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2 U NIVERSI DADE CA NDI DADE CÂ NDIDO MENDES P ÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSUP R OJETO A VEZ DO MESTRE T ÍTULO DO T RABALHO O ACESSO À JUSTIÇA E SEUS DESDOBRAMENTOS P AVIM ENT AÇÃO P ARA O RECO NHECIMENTO DO DIREIT O PR OCESSUAL CO LETIVO BRASILEIRO OBJETIVOS: Tornar o conteúdo dessa monografia e sua apresentação, conformes às exigências didático- pedagógicas da Universidade Candido Mendes, em fina sintonia com os postulados do Curso de Pós-Graduação “Lato-Sensu” em Direito Processual Civil, como condição prévia para sua conclusão, em despretensiosa contribuição para o estudo e fomento ao debate em torno do tema enfocado. Por: . Heraldo Carvalho da Silveira

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UNIVERSIDADE CANDIDADE CÂNDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

TÍTULO DO TRABALHO

O ACESSO À JUSTIÇA E SEUS

DESDOBRAMENTOS PAVIMENTAÇÃO PARA O

RECONHECIMENTO DO DIREITO

PROCESSUAL COLETIVO BRASILEIRO

OBJETIVOS:

Tornar o conteúdo dessa monografia e sua

apresentação, conformes às exigências didático-

pedagógicas da Universidade Candido Mendes,

em fina sintonia com os postulados do Curso de

Pós-Graduação “Lato-Sensu” em Direito Processual

Civil, como condição prévia para sua conclusão,

em despretensiosa contribuição para o estudo e

fomento ao debate em torno do tema enfocado.

Por: . Heraldo Carvalho da Silveira

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AGRADECIMENTOS

A todos os que direta ou indiretamente contribuíram para

a definição e desenvolvimento da pesquisa, notadamente

os autores e fontes utilizadas, com especial referência à

obra do professor GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA ,

Direito Processual Coletivo Brasileiro, a todo corpo

docente do Projeto “A Vez do Mestre”, pela coesão e

compreensão quanto à grandiosidade deste projeto e em

especial aos professores: JEAN ALMEIDA, por sua

coragem em aceitar esse desafio; GUSTAVO KELLY , pela

determinação na superação de injustiças em nome do

dever de ensinar; e à professora MARIA RACHEL, pela

dedicação e o amor quase genético pela tarefa de

transmitir conhecimentos a todos nós.

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DEDICATÓRIA

Esta monografia é dedicada à minha esposa FERNANDA

e minha filha MORGANA, pela compreensão e horas de

convívio amoroso abdicadas em prol da nossa

realização, sobretudo, pelo amor, o respeito e o

incentivo transmitidos no transcurso desse trabalho; aos

meus filhos HERALDO, AMANDA e FILIPE a quem lego os

benefícios alcançados, como exemplo de que o trabalho

e a dedicação são os combustíveis para qualquer

reconhecimento. E aos meus pais, sem o que nada disso

seria possível.

Heraldo Carvalho da Silveira

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RESUMO

Neste trabalho, procuramos de forma clara e concisa, isto é, na exata

medida de nossa condição de meros desbravadores de campo tão fértil da

doutrina - notadamente quando pensamos no potencial do direito comparado -

trazer opiniões de e pensamentos de eméritos processualistas pátrios e de

outros países, em contribuição ao debate envolvendo a questão do acesso á

justiça e alguns de seus desdobramentos e ondas renovatórias.

Neste particular, buscamos em Mauro Cappelletti e Braynt Garth,

inestimável auxílio, passando pelas considerações sobre os institutos e

diplomas de gene constitucional e infraconstitucional, chegando à tese

palpitante do professor GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA, que preconiza o

reconhecimento do direito processual coletivo – e sua divisão em especial e

comum - como novo ramo do direito processual, sugerindo solução bastante

interessante, quanto inovadora, em auxílio da efetividade da tutela dos direitos

massificados e sua aplicabilidade no campo da concretude.

Essa análise das novas concepções da processualística e a ênfase que

se procurou dar à instrumentalidade do processo; a contribuição do

arcabouço jurídico nacional, como parâmetro para outros sistemas jurídicos

estrangeiros, principalmente no que se refere ao advento da Ação Civil

Pública e do Código de Defesa do Consumidor, reforçam esse arrazoado com

idéias que contribuem para o debate acadêmico, ao mesmo tempo que

trazem ao conhecimento do leitor, uma gama de obras dedicadas à exploração

dos assuntos pontuados, deixando uma incontida satisfação - tanto quanto a

surpresa – por descobrirmos pérolas literárias que a melhor doutrina pátria

coloca a nosso dispor, bastando apenas um elementar exercício de leitura.

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METODOLOGIA

Para demonstrar a presente hipótese, foi utlizado o método dogmático-

crítico, consistindo principalmente na consulta bibliográfica à obras cujo tema,

pelo menos, tangenciassem a problemática do acesso à justiça, ou à

necessidade de propiciar à população uma ordem jurídica justa.

Dentre os desdobramentos permitidos pelo vasto manancial de artigos,

livros, palestras assistidas e impressões trocadas com professores e outros

operadores do Direito, um tópico em especial nos chamou a atenção pela

importância e singularidade, passando a nortear nossa coleta de dados, nossa

definição por ampliarmos definitivamente nosso campo de visão com relação à

descoberta da expressão cunhada pelo professor GREGÓRIO ASSAGRA DE

ALMEIDA, através do resultado comercial de sua dissertação do Curso de

Mestrado concluído pela PUC de São Paulo, “DIREITO PROCESSUAL

COLETIVO BRASILEIRO – Um novo ramo do direito processual”.

Editado pela Editora Saraiva, essa obra é de consumo obrigatório,

merecendo lugar cativo em todas as a estantes de operadores do direito

comprometidos com a busca do aperfeiçoamento dos institutos do Direito

Processual Civil e sua utilização como instrumento para se atingir

efetivamente o resultado pretendido pelo legislador na distribuição da justiça,

na pacificação dos conflitos que pululam o estrato social e na consolidação do

Estado de Democrático de Direito.

A comparação entre visões dissonantes, passando por aquelas mais ou

menos conformes ou bem próximas ao que brotava em nosso ideário,

buscando a convergência necessária para construção dessa monografia, nos

permitiu atingir o escopo a que nos propomos, ou seja, trazer à lume mais que

um arrazoado, mas, uma visão, um feixe de pensamentos, uma centelha capaz

de acender e justificar a discussão em torno de tão rico e instigante tema,

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7desdobrado da necessidade de se garantir à população acesso à uma justiça

eficaz, como dito, a uma ordem jurídica justa.

Resumindo, através da leitura reiterada dos textos e obras escolhidas,

buscou-se alcançar uma idéia-força capaz de despertar estudiosos do Direito

Processual Civil, quanto à pertinência do tema e a busca da impostergável e

urgente maximização dos resultados da função jurisdicional.

Não poderíamos deixar de ressaltar a importância da obra do professor

PAULO CEZAR PINHEIRO CARNEIRO, “ACESSO À JUSTIÇA, Juizados Especiais

Cíveis e Ação Civil Pública – Uma Nova Sistematização da Teoria Geral do

Processo”, da Editora Forense, pelo pioneirismo da pesquisa encetada,

possibilitando a identificação dos resultados práticos dos institutos

pesquisados - Juizados Especiais Cíveis e da Ação Civil Pública – no âmbito

do Estado do Rio de Janeiro, realizada entre 1995 e 1999 e cujos resultados,

verdadeira radiografia específica da realidade regional no tocante à

problemática do acesso justiça, acentuaram nossa confiança no tema

escolhido e a relevância do conteúdo, malgrado a incipiência da nossa

iniciativa.

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SUMÁRIO

Capítulo 1

1. O ACESSO À JUSTIÇA E A CONFLITUOSIDADE SOCIAL 13

1.1 Evolução do conceito teórico de acesso à justiça 14

1.1.1 O Estado Liberal de Direito 17

1.1.2 O Estado Social de Direito 18

1.1.3 O Estado Democrático de Direito 19

1.2 Relendo princípios e dogmas 21

1.3 Acesso á Justiça e os Direitos Humanos 24

Capítulo 2

2. O ACESSO Á JUSTIÇA COMO MOVIMENTO DO PENSAMENTO 29

2.1 O acesso à justiça como novo método do pensamento moderno 30

2.2 Alguns dos principais obstáculos do acesso à justiça – a contribuição de

Mauro Cappelletti e Brrant Garth 32

2.2.1 Obstáculos econômicos 33

2.2.2 Obstáculos organizacionais e a proteção aos

interesses transindividuais 36

2.2.3 Obstáculos propriamente processuais 41

Capítulo 3

3. TUTELA JURISDICIONAL COLETIVA 44

3.1 Tutela jurisdicional Coletiva em alguns sistemas do Direito

Comparado 44

3.1.1 Itália 45

3.1.2 França 47

3.1.3 Alemanha 50

3.1.4 Espanha 52

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93.1.5 E.U.A 53

3.1.6 Inglaterra e alguns países do sistema Comon Law. 61

Capítulo 4

4. O DIREITO PROCESSUAL COLETIVO BRASILEIRO 64

4.1 Considerações preliminares 64

4.2 Construindo uma teoria geral do Direito Processual Coletivo

Brasileiro 65

4.2.1 O Solidarismo como base filosófica 66

4.3 A manifestação Constitucional do Direito Processual Coletivo

Brasileiro 72

Capítulo 5

5. O DIREITO PROCESSUAL COLETIVO ESPECIAL 75

5.1 Do sistema de Controle da Constitucionalidade no Brasil 76

5.2 Do Direito Processual Coletivo Especial como novo ramo do Direito

Processual Brasileiro 78

5.4 Algumas figuras constitucionais típicas do Direito Processual Coletivo

Especial 79

5.4.1 Ação direta de inconstitucionalidade por ação e omissão 79

5.4.2 Ação direita de constitucionalidade 83

5.4.3 Argüição de descumprimento de preceito fundamental 84

5.5 Dos principais diplomas processuais e infraconstitucionais atuais do

Direito Processual Coletivo Especial 88

5.6 Alguns princípios do Direito Processual Coletivo Especial 88

5.6.1 Princípio da proteção do Estado Democrático de Direito 89

5.6.2 Princípio do devido processo legal - due process of law 89

5.6.3 Princípio da proporcionalidade e ponderação 90

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105.6.4 Princípio da supremacia da Constituição 92

5.6.5 Princípio da interpretação de acordo com a Constituição 93

5.6.6 Princípio da presunção de legitimidade da lei e dos atos

normativos do Poder Público 94

5.6.7 Princípio da indesistibilidade da ação objetiva de controle

abstrato da constitucionalidade 95

5.6.8 Princípio da unidade da Constituição 96

5.6.9 Princípio da efetividade 96

5.7 Utilização indevida e negativa do Direito Processual Coletivo

Especial 97

Capítulo 6

6. DO DIREITO PROCESSUAL COLETIVO COMUM BRASILEIRO 101

6.1 O advento da Lei de Ação Civil Pública – Lei 7347 de 24/07/85 102

6.2 Direito Processual Coletivo Comum Brasileiro como novo ramo do

Direito Processual Civil Brasileiro – diálogo constitucional. 104

6.3 Principais figuras constitucionais do Direito Processual Coletivo Comum

e Diplomas infraconstitucionais de tutela do Direito Processual Coletivo

Comum 106

6.3.1 O mandado de segurança 107

6.3.2 Lei de Ação Civil Pública – Lei 7347/85 112

6.3.3 Código de Defesa do Consumidor 117

6.3.4 Ação Popular 122

6.3.5 Dissídio Coletivo 128

6.4 Objeto do Direito Processual Coletivo Comum 131

6.5 Princípios do Direito Processual Coletivo Comum 136

CONCLUSÃO 147

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11BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

FOLHA DE AVALIAÇÃO

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INTRODUÇÃO

Não existe em qualquer sistema jurídico, mesmo entre os mais

modernos do mundo, aspectos que não possam ser questionados ou

criticados. Comum indagarmos qual o custo/benefício social do funcionamento

desses sistemas, seu alcance na tarefa complexa de distribuição da justiça e

de colocar ao alcance da população meios efetivos de acessibilidade à uma

ordem jurídica justa.

Juristas, juízes, operadores do direito de modo geral, costumam ficar

apreensivos com a gama de opiniões e sugestões, uma verdadeira invasão do

nosso espaço - que MAURO CAPPELLETTI chama de perturbadora e sem

precedentes aos tradicionais domínios do Direito - de pensadores, filósofos,

economistas, cientistas políticos e psicólogos, no afã de contribuírem para o

escopo do bem comum.

Longe de rechaçarmos tal colaboração, há que se levar em conta a

riqueza das experiências e de conteúdo desses mananciais do conhecimento

humano. Dessas correntes de pensamento, molde a estabelecer-se um diálogo

promissor para aperfeiçoamento do nosso sistema jurídico, tal qual como

estabelecido no seio das sociedades mais avançadas do planeta. Um processo

dialético de conseqüências superlativas quando bem manejado.

Estando a humanidade condenada ao progresso moral, tanto mais

célere será o aprimoramento dos sistemas jurídicos, quanto maior a

capacidade dos seus operadores e dirigentes políticos de compreenderem

essa interação/cooperação com todos os ramos da ciência, com vistas à

obtenção de um Estado Democrático de Direito solidário, igualitário e fraterno,

algo impossível de ser alcançado, sem que a população desfrute de meios e

modos adequados à garantia de acesso à uma justiça justa, acesso a uma

ordem jurídica justa.

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13 Capítulo 1

1. O ACESSO À JUSTIÇA E A CONFLITUOSIDADE SOCIAL

Nesse capítulo, nosso objetivo é traçar uma linha evolutiva,

tangenciando o período medieval - Idade Média Bizantina – e relegando aos

avanços obtidos a partir do final do século XVIII, quando realmente se deu

início à conflituosidade social, em decorrência da ascensão das massas,

acentuando-se no passar do tempo e da eclosão dos direitos sob uma ótica

igualitária e transformação do Estado, sua função social e especialmente na

busca de garantir à população a busca da tutela dos direitos ou interesses

massificados.

A influência do Cristianismo, no período que antecede o Renascimento –

séculos XV e XVI – que vai desde a queda do Império Romano (século V), até

os séculos IX e X, opera-se no campo da concepção religiosa do direito,

“fazendo com que o homem justo fosse medido pela fé”1 , influência aurida

desde as Epístolas de Paulo, até que no século XII, Graciniano sistematizou o

direito canônico anterior, ao lado de textos romanos, estabelecendo o que

podemos chamar “de bases para o desenvolvimento da ciência jurídica

ocidental “2,

Nesse período foi preponderante a influência de filósofos de formação

teológica, como Santo Agostinho, Santo Isidoro de Sevilha e Santo Tomás de

Aquino, este último influenciando de modo marcante as correntes de

pensamento futuras, cujo divisor de águas repousa nas mudanças

experimentadas pelas sociedades de antão, deflagradas pelos postulados

orientadores da Revolução Americana (1776) e Francesa (1789) e seus

desdobramentos no mundo ocidental. Uma transformação radical da

1 Paulo Cézar Pinheiro Carneiro, Acesso à Justiça – Juizados Especiais Cíveis e Ação Civil Pública, 2ª edição, Forense, Rio de Janeiro, p.9.2 Idem, p. 10

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14regulamentação do poder político, dando-lhe a feição que tem hoje e ensejando

a construção da ciência do direito público” (Carlos Ari Sundfeld, Fundamentos

de direito público, p. 36).

Como dito, procurou-se de maneira objetiva desenvolver uma linha de

raciocínio acoplada ao escopo da monografia, não estendendo-se,

sobremaneira, na análise das teorias sobre a natureza e origem do Estado,

como as teorias contratualistas de Thomas Hobbes, John Locke, Rousseau, as

teorias sistêmicas do direito de Gunther Teubner e Niklas Luhmann ou do

pluralismo jurídico de Boaventura Souza Santos3, mas focar nossos esforços

no desenvolvimento do tema escolhido sem desvirtuá-lo.

1.1 Evolução do conceito teórico de acesso à justiça

O significado da expressão acesso à justiça vem sofrendo variações no

decorrer do tempo em razão de uma série de fatores de origem religiosa,

política, sociológica e filosófica, que desempenharam preponderante influência

no estudo e ensino do direito processual civil.

A partir do século XVIII, conhecimentos trazidos pelos estudantes

brasileiros vindos dos principais centros da Europa - especialmente Coimbra,

Paris e Londres - desencadearam considerável influência nos rumos de

movimentos nativistas urdidos a partir das lutas travadas em Vila Rica.

Do ponto de vista legislativo, pouco se pode extrair das Ordenações

Filipinas, em vigor no Brasil a partir de 1603, que previam algumas disposições

relativas a um suposto direito de as pessoas pobres e miseráveis terem o

patrocínio de um advogado. Como se vê, muito pouco.

3 Para uma análise objetiva dessas teorias sociais do direito, Celso Fernandes Campilongo, Direito e democracia , p. 55-106.

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15A Constituição de 1824, apesar dos avanços teóricos influenciado pelos

modelo francês de 1791 – Garantia dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos

Brasileiros, no que se refere a direitos fundamentais, como liberdade de

imprensa, religiosa, inviolabilidade do domicílio, garantia de socorros públicos e

a instrução primária gratuita, não previa a criação de um Código de Processo

Civil, sendo a primeira manifestação concreta nesse sentido vinda à lume com

o Regulamento 737, de 1850, destinado a determinar a ordem do juízo no

processo comercial; seguiu a ele o Regulamento 738 que dispunha sobre

Tribunais de Comércio e o processo das falências. Posteriormente foi

elaborada e editada uma Consolidação das Leis do Processo Civil, com força

de lei em dezembro de 1876.

O que podemos dizer quanto ao período do Brasil Império, é que o

acesso à justiça, na forma que a concebemos nos dias atuais, simplesmente

não existiu, sendo esta expressão fruto de um processo histórico cujo palco

principal instalado em terras d’além mar, só no final do século XX passou a

consolidar-se no ordenamento político e jurídico do nosso país.

A influência da ordem prevalente nos estados liberais burgueses do

séculos XVIII e XIX, refletiram-se em nosso sistema jurídico até o início da

primeira metade do século XX, predominando a filosofia essencialmente

individualista dos direitos. “Direito ao acesso à proteção judicial significava

essencialmente o direito formal do indivíduo agravado de propor ou contestar

uma ação. A teoria era a de que, embora acesso à justiça pudesse ser um

‘direito natural’ , os direitos naturais não necessitavam de uma ação do Estado

para sua proteção”4

Até bem recentemente, com raras exceções, dentro e fora do nosso

país, fatores como diferenças entre litigantes em potencial no acesso prático ao

sistema, a disponibilidade de recursos para enfrentar o litígio, a igualdade de

armas no processo não eram sequer considerados como óbices à garantia

4 Mauro Cappelletti e Bryan Garth, Acesso à Justiça, tradução Ellen Gracie Norfthfleet, Sérgio Antônio Fabris Editor, Porto Alegre, 2002, p. 9.

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16de acessibilidade à justiça, simplesmente não eram sequer considerados como

problemas a serem enfrentados para melhoria do sistema.

A importância do reconhecimento do acesso efetivo a uma ordem

jurídica justa tem sido preponderante no estudo dos novos direitos individuais

e sociais. Do que vale a existência de um direito fundamental se este não

possui condições de efetivar-se, despido de mecanismos comezinhos para o

seu reconhecimento como pilar inafastável de um sistema jurídico moderno, o

mais básico dos direitos humanos no escopo de efetivo de distribuição da

justiça e não apenas da proclamação de direitos.

Não podemos deixar de transcrever, o que definimos como um

verdadeiro libelo ao direito de acesso à justiça a partir das palavras de MAURO

CAPPELLETTI, cuja lucidez influencia como poucos a dinâmica desse

movimento mundial de pensamento do direito e que tem em Florença, um dos

seus mais ativos centros de produção de idéias e ideais nesse particular.

“O enfoque sobre o acesso – o modo pelo qual os direitos se

tornam efetivos – também caracteriza crescentemente o estudo do

moderno processo civil. A discussão teórica, por exemplo, das várias

regras do processo civil e de como elas podem e de como elas podem

ser manipuladas em várias situações hipotéticas pode ser instrutiva, mas

sob essas descrições neutras, costuma ocultar-se o modelo

frequentemente irreal de duas (ou mais) partes em igualdade de

condições perante a corte, limitadas apenas pelos argumentos jurídicos

que os experientes advogados possam alinhar. O processo, no entanto,

não deveria ser colocado no vácuo. Os juristas precisam, agora,

reconhecer que as técnicas processuais servem a funções sociais; que

as cortes não são a única forma de solução dos conflitos a ser

considerada e que qualquer regulamentação processual, inclusive a

criação ou encorajamento de alternativas ao sistema judiciário formal

tem um efeito importante sobre a forma como opera a lei substantiva –

com que freqüência ela é executada, em benefício de quem e com que

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17impacto social. Uma tarefa básica dos processualistas modernos é expor

o impacto substantivo dos vários mecanismos de processamento de

litígios. Eles precisam, consequentemente, ampliar sua pesquisa para

mais além dos tribunais e utilizar os métodos de análise da sociologia,

da política, da psicologia e da economia, e ademais, aprender através

de outras culturas. O acesso não é apenas um direito social

fundamental, crescentemente reconhecido; ele é, também,

necessariamente, o ponto central da moderna processualística. Seu

estudo pressupõe um alargamento e aprofundamento dos objetivos e

métodos da moderna ciência jurídica”5.

Norberto Bobbio escreve que, “descendo do plano ideal ao real, uma

coisa é falar dos direitos do homem, direitos sempre novos e cada vez mais

extensos, e justificá-los com argumentos convincentes; outra coisa é garantir-

lhes uma proteção efetiva” 6.

Esse o resumo para compreensão da importância do acesso à justiça

para o bem das sociedades. A questão da garantia e proteção efetivas dos

direitos é justamente a problemática do acesso à justiça. Um conceito que

supera o debate acadêmico para transformar-se em pedra de toque na

definição para um mundo melhor, com pessoas melhores, onde a igualdade

não seja apenas uma figura de retórica, uma gema valiosa, sempre admirada

mas nunca usufruída por seus admiradores.

1.1.1 O Estado Liberal de Direito

A mudança do Estado absolutista para o Estado Liberal de Direito deu-

se em razão do movimento iluminista surgido na Europa tendo como principal

centro a França. Pensadores como Locke, Montesquieu, Rousseau, dentre

outros, sustentando os ideais iluministas influenciaram a no sentido de ser

considerada a proteção dos indivíduos contra a interferência absolutista do

5 Mauro Cappelleti e Bryan Garth, op. cit. pág. 12 e 13.6 Norberto Bobbio, Teoria processual da Constituição,tradução de Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro, 1996, Campus, p. 89

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18Estado. Essas idéias influenciaram, sobremaneira, nas lutas pela

Independência e a própria Revolução Francesa, consagrando a garantia da

liberdade individual, na proteção dos direitos do cidadão e da propriedade

privada.

A partir do nascimento do Estado de Direito, deixou de existir o ponto de

vista preponderante do príncipe para o ponto de vista do cidadão.

No Estado de Direito o cidadão não tem somente direitos privados mas

também direitos públicos. Como ensina Bobbio, “o Estado de Direito é o Estado

dos cidadãos”7.

O Estado Liberal de Direito caracterizava-se pela supremacia da

constituição; pela separação dos poderes; superioridade da lei; garantia dos

direitos individuais. O que realmente interessa ao nosso trabalho.

No Estado Liberal de Direito, o enfoque da tutela e proteção do direito

era exclusivamente individual, mesmo quanto às questões coletivas em sentido

estrito, a concepção era inteiramente individual.

Essa realidade só começou a alterar-se a partir dos movimentos sociais

que obrigaram o Estado a sair da sua neutralidade e assumir uma postura

protetora de determinados interesses sociais.

1.1.2 O Estado Social de Direito

Como assinalado o Estado Social de Direito, surge a partir da influência

determinante dos movimentos sociais iniciados dos séculos XVIII e XIX, em

contrapartida às injustiças e o tecnicismo abstencionista do Estado Liberal. A

partir do encadeamento desses movimentos, “houve um tomada de

consciência da necessidade da justiça social, pela flagrante insuficiência das

7 Norberto Bobbio, A Era dos Direitos, p. 61.

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19liberdades burguesas” 8 , também denominado Estado do bem-estar, onde a

lei, deixando de ser somente comando abstrato e geral, passa também a

instrumento de atuação concreta do Estado. A intervenção do Estado, que era

limitada, passa de negativa para positiva, no sentido de atuar, com prestações

positivas, junto às questões sociais como as trabalhistas e as

previdenciárias”.9

Nesse sentido, escreve José Luiz Bolzan de Morais:

“O desenrolar das relações sociais produziu uma transformação

neste modelo, dando origem ao ‘Estado Social de Direito’ que, na

mesma forma que o anterior, tem por conteúdo jurídico o próprio ideário

liberal agregado pela convencionalmente denominada ‘questão social’, a

qual traz à baila os problemas próprios do desenvolvimento das relações

de produção e aos novos conflitos emergentes de uma sociedade

renovada radicalmente, com atores sociais diversos e conflitos próprios

a um modelo industrial-desenvolvimentista”10

Resumindo, o Estado Social de Direito, pugnando por uma melhor

distribuição da justiça social pelo Estado, voltou-se preferencialmente para os

interesses coletivos, para a proteção dos economicamente dependentes,

mesmo que de forma ainda embrionária, comparado ao que temos hoje.

1.1.3 O Estado Democrático de Direito

O desgaste das concepções capitalistas determinaram o rompimento

com a ordem burguesa do Estado Liberal individualista, ainda impregnadas no

Welfare State.

8 José Afonso da Silva, citando Lucas Verdú, enfatisa ainda, que o Estado Liberal, para enfrentar os problemas sociais, teve que se despojar da neutralidade e integrar, no seu seio, a sociedade, de forma a visar, com isso, a justiça social, Curso de Direito Constitucional Positivo, 9ª ed. , Malheiros, São Paulo, p105)9 Gregório Assagra de Almeida, Direito Processual Coletivo Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 2003, p. 52 10 José Luiz Bolzan de Morais, Do direito social aos interesses transindividuais,Livraria do Advogado, Porto Alegre, 1996, p. 79.

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20Não há um rompimento com os direitos fundamentais individuais frutos

da disseminação dos ideais da Revolução Francesa de 1789, mas com a

concepção liberal individualista burguesa. “Rompimento com a estrutura do

Estado Liberal, ainda impregnada no Estado Social de maneira a impedir a

socialização do Direito e do Estado” 11.

A partir de sua implantação temos a visão do Estado voltada para a

comunidade, para a população para a sociedade e não mais para grupos ou

castas.

A educação, a conscientização política, além da busca pela dignidade

da pessoa humana como cerne das políticas de Estado, dão o norte para a

atuação estatal. A abertura para a participação popular, a socialização dos

meios de produção como fator de sua legitimação política, em defesa da

democracia no campo da economia, da distribuição de riqueza, no campo

jurídico, moral e biológico. Valores humanos agora prestigiados.

Doutrinariamente, podemos considerar como princípios do Estado

Democrático de Direito: a) constitucionalidade, que se expressa pela

vinculação do Estado a uma Constituição; b) organização democrática da

sociedade, consiste na preservação da liberdade de participação social e

política dos cidadãos e das entidades sociais emergentes; c) sistema garantista

de direitos fundamentais individuais e coletivos; d) justiça social; e) igualdade,

não apenas formal, mas, necessariamente, material; divisão de poderes ou de

funções; g) legalidade, especialmente para exclusão do arbítrio e da

prepotência; h) segurança e certezas jurídicas;12 . Podemos incluir , nas

considerações de GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA: “i) o princípio da máxima

prioridade na proteção e efetivação dos direitos transindividuais, no sentido de

que o Estado, em todos os seus níveis, deve , deve dar prioridade aos direitos

11 Gregório Assagra de Almeida, op. cit., p. 55.12 Nesse sentido, José Luiz Bolzan de Morais, Do direito social aos interesses transindividuais, Porto Alegre, 1996, Livraria do Advogado, pág. 75.

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21sociais fundamentais da sociedade, como relacionados ao meio ambiente, ao

patrimônio público e cultural”.13

Portanto, somente dentro de um verdadeiro Estado Democrático de

Direito, se encontra espaço e oportunidade para desenvolver-se o Direito

Processual Coletivo, como instrumento de transformação da realidade social.

No Brasil, temos como instrumental democrático à tutela jurisdicional

dos direitos coletivos lato sensu, típicos de um Estado Democrático de Direito,

a Ação Civil Pública e o Código de Defesa do Consumidor, além da atual

Constituição Cidadã, que desprezou a concepção individualista do sistema

processual do Estado Liberal.

Importante ressaltar que no Estado Democrático de Direito, o Estado-

Jurisdição, tem interesse no conhecimento do processo coletivo. Ajuizada a

ação coletiva, o juiz tem de flexibilizar os requisitos de admissibilidade

processual, para o conhecimento do mérito. Isso não significa violação do

princípio da imparcialidade, até porque o interesse á na solução do conflito

coletivo e não interesse em resolver em favor daquela ou dessa parte.

1.2 Relendo princípios e dogmas

Nessa linha de raciocínio, as últimas reformas do Código de Processo

Civil, visaram sempre a aceleração da prestação jurisdicional. A opção correta

do legislador em promover uma reforma conceitual esparsa, a partir de

alterações inseridas nos micro-sistemas do CPC, é algo auspicioso. Leis são

votadas e promulgadas tendo por base o consenso em relação a determinadas

mudanças de que recente o Digesto Processual. A preocupação em garantir

efetividade aos efeitos da sentença, ou as tutelas de urgência, apontam para

um processo de rompimento com o exagero conceitualista e o formalismo

dogmático que imperou no Processo Civil Brasileiro durante mais de um

século.

13 Gregório Assagra de Almeida, op. cit., p. 58.

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22

Com respeito ao tema, não poderíamos nos furtar em transcrever os

ensinamentos de CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO:

“As reformas do Código de Processo Civil tiveram como objetivo

central a aceleração da tutela jurisdicional e, como postura metodológica

predominante, a disposição de libertar-se de poderosos dogmas

plantados na cultura processualística ocidental ao longo dos séculos. O

exagerado conceitualismo que dominou a ciência do processo a partir do

século XIX e a intensa preocupação garantística que se avolumou na

segunda metade do século XX haviam levado o processualista a uma

profunda imersão em mar de princípios, de garantias tutelares e de

dogmas que, concebidos para serem fatores de consciência

metodológica de uma ciência, chegaram ao ponto de se transmudar em

grilhões de uma servidão perversa. Em nome dos elevados valores

residentes nos princípios do contraditório e do due processo of law,

acirraram-se formalismos que entravam a máquina e abriram-se flancos

para a malícia e a chicana. Para preservar as garantias do juiz natural e

do duplo grau de jurisdição, levaram-se a extremos as regras técnicas

sobre a competência. Nós doutrinadores e operadores do processo,

temos a mente povoada de um sem-número de preconceitos e dogmas

supostamente irremovíveis que, em vez de iluminar o sistema,

concorrem para uma Justiça morosa e, às vezes, insensível às

realidades da vida e às angústias dos sujeitos em conflito”.14

Fundamental a missão dos juízes nesse quadro, nesse cenário de

mudanças impostergáveis de revisitação de conceitos, princípios e dogmas.

MAURO CAPPELLETTI, escrevendo sobre o papel dos juízes na proteção dos

interesses transindividuais, assim se manifesta:

“Os juizes poderiam simplesmente adotar muito bem uma

posição de simples rejeição, recusando-se a entrar na arena dos

14 Cândido Rangel Dinamarco, Nova Era do Processo Civil, Malheiros, 2ª ed., São Paulo, 2004, p. 11-12.

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23conflitos coletivos e de classe. Tal atitude negativa teria, contudo, a

conseqüência prática de excluir do judiciário a possibilidade de exercer

influência e controle justamente naqueles conflitos, que se tornaram de

importância sempre mais capital nas sociedades modernas.... A outra

alternativa, pelo contrário, é a de que os juízes sejam capazes de

‘crescer’, erguendo-se à altura dessas novas e prementes aspirações,

que saibam, portanto, tornar-se eles mesmos protetores dos novos

direitos ‘ difusos’, ‘coletivos’ e ‘fragmentados’, tão característicos e

importantes da nossa civilização de massa, além dos tradicionais

direitos individuais”15.

A releitura desses dogmas e princípios do processo civil, longe de

significar uma renúncia ou negação a estes, ou repudiar as conquistas da

ciência e da técnica do processo, importam na tentativa de harmonizá-los,

tornando mais humano e justo o processo civil. O culto à forma deve ser

rechaçado a todo custo, antes de transformar-se em ferrolho impeditivo da

instrumentalização do processo, da efetivação da tutela jurisdicional e do

acesso à justiça.

Uma vez mais nos socorremos dos ensinamentos de CÂNDIDO RANGEL

DINAMARCO:

“A segurança dos litigantes, cultivada pelo due process, na

medida em que limita os poderes a serem exercidos pelo Estado-Juiz, é

um valor elevadíssimo, mas não tão elevado e absoluto que legitime o

esclerosamento, ou engessamento do sistema processual. Seria injusta

e depreciativa a esse poderoso instrumento do Estado Democrático de

Direito a afirmação de sua destinação a aniquilar os anseios por um

processo de feição humana, no qual o juiz é constantemente

conclamado a exercer sua sensibilidade ao valor do justo e do

socialmente legítimo. Os princípios devem conviver harmoniosamente

15 Mauro Cappelletti, Juizes legislaldores?, p. 59-60.

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24na ordem constitucional e na processual, em busca de soluções

equilibradas”16

1.3 Acesso à Justiça e os Direitos Humanos

Antes de iniciarmos a leitura desse tópico, entendemos necessária a

definição do que doutrina entende como sendo direitos do homem ou direito

natural, direitos humanos e direitos fundamentais, até para que se evite

equívocos quanto à natureza jurídica de cada um deles.

Como direitos do homem podemos considerar “aqueles direitos que

pertencem ao homem pelo simples fato dele ser humano. Direitos inatos,

personalíssimos, originários, que nascem com o homem ou que pertencem ao

gênero humano, independentes de raça, sexo, idade, religião, ou grau de

civilização. Direitos naturais da pessoa humana”.17

Eis aqui a famosíssima passagem de Cícero sobre o direito natural,

exposta no terceiro livro de sua "República":

"Existe, pois, uma verdadeira lei, a reta razão congruente com a

natureza, que se estende a todos os homens e é constante e eterna;

seus mandamentos chamam ao dever e suas proibições afastam do

mal. E não ordena nem proíbe em vão aos homens bons nem influi nos

maus. Não é lícito tratar de modificar esta lei, nem permitido revogá-la

parcialmente, e é impossível anulá-la por inteiro. Nem o senado nem o

povo podem excluir-nos do cumprimento desta lei, nem se requer

ninguém que a explique ou interprete. Não é uma em Roma e outra em

Atenas, uma agora e outra depois, senão uma lei única, eterna e

imutável, que obriga a todos os homens e para todos os tempos: e

existe um mestre e governante comum de todos, Deus, que é o autor,

intérprete e juiz dessa lei e que impõe seu cumprimento. Quem não

16 Cândido Rangel Dinamarco, op. cit., p. 15.17 José Soder, Direitos do homem. Ed. Nacional. São Paulo, 1960 – fonte: Enciclopédia Jurídica Soibelman.

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25obedece foge de si mesmo e de sua natureza de homem, e por isso se

faz merecedor das penas máximas, embora escape aos diversos

suplícios comumente considerados como tais"18

Na definição de ALEXABDRE FREITAS CÂMARA, “chamam-se direitos

humanos as instituições jurídicas de defesa da dignidade humana contra a

violência, o aviltamento, a exploração e a miséria. São assim, direitos humanos

as instituições jurídicas destinadas a tutelar, de forma efetiva, a dignidade do

ser humano”.19

Inobstante os prodígios artísticos, filosóficos e arquitetônicos das

culturas no decorrer da história do homem, podemos dizer que o mundo grego

nos deu a filosofia, e o mundo romano o direito, o mundo judaico-cristão nos

brinda como sua maior obra a dignidade humana. Deste modo, ao longo da

Idade Moderna os princípios que balizam os direitos humanos vão encontrando

paulatinamente expressão no direito positivo, até a Declaração Universal dos

Direitos do Homem pela O.N.U, em 1948, porém faltando ainda muito a ser

conquistado para a eficácia de ditos dispositivos pela justa aplicação das

sanções correlatas de sua violação.

“Ela faz aportar no mundo jurídico a noção de supraestatalidade,

delineando com maior ênfase que a declaração dos direitos do homem e

do cidadão, de 1789, a extensão desses direitos a todos os povos,

acima das próprias constituições dos Estados. Nelson Sampaio (in O

Poder de Reforma Constitucional, Bahia, 1954), denota que o poder

constituinte originário não pode violar os direitos humanos”.20

Em abono da idéia de uma ordem jurídica internacional, pertinente aos

direitos da pessoa, transcendendo o positivismo estatal, temos o exemplo do

Julgamento de Nuremberg, como o maior exemplo catalisador de um

18 Fonte: Enciclopédia Jurídica Soibelman.19 Alexandre Freitas Câmara, Acesso à Justiça, Organizado Rafhael Augusto Sofiati de Queiroz,Lumem Júris, Rio de Janeiro, 2002, p. 1 20 Fonte: Enciclopédia Jurídica Soibelman

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26sentimento de justiça universal em que o sujeito de direito, aquele a quem a

ordem jurídica deve ser garantida em toda sua extensão e sentido expressado

neste trabalho, é a própria humanidade.

Outro caso semelhante considerando o ser humano como sujeito de

direito internacional, diz respeito ao General Augusto Pinochet, responsável

pela ditadura implantada no Chile, onde a tortura, execuções sumárias, prisões

arbitrárias e até mesmo campos de concentração foram prática comum,

chegando na casa dos milhares o número de vítimas, ao visitar a Inglaterra foi

surpreendido com um pedido de extradição, proveniente do juiz espanhol

Baltazar Garzón, com base em crimes violadores de direitos humanos

cometidos pelo regime que ele encabeçava contra nacionais espanhóis, sendo

que ao pedido inicial foram aos poucos incorporando-se várias outras

denúncias, até mesmo de crimes cometidos em iguais condições contra

pessoas estrangeiras. Criou-se uma inédita relação processual onde, estando

em país estrangeiro, alguém se via em vias de submeter-se a processo e

eventual prisão preventiva, num terceiro país, por atos cometidos na sua

própria pátria, e que lá não eram capitulados como crimes.

Esse movimento é o que Leib Soibelman chama de revolta da

consciência universal. Entretanto com todo o respeito ao notável enciclopedista

nos parece mais apropriado o sentido de despertar para uma realidade que se

vinha forjando no decorrer dos séculos, em inúmeras catástrofes sociais cujos

acontecimentos da Segunda Grande Guerra Mundial, representam breve

capítulo dessa saga. Erros e acertos dede o aparecimento do homem no

planeta se revezam demonstrando como o processo de evolução moral da

humanidade é complexo e infinito. Estamos, portanto, num momento em que

esse movimento de conscientização jurídico-universal, considerando o

homem como um sujeito de direito-internacional como descrito. Um patamar

hoje interessante, atual, revolucionário, amanhã, ultrapassado e incipiente.

A expressão direitos humanos, como a conhecemos hoje, é um

consectário da noção de direito natural, acima descrito. O ideal do direito

Page 26: O ACESSO À JUSTIÇA E SEUS DESDOBRAMENTOS CARVALHO DA SILVEIRA.pdf · medida de nossa condição de meros desbravadores de campo tão fértil da ... Para demonstrar a presente hipótese,

27universal, pertencente a todo e qualquer homem sem distinção, como emblema

e fundamento da felicidade e dignidade que sempre esteve presente no

entendimento humano.

Ainda sob os auspícios de ALEXANDRE FREITAS CÂMARA, temos o que a

doutrina identifica como sendo direitos fundamental “os direitos humanos

reconhecidos como tal pelas autoridades às quais se atribui a função de

editar norma jurídicas, tanto no interior de um Estado, como no plano

internacional. Direitos fundamentais são, assim, os direitos humanos

positivados”.21

Também chamados liberdades públicas ou direitos fundamentais do

homem ou da pessoa humana, reconhecidos nas "declarações de direitos" das

constituições, ou autônomas. São principalmente os direitos ou liberdades de

locomoção, associação, reunião, de consciência, de culto, de igualdade

perante a lei, de pensamento ou opinião, de petição, de não ser preso

ilegalmente, de ser julgado na forma de leis anteriores ao fato imputado, de

imprensa, de trabalho, de profissão, de propriedade obtida com o seu trabalho

pessoal, de informação, de ensino, de cátedra, de inviolabilidade do domicílio,

de calar, de fazer ou deixar de fazer alguma coisa somente em virtude de lei,

de intimidade, de escolher governo, de votar, de ser eleito, de autodeterminar-

se, de não estar submetido a leis retroativas, de indústria, de comércio, de

inviolabilidade de correspondência e comunicações, de plenitude de defesa,

sindical, de escolher emprego e outros ou outras mais que decorrem

implicitamente da natureza dos regimes democráticos. Para a proteção desses

direitos ou liberdades individuais, existem as chamadas garantias individuais ou

constitucionais, que são os meios jurídicos também previstos nas constituições,

para proteção desses direitos: mandado de segurança, habeas-corpus, as

ações judiciárias em geral, as apreciações do poder judiciário de qualquer

lesão de direito individual ou da inconstitucionalidade de leis ou atos de

qualquer dos poderes da soberania.

21 Alexandre Freitas Câmara, op. cit, pág. 1

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28Essa idéia de ordem jurídica universal pode ser trazida ao plano

subjetivo pátrio, considerando a problemática do acesso à justiça por uma ótica

mais simples, alcançando o interesse social das massas na busca por uma

ordem jurídica justa, um sistema jurídico-preocessual com afeições mais

humanas (Dinamarco), com igualdade de armas para os consumidores dos

serviços processuais, essa a grande revolução que está por vir (Alexandre

Câmara), fugindo de um sistema processual que privilegia a solução dos

conflitos de alcance os interesses interindividual para um que atenda à

demanda dos conflitos coletivos e que preconize uma solução coletiva às

demandas envolvendo os direitos considerados naturalmente coletivos

(coletivos e difusos) e os individuais homogêneos, muito além dos avanços

obtidos com a Lei das Ações Civis Públicas e o Código de Defesa do

Consumidor.

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29

Capítulo 2

2. O ACESSO Á JUSTIÇA COMO MOVIMENTO DE PENSAMENTO

Falar sobre o acesso à justiça como movimento de pensamento, é antes

de tudo considerar que o movimento jurídico durante muito tempo ficou refém

de um positivismo neutralizante que sempre serviu aos interesses do

stabelechement burguês, “distanciando ainda mais do Estado do seu mister, a

democracia do seu verdadeiro sentido e a justiça da realidade social “.22

A questão do acesso à justiça fala diretamente à questão de

reestruturação da própria ciência do direito e ao direito processual civil em

particular.

O enfoque meramente dogmático-formalista do estudo do acesso à

justiça não atende às exigências de uma nova ordem social, mais justa e

antenada com os movimentos de reforma do sistema processual nas

sociedades mais avançadas do mundo.

Os ensinamentos de MAURO CAPPELLETTI nos permitem concluir que o

dogmatismo jurídico é uma forma degenerativa do positivismo jurídico que

conduz a uma simplificação irrealística do próprio direito no seu aspecto

normativo, ficando de lado outros valores não menos importantes, relacionados

aos sujeitos, às instituições, aos procedimentos, aos deveres e

responsabilidades das partes, dos juízes e dos próprios juristas.

GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA , citando o professor da Universidade

de Florença, conclui:

22 Gregório Assagra de Almeida, Direito Processual Coletivo Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 2003, p. 64.

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30“Nesta impostação formalista degenerativa do positivismo

jurídico, a interpretação da norma não é outra senão aquela do

‘resultado de um cálculo conceitual de estrutura dedutiva, fundado sobre

uma idéia do ordenamento como sistema de normas fechado, completo

e hierarquizado’, com a ‘doutrina do silogismo judicial segundo a qual

também a decisão é o resultado objetivo de um cálculo deduzivo(...).

Não menos importante é o fato de que nesta impostação formalística,

acaba por haver uma identificação do direito positivo com a justiça, ou

seja, que é o mesmo, uma recusa de avaliar o direito positivo tendo

como base os critérios de justiça, sociais, éticos, políticos,

econômicos”23

2.1 O acesso à justiça como novo método do pensamento moderno

“O direito processual deve ser concebido como instrumento de de

transformação da realidade social”24. Isso pressupõe o rompimento com a

mesmisse positivista empregada por anos e anos no estudo do Direito a partir

para um processo que inclua um diálogo constante com os vários ramos da

ciência comprometidas com o bem comum e suas contribuições possíveis à

consecução de uma ordem jurídica justa. Diálogo este capaz de transmudar

para o direito processual um dinamismo de valores capazes de “torná-lo um

instrumento de realização da justiça por intermédio dos escopos

jurisdicionais”.25

Nessa linha de idéias, podemos considerar o acesso á justiça como o

“mais fundamental dos direitos, como o mais básico dos princípios

processuais e como uma garantia constitucional fundamental”.26

23 Gregório Assagra de Almeida, Direito Processual Coletivo Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 2003, p. 65. 24 Idem, op. cit. p. 68 25 Idem.26 Idem.

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31Para CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, o acesso à justiça implica, dentro

desse movimento de pensamento e um moderno plano de reformas do

processo civil, o equivalente à obtenção de resultados justos, e é nesse norte

que devemos balizar nossa argumentação, sem perder vista outros

mecanismos de acesso à justiça, posto que todos militam em prol do mesmo

escopo.

“É o que também já designou como ‘acesso a uma ordem jurídica

justa’ (Kazuo Watanabe). Não tem acesso à justiça aquele que sequer

consegue fazer-se ouvir em juízo, como também todos os que, pelas

mazelas do processo, recebem uma justiça tarda ou alguma injustiça de

qualquer ordem. Augura-se a caminhada para um sistema que reduza

ao mínimo inevitável os resíduos de conflitos não-jurisdicionalizáveis (‘a

universalização da tutela jurisdicional’) e em que o processo seja capaz

de outorgar a quem tem razão toda a tutela jurisdicional a que tem

direito. Nunca é demais lembrar a máxima ‘chiovendiana’, erigida em

verdadeiro ‘slogam’, segundo a qual ‘na medida do que for praticamente

possível o processo deve proporcionar a quem tem direito tudo aquilo e

precisamente aquilo que ele tem o direito de obter’”.27

Destarte, como acentua DINAMARCO, “o processo moderno deve ser um

processo de resultados e não de conceito e filigranas”.28

A postura da maioria dos doutrinadores brasileiros é de vanguarda, em

sintonia com o melhor pensamento do direito comparado quando o assunto

gira em torna das novas tendências de estudo do processo civil e sua

aplicação no campo das reformas de nosso sistema judiciário. É o que destaca

DINAMARCO, apontando três premissas fundamentais a essas reformas:

“O processo civil brasileiro tem sido particularmente receptivo a

essas novas tendências, seja pelo expressivo número de estudiosos de

27 Cândido Rangel Dinamarco, A reforma do Código de Processo Civil, 4ª edição, Malheiros, São Paulo, 1997, p.21-22.28 Idem, obra cit, p. 22.

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32primeira linha que nelas se engajaram, seja pelas repercussões que as

propostas doutrinárias vêm tendo em nosso direito positivo. Um estudo

da história recente do processo civil brasileiro, que nesse capítulo se

esboça com toda a possível singeleza, revela a tomada de consciência,

que antes foi a doutrina vanguardeira e agora é também do legislador,

de ‘três premissas fundamentais: a abertura do processo’ aos influxos

metajurídicos que a ele chegam pela via do direito material, a

‘transmigração do individual para o coletivo’ (Barbosa Moreira) e a

necessidade de ‘operacionar o sistema’, desburocratizá-lo ou refomalizá-

lo tanto quanto possível, com vista a facilitar a obtenção dos resultados

justos que dele é licito esperar”.29

2.2 Alguns dos principais obstáculos do acesso à justiça – a contribuição

de Mauro Cappelletti e Bryant Garth

Muitos têm sidos os obstáculos ao acesso à justiça. Poderíamos

destacar vários deles, tais como: os efeitos da globalização, que tem forçado a

internacionalização do direito, a produção legislativa descontrolada, leia-se,

sem a devida qualidade, com o Poder Executivo usurpando as funções do

legislativo, com o beneplácito e até incentivo de alguns cardeais da política, a

formação liberal individualista do profissional de direito, posto que a qualidade

de grande parte dos cursos jurídicos no país, padece de atrofia qualitativa em

seus currículos, em seu quadro docente e quanto aos objetivos essenciais

transmitidos aos seus estudantes, apropria questão ética que de forma

significativa envolve serventuários da justiça e profissionais do direito, em

condutas condenáveis sob o aspecto moral e profissional, que denigrem a

imagem da justiça e dos próprios advogados e operadores do direito em geral.

Mantendo fidelidade ao escopo da pesquisa, vamos nos ater às

questões de fundo, desenvolvendo nesse capítulo abordagem dos principais

obstáculos jurisdicionais, enfrentados com precisão cirúrgica naquilo que

29 Cândido Rangel Dinamarco, idem, obra cit, p. 22.

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33MAURO CAPPELLETTI cunhou como as três ondas renovatórias do acesso à

justiça.

2.2.1 Obstáculo econômico – a primeira onda renovatória de acesso à

justiça

O primeiro obstáculo ao acesso à justiça a ser tratado diz respeito às

condições econômicas do jurisdicionado, os óbices que enfrentam para não se

manterem à margem da justiça. Até a década de 60, no século XX, não existia

preocupação com a tutela dos direitos dessas pessoas.

Essa deficiência foi denunciada em inúmeros trabalhos e pesquisas

levadas a cabo em várias partes do mundo por juristas, sociólogos,

economistas e pensadores dos mais variados campos da ciência. JOSÉ

CARLOS BAPTISTA PUOLI, citando o trabalho do sociólogo português

BOAVENTURA DE SOUZA SANTOS, embasado em informações de campo assim

descreve a situação desses hipossuficientes econômicos.

“Em primeiro lugar, os cidadãos de menores recursos tendem a

conhecer pior os seus direitos....Em segundo lugar, mesmo

reconhecendo o problema da violação de um direito, é necessário que a

pessoa se disponha a interpor a ação. Os dados mostram indivíduos de

classes mais baixas hesitam muito mais que os outros em recorrer aos

tribunais... Em terceiro e último lugar, verifica-se que .....quanto mais

baixo é o estado sócio-econômico do cidadão menos provável é que

conheça advogados ou que tenha amigos que conheçam advogados,

menos provável é que saiba onde e como e quando pode contratar o

advogado, e maior é a distância geográfica entre o lugar onde vive e

trabalha e a zona da cidade onde se encontram escritórios de advocacia

e os tribunais. O conjunto destes estudos revelou que a discriminação

social no acesso à justiça é um fenômeno muito mais complexo do que a

primeira vista pode parecer, já que para além das condicionantes

econômicas, sempre mais óbvias, envolve condicionantes sociais e

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34culturais resultantes de processos de socialização e interiorização de

valores dominantes muito difíceis de contornar”.30

Dessa necessidade em amparar os menos providos de recursos, surge

o que é denominado por MAURO CAPPELLETTI, como sendo a primeira onda

renovatória de acessa justiça, cujo escopo é garantir aos pobres a assistência

judiciária gratuita31. Essas reformas começaram em 1965 nos Estados Unidos ,

em 1972 na França, Alemanha Ocidental, Inglaterra, Suécia e Canadá, sendo

seguidamente implantadas em outros países.

Um dos primeiros sistemas implantados foi o Judicare, adotado pela

Áustria, Inglaterra, Holanda, França e Alemanha Ocidental, onde advogados

particulares eram custeados pelo Estado para a defesa das pessoas menos

abastadas. A crítica que se fazia era a de que esse sistema tratava os pobres

como indivíduos com menos dinheiro, negligenciando sua condição de classe.

Surgiram também outros sistemas, como o advogado remunerado pelos

cofres públicos nos Estados Unidos, que tinha, de um lado, vantagens sobre o

Sistema Judicare, como a possibilidade de defesa, pelo trabalho em equipe,

dos direitos transindividuais dos pobres.

“Provavelmente, um problema ainda mais sério desse sistema é

que ele necessariamente depende de apoio governamental para

atividades de natureza política, tantas vezes dirigidas contra o próprio

governo...Essa dependência pressupõe que uma sociedade tenha

decidido que qualquer iniciativa jurídica para ajudar os pobres é

desejável, mesmo que signifique um desafio à ação governamental e às

ações dos grupos dominantes na sociedade”.32

30 José Carlos Baptista Puoli, Os poderes do juz e a reforma do Código de Processo Civil,Ed. Juarez de Oliveira, São Paulo, 2002, p. 14.31 Mauro Cappelletti e Bryan Garth, Acesso à Justiça, tradução Ellen Gracie Norfthfleet, Sérgio Antônio Fabris Editor, Porto Alegre, 2002, p. 31.32 Mauro Cappelletti e Bryan Garth, op. cit., p. 41.

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35Entretanto, não foi isso que aconteceu nos Estados Unidos, onde os

advogados vivem sob constantes ataques políticos.

No Brasil, como esclarece José Carlos Barbosa Moreira, a expressão

assistência judiciária teve previsão pela primeira vez em texto constitucional, na

Constituição de 1934, que dispunha sobre a isenção de emolumentos e taxas, e ao

mesmo tempo determinava à União e aos Estados que criassem órgãos especiais para

a assistência dos necessitados. A Carta Ditatorial de 1937 nada dispôs, e o Código de

Processo Civil de 1939, ao regulamentar a matéria, garantia a assistência judiciária por

advogado, que ficava à escolha do interessado. Contudo, como era na época no direito

comparado, a concepção tinha somente o conteúdo de dever honorífico, o que gerava

a falta de efetividade do sistema, pois dependia da boa vontade dos advogados. A

Constituição de 1946 também dispunha em seu art. 141, § 35, que o poder público

deveria conceder assistência judiciária aos necessitados, dispositivo esse cujo teor

era bem menos expressivo que o da Constituição de 1934, que previa a isenção de

despesas e a criação de órgãos para a prestação da assistência judiciária. Nesse

período, aplicava-se o que regulamentavam os arts. 68 e seguintes do CPC de 1939. A

partir de 1950, a matéria passou a ser regulamentada pela Lei n. 1.060, de 5 de

fevereiro de 1950, que não trouxe alteração substanciosa à matéria: permaneceu a

concepção de dever honorífico do advogado. Não houve também qualquer novidade

em relação à Constituição de 1967, muito menos em relação à Emenda

Constitucional n. l, de 17 de outubro de 1969, e foi mantida a regulamentação

infraconstitucional da Lei n. 1.060, de 1950. Á grande novidade e transformação

operada em relação à matéria ocorreu com o advento da atual Constituição Federal de

5 de outubro de 1988, cujo art. 5º, LXXIV, traz como direito fundamental dos brasileiros

e estrangeiros residentes no País e obrigação do Estado, a assistência jurídica integral

e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos33.

Observa-se que a mesma Constituição Federal de 5 de outubro de 1988

também instituiu, em seu art. 134, a Defensoria Pública como instituição essencial

33 José Carlos Barbosa Moreira, O direito à assistência jurídica: evolução no ordenamento jurídico brasileiro, in As garantias do cidadão na justiça, coord. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, p. 207-18

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36à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em

todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5-, LXXIV.

Portanto, o texto constitucional atual é extremamente rico na matéria, tanto

que Araken de Assis, ao tecer comentário sobre o art. 5º, LXXIV, assim o interpreta:

"No assunto, se impõe distinguir três institutos: primeiro, a 'assistência

jurídica integral', acima referida, e que compreende a consulta e a

orientação extrajudiciais, representação em juízo e gratuidade do

respectivo processo; em seguida, a 'assistência judiciária', ou seja, o 'serviço

público organizado, consistente na defesa em juízo do assistido que deve

ser oferecido pelo Estado, mas que pode ser desempenhado por entidades

não-estatais, conveniadas ou não com o Poder Público'; e, finalmente, a

'gratuidade de todas as custas e despesas, judiciais ou não, relativas aos

atos necessários ao desenvolvimento do processo e à defesa dos direitos

do beneficiário em juízo', objeto da Lei 1.060, de 5.2.1950, sucessivamente

alterada"34.

2.2.2 Obstáculos organizacionais e a proteção aos interesses

transindividuais – a segunda onda renovatória de acesso à justiça

A deflagração da primeira onda renovatória do acesso à justiça - um

grito de contra a pobreza - sem embargo dos avanços experimentados, não

logrou esgotar o manancial de problemas e óbices já então identificados nas

sociedades de massa. Nesta tópico vamos nos ater à questão da pobreza

organizativa ou a dificuldade dos titulares dos interesses transindividuais ou

metaindividuais, especialmente os interesses difusos, de se organizar como

gente unitária contra os poderosos interesses políticos e econômicos.

34 Garantia de acesso à justiça: benefício da gratuidade, in Garantias constitucionais do processo civil, coord. José Rogério Cruz e Turci, p. 10-11

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37GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA, citando CAPPELLETTI, esclarece

questões pontuais que se apresentam nesse fenômeno típico das sociedades

de massa:

"Os interesses 'difusos' representam um fenómeno típico e de

importância crescente, da sociedade moderna, caracterizado pela

passagem de uma economia baseada principalmente em seus relatórios

individuais para uma economia em cujo trabalho, produção, turismo,

comunicação, assistência social e previdência, etc., são fenômenos 'de

massa'. Se pensarmos no desenvolvimento dos direitos sociais, típicos,

ressalto, do moderno Estado social ou 'promocional' esses podem comportar

benefícios ou vantagens nos confrontos das vastas categorias. A contestação,

por exemplo, de uma norma constitucional nesta matéria pode interessar a

milhares, milhões de pessoas. Se pensa agora nos produtos da indústria: um

leve defeito de produção pode tornar-se um dano para muitíssimos

consumidores deste produto. Se pensarmos ainda no envenenamento, da parte

de um complexo industrial, de um rio ou de um lago: de novo, um número im-

preciso de pessoas são potencialmente atingidas, pelo dano causado pelo

envenenamento da atmosfera, ou pela poluição"35.

Prossegue GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA:

“Portanto, tornou-se inadiável uma verdadeira revolução do direito

processual a fim de que o direito repensado tornasse possível a tutela

dos direitos massificados, de forma a revisitar radicalmente os institutos

como a legitimidade ad causam, a citação o litisconsórcio, a coisa

julgada, a liquidação da sentença, dentre outros, adequando-os às

novas formas de tutelas jurisdicionais voltadas para os conflitos

massificados. Portanto, pelas transformações imperadas, não há mais

como negar a existência de um direito processual coletivo como novo

ramo do direito processual”.36

35 Direito Processual Coletivo Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 2003, p. 79.36 Direito Processual Coletivo Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 2003, p. 80-81

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38

Nos Estados Unidos e na Europa, a primeira tentativa de solucionar o

problema surgiu com uma ação governamental no sentido de atribuir poderes

de defesa desses interesses coletivos, lato sensu, a determinados órgãos

estatais. CAPPELLETTI e GARTH, entretanto, advertem que, embora ainda seja o

melhor método para a representação dos interesses difusos, em decorrência da

resistência tradicional a legitimar indivíduos ou grupos, isso não tem tido muito

sucesso. Isso porque tanto nos Estados Unidos quanto em vários países da

Europa, o Ministério Público e instituições análogas estão vinculados a papéis

tradicionais restritos, e não são capazes de assumir inteiramente a defesa desses

direitos de massa. Também estão sujeitos a pressão política, tornando assim

inócua a defesa dos interesses transindividuais contra entidades governamentais.37

Foi criada nos Estados Unidos, no ano de 1974, a figura do advogado público,

justamente para representar os interesses públicos em procedimentos

administrativos e judiciais. Destacam CAPPELLETTI e GARTH que a finalidade

da criação desses órgãos seria despertar a ação governamental para a defesa dos

interesses difusos, que estavam até então sem proteção38.

Na Suécia, em 1970, foi criada a figura do ombudsman do consumidor, com

atribuição para iniciar processo no Tribunal de Mercado, visando impedir práticas

ilegais de propagandas e publicidade que possam lesar direitos dos consumidores.

No caso da Suécia, o ombudsman do consumidor também não tinha

exclusividade para o ajuizamento de ação perante o Tribunal Comercial, já que as

associações também tinham legitimidade para isso. Na República Federal da

Alemanha foi criada a Lei sobre Contratos-Padrão, que entrou em vigor no ano de

1977 e possibilitou às associações de consumidores o ajuizamento de ações para

declarar a ilegalidade de determinadas cláusulas contratuais, facultando aos

37 Mauro Cappelletti e Bryan Garth, Acesso à Justiça, tradução Ellen Gracie Norfthfleet, Sérgio Antônio Fabris Editor, Porto Alegre, 2002, p.51-52.38 Obra cit., pág. 53-54

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39consumidores, após o trânsito em julgado da decisão, o uso da decisão para conse-

guir a invalidação de cláusulas dos contratos por eles pactuados39.

Informam ainda CAPPELLETTI e GARTH que:

"Outro método interessante de permitir que grupos privados representem o

interesse público é a 'relator action' (ação delegada), usada nos países de

'common law', especialmente na Austrália e Grã-Bretanha. A ação delegada é

intentada por uma parte que normalmente não teria legitimidade para a causa,

mas que obtém a permissão, ou 'fiat', do procurador-geral para tanto. Essa ação

pode ser utilizada tanto por indivíduo quanto por grupos, mas, por motivos óbvios

— especialmente custos — os grupos parecem ter sido mais ativos na utilização

desse mecanismo para fazer valer os interesses difusos. Uma vez iniciada, a

ação delegada prossegue sob a supervisão e controle (mais teóricos que reais)

do procurador-geral. Ela é atualmente uma instituição importante, embora sua

significação tenda a diminuir na medida em que as restrições à legitimidade

sejam eliminadas em área como a da defesa do consumidor e a da proteção

ambiental"40.

Num primeiro plano, tratou-se do reconhecimento dos grupos, para que fosse

permitido o ajuizamento de ações coletivas na defesa do interesse público, o que

era feito para evitar que esses grupos fossem fontes de abusos, tendo sido

desenvolvidos até mesmo mecanismos de controle público.41

Já num segundo plano de reformas visava organizar e fortalecer os grupos

privados para que fossem eficientes na tutela dos interesses difusos, o que era

imprescindível, pelo fato de que as empresas demandadas tinham muito dinheiro

disponível para o custeio do litígio e dos melhores advogados, bem como outras

características que as tornavam adversários temíveis42.

39 Mauro Cappelletti e Bryan Garth, op. cit., págs. 57-58.40 Idem, p. 58-5941 Idem, p. 56-6042 Mauro Cappelletti e Bryan Garth, op. cit., págs. 58-59.

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40

Nos Estados Unidos, que têm um dos sistemas de tutela dos direitos de

massa mais avançados do mundo, foram implantadas as ações coletivas e as ações

de interesse público, bem como as associações de advogados que delas se

ocupavam.

As class actions dos Estados Unidos permitem que um litigante represente uma

classe de pessoas em uma determinada demanda, evitando-se, assim, os custos da

criação de uma organização permanente.

CAPPELLETTI e GARTH, contudo, ponderam:

"Class actions e ações de interesse público, no entanto, exigem

especialização, experiência e recursos em áreas específicas, que apenas

grupos permanentes, prósperos e bem assessorados possuem. Muitos

advogados de class actions podem ser incapazes de prover a tal

especialização pessoalmente, ou não contar com recursos suficientes para

obtê-la com outros profissionais. Embora possam recuperar os honorários

advocatícios na hipótese de sucesso, o risco de perder é uma barreira

considerável; para serem eficientes, precisam também se engajar em práticas

de 'lobby' e outras atividades extra-jurídicas. Por muitas razões grupos

permanentes podem pressionar para obter decisões do governo com mais

sucesso que classes relativamente efémeras. Esse problema, juntamente com a

impossibilidade de utilização da class action como solução para muitos dos pre-

juízos sofridos pêlos consumidores, tornam a class action um meio imperfeito de

indicação dos interesses difusos".43

Na verdade, a questão da legitimação para agir ou representação adequada

para a tutela dos interesses transindividuais tem sido um problema quase

mundial, e ainda não se chegou a um consenso a respeito da matéria179.

Entretanto, no caso do Brasil essa questão não parece ser tão polémica, pois tanto

a Lei da Ação Civil Pública (art. 5° da Lei n. 7.347/85) quanto o Código de

43 Mauro Cappelletti e Bryan Garth, op. cit., págs. 61.

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41Defesa do Consumidor (art. 82 da Lei n. 8.078/90) adotaram um sistema bem

adequado de representação legal desses interesses, especialmente em relação

ao Ministério Público, que hoje tem sido o principal defensor dos interesses

massificados no Brasil.

2.2.3 Obstáculos propriamente processuais – a terceira onda renovatória

de acesso à justiça

Listados os aspectos doutrinários das duas primeiras ondas

renovatórias do acesso à justiça – assistência judiciária gratuita e

representação processual em juízo dos interesses de massa - resta a terceira e

última dessas ondas renovatórias identificadas pelo Mestre de Florença, surge

então o que é denominado de “um novo enfoque do acesso à justiça, que visa

operacionalizar todo o sistema de acesso à justiça, aperfeiçoando inclusive o

sistema de assistência judiciária gratuita e o sistema de tutela dos interesses

de massa”44 .

Nos louvamos uma vez mais, da contribuição sempre valiosa de JOSÉ

CARLOS BAPTISTA PUOLI:

“Pois bem. Definidos os espectros de atuação das duas primeiras

ondas renovatórias, resta tratar da terceira onda. Esta, diferentemente das

duas primeiras, não está diretamente ligada a um aspecto ou instituto do

processo individualmente considerado. Pelo contrário, esta terceira onda

tem uma meta generalista que preconiza uma verdadeira revolução do

sistema processual como um todo, compreendendo, nas palavras de

Mauro Cappelletti, iniciativas relacionadas com "alterações nas formas do

procedimento, mudanças na estrutura dos tribunais, ou a criação de novos

tribunais, o uso de pessoas leigas ou para profissionais, tanto como juizes

quanto como defensores, modificações no direito substantivo destinadas a

evitar litígios ou facilitar sua solução e a utilização de mecanismos privados 44 Gregório Assagra de Almeida, Direito Processual Coletivo Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 2003, p. 86.

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42ou informais de solução dos litígios. Esse enfoque, em suma, não receia

inovações radicais e compreensivas, que vão muito além da esfera de

representação judicial. Ademais este enfoque reconhece a necessidade

de correlacionar e adaptar o processo civil ao tipo de litígio". Nesta linha de

adaptação do tipo de processo ou do modo alternativo pelo qual será

tentada a solução da controvérsia às características da situação concreta

que estiver sendo tratada inserem-se as iniciativas relacionadas com a

instituição de juizados especiais para julgamento de casos de menor

complexidade (como feito entre nós pelas Leis ns. 7.244/84 e, mais

recentemente, 9.099/95) e as relativas à facilitação e fomento do uso da

arbitragem como modo alternativo de solução de conflitos a ser utilizado em

situações onde haja capacidade das partes para contratar e o litígio versar

sobre bens patrimoniais disponíveis de acordo com os requisitos eleitos

pela Lei n. 9.307/96. Pela própria abrangência de sugestões é fácil

concluir que esta terceira onda está, em verdade, propondo um novo

modo de criar, encarar e operar o direito processual. Tamanha é a sua

generalidade que, em verdade, compreende muito do que propõe quando se

fala da consciência a respeito da "instrumentalidade" do processo”.45

É a busca pelo "processo civil de resultados" na expressão já utilizada pelo

professor CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO. Não se pense, todavia, que a utilização

deste método para desenvolvimento da pesquisa e formulação da dissertação

poderá importar em menosprezo pela técnica processual. E isto por que, nos

termos da lição de José Carlos Barbosa Moreira, "renegar a técnica decididamente

não é o melhor caminho para fazer avançar nossa ciência, nem para converter o

avanço científico em fermento da Justiça". E segue o eminente processualista

carioca demonstrando que tanto a deficiência técnica na formulação das normas

processuais quanto a deficiência técnica na aplicação das normas legais aos

processos concretamen-te considerados são negativas e não queridas pelo

sistema. No que se refere às deficiências técnicas na criação legislativa das

normas processuais, afirma o referido professor que tais falhas "acarretam

45 José Carlos Baptista Puoli, Os poderes do juz e a reforma do Código de Processo Civil,Ed. Juarez de Oliveira, São Paulo, 2002, p. 16.

Page 42: O ACESSO À JUSTIÇA E SEUS DESDOBRAMENTOS CARVALHO DA SILVEIRA.pdf · medida de nossa condição de meros desbravadores de campo tão fértil da ... Para demonstrar a presente hipótese,

43dúvidas e controvérsias hermenêuticas de que costumam se alimentar os

incidentes processuais" de modo a gerar carga enorme e inútil de trabalho para os

tribunais, o que acaba por afetar "a qualidade do produto", de forma a afogar "no

pantanal da rotina quaisquer esperanças de desenvolvimento jurisprudencial". Por

outro lado, José Carlos Barbosa Moreira complementa o diagnóstico registrando

que a deficiência técnica na aplicação da norma processual é fonte de

"numerosas desgraças" como a "inútil sobrevivência de inúmeros processos" que,

com melhor apuro técnico, deveriam ser retidos no "filtro do despacho liminar".

Evidentemente, o uso desmesurado do tal filtro poderia implicar em efetivo prejuízo da

aptidão do processo como via de acesso à "ordem jurídica justa" (em mais uma

expressiva locução cunhada por Kazuo Watanabe), na medida em que um autor,

destinatário de posição privilegiada pela lei material, poderia acabar vendo sua

pretensão fadada ao insucesso não por conta da "vontade concreta da lei", mas por

mera inaptidão do advogado que o representa. Por isso que o mestre carioca, dando

sequência em sua preleção sobre a prática forense, segue afirmando que "no

despacho da inicial, v.g., o juiz consciencioso e criativo encontrará ajuda inestimável na

disposição do art. 284, caput" que "inteligentemente explorada" pode "salvar do

naufrágio imediato postulações mal formuladas mas suscetí-veis de

correção".46

46 José Carlos Barbosa Moreira, Efetividade do processo e técnica processual, texto constante da coletânea intitulada, “Temas de Direito Processual Civil”, 6ª Série,.. p. 23-24

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44

Capítulo 3

3. TUTELA JURISDICIONAL COLETIVA

No mundo globalizado, é cada vez maior a necessidade de interação

entre as diversas correntes de pensamento e estudos científicos

desenvolvidas nos principais centros, com o fito repensarem o direito,

buscando no direito comparado soluções possíveis para o aperfeiçoamento do

nosso sistema judiciário e a instrumentalização do processo como meio de se

alcançar a efetiva distribuição da justiça.

O método de buscar no direito comparado subsídios à discussão interna

sobre os mais instigantes temas da moderna processualística, enriquece o

debate e o estudo, aprimorando o direito nacional, facilitando em muito a

compreensão das características sociais dos povos estrangeiros, com melhoria

das relações internacionais em todos os níveis.

No que diz respeito ao direito processual coletivo, torna-se quase

obrigatória a referência ao direito comparado, notadamente, ao sistema norte-

americano, do qual se originam as class actions, que serviram de base para a

coletivização do direito processual brasileiro.

É importante, antes de enfatizarmos a discussão em torno da tutela dos

interesses e direitos coletivos em outros países, importante que definamos o

que sejam direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, segundo a

doutrina pátria.

3.1 Tutela jurisdicional Coletiva em alguns sistemas do Direito

Comparado.

Na seqüência da idéia central desse tópico, faremos uma pequena

abordagem quanto à problemática da defesa dos interesses difusos em países

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45da civil law e da common law, e a tendência mundial de convergência entre

essas duas grandes famílias jurídicas.

3.1.1 Na Itália

O que caracteriza a problemática dos interesses difusos e coletivos na

Itália é exatamente o amplo debate encadeado pelos juristas italianos sem que

se chegue a um consenso quanto à terminologia e conceituação desses

interesses.

“Essas divergências se orientam em duas tendências. Para uns autores,

a diferença entre interesses difusos e coletivos deriva do fato de os segundos

se referirem a um grupo organizado. Para outros, o fundamental é a

individualidade do bem objeto do interesse e sua utilização por pluralidade de

pessoas”.47

Explica GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA que tanto na doutrina quanto

jurisprudência, não são poucos os pronunciamentos divergentes quanto à

definição do que vem a ser interesses difusos, assinalando a dificuldade para a

tutela coletiva desses interesses nas cortes italianas.

“A Corte de Cassação italiana, entende por interesses difusos,

aqueles em que o objeto não é apto a ser considerado pelo âmbito

exclusivamente pessoal, pois são referentes não ao sujeito como

indivíduo, mas a uma coletividade de pessoas, mais ou menos ampla.

Em outras ocasiões, esse mesmo tribunal chegou a entender por

interesses difusos os que são jurídica e individualmente tutelados, mas

simultaneamente referentes a uma pluralidade de sujeitos”.

Prossegue “salientando que uns preferem enquadra-los como

direitos subjetivos ou interesses legítimos (situações jurídicas

47 Joaquim Silguero Estagnan, in La titela jurisdicional de los interesses colectivos a trvés de la legitimación de los grupos, p. 197)

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46tradicionais); os outros como se fossem um tertium genus, havendo

inclusive esforços da jurisprudência para enquadra-los ou como

interesses legítimos, possibilitando sua tutela pelo contenciosos

administrativo, ou como direitos subjetivos, permitindo a sua tutela pela

via jurisdicional tradicional”.48

Outro problema existente na Itália em relação à tutela dos direitos

massificados ocorre porque o sistema italiano é de jurisdição bipartida: existe o

Contencioso Administrativo para apreciação das questões que envolvem a

Administração Pública, em que esteja em jogo tão-só interesse legítimo do

administrado – quando se tratar de ato discricionário da administração pública

– e a Jurisdição Comum, quando se tratar de direito subjetivo. Portanto, a falta

de uma regulamentação completa sobre a tutela coletiva e a própria divisão da

jurisdição dificultam a uniformização da matéria coma superação dos

problemas com base na legislação existente.

Fazendo um pequeno paralelo de como a questão é tratada na Itália e o

avança da legislação brasileira, assim se manifesta ADA PELLGRINI GRINOVER:

“Mais tímida, ao contrário, é a tutela jurisdicional dos interesses

difusos na Itália. Mesmo a recente lei sobre a disciplina dos direitos dos

consumidores e dos usuários (Lei 281, de 30.07.1998) ainda limita a

legitimação às associações representativas em nível nacional, que

devem se inscrever junto ao Ministério da Indústria, observadas diversas

formalidades 9art. 5º) e restringe a via judiciária exclusivamente à ação

inibitória (art. 3º). Vale lembrar a importante disposição do art. 3º, nº 7,

prevendo que o processo coletivo não exclui o direito às ações

individuais dos consumidores lesados pelas mesmas ofensas,

ressalvadas as normas sobre a litispendência, a continência, a conexão

e a reunião dos processos”. 49

48Gregório Assagra de Almeida, Direito Processual Coletivo Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 2003, p. 10749 Ada Pellegrini Grinover, Significado Social, político e jurídico da tutela dos interesses difusos, Revista de Processo, v. 97, p. 14.

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47Portanto, analisando o sistema italianos, concluímos pelo apuro e

modernidade do sistema nacional no trato com as questões envolvendo direitos

massificados.

3.1.2 Na França

Tal qual na Itália o sistema judiciário francês é bipartido, porém com

alguns avanços cujas considerações são as seguintes:

A própria doutrina francesa, enfatiza a necessidade de se enquadrarem

os interesses coletivos no sistema processual , partindo da concepção da ação

como o poder concedido aos particulares de se dirigir á Justiça, a fim de tutelar

seus direitos ou seus interesses legítimos.

Como explica GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA, com o auxílio de

JOAQUÍM SILGUERO ESTAGNAN, ser necessário ao demandante alegar um

direito e possuir interesse.

“A doutrina francesa, de maneira até pacífica, exige, para o

ajuizamento da ação, que o demandante: tenha alegado um direito e tenha

também interesse (que seriam na concepção doutrinária francesa requisitos

de existência da ação), legitimidade e capacidade (que seriam condições de

exercício da ação). O interesse tem que ser legítimo, existente e atual, pessoal

e direto. Assim, havia uma grande dificuldade de serem observados, seja

em relação às associações, seja em relação aos sindicatos, todos esses

requisitos exigidos para o ajuizamento de ação para a tutela .coletiva, o que

impedia a devida proteção dos interesses de massa. Como ressalta Joaquín

Silguero, a Corte de Cassação francesa, em decisão de 5 de abril de 1913,

passou a admitir ação pêlos sindicatos, sempre que ficasse demonstrado o

prejuízo direto ou indireto a interesses coletivos da profissão que

representassem. Seguidamente, em uma outra decisão da Corte de

Cassação de 25 de julho de 1913, houve a exigência de que esses

interesses não deveriam ser confundidos com os interesses gerais, cuja

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48tutela ficava a cargo do Ministério Público. Como o direito francês não fazia a

distinção clara entre interesse coletivo e interesse geral, isso significou uma

restrição à tutela coletiva pêlos entes sociais, que perdurou na jurisprudência

francesa até 1976, quando, com base nas disposições do Código Urbanístico,

se entendeu que os interesses gerais seriam também interesses dos

particulares, tendo a jurisprudência reconhecido a um sindicato de

comerciantes a qualidade de parte em um delito que contrariou a legislação

especial sobre mercados de interesse nacional. Foi um avanço para a tutela

dos interesses coletivos na França”.50

Outra característica do sistema francês é quanto a possibilidade de

associações e sindicatos serem legitimados para a defesa dos interesses dos

seus filiados em juízo, tanto em matéria penal quanto em matéria não penal. A

esse respeito as palavras de GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA, contando

novamente com os auspícios de JOAQUÍM SILGUERO ESTAGNAN:

“No caso dos sindicatos, observa-se que a jurisprudência francesa tem

sido mais rigorosa na concessão de legitimidade para a tutela penal, do que

para a tutela não penal. Para a tutela penal tem a jurisprudência exigido: a

atuação na defesa da profissão que haja sido prejudicada pela infração; que

haja prejuízo direto ou indireto aos interesses coletivos da profissão; e o

interesse tem que ser coletivo, não sendo suficiente o mero interesse geral

ou social. A distinção entre interesses coletivos, interesses gerais e sociais se

dá porque, no caso de interesses gerais ou sociais, só se admite

legitimidade ao Ministério Público. Em matéria não penal, contudo, os

sindicatos não têm encontrado muitos problemas para comparecerem em

juízo, tendo a jurisprudência admitido a tutela coletiva por eles, v. g., em

casos de publicidade enganosa, etc..

50 Gregório Assagra de Almeida, Direito Processual Coletivo Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 2003, p. 111-112.

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49No caso das associações, a jurisprudência tem exigido para a tutela

penal que: a infração tenha sido praticada contra os fins que ela defende;

haja um prejuízo direto e pessoal aos seus associados; que o interesse não

seja geral. No caso de matéria não penal, os requisitos são os mesmos,

com exceção da exigência de que não se trate de interesse geral cujo titular,

no caso penal, é somente o Ministério Público. Para defender direito coletivo,

a associação tem que ter também autorização expressa”.51

Quanto à tutela dos consumidores, existe na França um tratamento especial,

iniciado pela Lei (Royer) do Comércio e do Artesanato, de 27 de dezembro de 1973,

que passou expressamente a legitimar as associações dos consumidores, para a

tutela de seus direitos em juízo.

MÁRCIO MAFRA LEAL destaca crítica feita com relação ao sistema francês de

tutela coletiva que, “sob uma concepção meramente matemática e corporativa, exige,

para provar a representatividade numérica da associação, um número de 10.000

membros como condição de legitimidade para a ação coletiva, equiparando, com

isso, o conceito de representatividade à exigida às formas corporativas de

associação, "a exemplo de um sindicato ou de uma cooperativa".

Nessa linha de raciocínio, continua MÁRCIO MAFRA LEAL:

“Não obstante a exigência da legislação francesa da representatividade

adequada, ela não admitia o ressarcimento individual sob o tratamento

processual coletivo, como admitem o Código de Defesa do Consumidor brasi-

leiro, em seu art. 91, e a Regra 23 do direito norte-americano. Contudo, com a

entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor francês, de 22 de

março de 1995, esse tipo de tutela passou a ser admitido, consoante

dispõe o art. L 422-1 do mencionado diploma. E o Código avançou de sorte a

superar as limitações jurisprudenciais, ao conceder legitimidade (art. 421-1) às

51 Gregório Assagra de Almeida, Direito Processual Coletivo Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 2003, p. 112-113.

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50organizações definidas no art. 2S do Código da Família e Assistência Social,

para o ajuizamento de ações coletivas e também por dispensar a

autorização normalmente exigida para as associações agrées” .52

Essas colocações servem para pontuar a forma como o direito francês,

também tutela outros direitos, a título coletivo em sentido estrito ou não, como

ocorre em relação ao meio ambiente, etc.

3.1.3 Na Alemanha

Dentre os sistemas jurídicos até aqui apresentados como base no direito

comparado, o sistema alemão nos parece o que possui instrumentos menos

adequados de tutela coletiva, e até mesmo entre os doutrinadores há os que

divergem com relação à adoção ou não de tipos de tutela coletiva, como as class

actions do direito norte-americano.

Para GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA “a doutrina alemã sustenta o caráter

comum dos interesses coletivos partindo do pressuposto da existência de

homogeneidade de interesses entre uma pluralidade de indivíduos”.53 Também

com freqüência emprega a concepção de interesses coletivos junto com interesses

públicos.

Citando uma vez mais JOAQUÍM SILGUERO, em crítica à doutrina tedesca,

“sustenta que isso não significa que interesses coletivos e interesses públicos devam

ser tratados como sinónimos, pois os interesses públicos são de interesse do direito

processual como instituição, ao passo que os interesses supra-individuais devem ser

considerados em relação ao litígio em concreto”54.

52 Márcio Mafra Leal, Ações coletivas: história, teoria e prática, Sérgio A. Fabris, Porto Alegre, 1998, p. 176. 53 Gregório Assagra de Almeida, Direito Processual Coletivo Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 2003, p. 115.

54 Idem nota anterior.

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51Continua GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA citando JOAQUÍM SILGUERO

ressaltando que:

“Em relação à doutrina alemã é preciso destacar vários aspectos. A

concepção de interesse supra-individual é complexa e geral. A questão da

legitimação dos grupos intermediários é um problema, já tendo sido sustentado

que nem mesmo os entes públicos especializados podem assegurar uma

adequada tutela dos interesses coletivos econômicos, sociais,

ambientais, etc. Além disso, destaca o citado jurista espanhol que o direito

alemão, fundado numa perspectiva individualista, apresenta dificuldades em

admitir a tutela dos interesses massificados ao exigir que o interesse seja

pessoal e direto”. 55

Na Alemanha a tutela dos interesses metaindividuais se dá através das

associações por meio das ações associativas ou Verbandsklage, instituto que

confere essa verdadeira legitimidade extraordinária às associações mediante

a aglutinação de interesses individuais. Não podem os detentores de um

interesse coletivo – ou determinado grupo – buscarem provimento jurisdicional

com base em um direito difuso geral, mas calcado em um interesse do grupo,

estritamente coletivo. O grupo necessita ainda de expressa autorização legal

ou mandato especial dos interessados diretos para defesa em juízo desses

interesses coletivos.

Portanto, não se deve pensar que o legislador alemão tenha sido generoso ao

admitir ação associaltiva (Verbandsklage), já que os grupos organizados, com

capacidade para serem parte (personalidade jurídica), somente podem acionar em

defesa dos direitos de seus membros se existir previsão legal ou se lhes tenha sido

conferido mandato geral ou especial por seus membros.

“A doutrina alemã também não é unânime quanto à admissibilidade

da ação associativa (Verbandsklage). Apesar de a maioria se colocar a favor

55 Idem nota anterior, p. 115-116.

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52dessa ação — alguns sustentam inclusive a necessidade de ampliação do seu

campo de aplicabilidade de forma a abranger o contencioso administrativo e a

tutela do meio ambiente —, há quem critique a concessão de legitimidade às

associações para a defesa dos interesses dos grupos sob o argumento de

que são escassas as exigências de representação de seus membros232. Por

outro lado, alguns juristas defendem a inserção, no sistema alemão, da ação

popular, de forma a conceder legitimidade a qualquer cidadão, como no Brasil,

ou às associações, para a tutela do meio ambiente.

Também existe divergência na doutrina alemã acerca da utilização das

dass actions norte-americanas como modelo de reforma do direito alemão.

Alguns sustentam que elas somente seriam válidas para casos isolados,

além de apontar o risco de se criarem artificialmente associações (integradas

por secretários e familiares de advogados) para essas hipóteses de tutela”.56

3.1.4 Na Espanha

Não existe na Espanha ação coletiva de tutela de direitos individuais

homogêneos com pedido indenizatório, como a class action for demanges do

direito norte-americano e a ação coletiva de tutela indenizatória de direitos

individuais homogêneos do direito brasileiro – arts. 91 e seguintes do Código

de Defesa do Consumidor brasileiro. Nem mesmo se admite ação coletiva

com pedido indenizatório versando sobre direitos difusos.

MÁRCIO MAFRA LEAL destaca, entretanto, que o Tribunal Constitucional

espanhol acabou reconhecendo a legitimidade de uma demandante individual, que

pleiteava indenização por danos morais praticados por integrante de movimento

nazista, reconhecendo assim a legitimidade em nome de um grupo étnico,

destinando o ressarcimento à Associação de Cidadãos espanhóis que sofreram

nos campos de concentração e de estermínio.57

56 Idem nota anterior, p. 116-117

57 Ações coletivas: história, teoria e prática, Sérgio A. Fabris, Porto Alegre, 1998 p. 179-180

Page 52: O ACESSO À JUSTIÇA E SEUS DESDOBRAMENTOS CARVALHO DA SILVEIRA.pdf · medida de nossa condição de meros desbravadores de campo tão fértil da ... Para demonstrar a presente hipótese,

53Dentre as leis que tratam da tutela de direito de massa na Espanha, a

que pode ser considerada a mais avançada é a que se refere à defesa dos

consumidores e usuários (Lei n. 26, de 19/07/1984), denominada Ley General

para la Defensa de los Consumidores y Usuários, prevendo em seus artigos 20

e seguintes, que os interesses gerais dos consumidores e os direitos difusos

sejam buscados por associações, beneficiando mesmo quem não seja

associado.

Essas associações para que obtenham a adequada representatividade,

para que possa fazer o exercício da ação coletiva, deve primeiramente ser

inscrita no livro de registro do Ministério de Sanidad y Consumo, além de estar

representada no Conselho de Consumidores e usuários, de forma a

demonstrar, com isso, como condição do exercício da ação coletiva, efetiva

participação na defesa dos interesses gerais dos consumidores, conforme

também ocorre na França e na Alemanha.

Em outras palavras, a associação deve demonstrar empenho da

defesa dos consumidores e não somente inscrevê-la em seus estatutos, o que

por si só não caracteriza a credibilidade necessária para representar direitos

difusos dos consumidores.

“O art. 125 da Constituição Espanhola prevê a possibilidade de o

cidadão ajuizar ação popular Destaca-se, nesse caso, como louvável a

admissibilidade do uso dessa ação para impugnar decisões

administrativas que importem em prejuízo ao meio ambiente”.58

3.1.5 Nos Estados Unidos

Podemos considerar os EUA o pais com maior tradição na abordagem

dos institutos de tutela dos interesses de massa, tanto assim que a nossa

58 Gregório Assagra de Almeida, Direito Processual Coletivo Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 2003, p. 119.

Page 53: O ACESSO À JUSTIÇA E SEUS DESDOBRAMENTOS CARVALHO DA SILVEIRA.pdf · medida de nossa condição de meros desbravadores de campo tão fértil da ... Para demonstrar a presente hipótese,

54ação civil pública foi inspirada nas denominadas class actions (ações de

classe). Os doutrinadores consideram que a Regra 23 - Rule 23 – do Direito

Norte Americano, foi o instrumento processual que mais influenciou os

estudiosos da ação coletiva e os sistemas de tutela coletiva em diversos

países, como na França, Nova Zelândia e o Brasil.

Assim, nas palavras de JOSÉ GOMES RIBERTO SCHETTINO, “costuma-se

afirmar que a experiência dos Estados Unidos da América com demandas

coletivas remonta ao século XVII, quando ainda era colônia da Inglaterra,

mediante a edição neste país da Bill of Peace59. De toda forma, já na

década de vinte do século XIX, quando alcançada sua independência, tem-

se notícia dos primeiros processos coletivos em trâmite nos Estados

Unidos. Com a reformulação daRule 23 das Federal Rules of Civil

Procedure, em 1966, a matéria ganhou os contornos que ainda hoje

apresenta. Como se vê, os tribunais norte-americanos têm enfrentado

questões há mais de trinta anos (para não dizer há alguns séculos) que só

há pouco foram suscitadas no Brasil”60.

Adaptando os esquemas do direito norte-americano a um sistema de

civil law, sem olvidar - é claro - a realidade de nosso país, o legislador

brasileiro inspirou-se nas class actions americanas para criar, primeiro, as

ações coletivas em defesa de interesses difusos e coletivos, de natureza

indivisível. E o fez por intermédio da denominada lei da Ação Civil Pública.

RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO, assevera que "no texto original da

Lei 7.347/85, seus idealizadores buscaram inspiração no sistema das class

actions do direito norte-americano."61

59 “Era um procedimento surgido e só admitido na Court of Chancery que, por julgar questões variadas, exercia jurisdição de equidade (equity). Assim, pelo bill ofpeace, os juizes da Chancery permitiam, em caso de interesse comum, que uma única pessoa pudesse iniciar uma ação contra várias outras pessoas, sem que houvesse a necessidade de separação dos processos” (Gregório Assagra de Almeida, op. cit. pág.120).60 José Gomes Riberto Schetino, in Temas Contemporâneos de Direito processual Civil, Lúmen Júris, organizador Humberto Dalla Bernardina de Pinho, Rio de Janeiro, 2004, pág. 159.61 Rodolfo de Camargo Mancuso, Ação Civil Pública: Em Defesa do Meio Ambiente, do Património Cultural e dos Consumidores, 7a ed., São Paulo: RT, 2001, p. 98

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55Pertinentes também são as palavras de Tycho Brahe Fernandes e

Angela Silva Guimarães: "a diferença entre a class action e a ação civil

pública para a defesa dos interesses individuais homogéneos reside no fato

de que enquanto na class action qualquer interessado pode ingressar com a

ação, representando os demais e obrigando a todos a decisão, na ação civil

pública para a tutela dos direitos individuais homogéneos somente estão

legitimados aqueles que estão previstos no rol do artigo 82 do CDC, entre os

quais não se inclui o lesado individualmente”.62

GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA, explica a origem da codificação da

matéria no Direito Norte Americano:

“Nos Estados Unidos, a primeira codificação sobre a matéria ocorreu

em 1842, através da Federal Equity Rule 48, que admitia o ajuizamento desse

tipo de ação de classe, quando fosse tão numerosa a quantidade de partes, que

o comparecimento de todas elas em juízo causaria sérias inconveniências

como tumulto e atraso no processo. Contudo, somente o tribunal,

analisando o caso, é que tinha discricionariedade para dispensar o

comparecimento de todas as partes. Assim, ao tribunal cabia a tarefa de

analisar se as partes presentes tinham condições de representar

adequadamente todos os interesses dos ausentes. A Rule 48 não admitia

que a sentença prejudicasse o direito material dos interessados ausentes”.63

MÁRCIO FLÁVIO MAFRA LEAL afirma que, ”não obstante a Regra 48

estabelecer a limitação dos ausentes de modo a não lhes afetar o direito material,

a Suprema Corte Americana, no ano de 1853, decidindo o caso Smith v. Swormstedt,

acabou por ignorar essa ressalva, entendendo que a adequada representação era

suficiente para a extensão subjetiva da coisa julgada”.64

62

A Legitimação do Ministério Público na Tutela dos Interesses ou direitos individuais homogêneos, artigo doutrinário disponível na Internet, no endereço eletrôni-co www.acmD.ora.br/trabalhos/doc. em 29/11/2000).63 Direito Processual Coletivo Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 2003, p. 121.

64 "Assim, havendo essa representação qualificada, estava satisfeita a questão dos direitos dos ausentes que não participassem do processo, doutrina essa que perdura até hoje e é a chave para a compreensão teórica das ACDIs" (Ações coletivas: história, teoria e prática, p. 151-152)

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56

Em 1912, a Equity Rule 48 foi revogada pela Equity Rule 38, que de um lado

acabou com a proibição de extensão subjetiva da coisa julgada para os casos de

adequada representação, mas estabeleceu, de outro lado, em redação simples, que,

onde as partes fossem excessivamente numerosas para se estabelecer um

litisconsórcio, algumas poderiam figurar no pólo ativo ou passivo da relação jurídica

processual, em nome dos demais membros do grupo ou da classe.65

A Rule 23, adotando urna classificação tripartida das class actions, tinha

uma redação tão complexa que acabou por gerar polmicas. Com efeito, no ano de

1966, a Suprema Corte Americana deu uma nova versão à Rule 23. Essa Regra 23

do Código Federal do Processo Civil norte-americano passou por uma reformulação e

acabou com a regra do opt-in, que era orientada pela teoria do consentimento, no

sentido de que a representação adequada, para efeitos da extensão subjetiva da coisa

julgada, somente seria possível se consentida expressamente. Instalou-se a regra do

opt-out, cujo consentimento é presumido pela falta de manifestação em sentido

contrário do interessado ausente que, notificado "da maneira melhor de acordo com

as circunstâncias", não optar pela sua exclusão do processo.66

Para entendermos melhor a dinãmica do instituto em comento, nos socorremos

de JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI:

“ Estabelece a alínea ‘a’ da Regra 23, após a reformulação, que um ou

mais membros da classe podem demandar, ou ser demandados, como

legitimados, no interesse de todos se: 1) a categoria for tão numerosa que a

reunião de todos os membros se torne impraticável; 2) houver questões de

direito ou de fato comum ao grupo; 3) os pedidos ou defesas dos litigantes forem

idênticos aos pedidos ou às defesas da própria classe; e 4) os litigantes

aluarem e protegerem adequadamente os interesses da classe.

..........

65

Nesse sentido, Márcio Fláno Mafra Leal, Ações coletivas: história, teoria e prática, p. 152.66 Idem, p. 153-154

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57Como se vê, esse tipo de ação poderá ser coletiva tanto no pólo ativo

quanto no pólo passivo da relação jurídica processual.

............

A primeira hipótese da alínea a traz um requisito negativo pela

exigibilidade de que, por ser tão numerosa a classe, se torne impraticável o

litisconsórcio. A segunda hipótese diz respeito aos elementos da ação,

especificamente à causa de pedir e, ao contrário da primeira hipótese, é um

requisito positivo, estando entrelaçado com o mérito, já que exige a

existência de questões de fato ou de direito comuns à classe. A terceira

hipótese também é um requisito positivo que se relaciona com o mérito, pois

exige identidade entre pedidos ou defesa dos litigantes em relação aos

pedidos ou defesas da classe. A última hipótese é puro requisito de

admissibilidade processual, também positivo, e exige que a representação

seja adequada. Todos esses requisitos, como esclarece José Rogério Cruz e

Tucci, são pressupostos de admissibilidade da class action”.67

Presentes esses pressupostos de admissibilidade contidos na alínea a da

Regra 23, a ação deverá enquadrar-se em uma das três subcategorias contidas na

alínea b da mencionada regra.68

Por seu turno, a alínea b estabelece, como esclarece José Rogério Cruz e

Tucci, que uma ação pode desenvolver-se como class action desde que satisfeitos

os pressupostos da alínea a, e ainda se:

“1) o ajuizamento de ações separadas ou em face de membro do grupo

faça surgir risco de que: a) as respectivas sentenças nelas proferidas imponham

ao litígio, contrário à classe, comportamento antagónico; b) tais sentenças

prejudiquem ou tornem extremamente difícil a tutela dos direitos de parte dos

membros da classe estranhos ao julgamento;

67 José Roberto Cruz e Tucci, “Class Actions” e mandado de segurança coletivo, p.19, citado por Gregório Assagra de Almeida, in Direito Processual Coletivo Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 2003, p. 12368 É o que escreve Márcio Flávio Mafra Leal, aduzindo ainda que a maioria dos casos recai sobre as duas últimas espécies (b - 2) e (b - 3) (Ações coletivas: história, teoria e prática, p. 156).

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582) o litigante contrário à classe atuou ou recusou-se a atuar de modo

uniforme perante todos os membros da classe, impondo-se um final injunctive

reliefou um declaratory reliefem relação à classe globalmente considerada;

ou

3) o tribunal entende que as questões de direito e de fato comuns aos

componentes da classe sobrepujam as questões de caráter estritamente

individual e que a class action constitui o instrumento de tutela que, no caso

concreto, mostra-se mais adequado para o correto e eficaz deslinde da

controvérsia.

Em relação à primeira hipótese da alínea ‘b’ da Regra 23, explica a

doutrina que o seu fundamento não está na congruência de interesses dos

membros da classe, mas justamente na necessidade de coerência do sistema

jurídico, evitando-se, com isso, decisões contraditórias, sendo esse tipo de

ação coletiva de representação por necessidade da ordem jurídica.

Observa-se que essa espécie de ação demonstra o poder do juiz no sistema

jurídico norte-americano, pois, na verdade, em evidente exceção ao princípio da

demanda e ao princípio dispositivo, que são princípios básicos na jurisdição do

sistema romano-germânico, o juiz americano pode transformar uma ação

individual em ação formal e substancialmente coletiva, nela proferindo uma

decisão que irá atingir várias pessoas, que não estarão presentes na relação

jurídica processual”.69

Nesse sentido GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA, sustentando que “essa

espécie de ação demonstra o poder do juiz no sistema jurídico norte-americano, pois, na

verdade, em evidente exce-ção ao princípio da demanda e ao princípio dispositivo, que

são princípios básicos na jurisdição do sistema romano-germânico, o juiz americano

pode transformar uma ação individual em ação formal e substancialmente coletiva,

69 José Rogério Cruz e Tucci, José Roberto Cruz e Tucci, “Class Actions” e mandado de segurança coletivo, p.14-19, citado por Gregório Assagra de Almeida, in Direito Processual Coletivo Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 2003, p. 124.

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59nela {proferindo uma decisão que irá atingir várias pessoas, que não estarão presentes

na relação jurídica processual”.70

Prossegue MÁRCIO FLÁVIO MAFRA LEAL, em relação à segunda hipótese

contida na alínea b, n. 2, da Regra 23:

"A maioria dos casos de ação coletiva tem sido proposta com base

nesta alínea. São os casos em que o pedido e o provimento jurisdicional

são declaratórios, mandamentais ou condenatórios em um fazer ou não-

fazer, sintetizados nas expressões em inglês 'declaratory', para o primeiro,

e 'injunctive relief, para os últimos. Essas espécies de provimento decorrem:

I) em razão de um direito difuso (transindividualidade material); II) de um

direito individual que, tratado coletivamente (transindividualidade processual),

torna-se indivisível, pois, necessariamente, a decisão judicial e a coisa julgada

aproveitarão (ou prejudicarão) a todos os membros da classe".71

Em decorrência de a decisão ter que ser uniforme para todo o grupo e por se

tratar de transindividualidade necessária, é dispensada a notificação dos membros

da classe, para que eles optem em pedir a exclusão do processo. Essa espécie

de ação é usualmente utilizada para a tutela de direitos difusos como os

relacionados com políticas públicas.

“A terceira espécie de ação, prevista na alínea b, n. 3, da Regra 23,

visa a tutela coletiva de pedidos condenatórios por danos materiais

individualmente sofridos261, como ocorre com as devidas diferenças em

relação à nossa class action, que visa tutelar direitos individuais

homogéneos e está prevista nos arts. 91 e seguintes da Lei n. 8.078/90,

que instituiu no Brasil o Código de Defesa do Consumidor.

70 Gregório Assagra de Almeida, in Direito Processual Coletivo Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 2003, p. 12471

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60Nesse tipo de ação indenizatória nos Estados Unidos, é necessária a

notificação de todos os membros da classe para que eles exerçam o direito à

regra do opt-out.

Realça-se também que, julgado procedente o pedido, a liquidação e

execução dos danos poderá dar-se de três formas: a) em um único

procedimento, onde o tribunal estipula o an debeatur e o quantum debeatur

referentes à responsabilidade civil; b) por intermédio da divisão dos processos,

em que o tribunal, no primeiro, considera tão-só o valor, em termos coletivos, da

responsabilidade civil, e no segundo, que se desdobra em vários outros, fixará

por liquidação os cálculos dos prejuízos individuais; e c) quando o valor da

condenação supera a própria indenização, quando não tem condições de

identificar os membros da classe, ou também quando não há interesse na

habilitação, para a indenização, por parte dos membros da classe. Nessas

hipóteses geralmente o valor da condenação reverte para o fluid class

recovery, destinando-se, assim, o dinheiro para uma finalidade que venha a

atender aos interesses da classe. Há ainda a possibilidade de: destinação da

verba para o governo; redução do preço do produto ou serviço; ou divisão pró

rata entre os membros que compareceram ao tribunal para a execução”. 72

Em decorrência dos efeitos da adequada representação, que faz com que

os titulares do direito em litígio sejam atingidos pêlos efeitos subjetivos da coisa

julgada, sem que tenham participado do contraditório, chegou essa questão, como

ressalta JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI, a ser profundamente questionada nos Estados

Unidos, onde se discutia se existia ou não violação ao princípio do devido processo

legal. Contudo, como a orientação é de que o órgão jurisdicional deve ser rigoroso

ao proceder ao exame dos pressupostos de admissibilidade da class action, ficou

mais ou menos pacificado que não há violação ao mencionado princípio.

72 Idem nota anterior, p. 125.

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613.1.6 Na Inglaterra e alguns países do sistema Comon Law.

O sistema inglês, por ser a raiz do sistema common law, tem muita

importância no que se refere à tutela dos interesses de massa. Como se viu no

estudo do sistema norte-americano, a origem da class action dos Estados Unidos,

que se espalhou modernamente por todo o mundo, influenciando vários países,

remonta ao bill ofpeace inglês, que era um tipo de procedimento surgido no século

XVII, na Inglaterra, onde se admitia ação por representação, para tutelar

interesses coletivos perante a Jurisdição de Equidade (Equity), exercida pelo

Tribunal da Chancery.

Com a unificação das jurisdições da equity e da common law, levada a efeito

pela reforma da organização judiciária inglesa ocorrida entre 1873 e 1875, todos os

juizes passaram a ter competência para aplicar as regras da common law e da

equity. E dentro das regras da jurisdição de equidade, que era exercida pelo extinto

Tribunal da Chancelaria, está a Rule 10 das Rules ofProcedures, regra essa que

admitia o ajuizamento de ações por representação, quando houvesse interesse

comum.

Como explica MÁRCIO FLÁVIO MAFRA LEAL, não obstante essa

reformulação, que fez com que passasse a ser admitida ação coletiva de interesse

comum em toda a Justiça inglesa, o número desse tipo de ação mesmo assim

diminuiu de maneira acentuada. Um dos motivos que contribuíram para essa

redução, levando ao quase desapa recimento da ação coletiva na Inglaterra, foi

justamente a interpretação restritiva que estava sendo dada pela Justiça inglesa ao

sentido de interesse comum, mencionado na Regra 10. Contudo, nas últimas

décadas, certamente em face do Welfare State e, por conseguinte, do movimento

mundial para a efetividade do processo, a jurisprudência inglesa vem superando tais

interpretações restritivas, de sorte a gerar o revigoramento do uso das ações coletivas.

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62Existem na Inglaterra atualmente, como esclarece MÁRCIO FLÁVIO MAFRA

LEAL, dois tipos de ações coletivas: “a representative action e a relator action. A

primeira é considerada a tradicional ação coletiva inglesa e possibilita que um ou

mais indivíduos possam representar um grupo de que fazem parte, na defesa de

interesse comum, atingindo os efeitos subjetivos da coisa julgada o(s)

representante(s) e os representados. Já a segunda, a relator action, possibilita que

um indivíduo que não tenha legitimidade para o ajuizamento de uma ação na defesa

de um interesse público (direito difuso) requeira ao procurador-geral do Ministério

Público (attorney general) autorização para o ajuizamento da ação”73. O procurador-

geral, que seria o originalmente legitimado para agir, não está obrigado a conceder a

autorização; caso ele a conceda, deverá supervisionar a ação em seu curso. Mais uma

vez esclarece MÁRCIO FLÁVIO MAFRA LEAL : "A exemplo da 'representative action',

também nas 'relator action' não se admitem pedidos de ressarcimento de danos,

confinando-se os provimentos jurisdicionais a declarações, injunções e condenação

de fazer ou não-fazer. Há ACDDs que possuem pedidos indenizatórios, por certo, mas

o produto da condenação não é revertido para vítimas individuais (até porque não são

titulares do direito material), e sim a fundos para recuperação do bem lesado ou

outra destinação equivalente, em benefício da comunidade como um todo".74

Além da tutela de direitos individuais homogéneos e coletivos em sentido

restrito, por intermédio da representative action, e dos direitos difusos, pela relator

action, ajuizada por qualquer indivíduo, desde que com autorização do procurador-

geral (attorney general), têm sido ajuizadas ações coletivas por parte de

associações, para a tutela de direitos difusos, como os referentes ao meio ambiente,

sem reconhecimento significativo, porém, dessa legitimidade por parte da

jurisprudência inglesa.

Verifica-se, com efeito, que a Inglaterra tem até um sistema moderno de

tutela de interesses de massa; contudo, ainda precisa ser aperfeiçoado, com

superação, principalmente, dos obstáculos colocados pêlos tribunais ingleses que

não vêm admitindo a tutela dos direitos difusos por parte das associações.

73 Márcio Fláno Mafra Leal, Ações coletivas: história, teoria e prática, p. 141-143.74 Idem

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63

Outro país que herdou o sistema inglês é o Canadá. Apesar de já ter passado

por um avanço em sua legislação, especialmente para a tutela do meio ambiente,

como ocorreu na Província de Ontário, foi a partir de 15 de fevereiro de 1994 que o

Canadá passou a admitir o ajuizamento de ação por qualquer membro da

comunidade para a tutela do meio ambiente. Todavia, ainda é um país que não tem

um sistema ideal de tutela dos direitos de massa.

A forma de tutela coletiva clássica no Canadá, herdada da Inglaterra, é a

representative actions.

Na Província de Quebec, cujo sistema é um pouco diferente e decorre da

colonização francesa, a tutela dos direitos de massa é bem mais avançada, pois

adota, v. g., a regra do opt-out das class actions norte-americanas, de forma a exigir,

assim, a notificação dos membros da classe para optarem ou não pela exclusão do

processo. Contudo, não obstante o avanço da legislação de Quebec, o número de

ações ajuizadas é muito reduzido, com média anual de vinte.

Da mesma forma como vem ocorrendo na Inglaterra, os tribunais no Canadá

não têm concedido legitimidade às associações para a defesa de direitos difusos,

inclusive do meio ambiente.

A Austrália e a Nova Zelândia, por se terem filiado também ao sistema da

common law inglês, igualmente herdaram a regra da representative actions

prevista na Regra 10, já mencionada. Entretanto, não há nesses países, como

deixa claro MÁRCIO FLÁVIO MAFRA LEAL, exemplos de ação de tutela de direito

difuso. O citado jurista ainda esclarece que o número de ações ajuizadas na Austrália

e Nova Zelândia ainda é muito pequeno. Seguindo o avanço da jurisprudência

inglesa, esses países têm inclinado para a admissão também de ações coletivas

para a tutela de direitos individuais homogéneos, com pedido indenizatório.

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64 Capítulo 4

4. O DIREITO PROCESSUAL COLETIVO BRASILEIRO

O cerne da teoria desenvolvida por GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA,

que brilhantemente desenvolve uma verdadeira teoria geral do processo

coletivo em sua obra75, tantas vezes citadas nesse trabalho, mereceu de

NELSON NERY JUNIOR, considerações importantes, uma vez que “o Direito

Processual Coletivo tem princípios próprios e distintos daqueles que

fundamentam o processo civil, de modo que o autor o considera um ramo

autônomo do direito processual”.76

4.1 Considerações preliminares

Como já frisado, os próximos capítulos visam demonstrar sob ótica

preferencial do professor GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA, a pertinência em

reconhecer-se o direito processual coletivo como ramo autônomo do direito

processual civil. Sua aplicação na solução de conflitos chamados coletivos e

tutela coletiva desses direitos. Segundo o eminente professor, no qual nos

inspiramos para elaboração dessa monografia, o direito processual coletivo na

forma concebida por ele, divide-se quanto ao objeto em direito processual

coletivo especial e direito processual coletivo comum.

“Quanto ao objeto formal, observa-se que existe um conjunto de

instrumentos, princípios e regras processuais próprios para o direito

processual coletivo especial, que se diferencia peculiarmente por se

destinar á tutela jurisdicional exclusivamente do direito objetivo. Esse

conjunto seria formado, v.g., pela ação direta de inconstitucionalidade,

75 Direito Processual Coletivo Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 200376 Nelson Nery Junior, prefaciando Gregório Assagra de Almeida, in Direito Processual Coletivo Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 2003.76

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65pela ação direta declaratória de constitucionalidade e outros

instrumentos processuais inseridos no controle concentrado da

constitucionalidade.

Da mesma forma, existe um conjunto de instrumentos, princípios

e regras processuais próprias para o direito processual coletivo comum,

que se destina á tutela jurisdicional do direito subjetivo coletivo em

sentido amplo. Esse conjunto de disposições processuais é formado por

uma gama enorme de ações e princípios constitucionais como, v.g., a

ação popular (art. 5º, LXXIII), Ação Civil Pública (art. 129,III), e no plano

infraconstitucional pelo microssistema de tutela jurisdicional coletiva

decorrente da completa interação existente entre a Lei da Ação Civil

Pública (art. 21 da Lei 7.347/85) e o Código de Defesa do Consumidor

(art. 90 da lei 8.078/90).”77

4.2 Construindo uma teoria geral do Direito Processual Coletivo Brasileiro

Importante para o reconhecimento do direito processual coletivo como

ramo autônomo do direito processual civil, é a sistematização principiológica,

capaz de desenvolver um instrumental teórico robusto, voltado para os

postulados em que assentado o Estado Democrático de Direito, os reclames

sociais dele decorrentes e estabelecer definitivamente as bases da função

social do Poder Judiciário no direito processual coletivo, atuando prima facie,

como guardião dos direitos e garantias fundamentais e órgão transformador da

realidade social. Portanto, tem função de proteção (controle da

constitucionalidade) e de efetivação (resolução dos conflitos coletivos ocorridos

no mundo da concretude).78

O idealizador dessa tese alvissareira - pelo menos, o que deu início à

sua sistematização – explica que apesar do muito a ser construído na

sistematização, há que se elaborar uma teoria geral do direito processual

77 Gregório Assagra de Almeida, in Direito Processual Coletivo Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 2003, p. 140.78 Nesse sentido Gregório Assagra de Almeida, op. cit. pág. 609.

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66coletivo: “para tanto, é fundamental que se desenvolva a idéia de uma teoria

geral do direito processual coletivo, concebendo-a essencialmente sob o

prisma constitucional, em que o direito processual coletivo é instrumento

fundamental e indispensável ao Estado Democrático de Direito”.79

O direito processual coletivo exige que sejam revisitados alguns

institutos da ação, do processo, da exceção e principalmente da jurisdição. E

esta como forma de atuação do poder, seria o eixo principal para o qual

deveriam voltar-se os estudos renovadores no campo do direito processual

coletivo.

Em suma, na definição de GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA, a teoria

geral do processo coletivo, seria a sistematização teórica dos conceitos e

princípios que envolvem os institutos fundamentais do direito processual no

campo do direito processual coletivo, adequando-os no sentido substancial de

Estado Democrático de Direito e, por conseguinte, ao papel moderno da

Justiça na efetivação dos direitos e garantias fundamentais”.80

Como se vê, é uma proposta audaciosa, instigante e não menos viável

de transformação positiva da realidade brasileira a partir de uma atuação

concreta do Poder Judiciário e redefinição das suas funções constitucionais.

Transformando o direito processual, num verdadeiro canal fundamental para o

processo de distribuição da justiça na sociedade brasileira.

4.2 O Solidarismo como base filosófica

A base filosófica da teoria do direito processual coletivo reside na

necessidade de abandonarmos a lógica fortemente individualista que sempre

norteou as funções institucionais, em favor de uma nova racionalidade.

Pugnando através da via coletiva atingir-se-á, em muitas situações, resultados

79 Idem, pág. 609.80 Idem ,op. cit. pág. 610.

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67individuais com eficácia superior. Não obstante considerarmos que a defesa

dos direitos na forma individual pode gerar benefícios coletivos.

A necessidade de mudarmos essa ótica individual para uma ótica mais

solidária não é nova. Em 1992, Breno Cruz Mascarenhas Filho, apresentou

dissertação de mestrado ao departamento de ciências Jurídicas da PUC/RJ,

com o título de A Dinâmica do Individualismo na Defensoria Pública do Rio de

Janeiro, em que tece profundas considerações sobre a atuação da Defensoria

Pública desde os seus primórdios e as influências individualistas com raízes

no liberalismo.

Transposto para a ceara da Constituição Federal a filosofia solidarista

atinge níveis de expressiva importância na orientação dos princípios

assentados na Carta de 1988, e sua influência na construção de institutos

voltados para a defesa e proteção dos direitos coletivos, viabilizando sua

aplicação no campo da concretude, tornando essa filosofia fundamental nos

assentamentos constitucionais com vista a se atingir uma ordem jurídica mais

justa e sobretudo mais eficaz.

JOSÉ AUGUSTO GARCIA , em interessante artigo assim se manifesta

sobre o tema:

“Abordando o texto constitucional brasileiro, percebe-se sem

muita dificuldade que a filosofia solidarista se acha firmemente

plantada em nossa ordem jurídica. Disso dão conta inúmeros

dispositivos constitucionais. Exemplificativamente, podemos citar: a

atenção recebida pela tutela coletiva (previu-se de forma inédita o

mandado de segurança coletivo, ampliou-se o objeto da ação

popular, positivou-se a figura da ação civil pública); a exaltação dos

valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. Is, IV); o

entranhamento da noção de função social no próprio conteúdo do

direito de propriedade (art. 5a, XXIII), inserção esta ainda mais

realçada pela recente edição do Estatuto da Cidade; a extensão do

regime de responsabilização objetiva às pessoas privadas

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68prestadoras de serviços públicos (art. 37, § 62); e a já vista

positivação do "direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado

(...) impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de

defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações" (art.

225). Não há dúvida de que o conjunto revela um autêntico princípio

constitucional, um princípio fundamental da nação. É o princípio da

solidariedade, sediado no art. 3º, I, da nossa Constituição, que informa

constituir objetivo fundamental da República ‘a construção de uma

sociedade livre, justa e solidária’”81.

Portanto, o solidarismo objetivo como princípio de nossa ordem jurídico-

constitucional , é indissociável do princípio da dignidade humana e por

conseguinte a todos os princípios fundamentais, no qual destacamos o direito a

uma ordem jurídica justa.

Segundo CASTRO FARIAS o que motivou o solidarismo jurídico foi a

irrupção da questão social no continente europeu, sentido mais intensamente

na segunda metade do século XIX:

“A irrupção do espaço social, além de abrir a experiência

jurídica aos fatos e ao pluralismo -era fundamental que o Direito

se reaproximasse da vida - vai gerar a reestruturação da esfera

pública, tornando inepta a tradicional divisão entre o público e o

privado. Surge então ‘uma nova maneira de pensar a relação

indivíduo-sociedade, indivíduo-Estado, enfim, a sociedade como

um todo’, corporificando racionalidade jurídica que rompe com o

individualismo exacerbado dos tempos modernos (e também com

as premissas do direito clássico). Trata-se do Estado de

81 José Augusto Garcia, Solidarismo Jurídico, Acesso à Justiça e Funções Atípicas da Defensoria Pública, na obra Acesso á Justiça 2ª Série, coordenador Fábio Costa Soares, Lúmen Iuris, Rio de Janeiro, 2004, pág. 213.

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69solidariedade, a positividade político-jurídica cujo nascimento

corresponde à redefinição completa do espaço público”.82

Prossegue o eminente professor aduzindo que a solidariedade

social não é unicamente devida à existência de um Estado

intervencionista. No discurso solidarista, a solidariedade social não se

realiza exclusivamente pela via do Estado; este não é a única forma de

vida coletiva. O discurso solidarista supõe a pluralidade de

solidariedades realizadas em todo o espaço da sociedade civil, onde os

grupos sociais são sujeitos de direitos no sentido de que são produtores

de direitos autónomos em relação ao Estado”.83

Passamos agora a pontuar as questões jurídicas e sua eficácia a partir

da influência da solidarismo nas questões envolvendo os direitos coletivos lato

sensu, seus desdobramentos no campo da concretude e a contribuição como

base filosófica para a teoria do direito processual coletivo e a tutela dos direitos

metaindividuais. Nesse sentido JOSÉ AUGUSTO GARCIA, resume essa influência

da seguinte forma:

“Chegando enfim à questão da eficácia propriamente jurídica

do solidarismo, assinale-se que boa parte das suas repercussões

opera no campo processual. Pode-se dizer mesmo que o solidarismo

transforma o processo civil brasileiro de uma forma global, incutindo

neste uma nova racionalidade, uma nova essência, que vai

impregnar inclusive a tutela individual. Sem embargo disso, é na área

específica da jurisdição coletiva que se dá o impacto maior. E dentro

do processo coletivo, sintomaticamente, é a defesa dos interesses

ou direitos difusos que apresenta os efeitos mais revolucionários.

Nada a estranhar. Afinal, os interesses difusos possuem, como é

82 José Fernando de Castro Farias, A Origem do Direito de Solidariedade, Editora renovar, Rio de Janeiro, 1998, p. 91. 83 83 José Fernando de Castro Farias, A Origem do Direito de Solidariedade, Editora renovar, Rio de Janeiro, 1998, p. 186.

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70sabido, forte acento solidarista, pertencendo tipicamente à terceira

dimensão de direitos fundamentais. Ao contrário dos direitos

subjetivos tradicionais, os interesses difusos são materialmente

indivisíveis - ninguém pode ser ‘dono’ exclusivo de um direito difuso

- e não ostentam caráter patrimonial, reportando-se sobretudo,

conforme a pena de Márcio Flávio Mafra Leal (autor de obra

excepcional sobre o assunto), a dois aspectos fundamentais:

"Qualidade de vida e uma concepção de igualdade vista como direito

à integração, baseada em aspectos participativos nas várias esferas

da vida social”.84

E continua o festejado mestre e Defensor Público do Estado do Rio de

Janeiro, tecendo considerações a respeito da questão da legitimação ativa nas

ações coletivas, com fulcro na onda solidarista e o seu diálogo com o direito

processual civil, propondo uma mudança na ótica em que analisado esse

instituto para evitar-se os inconvenientes de tentar explicar o fenômeno através

das regras e da ortodoxia dos sistemas do processo civil:

Outra série importante de repercussões do solidarismo na

dogmática processual vai suceder no trecho particular da

legitimidade ativa. As razões da necessidade de repensar o tema

da legitimidade ativa são evidentes. Já vimos e revimos que o

solidarismo, no seu transporte para o mundo jurídico, significou -

e continua significando - a passagem de uma fase

excessivamente subjetivista para outra muito mais objetiva, com

o esvaziamento sensível da soberania do direito subjetivo, que

por muito tempo reinou incontrastado na ciência jurídica.

Mitigados o poder e o magnetismo da figura do direito subjetivo,

murcharam também as suas repercussões processuais, em

especial o apego extremado à legitimação ordinária (apego bem

sinalizado pelo art. 6e do CPC de 1973). Aliás, a própria dicotomia 84 José Augusto Garcia, Solidarismo Jurídico, Acesso à Justiça e Funções Atípicas da Defensoria Pública, na obra Acesso á Justiça 2ª Série, coordenador Fábio Costa Soares, Lúmen Iuris, Rio de Janeiro, 2004, pág. 220.

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71legitimação ordinária/legitimação extraordinária perdeu o antigo

vigor, notadamente no plano coletivo. Os termos dessa

dicotomia, outrora indispensável, viram-se flexibilizados e até

renegados. Invadiram a dogmática expressões como ‘autor

ideológico’, ‘legitimação adequada’ e ‘portadores de interesses’.

Pertinentes, a propósito, são lições muito citadas de Nelson Nery

Júnior. Ele demonstra, com o descortino de sempre, como a nova

realidade processual tornou anacrônicas, ao menos no âmbito da

tutela coletiva, as noções ortodoxas sobre o tema da legitimidade.

Confira-se: "[...] Parcela da doutrina ainda insiste em explicar o

fenómeno da tutela jurisdicional dos interesses e direitos difusos

pêlos esquemas ortodoxos do processo civil. Tenta-se justificar a

legitimação do Ministério Público, por exemplo, como

extraordinária, identificando-a com o fenômeno da substituição

processual. Na verdade o problema não deve ser entendido

segundo as regras de legitimação para a causa com as

inconvenientes articulações com a titularidade do direito material

invocado em juízo, mas sim à luz do que na Alemanha se

denomina de legitimação autônoma para a condução do processo

[...], instituto destinado a fazer valer em juízo os direito difusos,

sem que se tenha de recorrer aos mecanismos de direito

material para explicar a referida legitimação”.85(grifamos)

Concluindo, estimula-se a participação solidária pela via do processo,

assomando na jurisdição os interesses transindividuais. Dessa forma, o

processo ganha natureza objetiva, mormente quando estão em jogo direitos

difusos, coletivos e individuais homogêneos, Em um quadro assim, é natural

que a identidade subjetiva do autor da demanda perca a importância de

outrora. Essencial realmente passa a ser o objeto do processo, a relevância

social da matéria levada a juízo, independentemente da figura do “portador”

dos interesses.

85 Idem, op. cit. p. 222-223

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724.3 A manifestação constitucional do Direito Processual Coletivo

Brasileiro

Devidamente assentado na doutrina que a Lei Magna de um país possui

dois tipos de normas: a) as normas materiais, que fixam regras gerais para

regulamentação , pelo sistema jurídico, das condutas em suas relações

intersubjetivas; e b) as normas processuais, que estabelecem condições para

que os parâmetros estabelecidos pelas normas materiais tenham congruência

no plano da abstração e sejam efetivados no plano da concretude.

Na construção desse trabalho, interessa-nos mais de perto as normas

processuais integrantes da Constituição Federal, naquilo que parte da doutrina

denomina como sendo direito constitucional processual e direito processual

constitucional.86

Na primeira dessas divisões temos como sendo direito constitucional

processual o conjunto de garantias e princípios processuais, essencialmente

constitucionais. É aqui que se encontra fundamentada a unidade do direito

processual, bem como, por conseqüências, a teoria geral do processo. Como

exemplos de normas do direito constitucional processual temos o art. 5º, XXXV

e art. 8º, III, dentre outras.

No segundo plano processual temos o direito processual constitucional,

como sendo o conjunto de normas e princípios que disciplina a organização

jurisdicional e fixa regras sobre competência, além de estabelecer vários tipos

específicos de tutelas jurisdicionais, muitos deles como garantias

fundamentais, e disciplinar o controle em abstrato da constitucionalidade das

leis. Como exemplos de normas de direito processual constitucional, dentre

outros , o mandado de segurança (art. 5º, LXIX e LXX), o habeas data e a

ação direta de inconstitucionalidade.

86 Nesse sentido Nelson Nery Junior, Princípios do Processo Civil na Constituição Federal,RT, 8 ª edição, São Paulo, 2004, p. 26.

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73E é exatamente dentro desse segundo plano do direito processual –

direito processual constitucional – que está assentada a matriz constitucional

do direito processual coletivo, ou seja, as normas constitucionais pertencentes

ao direito processual coletivo.

Em harmonia com a divisão proposta a partir dos estudos encadeados

por GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA - direito processual coletivo especial e

direito processual coletivo comum - temos como figuras típicas do direito

processual coletivo especial as ações diretas declaratórias de

inconstitucionalidade por ação ou omissão d(art. 102, I, a e 103, parág. 4º);

argüição de descumprimento de preceito fundamental (art. 102, parág. 1º), que

foi regulada pela primeira vez somente com o advento da Lei nº9.882, de 3 de

dezembro de 1999”.

Na mesma linha de idéias, como institutos de tutela jurisdicional coletiva,

pertencentes ao direito processual coletivo comum, podemos citar o mandado

de segurança (art. 5º, LXIX e LXX), o habeas data e a ação direta de

inconstitucionalidade, o mandado de injunção (art. Art. 5º, LXXI), a ação

popular (art. 5º, LXXIII), a ação civil pública (art. 129, III e seu parág. 3º), o

dissídio coletivo (art. 114, parág. 2º), ação de impugnação de mandado eletivo

(art. 14 , parágs. 10 e 11) e a ação direta interventiva ( art. 36, III). Todas

essas são figuras,

“Dentro das outras disposições processuais constitucionais

pertencentes ao direito processual coletivo, podem ser citados; o art.

103 que está inserdo no direito processual coletivo especial e versa

sobre legitimidade ativa no processo de controle concentrado da

constitucionalidade das leis; o art. 5º, XXI, que dispões sobre

representação jurisdicional dos filiados pelas entidades associativas; art.

129, parág. 1º, que traz regra sobre legitimação concorrente para o

ajuizamento das ações coletivas; e o art. 8º, III, que confere aos

sindicatos legitimidade para defesa jurisdicional dos direitos ou

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74interesses coletivos da categoria. Esses três últimos dispositivos

pertencem ao direito processual coletivo comum”. 87

87Gregório Assagra de Almeida, op. cit. pág. 143

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75

Capítulo 5

5. O DIREITO PROCESSUAL COLETIVO ESPECIAL

O fenômeno do controle da constitucionalidade é próprio dos sistemas de

Constituições rígidas, tendo em vista a superioridade nesses sistemas da

Constituição sobre os demais comandos normativos. As Constituições rígidas

necessitam de processo especial de revisão e é justamente isso que lhes confere

superioridade hierárquica sobre as demais leis ordinárias. Essa superioridade hie-

rárquica precisa ser respeitada, o que impõe a criação de sistemas de controle da

constitucionalidade.

O direito processual coletivo especial brasileiro tem essa finalidade: é o

instrumento de controle concentrado de constitucionalidade e portanto de preservação

da superioridade hierárquica da Carta Magna brasileira. Esse fenómeno é também

denominado Jurisdição Constitucional. Todavia, a verdadeira finalidade do direito proces-

sual coletivo especial brasileiro é a que o traduz como sendo instrumento fundamental

potencializado de proteção do Estado Democrático de Direito contra as investidas

normativas autoritárias e incompatíveis com os direitos e garantias constitucionais

fundamentais.

O processo no controle concentrado de constitucionalidade é especial, haja

vista que não se julga lide, no sentido em que ela é concebida, como conflito de

interesses qualificado por uma pretensão resistida. Trata-se, como ocorre no Brasil,

de um processo cujo objeto é o controle em abstrato da constitucionalidade, dos

atos normativos federais, estaduais ou municipais em face da Constituição Federal,

ou das leis ou atos normativos estaduais ou municipais, em face da Constituição

Estadual, nesse caso quando se tratar de controle a ser exercido pêlos Tribunais

dos Estados. A matéria é, portanto, exclusivamente de direito e a tutela é de direito

objetivo e não subjetivo diferentemente do que ocorre no direito processual coletivo

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76comum. Apesar disso, o interesse por um sistema jurídico coeso, coerente e

constitucional é de regra difuso, pois pertence a todos aqueles que estão sob a

regulamentação desse sistema jurídico.

5.1 Do sistema de Controle da Constitucionalidade no Brasil

Segundo GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA “o sistema brasileiro de

controle da constitucionalidade é o jurisdicional, que se realiza atualmente de duas

formas: pelo controle difuso, por via de exceção; e pelo concentrado, a cargo da

denominada jurisdição constitucional concentrada”.88

O sistema possibilita a qualquer juiz o poder de apreciar incidentalmente a

alegação de inconstitucionalidade, a isso se dá o nome de controle difuso da

constitucionalidade pelos tribunais.

Noo que toca ao chamado controle concentrado, este será exercido pelo STF

(art. 102,1, a, e art. 103, § 3S, ambos da CF), que atuará como Corte Constitucional, ou

pelos Tribunais de Justiça dos Estados, quando se tratar de alegação de

incompatibilidade de norma estadual ou municipal com a Constituição Estadual (art.

125, § 22, da CF).

Convém destacar que o controle difuso ou incidental da constitucionalidade nos

tribunais exige quorum especial. Estabelece o art. 97 da CF: "Somente pelo voto da

maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial

poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder

Público". O legislador constituinte brasileiro fez consagrar constitucionalmente a 88 Gregório Assagra de Almeida, op. cit. pág. 17088 . Nesse sentido, RTJ, 135:291; RT, 508:211; RF, 193:131. Uadi Lammêgo Bulos, contudo, esclarece: "Em casos excepcionais, torna-se dispensável a aplicação do art. 97. O Pretório Excelso determinou, para tanto, a observância de dois requisitos: l2) existência prévia de pronunciamento sobre a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo pelo plenário do Supremo Tribunal Federal; 22) existência, no âmbito do tribunal 'a quo', e em relação àquele mesmo ato do Poder Público, de decisão plenária que tenha apreciado o litígio constitucional, mesmo que tal pronunciamento não enseje o reconhecimento formal da inconstitucionalidade do preceito questionado (STF, RE 190.725, rei. para acórdão Min. limar Galvão. Vide RTJ, 99:273)" (Constituição Federal anotada, p. 851). A respeito, cf. também o parágrafo único do art. 481 do CPC, incluído pela Lei n. 9.756/98.

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77denominada "cláusula de reserva de plenário". A violação dessa cláusula

constitucional enseja nulidade, consoante vem decidindo o STF89.

Quando o controle difuso da constitucionalidade é exercido em primeiro grau,

por juiz monocrático, não se exige regra especial de competência ou de

procedimento. O julgador simplesmente afasta, de ofício ou mediante requerimento,

a incidência, ao caso concreto, do comando normativo entendido como

inconstituciona.

Escreve o Ministro GILMAR FERREIRA MENDES em citação de GREGÓRIO

ASSAGRA DE ALMEIDA: "Ao contrário do sistema alemão de controle de normas, no

qual o monopólio de censura está concentrado no Bundesverfassungsgericht', qualquer

juiz ou tribunal pode, no direito brasileiro, recusar a aplicação de uma lei, num caso

concreto, por considerá-la inconstitucional"90.

Por outro lado, a decisão que concluir pela inconstitucionalidade em sede de

controle difuso atingirá exclusivamente as partes entre as quais for proferida.

Todavia, se a decisão partir do STF, em sede ' de controle concreto, esse Tribunal

deverá remeter cópia do acórdão ao Senado Federal, que emitirá resolução

suspendendo a eficácia da lei no território nacional, pois está o Senado Federal

autorizado cons-titucionalmente a suspender a execução, no todo ou em parte, da lei

declarada inconstitucional por decisão definitiva do STF (art. 52, X, da CF). Entretanto,

quando a decisão do STF for proferida em julgamento de ação declaratória de

inconstitucionalidade, a decisão faz coisa julgada erga omnes e por si só tem o condão

de retirar a eficácia do comando normativo declarado inconstitucional de todo o

território nacional. Neste caso, portanto, não se remete a decisão do STF ao

Senado Federal para os efeitos previstos no art. 52, X, da CF.

Aduz , ainda, sobre a questão o Ministro GILMAR FERREIRA MENDES:

90 Gregório Assagra de Almeida, op. cit. pág. 1701.

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78"No sistema de controle de constitucionalidade brasileiro qualquer juiz ou

Tribunal pode declarar a inconstitucionalidade de uma lei que tenha de ser aplicada

a um caso concreto. Essa lei não deixa, todavia, de integrar o ordenamento

jurídico, configurando a declaração de inconstitucionalidade, na prática, simples

recusa da aplicação. A decisão tem, por isso, significado apenas no processo em

que foi proferida. Em 1934, houve por bem o constituinte introduzir o instituto da

'suspensão da execução da lei pelo Senado', no caso de declaração de

inconstitucionalidade incidental pelo Supremo Tribunal Federal, conferindo-se

eficácia 'erga omnes' à decisão do Tribunal. Exceção feita à Constituição de 1937,

todas as Cartas Magnas posteriores mantiveram o instituto da suspensão de

execução da lei pelo Senado Federal (CF, 1988, art. 52, X)" 91

5.2 Do Direito Processual Coletivo Especial como novo ramo do Direito

Processual Brasileiro

Por qualquer que seja o óculo que se observe a questão da da

consagração do direito processual coletivo especial, como um novo ramos do

direito processual civil brasileiro, este fato só desencadeou-se ou pode ser

considerado a partir do advento da Constituição Cidadã de 1988.

A Constituição de 1988, sem sombra de dúvidas fez bastante, mas

poderia o legislador ter ido mais longe , instituindo uma verdadeira corte

constitucional no Brasil nos moldes dos sistemas europeus, podendo exercer

com mais legitimidade e autonomia o controle concentrado da

constitucionalidade. Essa circunstância, contudo, não nega, por si só, a tese do

direito processual coletivo especial como um novo ramo do direito processual

brasileiro, tendo em vista a amplitude como esse controle pode ser exercido (arts.

5°, XXXV, e 102, caput, da CF), especialmente pelo fato de ter sido consagrado no

Brasil, na Constituição Federal de 1988, o Estado Democrático de Direito (art. 1º).

91 Nota nº 334 de Gregório Assagrada de Almeida, op. cit., pág. 171.,

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795.4 Algumas figuras constitucionais típicas do Direito Processual Coletivo

Especial

A seguir estaremos elencando algumas figuras constitucionais - ações –

que possuem o escopo de viabilizarem o controle concentrado da

constitucionalidade, pertencentes, segundo GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA,

ao direito processual coletivo especial. Os comentários serão levados de forma

sucinta, baseado no estudo do citado mestre, com a finalidade precípua de

tornar visível ao leitor desse trabalho despretensioso, a pertinência da tese

esposada, sua viabilidade e sentido prático, como contribuição ao objetivo

principal de contribuir para o debate visando a consecução de uma ordem

jurídica mais justa.

5.4.1 Ação direita de inconstitucionalidade por ação e omissão

Prevista no artigo 102, I, a, da Constituição Federal, esse instrumento de

controle concentrado da constitucionalidade - ação direta de

inconstitucionalidade por ação - prevê expressamente: “Compete ao

Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-

lhe: I – processar e julgar , originariamente: a) ação direta de

inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação

declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal”.

Sua regulamentação está inserta na Lei 9.868/1999, que estabeleceu

linhas gerais sobre o seu procedimento, além de dispor também sobre a ação

declaratória de constitucionalidade.

A relação de legitimados a propor ação direta de inconstitucionalidade,

está assentada no art. 103 da Constituição federal, são eles: a Mesa do

Senado Federal; a Mesa da Câmara dos Deputados; a Mesa de Assembléia

legislativa; o Governador de estado; o Procurador-Geral da república; o

Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; partido político com

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80representação no Congresso nacional; confederação sindical ou entidade de

classe de âmbito nacional”.

Esclarece GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA que “desses legitimados

ativos, o STF tem firmado entendimento no sentido de que a Mesa da

Assembléia Legislativa, os Governadores de Estado e a confederação sindical

ou entidade de classe de âmbito nacional terão que demonstrar o interesse

processual, já que são considerados autores interessados especiais. Os outros

legitimados são considerados neutros ou universais, e por isso, em relação aos

mesmos, não é necessária a demonstração do interesse processual, que já se

presume”.92

Na dicção do artigo 103 da Constituição Federal encontramos a previsão

de quem deverá integrar o pólo passivo: “Quando o Supremo Tribunal Federal

apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo,

citará, previamente, o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto

impugnado”. Dispõe também o art. 6a da Lei n. 9.868, de novembro de 1999, que o

"relator pedirá informações aos órgãos ou às autoridades das quais emanou a lei ou o

ato normativo impugnado". Portanto, estas entidades e órgãos figurarão também no

pólo passivo da ação, juntamente com o advogado-geral da União, que tem o dever

constitucional de defesa do ato impugnado.

Já se observou que o que sustenta o sistema de controle de

constitucionalidade é justamente o princípio da supremacia do texto constitucional.

Com efeito, quando se trata de hipótese de cabimento de ação direta de

inconstitucionalidade por ação, é necessária a existência de norma produzida pelo

Legislativo, pelo Executivo ou pelo Judiciário (esses últimos no exercício de função

atípica), e que essa norma esteja contrariando normas ou princípios do Texto Maior.

Havendo essa incompatibilidade vertical entre normas infraconstitucionais (lei ou ato

normativo federal ou estadual) e a Constituição, será admissível a ação direta de

92 Op. cit., pág. 186.

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81inconstitucionalidade por ação93. A inconstitucionalidade, assim, decorre de uma

relação de contrariedade entre determinado comando normativo ou entre

determinado comportamento omissivo e a Constituição. Nesse último caso, a

ação cabível é a ação direta de, inconstitucionalidade por omissão.

Um aspecto bastante interessante quanto aos efeitos da decisão

proferida em sede de ADin pelo STF, diz respeito à retroatividade desses

efeitos. Uma vez mais nos socorremos dos ensinamentos de GREGÓRIO

ASSAGRA DE ALMEIDA, para declarar o seguinte:

“A declaração de inconstitucionalidade proferida pelo STF, em sede de

controle concentrado, produz efeitos retroativos ou ex tunc. Retroage à data do

início da vigência da norma impugnada declarada inconstitucional.

Conforme palavras de Alexandre de Moraes, a decisão desfaz, desde sua

origem, o ato declarado inconstitucional e ainda atinge as consequências

dele derivantes. Entretanto, inovando em relação a essa matéria, o art. 27 da

Lei n. 9.868/99 passou a autorizar que o STF, por maioria de dois terços de

seus membros, possa, caso existam razões de segurança jurídica ou de

excepcional interesse social, manipular os efeitos de sua decisão: restringido

os seus efeitos, determinando que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito

em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado. Com efeito, somente

diante da presença desses dois requisitos, ou seja, o formal (decisão da

maioria de dois terços dos seus membros) e o material (presença de razões

de segurança jurídica ou de excepcional interesse social), é que o STF

poderá manipular os efeitos retroativos de sua decisão em sede de ação

direta de inconstitucionalidade”.94

Prossegue o defensor da teoria do direito processual coletivo:

“ Não se pode esquecer, por derradeiro, que no controle da

constitucionalidade, especialmente no que tange ao concentrado por intermédio

93 Nesse sentido José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 19 ed., São Paulo, 1992, Malheiros, pág. 48.94 Op. cit., pág. 198.

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82da ADIn, é fundamental a observância do princípio da presunção de

constitucionalidade das leis e dos atos normativos do Poder Público. A atividade

interpretativa do órgão competente deve se pautar no sentido de se preservar a

compatibilidade constitucional da norma impugnada, só a declarando

inconstitucional quando verificar ser evidente a sua incompatibilidade com a

Constituição.

Ademais, a atividade do Pretório Excelso, em sede de controle abstrato

da constitucionalidade, é uma atividade legiferante exclusivamente negativa.

Portanto, de proteção do sistema constitucional contra as leis e atos

normativos com ele incompatíveis.

Não se pode esquecer também que toda interpretação no controle da

constitucionalidade deve-se pautar como atividade de proteção do Estado

Democrático de Direito, principalmente no que tange aos direitos e garantias

constitucionais fundamentais”.95

Nesse sentido, LUIZ ROBERTO BARROSO:

"O princípio da presunção de constitucionalidade dos atos do Poder

Público, notadamente das leis, é uma decorrência geral da superação dos

Poderes e funciona como fator de autolimitação da atividade do Judiciário,

que, em reverência à atuação dos demais Poderes, somente deve invalidar os

atos diante de casos de inconstitucionalidade flagrante e incontestável".96

Uma das conquistas da Constituição de 1988 foi a ação direta de

inconstitucionalidade por omissão, que tem previsão expressa no § 2° do art. 103,

onde se estatui: "Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tor-

nar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a

adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para

fazê-lo em trinta dias". 95 Op. cit, pág. 200.96 Luís Roberto Barroso, Interpretação e aplicação da Constituição, 3. ed., Saraiva, São Paulo, 1996, p. 180

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83Os legitimados ativos para a propositura da ação direita de

inconstitucionalidade por omissão, são os mesmos da ação direita de

inconstitucionalidade por ação e recebem o mesmo tratamento deferido a essa

ação. Os legitimados passivos são as autoridades ou órgãos legislativos omissos.

A ação direta de inconstitucionalidade por omissão, não se destina a

exercer propriamente o controle de constitucionalidade em teses de lei ou ato

normativo. Não obstante estar dentro do sistema concentrado de controle

jurisdiconal. da constitucionalidade, o seu escopo é reconhecer a omissão por parte

do legislador ou do órgão administrativo, quando se deixa de produzir lei, decreto ou

outro comando normativo, que era determinado pela Constituição, de forma a negar,

com isso, aplicabilidade a preceito ou princípios constitucionais.

5.4.2 Ação direta de constitucionalidade

Introduzida no sistema constitucional brasileiro pela Emenda

Constitucional nº 3/93 e prevista na CF, nos artigos 102, e 103 , parág. 4º, a

ação direta de constitucionalidade , é mais uma forma de controle

concentrado abstrato da constitucionalidade.

O campo de aplicabilidade da ação declaratória de inconstitucionalidade é mais

reduzido que o da ação direta de inconstitucionalidade (art. 102, I, a, segunda

parte). Isso porque não cabe ação declaratória de constitucionalidade em relação a

lei ou ato normativo estadual. Portanto, por intermédio desta ação somente é

admissível a tutela constitucional em abstraio de lei ou de ato normativo federal. É o

que se exlrai do § 2° do art. 102 da CF, que dispõe: "As decisões definitivas de

mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações declaratórias de

constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, produzirão eficácia conlra

Iodos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao

Poder Executivo".97

97 RT, 691:218.

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84Existe também limitação constitucional quanto à legitimação ativa na ação

direta declaratória de constitucionalidade, pois somente o Presidente da República,

a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados e o Procurador-

Geral da República é que podem ajuizar esta espécie de ação. Isso por força do que

eslabelece o art. 103, § 4a, da CF: "A ação declaratória de constitucionalidade

poderá ser proposta pelo Presidente da República, pela Mesa do Senado Federal,

pela Mesa da Câmara dos Deputados ou pelo Procurador-Geral da República".

Não existe nessa espécie de ação legitimados passivos. Contudo é obrigatória

a intervenção do Procurador-Geral da República 9art. 20 da lei 9.868/99), no caso

de não ser autor da ação.

5.4.3 Argüição de descumprimento de preceito fundamental

A arguição de descumprimento de preceito fundamental ingressou no sistema

jurídico brasileiro com a Constituição Federal de 1988 (art. 102, parágrafo único), e

hoje, por força de modificações levadas a efeito pela Emenda Constitucional n. 3/93,

está prevista no art. 102, § 1º, da CF, que dispõe: "A arguição de descumprimento de

preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo

Tribunal Federal, na forma da lei". Esta lei, todavia, só surgiu mais de uma década

depois, que é a de n. 9.882, de 3 de dezembro de 1999. O que certamente retardou o

aperfeiçoamento do sistema de controle de consti-tucionalidade no País.

Ação com dignidade constitucional, está inserida no direito processual

coletivo especial uma vez destinado ao controle concentrado do direito

constitucional. Nesse sentido, OSWALDO LUIZ PALU: “Há que se lembrar ser tal

ação espécie nova, inserida no controle concentrado de constitucionalidade, cujo

objeto são atos do poder público, de todas «s esferas federativas, inclusive anteriores

à Constituição"98.

98 Controle da constitucionalidade – conceitos e sistemas, RT, São Paulo 2001, p. 263.

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85Outra característica da ação de arguição de descumprimento de preceito

fundamental é que esta pode ser intentada de forma autônoma (arguição autônoma)

prevista no art. 1º, caput da Lei 9.8882/99, ou na forma incidental (arguição incidental

ou paralela), incerida no parágrafo único do art. 1º da referida Lei .

Com relação ao objeto da ação de arguição de descumprimento de

preceito fundamental este é amplo, tomando-se por base o que preceitua o art 1º,

caput, da Lei nº 9.882/99, excluem-se tão só os atos dos particulares, desde que

não sejam praticados no exercício delegado das funções típicas do poder público.

Nesse sentido NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY.99

JOSÉ RAMOS TAVARES ressalva a necessidade de os atos serem

estatais: nada mais se exige. Excluíram-se, apenas, os atos praticados pelos

particulares (ainda que de caráter normativo). Assim, restam incluídos, entre outros,

os atos normativos municipais, os atos normativos anteriores à Constituição (de

qualquer esfera de poder) e os atos administrativos e mesmo os atos de execução

praticados pelo Poder Público".100 DANIEL SARMENTO, em brilhante estudo sobre a

matéria, sustenta que, em razão da abrangência da redação do art. 1º, caput, da Lei

n. 9.882/99, que faz alusão a qualquer ato do Poder Público que venha a ameaçar ou

causar lesão a preceito fundamental da Constituição, a referida lei da arguição

passou a permitir o controle objetivo da constitucionalidade das normas

secundárias.101

A Constituição não estabelece, de forma expressa, o que seja preceito

fundamental, nem tampouco a Lei n. 9.882/99. Resta o trabalho à doutrina e à

jurisprudência. Nem todos os preceitos constitucionais são considerados

fundamentais. Para NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, os

preceitos fundamentais devem ser entendidos como os valores fundamentais

dominantes na comunidade. Ensinam que, dentre outros, podem ser apontados

os preceitos constitucionais relativos:

99 Código de Processo Civil Comentado e legislação extravagante, 5ª ed., p. 1819.100 Aaspectos essenciais do instituto na Constituição e na lei, in Arguição de descumprimento de preceito fundamental – análise à luz da Lei n. 9.8S2/ W, orgs. André Ramos Tavares e Walter Claudius Rothenburg, Ed. Atlas, São Paulo, 2001, p. 62).101 Idem, op. cit. p. 96

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86

"(...) a) estado democrático de direito (CF \- caput); b) à soberania

nacional (CF l21); c) à cidadania (CF ls II); d) à dignidade da pessoa humana

(CF l2 III); e) aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (CF l2 IV); f)

ao pluralismo político (CF 1a V); g) aos direitos e garantisd constitucionais (CF

5º); h) aos direitos sociais (CF 6º a 9º); i) é forma fedrativa do estado brasileiro;

j) à separação e independência entre poders; 1) ao voto universal, secreto,

direto e periódico(...)”.102

Parte da doutrina considera também como preceito constitucional

fundamental atacável pela via da ação em comento, os princípios e as

atribuições do Ministério público, posto que a própria Constituição erige o

Parquet como instituição permanente, essencial á função jurisdicional do

Estado, e ainda como instituição defensora da ordem jurídica, do regime

democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127,

caput, da CF). Por conseguinte a “ação civil pública e o inquérito civil (art. 129,

III, da CF), como instrumentos essenciais à defesa dos direitos e interesses

massificados fundamentais, também se incluem nas categorias dos preceitos

constitucionais fundamentais e devem ser recepcionados como integrantes da

categoria das garantias constitucionais fundamentais, por força inclusive do

que dispõe o art. 5, parágrafo 2, da CF”.103

Merecem transcrição as palavras do comemorado mestre como

corolário dessa explanação a respeito da ação de argüição de

descumprimento de preceito constitucional, como instituto de capital

importância na categoria de direito processual coletivo especial, na órbita dos

instrumentos de proteção do estado Democrático de Direito brasileiro:

“Por se tratar de ação de tutela de direito objetivo — o que acontece

mesmo quando se trata de arguição incidental, tendo em vista que os

102 Código de Processo Civil Comentado e legislação extravagante, 5ª ed., p. 1818103 Gregório Assagra de Almeida, op. cit. p. 222.

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87efeitos gerais e vinculatórios da decisão são os mesmos em ambas as

espécies de ação e o processo nela instaurado também tem natureza objetiva

— está inserida no direito processual coletivo especial. Com efeito, deve ser

interpretada como um dos fortes instrumentos de proteção do Estado

Democrático de Direito brasileiro: só assim é que essa nova modalidade de

tutela constitucional de direito objetivo poderá se desgarrar dos interesses

de governabilidade que conduziram a sua regulamentação, para ser um

legítimo mecanismo protetor dos preceitos fundamentais da Constituição da

República Federativa do Brasil. O papel do STF, neste contexto, é

fundamental”.104

104 Gregório Assagra de Almeida, op. cit. p. 229.

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885.5 Dos principais diplomas processuais e infraconstitucionais atuais do

Direito Processual Coletivo Especial

Dentre os principais diplomas processuais infraconstitucionais

integrantes do que denominou-se direito processual coletivo especial

podemos citar a Lei n 9.868/99 – que dispõe sobre o processo e julgamento da

ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade

perante o Supremo Tribunal Federal - e a Lei n. 9.882/99 – que dispõe sobre o

processo e julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental,

nos termos do art. 102, parág.1º - que são atualmente os principais diplomas

processuais infraconstitucionais que dispõem sobre o processo e procedimento

do controle concentrado da constitucionalidade perante o STF.

Apesar de não existir disposição expressa sobre a revogação da legislação

anterior, observa-se que a Lei n. 9.868/99 revogou tacitamente a legislação que a

antecedia (Lei n. 4.337/64 e Lei n. 5.778/72), tendo em vista que disciplinou

completamente a matéria. Aplicável aqui o que dispõe o art. 2º, § 1º, da LICC.105

5.6 Alguns princípios do Direito Processual Coletivo Especial

A seguir, são elencados alguns dos princípios tidos como fundamentais

na construção do direito processual coletivo especial. De forma sucinta,

procuramos enumerar alguns, considerados os mais importantes, ressaltando

a existência de outros, cuja a análise deixará de ser entabulada prestigiando a

objetividade e limitação dessa monografia.

105 É o que ensinam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery: "Sistema anterior. O processo da ação direta de inconstitucionalidade era regido pela L 4337, de le-6-1964, que regulamentou o art. 7º, VII, da CF de 1946. Previa regras para o processo tanto da ação direta de declaração de inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo federal ou estadual, constestado em face da CF (CF/46 1011 k), como da ação direta interventiva (CF/46 7º). Outra lei (L 5778/72) completava o sistema processual de controle abstrato da constitucionalidade das leis no direito brasileiro. Nada obstante a LADIn (L 9868/99) não tenha revogado expressamente as L 4337/64 e 5778/72, a revogação foi tácita, porquanto a lei nova regulamentou completamente a referida ação (LICC 2S § l2). Hoje, os processos da ADIn e da ADC são regidos pela LADIn (L 9868/99), revogadas as L 4337/64 e 5778/72" , Código de Processo Civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor, 5º ed., p. 1587.

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895.6.1 Princípio da proteção do Estado Democrático de Direito

Esse princípio da proteção do Estado Democrático de Direito encontra-se

fundamentado nos arts. 1º e 102, caput, da CF. O STF, como guardião da

Constituição, está atrelado e comprometido constitucionalmente com a proteção do

Estado Democrático de Direito. Em seus julgamentos, o STF tem que buscar

fundamento para suas decisões nos direitos e garantias constitucionais fundamentais

e nos demais preceitos constitucionais fundamentais inerentes ao Estado

Democrático de Direito — só assim é que o Pretório Excelso poderá legitimar suas

decisões no controle concentrado de constitucionalidade.

5.6.2 Princípio do devido processo legal - due process of law

O legislador constituinte brasileiro de 1988, adotou, por influência norte –

americana, o princípio do devido processo legal ao estabelecer no art. 5º, LIV,

“Ninguém será privado do devido da liberdade ou de seus bens sem o devido

processo legal”.

A verdadeira dimensão da cláusula do devido processo legal foi desvendada

pelos Estados Unidos da América, por força das decisões da sua Suprema Corte,

que lhe conferiu também uma dimensão substancial.

Destarte, foi nos Estados Unidos que desenvolveu-se a concepção de

dupla dimensão à cláusula do due process ofl law: uma processual (procedural due

process) e outra substancial (substantive due process), influenciando decisivamente

nosso ordenamento.

Por força da dimensão processual da cláusula due process são

assegurados a todos, pessoas físicas ou jurídicas, entes despersonalizados

com personalidade judiciária: o acesso à justiça, o contraditório, a ampla

defesa, um juiz natural e, portanto, imparcial, o direito às provas lícitas e

legítimas, o direito à igualdade de armas processuais, o direito a uma decisão

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90fundamentada e o direito aos recursos e outros meios impugnativos

inerentes ao sistema. Portanto, todos os demais princípios constitucionais e

infraconstitucionais do direito processual fundamentam-se na cláusula

genérica do devido processo legal em sua dimensão processual. Esta

cláusula tem incidência em todos os ramos do direito processual,

especialmente o direito processual coletivo especial como instrumento

fundamental de pro-teção do Estado Democrático de Direito.

Em relação à sua dimensão substancial, o devido processo legal

significa que ninguém pode ser privado de sua vida, liberdade, propriedade

sem a observância do direito material constitucional e infracosntitucional.

Também tem incidência em todos os ramos do direito material, sendo

fundamento garantidor da observância , v.g., do princípio da legalidade dos

atos administrativos no direito administrativo, do princípio da autonomia de

vontade e da liberdade da lei no direito penal, etc”.106

5.6.3 Princípio da proporcionalidade e ponderação

O princípio da proporcionalidade atingiu a importância que possui hoje,

sobretudo, graças ao papel desempenhado pelo direito constitucional alemão.

É o que destaca WILLIS SANTIAGO GUERRA FILHO:

"A transposição do princípio da proporcionalidade do campo do direito

administrativo para o plano constitucional de onde se pode vir a ser identificado

nos mais diversos setores do direito, se deve em grande parte ao

posicionamento assumido em relação a isso pelo Tribunal Constitucional, na

Alemanha Ocidental. Essa Corte Suprema, investida que está pela Lei

Fundamental em velar pelo seu cumprimento e respeito, a partir de um

determinado momento passa a referir com frequência expressões em sua

argumentação, que se associam claramente ao 'pensamento de

106 Gregório Assagra de Almeida, Direito Processual Coletivo Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 2003, p. 237 e 238.

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91proporcionalidade', tais como 'excessivo' (übermassig), 'inadequado'

(unangemessen), 'necessariamente exigível' (erforderlich, unerlãsslich,

unbedingt notwendig), até estabelecer de forma incisiva que o referido princípio

e a correlata 'proibição de excesso' (Übermassverbot), 'enquanto regra

condutora abrangente de toda a atividade estatal decorrente do princípio

do Estado de direito (possui) estrutura constitucional' (...)" 107

Apesar de não expressamente referido na maioria das Constituições,

inclusive a brasileira, não se pode deixar de reconhecer que este esteja

abrigado no princípio do Estado Democrático de Direito; nos direitos

fundamentais; no princípio da dignidade da pessoa humana; ou na cláusula do

due process of law.

GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA, assim analisa a questão da

identificação do princípio da proporcionalidade dentro do sistema

Constitucional brasileiro:

“À Constituição da República Federativa do Brasil não faz remissão

expressa ao princípio da proporcionalidade, mas não há dúvida de que esse

princípio tem abrigo constitucional. A própria rigidez e a supremacia

constitucional, como características essenciais da atual Magna Carta

brasileira, encerram a idéia de proporcionalidade. Acredita-se que o

fundamento constitucional do princípio da proporcionalidade está no princípio

do Estado Democrático consagrado no art. 1a da Constituição do Brasil. O

princípio do Estado Democrático é que traz a idéia de justa solução do caso

concreto, de transformação positiva da realidade social, da ponderação entre

bens e valores. Portanto, pela magnitude do princípio da proporcionalidade, não

há dúvida de que o seu fundamento constitucional é o princípio do Estado

Democrático.

107 Willis Santiago Guerra Filho, Teoria processual da Constituição, Ed. Celso Bastos, São Paulo, 2000, p. 81-82.

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92A utilização do princípio da proporcionalidade pelo STF, no controle

concentrado da constitucionalidade, é ponto essencial para que a

Constituição da República Federativa do Brasil e o próprio Estado

Democrático de Direito brasileiro sejam devidamente protegidos pelo Pretório

Excelso.”108

5.6.4 Princípio da supremacia da Constituição

A supremacia da Constituição sobre outras normas ou comandos, por

mais nobres e fundamentais que sejam, é o que podemos chamar de

fundamento natural para o controle da constitucionalidade das leis e atos

normativos.

Há , portanto, uma indiscutível superioridade jurídica da Constituição

sobre os demais atos normativos. Nesse sentido, leciona LUÍS ROBERTO

BARROSO assentando que “na prática brasileira, já demonstramos em outra parte,

no momento da entrada em vigor de uma nova Carta, todas as normas anteriores

com ela contrastantes ficam revogadas. E as normas editadas posteriormente à sua

vigência, se contravierem os seus termos, devem ser declaradas nulas. A supremacia

da Constituição manifesta-se, igualmente, em relação aos atos internacionais que

devam produzir efeitos em território nacional"109

Oportuna a ementa abaixo transcrita, dando conta do que decidido pelo

Pretório Excelso quanto ao princípio da proporcionalidade:

"O princípio da supremacia da ordem constitucional — consectário

da rigidez normativa que ostentam os preceitos de nossa Constituição —

impõe ao Poder Judiciário, qualquer que seja a sede processual, que se

recuse a aplicar leis ou atos estatais reputados em conflito com a Carta 108 Direito Processual Coletivo Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 2003, p. 243.109 Luís Carlos Barroso, O direito constitucional e a efetividade das suas normas – limites e responsabilidades da Constituição Brasileira, Renovar, 3ª ed., Rio de Janeiro, 1996, p. 156.

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93Federal. A superioridade normativa da Constituição traz, ínsita em sua noção

conceitual, a idéia de um estatuto fundamental, de uma 'fundamental law',

cujo incontrastável valor jurídico atua como pressuposto de validade de toda

a ordem positiva instituída pelo Estado".110

5.6.5 Princípio da interpretação de acordo com a Constituição

Outro dos princípios originários desenvolvidos a partir da jurisdição

constitucional alemã, o princípio da interpretação de acordo com a

Constituição, encontra na didática de LUÍS ROBERTO BARROSO, a correta visão

das dimensões desse princípio:

"1) Trata-se da escolha de uma interpretação da norma legal que a

mantenha em harmonia com a Constituição, em meio a outra ou outras

possibilidades interpretativas que o preceito admita.

2) Tal interpretação busca encontrar um sentido possível para a norma,

que não é o que mais evidentemente resulta da leitura de seu texto.

3) Além da eleição de uma linha de interpretação, procede-se à

exclusão expressa de outra ou outras interpretações possíveis, que

conduziriam a resultado contrastante com a Constituição.

4) Por via de consequência, a interpretação conforme a Constituição

não é mero preceito hermenêutico, mas, também, um mecanismo de controle

de constitucionalidade pelo qual se declara ilegítima uma determinada leitura da

norma legal".111

110 STF, RE 107.869, rei. Min. Célio Borja, RTJ, 140:954, 1992, p. 964.111 Op. citi, pág. 182

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945.6.6 Princípio da presunção de legitimidade da lei e dos atos normativos

do Poder Público

A observância do princípio da presunção de constitucionalidade das leis

e dos atos normativos para o controle concentrado da constitucionalidade é

fundamental, principalmente quando exercido através da ADIn, sendo certo que

a constitucionalidade da norma presume-se, sendo esta presunção iuris

tantum, passível de ser alterada mediante declaração de inconstitucionalidade

em sede de controle concentrado pelo STF.

Essa compatibilização entre a norma impugnada e a constituição deve

ser preservada ao máximo pelo órgão competente, sendo a declaração de

sua inconstitucionalidade, reservada como ato singular, vencida a análise de

incompatibilidade constitucional, e estando ela patente e incontestavelmente

aferida.

LUÍS ROBERTO BARROSO, entende como regras de observância

necessárias na aferição dessa incompatibilidade:

"a) não sendo evidente a inconstitucionalidade, havendo dúvida ou a

possibilidade de razoavelmente se considerar a norma como válida, deve o órgão

competente abster-se da declaração de inconstitucionalidade;

b) havendo alguma interpretação possível que permita afirmar-se a

compatibilidade da norma com a constituição, em meio a outras que carreavam

para ela um juízo de invalidade, deve o intérprete optar pela interpretação

legitimadora, mantendo o preceito em vigor”.112

No mesmo diapasão, prossegue esse jurista, deixando claro a importância desse

princípio:

112 Op. cit., p. 171

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95"O princípio da presunção de constitucionalidade dos atos do Poder

Público, notadamente das leis, é uma decorrência geral da superação dos

Poderes e funciona como fator de autolimitação da atividade do Judiciário,

que, em reverência à atuação dos demais Poderes, somente deve invalidar os

atos diante de casos de inconstitucionalidade flagrante e incontestável"113.

5.6.7 Princípio da indesistibilidade da ação objetiva de controle abstrato

da constitucionalidade

O princípio da indesistibilidade da ação objetiva de controle em abstrato da

constitucionalidade está estampado expressamente no art. 5º da Lei n. 9.868/99, que

dispõe: "proposta a ação direta, não se admitirá desistência". E também no art. 16 da

mesma Lei: "proposta a ação declaratória, não se admitirá desistência". Esse

princípio se justifica pela natureza da ação objetiva de controle em abstrato da

constitucionalidade e especialmente no interesse público e social de preservação da

supremacia da Constituição.

O STF já tinha decidido sobre o conteúdo desse princípio, através do voto

confutor do Ministro Celso de Mello.

"O princípio da indisponibilidade, que rege o processo de controle

concentrado de constitucionalidade, impede a desistência da ação direta já

ajuizada. O art. 169, § 1a, do RISTF/80, que veda ao Procurador-Geral da

República essa desistência, aplica-se, ostensivamente, a todas as

autoridades e órgãos legitimados pela Constituição de 1988 para a instauração

do controle concentrado de constitucionalidade (art. 103)". 114

113 Op. cit., p. 180114 STF, ADIn 387/RO, rei. Min. Celso de Mello, RTJ, 135:905.

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965.6.8 Princípio da unidade da Constituição

O princípio da unidade da Constituição impõe que toda interpretação

constitucional preserve a unidade da Constituição como lei fundamental. O intérprete

tem que procurar conciliar as disposições constitucionais, de forma a preservar essa

unidade. Como esclarece WILSON ANTÔNIO STEINMETZ, a não-preservação desta

unidade fragiliza normativamente a Constituição, além de conduzir à sua destruição

como Diploma fundamental da sociedade.

A esse respeito escreve LUÍS ROBERTO BARROSO:

"A despeito da pluralidade de domínios que abrange, a ordem jurídica

constitui uma unidade. De fato, é decorrência natural da soberania do Estado

a impossibilidade de coexistência de mais de uma ordem jurídica válida e

vinculante no âmbito de seu território. Para que possa subsistir como unidade,

o ordenamento estatal, considerado na sua globalidade, constitui um 'sistema'

cujos diversos elementos são entre si coordenados, apoiando-se um ao outro

e pressupondo-se reciprocamente. O elo de ligação entre esses elementos

é a Constituição, origem comum de todas as normas. É ela, como norma

fundamental, que confere unidade e caráter sistemático ao ordenamento

jurídico"115

5.6.9 Princípio da efetividade

Pelo princípio da efetividade (ou da máxima eficiência), as disposições

constitucionais devem ser interpretadas de forma que delas se consiga a maior

efetividade possível. Dentro dessa ideia de efetividade, não haveria norma

constitucional inútil. Todas as normas constitucionais têm condições para

produzirem efeitos.

115 Luiz Roberto Barroso, Interpretação e aplicação da Constituição, Saraiva, São Paulo, 1996, p. 188.

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97Com relação a esse princípio, escreve CELSO RIBEIRO BASTOS:

"O postulado é válido na medida em que por meio dele se entenda que

não se pode empobrecer a Constituição. O que efetiva-mente significa este

axioma é o banimento da ideia de que um artigo ou parte dele possa ser

considerado sem efeito algum, o que equivaleria a desconsiderá-lo mesmo.

Na verdade, neste ponto, acaba por ser um reforço do postulado da unidade

da Constituição. Não se pode esvaziar por completo o conteúdo de um artigo,

qualquer que seja, pois isto representaria uma forma de violação da

Constituição".116

WILSON ANTÔNIO STEINMETZ, destaca a importância do princípio da efetividade

para os direitos fundamentais:

"O princípio da efetividade ou da máxima efetividade é, seguramente,

um dos mais importantes na interpretação dos direitos fundamentais. Sem o

imperativo da efetividade, os direitos fundamentais seriam reduzidos a meras

declarações políticas ou exortações morais, a uma retórica tão

impressionante quanto vazia, com a pretensão de dar ares de civilidade a uma

sociedade não-civilizada. Sem efetividade o que se tem é ou uma

Constituição nominal ou uma Constituição semântica” .117

5.7 Utilização indevida e negativa do Direito Processual Coletivo Especial

Um dos grandes problemas, e para isso devem atentar o STF e a sociedade

brasileira, é a utilização negativa do direito processual coletivo especial e do próprio

STF, no seu papel de Corte Constitucional, para salvar planos económicos e políticos

do Governo Federal, em flagrante desrespeito aos direitos e garantias fundamentais

116 Continua o mencionado jurista: "Concluindo, o postulado da efetividade máxima possível se traduz na preservação da carga material que cada norma possui, que deve prevalecer, não sendo aceitável sua nulificação nem que parcial" Hermenêutica e interpretação constitucional, Celso Bastos, 3ª ed., São Paulo, 1999, p. 105-6).117 Wilson Antônio Steinmtz, Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade Ed. Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2000, p. 97 e 98.

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98e ao Estado Democrático de Direito brasileiro, consagrado no art. 1º da CF. Isso

também é flagrantemente inconstitucional, porque o direito processual coletivo

especial é instrumento de proteção do Estado Democrático de Direito e não de seu

desmantelamento.

Não poucas vezes em passado recente da história Republicana, a STF

mesmo ostentando a condição de Corte Constitucional, em algumas ocasiões

adotou postura nem sempre elogiosa na condução de suas decisões, deixando de

exercer sua função moderadora e de guardião da Constituição Federal, para adotar

uma postura, um tanto favorecedora de interesses oficiais do Executivo e do

Legislativo, sem que estes pudessem ser considerados legítimos ou voltados para o

interesse social.

Um exemplo emblemático dessa postura condenável, foi o posicionamento

adotado pelo Pretório Excelso, ao conceder, por maioria de votos, liminar na ADC 9.6,

ajuizada pelo Presidente da República para ver declarada a constitucionalidade dos

arts. 14,15,16,17 e 18 da MP n. 2.152-2, dispositivos esses que tratavam das

metas de redução de consumo de energia elétrica, sobretaxas e regras de

comercialização de energia excedente, utilizou, então, de argumentos que se

divorciavam do texto constitucional, para acatar como constitucional o denominado

Pacote do Apagão. Ao analisar a questão, IVO DANTAS conclui:

"Não cabe ao constitucionalista — nem ao STF — salvar planos

econômicos, sociológicos, morais ou quaisquer que sejam. Cabe-lhe

(sobretudo ao Pretório Maior) a defesa da Constituição, e esta, não temos

dúvida, aponta para várias inconstitucionalidades do plano. Aliás, pelo que

noticiou a imprensa, nas palavras do Min. Sydney Sanches, isto fica bem

claro, exatamente quando ele afirmou que 'se o plano fosse julgado

inconstitucional, o povo não respeitaria o seu conteúdo’”.118

118 Ivo Dantas, Supremo Tribunal Federal – corte constitucional ou academia sociológica? , Consulex, ano V, nº 108, p.66.

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99Prossegue IVO DANTAS:

"Não se diga que o julgamento das Ações de Inconstitucionalidade tem

um teor político, pois, no modelo da Constituição de 1988 — e o modelo de

controle por ela adotado - não é esta a direção para a qual aponta a Carta

Magna vigente"119.

GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA discorrendo sobre o tema, adverte

para o fato de que “o direito processual coletivo especial , especialmente no que

tange à ação declaratória de constitucionalidade e à ação de arguição de

descumprimento de preceito constitucional, não seja utilizado com essas

finalidades escusas, inviabilizando o acesso à Justiça do cidadão prejudicado por

medidas inconstitucionais e autoritárias. O STF é que tem que saber cumprir o seu

compromisso de instituição guardiã da Constituição (art. 102, caput, CF) e a

sociedade brasileira como as demais instituições democráticas devem ficar atentas

para isso”.120

Esse questionamento mereceu de FRANCISCO GERSON MARQUES LIMA o

devido enfrentamento, tendo se manifestado de forma conclusiva a respeito:

"Lamentavelmente, contudo, a prática tem demonstrado que o STF

encontra-se muito 'afinado' com os demais Poderes e a conjuntura política

palaciana, de tal maneira que, olvidando o brado do povo, opta em manter

as medidas governamentais, por mais antipáticas, impopulares,

antinacionais, malévolas e inconstitucionais que elas pareçam. Argu-

mentos jurídicos são forjados no fogo da insensibilidade social, dando

origem a votos alentados, mas distanciados do interesse social. Em

consequência, o Executivo vai se apoderando de parcelas de compe-

tência dos demais Poderes, tornando-se cada dia mais forte. A Admi-

nistração Pública se encaminha para uma 'imunidade' às decisões do

119 Op. cit., p.66.120 Direito Processual Coletivo Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 2003, p. 255.

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100Judiciário, que passa por uma crise de autoridade. E a sociedade é

tomada pelo vírus da insegurança e do descrédito nas instituições"121

121 Francisco Gerson Marques Lima, O Supremo Tribunal Federal na crise institucional brasileira, ABC Editora, Fortaleza, 2001, p. 353.

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101 Capítulo 6

6. DO DIREITO PROCESSUAL COLETIVO COMUM BRASILEIRO

Impossível considerar qualquer menção ao direito processual coletivo

comum, no Brasil antes da entrada em vigor da lei 7.347/85, que instituiu a

ação civil pública, isto porque o arcabouço jurídico ainda não estava servido de

um mecanismo ou sistema capaz de tutelar direitos de massa.

Como explica GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA, “poucas leis concediam

legitimidade a algumas pessoas ou entidades para a tutela de determinados direitos

difusos ou coletivos”122. Havia a representação perante as autoridades judiciárias e

administrativas operada pelos Sindicatos por força do previsoto no art. 513, da CLT

os sindicatos em defesa dos interesses gerais da respectiva categoria ou profissão

liberal (interesses esses coletivos em sentido restrito) e também previa o dissídio

coletivo como forma de tutela coletiva (art. 856). Segue comentando que “Lei n.

4.717/65, que instituiu a ação popular, já legitimava o cidadão para a impugnação de ato

ilegal e lesivo ao patrimônio público (visava, portanto, a defesa de um direito difuso por

excelência). Existia também a Lei n. 4.215/63, que instituiu o Estatuto da Ordem dos

Advogados do Brasil, hoje revogado pela Lei n. 8.906/ 94, e dispunha, em seu art. 1º,

que cabia à Ordem representar, em juízo e fora dele, os interesses gerais da

classe”.123

Todavia, mesmo após a entrada em vigor da lei 7.347/85, muito haveria que

ser feito e pensado, o que houve na verdade foi um grande avanço, a insersão do

brasil no movimento mundial para tutela dos direitos e interesses de massa.124

122 Direito Processual Coletivo Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 2003, p. 263.123 Idem, op. Cit. 124 A Lei n. 7.345/85, que instituiu a ação civil pública, significou o ingresso do Brasil na denominada segunda onda renovatória do acesso à justiça, que foi (e ainda é) um grande movimento mundial ocorrido nos países mais civilizados para a tutela dos direitos difusos. Nesse sentido, Mauro Cappelletti e Bryant Garth, Acesso à justiça, p. 49 e seguintes.

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102

Apropriadas as palavras de CÂNDICO RANGEL DINAMARCO, e que

expressam nosso sentimento quando iniciamos a montagem dessa

monografia, “considerando o que nesse apanhado de estudos se contém são

propostas á reflexão e á prudente busca de soluções que, satisfazendo o senso

do justo e do razoável presente no espírito do uomo della strada, possam

satisfazer também os nossos. Ousar sem o açodamento de quem quer

afrontar, inovar sem desprezar os grandes pilares do sistema” .125

6.1 O advento da Lei de Ação Civil Pública – Lei 7347 de 24/07/85

Na esteira do que dito acima, somente a partir da entrada em vigora da

lei 7.347/85, que verdadeiramente instituiu a ação civil pública no Brasil

Inicialmente a tutela era admitida de forma mais restrita, tendo em vista que o rol,

pelo texto aprovado da Lei da ação civil pública, era taxativo; contudo, com a

Constituição Federal (art. 129, III), observa-se que a referida taxatividade da ACP

não mais existia, por falta de recepção constitucional, o que se tornou

inquestionável com a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor.

Essa dignidade constitucional do direito processual coletivo comum pode

ser avaliada a partir das interpretações derivadas de normas constitucionais

nascidas com a Constituição de 1988, como escreve GREGÓRIO ASSAGRA

DE ALMEIDA:

Assim, é a partir da atual Constituição da República Federativa do

Brasil, de 5 de outubro de 1988, que se pode falar em direito processual

coletivo comum brasileiro como um novo ramo do direito processual. Isso se

dá principalmente em face de três dispositivos constitucionais. O primeiro está

previsto no art. 5º, XXXV, e regra que ‘a lei não excluirá da apreciação do Poder

125 Cândido Rangel Dinamarco, Nova era do processo civil, Malheiros, São Paulo, 2004, p. 21.

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103Judiciário lesão ou ameaça a direito’. Esse dispositivo eliminou a limitação da

garantia do acesso à justiça somente a direito individual, que era prevista na

anterior Constituição emendada de 1969 (art. 153, § 4). O segundo está previsto

no art. 129, III, que dispõe: ‘Art. 129. São funções institucionais do Ministério

Público: I — omissis ...; II — omissis...; III — promover o inquérito civil e a

ação civil pública, para a proteção do património público e social, do meio

ambiente e de outros interesses difusos e coletivos’. O terceiro e fundamental é o

art. 1º da CF, que consagra o Estado Democrático de Direito brasileiro que,

para se manter e se efetivar, necessita de uma via jurisdicional potencializada

fundamental, que é o direito processual coletivo comum”.126

Prossegue sua narrativa tecendo mais algumas considerações em defesa da

tese de que é viável oreconhecimento do direito processual coletivo comum brasileiro,

como sendo um novo ramo do direito processual civil, principalmente a partir da

promulgação do Código de Defesa do Consumidor:

“O direito processual coletivo comum brasileiro se reforçou mais ainda

como um novo ramo do direito processual, com a entrada em vigor da Lei n.

8.078, de 11 de setembro de 1990, que instituiu o Código de Defesa do

Consumidor e estabeleceu, juntamente com a Lei da Ação Civil Pública e a

Constituição Federal, um verdadeiro microssistema de tutela dos direitos e

interesses de massa. No seu Título III, que trata da defesa do consumidor em

juízo, a mencionada lei veio a conceituar os direitos de massa, instituindo

também, para efeitos de tutela jurisdicional coletiva, a categoria dos direitos

individuais homogêneos (arts. 81, parágrafo único, e 91 e s.). E mais: além de

disciplinar o fenômeno da coisa julgada coletiva (art. 103), fez acrescentar, por

força do seu art. 110, dentre outros, um novo inciso ao art. 1º da Lei n. 7.347/85,

devolvendo-lhe o seu inciso IV, que havia sido vetado. Portanto, por força do

Código de Defesa do Consumidor, a Lei da Ação Civil Pública passou a dispor

126 Idem, op. cit, p.266.

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104que a ação civil pública poderá tutelar também qualquer outro interesse difuso

ou coletivo”.127

Édis Milaré, ressaltou muito bem a situação que era vivida pelo

ordenamento jurídico brasileiro ao escrever que "até a edição da Lei n. 7.347, de 24

de julho de 1985, a tarefa da ordem jurídica estava voltada a harmonizar,

basicamente, os conflitos interindividuais, ou entre grupos bem delimitados e

restritos de pessoas, próprios de uma sociedade predominantemente agrária e

artesanal, e, portanto, muito diversa da nossa”.128

Concluindo, não só no plano da legislação operou-se uma essa

transformação. Hoje a sociedade civil brasileira está começando a se

conscientizar dos novos direitos e interesses massifícados e dos instrumentos

predispostos na legislação para a tutela desses direitos. E já começa a

reivindicá-los. Em nível doutrinário, também várias obras sobre a matéria têm sido

publicadas, vários artigos e teses têm tido cada vez mais destaque e temos confiança

de que esse processo irreversível de revisitação do próprio direito processual está

longe de arrefecer – para o bem de todos nós.

6.2 Direito Processual Coletivo Comum Brasileiro como novo ramo do

Direito Processual Civil Brasileiro – diálogo constitucional.

A consagração constitucional do direito processual coletivo comum,

melhor, o diálogo entre esse novo ramo do direito processual civil com a

Constituição da República, como já descrito anteriormente, envolve sobretudo

a tutela dos interesses ou dos direitos massificados, sendo observado em dois

momentos: um antes e outro depois da Lei 7.347/85, sendo a partir daí,

segundo GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA, que o ordenamento jurídico

127 Idem, op. cit. 126 e 127.

128 Edis Milaré, A ação civil pública na nova ordem constitucional, Ed. Saraiva, São Paulo, 1990, p. 6.

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105brasileiro consagrou o direito processual coletivo comum, como um novo ramo

do direito processual.

Recorrendo uma vez mais às conclusões do festejado Mestre, temos

mais alguns argumentos, de sorte a sustentar o entendimento acima:

“ Convém novamente ressaltar que, para essa conclusão, utilizam-

se basicamente três dispositivos constitucionais fundamentais: a) o

primeiro é o art. 1º da CF, que consagrou o Estado Democráticode Direito,

que é o Estado da justiça material ou da transformação da realidade social

com justiça, o que somente ocorrerá com a existência de um instrumento

potencializado de tutela jurisdicional dos direitos massificados; b) o segundo

é o art. 5Q, XXXV, da CF, que consagra o princípio da inafastabilidade das

decisões judiciais em relação a qualquer direito, seja de natureza

individual, seja de natureza coletiva em sentido amplo — operacionalizou-

se aqui uma verdadeira transformação no ordenamento jurídico brasileiro,

de sorte que passou de ordenamento tutelador de direitos individuais e de

alguns direitos ou interesses coletivos para ordenamento tutelador de direi-

tos individuais e de direitos ou interesses coletivos, sem qualquer

restrição; c) o terceiro é o art. 129, III, da CF, que consagrou o princípio da

não-taxatividade da ação coletiva, em plena consonância com o art. 5º,

XXXV, da CF, que nenhuma restrição estabelece quanto à tutela jurisdicional

de direitos lesados ou ameaçados de lesão.

Outros dispositivos existem que confirmam a tese acima, pois o

legislador constituinte de 1988 conferiu dignidade constitucional à maioria

das ações coletivas do sistema brasileiro. Só para ilustrar, podem ser

apontados os seguintes dispositivos: art. 5º, LXIX e LXX; art. 5º, LXXI e

LXXIII; art. 114, § 2º, art. 14, §§ 10 e 11, dentre outros.

Portanto, existe atualmente no Brasil, com dignidade

constitucional, o direito processual coletivo comum como instrumento

potencializado de resolução dos conflitos coletivos ocorridos no mundo

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106da contretude e de efetivação material do Estado Democrático de Direito

brasileiro”.129

6.3 Principais figuras constitucionais do Direito Processual Coletivo

Comum e Diplomas infraconstitucionais de tutela do Direito Processual

Coletivo Comum.

Neste tópico estaremos analisando algumas das principais ações de

origem constitucional, aplicáveis ou pertencentes naquilo que podemos

chamar de campo do direito processual coletivo comum. Sem nos atermos às

discussões quanto a natureza das ações constitucionais que serão abordadas

a seguir, preferimos deixar para os estudiosos esse exercício de buscar no

direito processual clássico o enquadramento de institutos de dignidade

constitucional reconhecida, dentro do campo do direito clásico

infraconstitucional.

A nosso ver, e para sermos coerentes com o tema em desenvolvimento,

o mais correto é considerarmos essas ações como ações constitucionais, até

porque o próprio texto constitucional não traz qualquer restrição quanto ao campo

de aplicabilidade infraconstitucional dessas figuras fundamentais ao direito

processual.

Entretanto, existem ações constitucionais, que por sua finalidade prestam-

se à tutela de direitos individuais puros quanto de direitos coletivos, latu sensu,

como é o caso do mandado de segurança e o mandado de injunção, em relação

aos quais a Constituição não apresenta qualquer restrição quanto á natureza

individual ou coletiva dos direitos tuteláveis. São o que GREGÓRIO ASSAGRA DE

ALMEIDA, chama de ações coletivas ambivalentes.130

129 Op. cit., pág. 270130 Op. cit., pág. 271

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107

6.3.1 Do Mandado de Segurança

Convém, antes de adentrarmos na análise do mandado de segurança

propriamente dito, cumpre esclarecer que o chamado mando de segurança

coletivo previsto no art. 5º, LXX, da Constituição Federal, não pressupõe a

existência de um outro gênero de mandado de segurança , o individual, previsto

no inciso LXIX. O que se deve observar é que o inciso LXIX prevê o mandado de

segurança para a tutela de qualquer direito, tanto que assim dispõe: "conceder-se-á

mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por

habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de

poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições

do Poder Público". Não havendo restrição, destarte, à qualquer espécie de direito a

ser tutelável pela via mandamental, se individual, se coletivo ou difuso.

“Portanto, os requisitos de admissibilidade de mandado de segurança

para a tutela de qualquer direito (individual ou coletivo em sentido amplo)

estão no art. 5º, LXIX, que tem perfeita consonância com a garantia

incondicional do acesso à justiça prevista no art. 52, XXXV”.131

No mesmo sentido, NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE

NERY:

"Não foi criada outra figura ao lado do MS tradicional, mas apenas

hipótese de 'legitimação para a causa'. Os requisitos de direito material para a

concessão do MSC continuam a ser os da CF 5º LXIX: proteção contra ameaça

ou lesão de direito líquido e certo, não amparado por ‘habeas corpus' ou

'habeas data', por ato ilegal ou abusivo de autoridade. O MSC nada mais é

doque a possibilidade de impetrar-so MS tradicional por meio de tutela

jurisdicional coletiva. O adjetivo 'coletivo' se refere à 'forma' de exercer-se a

131 Gregório Assagra de Almeida, Direito Processual Coletivo Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 2003, p. 273.

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108pretensão mandamental, e não à pretensão deduzida em si mesma. O MSC

se presta à tutela de direito difuso, coletivo ou individual. O que é 'coletivo'

não é o mérito, o objeto, o direito pleiteado por meio do MSC, mas sim a

'ação'. Trata-se de 'instituto processual' que confere legitimidade, para agir

às entidades mencionadas no texto constitucional".

Prestados esses esclarecimentos, passemos à análise do mandado de

segurança propriamente dito.

Não pretendemos nos aprofundar nas origens históricas do mandado de

segurança, uma vez que a abordagem encadeada visa, sobretudo, distingüir as

principais ações de origem constitucional inseridas no âmbito do direito processual

coletivo comum.

Na verdade, o mandado de segurança nasceu com a Constituição da

República Federativa do Brasil de 1934 (art. 113, n. 33). Depois, não se manteve com

a Carta Ditatorial de 1937, período em que recebeu regulamentação somente por lei

ordinária; foi, contudo, restabelecido com a Constituição Democrática de 1946 (art.

141, n. 24), tendo também se mantido na Constituição de 1967 (art. 153, § 21) e na

Constituição Emendada de 1969. Atualmente, como visto, encontra-se consagrado no

art. 5]º, LXIX e LXX, da Constituição Federal de 1988, que inclusive ampliou o seu

campo de aplicabilidade ao permitir sua impetração também contra atos dos

agentes de pessoa jurídica privada nas funções do poder público.

O seu procedimento, que se encontra previsto na Lei n. 1.533, de 21 de

dezembro de 1951, é o sumaríssimo especial, pois não é permitido, em sede de

mandado de segurança, dilação probatória: inexiste produção de prova pericial ou

oral. Por isso, é o mandado de segurança denominado procedimento documentado. O

seu rito pode ser assim sintetizado: petição inicial em duas vias acompanhada de

prova documental que não deixe dúvidas sobre os fatos alegados; despacho de

recebimento ou decisão de indeferimento; concessão ou não da liminar; notificação

da autoridade coatora para prestar informações no prazo de dez dias; vista ao

Ministério Público para dar seu parecer no prazo de cinco dias; conclusos para

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109sentença no prazo de cinco dias. Procedimento esse bem diverso do procedimento

sumaríssimo dos Juizados Especiais Cíveis (Lei n. 9.099/95).

Trata-se também de tutela jurisdicional de urgência, tendo em vista a rapidez

de seu procedimento, a possibilidade de concessão de liminar, a não admissibilidade

de dilação probatória e a prioridade na sua tramitação processual.

Manifesta-se sobre o assunto Luiz Guilherme Marinoni:

"Observe-se, ainda, que a técnica da cognição exauriente 'secundum

eventum probationis', além de permitir a construção de um processo célere

e ao mesmo tempo de cognição exauriente, não elimina a possibilidade do

jurisdicionado, que lançou mão do mandado de segurança mas necessitava

de outras provas além da documental, recorrer ao procedimento ordinário.

Deveras, de acordo com a Súmula n. 304 do Supremo Tribunal Federal, a

'decisão denegatória de mandado de segurança, não fazendo coisa julgada

contra o impetrante, não impede o uso de ação própria'. Este enunciado quer

dizer que fica aberta a via ordinária àquele que teve denegado o mandado de

segurança por ausência de direito líquido e certo; isto porque a sentença que

afirma a ausência de direito líquido e certo não declara que direito subjetivo

material não existe".132

Quanto á natureza jurídica do mandado de segurança, prevalece amplamente o

entendimento, o que é correto, de que o mandado de segurança é uma espécie de

ação. E mais: é uma ação de dignidade constitucional consagrada como garantia

constitucional fundamental (art. 5º, LXIX, da CF). Assim, se o mandado de segurança é

uma garantia constitucional fundamental, algumas consequências interpretativas

lhe são inerentes. A primeira delas é a de que não é compatível interpretação

restritiva quanto ao seu campo de aplicabilidade. Direitos e garantias constitucionais

fundamentais, diferentemente das simples regras constitucionais, não são

interpretáveis restritivamente. A segunda consequência interpretativa derivante é a de

132 Luiz Guilherme Marinoni, Efetividade do processo e tutela de urgência,Sérgio A. Fabris Editor, Porto Alegre, 1994, p. 24

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110que a ele são aplicáveis todas as disposições processuais previstas para as tutelas

jurisdicionais ordinárias, desde que sejam compatíveis com os seus pressupostos

constitucionais e possam ser meios eficazes para garantir a sua efetividade. Assim,

plenamente aplicáveis em sede de mandado de segurança as medidas de apoio do

art. 461, § 5º, do CPC. Além disso, observa-se que as garantias constitucionais

instrumentais fundamentais merecem prioridade na tramitação processual, como não

poderia deixar de acontecer em relação ao mandado de segurança.

Um outro aspecto bastante polêmico, que não por décadas doutrina e

jurisprudência não conseguem pacificar é quanto a natureza jurídica da

expressão direito líquido e certo. Com respeito a essa natureza jurídica

podemos dizer que existem três correntes a saber:

“A primeira corrente que surgiu defendia a natureza material da

expressão: certo é o direito em relação ao qual não há a mínima dúvida, é o

direito cristalino, translúcido, e líquido é a ausência de dúvida sobre o objeto

do direito. A segunda corrente, que é a predominante, sustenta a natureza

processual da expressão líquido e certo: certos são os fatos alegados

constitutivos do direito que se pretende a tutela jurisdicional, e líquido é a

condição de incontestabilidade dos fatos alegados. Por mais complexo que seja

o direito, não há dúvida de que é cabível mandado de segurança se não existe

a mínima dúvida sobre os fatos alegados, que chegam ao ponto de serem

líquidos, ou seja, incontestáveis. Uma terceira corrente, minoritária, defende a

concepção eclética e sustenta que o direito é certo quando inexistem

dúvidas sobre seus fatos constitutivos alegados, e é líquido quando não

existe dúvida sobre o objeto do direito”.133

A autoridade pública apontada como coatora é o sujeito passivo do mandado

de segurança. Atua como legitimada extraordinária. Ao prestar informações, defende em

nome próprio direito da respectiva pessoa jurídica de direito público interessada. Não

é o mero funcionário público, já que possui poder de decisão. Assim, autoridade

133 Gregório Assagra de Almeida, op. cit., p 280.

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111pública, para efeitos de sujeito passivo em sede de mandado de segurança, é todo

aquele que tem poder para determinar o cumprimento e ao mesmo tempo a

suspensão do ato comissivo ou omissivo impugnado. Portanto, aqueles que praticam

meros atos executórios, mesmo que integrante da administração pública, não podem

ser sujeitos passivos no mandamus.

O ato inquinado, a Ilegalidade ou abuso de pode, r constitui o próprio mérito do

mandado de segurança. A decisão que concede a segurança, por entender que o ato

comissivo ou omissivo impugnado é ilegal ou abusivo, é decisão de mérito que,

transitada em julgado, se torna imutável e indiscutível, a teor do que dispõem os arts.

15 e 16 da Lei n. 1.533/51.

Quanto à legitimação ativa, a Constituição não estabelece limitação quanto à

legitimidade ativa no mandado de segurança. Pode impetrar o mandamus pessoa

física ou jurídica e inclusive os entes despersonalizados que sejam portadores de

personalidade judiciária. Entretanto, traz uma disposição sobre o mandado de

segurança em relação à qual tem surgido muitas polêmicas. É o inciso LXX, que

prevê: "O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: a) partido político

com representação no Congresso Nacional; b) organização sindical, entidade de

classe ou associação legalmente cons-lituída e em funcionamento há pelo menos

um ano, em defesa dos inleresses de seus membros ou associados".

Essa polêmica é muito bem resumida por UADI DI LAMEGO BULOS:

"A garantia tem ensejado, dentre outras, as seguintes indagações no

ato de sua aplicação: a) Seria um instituto independente do tradicional

mandado de segurança individual?; b) Para ser impetrado são necessários os

mesmos requisitos da ação, esposados no inciso LXIX do art., 5º da

Constituição Federa?; c) Que tipo de interesses tutela? ; d) Pode defender

interesses difusos?; e) Visa a defender interesses singulares dos membros das

coletividades?”.134

134 Constituição Federal anotada, Saraiva, São Paulo, 2000, p. 308

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112

Assim a consideração final de GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA:

“O mandado de segurança, apesar de não ser uma ação

especificamente do direito processual coletivo comum, pode ser utilizado, se

presentes os seus pressupostos constitucionais, para a tutela de todo e

qualquer direito coletivo, o que ressalta ainda mais a sua natureza de garantia

constitucional fundamental instrumentalmente ambivalente”.135

6.3.2 Lei de Ação Civil Pública – Lei 7347/85

Dentre os instrumentos de tutela dos interesses massificados até aqui

estudados, sem sobra de dúvidas que a ação civil pública é o que podemos

chamar de estrela da companhia, não só por ter sido o primeiro grande

instrumento com dignidade constitucional de defesa desses direitos, como

também o mais abrangente a partir principalmente do advento do CDC que

deixou de taxar os legitimados ativos para fins de interposição de ação civil

pública, como visto anteriormente.

Portanto, dispõe o art. 129, III, da Constituição Federal que é função

institucional do Ministério Público "promover o inquérito civil e a ação civil pública,

para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros

interesses difusos e coletivos". E, confirrmando a regra da legitimidade concorrente

para o ajuizamento da ação civil pública ou de qualquer outra ação coletiva prevista, a

Constituição ainda prevê no § 1º do seu art. 129: "A legitimação do Ministério Público

para as ações civis previstas neste artigo não impede a de terceiros, nas mesmas

hipóteses, segundo o disposto nesta Constituição e na lei".

No que concerne ao conceito de ação civil publica, a doutrina não é precisa

ao aponta-lo. EDIS MILARÉ, um dos autores do anteprojeto de lei que instituiu no 135 Op cit., p. 289.

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113Brasil a ação civil pública, a conceitua como “o direito expresso em lei de fazer

atuar, na esfera civil, em defesa do interesse público, a função jurisdicional”. O

conceito não é preciso, pois a ação civil pública não é necessariamente o direito

expresso em lei de fazer atuar na esfera civil, até porque não se pode descartar a

possibilidade de ajuizamento de ação civil pública na esfera trabalhista e até

mesmo na esfera criminal, para tutelar o reconhecimento de direitos

constitucionais do preso na execução penal. Em verdade, o que se tutela pela

ação civil pública é de regra um direito ou interesse de natureza constitucional,

como se dá em relação a uma ação civil pública ajuizada para a proteção do meio

ambiente, que é um direito constitucional difuso por excelência. Com efeito, tendo a

ação civil pública dignidade constitucional (art. 129, III) e por ela visar a tutela quase

sempre de um interesse ou direito de índole constitucional — tanto que está dentro do

que a doutrina denomina direito processual constitucional — conclui-se que a ação civil

pública é um dos instrumentos constitucionais colocados à disposição do Ministério

Público e de outros legitimados coletivos arrolados pela lei (art. 5º da Lei n. 7.347/85 e

art. 82 da Lei n. 8.078/90), para a tutela jurisdicional de quaisquer direitos ou interesses

difusos, coletivos em sentido estrito ou individuais homogéneos. É o que escreve

Rodolfo Mancuso:"... a ação da Lei 7.347/85 objetiva a tutela de interesses

metaindividuais, de início compreensivos dos 'difusos' e dos 'coletivos em sentido estrito',

aos quais na sequência se agregaram os 'individuais homogéneos' (Lei 8.078/90, art. 81,

m, c/c os arts. 83 e 117)...” .136.

Podemos considerar como Objeto material da ação civil pública, a proteção a

jurisdicional do direito ou interesse coletivo em sentido amplo, sem prejuízo do

cabimento de outras formas de tutela jurisdicional coletiva previstas, como o mandado

de segurança (art. 5°, LXIX e LXX, da CF), a ação popular (art. 5º, LXXIII, da CF) e o

mandado de injunção (art. 5°,LXXI, da CF).

O inciso IV do art. 1º da Lei n. 7.347/85, acrescentado por força do art. 110 da

Lei n. 8.078/90, ao estabelecer que qualquer outro interesse difuso ou coletivo

poderá ser tutelado pela ação civil pública. deixa claro que seu objeto material é amplo,

e não mais se admite interpretação limitadora que tente implantar ou revigorar o 136 Rodolfo Mancuso, Ação Civil Pública , Revista dos Tribunais, São Paulo,2001,, p. 21

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114combatido sistema da taxatividade. Destaca-se ainda a modificação inserida na LACP

pelo art. 88 da Lei n. 8.884/94, que, potencializando a ação civil pública, tornou-a

instrumento hábil também para a tutela de danos morais e não somente os

meramente patrimoniais (art. 1º da Lei n. 7.347/85), fazendo acrescer em seu art. 1º o

inciso V, que prevê o seu cabimento quando houver infração da ordem econômica. O

artigo 6º da Medida Provisória n. 2.180-35, de 24 de agosto de 2001, com

publicação no DO U de 27 de agosto de 2001, modificou o inciso V do art. l2 da Lei

n. 7.347/85, que passou a ter a seguinte redação: "V — por infração da ordem

econõmica e da economia popular".

Outro aspecto interessante diz respeito á questão da coisa julgada na LACP. O

art. 16 da LACP dispõe: "A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos

limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado

improcedente por deficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado

poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova".

Esse sistema já era adotado pelo art. 18 da Lei da Ação Popular (Lei n. 4.717/65),

e dele se extrai que haverá coisa julgada se o pedido for julgado procedente.

Caso seja ele julgado improcedente, não fará coisa julgada se a fundamentação

da sentença proferida na ação civil pública se basear na insuficiência de prova. É

o que se denomina coisa julgada secundum eventum litis. A coisa julgada

coletiva ocorrerá segundo o resultado da lide e será erga omnes porque inibe

outro co-legitimado de propor nova ação civil pública com o mesmo pedido e a

mesma causa de pedir, mas desde que tenha sido julgado procedente o pedido

ou improcedente por ser infundada a pretensão nela deduzida.

Portanto, de forma diversa do que dispõe o CPC no seu art. 472, estão

ampliados os limites subjetivos da coisa julgada coletiva no direito processual

coletivo comum.

A Lei n. 9.494/97, alterando o art. 16 da LACP, fez acrescentar no referido

dispositivo que a coisa julgada ocorrerá nos limites da competência territorial do

órgão prolator. Como observam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade

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115Nery, a alteração levada a efeito é inconstitucional e ineficaz: além de violar os

princípios referentes ao direito de ação bem como o princípio da proporcio-

nalidade, confunde limites subjetivos da coisa julgada erga omnes com

jurisdição e competência. Aduzem ainda os juristas, continuam em vigor os arts.

18 da LAP e 103 do CDC, os quais se aplicam às ações fundadas na LACP, por

força do que estabelecem os arts. 90 do CDC e 21 da LACP.137

O art. 14 da LACP, diferentemente do CPC, prevê que o juiz poderá

conferir efeito suspensivo aos recursos para evitar dano irreparável à parte.

Como se nota, a regra é que o efeito dos recursos contra as decisões

proferidas na ação civil pública é somente devolutivo; o efeito suspensivo é cabível

para evitar dano irreparável à parte. Quanto ao mais, aplica-se o sistema recursal

previsto no CPC.

É cabível a tomada pelos órgãos públicos legitimados coletivos ativos (art.

5º, § 6º, da LACP) de termo de ajustamento de conduta, o qual não tem o mesmo

significado de transação, até porque a pretensão que é objeto da ação civil pública

é indisponível, tendo em vista o interesse social sempre nela presente.

Segundo GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA, “tem-se que ajustamento de

conduta quer significar o reconhecimento prévio, por parte da pessoa ou ente

responsável pelo dano causado a interesse ou direito coletivo, do pedido que

naturalmente deverá ser formulado, caso haja o ajuizamento da ação civil

pública. Não se admite, assim, a transação substancial (ou material). Todavia, é

possível a transação formal, que não signifique qualquer renúncia ao direito

coletivo em questão. Assim, poderão ser pactuados a forma e o prazo de

reparação do dano causado ao direito coletivo, mas desde que não signifiquem

indiretamente inviabilização do próprio direito coletivo”. 138

137 Os mencionados autores ainda ressaltam o equívoco da Medida Provisória n. 1.570-4, de 22-7-1997, que foi

convertida na referida Lei n. 9.494/97, afirmando que quem a redigiu não tem a mínima noção do sistema processual de tutela coletiva, não sendo possível que a alteração produza o efeito pretendido pelo Presidente da República (op. cit. nas notas anteriores, p. 1540-2).

138 Op. Cit, p. 358

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116O § 1º do art. 8º da LACP, que é confirmado pelo art. 129, III, da CF,

estabelece que o Ministério Público poderá instaurar inquérito civil sob sua

presidência. Esse procedimento administrativo é semelhante ao inquérito policial

e destina-se a colher elementos de convicção para, de um lado, evitar o

ajuizamento de ação temerária e, de outro, garantir a eficácia da ação coletiva a

ser ajuizada.

Como se vê, o inquérito civil tem dignidade constitucional (art. 129,III, da

CF). Portanto, não pode sofrer limitação pela legislação infraconstitucional.

O inquérito civil é instrumento constitucional que deverá, em regra, reger-se

pelo princípio da publicidade, que é próprio dos atos processuais (arts. 93, IX, e 5º,

LX, da CF). Contudo, nos casos em que a própria Constituição estabelece limites

para resguardar a privacidade e o sigilo da correspondência e das comunicações

telegráficas, de dados e das comunicações telefónicas, será imprescindível a

sua n ;nnitação em segredo (art. 5º, XII, da CF).

Registra-se que o inquérito civil, como procedimento administrativo que é,

submete-se basicamente a três fases: instauração, que se dará por portaria ou por

despacho do órgão do Ministério Público em representações recebidas; instrução,

que se realiza com a apuração dos fatos, em contraditório ou não, conforme acima

já mencionado; e conclusão, que poderá conduzir ao ajuizamento da ação coletiva

pertinente, à realização de novas diligências imprescindíveis, ou ao arquivamento

do inquérito civil, caso não haja fundamentação fática ou jurídica para a propositura

da ação coletiva respectiva. Em caso de arquivamento, matéria tratada no art. 9°

da Lei n. 7.347/85, é necessária a sua apreciação pelo Conselho Superior do

Ministério Público, que poderá homologar a promoção de arquivamento ou

desgnar outro órgão do Ministério Público para o ajuizamento da ação (art 9º, § 4º,

da Lei n. 7.347/85).

Conveniente ressaltarmos algumas diferenças existentes entre a ação civil e

ação popular (campo de aplicabilidade). Apesar de ser possível a tutela pela ação

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117popular e pela ação civil pública de um mesmo direito, existem, além de outras, duas

diferenças básicas entre essas duas espécies de ações coletivas. A primeira está na

legitimidade para agir, pois somente o cidadão terá legitimidade para a propositura da

ação popular. A segunda, encontra-se no objeto, que na ação civil pública é amplo,

ao passo que o art. 5º, LXXIII, da CF estabelece de forma mais fechada e, portanto,

mais restrita, o objeto da ação popular. Não dispõe o texto constitucional, como na

ação civil pública, que a ação popular será promovida para a proteção do patrimônio

público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivo.

Contudo, não são ações excludentes, mas, ao contrário, concorrentes, naquilo que

coincida com o seu objeto. Todavia, mesmo diante das duas diferenças básicas

apontadas, é possível a existência de litispendência entre ação.

A ação civil pública tem sido hoje o principal instrumento de tutela dos direitos

de massa no Brasil, e o Ministério Público figura como seu principal promovedor.

Milhares de ações civis públicas têm sido ajuizadas pelo País afora. Entretanto,

ainda resta muito a ser tutelado por intermédio desse instrumento processual

constitucional, que se pauta como de extrema importância para a efetivação do

Estado Democrático de Direito e transformação positiva da realidade social.

No capítulo seguinte, estudar-se-á com mais detalhes este magnífico

instrumento de tutela jurisdicional coletiva comum.

6.3.3 Código de Defesa do Consumidor

O Código de Defesa do Consumidor (art. 90), juntamente com a LACP (art.

21), coinstitui hoje um microssistema integrado de tutela dos direitos ou iteresses

coletivos lato sensu. Tem, portanto, importância capital para a proteção dos direitos

ou interesses massificados, e suas disposições processuais constituem normas de

sobredireito processual coletivo comum.

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118A Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990, atendendo ao disposto no art. 5º,

XXXII, da CF/88, avançou radicalmente rumo à efetividade da tutela dos direitos e

interesses coletivos no Brasil; é concebida seja no Iplimo material, seja no plano

processual como uma lei muito avançada. A parte processual, que nos interessa no

presente trabalho, é reservada no CDC para o Título III, onde se observa que o

legislador preocupou-se indistintamente com a defesa do consumidor, seja na forma

coletiva, seja individual. Essa parte processual vai do art. 81 ao art. 104 do CDC.

Citando ADA PELLEGRINI, GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA, discorre

sobre a parte processual do CDC:

“Como anota Ada Pellegrini Grinover, a parte processual do CDC atua em

duas vertentes: uma voltada para as ações de tutela de direitos ou interesses

individuais puros, e a outra para as ações de tutela de direitos ou interesses

coletivos lato sensu. Na primeira vertente podem ser arroladas: a

possibilidade de determinação da competência pelo domicílio do consumidor

autor (art. 101, I); a vedação da denunciação da lide (art. 88); a instituição de

uma hipótese especial de chamamento ao processo (art. 101, II); a

admissibilidade de toda e qualquer espécie de ação para propiciar a adequada

e efetiva tutela do consumidor (art. 83); a previsão de forma de tutela

específica para ações que tenham por objeto o cumprimento de obrigação

de fazer, com a possibilidade de antecipação de tutela e aplicação de multa

(art. 84); e a possibilidade de aproveitamento da coisa julgada nas ações

coletivas para as ações individuais (art. 103, §§ 1º e 3º). Já na segunda

vertente, que está voltada para a tutela jurisdicional coletiva, observa-se que a

defesa coletiva dos consumidores foi ampliada aos bens indivisivelmente

considerados com a previsão de defesa dos direitos ou interesses difusos e

coletivos ‘stricto sensu’ dos consumidores. Foi também instituída uma nova

forma de tutela coletiva voltada para a defesa dos denominados direitos ou

interesses individuais homogêneos — é a ação coletiva ressarcitória dos

danos pessoalmente sofridos pelos consumidores ou pelas vítimas dos pro-

dutos ou serviços (art. 81, III, e Capítulo II do Título III, arts. 91 e.) —, com a

adoção, no sistema brasileiro, não obstante com roupagem própria, das ‘class

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119actions’ for damages do sistema de ‘common law’. A coisa julgada também

recebeu novo tratamento, seja em decorrência da ampliação do objeto do

processo, seja no que tange aos seus limites subjetivos, seja no sentido de

beneficiar também as pretensões individuais (art. 103), além de dispor sobre a

litispendência (art. 104). Regulamentou o problema das custas processuais,

dispensou o seu adiantamento e ainda isentou a associação autora da

condenação em honorários de advogado, custas e despesas processuais, salvo

se comprovada má-fé (art. 87). Além disso, com modificações inseridas na

LACP, criou um microssistema de tutela coletiva ao fazer inserir na LACP a

perfeita interação entre esses dois diplomas processuais (art. 21 da LACP,

acrescentado por força do art. 117 do CDC).”139

Prossegue o Mestre, deixando claro para nossa reflexão que apesar da

inclinação do legislador em priorizar a tutela coletiva, não obstante, há uma

perfeita sintonia, um diálogo objetivo, uma total interação dos dispositivos do

CDC, naquilo que toca às ações coletivas e às ações individuais:

“Apesar de o CDC ter estabelecido regras voltadas, em sua maioria

para a tutela jurisdicional coletiva, como se observa das disposições previstas

no art. 81 e s., não se pode concluir que teria o legislador priorisado a tutela

jurisdicional coletiva, em prejuízo da tutela jurisdicional individual. Como

faz observar Rodolfo de Camargo Mancuso, o CDC, em vários dos seus

dispositivos, demonstra que há total inleração entre ações coletivas e ações

individuais. Está previsto inclusive que o CPC e a LACP aplicam-se aos casos

em que houver a omissão do CDC (art. 90), seja em relação às variadas formas

de tutelas jurisdicionais coletivas, seja em relação às individuais. E mais: além de

dispor que a tutela jurisdicional poderá ser individual ou coletiva (art. 81), o

CDC dá prioridade ao ressarcimento dos prejuízos individualmente sofridos (art.

99, parágrafo único) e ainda estabelece que a coisa julgada formada nas ações

coletivas, quando decorrente de sentença de procedência, beneficiará os

consumidores pelos danos individualmente sofridos (art. 103, §§ 3º e 4º). Nos

casos de improcedência do pedido formulado nas ações coletivas, a coisa

139 Gregório Assagra de Almeida, Op. Cit, p. 363.

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120julgada formada não tem o condão de criar óbice ao ajuizamento de ação

individual para a reparação de dano individualmente sofrido, salvo em se

tratando de ação coletiva para a tutela de direitos individuais homogêneos,

ocasião em que a sentença de improcedência atingirá também os interessados

que intervieram no processo como litisconsortes (§ 2º, do art. 103). No mesmo

sentido, o art. 104 do CDC traz regra que estabelece que não existe

litispendência entre ações coletivas e individuais; destarte, o ajuizamento de

qualquer ação coletiva não pode impedir o ajuizamento de ação individual”.140

Na linha do que foi visto acima, vamos encontrar no art. 81 do CDC a

preocupação do legislador com a tutela jurisdicional coletiva: estabelece que a

defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser

exercida em juízo, individualmente ou a título coletivo. O parágrafo único do art. 81

dispõe que a defesa coletiva será exercida quando se tratar de direitos ou

interesses difusos, direitos ou interesses coletivos e direitos ou interesses individuais

homogêneos. Assim, observa-se que houve grande preocupação do legislador

quanto à delimitação do objeto jurisdicional do direito processual coletivo comum.

O CDC, portanto, apresenta a definição, em classificação tripartida, do que se deve

entender por direitos ou interesses difusos, direitos ou interesses coletivos, direitos ou

interesses individuais homogêneos, Em relação a essa terceira categoria, o CDC

muito inovou: é o primeiro diploma dentro do sistema jurídico brasileiro a adotar

denominação específica e ainda definir, para fins de tutela coletiva, os direitos ou

interesses idividuais homogêneos. Estes últimos constituem um aglomerado de

direitos ou interesses individuais divisíveis que, pela origem comum, poderão ser

objeto da tutela coletiva. Em essência, são ritos individuais, considerados

apenas acidentalmente coletivos, tendo em vista que poderão ser objeto de ação

coletiva, apesar de não serem indivisíveis.

Já o parágrafo único do art. 81 do CDC, por estar inserido no

microssistema de tutela coletiva decorrente da perfeita interação entre a LACP, deve

ser recepcionado com conteúdo de norma de superdireito coletivo. Seu teor pode e

140 Op. Cit., p.263-264

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121deve ser extraído para fins de tutela de todo e qualquer direito ou interesse

massificado, seja ele relacionado ou não com as lides decorrentes das relações de

consumo.

É importante ressaltar que, ao usar de forma conjugada a expressão interesses

ou direitos (art. 81, parágrafo único, do CDC), o legislador não se fez pautar pelo

preconceito (ou ranço) individualista que marcou a dogmática jurídica do século XIX,

até porque o espírito do CDC é renovador e nada tem das concepções ortodoxas e

individualistas do século XIX. Em verdade, não há razão para a crítica formulada, pelo

menos dentro de um sentido substancialmente prático e não meramente técnico

formal. O próprio texto constitucional, ao referir-se ao Ministério Público (art. 127,

capuf), usa a expressão interesses sociais e individuais indisponíveis. Da mesma

forma, o art. 129, III, da CF, faz uso da expressão outros interesses difusos e

coletivos. Com isso, o que se nota é que o legislador infraconstitucional pretendeu

resguardar todos esses interesses: usa a dupla terminologia interesses ou direitos

para evitar polémicas interpretativas que possam colocar em risco a efetividade da

tutela desses interesses ou direitos massificados em total prejuízo dos verdadeiros

anseios sociais.

O art. 82 do CDC traz regras sobre a legitimidade ativa para a defesa coletiva

do consumidor em juízo. Trata-se de legitimidade disjuntiva, no sentido de que um

pode mover a ação sem a necessária presença do outro, salvo em relação ao

Ministério Público, que, se não funcionar como parte, atuará obrigatoriamente como

fiscal da lei (art. 92). Todos os entes elencados no art. 82 podem promover a ação

coletiva, razão pela qual ainda se diz que a legitimidade é concorrente. A

legitimidade ativa é também exclusiva, pois somente os elgitimados elencados no

art. 82 do CDC e os do art. 5º da LACP podem ajuizar ação coletiva.

Toda e qualquer ação capaz de propiciar a adequada e efetiva tutela

jurisdicional poderá ser utilizada para a defesa coletiva do consumidor em juízo,

como se extrai do disposto no art. 83 do CDC. Com efeito, é cabível ação com

pedido condenatório, meramente declaratório (positivo ou negativo), ou

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122constitutivo (negativo ou positivo). É admissível também o ajuizamento de ações

cautelares, executivas e mandamentais. Essa regra se aplica à LACP, por força

dos arts. 90 e 117 do CDC, em combinação com o art. 21 da LACP.

Além das disposições constantes do art. 83 do CDC, que admite toda e

qualquer ação para a tutela dos direitos dos consumidores, o art. 90 do mesmo

Diploma estatuiu regra sobre a aplicabilidadeàs ações nele previstas, não só da

LACP como também do CPC, naquilo que não contrariar suas disposições.

Quanto ao CPC, a aplicabilidade é subsidiária, mas em relação à LACP (art. 21),

apl icabilidade é integrada.

Considerando que o CDC adotou critério tripartido sobre o objeto material do

processo coletivo (art. 81, .parágrafo único), convém consignar que, para os direitos

ou interesses coletivos ou difusos, respectivamente definidos nos incisos I e II ldo

parágrafo único do art. 81 do CDC, a ação coletiva prevista segue as disposições

processuais previstas na LACP, com a aplicabilidade, no que couber, das disposições

constantes do Título III do CDC e do CPC. Para a ação coletiva que visa à tutela dos

direitos ou interes-individuais homogêneos, o CDC reservou o Capítulo II do Título III,

que é a denominada ação coletiva de responsabilidade pelos danos individualmente

sofridos (art. 91). Portanto, para essa espécie de tutela coletiva, as disposições

processuais a serem observadas estão ^vistas no arts. 91 ut 100 do CDC, com a

aplicabilidade, no que louber, das disposições processuais dos outros capítulos do

Título III do CDC, da LACP e do CPC.

6.3.4 Ação Popular

Segundo GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA, “por ter como legitimado ativo o

próprio cidadão e por decorrer de seu direito político de participação, a Ação

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123Popular é a mais legítima das ações coletivas pertencentes ao direito processual

coletivo comum”. 141

A ação popular como garantia constitucional fundamental está especialmente

direcionada para a tutela dos direitos difusos. Como garantia constitucional

fundamental, encontra-se consagrada no art. 5º, LXXIII, da CF que estabelece:

"qualquer cidadadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato

lesivo ao património público ou de entidade de que o Estado participe, à

moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao património histórico e cultural,

ficando o autor, salvo comprovada ma-te, isento de custas judiciais e do ónus da

sucumbência".

A ação popular, na forma em que se encontra consagrada no sistema

constitucional brasileiro, equivale a um verdadeiro remédio colocado à disposição de

qualquer cidadão para a defesa de direitos difusos fundamentais. Por intermédio

desse remédio político-constitucional, o cidadão age investido de legitimidade para o

exercício de um poder de natureza essencialmente política. Constitui esse seu agir,

cono explica José Afonso da Silva, expressão direta da soberania popular

consagrada no art. 1º, parágrafo único, da Constituição, quando estabelece que: "todo

poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou

diretamente, nos termos desta ' onstituição". Assim, é um nobre direito constitucional

de participação política e ao mesmo tempo uma garantia constitucional fundamental

que vai ao encontro da concepção Estado Democrático de Direito brasileiro142.

A ação popular tem origem no direito romano. Na época não era ainda

concebida a personalidade jurídica do Estado, razão pela qual a concepção era de

que os bens públicos pertenciam a Itdos os cidadãos romanos. Com efeito, existia

um extenso rol de .ações populares, porém a sua maioria era de ações populares de

141 Op. Cit., p. 155

142 José Afonso da Silva ainda acrescenta: "Revela-se como uma forma de participação do cidadão na vida pública, no exercício de uma função que lhepertence primeriamente. Ela dá a oprotuinidade. de o cidadão exercer diretamente a função fiscalizadora, que, por regra, é feita por meio de seus representantes nas Casas Legislativas, Curso de direito constitucional positivo, Ed. Malheiros, São Paulo, 1992., p. 404).

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124natureza penal. Contudo, no direito intermédio houve uma mitigação muito grande

da ação popular, principalmente em decorrência da cride pela qual passou na Idade

Média o poder político, que foi muito preisionado pelos setores privados, representados

essencialmente pela Igreja e pelos senhores feudais. Na Idade Moderna, em

decorrência do absolutismo, a ação popular continuou adormecida, sem perspectiva

de se revigorar. Todavia, com a implantação do Estado de Direito e do Regime

Democrático na Idade Contemporânea, a ação popular ressurgiu com uma nova e

moderna fisionomia: é hoje garantia constitucional essencial para a democracia,

concebida como direito político de participação popular e também como garantia ins-

trumental preventiva e corretiva dos atos da administração pública.

No direito brasileiro, observa-se que a primeira Constituição a consagrar a

ação popular foi a de 1934. E certo que a Carta Imperial de 1824 trazia em seu art. 157

uma espécie de ação popular, mas de natureza penal. Contudo, a Carta outorgada de

1937, como resultado do autoritarismo implantado, suprimiu do sistema constitucional

brasileiro a ação popular, que veio a ressurgir no Brasil com a Constituição

Democrática de 1946. Em 29 de junho de 1965 foi publicada a Lei n. 4.717, que

passou a regulamentar a ação popular e está até hoje em vigor. A Constituição de

1967 e a Constituição emendada de 1969 mantiveram a ação popular. Na atual

Constituição Federal, o objeto da ação popular foi ampliado. É o que se extrai da

redação, já transcrita acima, do art. 5º, LXXIII.

A atual Carta magna, com texto analítico, apliou muito o objeto ação popular,

o que representa um grande avanço ao sistema das garantias constitucionais

democráticas. Hoje, pela redação do art. 52, LXXIII, da CF, poderão também ser

tutelados pela via constitucional da ação popular: a moralidade administrativa c o

meio ambiente.

De ressaltar também a interpretação constitucional sobre a matéria feita por

ELIVAL DA SILVA RAMOS :

"A Constituição de 1988 inovou, outrossim, ao contemplar ação popular

eleitoral, voltada à impugnação de mandado eletivo obtido por meio de

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125abuso do poder económico, corrupção ou fraude (§§10 e 11 do art. 14 da

CF). Embora o Texto Magno silencie no tocante à legitimação ativa,

pensamos que cabe ao Ministério Público Eleitoral e, concomitantemente, a

qualquer cidadão ou partido político, o 11 ue a caracteriza como uma ação

popular corretiva e subsidiária de natureza eleitoral".143

Dentro do novo texto constitucional, o assunto mais polêmico que se refere à

ação popular e merece neste trabalho, mesmo ( mesmo de modo bem objetivo,

atenção especial, reside no elemento moralidade administrativa, que poderá

também ser objeto de ação popular. Discute-se muito se seria necessária a

presença, além da imoralidade, da ilegalidade, ou se a imoralidade deveria ser

vista como um elemento autônomo e, portanto, suficiente, por si só, para o cabimento

da ação popular. Dentre outros, José Carlos Barbosa Moreira sustenta que, mesmo

diante da nova redação do texto cons-lilucional, ainda é imprescindível alegar vício

de ilegalidade, sob pena de se cair em um "subjetivismo total", dando margens a

aventuras judiciais indesejadas. José Afonso da Silva após afirmar que a oralidade,

consoante preceitua o art. 37 da CF, é definida como um dos princípios da

administração pública, sustenta que é possível a lei ser cumprida moral ou

imoralmente e esclarece que uma lei pode ser executada com o intuito de prejudicar

alguém ou com o intuito de beneficiar alguém; nessas hipóteses estar-se-á praticando

um ato formalmente legal, mas comprometido materialmente com a moralidade

administrativa.

Nesse mesmo diapasão, posiciona-se RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO:

"A 'moralidade administrativa' como causa autônoma — Presente a

ampliação do objeto da ação popular, a partir do novo conceito inserto no art. 5º,

LXXIII, da Constituição Federal, impende destacar um aspecto muito

importante: se a causa da ação popular for um ato que o autor reputa

ofensivo à moralidade administrativa, sem outra conotação de palpável lesão

143 Elival da Silva Ramos, Ação popular como instrumento de participação política, RT, São Paulo, 1991, p. 129

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126ao erário, cremos que em princípio a ação poderá vir a ser acolhida, em

restando provada tal pretensão, porque a atual CF erigiu a 'moralidade

administrativa' em fundamento autónomo para a ação popular (...)"144.

Considera-se que razão assiste a esses dois últimos autores. O desejo do

constituinte foi justamente esse, ou seja, possibilitar, por intermédio de ação

popular, a tutela da moralidade administrativa de forma autônoma. A moralidade é

modernamente um dos elementos fundamentais com que deve agir o administrador

público, uma vez que é por seu intermédio que se separa o justo do injusto, o ho-

nesto do desonesto.

Não se pode esquecer que a ação popular, assim como o mandado de

segurança e o mandado de injunção, tem dignidade constitucional de garantia

constitucional fundamental e é instrumento de tutela dos direitos primaciais da

sociedade, razões pelas quais não é compatível interpretação restritiva a seu

respeito.

Além da moralidade administrativa, o constituinte também inovou ao

possibilitar a tutela do meio ambiente também por intermédio da ação popular,

denominada pela doutrina ação popular ambiental. O meio ambiente é espécie de

direito difuso por excelência e é decorrência do direito à própria vida. Diz o texto

constitucional no art. 225: "Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,

impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo

para as presentes e futuras gerações". Nesse aspecto, o legislador constituinte de

1988 foi muito feliz ao permitir a tutela do meio ambiente como direito difuso

fundamental pelo cidadão.

144 Ação popular, p.89

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127Também como espécies de direitos difusos por excelência, o património

histórico e o cultural poderão ser tutelados pelo cidadão pela via da ação popular, o

que já admitia a legislação anterior (Lei n. 4.717/65, art. 1a, § 1º)

Somente poderá propor ação popular o cidadão. Mas que cidadão?

Prevalece o entendimento que basta a cidadania mínima, consistente simplesmente

na capacidade de votar. Todavia, o art. 5º, LXXIII, da CF não traz essa restrição. Con-

siderando que a ação popular é consagrada constitucionalmente como garantia

fundamental, não é compatível que se faça interpretação restritiva em torno da

concepção de cidadão. Assim, o § 3º do art. 1º da Lei n. 4.717/65, que restringe a

concepção de cidadão para efeitos de legitimidade ativa na ação popular, não foi

recepcionado pela Constituição atual. Com efeito, a concepção de cidadão, para fins

de ação popular, deve ser extraída do art. 1º, III, da CF, que consagra o princípio da

dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de

Direito. Portanto, o índio, o analfabeto que não se alistou, os que estejam com os

seus direitos políticos suspensos, etc., podem ajuizar ação popular.

A ação popular como garantia constitucional é uma verdadeira ação

coletiva, tanto que visa tutelar um direito transindividual (difuso). A coisa julgada

nela produzida também tem tratamento especial e eficácia erga omnes.

De se ressaltar que a ação popular não é uma ação excludente de outras

ações coletivas, como querem sustentar algumas vozes desavisadas da doutrina e

da jurisprudência. É ela espécie de ação coletiva concorrente com outras ações

coletivas, especialmente com a ação civil pública, para a tutela dos direitos difusos

elencados no art. 5º, LXXIII, da CF, os quais também poderão ser objeto de ação civil

pública por força do art. 129, III, da CF. Entendimento em sentido contrário inviabiliza

a utilização da ação civil pública para a tutela do meio ambiente, do erário e do

património histórico e cultural, o que seria um verdadeiro atentado contra o Estado

Democrático de Direito brasileiro.

Aponta a doutrina, ainda, que três são os elementos caracterizadores da

democracia e que se encontram presentes na ação popular: a) o Estado de Direito,

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128onde é natural a legalidade e o controle dos |atos administrativos pelo judiciário;

b) o Estado, com o seu patrimônio, voltado para a realização do povo; e c) a

participação popular na administração pública.

Apesar de a ação popular ser concebida como um magnífico instrumento da

democracia brasileira, a grande maioria da população ainda não tem noção dos seus

direitos fundamentais nem principalmente de sua cidadania e, portanto, de seu poder

de participação política e de correção dos atos administrativos. Essa grande proble-

mática política e social tem colocado a ação popular, no campo da pragmática, em

um segundo plano, pois ainda não é devidamente utilizada. Em muitos casos em

que ela é exercida, encontram-se em jogo manobras e brigas politiqueiras. Em um

futuro próximo, quem sabe o cidadão brasileiro, já consciente de seus direitos

políticos de participação na administração pública, possa fazer da ação popular o

remédio constitucional mais utilizado para prevenção e correção das ilegalidades e

imoralidades administrativas.

6.3.5. Dissídio coletivo

O dissídio coletivo está também consagrado na Constituição Federal, em seu

art. 114, que estabelece que é da competência da Justiça do Trabalho conciliar e

julgar os dissídios individuais e coletivos, e no seu § 2º, dispõe: "Recusando-se

qualquer das partes à negociação ou à arbitragem, é facultado aos respectivos

sindicatos ajuizar dissídio coletivo, podendo aJustiça do Trabalho estabelecer

normas e condições, respeitadas asdisposições convencionais e legais mínimas de

proteção ao trabalho".

O dissídio coletivo ingressou no ordenamento jurídico brasileiro, em 1943,

com a Consolidação das Leis do Trabalho, e está ainda previsto nesse diploma legal

(art. 856 usque art. 875). A partir daí essa espécie de ação coletiva teve previsão

em todas as Constituições, mesmo às vezes que de forma indireta. A Constituição

de 1946 dispunha em seu art. 123, § 2º: "A lei especificará os casos em que as

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129decisões, nos dissídios coletivos, poderão estabelecer normas e condições de

trabalho". A Constituição de 1967 e a Emenda Constituicional de 1969 o previam em

seu art. 142, § 1º: "A lei especificará os casos em que as decisões, nos dissídios

coletivos, poderão estabelecer normas e condições de trabalho".

A Constituição atual foi a que lhe deu maior amplitude, ao dispor que, por

intermédio do dissídio coletivo, a Justiça do Trabalho poderá estabelecer normas e

condições, desde que "respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas

de proteção ao trabalho" (art. 114, § 2º). Interpretando essa disposição

constitucional, escreve IVES GANDRA MARTINS FILHO que a Justiça do Trabalho

passou a ter poder normativo amplo e tem como limite a lei, a qual não pode contrariar.

Assim não pode fixar condições menos favoráveis contrariamente àquelas já

asseguradas legalmente ao trabalhador.

Quanto ao Objeto e natureza. O dissídio coletivo está inserido no direito

processual coletivo comum, pois sua finalidade é tutelar interesses coletivos dos

trabalhadores, e possibilitar que a Justiça do Trabalho, na sua apreciação, fixe

condições de trabalho não previstas em lei, tutelando-se, assim, interesses gerais e

abstratos.

Note-se que por intermédio do dissídio coletivo os tribunais trabalhistas, de

acordo com a respectiva esfera de competência, exercem poder normativo criando

comando normativo novo e têm como limite o que dispõe o art. 114, § 22, da CF.

Ives Gandra Martins Filho apresenta o seguinte conceito sobre esta espécie

de ação coletiva:

"(...) o dissídio coletivo constitui uma ação trabalhista da categoria (em

geral profissional contra a económica), visando o estabelecimento de novas

e mais benéficas condições de trabalho, como meio de se resolver o conflito

coletivo entre o capital e o trabalho, através do exercício do poder normativo

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130da Justiça do Trabalho (poder discricionário e legiferante, fundado na

conveniência e oportunidade de alterar as normas laborais vigentes)".145

O dissídio coletivo está inserido no direito processual coletivo comum, já que

visa tutelar abstratamente direitos e interesses coletivos dos trabalhadores.

Através dele e da denominada sentençanormativa, busca-se um comando

normativo novo. Esse comando normativo, que vige no plano da abstração caso não

seja observado espontaneamente, poderá ser efetivado jurisdicionalmente pela tutela

jurisdicional individual legalmente prevista para esse fim, qual seja, a ação de

cumprimento prevista no art. 872, parágrafo único, da CLT.

Entretanto, o dissídio coletivo é considerado uma ação coletiva de natureza

especialíssima seja pela sua finalidade, seja em decorrência da peculiaridade do

comando normativo dele emergente, seja pela sua aplicabilidade restrita à Justiça do

Trabalho, seja em razão da especialidade de seu procedimento, seja ainda pelos

seus pressupostos específicos de admissibilidade.

Portanto, assim como a maioria das outras espécies de ações coletivas, o

Dissídio Coletivo tem abrigo constitucional e está inserido no que se denomina no

presente trabalho de direito processual coletivo.

Por essa espécie de ação coletiva podem ser tutelados direitos ou interesses

difusos, direitos ou interesses coletivos e direitos ou interesses individuais

homogêneos; não há, nesse sentido, desde que se trate de matéria trabalhista,

qualquer restrição constitucional. Todavia, o Dissídio Coletivo, seja pelo seu escopo,

que é estabelecer comando normativo abstrato, de incidência transindividual, por

intermédio de sentença normativa, seja em decorrência de seus requisitos especiais

de admissibilidade processual, diferencia-se de todas as outras ações coletivas, tanto

que a doutrina, em razão de seus pressupostos específicos, o considera como

uma ação coletiva especialíssima.

145 Ives Gandra Martins Filho, Processo coletivo do trabalho, 2ª ed. , LTr, São Paulo, 1996,p. 42.

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131Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e

criminal, por danos causados ao meio ambiente".

6.5 Objeto do Direito Processual Coletivo Comum

Para a devida compreensão do direito processual coletivo, como ficou

demonstrado nas considerações iniciais do presente trabalho, é de fundamental

importância a fixação de seu objeto material, aferindo-se daí o seu alcance e o seu

verdadeiro sentido.

Já foi ressaltado que o direito processual coletivo se biparte em direito

processual coletivo comum, que se destina à tutela de direitos coletivos lesados ou

ameaçados de lesão em decorrência de conflitos coletivos existentes no mundo da

concretude, e em direito processual coletivo especial, que se destina ao controle em

abstrato da constitucionalidade, cujo objeto de tutela é o interesse coletivo objetivo

legítimo.

Mais precisamente no campo do direito processual coletivo comum, a que

precisamente está voltado o núcleo deste trabalho, a importância na aferição do seu

objeto material se ressalta, tendo em vista que, no plano dos conflitos sociais, ou seja,

dos litígios propriamente ditos, a forma de tutela jurisdicional poderá ser coletiva (quando

está em jogo uma afirmação de direito coletivo em sentido lato) ou individual

(quando está em jogo afirmação de direito individual puro, decorrente do conflito

interindividual). Daí ser necessário definir e delimitar o objeto material do direito

processual coletivo comum, a fim de se distinguir a tutela jurisdicional pela via do

direito processual individual da tutela jurisdicional de direito processual coletivo

comum.

Ressalta-se que em determinadas hipóteses o direito coletivo l também

pode apresentar dimensão individual. Assim, considerando que os direitos difusos o

objeto é indivisível, pode ocorrer que a violação dese direito venha a atingir,

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132particularmente, também o indivíduo. A Constituição Federal garante que "a lei não

excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito" (art. 5º ,

XXXV). Assim .o indivíduo atingido em sua esfera particular poderá vir a juízo), v. g.,

para pedir que determinada fábrica tome as medidas necessárias para não mais jogar

resíduos contamináveis em um terreno ao lado de sua residência, o que lhe estava

causando doença respiratória e intranquilidade pelo mau cheiro. A procedência de

seu pedido acaba por tutelar, no mundo dos fatos, por via reflexa um interesse ou

direito difuso pertencente a uma comunidade sous indeterminadas, que tem "direito ao

meio ambiente ecologicamente equilibrado" (art. 225 da CF). Nessas hipóteses, a tutela

Indlvidual é potencializada, pois tem o condão de produzir efeitos reflexos no mundo

dos fatos, de sorte a beneficiar uma comunidade de pessoas titulares desses

direitos difusos fática e juridicamente indivisíveis. Contudo, nem por isso estar-se-

ia diante de uma espécie de tutela jurisdicional coletiva.

Com o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078, de 11/9 /990), houve

a divisão e a conceituação precisa dos direitos ou interesses transindividuais ou

metaindividuais em duas categorias: os difusos e os coletivos. Foi criada ainda

uma terceira categoria, denominada direitos ou interesses individuais homogêneos

(art. 81, parágrafo único, I, II e III, do CDC).

GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA, comentando o assunto, assim explicita

a questão envolvendo os interesses – ou direitos - coletivos sob ótica em

comento

“KAZUO WATANABE, um dos autores do anteprojeto do CDC, ao

comentar o art. 81, perág. único, esclarece que o legislador preferiu definir os

direitos ou interesses coletivos, para evitar o retardamento da efetiva tutela de

tais direitos, que poderia ocorrer em razão de dúvidas e discussões

doutrinárias a respeito do assunto. Faz acrescentar, ainda, Watanabe que os

termos intereses e direitos foram utilizados como sinônimos, já que, a partir do

instante em que os interesses passam a ser amparados pelo Direito, acabam

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133por assumir o mesmo status de direitos. Portanto, não resta razão prática ou

mesmo teórica para a diferenciação ontológica entre eles.

(...) esclarece Kazuo Watanabe, sustentando que a concepção de

direito subjetivo sempre foi vinculada a um titular determinado ou pelo menos

determinável, o que impediu por muito tempo que os interesses de toda uma

coletividade e de cada um dos seus membros pudessem ser concebidos

como juridicamente protegíveis. Era justamente a estreiteza da concepção

tradicional de direito subjetivo, vinculada ao indivíduo (concepção liberal

individualista), que impedia a tutela jurisdicional desses interesses

massificados, hoje concebidos também como direitos subjetivos em sentido

amplo. Continua o mencionado processualista:

‘Com o tempo, a distinção doutrinária entre 'interesses simples' e

'interesses legítimos' permitiu um pequeno avanço, com a outorga de

tutela jurídica a estes últimos. Hoje, com a concepção mais larga do direito

subjetivo, abrangente também do que outrora se tinha como mero 'interesse'

na ótica individualista então predominante, ampliou-se o espectro de tutela

jurídica e jurisdicional. Agora, é a própria Constituição Federal que,

seguindo a evolução da doutrina e da jusrisprudência, usa dos termos

‘interesses’ (art. 5º, LXX, b), ‘direitos e interesses coletivos’(art. 129, n III),

como categorias amparadas pelo Direito. Essa evolução é reforçada, no

plano doutrinário, pela tendência hoje bastante acentuada de se interpretar

as disposições constitucionais, na medida do possível, como atributivas

de direitos, e não como meras metas programáticas ou enunciações de

princípios(...)’ “ 146

Portanto, na definição HUGO NIGRO MAZZILLI, interesses ou direitos

difusos são:

146 Op. cit., págs. 486 e 487.

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134Difusos — como os conceitua o CDC — são interesses ou

direitos "transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares

pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato". Os

interesses difusos compreendem grupos menos determinados de

pessoas (melhor do que pessoas indeterminadas, são antes pessoas

indetermináveis), entre as quais inexíste vínculo jurídico ou fático

preciso. São como um feixe ou conjunto de interesses individuais, de

objeto indivisível, compartilhados por pessoas indetermináveis, que

se encontram unidas por circunstâncias de fato conexas”.147

No mesmo sentido, esclarece a respeito de interesses coletivos:

“Em sentido lato, ou seja, de maneira mais abrangente, a

expressão interesses coletivos refere-se a interesses transindividuais,

de grupos, classes ou categorias de pessoas. Nessa acepção larga é

que a Constituição se referiu a direitos coletivos em seu Título II, ou a

interesses coletivos, em seu art. 129, III; ainda nesse sentido é que o

próprio CDC disciplina a ação coletiva, que se presta não só à defesa de

direitos coletivos stricto sensu, mas também à defesa de direitos e

interesses difusos e individuais homogéneos”148.

Ao mesmo tempo em que se admite esse conceito amplo de

interesses coletivos, o CDC, entretanto, introduziu também um conceito

mais restrito de interesses coletivos. Coletivos, em sentido estrito, são

interesses transindividuais indivisíveis de um grupo determinado ou

determinável de pessoas, reunidas por uma relação jurídica básica

comum.

Prossegue o festejado Mestre, quanto aos direitos individuais

homogêneos: 147 Hugo Nigro mazzilli, A Defesa dos interesses difusos em juízo, Saraiva, 18ª edição, 2005, p. 50. 148 Op., cit. p. 52.

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135

“ Para o CDC, intersses individuais homogê neos são aqueles

de grupo, categoria ou classe de pessoas determinadas ou

determináveis, que compartilhem prejuízos divisíveis, de origem

comum, normalmente oriundos das mesmas circunstâncias de fato.

Em sentido lato, os interesses individuais homogêneos não

deixam de ser intewresses coletivos.

Tanto os interesses individuais homogéneos como os difusos

originam-se de circunstâncias de fato comuns; entretanto, são

indetermináveis os titulares de interesses difusos, e o objeto de seu

interesse é indivisível; já nos interesses individuais homogéneos, os

titulares são determinados ou determináveis, e o objeto da pretensão é

divisível (isto é, o dano ou a responsabilidade se caracterizam por sua

extensão divisível ou individualmente variável entre os integrantes do

grupo)”149.

Como contribuição ao estudo do tema, abaixo reproduzimos quadro

sinótico, criado por HUGO NIGRO MAZZILLI, molde a identificarmos melhor as

diferenças entre cada uma das espécies de direitos ou interesses em torno dos

quais gravita o objeto do direito processual coletivo comum .

149 Op. Cit., p. 53-54

Interesses Grupo Objeto Origem

Difusos indeterminável indivisível situação de fato

Coletivos determinável indivisível relação jurídica

Ind. Homog. determinável divisível origem comum

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136“Na verdade, o quadro sinótico acima apenas enfatiza que: a)

nos interesses difusos, o liame ou nexo que agrega o grupo está

essencialmente concentrado numa situação de fato compartilhada de

forma indivisível, por um grupo indeterminável; b) nos interesses

coletivos, o que une o grupo é uma relação jurídica básica comum, que

deverá ser solucionada de maneira uniforme e indivisível para todos

seus integrantes; c) nos interesses individuais homogêneos, há sim

uma origem comum para a lesão, fundada tanto na situação de fato

compartilhada pelos integrantes do grupo, como na mesma relação

jurídica que a todos envolva, mas, o que lhes dá a característica e

inconfundível, é que o proveito pretendido pelos integrantes do grupo

é perfeitamente divisível entre os lesados”.150

6.6 Princípios do Direito Processual Coletivo Comum

No sentido vulgar da expressão, o vocábulo princípio significa a origem, o

começo151, ou seja, o nascedouro. De Plácido e Silva, nesse mesmo sentido, afirma

“que princípio deriva do latim principium” e, em sentido vulgar, exprime o começo da

vida ou o primeiro instante em que pessoas ou coisas começam a existir152.

Aurélio Buarque de Holanda Ferreira demonstra o sentido plúrimo do

termo princípio, apresentando-o como: origem; começo; preceito, no sentido de

regra, de lei, e também como proposição, que se põe no início de uma dedução, e

que não é deduzida de nenhuma outra dentro do sistema considerado153.

No campo do direito, explica De Plácido e Silva que princípio tem significado

de norma elementar ou preceito primordial instituído como base, como alicerce de

alguma coisa. Nessa concepção, os princípios exprimem sentido mais importante que

150 Op. cit., p. 55.151 Maria Helena Diniz, Dicionário jurídico, v.3, p. 717152 Vocabulário jurídico, v. 3 e 4, p. 447153 Novo dicionário da língua portuguesa, p. 1393

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137as regras jurídicas e significam pontos básicos que constituem o próprio alicerce do

direito. Ainda conclui o autor citado:

"E, nesta acepção, não se compreendem somente os fundamentos

jurídicos, legalmente instituídos, mas todo axioma jurídico derivado da cultura

jurídica universal. Compreendem, pois, os fundamentos da Ciência Jurídica,

onde se firmaram as normas originárias ou as leis científicas do Direito, que

traçam as noções em que se estrutura o próprio Direito.

Assim, nem sempre os princípios se inscrevem nas leis. Mas,

servem de base ao Direito, são tidos como preceitos fundamentais para a

prática do Direito e proteção aos direitos".154

PAULO FERREIRA DA CUNHA sustenta que os princípios no campo do direito

podem se apresentar de duas formas distintas: de um lado, como decantações

dogmáticas, generalizações feitas pela doutrina apartir de normas; de outro, seriam

grandes idéias-força carregadas de juridicidade, que estão encarnadas sob diferentes

formas em regras concretas.."155

KARL LARENZ escreve que os princípios jurídicos não têm o caráter de regras

concebidas de forma muito geral. Em grau muito elevado, o princípio não contém

nenhuma especificação de previsão e conceqüência jurídica, mas só uma idéia

jurídica geral, pela qual se orienta a concretização ulterior, como por um fio condutor.

Aponta o autor como exemplo o Princípio do Estado de Direito, o princípio da Dignidade

da Pessoa Humana, dentre outros.156

LARENZ também divide o sentido de princípios. De um lado estariam os

princípios como forma de proposição jurídica, que seriam os princípios jurídicos

condensados, de forma expressa ou implícita, numa regra imediatamente aplicável.

154 Vocabulário jurídico, p. 447155 Sustenta ainda o citado autor que os princípios de índole dogmática, doutrinal, só tem interesse para efeitos de organização metodológica, sistematização e importância didática (Princípios de direito, p. 314)156 Metodologia da Ciência do Direito, p. 674

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138Do outro, os princípios denominados por ele de princípios abertos, os quais não

têm caráter de norma. Todavia, o citado jurista alemão adverte:

"(...) A distinção não deve, porém, ser entendida no sentido de una

separação rígida; as fronteiras entre os princípios 'abertos' e os pimcípios

'com forma de proposição jurídica' é antes fluida. Não pode indicar-se com

exatidão o ponto a partir do qual o princípio está tão amplamente

concretizado que pode ser considerado como princípio com a forma de

proposição jurídica”.

É no campo do direito constitucional que a visão de princípio mais tem se

desenvolvido nos últimos tempos, principalmente para dar sentido aos preceitos

constitucionais pertinentes ao Estado Democrático de Direito, como os relacionados

com a igualdade, dignidade da pessoa humana, liberdade etc.

Nesse sentido, Maria Helena Diniz afirma que, “no plano do direito

constitucional, princípio seria a norma implícita ou explícita que determina as

diretrizes fundamentais dos preceitos da Carta Magna e influencia sua

interpretação”.157

Dada a atual relevância do direito constitucional e da própria interpretação

constitucional nos outros ramos do direito, passa a ser de extrema importância a

compreensão dos princípios constitucionais, principalmente aqueles que devem servir

de parâmetro para a solução das questões jurídicas pertinentes ao direito processual

coletivo, como ramo fundamental do direito processual para a efetividade dos direitos

coletivos primaciais da sociedade.

RUY SAMUEL ESPÍNDOLA faz o seguinte esclarecimento quanto às funções dos

princípios constitucionais::

157 Dicionário jurídico, v 3, p.717

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139"Os princípios constitucionais além de servirem como parâmetro para

solução de problemas jurídicos que exijam a sua aplicação normativa, ainda

funcionam como critérios interpretativos para solução de outros casos, que não

lhes solicitem, diretamente, aplicação jurídica. Esses casos podem ter em mira

tanto normas constitucionais quanto infraconstitucionais. Ou seja, os princípios

constitucionais, além de desempenharem a função de normas com diferentes

graus de concretização, ainda funcionam como critério para interpretação de

outas normas, não importando o nível hierárquico normativo dessas.”158

WILLIS SANTIAGO GUERRA FILHO, fazendo referência aos estudos de Canotilho,

apresenta a classificação dos princípios constitucionais da seguinte forma:

“a) princípios fundamentais estruturantes, nos quais estão inseridos o

Princípio do Estado de Direito e o Princípio Democrático, este o mais

importante; b) princípios fundamentais gerais, dentre os quais se destaca o

Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, como núcleo fundamental dos

direitos humanos; c )princípios constitucionais especiais, que abrangem todos os

outros princípios previstos na Constituição, como o do devido processo legal, o do

contraditório etc.; e d) princípios constitucionais — simples regras, que se com-

põem do conjunto de regras jurídicas constitucionais fundamentadas nos

princípios e vinculadas com o mundo da casuística. Os princípios processuais

previstos na Constituição, portanto, estariam inseridos nos princípios

constitucionais especiais”. 159

WlILLIS explica também que os “princípios são generalizantes e relativos,

contendo valores que dão validade e eficácia às regras no plano da concretude”. 160

No tange ao direito processual, princípio seria a diretriz que orienta, de uma

forma ou de outra, a atividade jurisdicional.

158 Ruy Samuel Espíndola, Conceito de princípios constitucionais, Apresentação de J.J. Gomes Canotilho, São Paulo, 1999, RT.159 Willis Santiago Guerra Filho, Processo constitucional e direitos fundamentais, Ed. Celso Bastos, São Paulo, 1999. p. 47.160 Idem, Op. Cit., p. 54.

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140

De regra, o campo de aplicabilidade de um princípio processual é amplo;

todavia, em alguns casos é mais restrito. O certo é que em todos os outros ramos

do direito os princípios desempenham papel fundamental no direito processual ,

principalmente os que recebem abrigo constitucional.

Nelson Nery explica que prestigiosa doutrina do século passado, quando se

passava da fase da recepção do direito romano para a das codificações, acabou

construindo e equacionando o problema dos princípios no direito processual; para

tanto, os dividiu em princípios informativos e, princípios fundamentais.161

Nesse sentido GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA:

“Os princípios informativos seriam princípios universais sem

conotação ideológica, considerados axiomas, que visam inspirar o

desenvolvimento e a efetividade de todos os sistemas processuais existentes.

Seriam eles: a) o lógico, que seria a busca de meios e medidas mais

eficazes para descobrir a verdade e evitar o erro; b) o jurídico, que significa

a garantia da igualdade no processo e ao mesmo tempo a justiça na decisão;

c) o político, que visa inspirar o máximo de garantia social, com o mínimo

possível de sacrifício ou violação da liberdade; e d) o econômico, que visa

inspirar o aperfeiçoamento do sistema, para que o processo se torne mais

acessível a todos, diminuindo o seu custo e o prazo de sua duração'”.

“ Os princípios fundamentais são os que o sistema jurídico abrigou,

expressa ou implicitamente, considerando, para isso, aspectos políticos e

ideológicos. Ada Pellegrini, António Carlos Araújo Cintra e Dinamarco manifestam

que: "A experiência jurídica, segundo conhecidíssimo pensamento

161 Princípios Fundamentais – teoria geral dos recursos, 5ª. ed. RT, São Paulo, 2000, p. 277

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141jurisfilosófico, pode ser estudada por três aspectos: norma, valor e fato. Sob o

ângulo da norma, constrói-se a epistemologia (ciência do positivo), à qual

pertence a dogmática jurídica, que estuda o direito como ordem normativa. Os

valores éticos do direito são objeto da deontologia jurídica. O fato é estudado

pela culturologia. Alguns dos princípios gerais do direito processual colocam-se

entre a epistemologia e a deontologia, entre a norma e o valor ético, no miminar

de ambos”.162

Todos os princípios constitucionais processuais têm aplicabilidade no direito

processual coletivo comum. Dentre eles, destaca-se fundamentalmente o princípio

do devido processo legal (art. 5B, LIV, da CF), em seu sentido substancial e

processual. No sentido processual, que mais interessa, observa-se que o devido

processo legal impõe a observância na tutela jurisdicional coletiva comum das re-

gras fundamentais sobre direito processual coletivo comum previstas no CDC e na

LACP, as quais, em decorrência da perfeita interação existente entre elas, constituem

hoje um microssistema integrado de normas básicas sobre o direito processual

coletivo comum (art. 21 da LACP e art. 90 do CDC). Com efeito, caso não sejam

observadas essas regras e se parta para a aplicabilidade das regras ortodoxas

liberais individualistas do processo civil clássico, haverá vício de invalidade

processual possível de sanção de nulidade absoluta do processo coletivo por

desrespeito ao princípio do devido processo legal.

Os princípios do contraditório e da ampla defesa também são

fundamentais no direito processual coletivo comum. Não obstante terem sido

criados vários instrumentos para dar maior efetifvidade aos direitos coletivos e

atender ao interesse social com o resultado consagrador da coisa julgada coletiva, não

existe propriamente mitigação desses princípios pelo sistema de tutela jurisdicional

coletiva adotado no Brasil.

Outros princípios têm idêntica aplicabilidade no direito processual coletivo

comum, como o princípio do juiz natural (art. 5º, XXXVII e LIII), o da.publicidade 162 Op. Cit, pág. 567.

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142dos atos processuais (arts. 5º, LX, e 93, IX, da CF), o da motivação das decisões

jurisdicionais (art. 93, IX, da CF), da inadmissibilidade das provas obtidas por

meios ilícitos (art. 5º, LVI, da CF).

Não se pode esquecer do princípio da ínafastabilidade das decisões judiciais,

que está estatuído no art. 5º, XXXV, da CF, o qual é concebido como garantia e

direito fundamental ao acesso à justiça.

Tal princípio constitui, no âmbito dos princípios e garantias constitucionais

processuais, o fundamento primário do direito processual coletivo comum. Ao

estabelecer que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou

ameaça a direito", não restringe a tutela jurisdicional aos direitos ou interesses

individuais, como na Constituição anterior, além de ser um dos suportes

constitucionais de fundamentação do direito processual coletivo comum e ins-

trumento de acesso à justiça para a tutela dos direitos coletivos.

Feito o estudo geral dos princípios, analisando-os, seja quanto à teoria geral

do direito, seja quanto ao direito constitucional, constatou-se que: a)

modernamente, os princípios jurídicos devem ser analisados e refletidos não mais

somente no plano da abstração, mas também em consonância com a realidade

social, na qual devem estar legitimados; b) o sistema constitucional brasileiro é

aberto e dinâmico por força do princípio democrático, que o inspira e dá

fundamentação ao direito processual coletivo como um novo ramo do direito

processual; c) existem princípios expressos e implícitos no ordenamento jurídico,

portanto cabe ao intérprete e ao aplicador do direito, com base principalmente no

princípio democrático, extrair do texto constitucional e dos infraconstitucionais essas

diretrizes principiológicas , que podem ser concebidas como regras de definição do

direito ou como normas interpretativas.

Cabe aqui algumas considerações sobre o que GREGÓRIO ASSAGRA DE

ALMEIDA chama de Princípio do interesse jurisdicional no conhecimento do mérito

do processo coletivo:

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143

“O Poder Judiciário no sistema constitucional atual exerce um papel

fundamental para a efetivação dos direitos e garantias fundamentais. Deixou,

assim, de ser órgão de resolução tão-só de conflitos interindividuais e passou

a assumir uma nova e legítima função: o de Poder transformador da

realidade social. Ele assim o faz no exercício da jurisdição coletiva. É por

essa via potencializada que o Poder Judiciário terá condições de cumprir, com

mais eficácia, o seu compromisso constitucional com o Estado Democrático de

Direito. É por essa via, portanto, que poderá dar efetividade às normas

constitucionais garantidoras dos direitos coletivos fundamentais básicos.

Tanto é verdade a assertiva acima, que o art. 5º, XXXV, da CF

estabelece que o Poder Judiciário é órgão de apreciação de qualquer espécie

de alegação de direito, individual ou coletivo. É por intermédio do direito

processual coletivo comum que o Poder Judiciário modernamente deve

cumprir o seu verdadeiro papel: enfrentar e julgar as grandes causas sociais,

como as relativas ao meio ambiente, patrimônio público, consumidor etc., a

fim de transformar a realidade social com justiça.

O princípio do interesse jurisdicional no conhecimento do mérito

do processo coletivo surge atrelado a essa nova função jurisdicional que

o Poder Judiciário deve assumir para ser respeitado política e socialmente.

Assim, como guardião dos direitos e garantias sociais fundamentais, o

Poder Judiciário, no Estado Democrático de Direito, tem interesse em

enfrentar o mérito do processo coletivo, de forma que possa cumprir seu mais

importante escopo: o de pacificar com justiça, na busca da efetivação dos

valores democráticos. Com efeito, o Poder Judiciário deve flexibilizar os

requisitos de admissibilidade processual, para enfrentar o mérito do processo

coletivo e legitimar sua função social.”163

163 Op. Cit. , p. 571-572

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144Outra construção do eminente Professor, em louvor à tese em comento, diz

respeito ao que apelidou de Princípio da máxima prioridade jurisdicional da tutela

jurisdicional coletiva, tendo assim se posicionado:

“O direito processual coletivo comum é instrumento de tutela dos

direitos coletivos fundamentais da sociedade. Por seu intermédio resolve-se

um grande conflito social e se evita a proliferação, não muito desejada, de

demandas individuais, bem como o surgimento de decisões conflitantes.

Portanto, sempre existirá interesse social na tutela jurisdicional

coletiva, razão pela qual, valendo-se da regra interpretativa do

sopesamento, conclui-se que os processos coletivos devem ser analizados

com a máxima prioridade, até porque o interesse social prevalece sobre o

individual.

O princípio da máxima prioridade da tutela jurisdicional coletiva é

conseqüência dessa supremacia do interesse social sobre o individual, e

também decorre do art. 5º § 1º, da CF, que determina a aplicabilidade imekdiata

das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais. O Poder Judiciário,

assim como os operadores do direito, deve atuar para priorizar a tramitação e o

julgamento do processo coletivo.

Essa prioridade já acontece em relação a outras formas de tutela

jurisdicional, como o habeas corpus e o habeas data. Não seria nem um

pouco razoável que o Poder Judiciário não desse prioridade às tutelas

jurisdicionais coletivas, pois é no julgamento desses conflitos coletivos que

ele terá o condão de dirimir, em um único processo, em uma única decisão,

um grande conflito coletivo ou vários conflitos individuais entrelaçados por

uma homogeneidade de fato ou de direito que justifique, seja por força de

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145economia processual, seja para evitar decisões conflitantes, a tutela

jurisdicional coletiva.”164

ASSAGRA DE ALMEIDA prossegue, desta feita comentando o que denominou de

Princípio da máxima efetividade do processo coletivo:

“O princípio da máxima efetividade do processo coletivo decorre da

necessidade de efetividade real do processo coletivo, não meramente

formal. Assim, o processo coletivo deve revestir-se de todos os

instrumentos necessários para que seja efetivo. Com efeito, é im-

prescindível que sejam realizadas todas as diligências para que se

alcance a verdade. O juiz deve, para esse fim, determinar a produção de

todas as provas pertinentes, a fim de que a tutela jurisdicional se esgote

de forma legítima.

O interesse social, sempre presente nas ações coletivas, impõe

essa efetividade do processo coletivo. Esse princípio está implícito no

art. 5º, XXXV, da CF, que garante o acesso à justiça; no mesmo art. 5fº, §

1º, ao determinar a aplicabilidade imediata das normas definidoras de

direitos e garantias fundamentais; e no art. 83 do CDC, em sua

combinação com o art. 21 da LACP. Com base nesse princípio, o

aplicador do direito deverá se valer de todos os instrumentos e meios

necessários e eficazes — decorrentes do princípio da máxima amplitude

da tutela jurisdicional coletiva — para que o processo coletivo seja

realmente efetivo. Impõe-se, assim, a observância do princípio do devido

processo legal; para tanto, devem ser seguidas as disposições gerais e

básicas sobre direito processual coletivo comum decorrentes da completa

interação existente entre o CDC e a LACP.”165

Outro princípio considerado pelo ilustre professor ASSAGRA DE ALMEIDA é

o da máxima amplitude da tutela jurisdicional coletiva comum, ou seja, “todos os

instrumentos processuais necessários e eficazes poderão ser utilizados na tutela

164 Op. cit., pág. 572-573165 Op. cit, pág. 574

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146jurisdicional coletiva. Com efeito, cabe ação de conhecimento, com todos os tipos

de provimentos (declaratório, condenatório, constitutivo ou mandamental), ação de

execução, em todas as suas espécies, ação cautelar e respectivas medidas de

efetividade pertinentes. Cabe inclusive a antecipação da tutela jurisdicional no

Processo Coletivo de Execução (art. 83 do CDC, c/c art. 21 da LACP e art. 66 da

Lei n. 8.884/94). Esse princípio decorre, do disposto no art. 83 do CDC, em

combinação com o art. 21 da LACP.”166

166 Op. Cit. p. 578

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147 CONCLUSÃO

"Refletindo as características da norma constitucional, para cuja atuação

concreta ela deve velar, a justiça constitucional, através de uma

interpretação acentuadamente discricionária (mas nem por isto arbitrária), se

faz jurisdição de equidade constitucional, confiada a um 'órgão soberano',

composto de juizes independentes e imparciais, voltados para a humanização

daquele absoluto, para a concretização daqueles supremos valores que,

encerrados e cristalizados nas fórmulas das Constituições, seriam fria e

estática irrealidade. A justiça constitucional expressa, em síntese, a própria

vida, a realidade dinâmica, o vir-a-ser das 'Leis Fundamentais'" (grifou-se).

Mauro Cappelletti167

O Estado Democrático de Direito diferencia-se fundamentalmente do Estado

Absolutista, em que este impunha as suas regras e não se submetia ao crivo

jurisdicional; do Estado Liberal de Direito, no qual, apesar de o Estado ter passado

a se submeter ao crivo jurisdicional, a concepção de direito e de conflito era traçada

nos moldes de uma filosofia individualista, a deixar de lado qualquer visão coletiva

sobre o direito e o processo; do Estado Social de Direito, que, apesar de se preocupar

com a prática de ações positivas no meio social, principalmente relacionadas com a

previdência social e direitos trabalhistas, não se preocupava com a transformação da

realidade social com justiça, que é o denominador comum e essencial do Estado

Democrático de Direito, cujo escopo principal, avançado em relação às outras formas

de Estado, é a transformação, com justiça, da realidade social, de forma a criar e a

desenvolver meios próprios e específicos de proteção e efetivação dos direitos e

interesses massificados fundamentais.

167 O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado, Trad,. Aroldo Plínio Gonçalves , Porto Alegre, Sérgio A.Fabris Editor, 1992.

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148A ideia do acesso à Justiça deve ser entendida em dois sentidos: primeiro

como um novo método de pensamento que, acima de tudo, se preocupa com as

pessoas e com a própria sociedade, valendo-se da norma como fundamentação

para a realização dos legítimos valores sociais; e segundo como um moderno plano

de reformas, que objetiva estruturar a atividade jurisdicional, especialmente a

coletiva, para o cumprimento do seu papel fundamental de pacificação social com

justiça, além de criar canais alternativos de solução da conflituosidade social e

desenvolver estudos e projetos para o aperfeiçoamento do instrumental processual

técnico existente.

O direito processual coletivo é um novo ramo do direito processual brasileiro, é

um instrumento fundamental de proteção e de efetivação do Estado Democrático de

Direito.

Como novo ramo do direito processual brasileiro, o direito processual coletivo

apresenta objeto e método próprios, dividindo-se, quanto ao objeto material, em

direito processual coletivo comum, que tem como objeto material a tutela de direito

coletivo lesado ou ameaçado de lesão em decorrência dos conflitos coletivos que

ocorrem no mundo da concretude — é a tutela de direito coletivo subjetivo —, e em

direito processual coletivo especial, que tem como objeto material o controle em

abstrato da constitucionalidade — é a tutela jurisdicional exclusivamente de direito

objetivo, mais precisamente de interesse coletivo objetivo legítimo.

O objeto formal do direito processual coletivo seria o conjunto de regras e

princípios processuais que disciplina e regulamenta a atividade jurisdicional coletiva,

o processo coletivo, a ação coletiva, a defesa no processo coletivo e a coisa julgada

coletiva como institutos estruturas fundamentais do direito processual coletivo.

O seu método não é mais simplesmente o técnico-jurídico, mas o pluralista,

que se constitui de vários elementos, como o social, o técnico-jurídico, o teleológico, o

histórico, o ético, o político, o económico e o sistemático. Todos acabam por constituir,

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149pela união necessária decorrente, o megaelemento justiça, escopo principal e

fundamental do direito processual coletivo como instrumento de proteção potencializada

do Estado Democrático de Direito e de transformação positiva da realidade social.

O direito processual coletivo brasileiro tem natureza e dignidade

constitucionais, tendo em vista que tanto o seu objeto formal quanto seu objeto

material têm, de alguma forma, dignidade constitucional. Mesmo que existam formas

de tutelas jurisdicionais coletivas ou direitos coletivos não previstos expressamente na

Constituição, eles terão dignidade constitucional por estar no espírito da Carta Magna, e

por força de disposição desse mesmo Diploma Maior não são excluídos (art. 5º, § 2º,

da CF).

O direito processual coletivo brasileiro tornou-se um novo ramo do direito

processual a partir da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que:

consagrou o Estado Democrático de Direito (art. 1º); estabeleceu, sem restrição, o

princípio da universalidade da jurisdição, de forma que agora o Poder Judiciário é órgão

de resolução também de conflitos coletivos (art. 5º, XXXV); conferiu dignidade

constitucional ao princípio da não-taxatividade da ação coletiva (art. 129, III, da CF); e

ainda muito evoluiu no controle concentrado da constitucionalidade, por estatuir

forma de lelgislação concorrente (art. 103 CF), criar a ação declaratória de

inconstitucionalidade por omissão (art. 103, parág. 2º, da CF) e a ação de arguição

de descumprimento de preceito constitucional fundamental (art. 102, parág. 1º, da

CF).

Na divisão de direito processual coletivo em comum e especial, existe, de um

lado, jurisdição coletiva especial, a cargo do STF e dos Tribunais dos Estados e do

Distrito Federal quanto ao controle concentrado da constitucionalidade, e, de outro, a

jurisdição coletiva comum, para o julgamento das lides coletivas ocorridas no mundo

da concretude e deduzidas jurisdicionalmente por alguma espécie de ação coletiva.

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150No Brasil, a Lei n. 4.717/65, que regulamentou o procedimento da ação

popular, ao traçar regras especiais sobre legitimidade, procedimento e coisa julgada,

pode ser apontada como o primeiro diploma brasileiro a dispor sobre direito

processual coletivo comum com algumas características semelhantes às

desenvolvidas modernamente no campo das tutelas jurisdicionais coletivas, em es-

pecial no que tange à coisa julgada coletiva. O dissídio coletivo da Justiça do

Trabalho, apesar de estar inserido nas variadas formas de tutelas jurisdicionais

coletivas, não obstante ter sido previsto e regulamentado já na CLT, que é de 1943,

portanto, antes da Lei da Ação Popular, não pode ser apontado como o primeiro

diploma que veio a traçar regras semelhantes às previstas nas variadas formas

modernas de tutelas jurisdicionais coletivas, pois sua finalidade — que é esta-

bdecer, por intermédio da sentença normativa de competência exclusiva dos

tribunais trabalhistas, comando normativo geral e abstra-to, com a criação de normas

e condições de trabalho não previstas e regulamentadas em lei — muito se

diferencia das outras formas de Uitelas jurisdicionais coletivas, tanto que é

concebido pela doutrina como uma forma especialíssima de tutela jurisdicional

coletiva.

A concepção moderna sobre a problemática do acesso à Justiça é fundamental

para o desenvolvimento das diretrizes do direito processual coletivo. A própria teoria

geral do direito somente tem sentido de ser estudada nos dias atuais, a partir de

uma concepção voltada para a efetivação dos direitos, especialmente dos coletivos.

0 direito processual coletivo comum brasileiro constitui um dos sistemas

jurisdicionais de tutela dos direitos coletivos mais avançados no mundo moderno;

está lado a lado com o sistema norte-americano, de história bem menos recente

que o brasileiro.

Antes da LACP/85, não havia como falar em direito processual coletivo comum

no Brasil. Foi a partir de sua vigência que começou a ser verdadeiramente

desenvolvida a ideia de tutela jurisdicional coletiva, que se consagrou com o

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151advento da Constituição Federal de 1988 e com a entrada em vigor do CDC/90, que

criou um microssistema próprio, estatuindo normas de superdireito processual

coletivo comum.

0 direito individual puro não pode ser isoladamente objeto do direito processual

coletivo comum, e a legitimação coletiva atíva, como ocorre, v.g., em relação ao

mandado de segurança impetrado por um partido político em favor de um filiado seu

(art. 5°, XXI e LXX, a, da CF), por si só não faz com que a respectiva tutela jurisdicional

pleiteada seja inserida no campo do direito processual coletivo comum.

Para a aferição do que seja direito ou interesse coletivo é imprescindível

guiar-se pela orientação traçada pelo legislador, que, ao estabelecer no art. 81,

parágrafo único, do CDC o conceito tripartido sobre direito ou interesse coletivo,

criou regra legal de superdireito coletivo, aplicável, até mesmo por disposição

expressa Ia lei (art. 21 da LACP), a todos os questionamentos sobre a concepçãoi de

direitos ou interesses coletivos deduzidos na casuística jurisdicional, além de

servir de paradigma até mesmo para o direito processual coletivo especial.

O processo coletivo de conhecimento é aquele que visa reconhecer a

alegação de direito coletivo, ao passo que o processo coletivo de execução é

aquele destinado a dar efetividade ao direito coletivo já reconhecido em um

título executivo judicial ou extrajudicial. O processo coletivo cautelar é o que visa

assegurar a viabilidade de um direito coletivo que ainda esteja pendente de reco-

nhecimento, mas com boa aparência de existência, ou para assegurar a efetividade

de um direito coletivo já reconhecido judicial ou extrajudicialmente.

A legitimidade ativa no direito processual coletivo comum não pode ser

explicada por intermédio da concepção clássica que divide a legitimidade em

ordinária e extraordinária, consoante foi concebido pelo CPC brasileiro (art. 6º). É

mais apropriado falar, conforme ensinamentos da doutrina moderna, colhidos na

doutrina alemã, em legitimação autónoma para a condução do processo. Essa

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152espécie de legitimidade se aplica a todas as formas de tutela jurisdicional

coletiva, inclusive as que visam a proteção de direitos ou interesses individuais

homogéneos, tendo em vista que a tutela jurisdicional, pela forma coletiva como é

tratada essa espécie de litígio, também não se compatibiliza com a legitimidade

extraordinária.

A teoria geral do processo coletivo constituria , nessa perspectiva, a

sistematização teórica dos conceitos e princípios que envolvem os institutos

fundamentais do direito processual no campo do direito processual coletivo,

adequando-os ao sentido substancial de Estado Democrático de Direito e, por

conseguinte, ao papel moderno da justiça na proteção e na efetivação dos direitos e

garantias coletivos fundamentais.

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Enciclopédia Jurídica Soibelman

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição: UNIVERSIDADE CÃNDIDO MENDES – PROJETO A

VEZ DO MESTRE

Título da Monografia: ACESSO À JUSTIÇA E SEUS DESDOBRAMENTOS –

PAVIMENTAÇÃO PARA O RECONHECIMENTO DO DIREITO

PROCESSUAL COLETIVO

Autor: HERALDO CARVALHO DA SILVEIRA

Data da entrega: 26/01/2006

Avaliado por: Conceito: