoje o NPC atua.

Page 55: NPC: uma experiência de contra-hegemonia na comunicação brasileira

55

CAPÍTULO 6:

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A trajetória da mídia no Brasil, como instrumento de dominação sobre a

classe dominante efetivou um discurso hegemônico de que estes trabalhadores não

são sujeitos do processo de construção da sociedade. Esse discurso autoritário

ganhou resistência ao correr dos tempos, principalmente na classe trabalhadora, por

ser quem sofria os efeitos sociais, econômicos e culturais desse discurso-prática.

O processo mais recente da história brasileira de desmilitarização do

autoritarismo do Estado e do capital no Brasil serviu como ponta de lança para que

os movimentos sociais buscassem seus direitos e encontrassem em suas formas de

expressão por seus próprios meios de comunicação de massas, considerados até

então alternativos, como uma ferramenta poderosa de discurso contra-hegemônico.

Apesar de desiguais, em relação à força do Estado e da burguesia, essas

iniciativas culminaram na organização de setores progressistas em torno do tema

comunicação como um direito universal.

A partir de meados dos anos 1990 destaca-se a participação do Núcleo

Piratininga de Comunicação no sentido de fomentar esse direito e de praticá-lo

efetivamente no seio da população que até então não tinha acesso à produção da

sua própria comunicação como forma de expressão do seu discurso.

As mudanças construtivas na sociedade acabaram ocorrendo, de forma mais

ou menos ampla, por conta dos movimentos sociais e também pela atuação

intrínseca da comunicação contra-hegemônica nesse processo.

É notável no meio popular a importância da atuação do conjunto de

colaboradores do Núcleo Piratininga de Comunicação, em especial da jornalista

Cláudia Santiago e do escritor Vito Gianotti nessa construção.

O discurso de que a classe trabalhadora merece, necessita e é capaz de

produzir sua própria comunicação, de expressar de sua forma sua história, seus

sentimentos, angústias e desejos é marca constante nas ações do NPC. Libertar o

trabalhador, que como diz o Manifesto Comunista, “não tem nada a perder”, tem sido

a constante nas atividades do NPC, seja no seu encontro nacional ou nas outras

iniciativas levadas a todos os estados brasileiros.

Page 56: NPC: uma experiência de contra-hegemonia na comunicação brasileira

56

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58

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59

ANEXOS

ANEXO A

CONHEÇA O NPC

NPC — Quem somos

Somos um grupo de jornalistas, professores, formadores, ativistas sindicais e de movimentos sociais vindo de várias experiências, e residentes em vários estados do País. Nosso ponto de partida é a certeza de que sem comunicação não há possibilidade de os setores populares lutarem pela hegemonia na sociedade.

Acreditamos que os trabalhadores e os setores populares precisam aperfeiçoar-se constantemente em sua comunicação para alcançar seu objetivo de construção de uma nova sociedade. Apresentamos a esses grupos sociais nossos conhecimentos adquiridos por meio da nossa formação específica e da nossa prática social.

O que queremos

Melhorar a comunicação dos trabalhadores para construir um mundo com justiça e sem exclusão. Para isto criamos o Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC).

O que fazemos

Ministramos cursos ligados à área de comunicação sindical e popular e história dos trabalhadores.

Realizamos palestras/debates sobre temas da nossa ação; Produzimos jornais, cartilhas, revistas e livros destinados aos trabalhadores; Avaliamos e propomos mudanças em publicações sindicais; Fazemos planejamento na área da comunicação; Fazemos reportagens dentro e fora do Brasil; Promovemos cursos nacionais, anualmente, de atualização em comunicação; Criamos o Observatório da Imprensa Sindical, um arquivo de publicações sindicais de todos

os estados do país, produzidas na última década: jornais, cartilhas, revistas, vídeos e outros; Mantemos uma videoteca mínima com o objetivo de sensibilizar sobre a utilidade e

necessidade de se utilizar o vídeo.

Fonte: Extraído da página oficial do Núcleo Piratininga de Comunicação.

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60

Disponível em: <www.piratininga.org.br>

ANEXO B

PROGRAMAÇÃO DO 15º CURSO NPC 2009

Dia 11/11 - Quarta-feira

13h30 às 18h

Mídia, o verdadeiro partido da burguesia

Virginia Fontes (Introdução) - Professoras de História da UFF

José Arbex Jr. - Professor de Comunicação da PUC/SP

Pascual Serrano - Jornalista Le Monde Diplomatic e Site Rebellion

Ignácio Ramonet - Jornalista Le Monde Diplomatic em espanhol

18h às 20h30

Cultura brasileira e identidade nacional

Adelaide Gonçalves (Introdução) - Professora de História da UFCE

Renato Ortiz - Professor de Sociologia da Unicamp

Beatriz Vieira - Professora de História da UCAM

Adriana Facina - Professora de Antropologia UFF

Dia 12/11 - Quinta-feira

09h às 11h30

Mídia e resistência na América Latina hoje

Dênis Moraes - Professor de Comunicação da UFF

Altamiro Borges - Jornalista do Portal Vermelho

11h30 às 13h30

Comunicação de Resistência e Hegemonia

Vito Giannotti (Introdução) – Escritor e coordenador do NPC

Jocilene Chagas - Jornalista do Sintrajud/SP

Roberto Ponciano - Coordenador de Comunicação do Sisejufe/RJ

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Clomar Porto - Coordenador de Comunicação do Sindicato Metalúrgicos de Caxias

do Sul/RS

Representante do MST

15h às 18h

Mídia de Resistência: Revistas e Alternativas

Reginaldo Moraes (Introdução) - Professor de Política da Unicamp

Renato Rovai - Editor da Revista Fórum

Hamilton de Souza - Jornalista da Revista Caros Amigos

Alípio Freire - Jornalista do Jornal Brasil de Fato

Raimundo Pereira - Jornalista da Revista Retratos do Brasil

Dia 13/11 - Sexta-feira

09h às 11h

A mídia no Brasil: realidades regionais

Venício Lima - Professor de Comunicação da UNB

Christian Góes - Jornalista do Sindijor /SE

Nildo Oriques - Professor de Política da UFSC

11h às 13h

O direito à informação e a CONFECOM

Gustavo Gindre - Jornalista e integrante do Coletivo Intervozes

Marcos Dantas - Professor da UFRJ

Laurindo Leal - Ouvidor Geral da EBC e Professor de Comunicação da USP

14h às 16h30

Mídia e a criminalização da pobreza e dos movimentos sociais.

Cláudia Santiago - Jornalista e coordenadora do NPC

Gizele Martins Jornalista do jornal O Cidadão

Maurício Campos - Engenheiro e membro da Rede Contra a Violência

16h30 às 20h

Atualidade da batalha da mídia na América Latina hoje

Beto Almeida - Jornalista e Diretor da TV Sul

Shirlei Orozco - Jornalista e Cônsul da Bolívia

Editor de El Câmbio - Bolívia

Maria Lúcia Fattorelli - Auditoria Cidadã da Dívida

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62

Dia 14/11 – Sábado

Oficinas Opcionais

OFICINA 1 - Linguagem - Vito Giannotti

OFICINA 2 - Ilustração - Carlos Latuff

OFICINA 3 - Fotografia - Mário Camargo e João Zinclar

OFICINA 4 - Rádio comunitária - Arthur William

OFICINA 5 - Novas mídias e suas aplicações - Gustavo Barreto

OFICINA 6 - Cinema militante - Carlos Pronzato

OFICINA 7 - Infográficos - a definir

Dia 15/11 – Domingo

09h às 13h

Exibição do filme Linha de Passe (Cine Odeon)

Debatedores

Cláudia Santiago (Apresentação) - Jornalista e coordenadora do NPC

João Pedro Stédile - Coordenação do MST

MC Leonardo - MC e Presidente da Apafunk

Walter Moreira Salles - Cineasta e Diretor do filme Linha de Passe

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APÊNDICE

Entrevista realizada por Mário Camargo com Vito Giannotti em 2006

Como surgiu a idéia de construir o NPC?

Não é que teve uma ideia de formar o núcleo de comunicação. Na prática

nasceu da experiência minha de São Paulo, que durante vários anos estive na

direção da CUT e viajando, dando palestras sobre a CUT, sobre a história dos

trabalhadores e sempre falando muito da comunicação dos trabalhadores.

Naquela época já tinha escrito um ou dois livros sobre a comunicação dos

trabalhadores, porque era uma preocupação minha, desde que comecei a trabalhar

na fábrica eu via que a nossa comunicação estava muito falha. Os trabalhadores

repetiam o que a Globo falava. No começo da Globo, quando comecei a trabalhar

em São Paulo, eu estava impressionado com a penetração das mensagens da

Globo entre os trabalhadores e com a dificuldade enorme que nós tínhamos de fazer

penetrar nossas mensagens.

Sempre me preocupei com a linguagem. Nesse sentido, quando vim para o

Rio de Janeiro e me encontrei com a Cláudia Santiago, jornalista da CUT estadual,

evidentemente, essa preocupação aumentou muito. Essa preocupação existia do

lado da Cláudia Santiago, jornalista de uma instituição de trabalhadores muito forte

na época. Ela estava com as mesmas preocupações.

Dessa junção das duas preocupações nasceu a ideia de começar a fazer

algum curso, alguma palestra para explicar algumas ideias que tínhamos e que

poderiam dar dicas de como melhorar a comunicação dos trabalhadores. Ou melhor,

a comunicação dos sindicatos com seus trabalhadores na base e dos próprios

sindicatos e da central sindical com a sociedade.

Aí começaram a aparecer alguns esboços de curso. Os primeiros cursos

empíricos dados baseados na experiência da Claudia ou da minha. Começamos a

ser chamados em vários lugares do país.

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E quando foi isso?

Foi em 1993, início de 1994. Começamos a ser chamados para transmitir

essas ideias de como melhorar a comunicação dos trabalhadores. Pouco a pouco

isso começou a se estruturar e se transformou num grupo de pessoas, num núcleo,

porque éramos nós dois, eu e Cláudia no começo, mas desde o início começaram a

aparecer pessoas que tínhamos conhecido em cursos e que começaram a se ligar

muito nesses assuntos. E se criou quase uma comunidade de interesses e aí se

criou e nós pensamos em criar alguma coisa mais estável, definitiva, que seria um

núcleo de comunicação que chamamos de Piratininga.

Um nome indígena que lembrava São Paulo, de onde eu vinha, e que era um

nome universal da língua Tupi que pegava desde a Bahia até o Paraná. Um nome

sem grande significado. Para nós o nome não tinha importância nenhuma porque o

importante era que existia um grupo de pessoas preocupadas com a comunicação

dos trabalhadores.

Mas o nome tem alguma relação com a Escola Piratininga, em São

Paulo?

Eu também tinha participado da Escola Piratininga, em São Paulo. Mas só

pegamos o nome na verdade. São campos completamente diferentes. A escola de

São Paulo era voltada para a formação profissional e até política. E nós passamos

justamente ao aspecto comunicação. Não tinha nada a ver. Às vezes mais a

saudade, a proximidade histórica. Mas, do ponto de vista do conteúdo éramos

completamente diferente.

Em que ano o NPC se consolidou enquanto núcleo?

A partir de 1995 nós começamos a andar o Brasil todo. Fomos chamados no

Nordeste, no Sul. Rio Grande do Sul, Recife, me lembro muito bem em Sergipe. Em

vários estados, e rapidamente se espalhou a voz que havia um grupo, um núcleo

que era muito útil chamá-los para melhorar sua própria comunicação. Então

começamos a ser chamados em vários estados do país e aí nós tivemos que

assumir uma pessoa jurídica e ficamos um ano tentando definir que pessoa jurídica

assumiríamos.

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65

Nos constituímos como uma organização não governamental, embora sem

nenhuma paixão por muitas organizações não governamentais, as quais temos

fortíssimas críticas. Mas, ao mesmo tempo, não queríamos nos constituir como uma

empresa patronal. A forma que achamos mais adequada foi a organização não

governamental, que é tudo. O Palmeiras, o clube Palmeiras, o Corinthians é uma

organização não governamental, o Flamengo. Quer dizer, ou é do governo ou não é

do governo. Como não éramos do governo, nem queríamos ser, pegamos esse

nome sem fins lucrativos.

Nós tivemos uma decisão política interessante de viver do nosso trabalho, do

nosso serviço. Nós cobraríamos o serviço que faríamos. Vimos os preços do

mercado e tentamos adequá-los à capacidade que nós tínhamos e às necessidades

que nós tínhamos de sustentar uma pequena estrutura e aí cobrar os serviços o

suficiente para nos sustentar. Não dava para acumular nada, mas ao final dava para

se sustentar, nossas atividades de publicações, viagens.

No começo o NPC não era tão amplo. Qual era o foco principal das

atividades do núcleo?

Pouco a pouco, cada ano que passava, se incorporava um grupo, diria, de

amigos. Acabavam se incorporando pessoas como você, que era de Campinas, que

fez vários cursos, condizia das ideias do núcleo, junto com você outras pessoas do

Rio Grande do Sul, de Sergipe, do Maranhão, do Rio de Janeiro.

Então, pouco a pouco, se criou uma equipe, um núcleo. Formalmente, do

ponto de vista jurídico, as pessoas não estavam fazendo parte da estrutura, porque

a estrutura era mínima. O mínimo exigido pela burocracia estatal para pagamento de

impostos, etc. Mas, do ponto de vista de ideias, ideologia, ideais, era um grupo de

pessoas que conviviam e tinham uma forte afinidade. Isso foi a partir de 1997.

Outra coisa interessante é que nós criamos um curso mais centralizado, um

curso anual, fora os cursos nos vários estados, curso anual por quê?, Porque

acontecia uma vez por ano. Não teve nenhuma mágica nisso. E vinha gente de dez,

vinte estados para participar desse curso. E nesse curso anual, rapidamente, a

gente convidada cinco, seis, sete pessoas além das pessoas do núcleo. Pessoas de

fora. Personalidades da área acadêmica de comunicação, ou jornalistas de renome

como Ricardo Kotscho, Bernardo Kucinski, José Luis Proença. Alguns escritores de

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66

livros como Orival Chinen. Tudo isso para propiciar aos que vinham participar, o

melhor.

E aí então as ideias foram se definindo. As ideias andaram se enriquecendo

muito à medida que nós fazíamos dez, vinte, trinta cursos por ano. Em cada curso

existiam jornalistas, estudantes de jornalismo, professores de comunicação e

militantes ativistas da comunicação. Em cada curso a gente pegava uma riqueza

enorme de ideias, sugestões, propostas que nós íamos incorporando. Acho que a

nossa grande virtude foi saber incorporar ideias que andavam espalhadas pelo

Brasil afora com as quais nós tivemos contato, devido a essas viagens, a esses

cursos regionalizados. Nós incorporamos e criamos um conjunto de ideias que está

muito claro.

E qual é esse conjunto de ideias?

A primeira grande ideia é a de que os trabalhadores têm direito a ter a sua

comunicação. Ou seja, a fazer sua comunicação. Romper com a amarra de

proibições legais, de censura, combate a qualquer imposição externa,

governamental e, ao mesmo tempo, romper as amarras internas. Ou seja, além de

ter o direito a ter sua comunicação, de fazer sua comunicação, os trabalhadores têm

o direito de entender a comunicação feita para ele; a comunicação que os sindicatos

fazem para ele, que a sociedade, a universidade, os estudiosos, os jornalistas

produzem para os trabalhadores.

Por quê? Nós descobrimos muito rapidamente que muitas vezes a

comunicação que é feita para os trabalhadores é deixada numa caixa

hermeticamente fechada, bloqueada e os trabalhadores não conseguem chegar

dentro por várias razões. Uma das mais graves, sobre a qual escrevemos dois, três

ou quatro livros e damos palestras e organizamos cursos, é a linguagem.

Uma das ideias básicas nossa é que a linguagem para os trabalhadores deve

ter uma linguagem adequada. Adequada a quê? Ao seu nível de escolaridade. Não

falo nível cultural. A tragédia da comunicação dos trabalhadores é que o trabalhador,

em média, há várias estatísticas que mostram isso da Fiesp, do Senai, do IBGE, na

sua maioria tem uma escolaridade extremamente baixa no Brasil. A média de

escolaridade do trabalhador no Brasil não chega a seis anos de presença nos

bancos escolares. Ou seja, quem tem quatro, cinco ou seis anos de escola tem uma

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dificuldade infernal de entender a palavra infernal. A linguagem de quem tem o

terceiro ano é absolutamente diferente de quem tem o terceiro grau. Essa é uma das

nossas obsessões em todos os cursos que nós demos.

Essa é uma das grandes barreiras para a comunicação dos

trabalhadores?

É uma grande barreira. No último livro que nós escrevemos, fruto de uma

discussão coletiva, é a Muralha da Linguagem. A linguagem é uma muralha que

impede o Zé Povinho de entrar nos assuntos que nós queremos que ele entre.

Você fala que a linguagem impede os trabalhadores de compreender

esses assuntos. Mas quais são eles. Qual é a pauta tratada pela comunicação

dos trabalhadores?

Outro grande dogma nosso é a pauta dos trabalhadores, primeiramente, com

um profundo senso político. Nós temos que fazer uma comunicação para disputar a

hegemonia da sociedade. Nós não fazemos comunicação neutra, para informar,

para deleitar os trabalhadores. Nós fazemos uma comunicação de combate, de

batalha, de guerra, de luta. Ou seja, uma comunicação para ganhar a visão dos

trabalhadores. Nós queremos dialogar, discutir, conversar. Mas queremos

apresentar uma outra proposta de mundo, uma outra proposta de sociedade. Ou

seja, nós temos que ter uma pauta que responda a esse objetivo político. Uma pauta

que dispute a hegemonia.

Nesse sentido, tem que ser uma pauta ampla, que interesse ao trabalhador.

Que o trabalhador sinta-se atraído por ela. Uma pauta que fale da vida, dos filhos,

da educação, do namoro, da escola, da diversão, de tudo. E que fale nitidamente

qual a nossa visão de sociedade que queremos; que direitos o trabalhador tem, qual

a visão que temos sobre a luta dos trabalhadores. Tudo isso ligado aos interesses

mais gerais dele pela educação dos filhos, pela cultura de seus filhos, pelo direito

que ele tem de uma informação decente na televisão, pelo direito ao lazer, pela

liberdade, porque não existe democracia nenhuma para os trabalhadores. Isso é

uma ficção. É uma fantasia que se repete a cada eleição. Isso é uma grande

mentira. Nós queremos que haja uma democracia sim. E, em todas as mensagens

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do Núcleo, nas entrelinhas, ou às vezes declarado, existe uma perspectiva nítida,

clara, de construção de uma sociedade socialista.

Nós achamos que a perspectiva dos trabalhadores só tem sentido se destruir

esta sociedade, ou seja, as raízes, os fundamentos ideológicos, políticos,

econômicos, estruturais da sociedade. Construir uma outra sociedade a serviço da

classe trabalhadora, que é a imensa maioria da população.

O NPC faz então uma comunicação de classe?

Uma comunicação de classe a serviço da classe. Do combate da classe

contra a outra classe, a classe exploradora, opressora, dominadora. Essa é a

mensagem do núcleo colocada em todas as linhas do que o Núcleo escreve, do que

ele fala, do que divulga.

Uma outra ideia chave, conclusão de tudo isso, é a de que a comunicação

não é neutra. Nós somos violentamente contra as ilusões semeadas nas escolas de

comunicação pela burguesia, pela direita. Por professores que foram de esquerda,

iludidos pela quimera de uma sociedade harmônica, justa, que viva democracia. Nós

dizemos que não existe neutralidade.

A comunicação, estamos preparando o décimo segundo curso anual. O tema

para o décimo segundo curso que já foi discutido entre umas dez ou doze pessoas é

“Mídia para a Manipulação das Consciências e sua Fusão com o Estado”. Estamos

denunciando que a mídia que está aí, não que a nossa mídia tem que ser para

manipular. Estamos denunciando que não há nenhuma neutralidade na Veja, na

Folha de São Paulo, na Rede Globo, em todo esse aparato.

A mídia existe, a mídia patronal, a mídia burguesa, a mídia empresarial, é

assim que nós chamamos em todas as palestras, em todos os papos, essa é uma

mídia para manipular as consciências. E é totalmente integrada ao Estado.

Nós temos que ter uma mídia de esquerda, seja nos sindicatos, seja no

movimento popular para contrapor essa mídia empresarial, a chamada “Grande

Imprensa”. Para nós é grande no sentido que tem dinheiro. A Fiesp tem mais

dinheiro do que os movimentos populares. Mas nós não a chamamos de “Grande

Imprensa”, nós a chamamos de mídia empresarial, mídia patronal, a mídia burguesa.

Dependendo, uma expressão está mais usada do que outra. Mas o sentido é esse: a

mídia do sistema que está aí é uma mídia para manipular, para controlar, para

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condicionar as consciências e é uma mídia absolutamente fundida com o Estado.

Não é um quarto poder. Achamos ridícula a definição de quarto poder. Ela é o poder,

intimamente fundido. Isso de 1970 para cá. Antes era o quarto poder. Hoje é parte

essencial do poder. É como o sangue, Não existe o corpo sem o sangue. O cérebro

é uma parte do corpo. Mas tira as veias para ver o que sobra. Tira a mídia do Estado

e você não tem mais Estado.

Qual é a linha mestre dos temas que o NPC tem utilizado nos cursos

nestes dez anos?

O ano passado o tema era “Uma Comunicação de Esquerda para o Brasil de

Hoje”. É óbvio que é uma esquerda plural, esquerda sindical, esquerda popular. Não

é uma esquerda de partido A ou B. Partido cada um escolhe o seu. Mas tem uma

definição do que é uma comunicação de esquerda. Uma comunicação que defenda,

por exemplo, a Reforma Agrária. Que defenda o direito de todos os trabalhadores de

ter acesso à universidade. Uma imprensa de esquerda que defenda o direito dos

trabalhadores de ter seus veículos de comunicação financiados. E não unicamente o

Estado, o sistema, o poder, financiar a Globo através das suas propagandas ou das

subvenções ou dos abonos, das renúncias fiscais.

Nós queremos que os trabalhadores estejam em pé de igualdade com a

grande mídia que está aí. No mínimo, em pé de igualdade para começar. Depois nós

queremos muito mais. Os trabalhadores são 90% da população. Nós queremos a

democratização da mídia.

Nós não usamos essa expressão, é uma grande ilusão. Como bandeira é

bonito. É uma expressão simpática, mas não passa de uma ilusão. Não existe

democratização da mídia possível neste sistema. Neste sistema é a democracia da

Fiesp, a democracia da UDR, a democracia de quem tem o dinheiro, de quem tem o

poder. Nós precisamos mudar o poder para poder democratizar.

Enquanto isso, vamos apresentar projetos de lei que não vão passar, que vão

ser torpedeados, que vão ser comprados pelos deputados. E vamos lutar. Ao

mesmo tempo em que lutamos no Parlamento para conseguir que aqueles

corruptos, os 70% de bandidos do parlamento, para tentar que eles sejam

enganados ou comprados para votar algum projeto. Mas enquanto isso, vamos lutar

para mudar esse Parlamento de cabo a rabo. Torná-lo um instrumento obsoleto e

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implantar as assembleias populares, o poder popular no lugar desse instrumento

burguês, que é o Parlamento da Revolução Francesa.

Gostaria que você fizesse uma comparação rápida entre a comunicação

burguesa e a comunicação de esquerda hoje.

É triste. A comunicação de esquerda é um desastre. Para começo de

conversa. Me cita um jornal de esquerda hoje no Brasil? Não tem nenhum. Nenhum

jornal de esquerda. Existem alguns pequenos semanários. Existe o Brasil de Fato,

um jornal heróico. Eu sou fanático defensor do Brasil de Fato. Mas está com a

situação econômica catastrófica. Diminuiu o seu volume, de dezesseis páginas para

oito e não tem um financiamento público. Tem que ter. Financiamento público que

amarre. O Brasil de Fato é um semanário, mas com alcance muito pequeno.

Insignificante num Brasil de 187 milhões de habitantes.

Temos outras revistas mensais, como Caros Amigos, com 25 ou 30 mil

exemplares. Mensal, já é um desastre. Não informa ninguém. É velha, recozida. Mas

quebra o galho. Tem uma informaçãozinha razoável. Mas não atende minimamente

a uma disputa de hegemonia. Fora isso, temos pequenos jornais de grupos políticos,

com três ou quatro mil exemplares.

A imprensa sindical já foi um grande instrumento. Na década de 90 foi um

instrumento fortíssimo para influenciar os trabalhadores na luta contra o

neoliberalismo. A imprensa sindical entrou em crise junto com o sindicalismo na

década de 90, que caiu com a sua combatividade e seu enfrentamento com o

sistema e com o empresariado. A imprensa sindical também andou diminuindo de

número, de frequência, se empobrecendo na pauta, mas até 2002, até a eleição do

Lula, a imprensa sindical teve uma presença forte no Brasil.

Acho que foi um dos fatores que influenciaram muito na eleição do Lula.

Levou milhões de votos através da repetida propaganda de uma nova perspectiva,

uma nova esperança. Com a eleição do Lula, houve uma crise no movimento

sindical, crise que já existia, uma crise de identidade, de linha política, que acabou

se agonizando e ficou crônica, aguda e explosiva. A grande crise se configurou em

como defender a independência frente a um governo que foi eleito pelos

trabalhadores. Alguns diziam que o grande perigo era se tornar adesista, outros

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diziam que era se isolar da massa e não apoiar o nosso governo. Um governo que

seria nosso porque fomos nós que elegemos, entre aspas.

Nessa conjuntura, nessa situação, o sindicalismo entrou em uma crise cada

vez maior. Se dividiu, se rachou. Hoje você encontra sindicalistas que estavam na

mesma diretoria, no mesmo lado, dividido em três blocos diferentes, em três centrais

diferentes, outros que não estão em central nenhuma, todos se digladiando. E a

imprensa sindical reflete esse momento. Muito mais enfraquecida. Existe alguma

imprensa sindical até bonita, que é de um adesismo tremendo e uma falta de crítica

ao governo absurda e outra imprensa que fica histericamente só atacando o governo

sem analisar o conjunto da situação. Mas as duas acabam sendo muito parciais.

Muito enfraquecidas. E hoje a imprensa sindical tem uma função muito menor do

que teve até 2002. Pode voltar a ter em outra situação, em outro momento. Mas

agora está muito difícil.