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NUTRIÇÃO ANIMAL 88 InfluêncIa dos HábItos alImentares No comportameNto dos cavalos No seu ambieNte H oje em dia os cavalos não podem decidir o que querem fazer em determinado momento. O seu papel mudou e passaram a ser animais de companhia, como tal, não po- dem decidir por si próprios quan- do comer, mexer-se, dormir ou privar com outros cavalos. Como consequência desta mu- dança na sua etologia, os hábitos alimentares actuais dos cavalos são muito diferentes dos que se encontram em liberdade. Fecha- mo-los em boxes, obrigamo-los a trabalhar e damos-lhes de co- mer em função das nossas ne- cessidades e comodidades. O novo regime de alimentação, com a introdução inicial de ce- reais e pensos complementares à forragem, feno, pasto, etc., foi preciso para poder alcançar os requisitos energéticos necessá- rios para desenvolver o trabalho, a actividade desportiva, optimizar o crescimento dos poldros e melhorar o estado fisiológico nas éguadas durante a gestação e lactação. Isto, juntamente com a estabulação (cavalos fechados nas boxes) e a redução de horas de alimentação (número de ve- zes que comem), motivou, sem sombra de dúvida, mudanças no comportamento dos animais. Hábitos alimentares natu- rais do cavalo Em estado selvagem, os ca- valos deambulam na procura de alimento, isso faz com que per- corram diariamente distâncias compreendidas entre os 5 e os 12 quilómetros. Se equivalermos isso a tempo, significa que ca- minham durante 15 e 16 horas por dia, mordiscando, ou seja, comendo ao mesmo tempo. Existem estudos que indicam que os cavalos pastam durante aproximadamente 70% do dia, com picos de pastoreio durante a manhã e tarde. A este com- portamento do cavalo, chama- mos hábito alimentar natural. O sistema digestivo do cavalo está desenhado para funcionar de acordo com esse hábito e os cavalos não podem, ou não de- vem, comer rapidamente gran- des quantidades de alimento. O seu estômago é pequeno, com uma capacidade limitada (de 10 a 15 litros). Uma das funções do estômago é segregar ácido para facilitar a digestão e eliminar matérias prejudiciais. A secreção ácida produz-se continuamente e é necessária para a digestão, mas pode ser prejudicial para as paredes do estômago (úlce- ras), se não for neutralizada por certos componentes da saliva. Em estado selvagem, o cavalo vai comendo durante o dia, mas- O ambiente em que O cavalO se insere determina O seu cOmpOrtamentO. cOmpOrtamentO este, que também é influenciadO pelOs hábitOs alimentares a que O induzimOs, em funçãO da sua integraçãO na sOciedade actual.

NUTRIÇÃO ANIMAL InfluêncIa dos HábItos alImentares No ... · alimentos ricos em fibra. É por isso que este factor é tão impor-tante na hora de estabelecer die - tas alimentares

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NUTRIÇÃO ANIMAL

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InfluêncIa dos HábItos alImentaresNo comportameNto dos

cavalos No seu ambieNte

H oje em dia os cavalosnão podem decidir o que

querem fazer em determinadomomento. O seu papel mudoue passaram a ser animais decompanhia, como tal, não po-dem decidir por si próprios quan-do comer, mexer-se, dormir ouprivar com outros cavalos.

Como consequência desta mu-dança na sua etologia, os hábitosalimentares actuais dos cavalossão muito diferentes dos que seencontram em liberdade. Fecha-mo-los em boxes, obrigamo-losa trabalhar e damos-lhes de co-mer em função das nossas ne-cessidades e comodidades.

O novo regime de alimentação,com a introdução inicial de ce-reais e pensos complementaresà forragem, feno, pasto, etc., foipreciso para poder alcançar osrequisitos energéticos necessá-rios para desenvolver o trabalho,a actividade desportiva, optimizaro crescimento dos poldros emelhorar o estado fisiológiconas éguadas durante a gestaçãoe lactação. Isto, juntamente coma estabulação (cavalos fechadosnas boxes) e a redução de horasde alimentação (número de ve-zes que comem), motivou, semsombra de dúvida, mudançasno comportamento dos animais.

Hábitos alimentares natu-rais do cavalo

Em estado selvagem, os ca-valos deambulam na procura dealimento, isso faz com que per-corram diariamente distânciascompreendidas entre os 5 e os12 quilómetros. Se equivalermosisso a tempo, significa que ca-minham durante 15 e 16 horaspor dia, mordiscando, ou seja,comendo ao mesmo tempo.Existem estudos que indicam

que os cavalos pastam duranteaproximadamente 70% do dia,com picos de pastoreio durantea manhã e tarde. A este com-portamento do cavalo, chama-mos hábito alimentar natural.

O sistema digestivo do cavaloestá desenhado para funcionarde acordo com esse hábito e oscavalos não podem, ou não de-vem, comer rapidamente gran-des quantidades de alimento. Oseu estômago é pequeno, com

uma capacidade limitada (de 10a 15 litros). Uma das funçõesdo estômago é segregar ácidopara facilitar a digestão e eliminarmatérias prejudiciais. A secreçãoácida produz-se continuamentee é necessária para a digestão,mas pode ser prejudicial paraas paredes do estômago (úlce-ras), se não for neutralizada porcertos componentes da saliva.

Em estado selvagem, o cavalovai comendo durante o dia, mas-

O ambiente em que O cavalO se insere determina O seu cOmpOrtamentO.cOmpOrtamentO este, que também é influenciadO pelOs hábitOs alimentaresa que O induzimOs, em funçãO da sua integraçãO na sOciedade actual.

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tigando e salivando continua-mente, pelo que o fluxo salivaré contínuo até ao estômago egraças a isso, existe um perfeitoequilíbrio entre o ácido produzidoe a saliva neutralizante, o deno-minado efeito tampão. É impor-tante não esquecer que em li-berdade, o cavalo produz entre40 e 60 litros de saliva.

Favorecer a mastigação e asalivação

Uma das grandes diferençasentre humanos e equídeos estáem que o cavalo produz a maiorparte da saliva durante a masti-gação dos alimentos, por isso étão importante que mastigue du-rante a maior parte do tempopossível. Devemos rever o estadodentário dos cavalos, uma vezque é crucial para a mastigaçãoe produção de saliva.

A função da saliva é misturar-se com a comida, para criar obolo alimentar e fazer com queo alimento seja mais fluido, e,como consequência dessa flui-dez, que o trânsito através dosistema digestivo seja mais fácil.Fruto deste processo, conse-gue-se uma boa digestão e umamenor incidência de problemasdigestivos, as temidas cólicas.

O tempo de mastigação de-pende principalmente da estru-

tura e volume do alimento. Porexemplo, se compararmos otempo de mastigação do tipode alimento consumido, pode-mos ver que uma dieta rica emfibra (feno, ensilagem, fenação,pastos, etc.) supõe que o cavaloinvista em comer pelo menos40 minutos por cada quilo defeno, enquanto que, quando con-some um quilo de cereais oualimento composto, demore só8 a 10 minutos. Isto significaque o cavalo vai produzir 3 a 4vezes mais saliva quando comealimentos ricos em fibra. É porisso que este factor é tão impor-tante na hora de estabelecer die-tas alimentares. Além disso, umadieta rica em fibra é fundamentalpara fornecer nutrientes, melho-rar o trânsito intestinal e evitarproblemas patológicos.

o carácter dos cavalos e aalimentação

Diversos autores descrevemque quando um cavalo ingereuma dieta rica em fibra, forragense gorduras, fica mais relaxado,aborrece-se menos e o seu com-portamento é muito mais tranquilo.Se tiver carências de fibra, ocavalo adquire vícios, as chama-das estereotipias, come materiaisestranhos como areia ou madeira,faz movimentos anormais como

a "birra de urso" e fica mais ner-voso. Por outro lado, a mastigaçãoe salivação fica reduzida e o seusistema digestivo alterado e afec-tado.

Para cumprir os requisitosenergéticos dos cavalos em fun-ção da sua actividade ou estadofisiológico, é necessária a adiçãoextra de energia, não sendo su-ficiente a fornecida apenas combase em dietas de forragens.Assim, a utilização de cereaisrepresenta mais energia, mastambém um aumento da excita-ção nos cavalos, devido à grandequantidade de carboidratos so-lúveis (hidrolisáveis) que forne-cem amido, açúcares e algunsoligossacarídeos.

Também encontramos no mer-cado inúmeros pensos compos-tos, feitos com "altos níveis" deamido e açúcares, o que fazcom que o carácter do cavaloseja outro, em comparação como que teria se o alimentássemoscom uma dieta à base de fibra,carboidratos estruturais comocelulose e hemicelulose. Paraalém da mudança de compor-tamento, estas dietas muito ricasem amido e açúcares podemcausar problemas de saúde, de-vido à alteração no intestinogrosso, com a produção de fer-mentações, alteração da flora

intestinal e desencadear proble-mas patológicos como cólicase aguamentos. Por outro lado,um nível elevado de glicose nosangue poderá provocar osteo-condrose em poldros, resistênciaà insulina e problemas muscu-lares: rabdomiólises, etc.

Realizaram-se estudos em ca-valos, comparando dietas comquantidades elevadas de amidose açúcares com dietas ricas emfibras e gorduras. Concluiu-seque as dietas ricas em gordurase fibras melhoram o comporta-mento dos cavalos, estes ficammais relaxados, reduzem o stresse as reacções (sustos) a estí-mulos externos, o que facilita omaneio e aumenta a segurança,uma vez que se reduzem aspossibilidades de acidentes comcavalos e cavaleiros. Por outrolado, os cavalos com dietas com-postas por elevados carboidratossolúveis (amidos e açúcares),são mais reactivos e estão me-nos relaxados.

como podemos ajudar o ca-valo dos nossos dias?

A indústria alimentar equinaoferece actualmente, para cadasituação, produtos com diversosníveis energéticos. Por exemplo,a redução dos níveis de amidoe açúcares em alguns alimentos

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e o aumento de óleos, é muitointeressante em cavalos sensí-veis, com problemas de excita-ção e temperamento forte. Parafavorecer a mastigação e sali-vação, é também importante apresença de pensos compostos,

a adição de produtos com fibracomprida incorporada e comgrânulos (pellets) maiores (8-10mm) que estimulam a masti-gação e salivação, o que se tra-duz num maior relaxamento emelhor saúde digestiva.

O suplemento com alguns nu-trientes, como o aminoácido trip-tófano, que actua sobre a sero-tonina para um melhor controloda neurotransmissão, é interes-sante e de grande eficácia. Tam-bém a adição de outros nutrien-

tes como magnésio e vitaminasdo grupo B, servem para ajudara melhorar o controlo do tem-peramento dos cavalos.n

Joaquim Clotet Bonsfills, Licenciado

em Veterinária, Gestor de Produto Pavo

Tradução: Ana Filipe

t regras básicas para melHorar o comportamento e reduzir o stress dos cavalos t

ç Para todo o tipo de cavalos: estabelecer uma boa base de alimentação, fornecendo fibra emquantidades suficientes, forragens à base de fenos e pastos. Devemos assegurar um mínimo de1,5% do peso vivo (1,5kg por cada 100kg de peso vivo). Se não tivermos fibra suficiente, dar-lheprodutos completos (com fibra inserida);

ç Evitar que os cavalos fiquem fechados durante muito tempo. É imprescindível que façamexercício para melhorar o estado mental, evitar que se aborreçam e que surjam estereotipias;

ç Em cavalos muito nervosos, evitar dietas ricas em cereais e pensos com níveis elevados deamido e açúcares. Aumentar a proporção de fibra na dieta, cerca de 2% do peso vivo (2kg por cada100kg de peso vivo). Utilizar, de preferência, fenos de erva como rye-grass ou festuca, e evitar palhasde cerais espigados, porque contêm ainda o grão (cereal). Em caso de necessidade, dar-lhes suple-mentos à base de triptófano e magnésio;

ç Em cavalos de desporto a exigência energética é elevada, pelo que se devem fornecer dietas di-ferentes e adequadas ao tipo de exercício que realize:

ç Para exercícios de longa duração e baixa intensidade (dressage, raides), aumentar a porção deforragens acima de 1,5% do peso vivo e introduzir pensos compostos ricos em gorduras (6-10%);

ç Para exercícios de curta duração e forte intensidade (corridas, saltos de obstáculos), utilizarpensos compostos enriquecidos com amido e açúcares, de forma moderada (máximo 32-35%), jun-tamente com níveis de gordura moderados (3-5%), mas sempre de forma controlada;

ç Dar-lhes a comida no máximo número de vezes, não os deixar muitas horas sem comer, comopor exemplo se faz às vezes, desde a tarde até à manhã do dia seguinte;

ç Em cavalos que tenham que permanecer muitas horas na boxe é melhor utilizar camas de palhae não de aparas, assim como colocar redes para deixar alguma forragem na boxe. O cavalo irá abor-recer-se menos e o seu comportamento alterar-se menos vezes.

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