Upload
vuongdien
View
220
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
2
UNIVERSIDADE CANDIDADE CÂNDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
TÍTULO DO TRABALHO
O ACESSO À JUSTIÇA E SEUS
DESDOBRAMENTOS PAVIMENTAÇÃO PARA O
RECONHECIMENTO DO DIREITO
PROCESSUAL COLETIVO BRASILEIRO
OBJETIVOS:
Tornar o conteúdo dessa monografia e sua
apresentação, conformes às exigências didático-
pedagógicas da Universidade Candido Mendes,
em fina sintonia com os postulados do Curso de
Pós-Graduação “Lato-Sensu” em Direito Processual
Civil, como condição prévia para sua conclusão,
em despretensiosa contribuição para o estudo e
fomento ao debate em torno do tema enfocado.
Por: . Heraldo Carvalho da Silveira
3
AGRADECIMENTOS
A todos os que direta ou indiretamente contribuíram para
a definição e desenvolvimento da pesquisa, notadamente
os autores e fontes utilizadas, com especial referência à
obra do professor GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA ,
Direito Processual Coletivo Brasileiro, a todo corpo
docente do Projeto “A Vez do Mestre”, pela coesão e
compreensão quanto à grandiosidade deste projeto e em
especial aos professores: JEAN ALMEIDA, por sua
coragem em aceitar esse desafio; GUSTAVO KELLY , pela
determinação na superação de injustiças em nome do
dever de ensinar; e à professora MARIA RACHEL, pela
dedicação e o amor quase genético pela tarefa de
transmitir conhecimentos a todos nós.
4
DEDICATÓRIA
Esta monografia é dedicada à minha esposa FERNANDA
e minha filha MORGANA, pela compreensão e horas de
convívio amoroso abdicadas em prol da nossa
realização, sobretudo, pelo amor, o respeito e o
incentivo transmitidos no transcurso desse trabalho; aos
meus filhos HERALDO, AMANDA e FILIPE a quem lego os
benefícios alcançados, como exemplo de que o trabalho
e a dedicação são os combustíveis para qualquer
reconhecimento. E aos meus pais, sem o que nada disso
seria possível.
Heraldo Carvalho da Silveira
5
RESUMO
Neste trabalho, procuramos de forma clara e concisa, isto é, na exata
medida de nossa condição de meros desbravadores de campo tão fértil da
doutrina - notadamente quando pensamos no potencial do direito comparado -
trazer opiniões de e pensamentos de eméritos processualistas pátrios e de
outros países, em contribuição ao debate envolvendo a questão do acesso á
justiça e alguns de seus desdobramentos e ondas renovatórias.
Neste particular, buscamos em Mauro Cappelletti e Braynt Garth,
inestimável auxílio, passando pelas considerações sobre os institutos e
diplomas de gene constitucional e infraconstitucional, chegando à tese
palpitante do professor GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA, que preconiza o
reconhecimento do direito processual coletivo – e sua divisão em especial e
comum - como novo ramo do direito processual, sugerindo solução bastante
interessante, quanto inovadora, em auxílio da efetividade da tutela dos direitos
massificados e sua aplicabilidade no campo da concretude.
Essa análise das novas concepções da processualística e a ênfase que
se procurou dar à instrumentalidade do processo; a contribuição do
arcabouço jurídico nacional, como parâmetro para outros sistemas jurídicos
estrangeiros, principalmente no que se refere ao advento da Ação Civil
Pública e do Código de Defesa do Consumidor, reforçam esse arrazoado com
idéias que contribuem para o debate acadêmico, ao mesmo tempo que
trazem ao conhecimento do leitor, uma gama de obras dedicadas à exploração
dos assuntos pontuados, deixando uma incontida satisfação - tanto quanto a
surpresa – por descobrirmos pérolas literárias que a melhor doutrina pátria
coloca a nosso dispor, bastando apenas um elementar exercício de leitura.
6
METODOLOGIA
Para demonstrar a presente hipótese, foi utlizado o método dogmático-
crítico, consistindo principalmente na consulta bibliográfica à obras cujo tema,
pelo menos, tangenciassem a problemática do acesso à justiça, ou à
necessidade de propiciar à população uma ordem jurídica justa.
Dentre os desdobramentos permitidos pelo vasto manancial de artigos,
livros, palestras assistidas e impressões trocadas com professores e outros
operadores do Direito, um tópico em especial nos chamou a atenção pela
importância e singularidade, passando a nortear nossa coleta de dados, nossa
definição por ampliarmos definitivamente nosso campo de visão com relação à
descoberta da expressão cunhada pelo professor GREGÓRIO ASSAGRA DE
ALMEIDA, através do resultado comercial de sua dissertação do Curso de
Mestrado concluído pela PUC de São Paulo, “DIREITO PROCESSUAL
COLETIVO BRASILEIRO – Um novo ramo do direito processual”.
Editado pela Editora Saraiva, essa obra é de consumo obrigatório,
merecendo lugar cativo em todas as a estantes de operadores do direito
comprometidos com a busca do aperfeiçoamento dos institutos do Direito
Processual Civil e sua utilização como instrumento para se atingir
efetivamente o resultado pretendido pelo legislador na distribuição da justiça,
na pacificação dos conflitos que pululam o estrato social e na consolidação do
Estado de Democrático de Direito.
A comparação entre visões dissonantes, passando por aquelas mais ou
menos conformes ou bem próximas ao que brotava em nosso ideário,
buscando a convergência necessária para construção dessa monografia, nos
permitiu atingir o escopo a que nos propomos, ou seja, trazer à lume mais que
um arrazoado, mas, uma visão, um feixe de pensamentos, uma centelha capaz
de acender e justificar a discussão em torno de tão rico e instigante tema,
7desdobrado da necessidade de se garantir à população acesso à uma justiça
eficaz, como dito, a uma ordem jurídica justa.
Resumindo, através da leitura reiterada dos textos e obras escolhidas,
buscou-se alcançar uma idéia-força capaz de despertar estudiosos do Direito
Processual Civil, quanto à pertinência do tema e a busca da impostergável e
urgente maximização dos resultados da função jurisdicional.
Não poderíamos deixar de ressaltar a importância da obra do professor
PAULO CEZAR PINHEIRO CARNEIRO, “ACESSO À JUSTIÇA, Juizados Especiais
Cíveis e Ação Civil Pública – Uma Nova Sistematização da Teoria Geral do
Processo”, da Editora Forense, pelo pioneirismo da pesquisa encetada,
possibilitando a identificação dos resultados práticos dos institutos
pesquisados - Juizados Especiais Cíveis e da Ação Civil Pública – no âmbito
do Estado do Rio de Janeiro, realizada entre 1995 e 1999 e cujos resultados,
verdadeira radiografia específica da realidade regional no tocante à
problemática do acesso justiça, acentuaram nossa confiança no tema
escolhido e a relevância do conteúdo, malgrado a incipiência da nossa
iniciativa.
8
SUMÁRIO
Capítulo 1
1. O ACESSO À JUSTIÇA E A CONFLITUOSIDADE SOCIAL 13
1.1 Evolução do conceito teórico de acesso à justiça 14
1.1.1 O Estado Liberal de Direito 17
1.1.2 O Estado Social de Direito 18
1.1.3 O Estado Democrático de Direito 19
1.2 Relendo princípios e dogmas 21
1.3 Acesso á Justiça e os Direitos Humanos 24
Capítulo 2
2. O ACESSO Á JUSTIÇA COMO MOVIMENTO DO PENSAMENTO 29
2.1 O acesso à justiça como novo método do pensamento moderno 30
2.2 Alguns dos principais obstáculos do acesso à justiça – a contribuição de
Mauro Cappelletti e Brrant Garth 32
2.2.1 Obstáculos econômicos 33
2.2.2 Obstáculos organizacionais e a proteção aos
interesses transindividuais 36
2.2.3 Obstáculos propriamente processuais 41
Capítulo 3
3. TUTELA JURISDICIONAL COLETIVA 44
3.1 Tutela jurisdicional Coletiva em alguns sistemas do Direito
Comparado 44
3.1.1 Itália 45
3.1.2 França 47
3.1.3 Alemanha 50
3.1.4 Espanha 52
93.1.5 E.U.A 53
3.1.6 Inglaterra e alguns países do sistema Comon Law. 61
Capítulo 4
4. O DIREITO PROCESSUAL COLETIVO BRASILEIRO 64
4.1 Considerações preliminares 64
4.2 Construindo uma teoria geral do Direito Processual Coletivo
Brasileiro 65
4.2.1 O Solidarismo como base filosófica 66
4.3 A manifestação Constitucional do Direito Processual Coletivo
Brasileiro 72
Capítulo 5
5. O DIREITO PROCESSUAL COLETIVO ESPECIAL 75
5.1 Do sistema de Controle da Constitucionalidade no Brasil 76
5.2 Do Direito Processual Coletivo Especial como novo ramo do Direito
Processual Brasileiro 78
5.4 Algumas figuras constitucionais típicas do Direito Processual Coletivo
Especial 79
5.4.1 Ação direta de inconstitucionalidade por ação e omissão 79
5.4.2 Ação direita de constitucionalidade 83
5.4.3 Argüição de descumprimento de preceito fundamental 84
5.5 Dos principais diplomas processuais e infraconstitucionais atuais do
Direito Processual Coletivo Especial 88
5.6 Alguns princípios do Direito Processual Coletivo Especial 88
5.6.1 Princípio da proteção do Estado Democrático de Direito 89
5.6.2 Princípio do devido processo legal - due process of law 89
5.6.3 Princípio da proporcionalidade e ponderação 90
105.6.4 Princípio da supremacia da Constituição 92
5.6.5 Princípio da interpretação de acordo com a Constituição 93
5.6.6 Princípio da presunção de legitimidade da lei e dos atos
normativos do Poder Público 94
5.6.7 Princípio da indesistibilidade da ação objetiva de controle
abstrato da constitucionalidade 95
5.6.8 Princípio da unidade da Constituição 96
5.6.9 Princípio da efetividade 96
5.7 Utilização indevida e negativa do Direito Processual Coletivo
Especial 97
Capítulo 6
6. DO DIREITO PROCESSUAL COLETIVO COMUM BRASILEIRO 101
6.1 O advento da Lei de Ação Civil Pública – Lei 7347 de 24/07/85 102
6.2 Direito Processual Coletivo Comum Brasileiro como novo ramo do
Direito Processual Civil Brasileiro – diálogo constitucional. 104
6.3 Principais figuras constitucionais do Direito Processual Coletivo Comum
e Diplomas infraconstitucionais de tutela do Direito Processual Coletivo
Comum 106
6.3.1 O mandado de segurança 107
6.3.2 Lei de Ação Civil Pública – Lei 7347/85 112
6.3.3 Código de Defesa do Consumidor 117
6.3.4 Ação Popular 122
6.3.5 Dissídio Coletivo 128
6.4 Objeto do Direito Processual Coletivo Comum 131
6.5 Princípios do Direito Processual Coletivo Comum 136
CONCLUSÃO 147
11BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
FOLHA DE AVALIAÇÃO
12
INTRODUÇÃO
Não existe em qualquer sistema jurídico, mesmo entre os mais
modernos do mundo, aspectos que não possam ser questionados ou
criticados. Comum indagarmos qual o custo/benefício social do funcionamento
desses sistemas, seu alcance na tarefa complexa de distribuição da justiça e
de colocar ao alcance da população meios efetivos de acessibilidade à uma
ordem jurídica justa.
Juristas, juízes, operadores do direito de modo geral, costumam ficar
apreensivos com a gama de opiniões e sugestões, uma verdadeira invasão do
nosso espaço - que MAURO CAPPELLETTI chama de perturbadora e sem
precedentes aos tradicionais domínios do Direito - de pensadores, filósofos,
economistas, cientistas políticos e psicólogos, no afã de contribuírem para o
escopo do bem comum.
Longe de rechaçarmos tal colaboração, há que se levar em conta a
riqueza das experiências e de conteúdo desses mananciais do conhecimento
humano. Dessas correntes de pensamento, molde a estabelecer-se um diálogo
promissor para aperfeiçoamento do nosso sistema jurídico, tal qual como
estabelecido no seio das sociedades mais avançadas do planeta. Um processo
dialético de conseqüências superlativas quando bem manejado.
Estando a humanidade condenada ao progresso moral, tanto mais
célere será o aprimoramento dos sistemas jurídicos, quanto maior a
capacidade dos seus operadores e dirigentes políticos de compreenderem
essa interação/cooperação com todos os ramos da ciência, com vistas à
obtenção de um Estado Democrático de Direito solidário, igualitário e fraterno,
algo impossível de ser alcançado, sem que a população desfrute de meios e
modos adequados à garantia de acesso à uma justiça justa, acesso a uma
ordem jurídica justa.
13 Capítulo 1
1. O ACESSO À JUSTIÇA E A CONFLITUOSIDADE SOCIAL
Nesse capítulo, nosso objetivo é traçar uma linha evolutiva,
tangenciando o período medieval - Idade Média Bizantina – e relegando aos
avanços obtidos a partir do final do século XVIII, quando realmente se deu
início à conflituosidade social, em decorrência da ascensão das massas,
acentuando-se no passar do tempo e da eclosão dos direitos sob uma ótica
igualitária e transformação do Estado, sua função social e especialmente na
busca de garantir à população a busca da tutela dos direitos ou interesses
massificados.
A influência do Cristianismo, no período que antecede o Renascimento –
séculos XV e XVI – que vai desde a queda do Império Romano (século V), até
os séculos IX e X, opera-se no campo da concepção religiosa do direito,
“fazendo com que o homem justo fosse medido pela fé”1 , influência aurida
desde as Epístolas de Paulo, até que no século XII, Graciniano sistematizou o
direito canônico anterior, ao lado de textos romanos, estabelecendo o que
podemos chamar “de bases para o desenvolvimento da ciência jurídica
ocidental “2,
Nesse período foi preponderante a influência de filósofos de formação
teológica, como Santo Agostinho, Santo Isidoro de Sevilha e Santo Tomás de
Aquino, este último influenciando de modo marcante as correntes de
pensamento futuras, cujo divisor de águas repousa nas mudanças
experimentadas pelas sociedades de antão, deflagradas pelos postulados
orientadores da Revolução Americana (1776) e Francesa (1789) e seus
desdobramentos no mundo ocidental. Uma transformação radical da
1 Paulo Cézar Pinheiro Carneiro, Acesso à Justiça – Juizados Especiais Cíveis e Ação Civil Pública, 2ª edição, Forense, Rio de Janeiro, p.9.2 Idem, p. 10
14regulamentação do poder político, dando-lhe a feição que tem hoje e ensejando
a construção da ciência do direito público” (Carlos Ari Sundfeld, Fundamentos
de direito público, p. 36).
Como dito, procurou-se de maneira objetiva desenvolver uma linha de
raciocínio acoplada ao escopo da monografia, não estendendo-se,
sobremaneira, na análise das teorias sobre a natureza e origem do Estado,
como as teorias contratualistas de Thomas Hobbes, John Locke, Rousseau, as
teorias sistêmicas do direito de Gunther Teubner e Niklas Luhmann ou do
pluralismo jurídico de Boaventura Souza Santos3, mas focar nossos esforços
no desenvolvimento do tema escolhido sem desvirtuá-lo.
1.1 Evolução do conceito teórico de acesso à justiça
O significado da expressão acesso à justiça vem sofrendo variações no
decorrer do tempo em razão de uma série de fatores de origem religiosa,
política, sociológica e filosófica, que desempenharam preponderante influência
no estudo e ensino do direito processual civil.
A partir do século XVIII, conhecimentos trazidos pelos estudantes
brasileiros vindos dos principais centros da Europa - especialmente Coimbra,
Paris e Londres - desencadearam considerável influência nos rumos de
movimentos nativistas urdidos a partir das lutas travadas em Vila Rica.
Do ponto de vista legislativo, pouco se pode extrair das Ordenações
Filipinas, em vigor no Brasil a partir de 1603, que previam algumas disposições
relativas a um suposto direito de as pessoas pobres e miseráveis terem o
patrocínio de um advogado. Como se vê, muito pouco.
3 Para uma análise objetiva dessas teorias sociais do direito, Celso Fernandes Campilongo, Direito e democracia , p. 55-106.
15A Constituição de 1824, apesar dos avanços teóricos influenciado pelos
modelo francês de 1791 – Garantia dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos
Brasileiros, no que se refere a direitos fundamentais, como liberdade de
imprensa, religiosa, inviolabilidade do domicílio, garantia de socorros públicos e
a instrução primária gratuita, não previa a criação de um Código de Processo
Civil, sendo a primeira manifestação concreta nesse sentido vinda à lume com
o Regulamento 737, de 1850, destinado a determinar a ordem do juízo no
processo comercial; seguiu a ele o Regulamento 738 que dispunha sobre
Tribunais de Comércio e o processo das falências. Posteriormente foi
elaborada e editada uma Consolidação das Leis do Processo Civil, com força
de lei em dezembro de 1876.
O que podemos dizer quanto ao período do Brasil Império, é que o
acesso à justiça, na forma que a concebemos nos dias atuais, simplesmente
não existiu, sendo esta expressão fruto de um processo histórico cujo palco
principal instalado em terras d’além mar, só no final do século XX passou a
consolidar-se no ordenamento político e jurídico do nosso país.
A influência da ordem prevalente nos estados liberais burgueses do
séculos XVIII e XIX, refletiram-se em nosso sistema jurídico até o início da
primeira metade do século XX, predominando a filosofia essencialmente
individualista dos direitos. “Direito ao acesso à proteção judicial significava
essencialmente o direito formal do indivíduo agravado de propor ou contestar
uma ação. A teoria era a de que, embora acesso à justiça pudesse ser um
‘direito natural’ , os direitos naturais não necessitavam de uma ação do Estado
para sua proteção”4
Até bem recentemente, com raras exceções, dentro e fora do nosso
país, fatores como diferenças entre litigantes em potencial no acesso prático ao
sistema, a disponibilidade de recursos para enfrentar o litígio, a igualdade de
armas no processo não eram sequer considerados como óbices à garantia
4 Mauro Cappelletti e Bryan Garth, Acesso à Justiça, tradução Ellen Gracie Norfthfleet, Sérgio Antônio Fabris Editor, Porto Alegre, 2002, p. 9.
16de acessibilidade à justiça, simplesmente não eram sequer considerados como
problemas a serem enfrentados para melhoria do sistema.
A importância do reconhecimento do acesso efetivo a uma ordem
jurídica justa tem sido preponderante no estudo dos novos direitos individuais
e sociais. Do que vale a existência de um direito fundamental se este não
possui condições de efetivar-se, despido de mecanismos comezinhos para o
seu reconhecimento como pilar inafastável de um sistema jurídico moderno, o
mais básico dos direitos humanos no escopo de efetivo de distribuição da
justiça e não apenas da proclamação de direitos.
Não podemos deixar de transcrever, o que definimos como um
verdadeiro libelo ao direito de acesso à justiça a partir das palavras de MAURO
CAPPELLETTI, cuja lucidez influencia como poucos a dinâmica desse
movimento mundial de pensamento do direito e que tem em Florença, um dos
seus mais ativos centros de produção de idéias e ideais nesse particular.
“O enfoque sobre o acesso – o modo pelo qual os direitos se
tornam efetivos – também caracteriza crescentemente o estudo do
moderno processo civil. A discussão teórica, por exemplo, das várias
regras do processo civil e de como elas podem e de como elas podem
ser manipuladas em várias situações hipotéticas pode ser instrutiva, mas
sob essas descrições neutras, costuma ocultar-se o modelo
frequentemente irreal de duas (ou mais) partes em igualdade de
condições perante a corte, limitadas apenas pelos argumentos jurídicos
que os experientes advogados possam alinhar. O processo, no entanto,
não deveria ser colocado no vácuo. Os juristas precisam, agora,
reconhecer que as técnicas processuais servem a funções sociais; que
as cortes não são a única forma de solução dos conflitos a ser
considerada e que qualquer regulamentação processual, inclusive a
criação ou encorajamento de alternativas ao sistema judiciário formal
tem um efeito importante sobre a forma como opera a lei substantiva –
com que freqüência ela é executada, em benefício de quem e com que
17impacto social. Uma tarefa básica dos processualistas modernos é expor
o impacto substantivo dos vários mecanismos de processamento de
litígios. Eles precisam, consequentemente, ampliar sua pesquisa para
mais além dos tribunais e utilizar os métodos de análise da sociologia,
da política, da psicologia e da economia, e ademais, aprender através
de outras culturas. O acesso não é apenas um direito social
fundamental, crescentemente reconhecido; ele é, também,
necessariamente, o ponto central da moderna processualística. Seu
estudo pressupõe um alargamento e aprofundamento dos objetivos e
métodos da moderna ciência jurídica”5.
Norberto Bobbio escreve que, “descendo do plano ideal ao real, uma
coisa é falar dos direitos do homem, direitos sempre novos e cada vez mais
extensos, e justificá-los com argumentos convincentes; outra coisa é garantir-
lhes uma proteção efetiva” 6.
Esse o resumo para compreensão da importância do acesso à justiça
para o bem das sociedades. A questão da garantia e proteção efetivas dos
direitos é justamente a problemática do acesso à justiça. Um conceito que
supera o debate acadêmico para transformar-se em pedra de toque na
definição para um mundo melhor, com pessoas melhores, onde a igualdade
não seja apenas uma figura de retórica, uma gema valiosa, sempre admirada
mas nunca usufruída por seus admiradores.
1.1.1 O Estado Liberal de Direito
A mudança do Estado absolutista para o Estado Liberal de Direito deu-
se em razão do movimento iluminista surgido na Europa tendo como principal
centro a França. Pensadores como Locke, Montesquieu, Rousseau, dentre
outros, sustentando os ideais iluministas influenciaram a no sentido de ser
considerada a proteção dos indivíduos contra a interferência absolutista do
5 Mauro Cappelleti e Bryan Garth, op. cit. pág. 12 e 13.6 Norberto Bobbio, Teoria processual da Constituição,tradução de Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro, 1996, Campus, p. 89
18Estado. Essas idéias influenciaram, sobremaneira, nas lutas pela
Independência e a própria Revolução Francesa, consagrando a garantia da
liberdade individual, na proteção dos direitos do cidadão e da propriedade
privada.
A partir do nascimento do Estado de Direito, deixou de existir o ponto de
vista preponderante do príncipe para o ponto de vista do cidadão.
No Estado de Direito o cidadão não tem somente direitos privados mas
também direitos públicos. Como ensina Bobbio, “o Estado de Direito é o Estado
dos cidadãos”7.
O Estado Liberal de Direito caracterizava-se pela supremacia da
constituição; pela separação dos poderes; superioridade da lei; garantia dos
direitos individuais. O que realmente interessa ao nosso trabalho.
No Estado Liberal de Direito, o enfoque da tutela e proteção do direito
era exclusivamente individual, mesmo quanto às questões coletivas em sentido
estrito, a concepção era inteiramente individual.
Essa realidade só começou a alterar-se a partir dos movimentos sociais
que obrigaram o Estado a sair da sua neutralidade e assumir uma postura
protetora de determinados interesses sociais.
1.1.2 O Estado Social de Direito
Como assinalado o Estado Social de Direito, surge a partir da influência
determinante dos movimentos sociais iniciados dos séculos XVIII e XIX, em
contrapartida às injustiças e o tecnicismo abstencionista do Estado Liberal. A
partir do encadeamento desses movimentos, “houve um tomada de
consciência da necessidade da justiça social, pela flagrante insuficiência das
7 Norberto Bobbio, A Era dos Direitos, p. 61.
19liberdades burguesas” 8 , também denominado Estado do bem-estar, onde a
lei, deixando de ser somente comando abstrato e geral, passa também a
instrumento de atuação concreta do Estado. A intervenção do Estado, que era
limitada, passa de negativa para positiva, no sentido de atuar, com prestações
positivas, junto às questões sociais como as trabalhistas e as
previdenciárias”.9
Nesse sentido, escreve José Luiz Bolzan de Morais:
“O desenrolar das relações sociais produziu uma transformação
neste modelo, dando origem ao ‘Estado Social de Direito’ que, na
mesma forma que o anterior, tem por conteúdo jurídico o próprio ideário
liberal agregado pela convencionalmente denominada ‘questão social’, a
qual traz à baila os problemas próprios do desenvolvimento das relações
de produção e aos novos conflitos emergentes de uma sociedade
renovada radicalmente, com atores sociais diversos e conflitos próprios
a um modelo industrial-desenvolvimentista”10
Resumindo, o Estado Social de Direito, pugnando por uma melhor
distribuição da justiça social pelo Estado, voltou-se preferencialmente para os
interesses coletivos, para a proteção dos economicamente dependentes,
mesmo que de forma ainda embrionária, comparado ao que temos hoje.
1.1.3 O Estado Democrático de Direito
O desgaste das concepções capitalistas determinaram o rompimento
com a ordem burguesa do Estado Liberal individualista, ainda impregnadas no
Welfare State.
8 José Afonso da Silva, citando Lucas Verdú, enfatisa ainda, que o Estado Liberal, para enfrentar os problemas sociais, teve que se despojar da neutralidade e integrar, no seu seio, a sociedade, de forma a visar, com isso, a justiça social, Curso de Direito Constitucional Positivo, 9ª ed. , Malheiros, São Paulo, p105)9 Gregório Assagra de Almeida, Direito Processual Coletivo Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 2003, p. 52 10 José Luiz Bolzan de Morais, Do direito social aos interesses transindividuais,Livraria do Advogado, Porto Alegre, 1996, p. 79.
20Não há um rompimento com os direitos fundamentais individuais frutos
da disseminação dos ideais da Revolução Francesa de 1789, mas com a
concepção liberal individualista burguesa. “Rompimento com a estrutura do
Estado Liberal, ainda impregnada no Estado Social de maneira a impedir a
socialização do Direito e do Estado” 11.
A partir de sua implantação temos a visão do Estado voltada para a
comunidade, para a população para a sociedade e não mais para grupos ou
castas.
A educação, a conscientização política, além da busca pela dignidade
da pessoa humana como cerne das políticas de Estado, dão o norte para a
atuação estatal. A abertura para a participação popular, a socialização dos
meios de produção como fator de sua legitimação política, em defesa da
democracia no campo da economia, da distribuição de riqueza, no campo
jurídico, moral e biológico. Valores humanos agora prestigiados.
Doutrinariamente, podemos considerar como princípios do Estado
Democrático de Direito: a) constitucionalidade, que se expressa pela
vinculação do Estado a uma Constituição; b) organização democrática da
sociedade, consiste na preservação da liberdade de participação social e
política dos cidadãos e das entidades sociais emergentes; c) sistema garantista
de direitos fundamentais individuais e coletivos; d) justiça social; e) igualdade,
não apenas formal, mas, necessariamente, material; divisão de poderes ou de
funções; g) legalidade, especialmente para exclusão do arbítrio e da
prepotência; h) segurança e certezas jurídicas;12 . Podemos incluir , nas
considerações de GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA: “i) o princípio da máxima
prioridade na proteção e efetivação dos direitos transindividuais, no sentido de
que o Estado, em todos os seus níveis, deve , deve dar prioridade aos direitos
11 Gregório Assagra de Almeida, op. cit., p. 55.12 Nesse sentido, José Luiz Bolzan de Morais, Do direito social aos interesses transindividuais, Porto Alegre, 1996, Livraria do Advogado, pág. 75.
21sociais fundamentais da sociedade, como relacionados ao meio ambiente, ao
patrimônio público e cultural”.13
Portanto, somente dentro de um verdadeiro Estado Democrático de
Direito, se encontra espaço e oportunidade para desenvolver-se o Direito
Processual Coletivo, como instrumento de transformação da realidade social.
No Brasil, temos como instrumental democrático à tutela jurisdicional
dos direitos coletivos lato sensu, típicos de um Estado Democrático de Direito,
a Ação Civil Pública e o Código de Defesa do Consumidor, além da atual
Constituição Cidadã, que desprezou a concepção individualista do sistema
processual do Estado Liberal.
Importante ressaltar que no Estado Democrático de Direito, o Estado-
Jurisdição, tem interesse no conhecimento do processo coletivo. Ajuizada a
ação coletiva, o juiz tem de flexibilizar os requisitos de admissibilidade
processual, para o conhecimento do mérito. Isso não significa violação do
princípio da imparcialidade, até porque o interesse á na solução do conflito
coletivo e não interesse em resolver em favor daquela ou dessa parte.
1.2 Relendo princípios e dogmas
Nessa linha de raciocínio, as últimas reformas do Código de Processo
Civil, visaram sempre a aceleração da prestação jurisdicional. A opção correta
do legislador em promover uma reforma conceitual esparsa, a partir de
alterações inseridas nos micro-sistemas do CPC, é algo auspicioso. Leis são
votadas e promulgadas tendo por base o consenso em relação a determinadas
mudanças de que recente o Digesto Processual. A preocupação em garantir
efetividade aos efeitos da sentença, ou as tutelas de urgência, apontam para
um processo de rompimento com o exagero conceitualista e o formalismo
dogmático que imperou no Processo Civil Brasileiro durante mais de um
século.
13 Gregório Assagra de Almeida, op. cit., p. 58.
22
Com respeito ao tema, não poderíamos nos furtar em transcrever os
ensinamentos de CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO:
“As reformas do Código de Processo Civil tiveram como objetivo
central a aceleração da tutela jurisdicional e, como postura metodológica
predominante, a disposição de libertar-se de poderosos dogmas
plantados na cultura processualística ocidental ao longo dos séculos. O
exagerado conceitualismo que dominou a ciência do processo a partir do
século XIX e a intensa preocupação garantística que se avolumou na
segunda metade do século XX haviam levado o processualista a uma
profunda imersão em mar de princípios, de garantias tutelares e de
dogmas que, concebidos para serem fatores de consciência
metodológica de uma ciência, chegaram ao ponto de se transmudar em
grilhões de uma servidão perversa. Em nome dos elevados valores
residentes nos princípios do contraditório e do due processo of law,
acirraram-se formalismos que entravam a máquina e abriram-se flancos
para a malícia e a chicana. Para preservar as garantias do juiz natural e
do duplo grau de jurisdição, levaram-se a extremos as regras técnicas
sobre a competência. Nós doutrinadores e operadores do processo,
temos a mente povoada de um sem-número de preconceitos e dogmas
supostamente irremovíveis que, em vez de iluminar o sistema,
concorrem para uma Justiça morosa e, às vezes, insensível às
realidades da vida e às angústias dos sujeitos em conflito”.14
Fundamental a missão dos juízes nesse quadro, nesse cenário de
mudanças impostergáveis de revisitação de conceitos, princípios e dogmas.
MAURO CAPPELLETTI, escrevendo sobre o papel dos juízes na proteção dos
interesses transindividuais, assim se manifesta:
“Os juizes poderiam simplesmente adotar muito bem uma
posição de simples rejeição, recusando-se a entrar na arena dos
14 Cândido Rangel Dinamarco, Nova Era do Processo Civil, Malheiros, 2ª ed., São Paulo, 2004, p. 11-12.
23conflitos coletivos e de classe. Tal atitude negativa teria, contudo, a
conseqüência prática de excluir do judiciário a possibilidade de exercer
influência e controle justamente naqueles conflitos, que se tornaram de
importância sempre mais capital nas sociedades modernas.... A outra
alternativa, pelo contrário, é a de que os juízes sejam capazes de
‘crescer’, erguendo-se à altura dessas novas e prementes aspirações,
que saibam, portanto, tornar-se eles mesmos protetores dos novos
direitos ‘ difusos’, ‘coletivos’ e ‘fragmentados’, tão característicos e
importantes da nossa civilização de massa, além dos tradicionais
direitos individuais”15.
A releitura desses dogmas e princípios do processo civil, longe de
significar uma renúncia ou negação a estes, ou repudiar as conquistas da
ciência e da técnica do processo, importam na tentativa de harmonizá-los,
tornando mais humano e justo o processo civil. O culto à forma deve ser
rechaçado a todo custo, antes de transformar-se em ferrolho impeditivo da
instrumentalização do processo, da efetivação da tutela jurisdicional e do
acesso à justiça.
Uma vez mais nos socorremos dos ensinamentos de CÂNDIDO RANGEL
DINAMARCO:
“A segurança dos litigantes, cultivada pelo due process, na
medida em que limita os poderes a serem exercidos pelo Estado-Juiz, é
um valor elevadíssimo, mas não tão elevado e absoluto que legitime o
esclerosamento, ou engessamento do sistema processual. Seria injusta
e depreciativa a esse poderoso instrumento do Estado Democrático de
Direito a afirmação de sua destinação a aniquilar os anseios por um
processo de feição humana, no qual o juiz é constantemente
conclamado a exercer sua sensibilidade ao valor do justo e do
socialmente legítimo. Os princípios devem conviver harmoniosamente
15 Mauro Cappelletti, Juizes legislaldores?, p. 59-60.
24na ordem constitucional e na processual, em busca de soluções
equilibradas”16
1.3 Acesso à Justiça e os Direitos Humanos
Antes de iniciarmos a leitura desse tópico, entendemos necessária a
definição do que doutrina entende como sendo direitos do homem ou direito
natural, direitos humanos e direitos fundamentais, até para que se evite
equívocos quanto à natureza jurídica de cada um deles.
Como direitos do homem podemos considerar “aqueles direitos que
pertencem ao homem pelo simples fato dele ser humano. Direitos inatos,
personalíssimos, originários, que nascem com o homem ou que pertencem ao
gênero humano, independentes de raça, sexo, idade, religião, ou grau de
civilização. Direitos naturais da pessoa humana”.17
Eis aqui a famosíssima passagem de Cícero sobre o direito natural,
exposta no terceiro livro de sua "República":
"Existe, pois, uma verdadeira lei, a reta razão congruente com a
natureza, que se estende a todos os homens e é constante e eterna;
seus mandamentos chamam ao dever e suas proibições afastam do
mal. E não ordena nem proíbe em vão aos homens bons nem influi nos
maus. Não é lícito tratar de modificar esta lei, nem permitido revogá-la
parcialmente, e é impossível anulá-la por inteiro. Nem o senado nem o
povo podem excluir-nos do cumprimento desta lei, nem se requer
ninguém que a explique ou interprete. Não é uma em Roma e outra em
Atenas, uma agora e outra depois, senão uma lei única, eterna e
imutável, que obriga a todos os homens e para todos os tempos: e
existe um mestre e governante comum de todos, Deus, que é o autor,
intérprete e juiz dessa lei e que impõe seu cumprimento. Quem não
16 Cândido Rangel Dinamarco, op. cit., p. 15.17 José Soder, Direitos do homem. Ed. Nacional. São Paulo, 1960 – fonte: Enciclopédia Jurídica Soibelman.
25obedece foge de si mesmo e de sua natureza de homem, e por isso se
faz merecedor das penas máximas, embora escape aos diversos
suplícios comumente considerados como tais"18
Na definição de ALEXABDRE FREITAS CÂMARA, “chamam-se direitos
humanos as instituições jurídicas de defesa da dignidade humana contra a
violência, o aviltamento, a exploração e a miséria. São assim, direitos humanos
as instituições jurídicas destinadas a tutelar, de forma efetiva, a dignidade do
ser humano”.19
Inobstante os prodígios artísticos, filosóficos e arquitetônicos das
culturas no decorrer da história do homem, podemos dizer que o mundo grego
nos deu a filosofia, e o mundo romano o direito, o mundo judaico-cristão nos
brinda como sua maior obra a dignidade humana. Deste modo, ao longo da
Idade Moderna os princípios que balizam os direitos humanos vão encontrando
paulatinamente expressão no direito positivo, até a Declaração Universal dos
Direitos do Homem pela O.N.U, em 1948, porém faltando ainda muito a ser
conquistado para a eficácia de ditos dispositivos pela justa aplicação das
sanções correlatas de sua violação.
“Ela faz aportar no mundo jurídico a noção de supraestatalidade,
delineando com maior ênfase que a declaração dos direitos do homem e
do cidadão, de 1789, a extensão desses direitos a todos os povos,
acima das próprias constituições dos Estados. Nelson Sampaio (in O
Poder de Reforma Constitucional, Bahia, 1954), denota que o poder
constituinte originário não pode violar os direitos humanos”.20
Em abono da idéia de uma ordem jurídica internacional, pertinente aos
direitos da pessoa, transcendendo o positivismo estatal, temos o exemplo do
Julgamento de Nuremberg, como o maior exemplo catalisador de um
18 Fonte: Enciclopédia Jurídica Soibelman.19 Alexandre Freitas Câmara, Acesso à Justiça, Organizado Rafhael Augusto Sofiati de Queiroz,Lumem Júris, Rio de Janeiro, 2002, p. 1 20 Fonte: Enciclopédia Jurídica Soibelman
26sentimento de justiça universal em que o sujeito de direito, aquele a quem a
ordem jurídica deve ser garantida em toda sua extensão e sentido expressado
neste trabalho, é a própria humanidade.
Outro caso semelhante considerando o ser humano como sujeito de
direito internacional, diz respeito ao General Augusto Pinochet, responsável
pela ditadura implantada no Chile, onde a tortura, execuções sumárias, prisões
arbitrárias e até mesmo campos de concentração foram prática comum,
chegando na casa dos milhares o número de vítimas, ao visitar a Inglaterra foi
surpreendido com um pedido de extradição, proveniente do juiz espanhol
Baltazar Garzón, com base em crimes violadores de direitos humanos
cometidos pelo regime que ele encabeçava contra nacionais espanhóis, sendo
que ao pedido inicial foram aos poucos incorporando-se várias outras
denúncias, até mesmo de crimes cometidos em iguais condições contra
pessoas estrangeiras. Criou-se uma inédita relação processual onde, estando
em país estrangeiro, alguém se via em vias de submeter-se a processo e
eventual prisão preventiva, num terceiro país, por atos cometidos na sua
própria pátria, e que lá não eram capitulados como crimes.
Esse movimento é o que Leib Soibelman chama de revolta da
consciência universal. Entretanto com todo o respeito ao notável enciclopedista
nos parece mais apropriado o sentido de despertar para uma realidade que se
vinha forjando no decorrer dos séculos, em inúmeras catástrofes sociais cujos
acontecimentos da Segunda Grande Guerra Mundial, representam breve
capítulo dessa saga. Erros e acertos dede o aparecimento do homem no
planeta se revezam demonstrando como o processo de evolução moral da
humanidade é complexo e infinito. Estamos, portanto, num momento em que
esse movimento de conscientização jurídico-universal, considerando o
homem como um sujeito de direito-internacional como descrito. Um patamar
hoje interessante, atual, revolucionário, amanhã, ultrapassado e incipiente.
A expressão direitos humanos, como a conhecemos hoje, é um
consectário da noção de direito natural, acima descrito. O ideal do direito
27universal, pertencente a todo e qualquer homem sem distinção, como emblema
e fundamento da felicidade e dignidade que sempre esteve presente no
entendimento humano.
Ainda sob os auspícios de ALEXANDRE FREITAS CÂMARA, temos o que a
doutrina identifica como sendo direitos fundamental “os direitos humanos
reconhecidos como tal pelas autoridades às quais se atribui a função de
editar norma jurídicas, tanto no interior de um Estado, como no plano
internacional. Direitos fundamentais são, assim, os direitos humanos
positivados”.21
Também chamados liberdades públicas ou direitos fundamentais do
homem ou da pessoa humana, reconhecidos nas "declarações de direitos" das
constituições, ou autônomas. São principalmente os direitos ou liberdades de
locomoção, associação, reunião, de consciência, de culto, de igualdade
perante a lei, de pensamento ou opinião, de petição, de não ser preso
ilegalmente, de ser julgado na forma de leis anteriores ao fato imputado, de
imprensa, de trabalho, de profissão, de propriedade obtida com o seu trabalho
pessoal, de informação, de ensino, de cátedra, de inviolabilidade do domicílio,
de calar, de fazer ou deixar de fazer alguma coisa somente em virtude de lei,
de intimidade, de escolher governo, de votar, de ser eleito, de autodeterminar-
se, de não estar submetido a leis retroativas, de indústria, de comércio, de
inviolabilidade de correspondência e comunicações, de plenitude de defesa,
sindical, de escolher emprego e outros ou outras mais que decorrem
implicitamente da natureza dos regimes democráticos. Para a proteção desses
direitos ou liberdades individuais, existem as chamadas garantias individuais ou
constitucionais, que são os meios jurídicos também previstos nas constituições,
para proteção desses direitos: mandado de segurança, habeas-corpus, as
ações judiciárias em geral, as apreciações do poder judiciário de qualquer
lesão de direito individual ou da inconstitucionalidade de leis ou atos de
qualquer dos poderes da soberania.
21 Alexandre Freitas Câmara, op. cit, pág. 1
28Essa idéia de ordem jurídica universal pode ser trazida ao plano
subjetivo pátrio, considerando a problemática do acesso à justiça por uma ótica
mais simples, alcançando o interesse social das massas na busca por uma
ordem jurídica justa, um sistema jurídico-preocessual com afeições mais
humanas (Dinamarco), com igualdade de armas para os consumidores dos
serviços processuais, essa a grande revolução que está por vir (Alexandre
Câmara), fugindo de um sistema processual que privilegia a solução dos
conflitos de alcance os interesses interindividual para um que atenda à
demanda dos conflitos coletivos e que preconize uma solução coletiva às
demandas envolvendo os direitos considerados naturalmente coletivos
(coletivos e difusos) e os individuais homogêneos, muito além dos avanços
obtidos com a Lei das Ações Civis Públicas e o Código de Defesa do
Consumidor.
29
Capítulo 2
2. O ACESSO Á JUSTIÇA COMO MOVIMENTO DE PENSAMENTO
Falar sobre o acesso à justiça como movimento de pensamento, é antes
de tudo considerar que o movimento jurídico durante muito tempo ficou refém
de um positivismo neutralizante que sempre serviu aos interesses do
stabelechement burguês, “distanciando ainda mais do Estado do seu mister, a
democracia do seu verdadeiro sentido e a justiça da realidade social “.22
A questão do acesso à justiça fala diretamente à questão de
reestruturação da própria ciência do direito e ao direito processual civil em
particular.
O enfoque meramente dogmático-formalista do estudo do acesso à
justiça não atende às exigências de uma nova ordem social, mais justa e
antenada com os movimentos de reforma do sistema processual nas
sociedades mais avançadas do mundo.
Os ensinamentos de MAURO CAPPELLETTI nos permitem concluir que o
dogmatismo jurídico é uma forma degenerativa do positivismo jurídico que
conduz a uma simplificação irrealística do próprio direito no seu aspecto
normativo, ficando de lado outros valores não menos importantes, relacionados
aos sujeitos, às instituições, aos procedimentos, aos deveres e
responsabilidades das partes, dos juízes e dos próprios juristas.
GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA , citando o professor da Universidade
de Florença, conclui:
22 Gregório Assagra de Almeida, Direito Processual Coletivo Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 2003, p. 64.
30“Nesta impostação formalista degenerativa do positivismo
jurídico, a interpretação da norma não é outra senão aquela do
‘resultado de um cálculo conceitual de estrutura dedutiva, fundado sobre
uma idéia do ordenamento como sistema de normas fechado, completo
e hierarquizado’, com a ‘doutrina do silogismo judicial segundo a qual
também a decisão é o resultado objetivo de um cálculo deduzivo(...).
Não menos importante é o fato de que nesta impostação formalística,
acaba por haver uma identificação do direito positivo com a justiça, ou
seja, que é o mesmo, uma recusa de avaliar o direito positivo tendo
como base os critérios de justiça, sociais, éticos, políticos,
econômicos”23
2.1 O acesso à justiça como novo método do pensamento moderno
“O direito processual deve ser concebido como instrumento de de
transformação da realidade social”24. Isso pressupõe o rompimento com a
mesmisse positivista empregada por anos e anos no estudo do Direito a partir
para um processo que inclua um diálogo constante com os vários ramos da
ciência comprometidas com o bem comum e suas contribuições possíveis à
consecução de uma ordem jurídica justa. Diálogo este capaz de transmudar
para o direito processual um dinamismo de valores capazes de “torná-lo um
instrumento de realização da justiça por intermédio dos escopos
jurisdicionais”.25
Nessa linha de idéias, podemos considerar o acesso á justiça como o
“mais fundamental dos direitos, como o mais básico dos princípios
processuais e como uma garantia constitucional fundamental”.26
23 Gregório Assagra de Almeida, Direito Processual Coletivo Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 2003, p. 65. 24 Idem, op. cit. p. 68 25 Idem.26 Idem.
31Para CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, o acesso à justiça implica, dentro
desse movimento de pensamento e um moderno plano de reformas do
processo civil, o equivalente à obtenção de resultados justos, e é nesse norte
que devemos balizar nossa argumentação, sem perder vista outros
mecanismos de acesso à justiça, posto que todos militam em prol do mesmo
escopo.
“É o que também já designou como ‘acesso a uma ordem jurídica
justa’ (Kazuo Watanabe). Não tem acesso à justiça aquele que sequer
consegue fazer-se ouvir em juízo, como também todos os que, pelas
mazelas do processo, recebem uma justiça tarda ou alguma injustiça de
qualquer ordem. Augura-se a caminhada para um sistema que reduza
ao mínimo inevitável os resíduos de conflitos não-jurisdicionalizáveis (‘a
universalização da tutela jurisdicional’) e em que o processo seja capaz
de outorgar a quem tem razão toda a tutela jurisdicional a que tem
direito. Nunca é demais lembrar a máxima ‘chiovendiana’, erigida em
verdadeiro ‘slogam’, segundo a qual ‘na medida do que for praticamente
possível o processo deve proporcionar a quem tem direito tudo aquilo e
precisamente aquilo que ele tem o direito de obter’”.27
Destarte, como acentua DINAMARCO, “o processo moderno deve ser um
processo de resultados e não de conceito e filigranas”.28
A postura da maioria dos doutrinadores brasileiros é de vanguarda, em
sintonia com o melhor pensamento do direito comparado quando o assunto
gira em torna das novas tendências de estudo do processo civil e sua
aplicação no campo das reformas de nosso sistema judiciário. É o que destaca
DINAMARCO, apontando três premissas fundamentais a essas reformas:
“O processo civil brasileiro tem sido particularmente receptivo a
essas novas tendências, seja pelo expressivo número de estudiosos de
27 Cândido Rangel Dinamarco, A reforma do Código de Processo Civil, 4ª edição, Malheiros, São Paulo, 1997, p.21-22.28 Idem, obra cit, p. 22.
32primeira linha que nelas se engajaram, seja pelas repercussões que as
propostas doutrinárias vêm tendo em nosso direito positivo. Um estudo
da história recente do processo civil brasileiro, que nesse capítulo se
esboça com toda a possível singeleza, revela a tomada de consciência,
que antes foi a doutrina vanguardeira e agora é também do legislador,
de ‘três premissas fundamentais: a abertura do processo’ aos influxos
metajurídicos que a ele chegam pela via do direito material, a
‘transmigração do individual para o coletivo’ (Barbosa Moreira) e a
necessidade de ‘operacionar o sistema’, desburocratizá-lo ou refomalizá-
lo tanto quanto possível, com vista a facilitar a obtenção dos resultados
justos que dele é licito esperar”.29
2.2 Alguns dos principais obstáculos do acesso à justiça – a contribuição
de Mauro Cappelletti e Bryant Garth
Muitos têm sidos os obstáculos ao acesso à justiça. Poderíamos
destacar vários deles, tais como: os efeitos da globalização, que tem forçado a
internacionalização do direito, a produção legislativa descontrolada, leia-se,
sem a devida qualidade, com o Poder Executivo usurpando as funções do
legislativo, com o beneplácito e até incentivo de alguns cardeais da política, a
formação liberal individualista do profissional de direito, posto que a qualidade
de grande parte dos cursos jurídicos no país, padece de atrofia qualitativa em
seus currículos, em seu quadro docente e quanto aos objetivos essenciais
transmitidos aos seus estudantes, apropria questão ética que de forma
significativa envolve serventuários da justiça e profissionais do direito, em
condutas condenáveis sob o aspecto moral e profissional, que denigrem a
imagem da justiça e dos próprios advogados e operadores do direito em geral.
Mantendo fidelidade ao escopo da pesquisa, vamos nos ater às
questões de fundo, desenvolvendo nesse capítulo abordagem dos principais
obstáculos jurisdicionais, enfrentados com precisão cirúrgica naquilo que
29 Cândido Rangel Dinamarco, idem, obra cit, p. 22.
33MAURO CAPPELLETTI cunhou como as três ondas renovatórias do acesso à
justiça.
2.2.1 Obstáculo econômico – a primeira onda renovatória de acesso à
justiça
O primeiro obstáculo ao acesso à justiça a ser tratado diz respeito às
condições econômicas do jurisdicionado, os óbices que enfrentam para não se
manterem à margem da justiça. Até a década de 60, no século XX, não existia
preocupação com a tutela dos direitos dessas pessoas.
Essa deficiência foi denunciada em inúmeros trabalhos e pesquisas
levadas a cabo em várias partes do mundo por juristas, sociólogos,
economistas e pensadores dos mais variados campos da ciência. JOSÉ
CARLOS BAPTISTA PUOLI, citando o trabalho do sociólogo português
BOAVENTURA DE SOUZA SANTOS, embasado em informações de campo assim
descreve a situação desses hipossuficientes econômicos.
“Em primeiro lugar, os cidadãos de menores recursos tendem a
conhecer pior os seus direitos....Em segundo lugar, mesmo
reconhecendo o problema da violação de um direito, é necessário que a
pessoa se disponha a interpor a ação. Os dados mostram indivíduos de
classes mais baixas hesitam muito mais que os outros em recorrer aos
tribunais... Em terceiro e último lugar, verifica-se que .....quanto mais
baixo é o estado sócio-econômico do cidadão menos provável é que
conheça advogados ou que tenha amigos que conheçam advogados,
menos provável é que saiba onde e como e quando pode contratar o
advogado, e maior é a distância geográfica entre o lugar onde vive e
trabalha e a zona da cidade onde se encontram escritórios de advocacia
e os tribunais. O conjunto destes estudos revelou que a discriminação
social no acesso à justiça é um fenômeno muito mais complexo do que a
primeira vista pode parecer, já que para além das condicionantes
econômicas, sempre mais óbvias, envolve condicionantes sociais e
34culturais resultantes de processos de socialização e interiorização de
valores dominantes muito difíceis de contornar”.30
Dessa necessidade em amparar os menos providos de recursos, surge
o que é denominado por MAURO CAPPELLETTI, como sendo a primeira onda
renovatória de acessa justiça, cujo escopo é garantir aos pobres a assistência
judiciária gratuita31. Essas reformas começaram em 1965 nos Estados Unidos ,
em 1972 na França, Alemanha Ocidental, Inglaterra, Suécia e Canadá, sendo
seguidamente implantadas em outros países.
Um dos primeiros sistemas implantados foi o Judicare, adotado pela
Áustria, Inglaterra, Holanda, França e Alemanha Ocidental, onde advogados
particulares eram custeados pelo Estado para a defesa das pessoas menos
abastadas. A crítica que se fazia era a de que esse sistema tratava os pobres
como indivíduos com menos dinheiro, negligenciando sua condição de classe.
Surgiram também outros sistemas, como o advogado remunerado pelos
cofres públicos nos Estados Unidos, que tinha, de um lado, vantagens sobre o
Sistema Judicare, como a possibilidade de defesa, pelo trabalho em equipe,
dos direitos transindividuais dos pobres.
“Provavelmente, um problema ainda mais sério desse sistema é
que ele necessariamente depende de apoio governamental para
atividades de natureza política, tantas vezes dirigidas contra o próprio
governo...Essa dependência pressupõe que uma sociedade tenha
decidido que qualquer iniciativa jurídica para ajudar os pobres é
desejável, mesmo que signifique um desafio à ação governamental e às
ações dos grupos dominantes na sociedade”.32
30 José Carlos Baptista Puoli, Os poderes do juz e a reforma do Código de Processo Civil,Ed. Juarez de Oliveira, São Paulo, 2002, p. 14.31 Mauro Cappelletti e Bryan Garth, Acesso à Justiça, tradução Ellen Gracie Norfthfleet, Sérgio Antônio Fabris Editor, Porto Alegre, 2002, p. 31.32 Mauro Cappelletti e Bryan Garth, op. cit., p. 41.
35Entretanto, não foi isso que aconteceu nos Estados Unidos, onde os
advogados vivem sob constantes ataques políticos.
No Brasil, como esclarece José Carlos Barbosa Moreira, a expressão
assistência judiciária teve previsão pela primeira vez em texto constitucional, na
Constituição de 1934, que dispunha sobre a isenção de emolumentos e taxas, e ao
mesmo tempo determinava à União e aos Estados que criassem órgãos especiais para
a assistência dos necessitados. A Carta Ditatorial de 1937 nada dispôs, e o Código de
Processo Civil de 1939, ao regulamentar a matéria, garantia a assistência judiciária por
advogado, que ficava à escolha do interessado. Contudo, como era na época no direito
comparado, a concepção tinha somente o conteúdo de dever honorífico, o que gerava
a falta de efetividade do sistema, pois dependia da boa vontade dos advogados. A
Constituição de 1946 também dispunha em seu art. 141, § 35, que o poder público
deveria conceder assistência judiciária aos necessitados, dispositivo esse cujo teor
era bem menos expressivo que o da Constituição de 1934, que previa a isenção de
despesas e a criação de órgãos para a prestação da assistência judiciária. Nesse
período, aplicava-se o que regulamentavam os arts. 68 e seguintes do CPC de 1939. A
partir de 1950, a matéria passou a ser regulamentada pela Lei n. 1.060, de 5 de
fevereiro de 1950, que não trouxe alteração substanciosa à matéria: permaneceu a
concepção de dever honorífico do advogado. Não houve também qualquer novidade
em relação à Constituição de 1967, muito menos em relação à Emenda
Constitucional n. l, de 17 de outubro de 1969, e foi mantida a regulamentação
infraconstitucional da Lei n. 1.060, de 1950. Á grande novidade e transformação
operada em relação à matéria ocorreu com o advento da atual Constituição Federal de
5 de outubro de 1988, cujo art. 5º, LXXIV, traz como direito fundamental dos brasileiros
e estrangeiros residentes no País e obrigação do Estado, a assistência jurídica integral
e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos33.
Observa-se que a mesma Constituição Federal de 5 de outubro de 1988
também instituiu, em seu art. 134, a Defensoria Pública como instituição essencial
33 José Carlos Barbosa Moreira, O direito à assistência jurídica: evolução no ordenamento jurídico brasileiro, in As garantias do cidadão na justiça, coord. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, p. 207-18
36à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em
todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5-, LXXIV.
Portanto, o texto constitucional atual é extremamente rico na matéria, tanto
que Araken de Assis, ao tecer comentário sobre o art. 5º, LXXIV, assim o interpreta:
"No assunto, se impõe distinguir três institutos: primeiro, a 'assistência
jurídica integral', acima referida, e que compreende a consulta e a
orientação extrajudiciais, representação em juízo e gratuidade do
respectivo processo; em seguida, a 'assistência judiciária', ou seja, o 'serviço
público organizado, consistente na defesa em juízo do assistido que deve
ser oferecido pelo Estado, mas que pode ser desempenhado por entidades
não-estatais, conveniadas ou não com o Poder Público'; e, finalmente, a
'gratuidade de todas as custas e despesas, judiciais ou não, relativas aos
atos necessários ao desenvolvimento do processo e à defesa dos direitos
do beneficiário em juízo', objeto da Lei 1.060, de 5.2.1950, sucessivamente
alterada"34.
2.2.2 Obstáculos organizacionais e a proteção aos interesses
transindividuais – a segunda onda renovatória de acesso à justiça
A deflagração da primeira onda renovatória do acesso à justiça - um
grito de contra a pobreza - sem embargo dos avanços experimentados, não
logrou esgotar o manancial de problemas e óbices já então identificados nas
sociedades de massa. Nesta tópico vamos nos ater à questão da pobreza
organizativa ou a dificuldade dos titulares dos interesses transindividuais ou
metaindividuais, especialmente os interesses difusos, de se organizar como
gente unitária contra os poderosos interesses políticos e econômicos.
34 Garantia de acesso à justiça: benefício da gratuidade, in Garantias constitucionais do processo civil, coord. José Rogério Cruz e Turci, p. 10-11
37GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA, citando CAPPELLETTI, esclarece
questões pontuais que se apresentam nesse fenômeno típico das sociedades
de massa:
"Os interesses 'difusos' representam um fenómeno típico e de
importância crescente, da sociedade moderna, caracterizado pela
passagem de uma economia baseada principalmente em seus relatórios
individuais para uma economia em cujo trabalho, produção, turismo,
comunicação, assistência social e previdência, etc., são fenômenos 'de
massa'. Se pensarmos no desenvolvimento dos direitos sociais, típicos,
ressalto, do moderno Estado social ou 'promocional' esses podem comportar
benefícios ou vantagens nos confrontos das vastas categorias. A contestação,
por exemplo, de uma norma constitucional nesta matéria pode interessar a
milhares, milhões de pessoas. Se pensa agora nos produtos da indústria: um
leve defeito de produção pode tornar-se um dano para muitíssimos
consumidores deste produto. Se pensarmos ainda no envenenamento, da parte
de um complexo industrial, de um rio ou de um lago: de novo, um número im-
preciso de pessoas são potencialmente atingidas, pelo dano causado pelo
envenenamento da atmosfera, ou pela poluição"35.
Prossegue GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA:
“Portanto, tornou-se inadiável uma verdadeira revolução do direito
processual a fim de que o direito repensado tornasse possível a tutela
dos direitos massificados, de forma a revisitar radicalmente os institutos
como a legitimidade ad causam, a citação o litisconsórcio, a coisa
julgada, a liquidação da sentença, dentre outros, adequando-os às
novas formas de tutelas jurisdicionais voltadas para os conflitos
massificados. Portanto, pelas transformações imperadas, não há mais
como negar a existência de um direito processual coletivo como novo
ramo do direito processual”.36
35 Direito Processual Coletivo Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 2003, p. 79.36 Direito Processual Coletivo Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 2003, p. 80-81
38
Nos Estados Unidos e na Europa, a primeira tentativa de solucionar o
problema surgiu com uma ação governamental no sentido de atribuir poderes
de defesa desses interesses coletivos, lato sensu, a determinados órgãos
estatais. CAPPELLETTI e GARTH, entretanto, advertem que, embora ainda seja o
melhor método para a representação dos interesses difusos, em decorrência da
resistência tradicional a legitimar indivíduos ou grupos, isso não tem tido muito
sucesso. Isso porque tanto nos Estados Unidos quanto em vários países da
Europa, o Ministério Público e instituições análogas estão vinculados a papéis
tradicionais restritos, e não são capazes de assumir inteiramente a defesa desses
direitos de massa. Também estão sujeitos a pressão política, tornando assim
inócua a defesa dos interesses transindividuais contra entidades governamentais.37
Foi criada nos Estados Unidos, no ano de 1974, a figura do advogado público,
justamente para representar os interesses públicos em procedimentos
administrativos e judiciais. Destacam CAPPELLETTI e GARTH que a finalidade
da criação desses órgãos seria despertar a ação governamental para a defesa dos
interesses difusos, que estavam até então sem proteção38.
Na Suécia, em 1970, foi criada a figura do ombudsman do consumidor, com
atribuição para iniciar processo no Tribunal de Mercado, visando impedir práticas
ilegais de propagandas e publicidade que possam lesar direitos dos consumidores.
No caso da Suécia, o ombudsman do consumidor também não tinha
exclusividade para o ajuizamento de ação perante o Tribunal Comercial, já que as
associações também tinham legitimidade para isso. Na República Federal da
Alemanha foi criada a Lei sobre Contratos-Padrão, que entrou em vigor no ano de
1977 e possibilitou às associações de consumidores o ajuizamento de ações para
declarar a ilegalidade de determinadas cláusulas contratuais, facultando aos
37 Mauro Cappelletti e Bryan Garth, Acesso à Justiça, tradução Ellen Gracie Norfthfleet, Sérgio Antônio Fabris Editor, Porto Alegre, 2002, p.51-52.38 Obra cit., pág. 53-54
39consumidores, após o trânsito em julgado da decisão, o uso da decisão para conse-
guir a invalidação de cláusulas dos contratos por eles pactuados39.
Informam ainda CAPPELLETTI e GARTH que:
"Outro método interessante de permitir que grupos privados representem o
interesse público é a 'relator action' (ação delegada), usada nos países de
'common law', especialmente na Austrália e Grã-Bretanha. A ação delegada é
intentada por uma parte que normalmente não teria legitimidade para a causa,
mas que obtém a permissão, ou 'fiat', do procurador-geral para tanto. Essa ação
pode ser utilizada tanto por indivíduo quanto por grupos, mas, por motivos óbvios
— especialmente custos — os grupos parecem ter sido mais ativos na utilização
desse mecanismo para fazer valer os interesses difusos. Uma vez iniciada, a
ação delegada prossegue sob a supervisão e controle (mais teóricos que reais)
do procurador-geral. Ela é atualmente uma instituição importante, embora sua
significação tenda a diminuir na medida em que as restrições à legitimidade
sejam eliminadas em área como a da defesa do consumidor e a da proteção
ambiental"40.
Num primeiro plano, tratou-se do reconhecimento dos grupos, para que fosse
permitido o ajuizamento de ações coletivas na defesa do interesse público, o que
era feito para evitar que esses grupos fossem fontes de abusos, tendo sido
desenvolvidos até mesmo mecanismos de controle público.41
Já num segundo plano de reformas visava organizar e fortalecer os grupos
privados para que fossem eficientes na tutela dos interesses difusos, o que era
imprescindível, pelo fato de que as empresas demandadas tinham muito dinheiro
disponível para o custeio do litígio e dos melhores advogados, bem como outras
características que as tornavam adversários temíveis42.
39 Mauro Cappelletti e Bryan Garth, op. cit., págs. 57-58.40 Idem, p. 58-5941 Idem, p. 56-6042 Mauro Cappelletti e Bryan Garth, op. cit., págs. 58-59.
40
Nos Estados Unidos, que têm um dos sistemas de tutela dos direitos de
massa mais avançados do mundo, foram implantadas as ações coletivas e as ações
de interesse público, bem como as associações de advogados que delas se
ocupavam.
As class actions dos Estados Unidos permitem que um litigante represente uma
classe de pessoas em uma determinada demanda, evitando-se, assim, os custos da
criação de uma organização permanente.
CAPPELLETTI e GARTH, contudo, ponderam:
"Class actions e ações de interesse público, no entanto, exigem
especialização, experiência e recursos em áreas específicas, que apenas
grupos permanentes, prósperos e bem assessorados possuem. Muitos
advogados de class actions podem ser incapazes de prover a tal
especialização pessoalmente, ou não contar com recursos suficientes para
obtê-la com outros profissionais. Embora possam recuperar os honorários
advocatícios na hipótese de sucesso, o risco de perder é uma barreira
considerável; para serem eficientes, precisam também se engajar em práticas
de 'lobby' e outras atividades extra-jurídicas. Por muitas razões grupos
permanentes podem pressionar para obter decisões do governo com mais
sucesso que classes relativamente efémeras. Esse problema, juntamente com a
impossibilidade de utilização da class action como solução para muitos dos pre-
juízos sofridos pêlos consumidores, tornam a class action um meio imperfeito de
indicação dos interesses difusos".43
Na verdade, a questão da legitimação para agir ou representação adequada
para a tutela dos interesses transindividuais tem sido um problema quase
mundial, e ainda não se chegou a um consenso a respeito da matéria179.
Entretanto, no caso do Brasil essa questão não parece ser tão polémica, pois tanto
a Lei da Ação Civil Pública (art. 5° da Lei n. 7.347/85) quanto o Código de
43 Mauro Cappelletti e Bryan Garth, op. cit., págs. 61.
41Defesa do Consumidor (art. 82 da Lei n. 8.078/90) adotaram um sistema bem
adequado de representação legal desses interesses, especialmente em relação
ao Ministério Público, que hoje tem sido o principal defensor dos interesses
massificados no Brasil.
2.2.3 Obstáculos propriamente processuais – a terceira onda renovatória
de acesso à justiça
Listados os aspectos doutrinários das duas primeiras ondas
renovatórias do acesso à justiça – assistência judiciária gratuita e
representação processual em juízo dos interesses de massa - resta a terceira e
última dessas ondas renovatórias identificadas pelo Mestre de Florença, surge
então o que é denominado de “um novo enfoque do acesso à justiça, que visa
operacionalizar todo o sistema de acesso à justiça, aperfeiçoando inclusive o
sistema de assistência judiciária gratuita e o sistema de tutela dos interesses
de massa”44 .
Nos louvamos uma vez mais, da contribuição sempre valiosa de JOSÉ
CARLOS BAPTISTA PUOLI:
“Pois bem. Definidos os espectros de atuação das duas primeiras
ondas renovatórias, resta tratar da terceira onda. Esta, diferentemente das
duas primeiras, não está diretamente ligada a um aspecto ou instituto do
processo individualmente considerado. Pelo contrário, esta terceira onda
tem uma meta generalista que preconiza uma verdadeira revolução do
sistema processual como um todo, compreendendo, nas palavras de
Mauro Cappelletti, iniciativas relacionadas com "alterações nas formas do
procedimento, mudanças na estrutura dos tribunais, ou a criação de novos
tribunais, o uso de pessoas leigas ou para profissionais, tanto como juizes
quanto como defensores, modificações no direito substantivo destinadas a
evitar litígios ou facilitar sua solução e a utilização de mecanismos privados 44 Gregório Assagra de Almeida, Direito Processual Coletivo Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 2003, p. 86.
42ou informais de solução dos litígios. Esse enfoque, em suma, não receia
inovações radicais e compreensivas, que vão muito além da esfera de
representação judicial. Ademais este enfoque reconhece a necessidade
de correlacionar e adaptar o processo civil ao tipo de litígio". Nesta linha de
adaptação do tipo de processo ou do modo alternativo pelo qual será
tentada a solução da controvérsia às características da situação concreta
que estiver sendo tratada inserem-se as iniciativas relacionadas com a
instituição de juizados especiais para julgamento de casos de menor
complexidade (como feito entre nós pelas Leis ns. 7.244/84 e, mais
recentemente, 9.099/95) e as relativas à facilitação e fomento do uso da
arbitragem como modo alternativo de solução de conflitos a ser utilizado em
situações onde haja capacidade das partes para contratar e o litígio versar
sobre bens patrimoniais disponíveis de acordo com os requisitos eleitos
pela Lei n. 9.307/96. Pela própria abrangência de sugestões é fácil
concluir que esta terceira onda está, em verdade, propondo um novo
modo de criar, encarar e operar o direito processual. Tamanha é a sua
generalidade que, em verdade, compreende muito do que propõe quando se
fala da consciência a respeito da "instrumentalidade" do processo”.45
É a busca pelo "processo civil de resultados" na expressão já utilizada pelo
professor CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO. Não se pense, todavia, que a utilização
deste método para desenvolvimento da pesquisa e formulação da dissertação
poderá importar em menosprezo pela técnica processual. E isto por que, nos
termos da lição de José Carlos Barbosa Moreira, "renegar a técnica decididamente
não é o melhor caminho para fazer avançar nossa ciência, nem para converter o
avanço científico em fermento da Justiça". E segue o eminente processualista
carioca demonstrando que tanto a deficiência técnica na formulação das normas
processuais quanto a deficiência técnica na aplicação das normas legais aos
processos concretamen-te considerados são negativas e não queridas pelo
sistema. No que se refere às deficiências técnicas na criação legislativa das
normas processuais, afirma o referido professor que tais falhas "acarretam
45 José Carlos Baptista Puoli, Os poderes do juz e a reforma do Código de Processo Civil,Ed. Juarez de Oliveira, São Paulo, 2002, p. 16.
43dúvidas e controvérsias hermenêuticas de que costumam se alimentar os
incidentes processuais" de modo a gerar carga enorme e inútil de trabalho para os
tribunais, o que acaba por afetar "a qualidade do produto", de forma a afogar "no
pantanal da rotina quaisquer esperanças de desenvolvimento jurisprudencial". Por
outro lado, José Carlos Barbosa Moreira complementa o diagnóstico registrando
que a deficiência técnica na aplicação da norma processual é fonte de
"numerosas desgraças" como a "inútil sobrevivência de inúmeros processos" que,
com melhor apuro técnico, deveriam ser retidos no "filtro do despacho liminar".
Evidentemente, o uso desmesurado do tal filtro poderia implicar em efetivo prejuízo da
aptidão do processo como via de acesso à "ordem jurídica justa" (em mais uma
expressiva locução cunhada por Kazuo Watanabe), na medida em que um autor,
destinatário de posição privilegiada pela lei material, poderia acabar vendo sua
pretensão fadada ao insucesso não por conta da "vontade concreta da lei", mas por
mera inaptidão do advogado que o representa. Por isso que o mestre carioca, dando
sequência em sua preleção sobre a prática forense, segue afirmando que "no
despacho da inicial, v.g., o juiz consciencioso e criativo encontrará ajuda inestimável na
disposição do art. 284, caput" que "inteligentemente explorada" pode "salvar do
naufrágio imediato postulações mal formuladas mas suscetí-veis de
correção".46
46 José Carlos Barbosa Moreira, Efetividade do processo e técnica processual, texto constante da coletânea intitulada, “Temas de Direito Processual Civil”, 6ª Série,.. p. 23-24
44
Capítulo 3
3. TUTELA JURISDICIONAL COLETIVA
No mundo globalizado, é cada vez maior a necessidade de interação
entre as diversas correntes de pensamento e estudos científicos
desenvolvidas nos principais centros, com o fito repensarem o direito,
buscando no direito comparado soluções possíveis para o aperfeiçoamento do
nosso sistema judiciário e a instrumentalização do processo como meio de se
alcançar a efetiva distribuição da justiça.
O método de buscar no direito comparado subsídios à discussão interna
sobre os mais instigantes temas da moderna processualística, enriquece o
debate e o estudo, aprimorando o direito nacional, facilitando em muito a
compreensão das características sociais dos povos estrangeiros, com melhoria
das relações internacionais em todos os níveis.
No que diz respeito ao direito processual coletivo, torna-se quase
obrigatória a referência ao direito comparado, notadamente, ao sistema norte-
americano, do qual se originam as class actions, que serviram de base para a
coletivização do direito processual brasileiro.
É importante, antes de enfatizarmos a discussão em torno da tutela dos
interesses e direitos coletivos em outros países, importante que definamos o
que sejam direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, segundo a
doutrina pátria.
3.1 Tutela jurisdicional Coletiva em alguns sistemas do Direito
Comparado.
Na seqüência da idéia central desse tópico, faremos uma pequena
abordagem quanto à problemática da defesa dos interesses difusos em países
45da civil law e da common law, e a tendência mundial de convergência entre
essas duas grandes famílias jurídicas.
3.1.1 Na Itália
O que caracteriza a problemática dos interesses difusos e coletivos na
Itália é exatamente o amplo debate encadeado pelos juristas italianos sem que
se chegue a um consenso quanto à terminologia e conceituação desses
interesses.
“Essas divergências se orientam em duas tendências. Para uns autores,
a diferença entre interesses difusos e coletivos deriva do fato de os segundos
se referirem a um grupo organizado. Para outros, o fundamental é a
individualidade do bem objeto do interesse e sua utilização por pluralidade de
pessoas”.47
Explica GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA que tanto na doutrina quanto
jurisprudência, não são poucos os pronunciamentos divergentes quanto à
definição do que vem a ser interesses difusos, assinalando a dificuldade para a
tutela coletiva desses interesses nas cortes italianas.
“A Corte de Cassação italiana, entende por interesses difusos,
aqueles em que o objeto não é apto a ser considerado pelo âmbito
exclusivamente pessoal, pois são referentes não ao sujeito como
indivíduo, mas a uma coletividade de pessoas, mais ou menos ampla.
Em outras ocasiões, esse mesmo tribunal chegou a entender por
interesses difusos os que são jurídica e individualmente tutelados, mas
simultaneamente referentes a uma pluralidade de sujeitos”.
Prossegue “salientando que uns preferem enquadra-los como
direitos subjetivos ou interesses legítimos (situações jurídicas
47 Joaquim Silguero Estagnan, in La titela jurisdicional de los interesses colectivos a trvés de la legitimación de los grupos, p. 197)
46tradicionais); os outros como se fossem um tertium genus, havendo
inclusive esforços da jurisprudência para enquadra-los ou como
interesses legítimos, possibilitando sua tutela pelo contenciosos
administrativo, ou como direitos subjetivos, permitindo a sua tutela pela
via jurisdicional tradicional”.48
Outro problema existente na Itália em relação à tutela dos direitos
massificados ocorre porque o sistema italiano é de jurisdição bipartida: existe o
Contencioso Administrativo para apreciação das questões que envolvem a
Administração Pública, em que esteja em jogo tão-só interesse legítimo do
administrado – quando se tratar de ato discricionário da administração pública
– e a Jurisdição Comum, quando se tratar de direito subjetivo. Portanto, a falta
de uma regulamentação completa sobre a tutela coletiva e a própria divisão da
jurisdição dificultam a uniformização da matéria coma superação dos
problemas com base na legislação existente.
Fazendo um pequeno paralelo de como a questão é tratada na Itália e o
avança da legislação brasileira, assim se manifesta ADA PELLGRINI GRINOVER:
“Mais tímida, ao contrário, é a tutela jurisdicional dos interesses
difusos na Itália. Mesmo a recente lei sobre a disciplina dos direitos dos
consumidores e dos usuários (Lei 281, de 30.07.1998) ainda limita a
legitimação às associações representativas em nível nacional, que
devem se inscrever junto ao Ministério da Indústria, observadas diversas
formalidades 9art. 5º) e restringe a via judiciária exclusivamente à ação
inibitória (art. 3º). Vale lembrar a importante disposição do art. 3º, nº 7,
prevendo que o processo coletivo não exclui o direito às ações
individuais dos consumidores lesados pelas mesmas ofensas,
ressalvadas as normas sobre a litispendência, a continência, a conexão
e a reunião dos processos”. 49
48Gregório Assagra de Almeida, Direito Processual Coletivo Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 2003, p. 10749 Ada Pellegrini Grinover, Significado Social, político e jurídico da tutela dos interesses difusos, Revista de Processo, v. 97, p. 14.
47Portanto, analisando o sistema italianos, concluímos pelo apuro e
modernidade do sistema nacional no trato com as questões envolvendo direitos
massificados.
3.1.2 Na França
Tal qual na Itália o sistema judiciário francês é bipartido, porém com
alguns avanços cujas considerações são as seguintes:
A própria doutrina francesa, enfatiza a necessidade de se enquadrarem
os interesses coletivos no sistema processual , partindo da concepção da ação
como o poder concedido aos particulares de se dirigir á Justiça, a fim de tutelar
seus direitos ou seus interesses legítimos.
Como explica GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA, com o auxílio de
JOAQUÍM SILGUERO ESTAGNAN, ser necessário ao demandante alegar um
direito e possuir interesse.
“A doutrina francesa, de maneira até pacífica, exige, para o
ajuizamento da ação, que o demandante: tenha alegado um direito e tenha
também interesse (que seriam na concepção doutrinária francesa requisitos
de existência da ação), legitimidade e capacidade (que seriam condições de
exercício da ação). O interesse tem que ser legítimo, existente e atual, pessoal
e direto. Assim, havia uma grande dificuldade de serem observados, seja
em relação às associações, seja em relação aos sindicatos, todos esses
requisitos exigidos para o ajuizamento de ação para a tutela .coletiva, o que
impedia a devida proteção dos interesses de massa. Como ressalta Joaquín
Silguero, a Corte de Cassação francesa, em decisão de 5 de abril de 1913,
passou a admitir ação pêlos sindicatos, sempre que ficasse demonstrado o
prejuízo direto ou indireto a interesses coletivos da profissão que
representassem. Seguidamente, em uma outra decisão da Corte de
Cassação de 25 de julho de 1913, houve a exigência de que esses
interesses não deveriam ser confundidos com os interesses gerais, cuja
48tutela ficava a cargo do Ministério Público. Como o direito francês não fazia a
distinção clara entre interesse coletivo e interesse geral, isso significou uma
restrição à tutela coletiva pêlos entes sociais, que perdurou na jurisprudência
francesa até 1976, quando, com base nas disposições do Código Urbanístico,
se entendeu que os interesses gerais seriam também interesses dos
particulares, tendo a jurisprudência reconhecido a um sindicato de
comerciantes a qualidade de parte em um delito que contrariou a legislação
especial sobre mercados de interesse nacional. Foi um avanço para a tutela
dos interesses coletivos na França”.50
Outra característica do sistema francês é quanto a possibilidade de
associações e sindicatos serem legitimados para a defesa dos interesses dos
seus filiados em juízo, tanto em matéria penal quanto em matéria não penal. A
esse respeito as palavras de GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA, contando
novamente com os auspícios de JOAQUÍM SILGUERO ESTAGNAN:
“No caso dos sindicatos, observa-se que a jurisprudência francesa tem
sido mais rigorosa na concessão de legitimidade para a tutela penal, do que
para a tutela não penal. Para a tutela penal tem a jurisprudência exigido: a
atuação na defesa da profissão que haja sido prejudicada pela infração; que
haja prejuízo direto ou indireto aos interesses coletivos da profissão; e o
interesse tem que ser coletivo, não sendo suficiente o mero interesse geral
ou social. A distinção entre interesses coletivos, interesses gerais e sociais se
dá porque, no caso de interesses gerais ou sociais, só se admite
legitimidade ao Ministério Público. Em matéria não penal, contudo, os
sindicatos não têm encontrado muitos problemas para comparecerem em
juízo, tendo a jurisprudência admitido a tutela coletiva por eles, v. g., em
casos de publicidade enganosa, etc..
50 Gregório Assagra de Almeida, Direito Processual Coletivo Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 2003, p. 111-112.
49No caso das associações, a jurisprudência tem exigido para a tutela
penal que: a infração tenha sido praticada contra os fins que ela defende;
haja um prejuízo direto e pessoal aos seus associados; que o interesse não
seja geral. No caso de matéria não penal, os requisitos são os mesmos,
com exceção da exigência de que não se trate de interesse geral cujo titular,
no caso penal, é somente o Ministério Público. Para defender direito coletivo,
a associação tem que ter também autorização expressa”.51
Quanto à tutela dos consumidores, existe na França um tratamento especial,
iniciado pela Lei (Royer) do Comércio e do Artesanato, de 27 de dezembro de 1973,
que passou expressamente a legitimar as associações dos consumidores, para a
tutela de seus direitos em juízo.
MÁRCIO MAFRA LEAL destaca crítica feita com relação ao sistema francês de
tutela coletiva que, “sob uma concepção meramente matemática e corporativa, exige,
para provar a representatividade numérica da associação, um número de 10.000
membros como condição de legitimidade para a ação coletiva, equiparando, com
isso, o conceito de representatividade à exigida às formas corporativas de
associação, "a exemplo de um sindicato ou de uma cooperativa".
Nessa linha de raciocínio, continua MÁRCIO MAFRA LEAL:
“Não obstante a exigência da legislação francesa da representatividade
adequada, ela não admitia o ressarcimento individual sob o tratamento
processual coletivo, como admitem o Código de Defesa do Consumidor brasi-
leiro, em seu art. 91, e a Regra 23 do direito norte-americano. Contudo, com a
entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor francês, de 22 de
março de 1995, esse tipo de tutela passou a ser admitido, consoante
dispõe o art. L 422-1 do mencionado diploma. E o Código avançou de sorte a
superar as limitações jurisprudenciais, ao conceder legitimidade (art. 421-1) às
51 Gregório Assagra de Almeida, Direito Processual Coletivo Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 2003, p. 112-113.
50organizações definidas no art. 2S do Código da Família e Assistência Social,
para o ajuizamento de ações coletivas e também por dispensar a
autorização normalmente exigida para as associações agrées” .52
Essas colocações servem para pontuar a forma como o direito francês,
também tutela outros direitos, a título coletivo em sentido estrito ou não, como
ocorre em relação ao meio ambiente, etc.
3.1.3 Na Alemanha
Dentre os sistemas jurídicos até aqui apresentados como base no direito
comparado, o sistema alemão nos parece o que possui instrumentos menos
adequados de tutela coletiva, e até mesmo entre os doutrinadores há os que
divergem com relação à adoção ou não de tipos de tutela coletiva, como as class
actions do direito norte-americano.
Para GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA “a doutrina alemã sustenta o caráter
comum dos interesses coletivos partindo do pressuposto da existência de
homogeneidade de interesses entre uma pluralidade de indivíduos”.53 Também
com freqüência emprega a concepção de interesses coletivos junto com interesses
públicos.
Citando uma vez mais JOAQUÍM SILGUERO, em crítica à doutrina tedesca,
“sustenta que isso não significa que interesses coletivos e interesses públicos devam
ser tratados como sinónimos, pois os interesses públicos são de interesse do direito
processual como instituição, ao passo que os interesses supra-individuais devem ser
considerados em relação ao litígio em concreto”54.
52 Márcio Mafra Leal, Ações coletivas: história, teoria e prática, Sérgio A. Fabris, Porto Alegre, 1998, p. 176. 53 Gregório Assagra de Almeida, Direito Processual Coletivo Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 2003, p. 115.
54 Idem nota anterior.
51Continua GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA citando JOAQUÍM SILGUERO
ressaltando que:
“Em relação à doutrina alemã é preciso destacar vários aspectos. A
concepção de interesse supra-individual é complexa e geral. A questão da
legitimação dos grupos intermediários é um problema, já tendo sido sustentado
que nem mesmo os entes públicos especializados podem assegurar uma
adequada tutela dos interesses coletivos econômicos, sociais,
ambientais, etc. Além disso, destaca o citado jurista espanhol que o direito
alemão, fundado numa perspectiva individualista, apresenta dificuldades em
admitir a tutela dos interesses massificados ao exigir que o interesse seja
pessoal e direto”. 55
Na Alemanha a tutela dos interesses metaindividuais se dá através das
associações por meio das ações associativas ou Verbandsklage, instituto que
confere essa verdadeira legitimidade extraordinária às associações mediante
a aglutinação de interesses individuais. Não podem os detentores de um
interesse coletivo – ou determinado grupo – buscarem provimento jurisdicional
com base em um direito difuso geral, mas calcado em um interesse do grupo,
estritamente coletivo. O grupo necessita ainda de expressa autorização legal
ou mandato especial dos interessados diretos para defesa em juízo desses
interesses coletivos.
Portanto, não se deve pensar que o legislador alemão tenha sido generoso ao
admitir ação associaltiva (Verbandsklage), já que os grupos organizados, com
capacidade para serem parte (personalidade jurídica), somente podem acionar em
defesa dos direitos de seus membros se existir previsão legal ou se lhes tenha sido
conferido mandato geral ou especial por seus membros.
“A doutrina alemã também não é unânime quanto à admissibilidade
da ação associativa (Verbandsklage). Apesar de a maioria se colocar a favor
55 Idem nota anterior, p. 115-116.
52dessa ação — alguns sustentam inclusive a necessidade de ampliação do seu
campo de aplicabilidade de forma a abranger o contencioso administrativo e a
tutela do meio ambiente —, há quem critique a concessão de legitimidade às
associações para a defesa dos interesses dos grupos sob o argumento de
que são escassas as exigências de representação de seus membros232. Por
outro lado, alguns juristas defendem a inserção, no sistema alemão, da ação
popular, de forma a conceder legitimidade a qualquer cidadão, como no Brasil,
ou às associações, para a tutela do meio ambiente.
Também existe divergência na doutrina alemã acerca da utilização das
dass actions norte-americanas como modelo de reforma do direito alemão.
Alguns sustentam que elas somente seriam válidas para casos isolados,
além de apontar o risco de se criarem artificialmente associações (integradas
por secretários e familiares de advogados) para essas hipóteses de tutela”.56
3.1.4 Na Espanha
Não existe na Espanha ação coletiva de tutela de direitos individuais
homogêneos com pedido indenizatório, como a class action for demanges do
direito norte-americano e a ação coletiva de tutela indenizatória de direitos
individuais homogêneos do direito brasileiro – arts. 91 e seguintes do Código
de Defesa do Consumidor brasileiro. Nem mesmo se admite ação coletiva
com pedido indenizatório versando sobre direitos difusos.
MÁRCIO MAFRA LEAL destaca, entretanto, que o Tribunal Constitucional
espanhol acabou reconhecendo a legitimidade de uma demandante individual, que
pleiteava indenização por danos morais praticados por integrante de movimento
nazista, reconhecendo assim a legitimidade em nome de um grupo étnico,
destinando o ressarcimento à Associação de Cidadãos espanhóis que sofreram
nos campos de concentração e de estermínio.57
56 Idem nota anterior, p. 116-117
57 Ações coletivas: história, teoria e prática, Sérgio A. Fabris, Porto Alegre, 1998 p. 179-180
53Dentre as leis que tratam da tutela de direito de massa na Espanha, a
que pode ser considerada a mais avançada é a que se refere à defesa dos
consumidores e usuários (Lei n. 26, de 19/07/1984), denominada Ley General
para la Defensa de los Consumidores y Usuários, prevendo em seus artigos 20
e seguintes, que os interesses gerais dos consumidores e os direitos difusos
sejam buscados por associações, beneficiando mesmo quem não seja
associado.
Essas associações para que obtenham a adequada representatividade,
para que possa fazer o exercício da ação coletiva, deve primeiramente ser
inscrita no livro de registro do Ministério de Sanidad y Consumo, além de estar
representada no Conselho de Consumidores e usuários, de forma a
demonstrar, com isso, como condição do exercício da ação coletiva, efetiva
participação na defesa dos interesses gerais dos consumidores, conforme
também ocorre na França e na Alemanha.
Em outras palavras, a associação deve demonstrar empenho da
defesa dos consumidores e não somente inscrevê-la em seus estatutos, o que
por si só não caracteriza a credibilidade necessária para representar direitos
difusos dos consumidores.
“O art. 125 da Constituição Espanhola prevê a possibilidade de o
cidadão ajuizar ação popular Destaca-se, nesse caso, como louvável a
admissibilidade do uso dessa ação para impugnar decisões
administrativas que importem em prejuízo ao meio ambiente”.58
3.1.5 Nos Estados Unidos
Podemos considerar os EUA o pais com maior tradição na abordagem
dos institutos de tutela dos interesses de massa, tanto assim que a nossa
58 Gregório Assagra de Almeida, Direito Processual Coletivo Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 2003, p. 119.
54ação civil pública foi inspirada nas denominadas class actions (ações de
classe). Os doutrinadores consideram que a Regra 23 - Rule 23 – do Direito
Norte Americano, foi o instrumento processual que mais influenciou os
estudiosos da ação coletiva e os sistemas de tutela coletiva em diversos
países, como na França, Nova Zelândia e o Brasil.
Assim, nas palavras de JOSÉ GOMES RIBERTO SCHETTINO, “costuma-se
afirmar que a experiência dos Estados Unidos da América com demandas
coletivas remonta ao século XVII, quando ainda era colônia da Inglaterra,
mediante a edição neste país da Bill of Peace59. De toda forma, já na
década de vinte do século XIX, quando alcançada sua independência, tem-
se notícia dos primeiros processos coletivos em trâmite nos Estados
Unidos. Com a reformulação daRule 23 das Federal Rules of Civil
Procedure, em 1966, a matéria ganhou os contornos que ainda hoje
apresenta. Como se vê, os tribunais norte-americanos têm enfrentado
questões há mais de trinta anos (para não dizer há alguns séculos) que só
há pouco foram suscitadas no Brasil”60.
Adaptando os esquemas do direito norte-americano a um sistema de
civil law, sem olvidar - é claro - a realidade de nosso país, o legislador
brasileiro inspirou-se nas class actions americanas para criar, primeiro, as
ações coletivas em defesa de interesses difusos e coletivos, de natureza
indivisível. E o fez por intermédio da denominada lei da Ação Civil Pública.
RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO, assevera que "no texto original da
Lei 7.347/85, seus idealizadores buscaram inspiração no sistema das class
actions do direito norte-americano."61
59 “Era um procedimento surgido e só admitido na Court of Chancery que, por julgar questões variadas, exercia jurisdição de equidade (equity). Assim, pelo bill ofpeace, os juizes da Chancery permitiam, em caso de interesse comum, que uma única pessoa pudesse iniciar uma ação contra várias outras pessoas, sem que houvesse a necessidade de separação dos processos” (Gregório Assagra de Almeida, op. cit. pág.120).60 José Gomes Riberto Schetino, in Temas Contemporâneos de Direito processual Civil, Lúmen Júris, organizador Humberto Dalla Bernardina de Pinho, Rio de Janeiro, 2004, pág. 159.61 Rodolfo de Camargo Mancuso, Ação Civil Pública: Em Defesa do Meio Ambiente, do Património Cultural e dos Consumidores, 7a ed., São Paulo: RT, 2001, p. 98
55Pertinentes também são as palavras de Tycho Brahe Fernandes e
Angela Silva Guimarães: "a diferença entre a class action e a ação civil
pública para a defesa dos interesses individuais homogéneos reside no fato
de que enquanto na class action qualquer interessado pode ingressar com a
ação, representando os demais e obrigando a todos a decisão, na ação civil
pública para a tutela dos direitos individuais homogéneos somente estão
legitimados aqueles que estão previstos no rol do artigo 82 do CDC, entre os
quais não se inclui o lesado individualmente”.62
GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA, explica a origem da codificação da
matéria no Direito Norte Americano:
“Nos Estados Unidos, a primeira codificação sobre a matéria ocorreu
em 1842, através da Federal Equity Rule 48, que admitia o ajuizamento desse
tipo de ação de classe, quando fosse tão numerosa a quantidade de partes, que
o comparecimento de todas elas em juízo causaria sérias inconveniências
como tumulto e atraso no processo. Contudo, somente o tribunal,
analisando o caso, é que tinha discricionariedade para dispensar o
comparecimento de todas as partes. Assim, ao tribunal cabia a tarefa de
analisar se as partes presentes tinham condições de representar
adequadamente todos os interesses dos ausentes. A Rule 48 não admitia
que a sentença prejudicasse o direito material dos interessados ausentes”.63
MÁRCIO FLÁVIO MAFRA LEAL afirma que, ”não obstante a Regra 48
estabelecer a limitação dos ausentes de modo a não lhes afetar o direito material,
a Suprema Corte Americana, no ano de 1853, decidindo o caso Smith v. Swormstedt,
acabou por ignorar essa ressalva, entendendo que a adequada representação era
suficiente para a extensão subjetiva da coisa julgada”.64
62
A Legitimação do Ministério Público na Tutela dos Interesses ou direitos individuais homogêneos, artigo doutrinário disponível na Internet, no endereço eletrôni-co www.acmD.ora.br/trabalhos/doc. em 29/11/2000).63 Direito Processual Coletivo Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 2003, p. 121.
64 "Assim, havendo essa representação qualificada, estava satisfeita a questão dos direitos dos ausentes que não participassem do processo, doutrina essa que perdura até hoje e é a chave para a compreensão teórica das ACDIs" (Ações coletivas: história, teoria e prática, p. 151-152)
56
Em 1912, a Equity Rule 48 foi revogada pela Equity Rule 38, que de um lado
acabou com a proibição de extensão subjetiva da coisa julgada para os casos de
adequada representação, mas estabeleceu, de outro lado, em redação simples, que,
onde as partes fossem excessivamente numerosas para se estabelecer um
litisconsórcio, algumas poderiam figurar no pólo ativo ou passivo da relação jurídica
processual, em nome dos demais membros do grupo ou da classe.65
A Rule 23, adotando urna classificação tripartida das class actions, tinha
uma redação tão complexa que acabou por gerar polmicas. Com efeito, no ano de
1966, a Suprema Corte Americana deu uma nova versão à Rule 23. Essa Regra 23
do Código Federal do Processo Civil norte-americano passou por uma reformulação e
acabou com a regra do opt-in, que era orientada pela teoria do consentimento, no
sentido de que a representação adequada, para efeitos da extensão subjetiva da coisa
julgada, somente seria possível se consentida expressamente. Instalou-se a regra do
opt-out, cujo consentimento é presumido pela falta de manifestação em sentido
contrário do interessado ausente que, notificado "da maneira melhor de acordo com
as circunstâncias", não optar pela sua exclusão do processo.66
Para entendermos melhor a dinãmica do instituto em comento, nos socorremos
de JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI:
“ Estabelece a alínea ‘a’ da Regra 23, após a reformulação, que um ou
mais membros da classe podem demandar, ou ser demandados, como
legitimados, no interesse de todos se: 1) a categoria for tão numerosa que a
reunião de todos os membros se torne impraticável; 2) houver questões de
direito ou de fato comum ao grupo; 3) os pedidos ou defesas dos litigantes forem
idênticos aos pedidos ou às defesas da própria classe; e 4) os litigantes
aluarem e protegerem adequadamente os interesses da classe.
..........
65
Nesse sentido, Márcio Fláno Mafra Leal, Ações coletivas: história, teoria e prática, p. 152.66 Idem, p. 153-154
57Como se vê, esse tipo de ação poderá ser coletiva tanto no pólo ativo
quanto no pólo passivo da relação jurídica processual.
............
A primeira hipótese da alínea a traz um requisito negativo pela
exigibilidade de que, por ser tão numerosa a classe, se torne impraticável o
litisconsórcio. A segunda hipótese diz respeito aos elementos da ação,
especificamente à causa de pedir e, ao contrário da primeira hipótese, é um
requisito positivo, estando entrelaçado com o mérito, já que exige a
existência de questões de fato ou de direito comuns à classe. A terceira
hipótese também é um requisito positivo que se relaciona com o mérito, pois
exige identidade entre pedidos ou defesa dos litigantes em relação aos
pedidos ou defesas da classe. A última hipótese é puro requisito de
admissibilidade processual, também positivo, e exige que a representação
seja adequada. Todos esses requisitos, como esclarece José Rogério Cruz e
Tucci, são pressupostos de admissibilidade da class action”.67
Presentes esses pressupostos de admissibilidade contidos na alínea a da
Regra 23, a ação deverá enquadrar-se em uma das três subcategorias contidas na
alínea b da mencionada regra.68
Por seu turno, a alínea b estabelece, como esclarece José Rogério Cruz e
Tucci, que uma ação pode desenvolver-se como class action desde que satisfeitos
os pressupostos da alínea a, e ainda se:
“1) o ajuizamento de ações separadas ou em face de membro do grupo
faça surgir risco de que: a) as respectivas sentenças nelas proferidas imponham
ao litígio, contrário à classe, comportamento antagónico; b) tais sentenças
prejudiquem ou tornem extremamente difícil a tutela dos direitos de parte dos
membros da classe estranhos ao julgamento;
67 José Roberto Cruz e Tucci, “Class Actions” e mandado de segurança coletivo, p.19, citado por Gregório Assagra de Almeida, in Direito Processual Coletivo Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 2003, p. 12368 É o que escreve Márcio Flávio Mafra Leal, aduzindo ainda que a maioria dos casos recai sobre as duas últimas espécies (b - 2) e (b - 3) (Ações coletivas: história, teoria e prática, p. 156).
582) o litigante contrário à classe atuou ou recusou-se a atuar de modo
uniforme perante todos os membros da classe, impondo-se um final injunctive
reliefou um declaratory reliefem relação à classe globalmente considerada;
ou
3) o tribunal entende que as questões de direito e de fato comuns aos
componentes da classe sobrepujam as questões de caráter estritamente
individual e que a class action constitui o instrumento de tutela que, no caso
concreto, mostra-se mais adequado para o correto e eficaz deslinde da
controvérsia.
Em relação à primeira hipótese da alínea ‘b’ da Regra 23, explica a
doutrina que o seu fundamento não está na congruência de interesses dos
membros da classe, mas justamente na necessidade de coerência do sistema
jurídico, evitando-se, com isso, decisões contraditórias, sendo esse tipo de
ação coletiva de representação por necessidade da ordem jurídica.
Observa-se que essa espécie de ação demonstra o poder do juiz no sistema
jurídico norte-americano, pois, na verdade, em evidente exceção ao princípio da
demanda e ao princípio dispositivo, que são princípios básicos na jurisdição do
sistema romano-germânico, o juiz americano pode transformar uma ação
individual em ação formal e substancialmente coletiva, nela proferindo uma
decisão que irá atingir várias pessoas, que não estarão presentes na relação
jurídica processual”.69
Nesse sentido GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA, sustentando que “essa
espécie de ação demonstra o poder do juiz no sistema jurídico norte-americano, pois, na
verdade, em evidente exce-ção ao princípio da demanda e ao princípio dispositivo, que
são princípios básicos na jurisdição do sistema romano-germânico, o juiz americano
pode transformar uma ação individual em ação formal e substancialmente coletiva,
69 José Rogério Cruz e Tucci, José Roberto Cruz e Tucci, “Class Actions” e mandado de segurança coletivo, p.14-19, citado por Gregório Assagra de Almeida, in Direito Processual Coletivo Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 2003, p. 124.
59nela {proferindo uma decisão que irá atingir várias pessoas, que não estarão presentes
na relação jurídica processual”.70
Prossegue MÁRCIO FLÁVIO MAFRA LEAL, em relação à segunda hipótese
contida na alínea b, n. 2, da Regra 23:
"A maioria dos casos de ação coletiva tem sido proposta com base
nesta alínea. São os casos em que o pedido e o provimento jurisdicional
são declaratórios, mandamentais ou condenatórios em um fazer ou não-
fazer, sintetizados nas expressões em inglês 'declaratory', para o primeiro,
e 'injunctive relief, para os últimos. Essas espécies de provimento decorrem:
I) em razão de um direito difuso (transindividualidade material); II) de um
direito individual que, tratado coletivamente (transindividualidade processual),
torna-se indivisível, pois, necessariamente, a decisão judicial e a coisa julgada
aproveitarão (ou prejudicarão) a todos os membros da classe".71
Em decorrência de a decisão ter que ser uniforme para todo o grupo e por se
tratar de transindividualidade necessária, é dispensada a notificação dos membros
da classe, para que eles optem em pedir a exclusão do processo. Essa espécie
de ação é usualmente utilizada para a tutela de direitos difusos como os
relacionados com políticas públicas.
“A terceira espécie de ação, prevista na alínea b, n. 3, da Regra 23,
visa a tutela coletiva de pedidos condenatórios por danos materiais
individualmente sofridos261, como ocorre com as devidas diferenças em
relação à nossa class action, que visa tutelar direitos individuais
homogéneos e está prevista nos arts. 91 e seguintes da Lei n. 8.078/90,
que instituiu no Brasil o Código de Defesa do Consumidor.
70 Gregório Assagra de Almeida, in Direito Processual Coletivo Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 2003, p. 12471
60Nesse tipo de ação indenizatória nos Estados Unidos, é necessária a
notificação de todos os membros da classe para que eles exerçam o direito à
regra do opt-out.
Realça-se também que, julgado procedente o pedido, a liquidação e
execução dos danos poderá dar-se de três formas: a) em um único
procedimento, onde o tribunal estipula o an debeatur e o quantum debeatur
referentes à responsabilidade civil; b) por intermédio da divisão dos processos,
em que o tribunal, no primeiro, considera tão-só o valor, em termos coletivos, da
responsabilidade civil, e no segundo, que se desdobra em vários outros, fixará
por liquidação os cálculos dos prejuízos individuais; e c) quando o valor da
condenação supera a própria indenização, quando não tem condições de
identificar os membros da classe, ou também quando não há interesse na
habilitação, para a indenização, por parte dos membros da classe. Nessas
hipóteses geralmente o valor da condenação reverte para o fluid class
recovery, destinando-se, assim, o dinheiro para uma finalidade que venha a
atender aos interesses da classe. Há ainda a possibilidade de: destinação da
verba para o governo; redução do preço do produto ou serviço; ou divisão pró
rata entre os membros que compareceram ao tribunal para a execução”. 72
Em decorrência dos efeitos da adequada representação, que faz com que
os titulares do direito em litígio sejam atingidos pêlos efeitos subjetivos da coisa
julgada, sem que tenham participado do contraditório, chegou essa questão, como
ressalta JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI, a ser profundamente questionada nos Estados
Unidos, onde se discutia se existia ou não violação ao princípio do devido processo
legal. Contudo, como a orientação é de que o órgão jurisdicional deve ser rigoroso
ao proceder ao exame dos pressupostos de admissibilidade da class action, ficou
mais ou menos pacificado que não há violação ao mencionado princípio.
72 Idem nota anterior, p. 125.
613.1.6 Na Inglaterra e alguns países do sistema Comon Law.
O sistema inglês, por ser a raiz do sistema common law, tem muita
importância no que se refere à tutela dos interesses de massa. Como se viu no
estudo do sistema norte-americano, a origem da class action dos Estados Unidos,
que se espalhou modernamente por todo o mundo, influenciando vários países,
remonta ao bill ofpeace inglês, que era um tipo de procedimento surgido no século
XVII, na Inglaterra, onde se admitia ação por representação, para tutelar
interesses coletivos perante a Jurisdição de Equidade (Equity), exercida pelo
Tribunal da Chancery.
Com a unificação das jurisdições da equity e da common law, levada a efeito
pela reforma da organização judiciária inglesa ocorrida entre 1873 e 1875, todos os
juizes passaram a ter competência para aplicar as regras da common law e da
equity. E dentro das regras da jurisdição de equidade, que era exercida pelo extinto
Tribunal da Chancelaria, está a Rule 10 das Rules ofProcedures, regra essa que
admitia o ajuizamento de ações por representação, quando houvesse interesse
comum.
Como explica MÁRCIO FLÁVIO MAFRA LEAL, não obstante essa
reformulação, que fez com que passasse a ser admitida ação coletiva de interesse
comum em toda a Justiça inglesa, o número desse tipo de ação mesmo assim
diminuiu de maneira acentuada. Um dos motivos que contribuíram para essa
redução, levando ao quase desapa recimento da ação coletiva na Inglaterra, foi
justamente a interpretação restritiva que estava sendo dada pela Justiça inglesa ao
sentido de interesse comum, mencionado na Regra 10. Contudo, nas últimas
décadas, certamente em face do Welfare State e, por conseguinte, do movimento
mundial para a efetividade do processo, a jurisprudência inglesa vem superando tais
interpretações restritivas, de sorte a gerar o revigoramento do uso das ações coletivas.
62Existem na Inglaterra atualmente, como esclarece MÁRCIO FLÁVIO MAFRA
LEAL, dois tipos de ações coletivas: “a representative action e a relator action. A
primeira é considerada a tradicional ação coletiva inglesa e possibilita que um ou
mais indivíduos possam representar um grupo de que fazem parte, na defesa de
interesse comum, atingindo os efeitos subjetivos da coisa julgada o(s)
representante(s) e os representados. Já a segunda, a relator action, possibilita que
um indivíduo que não tenha legitimidade para o ajuizamento de uma ação na defesa
de um interesse público (direito difuso) requeira ao procurador-geral do Ministério
Público (attorney general) autorização para o ajuizamento da ação”73. O procurador-
geral, que seria o originalmente legitimado para agir, não está obrigado a conceder a
autorização; caso ele a conceda, deverá supervisionar a ação em seu curso. Mais uma
vez esclarece MÁRCIO FLÁVIO MAFRA LEAL : "A exemplo da 'representative action',
também nas 'relator action' não se admitem pedidos de ressarcimento de danos,
confinando-se os provimentos jurisdicionais a declarações, injunções e condenação
de fazer ou não-fazer. Há ACDDs que possuem pedidos indenizatórios, por certo, mas
o produto da condenação não é revertido para vítimas individuais (até porque não são
titulares do direito material), e sim a fundos para recuperação do bem lesado ou
outra destinação equivalente, em benefício da comunidade como um todo".74
Além da tutela de direitos individuais homogéneos e coletivos em sentido
restrito, por intermédio da representative action, e dos direitos difusos, pela relator
action, ajuizada por qualquer indivíduo, desde que com autorização do procurador-
geral (attorney general), têm sido ajuizadas ações coletivas por parte de
associações, para a tutela de direitos difusos, como os referentes ao meio ambiente,
sem reconhecimento significativo, porém, dessa legitimidade por parte da
jurisprudência inglesa.
Verifica-se, com efeito, que a Inglaterra tem até um sistema moderno de
tutela de interesses de massa; contudo, ainda precisa ser aperfeiçoado, com
superação, principalmente, dos obstáculos colocados pêlos tribunais ingleses que
não vêm admitindo a tutela dos direitos difusos por parte das associações.
73 Márcio Fláno Mafra Leal, Ações coletivas: história, teoria e prática, p. 141-143.74 Idem
63
Outro país que herdou o sistema inglês é o Canadá. Apesar de já ter passado
por um avanço em sua legislação, especialmente para a tutela do meio ambiente,
como ocorreu na Província de Ontário, foi a partir de 15 de fevereiro de 1994 que o
Canadá passou a admitir o ajuizamento de ação por qualquer membro da
comunidade para a tutela do meio ambiente. Todavia, ainda é um país que não tem
um sistema ideal de tutela dos direitos de massa.
A forma de tutela coletiva clássica no Canadá, herdada da Inglaterra, é a
representative actions.
Na Província de Quebec, cujo sistema é um pouco diferente e decorre da
colonização francesa, a tutela dos direitos de massa é bem mais avançada, pois
adota, v. g., a regra do opt-out das class actions norte-americanas, de forma a exigir,
assim, a notificação dos membros da classe para optarem ou não pela exclusão do
processo. Contudo, não obstante o avanço da legislação de Quebec, o número de
ações ajuizadas é muito reduzido, com média anual de vinte.
Da mesma forma como vem ocorrendo na Inglaterra, os tribunais no Canadá
não têm concedido legitimidade às associações para a defesa de direitos difusos,
inclusive do meio ambiente.
A Austrália e a Nova Zelândia, por se terem filiado também ao sistema da
common law inglês, igualmente herdaram a regra da representative actions
prevista na Regra 10, já mencionada. Entretanto, não há nesses países, como
deixa claro MÁRCIO FLÁVIO MAFRA LEAL, exemplos de ação de tutela de direito
difuso. O citado jurista ainda esclarece que o número de ações ajuizadas na Austrália
e Nova Zelândia ainda é muito pequeno. Seguindo o avanço da jurisprudência
inglesa, esses países têm inclinado para a admissão também de ações coletivas
para a tutela de direitos individuais homogéneos, com pedido indenizatório.
64 Capítulo 4
4. O DIREITO PROCESSUAL COLETIVO BRASILEIRO
O cerne da teoria desenvolvida por GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA,
que brilhantemente desenvolve uma verdadeira teoria geral do processo
coletivo em sua obra75, tantas vezes citadas nesse trabalho, mereceu de
NELSON NERY JUNIOR, considerações importantes, uma vez que “o Direito
Processual Coletivo tem princípios próprios e distintos daqueles que
fundamentam o processo civil, de modo que o autor o considera um ramo
autônomo do direito processual”.76
4.1 Considerações preliminares
Como já frisado, os próximos capítulos visam demonstrar sob ótica
preferencial do professor GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA, a pertinência em
reconhecer-se o direito processual coletivo como ramo autônomo do direito
processual civil. Sua aplicação na solução de conflitos chamados coletivos e
tutela coletiva desses direitos. Segundo o eminente professor, no qual nos
inspiramos para elaboração dessa monografia, o direito processual coletivo na
forma concebida por ele, divide-se quanto ao objeto em direito processual
coletivo especial e direito processual coletivo comum.
“Quanto ao objeto formal, observa-se que existe um conjunto de
instrumentos, princípios e regras processuais próprios para o direito
processual coletivo especial, que se diferencia peculiarmente por se
destinar á tutela jurisdicional exclusivamente do direito objetivo. Esse
conjunto seria formado, v.g., pela ação direta de inconstitucionalidade,
75 Direito Processual Coletivo Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 200376 Nelson Nery Junior, prefaciando Gregório Assagra de Almeida, in Direito Processual Coletivo Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 2003.76
65pela ação direta declaratória de constitucionalidade e outros
instrumentos processuais inseridos no controle concentrado da
constitucionalidade.
Da mesma forma, existe um conjunto de instrumentos, princípios
e regras processuais próprias para o direito processual coletivo comum,
que se destina á tutela jurisdicional do direito subjetivo coletivo em
sentido amplo. Esse conjunto de disposições processuais é formado por
uma gama enorme de ações e princípios constitucionais como, v.g., a
ação popular (art. 5º, LXXIII), Ação Civil Pública (art. 129,III), e no plano
infraconstitucional pelo microssistema de tutela jurisdicional coletiva
decorrente da completa interação existente entre a Lei da Ação Civil
Pública (art. 21 da Lei 7.347/85) e o Código de Defesa do Consumidor
(art. 90 da lei 8.078/90).”77
4.2 Construindo uma teoria geral do Direito Processual Coletivo Brasileiro
Importante para o reconhecimento do direito processual coletivo como
ramo autônomo do direito processual civil, é a sistematização principiológica,
capaz de desenvolver um instrumental teórico robusto, voltado para os
postulados em que assentado o Estado Democrático de Direito, os reclames
sociais dele decorrentes e estabelecer definitivamente as bases da função
social do Poder Judiciário no direito processual coletivo, atuando prima facie,
como guardião dos direitos e garantias fundamentais e órgão transformador da
realidade social. Portanto, tem função de proteção (controle da
constitucionalidade) e de efetivação (resolução dos conflitos coletivos ocorridos
no mundo da concretude).78
O idealizador dessa tese alvissareira - pelo menos, o que deu início à
sua sistematização – explica que apesar do muito a ser construído na
sistematização, há que se elaborar uma teoria geral do direito processual
77 Gregório Assagra de Almeida, in Direito Processual Coletivo Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 2003, p. 140.78 Nesse sentido Gregório Assagra de Almeida, op. cit. pág. 609.
66coletivo: “para tanto, é fundamental que se desenvolva a idéia de uma teoria
geral do direito processual coletivo, concebendo-a essencialmente sob o
prisma constitucional, em que o direito processual coletivo é instrumento
fundamental e indispensável ao Estado Democrático de Direito”.79
O direito processual coletivo exige que sejam revisitados alguns
institutos da ação, do processo, da exceção e principalmente da jurisdição. E
esta como forma de atuação do poder, seria o eixo principal para o qual
deveriam voltar-se os estudos renovadores no campo do direito processual
coletivo.
Em suma, na definição de GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA, a teoria
geral do processo coletivo, seria a sistematização teórica dos conceitos e
princípios que envolvem os institutos fundamentais do direito processual no
campo do direito processual coletivo, adequando-os no sentido substancial de
Estado Democrático de Direito e, por conseguinte, ao papel moderno da
Justiça na efetivação dos direitos e garantias fundamentais”.80
Como se vê, é uma proposta audaciosa, instigante e não menos viável
de transformação positiva da realidade brasileira a partir de uma atuação
concreta do Poder Judiciário e redefinição das suas funções constitucionais.
Transformando o direito processual, num verdadeiro canal fundamental para o
processo de distribuição da justiça na sociedade brasileira.
4.2 O Solidarismo como base filosófica
A base filosófica da teoria do direito processual coletivo reside na
necessidade de abandonarmos a lógica fortemente individualista que sempre
norteou as funções institucionais, em favor de uma nova racionalidade.
Pugnando através da via coletiva atingir-se-á, em muitas situações, resultados
79 Idem, pág. 609.80 Idem ,op. cit. pág. 610.
67individuais com eficácia superior. Não obstante considerarmos que a defesa
dos direitos na forma individual pode gerar benefícios coletivos.
A necessidade de mudarmos essa ótica individual para uma ótica mais
solidária não é nova. Em 1992, Breno Cruz Mascarenhas Filho, apresentou
dissertação de mestrado ao departamento de ciências Jurídicas da PUC/RJ,
com o título de A Dinâmica do Individualismo na Defensoria Pública do Rio de
Janeiro, em que tece profundas considerações sobre a atuação da Defensoria
Pública desde os seus primórdios e as influências individualistas com raízes
no liberalismo.
Transposto para a ceara da Constituição Federal a filosofia solidarista
atinge níveis de expressiva importância na orientação dos princípios
assentados na Carta de 1988, e sua influência na construção de institutos
voltados para a defesa e proteção dos direitos coletivos, viabilizando sua
aplicação no campo da concretude, tornando essa filosofia fundamental nos
assentamentos constitucionais com vista a se atingir uma ordem jurídica mais
justa e sobretudo mais eficaz.
JOSÉ AUGUSTO GARCIA , em interessante artigo assim se manifesta
sobre o tema:
“Abordando o texto constitucional brasileiro, percebe-se sem
muita dificuldade que a filosofia solidarista se acha firmemente
plantada em nossa ordem jurídica. Disso dão conta inúmeros
dispositivos constitucionais. Exemplificativamente, podemos citar: a
atenção recebida pela tutela coletiva (previu-se de forma inédita o
mandado de segurança coletivo, ampliou-se o objeto da ação
popular, positivou-se a figura da ação civil pública); a exaltação dos
valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. Is, IV); o
entranhamento da noção de função social no próprio conteúdo do
direito de propriedade (art. 5a, XXIII), inserção esta ainda mais
realçada pela recente edição do Estatuto da Cidade; a extensão do
regime de responsabilização objetiva às pessoas privadas
68prestadoras de serviços públicos (art. 37, § 62); e a já vista
positivação do "direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
(...) impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações" (art.
225). Não há dúvida de que o conjunto revela um autêntico princípio
constitucional, um princípio fundamental da nação. É o princípio da
solidariedade, sediado no art. 3º, I, da nossa Constituição, que informa
constituir objetivo fundamental da República ‘a construção de uma
sociedade livre, justa e solidária’”81.
Portanto, o solidarismo objetivo como princípio de nossa ordem jurídico-
constitucional , é indissociável do princípio da dignidade humana e por
conseguinte a todos os princípios fundamentais, no qual destacamos o direito a
uma ordem jurídica justa.
Segundo CASTRO FARIAS o que motivou o solidarismo jurídico foi a
irrupção da questão social no continente europeu, sentido mais intensamente
na segunda metade do século XIX:
“A irrupção do espaço social, além de abrir a experiência
jurídica aos fatos e ao pluralismo -era fundamental que o Direito
se reaproximasse da vida - vai gerar a reestruturação da esfera
pública, tornando inepta a tradicional divisão entre o público e o
privado. Surge então ‘uma nova maneira de pensar a relação
indivíduo-sociedade, indivíduo-Estado, enfim, a sociedade como
um todo’, corporificando racionalidade jurídica que rompe com o
individualismo exacerbado dos tempos modernos (e também com
as premissas do direito clássico). Trata-se do Estado de
81 José Augusto Garcia, Solidarismo Jurídico, Acesso à Justiça e Funções Atípicas da Defensoria Pública, na obra Acesso á Justiça 2ª Série, coordenador Fábio Costa Soares, Lúmen Iuris, Rio de Janeiro, 2004, pág. 213.
69solidariedade, a positividade político-jurídica cujo nascimento
corresponde à redefinição completa do espaço público”.82
Prossegue o eminente professor aduzindo que a solidariedade
social não é unicamente devida à existência de um Estado
intervencionista. No discurso solidarista, a solidariedade social não se
realiza exclusivamente pela via do Estado; este não é a única forma de
vida coletiva. O discurso solidarista supõe a pluralidade de
solidariedades realizadas em todo o espaço da sociedade civil, onde os
grupos sociais são sujeitos de direitos no sentido de que são produtores
de direitos autónomos em relação ao Estado”.83
Passamos agora a pontuar as questões jurídicas e sua eficácia a partir
da influência da solidarismo nas questões envolvendo os direitos coletivos lato
sensu, seus desdobramentos no campo da concretude e a contribuição como
base filosófica para a teoria do direito processual coletivo e a tutela dos direitos
metaindividuais. Nesse sentido JOSÉ AUGUSTO GARCIA, resume essa influência
da seguinte forma:
“Chegando enfim à questão da eficácia propriamente jurídica
do solidarismo, assinale-se que boa parte das suas repercussões
opera no campo processual. Pode-se dizer mesmo que o solidarismo
transforma o processo civil brasileiro de uma forma global, incutindo
neste uma nova racionalidade, uma nova essência, que vai
impregnar inclusive a tutela individual. Sem embargo disso, é na área
específica da jurisdição coletiva que se dá o impacto maior. E dentro
do processo coletivo, sintomaticamente, é a defesa dos interesses
ou direitos difusos que apresenta os efeitos mais revolucionários.
Nada a estranhar. Afinal, os interesses difusos possuem, como é
82 José Fernando de Castro Farias, A Origem do Direito de Solidariedade, Editora renovar, Rio de Janeiro, 1998, p. 91. 83 83 José Fernando de Castro Farias, A Origem do Direito de Solidariedade, Editora renovar, Rio de Janeiro, 1998, p. 186.
70sabido, forte acento solidarista, pertencendo tipicamente à terceira
dimensão de direitos fundamentais. Ao contrário dos direitos
subjetivos tradicionais, os interesses difusos são materialmente
indivisíveis - ninguém pode ser ‘dono’ exclusivo de um direito difuso
- e não ostentam caráter patrimonial, reportando-se sobretudo,
conforme a pena de Márcio Flávio Mafra Leal (autor de obra
excepcional sobre o assunto), a dois aspectos fundamentais:
"Qualidade de vida e uma concepção de igualdade vista como direito
à integração, baseada em aspectos participativos nas várias esferas
da vida social”.84
E continua o festejado mestre e Defensor Público do Estado do Rio de
Janeiro, tecendo considerações a respeito da questão da legitimação ativa nas
ações coletivas, com fulcro na onda solidarista e o seu diálogo com o direito
processual civil, propondo uma mudança na ótica em que analisado esse
instituto para evitar-se os inconvenientes de tentar explicar o fenômeno através
das regras e da ortodoxia dos sistemas do processo civil:
Outra série importante de repercussões do solidarismo na
dogmática processual vai suceder no trecho particular da
legitimidade ativa. As razões da necessidade de repensar o tema
da legitimidade ativa são evidentes. Já vimos e revimos que o
solidarismo, no seu transporte para o mundo jurídico, significou -
e continua significando - a passagem de uma fase
excessivamente subjetivista para outra muito mais objetiva, com
o esvaziamento sensível da soberania do direito subjetivo, que
por muito tempo reinou incontrastado na ciência jurídica.
Mitigados o poder e o magnetismo da figura do direito subjetivo,
murcharam também as suas repercussões processuais, em
especial o apego extremado à legitimação ordinária (apego bem
sinalizado pelo art. 6e do CPC de 1973). Aliás, a própria dicotomia 84 José Augusto Garcia, Solidarismo Jurídico, Acesso à Justiça e Funções Atípicas da Defensoria Pública, na obra Acesso á Justiça 2ª Série, coordenador Fábio Costa Soares, Lúmen Iuris, Rio de Janeiro, 2004, pág. 220.
71legitimação ordinária/legitimação extraordinária perdeu o antigo
vigor, notadamente no plano coletivo. Os termos dessa
dicotomia, outrora indispensável, viram-se flexibilizados e até
renegados. Invadiram a dogmática expressões como ‘autor
ideológico’, ‘legitimação adequada’ e ‘portadores de interesses’.
Pertinentes, a propósito, são lições muito citadas de Nelson Nery
Júnior. Ele demonstra, com o descortino de sempre, como a nova
realidade processual tornou anacrônicas, ao menos no âmbito da
tutela coletiva, as noções ortodoxas sobre o tema da legitimidade.
Confira-se: "[...] Parcela da doutrina ainda insiste em explicar o
fenómeno da tutela jurisdicional dos interesses e direitos difusos
pêlos esquemas ortodoxos do processo civil. Tenta-se justificar a
legitimação do Ministério Público, por exemplo, como
extraordinária, identificando-a com o fenômeno da substituição
processual. Na verdade o problema não deve ser entendido
segundo as regras de legitimação para a causa com as
inconvenientes articulações com a titularidade do direito material
invocado em juízo, mas sim à luz do que na Alemanha se
denomina de legitimação autônoma para a condução do processo
[...], instituto destinado a fazer valer em juízo os direito difusos,
sem que se tenha de recorrer aos mecanismos de direito
material para explicar a referida legitimação”.85(grifamos)
Concluindo, estimula-se a participação solidária pela via do processo,
assomando na jurisdição os interesses transindividuais. Dessa forma, o
processo ganha natureza objetiva, mormente quando estão em jogo direitos
difusos, coletivos e individuais homogêneos, Em um quadro assim, é natural
que a identidade subjetiva do autor da demanda perca a importância de
outrora. Essencial realmente passa a ser o objeto do processo, a relevância
social da matéria levada a juízo, independentemente da figura do “portador”
dos interesses.
85 Idem, op. cit. p. 222-223
724.3 A manifestação constitucional do Direito Processual Coletivo
Brasileiro
Devidamente assentado na doutrina que a Lei Magna de um país possui
dois tipos de normas: a) as normas materiais, que fixam regras gerais para
regulamentação , pelo sistema jurídico, das condutas em suas relações
intersubjetivas; e b) as normas processuais, que estabelecem condições para
que os parâmetros estabelecidos pelas normas materiais tenham congruência
no plano da abstração e sejam efetivados no plano da concretude.
Na construção desse trabalho, interessa-nos mais de perto as normas
processuais integrantes da Constituição Federal, naquilo que parte da doutrina
denomina como sendo direito constitucional processual e direito processual
constitucional.86
Na primeira dessas divisões temos como sendo direito constitucional
processual o conjunto de garantias e princípios processuais, essencialmente
constitucionais. É aqui que se encontra fundamentada a unidade do direito
processual, bem como, por conseqüências, a teoria geral do processo. Como
exemplos de normas do direito constitucional processual temos o art. 5º, XXXV
e art. 8º, III, dentre outras.
No segundo plano processual temos o direito processual constitucional,
como sendo o conjunto de normas e princípios que disciplina a organização
jurisdicional e fixa regras sobre competência, além de estabelecer vários tipos
específicos de tutelas jurisdicionais, muitos deles como garantias
fundamentais, e disciplinar o controle em abstrato da constitucionalidade das
leis. Como exemplos de normas de direito processual constitucional, dentre
outros , o mandado de segurança (art. 5º, LXIX e LXX), o habeas data e a
ação direta de inconstitucionalidade.
86 Nesse sentido Nelson Nery Junior, Princípios do Processo Civil na Constituição Federal,RT, 8 ª edição, São Paulo, 2004, p. 26.
73E é exatamente dentro desse segundo plano do direito processual –
direito processual constitucional – que está assentada a matriz constitucional
do direito processual coletivo, ou seja, as normas constitucionais pertencentes
ao direito processual coletivo.
Em harmonia com a divisão proposta a partir dos estudos encadeados
por GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA - direito processual coletivo especial e
direito processual coletivo comum - temos como figuras típicas do direito
processual coletivo especial as ações diretas declaratórias de
inconstitucionalidade por ação ou omissão d(art. 102, I, a e 103, parág. 4º);
argüição de descumprimento de preceito fundamental (art. 102, parág. 1º), que
foi regulada pela primeira vez somente com o advento da Lei nº9.882, de 3 de
dezembro de 1999”.
Na mesma linha de idéias, como institutos de tutela jurisdicional coletiva,
pertencentes ao direito processual coletivo comum, podemos citar o mandado
de segurança (art. 5º, LXIX e LXX), o habeas data e a ação direta de
inconstitucionalidade, o mandado de injunção (art. Art. 5º, LXXI), a ação
popular (art. 5º, LXXIII), a ação civil pública (art. 129, III e seu parág. 3º), o
dissídio coletivo (art. 114, parág. 2º), ação de impugnação de mandado eletivo
(art. 14 , parágs. 10 e 11) e a ação direta interventiva ( art. 36, III). Todas
essas são figuras,
“Dentro das outras disposições processuais constitucionais
pertencentes ao direito processual coletivo, podem ser citados; o art.
103 que está inserdo no direito processual coletivo especial e versa
sobre legitimidade ativa no processo de controle concentrado da
constitucionalidade das leis; o art. 5º, XXI, que dispões sobre
representação jurisdicional dos filiados pelas entidades associativas; art.
129, parág. 1º, que traz regra sobre legitimação concorrente para o
ajuizamento das ações coletivas; e o art. 8º, III, que confere aos
sindicatos legitimidade para defesa jurisdicional dos direitos ou
74interesses coletivos da categoria. Esses três últimos dispositivos
pertencem ao direito processual coletivo comum”. 87
87Gregório Assagra de Almeida, op. cit. pág. 143
75
Capítulo 5
5. O DIREITO PROCESSUAL COLETIVO ESPECIAL
O fenômeno do controle da constitucionalidade é próprio dos sistemas de
Constituições rígidas, tendo em vista a superioridade nesses sistemas da
Constituição sobre os demais comandos normativos. As Constituições rígidas
necessitam de processo especial de revisão e é justamente isso que lhes confere
superioridade hierárquica sobre as demais leis ordinárias. Essa superioridade hie-
rárquica precisa ser respeitada, o que impõe a criação de sistemas de controle da
constitucionalidade.
O direito processual coletivo especial brasileiro tem essa finalidade: é o
instrumento de controle concentrado de constitucionalidade e portanto de preservação
da superioridade hierárquica da Carta Magna brasileira. Esse fenómeno é também
denominado Jurisdição Constitucional. Todavia, a verdadeira finalidade do direito proces-
sual coletivo especial brasileiro é a que o traduz como sendo instrumento fundamental
potencializado de proteção do Estado Democrático de Direito contra as investidas
normativas autoritárias e incompatíveis com os direitos e garantias constitucionais
fundamentais.
O processo no controle concentrado de constitucionalidade é especial, haja
vista que não se julga lide, no sentido em que ela é concebida, como conflito de
interesses qualificado por uma pretensão resistida. Trata-se, como ocorre no Brasil,
de um processo cujo objeto é o controle em abstrato da constitucionalidade, dos
atos normativos federais, estaduais ou municipais em face da Constituição Federal,
ou das leis ou atos normativos estaduais ou municipais, em face da Constituição
Estadual, nesse caso quando se tratar de controle a ser exercido pêlos Tribunais
dos Estados. A matéria é, portanto, exclusivamente de direito e a tutela é de direito
objetivo e não subjetivo diferentemente do que ocorre no direito processual coletivo
76comum. Apesar disso, o interesse por um sistema jurídico coeso, coerente e
constitucional é de regra difuso, pois pertence a todos aqueles que estão sob a
regulamentação desse sistema jurídico.
5.1 Do sistema de Controle da Constitucionalidade no Brasil
Segundo GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA “o sistema brasileiro de
controle da constitucionalidade é o jurisdicional, que se realiza atualmente de duas
formas: pelo controle difuso, por via de exceção; e pelo concentrado, a cargo da
denominada jurisdição constitucional concentrada”.88
O sistema possibilita a qualquer juiz o poder de apreciar incidentalmente a
alegação de inconstitucionalidade, a isso se dá o nome de controle difuso da
constitucionalidade pelos tribunais.
Noo que toca ao chamado controle concentrado, este será exercido pelo STF
(art. 102,1, a, e art. 103, § 3S, ambos da CF), que atuará como Corte Constitucional, ou
pelos Tribunais de Justiça dos Estados, quando se tratar de alegação de
incompatibilidade de norma estadual ou municipal com a Constituição Estadual (art.
125, § 22, da CF).
Convém destacar que o controle difuso ou incidental da constitucionalidade nos
tribunais exige quorum especial. Estabelece o art. 97 da CF: "Somente pelo voto da
maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial
poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder
Público". O legislador constituinte brasileiro fez consagrar constitucionalmente a 88 Gregório Assagra de Almeida, op. cit. pág. 17088 . Nesse sentido, RTJ, 135:291; RT, 508:211; RF, 193:131. Uadi Lammêgo Bulos, contudo, esclarece: "Em casos excepcionais, torna-se dispensável a aplicação do art. 97. O Pretório Excelso determinou, para tanto, a observância de dois requisitos: l2) existência prévia de pronunciamento sobre a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo pelo plenário do Supremo Tribunal Federal; 22) existência, no âmbito do tribunal 'a quo', e em relação àquele mesmo ato do Poder Público, de decisão plenária que tenha apreciado o litígio constitucional, mesmo que tal pronunciamento não enseje o reconhecimento formal da inconstitucionalidade do preceito questionado (STF, RE 190.725, rei. para acórdão Min. limar Galvão. Vide RTJ, 99:273)" (Constituição Federal anotada, p. 851). A respeito, cf. também o parágrafo único do art. 481 do CPC, incluído pela Lei n. 9.756/98.
77denominada "cláusula de reserva de plenário". A violação dessa cláusula
constitucional enseja nulidade, consoante vem decidindo o STF89.
Quando o controle difuso da constitucionalidade é exercido em primeiro grau,
por juiz monocrático, não se exige regra especial de competência ou de
procedimento. O julgador simplesmente afasta, de ofício ou mediante requerimento,
a incidência, ao caso concreto, do comando normativo entendido como
inconstituciona.
Escreve o Ministro GILMAR FERREIRA MENDES em citação de GREGÓRIO
ASSAGRA DE ALMEIDA: "Ao contrário do sistema alemão de controle de normas, no
qual o monopólio de censura está concentrado no Bundesverfassungsgericht', qualquer
juiz ou tribunal pode, no direito brasileiro, recusar a aplicação de uma lei, num caso
concreto, por considerá-la inconstitucional"90.
Por outro lado, a decisão que concluir pela inconstitucionalidade em sede de
controle difuso atingirá exclusivamente as partes entre as quais for proferida.
Todavia, se a decisão partir do STF, em sede ' de controle concreto, esse Tribunal
deverá remeter cópia do acórdão ao Senado Federal, que emitirá resolução
suspendendo a eficácia da lei no território nacional, pois está o Senado Federal
autorizado cons-titucionalmente a suspender a execução, no todo ou em parte, da lei
declarada inconstitucional por decisão definitiva do STF (art. 52, X, da CF). Entretanto,
quando a decisão do STF for proferida em julgamento de ação declaratória de
inconstitucionalidade, a decisão faz coisa julgada erga omnes e por si só tem o condão
de retirar a eficácia do comando normativo declarado inconstitucional de todo o
território nacional. Neste caso, portanto, não se remete a decisão do STF ao
Senado Federal para os efeitos previstos no art. 52, X, da CF.
Aduz , ainda, sobre a questão o Ministro GILMAR FERREIRA MENDES:
90 Gregório Assagra de Almeida, op. cit. pág. 1701.
78"No sistema de controle de constitucionalidade brasileiro qualquer juiz ou
Tribunal pode declarar a inconstitucionalidade de uma lei que tenha de ser aplicada
a um caso concreto. Essa lei não deixa, todavia, de integrar o ordenamento
jurídico, configurando a declaração de inconstitucionalidade, na prática, simples
recusa da aplicação. A decisão tem, por isso, significado apenas no processo em
que foi proferida. Em 1934, houve por bem o constituinte introduzir o instituto da
'suspensão da execução da lei pelo Senado', no caso de declaração de
inconstitucionalidade incidental pelo Supremo Tribunal Federal, conferindo-se
eficácia 'erga omnes' à decisão do Tribunal. Exceção feita à Constituição de 1937,
todas as Cartas Magnas posteriores mantiveram o instituto da suspensão de
execução da lei pelo Senado Federal (CF, 1988, art. 52, X)" 91
5.2 Do Direito Processual Coletivo Especial como novo ramo do Direito
Processual Brasileiro
Por qualquer que seja o óculo que se observe a questão da da
consagração do direito processual coletivo especial, como um novo ramos do
direito processual civil brasileiro, este fato só desencadeou-se ou pode ser
considerado a partir do advento da Constituição Cidadã de 1988.
A Constituição de 1988, sem sombra de dúvidas fez bastante, mas
poderia o legislador ter ido mais longe , instituindo uma verdadeira corte
constitucional no Brasil nos moldes dos sistemas europeus, podendo exercer
com mais legitimidade e autonomia o controle concentrado da
constitucionalidade. Essa circunstância, contudo, não nega, por si só, a tese do
direito processual coletivo especial como um novo ramo do direito processual
brasileiro, tendo em vista a amplitude como esse controle pode ser exercido (arts.
5°, XXXV, e 102, caput, da CF), especialmente pelo fato de ter sido consagrado no
Brasil, na Constituição Federal de 1988, o Estado Democrático de Direito (art. 1º).
91 Nota nº 334 de Gregório Assagrada de Almeida, op. cit., pág. 171.,
795.4 Algumas figuras constitucionais típicas do Direito Processual Coletivo
Especial
A seguir estaremos elencando algumas figuras constitucionais - ações –
que possuem o escopo de viabilizarem o controle concentrado da
constitucionalidade, pertencentes, segundo GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA,
ao direito processual coletivo especial. Os comentários serão levados de forma
sucinta, baseado no estudo do citado mestre, com a finalidade precípua de
tornar visível ao leitor desse trabalho despretensioso, a pertinência da tese
esposada, sua viabilidade e sentido prático, como contribuição ao objetivo
principal de contribuir para o debate visando a consecução de uma ordem
jurídica mais justa.
5.4.1 Ação direita de inconstitucionalidade por ação e omissão
Prevista no artigo 102, I, a, da Constituição Federal, esse instrumento de
controle concentrado da constitucionalidade - ação direta de
inconstitucionalidade por ação - prevê expressamente: “Compete ao
Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-
lhe: I – processar e julgar , originariamente: a) ação direta de
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação
declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal”.
Sua regulamentação está inserta na Lei 9.868/1999, que estabeleceu
linhas gerais sobre o seu procedimento, além de dispor também sobre a ação
declaratória de constitucionalidade.
A relação de legitimados a propor ação direta de inconstitucionalidade,
está assentada no art. 103 da Constituição federal, são eles: a Mesa do
Senado Federal; a Mesa da Câmara dos Deputados; a Mesa de Assembléia
legislativa; o Governador de estado; o Procurador-Geral da república; o
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; partido político com
80representação no Congresso nacional; confederação sindical ou entidade de
classe de âmbito nacional”.
Esclarece GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA que “desses legitimados
ativos, o STF tem firmado entendimento no sentido de que a Mesa da
Assembléia Legislativa, os Governadores de Estado e a confederação sindical
ou entidade de classe de âmbito nacional terão que demonstrar o interesse
processual, já que são considerados autores interessados especiais. Os outros
legitimados são considerados neutros ou universais, e por isso, em relação aos
mesmos, não é necessária a demonstração do interesse processual, que já se
presume”.92
Na dicção do artigo 103 da Constituição Federal encontramos a previsão
de quem deverá integrar o pólo passivo: “Quando o Supremo Tribunal Federal
apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo,
citará, previamente, o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto
impugnado”. Dispõe também o art. 6a da Lei n. 9.868, de novembro de 1999, que o
"relator pedirá informações aos órgãos ou às autoridades das quais emanou a lei ou o
ato normativo impugnado". Portanto, estas entidades e órgãos figurarão também no
pólo passivo da ação, juntamente com o advogado-geral da União, que tem o dever
constitucional de defesa do ato impugnado.
Já se observou que o que sustenta o sistema de controle de
constitucionalidade é justamente o princípio da supremacia do texto constitucional.
Com efeito, quando se trata de hipótese de cabimento de ação direta de
inconstitucionalidade por ação, é necessária a existência de norma produzida pelo
Legislativo, pelo Executivo ou pelo Judiciário (esses últimos no exercício de função
atípica), e que essa norma esteja contrariando normas ou princípios do Texto Maior.
Havendo essa incompatibilidade vertical entre normas infraconstitucionais (lei ou ato
normativo federal ou estadual) e a Constituição, será admissível a ação direta de
92 Op. cit., pág. 186.
81inconstitucionalidade por ação93. A inconstitucionalidade, assim, decorre de uma
relação de contrariedade entre determinado comando normativo ou entre
determinado comportamento omissivo e a Constituição. Nesse último caso, a
ação cabível é a ação direta de, inconstitucionalidade por omissão.
Um aspecto bastante interessante quanto aos efeitos da decisão
proferida em sede de ADin pelo STF, diz respeito à retroatividade desses
efeitos. Uma vez mais nos socorremos dos ensinamentos de GREGÓRIO
ASSAGRA DE ALMEIDA, para declarar o seguinte:
“A declaração de inconstitucionalidade proferida pelo STF, em sede de
controle concentrado, produz efeitos retroativos ou ex tunc. Retroage à data do
início da vigência da norma impugnada declarada inconstitucional.
Conforme palavras de Alexandre de Moraes, a decisão desfaz, desde sua
origem, o ato declarado inconstitucional e ainda atinge as consequências
dele derivantes. Entretanto, inovando em relação a essa matéria, o art. 27 da
Lei n. 9.868/99 passou a autorizar que o STF, por maioria de dois terços de
seus membros, possa, caso existam razões de segurança jurídica ou de
excepcional interesse social, manipular os efeitos de sua decisão: restringido
os seus efeitos, determinando que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito
em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado. Com efeito, somente
diante da presença desses dois requisitos, ou seja, o formal (decisão da
maioria de dois terços dos seus membros) e o material (presença de razões
de segurança jurídica ou de excepcional interesse social), é que o STF
poderá manipular os efeitos retroativos de sua decisão em sede de ação
direta de inconstitucionalidade”.94
Prossegue o defensor da teoria do direito processual coletivo:
“ Não se pode esquecer, por derradeiro, que no controle da
constitucionalidade, especialmente no que tange ao concentrado por intermédio
93 Nesse sentido José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 19 ed., São Paulo, 1992, Malheiros, pág. 48.94 Op. cit., pág. 198.
82da ADIn, é fundamental a observância do princípio da presunção de
constitucionalidade das leis e dos atos normativos do Poder Público. A atividade
interpretativa do órgão competente deve se pautar no sentido de se preservar a
compatibilidade constitucional da norma impugnada, só a declarando
inconstitucional quando verificar ser evidente a sua incompatibilidade com a
Constituição.
Ademais, a atividade do Pretório Excelso, em sede de controle abstrato
da constitucionalidade, é uma atividade legiferante exclusivamente negativa.
Portanto, de proteção do sistema constitucional contra as leis e atos
normativos com ele incompatíveis.
Não se pode esquecer também que toda interpretação no controle da
constitucionalidade deve-se pautar como atividade de proteção do Estado
Democrático de Direito, principalmente no que tange aos direitos e garantias
constitucionais fundamentais”.95
Nesse sentido, LUIZ ROBERTO BARROSO:
"O princípio da presunção de constitucionalidade dos atos do Poder
Público, notadamente das leis, é uma decorrência geral da superação dos
Poderes e funciona como fator de autolimitação da atividade do Judiciário,
que, em reverência à atuação dos demais Poderes, somente deve invalidar os
atos diante de casos de inconstitucionalidade flagrante e incontestável".96
Uma das conquistas da Constituição de 1988 foi a ação direta de
inconstitucionalidade por omissão, que tem previsão expressa no § 2° do art. 103,
onde se estatui: "Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tor-
nar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a
adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para
fazê-lo em trinta dias". 95 Op. cit, pág. 200.96 Luís Roberto Barroso, Interpretação e aplicação da Constituição, 3. ed., Saraiva, São Paulo, 1996, p. 180
83Os legitimados ativos para a propositura da ação direita de
inconstitucionalidade por omissão, são os mesmos da ação direita de
inconstitucionalidade por ação e recebem o mesmo tratamento deferido a essa
ação. Os legitimados passivos são as autoridades ou órgãos legislativos omissos.
A ação direta de inconstitucionalidade por omissão, não se destina a
exercer propriamente o controle de constitucionalidade em teses de lei ou ato
normativo. Não obstante estar dentro do sistema concentrado de controle
jurisdiconal. da constitucionalidade, o seu escopo é reconhecer a omissão por parte
do legislador ou do órgão administrativo, quando se deixa de produzir lei, decreto ou
outro comando normativo, que era determinado pela Constituição, de forma a negar,
com isso, aplicabilidade a preceito ou princípios constitucionais.
5.4.2 Ação direta de constitucionalidade
Introduzida no sistema constitucional brasileiro pela Emenda
Constitucional nº 3/93 e prevista na CF, nos artigos 102, e 103 , parág. 4º, a
ação direta de constitucionalidade , é mais uma forma de controle
concentrado abstrato da constitucionalidade.
O campo de aplicabilidade da ação declaratória de inconstitucionalidade é mais
reduzido que o da ação direta de inconstitucionalidade (art. 102, I, a, segunda
parte). Isso porque não cabe ação declaratória de constitucionalidade em relação a
lei ou ato normativo estadual. Portanto, por intermédio desta ação somente é
admissível a tutela constitucional em abstraio de lei ou de ato normativo federal. É o
que se exlrai do § 2° do art. 102 da CF, que dispõe: "As decisões definitivas de
mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações declaratórias de
constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, produzirão eficácia conlra
Iodos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao
Poder Executivo".97
97 RT, 691:218.
84Existe também limitação constitucional quanto à legitimação ativa na ação
direta declaratória de constitucionalidade, pois somente o Presidente da República,
a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados e o Procurador-
Geral da República é que podem ajuizar esta espécie de ação. Isso por força do que
eslabelece o art. 103, § 4a, da CF: "A ação declaratória de constitucionalidade
poderá ser proposta pelo Presidente da República, pela Mesa do Senado Federal,
pela Mesa da Câmara dos Deputados ou pelo Procurador-Geral da República".
Não existe nessa espécie de ação legitimados passivos. Contudo é obrigatória
a intervenção do Procurador-Geral da República 9art. 20 da lei 9.868/99), no caso
de não ser autor da ação.
5.4.3 Argüição de descumprimento de preceito fundamental
A arguição de descumprimento de preceito fundamental ingressou no sistema
jurídico brasileiro com a Constituição Federal de 1988 (art. 102, parágrafo único), e
hoje, por força de modificações levadas a efeito pela Emenda Constitucional n. 3/93,
está prevista no art. 102, § 1º, da CF, que dispõe: "A arguição de descumprimento de
preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo
Tribunal Federal, na forma da lei". Esta lei, todavia, só surgiu mais de uma década
depois, que é a de n. 9.882, de 3 de dezembro de 1999. O que certamente retardou o
aperfeiçoamento do sistema de controle de consti-tucionalidade no País.
Ação com dignidade constitucional, está inserida no direito processual
coletivo especial uma vez destinado ao controle concentrado do direito
constitucional. Nesse sentido, OSWALDO LUIZ PALU: “Há que se lembrar ser tal
ação espécie nova, inserida no controle concentrado de constitucionalidade, cujo
objeto são atos do poder público, de todas «s esferas federativas, inclusive anteriores
à Constituição"98.
98 Controle da constitucionalidade – conceitos e sistemas, RT, São Paulo 2001, p. 263.
85Outra característica da ação de arguição de descumprimento de preceito
fundamental é que esta pode ser intentada de forma autônoma (arguição autônoma)
prevista no art. 1º, caput da Lei 9.8882/99, ou na forma incidental (arguição incidental
ou paralela), incerida no parágrafo único do art. 1º da referida Lei .
Com relação ao objeto da ação de arguição de descumprimento de
preceito fundamental este é amplo, tomando-se por base o que preceitua o art 1º,
caput, da Lei nº 9.882/99, excluem-se tão só os atos dos particulares, desde que
não sejam praticados no exercício delegado das funções típicas do poder público.
Nesse sentido NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY.99
JOSÉ RAMOS TAVARES ressalva a necessidade de os atos serem
estatais: nada mais se exige. Excluíram-se, apenas, os atos praticados pelos
particulares (ainda que de caráter normativo). Assim, restam incluídos, entre outros,
os atos normativos municipais, os atos normativos anteriores à Constituição (de
qualquer esfera de poder) e os atos administrativos e mesmo os atos de execução
praticados pelo Poder Público".100 DANIEL SARMENTO, em brilhante estudo sobre a
matéria, sustenta que, em razão da abrangência da redação do art. 1º, caput, da Lei
n. 9.882/99, que faz alusão a qualquer ato do Poder Público que venha a ameaçar ou
causar lesão a preceito fundamental da Constituição, a referida lei da arguição
passou a permitir o controle objetivo da constitucionalidade das normas
secundárias.101
A Constituição não estabelece, de forma expressa, o que seja preceito
fundamental, nem tampouco a Lei n. 9.882/99. Resta o trabalho à doutrina e à
jurisprudência. Nem todos os preceitos constitucionais são considerados
fundamentais. Para NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, os
preceitos fundamentais devem ser entendidos como os valores fundamentais
dominantes na comunidade. Ensinam que, dentre outros, podem ser apontados
os preceitos constitucionais relativos:
99 Código de Processo Civil Comentado e legislação extravagante, 5ª ed., p. 1819.100 Aaspectos essenciais do instituto na Constituição e na lei, in Arguição de descumprimento de preceito fundamental – análise à luz da Lei n. 9.8S2/ W, orgs. André Ramos Tavares e Walter Claudius Rothenburg, Ed. Atlas, São Paulo, 2001, p. 62).101 Idem, op. cit. p. 96
86
"(...) a) estado democrático de direito (CF \- caput); b) à soberania
nacional (CF l21); c) à cidadania (CF ls II); d) à dignidade da pessoa humana
(CF l2 III); e) aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (CF l2 IV); f)
ao pluralismo político (CF 1a V); g) aos direitos e garantisd constitucionais (CF
5º); h) aos direitos sociais (CF 6º a 9º); i) é forma fedrativa do estado brasileiro;
j) à separação e independência entre poders; 1) ao voto universal, secreto,
direto e periódico(...)”.102
Parte da doutrina considera também como preceito constitucional
fundamental atacável pela via da ação em comento, os princípios e as
atribuições do Ministério público, posto que a própria Constituição erige o
Parquet como instituição permanente, essencial á função jurisdicional do
Estado, e ainda como instituição defensora da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127,
caput, da CF). Por conseguinte a “ação civil pública e o inquérito civil (art. 129,
III, da CF), como instrumentos essenciais à defesa dos direitos e interesses
massificados fundamentais, também se incluem nas categorias dos preceitos
constitucionais fundamentais e devem ser recepcionados como integrantes da
categoria das garantias constitucionais fundamentais, por força inclusive do
que dispõe o art. 5, parágrafo 2, da CF”.103
Merecem transcrição as palavras do comemorado mestre como
corolário dessa explanação a respeito da ação de argüição de
descumprimento de preceito constitucional, como instituto de capital
importância na categoria de direito processual coletivo especial, na órbita dos
instrumentos de proteção do estado Democrático de Direito brasileiro:
“Por se tratar de ação de tutela de direito objetivo — o que acontece
mesmo quando se trata de arguição incidental, tendo em vista que os
102 Código de Processo Civil Comentado e legislação extravagante, 5ª ed., p. 1818103 Gregório Assagra de Almeida, op. cit. p. 222.
87efeitos gerais e vinculatórios da decisão são os mesmos em ambas as
espécies de ação e o processo nela instaurado também tem natureza objetiva
— está inserida no direito processual coletivo especial. Com efeito, deve ser
interpretada como um dos fortes instrumentos de proteção do Estado
Democrático de Direito brasileiro: só assim é que essa nova modalidade de
tutela constitucional de direito objetivo poderá se desgarrar dos interesses
de governabilidade que conduziram a sua regulamentação, para ser um
legítimo mecanismo protetor dos preceitos fundamentais da Constituição da
República Federativa do Brasil. O papel do STF, neste contexto, é
fundamental”.104
104 Gregório Assagra de Almeida, op. cit. p. 229.
885.5 Dos principais diplomas processuais e infraconstitucionais atuais do
Direito Processual Coletivo Especial
Dentre os principais diplomas processuais infraconstitucionais
integrantes do que denominou-se direito processual coletivo especial
podemos citar a Lei n 9.868/99 – que dispõe sobre o processo e julgamento da
ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade
perante o Supremo Tribunal Federal - e a Lei n. 9.882/99 – que dispõe sobre o
processo e julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental,
nos termos do art. 102, parág.1º - que são atualmente os principais diplomas
processuais infraconstitucionais que dispõem sobre o processo e procedimento
do controle concentrado da constitucionalidade perante o STF.
Apesar de não existir disposição expressa sobre a revogação da legislação
anterior, observa-se que a Lei n. 9.868/99 revogou tacitamente a legislação que a
antecedia (Lei n. 4.337/64 e Lei n. 5.778/72), tendo em vista que disciplinou
completamente a matéria. Aplicável aqui o que dispõe o art. 2º, § 1º, da LICC.105
5.6 Alguns princípios do Direito Processual Coletivo Especial
A seguir, são elencados alguns dos princípios tidos como fundamentais
na construção do direito processual coletivo especial. De forma sucinta,
procuramos enumerar alguns, considerados os mais importantes, ressaltando
a existência de outros, cuja a análise deixará de ser entabulada prestigiando a
objetividade e limitação dessa monografia.
105 É o que ensinam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery: "Sistema anterior. O processo da ação direta de inconstitucionalidade era regido pela L 4337, de le-6-1964, que regulamentou o art. 7º, VII, da CF de 1946. Previa regras para o processo tanto da ação direta de declaração de inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo federal ou estadual, constestado em face da CF (CF/46 1011 k), como da ação direta interventiva (CF/46 7º). Outra lei (L 5778/72) completava o sistema processual de controle abstrato da constitucionalidade das leis no direito brasileiro. Nada obstante a LADIn (L 9868/99) não tenha revogado expressamente as L 4337/64 e 5778/72, a revogação foi tácita, porquanto a lei nova regulamentou completamente a referida ação (LICC 2S § l2). Hoje, os processos da ADIn e da ADC são regidos pela LADIn (L 9868/99), revogadas as L 4337/64 e 5778/72" , Código de Processo Civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor, 5º ed., p. 1587.
895.6.1 Princípio da proteção do Estado Democrático de Direito
Esse princípio da proteção do Estado Democrático de Direito encontra-se
fundamentado nos arts. 1º e 102, caput, da CF. O STF, como guardião da
Constituição, está atrelado e comprometido constitucionalmente com a proteção do
Estado Democrático de Direito. Em seus julgamentos, o STF tem que buscar
fundamento para suas decisões nos direitos e garantias constitucionais fundamentais
e nos demais preceitos constitucionais fundamentais inerentes ao Estado
Democrático de Direito — só assim é que o Pretório Excelso poderá legitimar suas
decisões no controle concentrado de constitucionalidade.
5.6.2 Princípio do devido processo legal - due process of law
O legislador constituinte brasileiro de 1988, adotou, por influência norte –
americana, o princípio do devido processo legal ao estabelecer no art. 5º, LIV,
“Ninguém será privado do devido da liberdade ou de seus bens sem o devido
processo legal”.
A verdadeira dimensão da cláusula do devido processo legal foi desvendada
pelos Estados Unidos da América, por força das decisões da sua Suprema Corte,
que lhe conferiu também uma dimensão substancial.
Destarte, foi nos Estados Unidos que desenvolveu-se a concepção de
dupla dimensão à cláusula do due process ofl law: uma processual (procedural due
process) e outra substancial (substantive due process), influenciando decisivamente
nosso ordenamento.
Por força da dimensão processual da cláusula due process são
assegurados a todos, pessoas físicas ou jurídicas, entes despersonalizados
com personalidade judiciária: o acesso à justiça, o contraditório, a ampla
defesa, um juiz natural e, portanto, imparcial, o direito às provas lícitas e
legítimas, o direito à igualdade de armas processuais, o direito a uma decisão
90fundamentada e o direito aos recursos e outros meios impugnativos
inerentes ao sistema. Portanto, todos os demais princípios constitucionais e
infraconstitucionais do direito processual fundamentam-se na cláusula
genérica do devido processo legal em sua dimensão processual. Esta
cláusula tem incidência em todos os ramos do direito processual,
especialmente o direito processual coletivo especial como instrumento
fundamental de pro-teção do Estado Democrático de Direito.
Em relação à sua dimensão substancial, o devido processo legal
significa que ninguém pode ser privado de sua vida, liberdade, propriedade
sem a observância do direito material constitucional e infracosntitucional.
Também tem incidência em todos os ramos do direito material, sendo
fundamento garantidor da observância , v.g., do princípio da legalidade dos
atos administrativos no direito administrativo, do princípio da autonomia de
vontade e da liberdade da lei no direito penal, etc”.106
5.6.3 Princípio da proporcionalidade e ponderação
O princípio da proporcionalidade atingiu a importância que possui hoje,
sobretudo, graças ao papel desempenhado pelo direito constitucional alemão.
É o que destaca WILLIS SANTIAGO GUERRA FILHO:
"A transposição do princípio da proporcionalidade do campo do direito
administrativo para o plano constitucional de onde se pode vir a ser identificado
nos mais diversos setores do direito, se deve em grande parte ao
posicionamento assumido em relação a isso pelo Tribunal Constitucional, na
Alemanha Ocidental. Essa Corte Suprema, investida que está pela Lei
Fundamental em velar pelo seu cumprimento e respeito, a partir de um
determinado momento passa a referir com frequência expressões em sua
argumentação, que se associam claramente ao 'pensamento de
106 Gregório Assagra de Almeida, Direito Processual Coletivo Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 2003, p. 237 e 238.
91proporcionalidade', tais como 'excessivo' (übermassig), 'inadequado'
(unangemessen), 'necessariamente exigível' (erforderlich, unerlãsslich,
unbedingt notwendig), até estabelecer de forma incisiva que o referido princípio
e a correlata 'proibição de excesso' (Übermassverbot), 'enquanto regra
condutora abrangente de toda a atividade estatal decorrente do princípio
do Estado de direito (possui) estrutura constitucional' (...)" 107
Apesar de não expressamente referido na maioria das Constituições,
inclusive a brasileira, não se pode deixar de reconhecer que este esteja
abrigado no princípio do Estado Democrático de Direito; nos direitos
fundamentais; no princípio da dignidade da pessoa humana; ou na cláusula do
due process of law.
GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA, assim analisa a questão da
identificação do princípio da proporcionalidade dentro do sistema
Constitucional brasileiro:
“À Constituição da República Federativa do Brasil não faz remissão
expressa ao princípio da proporcionalidade, mas não há dúvida de que esse
princípio tem abrigo constitucional. A própria rigidez e a supremacia
constitucional, como características essenciais da atual Magna Carta
brasileira, encerram a idéia de proporcionalidade. Acredita-se que o
fundamento constitucional do princípio da proporcionalidade está no princípio
do Estado Democrático consagrado no art. 1a da Constituição do Brasil. O
princípio do Estado Democrático é que traz a idéia de justa solução do caso
concreto, de transformação positiva da realidade social, da ponderação entre
bens e valores. Portanto, pela magnitude do princípio da proporcionalidade, não
há dúvida de que o seu fundamento constitucional é o princípio do Estado
Democrático.
107 Willis Santiago Guerra Filho, Teoria processual da Constituição, Ed. Celso Bastos, São Paulo, 2000, p. 81-82.
92A utilização do princípio da proporcionalidade pelo STF, no controle
concentrado da constitucionalidade, é ponto essencial para que a
Constituição da República Federativa do Brasil e o próprio Estado
Democrático de Direito brasileiro sejam devidamente protegidos pelo Pretório
Excelso.”108
5.6.4 Princípio da supremacia da Constituição
A supremacia da Constituição sobre outras normas ou comandos, por
mais nobres e fundamentais que sejam, é o que podemos chamar de
fundamento natural para o controle da constitucionalidade das leis e atos
normativos.
Há , portanto, uma indiscutível superioridade jurídica da Constituição
sobre os demais atos normativos. Nesse sentido, leciona LUÍS ROBERTO
BARROSO assentando que “na prática brasileira, já demonstramos em outra parte,
no momento da entrada em vigor de uma nova Carta, todas as normas anteriores
com ela contrastantes ficam revogadas. E as normas editadas posteriormente à sua
vigência, se contravierem os seus termos, devem ser declaradas nulas. A supremacia
da Constituição manifesta-se, igualmente, em relação aos atos internacionais que
devam produzir efeitos em território nacional"109
Oportuna a ementa abaixo transcrita, dando conta do que decidido pelo
Pretório Excelso quanto ao princípio da proporcionalidade:
"O princípio da supremacia da ordem constitucional — consectário
da rigidez normativa que ostentam os preceitos de nossa Constituição —
impõe ao Poder Judiciário, qualquer que seja a sede processual, que se
recuse a aplicar leis ou atos estatais reputados em conflito com a Carta 108 Direito Processual Coletivo Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 2003, p. 243.109 Luís Carlos Barroso, O direito constitucional e a efetividade das suas normas – limites e responsabilidades da Constituição Brasileira, Renovar, 3ª ed., Rio de Janeiro, 1996, p. 156.
93Federal. A superioridade normativa da Constituição traz, ínsita em sua noção
conceitual, a idéia de um estatuto fundamental, de uma 'fundamental law',
cujo incontrastável valor jurídico atua como pressuposto de validade de toda
a ordem positiva instituída pelo Estado".110
5.6.5 Princípio da interpretação de acordo com a Constituição
Outro dos princípios originários desenvolvidos a partir da jurisdição
constitucional alemã, o princípio da interpretação de acordo com a
Constituição, encontra na didática de LUÍS ROBERTO BARROSO, a correta visão
das dimensões desse princípio:
"1) Trata-se da escolha de uma interpretação da norma legal que a
mantenha em harmonia com a Constituição, em meio a outra ou outras
possibilidades interpretativas que o preceito admita.
2) Tal interpretação busca encontrar um sentido possível para a norma,
que não é o que mais evidentemente resulta da leitura de seu texto.
3) Além da eleição de uma linha de interpretação, procede-se à
exclusão expressa de outra ou outras interpretações possíveis, que
conduziriam a resultado contrastante com a Constituição.
4) Por via de consequência, a interpretação conforme a Constituição
não é mero preceito hermenêutico, mas, também, um mecanismo de controle
de constitucionalidade pelo qual se declara ilegítima uma determinada leitura da
norma legal".111
110 STF, RE 107.869, rei. Min. Célio Borja, RTJ, 140:954, 1992, p. 964.111 Op. citi, pág. 182
945.6.6 Princípio da presunção de legitimidade da lei e dos atos normativos
do Poder Público
A observância do princípio da presunção de constitucionalidade das leis
e dos atos normativos para o controle concentrado da constitucionalidade é
fundamental, principalmente quando exercido através da ADIn, sendo certo que
a constitucionalidade da norma presume-se, sendo esta presunção iuris
tantum, passível de ser alterada mediante declaração de inconstitucionalidade
em sede de controle concentrado pelo STF.
Essa compatibilização entre a norma impugnada e a constituição deve
ser preservada ao máximo pelo órgão competente, sendo a declaração de
sua inconstitucionalidade, reservada como ato singular, vencida a análise de
incompatibilidade constitucional, e estando ela patente e incontestavelmente
aferida.
LUÍS ROBERTO BARROSO, entende como regras de observância
necessárias na aferição dessa incompatibilidade:
"a) não sendo evidente a inconstitucionalidade, havendo dúvida ou a
possibilidade de razoavelmente se considerar a norma como válida, deve o órgão
competente abster-se da declaração de inconstitucionalidade;
b) havendo alguma interpretação possível que permita afirmar-se a
compatibilidade da norma com a constituição, em meio a outras que carreavam
para ela um juízo de invalidade, deve o intérprete optar pela interpretação
legitimadora, mantendo o preceito em vigor”.112
No mesmo diapasão, prossegue esse jurista, deixando claro a importância desse
princípio:
112 Op. cit., p. 171
95"O princípio da presunção de constitucionalidade dos atos do Poder
Público, notadamente das leis, é uma decorrência geral da superação dos
Poderes e funciona como fator de autolimitação da atividade do Judiciário,
que, em reverência à atuação dos demais Poderes, somente deve invalidar os
atos diante de casos de inconstitucionalidade flagrante e incontestável"113.
5.6.7 Princípio da indesistibilidade da ação objetiva de controle abstrato
da constitucionalidade
O princípio da indesistibilidade da ação objetiva de controle em abstrato da
constitucionalidade está estampado expressamente no art. 5º da Lei n. 9.868/99, que
dispõe: "proposta a ação direta, não se admitirá desistência". E também no art. 16 da
mesma Lei: "proposta a ação declaratória, não se admitirá desistência". Esse
princípio se justifica pela natureza da ação objetiva de controle em abstrato da
constitucionalidade e especialmente no interesse público e social de preservação da
supremacia da Constituição.
O STF já tinha decidido sobre o conteúdo desse princípio, através do voto
confutor do Ministro Celso de Mello.
"O princípio da indisponibilidade, que rege o processo de controle
concentrado de constitucionalidade, impede a desistência da ação direta já
ajuizada. O art. 169, § 1a, do RISTF/80, que veda ao Procurador-Geral da
República essa desistência, aplica-se, ostensivamente, a todas as
autoridades e órgãos legitimados pela Constituição de 1988 para a instauração
do controle concentrado de constitucionalidade (art. 103)". 114
113 Op. cit., p. 180114 STF, ADIn 387/RO, rei. Min. Celso de Mello, RTJ, 135:905.
965.6.8 Princípio da unidade da Constituição
O princípio da unidade da Constituição impõe que toda interpretação
constitucional preserve a unidade da Constituição como lei fundamental. O intérprete
tem que procurar conciliar as disposições constitucionais, de forma a preservar essa
unidade. Como esclarece WILSON ANTÔNIO STEINMETZ, a não-preservação desta
unidade fragiliza normativamente a Constituição, além de conduzir à sua destruição
como Diploma fundamental da sociedade.
A esse respeito escreve LUÍS ROBERTO BARROSO:
"A despeito da pluralidade de domínios que abrange, a ordem jurídica
constitui uma unidade. De fato, é decorrência natural da soberania do Estado
a impossibilidade de coexistência de mais de uma ordem jurídica válida e
vinculante no âmbito de seu território. Para que possa subsistir como unidade,
o ordenamento estatal, considerado na sua globalidade, constitui um 'sistema'
cujos diversos elementos são entre si coordenados, apoiando-se um ao outro
e pressupondo-se reciprocamente. O elo de ligação entre esses elementos
é a Constituição, origem comum de todas as normas. É ela, como norma
fundamental, que confere unidade e caráter sistemático ao ordenamento
jurídico"115
5.6.9 Princípio da efetividade
Pelo princípio da efetividade (ou da máxima eficiência), as disposições
constitucionais devem ser interpretadas de forma que delas se consiga a maior
efetividade possível. Dentro dessa ideia de efetividade, não haveria norma
constitucional inútil. Todas as normas constitucionais têm condições para
produzirem efeitos.
115 Luiz Roberto Barroso, Interpretação e aplicação da Constituição, Saraiva, São Paulo, 1996, p. 188.
97Com relação a esse princípio, escreve CELSO RIBEIRO BASTOS:
"O postulado é válido na medida em que por meio dele se entenda que
não se pode empobrecer a Constituição. O que efetiva-mente significa este
axioma é o banimento da ideia de que um artigo ou parte dele possa ser
considerado sem efeito algum, o que equivaleria a desconsiderá-lo mesmo.
Na verdade, neste ponto, acaba por ser um reforço do postulado da unidade
da Constituição. Não se pode esvaziar por completo o conteúdo de um artigo,
qualquer que seja, pois isto representaria uma forma de violação da
Constituição".116
WILSON ANTÔNIO STEINMETZ, destaca a importância do princípio da efetividade
para os direitos fundamentais:
"O princípio da efetividade ou da máxima efetividade é, seguramente,
um dos mais importantes na interpretação dos direitos fundamentais. Sem o
imperativo da efetividade, os direitos fundamentais seriam reduzidos a meras
declarações políticas ou exortações morais, a uma retórica tão
impressionante quanto vazia, com a pretensão de dar ares de civilidade a uma
sociedade não-civilizada. Sem efetividade o que se tem é ou uma
Constituição nominal ou uma Constituição semântica” .117
5.7 Utilização indevida e negativa do Direito Processual Coletivo Especial
Um dos grandes problemas, e para isso devem atentar o STF e a sociedade
brasileira, é a utilização negativa do direito processual coletivo especial e do próprio
STF, no seu papel de Corte Constitucional, para salvar planos económicos e políticos
do Governo Federal, em flagrante desrespeito aos direitos e garantias fundamentais
116 Continua o mencionado jurista: "Concluindo, o postulado da efetividade máxima possível se traduz na preservação da carga material que cada norma possui, que deve prevalecer, não sendo aceitável sua nulificação nem que parcial" Hermenêutica e interpretação constitucional, Celso Bastos, 3ª ed., São Paulo, 1999, p. 105-6).117 Wilson Antônio Steinmtz, Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade Ed. Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2000, p. 97 e 98.
98e ao Estado Democrático de Direito brasileiro, consagrado no art. 1º da CF. Isso
também é flagrantemente inconstitucional, porque o direito processual coletivo
especial é instrumento de proteção do Estado Democrático de Direito e não de seu
desmantelamento.
Não poucas vezes em passado recente da história Republicana, a STF
mesmo ostentando a condição de Corte Constitucional, em algumas ocasiões
adotou postura nem sempre elogiosa na condução de suas decisões, deixando de
exercer sua função moderadora e de guardião da Constituição Federal, para adotar
uma postura, um tanto favorecedora de interesses oficiais do Executivo e do
Legislativo, sem que estes pudessem ser considerados legítimos ou voltados para o
interesse social.
Um exemplo emblemático dessa postura condenável, foi o posicionamento
adotado pelo Pretório Excelso, ao conceder, por maioria de votos, liminar na ADC 9.6,
ajuizada pelo Presidente da República para ver declarada a constitucionalidade dos
arts. 14,15,16,17 e 18 da MP n. 2.152-2, dispositivos esses que tratavam das
metas de redução de consumo de energia elétrica, sobretaxas e regras de
comercialização de energia excedente, utilizou, então, de argumentos que se
divorciavam do texto constitucional, para acatar como constitucional o denominado
Pacote do Apagão. Ao analisar a questão, IVO DANTAS conclui:
"Não cabe ao constitucionalista — nem ao STF — salvar planos
econômicos, sociológicos, morais ou quaisquer que sejam. Cabe-lhe
(sobretudo ao Pretório Maior) a defesa da Constituição, e esta, não temos
dúvida, aponta para várias inconstitucionalidades do plano. Aliás, pelo que
noticiou a imprensa, nas palavras do Min. Sydney Sanches, isto fica bem
claro, exatamente quando ele afirmou que 'se o plano fosse julgado
inconstitucional, o povo não respeitaria o seu conteúdo’”.118
118 Ivo Dantas, Supremo Tribunal Federal – corte constitucional ou academia sociológica? , Consulex, ano V, nº 108, p.66.
99Prossegue IVO DANTAS:
"Não se diga que o julgamento das Ações de Inconstitucionalidade tem
um teor político, pois, no modelo da Constituição de 1988 — e o modelo de
controle por ela adotado - não é esta a direção para a qual aponta a Carta
Magna vigente"119.
GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA discorrendo sobre o tema, adverte
para o fato de que “o direito processual coletivo especial , especialmente no que
tange à ação declaratória de constitucionalidade e à ação de arguição de
descumprimento de preceito constitucional, não seja utilizado com essas
finalidades escusas, inviabilizando o acesso à Justiça do cidadão prejudicado por
medidas inconstitucionais e autoritárias. O STF é que tem que saber cumprir o seu
compromisso de instituição guardiã da Constituição (art. 102, caput, CF) e a
sociedade brasileira como as demais instituições democráticas devem ficar atentas
para isso”.120
Esse questionamento mereceu de FRANCISCO GERSON MARQUES LIMA o
devido enfrentamento, tendo se manifestado de forma conclusiva a respeito:
"Lamentavelmente, contudo, a prática tem demonstrado que o STF
encontra-se muito 'afinado' com os demais Poderes e a conjuntura política
palaciana, de tal maneira que, olvidando o brado do povo, opta em manter
as medidas governamentais, por mais antipáticas, impopulares,
antinacionais, malévolas e inconstitucionais que elas pareçam. Argu-
mentos jurídicos são forjados no fogo da insensibilidade social, dando
origem a votos alentados, mas distanciados do interesse social. Em
consequência, o Executivo vai se apoderando de parcelas de compe-
tência dos demais Poderes, tornando-se cada dia mais forte. A Admi-
nistração Pública se encaminha para uma 'imunidade' às decisões do
119 Op. cit., p.66.120 Direito Processual Coletivo Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 2003, p. 255.
100Judiciário, que passa por uma crise de autoridade. E a sociedade é
tomada pelo vírus da insegurança e do descrédito nas instituições"121
121 Francisco Gerson Marques Lima, O Supremo Tribunal Federal na crise institucional brasileira, ABC Editora, Fortaleza, 2001, p. 353.
101 Capítulo 6
6. DO DIREITO PROCESSUAL COLETIVO COMUM BRASILEIRO
Impossível considerar qualquer menção ao direito processual coletivo
comum, no Brasil antes da entrada em vigor da lei 7.347/85, que instituiu a
ação civil pública, isto porque o arcabouço jurídico ainda não estava servido de
um mecanismo ou sistema capaz de tutelar direitos de massa.
Como explica GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA, “poucas leis concediam
legitimidade a algumas pessoas ou entidades para a tutela de determinados direitos
difusos ou coletivos”122. Havia a representação perante as autoridades judiciárias e
administrativas operada pelos Sindicatos por força do previsoto no art. 513, da CLT
os sindicatos em defesa dos interesses gerais da respectiva categoria ou profissão
liberal (interesses esses coletivos em sentido restrito) e também previa o dissídio
coletivo como forma de tutela coletiva (art. 856). Segue comentando que “Lei n.
4.717/65, que instituiu a ação popular, já legitimava o cidadão para a impugnação de ato
ilegal e lesivo ao patrimônio público (visava, portanto, a defesa de um direito difuso por
excelência). Existia também a Lei n. 4.215/63, que instituiu o Estatuto da Ordem dos
Advogados do Brasil, hoje revogado pela Lei n. 8.906/ 94, e dispunha, em seu art. 1º,
que cabia à Ordem representar, em juízo e fora dele, os interesses gerais da
classe”.123
Todavia, mesmo após a entrada em vigor da lei 7.347/85, muito haveria que
ser feito e pensado, o que houve na verdade foi um grande avanço, a insersão do
brasil no movimento mundial para tutela dos direitos e interesses de massa.124
122 Direito Processual Coletivo Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 2003, p. 263.123 Idem, op. Cit. 124 A Lei n. 7.345/85, que instituiu a ação civil pública, significou o ingresso do Brasil na denominada segunda onda renovatória do acesso à justiça, que foi (e ainda é) um grande movimento mundial ocorrido nos países mais civilizados para a tutela dos direitos difusos. Nesse sentido, Mauro Cappelletti e Bryant Garth, Acesso à justiça, p. 49 e seguintes.
102
Apropriadas as palavras de CÂNDICO RANGEL DINAMARCO, e que
expressam nosso sentimento quando iniciamos a montagem dessa
monografia, “considerando o que nesse apanhado de estudos se contém são
propostas á reflexão e á prudente busca de soluções que, satisfazendo o senso
do justo e do razoável presente no espírito do uomo della strada, possam
satisfazer também os nossos. Ousar sem o açodamento de quem quer
afrontar, inovar sem desprezar os grandes pilares do sistema” .125
6.1 O advento da Lei de Ação Civil Pública – Lei 7347 de 24/07/85
Na esteira do que dito acima, somente a partir da entrada em vigora da
lei 7.347/85, que verdadeiramente instituiu a ação civil pública no Brasil
Inicialmente a tutela era admitida de forma mais restrita, tendo em vista que o rol,
pelo texto aprovado da Lei da ação civil pública, era taxativo; contudo, com a
Constituição Federal (art. 129, III), observa-se que a referida taxatividade da ACP
não mais existia, por falta de recepção constitucional, o que se tornou
inquestionável com a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor.
Essa dignidade constitucional do direito processual coletivo comum pode
ser avaliada a partir das interpretações derivadas de normas constitucionais
nascidas com a Constituição de 1988, como escreve GREGÓRIO ASSAGRA
DE ALMEIDA:
Assim, é a partir da atual Constituição da República Federativa do
Brasil, de 5 de outubro de 1988, que se pode falar em direito processual
coletivo comum brasileiro como um novo ramo do direito processual. Isso se
dá principalmente em face de três dispositivos constitucionais. O primeiro está
previsto no art. 5º, XXXV, e regra que ‘a lei não excluirá da apreciação do Poder
125 Cândido Rangel Dinamarco, Nova era do processo civil, Malheiros, São Paulo, 2004, p. 21.
103Judiciário lesão ou ameaça a direito’. Esse dispositivo eliminou a limitação da
garantia do acesso à justiça somente a direito individual, que era prevista na
anterior Constituição emendada de 1969 (art. 153, § 4). O segundo está previsto
no art. 129, III, que dispõe: ‘Art. 129. São funções institucionais do Ministério
Público: I — omissis ...; II — omissis...; III — promover o inquérito civil e a
ação civil pública, para a proteção do património público e social, do meio
ambiente e de outros interesses difusos e coletivos’. O terceiro e fundamental é o
art. 1º da CF, que consagra o Estado Democrático de Direito brasileiro que,
para se manter e se efetivar, necessita de uma via jurisdicional potencializada
fundamental, que é o direito processual coletivo comum”.126
Prossegue sua narrativa tecendo mais algumas considerações em defesa da
tese de que é viável oreconhecimento do direito processual coletivo comum brasileiro,
como sendo um novo ramo do direito processual civil, principalmente a partir da
promulgação do Código de Defesa do Consumidor:
“O direito processual coletivo comum brasileiro se reforçou mais ainda
como um novo ramo do direito processual, com a entrada em vigor da Lei n.
8.078, de 11 de setembro de 1990, que instituiu o Código de Defesa do
Consumidor e estabeleceu, juntamente com a Lei da Ação Civil Pública e a
Constituição Federal, um verdadeiro microssistema de tutela dos direitos e
interesses de massa. No seu Título III, que trata da defesa do consumidor em
juízo, a mencionada lei veio a conceituar os direitos de massa, instituindo
também, para efeitos de tutela jurisdicional coletiva, a categoria dos direitos
individuais homogêneos (arts. 81, parágrafo único, e 91 e s.). E mais: além de
disciplinar o fenômeno da coisa julgada coletiva (art. 103), fez acrescentar, por
força do seu art. 110, dentre outros, um novo inciso ao art. 1º da Lei n. 7.347/85,
devolvendo-lhe o seu inciso IV, que havia sido vetado. Portanto, por força do
Código de Defesa do Consumidor, a Lei da Ação Civil Pública passou a dispor
126 Idem, op. cit, p.266.
104que a ação civil pública poderá tutelar também qualquer outro interesse difuso
ou coletivo”.127
Édis Milaré, ressaltou muito bem a situação que era vivida pelo
ordenamento jurídico brasileiro ao escrever que "até a edição da Lei n. 7.347, de 24
de julho de 1985, a tarefa da ordem jurídica estava voltada a harmonizar,
basicamente, os conflitos interindividuais, ou entre grupos bem delimitados e
restritos de pessoas, próprios de uma sociedade predominantemente agrária e
artesanal, e, portanto, muito diversa da nossa”.128
Concluindo, não só no plano da legislação operou-se uma essa
transformação. Hoje a sociedade civil brasileira está começando a se
conscientizar dos novos direitos e interesses massifícados e dos instrumentos
predispostos na legislação para a tutela desses direitos. E já começa a
reivindicá-los. Em nível doutrinário, também várias obras sobre a matéria têm sido
publicadas, vários artigos e teses têm tido cada vez mais destaque e temos confiança
de que esse processo irreversível de revisitação do próprio direito processual está
longe de arrefecer – para o bem de todos nós.
6.2 Direito Processual Coletivo Comum Brasileiro como novo ramo do
Direito Processual Civil Brasileiro – diálogo constitucional.
A consagração constitucional do direito processual coletivo comum,
melhor, o diálogo entre esse novo ramo do direito processual civil com a
Constituição da República, como já descrito anteriormente, envolve sobretudo
a tutela dos interesses ou dos direitos massificados, sendo observado em dois
momentos: um antes e outro depois da Lei 7.347/85, sendo a partir daí,
segundo GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA, que o ordenamento jurídico
127 Idem, op. cit. 126 e 127.
128 Edis Milaré, A ação civil pública na nova ordem constitucional, Ed. Saraiva, São Paulo, 1990, p. 6.
105brasileiro consagrou o direito processual coletivo comum, como um novo ramo
do direito processual.
Recorrendo uma vez mais às conclusões do festejado Mestre, temos
mais alguns argumentos, de sorte a sustentar o entendimento acima:
“ Convém novamente ressaltar que, para essa conclusão, utilizam-
se basicamente três dispositivos constitucionais fundamentais: a) o
primeiro é o art. 1º da CF, que consagrou o Estado Democráticode Direito,
que é o Estado da justiça material ou da transformação da realidade social
com justiça, o que somente ocorrerá com a existência de um instrumento
potencializado de tutela jurisdicional dos direitos massificados; b) o segundo
é o art. 5Q, XXXV, da CF, que consagra o princípio da inafastabilidade das
decisões judiciais em relação a qualquer direito, seja de natureza
individual, seja de natureza coletiva em sentido amplo — operacionalizou-
se aqui uma verdadeira transformação no ordenamento jurídico brasileiro,
de sorte que passou de ordenamento tutelador de direitos individuais e de
alguns direitos ou interesses coletivos para ordenamento tutelador de direi-
tos individuais e de direitos ou interesses coletivos, sem qualquer
restrição; c) o terceiro é o art. 129, III, da CF, que consagrou o princípio da
não-taxatividade da ação coletiva, em plena consonância com o art. 5º,
XXXV, da CF, que nenhuma restrição estabelece quanto à tutela jurisdicional
de direitos lesados ou ameaçados de lesão.
Outros dispositivos existem que confirmam a tese acima, pois o
legislador constituinte de 1988 conferiu dignidade constitucional à maioria
das ações coletivas do sistema brasileiro. Só para ilustrar, podem ser
apontados os seguintes dispositivos: art. 5º, LXIX e LXX; art. 5º, LXXI e
LXXIII; art. 114, § 2º, art. 14, §§ 10 e 11, dentre outros.
Portanto, existe atualmente no Brasil, com dignidade
constitucional, o direito processual coletivo comum como instrumento
potencializado de resolução dos conflitos coletivos ocorridos no mundo
106da contretude e de efetivação material do Estado Democrático de Direito
brasileiro”.129
6.3 Principais figuras constitucionais do Direito Processual Coletivo
Comum e Diplomas infraconstitucionais de tutela do Direito Processual
Coletivo Comum.
Neste tópico estaremos analisando algumas das principais ações de
origem constitucional, aplicáveis ou pertencentes naquilo que podemos
chamar de campo do direito processual coletivo comum. Sem nos atermos às
discussões quanto a natureza das ações constitucionais que serão abordadas
a seguir, preferimos deixar para os estudiosos esse exercício de buscar no
direito processual clássico o enquadramento de institutos de dignidade
constitucional reconhecida, dentro do campo do direito clásico
infraconstitucional.
A nosso ver, e para sermos coerentes com o tema em desenvolvimento,
o mais correto é considerarmos essas ações como ações constitucionais, até
porque o próprio texto constitucional não traz qualquer restrição quanto ao campo
de aplicabilidade infraconstitucional dessas figuras fundamentais ao direito
processual.
Entretanto, existem ações constitucionais, que por sua finalidade prestam-
se à tutela de direitos individuais puros quanto de direitos coletivos, latu sensu,
como é o caso do mandado de segurança e o mandado de injunção, em relação
aos quais a Constituição não apresenta qualquer restrição quanto á natureza
individual ou coletiva dos direitos tuteláveis. São o que GREGÓRIO ASSAGRA DE
ALMEIDA, chama de ações coletivas ambivalentes.130
129 Op. cit., pág. 270130 Op. cit., pág. 271
107
6.3.1 Do Mandado de Segurança
Convém, antes de adentrarmos na análise do mandado de segurança
propriamente dito, cumpre esclarecer que o chamado mando de segurança
coletivo previsto no art. 5º, LXX, da Constituição Federal, não pressupõe a
existência de um outro gênero de mandado de segurança , o individual, previsto
no inciso LXIX. O que se deve observar é que o inciso LXIX prevê o mandado de
segurança para a tutela de qualquer direito, tanto que assim dispõe: "conceder-se-á
mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por
habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de
poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições
do Poder Público". Não havendo restrição, destarte, à qualquer espécie de direito a
ser tutelável pela via mandamental, se individual, se coletivo ou difuso.
“Portanto, os requisitos de admissibilidade de mandado de segurança
para a tutela de qualquer direito (individual ou coletivo em sentido amplo)
estão no art. 5º, LXIX, que tem perfeita consonância com a garantia
incondicional do acesso à justiça prevista no art. 52, XXXV”.131
No mesmo sentido, NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE
NERY:
"Não foi criada outra figura ao lado do MS tradicional, mas apenas
hipótese de 'legitimação para a causa'. Os requisitos de direito material para a
concessão do MSC continuam a ser os da CF 5º LXIX: proteção contra ameaça
ou lesão de direito líquido e certo, não amparado por ‘habeas corpus' ou
'habeas data', por ato ilegal ou abusivo de autoridade. O MSC nada mais é
doque a possibilidade de impetrar-so MS tradicional por meio de tutela
jurisdicional coletiva. O adjetivo 'coletivo' se refere à 'forma' de exercer-se a
131 Gregório Assagra de Almeida, Direito Processual Coletivo Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 2003, p. 273.
108pretensão mandamental, e não à pretensão deduzida em si mesma. O MSC
se presta à tutela de direito difuso, coletivo ou individual. O que é 'coletivo'
não é o mérito, o objeto, o direito pleiteado por meio do MSC, mas sim a
'ação'. Trata-se de 'instituto processual' que confere legitimidade, para agir
às entidades mencionadas no texto constitucional".
Prestados esses esclarecimentos, passemos à análise do mandado de
segurança propriamente dito.
Não pretendemos nos aprofundar nas origens históricas do mandado de
segurança, uma vez que a abordagem encadeada visa, sobretudo, distingüir as
principais ações de origem constitucional inseridas no âmbito do direito processual
coletivo comum.
Na verdade, o mandado de segurança nasceu com a Constituição da
República Federativa do Brasil de 1934 (art. 113, n. 33). Depois, não se manteve com
a Carta Ditatorial de 1937, período em que recebeu regulamentação somente por lei
ordinária; foi, contudo, restabelecido com a Constituição Democrática de 1946 (art.
141, n. 24), tendo também se mantido na Constituição de 1967 (art. 153, § 21) e na
Constituição Emendada de 1969. Atualmente, como visto, encontra-se consagrado no
art. 5]º, LXIX e LXX, da Constituição Federal de 1988, que inclusive ampliou o seu
campo de aplicabilidade ao permitir sua impetração também contra atos dos
agentes de pessoa jurídica privada nas funções do poder público.
O seu procedimento, que se encontra previsto na Lei n. 1.533, de 21 de
dezembro de 1951, é o sumaríssimo especial, pois não é permitido, em sede de
mandado de segurança, dilação probatória: inexiste produção de prova pericial ou
oral. Por isso, é o mandado de segurança denominado procedimento documentado. O
seu rito pode ser assim sintetizado: petição inicial em duas vias acompanhada de
prova documental que não deixe dúvidas sobre os fatos alegados; despacho de
recebimento ou decisão de indeferimento; concessão ou não da liminar; notificação
da autoridade coatora para prestar informações no prazo de dez dias; vista ao
Ministério Público para dar seu parecer no prazo de cinco dias; conclusos para
109sentença no prazo de cinco dias. Procedimento esse bem diverso do procedimento
sumaríssimo dos Juizados Especiais Cíveis (Lei n. 9.099/95).
Trata-se também de tutela jurisdicional de urgência, tendo em vista a rapidez
de seu procedimento, a possibilidade de concessão de liminar, a não admissibilidade
de dilação probatória e a prioridade na sua tramitação processual.
Manifesta-se sobre o assunto Luiz Guilherme Marinoni:
"Observe-se, ainda, que a técnica da cognição exauriente 'secundum
eventum probationis', além de permitir a construção de um processo célere
e ao mesmo tempo de cognição exauriente, não elimina a possibilidade do
jurisdicionado, que lançou mão do mandado de segurança mas necessitava
de outras provas além da documental, recorrer ao procedimento ordinário.
Deveras, de acordo com a Súmula n. 304 do Supremo Tribunal Federal, a
'decisão denegatória de mandado de segurança, não fazendo coisa julgada
contra o impetrante, não impede o uso de ação própria'. Este enunciado quer
dizer que fica aberta a via ordinária àquele que teve denegado o mandado de
segurança por ausência de direito líquido e certo; isto porque a sentença que
afirma a ausência de direito líquido e certo não declara que direito subjetivo
material não existe".132
Quanto á natureza jurídica do mandado de segurança, prevalece amplamente o
entendimento, o que é correto, de que o mandado de segurança é uma espécie de
ação. E mais: é uma ação de dignidade constitucional consagrada como garantia
constitucional fundamental (art. 5º, LXIX, da CF). Assim, se o mandado de segurança é
uma garantia constitucional fundamental, algumas consequências interpretativas
lhe são inerentes. A primeira delas é a de que não é compatível interpretação
restritiva quanto ao seu campo de aplicabilidade. Direitos e garantias constitucionais
fundamentais, diferentemente das simples regras constitucionais, não são
interpretáveis restritivamente. A segunda consequência interpretativa derivante é a de
132 Luiz Guilherme Marinoni, Efetividade do processo e tutela de urgência,Sérgio A. Fabris Editor, Porto Alegre, 1994, p. 24
110que a ele são aplicáveis todas as disposições processuais previstas para as tutelas
jurisdicionais ordinárias, desde que sejam compatíveis com os seus pressupostos
constitucionais e possam ser meios eficazes para garantir a sua efetividade. Assim,
plenamente aplicáveis em sede de mandado de segurança as medidas de apoio do
art. 461, § 5º, do CPC. Além disso, observa-se que as garantias constitucionais
instrumentais fundamentais merecem prioridade na tramitação processual, como não
poderia deixar de acontecer em relação ao mandado de segurança.
Um outro aspecto bastante polêmico, que não por décadas doutrina e
jurisprudência não conseguem pacificar é quanto a natureza jurídica da
expressão direito líquido e certo. Com respeito a essa natureza jurídica
podemos dizer que existem três correntes a saber:
“A primeira corrente que surgiu defendia a natureza material da
expressão: certo é o direito em relação ao qual não há a mínima dúvida, é o
direito cristalino, translúcido, e líquido é a ausência de dúvida sobre o objeto
do direito. A segunda corrente, que é a predominante, sustenta a natureza
processual da expressão líquido e certo: certos são os fatos alegados
constitutivos do direito que se pretende a tutela jurisdicional, e líquido é a
condição de incontestabilidade dos fatos alegados. Por mais complexo que seja
o direito, não há dúvida de que é cabível mandado de segurança se não existe
a mínima dúvida sobre os fatos alegados, que chegam ao ponto de serem
líquidos, ou seja, incontestáveis. Uma terceira corrente, minoritária, defende a
concepção eclética e sustenta que o direito é certo quando inexistem
dúvidas sobre seus fatos constitutivos alegados, e é líquido quando não
existe dúvida sobre o objeto do direito”.133
A autoridade pública apontada como coatora é o sujeito passivo do mandado
de segurança. Atua como legitimada extraordinária. Ao prestar informações, defende em
nome próprio direito da respectiva pessoa jurídica de direito público interessada. Não
é o mero funcionário público, já que possui poder de decisão. Assim, autoridade
133 Gregório Assagra de Almeida, op. cit., p 280.
111pública, para efeitos de sujeito passivo em sede de mandado de segurança, é todo
aquele que tem poder para determinar o cumprimento e ao mesmo tempo a
suspensão do ato comissivo ou omissivo impugnado. Portanto, aqueles que praticam
meros atos executórios, mesmo que integrante da administração pública, não podem
ser sujeitos passivos no mandamus.
O ato inquinado, a Ilegalidade ou abuso de pode, r constitui o próprio mérito do
mandado de segurança. A decisão que concede a segurança, por entender que o ato
comissivo ou omissivo impugnado é ilegal ou abusivo, é decisão de mérito que,
transitada em julgado, se torna imutável e indiscutível, a teor do que dispõem os arts.
15 e 16 da Lei n. 1.533/51.
Quanto à legitimação ativa, a Constituição não estabelece limitação quanto à
legitimidade ativa no mandado de segurança. Pode impetrar o mandamus pessoa
física ou jurídica e inclusive os entes despersonalizados que sejam portadores de
personalidade judiciária. Entretanto, traz uma disposição sobre o mandado de
segurança em relação à qual tem surgido muitas polêmicas. É o inciso LXX, que
prevê: "O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: a) partido político
com representação no Congresso Nacional; b) organização sindical, entidade de
classe ou associação legalmente cons-lituída e em funcionamento há pelo menos
um ano, em defesa dos inleresses de seus membros ou associados".
Essa polêmica é muito bem resumida por UADI DI LAMEGO BULOS:
"A garantia tem ensejado, dentre outras, as seguintes indagações no
ato de sua aplicação: a) Seria um instituto independente do tradicional
mandado de segurança individual?; b) Para ser impetrado são necessários os
mesmos requisitos da ação, esposados no inciso LXIX do art., 5º da
Constituição Federa?; c) Que tipo de interesses tutela? ; d) Pode defender
interesses difusos?; e) Visa a defender interesses singulares dos membros das
coletividades?”.134
134 Constituição Federal anotada, Saraiva, São Paulo, 2000, p. 308
112
Assim a consideração final de GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA:
“O mandado de segurança, apesar de não ser uma ação
especificamente do direito processual coletivo comum, pode ser utilizado, se
presentes os seus pressupostos constitucionais, para a tutela de todo e
qualquer direito coletivo, o que ressalta ainda mais a sua natureza de garantia
constitucional fundamental instrumentalmente ambivalente”.135
6.3.2 Lei de Ação Civil Pública – Lei 7347/85
Dentre os instrumentos de tutela dos interesses massificados até aqui
estudados, sem sobra de dúvidas que a ação civil pública é o que podemos
chamar de estrela da companhia, não só por ter sido o primeiro grande
instrumento com dignidade constitucional de defesa desses direitos, como
também o mais abrangente a partir principalmente do advento do CDC que
deixou de taxar os legitimados ativos para fins de interposição de ação civil
pública, como visto anteriormente.
Portanto, dispõe o art. 129, III, da Constituição Federal que é função
institucional do Ministério Público "promover o inquérito civil e a ação civil pública,
para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros
interesses difusos e coletivos". E, confirrmando a regra da legitimidade concorrente
para o ajuizamento da ação civil pública ou de qualquer outra ação coletiva prevista, a
Constituição ainda prevê no § 1º do seu art. 129: "A legitimação do Ministério Público
para as ações civis previstas neste artigo não impede a de terceiros, nas mesmas
hipóteses, segundo o disposto nesta Constituição e na lei".
No que concerne ao conceito de ação civil publica, a doutrina não é precisa
ao aponta-lo. EDIS MILARÉ, um dos autores do anteprojeto de lei que instituiu no 135 Op cit., p. 289.
113Brasil a ação civil pública, a conceitua como “o direito expresso em lei de fazer
atuar, na esfera civil, em defesa do interesse público, a função jurisdicional”. O
conceito não é preciso, pois a ação civil pública não é necessariamente o direito
expresso em lei de fazer atuar na esfera civil, até porque não se pode descartar a
possibilidade de ajuizamento de ação civil pública na esfera trabalhista e até
mesmo na esfera criminal, para tutelar o reconhecimento de direitos
constitucionais do preso na execução penal. Em verdade, o que se tutela pela
ação civil pública é de regra um direito ou interesse de natureza constitucional,
como se dá em relação a uma ação civil pública ajuizada para a proteção do meio
ambiente, que é um direito constitucional difuso por excelência. Com efeito, tendo a
ação civil pública dignidade constitucional (art. 129, III) e por ela visar a tutela quase
sempre de um interesse ou direito de índole constitucional — tanto que está dentro do
que a doutrina denomina direito processual constitucional — conclui-se que a ação civil
pública é um dos instrumentos constitucionais colocados à disposição do Ministério
Público e de outros legitimados coletivos arrolados pela lei (art. 5º da Lei n. 7.347/85 e
art. 82 da Lei n. 8.078/90), para a tutela jurisdicional de quaisquer direitos ou interesses
difusos, coletivos em sentido estrito ou individuais homogéneos. É o que escreve
Rodolfo Mancuso:"... a ação da Lei 7.347/85 objetiva a tutela de interesses
metaindividuais, de início compreensivos dos 'difusos' e dos 'coletivos em sentido estrito',
aos quais na sequência se agregaram os 'individuais homogéneos' (Lei 8.078/90, art. 81,
m, c/c os arts. 83 e 117)...” .136.
Podemos considerar como Objeto material da ação civil pública, a proteção a
jurisdicional do direito ou interesse coletivo em sentido amplo, sem prejuízo do
cabimento de outras formas de tutela jurisdicional coletiva previstas, como o mandado
de segurança (art. 5°, LXIX e LXX, da CF), a ação popular (art. 5º, LXXIII, da CF) e o
mandado de injunção (art. 5°,LXXI, da CF).
O inciso IV do art. 1º da Lei n. 7.347/85, acrescentado por força do art. 110 da
Lei n. 8.078/90, ao estabelecer que qualquer outro interesse difuso ou coletivo
poderá ser tutelado pela ação civil pública. deixa claro que seu objeto material é amplo,
e não mais se admite interpretação limitadora que tente implantar ou revigorar o 136 Rodolfo Mancuso, Ação Civil Pública , Revista dos Tribunais, São Paulo,2001,, p. 21
114combatido sistema da taxatividade. Destaca-se ainda a modificação inserida na LACP
pelo art. 88 da Lei n. 8.884/94, que, potencializando a ação civil pública, tornou-a
instrumento hábil também para a tutela de danos morais e não somente os
meramente patrimoniais (art. 1º da Lei n. 7.347/85), fazendo acrescer em seu art. 1º o
inciso V, que prevê o seu cabimento quando houver infração da ordem econômica. O
artigo 6º da Medida Provisória n. 2.180-35, de 24 de agosto de 2001, com
publicação no DO U de 27 de agosto de 2001, modificou o inciso V do art. l2 da Lei
n. 7.347/85, que passou a ter a seguinte redação: "V — por infração da ordem
econõmica e da economia popular".
Outro aspecto interessante diz respeito á questão da coisa julgada na LACP. O
art. 16 da LACP dispõe: "A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos
limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado
improcedente por deficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado
poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova".
Esse sistema já era adotado pelo art. 18 da Lei da Ação Popular (Lei n. 4.717/65),
e dele se extrai que haverá coisa julgada se o pedido for julgado procedente.
Caso seja ele julgado improcedente, não fará coisa julgada se a fundamentação
da sentença proferida na ação civil pública se basear na insuficiência de prova. É
o que se denomina coisa julgada secundum eventum litis. A coisa julgada
coletiva ocorrerá segundo o resultado da lide e será erga omnes porque inibe
outro co-legitimado de propor nova ação civil pública com o mesmo pedido e a
mesma causa de pedir, mas desde que tenha sido julgado procedente o pedido
ou improcedente por ser infundada a pretensão nela deduzida.
Portanto, de forma diversa do que dispõe o CPC no seu art. 472, estão
ampliados os limites subjetivos da coisa julgada coletiva no direito processual
coletivo comum.
A Lei n. 9.494/97, alterando o art. 16 da LACP, fez acrescentar no referido
dispositivo que a coisa julgada ocorrerá nos limites da competência territorial do
órgão prolator. Como observam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade
115Nery, a alteração levada a efeito é inconstitucional e ineficaz: além de violar os
princípios referentes ao direito de ação bem como o princípio da proporcio-
nalidade, confunde limites subjetivos da coisa julgada erga omnes com
jurisdição e competência. Aduzem ainda os juristas, continuam em vigor os arts.
18 da LAP e 103 do CDC, os quais se aplicam às ações fundadas na LACP, por
força do que estabelecem os arts. 90 do CDC e 21 da LACP.137
O art. 14 da LACP, diferentemente do CPC, prevê que o juiz poderá
conferir efeito suspensivo aos recursos para evitar dano irreparável à parte.
Como se nota, a regra é que o efeito dos recursos contra as decisões
proferidas na ação civil pública é somente devolutivo; o efeito suspensivo é cabível
para evitar dano irreparável à parte. Quanto ao mais, aplica-se o sistema recursal
previsto no CPC.
É cabível a tomada pelos órgãos públicos legitimados coletivos ativos (art.
5º, § 6º, da LACP) de termo de ajustamento de conduta, o qual não tem o mesmo
significado de transação, até porque a pretensão que é objeto da ação civil pública
é indisponível, tendo em vista o interesse social sempre nela presente.
Segundo GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA, “tem-se que ajustamento de
conduta quer significar o reconhecimento prévio, por parte da pessoa ou ente
responsável pelo dano causado a interesse ou direito coletivo, do pedido que
naturalmente deverá ser formulado, caso haja o ajuizamento da ação civil
pública. Não se admite, assim, a transação substancial (ou material). Todavia, é
possível a transação formal, que não signifique qualquer renúncia ao direito
coletivo em questão. Assim, poderão ser pactuados a forma e o prazo de
reparação do dano causado ao direito coletivo, mas desde que não signifiquem
indiretamente inviabilização do próprio direito coletivo”. 138
137 Os mencionados autores ainda ressaltam o equívoco da Medida Provisória n. 1.570-4, de 22-7-1997, que foi
convertida na referida Lei n. 9.494/97, afirmando que quem a redigiu não tem a mínima noção do sistema processual de tutela coletiva, não sendo possível que a alteração produza o efeito pretendido pelo Presidente da República (op. cit. nas notas anteriores, p. 1540-2).
138 Op. Cit, p. 358
116O § 1º do art. 8º da LACP, que é confirmado pelo art. 129, III, da CF,
estabelece que o Ministério Público poderá instaurar inquérito civil sob sua
presidência. Esse procedimento administrativo é semelhante ao inquérito policial
e destina-se a colher elementos de convicção para, de um lado, evitar o
ajuizamento de ação temerária e, de outro, garantir a eficácia da ação coletiva a
ser ajuizada.
Como se vê, o inquérito civil tem dignidade constitucional (art. 129,III, da
CF). Portanto, não pode sofrer limitação pela legislação infraconstitucional.
O inquérito civil é instrumento constitucional que deverá, em regra, reger-se
pelo princípio da publicidade, que é próprio dos atos processuais (arts. 93, IX, e 5º,
LX, da CF). Contudo, nos casos em que a própria Constituição estabelece limites
para resguardar a privacidade e o sigilo da correspondência e das comunicações
telegráficas, de dados e das comunicações telefónicas, será imprescindível a
sua n ;nnitação em segredo (art. 5º, XII, da CF).
Registra-se que o inquérito civil, como procedimento administrativo que é,
submete-se basicamente a três fases: instauração, que se dará por portaria ou por
despacho do órgão do Ministério Público em representações recebidas; instrução,
que se realiza com a apuração dos fatos, em contraditório ou não, conforme acima
já mencionado; e conclusão, que poderá conduzir ao ajuizamento da ação coletiva
pertinente, à realização de novas diligências imprescindíveis, ou ao arquivamento
do inquérito civil, caso não haja fundamentação fática ou jurídica para a propositura
da ação coletiva respectiva. Em caso de arquivamento, matéria tratada no art. 9°
da Lei n. 7.347/85, é necessária a sua apreciação pelo Conselho Superior do
Ministério Público, que poderá homologar a promoção de arquivamento ou
desgnar outro órgão do Ministério Público para o ajuizamento da ação (art 9º, § 4º,
da Lei n. 7.347/85).
Conveniente ressaltarmos algumas diferenças existentes entre a ação civil e
ação popular (campo de aplicabilidade). Apesar de ser possível a tutela pela ação
117popular e pela ação civil pública de um mesmo direito, existem, além de outras, duas
diferenças básicas entre essas duas espécies de ações coletivas. A primeira está na
legitimidade para agir, pois somente o cidadão terá legitimidade para a propositura da
ação popular. A segunda, encontra-se no objeto, que na ação civil pública é amplo,
ao passo que o art. 5º, LXXIII, da CF estabelece de forma mais fechada e, portanto,
mais restrita, o objeto da ação popular. Não dispõe o texto constitucional, como na
ação civil pública, que a ação popular será promovida para a proteção do patrimônio
público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivo.
Contudo, não são ações excludentes, mas, ao contrário, concorrentes, naquilo que
coincida com o seu objeto. Todavia, mesmo diante das duas diferenças básicas
apontadas, é possível a existência de litispendência entre ação.
A ação civil pública tem sido hoje o principal instrumento de tutela dos direitos
de massa no Brasil, e o Ministério Público figura como seu principal promovedor.
Milhares de ações civis públicas têm sido ajuizadas pelo País afora. Entretanto,
ainda resta muito a ser tutelado por intermédio desse instrumento processual
constitucional, que se pauta como de extrema importância para a efetivação do
Estado Democrático de Direito e transformação positiva da realidade social.
No capítulo seguinte, estudar-se-á com mais detalhes este magnífico
instrumento de tutela jurisdicional coletiva comum.
6.3.3 Código de Defesa do Consumidor
O Código de Defesa do Consumidor (art. 90), juntamente com a LACP (art.
21), coinstitui hoje um microssistema integrado de tutela dos direitos ou iteresses
coletivos lato sensu. Tem, portanto, importância capital para a proteção dos direitos
ou interesses massificados, e suas disposições processuais constituem normas de
sobredireito processual coletivo comum.
118A Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990, atendendo ao disposto no art. 5º,
XXXII, da CF/88, avançou radicalmente rumo à efetividade da tutela dos direitos e
interesses coletivos no Brasil; é concebida seja no Iplimo material, seja no plano
processual como uma lei muito avançada. A parte processual, que nos interessa no
presente trabalho, é reservada no CDC para o Título III, onde se observa que o
legislador preocupou-se indistintamente com a defesa do consumidor, seja na forma
coletiva, seja individual. Essa parte processual vai do art. 81 ao art. 104 do CDC.
Citando ADA PELLEGRINI, GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA, discorre
sobre a parte processual do CDC:
“Como anota Ada Pellegrini Grinover, a parte processual do CDC atua em
duas vertentes: uma voltada para as ações de tutela de direitos ou interesses
individuais puros, e a outra para as ações de tutela de direitos ou interesses
coletivos lato sensu. Na primeira vertente podem ser arroladas: a
possibilidade de determinação da competência pelo domicílio do consumidor
autor (art. 101, I); a vedação da denunciação da lide (art. 88); a instituição de
uma hipótese especial de chamamento ao processo (art. 101, II); a
admissibilidade de toda e qualquer espécie de ação para propiciar a adequada
e efetiva tutela do consumidor (art. 83); a previsão de forma de tutela
específica para ações que tenham por objeto o cumprimento de obrigação
de fazer, com a possibilidade de antecipação de tutela e aplicação de multa
(art. 84); e a possibilidade de aproveitamento da coisa julgada nas ações
coletivas para as ações individuais (art. 103, §§ 1º e 3º). Já na segunda
vertente, que está voltada para a tutela jurisdicional coletiva, observa-se que a
defesa coletiva dos consumidores foi ampliada aos bens indivisivelmente
considerados com a previsão de defesa dos direitos ou interesses difusos e
coletivos ‘stricto sensu’ dos consumidores. Foi também instituída uma nova
forma de tutela coletiva voltada para a defesa dos denominados direitos ou
interesses individuais homogêneos — é a ação coletiva ressarcitória dos
danos pessoalmente sofridos pelos consumidores ou pelas vítimas dos pro-
dutos ou serviços (art. 81, III, e Capítulo II do Título III, arts. 91 e.) —, com a
adoção, no sistema brasileiro, não obstante com roupagem própria, das ‘class
119actions’ for damages do sistema de ‘common law’. A coisa julgada também
recebeu novo tratamento, seja em decorrência da ampliação do objeto do
processo, seja no que tange aos seus limites subjetivos, seja no sentido de
beneficiar também as pretensões individuais (art. 103), além de dispor sobre a
litispendência (art. 104). Regulamentou o problema das custas processuais,
dispensou o seu adiantamento e ainda isentou a associação autora da
condenação em honorários de advogado, custas e despesas processuais, salvo
se comprovada má-fé (art. 87). Além disso, com modificações inseridas na
LACP, criou um microssistema de tutela coletiva ao fazer inserir na LACP a
perfeita interação entre esses dois diplomas processuais (art. 21 da LACP,
acrescentado por força do art. 117 do CDC).”139
Prossegue o Mestre, deixando claro para nossa reflexão que apesar da
inclinação do legislador em priorizar a tutela coletiva, não obstante, há uma
perfeita sintonia, um diálogo objetivo, uma total interação dos dispositivos do
CDC, naquilo que toca às ações coletivas e às ações individuais:
“Apesar de o CDC ter estabelecido regras voltadas, em sua maioria
para a tutela jurisdicional coletiva, como se observa das disposições previstas
no art. 81 e s., não se pode concluir que teria o legislador priorisado a tutela
jurisdicional coletiva, em prejuízo da tutela jurisdicional individual. Como
faz observar Rodolfo de Camargo Mancuso, o CDC, em vários dos seus
dispositivos, demonstra que há total inleração entre ações coletivas e ações
individuais. Está previsto inclusive que o CPC e a LACP aplicam-se aos casos
em que houver a omissão do CDC (art. 90), seja em relação às variadas formas
de tutelas jurisdicionais coletivas, seja em relação às individuais. E mais: além de
dispor que a tutela jurisdicional poderá ser individual ou coletiva (art. 81), o
CDC dá prioridade ao ressarcimento dos prejuízos individualmente sofridos (art.
99, parágrafo único) e ainda estabelece que a coisa julgada formada nas ações
coletivas, quando decorrente de sentença de procedência, beneficiará os
consumidores pelos danos individualmente sofridos (art. 103, §§ 3º e 4º). Nos
casos de improcedência do pedido formulado nas ações coletivas, a coisa
139 Gregório Assagra de Almeida, Op. Cit, p. 363.
120julgada formada não tem o condão de criar óbice ao ajuizamento de ação
individual para a reparação de dano individualmente sofrido, salvo em se
tratando de ação coletiva para a tutela de direitos individuais homogêneos,
ocasião em que a sentença de improcedência atingirá também os interessados
que intervieram no processo como litisconsortes (§ 2º, do art. 103). No mesmo
sentido, o art. 104 do CDC traz regra que estabelece que não existe
litispendência entre ações coletivas e individuais; destarte, o ajuizamento de
qualquer ação coletiva não pode impedir o ajuizamento de ação individual”.140
Na linha do que foi visto acima, vamos encontrar no art. 81 do CDC a
preocupação do legislador com a tutela jurisdicional coletiva: estabelece que a
defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser
exercida em juízo, individualmente ou a título coletivo. O parágrafo único do art. 81
dispõe que a defesa coletiva será exercida quando se tratar de direitos ou
interesses difusos, direitos ou interesses coletivos e direitos ou interesses individuais
homogêneos. Assim, observa-se que houve grande preocupação do legislador
quanto à delimitação do objeto jurisdicional do direito processual coletivo comum.
O CDC, portanto, apresenta a definição, em classificação tripartida, do que se deve
entender por direitos ou interesses difusos, direitos ou interesses coletivos, direitos ou
interesses individuais homogêneos, Em relação a essa terceira categoria, o CDC
muito inovou: é o primeiro diploma dentro do sistema jurídico brasileiro a adotar
denominação específica e ainda definir, para fins de tutela coletiva, os direitos ou
interesses idividuais homogêneos. Estes últimos constituem um aglomerado de
direitos ou interesses individuais divisíveis que, pela origem comum, poderão ser
objeto da tutela coletiva. Em essência, são ritos individuais, considerados
apenas acidentalmente coletivos, tendo em vista que poderão ser objeto de ação
coletiva, apesar de não serem indivisíveis.
Já o parágrafo único do art. 81 do CDC, por estar inserido no
microssistema de tutela coletiva decorrente da perfeita interação entre a LACP, deve
ser recepcionado com conteúdo de norma de superdireito coletivo. Seu teor pode e
140 Op. Cit., p.263-264
121deve ser extraído para fins de tutela de todo e qualquer direito ou interesse
massificado, seja ele relacionado ou não com as lides decorrentes das relações de
consumo.
É importante ressaltar que, ao usar de forma conjugada a expressão interesses
ou direitos (art. 81, parágrafo único, do CDC), o legislador não se fez pautar pelo
preconceito (ou ranço) individualista que marcou a dogmática jurídica do século XIX,
até porque o espírito do CDC é renovador e nada tem das concepções ortodoxas e
individualistas do século XIX. Em verdade, não há razão para a crítica formulada, pelo
menos dentro de um sentido substancialmente prático e não meramente técnico
formal. O próprio texto constitucional, ao referir-se ao Ministério Público (art. 127,
capuf), usa a expressão interesses sociais e individuais indisponíveis. Da mesma
forma, o art. 129, III, da CF, faz uso da expressão outros interesses difusos e
coletivos. Com isso, o que se nota é que o legislador infraconstitucional pretendeu
resguardar todos esses interesses: usa a dupla terminologia interesses ou direitos
para evitar polémicas interpretativas que possam colocar em risco a efetividade da
tutela desses interesses ou direitos massificados em total prejuízo dos verdadeiros
anseios sociais.
O art. 82 do CDC traz regras sobre a legitimidade ativa para a defesa coletiva
do consumidor em juízo. Trata-se de legitimidade disjuntiva, no sentido de que um
pode mover a ação sem a necessária presença do outro, salvo em relação ao
Ministério Público, que, se não funcionar como parte, atuará obrigatoriamente como
fiscal da lei (art. 92). Todos os entes elencados no art. 82 podem promover a ação
coletiva, razão pela qual ainda se diz que a legitimidade é concorrente. A
legitimidade ativa é também exclusiva, pois somente os elgitimados elencados no
art. 82 do CDC e os do art. 5º da LACP podem ajuizar ação coletiva.
Toda e qualquer ação capaz de propiciar a adequada e efetiva tutela
jurisdicional poderá ser utilizada para a defesa coletiva do consumidor em juízo,
como se extrai do disposto no art. 83 do CDC. Com efeito, é cabível ação com
pedido condenatório, meramente declaratório (positivo ou negativo), ou
122constitutivo (negativo ou positivo). É admissível também o ajuizamento de ações
cautelares, executivas e mandamentais. Essa regra se aplica à LACP, por força
dos arts. 90 e 117 do CDC, em combinação com o art. 21 da LACP.
Além das disposições constantes do art. 83 do CDC, que admite toda e
qualquer ação para a tutela dos direitos dos consumidores, o art. 90 do mesmo
Diploma estatuiu regra sobre a aplicabilidadeàs ações nele previstas, não só da
LACP como também do CPC, naquilo que não contrariar suas disposições.
Quanto ao CPC, a aplicabilidade é subsidiária, mas em relação à LACP (art. 21),
apl icabilidade é integrada.
Considerando que o CDC adotou critério tripartido sobre o objeto material do
processo coletivo (art. 81, .parágrafo único), convém consignar que, para os direitos
ou interesses coletivos ou difusos, respectivamente definidos nos incisos I e II ldo
parágrafo único do art. 81 do CDC, a ação coletiva prevista segue as disposições
processuais previstas na LACP, com a aplicabilidade, no que couber, das disposições
constantes do Título III do CDC e do CPC. Para a ação coletiva que visa à tutela dos
direitos ou interes-individuais homogêneos, o CDC reservou o Capítulo II do Título III,
que é a denominada ação coletiva de responsabilidade pelos danos individualmente
sofridos (art. 91). Portanto, para essa espécie de tutela coletiva, as disposições
processuais a serem observadas estão ^vistas no arts. 91 ut 100 do CDC, com a
aplicabilidade, no que louber, das disposições processuais dos outros capítulos do
Título III do CDC, da LACP e do CPC.
6.3.4 Ação Popular
Segundo GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA, “por ter como legitimado ativo o
próprio cidadão e por decorrer de seu direito político de participação, a Ação
123Popular é a mais legítima das ações coletivas pertencentes ao direito processual
coletivo comum”. 141
A ação popular como garantia constitucional fundamental está especialmente
direcionada para a tutela dos direitos difusos. Como garantia constitucional
fundamental, encontra-se consagrada no art. 5º, LXXIII, da CF que estabelece:
"qualquer cidadadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato
lesivo ao património público ou de entidade de que o Estado participe, à
moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao património histórico e cultural,
ficando o autor, salvo comprovada ma-te, isento de custas judiciais e do ónus da
sucumbência".
A ação popular, na forma em que se encontra consagrada no sistema
constitucional brasileiro, equivale a um verdadeiro remédio colocado à disposição de
qualquer cidadão para a defesa de direitos difusos fundamentais. Por intermédio
desse remédio político-constitucional, o cidadão age investido de legitimidade para o
exercício de um poder de natureza essencialmente política. Constitui esse seu agir,
cono explica José Afonso da Silva, expressão direta da soberania popular
consagrada no art. 1º, parágrafo único, da Constituição, quando estabelece que: "todo
poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou
diretamente, nos termos desta ' onstituição". Assim, é um nobre direito constitucional
de participação política e ao mesmo tempo uma garantia constitucional fundamental
que vai ao encontro da concepção Estado Democrático de Direito brasileiro142.
A ação popular tem origem no direito romano. Na época não era ainda
concebida a personalidade jurídica do Estado, razão pela qual a concepção era de
que os bens públicos pertenciam a Itdos os cidadãos romanos. Com efeito, existia
um extenso rol de .ações populares, porém a sua maioria era de ações populares de
141 Op. Cit., p. 155
142 José Afonso da Silva ainda acrescenta: "Revela-se como uma forma de participação do cidadão na vida pública, no exercício de uma função que lhepertence primeriamente. Ela dá a oprotuinidade. de o cidadão exercer diretamente a função fiscalizadora, que, por regra, é feita por meio de seus representantes nas Casas Legislativas, Curso de direito constitucional positivo, Ed. Malheiros, São Paulo, 1992., p. 404).
124natureza penal. Contudo, no direito intermédio houve uma mitigação muito grande
da ação popular, principalmente em decorrência da cride pela qual passou na Idade
Média o poder político, que foi muito preisionado pelos setores privados, representados
essencialmente pela Igreja e pelos senhores feudais. Na Idade Moderna, em
decorrência do absolutismo, a ação popular continuou adormecida, sem perspectiva
de se revigorar. Todavia, com a implantação do Estado de Direito e do Regime
Democrático na Idade Contemporânea, a ação popular ressurgiu com uma nova e
moderna fisionomia: é hoje garantia constitucional essencial para a democracia,
concebida como direito político de participação popular e também como garantia ins-
trumental preventiva e corretiva dos atos da administração pública.
No direito brasileiro, observa-se que a primeira Constituição a consagrar a
ação popular foi a de 1934. E certo que a Carta Imperial de 1824 trazia em seu art. 157
uma espécie de ação popular, mas de natureza penal. Contudo, a Carta outorgada de
1937, como resultado do autoritarismo implantado, suprimiu do sistema constitucional
brasileiro a ação popular, que veio a ressurgir no Brasil com a Constituição
Democrática de 1946. Em 29 de junho de 1965 foi publicada a Lei n. 4.717, que
passou a regulamentar a ação popular e está até hoje em vigor. A Constituição de
1967 e a Constituição emendada de 1969 mantiveram a ação popular. Na atual
Constituição Federal, o objeto da ação popular foi ampliado. É o que se extrai da
redação, já transcrita acima, do art. 5º, LXXIII.
A atual Carta magna, com texto analítico, apliou muito o objeto ação popular,
o que representa um grande avanço ao sistema das garantias constitucionais
democráticas. Hoje, pela redação do art. 52, LXXIII, da CF, poderão também ser
tutelados pela via constitucional da ação popular: a moralidade administrativa c o
meio ambiente.
De ressaltar também a interpretação constitucional sobre a matéria feita por
ELIVAL DA SILVA RAMOS :
"A Constituição de 1988 inovou, outrossim, ao contemplar ação popular
eleitoral, voltada à impugnação de mandado eletivo obtido por meio de
125abuso do poder económico, corrupção ou fraude (§§10 e 11 do art. 14 da
CF). Embora o Texto Magno silencie no tocante à legitimação ativa,
pensamos que cabe ao Ministério Público Eleitoral e, concomitantemente, a
qualquer cidadão ou partido político, o 11 ue a caracteriza como uma ação
popular corretiva e subsidiária de natureza eleitoral".143
Dentro do novo texto constitucional, o assunto mais polêmico que se refere à
ação popular e merece neste trabalho, mesmo ( mesmo de modo bem objetivo,
atenção especial, reside no elemento moralidade administrativa, que poderá
também ser objeto de ação popular. Discute-se muito se seria necessária a
presença, além da imoralidade, da ilegalidade, ou se a imoralidade deveria ser
vista como um elemento autônomo e, portanto, suficiente, por si só, para o cabimento
da ação popular. Dentre outros, José Carlos Barbosa Moreira sustenta que, mesmo
diante da nova redação do texto cons-lilucional, ainda é imprescindível alegar vício
de ilegalidade, sob pena de se cair em um "subjetivismo total", dando margens a
aventuras judiciais indesejadas. José Afonso da Silva após afirmar que a oralidade,
consoante preceitua o art. 37 da CF, é definida como um dos princípios da
administração pública, sustenta que é possível a lei ser cumprida moral ou
imoralmente e esclarece que uma lei pode ser executada com o intuito de prejudicar
alguém ou com o intuito de beneficiar alguém; nessas hipóteses estar-se-á praticando
um ato formalmente legal, mas comprometido materialmente com a moralidade
administrativa.
Nesse mesmo diapasão, posiciona-se RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO:
"A 'moralidade administrativa' como causa autônoma — Presente a
ampliação do objeto da ação popular, a partir do novo conceito inserto no art. 5º,
LXXIII, da Constituição Federal, impende destacar um aspecto muito
importante: se a causa da ação popular for um ato que o autor reputa
ofensivo à moralidade administrativa, sem outra conotação de palpável lesão
143 Elival da Silva Ramos, Ação popular como instrumento de participação política, RT, São Paulo, 1991, p. 129
126ao erário, cremos que em princípio a ação poderá vir a ser acolhida, em
restando provada tal pretensão, porque a atual CF erigiu a 'moralidade
administrativa' em fundamento autónomo para a ação popular (...)"144.
Considera-se que razão assiste a esses dois últimos autores. O desejo do
constituinte foi justamente esse, ou seja, possibilitar, por intermédio de ação
popular, a tutela da moralidade administrativa de forma autônoma. A moralidade é
modernamente um dos elementos fundamentais com que deve agir o administrador
público, uma vez que é por seu intermédio que se separa o justo do injusto, o ho-
nesto do desonesto.
Não se pode esquecer que a ação popular, assim como o mandado de
segurança e o mandado de injunção, tem dignidade constitucional de garantia
constitucional fundamental e é instrumento de tutela dos direitos primaciais da
sociedade, razões pelas quais não é compatível interpretação restritiva a seu
respeito.
Além da moralidade administrativa, o constituinte também inovou ao
possibilitar a tutela do meio ambiente também por intermédio da ação popular,
denominada pela doutrina ação popular ambiental. O meio ambiente é espécie de
direito difuso por excelência e é decorrência do direito à própria vida. Diz o texto
constitucional no art. 225: "Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo
para as presentes e futuras gerações". Nesse aspecto, o legislador constituinte de
1988 foi muito feliz ao permitir a tutela do meio ambiente como direito difuso
fundamental pelo cidadão.
144 Ação popular, p.89
127Também como espécies de direitos difusos por excelência, o património
histórico e o cultural poderão ser tutelados pelo cidadão pela via da ação popular, o
que já admitia a legislação anterior (Lei n. 4.717/65, art. 1a, § 1º)
Somente poderá propor ação popular o cidadão. Mas que cidadão?
Prevalece o entendimento que basta a cidadania mínima, consistente simplesmente
na capacidade de votar. Todavia, o art. 5º, LXXIII, da CF não traz essa restrição. Con-
siderando que a ação popular é consagrada constitucionalmente como garantia
fundamental, não é compatível que se faça interpretação restritiva em torno da
concepção de cidadão. Assim, o § 3º do art. 1º da Lei n. 4.717/65, que restringe a
concepção de cidadão para efeitos de legitimidade ativa na ação popular, não foi
recepcionado pela Constituição atual. Com efeito, a concepção de cidadão, para fins
de ação popular, deve ser extraída do art. 1º, III, da CF, que consagra o princípio da
dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de
Direito. Portanto, o índio, o analfabeto que não se alistou, os que estejam com os
seus direitos políticos suspensos, etc., podem ajuizar ação popular.
A ação popular como garantia constitucional é uma verdadeira ação
coletiva, tanto que visa tutelar um direito transindividual (difuso). A coisa julgada
nela produzida também tem tratamento especial e eficácia erga omnes.
De se ressaltar que a ação popular não é uma ação excludente de outras
ações coletivas, como querem sustentar algumas vozes desavisadas da doutrina e
da jurisprudência. É ela espécie de ação coletiva concorrente com outras ações
coletivas, especialmente com a ação civil pública, para a tutela dos direitos difusos
elencados no art. 5º, LXXIII, da CF, os quais também poderão ser objeto de ação civil
pública por força do art. 129, III, da CF. Entendimento em sentido contrário inviabiliza
a utilização da ação civil pública para a tutela do meio ambiente, do erário e do
património histórico e cultural, o que seria um verdadeiro atentado contra o Estado
Democrático de Direito brasileiro.
Aponta a doutrina, ainda, que três são os elementos caracterizadores da
democracia e que se encontram presentes na ação popular: a) o Estado de Direito,
128onde é natural a legalidade e o controle dos |atos administrativos pelo judiciário;
b) o Estado, com o seu patrimônio, voltado para a realização do povo; e c) a
participação popular na administração pública.
Apesar de a ação popular ser concebida como um magnífico instrumento da
democracia brasileira, a grande maioria da população ainda não tem noção dos seus
direitos fundamentais nem principalmente de sua cidadania e, portanto, de seu poder
de participação política e de correção dos atos administrativos. Essa grande proble-
mática política e social tem colocado a ação popular, no campo da pragmática, em
um segundo plano, pois ainda não é devidamente utilizada. Em muitos casos em
que ela é exercida, encontram-se em jogo manobras e brigas politiqueiras. Em um
futuro próximo, quem sabe o cidadão brasileiro, já consciente de seus direitos
políticos de participação na administração pública, possa fazer da ação popular o
remédio constitucional mais utilizado para prevenção e correção das ilegalidades e
imoralidades administrativas.
6.3.5. Dissídio coletivo
O dissídio coletivo está também consagrado na Constituição Federal, em seu
art. 114, que estabelece que é da competência da Justiça do Trabalho conciliar e
julgar os dissídios individuais e coletivos, e no seu § 2º, dispõe: "Recusando-se
qualquer das partes à negociação ou à arbitragem, é facultado aos respectivos
sindicatos ajuizar dissídio coletivo, podendo aJustiça do Trabalho estabelecer
normas e condições, respeitadas asdisposições convencionais e legais mínimas de
proteção ao trabalho".
O dissídio coletivo ingressou no ordenamento jurídico brasileiro, em 1943,
com a Consolidação das Leis do Trabalho, e está ainda previsto nesse diploma legal
(art. 856 usque art. 875). A partir daí essa espécie de ação coletiva teve previsão
em todas as Constituições, mesmo às vezes que de forma indireta. A Constituição
de 1946 dispunha em seu art. 123, § 2º: "A lei especificará os casos em que as
129decisões, nos dissídios coletivos, poderão estabelecer normas e condições de
trabalho". A Constituição de 1967 e a Emenda Constituicional de 1969 o previam em
seu art. 142, § 1º: "A lei especificará os casos em que as decisões, nos dissídios
coletivos, poderão estabelecer normas e condições de trabalho".
A Constituição atual foi a que lhe deu maior amplitude, ao dispor que, por
intermédio do dissídio coletivo, a Justiça do Trabalho poderá estabelecer normas e
condições, desde que "respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas
de proteção ao trabalho" (art. 114, § 2º). Interpretando essa disposição
constitucional, escreve IVES GANDRA MARTINS FILHO que a Justiça do Trabalho
passou a ter poder normativo amplo e tem como limite a lei, a qual não pode contrariar.
Assim não pode fixar condições menos favoráveis contrariamente àquelas já
asseguradas legalmente ao trabalhador.
Quanto ao Objeto e natureza. O dissídio coletivo está inserido no direito
processual coletivo comum, pois sua finalidade é tutelar interesses coletivos dos
trabalhadores, e possibilitar que a Justiça do Trabalho, na sua apreciação, fixe
condições de trabalho não previstas em lei, tutelando-se, assim, interesses gerais e
abstratos.
Note-se que por intermédio do dissídio coletivo os tribunais trabalhistas, de
acordo com a respectiva esfera de competência, exercem poder normativo criando
comando normativo novo e têm como limite o que dispõe o art. 114, § 22, da CF.
Ives Gandra Martins Filho apresenta o seguinte conceito sobre esta espécie
de ação coletiva:
"(...) o dissídio coletivo constitui uma ação trabalhista da categoria (em
geral profissional contra a económica), visando o estabelecimento de novas
e mais benéficas condições de trabalho, como meio de se resolver o conflito
coletivo entre o capital e o trabalho, através do exercício do poder normativo
130da Justiça do Trabalho (poder discricionário e legiferante, fundado na
conveniência e oportunidade de alterar as normas laborais vigentes)".145
O dissídio coletivo está inserido no direito processual coletivo comum, já que
visa tutelar abstratamente direitos e interesses coletivos dos trabalhadores.
Através dele e da denominada sentençanormativa, busca-se um comando
normativo novo. Esse comando normativo, que vige no plano da abstração caso não
seja observado espontaneamente, poderá ser efetivado jurisdicionalmente pela tutela
jurisdicional individual legalmente prevista para esse fim, qual seja, a ação de
cumprimento prevista no art. 872, parágrafo único, da CLT.
Entretanto, o dissídio coletivo é considerado uma ação coletiva de natureza
especialíssima seja pela sua finalidade, seja em decorrência da peculiaridade do
comando normativo dele emergente, seja pela sua aplicabilidade restrita à Justiça do
Trabalho, seja em razão da especialidade de seu procedimento, seja ainda pelos
seus pressupostos específicos de admissibilidade.
Portanto, assim como a maioria das outras espécies de ações coletivas, o
Dissídio Coletivo tem abrigo constitucional e está inserido no que se denomina no
presente trabalho de direito processual coletivo.
Por essa espécie de ação coletiva podem ser tutelados direitos ou interesses
difusos, direitos ou interesses coletivos e direitos ou interesses individuais
homogêneos; não há, nesse sentido, desde que se trate de matéria trabalhista,
qualquer restrição constitucional. Todavia, o Dissídio Coletivo, seja pelo seu escopo,
que é estabelecer comando normativo abstrato, de incidência transindividual, por
intermédio de sentença normativa, seja em decorrência de seus requisitos especiais
de admissibilidade processual, diferencia-se de todas as outras ações coletivas, tanto
que a doutrina, em razão de seus pressupostos específicos, o considera como
uma ação coletiva especialíssima.
145 Ives Gandra Martins Filho, Processo coletivo do trabalho, 2ª ed. , LTr, São Paulo, 1996,p. 42.
131Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e
criminal, por danos causados ao meio ambiente".
6.5 Objeto do Direito Processual Coletivo Comum
Para a devida compreensão do direito processual coletivo, como ficou
demonstrado nas considerações iniciais do presente trabalho, é de fundamental
importância a fixação de seu objeto material, aferindo-se daí o seu alcance e o seu
verdadeiro sentido.
Já foi ressaltado que o direito processual coletivo se biparte em direito
processual coletivo comum, que se destina à tutela de direitos coletivos lesados ou
ameaçados de lesão em decorrência de conflitos coletivos existentes no mundo da
concretude, e em direito processual coletivo especial, que se destina ao controle em
abstrato da constitucionalidade, cujo objeto de tutela é o interesse coletivo objetivo
legítimo.
Mais precisamente no campo do direito processual coletivo comum, a que
precisamente está voltado o núcleo deste trabalho, a importância na aferição do seu
objeto material se ressalta, tendo em vista que, no plano dos conflitos sociais, ou seja,
dos litígios propriamente ditos, a forma de tutela jurisdicional poderá ser coletiva (quando
está em jogo uma afirmação de direito coletivo em sentido lato) ou individual
(quando está em jogo afirmação de direito individual puro, decorrente do conflito
interindividual). Daí ser necessário definir e delimitar o objeto material do direito
processual coletivo comum, a fim de se distinguir a tutela jurisdicional pela via do
direito processual individual da tutela jurisdicional de direito processual coletivo
comum.
Ressalta-se que em determinadas hipóteses o direito coletivo l também
pode apresentar dimensão individual. Assim, considerando que os direitos difusos o
objeto é indivisível, pode ocorrer que a violação dese direito venha a atingir,
132particularmente, também o indivíduo. A Constituição Federal garante que "a lei não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito" (art. 5º ,
XXXV). Assim .o indivíduo atingido em sua esfera particular poderá vir a juízo), v. g.,
para pedir que determinada fábrica tome as medidas necessárias para não mais jogar
resíduos contamináveis em um terreno ao lado de sua residência, o que lhe estava
causando doença respiratória e intranquilidade pelo mau cheiro. A procedência de
seu pedido acaba por tutelar, no mundo dos fatos, por via reflexa um interesse ou
direito difuso pertencente a uma comunidade sous indeterminadas, que tem "direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado" (art. 225 da CF). Nessas hipóteses, a tutela
Indlvidual é potencializada, pois tem o condão de produzir efeitos reflexos no mundo
dos fatos, de sorte a beneficiar uma comunidade de pessoas titulares desses
direitos difusos fática e juridicamente indivisíveis. Contudo, nem por isso estar-se-
ia diante de uma espécie de tutela jurisdicional coletiva.
Com o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078, de 11/9 /990), houve
a divisão e a conceituação precisa dos direitos ou interesses transindividuais ou
metaindividuais em duas categorias: os difusos e os coletivos. Foi criada ainda
uma terceira categoria, denominada direitos ou interesses individuais homogêneos
(art. 81, parágrafo único, I, II e III, do CDC).
GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA, comentando o assunto, assim explicita
a questão envolvendo os interesses – ou direitos - coletivos sob ótica em
comento
“KAZUO WATANABE, um dos autores do anteprojeto do CDC, ao
comentar o art. 81, perág. único, esclarece que o legislador preferiu definir os
direitos ou interesses coletivos, para evitar o retardamento da efetiva tutela de
tais direitos, que poderia ocorrer em razão de dúvidas e discussões
doutrinárias a respeito do assunto. Faz acrescentar, ainda, Watanabe que os
termos intereses e direitos foram utilizados como sinônimos, já que, a partir do
instante em que os interesses passam a ser amparados pelo Direito, acabam
133por assumir o mesmo status de direitos. Portanto, não resta razão prática ou
mesmo teórica para a diferenciação ontológica entre eles.
(...) esclarece Kazuo Watanabe, sustentando que a concepção de
direito subjetivo sempre foi vinculada a um titular determinado ou pelo menos
determinável, o que impediu por muito tempo que os interesses de toda uma
coletividade e de cada um dos seus membros pudessem ser concebidos
como juridicamente protegíveis. Era justamente a estreiteza da concepção
tradicional de direito subjetivo, vinculada ao indivíduo (concepção liberal
individualista), que impedia a tutela jurisdicional desses interesses
massificados, hoje concebidos também como direitos subjetivos em sentido
amplo. Continua o mencionado processualista:
‘Com o tempo, a distinção doutrinária entre 'interesses simples' e
'interesses legítimos' permitiu um pequeno avanço, com a outorga de
tutela jurídica a estes últimos. Hoje, com a concepção mais larga do direito
subjetivo, abrangente também do que outrora se tinha como mero 'interesse'
na ótica individualista então predominante, ampliou-se o espectro de tutela
jurídica e jurisdicional. Agora, é a própria Constituição Federal que,
seguindo a evolução da doutrina e da jusrisprudência, usa dos termos
‘interesses’ (art. 5º, LXX, b), ‘direitos e interesses coletivos’(art. 129, n III),
como categorias amparadas pelo Direito. Essa evolução é reforçada, no
plano doutrinário, pela tendência hoje bastante acentuada de se interpretar
as disposições constitucionais, na medida do possível, como atributivas
de direitos, e não como meras metas programáticas ou enunciações de
princípios(...)’ “ 146
Portanto, na definição HUGO NIGRO MAZZILLI, interesses ou direitos
difusos são:
146 Op. cit., págs. 486 e 487.
134Difusos — como os conceitua o CDC — são interesses ou
direitos "transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares
pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato". Os
interesses difusos compreendem grupos menos determinados de
pessoas (melhor do que pessoas indeterminadas, são antes pessoas
indetermináveis), entre as quais inexíste vínculo jurídico ou fático
preciso. São como um feixe ou conjunto de interesses individuais, de
objeto indivisível, compartilhados por pessoas indetermináveis, que
se encontram unidas por circunstâncias de fato conexas”.147
No mesmo sentido, esclarece a respeito de interesses coletivos:
“Em sentido lato, ou seja, de maneira mais abrangente, a
expressão interesses coletivos refere-se a interesses transindividuais,
de grupos, classes ou categorias de pessoas. Nessa acepção larga é
que a Constituição se referiu a direitos coletivos em seu Título II, ou a
interesses coletivos, em seu art. 129, III; ainda nesse sentido é que o
próprio CDC disciplina a ação coletiva, que se presta não só à defesa de
direitos coletivos stricto sensu, mas também à defesa de direitos e
interesses difusos e individuais homogéneos”148.
Ao mesmo tempo em que se admite esse conceito amplo de
interesses coletivos, o CDC, entretanto, introduziu também um conceito
mais restrito de interesses coletivos. Coletivos, em sentido estrito, são
interesses transindividuais indivisíveis de um grupo determinado ou
determinável de pessoas, reunidas por uma relação jurídica básica
comum.
Prossegue o festejado Mestre, quanto aos direitos individuais
homogêneos: 147 Hugo Nigro mazzilli, A Defesa dos interesses difusos em juízo, Saraiva, 18ª edição, 2005, p. 50. 148 Op., cit. p. 52.
135
“ Para o CDC, intersses individuais homogê neos são aqueles
de grupo, categoria ou classe de pessoas determinadas ou
determináveis, que compartilhem prejuízos divisíveis, de origem
comum, normalmente oriundos das mesmas circunstâncias de fato.
Em sentido lato, os interesses individuais homogêneos não
deixam de ser intewresses coletivos.
Tanto os interesses individuais homogéneos como os difusos
originam-se de circunstâncias de fato comuns; entretanto, são
indetermináveis os titulares de interesses difusos, e o objeto de seu
interesse é indivisível; já nos interesses individuais homogéneos, os
titulares são determinados ou determináveis, e o objeto da pretensão é
divisível (isto é, o dano ou a responsabilidade se caracterizam por sua
extensão divisível ou individualmente variável entre os integrantes do
grupo)”149.
Como contribuição ao estudo do tema, abaixo reproduzimos quadro
sinótico, criado por HUGO NIGRO MAZZILLI, molde a identificarmos melhor as
diferenças entre cada uma das espécies de direitos ou interesses em torno dos
quais gravita o objeto do direito processual coletivo comum .
149 Op. Cit., p. 53-54
Interesses Grupo Objeto Origem
Difusos indeterminável indivisível situação de fato
Coletivos determinável indivisível relação jurídica
Ind. Homog. determinável divisível origem comum
136“Na verdade, o quadro sinótico acima apenas enfatiza que: a)
nos interesses difusos, o liame ou nexo que agrega o grupo está
essencialmente concentrado numa situação de fato compartilhada de
forma indivisível, por um grupo indeterminável; b) nos interesses
coletivos, o que une o grupo é uma relação jurídica básica comum, que
deverá ser solucionada de maneira uniforme e indivisível para todos
seus integrantes; c) nos interesses individuais homogêneos, há sim
uma origem comum para a lesão, fundada tanto na situação de fato
compartilhada pelos integrantes do grupo, como na mesma relação
jurídica que a todos envolva, mas, o que lhes dá a característica e
inconfundível, é que o proveito pretendido pelos integrantes do grupo
é perfeitamente divisível entre os lesados”.150
6.6 Princípios do Direito Processual Coletivo Comum
No sentido vulgar da expressão, o vocábulo princípio significa a origem, o
começo151, ou seja, o nascedouro. De Plácido e Silva, nesse mesmo sentido, afirma
“que princípio deriva do latim principium” e, em sentido vulgar, exprime o começo da
vida ou o primeiro instante em que pessoas ou coisas começam a existir152.
Aurélio Buarque de Holanda Ferreira demonstra o sentido plúrimo do
termo princípio, apresentando-o como: origem; começo; preceito, no sentido de
regra, de lei, e também como proposição, que se põe no início de uma dedução, e
que não é deduzida de nenhuma outra dentro do sistema considerado153.
No campo do direito, explica De Plácido e Silva que princípio tem significado
de norma elementar ou preceito primordial instituído como base, como alicerce de
alguma coisa. Nessa concepção, os princípios exprimem sentido mais importante que
150 Op. cit., p. 55.151 Maria Helena Diniz, Dicionário jurídico, v.3, p. 717152 Vocabulário jurídico, v. 3 e 4, p. 447153 Novo dicionário da língua portuguesa, p. 1393
137as regras jurídicas e significam pontos básicos que constituem o próprio alicerce do
direito. Ainda conclui o autor citado:
"E, nesta acepção, não se compreendem somente os fundamentos
jurídicos, legalmente instituídos, mas todo axioma jurídico derivado da cultura
jurídica universal. Compreendem, pois, os fundamentos da Ciência Jurídica,
onde se firmaram as normas originárias ou as leis científicas do Direito, que
traçam as noções em que se estrutura o próprio Direito.
Assim, nem sempre os princípios se inscrevem nas leis. Mas,
servem de base ao Direito, são tidos como preceitos fundamentais para a
prática do Direito e proteção aos direitos".154
PAULO FERREIRA DA CUNHA sustenta que os princípios no campo do direito
podem se apresentar de duas formas distintas: de um lado, como decantações
dogmáticas, generalizações feitas pela doutrina apartir de normas; de outro, seriam
grandes idéias-força carregadas de juridicidade, que estão encarnadas sob diferentes
formas em regras concretas.."155
KARL LARENZ escreve que os princípios jurídicos não têm o caráter de regras
concebidas de forma muito geral. Em grau muito elevado, o princípio não contém
nenhuma especificação de previsão e conceqüência jurídica, mas só uma idéia
jurídica geral, pela qual se orienta a concretização ulterior, como por um fio condutor.
Aponta o autor como exemplo o Princípio do Estado de Direito, o princípio da Dignidade
da Pessoa Humana, dentre outros.156
LARENZ também divide o sentido de princípios. De um lado estariam os
princípios como forma de proposição jurídica, que seriam os princípios jurídicos
condensados, de forma expressa ou implícita, numa regra imediatamente aplicável.
154 Vocabulário jurídico, p. 447155 Sustenta ainda o citado autor que os princípios de índole dogmática, doutrinal, só tem interesse para efeitos de organização metodológica, sistematização e importância didática (Princípios de direito, p. 314)156 Metodologia da Ciência do Direito, p. 674
138Do outro, os princípios denominados por ele de princípios abertos, os quais não
têm caráter de norma. Todavia, o citado jurista alemão adverte:
"(...) A distinção não deve, porém, ser entendida no sentido de una
separação rígida; as fronteiras entre os princípios 'abertos' e os pimcípios
'com forma de proposição jurídica' é antes fluida. Não pode indicar-se com
exatidão o ponto a partir do qual o princípio está tão amplamente
concretizado que pode ser considerado como princípio com a forma de
proposição jurídica”.
É no campo do direito constitucional que a visão de princípio mais tem se
desenvolvido nos últimos tempos, principalmente para dar sentido aos preceitos
constitucionais pertinentes ao Estado Democrático de Direito, como os relacionados
com a igualdade, dignidade da pessoa humana, liberdade etc.
Nesse sentido, Maria Helena Diniz afirma que, “no plano do direito
constitucional, princípio seria a norma implícita ou explícita que determina as
diretrizes fundamentais dos preceitos da Carta Magna e influencia sua
interpretação”.157
Dada a atual relevância do direito constitucional e da própria interpretação
constitucional nos outros ramos do direito, passa a ser de extrema importância a
compreensão dos princípios constitucionais, principalmente aqueles que devem servir
de parâmetro para a solução das questões jurídicas pertinentes ao direito processual
coletivo, como ramo fundamental do direito processual para a efetividade dos direitos
coletivos primaciais da sociedade.
RUY SAMUEL ESPÍNDOLA faz o seguinte esclarecimento quanto às funções dos
princípios constitucionais::
157 Dicionário jurídico, v 3, p.717
139"Os princípios constitucionais além de servirem como parâmetro para
solução de problemas jurídicos que exijam a sua aplicação normativa, ainda
funcionam como critérios interpretativos para solução de outros casos, que não
lhes solicitem, diretamente, aplicação jurídica. Esses casos podem ter em mira
tanto normas constitucionais quanto infraconstitucionais. Ou seja, os princípios
constitucionais, além de desempenharem a função de normas com diferentes
graus de concretização, ainda funcionam como critério para interpretação de
outas normas, não importando o nível hierárquico normativo dessas.”158
WILLIS SANTIAGO GUERRA FILHO, fazendo referência aos estudos de Canotilho,
apresenta a classificação dos princípios constitucionais da seguinte forma:
“a) princípios fundamentais estruturantes, nos quais estão inseridos o
Princípio do Estado de Direito e o Princípio Democrático, este o mais
importante; b) princípios fundamentais gerais, dentre os quais se destaca o
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, como núcleo fundamental dos
direitos humanos; c )princípios constitucionais especiais, que abrangem todos os
outros princípios previstos na Constituição, como o do devido processo legal, o do
contraditório etc.; e d) princípios constitucionais — simples regras, que se com-
põem do conjunto de regras jurídicas constitucionais fundamentadas nos
princípios e vinculadas com o mundo da casuística. Os princípios processuais
previstos na Constituição, portanto, estariam inseridos nos princípios
constitucionais especiais”. 159
WlILLIS explica também que os “princípios são generalizantes e relativos,
contendo valores que dão validade e eficácia às regras no plano da concretude”. 160
No tange ao direito processual, princípio seria a diretriz que orienta, de uma
forma ou de outra, a atividade jurisdicional.
158 Ruy Samuel Espíndola, Conceito de princípios constitucionais, Apresentação de J.J. Gomes Canotilho, São Paulo, 1999, RT.159 Willis Santiago Guerra Filho, Processo constitucional e direitos fundamentais, Ed. Celso Bastos, São Paulo, 1999. p. 47.160 Idem, Op. Cit., p. 54.
140
De regra, o campo de aplicabilidade de um princípio processual é amplo;
todavia, em alguns casos é mais restrito. O certo é que em todos os outros ramos
do direito os princípios desempenham papel fundamental no direito processual ,
principalmente os que recebem abrigo constitucional.
Nelson Nery explica que prestigiosa doutrina do século passado, quando se
passava da fase da recepção do direito romano para a das codificações, acabou
construindo e equacionando o problema dos princípios no direito processual; para
tanto, os dividiu em princípios informativos e, princípios fundamentais.161
Nesse sentido GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA:
“Os princípios informativos seriam princípios universais sem
conotação ideológica, considerados axiomas, que visam inspirar o
desenvolvimento e a efetividade de todos os sistemas processuais existentes.
Seriam eles: a) o lógico, que seria a busca de meios e medidas mais
eficazes para descobrir a verdade e evitar o erro; b) o jurídico, que significa
a garantia da igualdade no processo e ao mesmo tempo a justiça na decisão;
c) o político, que visa inspirar o máximo de garantia social, com o mínimo
possível de sacrifício ou violação da liberdade; e d) o econômico, que visa
inspirar o aperfeiçoamento do sistema, para que o processo se torne mais
acessível a todos, diminuindo o seu custo e o prazo de sua duração'”.
“ Os princípios fundamentais são os que o sistema jurídico abrigou,
expressa ou implicitamente, considerando, para isso, aspectos políticos e
ideológicos. Ada Pellegrini, António Carlos Araújo Cintra e Dinamarco manifestam
que: "A experiência jurídica, segundo conhecidíssimo pensamento
161 Princípios Fundamentais – teoria geral dos recursos, 5ª. ed. RT, São Paulo, 2000, p. 277
141jurisfilosófico, pode ser estudada por três aspectos: norma, valor e fato. Sob o
ângulo da norma, constrói-se a epistemologia (ciência do positivo), à qual
pertence a dogmática jurídica, que estuda o direito como ordem normativa. Os
valores éticos do direito são objeto da deontologia jurídica. O fato é estudado
pela culturologia. Alguns dos princípios gerais do direito processual colocam-se
entre a epistemologia e a deontologia, entre a norma e o valor ético, no miminar
de ambos”.162
Todos os princípios constitucionais processuais têm aplicabilidade no direito
processual coletivo comum. Dentre eles, destaca-se fundamentalmente o princípio
do devido processo legal (art. 5B, LIV, da CF), em seu sentido substancial e
processual. No sentido processual, que mais interessa, observa-se que o devido
processo legal impõe a observância na tutela jurisdicional coletiva comum das re-
gras fundamentais sobre direito processual coletivo comum previstas no CDC e na
LACP, as quais, em decorrência da perfeita interação existente entre elas, constituem
hoje um microssistema integrado de normas básicas sobre o direito processual
coletivo comum (art. 21 da LACP e art. 90 do CDC). Com efeito, caso não sejam
observadas essas regras e se parta para a aplicabilidade das regras ortodoxas
liberais individualistas do processo civil clássico, haverá vício de invalidade
processual possível de sanção de nulidade absoluta do processo coletivo por
desrespeito ao princípio do devido processo legal.
Os princípios do contraditório e da ampla defesa também são
fundamentais no direito processual coletivo comum. Não obstante terem sido
criados vários instrumentos para dar maior efetifvidade aos direitos coletivos e
atender ao interesse social com o resultado consagrador da coisa julgada coletiva, não
existe propriamente mitigação desses princípios pelo sistema de tutela jurisdicional
coletiva adotado no Brasil.
Outros princípios têm idêntica aplicabilidade no direito processual coletivo
comum, como o princípio do juiz natural (art. 5º, XXXVII e LIII), o da.publicidade 162 Op. Cit, pág. 567.
142dos atos processuais (arts. 5º, LX, e 93, IX, da CF), o da motivação das decisões
jurisdicionais (art. 93, IX, da CF), da inadmissibilidade das provas obtidas por
meios ilícitos (art. 5º, LVI, da CF).
Não se pode esquecer do princípio da ínafastabilidade das decisões judiciais,
que está estatuído no art. 5º, XXXV, da CF, o qual é concebido como garantia e
direito fundamental ao acesso à justiça.
Tal princípio constitui, no âmbito dos princípios e garantias constitucionais
processuais, o fundamento primário do direito processual coletivo comum. Ao
estabelecer que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou
ameaça a direito", não restringe a tutela jurisdicional aos direitos ou interesses
individuais, como na Constituição anterior, além de ser um dos suportes
constitucionais de fundamentação do direito processual coletivo comum e ins-
trumento de acesso à justiça para a tutela dos direitos coletivos.
Feito o estudo geral dos princípios, analisando-os, seja quanto à teoria geral
do direito, seja quanto ao direito constitucional, constatou-se que: a)
modernamente, os princípios jurídicos devem ser analisados e refletidos não mais
somente no plano da abstração, mas também em consonância com a realidade
social, na qual devem estar legitimados; b) o sistema constitucional brasileiro é
aberto e dinâmico por força do princípio democrático, que o inspira e dá
fundamentação ao direito processual coletivo como um novo ramo do direito
processual; c) existem princípios expressos e implícitos no ordenamento jurídico,
portanto cabe ao intérprete e ao aplicador do direito, com base principalmente no
princípio democrático, extrair do texto constitucional e dos infraconstitucionais essas
diretrizes principiológicas , que podem ser concebidas como regras de definição do
direito ou como normas interpretativas.
Cabe aqui algumas considerações sobre o que GREGÓRIO ASSAGRA DE
ALMEIDA chama de Princípio do interesse jurisdicional no conhecimento do mérito
do processo coletivo:
143
“O Poder Judiciário no sistema constitucional atual exerce um papel
fundamental para a efetivação dos direitos e garantias fundamentais. Deixou,
assim, de ser órgão de resolução tão-só de conflitos interindividuais e passou
a assumir uma nova e legítima função: o de Poder transformador da
realidade social. Ele assim o faz no exercício da jurisdição coletiva. É por
essa via potencializada que o Poder Judiciário terá condições de cumprir, com
mais eficácia, o seu compromisso constitucional com o Estado Democrático de
Direito. É por essa via, portanto, que poderá dar efetividade às normas
constitucionais garantidoras dos direitos coletivos fundamentais básicos.
Tanto é verdade a assertiva acima, que o art. 5º, XXXV, da CF
estabelece que o Poder Judiciário é órgão de apreciação de qualquer espécie
de alegação de direito, individual ou coletivo. É por intermédio do direito
processual coletivo comum que o Poder Judiciário modernamente deve
cumprir o seu verdadeiro papel: enfrentar e julgar as grandes causas sociais,
como as relativas ao meio ambiente, patrimônio público, consumidor etc., a
fim de transformar a realidade social com justiça.
O princípio do interesse jurisdicional no conhecimento do mérito
do processo coletivo surge atrelado a essa nova função jurisdicional que
o Poder Judiciário deve assumir para ser respeitado política e socialmente.
Assim, como guardião dos direitos e garantias sociais fundamentais, o
Poder Judiciário, no Estado Democrático de Direito, tem interesse em
enfrentar o mérito do processo coletivo, de forma que possa cumprir seu mais
importante escopo: o de pacificar com justiça, na busca da efetivação dos
valores democráticos. Com efeito, o Poder Judiciário deve flexibilizar os
requisitos de admissibilidade processual, para enfrentar o mérito do processo
coletivo e legitimar sua função social.”163
163 Op. Cit. , p. 571-572
144Outra construção do eminente Professor, em louvor à tese em comento, diz
respeito ao que apelidou de Princípio da máxima prioridade jurisdicional da tutela
jurisdicional coletiva, tendo assim se posicionado:
“O direito processual coletivo comum é instrumento de tutela dos
direitos coletivos fundamentais da sociedade. Por seu intermédio resolve-se
um grande conflito social e se evita a proliferação, não muito desejada, de
demandas individuais, bem como o surgimento de decisões conflitantes.
Portanto, sempre existirá interesse social na tutela jurisdicional
coletiva, razão pela qual, valendo-se da regra interpretativa do
sopesamento, conclui-se que os processos coletivos devem ser analizados
com a máxima prioridade, até porque o interesse social prevalece sobre o
individual.
O princípio da máxima prioridade da tutela jurisdicional coletiva é
conseqüência dessa supremacia do interesse social sobre o individual, e
também decorre do art. 5º § 1º, da CF, que determina a aplicabilidade imekdiata
das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais. O Poder Judiciário,
assim como os operadores do direito, deve atuar para priorizar a tramitação e o
julgamento do processo coletivo.
Essa prioridade já acontece em relação a outras formas de tutela
jurisdicional, como o habeas corpus e o habeas data. Não seria nem um
pouco razoável que o Poder Judiciário não desse prioridade às tutelas
jurisdicionais coletivas, pois é no julgamento desses conflitos coletivos que
ele terá o condão de dirimir, em um único processo, em uma única decisão,
um grande conflito coletivo ou vários conflitos individuais entrelaçados por
uma homogeneidade de fato ou de direito que justifique, seja por força de
145economia processual, seja para evitar decisões conflitantes, a tutela
jurisdicional coletiva.”164
ASSAGRA DE ALMEIDA prossegue, desta feita comentando o que denominou de
Princípio da máxima efetividade do processo coletivo:
“O princípio da máxima efetividade do processo coletivo decorre da
necessidade de efetividade real do processo coletivo, não meramente
formal. Assim, o processo coletivo deve revestir-se de todos os
instrumentos necessários para que seja efetivo. Com efeito, é im-
prescindível que sejam realizadas todas as diligências para que se
alcance a verdade. O juiz deve, para esse fim, determinar a produção de
todas as provas pertinentes, a fim de que a tutela jurisdicional se esgote
de forma legítima.
O interesse social, sempre presente nas ações coletivas, impõe
essa efetividade do processo coletivo. Esse princípio está implícito no
art. 5º, XXXV, da CF, que garante o acesso à justiça; no mesmo art. 5fº, §
1º, ao determinar a aplicabilidade imediata das normas definidoras de
direitos e garantias fundamentais; e no art. 83 do CDC, em sua
combinação com o art. 21 da LACP. Com base nesse princípio, o
aplicador do direito deverá se valer de todos os instrumentos e meios
necessários e eficazes — decorrentes do princípio da máxima amplitude
da tutela jurisdicional coletiva — para que o processo coletivo seja
realmente efetivo. Impõe-se, assim, a observância do princípio do devido
processo legal; para tanto, devem ser seguidas as disposições gerais e
básicas sobre direito processual coletivo comum decorrentes da completa
interação existente entre o CDC e a LACP.”165
Outro princípio considerado pelo ilustre professor ASSAGRA DE ALMEIDA é
o da máxima amplitude da tutela jurisdicional coletiva comum, ou seja, “todos os
instrumentos processuais necessários e eficazes poderão ser utilizados na tutela
164 Op. cit., pág. 572-573165 Op. cit, pág. 574
146jurisdicional coletiva. Com efeito, cabe ação de conhecimento, com todos os tipos
de provimentos (declaratório, condenatório, constitutivo ou mandamental), ação de
execução, em todas as suas espécies, ação cautelar e respectivas medidas de
efetividade pertinentes. Cabe inclusive a antecipação da tutela jurisdicional no
Processo Coletivo de Execução (art. 83 do CDC, c/c art. 21 da LACP e art. 66 da
Lei n. 8.884/94). Esse princípio decorre, do disposto no art. 83 do CDC, em
combinação com o art. 21 da LACP.”166
166 Op. Cit. p. 578
147 CONCLUSÃO
"Refletindo as características da norma constitucional, para cuja atuação
concreta ela deve velar, a justiça constitucional, através de uma
interpretação acentuadamente discricionária (mas nem por isto arbitrária), se
faz jurisdição de equidade constitucional, confiada a um 'órgão soberano',
composto de juizes independentes e imparciais, voltados para a humanização
daquele absoluto, para a concretização daqueles supremos valores que,
encerrados e cristalizados nas fórmulas das Constituições, seriam fria e
estática irrealidade. A justiça constitucional expressa, em síntese, a própria
vida, a realidade dinâmica, o vir-a-ser das 'Leis Fundamentais'" (grifou-se).
Mauro Cappelletti167
O Estado Democrático de Direito diferencia-se fundamentalmente do Estado
Absolutista, em que este impunha as suas regras e não se submetia ao crivo
jurisdicional; do Estado Liberal de Direito, no qual, apesar de o Estado ter passado
a se submeter ao crivo jurisdicional, a concepção de direito e de conflito era traçada
nos moldes de uma filosofia individualista, a deixar de lado qualquer visão coletiva
sobre o direito e o processo; do Estado Social de Direito, que, apesar de se preocupar
com a prática de ações positivas no meio social, principalmente relacionadas com a
previdência social e direitos trabalhistas, não se preocupava com a transformação da
realidade social com justiça, que é o denominador comum e essencial do Estado
Democrático de Direito, cujo escopo principal, avançado em relação às outras formas
de Estado, é a transformação, com justiça, da realidade social, de forma a criar e a
desenvolver meios próprios e específicos de proteção e efetivação dos direitos e
interesses massificados fundamentais.
167 O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado, Trad,. Aroldo Plínio Gonçalves , Porto Alegre, Sérgio A.Fabris Editor, 1992.
148A ideia do acesso à Justiça deve ser entendida em dois sentidos: primeiro
como um novo método de pensamento que, acima de tudo, se preocupa com as
pessoas e com a própria sociedade, valendo-se da norma como fundamentação
para a realização dos legítimos valores sociais; e segundo como um moderno plano
de reformas, que objetiva estruturar a atividade jurisdicional, especialmente a
coletiva, para o cumprimento do seu papel fundamental de pacificação social com
justiça, além de criar canais alternativos de solução da conflituosidade social e
desenvolver estudos e projetos para o aperfeiçoamento do instrumental processual
técnico existente.
O direito processual coletivo é um novo ramo do direito processual brasileiro, é
um instrumento fundamental de proteção e de efetivação do Estado Democrático de
Direito.
Como novo ramo do direito processual brasileiro, o direito processual coletivo
apresenta objeto e método próprios, dividindo-se, quanto ao objeto material, em
direito processual coletivo comum, que tem como objeto material a tutela de direito
coletivo lesado ou ameaçado de lesão em decorrência dos conflitos coletivos que
ocorrem no mundo da concretude — é a tutela de direito coletivo subjetivo —, e em
direito processual coletivo especial, que tem como objeto material o controle em
abstrato da constitucionalidade — é a tutela jurisdicional exclusivamente de direito
objetivo, mais precisamente de interesse coletivo objetivo legítimo.
O objeto formal do direito processual coletivo seria o conjunto de regras e
princípios processuais que disciplina e regulamenta a atividade jurisdicional coletiva,
o processo coletivo, a ação coletiva, a defesa no processo coletivo e a coisa julgada
coletiva como institutos estruturas fundamentais do direito processual coletivo.
O seu método não é mais simplesmente o técnico-jurídico, mas o pluralista,
que se constitui de vários elementos, como o social, o técnico-jurídico, o teleológico, o
histórico, o ético, o político, o económico e o sistemático. Todos acabam por constituir,
149pela união necessária decorrente, o megaelemento justiça, escopo principal e
fundamental do direito processual coletivo como instrumento de proteção potencializada
do Estado Democrático de Direito e de transformação positiva da realidade social.
O direito processual coletivo brasileiro tem natureza e dignidade
constitucionais, tendo em vista que tanto o seu objeto formal quanto seu objeto
material têm, de alguma forma, dignidade constitucional. Mesmo que existam formas
de tutelas jurisdicionais coletivas ou direitos coletivos não previstos expressamente na
Constituição, eles terão dignidade constitucional por estar no espírito da Carta Magna, e
por força de disposição desse mesmo Diploma Maior não são excluídos (art. 5º, § 2º,
da CF).
O direito processual coletivo brasileiro tornou-se um novo ramo do direito
processual a partir da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que:
consagrou o Estado Democrático de Direito (art. 1º); estabeleceu, sem restrição, o
princípio da universalidade da jurisdição, de forma que agora o Poder Judiciário é órgão
de resolução também de conflitos coletivos (art. 5º, XXXV); conferiu dignidade
constitucional ao princípio da não-taxatividade da ação coletiva (art. 129, III, da CF); e
ainda muito evoluiu no controle concentrado da constitucionalidade, por estatuir
forma de lelgislação concorrente (art. 103 CF), criar a ação declaratória de
inconstitucionalidade por omissão (art. 103, parág. 2º, da CF) e a ação de arguição
de descumprimento de preceito constitucional fundamental (art. 102, parág. 1º, da
CF).
Na divisão de direito processual coletivo em comum e especial, existe, de um
lado, jurisdição coletiva especial, a cargo do STF e dos Tribunais dos Estados e do
Distrito Federal quanto ao controle concentrado da constitucionalidade, e, de outro, a
jurisdição coletiva comum, para o julgamento das lides coletivas ocorridas no mundo
da concretude e deduzidas jurisdicionalmente por alguma espécie de ação coletiva.
150No Brasil, a Lei n. 4.717/65, que regulamentou o procedimento da ação
popular, ao traçar regras especiais sobre legitimidade, procedimento e coisa julgada,
pode ser apontada como o primeiro diploma brasileiro a dispor sobre direito
processual coletivo comum com algumas características semelhantes às
desenvolvidas modernamente no campo das tutelas jurisdicionais coletivas, em es-
pecial no que tange à coisa julgada coletiva. O dissídio coletivo da Justiça do
Trabalho, apesar de estar inserido nas variadas formas de tutelas jurisdicionais
coletivas, não obstante ter sido previsto e regulamentado já na CLT, que é de 1943,
portanto, antes da Lei da Ação Popular, não pode ser apontado como o primeiro
diploma que veio a traçar regras semelhantes às previstas nas variadas formas
modernas de tutelas jurisdicionais coletivas, pois sua finalidade — que é esta-
bdecer, por intermédio da sentença normativa de competência exclusiva dos
tribunais trabalhistas, comando normativo geral e abstra-to, com a criação de normas
e condições de trabalho não previstas e regulamentadas em lei — muito se
diferencia das outras formas de Uitelas jurisdicionais coletivas, tanto que é
concebido pela doutrina como uma forma especialíssima de tutela jurisdicional
coletiva.
A concepção moderna sobre a problemática do acesso à Justiça é fundamental
para o desenvolvimento das diretrizes do direito processual coletivo. A própria teoria
geral do direito somente tem sentido de ser estudada nos dias atuais, a partir de
uma concepção voltada para a efetivação dos direitos, especialmente dos coletivos.
0 direito processual coletivo comum brasileiro constitui um dos sistemas
jurisdicionais de tutela dos direitos coletivos mais avançados no mundo moderno;
está lado a lado com o sistema norte-americano, de história bem menos recente
que o brasileiro.
Antes da LACP/85, não havia como falar em direito processual coletivo comum
no Brasil. Foi a partir de sua vigência que começou a ser verdadeiramente
desenvolvida a ideia de tutela jurisdicional coletiva, que se consagrou com o
151advento da Constituição Federal de 1988 e com a entrada em vigor do CDC/90, que
criou um microssistema próprio, estatuindo normas de superdireito processual
coletivo comum.
0 direito individual puro não pode ser isoladamente objeto do direito processual
coletivo comum, e a legitimação coletiva atíva, como ocorre, v.g., em relação ao
mandado de segurança impetrado por um partido político em favor de um filiado seu
(art. 5°, XXI e LXX, a, da CF), por si só não faz com que a respectiva tutela jurisdicional
pleiteada seja inserida no campo do direito processual coletivo comum.
Para a aferição do que seja direito ou interesse coletivo é imprescindível
guiar-se pela orientação traçada pelo legislador, que, ao estabelecer no art. 81,
parágrafo único, do CDC o conceito tripartido sobre direito ou interesse coletivo,
criou regra legal de superdireito coletivo, aplicável, até mesmo por disposição
expressa Ia lei (art. 21 da LACP), a todos os questionamentos sobre a concepçãoi de
direitos ou interesses coletivos deduzidos na casuística jurisdicional, além de
servir de paradigma até mesmo para o direito processual coletivo especial.
O processo coletivo de conhecimento é aquele que visa reconhecer a
alegação de direito coletivo, ao passo que o processo coletivo de execução é
aquele destinado a dar efetividade ao direito coletivo já reconhecido em um
título executivo judicial ou extrajudicial. O processo coletivo cautelar é o que visa
assegurar a viabilidade de um direito coletivo que ainda esteja pendente de reco-
nhecimento, mas com boa aparência de existência, ou para assegurar a efetividade
de um direito coletivo já reconhecido judicial ou extrajudicialmente.
A legitimidade ativa no direito processual coletivo comum não pode ser
explicada por intermédio da concepção clássica que divide a legitimidade em
ordinária e extraordinária, consoante foi concebido pelo CPC brasileiro (art. 6º). É
mais apropriado falar, conforme ensinamentos da doutrina moderna, colhidos na
doutrina alemã, em legitimação autónoma para a condução do processo. Essa
152espécie de legitimidade se aplica a todas as formas de tutela jurisdicional
coletiva, inclusive as que visam a proteção de direitos ou interesses individuais
homogéneos, tendo em vista que a tutela jurisdicional, pela forma coletiva como é
tratada essa espécie de litígio, também não se compatibiliza com a legitimidade
extraordinária.
A teoria geral do processo coletivo constituria , nessa perspectiva, a
sistematização teórica dos conceitos e princípios que envolvem os institutos
fundamentais do direito processual no campo do direito processual coletivo,
adequando-os ao sentido substancial de Estado Democrático de Direito e, por
conseguinte, ao papel moderno da justiça na proteção e na efetivação dos direitos e
garantias coletivos fundamentais.
153
BIBLIOGRAFIA
ALMEIDA, Gregório Assagra de, Direito Processual Coletivo Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 2003.
Barroso, Luís Carlos, O direito constitucional e a efetividade das suas normas –limites e responsabilidades da Constituição Brasileira, Renovar, 3ª ed., Rio de Janeiro, 1996.
BARROSO, Luís Roberto, Interpretação e aplicação da Constituição, 3. ed., Saraiva, São Paulo, 1996.
BOBBIO, Norberto Teoria processual da Constituição Tradução de Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro, 1996, Campus.
- A Era dos Direitos, Tradução de Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro, 1992.
BULOS, Uadi di Lamego, Constituição Federal anotada, Saraiva, São Paulo, 2000.
CAPPELLETTI e GARTH, Mauro e Bryan, Acesso à Justiça, tradução Ellen Gracie Norfthfleet, Sérgio Antônio Fabris Editor, Porto Alegre, 2002.
CÃMARA, Alexandre Freitas, Acesso à Justiça, Organizado Rafhael Augusto Sofiati de Queiroz,Lumem Júris, Rio de Janeiro, 2002.
CARNEIRO, Paulo Cézar Pinheiro, Acesso à Justiça – Juizados Especiais Cíveis e Ação Civil Pública, 2ª edição, Forense, Rio de Janeiro.
DANTAS, Ivo, Supremo Tribunal Federal – corte constitucional ou academia sociológica? , Consulex, ano V, nº 108
DINAMARCO, Cândido Rangel, Nova Era do Processo Civil, Malheiros, 2ª ed., São Paulo, 2004.
- A reforma do Código de Processo Civil, 4ª edição, Malheiros, São Paulo, 1997,
DINIZ, Maria Helena, Dicionário jurídico, São Paulo, Saraiva, 1998.
154ESPÍNDOLA, Samuel Conceito de princípios constitucionais, Apresentação de J.J. Gomes Canotilho, São Paulo.
EESTAGNAM, Joaquim Silguero in La titela jurisdicional de los interesses colectivos a trvés de la legitimación de los grupos.
CASTRO Fernando de A Origem do Direito de Solidariedade, Editora Renovar, Rio de Janeiro, 1998.
MARTINS FILHO, Ives Gandra, Processo coletivo do trabalho, 2ª ed. , LTr, São Paulo, 1996.
GARCIA, José Augusto Solidarismo Jurídico, Acesso à Justiça e Funções Atípicas da Defensoria Pública, na obra Acesso á Justiça 2ª Série, coordenador Fábio Costa Soares, Lúmen Iuris, Rio de Janeiro, 2004.
GRINOVER , Ada Pellegrini, Significado Social, político e jurídico da tutela dos interesses difusos, Revista de Processo, São Paulo, RT, 97:9-15, 2000.
GUERRA FILHO, Willis Santiago, Teoria processual da Constituição, Ed. Celso Bastos, São Paulo, 2000,
LARENZ, Karl , Metodologia da Ciência do Direito, Trad. José Lamego, 3ª Edição, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.
LEAL, Márcio Mafra, Ações coletivas: história, teoria e prática, Sérgio A. FabrisEditora, Porto Alegre, 1998.
LIMA, Francisco Gerson Marques O Supremo Tribunal Federal na crise institucional brasileira, ABC Editora, Fortaleza, 2001.
MANCUSO, Rodolfo de Camargo, Ação Civil Pública: Em Defesa do Meio Ambiente, do Património Cultural e dos Consumidores, 7a ed., São Paulo: RT, 2001.
MARINONI, Guilherme Efetividade do processo e tutela de urgência,Sérgio A. Fabris Editor, Porto Alegre, 1994,
MAZZILLI, Hugo Nigro, A Defesa dos interesses difusos em juízo, Saraiva, 18ª edição, 2005.
MILARÉ, Edis, A ação civil pública na nova ordem constitucional, Ed. Saraiva, São Paulo, 1990.
MORAIS, José Luiz Bolzan de, Do direito social aos interesses transindividuais,Livraria do Advogado, Porto Alegre, 1996.
155MOREIRA, José Carlos Barbosa, O direito à assistência jurídica: evolução no ordenamento jurídico brasileiro, in As garantias do cidadão na justiça, coord. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira.
- Efetividade do processo e técnica processual, texto constante da coletânea intitulada, “Temas de Direito Processual Civil”, 6ª Série
NERY JUNIOR, Nelson, Código de Processo Civil Comentado e legislação extravagante, 3ª ed, LUMEN IURIS, RT, 2001.
NERY JUNIOR, Nelson, Princípios do Processo Civil na Constituição Federal,RT, 8 ª edição, São Paulo.
PALU, Oswaldo Luiz, Controle da constitucionalidade – conceitos e sistemas, RT, São Paulo 2001.
PUOLI, José Carlos Baptista Os poderes do juz e a reforma do Código de Processo Civil,Ed. Juarez de Oliveira, São Paulo, 2002.
RAMOS, Elival da Silva, Ação popular como instrumento de participação política, RT, São Paulo, 1991,
SCHETINO, José Gomes Riberto, in Temas Contemporâneos de Direito processual Civil, Lúmen Júris, organizador Humberto Dalla Bernardina de Pinho, Rio de Janeiro, 2004.
CUNHA, Paulo Ferreira da, Princípios de direito, introdução à filosofia e metodologia jurídica. Portugal: Resjurídica.
SILVA, José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo, 9ª ed. ,Malheiros, São Paulo, 1992.
STEINMTZ, Wilson Antônio, Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade Ed. Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2000.
Enciclopédia Jurídica Soibelman
156
FOLHA DE AVALIAÇÃO
Nome da Instituição: UNIVERSIDADE CÃNDIDO MENDES – PROJETO A
VEZ DO MESTRE
Título da Monografia: ACESSO À JUSTIÇA E SEUS DESDOBRAMENTOS –
PAVIMENTAÇÃO PARA O RECONHECIMENTO DO DIREITO
PROCESSUAL COLETIVO
Autor: HERALDO CARVALHO DA SILVEIRA
Data da entrega: 26/01/2006
Avaliado por: Conceito: