Nunes, Benedito. *O Dorso Do Tigre

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  • 7/23/2019 Nunes, Benedito. *O Dorso Do Tigre

    1/7

    Coleo Debates

    Dirigida por J. Guimburg

    Conselho Editorial: Anatol Rosenfeld 19121973), Anita No

    vinsky, Atacy Amaral. Augmw de Campos, Bris Scbnaider

    man, Carlos Guilherme Meta, Celso Lafer, Dante Moreira Lei

    te, Gita K. Gumsburg, Haroldo de Campos, Leyla. Perrone

    Moiss, Maria de Lourdes Santos Machado, Modesto Carona

    Netto, Paulo Emlio Sa11esGomes, Regina Schnaiderman, Ro

    bert N. V. C. Nicol,

    R03a

    R. Krausz, Sbato Magaldi,

    sergio-

    Miceli, Willi Balle e Zulmira Ribeiro Tavares.

    258 3

    iie )-

    benedito nunes

    o DORSO

    DO TIGRE

    ne faul il pas nous

    rappeler que nous sommes allachs

    sur le dos d ull tigre?

    Michel Foucault,

    Les mols el les choses.

    Equipe de realizao - Reviso: Geraldo Gerson de

    ~\I~

    --- ~

    :::::a :::.

    10 anos de

    EDITORA PERSPECTIVA

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    \

    \

    \

    \

    LINGUAGEM E SIL8NClO

    r

    em Paixo Segundo G.

    li

    que Clarice Li1>pcc-

    tor leva ao extremo o jogo da linguagem iniciado em

    PerlO

    do Corao Selvagem e

    j

    plenamente desenvol-

    vido em

    A Ma

    flV

    Escuro

    No empregamos aqui a

    palavra jogo c a expresso jogo da linguagem no sen-

    tido comum em geral depreciativo que o que preva-

    lece quando nos referimos a jogo de palavras jogo

    verbal etc. A literatura e de modo especial a poesia

    comportam uma qualificao ldica. So atividades

    criadoras desinteressadas cujos produtos gozam de exis-

    tncia esttica aparente dentro do mundo imaginrio

    projetado na expresso verbal. Se as Cartas de Schiller

    29

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    tivessem sido objeto de meditao por parte dos crticos,

    no lhes causaria estranheza, como tem a muitos cau

    sado, o falar-se no jogo da linguagem, que est na base

    da poesia propriamente dita e da literatura enquanto

    fico.

    Schiller mostrou, precisamente, que o jogo esttico

    une a sensibilidade com a inteligncia. Derivando da

    mais alia espcie de liberdade, que a liberdade cria

    dora, esse jogo desprende-nos da realidade para intro

    duzir-nos numa nova dimenso, objeto dos juzos de

    gosto esttico para o qual a tradio filosfica, oriunda

    dos gregos, reservou o nome de

    Belo

    A moderna filosofia da linguagem veio acrescentar

    concepo schilleriana um aspecto ontolgico, que ela

    efetivamente no tinha. f: que o jogo esttico, que sus

    pende ou neutraliza, por meio da imaginao, a expe

    rincia imediata das coisas, d acesso a novas possibili

    dades, a possveis modos de ser que, jamais coincidindo

    com um aspecto determinado da realidade ou da exis

    tncia humana, revelam-nos o mundo em sua comple

    xidade e profundeza. Quando consumado atravs da

    linguagem, como criao literria, o jogo esttico pode

    tornar-se dilogo com o Ser. Nesse sentido que Hei

    degger v a poesia de HlderJin corno ao verbal

    reveladora do mundo.

    Em suas

    investigaes Filosficas

    WiUgenstein

    fala-nos em jogos de linguagem . So esses jogos

    processos lingsticas, mobilizados pelas diferentes ati

    tudes que assumimos, nomeando as coisas e usando as

    palavras de conformidade com as regras que estabele

    cemos. Numa obra literria, para que o jogo da Iin-

    guagem tenha a propriedade reveladora, de alcance

    ontolgico, assinlada por Heidegger, necessrio que

    a linguagem, sobre ser o material da fico,

    constitua

    tambm de certo modo o seu objeto

    Isto o que su

    cede nos romances de Clarice Lispector. J no primeiro

    deles se observa uma relao essencial entre a ao nar

    rada e o jogo da liQguagem, como situao problemtica

    dos personagens que andam busca de comunicao e

    de expresso. Assim, a linguagem, tematizada na obra

    de Clarice Lispector, envolve o prprio objeto da nar

    rativa, abrangendo o problema da existncia, como

    problema da expresso e da comunicao.

    JJO

    Desde

    Perto du Corau Sdvagem

    vemos defillir-se

    uma unio ntima entre a existncia e a linguagem, na

    perspectiva de duas questes que se entrelaam: a

    identidade pes~()al e () Ser.

    Uma parle do que somos, o Eu individual, sillteli

    zando atitudes, sentimentos e pensamentos, fonnado

    pelos conceitos que constituem a nossa herana cultural,

    socialmente transmitida, e aos quais corresponde um

    modo peculiar de expresso, que se consubstancia nas

    formas da lngua que falamos, nas palavras-chave, nos

    c1ichs verbais utilizados para o entendimento cotidiano

    e para a satisfao das necessidades prticas. As

    palavras nada tm de problemtico quando essa

    parte da personalidade - a fmbria da conscincia,

    como diria Bergson, ou a existncia

    inautntica

    de Hei.

    degger, mergulhada no anonimato coletivo - que est

    em ioga: Tudo se passa como se houvesse uma harmo

    nia preeslabelecida entre pensamento e coisa, como se.

    desde que o homem homem, palavras e realidade,

    elementos da mesma natureza, concordantes e at idn

    ~icos. tivessem crescidos junt

    rincia subjetiva.

    A traio vai ainda mais longe. medida que fab

    mos de ns mesmos, procurando expressar-nos, as pala

    vras, dizendo de mais ou de menos, formam ullla casca

    verbal, que circunda com seus significados () mago da

    personalidade, acabando por se converter nllma imagem

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    provlsona, porm inevitvel, do nosso prprio ser. No

    conseguimos exprimir tudo o que somos e adquirimos

    um ser aparente mediante aquilo que conseguimos ex

    primir.

    :E

    curioso como no sei dizer quem sou, pensa'

    loana. Quer dizer, sei-o bem, mas no posso dizer.

    Sobretudo tenho medo de dizer, porque no momento em

    que tento falar no s6 no exprimo o que sinto, como o

    que sinto se transforma lentamente no que eu digo. Ou

    pelo menos o que me faz agir no

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    ras, nicas e insubstituveis, sinto-o. Liberdade pouco.

    O

    que

    desejo ainda no tem nome .

    Perto do Corao

    Selvagem p.

    61).

    Colocadas entre ela e a realidade, as palavras so

    seixos duros rolando no rio ... Criana ainda, Joana j

    se encontrava presa no mundo das palavras. Adulta, quer

    inventar uma realidade nova, instantnea, nascendo de

    palavras tambm novas, por ela inventadas. Uma delas

    Ia/ande

    palavra que a moa ensina ao misterioso e

    solitrio amante para quem ela se havia tornado um

    refgio; Ela contara-lhe, cerla vez, que em pequena

    podia brincar uma tarde inteira com uma palavra. Ele

    pedia-lhe ento para inventar novas. Nunca ela o que

    ria tanto como nesses momentos. - Diga de novo o que

    Lalande, implorou a Joana. -

    t

    como lgrimas de an

    jo. Sabe o que lgrimas de anjo? Uma espcie de narei

    sinho, qualquer brisa inclina ele de um lado para outro.

    lalande tambm mar de madrugada, quando nenhum

    olhar ainda viu a praia, quando o sol no nasceu. Toda

    vez que eu disser lalande, voce deve sentir a virao

    fresca e salgada do mar, deve andar ao longo da praia

    ainda escurecida, devagar, nu. Em breve voce sentir

    Lalande . Perto do Corao Se/vagem p. 150.)

    Joana sente, no entanto, que nessa priso verbal

    nunca se est sozinho; as coisas s se aproximam de ns

    quando as nomeamos e, portanto, quando as prendemos

    no mbito da linguagem, que j constitui o mundo hu

    mano. Toda fortaleza, toda segurana a conquistar

    na existncia livre que ela projeta para o futuro, pare

    cem depender da elaborao de palavras fluentes, de

    palavras-vida, que tenham a fora originria e mtica

    do Verbo.

    Em A Ma no Escuro O desligamento com a so

    ciedade assinala, para Martim, o comeo da experincia

    que dever lev-Ia ao fundo de si mesmo. Rompendo

    com a sociedade, ele rompeu igualmente com o mundo

    das palavras. E fi mais longe. Aderiu ao silncio,

    procurou identificar-se com a quietude, a placidez, a

    firmeza das coisas naturais: pssaros, rochas, deserto.

    Suprimindo os vocbulos que qualificlm de criminosa

    a ao que cometera, ele v desaparecer o pr6prio

    mundo e, juntamente com este, o seu passado. Viver

    134

    no instante, no agora, esforando-se para viver no pre

    sente, na sensao pura, com o fim de eliminar at

    mesmo o pensamento, inseparvel das palavras. Eis o

    programa de Marlim: Aquele homem rejeitara a lin

    guagem dos outros e no tinha sequer comeo de

    linguagem prpria. E no enlanto, oco, mudo, rcjubi

    lava-se. .. E de tal modo, com perverso gosto, o ho

    mem se sentia agora longe da linguagem dos outros que,

    por um atrevimento que lhe veio da segurana, temou

    us-Ia de novo e estranhou-a, como um homem que

    escovando sbrio os dentes no reconhece o bbado da

    noite anterior. Assim, ao remexer agora com fascnio

    ainda cauteloso na linguagem morta, ele tentou, por

    pura experincia, dJr o ttulo antigamente to familiar

    de crime a essa coisa to sem nome que lhe sucedera.

    Mas crime ? a palavra ressoou vazia no descampado,

    e tambm a voz da palavra no era sua. Ento, floal

    mente convencido de que no seria capturado pela lin

    guagem antiga, ele experimentou ir um pouco mais

    longe: sentira, por acaso, horror depois do seu crime?

    0 homem apalpou com mincia sua memria. Horror?

    E no entanto era o que a linguagem esperaria dele .

    A Ma no Escuro

    p.

    36

    A inveslida do pensamento no tarda em consu

    mar-se. Placidamente instalado no seio da Natureza,

    exercendo tarefas rudes, na Fazenda, em comunho com

    pssaros, plantas e bois, sente ele, um dia, a necessidade

    de expressar-se, de criar uma modalidade de fala, para

    dizer a si mesmo em que se havia tornado e aquilo que

    descortinava nos momentos de contemplao esttica:

    Sua obscura tarefa seria facilitada se ele se concedesse

    o uso das palavras j criadas .

    A Ma no Escuro

    p. 144.) Comea, ento, aps haver destrudo, com o

    seu ser social, a linguagem antiga, a tarefa de fabricar-se

    uma linguagem nova. Martim s poderia verdadeira

    mente ser, s poderia encontrar-se, se uma expresso

    adequada ao seu novo ser, e altura da realidade que

    descort inava, fosse captada.

    O episdio durante o qual Martim, tomando um

    pedao de papel, experimenta dizer o que pensa, por

    meio de vocbulos ,sem vinculao com a sua persona

    lidade passada - vocbulos sugeridos pelo instante e

    correspondendo a uma captao imediata da realidade

    /35

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    ,

    \

    \

    \

    \

    - muito elucidativo para a ordem das questes que

    examinamos nestas pginas.

    O personagem havia recuado ao mundo pr-verbal;

    divisara a existncia das coisas em sua nudez, a exis

    tncia universal que precede o pensamento e seus sm

    bolos, que anterior s relaes sociais e cultura, que

    antecede os nexos da vida cotidiana e estranha ao

    prtica e utilitria. Mas como transmitir a viso dessa

    realidade vazia, imagem do Nada? A palavra, a nica

    palavra que veio mente de Martim, to abstrata quanto

    a palavra Ser , foi a palavra

    aquilo.

    E ento Martim

    ficou contente como um artista: a palavra 'aquilo' con

    linha em si tudo o que ele no conseguia dizer Escreveu

    ento: 'Nmero 2: como ligar 'aquilo' que eu souber

    com o estado social'. Porque foi isso que ele escreveu.

    Perdida a prtica de pensar e perdido o vocabulrio,

    no conseguiu outra expresso para significar o que

    queria dizer, seno essa: 'estado social' , que lhe pare

    ceu muito boa e clara, e que tinha um pequeno toque

    erudito que Martim sempre ambicionara ...

    A Ma

    no Escuro, pp. 196-7.

    O paradoxo do personagem, votando-se ao silncio

    e saindo do silncio para a negao da linguagem, cujas

    entranhas ficam reduzidas a uma palavra essencial e a

    POllCOS

    vocbulos acessrios, que significam

    tudo

    e

    nada

    ao mesmo tempo, a culminncia da oposio entre o

    pensamento e a existncia, entre ser c dizer, oposio

    que Kierkegaard formulou da seguinte maneira: Ocor

    re com a existncia o mesmo que acontece com o mo

    vimento: muito difcil compreend-los. Se eu penso

    neles, termino por suprimi-Ios e ento verdadeiramente

    eles no so pensveis. Assim pareceria correto dizer

    que h alguma coisa que no se deixa pensar: a exis

    tncia . (Post-scriplum s

    Migalhas Filosficas.

    Para o homem de A Ma no Escuro, gue fracassa

    na tentativa de ser, (ele reconhece, afinal, que ao que

    rer ser definitivamente havia apenas inventado uma

    identidade que realmente no possua) a tenso assina

    lada por Kierkegaard resolve-se numa adeso ao que

    as palavras jamais podem exprimir. O aquilo encou

    Irado, que substitui todas as palavras, coloca a lingua

    gem em ponto morto. A nossa compreenso das coisas

    136

    feila alravs Jas palavras perdidas e das palavras

    sem sentido. , .

    A Ma no Escuro,

    p. 298.)

    Estamos diante do fracasso existencial, correlato

    ao fracasso da linguagem. Esses dois aspectos funda

    mentais de A Maa no Escuro reaparecem, sob uma

    nova luz, em A Paixo Segundo G. H. Na verdade,

    os dois fracassos, o da existncia e o da linguagem,

    mtirpamente associados, iluminam a dialtica interna do

    mundo imaginrio de Clarice Lispetor e a estrutura

    estilstica que lhe corresponde.

    t necessrio advertir ao leitor (jue eslamos usando,

    aqui, o termo

    fracasso

    no sentido filosfico, de acordo

    com a conotao que lhe emprestam as concepes

    existenciais. Os personagens a que nos referimos, Mar

    tim ou G. H., no so. como se costuma dizer, fracas

    sados da vida. Fracassam como todo ser humano

    fracassa, incapaz que de atingir pelo conhecimento,

    pela ao ou pelo corao, a plenitude a que aspiram.

    A romancista fracassa com a linguagem, isto , com a

    experincia levada ao seu ltimo limite, sua extrema

    .conseqncia, do confronto decisivo entre realidade e

    expresso.

    O fracasso existencial dos personagens s se con

    cretiza quando eles, como no caso de Martim, aceitam.

    finalmente, a impossibilidade de alcanar a plenitude.

    Conseqentemente, aderem ao Absurdo, aceitando as

    contradies da exb;tnca. Do mesmo modo, o fracasso

    da linguagem, que se evidencia nos romances de Clarcc

    Lispector, principalmente no ltimo, A Paixo Segundo

    G. H., uma forma de dirigir a linguagem para alm

    dela mesma, isto , para o inexpressado, o absoluto, o

    abismo do ser primordial. Para empregarmos as expres

    ses de Karl Jaspers, Clarice Lispector faz da ne~ao

    da linguagem

    u TIa.

    ifra SITeiiciS i:l- irans~nd~cl.

    iim' revelao do Ser. . . . - .-

    Do esti i~

    d~

    j-ce Lispector pode-se dizer, com

    mais razo, aquilo que, certa vez, Sartre afimlOu a

    propsito da obra literria de Albert Camus: um estilo

    dominado pela assombrao do silncio . De fato, a

    romancista, ora neutralizando os significados ti bstratos

    das palavras, ora utilizando-os na sua mxima concre

    tude, pela repetio obsessiva de verbos e substantivos,

    emprega um processo que denominaremos tcnica de

    f}7

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    I',

    v

    ;

    ,

    desgaste, como se, em vez de escrever, ela desescrevesse

    conseguindo um efeito mgico de refluxo da linguagem,

    que deixa mostra o aquilo , o inexpressado. Tal

    efeito semelhante quele halo de estranheza que se

    pode obter repetindo vezes sem conta uma palavra banal

    qualquer: casa, monte, quietude ete. Limitamo--nos a

    dar algumas indicaes a respeito, abordando apenas

    incidentalmente um tpico deveras importante, que me

    Tece mais amplas e profundas investigaes estilsticas:

    Ento ela viu; um cego mascava chicles .. , Um homem

    cego mascava chicles ... ( Amor , in

    Laos de Fam

    Lia.)

    Que que havia nas suas vsceras qpe fazia dela

    um ser? A galinha um ser. ( Uma Galinha , in

    Laos de Famlia.) O que existia era algum que

    arrisca tudo; pois em baixo do nada e do nada e do

    nada, eslamos ns que por algum motivo no podemos

    perder. A Ma no Escuro p. 170.) Essa coisa

    cujo nome desconheo era essa coisa que, olhando a

    barata, eu j estava conseguindo chamar sem nome.

    Era-me nojento contar com essa coisa sem qualidades

    nem atributos, era repugnante a coisa viva que no tem

    nome, nem gosto, nem cheiro. (A Paixo Segundo

    G.

    H

    p. 86.)

    O jogo da linguagem, a que nos referimos no in

    cio, segue, precisamente, em Clarice Lispector, uma

    direo oposta ao de Guimares Rosa. Guimares

    Rosa, ao contrrio de Clarice Lispector, apresenta um

    estilo de acrscimo~. palavras novas, riqueza semntica,

    iprr dos veios arcaicos da lngua, inveno de

    modalidades sintticas ele. Assim o exigem a diversi

    dade humana, a pIe tara do mundo, a generosidade da

    Natureza, a exaltao da realidade sensvel no roman

    \cista de Grande Serto: Veredas. Mstico tambm, como

    , . ~ . Clarice Lispector, Guimares Rosa alcana a transce~7. dncia atravs da afirmao do mundo, com todas as

    ~: suas pompas, com todas as suas contradi~s, reUgia-

    \, ~.\ sas, metafsicas e ticas. A realidade, no contexto da

    rl~.

    obra de Guimares Rosa, um vir-a-ser contnuo, e

    .' ~ < Deus, o manso impulso que, passando pelo homem, no

    { .. homem se renova.

    Em C1arice Lispector, a transcendncia assemelha

    -se mais a uma trans-descendncla. e utna espcie de

    r.nergulho nas potncias obscuras da vida,

    atravs

    d-~

    138

    gao do mundo, das ~lae~.humanas, .d1L~ka. Na suaIs da-reattdade, o er e o Nada se identifi~

    mensgem G. H.,

    ii riiii (l seii

    clvano~ c~een

    ciendo que a existncia em si no-humana, c que toda

    linguagem tem no silncio a sua origem e seu fim, ,

    no que diz respeito caracterizao do mundo imagin

    rio de Lispector, verdadeiramente exemplar.

    Clarice Lispector exps-se, no seu A Paxu Se

    gundo G. H. ao risco de optar pelo silncio. Lanou

    um desafio supremo a si mesma: jogou com a linguagem

    para captar o mundo pr-lingstico. E teve que admitir,

    no final, o fracasso de seu empreendimento. Mas foi

    um fracasso significativo, que acarretou para a autora

    a mais surpreendente vitria, Essa vilria, registrada

    nas ltimas pginas do relato tlc G, H., traduz o reco

    nhecimenlo da misria e do esplendor da linguagem, de

    sua falncia e de sua essencalidade. A realidade ~ a

    matria~prima, a linguagem o modo como vou bus

    c-Ia - e como n o acho. Mas do buscar e no

    achar que nasce o que eu no conhecia, e que instan

    taneamente reconheo, A linguagem o meu esforo

    humano. Por destino tenho que ir buscar e por destino

    vollo com as mos vazias. Mas volto com o indizvel.

    \ r I O indizvel s me poder ser dado atravs do fracasso

    \ \ de minha linguagem. S quando falha a construo,

    (/1\

    ue obtenho o que ela no conseguiu. (A Paixo Se \

    Rundo G. H p. 178.)

    Wi,llgcnstein escrevia. no fecho de seu Tractatus

    Logico-Philosophicus

    que devemos silenciar a respeito

    daquilo sobre o qual nada se pode dizer. Clarice Lis

    pector rompe com esse dever de silncio, O fracasso

    de sua linguagem, revertido em triunfo, retlunda numa

    rplica espontnea ao filsofo. Podemos formular as-

    sim a rplica que ela deu:

    f:

    preciso falar daquilo que \

    nos obriga ao silncio , Resume-se

    neSS

    feSpOSta o .

    sentido existencial de sua criao literria,

    13