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1 O DESENHO UNIVERSAL NO PROCESSO DE PROJETO EM ARQUITETURA Núbia Bernardi, Doris C.C.K. Kowaltowski, Ana Paula Silva da Costa & Claudia Maria Martin RESUMO Esse artigo aborda a importância da implementação dos conceitos do Desenho Universal (DU) no processo de projeto em arquitetura. Apresenta-se uma discussão dos impactos destes conceitos sobre a própria arquitetura e o seu processo de criação. A introdução dos aspectos da acessibilidade no ensino de projeto atualmente faz parte das boas práticas pedagógicas. No entanto muitas experiências mostram que o processo de projeto tradicional e profissional ainda resiste ás modificações necessárias, tanto de atitudes quanto de procedimentos. Uma experiência de uma disciplina de pós-graduação é apresentada que culminou em uma Charrete de Projeto para aprofundar e ilustrar a fundamentação teórica do impacto do DU em metodologias de projeto. A Charrete tinha como objetivo principal adotar os conceitos da acessibilidade como base de projeto e discutir o impacto destes conceitos sobre a estética e funcionalidade de um projeto de “Poupa Tempo” (Edificação de Centro de Serviços ao Cidadão). O exercício também teve por objetivo discutir métodos de apresentação de projetos de arquitetura para pessoas deficientes, de modo a estimular sua participação no processo de projeto e a obter informações importantes para melhoria da qualidade projetual. Foi adotado o processo participativo através de uma apresentação da Charrete à usuários deficientes visuais, cadeirante, e usuário sem deficiência, com a utilização de maquetes táteis e áudio visuais. Conclui-se que a metodologia aplicada obteve resultados positivos ao processo e entendimento do projeto, porém a experiência também demonstrou que o processo de projeto para incluir os conceitos do DU de maneira abrangente e profunda necessita de inclusão de dinâmicas que estimulem a pesquisa-ação em todas as fases de projeto (análise, síntese e avaliação). PALAVRAS-CHAVE: Desenho Universal, Processo de Projeto em Arquitetura. INTRODUÇÃO São recorrentes as preocupações de pesquisadores com relação à adequação do processo de trabalho dos arquitetos às novas demandas exigidas em termos projetuais. Os grandes avanços tecnológicos e as mudanças globais, sociais e econômicas que ocorreram nas últimas décadas influenciam diretamente os trabalhos realizados na área da arquitetura, aumentando a complexidade e a exigência quanto à qualidade final dos edifícios em geral (KOWALTOWSKI et al., 2006). Exige-se uma nova postura profissional, capaz de lidar de forma mais responsável e sensível às situações específicas, que incluem diversos fatores, como por exemplo, os relativos ao impacto ambiental, à sustentabilidade, à acessibilidade plena, entre tantos outros importantes no processo de projeto atual (DELIBERADOR, 2010). Para fomentar o debate sobre a inclusão da acessibilidade no processo de projeto é interessante permear alguns aspectos da formação de arquitetos. A discussão deve inclui uma abordagem sobre a vivência no ateliê de arquitetura e como as atividades desenvolvidas neste ambiente contribuem para a formação acadêmica e profissional, diante das atuais exigências humanas e ambientais, gerando atitudes que têm reflexo direto na postura profissional quando da adoção de determinadas tipologias arquitetônicas. Nesse sentido, busca-se através desse artigo a discussão da inserção do parâmetro de acessibilidade no processo de projeto atual. Tem-se como objetivo uma discussão do processo que resulta em uma atuação democrática, através da aplicação dos conceitos de Desenho Universal. Sabe-se que esta forma de normatizar e responder às necessidades diferenciadas faz parte de um processo longo onde ainda tem-se muito a aprender e realmente atuar, apesar de já serem observadas iniciativas e conscientizações nesse sentido. O PROCESSO DE PROJETO EM ARQUITETURA Existem diversas maneiras de descrever o processo de projeto arquitetônico e como esse interfere na qualidade e produção do edifício o espaço urbano (BROADBENT, 1973). Autores como Barber e Hanna (2001), Vries e Wagter (1991) e Lawson (2005) mostram que o processo de projeto

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O DESENHO UNIVERSAL NO PROCESSO DE PROJETO EM ARQUITETURA

Núbia Bernardi, Doris C.C.K. Kowaltowski, Ana Paula Silva da Costa & Claudia Maria Martin

RESUMO Esse artigo aborda a importância da implementação dos conceitos do Desenho Universal (DU) no processo de projeto em arquitetura. Apresenta-se uma discussão dos impactos destes conceitos sobre a própria arquitetura e o seu processo de criação. A introdução dos aspectos da acessibilidade no ensino de projeto atualmente faz parte das boas práticas pedagógicas. No entanto muitas experiências mostram que o processo de projeto tradicional e profissional ainda resiste ás modificações necessárias, tanto de atitudes quanto de procedimentos. Uma experiência de uma disciplina de pós-graduação é apresentada que culminou em uma Charrete de Projeto para aprofundar e ilustrar a fundamentação teórica do impacto do DU em metodologias de projeto. A Charrete tinha como objetivo principal adotar os conceitos da acessibilidade como base de projeto e discutir o impacto destes conceitos sobre a estética e funcionalidade de um projeto de “Poupa Tempo” (Edificação de Centro de Serviços ao Cidadão). O exercício também teve por objetivo discutir métodos de apresentação de projetos de arquitetura para pessoas deficientes, de modo a estimular sua participação no processo de projeto e a obter informações importantes para melhoria da qualidade projetual. Foi adotado o processo participativo através de uma apresentação da Charrete à usuários deficientes visuais, cadeirante, e usuário sem deficiência, com a utilização de maquetes táteis e áudio visuais. Conclui-se que a metodologia aplicada obteve resultados positivos ao processo e entendimento do projeto, porém a experiência também demonstrou que o processo de projeto para incluir os conceitos do DU de maneira abrangente e profunda necessita de inclusão de dinâmicas que estimulem a pesquisa-ação em todas as fases de projeto (análise, síntese e avaliação).

PALAVRAS-CHAVE: Desenho Universal, Processo de Projeto em Arquitetura.

INTRODUÇÃO São recorrentes as preocupações de pesquisadores com relação à adequação do processo de trabalho dos arquitetos às novas demandas exigidas em termos projetuais. Os grandes avanços tecnológicos e as mudanças globais, sociais e econômicas que ocorreram nas últimas décadas influenciam diretamente os trabalhos realizados na área da arquitetura, aumentando a complexidade e a exigência quanto à qualidade final dos edifícios em geral (KOWALTOWSKI et al., 2006). Exige-se uma nova postura profissional, capaz de lidar de forma mais responsável e sensível às situações específicas, que incluem diversos fatores, como por exemplo, os relativos ao impacto ambiental, à sustentabilidade, à acessibilidade plena, entre tantos outros importantes no processo de projeto atual (DELIBERADOR, 2010).

Para fomentar o debate sobre a inclusão da acessibilidade no processo de projeto é interessante permear alguns aspectos da formação de arquitetos. A discussão deve inclui uma abordagem sobre a vivência no ateliê de arquitetura e como as atividades desenvolvidas neste ambiente contribuem para a formação acadêmica e profissional, diante das atuais exigências humanas e ambientais, gerando atitudes que têm reflexo direto na postura profissional quando da adoção de determinadas tipologias arquitetônicas.

Nesse sentido, busca-se através desse artigo a discussão da inserção do parâmetro de acessibilidade no processo de projeto atual. Tem-se como objetivo uma discussão do processo que resulta em uma atuação democrática, através da aplicação dos conceitos de Desenho Universal. Sabe-se que esta forma de normatizar e responder às necessidades diferenciadas faz parte de um processo longo onde ainda tem-se muito a aprender e realmente atuar, apesar de já serem observadas iniciativas e conscientizações nesse sentido.

O PROCESSO DE PROJETO EM ARQUITETURA Existem diversas maneiras de descrever o processo de projeto arquitetônico e como esse interfere na qualidade e produção do edifício o espaço urbano (BROADBENT, 1973). Autores como Barber e Hanna (2001), Vries e Wagter (1991) e Lawson (2005) mostram que o processo de projeto

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arquitetônico apresenta características mais ou menos comuns, e para Vries e Wagter (1991) essas características são: processo mal estruturado, processo em aberto, e falta de um ponto de partida comun.

Um processo de projeto arquitetônico é mal estruturado por que a maioria dos problemas é mal definido, ou seja, os fins e os meios das soluções são desconhecidos e externos ao problema, pelo menos no seu conjunto. Embora as características do problema (como tempo, esforço, requisitos) possam ser claros, grande parte da atividade de resolução de problema se dá por definições e redefinições pouco explícitas. Na impossibilidade de descrever os passos que irão levar a uma solução bem sucedida de problema de projeto os arquitetos criam soluções e então verificam se essas satisfazem às condições colocadas pelo problema. Para Rittel (1995) há problemas de projeto tão mal definidos que podem ser chamados de perniciosos. Assim, fica difícil prever soluções para resolver um problema de projeto. Apenas para pequenas partes do projeto, que apresentam número limitado de restrições, é possível se chegar a soluções mais definitivas. Por outro lado, Vries e Wagter (1991) mostram que projetistas experientes têm conhecimento prévio sobre procedimentos executados em um grande número de soluções e sobre os seus sucessos e fracassos. Esses podem utilizar o conhecimento na definição de novas soluções que resolvam problemas de projeto parecidos. Esta capacidade de identificar, controlar e variar o processo de projeto é uma das principais habilidades que um projetista deve desenvolver.

Os projetistas iniciam o processo de projeto sem saber exatamente como será a morfologia do que eles vão projetar. Por meio da otimização de um grande número de restrições e requisitos parcialmente conflitantes o processo de projeto evolui em busca da “solução ideal”. Pelo fato de partir de um “problema pernicioso” não se pode dizer que um alcançou uma solução definitiva, mas sim, que pode ser sempre melhorado. Dificilmente um projetista acaba um projeto por não conseguir melhorá-lo, mas, quase sempre, por causa de um prazo final ou de uma condição do orçamento (LAWSON, 2005).

A terceira característica comum de um processo de projeto arquitetônico é que ele não tem um ponto de partida. Em geral, começa-se com alguns esboços, na tentativa de dispor um edifício num sítio. O projetista estabelece algumas conjecturas de projeto sobre objetivos do partido, volumetria, aparência e perfil do uso, para servirem de base, e as aperfeiçoa. Depois, avalia e confirma, nega, ou aponta outros caminhos para a solução. Ao invés de um ponto inicial ou um ponto final Lawson (2005) considera que o processo de projeto é, acima de tudo, ação para mudar o ambiente de alguma forma. Assim, o contexto principal do trabalho do arquiteto esta na sua ação.

Para minimizar o problema de imprecisão e incompletude inerente ao processo arquitetônico, há duas técnicas muito usadas por projetistas de arquitetura: reduzir o número de requisitos para um nível aceitável, e sobrepor princípios de ordenação de projeto. Acrescidas a estas características do processo de projeto arquitetônico, Lawson (2005) mostra que esse também envolve a subjetividade, o julgamento e a descoberta, por ser uma atividade prescritiva e de criação. Essas, portanto, também são características que deve ser consideradas nas investigações em processo de projeto.

Durante a década de 1950, arquitetos e engenheiros atentos ao panorama científico procuravam aplicar novas técnicas ao desenvolvimento do projeto para melhorar a qualidade do processo e dos seus produtos. Destes esforços nasce o movimento dos métodos de projeto (Design Methods). Vários autores distinguem diferentes fases que caracterizaram a evolução do movimento dos Deisgn Methods (BAYAZIT, 2004, CROSS, 1984, VAN DER VOORDT; VAN WEGEN, 2005). Os métodos propostos pela primeira geração se caracterizavam pela sistematização de um processo de três fases – a análise, a síntese e a avaliação – e eram baseadas, principalmente, nas técnicas de Pesquisa Operacional. Ao identificar a primeira geração dos métodos de projeto, Rittel propôs uma segunda geração, que se caracterizava por considerar, nas decisões de projeto, o envolvimento do usuário e os seus objetivos (BAYAZIT, 2004). Na década de 1980 a abordagem dos Design Methods mudou novamente, e o projeto passou a ser visto como uma ciência específica e não precisava mais procurar argumentos nos princípios da filosofia da ciência (CROSS, 2002).

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Durante seu desenvolvimento, os Design Methods repercutiram em áreas diversas e deram origem a importantes contribuições, como a avaliação pós-ocupação, o programa arquitetônico, o Design Thinking, a inteligência artificial e a aplicação de técnicas computacionais para solucionar problemas de projeto e compor as formas dos objetos. Todas as transformações pelas quais os métodos de projeto passaram nos últimos anos contribuíram para estabelecer o assunto como uma disciplina independente, capaz de influenciar a própria ciência.

No Brasil, os Design Methods não tiveram expressiva repercussão na atividade profissional dos escritórios de projeto, influenciaram pouco os programas de ensino ou pesquisa das escolas de engenharia e arquitetura. Alguns prováveis motivos desta indiferença são que as primeiras instituições de ensino de arquitetura basearam-se no modelo da École de Beaux Arts, mantendo-se até hoje em muitas escolas que incentivam a formação artística do arquiteto. Como conseqüência, observam-se a falta de consenso na definição de uma estrutura do processo de projeto e forte procedimento de tentativa e erro na concepção em arquitetura (CELANI, 2003)

O ENSINO DE PROJETO Segundo a Carta da UIA/UNESCO (1996) o ensino de arquitetura pressupõe um contínuo aprendizado através da interação entre prática e ensino, e a existência de métodos educativos variados contribui para o enriquecimento cultural. A prática do ensino no ateliê de projeto responde às diretrizes da UIA no quesito da aprendizagem interativa entre aluno e professor e permite o desenvolvimento de habilidades e aplicação de conhecimento adquiridos em outras disciplinas do currículo (LANCHOTI, 1998). Segundo Schön (2000, pg 97) “os ateliês de projeto baseiam-se em um tipo particular de aprender fazendo”. O estudante aceita o desafio do tema e a experimentação gera novos problemas que serão resolvidos na discussão recíproca com o instrutor. Esta metodologia adotada nas aulas de projeto demonstra o caráter de interatividade que ocorre no ateliê na qual o estudante não tem respostas prontas, ele precisa desenvolver o projeto através da reflexão. É o processo denominado de “reflexão-na-ação” onde o ensino ocorre de maneira prática e através do diálogo entre estudante e instrutor, utilizando instrumentos próprios da linguagem arquitetônica (desenhos e maquetes) e que viabilizam este diálogo. Mas este processo não é linear e tampouco fácil, pois estão inseridos fatores individuais que influenciam na interpretação dos dados e premissas.

A interação entre prática e ensino vem sendo criticamente discutida quanto aos rumos que pode tomar. O ensino do projeto arquitetônico ainda apresenta dificuldades na construção do conhecimento necessário do futuro projetista, principalmente o que se refere ás questões humanas, das necessidades pessoais de usuários (SALAMA, 1995). Rufinoni (2002) afirma que a visão tradicional do atelier acarreta na maior parte das vezes na “inexistência (ou precariedade) de instrumentos pedagógicos que possibilitem o desenvolvimento da consciência critica e ética do estudante frente à produção arquitetônica, e consequentemente, à sua futura atuação profissional”. Para Jeffries (2007), também o desenvolvimento da educação superior forçou os educadores a refletir sobre os métodos de ensino em uso nos ateliês e aspirar por novos valores, especialmente baseados no pensamento criativo.

Kowaltowski et al (2006b) levantou seis diferentes propostas metodológicas para o ensino de projeto arquitetônico no ateliê: 1. o ensino com base no ateliê onde se indica apenas o tema do projeto; 2. ensino baseado no ateliê onde se indica e discute o programa de necessidades e o local do projeto; 3. o ensino que utiliza um problema real com participação de usuários com base na análise de uma situação e proposta de programa, local e solução arquitetônica; 4. o ensino que combina teoria da arquitetura com prática de projeto; 5. o ensino que utiliza métodos específicos de geração da forma ou linguagem arquitetônica (como o uso da informática durante o processo, por exemplo); 6.o ensino que utiliza mídias específicas (maquetes reais ou virtuais, por exemplo). Cada uma destas metodologias terá um impacto no desenvolvimento do aluno e a pesquisa mostrou uma análise comparativa entre cada proposta a partir de seis critérios: vantagens, desvantagens, capacidade de aprendizado, nível do curso para aplicação, expectativas do instrutor e avaliações e testes. A prática número dois (discussão do programa de necessidades e local) é amplamente utilizada nas escolas de arquitetura, embora de maneira não igualitária pois muitas vezes o programa é colocado de forma rígida e em nada contribui para realimentar o processo do projeto, “restringindo a capacidade criativa de investigação” (KOWALTOWSKI,

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2006b, pg 606) A prática número três tem sido utilizada principalmente quando o assunto é trabalhar a acessibilidade no projeto, mas ainda tem-se uma metodologia que utiliza situações simuladas (de ambientes ou pessoas) e deve-se atentar para o fato de não criar falsas expectativas no usuário real quanto à resolução de problemas específicos e individuais.

OS PRINCÍPIOS DO DESENHO UNIVERSAL A idéia de um Universal Design surgiu após a Revolução Industrial, decorrente do questionamento ao processo de massificação de produção, principalmente na área imobiliária. A concepção de conforto está fortemente ligada a fatores pessoais, ou seja, relacionado às características físicas individuais, reestruturando e recriando o conceito do “homem padrão” (CAMBIAGHI; CARLETTO, 2008). O conceito de Desenho Universal considera a diversidade humana, respeitando as diferenças existentes entre as pessoas e garantindo a acessibilidade a todos os espaços do ambiente (SILVA; LUCENA; FERNANDES; VARANDAS; CUETO, 2008).

Historicamente, pode-se dizer que essa discussão sobre acessibilidade ainda é bastante recente. É a partir do séc. XX, mais especificadamente a partir dos anos 60, que a discussão sobre essa temática torna-se mais freqüente, apresentando a possibilidade de igualdade de oportunidades para as pessoas deficientes, fazendo surgir uma nova demanda por projetos acessíveis. Apenas em meados dos anos 80 iniciou-se um debate popular sobre acessibilidade no Brasil, surgindo leis, decretos e documentos técnicos que visavam à garantia do direito de acessibilidade ao meio físico, às pessoas portadoras de deficiência. Em 1985 é publicada a primeira norma técnica brasileira sobre Adequações das Edificações e do Mobiliário Urbano à pessoa deficiente – a NBR 9050:1985 e em 1994 é publicada uma nova revisão desta norma (PRADO; LOPES; ORNSTEIN, 2010). Em junho desse mesmo ano, a Declaração de Salamanca (surgida após a Conferência Mundial sobre "Educação de necessidades Especiais: Acesso e Qualidade") tratou da inclusão na educação, surgindo assim o direito de exigir sua inclusão em todos os aspectos da vida em sociedade e em 1999 foi realizada a Convenção de Guatemala - Convenção Interamericana para a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra Pessoas com Deficiência.

A introdução dos conceitos da acessibilidade no ensino de projeto arquitetônico na maioria das escolas de arquitetura acontece através das discussões de projeto e o atendimento das propostas aos diversos leis e normas. As propostas educativas têm como premissas aprimorar a formação de profissionais de projeto através da inclusão dos princípios do Desenho Universal nas disciplinas de projeto, sensibilizar quanto aos limites pessoais, ampliar a percepção para o uso do espaço, conscientizar para as responsabilidades profissionais e sociais, introduzir atividades acadêmicas direcionadas às questões da acessibilidade e pesquisar novas metodologias de ensino que incluam o Desenho Universal no processo de projeto. Vários métodos de ensino já foram testados que mostram resultados ainda aquém dos esperados e desejados (WELCH, 1995; Lanchoti , 1998; BINS DCAAT e UOIT, 2003; Duarte & Cohen, 2003; ELY et al, 2004; Santos, 2004; Cambiaghi, 2004). Por exemplo a maioria dos experimentos pedagógicos inclui a atividade de colocar o aluno no papel das várias deficiências como meio de sensibilizar o futuro profissional ás necessidades especiais. Mesmo esta tática, considerada importante no entanto não é suficiente para criar novas práticas de projeto com maior responsabilidade social e humana (Bernardi & Kowaltowski, 2010) .

EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA Dada a importância e atualidade desse tema, em um contexto social onde a demanda por espaços considerados “universais” é constante e crescente, como exercício da discussão sobre a acessibilidade em projetos de arquitetura, as autoras participou de uma disciplina de pós graduação, que se propôs a avaliar a importância do tema, seus conceitos principais e a realização de uma charrete de projeto, cujo fator principal era o atendimento dos conceitos anteriormente estudados.

Para a preparação da Charrete a disciplina foi dividida em várias atividades:  1. pesquisas  bibliográficas  

o novas  metodologia  em  Avaliação  pós  ocupação    o trabalhos  sobre  acessibilidade  

2. Avaliação  de  projetos  que  incorporam  os  princípios  do  DU  3. Aulas  expositivas:      

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o APO  –  Avaliação  pós-­‐ocupação  :  ênfase  nas  questões  comportamento-­‐ambiente  o DESENHO  UNIVERSAL  :  conceitos  o Orientabilidade  no  ambiente  construído  (Wayfinding)  o Mapas  táteis  e  mapas  táteis  e  sonoros  (definição,  produção  e  aplicação)  

4. Discussões  e  atividades  Didáticas  :  o Limites  da  percepção  e  método  de  “awareness”  de  intensidade  crescente  (Iowa  State  

University)  o Rotas  acessíveis  o Impacto  do  DU  sobre  a  Estética  de  projeto  o Processo  de  projeto  e  ampliação  das  responsabilidades    o Atividades  diversa  de  desenvolvimento  de  programa  arquitetônico    

5. Charrete  de  projeto    o definição  do  tema  da  charrete  

desenvolvimento  do  projeto  em  grupo    o Projeto  Participativo:    apresentação  do  projeto  arquitetônico    para  usuários  o documentação  do  processo  de  projeto    

O Tema do projeto proposto para alcance dos objetivos foi de um Centro de Serviços ao Cidadão (Poupa Tempo Universal) com ênfase no wayfinding. O wayfinding é a maneira com que as pessoas se deslocam de um lugar para outro, incluindo informações e tomadas de decisões para movimentação e orientação no espaço. Essa charrete teve como objetivo principal o estímulo dos participantes a pensarem em soluções menos óbvias e mais conceituais, que atendessem os princípios do Desenho Universal, através de um projeto que oferecesse ambientes, trajetos, sentidos espaciais e respostas programáticas com responsabilidade social e que fossem “naturalmente” inclusivos. A própria escolha do tema - um edifício para o funcionamento de um Poupa Tempo - já partiu da idéia de se trabalhar um espaço para atendimento a todos os cidadãos de uma determinada cidade, cujo oferecimento de serviços é feita sem discriminação ou segregação sócio-econômica.

Nesse contexto, o termo inclusivo significa o atendimento aos princípios do Desenho Universal, possibilitando a autonomia do individuo no seu uso, conferindo direitos e oportunidades iguais para todos os cidadãos e permitindo a utilização do ambiente construído de forma plena. Nesse sentido, torna-se indispensável uma atuação profissional dos arquitetos, na direção de considerar a questão da acessibilidade um dos parâmetros mais importantes da fase de concepção dos seus projetos, possibilitando a criação de ambientes que permitam a utilização por um número maior de pessoas, com diferentes habilidades e necessidades.

Considerando os conceitos acima enunciados, para que o projeto possa realmente atingir seus objetivos acessíveis, decidiu-se incluir os possíveis usuários ao processo de projeto, estimulando um processo participativo, dada a importância de suas contribuições para a compreensão de suas necessidades. O processo participativo nas decisões de projeto envolve um fator que transcende o diálogo entre projetista e potencial usuário: a percepção (advinda do usuário) do ambiente construído através da leitura do projeto, representada através de uma documentação gráfica. Esta representação gráfica de um projeto arquitetônico pode assumir diversas fases e também se direcionar a diferentes leitores. Entre os profissionais arquitetos e engenheiros um dos objetivos desta representação é transmitir informações técnico-construtivas e características estéticas do ambiente projetado. Para o usuário do ambiente é importante que a leitura da simbologia auxilie (primeiramente) na compreensão das dimensões e localização do ambiente e na orientação espacial do indivíduo no espaço físico. (BERNARDI & KOWALTOWSKI, 2009).

Na experiência relatada nesse artigo, fizeram parte do processo dois usuários deficientes visuais e um deficiente físico, tornando a discussão sobre a maneira de apresentar os projetos parte essencial do exercício de projeto. Como colocam as autoras Almeida e Loch (2005, p.5), “As representações gráficas de difícil transcrição para o Braille podem ser recriadas a partir de códigos táteis diferenciados pela forma, tamanho, textura, e altura (ou espessura). Estas se constituem em um trabalho artesanal demorado e que possivelmente precisará ser refeito várias vezes, sempre testado pelos cegos até chegar a ser entendido”.

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O exercício de projeto oi colocado como desafio ao estudantes de pós-graduação com formação em arquitetura e urbanismo e inserido em um contexto de discussões teóricas sobre a acessibilidade e o Desenho Universal no processo de projeto. Inicialmente foram estudadas as metodologias de trabalhos acadêmicos e/ou projetos produzidos e publicados nos últimos cinco anos, dentro da temática do Desenho Universal, para obter-se uma base teórica e abrangente capaz de dar suporte à atividade proposta: uma Charrete de Projeto. Esta atividade teve como objetivo o desenvolvimento de um projeto arquitetônico integrado aos conceitos do Desenho Universal, com ênfase no processo participativo através de uma apresentação e integração com usuários, configurando-se também como uma pesquisa-ação. O partido adotado teve como premissa a clareza do wayfinding, também conhecido como orientabilidade no percurso.

Para a inserção da proposta foi apresentado um terreno em região urbana e o público alvo formado por moradores da região e comunidades próximas. Metodologicamente o desenvolvimento do projeto arquitetônico apresentado pelos alunos está dividido em 04 etapas: Programa de Necessidades, Realização de Plano de Massas, definição do Estudo Preliminar e Apresentação.

O desenvolvimento de um Programa Arquitetônico é o método analítico que antecede o projeto e tem por finalidade descrever as condições onde o projeto será executado, estabelecendo o problema ao qual a edificação deverá responder (KOWALTOWSKI & MOREIRA, 2009). Visando a qualidade do resultado, o Programa de Necessidades integra-se na reflexão em grupo como etapa essencial para o entendimento e desenvolvimento projetual envolvendo levantamentos, compreensão e organização das informações essenciais para o desenvolvimento do projeto proposto. Foram estabelecidos dois grupos de coleta de dados para o processo inicial de projeto: Grupo A para avaliação e leitura da área escolhida e do entorno, destacando as potencialidades e fragilidades da situação encontrada, realizando levantamento fotográfico e de plantas da área; Grupo B, realizando pesquisas bibliográficas sobre o tema, sobre o local, sobre características dos usuários e estudo de projetos referenciais. Para estruturação das informações de projeto e criação de um checklist o grupo utilizou o método de identificação do problema (Problem Seeking) que divide o Programa Arquitetônico em cinco passos (PEÑA & PARSHALL, 2001 apud KOWALTOWSKI & MOREIRA, 2009), estabelecendo Metas; coletando e analisando Fatos; descobrindo e testando Conceitos; determinando as Necessidades; situando o Problema e assim, desenvolveu-se uma listagem do Poema dos Desejos, destacando fatos, metas e requisitos projetuais incluindo premissas do Desenho Universal e processo de orientação espacial.

O Plano de Massas contemplou o estudo de viabilidade de implantação; caracterização dos espaços em públicos, semipúblicos e privativos; caracterização do wayfinding definindo acessos e fluxos principais; estudo de volumetria e plantas. Nesta etapa projetual verificou-se que a localização do terreno condiz com os interesses do tema arquitetônico, dos usuários, das funções e atividades conhecidas através de pesquisa e das características físicas do local. Conforme relatado no método Problem Seeking, o grupo configurou alguns requisitos projetuais que deveriam ser contemplados nas propostas a serem desenvolvidas: Relação externo/interno marcantes; Identificação visual para a localização do edifício no seu entorno (placas e marcos de acesso); Criação de percursos livres de obstáculos (rota acessível) unindo a praça, a edificação e percursos importantes. Cada integrante do grupo elaborou proposta de setorização, salientado o processo de orientação espacial e a legibilidade de percurso, originando uma proposta final demonstrando todos os requisitos explanados nas propostas desenvolvidas. O conceito da proposta baseia-se na organização de serviços, integração de espaços, ambientes qualificados para os funcionários e usuários e Acessibilidade alcançada através de espaços convidativos, legíveis, atrativos e promotores da inclusão social.

A implantação e setorização do Poupa Tempo originaram-se da proposta de uma organização centralizada, linear e de fragmentação do edifício, objetivando melhor a divisão dos serviços, legibilidade e orientação espacial do espaço. Todos os blocos convergem para uma espera central, proporcionando aos usuários uma espera humanizada, com visualização de jardins e área externa da edificação; possibilitando a autonomia do indivíduo no seu uso; conferindo direitos e oportunidades iguais para todos os cidadãos; permitindo que o ambiente seja utilizado em plena forma; proporcionando uma acessibilidade intrínsica ao projeto, com soluções de tal forma integradas à solução arquitetônica que raramente seriam notadas de forma exclusiva; propondo a

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otimização das distâncias entre percursos principais e secundários e ambientes que permitam a visibilidade do conjunto através de uma orientação do percurso.

Na etapa do Estudo Preliminar a execução e criação dos desenhos, instrumentos de leitura tridimensionais (maquetes táteis) e a preparação da apresentação participativa - destaca-se o desenvolvimento realizado de maneira colaborativa entre os alunos da pós-graduação, através de discussões em sala de aula e também à distância. Para etapa de finalização do projeto foi adotada a estratégia de projeto participativo, onde projetistas e potenciais usuários discutem os resultados conjuntamente. Para que se tornasse possível a apresentação deste trabalho com sua completa compreensão por parte do público com algum tipo de deficiência, tanto visual, quanto motora, foram desenvolvidas ferramentas de apresentação adaptadas, procurando tornar universal, não apenas o projeto em si, mas também a apresentação do mesmo.

O desenvolvimento dessas ferramentas baseou-se

em duas vertentes, as ferramentas gráficas visuais e as táteis. O grupo das ferramentas visuais foi composto por uma apresentação virtual, a qual continha gráficos, organogramas e maquete virtual. Já o grupo das ferramentas táteis foi composto por maquetes físicas, sendo elas do organograma conceitual da proposta, da implantação e do edifício em si.

Durante a preparação da apresentação direcionada à pessoas com deficiência visual, surgiram algumas questões relacionadas ao tato e a leitura tátil, as quais foram bem exemplificadas pela teoria Heller (apud LIMA, 1991): como pensamos sobre o mundo em termos de imagens? Será que as pessoas cegas imaginam os objetos da mesma forma como pessoas sem deficiência visual? Será que entendem o espaço da mesma forma que as outras pessoas? Os cegos têm imagens como as imaginam? Quais são as implicações da falta de experiência visual para as imagens? As imagens mentais são necessárias para alguns tipos de compreensão espacial?

Após estudos relacionados a essas questões, concluiu-se que seria necessário o uso de métodos que não se baseassem em símbolos visuais gráficos, mas que mantivessem a representação cartográfica pois esta conceitua-se em um precioso auxilio na localização de lugares, tais como, ruas, endereços, cidades e espacial. Para isso foram desenvolvidas maquetes táteis, onde as variáveis gráficas foram a textura, a dimensão, as formas.

Para a criação das maquetes táteis de forma eficiente, foi necessário criar uma codificação objetiva que proporcionasse ausência de falsas interpretações. Para isso, foram desenvolvidos padrões de codificação únicos para cada objeto a ser representado. Por exemplo, para as recepções um único tipo de textura, para as áreas de espera outro tipo e assim por diante, tanto na maquete referente ao organograma, quanto na do edifício em si.

A maquete tátil do organograma, foi elaborada a fim de explicar de forma esquemática o funcionamento interno de um Poupa Tempo, desde a chegada do usuário no edifício, passando pela recepção, triagem, espera e finalmente o balcão de atendimento desejado. Este organograma foi a fase conceitual para a elaboração do projeto.

A maquete tátil referente ao entorno do edifício tinha como objetivo localizar o edifício dentro do contexto urbano local, tendo como pontos de referência locais já conhecidos dos usuários como terminal de ônibus, supermercados, igrejas e praças. Nessa maquete a diferença de texturas foi utilizada para demarcar os pontos de referência, o edifício em si e os possíveis trajetos entre eles. Foram realizados dois testes com diferentes materiais com o intuito de verificar a eficiência das texturas escolhidos para leitura tátil e por fim, verificou-se a preferência dos usuários pela maquete com maior contraste de texturas, além da observação que quanto mais pontos de referências já conhecidos pelos usuários, mais fácil é a formação de mapas mentais.

Já a maquete tridimensional do projeto foi desenvolvida de forma que o usuário, ao fazer a leitura tátil, “percorresse” o edifício, desde as entradas até as saídas, passando por todos os blocos que o compõe, enfatizando todos os acessos, tanto horizontais como verticais. Essa maquete foi elaborada utilizando materiais de diferentes texturas, onde pudesse diferenciar os pontos de permanência como recepção, triagem e espera; e pontos de fluxo como os acessos e as alças que interligavam os blocos. Por fim, verificou-se que o material utilizado para representar a

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vegetação proposta poderia ser alterado, devido o comprometimento da segurança durante a manipulação do instrumento pelo usuário.

A elaboração dessas maquetes táteis que representam um espaço geográfico tem como meta criar um instrumento facilitador de inclusão social para os deficientes visuais pois, tais equipamentos podem facilitar enormemente a mobilidade do portador de deficiência visual trazendo autonomia na locomoção, autoconfiança, aumento de auto-estima e de independência. O desconhecimento do caminho que leva a um determinado lugar impõe limitações variáveis nos diversos níveis de mobilidade de uma pessoa. Se é problemático até mesmo para pessoas com visão normal, a dificuldade enfrentada, pelas pessoas com limitação visual pode ser ainda maior. (ALMEIDA; LOCH, 2005).

A Charrete do Projeto foi exposta pelos oito autores, através das maquetes táteis e da apresentação áudio visual à quatro usuários, sendo que um era cadeirante, dois eram deficientes visuais e o quarto, o professor responsável pela instituição dos deficientes. Também estavam presentes as duas professoras que orientaram a execução do trabalho.

A pedido dos deficientes visuais, simultaneamente à apresentação áudio visual com desenhos, plantas, implantação do terreno, implantação do entorno, assim como perspectivas, ocorreu a apresentação das maquetes táteis.

Através das duas primeiras maquetes foram demonstrados o diagrama organizacional do projeto proposto em forma de diferentes texturas. Posteriormente foram apresentadas duas maquetes táteis de Rota Acessível, mostrando o entorno e “wayfinding”, um tipo de estruturação linear, onde sua representação aproxima-se de um mapa de caminho. Foi mostrado que nele o indivíduo estrutura o ambiente em termos de vias, isto é, refere-se aos pontos onde muda de direção, aos ângulos desta mudança e as distâncias de um ponto ao outro. Na sequencia, apresentou-se a maquete volumétrica do projeto inserido no terreno onde os dois deficientes visuais puderam tateá-las acompanhados por parte do grupo.

Na explanação visual, os usuários foram apresentados ao projeto por meio de uma exibição de conteúdo gráfico e textual (utilizando equipamento de datashow e programa power point) que continha os conceitos de Desenho Universal, um breve histórico do Poupa Tempo, as referências pesquisadas, a metodologia utilizada na concepção do projeto e os gráficos e organogramas que explicavam tanto o funcionamento de uma agência padrão quanto o da proposta pelo grupo. Além disso apresentava também a implantação, mantendo como base os pontos de referência já conhecidos pelos usuários, bem como as rotas de acesso possíveis; as plantas dos pavimentos, enfatizando os acessos e fluxos internos do edifício; e por fim uma maquete virtual do edifício com seu entorno próximo, com o intuito de esclarecer ainda mais a volumetria dos blocos que compõe o edifício.

Finalizada a apresentação, deu-se espaço a uma discussão com todos os envolvidos no processo (autores, orientadores e usuários), onde foram levantadas questões sobre a importância deste tipo de atividade para a melhoria da qualidade de vida de todos os usuários.

DISCUSSÃO E CONCLUSÃO O processo de projeto adotado na charrete mesmo com a inserção deliberada dos conceitos do DU mostrou-se ainda bastante similar ao processo tradicional em arquitetura. Em geral este processo de projeto inicia com alguns esboços, imprecisos e incompletos e com a tentativa de dispor o edifício num sítio. Para isso, o projetista estabelece algumas conjeturas de projeto sobre objetivos do partido, volumetria, aparência e perfil do uso, definindo assim questões formais de estética e funcionais do programa de necessidades. A inserção urbana ainda coloca requisitos de acesso e a topografia do lugar define níveis de implantação. Conjeturas de volumetria, acessos e distribuição das funções servem de base para o desenvolvimento de um partido preliminar que é aperfeiçoado até o ponto em que pode ser avaliado pelo projetista. A avaliação confirma a suposição, nega ou aponta outras caminhos para a solução.

Ao invés de um ponto inicial ou um ponto final Lawson (2005) considera que o processo de projeto é, acima de tudo, ação para mudar o ambiente de alguma forma. Assim, o contexto principal do trabalho do arquiteto esta na sua ação. Para minimizar o problema da imprecisão e incompletude

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que é inerente ao processo arquitetônico Vries e Wagter (1991) apresentam duas técnicas, que, segundo eles são muito usadas por projetistas de arquitetura: redução do número de requisitos para um nível aceitável e sobreposição de princípios de ordenação de projeto. No caso da charrete os princípios poderiam ter sido os do DU. Mas, uma análise mais detalhada das discussões dos projetistas demonstra que os princípios adotados foram a clareza na ordenação das funções para otimizar a orientabilidade (wayfinding) dos usuários (todos, não especialmente pessoas com necessidades especiais) e criar uma volumetria que se destaca na paisagem urbana local. Foi ainda otimizado o acesso para pedestres no nível da rua principal. Desta forma a acessibilidade não foi o princípio principal da proposta.

Ainda em relação a comparação do processo de projeto adotado na charrete e propostas apresentadas na literatura, é possível afirmar que os procedimentos da esperiência apresentada segue o modelo sugerido por Lawson (2005). Num modelo bem resumido e esquemático, mas flexível, adaptável a diferentes modelos de processo de projeto Lawson aborda as seqüências essenciais do projeto, ou seja, a análise, a síntese e a avaliação. O que se vê com freqüência na literatura de metodologia de projeto é que, embora os processos variem, a maioria dos autores considera estas fases como as essenciais de qualquer processo de projeto arquitetônico.

Figura 1 Forma proposta por Lawson para representação a seqüência de decisões do processo de projeto. Fonte: Adaptado de Lawson (2005, p.40)

No caso da nossa charrete a fase de análise e avaliação foram ampliadas. A analise contou com as discussões e leituras específicas sobre as questões de acessibilidade e a avaliação contou com a participação de usuários com necessidades especiais. Tratando-se aqui apenas de um exercício de projeto e não um estudo de caso real conjectura se que a síntese da proposta provavelmente ia ter fases de reflexão, em função do retorno (input) das discussões e participações.

Como conclusão pode se afirmar que exercício da charrete apresentou algumas questões positivas e outras que estimulam pesquisas e discussões futuras. Demonstrou que um espaço acessível deve apresentar propostas além das Normas de Acessibilidade, deve ser convidativo e possuir atrativos, reduzir a distância funcional entre os elementos do espaço e as capacidades das pessoas.

Discutiu-se a importância de uma Rota Acessível para garantia de acessibilidade satisfatória. “Para que haja uma inserção efetiva das pessoas com deficiência no ambiente urbano, os percursos disponíveis devem ser acessíveis. Este percurso, denominado Rota Acessível, “consiste no percurso livre de qualquer obstáculo de um ponto a outro (origem e destino) e compreende uma continuidade e abrangência de medidas de acessibilidade” (COHEN & DUARTE, 2006). Entretanto, este percurso acessível deve se configurar em uma escolha do

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próprio usuário, onde os pontos referencias são importantes para que ele o eleja como o “melhor caminho”.

Como pontos a serem re-trabalhados, ficou evidente que a participação dos usuários (principalmente os deficientes) deveria ser antecipada. Assim, algumas peculiaridades na vida destas pessoas poderiam ser melhor incorporadas às fases preliminares do projeto. Por exemplo, pode-se investigar mais profundamente a participação do usuário na etapa do Problem Seeking, onde as experiências e vivências específicas poderiam fornecer informações valiosas na coleta de fatos e necessidades.

Durante a apresentação, notou-se que o entendimento era satisfatório, mas o feedback era inconclusivo. Mediante a uma apresentação já elaborada, um método de retirada de informações poderia ter sido mais discutido anteriormente. Houve dificuldade em extrair dos usuários maiores necessidades específicas de transformação do projeto, fazendo desta etapa mais uma a ser vencida, objetivando um resultado ainda mais satisfatório.

No decorrer da atividade participativa ficou claro que a grande preocupação dos alunos ocorreu na explanação do projeto aos indivíduos com deficiência visual. A realidade do indivíduo que não enxerga com os olhos - este “mundo” desconhecido para os videntes - causou uma expectativa maior durante a explicação do projeto, talvez pela ânsia em ter respostas sobre as questões colocadas no início do projeto: como tais indivíduos reconhecem o espaço físico projetado? como reagem à leitura dos instrumentos táteis? Como traduzem as suas imagens mentais? Ficou explícita a necessidade de trabalhar-se melhor a elaboração de dinâmicas que auxiliem a compreensão do ambiente físico por indivíduos com deficiência locomotora, pois a comunicação através dos desenhos arquitetônicos é dotado de simbologias específicas muitas vezes compreensível apenas para profissionais da área.

A atividade desenvolvida na disciplina mostrou que podem ser exploradas e investigadas novas dinâmicas pedagógicas de inclusão do conceito do Desenho Universal na prática de projeto e alertou os autores sobre necessidades de inclusão de atividades que estimulem a pesquisa-ação. Tais atividades participativas podem ser colocadas como subsídios para o desenvolvimento conceitual de projetos arquitetônicos, atuando em todas as fases do processo, deste a montagem da proposta até as etapas finais de apresentação, conclusão e avaliação do projeto.

Mostrou também que o estudo preliminar dos conceitos de acessibilidade através de referências bibliográficas e projetuais contribui para as discussões da fase preliminar de desenvolvimento do projeto arquitetônico, colocando frente ao arquiteto as demandas de uma sociedade cada vez mais consciente de seus direitos e reforçando a responsabilidade deste profissional perante os desafios da inclusão espacial e de uma acessibilidade que possa realmente ser universal.

Na etapa do desenvolvimento das primeiras idéias do projeto a equipe preocupou-se principalmente com questões formais e de funcionalidade do tema abordado. As questões da acessibilidade, mesmo sendo preliminarmente discutidas, ainda não tiveram uma integração profunda na resposta do projeto, prevalecendo as questões tradicionais do projeto arquitetônico. Verificou-se na etapa de apresentação que a participação de pessoas com deficiência no processo de projeto conseguiu então priorizar as questões da acessibilidade. Dessa forma recomenda-se que esta participação aconteça desde o início do processo para que o conceito do Desenho Universal seja a base do desenho e da qualidade do projeto.

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