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FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO VAGNER DE FRANÇA FERREIRA Nº USP 5952620 NULIDADES PROCESSUAIS À LUZ DA TESE INSTRUMENTALISTA DO PROCESSO ORIENTADOR: PROF. TITULAR JOSÉ ROBERTO DOS SANTOS BEDAQUE SÃO PAULO 2011

Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

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FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

VAGNER DE FRANÇA FERREIRA

Nº USP 5952620

NULIDADES PROCESSUAIS À LUZ DA TESE

INSTRUMENTALISTA DO PROCESSO

ORIENTADOR: PROF. TITULAR JOSÉ ROBERTO DOS SANTOS

BEDAQUE

SÃO PAULO

2011

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FERREIRA, Vagner de França.

Nulidades Processuais à Luz da Tese Instrumentalista do Processo - 2011.

Orientador: Prof. Titular José Roberto dos Santos Bedaque.

Departamento de Direito Processual – DPC.

Tese de Láurea: Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

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FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

VAGNER DE FRANÇA FERREIRA

Nº USP 5952620

NULIDADES PROCESSUAIS À LUZ DA TESE

INSTRUMENTALISTA DO PROCESSO.

Tese de Láurea para conclusão do curso de

graduação em Direito pela Faculdade de Direito da

Universidade de São Paulo.

Orientador: Prof. Titular José Roberto dos Santos

Bedaque

SÃO PAULO

2011

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Agradecimentos

À minha mãe, Maria, que me possibilitou chegar até aqui.

À minha noiva Patrícia Helena, por todo o companheirismo e incentivo em todos os

momentos.

À família, enquanto instituição, pelo papel que desempenha no caráter e na formação de

todos nós.

A todos aqueles que de alguma forma contribuíram para minha formação jurídica.

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SUMÁRIO

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS.............................................................................01

2. O MUNDO FÁTICO E O MUNDO JURÍDICO.................................................13,

3. NULIDADES NO DIREITO MATERIAL E NO DIREITO PROCESSUAL....15.

4. FATO, ATO E NEGÓCIO JURÍDICO.................................................................22

5. OS PLANOS DA EXISTÊNCIA, VALIDADE E EFICÁCIA E SUAS

PARTICULARIDADES NO DIREITO PROCESSUAL.....................................24

5.1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS..................................................................24

5.2 PLANO DA EXISTÊNCIA.......................................................................25

5.3 PLANO DA VALIDADE..........................................................................31

5.4 PLANO DA EFICÁCIA............................................................................36

5.5 A QUESTÃO DA INEXISTÊNCIA DOS ATOS PROCESSUAIS

E OS EFEITOS PRODUZIDOS...............................................................39

6. NOMENCLATURA: NULIDADE OU INVALIDADE.......................................46

7. PENSAMENTO DE IMPORTANTES DOUTRINADORES NACIONAIS

NO TEMA DAS NULIDADES...........................................................................48

7.1 A DOUTRINA DE GALENO LACERDA.............................................48

7.2 AROLDO PLÍNIO GONÇALVES............................................................50

7.3 ANTONIO JANYR DALL´AGNOL JR...................................................52

7.4 TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER................................................54

7.5 JOSÉ JOAQUIM CALMON DE PASSOS...............................................55

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8. IMPORTÂNCIA E DELIMITALÇAO DAS FORMAS

NO PROCEDIMENTO.........................................................................................58

8.1 OS SISTEMAS DE DISCIPLINA DAS FORMAS

E DE EXTERIORIZAÇÃO DO PROCEDIMENTO...............................58

8.2 A FORMA DOS ATOS PROCESSUAIS E SUA RELAÇÃO

COM A TÉCNICA PROCESSUAL..........................................................60

9. NATUREZA JURÍDICA DAS NULIDADES......................................................69

10. SISTEMÁTICA DAS NULIDADES PROCESSUAIS.........................................72

11. ESPECIES NORMATIVAS REGENTES DO SISTEMA DAS

NULIDADES PROCESSUAIS.............................................................................81

11.1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS..............................................................81

11.2 A IMPORTÂNCIA DA ANÁLISE DO ALCANÇE DA

FINALIDADE DO ATO E DA AUSÊNCIA DE PREJUÍZO

NO TEMA DAS NULIDADES PROCESSUAIS...............................84

11.3 OUTRAS ESPÉCIES NORMATIVAS INTEGRANTES

DO SISTEMA DAS NULIDADES PROCESSUAIS..........................88

12. NULIDADES PROCESSUAIS NO VIGENTE CPC,

NO ANTEPROJETO E NO PROJETO DO NOVO CÓDIGO

DE PROCESSO CIVIL. ANÁLISE CRÍTICA....................................................91

13. CONCLUSÃO.......................................................................................................95

14. BIBLIOGRAFIA...................................................................................................98

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1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS:

É consenso entre os estudiosos do assunto que em nenhum outro momento da história

conhecida da humanidade tenhamos provocado e simultaneamente sofrido tão variadas e

profundas transformações, não apenas no meio como também em nosso próprio modus

vivendi, e em exíguo tempo quando comparado com o restante de todo o período de que

se tem registro da permanência do homem no planeta, quanto aquelas que temos

vivenciado na era pós Revolução Francesa e Revolução Industrial até os dias atuais.1

Trata-se de um processo dialético, no qual o homem, ao mesmo tempo em que é autor

dessas transformações, também se submete aos efeitos dessa sua conduta2, que é bifronte

e resultante não somente de sua interação com a natureza como do inter-relacionamento

dos próprios homens, tornando a sociedade cada vez mais complexa em seus níveis

organizacionais.

Por óbvio, a maior complexidade das relações sociais produz efeitos no Direito. Enquanto

ciência humana, que possui natureza axiológica e teleológica na sociedade, as normas

jurídicas produzidas pelo homem se constituem como um dos principais meios de

controle social3 e o único que dispõe de um ator social dotado do poder de impor uma

sanção em razão do descumprimento dessas mesmas regras. Aliás, a interação do

universo político com o jurídico é bastante ampla, valendo-se aquele da imposição de

normas jurídicas para a própria estruturação do Estado e dos meios para a obtenção e

exercício do poder político.

O Estado atua, numa das manifestações de seu poder, ora mediante a valoração e

qualificação positiva de condutas, as quais terão sua prática incentivada, ora mediante a

1 Sobre o tema, consultar a interessante obra de HOBSBAUWN. Eric J. A Era das Revoluções.

Europa1789-1848. Tradução de Maria Teresa Lopes Teixeira e Marcos Penchel, 22ªed., São Paulo, Editora

Paz e Terra, 2007. Na Introdução p. 16, o autor apresenta a seguinte afirmação que bem reflete o sentido da

afirmação apresentada: imaginar o mundo moderno sem estas palavras (isto é, sem as coisas e conceitos a

que dão nomes- referindo-se ao surgimento e ao sentido de palavras próprias do período histórico de que

trata) é medir a profundidade da revolução que eclodiu entre 1789 e 1848 e que constitui a maior

transformação da história humana desde os tempos remotos quando o homem inventou a agricultura e a

metalurgia, a escrita, a cidade e o Estado. Esta revolução transformou, e continua a transformar, o mundo

inteiro.(Texto em negrito nosso). 2 NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito, 21ª Ed., Rio de Janeiro,Ed. Forense, 2001, p. 18.

3 NADER, Paulo. Op. Cit. pp. 29-47.

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valoração e qualificação negativa de comportamentos, que, eventualmente realizados,

legitima o Estado na tentativa de impor sanção ao seu agente. Aqui estamos no campo do

direito material, cuja atividade essencial consiste na regulamentação de condutas

desejadas ou toleradas por ele, porque consideradas benéficas ou ao menos não

prejudiciais ao corpo social, e, num outro grupo, aquelas condutas não desejadas, vistas

pelo centro de poder como nocivas à sociedade.4

Uma vez não cumpridas espontaneamente essas condutas, conforme àquela descrita pelo

direito material, ou materializando-se conduta negativamente valorada, à qual é prescrita

a imposição de sanção ao agente, porque considerada ilícita, temos a consubstanciação de

um conflito social que justifica o acionamento do Estado para a composição do conflito

ou para a imposição da sanção ao agente transgressor da norma, tratando-se de um Estado

democrático de Direito.

Para o legítimo exercício desse poder de compor o conflito ou impor a sanção

preestabelecida, almejando o restabelecimento da paz social e a obediência por parte dos

jurisdicionados à ordem jurídica, e uma vez acionado para tanto, o Estado oferece àqueles

que lhe são submetidos um método de trabalho, do qual se valerá para a verificação e

comprovação da transgressão às normas de direito material e realização de seu mister.

Esse instrumento de atuação do Estado para a pacificação social deve ser dotado de certas

garantias aos entes que estão diretamente envolvidos no conflito, cuja observância

confere legitimidade tanto ao método quanto ao provimento que constitui a sua razão de

ser, além de constituir-se como fator de segurança à estrutura social e também à própria

ordem jurídica, surgindo assim o Direito Processual, fruto dessa interação entre direito e

poder.

Costuma a doutrina apontar três fases da história do direito processual5: fase Imanentista,

em que o direito de Ação estaria vinculado ao próprio direito material, e daí a sua

pejorativa denominação de direito adjetivo; fase Autonomista ou Científica- caracterizada

4 Cf. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. 3ª Ed. São Paulo,

Malheiros, 2010, p. 418 na qual o doutrinador afirma que o Direito é resultado da tipificação de

acontecimentos ou condutas e imposição de conseqüências. 5 Ver por todos, CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, DINAMARCO, Cândido Rangel e GRINOVER, Ada

Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 24ª Ed, São Paulo, Malheiros Editores, 2008, pp. 48-51.

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pela procura da total separação entre o direito de Ação e o direito material, o que levou a

uma visão formalista do processo, que passou a ser visto como objeto de culto pelos

estudiosos desse novo ramo do direito, levando-os ao esquecimento da finalidade e razão

de ser de sua ciência; e, por último, fase instrumentalista- caracterizada pela busca de

conscientização de que o processo se constitui como instrumento para serem atingidas

determinadas finalidades que são definidas fora do processo, tendo origem nas regras do

direito material.

À medida que as relações sociais tornam-se mais complexas e cada vez mais intrincadas,

requer-se que o método utilizado por esse ente social para o cumprimento das regras do

direito material também adquira um grau de organização e efetividade capaz de atender,

em tempo razoável, aos anseios daqueles que estão direta ou indiretamente envolvidos

nos conflitos sociais sub judice.

A premissa metodológica que vê o processo como instrumento de pacificação social e de

realização da justiça, cuja legitimidade será tanto maior quanto maior for a sua

capacidade de cumprir seu desiderato, mediante a flexibilização da técnica, já que ela

constitui mero instrumento à observação e aplicação das normas de direito material, se

apresenta como uma das formas possíveis de viabilizar o atendimento aos anseios de uma

sociedade cada vez mais massificada e que exige do sistema judicial respostas seguras,

justas, céleres e adequadas.

As chamadas Ondas renovatórias do processo- tese dos juristas Mauro Cappelletti e

Bryant Garth6- refletem bem essas buscas de responder aos anseios sociais, em que

primeiro intentou-se garantir o acesso à justiça aos jurisdicionados e que nesse o

momento marcou a luta pela oferta da assistência judiciária gratuita, uma vez que muitos

membros da sociedade não poderiam arcar com os custos da litigância em juízo, sendo,

por isso, privados de tal direito.

A segunda onda renovatória do processo caracteriza-se pela busca de proteção aos

interesses metaindividuais, com a tentativa de descobrir meios de proteção aos chamados

6 CAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução e Revisão de Ellen Gracie

Northfleet. Porto Alegre.Sérgio Antonio Fabris Editor, 1988, pp. 31-73.

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direitos coletivos, difusos e individuais homogêneos7. A terceira onda renovatória é

denominada novo enfoque do acesso a justiça na qual buscam-se meios de garantir uma

prestação jurisdicional capaz de satisfazer aos interesses e pretensões dos titulares de

posições jurídicas de vantagem, ou seja, analisa a atuação do Estado pela ótica daqueles

que são consumidores dos serviços jurisdicionais, em seu grau de satisfação com os

serviços que lhes são prestados.

Nesse sentido, na feliz expressão do professor Kazuo Watanabe, busca-se não somente a

viabilização do acesso à justiça, mas do acesso à ordem jurídica justa8. Destarte,

entendemos que, embora não abranja a totalidade das necessidades que a proposta de

ampliação de acesso à ordem jurídica justa apresenta, haja vista tratar-se de atividade

complexa e que requer variadas frentes de atuação para sua implementação9, uma

mudança de mentalidade10

dos operadores do direito quanto à interpretação e aplicação

7 Sobre esses conceitos, ver as definições trazidas no art. 81 do CDC- BRASIL. Lei nº 8.078 de 11 de

setembro de 1990. Dispõe Sobre a Proteção do Consumidor e dá Outras Providências. Publicada no DOU

de 12 de setembro de 1990, edição extra, e retificada no DOU de 10 de janeiro de 2007. Esta Lei é

conhecida como Código de Defesa do Consumidor- CDC. 8

8 Expressão encontrada no ensaio “Assistência judiciária e o juizado especial de pequenas causas“,

publicado na obra coletiva“ Juizados Especiais de Pequenas Causas, coord. de Kazuo Watanabe, p. 163.

Ver também DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 5ª ed. rev. e atual. São

Paulo, Malheiros Editores, 1996, p. 306. 9 Naturalmente a questão da ampliação do acesso à ordem jurídica justa apresenta complexidade que

transcende aos objetivos dessa monografia. Apenas com caráter exemplificativo, podemos citar a

necessidade de maior estruturação do Poder Judiciário, tanto na ordem física que envolve a modernização

das estruturas, aquisição de equipamentos necessários a maior eficiência nos trabalhos- como

computadores, impressoras, digitalização de processos e ampliação do numero de fóruns disponíveis,

visando a redução da quantidade de processos que tramitam num único Juizo; quanto na pessoal, que

abarca a melhor qualificação de pessoal e investimento no aprimoramento técnico de seus juízes.

Naturalmente, essas medidas acabam sendo inviabilizadas pelo critério econômico e isso sem falar na

própria necessidade de mudança no âmbito Legislativo para a criação de normas que facilitem o alcance

desses objetivos. A proposta aqui defendida se constitui apenas como um dos aspectos que a questão

abarca.

10 Cf. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel e GRINOVER, Ada

Pelegrini. Teoria geral do processo. 24ª Ed. São Paulo, Malheiros Editores, 2008, p. 51 que é enfática ao

afirmar: Tudo que já se fez e se pretende fazer nesse sentido visa, como se compreende, à efetividade do

processo como meio de acesso à justiça. E a concretização desse desiderato é algo que depende muito

menos das reformas legislativas (importantes embora), do que da postura mental dos operadores do

sistema (juízes,, advogados, promotores de justiça). È indispensável a consciência de que o processo não é

mero instrumento técnico a serviço da ordem jurídica, mas, acima disso, um poderoso instrumento ético

destinado a servir à sociedade e ao Estado.

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dos preceitos normativos de maneira menos apegada aos aspectos puramente formais11

,

que não cumpram uma finalidade no processo e tão somente o erige a fim de si mesmo,

constituiria-se como importante passo nessa árdua tarefa.

Essa flexibilização da técnica, ou no dizer de parte da doutrina deformalização das

controvérsias12

, ganha especial relevo quando analisada a sistematização legal e

doutrinária das nulidades processuais, tema que constitui o eixo central da presente

Monografia.

O objetivo principal deste estudo é demonstrar que a compreensão e aplicação do sistema

das nulidades processuais pautados por aspectos finalísticos, conforme preconizam os

adeptos da premissa instrumentalista do processo, se constituem como importante

ferramenta à ampliação do acesso à ordem jurídica justa, à medida que garante maior

efetividade ao processo, impedindo que a ocorrência de vícios meramente formais, que

não afetam o direito material sub judice, nem tampouco as garantias processuais ofertadas

às partes em litígio, ensejem a extinção do processo sem resolução de mérito13

, ou a

imposição do retorno do procedimento a fases já superadas do iter processual em virtude

da anulação de algum dos atos que o compõe e impõe esse retorno; essa proposta também

se apresenta como poderoso mecanismo à superação da crise por que passa o Direito

atualmente e, sobretudo, o Direito Processual.

Procurar-se-á demonstrar que é insuficiente e inoportuna a fixação pelo legislador em rol

exaustivo das situações que imponham ao juiz o dever de pronunciar a nulidade do ato ou

do próprio processo em decorrência da inadequação dos atos ao seu modelo formal, haja

11

No cap. 08 será tratada com mais vagar a questão da forma, mas faz-se necessário registrar previamente

que não combatemos o estabelecimento de formas pura e simplesmente pelo legislador, que são salutares

para o sistema, conferindo previsibilidade e segurança às partes, mas que não obstante a previsão legal do

tempo, lugar e modo da prática dos atos como meio eficiente para se assegurarem valores internos ao

sistema, eles poderão ser preservados mesmo diante de inadequações formais na prática desses atos. 12

GRINOVER, Ada Pelegrini. Deformalização do Processo e Deformalização das Controvérsias in RePro

ano 12 nº 46 abr/jun 1987, esp. p. 63.

13 Sobre esse assunto, embora em termos mais abrangentes, ver o descrito na obra de CAPPELETTI,

Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução e revisão de Ellen Gracie Nortfleet. Porto Alegre,

Sergio Antonio Fabris Editor, 1988, pp. 67-73.

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vista a impossibilidade de conseguir o legislador prever e normatizar todas as situações

passíveis de ocorrer concretamente e que ensejariam o pronunciamento da nulidade14

.

Por outro lado, a análise do alcance da finalidade dos atos e da inocorrência de prejuízo,

permite que muitos que praticados em desconformidade com o seu modelo legal não

tenham, necessariamente, que ser invalidados. Prega-se que a decretação da nulidade do

ato processual ou até da totalidade do procedimento pelo órgão judicial deverá sempre

pautar-se pela análise das conseqüências decorrentes dessa inadequação em face dos

valores, princípios e garantias a que o legislador visava proteger mediante a

predeterminação de suas formas.

A simples inadequação na sua prática quando comparada com o seu modelo legal

preestabelecido não conduzirá, necessariamente, à pronúncia de sua nulidade, com a

conseqüente privação dos efeitos que ordinariamente possui. Tendo o processo atingido

sua finalidade, sem ocasionar prejuízo à parte, seja porque pôde obter a tutela

jurisdicional favorável ou porque o vício não inviabilizou o pleno exercício de suas

garantias processuais, não haveria razões para a decretação de sua nulidade, não obstante

a inobservância de seus requisitos formais.

Essa premissa metodológica, consentânea à visão instrumentalista do processo, permite,

muitas vezes, conquanto o vício formal na prática do ato, que o Estado cumpra seu

mister, entregando a tutela jurisdicional, em vez da determinação da extinção do processo

ou anulação de atos processuais em decorrência de meras inadequações formais em sua

prática, cuja análise pautada, não num caráter ontológico, mas ético e orientada pela

análise do alcance de sua finalidade, permitiria considerá-las irrelevantes.

Pretende-se, assim, dentro do aspecto endoprocessual, destacar a importância da mudança

de paradigmas a que se devem ater os profissionais do direito, no sentido de viabilizar

14

Sobre a insuficiência da determinação taxativa do rol das nulidades processuais, ver o cap. 10, no qual o

tema foi tratado de forma mais aprofundada.

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que o processo cumpra seus escopos sociais, políticos e jurídicos15

, não obstante a

presença de determinados vícios que maculam o processo, cujo caráter meramente

instrumental que o caracteriza, permite, dentro dos parâmetros axiológicos e teleológicos

que também lhe são inerentes, sua desconsideração , haja vista a incolumidade das

garantias ofertadas às partes no processo e o alcance da finalidade a que visava o ato sem

causar-lhes prejuízos, em homenagem a princípios e valores maiores, eleitos por nosso

sistema normativo e, quiçá, do próprio sistema social.

2. O MUNDO FÁTICO E O MUNDO JURÍDICO.

Indiscutivelmente o direito pertence ao mundo da cultura do homem, sendo, pois, o

reflexo dos fatores históricos que antecederam à criação das normas que o determinam,

caracterizando-se estas como o espelho da experiência de um povo, e também dos

aspectos axiológicos que permeiam a sociedade na qual está inserido16

. É, por natureza,

fenômeno instável, cuja manifestação é determinada pelo aspecto temporal e espacial,

cujas mudanças por que passa a sociedade produzem efeitos imediatos na esfera jurídica.

Assim, o direito deve ser entendido como uma técnica, mas que não é dotada de

neutralidade, porque permeada de valores e a serviço de um fim determinado, que

constitui a sua razão de ser. Enquanto fruto da cultura, o direito é determinado pelo

princípio da imputação (Se A é, B deve ser,), cujas normas estabelecem um dever-ser,

15 Sobre o tema, ver CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel e GRINOVER,

Ada Pelegrini. Teoria geral do processo. 24ª Ed. São Paulo, Malheiros Editores, 2008, pp. 30-31.

16 No tocante à pertinencia do direito ao mundo da cultura do homem, ver PASSOS, J. J. Calmon de.

Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais. 1ª ed. 4ª tiragem. Rio de Janeiro,

Forense, 2009, pp. 07-13; BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica

processual. 3ª Ed. São Paulo, Malheiros, 2010, p. 39. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito, 25ª

Ed., São Paulo: Saraiva, 2000, p. 09.

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cujo significado deôntico consiste num obrigar, permiti ou proibir17

e que é determinado

pelo caráter teleológico. Nesse sentido, opõe-se ao mundo natural, que é o mundo do ser

e regido pelo princípio da causalidade (Se A é, B é).

Sendo criação do mundo da cultura e fruto da atuação da vontade, o mundo jurídico é

essencialmente permeado de valores, os quais podem ter como ponto de partida tanto

fatos naturais, involuntários e submetidos ao princípio da causalidade, quanto os atos

decorrentes da vontade humana, cuja normatização permite ou a predeterminação dos

efeitos da conduta ou a eventual imposição de pena imposta pelo órgão institucionalizado

para tanto ao agente da conduta valorada negativamente como nociva à organização

social, ambos os casos regidos pelo princípio da imputação.

O mundo jurídico é, portanto, um subconjunto do mundo dos fatos, ou melhor

dizendo, um subsistema do sistema social, constituindo um corte que o cientista ou

profissional do direito são obrigados a fazer para que possam determinar com precisão o

objeto de sua atuação. Mas em momento algum há desvinculação entre o mundo dos fatos

e o mundo jurídico, pelo contrário, entre eles há uma umbilical relação entre continente e

conteúdo respectivamente18

.

José Maria Tesheiner em coautoria com Lucas Baggio19

ressaltam a inexistência de um

mundo jurídico alheio ao chamado mundo fático. De nosso lado, entendemos, como

descrito anteriormente, que essa qualificação e distinção entre esses mundos fazem-se

necessárias para que se possa trabalhar com maior objetividade, mas a natureza

17 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico: Plano da Existência, 7ª ed. atual, São Paulo,

Saraiva, 1995, p. 34. PASSOS, J. J. Calmon de. Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades

processuais. 1ª ed. 4ª tiragem. Rio de Janeiro, Forense, 2009, pp.15-23. 18

Discorre com mestria sobre o tema, MELLO, Marcos Bernardes de. Op. cit. pp. 35- 76.

19

TESHEINER, José Maria Rosa e BAGGIO, Lucas Pereira. Nulidades no Processo Civil Brasileiro, Rio

de Janeiro, Ed. Forense, 2008, pp 5-41; Os autores asseveram que a aceitação do mundo jurídico pressupõe

também a idéia de que é o Direito quem regula a sociedade, e não a sociedade quem se auto-regula através

do Direito.

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conceitual que o mundo jurídico apresenta repele qualquer contraposição entre esses

mundos.20

Destarte, a norma jurídica trabalha com a previsão de fatos (suporte fático abstrato). A

ocorrência, no mundo dos fatos, da conduta conforme o modelo abstrato previsto no

ordenamento- o chamado suporte fático concreto, faz com que a norma incida sobre ele,

qualificando-o também como fato jurídico, cabendo ao homem a verificação e as

condições determinantes da suficiência dessa incidência.

Haja vista o predomínio do caráter axiológico e teleológico existente na determinação dos

fatos hipotéticos descritos pelas normas, a atividade de verificação da subsunção do fato

concreto àquele preestabelecido pela norma apresenta papel fundamental, possibilitando

ao intérprete e aplicador do direito uma maior aproximação entre a abstração da norma e

os fatos concretos. A maior complexidade das relações humanas municia essa atividade

de requintes cada vez mais intrincados, não mais satisfazendo a verificação quase

mecânica da subsunção do fato à norma, e a riqueza de situações que se lhe apresentam,

exigem dele um olhar criativo, não apegado a critérios puramente técnico-jurídicos e uma

postura do julgador constantemente preocupada com os problemas da sociedade em que

vive e das funções que sua Ciência é vocacionada a cumprir e que constituem sua razão

de ser.21

Assim, torna-se essencial essa atividade de compreensão e qualificação jurídica dos fatos

tanto na seara legislativa, momento em que são estabelecidos os suportes fáticos abstratos

20 Cf. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. 3ª Ed. São

Paulo, Malheiros, 2010, 480 e n. 117, em que o autor, retomando o pensamento de Pontes de Miranda,

afirma que o ser juridicamente e não-ser juridicamente separam os acontecimentos em fatos do mundo

jurídico e fatos estranhos ao mundo jurídico.

__________________

21 Essa questão é destacada por BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica

processual. 3ª Ed. São Paulo, Malheiros, 2010, pp. 417-4 nas quais o autor aconselha que não se deve

limitar à análise dogmática ao interpretar as normas do Direito, sem considerar as experiências que

antecedem à positivação das regras ou as finalidades com que são instituídas. Orienta também que é

necessário cuidado para que o resultado da interpretação não represente exclusivamente a valoração

axiológica de quem a faz.

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que incidirão sobre os acontecimentos fáticos e conforme o modelo abstrato previsto pela

norma para sua qualificação como jurídicas, como também no plano judicial, no qual se

busca a aplicação dessas normas jurídicas pré-estabelecidas como meio de resolução de

conflitos e de pacificação social, enfim, da realização do direito.

Para esse mister, além da atuação da vontade que reflete os aspectos axiológicos reinantes

na sociedade, trabalha muitas vezes o legislador com conceitos jurídicos abertos e

indeterminados22

, valorizando a atuação do interprete na aplicação do direito à medida

que lhe cabe a determinação do sentido e alcance da norma, demonstrando também o

caráter fundamental dessa atividade.

À guisa de conclusão, valemo-nos dos escritos de Calmon de Passos, que sintetiza de

forma irretocável as idéias apresentadas neste capítulo:

(...) na ordem qualificada de social nada é em si mesmo e necessariamente lícito ou

ilícito, devido, proibido ou permitido, sem que sobre isso haja um dizer prévio do

homem. Destarte, é uma particular forma de compreensão da conduta o que dá ao fato

sua qualificação jurídica. Assim sendo, o jurídico não está no fato nem na conduta, sim

no modo pelo qual o homem compreende o seu agir, em sua dimensão social, com vistas

a atender ao imperativo de dar consistência, conseqüências e ordenação à convivência

humana, não submetida a fatores determinantes no mesmo nível em que isso se dá entre

animais que parecem conviver de modo organizado, a exemplo das abelhas e das

formigas23

.

22 Consultar AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução. 6ª ed.; rev., atual. e aum. Rio de Janeiro,

Renovar, 2006, pp.53-106; BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica

processual. 3ª Ed. São Paulo, Malheiros, 2010, p. 431; CABRAL, Antonio do Passo. Nulidades no

Processo Moderno: Contraditório,Proteção da Confiança e Validade Prima Facie dos Atos Processuais. 2ª

ed. Rio de Janeiro. Editora Forense, 2010, p. 44. 23

PASSOS, José Joaquim Calmon de. Esboço de uma Teoria das Nulidades Aplicadas às Nulidades

Processuais, Rio de Janeiro, Ed. Forense, 2009, p. 11.

Page 17: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

3. NULIDADES NO DIREITO MATERIAL E NO DIREITO

PROCESSUAL.

O tema das nulidades, embora pertencente à teoria geral direito24

, apresenta

especificidades em cada um dos ramos jurídicos em que é analisado. As notas peculiares

das nulidades no tocante ao direito processual torna esse tema um dos mais complexos e

intrincados para os estudiosos desse ramo jurídico.

Bem ressalta esse aspecto Moniz de Aragão25

quando afirma que o capítulo das

nulidades é um dos mais árduos do Código, sendo simultaneamente seu ponto alto, à

medida que guarda a inteireza do ato, e baixo, por servir de abusos e deformações.

Afirma também Komatsu26

a insuficiência dos métodos de transposição do

modelo das nulidades estabelecidas pelo direito material para a estruturação da disciplina

no âmbito processual. Outrossim, ressalta o autor, que a matéria não pertence com

exclusividade a nenhum ramo específico do direito, mas antes à Teoria Geral do Direito.

24 CABRAL, Antonio do Passo. Nulidades no Processo Moderno: Contraditório,Proteção da Confiança e

Validade Prima Facie dos Atos Processuais. 2ª ed. Rio de Janeiro. Editora Forense, 2010, p. 19

.DALL’AGNOL JÚNIOR, Antônio Janyr. Invalidades Processuais. Porto Alegre: Letras Jurídicas Editora,

1989, p.44 prega que entre os autores dissenso maior inexiste quanto a pertencer o tema das nulidades à

Teoria Geral do Direito, sendo, portanto, consideráveis as elucubrações, avanços e poderações levadas a

efeito neste campo ( pouco importando que, até há pouco, realizavam-se, precipuamente, pelos cultores do

Direito Civil. Entretanto, ressalta que recebe tratamento específico, na medida em que visualizada pelos

diferentes ramos do direito. Humberto Theodoro Jr em seu Curso de Direito Processual Civil. 48ª ed.. Rio

de Janeiro: Forense, 2008, vol. I.p. 330 também ressalta que a nulidade dos atos é categoria pertencente à

teoria geral do direito, obedecendo-se aos elementos e aos requisitos previsto na lei material- agente capaz,

objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei. Para esse autor, no que toca à violação de forma legal, é

onde mais se mostra importante a teoria das nulidades processuais, dado o caráter instrumental do processo

e da indispensabilidade da forma para se alcançar seus designios. Ver também DIDIER JR, Fredie. Curso

de Direito Processual Civil, v. I. 6ª Ed., amp, rev. e atual.Salvador, JusPodivm, 2006.p. 238 que defende a

aplicação de todas as noções da teoria geral do direito sobre o plano da validade dos atos jurídicos ao

sistema das invalidades processuais, mas aconselha que essa tarefa deve ser efetuada com cautela em

função das especifidades existentes nesse ramo do direito e que a diferenciam dos demais.

25 MONIZ DE ARAGÃO, Egas Dirceu. Comentário ao Código de Processo Civil. v.II arts. 154-269, 1ª ed,

Rio de Janeiro. Editora Forense, 1974, p. 271.

26 Cf. KOMATSU, Roque. Da invalidade no processo civil. São Paulo, RT, 1991, pp. 17-28.

Page 18: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

A simples transposição27

do modelo estabelecido para as nulidades do direito

material, vinculadas ao modelo privado, para o direito processual não é suficiente, sendo

necessário aquilo que a doutrinadora Teresa Wambier, de forma profícua, nomeou de

mudança de base28

para a estruturação de uma teoria das nulidades no âmbito do Direito

Público, levando-se em conta as particularidades29

e também os objetivos e valores

inerentes ao direito processual.

Nota característica que distingue os dois modelos é a inexistência de nulidade de

pleno direito no Processo. Nesse sentido, Calmon de Passos30

afirma ser contrário à

classificação estabelecida por Galeno Lacerda em absoluta e relativa no campo

processual, haja vista a necessidade de pronunciamento judicial para a constituição das

nulidades nesse ramo do direito, não havendo, assim, nulidade que não fosse decretável

de ofício e, portanto, despicienda a classificação das nulidades relativas implementada

por Galeno.

27 DEMARCHI, Juliana. Ato Processual Juridicamente Inexistente- Mecanismos Predispostos pelo Sistema

para a Declaração da Inexistência Jurídica. Revista Dialética de Direito Processual 13. São Paulo:

Oliveira Rocha, abril/2004, p. 43 aduz que concluindo-se pela existência do ato após juízo de suficiência,

em se tratando de ato jurídico lato sensu, passa-se ao exame da sua regularidade, que consiste na

conformidade do ato jurídico com as prescrições legais, ou seja, com o atendimento de todos os requisitos

exigidos para a sua validade. A autora ressalta que tal operação não consiste em mera transposição dos

conceitos consolidados pelo direito privado para a esfera processual, notadamente porque o regime das

invalidades (nulidades) nesses dois ramos é bastante distinto. DALL’AGNOL JÚNIOR, Antônio Janyr.

Invalidades Processuais. Porto Alegre: Letras Jurídicas Editora, 1989, p. 27 em que o autor também

ressalta a equivocidade da transplantação, no dizer do autor, da sistemática das nulidades do direito privado

ao direito público, e, particularmente, ao direito processual.

28 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença 6ªed. rev, atual. e ampliada, São

Paulo, RT, 2007, p. 147.

29 Cf. CABRAL, Antonio do Passo. Nulidades no Processo Moderno: Contraditório,Proteção da

Confiança e Validade Prima Facie dos Atos Processuais. 2ª ed. Rio de Janeiro. Editora Forense, 2010, p.

22 na qual o autor ressalta a questão da inserção dos atos na cadeia do procedimento que conduzirá à

necessidade de análise conjunta dos atos.

30

PASSOS, J. J. Calmon de. Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais. 1ª ed.

4ª tiragem. Rio de Janeiro, Forense, 2009, pp. 141-2

Page 19: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

Cândido Rangel Dinamarco31

, além de ressaltar a insuficiência da transposição do

sistema das nulidades no direito material para o direito processual, destaca que a

necessidade de pronunciamento judicial para a constituição das nulidades no processo

poderia levar o intérprete ou aplicador do direito à conclusão de que todo ato viciado

seria anulável e, então, não existiriam atos nulos em direito processual, mas que essa seria

uma indevida adoção de conceitos e métodos privatísticos, no campo de um ramo jurídico

que é eminentemente público.

Assim, as nulidades em direito processual decorrem necessariamente de ato da

autoridade jurisdicional com natureza constitutiva-negativa, não sendo, portanto, correto

no aspecto técnico-jurídico referir-se ao fenômeno como declaração de nulidade, mas,

sim, de decretação ou pronunciamento da nulidade para que não ocorram confusões com

os atos em que o juízo apenas reconhece situação preexistente à sua declaração.32

Ao

tratar do tema, Calmon de Passos33

observa que no CPC encontramos várias disposições

referentes a nulidades que é utilizada de forma extremamente confusa, ora falando em

declarar, ora em decretar ou ainda em pronunciar e ressalta que é falha da linguagem

técnica do legislador porque no termo pronunciar pode-se conter tanto aspecto de

declarar, quanto o de decretar, mas que a diferença entre eles não deveria ser desprezada.

Decretar é pronunciar constitutivamente, compor, estabelecer, dar vida, ser base ou parte

essencial de alguma coisa; ao passo que declarar é apenas reconhecer o já existente,

proclamá-lo, esclarecê-lo e conclui que diante do descuido técnico do legislador, a

literalidade do texto não orienta, antes confunde, impondo-se uma hermenêutica

sistemática.

31 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, vol. II. 6ªed. rev. e atual. São

Paulo, Malheiros, 2009, p. 608.

32 Esse aspecto é tratado com profundidade em CABRAL, Antonio do Passo. Nulidades no Processo

Moderno: Contraditório,Proteção da Confiança e Validade Prima Facie dos Atos Processuais. 2ª ed. Rio

de Janeiro. Editora Forense, 2010, p. 21. DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil, v. I. 6ª

Ed., amp, rev. e atual.Salvador, JusPodivm, 2006, p. 237 na qual o autor afirma que não se declaram

nulidades, mas decretam-se nulidades. Defendendo a ausência de importância à distinção entre as

expressões pronunciamento de nulidade, declaração de nulidade ou decretação de nulidade,

GONÇALVES, Aroldo Plínio. Nulidades do processo. 1ª ed, 2ª tiragem.Rio de Janeiro, Aide Editora, 2000,

pp. 55-6.

33 PASSOS, J. J. Calmon de. Op. cit. pp. 128-9.

Page 20: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

Dessa diferença, decorre outra que em nosso entender também assume aspecto

preeminente no tocante ao tema das nulidades no âmbito processual. Trata-se da total

separação entre o vício que macula o ato ou o processo e a nulidade, que será

conseqüência do vício que se apresentam relevantes, dadas as circunstâncias do caso

concreto. Não há que se falar em nulidade, antes do exame de suficiência para sua

decretação pelo juízo, sendo que os vícios que maculam o ato e obstam o alcance da sua

finalidade são anteriores e apresentam relação causal para sua decretação. A nulidade

somente existe após esse ato constitutivo do juízo e por não perceberem tão relevante

distinção, alguns doutrinadores acabam baralhando os fenômenos.34

Calmon de Passos35

define nulidade como uma desqualificação determinada pelo

sistema jurídico, no tocante a certo suposto, por entendê-lo inapto para justificar a

imposição da consequencia que lhe seria própria, inaptidão essa derivada da atipicidade

relevante desse suposto, vista essa relevância em consonância com o enlace que a mesma

ordem jurídica estabelece entre a vontade do sujeito agente e o resultado

normativamente previsto. Desqualificação porque a nulidade não é algo ínsito à própria

conduta juridicizada, sim o resultado de um juízo constitutivo do agente político

legitimado para essa função, que retira, na espécie, a imputabilidade do suposto. Essa

desqualificação não resulta de imediato da atipicidade do suposto, ou seja, ela por si só

não acarreta a consequência da nulidade, porque a desqualificação se opera mediante

uma correlação entre a atipicidade do suposto e a função que a ordem jurídica, na

hipótese, atribuiu à vontade do sujeito agente.

34 MALACHINI, Edson Ribas. Das Nulidades no Processo Civil. In: Revista de Processo n.09, jan/mar.

1978. pp. 57-70 que em vários momentos de seus escritos parece não fazer distinção entre o vício que

macula o ato e a nulidade, que é conseqüência necessária, mas não suficiente, da existência desses vícios;

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença 6ªed. rev, atual. e ampliada, São

Paulo, RT, 2007, p.196 que traz a seguinte afirmação: Em nosso entender, sentenças nulas transitam em

julgado fazendo nítida confusão entre os conceitos que não se misturam. Ora, se a sentença é nula, e em

direito processual, o nulo sempre decorre de ato desconstitutivo ou constitutivo negativo do órgão julgador

e tem como conseqüência sua remoção do mundo jurídico e se a sentença não mais integra o mundo

jurídico, há impossibilidade de acobertar-se com o manto da coisa julgada. 35

PASSOS, J. J. Calmon de. Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais. 1ª ed.

4ª tiragem. Rio de Janeiro, Forense, 2009, p.38.

Page 21: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

Destarte, cumpre distinguir a tipicidade relevante da atipicidade irrelevante. Os

parâmetros que orientarão a diferenciação entre elas se apresentam também como nota

característica dos adeptos da premissa instrumentalista do processo, para quem o

processo é mero instrumento de atuação do direito material, cuja legitimidade está

diretamente relacionada a sua capacidade de produzir resultados justos, tanto no aspecto

material, que consistiria na oferta da tutela jurisdicional àquele amparado pela tutela

jurídica36

, quanto no âmbito processual, pautada na observância das finalidades

inspiradoras das garantias ofertadas às partes pelo legislador, que se apresentam

intimamente vinculadas à legitimidade e ao acerto da decisão a ser proferida.

Ressaltamos a necessidade da correta identificação e valorização dos fins ao que o

legislador visava proteger com a instituição das formas na prática dos atos processuais,

que possuirá, assim como o próprio processo, natureza instrumental, admitindo-se que,

não obstante a inadequação formal dos atos não lhes sobrevenha a decretação da

nulidade, se os fins a que visava proteger o legislador foram atingidos, tendo-se, assim,

que as atipicidades relevantes serão aquelas que macularem valores protegidos pelas

normas instituidoras de requisitos formais e não o simples fato de terem sido praticados

de forma distinta daquela legalmente prevista, advindo daí o conceito de prejuízo que

tangencia toda a temática das nulidades processuais.

Entendemos não haver conflito entre justiça material e justiça processual nesses casos; ao

contrário, os dois conceitos se complementam, uma vez que a justiça processual não deve

consistir na observação irracional e tão somente apegada aos requisitos formais, sem a

observância dos motivos e da conjuntura37

que levaram a sua instituição pelo legislador,

36 BAGGIO, Lucas Pereira e TESHEINER, José Maria Rosa. Nulidades no Processo Civil Brasileiro. Rio

de Janeiro, Editora Forense, 2008, pp. 08-29.

37 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. 3ª Ed. São Paulo,

Malheiros, 2010, p. 439 prega não apenas a análise finalística dos atos processuais, mas questiona,

inclusive, as formas predeterminadas pelo legislador, ou seja, efetua análise do sucesso do legislador no

estabelecimento de formas típicas para a proteção de valores no processo. Quando considerada infrutífera

essa tarefa ou vislumbra forma mais eficiente para a proteção desses mesmos valores, o doutrinador admite

a desconsideração dessas formas típicas dos atos, isto é, além da questão da atipicidade irrelevante

decorrente da ausência de prejuízo decorrente da inadequação formal do ato, Bedaque defende também a

desnecessidade de obediência àquilo a que chamou de forma inútil, em função de conferir maior

Page 22: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

próprios de fases superadas do direito processual e da sua visão como subproduto do

direito material. Constitui excesso de zelo o apego acrítico às questões formais do

processo e a decretação de nulidades de atos viciados, mas, que quando analisados sob o

seu aspecto finalístico, revelaria a natureza contraproducente dessa atividade.

A estruturação do método estatal de solução de controvérsias apresenta nítida natureza

pública e instrumental em relação ao direito material que lhe inspira, impondo que,

embora indiscutivelmente necessária, a técnica processual deva sofrer flexibilizações para

a melhor realização do próprio direito material discutido. Há muito está superada a

necessidade de constituir-se autonomamente a Ciência Processual, e tal postura

metodológica em tempos atuais se apresenta anacrônica e pouco funcional numa

sociedade em mudança contínua e que requer do direito a fotografia o mais possível fiel

de sua realidade.

4. FATO, ATO E NEGÓCIO JURÍDICO.

Na multiplicidade de acontecimentos ou condutas possíveis no mundo, o direito seleciona

algumas sobre as quais incidirão normas e para as quais atribuirá consequências jurídicas.

Temos nesse caso o que chamamos de fato jurídico lato sensu. Dentro dos fatos jurídicos

lato sensu, àqueles que forem decorrentes de acontecimentos da natureza e para os quais

a vontade do homem seja irrelevante na sua determinação, chamaremos de fatos jurídicos

estricto sensu.

Internamente ao grupo dos fatos jurídicos lato sensu e que não pertençam aos fatos

jurídicos estricto sensu teremos a determinação de outro grupo: aquele em que a vontade

do homem se faça presente e ao qual nomeamos o gênero dos atos jurídicos lato sensu.

Intrinsecamente a este, temos duas espécies de atos: a do conjunto de atos em que a

vontade seja determinante somente para a prática do ato, sendo irrelevante para a

efetividade do processo, sem prejuízo do necessário equilíbrio entre legalidade – liberdade que as formas

preservam na prática dos atos processuais.

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determinação dos seus efeitos, a que nomeamos atos jurídicos estricto sensu; e a do

conjunto de atos para os quais o ordenamento jurídico permite a determinação voluntária

não apenas para a prática do ato, como também para a determinação dos seus efeitos,

fenômeno conhecido com negócio jurídico.

Os atos processuais se inserem na categoria dos atos jurídicos em sentido estrito.38

Entretanto, é extremamente acirrada a discussão doutrinária quanto à existência ou não de

negócios jurídicos processuais, e assim, pelo fato de essa última discussão transcende aos

objetivos da presente monografia, não abordaremos o assunto com maior profundidade,

limitando-nos apenas a fazer referência a doutrinadores que trataram dessa questão39

.

Ao dissertar sobre a classificação dos atos processuais no campo dos atos jurídicos

estricto sensu, Calmon de Passos ressalta que ordenamento ao considerar a vontade

apenas para a prática dos atos processuais e não para a determinação dos seus efeitos

estaria elegendo a finalidade a que ele visa como o elemento central e não a estrita

necessidade de obediência às questões formais também preestabelecidas. São do autor as

seguintes palavras: Quando de atos jurídicos em sentido estrito se trata, opera,

decisivamente, a circunstância de que a conseqüência é imputada ao suposto,

diretamente, por prescrição do direito objetivo, prescindindo-se da adequação da

vontade do sujeito a esse resultado. Excluída do âmbito da vontade do sujeito é ela,

38 O tema é tratado por quase a totalidade dos doutrinadores que debruçou-se sobre o

tema. Ver, por todos, PASSOS, J. J. Calmon de. Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às

nulidades processuais. 1ª ed. 4ª tiragem. Rio de Janeiro, Forense, 2009, pp. 43-70 em que o autor trata com

grande profundidade sobre o tema, inclusive com estudo sobre a questão da processualidade do ato, que

excede aos objetivos desse estudo.

39 Sobre o tema, pregando a inexistência de negócios jurídicos processuais, ver DINAMARCO, Cândido

Rangel. Instituições de direito processual civil, vol. II. 6ªed. rev. e atual. São Paulo, Malheiros, 2009, pp.

607-8; PASSOS, J. J. Calmon de. Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais.

1ª ed. 4ª tiragem. Rio de Janeiro, Forense, 2009, pp.62-3.. Defendendo a existência de negócios jurídicos

processuais, consultar WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença 6ªed. rev,

atual. e ampliada, São Paulo, RT, 2007, p. 168.

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conseqüência, em si mesma, que assume relevância e é a partir dela que se desqualifica o

suposto, por conseguinte se define sua invalidade.40

O art. 154 do vigente Código de Processo Civil é emblemático ao estabelecer que os atos

e temos processuais não dependem de forma determinada, senão quando a lei

expressamente a exigir, reputando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe

preencham a finalidade essencial. Consubstancia tal norma a instrumentalidade das

formas dos atos processuais, determinando que o aspecto formal dos atos ceda espaço

para seu fim, para o alcance de suas finalidades, implicando que seu modus faciendi41

seja suplantado pela causa finalis, inclusive por razões de economia processual.

5. OS PLANOS DA EXISTÊNCIA, DA VALIDADE E DA EFICÁCIA E SUAS

PARTICULARIDADES NO ÂMBITO PROCESSUAL.

5.1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS.

Retomando o pensamento pontesiano42

, há uma tripartição do mundo jurídico em planos

da existência, da validade e da eficácia. Não obstante a diversidade de entendimentos e as

divergências reinantes no assunto43

, com a conseqüente confusão na precisa distinção

40PASSOS, J. J. Calmon de. Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais. 1ª ed.

4ª tiragem. Rio de Janeiro, Forense, 2009, pp.38-9. Ver também a exposição sintetizada sobre o assunto

efetuada por TALAMINI, Eduardo. Coisa Julgada e sua Revisão. São Paulo, Editora Revista dos

Tribunais, 2005, pp. 286-291.

41 Cf. CABRAL, Antonio do Passo. Nulidades no Processo Moderno: Contraditório,Proteção da

Confiança e Validade Prima Facie dos Atos Processuais. 2ª ed. Rio de Janeiro. Editora Forense, 2010, p.

45.

42

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, 4. ed.. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais. 1974, tomo I, especialmente o prefácio da obra pp. XIV- XXV.

43 Afirma KOMATSU, Roque. Da Invalidade no Processo Civil. . São Paulo, RT, 1991, p. 29 e n. 01 que

Caio Mario da Silva Pereira utiliza as seguintes palavras: “Empregamos os vocábulos ineficaz e ineficácia

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entre cada um desses planos, a exata compreensão das singularidades na análise dos

planos que apresentam no âmbito processual constitui-se como pressuposto essencial para

a análise e entendimento da sistemática, em nosso ordenamento jurídico, das nulidades

processuais, ou como querem alguns, invalidades processuais44

.

Vale ressaltar que a doutrina mais autorizada no assunto prega que existência, validade e

eficácia são três situações distintas por que podem passar os fatos jurídicos e, portanto,

não seria possível tratá-las como se fossem iguais.45

Essa análise, entretanto, no direito

processual é permeada de valores que torna essa atividade dissonante daquela

estabelecida no âmbito do direito material.

5.2 PLANO DA EXISTÊNCIA

Diante da inesgotável possibilidade de acontecimentos suscetíveis de ocorrerem no

mundo concreto, o sistema jurídico preestabelece alguns em relação aos quais uma vez

ocorridos provocarão a incidência da norma e a subsequente imputação dos efeitos que

ela determina. Obviamente, em razão da relação de espécie que o mundo jurídico

desempenha em relação ao mundo fático, haverá acontecimentos nesse último que não

serão relevantes àquele e por isso Pontes para efetuar melhor distinção nomeia os fatos

relevantes ao mundo jurídico como suporte

Essa subsunção entre o suporte fático suficiente e aquele hipoteticamente previsto pela

norma, são os elementos ensejadores da incidência da norma, que qualifica esse fato

social também como fato jurídico.

com sentido genérico, reservando as palavras nulidade e nulo, anulabilidade e anulável, existência, e

inexistente para a designação de tipos específicos de ineficácia. A nosso ver, ineficácia é gênero, de que são

espécies a nulidade, a anulabilidade e a ineficácia”. 44

A questão da nomenclatura em nulidade ou invalidade será discutida no capítulo 06, no qual serão

mostradas as divergências doutrinárias a respeito do tema. 45

Esse é o pensamento de MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico: Plano da Existência, 7ª

ed. atual, São Paulo, Saraiva, 1995. Teoria do Fato Jurídico: Plano da Existência, 7ª ed. atual, São Paulo,

Saraiva, 1995, p. 78 e também de Roque Komatsu, op. cit. p. 31

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Conforme ensina Marcos Bernardes de Mello: Ao sofrer a incidência de norma jurídica

juridicizante, a parte relevante do suporte fático é transportada para o mundo jurídico,

ingressando no plano da existência. Nesse plano, que é o plano do ser, entram todos os

fatos jurídicos, lícitos ou ilícitos. No plano da existência, não se cogita de invalidade ou

ineficácia do fato jurídico, importa, apenas, a realidade da existência. Tudo aqui, fica

circunscrito a se saber se o suporte fático suficiente se compôs, dando ensejo à

incidência. Naturalmente, se há falta, no suporte fático, de elemento nuclear, mesmo

completante do núcleo, o fato não tem entrada no plano da existência, donde não haver

fato jurídico46

.

Segundo Roque Komatsu47

, para a determinação do plano da existência, tudo fica

limitado a saber se o suporte fático suficiente se compôs, dando ensejo à incidência da

norma. A norma, ao juridicizar determinados fatos sociais, pressupõe nele a existência de

alguns elementos que seriam indispensáveis à caracterização da existência de todo e

qualquer fato, ato ou negócio jurídico. O jurista ora citado divide os elementos do ato

processual em dois grupos: elementos intrínsecos ou constitutivos e elementos

extrínsecos ou pressupostos do ato. O primeiro grupo abarcaria a forma e o objeto do ato

(além das circunstâncias negociais quando tratar-se de negócio jurídico); já o segundo

abrangeria os conceitos de agente, lugar e tempo.

De acordo com o festejado jurista, sem os citados elementos (agente, forma, objeto, lugar

e tempo), qualquer fato jurídico torna-se impensável. Bastaria a falta de um deles para

inexistir o fato, o ato ou o negócio jurídico e até a relação processual em alguns casos.

Precisando mais as situações: a) se faltarem os elementos tempo e espaço, não há sequer

fato jurídico; b) sem agente, poderá haver fato, mas não ato jurídico; e c) e finalmente,

sem circunstâncias negociais, poderá haver ato, mas não negócio jurídico48

.

46

MELLO, Marcos Bernardes de. Op. cit. p. 78. 47

KOMATSU, Roque. Op. cit. pp. 31-33. 48

KOMATSU, Roque. Op. cit. p.33.

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A doutrina também se refere à materialização dos elementos essenciais do ato para a

determinação de sua existência49

como expressão equivalente à verificação do suposto

fático suficiente, expressão cunhada por Pontes.

Entretanto, a mera referência à determinação de que a existência dos atos processuais

estaria condicionada à consubstanciação de seu suporte fático suficiente ou de seus

elementos essenciais, conforme descrito anteriormente, muito pouco acrescenta ao

deslinde das aflituosas questões com que os profissionais do direito se deparam

diuturnamente sobre o tema. Isso porque esses autores não descrevem quais seriam

exatamente esses elementos essenciais dos atos, sendo essa a maior dificuldade50

na

determinação dos atos inexistentes.

Dissertando sobre o tema, Calmon de Passos51

prega a impossibilidade de

estabelecimento com fórmula geral de quais os elementos que em determinado ato são

reclamados para a sua existência ou eficácia, e quais os reclamados para sua validade,

devendo-se pesquisá-los em cada caso concreto, segundo a sua função e segundo os

elementos ou os requisitos resultem indispensáveis para tal função ou apenas sejam

reclamados para seu correto, leal e eficaz desenvolvimento.

A análise centrada apenas na constituição do ato, em seus aspectos puramente subjetivos,

propicia que ao intérprete passe despercebido o fato de que a imposição da forma dos atos

processuais se apresenta como meio para a preservação dos valores a que o legislador

49 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel e GRINOVER, Ada Pelegrini.

Teoria geral do processo. 24ª Ed. São Paulo, Malheiros Editores, 2008, p. 370 afirma que em algumas

vezes faltam ao ato jurídico processual elementos essencias a sua constituição, a ponto de ser ele

inexistente perante o direito. É que, à falta desses elementos, o próprio ato, intrinsecamente, não reúne

condições para ser eficaz, sendo, portanto, um não-ato.

50 Cf. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. 3ª Ed. São

Paulo, Malheiros, 2010, p. 480 e n. 118 na qual afirma que é insuficiente para a caracterização a definição

da inexistência como falta de elementos constitutivos para a conformação do tipo legal porque acaba

incluindo a forma como requisito essencial de existência. À nota 119 da pág. 481 critica o pensamento de

Talamini que prega a existência de elementos essenciais em cada ato para a determinação de sua existência,

o que para Bedaque constitui a maior dificuldade na identificação da inexistência jurídica.

51 PASSOS, J. J. Calmon de. Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais. 1ª ed.

4ª tiragem. Rio de Janeiro, Forense, 2009, pp. 97-8.

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visava a proteger, implicando que se eles foram resguardados, não obstante a ausência do

ato ou que ele tenha sido praticado em desconformidade com o modelo legal, não haveria

que se falar em decretação de nulidade, que em tais casos teria apenas a função de

privilegiar a forma pela forma, sem comprometimento com os aspectos éticos e com as

funções inerentes ao processo, que cabe ao julgador assegurar e proteger em cada caso

concreto.

Há que se considerar o duplo aspecto quando da análise da estrutura íntima dos atos

processuais, ou até mesmo de sua ausência, e sua correlação com o procedimento.

Considerando-se a inerente interligação, combinação e unidade de escopo que consiste

em viabilizar a prestação da tutela jurisdicional que os atos apresentam no procedimento,

em muitos casos sua inexistência fática ou jurídica não possuirá o condão de ensejar a

nulidade do processo, em decorrência da ausência de prejuízo, que teria a função, para

darmos uma nomenclatura, de convalidar o processo, não obstante o vício ou ausência em

algum dos atos de seu procedimento. Tratando-se, portanto, de fenômenos distintos.

O apego aos aspectos intrínsecos do ato e dos vícios que o atingem acaba suscitando o

pronunciamento de nulidades de casos que elas seriam desnecessárias, quando analisados

sob o enfoque do alcance da finalidade do ato, não obstante a divergência com seu

modelo legal. Explicitando melhor: o que buscamos defender é o máximo aproveitamento

do processo, mediante a redução ao mínimo tolerável pelo sistema jurídico dos casos de

inexistência e permitindo-se a incidência das normas saneadoras dos vícios formais dos

atos52

. A análise pautada no aspecto finalístico do ato poderá afastar a decretação de

nulidade de processos, não obstante a existência vícios gravíssimos no seu procedimento.

Nesse sentido, dispõe o professor José Roberto Bedaque53

ao defender que mesmo a

ausência de citação, enquanto elemento essencial ao exercício do contraditório, embora

tratar-se de caso de nulidade absoluta do processo, comporta soluções distintas e pautadas

nas circunstâncias do caso concreto- por exemplo, o comparecimento do réu, nos termos

52

Cf. BEDAQUE, Op. cit. pp. 465-6 e nota 95 na qual o autor ressalta a necessidade de restringir o âmbito

da inexistência tornando possível a preservação do ato pela ausência de prejuízo.

53 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Op. cit. pp. 476-9.

Page 29: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

do §1º do art. 214 do CPC- ou do momento em que o vício é detectado. Assim, a ausência

de citação resolve-se no plano da eficácia da sentença proferido no processo, que

sobrevindo-lhe a coisa julgada, poderá o réu resistir pedindo o reconhecimento da

inexistência do vínculo com o autor ou se defender da pretensa eficácia da decisão.

A perfeita adequação dos atos ao seu modelo legal constitui obviamente o ideal a ser

perseguido no processo, notadamente porque afasta qualquer possibilidade de discussão

quanto à validade do ato praticado. Em função da adesão do nosso sistema jurídico ao

sistema da legalidade temperada pela instrumentalidade das formas dos atos processuais,

o julgador, não raro, deverá efetuar juízo valorativo quanto à existência, validade e

eficácia de atos processuais praticados em desconformidade com o modelo legal

preestabelecido. Nesse sentido, deverá o juízo determinar as providencias necessárias

para a regular citação do réu, não consentindo com o avanço do iter processual sem essa

providência.

Entretanto, tendo-se prosseguido indevidamente o processo, chegando a ser proferida

sentença, não obstante a ausência de citação do réu, tendo-se julgamento de

improcedência do pedido do autor, não haveria razão suficiente, até mesmo por questões

de economia processual, para a decretação de sua nulidade porque o prejudicado pelo

vício formal foi beneficiado pela tutela jurisdicional favorável, não lhe advindo prejuízo.

Em caso de julgamento favorável ao autor, a melhor técnica recomenda que o réu seja

considerado terceiro, não se submetendo aos limites subjetivos da coisa julgada. Em

ambos os casos, a celeuma é resolvida no âmbito da eficácia do ato, não sendo necessário

valer-se do conceito de inexistência, como defendido por eminentes doutrinadores

nacionais como Teresa Arruda Alvim Wambier54

e Roque Komatsu55

, por entenderem a

citação como pressuposto de existência do processo, o que constitui, data vênia,

excessivo apego à teoria da relação jurídica processual.

54 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença 6ªed. rev, atual. e ampliada,

São Paulo, RT, 2007, pp. 199-202.

55 KOMATSU, Roque. Op. cit. pp. 161-4.

Page 30: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

Para ilidir as críticas efetuadas de que essa proposta beira as raias do decisionismo56

porque amplia excessivamente os poderes do juiz, reintroduzindo-se o arbítrio judicial no

seio do processo, entendemos que a legitimação de tal posicionamento advém da

preservação dos valores imanentes ao processo, notadamente no alcance de sua maior

efetividade, sem abrir mão da observância das garantias ofertadas às partes, sobretudo o

contraditório e a ampla-defesa.

O estrito apego às questões formais do processo, sem se perquirir as finalidades

motivadoras das formas na prática do ato, em nome de uma suposta obediência à

legalidade, poderá, paradoxalmente, servir de veículo de lesão a nosso ordenamento

jurídico, em função da ausência de percepção de que a positivação é dos fins visados

mediante a imposição de formalidades e não dos requisitos formais ontologicamente

considerados. A idéia de instrumentalidade das formas, norteadora57

do sistema das

nulidades no direito processual brasileiro, traduz com muita eficiência essa questão,

viabilizando ao juízo tenha por convalidado os atos praticados de forma atípica no

processo e, assim, possa ampliar a oferta da tutela jurisdicional sem delongas e de forma

mais efetiva.

Entendimento contrário reflete a clausura de alguns juristas na torre de sua Ciência, num

apego às questões técnicas e aos dogmas que lhe são inerentes, esquecendo-se de que sua

atividade terá seu grau de legitimação diretamente proporcional a sua capacidade de

resolver os conflitos que lhes são apresentados, pacificando a sociedade, sobretudo com a

distribuição da justiça substancial. Não visa mais a Ciência Processual demonstrar o

caráter unitário e coerente de seus institutos, sendo essa visão pertencente à fase

autonomista de ramo do direito e que hoje comporta flexibilizações, sem prejuízo do

caráter sistemático que o direito processual apresenta, em função dos objetivos que ela

viabiliza na sociedade e notadamente dos conflitos a que é chamada a resolver.

56 CABRAL, Antonio do Passo. Nulidades no Processo Moderno: Contraditório,Proteção da Confiança e

Validade Prima Facie dos Atos Processuais. 2ª ed. Rio de Janeiro. Editora Forense, 2010, pp. 91-4. 57

Consultar arts. 154, 249 e 250 do CPC; art. 794 da CLT; art. 563 do CPP e art. 499 do CPPM.

Page 31: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

5.3 PLANO DA VALIDADE.

Previamente às discussões no tocante à validade dos atos processuais, temos como

essencial uma distinção que entendemos relevante no tratamento do tema. Convém

distinguirmos entre validade dos atos processuais praticados num determinado

procedimento da questão da validade da norma que impõe os requisitos formais para a

prática desses atos.

Bem percebeu tal distinção Calmon de Passos58

ao descrever que na análise da validade

da norma estaríamos no campo da produção originária do direito, de sua constituição

(criação), ao passo que, na apreciação de validade dos atos, estaríamos no campo de

aplicação das normas (dispor prático que nos transfere do plano do pensamento

(validade) para o plano da faticidade). Aconselha o doutrinador que essa dicotomia não

seja descurada em nenhum momento da reflexão do jurista porque ela exige teorização

diferenciada.

Sem atinar com essa diferença e valendo-se dos escritos de Tércio Sampaio Ferraz Júnior,

a doutrinadora Teresa Arruda Alvim Wambier59

, ao ressaltar a necessidade de

diferenciação entre os planos da validade e da eficácia descreve: Contudo, tratando-se de

fenômenos distintos, (referindo-se a atos viciados, que a doutrinadora distingue entre atos

nulos e anuláveis- divisão com a qual também não concordamos porque a primeira

classificação encerra o conceito de nulidade inerente ao ato) pode ocorrer que um ato

nulo nunca venha a ser como tal decretado e que tenha, portanto, sido eficaz por toda a

sua vida, embora carecendo de validade, pois “valer é uma qualidade contrafática, isto

é, o valer de uma norma [ou de um ato, acrescentamos nós] não depende da existência

real e concreta das condutas que ela prescreve”. Mesmo com a inclusão do texto entre

58 PASSOS, J. J. Calmon de. Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais. 1ª ed.

4ª tiragem. Rio de Janeiro, Forense, 2009, p. 25.

59 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença 6ªed. rev, atual. e ampliada,

São Paulo, RT, 2007, p. 137. Texto entre aspas e colchetes do original da obra; texto entre parêntesis

consiste em observações deste autor.

Page 32: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

colchetes60

visando a trazer os escritos do professor Tércio Sampaio para o campo de

discussão tratado pela doutrinadora, não podemos ter como válidas suas afirmações: ora,

se a validade do ato, como buscou enfatizar a doutrinadora, independe da conduta real e

concreta que a norma prescreve equivale a afirmar a possibilidade de haver atos

inexistentes fática ou juridicamente que seriam válidos, o que encerra nítida confusão

entre os planos jurídicos ora tratados.

Em nosso entender, o que o sistema não apenas permite como também incentiva é que

não obstante a inexistência de atos do procedimento, por mais relevantes que sejam, não

havendo prejuízo aos valores que eles abrigam, não sobrevenha a decretação da nulidade

do processo, numa importante manifestação do inter-relacionamento dos atos no

procedimento e de um dos seus corolários consistente no tratamento da nulidade do ato

em si mesmo considerado ou do processo como um todo.

Estabelecida tal premissa, centremo-nos no estudo da validade dos atos jurídicos e do

aspecto peculiar que a questão apresenta no tocante aos atos processuais. É clássica na

doutrina61

a idéia de que uma vez composto o suporte fático suficiente que enseja a

incidência da norma que lhe confere juridicidade, temos o ingresso do fato no mundo

jurídico, em seu plano da existência, cabendo, em relação aos atos jurídicos lato sensu, a

análise quanto a sua validade.

Segundo Komatsu62

, a validade é qualidade que o negócio ou o ato devem ter, ao entrar

no mundo jurídico, consistente em estar de acordo com as regras jurídicas (...). Válido é

adjetivo, predicado com que se qualifica o negócio ou ato formado de conformidade com

60

Aliás, consultando a 4ª edição dessa obra, constatamos que não havia essa observação da autora.

61 DALL AGNOL JR. Antonio Janyr. Invalidades Processuais- Algumas Questões. In: Revista de Processo

n. 67. São Paulo, Ed. RT, jul/set 1992, p. 155 prega que o ato será juridicamente existente quando

estiverem presentes seus elementos essenciais, ou segundo Pontes de Miranda, seu suporte fático for

suficiente. Quanto a sua validade, deve-se analisar se além do suporte fático suficiente ele também é

eficiente- ou não deficiente.

62 KOMATSU, Roque. Da invalidade no processo civil. São Paulo, RT, 1991, p.34.

Page 33: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

as regras jurídicas. Os requisitos, prossegue o autor, são aqueles caracteres que a lei

exige (requer) nos elementos do ato ou do negócio, para que este seja válido. São,

portanto, qualidades que os elementos devem ter.

Tendo clara essa noção de suporte fático suficiente, permitindo a incidência da norma e a

conseqüente juridicização do ato, que ingressa no mundo jurídico no plano da existência,

passa-se à analise de outra situação. É possível que o suporte fático do ato seja suficiente,

que determinariam a sua existência no mundo jurídico, mas que os elementos que o

compõem se apresentem de forma degenerada, deficitária,63

falando-se em suporte fático

suficiente, mas deficiente, ensejando-se a decretação de sua nulidade, e da conseqüente

privação dos efeitos que tiver produzido no processo64

. Entretanto, a invalidade não será

mera decorrência da inadequação do ato com seu modelo formal, impondo-se que nem

todo ato ou procedimento com vício será anulado.

Não satisfaz no processo a simples verificação da subsunção do fato à norma. O binômio

perfeição-eficácia a que se refere prestigiada doutrina65

não apresenta caráter absoluto e

sua flexibilização é não apenas necessária, nesse ramo do direito, mas também útil

quando efetuada de forma equilibrada e com bom-senso, requerendo do julgador

comprometimento com os aspectos éticos que permeiam o processo e não o apego cego

ao atendimento à forma, sem questionamento de sua razão de ser e das finalidades a que

visam amparar, em nome de um suposto legalismo66

que, na maioria das vezes,

63 Alguns doutrinadores utilizam como equivalente ao conceito de suporte fático suficiente de Pontes, a

verificação da existência dos elementos mínimos do ato como determinantes da sua própria existência,

como Dall Agnol in Invalidades Processuais- Algumas Questões In: Revista de Processo n. 67. São Paulo,

Ed. RT, jul/set 1992, p. 155 ao pregar que o ato será juridicamente existente quando estiverem presentes

seus elementos essenciais, ou no dizer de Pontes de Miranda, seu suporte fático for suficiente.

64 Cf. DALL’AGNOL JÚNIOR, Antônio Janyr. Invalidades Processuais. Porto Alegre: Letras Jurídicas

Editora, 1989, p. 18.

65 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, vol. II. 6ªed. rev. e atual. São

Paulo, Malheiros, 2009, p. 597 na qual é apresentada a seguinte afirmação: Há um eixo central no sistema

dos atos processuais, interligando os elementos do binômio perfeição-eficácia.

66 São esclarecedoras as palavras de BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e

técnica processual. 3ª Ed. São Paulo, Malheiros, 2010, p. 426 em que o autor afirma que a forma representa

Page 34: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

inviabiliza a prestação jurisdicional e coloca em xeque o próprio direito material67

discutido.

Essa análise da existência e da validade do ato é vista como um dos aspectos que

diferenciam os adeptos da premissa instrumentalista do processo em relação àqueles que

a ela não aderem. O que se busca na análise do plano da existência é a não-ampliação do

rol das situações determinantes da inexistência dos atos processuais, restringindo ao

mínimo necessário que cheguemos a situações em que elas ocorram ou em razão de

desconformidades na prática do ato material, que nesse caso não seria apto a ingressar no

mundo jurídico e constituindo-se apenas num fato social ou de situações de inexistência

no próprio mundo social do ato. A análise da ocorrência de prejuízo norteia ambas as

situações, sendo a análise do prejuízo analisada no tocante ao processo como um todo e

viabiliza sua decretação de nulidade em razão da inexistência de prejuízo, não obstante a

ausência do ato em si mesmo considerado;

No plano da validade, busca-se viabilizar que atos, embora praticados em

desconformidade com o modelo legal, embora não discutida a sua existência, possam

continuar válidos68

e produzindo também seus regulares efeitos, em homenagem a

valores maiores eleitos pelo sistema e que terminam por convalidar o vício do processo,

não obstante a permanência do vício do ato em si.69

Vê-se, assim, que é diminuta a importância da distinção entre inexistência e a nulidade

dos atos processuais, porque a ordem jurídica privilegia, nesse ramo do direito, o alcance

da finalidade e admite que se ela for alcançada de forma diversa, ou não obstante a

ausência do ato instituído para sua proteção, não haveria razão justificável para o

pronunciamento da nulidade, porque deve-se pautar o critério de análise do prejuízo tanto

para alguns juristas a garantia de legalidade, motivo pelo qual, muitas vezes, eles não se preocupam em

buscar a razão de ser de determinadas exigências, que se revelam destituídas de qualquer objetivo.

67Cf. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Op. cit. p. 428.

68 Cf. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Op. cit. p. 424 em que o autor afirma que o aspecto finalístico

visa a conferir validade e eficácia ao ato atípico e não somente reconhecer-lhes os vícios.

69 KOMATSU, Roque. Da invalidade no processo civil. São Paulo, RT, 1991, p. 263 em que o doutrinador

também ressalta que, embora convalidado o ato, o vício permanece.

Page 35: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

sobre o ato em si ou até de sua ausência, como também sobre a universalidade dos atos

do processo. Assim, poderá haver situações em que apesar do prejuízo decorrente da

mácula do ato em si, ou até mesmo de sua ausência na cadeia do procedimento, se não

houver esse prejuízo quando considerada a universalidade dos atos do processo, esse

vício será irrelevante. 70

Cabível ainda o aprofundamento das afirmações feitas acima. É possível que haja

prejuízo decorrente do vício do ato em si com reflexos na cadeia do procedimento e que

ainda assim não sobrevenha o pronunciamento da nulidade nos casos em que não houver

prejuízo no âmbito material à parte processualmente prejudicada, por exemplo, quando

houver decisão de mérito que lhe seja favorável, constituindo esse exemplo uma clara

manifestação da natureza instrumental do processo.

Adverte o professor Bedaque71

que talvez a única situação em que a distinção entre os

planos da existência e da validade torna-se relevante no direito processual seja no caso da

sentença, cujo vício ensejador da nulidade poderá ser convalidado pela coisa julgada, ao

passo que a sua inexistência não admitiria convalidação dela mesma, já que haveria

contradição em termos falar-se em coisa julgada, que é qualidade da sentença e de seus

efeitos72

, sendo que ela própria é inexistente. Entretanto, também não deverá o julgador

estar excessivamente apegado aos requisitos formais do ato para a determinação da

inexistência da sentença.

O artigo 458 do CPC estabelece que são requisitos essenciais da sentença seu relatório,

seu fundamento e seu dispositivo. Não obstante a primeira impressão decorrente da

leitura do texto legal conduzir-nos à conclusão de que a ausência de algum desses

70 Cf. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Idem, p. 445 na qual ressalta que o problema está em saber se

o vício que macula o ato ou mesmo a ausência de determinado ato processual constituem óbice

intransponível a que se aceitem os efeitos produzidos, desconsiderando-se a falha. 71

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Ibidem pp. 507-8.

72 Consultar CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel e GRINOVER, Ada

Pelegrini. Teoria geral do processo. 24ª Ed. São Paulo, Malheiros Editores, 2008, p. 329; BEDAQUE, José

Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. 3ª Ed. São Paulo, Malheiros, 2010,

p.475. Do mesmo autor, consultar também Direito e processo. 2ªed., 2ª tiragem São Paulo, Malheiros,

2001, pp. 96-101.

Page 36: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

elementos conduzira impreterivelmente à inexistência da própria sentença, uma leitura

mais acurada permite-nos afirmar que a ausência de relatório ou fundamentação encerra

caso de nulidade do ato, sendo plenamente possível sua convalidação pela eficácia

preclusiva da coisa julgada ou pela ausência de prejuízo.

Somente no caso de ausência de dispositivo estaremos diante de ato inexistente, uma vez

que nele consubstancia-se a prestação jurisdicional e sobre ele incide a coisa julgada, não

havendo hipótese de convalidação do vício do ato material praticado, mas que não se

subsume ao conceito de sentença. Fora desse caso, nada impede que a eventuais

desconformidades que inquinam a sentença sejam aplicados as mesmas espécies

normativas norteadoras do sistema das nulidades, como nos casos de sentença ultra ou

extra-petita, cujo parâmetro para a verificação do prejuízo será a plena garantia do

contraditório ter sido devidamente ofertado ao réu, exercendo-o, inclusive, quanto aos

termos que excedem ou exorbitam o pedido do autor e materializados na sentença; no

tocante à sentença infra-petita, embora também constitua caso de nulidade, a coisa

julgada somente incidirá nas questões expressamente decididas, nos termos do art. 468 do

CPC, não havendo impedimento para que o autor proponha nova Ação tendo por objeto

os eventuais pedidos não decididos naquela anteriormente proposta e sobre a qual não

houve prestação jurisdicional.

5.4 PLANO DA EFICÁCIA.

Inicialmente fazem-se necessárias algumas considerações que se apresentam deveras

elucidativas do conteúdo que será exposto a seguir. Trata-se, também, do estabelecimento

de uma separação que devemos ter muito clara em relação aos efeitos fáticos e aos efeitos

jurídicos.

Parece que a noção indistinta desses fenômenos, atrelada ao apego a questões

puramente lógicas por parte de alguns pensadores do Direito, constituem a base material

Page 37: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

para discussões que pouco acrescentam ao entendimento e deslinde de questões

complexas a aflitivas sobre o assunto em nosso sistema jurídico.

Muito se discute se a eficácia dos atos jurídicos se constituiria como a efetiva produção

de efeitos ou como a idoneidade ou aptidão para produzi-los.

O doutrinador Roque Komatsu destaca que ao falar do plano da eficácia, que pertine à

produção de efeitos do ato, não se trata naturalmente de todo e qualquer efeito desse ato,

mas dos efeitos próprios a que o ato visa produzir. Após discutir a conceituação de

eficácia jurídica, adota o critério da efetiva produção dos efeitos regulares do ato para a

caracterização de sua eficácia73

.

Data vênia, ousamos haver nesse critério confusão entre os planos fático e jurídico. Se

efeito jurídico é toda mudança de situação precedente, conforme ressalta o próprio autor é

toda diferença entre uma situação jurídica preexistente e uma outra sucessiva temos então

que essa mudança de situação é determinada pela constituição, modificação,

desenvolvimento, conservação ou extinção de direito, obrigação, poder, dever, faculdade,

ônus, sujeição ou estado. Se o ato jurídico é idôneo para a caracterização de uma dessas

situações, podemos dizer que ele é eficaz juridicamente, independentemente de sua

atuação no plano fático, embora não ignoremos que a tutela jurisdicional é buscada para

viabilizar o exercício de direitos nesse plano.

Jamais poderíamos dizer que uma sentença condenatória não é eficaz em razão da

ausência de propositura do Cumprimento dessa sentença para que seu autor se valha dos

instrumentos estatais para a satisfação prática de seu direito. O título executivo em si é

suficiente para produção de efeitos jurídicos e elemento necessário, mas muitas vezes não

suficiente para a produção dos efeitos no mundo concreto.

Adotam o pensamento pregado aqui de que a eficácia do ato é sua aptidão ou idoneidade

para produzir efeitos no mundo fático, tendo efetivamente efeito jurídico ao estabilizar

73

KOMATSU, Roque. Op. cit, pp. 36-37.

Page 38: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

uma situação jurídica, entre outros, Teori Albino Zavascki74

e também os eminentes

administrativistas Maria Sylvia Di Pietro75

e Celso Antônio Bandeira de Mello76

.

Outra distinção relevante que se faz em relação à ineficácia, é que poderá originar-se de

distintas situações: poderá ser decorrente da decretação da nulidade do ato, cujo objetivo

é exatamente privá-lo dos regulares efeitos77

produzidos no processo, por conter vício

intrínseco, e de outro lado, temos a ineficácia em sentido estrito, ou técnica, caracterizada

pela ausência de algum fator de eficácia do ato78

e, portando, contendo vício extrínseco,

podendo ser decorrente da natureza do negócio, como o evento morte, para a eficácia de

um testamento elaborado conforme os ditames legais, ou ser fruto da vontade dos

celebrantes do negócio, como na estipulação contratual de condição suspensiva. Nesse

último caso, o ato existe e é valido, mas ineficaz79

somente passando a produzir os seus

regulares efeitos quando da ocorrência de seu fator de eficácia.

74

ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das Sentenças na Jurisdição Constitucional. São Paulo, Editora

Revista dos Tribunais, 2001, p. 20.

75

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 22ª ed. São Paulo, Editora Atlas, 2009, p.206 76

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo, 23ª ed. ver e atual.São

Paulo, Editora Malheiros, 2007, p. 389.

77

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença 6ªed. rev, atual. e ampliada, São

Paulo, RT, 2007, p. 137 onde a autora afirma que normalmente os atos viciados tendem a ser privados de

efeitos, mas de seus efeitos típicos, isto é, daqueles a que são preordenados, nada impedindo que produzam

efeitos atípicos ou indiretos; DALL AGNOL JR. Antonio Jany, Invalidades Processuais- Algumas

Questões. In: Revista de Processo n. 67. São Paulo, Ed. RT, jul/set 1992, p. 157 cita que há atos válidos,

mas que por lhe faltar algum fator de eficácia, não produz seus regulares efeitos. Chama atenção também

para o fato de que há atos inválidos que produzem efeitos, como a citação determinada por juiz

incompetente, ou seja, os atos inválidos são impotentes para o produção de seus regulares efeitos, mas isso

não quer dizer que eles não possam produzir efeitos outros.

78

Dall Agnol in Invalidades Processuais- Algumas Questões. In: Revista de Processo, n. 67 jul/set 1992, p.

156 invocando Antônio Junqueira de Azevedo define fator como algo que concorre para um certo

resultado, sem propriamente dele fazer parte.

79 O doutrinador Freitas Câmara elenca como exemplo de ato válido, mas ineficaz o caso de fraude em

execução. Consultar CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Atualizada pelas

Leis 113672/2008 (recursos especiais repetitivos) e 11694/2008 (impenhorabilidade de verbas de partidos

políticos). 16ª ed.; Lumen Juris Editora, 2008, vol. II, pp. 202-205.

Page 39: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

5.5 A QUESTÃO DA INEXISTÊNCIA DE ATOS PROCESSUAIS E OS

EFEITOS PRODUZIDOS.

Tentaremos agora tratar da espinhosa questão da inexistência dos atos, podendo

ser decorrente da inexistência de ocorrência de fatos no mundo concreto ou de

acontecimentos no mundo fático, mas de forma insuficiente para torná-lo também

jurídico, sendo chamados de atos inexistentes juridicamente.

A inexistência dos atos processuais é categoria sobre a qual existe controvérsia entre os

doutos sobre sua existência, enquanto categoria autônoma. Doutrinador do tomo de

Ovídio Baptista80

entende ser muito difícil, dada a natureza instrumental da teoria das

nulidades, a categoria dos atos inexistentes em processo civil. Tece críticas à redação do

art. 37 e parágrafo único do CPC, que prescreve a inexistência dos atos praticados por

advogado sem instrumento de mandato, quando o sejam para evitar o perecimento do

direito de seu cliente, devendo ser ratificados pela oportuna exibição do respectivo

instrumento de mandato, e concluí apontando a incongruência da doutrina da inexistência

ressaltando que se o ato pode ser ratificado é porque existe.

Na verdade, insere o renomado doutrinador os chamados atos inexistentes na categoria

dos atos nulos, no que é seguido por Baggio e Tesheiner81

que afirmam a inexistência de

um plano da existência que se contraponha aos planos da validade e da eficácia e

ressaltam que a defesa da existência desse plano é corolário da incorreta separação entre

mundo fático e mundo jurídico.

80BAPTISTA DA SILVA, Ovídio Araújo. Curso de Processo Civil, 4ª ed. rev. e atual. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 1998, vol. I, pp. 218-221.

81 BAGGIO, Lucas Pereira e TESHEINER, José Maria Rosa. Nulidades no Processo Civil Brasileiro. Rio

de Janeiro, Editora Forense, 2008, p. 30

Page 40: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

Por aderir à categoria da inexistência dos atos, Antonio Janyr Dall Agnol Jr82

tece críticas

ao entendimento de Ovídio argumentando que o ilustre doutrinador faz confusão entre

inexistência e nulidade, e invoca Pontes, ao enfatizar que somente o que existe poderá ser

nulo- e para tanto precisa ser desconstituído, ao passo que inexistente não chega a

constituir-se, e, portanto, não precisaria ser desconstituído, mas apenas declarada tal

situação de fato. Interessante ressaltar que Dall Agnol utiliza o mesmo argumento de

Ovídio para refutar sua negação da categoria da inexistência dos atos- no sentido de que

seria exatamente a inexistência dos atos que suscitaria a proteção da aparência, fundada

em princípio como o da boa-fé.

Retomando novamente o pensamento pontesiano, as normas descrevem os elementos do

suporte fático abstrato, que uma vez ocorrido no mundo concreto, enseja sua incidência e,

conseqüentemente, torna esse fato do mundo também integrante do mundo jurídico. Pode

ocorrer, entretanto, que haja dificuldades na exata determinação de seu suporte fático

suficiente, ou seja, poderão existir situações em que a conduta prática do ato não guarda

perfeita relação com o seu modelo legal, ensejando a dúvida quanto à incidência da

norma que o juridiciza.

A percepção dessas situações é clara quando estamos diante de situações extremadas,

entretanto torna-se atividade de ampla dificuldade à medida que nos aproximamos da

linha demarcatória do jurídico e do não-jurídico; aliás, é exatamente essa a tarefa do

intérprete e aplicador do direito. Ninguém ousaria chamar de sentença o escrito em papel

em decorrência da simulação de julgamento pelo Tribunal do Júri no ambiente acadêmico

de uma faculdade de Direito, mas as situações limites requerem maior atenção para a sua

exata determinação, e claro, das conseqüências que daí advêm.

Na predeterminação dos elementos dos atos que conjugam sua própria existência, dos

requisitos que deverão ser dotados esses elementos para que sejam válidos , ou dos

fatores que poderão atuar sobre sua eficácia, estamos pensando na fisiologia do ato,

82 DALL’AGNOL JÚNIOR, Antônio Janyr. Invalidades Processuais. Porto Alegre: Letras Jurídicas

Editora, 1989, p. 20

Page 41: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

restando ao operador do Direito a simples análise do binômio perfeição-eficácia83

. No

direito romano, extremamente apegado aos aspectos formais do ato, a menor

desconformidade do ato ao seu modelo legal já se constituía como elemento

fundamentador de sua nulidade, vindo daí sua noção de identidade entre o nulo e o

inexistente.

Entretanto, em razão da tomada de consciência do papel que o Direito Processual

desempenha na sociedade, notadamente de seu caráter publicístico, de ser o método

estatal de resolução de conflitos, de pacificação social e de aplicação das normas

jurídicas, enfim, de realização do Direito, e também em função da maior complexidade e

massificação das relações intersubjetivas, já não é mais suficiente que a mera

inadequação na prática de atos processuais ao seu modelo para ensejar o pronunciamento

de sua nulidade. A simples inadequação do ato ao seu modelo já não atende aos anseios

da complexa sociedade hodierna, levando ao surgimento de novos parâmetros que

deverão ser levados em conta pelo intérprete e aplicador do direito para que tenhamos a

nulidade do ato ou do processo decretada e, nesse sentido, entendemos que o acolhimento

de nosso ordenamento ao sistema da instrumentalidade das formas, materializado na

análise do alcance da finalidade do ato e da ausência de prejuízo84

serão os balizadores da

análise implementada pelo julgador.

Assim estabelece a redação do art. 154 do vigente CPC: os atos e termos processuais não

dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir, reputando-

se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial. Não

obstante a redação dada no artigo, entendemos que a exigência da forma pelo legislador

visa a não permitir a abertura de discussões quanto à validade do ato, ou seja, diante da

identidade entre a forma descrita pelo legislador e sua ocorrência concreta, não haveria

83 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, vol. II. 6ªed. rev. e atual. São

Paulo, Malheiros, 2009, p. 597 afirma a existência de um eixo central no sistema dos atos processuais,

interligando os elementos do binômio perfeição-eficácia. 84

Assim estabelece a redação do art. 154 do vigente CPC: os atos e termos processuais não dependem de

forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir, reputando-se válidos os que, realizados de

outro modo, lhe preencham a finalidade essencial. Não obstante a redação dada o artigo, entendemos que a

exigência da forma pelo legislador visa a não permitir a abertura de discussões quanto à validade do ato, ou

seja, diante da identidade entre a forma descrita pelo legislador e sua ocorrência concreta, não haveria que

se discutir a validade do ato.

Page 42: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

que se discutir a validade do ato, estando essa análise centrada no âmbito do binômio

perfeição-eficácia.

Não permite nosso ordenamento a ilação de que os atos praticados em desconformidade

com seu modelo legal sejam nulos, requerendo-se análise concreta do julgador quanto aos

eventuais prejuízos decorrentes dessa inadequação, ou seja, a existência do binômio

perfeição-eficácia em nosso sistema processual não implica que os atos atípicos85

não

poderão produzir efeitos, ou que os efeitos produzidos devam ser desconstituídos pelo

Judiciário.

A maior complexidade e massificação das relações da vida hodierna aliada à vinculação

do direito processual à matriz do direito público geram situações que obrigam os

profissionais do direito a atuarem não na fisiologia, mas na patologia, flexibilizando o

binômio perfeição-eficácia, já que, em nome de uma suposta legalidade, o apego do

intérprete e aplicador do direito a questões formais destituídas de um juízo de finalidade

do ato não mais atende às necessidades prementes atuais, servindo muitas vezes de óbice

à prestação da tutela jurisdicional e ao próprio perecimento do direito material discutido,

além de conduzi-lo ao esquecimento de que o sistema das nulidades existe e tem sua

importância prática na preocupação com a eficácia dos atos viciados, isto é, que destoam

de seu modelo estabelecido pela lei.

A exata determinação dos parâmetros em que essa flexibilização se apresenta como

legitima, permitindo que atos, não obstante a inadequação com seu modelo legal possam

continuar produzindo seus regulares efeitos, se apresenta como um dos objetivos centrais

dessa obra, à medida que contribui para efetividade do processo e também para a

ampliação do acesso86

à ordem jurídica justa, desonerando o Judiciário e viabilizando

uma tutela jurisdicional mais célere, efetiva e justa, com o conseqüente distanciamento do

apego às questões formais que não apresentem razão teleológico-sistêmica e inviabilizam

85 CABRAL, Antonio do Passo. Nulidades no Processo Moderno: Contraditório,Proteção da Confiança e

Validade Prima Facie dos Atos Processuais. 2ª ed. Rio de Janeiro. Editora Forense, 2010, p. 23.

86 Cf. CABRAL, Antonio do Passo. Op. cit. p. 16 em que o autor acertadamente afirma que forma e técnica

não são valores excludentes, mas devem ser conjugados e coordenados no processo e que seu equilíbrio

favorece o acesso à justiça, exatamente no sentido que defendemos na presente obra.

Page 43: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

a própria prestação da tutela jurisdicional, colocando em risco, inclusive, o direito

material discutido.

Somem-se a isso, as deficiências ou insuficiências existentes nas previsões normativas,

que por vezes geram acirradas discussões doutrinárias sobre a sua aplicação obrigando,

não raro, que a doutrina e a Jurisprudência, mediante seu labor, tenham que suprir87

tais

deficiências.

Questão relevante, nesse sentido, é a redação do parágrafo único do artigo 37 do vigente

Código de Processo Civil, que prescreve como inexistentes os atos praticados por

causídico sem procuração e que não forem ratificados no prazo de quinze dias. A taxativa

conseqüência pelo legislador acaba abrangendo situações em que a medida se apresenta

como desproporcional e de excessivo caráter formalista e excessivamente apegado ao

aspecto ontológico do ato.

De acordo com a linha de pensamento até agora apresentada, a clara determinação entre o

jurídico e o não-jurídico requer do jurista equilíbrio e bom-senso na correta avaliação da

incidência ou não das normas, notadamente em função da utilização de conceitos abertos

e indeterminados nos textos legais e, principalmente, pela insuficiência do método

gramatical de interpretação. No caso em tela, apesar do causídico ter praticado ato

desacompanhado da devida procuração e também não tê-la juntado aos autos no prazo

legal, mesmo já estando o procedimento em fases já adiantadas quando da percepção

desse fato, a decretação da inexistência desse ato e da conseqüente privação dos seus

efeitos pode se constituir como medida excessiva nas situações em que o fato for

decorrente de mero descuido, sendo que as declarações de vontade apresentadas no ato

são verdadeiramente imputáveis às partes e presumíveis por outros atos que integram o

procedimento.

Ademais, há erronia intrínseca no texto legal. Conforme ressaltado anteriormente,

a determinação dos casos de inexistência não pode e não deve ser estabelecida de forma

87 Em sentido contrário, ver CABRAL, Antonio do Passo. Op. cit. p94.

Page 44: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

ampla e apriorística pelo legislador para abranger todas as situações possíveis, devendo-

se analisar as circunstâncias concretas, cujo intento de salvar o ato ou o processo e evitar

a decretação de nulidades deve estar presente, mas sempre legitimada pela inocorrência

de prejuízo.

Talvez aqui, o legislador, visando a evitar a ocorrência de situações em que o vício na

pratica do ato fosse convalidado, com a presunção da eficácia preclusiva da coisa julgada,

por exemplo, tenha optado pela determinação da inexistência do ato, uma vez que esses

atos não estariam sujeitos à preclusão ou convalidação, mas essa medida não se coadune

com a sistemática do ordenamento jurídico brasileiro, principalmente em razão da

necessidade de pronunciamento judicial para a constituição das nulidades.

Entendemos que no caso há excessivo apego aos aspectos formais do processo, que

passaria a apresentar caráter ontológico e não instrumental, na caracterização apriorística

da inexistência de atos praticados por procurador destituído de mandato não exibido no

prazo legal. É pouco razoável essa determinação com caráter absoluto pelo legislador,

com todos os riscos dos possíveis efeitos nocivos que ela poderia apresentar, muitas das

vezes, chocando-se com valores do sistema processual como economia, celeridade,

efetividade e justiça, e não raro, inviabilizando a prestação jurisdicional.

Se o intento do legislador foi constranger ao cumprimento da determinação formal,

entendemos que dispõe ele de ferramentas mais condizentes com a situação, cuja

utilização poderá variar conforme a fase em que se encontra o processo. Se o vício foi

percebido antes do proferimento da sentença, em vez da determinação imediata da

inexistência dos atos praticados e, por conseguinte, a extinção do processo por

desatendimento a esse pressuposto processual se concernente ao autor, ou a determinação

da revelia, se o vício é adjudicado ao réu, a determinação expressa da regularização do

ato, se possível até informalmente, atenderia à necessária economia processual e se

apresentaria mais consentânea com as finalidades do processo. Teríamos, in casu, uma

das questões mais defendidas pela doutrina hodierna no âmbito processual que consiste

Page 45: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

no aumento da participação do juiz correlacionada à ampliação das possibilidades de

influência das partes em suas decisões88

.

Portanto, entendemos tratar-se o caso de vício cuja sanabilidade, estando o processo

ainda em curso atenderia à necessidade de certeza de que as manifestações de vontade

contidas no ato viciado seriam de fato imputáveis ao ente89

nele indicado, atendendo-se

aos mandamentos do devido processo não apenas legal, como também constitucional.

Sendo proferida sentença favorável ao réu, mesmo havendo atuação indevida de

causídico em seu favor, o processo terá existido e será perfeitamente válido e eficaz, em

função da ausência de prejuízo tanto ao sujeito vencedor da demanda, quanto à parte em

desfavor de quem a sentença foi proferida, porque exerceu regularmente o contraditório e

não conseguiu demonstrar a plausibilidade de sua pretensão.90

Uma vez publicada a sentença, ato que esgota a competência do Juízo de 1º grau,

conforme norma do art. 463 do CPC, sendo impugnada a decisão mediante Apelação,

poderia o Tribunal também determinar a regularização do ato, nos termos do art. 515, §4º

do CPC, ou simplesmente convalidar o vício, se as circunstâncias concretas assim o

permitir, ou seja, norteando-se pela noção de ausência de prejuízo em decorrência da

inadequação formal.

Sobrevindo o trânsito em julgado da decisão, sem que o vício tenha sido convalidado no

curso do andamento processual, restaria ao prejudicado oferecer Ação Rescisória da

Sentença nos termos dos artigos 485, V e 495 do CPC, no prazo de dois anos, ou o vício

será convalidado do pela eficácia preclusiva da coisa julgada descrita no artigo 474 do

CPC. Ressalta-se que no julgamento da rescisória, poderá o juízo valer-se das espécies

normativas regentes das nulidades processuais.

88 Sobre esse tema essencial da processualística moderna, ver CABRAL, Antonio do Passo. Op. cit. pp.

103-73.

89

Se essa ilação puder ser obtida mediante a comparação do ato atípico com os demais atos praticados no

processo, o vício estará convalidado.

90BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. 3ª Ed. São Paulo,

Malheiros, 2010, pp.214-8.

Page 46: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

Transitando em julgado a sentença não impugnada ou o acórdão do Tribunal, devem-se

analisar os limites subjetivos e objetivos que possuem, não havendo que se falar em

inexistência por ausência de capacidade postulatória, devendo as discussões centrarem-se

no plano da eficácia, que será analisada em razão das circunstâncias em que a decisão foi

proferida, sendo que somente será apta a atingir a esfera de direitos daquele a quem foi

ofertada todas as garantias do devido processo legal, ou para impedir o avanço sobre a

esfera de direitos daquele que teve seu rol de garantias lesionadas, mas que não lhe

adveio, em conseqüência, nenhum prejuízo porque a decisão foi-lhe favorável no mérito,

podendo valer-se dela para impedir tal intento da contraparte.

Em ambos os casos, é plenamente possível em nosso sistema processual considerar essas

decisões válidas e eficazes, o que não seria possível no caso de excessivo apego à teoria

dos pressupostos processuais91

para manter o caráter dogmático da disciplina, como

preconiza a professora Teresa Wambier, mas que acaba sendo forçada a romper com o

rigor científico ao pregar que os casos de inexistência possam ser ratificados,92

quando o

que na verdade ocorre é a possibilidade de regularização do ato praticado de forma

irregular, não se cogitando nessa hipótese da famigerada preclusão consumativa, ou a

convalidação do vício em função da ausência de prejuízo.

6. NOMENCLATURA: NULIDADE OU INVALIDADE.

Significativa doutrina nacional adota o termo invalidade à nulidade. Essa opção é

fruto direto das premissas conceituais a que aderem no tocante ao tema das nulidades.

91 Sobre o avanço da Ciência Processual no sentido de que a ausência de pressupostos processuais não

constituiria óbice intransponível ao julgamento do mérito, ver SOUSA, Miguel Teixeira de. Sobre o

Sentido e a Função dos Pressupostos Processuais (Algumas Reflexões sobre o dogma da apreciação prévia

dos Pressupostos Processuais na Ação Declarativa). In: Revista de Processo n. 63; São Paulo: Ed. RT

jul/set 1991, pp. 74-87.

92 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença 6ªed. rev, atual. e ampliada,

São Paulo, RT, 2007, p. 146.

Page 47: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

Antonio Janyr Dall Agnol Jr93

tem a invalidade como gênero que abarca as espécies de

nulidade absoluta, relativa e anulabilidade, reconhecendo que muitos autores utilizam a

nomenclatura nulidade processual, sendo este o termo consagrado na doutrina e que

abarca a totalidade das situações, utilizado-o no mesmo sentido em que ele utiliza o termo

invalidade, mas ressalta a necessidade de purificação da linguagem jurídica, não sendo

aconselhável a utilização do mesmo nomem iuris referindo-se a fenômenos distintos.

Além de desse autor, preferem também o termo invalidade Roque Komatsu94

e

Teresa Wambier,95

embora essa eminente autora esclareça que em função de ser

consagrada a expressão Nulidade, ela a utiliza, mas sem ignorar as distinções que

fundamentam as diferentes nomenclaturas dos fenômenos.

Transparece, já na nomenclatura adotada, parte das premissas conceituais a que

adere o autor no tocante à opção pelo termo nulidade ou invalidade.em razão de que fatia

significativa doutrina é avessa à existência da categoria das anulabilidades no sistema

processual96

, por entender inexistentes as normas voltadas à proteção de interesses

eminentemente privados nesse ramo do direito, cujas normas seriam voltadas à proteção

do interesse público, esvaindo-se um dos fundamentos para a opção pelo termo

invalidade.

Sendo o direito processual um ramo do direito público, não há que se falar em

normas instituídas visando à proteção do interesse privado no âmbito do processo. Elas

sempre são voltadas ao interesse público, mesmo nos casos em que ofertam garantias às

partes, uma vez que são apenas meios para que o instrumento estatal cumpra seus escopos

93 DALL’AGNOL JÚNIOR, Antônio Janyr. Invalidades Processuais. Porto Alegre: Letras Jurídicas

Editora, 1989, p. 16.

94 KOMATSU, Roque. Da invalidade no processo civil. São Paulo, RT, 1991, p. 170 et seq.

95WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença 6ªed. rev, atual. e ampliada, São

Paulo, RT, 2007, p. 141.

96 Sobre o tema ver DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, vol. II. 6ªed.

rev. e atual. São Paulo, Malheiros, 2009, pp. 606-8; MITIDIERO, Daniel Francisco. O Problema das

Invalidades no Direito Processual Civil Brasileiro Contemporâneo, disponível em <htpp://abdpc.org.br>

acesso em 13 de julho de 2011.

Page 48: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

de pacificação com justiça e de forma consentânea com os valores reinantes num dado

momento histórico da sociedade, estando assim, sempre comprometidas com a ordem

pública. Essa premissa faz com que utilizemos como sinônimos os termos nulidade ou

invalidade.

7. PENSAMENTO DE EMINENTES DOUTRINADORES

NACIONAIS NO TEMA DAS NULIDADES.

7.1 A DOUTRINA DE GALENO LACERDA.

Deve-se a Galeno Lacerda97

a sistematização mais difundida no direito brasileiro

no tocante ao tema das nulidades processuais. A originalidade trazida pelo autor foi o

deslocamento da análise das nulidades processuais do aspecto subjetivo e centrado no

próprio vício que macula o ato, para o aspecto objetivo, ou seja, centrando-se na natureza

da norma e de seus aspectos teleológicos98

.

Dividiu o autor as nulidades das anulabilidades em função da natureza da norma

violada, sendo que as anulabilidades seriam fruto da violação de normas dispositivas, ao

passo que as nulidades seriam decorrentes de violação de normas cogentes. Estabelece

ainda o autor uma subdivisão dentre essas violações de normas cogentes: violação à

norma cogente tuteladora do interesse público originária nulidade absoluta, ao passo que

infringência àquela voltada à proteção do interesse particular, ensejaria a nulidade

relativa.

A conseqüência dessa classificação tripartite das nulidades consistiria no fato de

que as anulabilidades não permitiriam atuação de ofício pelo juiz, devendo as partes

97 LACERDA, Galeno. Despacho Saneador, 3ª. ed.. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1990, pp.

57-98. 98

Idem, ibidem, p. 72.

Page 49: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

interessadas reagirem a sua ocorrência para que sobrevenha a anulação. No tocante às

nulidades, em ambos os casos o juiz atuaria de ofício, mas de forma distinta, conforme a

categoria da nulidade que se lhe apresenta: no caso de nulidade absoluta, que para Galeno

tem natureza insanável, o juiz decretaria independentemente de provocação da parte essa

nulidade, ao passo que a ocorrência de nulidades relativas, o juiz atuaria de ofício para

determinar o seu saneamento, pela repetição, ratificação, ou pelo suprimento da omissão.

Dentre os cultores do modelo elaborado por Galeno no tocante às nulidades,

temos eminentes doutrinadores como E.D.Moniz de Aragão e Antonio Janyr Dall Agnol

Jr.99

De nossa parte, ressaltamos as imensas dificuldades que se apresentam aos adeptos

desse modelo para a correta diferenciação das normas que tutelariam o interesse público

ou o interesse privado, principalmente quando consideramos que o maior interesse

público existente no processo consiste na sua finalidade externa que é a supressão da

crise de direito material que o ensejou e, se para alcançar tal desiderato, houver

necessidade de flexibilização da técnica em favor do justo resultado não há que se

pestanejar, pelo contrário, há que se ter coragem, consciência e equilíbrio para a adoção

de medidas próprias de um sistema racional comprometido com os resultados a serem

produzidos e não com os aspectos ontológicos do instrumento e erige a forma como valor

absoluto no processo.

Embora tenha sido aceita a teoria das nulidades processuais elaborada por Galeno

Lacerda por grande parte da doutrina e jurisprudência nacionais, ela também sofreu duras

críticas por parte da doutrina100

que taxou de excessiva influência privatista em sua

elaboração , notadamente do Regulamento 737 de 1850 e também do Código Civil de

99

MONIZ DE ARAGÃO, Egas Dirceu. Comentário ao Código de Processo Civil. v.II arts. 154-269, 1ª ed,

Rio de Janeiro. Editora Forense, 1974, pp. 271-319. DALL AGNOL JR. Antônio Janyr. Invalidades

processuais. Porto Alegre: Letras Jurídicas Editora, 1989. Entretanto, Dall Agnol Jr. à p. 54 admite a

decretação de ofício da nulidade relativa, não obstante a preclusão para a parte em argui-la e, nesse ponto,

não foi plenamente fiel à doutrina de Lacerda, assim como também não o foi ao defender as irregularidades

dos atos processuais como categoria autônoma no processo.

100 CABRAL, Antonio do Passo. Nulidades no Processo Moderno: Contraditório,Proteção da Confiança e

Validade Prima Facie dos Atos Processuais. 2ª ed. Rio de Janeiro. Editora Forense, 2010, p. 72.

Page 50: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

1916.101

Resta salientar ainda que o próprio Galeno Lacerda submeteu a sua própria

teoria à análise crítica, terminando por flexibilizá-la, pautando-se no conceito de

sobredireito processual, pautado por regras que orientariam o intérprete quanto à

aplicação de outras normas que compõem o ordenamento e, no tocante às nulidades,

terminariam por evitar a sua decretação.102

7.2 AROLDO PLÍNIO GONÇALVES.

O doutrinador mineiro Aroldo Plínio Gonçalves dissertando sobre o tema das

nulidades processuais103

apresenta visão frontalmente oposta àquela sistematizada por

Galeno Lacerda.

Afirma que no processo não haveria normas instituídas para a proteção do

interesse particular, mas tão somente normas imperativas que disciplinam a atuação do

juiz e garantem a participação das partes no desenvolvimento regular do procedimento, e

não havendo assim que se falar em nulidade dos atos em função de violação do interesse

privado no processo.

Distingue também o autor que o tema das nulidades dos atos processuais deverá

ser pautado em dois momentos distintos: a) a essencialidade do ato, conforme a previsão

legal das conseqüências decorrentes de sua inobservância, e nesse sentido entendemos

que o doutrinador manteve-se excessivamente apegado aos dogmas positivistas ao pregar

a concretude da lei; b) a disciplina da aplicação das conseqüências.104

102 Sobre a questão, ver COSTALUNGA, Danilo Alejandro Mognoni. A Teoria das Nulidades e o

Sobredireito Processual. Diponível em <htpp://jus.uol.com.br/revista/texto/783/a-teoria-das-nulidades-e-o-

sobredireito-processual> acesso em 07 de julho de 2011.

103 GONÇALVES, Aroldo Plínio. Nulidades do processo. 1ª ed, 2ª tiragem.Rio de Janeiro, Aide Editora,

2000.

104 GONÇALVES, Aroldo Plínio. Op. cit. pp. 45-6.

Page 51: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

O doutrinador105

defende também que a distinção entre as nulidades cominadas,

que são aquelas textualmente previstas na lei processual, e as não-cominadas, que não são

previamente determinadas pelo legislador, mas subordinam-se a condições de

regularidade dos atos realizados no desenvolvimento de cada processo em sua concreta

especificidade, não estaria nos efeitos que sua declaração produz ou no grau de gravidade

do vício, mas apenas na legitimação do sujeito do processo para argüir a nulidade no

momento processual de sua alegação. Descreve que os critérios propostos pela doutrina

Destarte, para o autor, as nulidades cominadas devem ser declaradas de ofício

pelo juiz, a qualquer tempo, desde que não esgotada sua competência in casu, podendo-se

também, a parte que não lhes tiver dado causa, arguí-las no momento oportuno, conforme

previsão do art. 243 do nosso diploma processual. Assim, o autor faz aproximação entre a

chamada nulidade absoluta e a cominada e, por outro lado, entre as relativas e não-

cominadas106

.

Desfere também críticas107

à sistematização de princípios regentes das nulidades

efetuada em clássica obra doutrinária brasileira: causalidade, instrumentalidade das

formas, interesse e economia processual.108

Para o doutrinador, não haveria um princípio

da causalidade no processo, mas apenas condição de regularidade do ato processual que,

na estrutura do procedimento, possuir seus pressupostos que devem se configurar como

atos regulares e, no tocante à instrumentalidade das formas, que é um princípio que rege a

validade dos atos processuais em geral e da economia processual, seriam eles

subordinados aos princípios da finalidade e da ausência de prejuízo. A existência

do vício não seria suficiente para a decretação da nulidade, tanto nos casos de nulidade

105 GONÇALVES, Aroldo Plínio. Op. cit.pp. 51-2.

106 GONÇALVES, Op. cit. p. 99.

107 GONÇALVES, Aroldo Plínio. Op. cit. pp. 56-8.

108 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel e GRINOVER, Ada Pelegrini.

Teoria geral do processo. 24ª Ed. São Paulo, Malheiros Editores, 2008, pp. 368-9.

Page 52: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

cominada como não-cominada, sendo necessário também que esteja presente o

prejuízo.109

Observa ainda que a sentença poderá ter sua nulidade alegada não somente em

função de vícios nos atos que a antecederam ou pela inobservância dos requisitos do art.

458 do CPC que descreve os elementos essenciais, mas pelo seu conteúdo, sendo esse o

caso da sentença extra petita, ou ultra petita.110

7.3 ANTONIO JANYR DALL AGNOL JR.

Na obra Invalidades Processuais,111

o autor distingue os três planos jurídicos:

existência, validade e eficácia e enfatiza que ineficácia não se identifica com a invalidade,

havendo diversos atos no processo que, embora imperfeitos, produzem seus efeitos,

falando-se, de meras irregularidades. Outra questão enfaticamente ressaltada pelo

doutrinador é a necessidade de distinção112

entre o vício do ato e a invalidade113

ou entre

viciosidade e irregularidade.114

Tem a nulidade por sanção por entender que a conduta contrária à norma cogente

configura em si ato ilícito e acarreta, por isso, as conseqüências, geralmente punitivas

109

GONÇALVES, Aroldo Plínio. Op. cit. p.64. 110

GONÇALVES, Aroldo Plínio. Op. cit. p. 108.

111 DALL’AGNOL JÚNIOR, Antônio Janyr. Invalidades Processuais. Porto Alegre: Letras Jurídicas

Editora, 1989, pp. 17-24.

112 DALL’AGNOL JÚNIOR, Op. cit. pp.. 22-3.

113 DALL’AGNOL JÚNIOR, Antônio Janyr. Op. cit. p. 16 em que o doutrinador adota o termo invalidade

primeiro por entendê-lo mais abrangente, numa relação de gênero, tendo por espécies a nulidade em sentido

estrito- absoluta ou relativa- e também a anulabilidade e segundo, por ser essa a expressão antônima de

validade.

114 DALL’AGNOL JÚNIOR, Antônio Janyr. Op. cit. pp. 38-42.

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(=sanções), apropriadas para cada situação.115

Observa Dall Agnol116

que as nulidades

absolutas são insanáveis e não se submetem à preclusão, podendo ser pronunciadas de

oficio pelo juiz, ao passo que as relativas e as anulabilidades seriam sanáveis, pela

preclusão ou pela ausência de prejuízo em decorrência do vício, sendo que as

anulabilidades, por serem oriundas de regras protetivas de interesse predominantemente

privado, impediriam sua decretação de ofício pelo juiz.

O autor repele aproximação entre nulidades cominadas e absolutas e entre não-

cominadas e relativas e afirma que a confusão não resiste ao mais simples exame das

hipóteses legais, e cita a hipótese do art. 113, §2º do CPC no qual haveria concorrência de

conceitos, para usar a expressão do autor; ao passo que a ocorrência de processo

fraudulento descrita no art. 129 do CPC seria hipótese de nulidade absoluta, mas que não

vem cominada no texto legal.117

Ademais, distingue o autor prejuízo, que somente seria passível de apreciação no

caso concreto, sendo, portanto, destinado ao juiz em função da impossibilidade da

ocorrência de prejuízo a priori; ao passo que a finalidade poderá ser pensada com

antecipação e, assim, faz a lei quanto aos atos de forma vinculada118

e o não atendimento

ao modelo legal presume que o fim não foi alcançado e por entender que as nulidades

cominadas estão relacionadas a essa presunção relativa, sobre elas incidiriam as

disposições do art. 249 do CPC.119

115 Cf. DALL’AGNOL JÚNIOR, Antônio Janyr. Op. cit. p. 46.

116 Ver DALL’AGNOL JÚNIOR, Antônio Janyr. Op. cit. pp. 50-5.

117 DALL’AGNOL JÚNIOR, Antônio Janyr. Op. cit. pp. 62-66.

118

O termo foi utilizado pelo expressamente pelo doutrinador. De nossa parte, entendemos não haver forma

vinculada no processo, mas tão somente ato de forma livre ou sugerida pela lei.Consultar tratamento dado

ao tema no cap, 08 da presente obra.

119 DALL’AGNOL JÚNIOR, Antônio Janyr. Op. cit. pp. 70-2.

Page 54: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

7.4 TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER

A doutrinadora120

adota, além das categorias da inexistência e da irregularidade,

também a classificação das nulidades absolutas e relativas (anulabilidades) e divide a

sistemática do tema em nulidades de forma e de fundo, afirmando que as nulidades de

forma são, em regra, relativas, somente sendo absolutas quando cominadas no texto legal.

121

A seu turno, as nulidades de fundo compõem alguns dos vícios relacionados aos

chamados pressupostos de admissibilidade de julgamento de mérito, sendo relacionados

às condições da Ação e aos pressupostos processuais, sendo que em alguns casos o vício

poderá configurar inexistência, como no caso de vício ou ausência de citação122

, que para

a autora implica a inexistência do processo e também de eventual sentença nele proferida

e, por fim, equipara sob o ponto de vista do processo as nulidades absolutas aos casos de

inexistência, porque seriam circunstâncias submetidas ao mesmo tratamento jurídico.123

Destaca que no tocante às nulidades absolutas tanto as partes têm legitimidade

para argui-las, como o juiz poderá declará-las124

de oficio, inexistindo também o

fenômeno da preclusão tanto para as partes como para o juiz, além de serem vícios

insanáveis porque maculam irremediavelmente o processo. Demais disso, as nulidades

relativas não poderão ser decretadas de ofício, mas somente levantadas pelas partes, cuja

argüição deverá ser efetuada tempestivamente, ou dar-se-á a preclusão com a

120 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. 6ªed. rev, atual. e ampliada,

São Paulo, RT, 2007.

121 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Op. cit. p. 185.

122 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Op. cit. p. 199.

123 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Op. cit. p. 188. Situação reafirmada pela autora à p. 223 da mesma

obra. 124

Utilizamos aqui a própria expressão da doutrinadora e ressaltamos que ela adota um conceito intrínseco

de nulidade, sem atentar-se para o fato de que no âmbito processual somente passa a existir a nulidade com

o pronunciamento judicial, entendimento com o qual não concordamos por entendermos tratar-se visão

privatista do processo próprio de fases já superadas na história desse ramo do Direito.

Page 55: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

conseqüente sanação do vício125

Outrossim, afirma haver presunção absoluta de prejuízo

nos casos de nulidades formais cominadas no texto legal porque, segundo seu

entendimento, seria perigoso deixar, em parte, na dependência da iniciativa das partes

privá-las de efeito ( o que ocorreria se de anulabilidade de tratasse). 126

7.5 JOSE JOAQUIM CALMON DE PASSOS

O doutrinador baiano Jose Joaquim Calmon de Passos127

ao tratar do tema das nulidades

processuais inicialmente centra esforços nos aspectos teóricos do direito, caracterizando-

o como pertinente ao mundo da cultura do homem e da importância que nele desempenha

a vontade na qualificação dos fatos pelas normas que os tornam jurídicos com sua

incidência. Conclui essa etapa inicial de seu trabalho afirmando que no direito público,

bem como no âmbito das normas cogentes, a invalidade é correlacionada à conseqüência

antes que ao suposto normativo, falando-se na espécie, em fungibilidade das formas, ou

dos tipos. A ordem jurídica valida o comportamento atípico, tendo em vista sua adequada

instrumentalidade prática para lograr o fim perseguido.128

Ao tratar da estrutura do ato, descreve que são elementos do ato: a) pressupostos; b)

requisitos; e c) condições. Explicita que o ato, como fragmento da continuidade que é da

atividade do homem, reclama que seja considerado o que antes dele ocorreu e é

significativo para sua compreensão, e o que a ele se segue, sendo distintas essas duas

situações do que é ele mesmo especificamente. Denomina de pressupostos ao que

precede, sendo-lhe relevante juridicamente; qualifica de condição tudo quanto a ele se

segue e é exigido para a produção dos efeitos específicos que ao ato ou tipo se associam e

chama de requisitos tudo quanto integra a estrutura executiva do ato. Postas essas

125

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Op. cit. p. 218. 126

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Op. cit. p. 187.

127 PASSOS, J. J. Calmon de. Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais. 1ª

ed. 4ª tiragem. Rio de Janeiro, Forense, 2009.

128 PASSOS, J. J. Calmon de. Op. cit. pp. 07-33.

Page 56: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

premissas, o autor descreve os planos da existência, validade e eficácia do ato, tendo-se a

existência dos atos quando atendidos seus pressupostos subjetivos, objetivos e formais,

que somada à adequação prática ao modelo legalmente previsto, ou seja, seus requisitos,

chega-se a sua validade e, normalmente, com a validade, tem-se a eficácia.

Define ato processual como aquele que é praticado no processo, pelos sujeitos da

relação processual ou do processo, com eficácia no processo e que somente no processo

pode ser praticado129

e o insere na categoria dos atos jurídicos em sentido estrito. Aqui,

vem o grande mérito do referido doutrinador na sistematização das nulidades porque em

vez de procurar a determinação apriorística dos critério intrínsecos do ato que

conduziriam a sua nulidade, ou de amparar no critério objetivo, diga-se, legal, para essa

determinação, Calmon buscou defender a análise finalística do ato, ou seja, deslocou os

parâmetros de análise para decretação da invalidade do ato para o ângulo de seus

conseqüências, por maior que seja sua desconformidade com seu modelo legal, não

havendo, assim, relação necessária entre atipicidade e invalidade.130

Em função da grande importância de seu pensamento para as idéias defendidas neste

trabalho, pedimos mais uma vez licença para transcrevê-lo: Há uma esfera do jurídico em

que as imputações autorizados pelo direito objetivo atendem ao que poderemos chamar,

para dar-lhes uma denominação, de interesse social, interesse público, interesse geral,

interesse indisponível etc. Nessa situação, o indivíduo é colocado numa posição de

subordinação no que diz respeito a sua vontade e seus interesses. Nesse campo, o

resultado previsto pelo direito objetivo é que deve predominar e ser relevante. Por isso

mesmo, o resultado logrado com a atipicidade do agente prevalece sobre a adequação

ou inadequação do comportamento concreto com determinado comportamento prescrito,

e ainda se prescinde da correspondência entre o objetivo por ele conscientemente

perseguido e o que resultou de sua atividade. Assim, a atipicidade (inadequação) não

basta para a desqualificação. Ela é apenas relevante em segundo grau. Primordialmente,

atende-se ao resultado alcançado na prática. E ainda quando o ato se tenha consumado

129 PASSOS, J. J. Calmon de. Op. cit. p. 43.

130 PASSOS, J. J. Calmon de. Op. cit. pp. 29-33.

Page 57: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

por forma atípica, a invalidade inexiste, não é decretável nem reconhecível, em virtude

da prevalência que a ordem jurídica empresta ao resultado (conseqüência) por ela

previsto. Se foi alcançado, não pode ser descartado sob o fundamento da atipicidade do

suposto, colocado, aqui, num segundo plano.131

Calmon nomeia de eqüipolência das forma132

s àquilo a que comumente chamamos de

instrumentalidade das formas e ressalta que o legislador fê-lo valioso ao descrevê-lo no

art. 244 do CPC, tendo como perfeito, para fins de sua eficácia, o ato cumprido por forma

diversa daquela prevista em lei, destacando que a consecução do fim, apesar da

imperfeição do ato, constitui um equivalente dos requisitos que faltaram ou foram

defeituosos e ressalta que essa análise deverá ser pautada nos próprios fins que a lei

delegou à forma do ato a resguardar e proteger, devendo-se, sempre, analisá-la em cada

ato particular e concreto.

O doutrinador defende, acertadamente, a análise do alcance da finalidade ou da ausência

de prejuízo133

a qualquer espécie de vício que atinja o ato, mesmo nas ditas nulidades

absolutas ou cominadas, não admitindo em nosso sistema o princípio da preclusão para a

alegação da nulidade, em função do caráter publicístico do processo e da inexistência de

formas estabelecidas no interesse exclusivo da parte.134

131 PASSOS, J. J. Calmon de. Op. cit. pp..31-2.

132 PASSOS, J. J. Calmon de. Op. cit. pp. 129-131.

133 Consultar PASSOS, J. J. Calmon de. Op. cit. p. 132-3 em que o eminente doutrinador afirma

expressamente a perfeita identidade entre fim do ato e prejuízo.

134 PASSOS, J. J. Calmon de. Op. cit. pp. 131-136.

Page 58: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

8. IMPORTÂNCIA DA DELIMITAÇÃO DAS FORMAS NO

PROCEDIMENTO.

8.1 OS SISTEMAS DE DISCIPLINA DAS FORMAS E DE EXTERIORIZAÇÃO

DO PROCEDIMENTO.

O método de solução de controvérsias disponibilizado pelo Estado a seus

jurisdicionados é dotado de algumas peculiaridades e garantias para que melhor possa

cumprir a função para o qual é chamado na sociedade e, dentro de parâmetros de natureza

política, o ente soberano seleciona a maneira de consubstanciação desse método e

também as garantias que lhe serão inerentes. Essa opção reflete o próprio modelo de

Estado, de sua estrutura e organização e essa relação simbiótica confere ao processo o

epíteto de Direito Constitucional Aplicado.135

Clássica obra doutrinária nacional136

afirma a existência teórica de três sistemas

de disciplina das formas do procedimento: a) sistema da liberdade das formas; b) sistema

da soberania do juiz (ou sistema de equidade); c) sistema da legalidade das formas (que

comporta variações quanto ao rigor) e afirmam seus autores que a ausência absoluta de

exigências legais quanto às formas procedimentais levaria a desordem, confusão e

incerteza.

Importante distinção que estabelecem os autores da referida obra137

pertine ao

esquema formal de exteriorização do procedimento, podendo caracterizar um sistema

rígido ou um sistema flexível. No primeiro caso, haveria o desenvolvimento do processo

135 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel e GRINOVER, Ada Pelegrini.

Teoria Geral do Processo. 24ª Ed. São Paulo, Malheiros Editores, 2008, pp. 84-6.

136 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel e GRINOVER, Ada Pelegrini.

Teoria Geral do Processo. 24ª Ed. São Paulo, Malheiros Editores, 2008, pp. 345-356.

137

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel e GRINOVER, Ada Pelegrini

Op. cit. pag. 346.

Page 59: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

pautado por fases e marcado pela preclusão da possibilidade de se retornar àquelas já

ultrapassadas no iter processual; ao passo que o segundo teria suas formas

procedimentais mais livres e fases mais fluidas e salientam que o tipo rígido do

ordenamento brasileiro e que o CPC dá a impressão de adotar o princípio da liberdade das

formas em seu art. 154, mas que na disciplina específica dos atos, impõe-lhes exigências

formais que melhor o vincula ao sistema da legalidade das formas.

Dissertando sobre a questão, Antônio do Passo Cabral138

também adere a tal

entendimento afirmando a multiplicidade de razões para justificar a forma rígida, própria

de um modelo de reserva legal e informa valores como igualdade, liberdade, ordenação,

segurança, previsibilidade, eficiência, ao passo que Juliana Demarchi139

assevera que a

disciplina na forma dos atos processuais justifica-se politica e juridicamente.

Politicamente porque, uma vez concentrada no Estado a exclusividade do exercício da

Jurisdição, competia-lhe estabelecer de forma pública e isonômica, o instrumento por

meio do qual se exercita esse poder jurisdicional, regulamentando-o; e juridicamente

porque é necessário que o jurisdicionado saiba quais são as formas estabelecidas para que

possa valer-se do Poder Judiciário, além do que a prévia determinação das formas atribui

maior segurança jurídica por atuar no controle de exercício do poder, como já se disse,

como também porque o procedimento previamente definido evita surpresas no curso do

feito e permite à parte melhor defesa de seus interesses.

138 CABRAL, Antonio do Passo. Nulidades no Processo Moderno: Contraditório,Proteção da Confiança e

Validade Prima Facie dos Atos Processuais. 2ª ed. Rio de Janeiro. Editora Forense, 2010, p. 13.

139 DEMARCHI, Juliana. Ato Processual Juridicamente Inexistente- Mecanismos Predispostos pelo

Sistema para a Declaração da Inexistência Jurídica. Revista Dialética de Direito Processual 13. São Paulo:

Oliveira Rocha, abril/2004, p. 44.

Page 60: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

8.2 A FORMA DOS ATOS PROCESSUAIS E SUA RELAÇÃO COM A TÉCNICA

PROCESSUAL.

O conjunto de atos do processo, analisados pelo aspecto de sua interligação e

combinação e também de sua unidade teleológica determina o que chamamos de

procedimento. Para a realização desses atos, cujas características seriam a de não

apresentarem-se isoladamente porque integrados no procedimento, além de serem

interdependentes e ligados pela unidade de escopo, que seria a viabilização da tutela

jurisdicional e a pacificação social140

requer-se a atenção de seu agente para fenômenos

de três ordens: o tempo, o lugar e o modo.

Objeto de intensas discussões doutrinárias é a pertinência das circunstâncias de

tempo e lugar à famigerada forma dos atos processuais. Isso porque elas, por não

integrarem a estrutura íntima do ato, daí serem chamadas de circunstâncias, não poderiam

ser englobada na forma do ato, mas tão somente nas suas formalidades.141

Os adeptos da

inclusão dos aspectos tempo e lugar no conceito de forma do ato, fazem distinção entre

forma em sentido amplo, quando nela estão incluídas essas circunstâncias e forma em

sentido estrito, quando referem-se apenas ao modo de se praticar o ato.

Não obstante a ausência de consenso no tema, a maioria da doutrina adere à

inclusão das circunstâncias de tempo e lugar na forma dos atos processuais.142

140 Cf. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel e GRINOVER, Ada

Pelegrini. Teoria geral do processo. 24ª Ed. São Paulo, Malheiros Editores, 2008, p. 345.

141 Cf. MITIDIERO, Daniel Francisco. O Problema das Invalidades dos Atos Processuais no Direito

Processual Civil Brasileiro Contemporâneo . Diponível em <htpp://abdpc.org.br>, acesso em 07 de julho

de 2011; ver também ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Do Formalismo no Processo Civil, São

Paulo: Saraiva, 1997, p. 5 que também não vê o tempo e o lugar como pertencentes à forma do ato, mas,

antes os insere na categoria das formalidades.

142 Ver DALL’AGNOL JÚNIOR, Antônio Janyr. Invalidades Processuais. Porto Alegre: Letras Jurídicas

Editora, 1989, p. 69; BAPTISTA DA SILVA, Ovídio Araújo. Curso de Processo Civil, 4ª ed. rev. e atual.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, vol. I, p. 212; CINTRA, Antonio Carlos de Araújo;

Page 61: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

No que toca ao lugar dos atos processuais, deverão ser praticados ordinariamente

na sede do juízo, excetuando-se os casos em que sua própria natureza ou por disposição

legal, devam ser praticados em local distinto, como ocorre nos casos da citação,

notificação, penhora ou seqüestro.

A circunstância do tempo sobressai-se no processo por dois aspectos: a época em

que devem-se exercer os atos do processo e o prazo, considerando esse como a distância

temporal entre a prática de um ato e outro. À circunstância do prazo está amplamente

correlacionada ao fenômeno da preclusão.

O modo do ato processual poderá ser analisado quanto à linguagem, à atividade e

também quanto ao rito.143

No tocante à linguagem, os atos são representados pela palavra,

sendo que a Constituição Federal144

impõe o uso do vernáculo, que poderá, ainda, ser

falada ou escrita.

A atividade refere-se à incumbência de dar impulso no procedimento, podendo ser

atribuída às partes, configurando o princípio do impulso das partes, ou ao juiz, na

manifestação do princípio do impulso oficial. No tocante ao rito, salientamos que é um

juízo de conveniência do legislador que o determina, levando-se em consideração

diversas circunstâncias para a viabilização da tutela jurisdicional.145

Quando falamos em forma, é quase intuitiva a noção que nos sobrevém à mente

como a maneira em que certo conteúdo se nos apresenta. Em obra clássica de nossas

letras jurídicas, o professor Alvaro de Oliveira esclarece que forma do ato processual não

DINAMARCO, Cândido Rangel e GRINOVER, Ada Pelegrini. Teoria geral do processo. 24ª Ed. São

Paulo, Malheiros Editores, 2008, p.346.

143

Cf. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel e GRINOVER, Ada

Pelegrini. Teoria geral do processo. 24ª Ed. São Paulo, Malheiros Editores, 2008, pp.347-356.

144Consultar o art. 13 da CF: BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil:Promulgada em 05

de Outubro de 1988.

145

Utilizamo-nos quase que integralmente dos escritos da obra CINTRA, Antonio Carlos de Araújo;

DINAMARCO, Cândido Rangel e GRINOVER, Ada Pelegrini. Teoria geral do processo. 24ª Ed. São

Paulo, Malheiros Editores, 2008, pp.345-356.

Page 62: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

é o mesmo que o processo como forma146

esclarecendo que a forma pode ser entendida

como a entidade que preside a totalidade do processo e também como modo como

consubstancia o ato processual, fazendo, portanto, uma separação entre aquilo que ele

denomina de forma lato sensu e forma em sentido estrito, definindo essa última como o

invólucro do ato processual, a maneira como deve este se exteriorizar. Cuida-se,

portanto, do conjunto de signos pelos quais a vontade se manifesta e dos requisitos a

serem observados na sua celebração.

Em outra sede, Alvaro de Oliveira147

torna a reiterar que o formalismo, ou a forma

em sentido amplo, não se confunde com a forma do ato processual individualmente

considerado e traça panorama que traduz com clareza hialina a importância que as formas

apresentam no processo, mas que não obstante serem essencial à estruturação do método

estatal de solução de controvérsias não deverão se apresentar degeneradas. Aduz ainda

que o formalismo processual148

diz respeito à totalidade formal do processo,

compreendendo não só a forma, ou as formalidades, mas especialmente a delimitação dos

poderes, faculdades e deveres dos sujeitos processuais, coordenação de sua atividade,

ordenação do procedimento e a organização do processo com vistas a que sejam atingidas

suas finalidades primordiais, investindo-se, assim da tarefa de indicar as fronteiras para o

começo e o fim do processo, circunscrever o material a ser formado, e estabelecer dentro

de quais linhas devem cooperar e agir as pessoas atuantes no processo para o seu

desenvolvimento.

146 ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Do Formalismo no Processo Civil, São Paulo: Saraiva,

1997, pp. 3-9.

147 ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. O Formalismo Valorativo no Confronto com o Formalismo-

Excessivo in Leituras Complementares de Processo Civil. 8ª ed. rev.e ampl. Salvador, Juspodivm, 2010, p.

149.

148 O autor entende o formalismo, ou forma em sentido amplo, num conceito mais amplo, que abarca a

própria forma dos atos processuais. Poderiamos aqui, para fazer uma aproximação, afirmar que esse

conceito é correlato àquele a que José Roberto Bedaque nomeia de Técnica Processual na obra Efetividade

do processo e técnica processual. 3ª Ed. São Paulo, Malheiros, 2010, pp.31-4.

Page 63: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

Para a efetivação desses múltiplos aspectos a que o formalismo ou técnica

processual visa a assegurar, vale-se, não raro, da imposição da forma na prática dos atos

que compõem o procedimento.

Há ampla vinculação entre a estatuição de formas para a prática de atos como

meio de garantir a liberdade das partes, a contenção do arbítrio e parcialidade do julgador

e até como meio de garantir a própria igualdade entre as partes. Destaca Alvaro de

Oliveira149

que Ihering, após exaustivo estudo histórico que empreendeu sobre o

formalismo concluiu suas considerações com a célebre frase: A forma é a inimiga jurada

do arbítrio e irmã gêmea da liberdade. Já o doutrinador Antonio do Passo Cabral150

,

para acentuar a importância dessa vinculação, retoma pensamento de Montesquieu, ao

afirmar que a forma é o preço que cada um paga pela sua liberdade.

Não se vinculou o modelo jurídico processual brasileiro ao sistema da legalidade

estrita no tocante à forma da prática dos atos processuais. Esse modelo originário do

direito francês151

impõe ao juiz que se limite à decretação de nulidade dos casos

expressamente cominados pela lei. O modelo apresenta inconvenientes, tanto que o

doutrinador152

recomenda: Não se deve nutrir bastantes ilusões sobre o mérito de um tal

sistema, que supõe uma lei de processo muito bem feita, que minuciosamente estude a

importância das formalidades prescritas e que, em conseqüência, preveja

judiciosamente a sanção, em virtude de sua inobservância. Ora, tal não é o caso do

Código de Processo, que, no assunto, comporta lacunas notórias. De toda evidência, a

omissão de certas formalidades deve acarretar a nulidade, quando ainda esta sanção

não está editada pela lei.

Vê-se, assim, o duplo inconveniente de um sistema vinculado à tipicidade estrita

das nulidades. Por um lado transparece ser dotado o julgador de onisciência capaz de

149

ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Op. cit. p. 150 e n. 4.

150CABRAL, Antonio do Passo. Nulidades no Processo Moderno: Contraditório,Proteção da Confiança e

Validade Prima Facie dos Atos Processuais. 2ª ed. Rio de Janeiro. Editora Forense, 2010, p. 06

151 Ver KOMATSU, Roque. Da invalidade no processo civil. São Paulo, RT, 1991, p. 83.

152 KOMATSU, Roque. Op. cit. p. 84.

Page 64: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

prever e impor a forma única do ato para que se tenha preservada a garantia que a enseja

e, por outro, retira do julgador a possibilidade de análise das circunstâncias concretas do

caso em que independentemente de cominação legal, tenha havido prejuízo à parte em

decorrência de inadequações formais na prática dos atos do processo.

Nem o legislador é dotado de onisciência, e muitas vezes, a forma que seu juízo

entendeu ser a melhor para a incolumidade de certas garantias, muitas vezes, não é

comprovada na prática, levando doutrina e Jurisprudência a defender a flexibilização153

também das formas determinadas pelo legislador sob pena de nulidade quando

descumpridas.

Ademais, a necessidade de decisão judicial para a constituição das nulidades

processuais valoriza o juízo de equidade efetuado pelo julgador em cada caso concreto154

na verificação da necessidade de seu pronunciamento, porque dotado o sistema jurídico

de espécies normativas que admitem a permanência da validade e eficácia do ato em

função do alcance de seus efeitos, que somente poderá ser efetuado a posteriori.

Roque Komatsu155

afirma que no tocante à forma dos atos processuais, poderá

haver atos de forma livre, autorizada ou vinculada. De nossa parte, entendemos não haver

atos de forma vinculada no direito processual civil, sendo sempre autorizada a forma

descrita pelo legislador, mas que não afasta a realização do ato concretamente de maneira

distinta do seu modelo abstratamente previsto, cujos parâmetros oferecidos pelo

legislador ao juízo para a decretação da nulidade desse ato será a análise do alcance ou

não de sua finalidade, que, em essência, constitui a razão de ser da predeterminação legal

das formas pelo legislador, advindo daí o caráter instrumental dos próprios atos

processuais, como tantas vezes já ressaltado neste trabalho.

153 CABRAL, Antonio do Passo. Nulidades no Processo Moderno: Contraditório,Proteção da Confiança e

Validade Prima Facie dos Atos Processuais. 2ª ed. Rio de Janeiro. Editora Forense, 2010, p. 69 na qual o

autor explana que a previsão exaustiva no processo dos casos de nulidade petrifica o sistema e além de não

exaurir o tema, ainda permite que atos inidôneos tenham eficácia quando não vêm cominadas sua nulidade.

155 KOMATSU, Roque. Op. cit. p.214.

Page 65: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

Essas vicissitudes tornam prescindível, no sistema jurídico processual brasileiro, a

existência das chamadas nulidades cominadas pela lei156

porque o nulo somente existirá

após pronunciamento judicial, não havendo quaisquer óbices à incidência das espécies

normativas regentes do sistema das nulidades quando houver cominação legal.157

A adesão ao sistema da legalidade, mas temperada pela instrumentalidade das

formas e pautada num juízo finalístico, concreto e posterior à prática do ato apresenta

várias vantagens quando comparados com os demais sistemas disponíveis: permite o

aproveitamento da experiência da sociedade no âmbito do direito processual,

institucionalizando-se formas, que ao menos em tese, são suficientes para a proteção do

valor a que visa proteger o sistema jurídico, viabilizando aquilo que Alvaro de Oliveira158

chamou de utilização do tesouro da experiência colhida da história do direito processual

e também confere previsibilidade no andamento do processo, já que previamente as

partes têm consciência dos atos e também da maneira e do momento de praticá-los;

Outra característica essencial decorrente da vinculação de nosso ordenamento

jurídico ao sistema da legalidade das formas consiste no fato de que, uma vez obedecidas,

ou seja, havendo exata conformidade na prática do ato com o seu modelo previamente

estabelecido pelo sistema, o problema da invalidade não se coloca.159

Ora, é

extremamente contraproducente a constante abertura a discussões no tocante à validade

dos atos praticados no processo, perdendo-se, assim, grande quantidade de tempo,

atravancando o andamento do processo e protelando-se a prestação da tutela jurisdicional.

156 Em clássica obra de nossa literatura jurídica GOUVÊA, José Roberto F. e NEGRÃO, Theotônio.

Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor. 40ª ed., São Paulo, Saraiva, 2008, p. 364

elenca que há nulidade cominada no texto legal do CPC nos seguintes artigos: 11, p.u; 13,I; 84; 113, §2º;

214; 236, §1º, 246; 618 e 1105.

157

Essa questão da inexistência de óbice a incidência das espécies normativas regentes das nulidades em

qualquer vício que macule o ato, independentemente de qualquer previsão legal será tratada com mais

especificidade no capítulo 11.

158

ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. O Formalismo Valorativo no Confronto com o Formalismo-

Excessivo in Leituras Complementares de Processo Civil. 8ª ed. rev.e ampl. Salvador, Juspodivm, 2010,

p.150.

159 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. 3ª Ed. São Paulo,

Malheiros, 2010, p. 431.

Page 66: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

Sendo essa uma das maiores críticas ao sistema da liberdade formal e também

visando a evitar maior abertura ao arbítrio judicial do sistema da soberania do juiz, optou

nosso sistema pelo modelo da legalidade160

formal na prática dos atos, mas de forma

flexibilizada pela chamada instrumentalidade das formas. Prevendo sua própria

falibilidade e demonstrando ter consciência de que o modelo institucionalizado constitui

um dos modelos possíveis de se proteger os valores inerentes a cada um dos atos a serem

praticados no processo, sendo plenamente possível a existência de outras formas também

o façam, o legislador dotou o sistema de determinadas espécies normativas vocacionadas

a orientar o aplicador da norma no momento em que se deparar com alguma inadequação

na prática dos atos processuais.161

A multiplicidade, a complexidade, além da dinamicidade inerentes às sociedades

hodierna apresentam duplo aspecto nessa discussão: a) dificulta ainda mais a

possibilidade de que o legislador anteveja a massa dos problemas a que o Estado será

chamado a resolver e, assim, melhor possa tratar dos aspectos formais inerentes ao

método de que se valerá para tal desiderato; e b) por outro lado, faz com que o legislador

tenha que valorizar o papel do julgador, institucionalizando normas que lhe permitirão

melhor analisar a violação efetiva dos valores protegidos pelo sistema processual em

decorrência da inadequação da prática dos atos, cuja análise será sempre efetuada em

cada caso concreto, considerando-se todas as filigranas que o caso apresenta.

A instituição das formas na prática dos atos processuais demonstra os valores

assegurados pelo sistema jurídico e é a eles a que se deve voltar o julgador quando

deparar-se com o ato atípico. Embora essa análise não seja tarefa das mais fáceis,162

é

dever do julgador efetuá-la, constituindo-se, portanto, numa das garantias ofertadas às

partes e para bem realizá-la requerem-se como características dos julgadores bom-senso,

equilíbrio e, sobretudo, a consciência do papel que sua ciência desempenha nessa

sociedade.

160 Cf. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Op. cit. p.509.

161 Essas espécies normativas serão estudadas com maior profundidade no cap. 11 da presente obra.

162BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Op. cit. p431.

Page 67: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

Trabalha-se, quando se fala em nulidades no processo, com atos atípicos, mas não há

relação necessária entre atipicidade e invalidade, havendo atos atípicos que são

perfeitamente válidos perante o sistema. Aliás, a própria necessidade de pronunciamento

judicial para a constituição da nulidade já demonstra que o vício é inerente ao ato, mas

que a nulidade somente nasce com a sua decretação pelo juízo.163

É extremamente salutar ao sistema a previsão da forma da prática dos atos

processuais, conforme visto anteriormente, mas também é igualmente necessária a

possibilidade dessa flexibilização a ser efetuada pelo julgador, havendo ampla relação de

complementaridade entre essas atividades. A valoração efetuada pelo legislador é feita a

priori, com caráter geral e abstrato, como sói ser na estatuição das normas em geral, ao

passo que a valoração do julgador quanto à necessidade de invalidação do ato é realizada

em cada caso concreto e após a realização do ato em desconformidade com o modelo

legal.

Quer-se, com isso, demonstrar o propósito do legislador de salvar o processo,

mediante o aproveitamento do ato atípico, permitindo que ele produza todos os efeitos

que o ato típico seria apto a produzir. Quando impossível esse aproveitamento sem a

prática de qualquer ato, considerando-se o vício irrelevante porque alcançada a sua

finalidade, deverá o julgador, até em homenagem a princípios regentes do processo, como

o da economia processual viabilizar a retificação ou regularização do ato atípico,

sanando-se o vício que o inquinava e ensejava discussões quanto a sua validade e,

somente quando impossível estas atividades, é que se pronunciará a nulidade.

163 Cf. GONÇALVES, Aroldo Plínio. Nulidades do processo. 1ª ed, 2ª tiragem.Rio de Janeiro, Aide

Editora, 2000, p. 12 em que o autor ressalta o equívoco de se conceber a nulidade tanto como se fosse o

próprio vício do ato e também como se fosse consequência jurídica inerente ao ato viciado. Outra critica

feita pelo autor é à utilização do conceito nulidade suprível porque, argumenta Aroldo, suprível não é a

nulidade, mas sim a falta do ato, ou o requisito que faltou àquele atos praticado de forma defeituosa,

suprindo-se, portanto, falhas, vazios, faltas ou omissões e não a nulidade. TESHEINER, José Maria Rosa.

Pressupostos Processuais e Nulidades no Processo Civil. São Paulo, Saraiva, 2000, p. 11. Ver também

MALACHINI, Edson Ribas. Das Nulidades no Processo Civil. In: Revista de Processo n.09, jan/mar. 1978,

pp. 57-70 que em vários momentos desse seu escrito parece não atentar para a distinção entre os dois

fenômenos.

Page 68: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

Diretamente relacionada a essa questão, está a discussão entre o aumento de

poderes do juiz e a redução da importância do princípio dispositivo e das garantias de que

seriam dotadas as partes no processo.

A doutrinadora Teresa Arruda Alvim Wambier164

afirma ser favorável ao

aumento dos poderes do juiz, já que essa é uma característica do processo civil moderno e

significa um avanço em relação à possibilidade de que se chegue a sua finalidade. Por sua

vez, Antônio do Passo Cabral165

aduz que a ampliação dos poderes do juiz, sem a

correlata ampliação das garantias dos sujeitos parciais do processo, que permanece

constante, provoca desequilíbrio porque permite o avanço judicial sobre a esfera de

liberdade das partes.

Conforme ressaltado anteriormente, a simples inadequação do ato ao seu modelo

formal não é suficiente para a decretação da nulidade, sendo necessário conceber o

problema das nulidades do ato substancialmente. As inadequações formais de sua prática

somente se tornarão relevantes quando inviabilizar o alcance das suas finalidades

especificas ou das próprias finalidades do processo. Destarte, o sistema processual

estabelece um roteiro para que o ato possa ser invalidado, sendo os atos atípicos apenas o

ponto de partida dessa caminhada, que apresenta diversas paragens que poderão obstar

sua continuação, não permitindo que se chegue ao seu ponto final. 166

A postura metodológica dos instrumentalistas do processo visa a reduzir ao

mínimo possível167

as situações determinantes tanto da inexistência, quanto da nulidade,

164 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença 6ªed. rev, atual. e ampliada,

São Paulo, RT, 2007, p. 163.

165 CABRAL, Antonio do Passo. Nulidades no Processo Moderno: Contraditório,Proteção da Confiança e

Validade Prima Facie dos Atos Processuais. 2ª ed. Rio de Janeiro. Editora Forense, 2010, pp.6-8.

Discordamos, nesse ponto, do autor por entedermos que não há essa contraposição necessária entre o

aumento dos poderes do juiz implicando a redução das faculdades das partes, mas sim com a consecutiva

redução da importância do princípio dispositivo, como corolário da publicização do processo.

166

Serão tratadas minuciosamente dessas espécies normativas a que fizemos referência no cap. 11 167

A palavra possível desempenha papel importante no enunciado. Com ela quer-se transmitir que não se

abre mão do caráter técnico que o processo apresenta, mas que nessa análise também se levará em conta os

aspectos éticos que ele apresenta, sobretudo de sua natureza instrumental em relação à oferta da justiça e

realização do direito.

Page 69: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

viabilizando que atos, por mais elevado que seja seu grau de atipicidade, mas que

lograram alcançar sua finalidade, possam ser alvo da incidência saneadora das espécies

normativas regentes do sistema das nulidades,168

e pressupõe, entendemos, não a

concessão de um mero poder ao juiz, mas de um dever-poder de atuação para a prestação

da tutela jurisdicional justa, célere e efetiva, estas, sim, constituindo garantias das partes

que poderão ser lesionadas diante do apego irracional do julgador aos aspectos puramente

formais dos atos e sem atentar-se para a finalidade à que visam assegurar no processo.

Portanto, a possibilidade de conceber o problema das nulidades no âmbito

substancial não constituiria arbítrio do julgador, lesão ou redução às garantias das partes,

pelo contrário, serviria para evitar delongas desnecessárias e o retorno a fases já

superadas do procedimento. Ademais, o as decisões do julgador proferidas que tornam

irrelevantes as atipicidades formais dos atos por inexistência de prejuízo no caso concreto

e evitam a decretação da sua nulidade, se apresentam perfeitamente controláveis pela

partes, que poderão impugná-las quando entender que houve violação de suas garantias

no processo, sobretudo o contraditório, principalmente sob a alegação de cerceamento de

defesa.

9. NATUREZA JURÍDICA DAS NULIDADES.

Amplas e acirradas discussões doutrinárias também são travadas no tocante à natureza

jurídica das nulidades, e a polêmica reside na sua classificação ou não como sanção.

Aroldo Plínio Gonçalves169

assevera que as sanções admitem diversas classificações, por

múltiplos pontos de referência e, sendo adotado o critério da finalidade, há sua separação

em duas grandes classes: a) uma que se destina a provocar o cumprimento da norma,

mediante a imposição de um evento desfavorável ao autor da violação; b) e a classe das

sanções que tendem a reparar ou neutralizar os efeitos de um conduta ou ato contrário ao

168 Sobre a questão, ver BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica

processual. 3ª Ed. São Paulo, Malheiros, 2010, pp. 465-6 e n. 95 afirmando o autor que restringir o âmbito

da inexistência torna possível a preservação do ato pela ausência de prejuízo.

169 GONÇALVES, Aroldo Plínio. Nulidades do processo. 1ª ed.,2ª tiragem.Rio de Janeiro, Aide Editora,

2000, p. 13.

Page 70: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

direito ou irregular perante ele, visando restabelecer a situação anterior à violação, sendo

dessa última classe, no entender do autor, a sanção de nulidade.

O eminente doutrinador Humberto Theodoro Jr170

também tem a nulidade como sanção,

mas que somente advirá nos casos de atipicidade relevantes, e embora o autor adote o

critério do grau do vício do ato para a determinação das atipicidades relevantes, ponto

com o qual não concordamos por entendermos ser o alcance ou não da finalidade do ato

que as determine, assevera que embora a nulidade seja sanção, está totalmente afastada a

sua equiparação a uma pena e o que justifica a sanção de nulidade é a garantia de certos

efeitos que a lei deseja alcançar com o ato jurídico.A fileira de doutrinadores que tomam

a nulidade como sanção, além daqueles já citados, apresenta em seus quadros nomes do

tomo de José Maria Tesheiner171

e Calmon de Passos, 172

que também aderem à nulidade

como sanção.

Entretanto, há também grandes personagens do pensamento jurídico nacional que

enfileiram a corrente doutrinária contrária à classificação das nulidades como sanção,

como a professora Teresa Wambier173

que afirma que não cabe chamar de sanção à

nulidade. Para a ilustre autora, nulidade é um estado de irregularidade que leva ou tende a

levar à ineficácia.

À base destas discussões esta a classificação que o agente faz das normas regentes dos

aspectos formais do processo. Valendo-se do pensamento de Hart, o doutrinador Roque

170 THEODORO JÚNIOR, Humberto. As Nulidades no Código de Processo Civil. RePro 30. São Paulo:

RT, abr/jun 1983, pp. 38-43.

171 TESHEINER, José Maria Rosa. Pressupostos Processuais e Nulidades no Processo Civil. São Paulo,

Saraiva, 2000, p. 14. Conferir também a obra BAGGIO, Lucas Pereira e TESHEINER, José Maria Rosa.

Nulidades no Processo Civil Brasileiro. Rio de Janeiro, Editora Forense, 2008, p. 53 em que

paradoxalmente os autores afirmam que nulidade não é sanção, porque esta supõe a ilicitude.

172 Cf. PASSOS, J. J. Calmon de. Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais.

1ª ed. 4ª tiragem. Rio de Janeiro, Forense, 2009, p. 106, na qual ilustre jurista baiano afirma que a nulidade

é uma sanção, pois é a consequência danosa de comportamento que se traduziu em imperfeição de um ato,

imperfeição à qual o legislador reúne a improdutividade dos efeitos jurídicos.

173 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença 6ªed. rev, atual. e ampliada,

São Paulo, RT, 2007, p. 140.

Page 71: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

Komatsu174

explicita que na prática do ato jurídico lícito, estaria seu agente atuando na

satisfação de um ônus imposto por norma potestativa, que seria a atuação de certa forma

para a consecução de determinado fim, cuja reprodução no mundo concreto garantir-lhe-

ia a sua consecução, falando-se, aqui em validade. Já a sanção estaria vinculada ao

descumprimento de normas imperativas, que impõem deveres, cujas violações

legitimariam a imposição de sanções.

Para o doutrinador, a nulidade não se encaixa na categoria das sanções175

e sentencia:

Decisivo parece, a propósito, o relevo que vê na sanção um quid qualificável como

reação a um comportamento proibido pelo ordenamento, e especificamente, o efeito

típico ligado à integração dos esquemas do ilícito: tentar uma aproximação da

inobservância de um dever ou de uma obrigação à insatisfação de um ônus, sob o plano

dos efeitos, reconhecendo na invalidade e em cada uma de suas formas uma sanção,

constitui não apenas o desfiguramento do conceito de sanção, mas sobretudo uma

confusão entre os dois planos em tudo diversos. O ilícito, com efeito, realiza uma

fattispécie, o ato inválido não realiza nenhuma fattispécie, antes inválido justamente por

essa razão.

Também é refratário à classificação das nulidades como sanção o doutrinador Daniel

Francisco Mitidiero176

e toma por invalidade processual a conseqüência à relevante

infração de forma de um ato do processo produzido por um agente que na relação jurídica

processual em contraditório desempenhe função177

estatal, assim decretada pelo órgão

174 KOMATSU, Roque. Da invalidade no processo civil. São Paulo, RT, 1991, pp. 177-189 e

especialmente p. 183 na qual o autor afirma que a teoria de Hart, a respeito da classificação das regras ou

normas, em normas de dever (ou imperativa) e em normas potestativas, é decisiva, para aceitar-se a

afirmação e que a invalidade (e assim a nulidade) não é sanção. Ver também BAGGIO, Lucas Pereira e

TESHEINER, José Maria Rosa. Nulidades no Processo Civil Brasileiro. Rio de Janeiro, Editora Forense,

2008, pp. 51-4.

175 KOMATSU, Roque. Op. cit p.182.

176MITIDIERO, Daniel Francisco. O Problema das Invalidades dos Atos Processuais no Direito

Processual Civil Brasileiro Contemporâneo . Diponível em <htpp://abdpc.org.br>, acesso em 07 de julho

de 2011.

177 Ressaltamos que o autor retomando o pensamento de Cândido Rangel Dinamarco entende que não há

que se falar em nulidade dos atos das partes, sendo diferentes as técnicas do sistema jurídico para a

privação de efeitos dos atos das partes. Parece também adotar esse entendimento SICA, Heitor Vitor

Page 72: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

jurisdicional competente, tendo, portanto, que invalidade não é sanção, não é penalidade,

não é pena.

A nosso ver, a discussão sobre a natureza jurídica da nulidade é de natureza pouco

relevante em tema, de per si, já demasiadamente complexo. O importante, parece, é ter a

nulidade como conseqüência decorrente somente de atipicidade relevante dos atos que

não lograram alcançar sua finalidade, que constituem sua razão de ser, devendo ter sua

invalidade decretada, após esse juízo de suficiência do julgador, sendo que a inclusão no

amplo quadro das sanções ou sua limitação a qualificá-los como conseqüência da

atipicidade relevante não transmuda sua natureza.

10. SISTEMÁTICA DAS NULIDADES PROCESSUAIS.

O estudo das nulidades costuma ser apresentado pelos tratadistas do tema como

um dos mais complexos178

no âmbito do direito processual. Isso decorre da diversidade

de entendimentos dos doutrinadores que reina no tema179

porque fundamentam seu

Mendonça. Preclusão Processual Civil- Atualizado de Acordo com a Nova Reforma Processual: Leis n

os

11.187/2005, 11.232/2005, 11.276/2006, 11.277/2006 e 11.280/2006. São Paulo, Editora Atlas, 2006, p.

179.

__________________________

178 Cf. MONIZ DE ARAGÃO, Egas Dirceu. Comentário ao Código de Processo Civil. v.II arts. 154-269,

1ª ed, Rio de Janeiro. Editora Forense, 1974, p. 271.

179 CABRAL, Antonio do Passo. Nulidades no Processo Moderno: Contraditório,Proteção da Confiança e

Validade Prima Facie dos Atos Processuais. 2ª ed. Rio de Janeiro. Editora Forense, 2010, pp. 83-7.

Page 73: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

pensamento ou no grau do vício, ou na natureza da norma ou até na existência de

cominação ou não de nulidade.180

Chamando atenção para essa questão, Antonio do Passo Cabral181

explicita que a

confusão não apenas doutrinária, como também jurisprudencial, advém da inadequada

adesão do grau do vício do ato para sua categorização prévia e em caráter geral e abstrato,

com sua natural conseqüência de determinação também apriorística das conseqüências

decorrentes desses vícios, aliada à classificação das nulidades processuais pautada na

natureza da norma supostamente violada, se mormente protetiva do interesse público ou

do interesse particular. Essa seria uma das maiores críticas à teoria concebida por Galeno

Lacerda, seja em razão da dificuldade na determinação exata do conteúdo da expressão

interesse público,182

que dificultaria o seu enquadramento nas diversas situações, seja em

função da determinação de que as assim chamadas nulidades absolutas, por estarem

voltadas à proteção do interesse público, seriam insanáveis.

Os aspectos da insuficiência do grau do vício ou da natureza da norma infringida

para a determinação da categoria da nulidade também não passou despercebido ao

doutrinador José Roberto dos Santos Bedaque183

, para quem é contraproducente a

predeterminação em caráter geral e abstrato da insanabilidade de ato ou procedimento

eivados com as assim chamadas nulidades absolutas. Ademais ressalta que a única

importância da distinção entre nulidades absolutas e nulidades relativas consistiria no

fato do juiz poder conhecer as primeiras de ofício, em nada interferindo na possibilidade

180 Como exemplo, podemos citar GONÇALVES, Aroldo Plínio. Nulidades do processo. 1ª ed, 2ª

tiragem.Rio de Janeiro, Aide Editora, 2000, p. 99 em que o autor tem por nulidade absoluta os casos em

que vêm expressamente cominada a nulidade pela lei.

181 CABRAL, Antonio do Passo. Op. cit. pp. 75-87.

182 Sobre a dificuldade na exata determinação do interesse público, ver BEDAQUE, José Roberto dos

Santos. Efetividade do processo e técnica processual. 3ª Ed. São Paulo, Malheiros, 2010, p. 450 e

especialmente nota 64.

183 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. 3ª Ed. São Paulo,

Malheiros, 2010, p. 458.

Page 74: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

de serem sanados esses vícios que maculam o ato ou o procedimento pelos mecanismos

predispostos pelo sistema das nulidades para esse desiderato.184

Nesse estado de coisas, a sistemática das nulidades processuais costuma ser

apresentada em nulidades absolutas, caracterizadas pela infringência de normas cogentes,

protetivas do interesse público, e que apresentariam caráter insanável, daí decorrendo a

possibilidade de o juiz delas conhecer de ofício, não havendo nesses casos preclusão,

dada sua natureza insanável.185

As nulidades relativas seriam pertinentes à violação de normas cogentes, mas

protetivas do interesse das partes, cuja omissão em argüir tais vícios na primeira

oportunidade em que a parte prejudicada se manifestar nos autos acarreta o fenômeno da

preclusão, implicando a convalidação do ato. Já as anulabilidades consistiriam na

violação de normas dispositivas e por este motivo, como o ato permanece na esfera de

disposição da parte, a sua anulação somente poderia ocorrer mediante reação do

interessado, sendo vedada ao juiz qualquer provisão de ofício.186

Essa sistematização das nulidades processuais elaborada por Galeno Lacerda187

foi estruturada seguindo o modelo188

de Carnelutti pautado na caracterização dos

184 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Op. cit. pp. 46-7.

185 Cf .LACERDA, Galeno. Despacho Saneador, 3ª. ed..Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1990,

pp. 72-3; KOMATSU, Roque. Da invalidade no processo civil. São Paulo, RT, 1991, p. 200. De nossa

parte, entendemos que a determinação in abstrato da insanabilidade do vício não se coaduna com a atual

concepção da dogmática processual e pouco contribui para a efetividade do processo, devendo a

insanabilidade ser determinada em cada caso concreto baseada sempre na análise do binômio finalidade-

prejuízo. 186

Cf .LACERDA, Galeno. Despacho Saneador, 3ª. ed..Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1990,

pp. 72-3; 187

Cf .LACERDA, Galeno. Op. cit. pp. 73-122.

188 A esse propósito ver BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Op. cit. p.458 que ressalta acertadamente as

imensas dificuldades no estabelecimento dos elementos necessários e úteis da construção de Carnelutti. Ver

também THEODORO JÚNIOR, Humberto. As Nulidades no Código de Processo Civil. RePro 30. São

Paulo: RT, abr/jun 1983, pp. 38-40.

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elementos necessários- que produziriam vícios essenciais, e na caracterização dos

elementos úteis- que produziriam vícios não-essenciais nos atos processuais. 189

Por entendermos que o interesse público é imanente a todos as aspectos do Direito

Processual, possuindo variadas formas com que se apresenta no Procedimento, ora

protegendo mormente o interesse das partes, conferindo legitimidade ao método de

realização do direito, ora protegendo a liberdade das partes, possibilitando-lhes a

determinação da composição dos conflitos, ora afastando essa liberdade e poder de

disposição dos sujeitos processuais para que haja continuidade no iter procedimental e o

avanço pelas diversas fases que compõem o procedimento, o juiz sempre poderá conhecer

de ofício os vícios que maculam os atos, com a conseqüente decretação de nulidade, mas

nem todas as situações em que o juiz poderá conhecer independentemente de provocação

das partes estarão afastadas da incidência da preclusão, instituto também relacionado à

defesa do interesse público e correlato à impossibilidade de retrocesso no caminho já

percorrido. Destarte, o interesse público manifestado na proteção do interesse das partes

permite a incidência das normas instituidoras do fenômeno da preclusão, daí entendermos

que esse instituto não é inerente ao tema das nulidades, mas dotado de completa

autonomia, e cujas normas pertinentes têm o condão até de impedir o pronunciamento de

uma nulidade, não obstante presente as razões que a justificariam190

Desse aspecto é que decorre a chamada sanatória geral do processo191

que a coisa

julgada material apresenta, tendo por sanados os vícios192

que maculam o processo,

impedindo que possam ser reapreciados.

190Sobre os diversos sentidos que o instituto da preclusão tem adotado hodiernamente, consultar SICA,

Heitor Vitor Mendonça. Preclusão Processual Civil- Atualizado de Acordo com a Nova Reforma

Processual: Leis nos

11.187/2005, 11.232/2005, 11.276/2006, 11.277/2006 e 11.280/2006. São Paulo,

Editora Atlas, 2006, pp. 91-97. Consultar também a obra de ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Do

Formalismo no Processo Civil, São Paulo: Saraiva, 1997, pp. 169-71 na qual o autor afirma que o referido

instituto orienta o processo principalmente para a certeza e coloca em segundo plano as exigências de

justiça.

191 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel e GRINOVER, Ada Pelegrini.

Teoria geral do processo. 24ª Ed. São Paulo, Malheiros Editores, 2008, p. 372. Ver ainda, DINAMARCO,

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Conforme já ressaltado, o pronunciamento de nulidade deverá sempre ter caráter

excepcional, de modo que, constatando a ausência de prejuízo, o julgador não a

pronuncie, dada sua irrelevância e em homenagem à instrumentalidade das formas que

norteia a prática dos atos processuais. Caso não seja possível ter o vício como irrelevante

em função da equivalência substancial da situação abstratamente prevista e o caso

concreto, não obstante o vício formal inerente àquele ato ou procedimento deverá o

julgador determinar a repetição, a retificação ou ratificação dos atos, como forma de

convalidar o vício, eliminando-se o prejuízo processual existente no caso concreto.

Ressalva-se, aqui, a importância das normas preclusivas, nos casos em que o interesse

público proteja imediatamente o interesse das partes, que poderá impedir a convalidação

do vício, impondo-lhes a suportabilidade do prejuízo em deferência ao interesse público

maior e subjacente a todo o direito processual, consistente na busca do equilíbrio entre

segurança jurídica e justiça da decisão.

Somente nos casos de impossibilidade da caracterização da irrelevância do vício

ou da convalidação do ato não obstada pela preclusão é que se justificará o

pronunciamento da nulidade do ato, como forma de evitar o prejuízo relevante. É para o

cumprimento desse iter que as normas regentes das nulidades processuais são instituídas,

daí a flexibilização do binômio perfeição-eficácia, aliada à análise do prejuízo para a

decretação das nulidades no âmbito processual.

Outra construção desse tema bastante difundida na doutrina processual consiste na

divisão das nulidades em cominadas e não-cominadas.193

Ao centro dessa divisão, está a

Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, vol. II. 6ªed. rev. e atual. São Paulo, Malheiros,

2009, pp. 620-1.

192 Excetuando-se aqueles vícios chamados pela doutrina de rescisórios e os transrescisórios. Tratando

especificamente do tema, embora com algumas divergências em relação às idéias apresentadas neste

trabalho, consultar TESHEINER, José Maria Rosa. Pressupostos Processuais e Nulidades no Processo

Civil. São Paulo, Saraiva, 2000, pp. 283-287.

193 Mais importante que o tratamento dispensado pela doutrina sobre a classificação das nulidades em

cominadas e não-cominadas, são as divergências no tocante à aplicação das normas saneadoras das

nulidades nessa categoria. Defendemos a aplicabilidade irrestrita das normas saneadoras das vícios dos

atos, independentemente da classificação de natureza abstrata que ele possua. Entre os doutrinadores que

defendem a inaplicabilidade, consutar MALACHINI, Edson Ribas. Das Nulidades no Processo Civil. In:

Revista de Processo n.09, São Paulo, jan/mar. 1978, p. 60;

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previsão ou não no direito positivo da nulidade em decorrência da prática de ato em

desconformidade com seu modelo legal, sendo comum em importantes doutrinadores

nacionais a aproximação entre as nulidades cominadas com as absolutas e entre as

nulidades não-comindas com as relativas.194

De outro lado, tal visão é veementemente

criticada por boa parte da doutrina nacional por entenderem que a essência que está à

base das classificações seriam distintas, não comportando tal aproximação.195

De nossa parte, em razão da necessidade tantas vezes já ressaltada de

manifestação judicial para a constituição das nulidades processuais, a existência de

nulidades cominadas no direito positivo é medida plenamente prescindível no âmbito

processual, aliás como quaisquer adjetivações conferidas ao termo nulidade, constituindo

resquício do direito privado numa esfera do direito que é eminentemente pública.

Ademais, não obstante a divergência doutrinária, entendemos que no plano processual o

interesse público será sempre protegido,196

seja de forma imediata ou de forma mediata,

por meio da proteção imediata do interesse das partes no processo, mas sempre visando à

legitimação do instrumento, dentro da idéia que José Roberto Bedaque197

convencionou

chamar de devido processo constitucional.

.

194 GONÇALVES, Aroldo Plínio. Op. cit. p. 99 que vê como nulidade absoluta as nulidades cominadas,

permitindo ao juiz conhecê-las de ofício, em qualquer fase do processo, e a parte podendo alegá-la no

momento processual oportuno. Nesse ultimo ponto, entendemos haver paradoxo porque se o juiz pode

conhecer desses vícios em qualquer fase do processo, por qual razão a parte somente poderia argui-los no

momento oportuno.Ver também, MARQUES, Frederico. Instituições de Direito Processual.v.II, 1ª Ed.;

Campinas, MIllenium Editora, 1999, p. 371; THEODORO JR, Humberto. Curso de Direito Processual

Civil. 48ª ed.. Rio de Janeiro: Forense, 2008, vol. I, pp. 334-5.

195Dentre os doutrinadores que criticam tal aproximação, ver BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Op. cit.

p. 456; CABRAL, Antonio do Passo. Op. cit. pp. 36-40, inclusive com critica direta a Frederico Marques

por estabelecer essa correlação; DALL’AGNOL JÚNIOR, Antônio Janyr. Invalidades Processuais. Porto

Alegre: Letras Jurídicas Editora, 1989, pp. 31-3.

196 Concordamos no ponto com o ilustre professor baiano Calmon de Passos que defende a prevalência do

interesse público no processo porque trata da função da justiça que intervém soberana através do órgão

jurisdicional, para decidir a respeito dos interesses privados, no direito privado, para atuar a pretensão

punitiva do Estado, no direito penal. Consultar PASSOS, J. J. Calmon de. Esboço de uma teoria das

nulidades aplicada às nulidades processuais. 1ª ed. 4ª tiragem. Rio de Janeiro, Forense, 2009, pp. 134-140.

______________________

197 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Op. cit. 461 e n. 86.

Page 78: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

Essa proteção constante do interesse público imperante no processo apresenta

variadas facetas, mas que em absoluto perde a sua essência. Nesse sentido há que se

conciliarem os múltiplos aspectos que ele apresenta: a) primeiro como instrumento, como

método de resolução de conflitos disponibilizado aos jurisdicionados visando à

eliminação das crises de direito material que se legitima não apenas pelo procedimento,

mas também no procedimento, cujo caráter secundário, próprio da função jurisdicional,

permite às partes certa disponibilidade no tocante ao processo, em homenagem à esfera

de liberdade das partes que é preservada no Processo Civil, mas que de forma alguma

significa atribuir- lhes o domínio sobre ele. Nesse sentido, poderão as partes estabelecer

convenção para a suspensão do processo, nos termos do art. 265, I do CPC; poderão

ainda as partes transigirem quanto ao objeto do processo; o autor renunciar ao direito em

que se funda a Ação ou o réu reconhecer o pedido do autor formulado na inicial, havendo

nesses casos resolução do mérito, nos termos do art. 269 do vigente CPC, todos em

homenagem à esfera de liberdade das partes preservada no processo, especialmente em

função do princípio dispositivo que o norteia. Especial aspecto da distinção básica do

sistema das nulidades processuais em relação àquelas previstas no direito material

consiste no estabelecimento de Ação Anulatória, nos termos do art. 486 do CPC, para os

casos em que a sentença tiver apenas caráter homologatório da composição das partes,

em homenagem ao poder dispositivo que são dotadas e à preservação de sua vontade livre

e consciente; b) um outro aspecto imperante no processo que reflete sua natureza pública,

mesmo nos casos em que essa proteção se apresente como garantia do exercício de certa

margem de liberdade no processo e que em muitos aspectos explica sua existência num

ramo do direito vinculado ao tronco do Direito Público, consiste na busca pela justiça das

decisões na eliminação das crises de direito material.

Em nosso entender esse constitui o mais importante interesse público imperante

no processo, exatamente porque explica a própria razão de ser do instrumento estatal de

solução de controvérsias, explicitando que ela reside na finalidade externa desse método,

implicando seu caráter instrumental e sobrelevando a importância do desapego aos

aspectos ontológicos do processo, com a conseqüente valorização de seu aspecto

Page 79: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

finalístico, legitimado pela ausência de prejuízo àquele que terá afetada sua esfera

jurídica em função de decisões do Poder Judiciário.

A busca da eliminação das crises de direito material, legitimada no processo pela

ausência de prejuízo processual à parte que terá sua esfera jurídica afetada pela decisão

jurisdicional faz dessumir a pouca importância que a classificação das nulidades em

absolutas, relativas ou anulabilidades apresenta no processo. Independentemente da

categoria do vício, se possível a incidência das normas saneadoras regentes do sistema

das nulidades processuais, sua existência será irrelevante e como sua determinação

deverá ser constatada em cada caso concreto, o estabelecimento de categorias de

nulidades, principalmente na determinação em caráter abstrato da insanabilidade do

vício- nos casos de nulidades absolutas, ou da incidência da preclusão ou do princípio da

causalidade- em que seria defeso à parte que deu causa ao vício alegá-lo não seria

pertinente à temática das nulidades processuais.

A preclusão é instituto autônomo, cuja aplicação não está restrita às nulidades

relativas ou às anulabilidades. Aliás, é estranho compreendermos sua aplicação no âmbito

das nulidades relativas porque em tais casos o juiz poderá determinar de ofício a

retificação do ato, mas à parte que não a alegou na primeira oportunidade ou à parte que

lhe deu causa estarão defesas as possibilidades de alegá-la. Por outro lado, da decisão

quanto a um eventual vício ensejador da nomeada nulidade absoluta que for considerada

sanada pela ausência de prejuízo pelo julgador, poderá a parte descontente com tal

decisão oferecer Agravo, nos termos do art. 522 do CPC, impedindo a incidência da

preclusão da decisão e a impossibilidade de tornar a discutir o vício que macula o ato,

num pleno exercício das garantias que lhe são ofertadas no processo.

Reflete-se, como anteriormente afirmado, a ampla vinculação que a temática das

nulidades processuais apresenta com os diversos institutos processuais que se imbricam

em cada caso concreto. Outro reflexo desse íntimo inter-relacionamento consiste na

chamada eficácia preclusiva da coisa julgada, prevista no artigo 474 do CPC e preconiza

que havendo coisa julgada da decisão de mérito serão reputadas deduzidas e repelidas

todas as alegações e defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à

Page 80: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

rejeição do pedido, em nítida homenagem ao princípio da segurança jurídica,

convalidando alguns vícios do procedimento em que fora proferida a decisão e torna

defesa a possibilidade de que sejam rediscutidos no processo.

Entretanto, algumas espécies de vícios do procedimento não se submetem à

eficácia preclusiva da coisa julgada, restando possibilidade de que sejam rediscutidos em

sede de Ação Rescisória, nos casos em que vierem descritos no taxativo rol do art. 485 do

CPC. Essa situação faz com que alguns doutrinadores198

pregassem a transformação de

casos de nulidade em rescindibilidade, pensamento com o qual não concordamos, pois

vemos como institutos autônomos, embora possa haver alguns vícios ensejadores da

decretação das nulidades e que concindentemente também vêm descritos no rol do art.

485 do CPC, permitindo sua impugnação mediante rescisória, cuja improcedência poderá

ser fundamentada na ausência de prejuízo à parte, em mais um exemplo da estreita

relação da sistemática das nulidades processuais com as diversas técnicas e institutos

próprios do direito processual.

Outra manifestação dessa íntima relação das normas saneadoras das nulidades

processuais com os diversos institutos do direito processual refere-se à possibilidade de

sua aplicação na temática das Condições da Ação e dos Pressupostos Processuais. De

fato, há parcela significativa da doutrina nacional e alienígena199

defendendo que a

ausência de condições da Ação ou de Pressupostos Processuais não constitui óbice

intransponível ao julgamento de mérito, visão que por muito tempo foi sagrada aos

cultores da Ciência Processual, mas que não tem resistido ao pensamento crítico e

consciente do papel instrumental que o processo apresenta em relação ao direito material.

198 Cf. DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil, v. I. 6ª Ed., amp, rev. e atual.Salvador,

JusPodivm, 2006, p. 246.

199 Consultar sobre esse tema , consultar a obra de BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Op. cit. pp. 456-8;

e tratando de forma mais específica o tema, conferir SOUSA, Miguel Teixeira de. Sobre o Sentido e a

Função dos Pressupostos Processuais (Algumas Reflexões sobre o dogma da apreciação prévia dos

Pressupostos Processuais na Ação Declarativa). In: Revista de Processo n. 63; São Paulo: Ed. RT jul/set

1991, pp. 64-87.

Page 81: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

11. ESPÉCIES NORMATIVAS REGENTES DO SISTEMA DAS

NULIDADES PROCESSUAIS.

11.1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

Preliminarmente à introdução do estudo das diversas espécies normativas que

disciplinam o tema das nulidades no âmbito processual, sobrevém a importância de

destacarmos as noções apresentadas em relevante estudo das letras jurídicas nacional,

cuja compreensão facilitará sobremaneira o tratamento específico do objeto desse estudo.

Trata-se da obra do professor Humberto Bergman Ávila200

Teoria dos princípios- da

definição à aplicação dos princípios jurídicos, que embora possua como objeto mais

específico o Direito Tributário, quase sempre se valendo o autor de exemplos no âmbito

desse ramo específico do Direito, trata-se de obra pertencente à Teoria Geral do Direito e

que muito clarifica o entendimento das idéias defendidas a seguir.

Referido autor divide as espécies normativas 201

em três espécies: princípios,

regras e postulados. Salienta que esse tertium genus consiste nas condições essenciais

para a interpretação de qualquer objeto cultural, sem as quais o objeto não poderá ser

apreendido e afirma que os postulados poderão ser meramente hermenêuticos, destinados

à compreensão em geral do Direito ou postulados aplicativos, cuja função é estruturar a

sua aplicação correta.

Os postulados normativos aplicativos são normas imediatamente metódicas que

instituem os critérios de aplicação de outras normas situadas no plano do objeto de

aplicação e, assim, classificam-se como normas sobre a aplicação de outras normas, isto

200 ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios – Da Definição à Aplicação dos Princípios Jurídicos, 9ª ed.

ampliada e atualizada. São Paulo: Malheiros, 2009.

201 ÁVILA, Humberto. Op. cit. pp. 121-3.

Page 82: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

é, como metanormas, advindo daí a nomenclatura de normas de segundo grau. Nesse

sentido, sempre que se está diante de um postulado normativo, há uma diretriz metódica

que se dirige ao intérprete relativamente à interpretação de outras normas, ou seja, têm

por função essencial disciplinar a aplicação de outras normas. Ávila202

destaca que os

postulados não se identificam com outras normas que também influenciam outras, como é

o caso dos sobreprincípios do Estado de Direito ou da segurança jurídica. Os

sobreprincípios situam-se no mesmo nível das normas objeto de aplicação e atuam sobre

outras normas no âmbito semântico e axiológico e não no âmbito metódico, como ocorre

com os postulados. Posteriormente, elenca as distinções entre os postulados em relação

aos princípios e às regras: a) explicita que eles não se situam no mesmo nível, uma vez

que os princípios e as regras são normas objeto de aplicação, ao passo que os postulados

são normas que orientam a aplicação de outras normas; b) essas espécies normativas não

possuem os mesmos destinatários, haja vista os princípios e as regras serem

primariamente dirigidos ao Poder Público e aos contribuintes203

ao passo que os

postulados são frontalmente dirigidos ao intérprete e aplicador do Direito; c)

relacionamento diferenciado dos postulados com as demais normas do ordenamento, ou

seja, os princípios e as regras implicam-se reciprocamente ao passo que os postulados,

justamente porque se situam num metanível, orientam a aplicação dos princípios e das

regras, sem conflituosidade necessária com outras normas.

Essas idéias, notadamente nessa terceira espécie normativa nomeada pelo autor de

postulado, termina por trazer luz aos escritos do próprio Galeno Lacerda204

posteriores à

publicação de sua obra Despacho Saneador, cuja primeira edição foi lançada em 1953 e

que por bastante tempo serviu de guia para a sistematização das nulidades processuais no

Brasil, mas que não resistiu à evolução do pensamento de seu próprio criador. Galeno

após ressaltar que a lógica do direito não se reduz à lógica formal, o que reduziria o papel

202

ÁVILA, Humberto. Op. cit. p. 122. 203

Nesta explanação transcende a influência específica do Direito Tributário nos escritos do autor, que

ressaltamos no início do capítulo. Entretanto, entendemos haver equivalência no entendimento de que os

princípios e as regras sejam dirigidos a todos os jurisdicionados, que permite sua afirmação no tocante a

quaisquer dos diversos ramos do Direito.

204 LACERDA, Galeno. O Código e o Formalismo Processual. In Revista da Faculdade de Direito da

Universidade Federal do Paraná, n. 21, 1984.

Page 83: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

do intérprete à simples tarefa de subsunção do fato à lei pautado na interpretação literal

dos textos normativos, mas, ao contrário, passa a defender maior valorização do papel do

intérprete e aplicador do direito, salientando que o mais elevado interesse público que

inspira e justifica um Código de Processo é que sirva ele de meio eficaz para a definição e

realização concreta do direito material.205

Nessa tarefa, desempenha papel fundamental as normas constantes do capítulo das

nulidades do vigente CPC porque elas consubstanciam o interesse público superior

existente no processo e possuem o condão de flexibilizar as normas regentes das

situações em que os atos processuais são praticados com vícios. Essas normas foram

nomeadas de sobredireito processual206

porque se referem à aplicação de outras normas

do ordenamento e possuem a função de tutelar a instrumentalidade do processo.

Destarte, entendemos que as normas referentes à necessidade de análise do

alcance da finalidade do ato e da ausência de prejuízo para a decretação das nulidades no

âmbito processual se constituem como postulados normativos aplicativos, na esteira de

Humberto Ávila207

, também chamadas de normas de sobredireito processual, conforme

205LACERDA, Galeno. Op. cit. pp..15-7.

206 LACERDA, Galeno. Op. cit. p. 17. Ver também COSTALUNGA, Danilo Alejandro Mognoni. A Teoria

das Nulidades e o Sobredireito Processual. Diponível em <htpp://jus.uol.com.br/revista/texto/783/a-teoria-

das-nulidades-e-o-sobredireito-processual> acesso em 07 de julho de 2011.

207 ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios – Da Definição à Aplicação dos Princípios Jurídicos, 9ª ed.

ampliada e atualizada. São Paulo: Malheiros, 2009. Ver também sobre o tema as esclarecedoras letras de

MITIDIERO, Daniel Francisco. O Problema das Invalidades dos Atos Processuais no Direito Processual

Civil Brasileiro Contemporâneo . Diponível em <htpp://abdpc.org.br>, acesso em 07 de julho de 2011 em

que o autor prega a aplicação dos postulados normativos aplicativos da finalidade e prejuízo para a

identificação das relevantes infrações de forma. Ou seja, toda vez em que as infrações de forma não for pré-

excluída pela aplicação desses princípios, haverá relevante infração de forma, ensejando a decretação da

nulidade do ato. Ressalta-se que essa verificação deverá sempre ser analisada caso a caso, albergada numa

racionalidade prática. Afirma que esse é o sentido da expressão de Sobredireito processual, cunhada por

Galeno Lacerda. Cita que Moniz de Aragão critica veementemente esse pensamento defendido por ele e

Calmon de Passos de que todo o capítulo das nulidades deverá subordinar-se fins da justiça do processo,

tachando- o de excessivamente subjetivo tal entendimento e que não possibilitaria o entendimento a

compreensão do sistema das nulidades no processo e que transparece para ele (Moniz de Aragão) que os

fins da justiça do processo constituem mais um lema a ser observado pelo legislador ao elaborar a lei

relativa às nulidades que um padrão de exegese a ser aplicado pelo juiz em cada caso concreto. Mitidiero

contra-argumenta dizendo que para Moniz a justiça não é um problema do juiz, mas do legislador, bem ao

sabor positivista. Diversamente, pregando as idéias de finalidade e prejuízo como regras, consultar

Page 84: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

descrito por Galeno Lacerda e tratado de forma esclarecedora por Danilo Costalunga208

.

Mais importante que a nomenclatura distinta para distintos elementos é a exata

compreensão do fenômeno que subjaz à questão, com a perfeita diferenciação dessas

normas com as demais espécies normativas, em relação aos seus destinatários e ao papel

que desempenham em nosso sistema jurídico, materializando o propósito político do

legislador de salvar os processos que contenham atos viciados, fornecendo ao intérprete e

aplicador do Direito os parâmetros para a análise da necessidade do pronunciamento da

nulidade do ato em si mesmo considerado, dos atos que padeçam de vícios decorrentes do

pronunciamento da nulidade de algum ato da cadeia do procedimento anterior a sua

prática, mas cujo vício também nele apresenta projeções.

11.2 A IMPORTÂNCIA DA ANÁLISE DO ALCANÇE DA FINALIDADE DO

ATO E DA AUSÊNCIA DE PREJUÍZO NO TEMA DAS NULIDADES

PROCESSUAIS.

As normas do sobredireito processual possuem o condão de convalidar os vícios

que maculam o ato porque torna equivalente a situação concreta àquela abstratamente

prevista pelo legislador , quando considerado o aspecto finalístico do ato. Aliás, como

ressaltado alhures209

, é esse o aspecto finalístico do ato que constitui a garantia ofertada

aos sujeitos do processo, constituindo a predeterminação das formas dos atos apenas o

mecanismo mediante o qual o legislador, pautado num juízo político, disponibilizou aos

jurisdicionados para a proteção dos objetivos do instrumento, conferindo-lhe ordem,

previsibilidade e certeza, assegurando a participação das partes e sua conseqüente

BAGGIO, Lucas Pereira e TESHEINER, José Maria Rosa. Nulidades no Processo Civil Brasileiro. Rio de

Janeiro, Editora Forense, 2008, p 78 e especialmente a nota 87 da mesma página.

209

Remetemos o leitor para o capítulo 08 desta obra.

Page 85: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

influência no juízo valorativo a ser proferido pelo julgador, sendo exatamente essa a

importância que as formas apresentam no processo.

Em razão da necessidade de análise em concreto do alcance da finalidade do ato,

não obstante o vício que o macula, torna-se plenamente prescindível no sistema

processual a cominação de nulidades nos textos normativos, porque destituídas de

qualquer sentido lógico ou finalístico no processo. A presunção de validade dos atos

processuais permite que atos praticados em desconformidade com seu modelo produzam

todos os efeitos que os atos não inquinados com algum vício também produziriam, e

esses efeitos somente serão afastados com a decretação da nulidade do ato, que afasta a

validade do ato sempre após um juízo de suficiência do juiz, sendo essa uma das notas

diferenciam o sistema das nulidades processuais em relação às do direito material.

É bastante esclarecedora a distinção efetuada por Jose Roberto Bedaque,210

no

estudo do tema das nulidades processuais, ao afirmar que nesse tema predominam duas

visões distintas porque ressalta simultaneamente a importância do papel do legislador na

estatuição de requisitos formais dos atos processuais, cuja estrita observância afasta a

análise da necessidade de sua invalidação, permitindo que o processo avance

normalmente no seu iter e, por outro, lado também destaca a importância da relevante

atuação do juiz ao se deparar com alguma inadequação formal na prática dos atos

processuais: trata-se das visões prospectiva e retrospectiva.

A visão prospectiva é pautada no controle prévio a ser exercido pelo juiz, a quem

compete obstar o prosseguimento de processo que padeçam de vícios que poderão

impossibilitar o futuro julgamento do mérito, visando ao atendimento dos mandamentos

legais dos requisitos disciplinadores das formas procedimentais, numa atividade em plena

consonância com a lógica da economia processual.

210 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. 3ª Ed. São Paulo,

Malheiros, 2010, pp. 508-514, especialmente p. 510 na qual o autor expõe com bastante clareza essas

idéias.

Page 86: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

Ocorrendo o desenvolvimento da relação processual, apesar do defeito verificado

em fases anteriores do procedimento, outras serão as premissas por que se deve orientar o

julgador. Trata-se da visão retrospectiva do intérprete e aplicador do Direito, cuja análise

será centrada na utilização dos postulados do alcance da finalidade e da ausência de

prejuízo, não obstante o vício ou até a própria ausência de requisito de natureza

processual.

Assim, os postulados normativos aplicativos do alcance da finalidade e da

ausência de prejuízo permitem a convalidação dos atos viciados, atendendo de forma

eficaz ao postulado da economia processual e celeridade, sem implicar lesões ao princípio

da segurança jurídica, exatamente em função da inexistência de quaisquer prejuízos aos

interesses processuais das partes.

Não constitui uma garantia das partes a observação sacramental dos aspectos

formais do processo, tal qual no direito romano, que elegia as formas como fins de si

mesmas, servindo muitas vezes para a facilitação do trabalho do julgador.211

O caráter

finalístico que elas apresentam impõe a ilação da ausência de formas vinculadas no

âmbito processual e permite sua flexibilização para viabilizar o alcance do escopo maior

e imutável do processo, consistente na solução das crises de direito material do modo

mais eficiente possível, sendo que as formas dos atos processuais apresentam caráter

instrumental para as garantias magnas do processo que consistem na prestação da tutela

jurisdicional de forma célere, segura, adequada e justa.

As idéias descritas anteriormente conduzem-nos à completa negação da

determinção em caráter abstrato da existência de vícios insanáveis212

no processo e

211 ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Do Formalismo no Processo Civil, São Paulo: Saraiva,

1997, p. 207.

212 São variados os conceitos utilizados pela doutrina para classificar os vícios dos atos processuais e suas

conseqüências. Comumente vemos afirmações de que haverá nulidade absoluta: se o defeito ofender regras

referentes aos pressupostos processuais ou condições da Ação; se violar faculdades processuais das partes;

sua potencial influência na justiça das decisões; sua desconformidade com a verdade dos fatos; se ofender o

interesse público; se ferir a ordem pública. Tratando do tema com maior profundidade e com amplos

exemplos dos diversos doutrinadores que perfilham cada um dos conceitos apresentados, conferir

Page 87: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

também da possibilidade do estabelecimento de graus de vícios213

que maculam o ato

para a determinação, também de natureza apriorística e abstrata, de suas consequências.

Não há qualquer razão para a determinação apriorística de vícios que não possam

ser convalidados pelas normas saneadoras do sistema das nulidades processuais,

independentemente do grau do vício que o inquina. O caráter instrumental que os atos

processuais apresentam permite que esses vícios sejam vistos como irrelevantes em

função do alcance de sua finalidade, privilegiando-se valores maiores eleitos no sistema,

e que constituem a razão de ser e finalidade do próprio processo.214

Classificação daquela natureza elege a nulidade como fenômeno ontológico e

inerente ao ato, esquecendo-se do caráter instrumental que as formas215

apresentam no

âmbito processual e também da necessidade de pronunciamento judicial para sua

constituição nesse ramo do direito, empobrecendo o sistema processual e, muitas vezes,

impedindo a própria prestação da tutela jurisdicional.

CABRAL, Antonio do Passo. Nulidades no Processo Moderno: Contraditório,Proteção da Confiança e

Validade Prima Facie dos Atos Processuais. 2ª ed. Rio de Janeiro. Editora Forense, 2010, pp. 81-7.

213 Defendendo a distinção pautada no grau do vício que macula o ato na disciplina das nulidades

processuais, ver CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel e GRINOVER, Ada

Pelegrini. Teoria geral do processo. 24ª Ed. São Paulo, Malheiros Editores, 2008, pp. 365-8. 214

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. 3ª Ed. São Paulo,

Malheiros, 2010, pp. 454-6

215Concordamos no ponto com os escritos da professora Teresa Wambier na qual a doutrinadora acentua o

caráter instrumental das formas, que não deve ser o objetivo do ato, de maneira que, em lugar de facilitar o

acesso à justiça, dificulte o acesso a ela e que está inserido em sua obra: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim.

Nulidades do processo e da sentença 6ªed. rev, atual. e ampliada, São Paulo, RT, 2007, p. 169.

Page 88: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

11.3 OUTRAS ESPÉCIES NORMATIVAS INTEGRANTES DO

SISTEMA DAS NULIDADES PROCESSUAIS.

Além dos postulados do alcance da finalidade e da ausência de prejuízo, que

entendemos constituir o núcleo duro do sistema das nulidades processuais,216

também

outras espécies normativas orbitam nesse sistema, como comumente apontado pelos

diversos doutrinadores que trataram do assunto. Além dos citados postulados,

normalmente referidos na expressão instrumentalidade das formas, não obstante a

ausência de consenso entre os diversos doutrinadores no tocante ao tema, são amiúde

apresentados os princípios da causalidade, interesse, preclusão e economia processual.217

216 Consultar BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. 3ª Ed.

São Paulo, Malheiros, 2010, p. 427 na qual o autor afirma que a instrumentalidade das formas é princípio

fundamental à compreensão do sistema das nulidades, pois impõe seja a forma examinada segundo a

função do ato no procedimento e que analisado o problema por esse ângulo, importante é verificar a

idoneidade da exigência formal- o que se faz mediante a identificação do escopo específico do ato a que ela

se refere. Com tal fundamento chega a que as formas devem ser respeitadas na medida e nos limites em que

sejam necessárias para atingir sua própria finalidade- isto é, conferir segurança e objetividade ao

procedimento. Ausente essa função, podem ser transgredidas. À nota 21 da mesma pagina 427 cita o

exemplo de ausência de cópia de procuração dos advogados quando da interposição de Agravo de

Instrumento, em desconformidade com o artigo 525, I do CPC, mas que se for possível a identificação do

causídico por outro meio, não haveria nulidade porque viável sua regular intimação. Cita também a

inviabilidade da decretação da nulidade por ausência de citação para audiência de justificação, em afronta

ao texto literal da norma insculpida no artigo 928 do CPC, uma vez que nela o réu não poderá produzir

prova para ilidir os argumentos do autor. Ver também THEODORO JÚNIOR, Humberto. As Nulidades no

Código de Processo Civil. RePro 30. São Paulo: RT, abr/jun 1983, p. 44 em que o autor acertadamente

afirma ser a instrumentalidade das formas o mais importante dos fundamentos da atual concepção de

processo, em matéria de nulidades, figurando como critério básico do sistema das nulidades de nosso

Código de Processo Civil.

_______________________

217 Cf. THEODORO JÚNIOR, Humberto. As Nulidades no Código de Processo Civil. RePro 30. São

Paulo: RT, abr/jun 1983, pp. 47-9; BAPTISTA DA SILVA, Ovídio Araújo. Curso de Processo Civil, 4ª ed.

rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, vol. I, pp. 212-218; CINTRA, Antonio Carlos de

Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel e GRINOVER, Ada Pelegrini. Teoria geral do processo. 24ª Ed.

São Paulo, Malheiros Editores, 2008, pp. 368-9; BEDAQUE, José Roberto.Nulidade processual e

instrumentalidade do processo, RePro n.60, RT, São Paulo, out-dez.1990, p.32; BAGGIO, Lucas Pereira e

TESHEINER, José Maria Rosa. Nulidades no Processo Civil Brasileiro. Rio de Janeiro, Editora Forense,

2008, pp. 74-89; COSTALUNGA, Danilo Alejandro Mognoni. A Teoria das Nulidades e o Sobredireito

Processual. Diponível em <htpp://jus.uol.com.br/revista/texto/783/a-teoria-das-nulidades-e-o-sobredireito-

processual> acesso em 07 de julho de 2011; ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Do Formalismo no

Processo Civil, São Paulo: Saraiva, 1997, p. 206.

Page 89: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

O princípio da causalidade consubstancia as noções que o doutrinador Cândido

Rangel Dinamarco218

chama de efeito expansivo e confinamento das nulidades. O efeito

expansivo das nulidades decorre do fato de que a nulidade de um ato processual poderá

também ensejar que outros atos posteriores também devam ter sua nulidade decretada,

embora quando considerados em si mesmos, sejam sadios. Essa seria uma conseqüência

da interligação com que se apresentam os atos no procedimento, com vistas à produção

do resultado final. Já o confinamento refere-se à delimitação dos atos que foram

maculados pela decretação de nulidade de algum ato do procedimento.

Entendemos ser o referido princípio, de aplicação subsidiária em relação ao

postulado da instrumentalidade das formas, cuja verificação de prejuízo serve de

parâmetro para sua aplicação e também à hipótese de decisão favorável à parte

prejudicada. Ainda que não afastada a possibilidade de ser considerado irrelevante o

vício, seja em função da ausência de prejuízo ou pela possibilidade de decisão favorável à

parte processualmente prejudicada, numa aplicação macro do postulado da economia

processual, o princípio da causalidade, na faceta do confinamento reflete também idéia

inerente àquele postulado, embora em âmbito mais restrito que nos casos apresentados

anteriormente, dotando o sistema de racionalidade prática, impondo que apenas devam

ser refeitos os atos praticados com vícios ou que estejam maculados com vícios

decorrentes da decretação de nulidade de algum outro ato subsequente219

do

procedimento, nos exatos limites para a eliminação desse prejuízo.

No tocante ao chamado princípio do interesse, temo-lo como irrelevante no tema

das nulidades processuais, haja vista que os elementos ensejadores de sua aplicação

estariam compreendidos na aplicação do postulado do alcance da finalidade ou ausência

218 Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, vol. II. 6ªed. rev. e atual.

São Paulo, Malheiros, 2009, pp. 617-8.

219 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel e GRINOVER, Ada Pelegrini.

Teoria geral do processo. 24ª Ed. São Paulo, Malheiros Editores, 2008, p. 368; DINAMARCO, Cândido

Rangel. Instituições de direito processual civil, vol. II. 6ªed. rev. e atual. São Paulo, Malheiros, 2009, p.

619;

Page 90: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

de prejuízo220

ou nos casos em que a preclusão impede o pronunciamento da nulidade e

legitima a sustentação do prejuízo por algum dos sujeitos parciais, em homenagem ao

interesse público subjacente a todo o processo da segurança jurídica e da busca pela

justiça da decisão.

Por último, temos que as idéias até o momento defendidas coadunam-se

perfeitamente com o conceito de economia processual, que também apresenta caráter

autônomo em relação ao tema das nulidades processuais e conforma toda a Ciência

Processual, servindo de parâmetro para o julgador na aplicação de outras normas

processuais, dentro das noções apresentadas anteriormente de postulados normativos

aplicativos ou normas de sobredireito processual.

220 Consultar PASSOS, J. J. Calmon de. Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades

processuais. 1ª ed. 4ª tiragem. Rio de Janeiro, Forense, 2009, p. 132-3 em que o autor prega que não

haverá situações em que o ato tenha alcançado seu fim e tenha causado prejuízo; e ao mesmo também não

visualiza situações em que não tenha alçançado seu fim e também não tenha causado prejuízo. Tem,

portanto, como equivalentes os termos, no sentido de que quando um estiver presente, o outro

necessariamente também estará e vice-versa; KOMATSU, Roque. Da invalidade no processo civil. São

Paulo, RT, 1991, pp. 253-4 também prega identidade entre alcance da finalidade e ausência de prejuízo.

DALL AGNOL JR, Antonio Janyr. Invalidades Processuais- Algumas Questões. In: Revista de Processo n.

67. São Paulo, Ed. RT, jul/set 1992, p. 160 estabelece distinção entre prejuízo e instrumentalidade das

formas argumentando que o primeiro é dirigido ao juiz, ao passo que o segundo é também dirigido ao

legislador. O mesmo autor, no livro Invalidades Processuais. Porto Alegre: Letras Jurídicas Editora, 1989,

pp. 71-2estabelece que não há prejuízo a priori, somente podendo ser verificado em concreto; ao passo que

o alcance do fim poderá ser previsto, ou seja, ser pensado com antecipação, tendo ampla vinculação com as

nulidades cominadas nas quais o legislador impõe a forma na prática do ato, sob pena de não ter aptidão

para a produção de efeito jurídico, entretanto, o próprio autor reconhece a relatividade de tal presunção,

prescindo-se o sistema da categoria das nulidades cominadas; BAGGIO, Lucas Pereira e TESHEINER,

José Maria Rosa. Nulidades no Processo Civil Brasileiro. Rio de Janeiro, Editora Forense, 2008, pp. 78-81

consta afirmação de que a idéia de prejuízo está diretamente relacionada com a de finalidade do ato, mas

sem explicitar a diferença que entende haver entre as duas.

Page 91: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

12. NULIDADES PROCESSUAIS NO VIGENTE CPC, NO

ANTEPROJETO E NO PROJETO DO NOVO CÓDIGO DE

PROCESSO CIVIL. ANÁLISE CRÍTICA.

Centraremos esforços neste momento na análise específica do tratamento das nulidades

processuais dado pelo vigente CPC, em comparação com aquele dispensado no

Anteprojeto e no Projeto do Senado do novo Código de Processo Civil no mesmo tema,

sempre ressaltando nosso entendimento de que o tema das nulidades, por ser categoria

pertencente à Teoria Geral do Direito, 221

deverá sempre ser tratado no âmbito lógico-

jurídico, não se limitando ao texto da lei como ponto de partida ou chegada para sua

sistematização.222

O vigente CPC trata das nulidades processuais no Livro I, Título V e Capítulo V

destacando-se as normas insculpidas nos artigos 244, 249, §1 e 250 parágrafo único que

221 DALL’AGNOL JÚNIOR, Antônio Janyr. Invalidades Processuais. Porto Alegre: Letras Jurídicas

Editora, 1989, p. 44; THEODORO JR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. vol. I, 48ª ed.. Rio de

Janeiro: Forense, 2008, p. 330; DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil, v. I. 6ª Ed., amp,

rev. e atual.Salvador, JusPodivm, 2006, p. 238 defende a aplicação de toda as noções da teoria geral do

direito sobre o plano da validade dos atos jurídicos ao sistema das invalidades processuais, mas adverte

que essa tarefa deve ser efetuada com cautela em função das especifidades existentes nesse ramo do direito

e que a diferenciam dos demais..

222 Defendendo a lei como ponto de partida para a sistematização das nulidades, consultar: MALACHINI,

Edson Ribas. Das Nulidades no Processo Civil. In: Revista de Processo n.09, São Paulo, jan/mar. 1978,

pp. 57-70; THEODORO JÚNIOR, Humberto. As Nulidades no Código de Processo Civil. RePro 30. São

Paulo: RT, abr/jun 1983, p. 44; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença

6ªed. rev, atual. e ampliada, São Paulo, RT, 2007, p. 162; DALL’AGNOL JÚNIOR, Antônio Janyr.

Invalidades Processuais. Porto Alegre: Letras Jurídicas Editora, 1989, p. 15-6. Em sentido contrário,

MITIDIERO, Daniel Francisco. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo, Memória Jurídica

Editora, São Paulo, 2005, tomo II (Artigos 154 a 269), p. 408; DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito

Processual Civil, v. I. 6ª Ed., amp, rev. e atual.Salvador, JusPodivm, 2006, p. 239. PASSOS, J. J. Calmon

de. Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais. 1ª ed. 4ª tiragem. Rio de

Janeiro, Forense, 2009, p. 128-9; BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica

processual. 3ª Ed. São Paulo, Malheiros, 2010, p. 472 defende que mais importante que o seu texto, é o

espírito da lei, que no âmbito processual se identifica com o fim colimado.

________________________

Page 92: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

positivam os postulados constantes da instrumentalidade das formas. O art. 244 teve

tratamento no art. 240 do Anteprojeto e 252 do Projeto de Lei do Senado 166/10223

e

acertadamente não incluíram em seu texto a referência trazida pelo art. 244 do vigente

CPC de que a análise do alcance da finalidade não seria aplicável às nulidades cominadas

no texto legal.224

Já o art. 249,§1º do atual CPC tem equivalente nos arts. 245, §1º e 250, §1º

respectivamente do Anteprojeto e do PLS 166/10, mantendo ausência de prejuízo ou a

possibilidade de decisão favorável ao prejudicado processualmente como fatos que

tornam despicienda a decretação da nulidade do processo ou a necessidade de

saneamento do vício do ato. Essa idéia de julgamento favorável também é retomada nos

artigos 470 do Anteprojeto e 475 do PLS 166/10 que determina que o juiz proferirá

sentença de mérito sempre que puder julgá-lo em favor da parte a quem aproveitaria o

acolhimento da preliminar, que no caso ora tratado poderia ter sido alegada em preliminar

de Contestação a inexistência ou nulidade da citação, conforme arts. 338,I e 327,I do

Anteprojeto e do PLS 166/10, respectivamente.

Isento de falha também foi a manutenção tanto no Anteprojeto como no PLS

166/10 da redação do art. 250 di vigente CPC, respectivamente nos artigos 246 e 258,

cujo parágrafo único desses artigos estabelecem que dar-se-á o aproveitamento dos atos

praticados desde que não resulte prejuízo à defesa.

Embora, a cabeça do art. 254 do PLS 166/10 tenha mantido a expressão é nulo o

processo em função da ausência de intimação do Ministério Publico que parece remeter à

possibilidade de existirem nulidades de pleno direito no âmbito processual,225

foi incluído

nesse artigo o §2º que aduz ser necessária a oitiva do MP sobre a existência ou

223

A referência a tal projeto será feita deste momento em diante como PLS 166/10.

224

Sobre o acerto do legislador em excluir a expressão sem cominação de nulidade do texto legal e, assim,

afastando quaisquer dúvidas quanto à possibilidade de aplicação do postulado do alcance da finalidade

também aos casos de nulidade cominada, ver MARINONI, Luiz Guilherme e MITIDIERO, Daniel. O

Projeto do CPC- crítica e propostas. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 96. 225

Previsão com a qual não podemos concordar, conforme a já tantas vezes citadas prescindência da

classificação das nulidades em categorias, inclusive da famigerada classificação em nulidades cominadas e

não-cominadas. Tal critica também pode ser feita no tocante à manutenção da vigente redação do art. 247

do CPC, tanto no Anteprojeto, em seu art. 243, quanto no PLS 166/10 em seu art. 255.

Page 93: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

inexistência de prejuízo em função da ausência de intimação para a decretação de

nulidade do processo,226

em redação mais apropriada que aquela trazida pelo art. 242 do

Anteprojeto do Código de Processo Civil que, além de determinar a nulidade por

ausência de intervenção do parquet dos casos que elenca, também traz a inconveniente

afirmação de que o processo não seria nulo se o MP entendesse que não houve prejuízo

decorrente da ausência de sua intervenção, sob auspiciosas críticas da doutrina de que tal

previsão elegeria o promotor ou procurador de justiça como o efetivo julgador da

questão.227

Demais disso, mantiveram-se tanto no Anteprojeto como no PLS 166/10 os

princípios da causalidade (art. 244 do Anteprojeto e art. 255 do PLS 166/10) e preclusão

(art. 241 do Anteprojeto e art.253 do PLS 166/10), embora tenhamo-las como previsões

desnecessárias ou equivocadas na sistematização da questão das nulidades processuais.228

Outra inovação importante trazida pelo Anteprojeto, em seu art. 727 e mantida no

PLS 166/10 no art. 760, em comparação com o art. 618 do vigente CPC foi a inclusão do

parágrafo único naqueles artigos estabelecendo a possibilidade do juiz pronunciar de

ofício a nulidade da execução, independentemente da propositura de embargos à

execução, refletindo, assim, a natureza pública do processo como instrumento estatal de

distribuição de justiça e pacificação social.

O PLS 166/10 excluiu a inoportuna alusão à decretação de nulidade pelo juiz em

razão da incapacidade do autor ou irregularidade de sua representação, quando não

sanado o defeito no prazo de suspensão do processo determinado pelo juízo para que

fosse extirpado o vício. A hipótese é de extinção do processo, sem resolução de mérito,

nos termos do art. 267 do CPC em vigor e não caso de pronunciamento de nulidade,

226 Consultar BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. 3ª Ed.

São Paulo, Malheiros, 2010, p. 427; o mesmo pensamento é defendido pelo autor em Nulidade processual e

instrumentalidade do processo, RePro n.60, RT, São Paulo, out-dez.1990, p.37. 227

Sobre a questão, consultar MARINONI, Luiz Guilherme e MITIDIERO, Daniel. O Projeto do CPC-

crítica e propostas. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 97. 228

Sobre a equivocidade ou desnecessidade de tais previsões, consultar o cap. 11 que trata das espécies

normativas regentes das nulidades processuais.

Page 94: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

como dá a entender a leitura dos artigos 13,I do Código atual ou seu equivalente no

Anteprojeto que teve tratamento no art. 61, parágrafo único e inciso I.229

Adotando o critério da instrumentalidade das formas como elemento nuclear no

tema das nulidades processuais, foi mantida a previsão legal da citação como requisito de

validade do processo, não como caso de sua inexistência como defendido por prestigiosa

doutrina.230

Destarte, havendo vício nesse ato processual ou até sua inexistência somados

à ocorrência de prejuízo à parte, deverá o juiz pronunciar a nulidade do processo, fazendo

com que se retorne à fase procedimental em que o ato deveria ter sido praticado de forma

regular. Caso o vício ou a ausência desse ato, que visa a garantir a possibilidade de reação

do interessado, garantindo-se o contraditório no processo, não tenha impedido tal

exercício, não há razão para o pronunciamento da nulidade, até por razões de economia

processual, e principalmente porque há identidade substancial entre aquela situação

abstrata prevista no ordenamento e a situação ocorrente. Essa foi a razão para a correta

manutenção da norma descrita no art. 214 do vigente CPC, em seus equivalentes 196 do

Anteprojeto e 208 do PLS 166/10, embora façamos a ressalva na redação desses últimos

que parece assumir a posição de que haveria nulidade inerente ao ato.

229 BAGGIO, Lucas Pereira e TESHEINER, José Maria Rosa. Nulidades no Processo Civil Brasileiro. Rio

de Janeiro, Editora Forense, 2008, p194.

230

Sobre a citação como requisito de existência, ver o cap. 05 e especialmente os escritos da doutrinadora

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença 6ªed. rev, atual. e ampliada, São

Paulo, RT, 2007, p 202.

Page 95: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

13. CONCLUSÃO

O objetivo maior buscado nesta obra consiste na busca de conscientização da premente

necessidade de menor apego às questões meramente formais do processo como

mecanismo para a ampliação do acesso à justiça.

Embora não ignoremos que a questão do acesso à justiça apresenta limites que em muito

extravasam o tema ora tratado, a mudança de mentalidade aqui preconizada pode

constituir importante passo nesse sentido.

Procurou-se demonstrar que as formas têm seu papel e razão de ser no processo,

constituindo importante mecanismo para a proteção de valores no sistema processual,

notadamente a de conferir segurança, ordenação e previsibilidade ao processo,

delimitando os poderes, faculdades e deveres das partes, coordenando sua atividade-

conferido-lhes idêntico tratamento no sentido de que ser-lhes-ão ofertadas oportunidades

para a participação e influência no resultado da decisão judicial, ordenando o

procedimento, no sentido de preestabelecer cada um dos atos passíveis de serem

praticados no íter procedimental.

Entretanto, não deverá a forma ser adotada como aspecto sacramental, efetuando-se

interpretação meramente literal231

das normas que as instituem e elegendo-as como fins

de si mesmas, esquecendo-se de que mais importante que o texto da lei, é o espírito que a

informa, e que no âmbito processual se identifica sempre com a idéia de fim colimado.

As formas devem consubstanciar um valor a ser protegido no sistema e disso decorre

dupla conclusão: a primeira seria a de que se o valor, inobstante a inadequação formal na

prática do ato ainda assim foi preservado, não haveria razões suficientes para a

decretação da nulidade pelo juízo; a segunda consistiria numa constante análise crítica

que deverá ser constantemente efetuada pelo julgador no tocante às próprias formas

231Ver BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. 3ª Ed. São

Paulo, Malheiros, 2010, p. 472

Page 96: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

instituídas pelo legislador, de modo que se não preservarem um valor interno ao sistema,

são destituídas de sentido no sistema processual, podendo ser transgredidas.

Buscou-se ainda, ao tratar dos planos da existência, da validade e da eficácia demonstrar

suas especificidades no âmbito processual, notadamente na busca da redução na

determinação da inexistência dos atos, ou melhor, intentou-se a maximização da

caracterização da existência dos atos, permitindo-se, assim, a incidência das normas

saneadoras do sistema das nulidades processuais, viabilizando que procedimentos que

não apresentam perfeita adequação ao seu modelo legal fossem aptos a produzirem

efeitos no mundo concreto.

Para tanto, buscou-se dentro do ordenamento jurídico, as variadas normas que servem de

parâmetro ao julgador no cumprimento desse desiderato, e exatamente pelo fato de ser

voltada ao julgador como elemento norteador da aplicação de outras normas, chamamo-

las, para diferenciá-las de outras espécies normativas integrantes de nosso sistema, de

postulados ou normas de sobredireito processual.

Destacamos que no sistema das nulidades processuais desempenha papel fulcral o

postulado da instrumentalidade das formas, consubstanciado nos conceitos de alcance da

finalidade e da ausência de prejuízo, aliados, ainda, ao postulado da economia

processual, que norteia todo o sistema. Juntos esses postulados possuem o mister de dotar

o sistema jurídico de racionalidade prática, essencial em qualquer ordenamento da

massificação das relações intersubjetivas e da maior complexidade da sociedade

moderna.

Intentou-se também demonstrar que o sistema das nulidades processuais diverge do

modelo adotado no âmbito do direito material, notadamente em função da exigência de

pronunciamento da nulidade pelo julgador para que ela passe a existir, sendo estranha a

esse ramo do direito a idéia de nulidade de pleno direito. É nesse momento que incidem

as normas de natureza pública do direito processual, flexibilizando o binômio perfeição-

eficácia e elegendo como critério para tal função o binômio finalidade-prejuízo.

Page 97: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

Decorre dessa premissa nosso entendimento da desnecessidade de qualificação da

nulidade e também da irrelevância de nomenclatura entre nulidade ou invalidade. O

enquadramento das nulidades em categorias apresenta inconvenientes no sistema

processual, primeiro porque dá azo à idéia de que a nulidade processual é inerente ao ato,

levando notabilíssimos doutrinadores a confundirem o vício que macula o ato com a sua

nulidade e a esquecerem da natureza constitutiva do pronunciamento judicial para a

caracterização da invalidade, ressaltando que também rechaçamos a natureza de

declaração judicial porque igualmente conduz à idéia de nulidade inerente ao ato

praticado de forma divergente com seu modelo legal.

Ademais, ressaltamos a ampla vinculação das normas regentes do sistema das nulidades

processuais com diversos outros aspectos do processo, que possibilita a aplicação dessas

normas aos chamados requisitos de admissibilidade e julgamento de mérito, inclusive

como forma de superação do dogma de que a ausência de pressuposto processual

constituiria óbice intransponível ao julgamento do mérito.

Por fim, procuramos fazer uma análise crítica do tratamento das nulidades no Anteprojeto

e no PLS 166/10 referentes à implementação de um novo código de processo civil no

Brasil.

Page 98: Nulidades processuais à luz da tese intrumentalista do processo-Tese de Láurea USP 2011

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