19
CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | ISSN 2184-0776 | Nº 26 | dezembro de 2015 1 DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACIA DEZEMBRO 2015 26 O ADN E A SUA RELEVÂNCIA NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL Fernando Viana Da Cruz Cardoso Colaço Mestrando em Direito e Segurança RESUMO O presente trabalho tem como propósito abordar de uma forma sintética e objetiva a perícia do ADN no âmbito da investigação criminal. A investigação criminal encontrou no ADN um recurso poderoso de combate ao crime, mormente na área forense da identificação criminal. Apesar de este método ter sido utilizado durante largos anos, só em 2008 o legislador português aprovou a criação de uma base de dados de perfis de ADN para fins de identificação civil e criminal através da Lei nº 5/2008 de 12 de fevereiro publicada no DR, 1ª Série, nº 30, que posteriormente foi alterada pela Lei nº 40/2013 de 25 de junho, publicada no DR, 1ª Série, nº 120. Seria desejável que a lei que regulamenta a recolha, preservação e criação de base de dados do ADN tivesse a eficiência necessária para responder aos atuais desafios com que que se depara a investigação criminal, tornando mais fácil a sua utilização pelos órgãos de polícia criminal, como sucede atualmente com a resenha e a fotografia. Verifica-se, contudo, que a regulamentação aprovada não permite alcançar a eficiência desejada na investigação criminal, como procuraremos demonstrar, de forma resumida, com este trabalho.

O ADN E A SUA RELEVÂNCIA NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL...RESUMO O presente trabalho tem como propósito abordar de uma forma sintética e objetiva a perícia do ADN no âmbito da investigação

  • Upload
    others

  • View
    0

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: O ADN E A SUA RELEVÂNCIA NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL...RESUMO O presente trabalho tem como propósito abordar de uma forma sintética e objetiva a perícia do ADN no âmbito da investigação

CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | ISSN 2184-0776 | Nº 26 | dezembro de 2015

1

DIREITO, SEGURANÇA E

DEMOCRACIA

DEZEMBRO

2015

Nº 26

O ADN E A SUA RELEVÂNCIA NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL Fernando Viana Da Cruz Cardoso Colaço Mestrando em Direito e Segurança RESUMO

O presente trabalho tem como propósito abordar de uma forma sintética e objetiva a

perícia do ADN no âmbito da investigação criminal.

A investigação criminal encontrou no ADN um recurso poderoso de combate ao

crime, mormente na área forense da identificação criminal. Apesar de este método ter

sido utilizado durante largos anos, só em 2008 o legislador português aprovou a criação

de uma base de dados de perfis de ADN para fins de identificação civil e criminal através

da Lei nº 5/2008 de 12 de fevereiro publicada no DR, 1ª Série, nº 30, que posteriormente

foi alterada pela Lei nº 40/2013 de 25 de junho, publicada no DR, 1ª Série, nº 120.

Seria desejável que a lei que regulamenta a recolha, preservação e criação de base

de dados do ADN tivesse a eficiência necessária para responder aos atuais desafios com

que que se depara a investigação criminal, tornando mais fácil a sua utilização pelos

órgãos de polícia criminal, como sucede atualmente com a resenha e a fotografia.

Verifica-se, contudo, que a regulamentação aprovada não permite alcançar a eficiência

desejada na investigação criminal, como procuraremos demonstrar, de forma resumida,

com este trabalho.

Page 2: O ADN E A SUA RELEVÂNCIA NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL...RESUMO O presente trabalho tem como propósito abordar de uma forma sintética e objetiva a perícia do ADN no âmbito da investigação

CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 26 | dezembro de 2015

2

DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA

DEZEMBRO

2015

Nº 26

PALAVRAS-CHAVE ADN, Investigação Criminal, Engenharia Genética, perfil de ADN.

ABSTRACT The following paper has as a goal to approach in a concise and objective way the

role inside the criminal investigation. Criminal investigation found DNA in a powerful

combat weapon.

Despite this method already being used in other countries for several years, Portugal

only recently has given attention to this new method, especially because of the latest

international developments. Legislators had the obligation of creating boundaries in this

specific area. So Law number 5/2008 of 12 th February was published in the DR, 1st

series, number 30, preceded by Law number 40/2013 of 25th june, published in DR, 1st

Series, number 120.

It would be expectable that the law which regulates the gathering, preservation and

DNA data bases, would be effective when it has to face the current challenges of criminal

investigation. This law should be motivating and make the police work easier as it already

happens with profiling and photography.

KEYWORDS DNA, Criminal investigation, Genetic engenier, DNA profile.

LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E ACRÓNIMOS ADN – Ácido desoxirribonucleico

CPA – Código do Procedimento Administrativo

CPP – Código de Processo Penal

CRP – Constituição da República Portuguesa

DOE – Department of energy

LCN – Low copy number

NIH – National Institutes of health

OPC – Orgão de Polícia Criminal

Page 3: O ADN E A SUA RELEVÂNCIA NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL...RESUMO O presente trabalho tem como propósito abordar de uma forma sintética e objetiva a perícia do ADN no âmbito da investigação

CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 26 | dezembro de 2015

3

DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA

DEZEMBRO

2015

Nº 26

PCR – Polymerase chain reaction

PGH – Projeto do genoma humano

PJ – Policia Judiciária

INTRODUÇÃO A segurança é para o Homem uma fonte de grande preocupação, que tem vindo a

crescer significativamente nos últimos tempos, colocando novos desafios no combate

efetivo à criminalidade, sobretudo à criminalidade organizada.

Nesta sociedade moderna e global, é essencial que o crime seja combatido e

encarado como uma doença que percorre todos os estratos sociais, uma vez que está em

causa a estabilidade e a evolução económica de toda uma comunidade. O crescer das

desigualdades económicas e sociais, com os sistemáticos cortes financeiros do Estado

em áreas essenciais como a educação e a saúde, aliado à migração de pessoas oriundas

de vários países, que vêm à procura de melhores condições de vida, contribuíram e

contribuem para o aumento da criminalidade em todas as suas vertentes.

O ADN desempenha um importantíssimo papel no combate ao crime na medida em

que, por ser único em cada indivíduo (excepto nos gémeos idênticos), permite, de forma

fiável, a identificação de uma pessoa singular.

A importância dos perfis de ADN na identificação civil e criminal foi reconhecida pelo

legislador português, que através da Lei nº 5/2008 de 12 de fevereiro publicada no DR, 1ª

Série, nº 30, posteriormente alterada pela Lei nº 40/2013 de 25 de junho, publicada no

DR, 1ª Série, nº 120, aprovou a criação de uma base de dados de perfis de ADN para fins

de identificação civil e criminal

Contudo, a Lei nº 5/2008 de 12 de fevereiro, em determinados aspectos, encontra-

se desfasada da premente necessidade da investigação criminal, não permitindo alcançar

a eficiência desejada na investigação criminal.

Não se desconhece que a recolha de informação, e em particular a informação sobre

perfis genéticos, é susceptível de afectar a privacidade do cidadão. Afigura-se, porém,

que é possível compatibilizar, sem pôr em causa a paz social, os direitos fundamentais do

cidadão com uma maior exigência de segurança.

Page 4: O ADN E A SUA RELEVÂNCIA NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL...RESUMO O presente trabalho tem como propósito abordar de uma forma sintética e objetiva a perícia do ADN no âmbito da investigação

CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 26 | dezembro de 2015

4

DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA

DEZEMBRO

2015

Nº 26

CAPÍTULO I: ENQUADRAMENTO HISTÓRICO Foi com obra de Har Gobind Khorana que se abriram as portas da interpretação do

código genético. Os seus trabalhos revelaram os processos através dos quais as enzimas

de uma sequência de aminoácidos determinam a função das células no desenvolvimento

genético.

A engenharia genética tornou-se subitamente uma das disciplinas mais importantes

no mundo da ciência e em grande medida pelas potencialidades quase infinitas que o

descodificador do código genético pode facultar.

A engenharia genética é considerada por muitos como a quarta revolução da

medicina; a primeira foi o combate às infecções através de medidas sanitárias; a segunda

o aperfeiçoamento da cirurgia com auxílio da anestesia; a terceira a vacinação e o recurso

a antibióticos. Acrescente-se que sempre integrou a imaginação do ser humano a

tentativa de alcançar e possuir o poder criador de Deus ou, por outras palavras, o Homem

sempre quis assumir o papel de Deus, descobrir os mistérios da criação e modificá-la,

produzir o que se quer e excluir o que não agrada como é o caso das doenças.

Deste modo, verificamos uma grande disponibilização de meios económicos por

parte dos estados mais desenvolvidos, para o desenvolvimento da engenharia genética,

sobretudo a partir de 1970.

Em termos históricos realça-se o facto da engenharia genética ser um ramo da

biotecnologia. Esta palavra é formada por três vocábulos de origem grega: bios (vida),

thecono e logos (estudo), o que significa o estudo das técnicas aplicadas ao estudo da

vida.

A biotecnologia é um termo que começou a ser utilizado em finais da década de 40

por bioquímicos e engenheiros químicos americanos e britânicos para designar uma

disciplina que desenvolvia os métodos para a obtenção em escala industrial de

constituintes biológicos indisponíveis na altura, tais como enzimas, coenzimas e

metabólitos vários, através de processos microbiológicos ou bioquímicos.

A bioindústria de ADN pioneira foi a Cetus fundada na Califórnia em 1972. Dois anos

mais tarde as equipas de Stanley Cohen da Universidade de Stanford e de Herbert Boier

da Universidade da Califórnia criaram a primeira empresa de engenharia genética

propriamente dita.

Page 5: O ADN E A SUA RELEVÂNCIA NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL...RESUMO O presente trabalho tem como propósito abordar de uma forma sintética e objetiva a perícia do ADN no âmbito da investigação

CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 26 | dezembro de 2015

5

DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA

DEZEMBRO

2015

Nº 26

Figura n.º 1 - Ácido desoxirribonucleico (ADN).

Fonte:[inline] pt.slideshare.net (2015)

Figura n.º 2 – Estrutura molecular do ADN

Fonte:[inline] mapadocrime.com.sapo.pt (2015)

Page 6: O ADN E A SUA RELEVÂNCIA NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL...RESUMO O presente trabalho tem como propósito abordar de uma forma sintética e objetiva a perícia do ADN no âmbito da investigação

CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 26 | dezembro de 2015

6

DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA

DEZEMBRO

2015

Nº 26

Com o evoluir dos conhecimentos sobre o ADN, em 1986 o PGH (projeto do genoma

humano) foi definido como projeto nacional dos EUA a ser desenvolvido pelo DOE

(department of energy), órgão responsável pela militarização do conhecimento científico e

tecnológico do governo norte americano e pelo NIH (National Institutes of Health).

CAPÍTULO II: A PROVA DO ADN A prova é entendida como a demonstração da existência e verdade de um facto

controvertido ou de um direito duvidoso e por meio prova os instrumentos legalmente

aptos para essa demonstração.

Na investigação criminal, o desenrolar das várias diligências de recolha da prova

deve ocorrer em total com consonância com as leis processuais penais, provando e

demonstrando a total e rigorosa identidade entre o evento ocorrido no passado e a

respetiva reconstituição feita no presente.

A produção e a administração da prova no processo penal tem evoluído ao longo

dos tempos, acompanhando as mutações tecnológicas e cientificas especialmente a partir

do século XIX.

O Processo Penal antigo assentava no dogma do dever da verdade, dever esse que

também impendia sobre o arguido. A confissão era, por conseguinte, tida como a rainha

das provas e, nesse contexto, a tortura era considerada um meio idóneo de recolha de

prova, como se encontrava consagrado no artigo 58.º da Constitutio Criminalis Carolina

de 1532.

Na altura, os pilares que alicerçavam o processo penal era a subjetividade de juízos

formulados por vários intervenientes processuais, aos quais não eram estranhos pré-

juizos de índole moral e social sobre as vítimas e ofendidos. Esta situação foi

sedimentando uma constatação generalizada de que a prova testemunhal não era

absolutamente rigorosa.

Podemos então concluir que devemos preterir a prova testemunhal e favorecer o

indício e, de entre os vários indícios, devemos dar primazia àqueles que são fornecidos

pela recolha através de métodos científicos. É neste âmbito que surge a designação de

polícia técnica ou criminalística, uma vez que recorre a um método de análise sistemática

dos indícios deixados no local do crime.

Page 7: O ADN E A SUA RELEVÂNCIA NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL...RESUMO O presente trabalho tem como propósito abordar de uma forma sintética e objetiva a perícia do ADN no âmbito da investigação

CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 26 | dezembro de 2015

7

DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA

DEZEMBRO

2015

Nº 26

Com a evolução da tecnologia, assistimos a uma evolução da disponibilização de

meios em todos os quadrantes da vida humana, sendo que a investigação criminal

também tem acompanhado tal evolução, nomeadamente através da possibilidade de

identificação de um individuo por meio de análise do ADN; esta possibilidade constituiu

um dos maiores avanços científicos verificados no campo da medicina legal.

Deste modo, pode-se dizer que atualmente a criminalística biológica é uma área

indispensável das ciências forenses, pois os vestígios biológicos são os que mais

contribuem para a identificação de criminosos e vítimas. A genética forense, como ciência

que analisa este tipo de vestígios, através do estudo da sua informação genética,

desempenha, por isso, um papel fundamental na investigação criminal.

O objectivo da análise do ADN é o de comparar vestígios biológicos, mormente

fluidos e vestígios humanos que digam respeito à prática de um crime, com amostras cuja

origem é conhecida, identificando-as, bem como de modo a vincular a vítima a seu

possível agressor, ou vincular as suas presenças ao local do evento sob investigação.

Para procedermos à identificação genética estuda-se o ADN que contém toda a

informação genética de um organismo, o que permite obter uma identificação de uma

fiabilidade extrema; a precisão do ADN como instrumento de identificação humana

decorre do facto de não existirem dois seres humanos com o mesmo perfil genético salvo

tratarem-se de gémeos univitelinos.

Para além da citada fiabilidade, o ADN tem outra vantagem muito importante na

realização das perícias necessárias à investigação: o facto de, através das técnicas atuais

e dos conhecimentos científicos, ser possível obter um perfil genético com a análise de

vestígios com um número reduzido de células.

Sir Alec Jeffreys, professor de genética da Universidade de Leicester em Inglaterra,

desenvolveu em 1985 as técnicas de impressão de ADN e de perfil de ADN, usadas em

todo o mundo pela ciência forense, para ajudar o trabalho policial e também para resolver

casos de paternidade ou de imigração; um ano depois, em 1986, Edward Blake, um

cientista forense que trabalhava numa das primeiras companhias de biotecnologias (a

Cetus), em colaboração com Bruce Budowle do FBI e com outros investigadores da

Cetus, utilizaram uma técnica conhecida actualmente como PCR para a análise de provas

criminais. Um painel de amostras do ADN de casos antigos foi colecionado e codificado,

Page 8: O ADN E A SUA RELEVÂNCIA NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL...RESUMO O presente trabalho tem como propósito abordar de uma forma sintética e objetiva a perícia do ADN no âmbito da investigação

CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 26 | dezembro de 2015

8

DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA

DEZEMBRO

2015

Nº 26

em seguida foi efectuada a respectiva análise e, quando o código foi quebrado, todas as

provas e perpetradores coincidiram.

Figura n.º 3 - Método de reacção em cadeia de polimerase (PCR)

Fonte:[inline] http://www.bio-rad.com/ (2015)

Page 9: O ADN E A SUA RELEVÂNCIA NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL...RESUMO O presente trabalho tem como propósito abordar de uma forma sintética e objetiva a perícia do ADN no âmbito da investigação

CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 26 | dezembro de 2015

9

DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA

DEZEMBRO

2015

Nº 26

Figura n.º 4 – PCR

Fonte:[inline] http://e-escola.tecnico.ulisboa.pt (2015)

Os exames forenses do ADN estão normalmente vocacionados para a identificação

de um perfil genético respeitante a um ser humano; porém, podem ser efectuados em

qualquer outro organismo vivo, o que para a investigação criminal pode ser de grande

utilidade.

Na investigação criminal, os exames periciais do ADN recaem normalmente sobre

os vestígios recolhidos pela equipa de cena do crime. Esses vestígios são habitualmente

partes do tecido humano, fragmentos de pele, ossos, dentes, sangue, pêlos, sémen,

saliva, fezes, urina e imensos outros materiais cuja a recolha no local do crime seja

pertinente para a investigação.

A recolha dos vestígios lofoscópicos, nomeadamente a sua colheita, tem o seu

equivalente no mundo do ADN. Efetivamente, é possível localizar as impressões digitais

como fonte de ADN, em virtude da pele ser o maior órgão do corpo humano, chegando a

pesar 15 % do seu peso total. Na pele humana existem células que, por serem nucleadas,

poderão ser uma fonte de ADN nuclear. Estas poderão aderir a qualquer superfície,

através das secreções produzidas pelas glândulas sudoríparas e sebáceas, mas também

Page 10: O ADN E A SUA RELEVÂNCIA NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL...RESUMO O presente trabalho tem como propósito abordar de uma forma sintética e objetiva a perícia do ADN no âmbito da investigação

CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 26 | dezembro de 2015

10

DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA

DEZEMBRO

2015

Nº 26

através do mecanismo de descarnação da própria pele, que segundo a ciência liberta

400000 células por dia.

Na recolha de vestígios de impressões digitais de ADN, foi rapidamente perceptível

que a quantidade disponível de células depositadas nesses vestígios dependia de

variados factores, tais como a variabilidade individual, a superfície de contacto, área de

contacto, o ambiente, a transpiração, a força exercida nesse contacto e outros.

Kisilesky e Wickenseir verificaram que a quantidade de ADN transferido para o

substrato é independente do tempo de manuseamento, dado que a transferência de

células parece ser instantânea. Tal facto significa que se deve ter cuidado com a recolha

e a utilização deste tipo de prova, pois a história de contactos anteriores é um factor

importante a considerar, se o individuo tocar duas vezes o mesmo objecto, da segunda

vez deixará uma quantidade mais reduzida de células, uma vez que uma grande parte

ficou retida no primeiro contacto, mas se o hiato temporal entre a primeira e a segunda

transferência for elevado, este factor deixa de ser significativo, o que exemplifica bem o

problema em causa quando estamos a falar de investigação criminal.

Outro pormenor a ponderar é a variabilidade entre indivíduos no que se refere à

transferência de material genético, porque alguns indivíduos possuem uma maior

predisposição natural para depositarem um maior número de células, sendo designados

por bons dadores, em contraponto com os maus dadores.

Na identificação digital do ADN é curioso verificar que as superfícies habitualmente

consideradas ideais para a recolha de impressões lofoscópicas, como o vidro, o metal, ou

seja superfícies lisas e com pouca porosidade, são pouco adequadas para a recolha de

material genético; o oposto curiosamente também se verifica, ou seja uma superfície

porosa ou rugosa é excelente para a recolha de material genético sendo menos

adequada para a lofoscopia.

A identificação de perfis genéticos requer a realização de um conjunto de operações

realizadas em laboratório, efectuadas em material biológico como o sangue, a saliva, o

esperma e outros tecidos orgânicos.

Após a equipa de cena do crime ter recolhido e enviado material biológico para o

laboratório, será então necessário proceder à extração do ADN. A extração é efetuada a

partir de uma célula nucleada que terá de ter glóbulos brancos, porque os glóbulos

vermelhos não têm núcleo.

Page 11: O ADN E A SUA RELEVÂNCIA NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL...RESUMO O presente trabalho tem como propósito abordar de uma forma sintética e objetiva a perícia do ADN no âmbito da investigação

CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 26 | dezembro de 2015

11

DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA

DEZEMBRO

2015

Nº 26

Quase em simultâneo com a extração é realizada a purificação, operação que

recorre a dois métodos: extração orgânica ou extração por Chelex, uma resina captadora

de iões que permite purificar a amostra de trabalho, tornando-a apta para análise.

Saliente-se que este segundo procedimento é muito utilizado quando se faz PCR.

Uma das maiores dificuldades com as quais os laboratórios se confrontam prende-

se com as amostras LCN. Trata-se de amostras que contêm uma quantidade de ADN

genómico inferior a 100 pg (picogramas) e que em virtude de possuírem uma quantidade

reduzida de material genético não permitem a realização de uma análise com as mesmas

condições das utilizadas nas amostras ditas normais.

Em relação à PCR esclarece-se que é uma técnica que se baseia na amplificação

enzimática in vitro de um fragmento de ADN de interesse que é flanqueado por dois

iniciadores de cadeia que hibridam com as extremidades da dupla cadeia. Este

procedimento, como se depreende, admite trabalhar vestígios biológicos de reduzidas

dimensões para além de fornecer milhões de cópias de apenas um fragmento do vestígio

que foi processado; torna-se ainda mais importante quando o nosso ordenamento jurídico

prevê que em termos de prova pericial possa ser solicitada nova perícia determinada pela

autoridade judiciária em conformidade com o artigo nº 158.º nº 1 b) do CPP.

O procedimento da PCR é executado em três fases nas quais são processados

habitualmente trinta ciclos, sendo que as sequências de ADN que se consideram

relevantes para a perícia são submetidas a ciclos repetidos em que se procede a uma

fase de desnaturação do ADN seguidas de uma fase de hibridação e finalmente de uma

fase de extensão que dá origem a uma fase de duplicação da amostra inicial processada.

Em termos práticos, a PCR resolve vários problemas, nomeadamente casos de

amostras degradas em que existe uma quantidade reduzidíssima de material genético

para análise; trata-se de um procedimento rápido sendo uma técnica de custos mais

reduzidos quando comparada com outros.

Concluindo este processo, segundo Maria de Fátima Pinheiro, estamos perante

“resultados obtidos, após análise dos produtos amplificados para vários marcadores

genéticos constituem o perfil genético da amostra, podendo este também definir-se como

sendo o conjunto de características hereditárias ou padrões fenotípicos que um individuo

possui, para um determinado número de marcadores genéticos, detectável em qualquer

amostra biológica que lhe pertença susceptível de conter células nucleadas.”

Page 12: O ADN E A SUA RELEVÂNCIA NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL...RESUMO O presente trabalho tem como propósito abordar de uma forma sintética e objetiva a perícia do ADN no âmbito da investigação

CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 26 | dezembro de 2015

12

DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA

DEZEMBRO

2015

Nº 26

Contudo, importa referir que a utilização da PCR aumenta a possibilidade de risco

da contaminação das amostras recolhidas no local de crime causada pelo facto de utilizar

material biológico estranho ao que é processado quando se procede à amplificação

ocasionando o surgimento de um falso negativo.

CAPÍTULO III: A UTILIZAÇÃO DO ADN NA INVESTIGAÇÃO

CRIMINAL À LUZ DO REGIME LEGAL VIGENTE

A Constituição da República Portuguesa estabelece as regras gerais que devem

nortear o processo penal, designadamente quanto ao regime de prova, constituindo, por

isso, a sua fonte primacial.

Assim, o artigo 25.º da CRP estabelece que “A integridade moral e física das

pessoas é inviolável” (n.º 1), acrescentando que “Ninguém pode ser submetido a tortura,

nem a tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanos” (n.º 2).

O artigo 26.º, n.º 1, consagra o direito à reserva da intimidade da vida privada e o

artigo 32.º, no seu n.º 1, estatui que “O processo criminal assegura todas as garantias de

defesa, incluindo o recurso”, precisando, no seu n.º 8, que “São nulas todas as provas

obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa,

abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas

telecomunicações”.

O artigo 18.º, n.º 2 da Constituição estatui que “A lei só pode restringir os direitos,

liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as

restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses

constitucionalmente protegidos”, aditando-se no seu n.º 3 que “As leis restritivas de

direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter

efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos

preceitos constitucionais”.

Por seu turno, o Código de Processo Penal, no seu artigo 125.º estabelece que “São

admissíveis as provas que não forem proibidas por lei”. No que concerne à prova proibida

estabelece-se um catálogo de métodos proibidos de prova no subsequente artigo 126.º,

preceituando-se que “São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante

tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas” (n.º 1).

Os exames periciais têm lugar “quando a percepção ou a apreciação dos factos

Page 13: O ADN E A SUA RELEVÂNCIA NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL...RESUMO O presente trabalho tem como propósito abordar de uma forma sintética e objetiva a perícia do ADN no âmbito da investigação

CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 26 | dezembro de 2015

13

DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA

DEZEMBRO

2015

Nº 26

exigem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos” (151.º), sendo

realizada em organismos apropriados (152.º, n.º 1), podendo até ter carácter

interdisciplinar (152.º, n.º 2). Por sua vez, os exames, que tanto podem incidir em pessoas,

como em lugares e coisas, visam a inspecção dos vestígios relativos ao modo e ao local

do crime, bem como à determinação das pessoas que o cometeram ou relativamente às

quais o mesmo foi cometido (171.º, n.º 1).

No artigo 172.º, n.º 1 determina-se que “Se alguém pretender eximir-se ou obstar a

qualquer exame devido, pode ser compelido por decisão da autoridade judiciária

competente”. A obrigatoriedade de sujeitar-se a exame, prevista na citada norma legal,

estende-se ao arguido, porquanto, segundo o artigo 61.º, n.º 3, alínea d), recai sobre este

o dever especial de sujeitar-se a diligências de prova especificadas na lei e ordenada e

efectuadas por entidades competentes.

Atento o disposto nas referidas normas constitucionais e legais, podemos concluir

que a recolha de amostras em processo penal (incluindo para efeitos de investigação

criminal) para determinação do perfil de ADN e posterior comparação com vestígios

recolhidos no local do crime é admissível desde que judicialmente determinadas.

Apesar da importância do perfil de ADN na investigação criminal, designadamente

na identificação de autores de crimes, apenas em 2008, através da Lei 5/2008, de 12/02

(alterada pela Lei 40/2013, de 25/06), o legislador português procedeu à criação e

regulamentação da manutenção de uma base de dados de perfis de ADN, para fins de

identificação e de investigação criminal, bem como à regulamentação da recolha,

tratamento e conservação de amostras de células humanas, da respectiva análise e

obtenção de perfis de ADN, da metodologia de comparação de perfis de ADN, extraídos

das amostras, bem como do tratamento e conservação da respectiva informação em

ficheiro informático (artigo 1.º, n.ºs 1 e 2).

Considerando a sua importância na investigação criminal, importa fazer uma breve,

mas objectiva, análise das disposições legais relevantes nesta vertente.

Nos termos da referida Lei, as finalidades de investigação criminal são prosseguidas

através da comparação de perfis de ADN, relativos a amostras de material biológico

colhidas em locais de crimes com os das pessoas que, directa ou indirectamente, a eles

possam estar associadas, com vista à identificação dos respectivos agentes, e com os

Page 14: O ADN E A SUA RELEVÂNCIA NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL...RESUMO O presente trabalho tem como propósito abordar de uma forma sintética e objetiva a perícia do ADN no âmbito da investigação

CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 26 | dezembro de 2015

14

DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA

DEZEMBRO

2015

Nº 26

perfis existentes na base de dados de perfis de ADN, com as limitações previstas no

artigo 20.º da citada Lei (artigo 4.º, n.º 2).

Como resulta das alíneas e) e f) do artigo 2.º da referida Lei, os perfis de ADN a

inserir na base de dados apenas contêm o ADN não codificante, ou seja, o ADN que,

embora tipicamente contenha informações diferentes em indivíduos diferentes, não

permite a obtenção de informação de saúde ou de características hereditárias

específicas.

Recolha de amostras

A recolha de amostras em processo crime é realizada a pedido do arguido ou

ordenada, oficiosamente ou a requerimento, por despacho do juiz, a partir da constituição

de arguido, ao abrigo do disposto no artigo 172.º do Código de Processo Penal (artigo 8.º,

n.º 1).

Quando não se tenha procedido à recolha da amostra nos termos referidos no

parágrafo anterior, é ordenada, mediante despacho do juiz de julgamento, e após trânsito

em julgado, a recolha de amostras em condenado por crime doloso com pena concreta de

prisão igual ou superior a 3 anos, ainda que esta tenha sido substituída (artigo 8.º, n.º 2).

Caso haja declaração de inimputabilidade e ao arguido seja aplicada uma medida de

segurança, nos termos do n.º 2 do artigo 91.º do Código Penal, a recolha de amostra é

realizada mediante despacho do juiz de julgamento quando não se tenha procedido à

recolha da amostra nos termos referidos no n.º 1 do artigo 8.º (artigo 8.º, n.º 3).

A recolha de amostras em cadáver, em parte de cadáver, em coisa ou em local onde

se proceda a buscas com finalidades de investigação criminal realiza-se de acordo com o

disposto no artigo 171.º do Código de Processo Penal (artigo 8.º, n.º 4).

Introdução dos perfis de ADN na base de dados

Os perfis de ADN resultantes da análise das amostras recolhidas em cadáver, em

parte de cadáver, em coisa ou em local onde se proceda a buscas com finalidades de

investigação criminal («amostras problema»), bem como os correspondentes dados

pessoais, quando existam, são integrados na base de dados de perfis de ADN, mediante

despacho do magistrado (do Ministério Público ou juiz) competente no respectivo

processo (artigo 18.º, n.º 2).

Page 15: O ADN E A SUA RELEVÂNCIA NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL...RESUMO O presente trabalho tem como propósito abordar de uma forma sintética e objetiva a perícia do ADN no âmbito da investigação

CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 26 | dezembro de 2015

15

DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA

DEZEMBRO

2015

Nº 26

Os perfis de ADN resultantes da análise das amostras recolhidas ao condenado e ao

inimputável a quem tenha sido aplicada uma medida de segurança, bem como os

correspondentes dados pessoais, são introduzidos na base de dados de perfis de ADN,

mediante despacho do juiz de julgamento (artigo 18.º, n.º 3).

Cruzamento de dados contidos na base de dados com os perfis de ADN recolhidos

Os perfis de ADN obtidos a partir das amostras colhidas em arguido podem ser

cruzados com os dados contidos nos ficheiros da base de dados relativos a «amostras

problema» (amostras em cadáver, em parte de cadáver, em coisa ou em local onde se

proceda a recolhas) com finalidades de identificação civil, com os dados contidos nos

ficheiros da base de dados relativos a «amostras problema», recolhidas em local de crime

e com os dados contidos nos ficheiros da base de dados relativos aos profissionais que

procedem à recolha e análise das amostras (artigo 20.º, n.º 1).

Os perfis de ADN obtidos a partir das amostras colhidas em parentes, bem como os

perfis relativos a «amostras referência» de pessoas desaparecidas apenas podem ser

cruzados com o ficheiro da base de dados que contém informação relativa a «amostras

problema» com finalidades de identificação civil (artigo 20.º, n.º 2).

Os perfis de ADN obtidos a partir das amostras colhidas em voluntários podem ser

cruzados com qualquer dos perfis inseridos nos ficheiros da base de dados (artigo 20.º,

n.º 3).

Os perfis de ADN obtidos a partir das «amostras problema» recolhidas em local de

crime e os perfis de ADN obtidos de pessoas condenadas em processos crime (incluindo

o inimputável a quem tenha sido aplicada uma medida de segurança), podem ser

cruzados com os dados contidos nos ficheiros de amostras de voluntários, de «amostras

problema» obtidas para efeitos de identificação civil, de «amostras referência» de

pessoas desaparecidas ou amostras dos seus parentes, de «amostras problema»,

recolhidas em local de crime, de amostras de pessoas condenadas em processo crime

(incluindo o inimputável a quem tenha sido aplicada uma medida de segurança) e de a

amostras dos profissionais que procedem à recolha e análise das amostras (artigo 20.º,

n.º 4).

Page 16: O ADN E A SUA RELEVÂNCIA NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL...RESUMO O presente trabalho tem como propósito abordar de uma forma sintética e objetiva a perícia do ADN no âmbito da investigação

CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 26 | dezembro de 2015

16

DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA

DEZEMBRO

2015

Nº 26

CAPÍTULO IV: ANÁLISE CRÍTICA DO REGIME VIGENTE NA

PERSPECTIVA DA INVETIGAÇÃO CRIMINAL Não obstante a inegável importância dos perfis de ADN na investigação criminal

(quer para identificar e acusar criminosos, quer para inocentar suspeitos e arguidos),

verifica-se que o regime vigente não permite alcançar a almejada eficiência na

investigação criminal.

Com efeito, a base de dados de perfis de ADN, criada pela referida Lei 5/2008, que

permite centralizar a informação genética de cidadãos, não tem funcionado de forma

satisfatória.

Constata-se, em primeiro lugar, que a inserção dos perfis de ADN na base de

dados tem sido efectuada a um ritmo inferior ao previsto.

Segundo dados avançados pela Senhora Procuradora-Geral da República na Assembleia

da República na sua intervenção no encerramento da conferência “A Base de Dados de

Perfis de ADN face ao Direito Penal e Processual Penal e à Convenção Europeia dos

Direitos do Homem que teve lugar no dia 24/04/2015 [on line

http://www.ministeriopublico.pt], previa-se inicialmente uma inserção anual de cerca de

6.000 perfis de pessoas condenadas em penas de prisão igual ou superiores a 3 anos,

mas apenas foram inseridos no sistema cerca de 800 perfis por ano.

Pese embora a Procuradoria-Geral da República ter determinado a inserção de

todos os perfis de amostras problemas, que tinham sido recolhidos antes da entrada em

vigor da lei, a verdade é que das centenas de vestígios biológicos recolhidos nos locais

dos crimes apenas foram inseridos na base de dados perfis de cerca de 10 “amostras

problema” por ano.

O problema apontado resulta, como se refere naquela intervenção, por um lado, da

redacção do texto da lei e da consequente falta de confiança decorrente das dúvidas

interpretativas no recurso à base de dados e, por outro lado, das práticas seguidas pelos

tribunais, muitas vezes pouco sensibilizados para a realidade e a virtualidade do

funcionamento da base de dados de perfis de ADN.

Além disso, a exigência de dois despachos de magistrados para se proceder à

inserção dos dados na base de dados (um para recolha dos perfis de ADN e outro para

inserção dos dados) contribui igualmente para a demora na inserção dos referidos dados.

Page 17: O ADN E A SUA RELEVÂNCIA NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL...RESUMO O presente trabalho tem como propósito abordar de uma forma sintética e objetiva a perícia do ADN no âmbito da investigação

CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 26 | dezembro de 2015

17

DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA

DEZEMBRO

2015

Nº 26

Em segundo lugar, a ineficácia da base de dados na investigação criminal resulta

igualmente da solução adoptada pelo regime vigente de não incluir na base de dados os

perfis de ADN dos arguidos e de não permitir a recolha de amostras pelos órgãos de

polícia criminal, quando da constituição de arguido (embora sujeita a controlo posterior)

da autoridade judiciária.

Finalmente, o facto de apenas poder ser estudado o ADN “não codificante”, na

medida em que apenas permite perceber o sexo, servindo apenas a amostra para

encontrar apenas a correspondência, limita a potencialidade da base de dados de perfis

de ADN.

Com efeito, a recolha de outros dados como a provável cor da pele ou dos olhos

revestem particular utilidade na identificação de autores de crimes (permitindo excluir

suspeitos) e, por constituírem características físicas externas e visíveis, não lesam de

forma grave direitos fundamentais.

A falta de “amostras problema” na base de dados ou de pessoas com quem as

confrontar e ainda a limitação do estudo ao ADN “não codificante” não permite que a base

de dados de perfis de ADN seja eficaz na descoberta dos autores dos crimes e, por

conseguinte, na investigação criminal.

CONCLUSÕES

Perante os novos desenvolvimentos da Genética, especialmente o conhecimento

sobre o ADN e a descoberta do Genoma Humano, o processo penal foi confrontado com

um novo meio de prova: a identificação genética, cujas potencialidades são

incontestáveis. Todavia, este de prova encerra enormes possibilidades de lesividade em

matéria de direitos fundamentais, como é o caso da dignidade da pessoa humana e o

direito à integridade física.

Verifica-se que a sociedade, perante a identificação genética, é confrontada com

problemas muito similares aos que surgiram aquando do aparecimento da lofoscopia, a

ciência que estuda os desenhas formados pelas cristas dermopapilares das extremidades

digitais, palmas das mãos e plantas dos pés.

Não obstante a inegável importância dos perfis de ADN na investigação criminal, o

regime vigente, em particular o que regulamenta a base de dados de perfis de ADN (Lei

5/2008, de 12 de fevereiro), não tem permitido alcançar a almejada eficiência na

Page 18: O ADN E A SUA RELEVÂNCIA NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL...RESUMO O presente trabalho tem como propósito abordar de uma forma sintética e objetiva a perícia do ADN no âmbito da investigação

CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 26 | dezembro de 2015

18

DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA

DEZEMBRO

2015

Nº 26

investigação criminal, quer porque a inserção dos perfis de ADN na base de dados tem

sido efectuada a um ritmo lento, quer porque a referida Lei não permite incluir na base de

dados os perfis de ADN dos arguidos e a recolha de amostras pelos órgãos de polícia

criminal, quando da constituição de arguido (embora sujeita a controlo posterior da

autoridade judiciária), quer ainda porque apenas permite estudar o ADN “não codificante”,

deixando de fora outros dados (como a provável cor da pele ou dos olhos) de particular

utilidade na identificação de autores de crimes (permitindo excluir suspeitos).

Importa, assim, alterar o regime vigente e procedimentos, corrigindo os problemas

apontados, por forma a melhorar o funcionamento da base de dados de perfis de ADN e a

sua eficácia na investigação criminal, sem perder de vista a defesa dos direitos

fundamentais constitucionalmente consagrados.

BIBLIOGRAFIA

Anon., s.d. http://e-escola.tecnico.ulisboa.pt/topico.asp?hid=339. [Online]

[Acedido em 11 Junho 2015].

Anon., s.d. http://mapadocrime.com.sapo.pt/adn.html. [Online]

[Acedido em 11 Junho 2015].

Anon., s.d. http://pt.slideshare.net/alforreca567/adn-e-hereditariedade. [Online]

[Acedido em 11 Junho 2015].

Anon., s.d. http://www.bio-rad.com/en-us/product/crime-scene-investigator-pcr-basics-kit.

[Online]

[Acedido em 11 Junho 2015].

Anon., s.d. http://www.forensicdna.com/assets/3rdq08a.pdf. [Online]

[Acedido em 2 Junho 2015].

Anon., s.d. http://www.revistamilitar.pt/artigo.php?art_id=347. [Online]

[Acedido em 6 Junho 2015].

Anon., s.d.

http://www.sciencemag.org/content/suppl/2006/05/11/1122655.DC1/Bieber.SOM.Rev.pdf.

[Online]

[Acedido em 3 Junho 2015].

Braz, J., 2009. Investigação Criminal, A organização, o Método e a Prova. Os desafios da

nova criminalidade. ISBN 978-972-40-3979-4 ed. Coimbra: Almedina, S. A..

Page 19: O ADN E A SUA RELEVÂNCIA NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL...RESUMO O presente trabalho tem como propósito abordar de uma forma sintética e objetiva a perícia do ADN no âmbito da investigação

CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 26 | dezembro de 2015

19

DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA

DEZEMBRO

2015

Nº 26

Braz, J., 2015. Ciências, Tecnologia e Investigação Criminal. Coimbra: Edições Almedina,

S. A..

Butler, J. m., 2005. Forensic DNA. London: Elsevier Academy.

Cabral, R., 1998. A dignidade da pessoa humana - In poderes e limites da genética.

Lisboa: s.n.

Europeu, C., 2005. Relatório anual sobre os direitos humanos. ISBN 92-824-3183-5; ISSN

1680-9793 ed. Luxemburgo: Serviços de publicações oficiais das comunidades

Europeias.

internos), C. E. (. e. a., 2010. Estratégia de Segurança interna da União Europeia, rumo a

um modelo europeu de segurança. ISBN 978-92-824-2689-0 ed. Luxemburgo: Serviços

de Publicações da União Europeia.

Interpol, 2009. Handbook on DNA DATA EXCHANGE AND PRACTICE. [Online]

Available at: http://www.interpol.int/INTERPOL-expertise/Forensics/DNA

[Acedido em 6 Junho 2015].

Interpol, 2015. DNA Profiling, INTERPOL Facts Sheet, Volume COM/FS/2015-02/FS-01.

[Online]

Available at: http://www.interpol.int/contentinterpol/search?SearchText=DNA&x=0&y=0

[Acedido em 5 Junho 2015].

Pinheiro, M. d. F., 2013. Ciências Forenses - Ao serviço da Justiça. Lisboa: Pactor.

Republica, A. d., 1976. Constituição da Republica Portuguesa (Decreto de 10 de Aril de

1976 com as respetivas alterações). Lisboa: Diário da Republica.

Republica, A. d., 1987. Código de Processo Penal (DL 78/87 de 17 de Fevereiro). 2ª ed.

Lisboa: Diário da Republica.

Republica, A. d., 2008. Base de dados de perfis de ADN - Identificação civil e criminal (Lei

n.º 5/2008 de 12 de Fevereiro). Lisboa: Diário da Republica.

Republica, P. G. d., 2015. [Online]

Available at:

http://www.ministeriopublico.pt/sites/default/files/documentos/pdf/intervencao_pgr_adn_as

sembleia_republica_0.pdf

[Acedido em 14 Junho 2015].