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VITALY COSTA E SILVA O APRENDIZADO DA LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA COMO SUPORTE PARA A PROMOÇÃO DA CONSCIÊNCIA CRÍTICA NAS AULAS DE HISTÓRIA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO 08/2020

O APRENDIZADO DA LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA COMO … · 2021. 3. 11. · PNDEH - Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos PNDH - Programa Nacional de Direitos Humanos PUC-Rio

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VITALY COSTA E SILVA

O APRENDIZADO DA LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA COMO SUPORTE

PARA A PROMOÇÃO DA CONSCIÊNCIA CRÍTICA NAS AULAS DE HISTÓRIA

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

08/2020

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VITALY COSTA E SILVA

O APRENDIZADO DA LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA COMO SUPORTE

PARA A PROMOÇÃO DA CONSCIÊNCIA CRÍTICA NAS AULAS DE HISTÓRIA

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa

de Pós-Graduação em Ensino de História da

Universidade Federal do Rio de Janeiro como

requisito à obtenção do título de Mestre.

Orientadora: Prof.ª Dra. Alessandra Carvalho.

RIO DE JANEIRO

08/2020

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VITALY COSTA E SILVA

O APRENDIZADO DA LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA COMO SUPORTE

PARA A PROMOÇÃO DA CONSCIÊNCIA CRÍTICA NAS AULAS DE HISTÓRIA

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa

de Pós-Graduação em Ensino de História da

Universidade Federal do Rio de Janeiro como

requisito à obtenção do título de Mestre.

Aprovado em______________________________, por:

___________________________________________________________________________

Prof.ª Dra. Alessandra Carvalho – Presidente da Banca (UFRJ)

___________________________________________________________________________

Prof. Dr. Fabio Garcez de Carvalho - Titular Interno (UFRJ)

___________________________________________________________________________

Prof.ª Dra. Samantha Viz Quadrat - Titular Externo (UFF)

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AGRADECIMENTOS

À minha família pelo apoio incondicional ao longo do curso, prestando-me todo o

auxílio e compreendendo minhas ausências inevitáveis.

À minha mãe, por sempre acreditar no meu trabalho, e ao meu pai (in memoriam),

por ter me ensinado a olhar.

Aos docentes do Programa de Pós-Graduação em Ensino de História da UFRJ,

por terem me proporcionado prazerosos momentos de debate e reflexão nestes tempos de

desvalorização da ciência e do livre pensar.

À minha orientadora, professora Dra. Alessandra Carvalho, por sua paciência e

objetividade, mostrando caminhos, abrindo portas e me mostrando aquelas que não valiam a

pena serem abertas. Sem seu apoio e direcionamento esta caminhada não teria sido possível.

A todos os servidores e servidoras espalhados pelo Brasil que têm possibilitado o

sucesso e a expansão do ProfHistória. O trabalho destes verdadeiros heróis e heroínas, em

tempos de ameaças à educação pública brasileira, vem derrubando os muros que há tanto

tempo separavam a Academia e os profissionais da educação básica.

Aos meus colegas da turma do ProfHistória 2018/2020. Nosso convívio,

experiências e debates foram fundamentais à realização desta dissertação.

Obrigado a todos que de alguma forma contribuíram para a realização desta

caminhada e a tornaram mais prazerosa.

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Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovakloff, levou-o para que descobrisse o mar.

Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o

menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar

estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o

menino ficou mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando,

pediu ao pai:

– Pai, me ajuda a olhar!

(Eduardo Galeano, em O livro dos abraços)

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RESUMO

COSTA E SILVA, Vitaly. O aprendizado da linguagem cinematográfica como suporte

para a promoção da consciência crítica nas aulas de história. 2018. 95 f. Dissertação

(Mestrado Profissional em Ensino de História) – Instituto de História, Universidade Federal

do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020.

Esta dissertação tem por tema o aprendizado da linguagem cinematográfica como elemento

que pode potencializar a utilização do cinema nas aulas de História. Inicialmente, foram feitos

levantamento e análise da produção editorial a partir dos anos 1990 cujo tema é o uso do

cinema em sala de aula (ou na aula de História, especificamente). A análise desta bibliografia

foi balizada por autores que têm buscado promover ideias e propostas de

ensino/aprendizagem que levem à reflexão e à autonomia dos discentes, como Paulo Freire e

Ana Maria Monteiro. Num segundo momento, optou-se pela análise de filmes cuja temática é

o contexto da ditadura civil-militar brasileira. Esta análise balizou-se sobretudo na tradição

inaugurada por Marc Ferro acerca do filme como documento histórico, nas ideias de Jörn

Rüsen relativas à construção do passado como narrativa e no método iconológico proposto

por Erwin Panofsky. Por último, e como desdobramento das demais etapas, foram construídos

um guia escrito e um audiovisual com o intuito de promover o aprendizado da linguagem

cinematográfica entre os docentes de História, além de um capítulo com propostas e suportes

para auxiliar o trabalho dos docentes.

Palavras-chave: Ensino de História; Cinema; Ditadura civil-militar; educação do olhar.

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ABSTRACT

COSTA E SILVA, Vitaly. O aprendizado da linguagem cinematográfica como suporte

para a promoção da consciência crítica nas aulas de história. 2018. 95 f. Dissertação

(Mestrado Profissional em Ensino de História) – Instituto de História, Universidade Federal

do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020.

This academic work has its focus on the learning of cinematographic language as an element

that can enhance the use of cinema in History classes. Initially, a survey and analysis of

editorial production, whose theme is the use of cinema in the classroom (or in History class,

specifically), were carried out from the 1990s onwards. The bibliographical analysis was

oriented based on authors such as Paulo Freire and Ana Maria Monteiro, who have sought to

promote ideas and teaching / learning proposals which lead to reflection and the autonomy of

students. In a second moment, it was decided to analyze films whose theme is the context of

the Brazilian civil-military dictatorship. This analysis was based mainly on the tradition

launched by Marc Ferro about films as historical documents, on the ideas of Jörn Rüsen

regarding the construction of the past as a narrative and on the iconological method proposed

by Erwin Panofsky. Finally, as a result of the other stages, a written guide and an audiovisual

guide were created in order to promote the learning of cinematographic language among

History teachers, in addition to a chapter with proposals and supports to help the teachers.

Key-words: Teaching of History; Cinema; Civil-Military Dictatorship; Sight Education.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 e 2 - Um dos torturadores discute com sua companheira acerca de suas ações

violentas no contexto da repressão. .......................................................................................... 50

Figura 3 - Jonas é apresentado como novo líder do grupo que planeja sequestrar o

embaixador norte-americano. ................................................................................................... 51

Figura 4 - Cena em que Jonas aparece como implacável líder político que ameaça matar até

mesmo seus próprios companheiros. ........................................................................................ 51

Figura 5 - Cena tensa, momentos antes da libertação do embaixador..................................... 52

Figura 6 - Capa de divulgação do filme ―Ação entre amigos‖. ............................................... 53

Figura 7 - Cena introdutória do filme ―Ação entre amigos‖. .................................................. 54

Figura 8 - Os quatro amigos discutem no cemitério sobre a atitude que devem tomar ao

descobrirem o paradeiro de seu algoz....................................................................................... 58

Figura 9 - Um tenso Miguel aparece após discutir com os amigos que se mostraram

contrários à proposta de vingança contra Correia. ................................................................... 58

Figura 10 - Miguel apresenta a foto de Correia ao seu grupo de amigos. ............................... 59

Figura 11 - Novamente a tensão de Miguel é destacada pelo diretor. ..................................... 59

Figura 12 - Mauro é enquadrado pequenino em frente ao prédio que servirá como seu novo

lar. ............................................................................................................................................. 63

Figura 13 - Mauro observa a cidade de São Paulo de dentro do carro de seus pais. ............... 64

Figura 14 - Da janela do apartamento, Mauro observa Shlomo conversando com uma vizinha

.................................................................................................................................................. 64

Figura 15 - O time de judeus comemora a vitória em torno do herói da partida, o goleiro

Edgar. ........................................................................................................................................ 66

Figura 16 - Cavalaria avança contra a população durante a missa em homenagem ao

estudante Édson Luís, morto pela polícia da ditadura. Fotografia de Evandro Teixeira .......... 68

Figura 17 - O grupo de crianças corre para ver a cavalaria policial chegando ao bairro. ....... 68

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LISTA DE QUADROS

Quadro de leitura 1 – Texto I, com trecho da entrevista de Fernando Gabeira à Folha de São

Paulo à época de lançamento do filme O que é isso, companheiro? ........................................ 76

Quadro de leitura 2 - Trechos de artigo de Paulo Moreira Leite publicado na Revista Veja,

da qual era editor à época do lançamento do filme (30/04/1997) e posteriormente publicado

em Leite (1997). ....................................................................................................................... 77

Quadro de leitura 3 - Texto III, Disfarce legalista e métodos ilegais. ................................... 78

Quadro de leitura 4 – Texto I, Violência e frustração, de Carlos Fico. ................................. 79

Quadro de leitura 5 - Texto II. ............................................................................................... 81

Quadro de leitura 6 - Texto III. .............................................................................................. 81

Quadro de leitura 7- Texto IV. ............................................................................................... 81

Quadro de leitura 8 - Texto I, O que é a jornada do herói? ................................................... 84

Quadro de leitura 9 - Texto II. ............................................................................................... 86

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LISTA DE SIGLAS

ALN - Aliança Libertadora Nacional

BNCC - Base Nacional Comum Curricular

CNV - Comissão Nacional da Verdade

DEOPS - Departamento Estadual de Ordem Política e Social, de São Paulo

HTP - História do Tempo Presente

IFMG - Instituto Federal de Minas Gerais

LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

PCNs - Parâmetros Curriculares Nacionais

PNDEH - Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos

PNDH - Programa Nacional de Direitos Humanos

PUC-Rio - Pontifícia Universidade Católica – Rio de Janeiro

TIC - Tecnologia de Informação e Comunicação

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 13

CAPÍTULO 1 - CINEMA E ENSINO DE HISTÓRIA

1.1 História, Educação e Cinema na sala de aula: construindo uma interação ............ 19

1.2 A relação cinema-história nas dissertações do ProfHistória....................................... 28

1.3 Algumas considerações acerca das narrativas cinematográficas sobre o passado . 32

1.4 O cinema na sala de aula de História nesta dissertação............................................... 36

CAPÍTULO 2 - A DITADURA NO CINEMA ..................................................................... 39

2.1 O que é isso, companheiro? e a Teoria dos “dois demônios” ...................................... 45

2.2 Ação entre amigos: um thriller sobre “o que fazer do passado?”...........................53

2.3 O ano em que meus pais saíram de férias e a “jornada do herói” ............................. 61

2.4 Uma nota sobre a tortura ................................................................................................... 69

CAPÍTULO 3 – LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA E O USO DE FILMES NAS

AULAS DE HISTÓRIA: PROPOSTAS PARA PROFESSORES ..................................... 73

3.1 Guias escrito e audiovisual “Uma introdução à linguagem cinematográfica para

professores de História” ................................................................................................................. 73

3.2 Materiais de apoio para o trabalho com os filmes O que é isso, companheiro?, Ação

entre amigos e O ano em que meus pais saíram de férias .......................................................... 74

3.2.1 O que é isso, companheiro? ......................................................................................... 75

3.2.2 Ação entre amigos ......................................................................................................... 79

3.2.3 O ano em que meus pais saíram de férias .................................................................. 82

3.3 Para se aprofundar no tema .............................................................................................. 86

3.3.1 Sites ................................................................................................................................. 87

3.3.2 Canais do Youtube ......................................................................................................... 87

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 89

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INTRODUÇÃO

O casaco vermelho da pequena menina perambulando em meio ao horror do

Holocausto nunca mais sairia da minha cabeça. Utilizado de forma bastante inteligente pelo

diretor Steven Spielberg no filme ―A lista de Schindler‖ (1993), o casaco não está lá apenas

para nos ajudar a identificar, mais tarde, a criança numa pilha de corpos a serem incinerados

pelos nazistas. Aquela pequena peça de roupa vermelha, que se destaca em meio ao preto e

branco dominante da película, não está lá apenas para direcionar o nosso olhar, está lá para

nos dar uma ponta de esperança para, logo depois, jogá-la por terra. Naquele momento, o

horror estava vencendo, e parecia não haver muita coisa que as vítimas pudessem fazer para

se salvar, muito menos uma pequena menina com seu casaco vermelho.

Nascido nos anos 1980, década na qual os aparelhos de vídeo cassete estavam

proliferando no Brasil e quando encontrávamos vídeo locadoras em todo canto, o filme de

Spielberg e muitos outros acabaram sendo de suma importância na minha formação e na

minha construção de uma visão de mundo. Tanto no meio familiar quanto entre amigos e

também na escola, pude entrar em contato com grande diversidade de filmes. Em

consequência disso, hoje, como professor, passei a ver nos filmes um enorme potencial a ser

utilizado em sala de aula. Desta forma, não hesitei em escolher a temática do uso do cinema

nas aulas de História para desenvolver a presente dissertação.

Essa opção se dá, por sua vez, na convergência de dois importantes fenômenos

históricos característicos das últimas décadas: o crescimento do interesse e das pesquisas na

área de ―Ensino de História‖ e a ampla e profunda revolução informacional sentida em

praticamente todo o planeta.

Sabemos hoje que, durante muito tempo, a História e seu ensino estiveram sob a

égide de ideias nacionalistas, ficando marcados assim pela divulgação e ensino de um certo

―culto ao Estado-nação‖ (FURET, 1986, 127). Sabemos também, por outro lado, que as

visões de mundo e de sociedade que a História e seu ensino propagam são, em grande parte

das vezes, resultados de embates entre os diversos grupos sociais interessados em propagar

suas ideias e ideologias, como no Brasil oitocentista, no qual foi marcante na história da

disciplina o ―confronto entre uma história sagrada e uma história profana‖ (BITTENCOURT,

2018, p. 134).

Ainda sobre o caso brasileiro, nas primeiras décadas da República instalada em 1889,

ganhou força certa visão da História marcada pelas ideias de ―civilização‖ e de ―progresso‖,

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sob a égide da nova elite que se acomodava no poder no regime recém-instalado

(BITTENCOURT, 2018, p. 136). Por fim, acabou tomando corpo uma História cronológica e

de cunho ―civilizatório‖ que valorizava o papel do branco civilizador, destacando seus

―heróis‖, enquanto justificava as diversas formas de dominação sobre as populações nativas e

negras.

Essa visão histórica, espécie de teleologia de um processo civilizador redentor, se

consolidou, sob um viés cívico-patriótico, durante a Era Vargas. Nesse período, passou a ser

destacado o papel do estado como guia privilegiado em direção à civilização, além de certas

visões sociais de um Brasil miscigenado sem conflitos de classe ou étnicos (BITTENCOURT,

2018, p. 139).

Esta perspectiva cívico-patriótica da História do país e seu ensino baseado em

memorização de datas e nomes ―importantes‖, apesar do surgimento de propostas de novas

abordagens e métodos, por exemplo, nos anos 1950/1960 (BITTENCOURT, 2018, p. 140),

acabou se mostrando bastante duradoura. Isso se deu, em grande parte, por conta do

esvaziamento do debate sobre o Ensino de História (e sobre a Educação em geral) promovido

pela ditadura civil-militar (1964-1985), preocupada em propagar uma visão histórica ufanista-

nacionalista pró-regime e em formar indivíduos obedientes (BRASIL, 1998, p. 23).

Já nos anos 1980, no contexto da derrocada da ditadura civil-militar e do processo de

redemocratização, as discussões e debates sobre a disciplina ganharam fôlego, o que foi

crescendo ao longo das últimas três décadas, marcadas por mudanças em diversos aspectos

das sociedades do Brasil e do mundo (BITTENCOURT, 2007, p. 50). Neste contexto,

passamos e continuamos passando por diversas alterações curriculares no país: importantes

documentos e normas educacionais que buscavam rever conteúdos e métodos foram lançados,

tais como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – BRASIL, 1996), os

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs – BRASIL, 1997) e, mais recentemente, a Base

Nacional Comum Curricular (BNCC – BRASIL, 2017). Além destes, não podemos deixar de

destacar as leis 10.639/03 e 11.645/08, que tornaram obrigatórios o ensino de História da

África e das culturas afro-brasileiras e a História dos povos indígenas (BRASIL, 2003, 2008).

Estas alterações refletem não só a efervescência das discussões acerca da disciplina no

período, mas também a importância do protagonismo dos movimentos sociais naquele

contexto.

Pesquisas de Ana Maria Monteiro e de Nádia Gaiofatto Gonçalves demonstram que

os anos 1980 marcaram o início de um período de afirmação e propagação das pesquisas na

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área de Ensino de História no Brasil. Em um de seus estudos, as autoras apontam, por

exemplo, que o número de artigos sobre o referido tema passou por importante crescimento:

pesquisando artigos sobre a temática datados da década de 1970, elas conseguiram encontrar

apenas 13 artigos. Esse número subiu para 56 na década seguinte, atingindo a marca de 98

trabalhos na década de 1990, e ultrapassou a casa de 300 artigos tanto na primeira década do

presente século quanto nos primeiros quatro anos de década atual! Em todo o período

analisado, houve, portanto, um incremento de quase trinta vezes na produção desse tipo de

pesquisa (GONÇALVES; MONTEIRO, 2017, p. 8).

No mesmo estudo, as autoras buscaram também verificar as temáticas predominantes

nos artigos encontrados e concluíram que as temáticas acerca de ―o que‖ e ―como‖ ensinar

vêm aumentando de importância nas últimas décadas. Isso ocorre não apenas porque o

processo de redemocratização possibilitou maiores espaços de discussão teórico-metodológica

sobre o Ensino de História e a propagação e fortalecimento das pesquisas universitárias, mas

também devido às intensas e profundas mudanças tecnológicas ocorridas no Brasil e no

mundo concomitantemente a esse processo. Se, nas primeiras décadas do século XX, o rádio e

o cinema complementavam e até disputavam espaço com a escola no que diz respeito à

difusão de determinadas visões do passado, seguidos algumas décadas depois pela

proliferação de TVs e videocassetes, nada se compara ao que aconteceu no mundo em termos

de comunicações nas últimas décadas.

Desta forma, o surgimento e a proliferação de diversos tipos de suportes

informacionais, como computadores, tablets e celulares, possibilitaram uma ampla divulgação

e diversificação de informações por quase todo o planeta. Isso explica, em grande parte, o

crescimento do número de trabalhos acadêmicos acerca de ―como ensinar‖: em meio ao

impacto que essas transformações provocaram na vida das gerações mais jovens, os

educadores se viram obrigados a refletir sobre os métodos de ensino/aprendizagem.

Veen e Wrakking, refletindo sobre o novo contexto, criaram um conceito para se

referir a uma geração nascida já em meio à corrente revolução informacional. Segundo estes

autores, o ―Homo Zappiens aprende muito cedo que há muitas fontes de informação e que

essas fontes podem defender verdades diferentes. Filtra as informações e aprende a fazer seus

conceitos em redes de amigos/parceiros com quem se comunica com frequência‖ (VEEN;

WRACKING, 2009 apud CAIMI, 2014, p. 166-167). As gerações atuais, portanto, não

parecem ter grandes problemas de acesso à informação (resguardadas as limitações no que diz

respeito às desigualdades socioeconômicas). Na verdade, parece que um dos problemas passa

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a ser a enorme quantidade de informações disponíveis, o que acaba, consequentemente,

impondo novos desafios às escolas e aos educadores, tais como: de que maneira atrair a

atenção dos alunos para os conteúdos e as atividades escolares em meio a tantas

possibilidades disponíveis? Como dispor-lhes ferramentas para aprender a lidar com tamanha

quantidade de informação?

Essas e outras preocupações acabaram se refletindo nas diretrizes educacionais e

curriculares lançadas no Brasil a partir do processo de redemocratização, tanto que uma das

características mais marcantes destes documentos é a preocupação com o desenvolvimento de

―competências‖ e ―habilidades‖, muito mais do que com a quantidade de conteúdos

ministrada. Nos PCNs, por exemplo, podemos encontrar diretrizes que apontam no sentido de

a escola proporcionar ferramentas que estimulem a autonomia e o protagonismo dos alunos

frente ao conteúdo midiático. Assim, segundo o documento, ―a transposição dos métodos de

pesquisa da História para o ensino de História propicia situações pedagógicas privilegiadas

para o desenvolvimento de capacidades intelectuais autônomas do estudante na leitura de

obras humanas, do presente e do passado‖ (BRASIL, 1997, p. 31).

A BNCC, por sua vez, ao defender a formação de um aluno ―analítico-crítico‖ e

―participativo‖, afirma que isto ―requer o desenvolvimento de competências para aprender a

aprender‖ e ―saber lidar com a informação cada vez mais disponível‖ (BRASIL, 2017, p. 14).

Acerca da autonomia do aluno frente à revolução informacional, considera que

Todo esse quadro impõe à escola desafios ao cumprimento do seu papel em relação

à formação das novas gerações. É importante que a instituição escolar preserve seu

compromisso de estimular a reflexão e a análise aprofundada e contribua para o

desenvolvimento, no estudante, de uma atitude crítica em relação ao conteúdo e à

multiplicidade de ofertas midiáticas e digitais. (BRASIL, 2017, p. 61)

Todas essas questões relacionadas ao crescimento do interesse acadêmico sobre o

Ensino de História, sobretudo acerca de ―como ensinar‖, e ao surgimento deste novo tipo de

aluno em meio à corrente revolução informacional, acabaram se refletindo no meio editorial.

Isso levou à publicação, a partir de 1990, de importantes obras voltadas à discussão sobre as

relações entre História e Cinema, e também, o que mais no interessa aqui, obras voltadas à

questão da utilização do Cinema em sala de aula (ou até especificamente sobre a utilização do

Cinema nas aulas de História). Podemos dizer, portanto, que tanto a academia quanto o

mercado editorial não demoraram a dar respostas ao novo contexto educacional que estava

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surgindo, no qual os jovens têm cada vez maior acesso a materiais audiovisuais que carregam

em si, explícita ou implicitamente, algum tipo de discurso sobre o passado.

Para desenvolvê-lo, proponho, no capítulo 1, uma análise de parte dessa literatura

levando em conta duas questões básicas: as propostas apresentadas pelos autores para o uso

do cinema em sala de aula consideram professores e alunos como sujeitos autônomos e

protagonistas na produção conhecimento? Elas introduzem a linguagem cinematográfica

como um elemento importante para a utilização dos filmes por professores de História e

alunos?

Sobre a questão da autonomia do aluno e de seu protagonismo no processo do

conhecimento, nortearei minha análise a partir das críticas feitas por Paulo Freire à ‖educação

bancária‖, modelo que tratava o aluno como mero repositório de informações dadas prontas

pelo professor. Para Freire ―ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades

para a sua própria produção ou a sua construção‖ (FREIRE, 1999, p. 52). Para além, a análise

considera uma nova forma de olhar para as relações entre professores e alunos, em

conformidade com as ideias de Ana Maria Monteiro ao afirmar que ambos ―são sujeitos,

portadores de visões de mundo e interesses diferenciados, que estabelecem relações entre si

com múltiplas possibilidades de apropriações e interpretação‖ (MONTEIRO, 2007, p. 82).

Quanto à questão da introdução de professores e alunos na linguagem cinematográfica,

verifico na análise das obras não apenas se há essa preocupação, mas também como essa

operação é feita e que tipos de propostas ela acarreta para o uso do cinema na educação

básica.

Além da publicação editorial, farei ainda a análise de algumas das dissertações

defendidas no Mestrado Profissional em Ensino de História – ProfHistória, oferecido a nível

nacional. A própria criação desse programa de pós-graduação reflete o referido contexto, pois

ele é voltado especificamente para a formação continuada de professores de História em

atuação na educação básica e se preocupa também com as questões que envolvem o ―como

ensinar‖.

No Capítulo 2, o foco principal é o exame de alguns filmes cuja temática é a ditadura

civil-militar brasileira como uma estratégia para aprofundar a discussão das questões

referentes ao uso do cinema nas aulas de História na educação básica. Para isso, abordarei a

verdadeira ―inflação de memória‖ que marcou o cinema brasileiro desde o período de

derrocada da ditadura até os diais atuais, ou seja, a questão da enorme quantidade de filmes

cujo tema ou, pelo menos, os contextos nos quais seus enredos se desenvolviam, eram a

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ditadura civil-militar implantada no Brasil a partir de 1964. Buscarei ainda situar este

fenômeno dentro das discussões acerca da importância do ensino da História do Tempo

Presente na educação básica. Por fim, ainda no segundo capítulo, realizarei uma análise de

três dos filmes selecionados que se encaixam na temática da ditadura: O que é isso,

companheiro?, Ação entre amigos e O ano em que meus pais saíram de férias.

Por fim, o Capítulo 3 apresenta a parte propositiva dessa dissertação. Nele, explico o

conteúdo do guia ―Linguagem Cinematográfica para Professores de História‖ (ver Apêndice

A) e do produto audiovisual (ver Apêndice B) que acompanham essa dissertação. Três

propostas de atividades utilizando o cinema em sala de aula compõem a parte propositiva,

cada uma a partir de um dos filmes analisados no capítulo 2. Tais propostas foram construídas

a partir dos pressupostos educacionais defendidos ao longo de toda a dissertação, como a

autonomia dos discentes, a busca da promoção da construção de conhecimento em sala de

aula e da educação para o olhar relativa à produção cinematográfica.

O material audiovisual que acompanha o guia de ―Linguagem Cinematográfica para

Professores de História‖ foi construído a partir da constatação da ausência deste tipo de

material no que diz respeito às propostas de utilização do cinema em sala de aula, conforme

analisado no capítulo 1, ou seja, as propostas analisadas, em geral, apresentam tal linguagem

de forma descritiva, apenas em linguagem escrita ou, no máximo, com uso de imagens

estáticas retiradas de filmes. Desta forma, procurei desenvolver este material levando em

consideração que a utilização de imagens em movimento é fundamental para o aprendizado da

linguagem do cinema, tanto para os professores quanto para os alunos.

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CAPÍTULO I - CINEMA E ENSINO DE HISTÓRIA

1.1 História, Educação e Cinema na sala de aula: construindo uma interação

Acerca das relações entre cinema, História e seu ensino, existe uma ampla e rica

bibliografia com diversos tipos de abordagens e propostas de utilização do cinema pelo

historiador ou pelo professor. No entanto, nesta dissertação, por questões de limite e do tipo

de análise desejada - com foco nas questões referentes à linguagem cinematográfica e à

autonomia discente – não será realizada uma discussão sobre toda esta bibliografia, mas uma

seleção das obras que me pareceram mais importantes ou que tinham maior afinidade com as

propostas aqui desenvolvidas.

No campo dos historiadores, uma importante obra de referência sobre a relação

Cinema e Ensino de História é ―Como usar o cinema em sala de aula‖, de Marcos Napolitano.

Lançado no início dos anos 2000, o livro de Napolitano desenvolveu discussões sobre a

relação cinema/ensino de História e, ao mesmo tempo, serve como guia de utilização,

apresentando diversas propostas didáticas com o uso do filme em sala de aula, além de

extensa lista de filmes.

Do ponto de vista da abordagem de professores e alunos como sujeitos autônomos e

protagonistas do conhecimento, a obra de Napolitano enxerga o professor como um mediador

que, a partir de seus próprios conhecimentos, vai possibilitar ao aluno novos olhares sobre a

obra fílmica. O autor, desta forma, critica abertamente a utilização do filme como ―ilustração‖

de conteúdo ou como ―motivador‖ para alunos desinteressados, pois segundo ele, ―a escola,

tendo o professor como mediador, deve propor leituras mais ambiciosas além do puro lazer,

fazendo a ponte entre emoção e razão de forma mais direcionada, incentivando o aluno a se

tornar um espectador mais exigente e crítico [...]‖ (NAPOLITANO, 2018a, p. 14-15). Deste

modo, as propostas do autor para o uso do cinema em sala de aula concorrem justamente para

desenvolver um aluno autônomo e crítico; para além de tornar a aula mais agradável, ele

centra suas propostas no desenvolvimento de ―habilidades‖ e ―competências‖.

Em uma proposta de utilização do filme Lamarca (1994), de Sérgio Rezende, por

exemplo, o autor indica a possibilidade de análise prévia das diferentes visões que existem

sobre o capitão Carlos Lamarca, que abandonou o exército e passou a atuar como líder

guerrilheiro contra a ditadura (NAPOLITANO, 2018a, p. 122). Assim, compreendendo

previamente que na sociedade atual existem visões e versões conflitantes sobre a vida do

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personagem principal, os alunos seriam instigados a analisar o filme tentando compreender se

e quais destas visões influenciaram os realizadores do filme.

Em uma outra proposta de atividade, o autor indica a utilização do filme Faça a

coisa certa (1989), do diretor estadunidense Spike Lee (NAPOLITANO, 2018a, p. 175-176).

A película do diretor busca explorar a grande complexidade das relações raciais e sociais da

sociedade norte-americana. Napolitano, porém, vai além da proposta de simples análise de

como estas relações são retratadas no filme, e propõem que os alunos façam uma comparação

entre estas relações e tensões presentes na sociedade dos EUA com as relações e tensões

ocorridas no Brasil. Desta forma, a proposta utiliza um filme produzido dentro e sobre outra

cultura como ponto de partida para que os alunos analisem sua própria sociedade.

Desta forma, podemos perceber claramente que, nas propostas de Napolitano o

professor não é abordado como mero ―detentor‖ do conhecimento e o filme não é utilizado

apenas como ilustração de conteúdos. Na verdade, percebemos o professor como mediador e

o filme como plataforma que possibilita a reflexão e a produção de conhecimento.

No que diz respeito à questão da linguagem cinematográfica, Napolitano destaca a

importância de seu aprendizado, sobretudo na faixa etária correspondente ao Ensino Médio,

pois, segundo ele, os alunos desta idade já estariam mais preparados a um maior

―aprofundamento das discussões temáticas‖ e a lidar com uma ―maior complexidade de

conteúdos‖ (2018, p. 27). Assim, o autor defende que o professor promova em sala de aula a

análise das linguagens utilizadas nos filmes, vendo este tipo de atividade como promotora de

um ―exercício do olhar‖, levando o aluno a compreender melhor as ―formas narrativas‖ e

―recursos expressivos‖ utilizados na produção cinematográfica (2018a, p. 28-29).

O livro de Napolitano, no entanto, não se preocupa em introduzir o leitor/professor

na linguagem cinematográfica, pois, apesar de o autor citá-la como importante e uma dentre

várias possibilidades de se explorar um filme em sala de aula, pouco ele a apresenta nas

páginas de sua obra. Quando o faz utiliza uma maneira muito descritiva - não há imagens que

exemplifiquem elementos desta linguagem e ele utiliza apenas a palavra escrita para descrever

elementos visuais como posicionamentos e efeitos de câmera, montagem, efeitos de luz e

sombra etc. Na seção do livro onde há extensa lista de filmes, seguidos de propostas didáticas,

estas, de uma forma geral, prendem-se aos elementos narrativos mais explícitos do filme (seu

enredo, seus principais personagens etc.), não considerando a necessidade do aprendizado da

linguagem cinematográfica bem como sua utilização numa análise mais aprofundada do

filme. Mesmo na seção intitulada ―Atividades de iniciação na linguagem cinematográfica‖

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(NAPOLITANO, 2018a, p. 206-207), as propostas, além de não apresentarem os elementos

de tal linguagem, continuam presas ao enredo e aos elementos narrativos mais explícitos.

Outra importante obra de referência para nós é ―Cinema & Educação‖, de Rosália

Duarte, professora da Pontifícia Universidade Católica – Rio (PUC-Rio) que desenvolve

diversos projetos na área de Educação e Mídia. Lançado no ano de 2009, o livro, que disserta

não diretamente sobre a relação Cinema/Ensino de História, mas sobre as relações entre o

Cinema e a Educação de forma ampla, já está na sua 3ª edição (2019).

Em seu trabalho, há grande valorização da autonomia de alunos e professores.

Assim, recorrendo à tradição sociológica construída a partir de Simmel, a autora destaca o

papel dos indivíduos na construção do mundo social, enfatizando que ―os protagonistas são,

ao mesmo tempo, agentes e produtos da interação social‖, e também que ―a adaptação de uma

nova geração ao mundo social sempre o modifica um pouco‖ (DUARTE, 2019, p. 15-16). Ou

seja, Duarte parte de uma perspectiva pela qual podemos considerar que professores e alunos

são agentes ativos na construção do conhecimento e que, portanto, na relação específica entre

Cinema e Educação, não cabe ao professor entregar análises prontas dos filmes para os

alunos, mas, pelo contrário, desenvolver o que ela chama de uma ―competência para ver‖

(2019, p. 13).

A ênfase que a professora Rosália Duarte dá à autonomia dos alunos no processo do

conhecimento é tão importante em sua obra que ela dedica um capítulo inteiro ao assunto: o

capítulo de número 4, denominado ―O espectador como sujeito‖. Nesta parte da obra, Duarte

ressalta a importância que o ―contar histórias‖ tem tido para a transmissão de ideias e valores

das gerações mais velhas para as mais jovens nas mais diversas sociedades ao longo do

tempo. Por outro lado, critica as visões que consideram que as novas gerações recebem essas

informações e valores de forma passiva – visões que, segundo ela, se tornam ainda mais

presentes quando estamos falando de conteúdos propagados pelas mídias audiovisuais.

No campo acadêmico, a perspectiva de um receptor passivo tem sido contestada por

abordagens que consideram o receptor das informações um agente ativo no processo, como

Duarte expõe abaixo:

A partir do início dos anos 1980, os estudos da recepção ou da interpretação de

audiências começaram a questionar essa concepção (a do receptor passivo),

alegando que, por trás do chamado ―receptor‖ (agora colocado entre aspas) existe

um sujeito social dotado de valores, crenças, saberes e informações próprios de

sua(s) cultura(s), que interage, de forma ativa, na produção dos significados das

mensagens. Pesquisas realizadas nessa área mostraram que o espectador não é vazio

nem, muito menos, tolo; suas experiências, sua visão de mundo e suas referências

culturais interferem no modo como ele vê e interpreta os conteúdos da mídia.

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[...] Tudo indica que o significado das mensagens seja produto muito mais de uma

interação entre produtor e receptor do que da imposição de sentidos de um sobre o

outro. (DUARTE, 2019, p. 54)

Portanto, Duarte parte da crítica à visão de um receptor passivo frente aos produtos

audiovisuais para uma concepção na qual passa a se considerar que, antes mesmo da

―recepção‖, ele já é um sujeito eivado de valores, referências culturais, experiências, e que

estas podem fazer toda a diferença na experiência dele com o audiovisual. No entanto, a

autora também busca alertar para que estas novas perspectivas não se dirijam ao outro

extremo, ou seja, não cabe considerar o indivíduo receptor de forma isolada, pois tais

indivíduos fazem parte de um ―ambiente de significação coletiva‖, o que quer dizer que sua

experiência individual se dá também com relação aos outros de sua comunidade (2019, p. 63).

No que se refere à importância da linguagem cinematográfica, Duarte também

valoriza seu domínio e aprendizado como forma de tornar a interpretação dos filmes mais rica

e aprofundada, para estimular que o sujeito seja ainda menos passivo. Perguntando-se se os

espectadores são uns mais suscetíveis do que outros às tentativas de imposição de sentidos nas

obras cinematográficas, ela conclui que ―essa suscetibilidade não está ligada à idade ao grau

de escolaridade do sujeito, mas, acima de tudo, ao maior ou menor domínio dos códigos que

compõem a linguagem cinematográfica‖ (DUARTE, 2019, p. 64).

No que diz respeito à educação formal propriamente dita, enfatiza-se na obra o

importante papel na formação do ―espectador‖ de cinema, pois, segundo a autora ―as

narrativas fílmicas falam, descrevem, formam e informam. Para fazer uso delas é preciso

saber como elas fazem isso‖ (DUARTE, 2019, p. 76). Assim, não basta ampliar o acesso dos

alunos aos filmes, isto também é importante, mas o domínio de sua linguagem interna pode

promover um aprendizado cada vez mais autônomo e construtivo. Para ela,

[...] se o domínio dos códigos que compõem a linguagem audiovisual constitui

poder em sociedades que produzem e consomem esse tipo de artefato, é tarefa dos

meios educacionais oferecer os recursos adequados para a aquisição desse domínio e

para a ampliação da competência para ver, do mesmo modo como fazemos com a

competência para ler e escrever. (DUARTE, 2019, p. 68)

Contudo, apesar de levar em conta a importância do aprendizado básico dos códigos

internos da linguagem própria do cinema, Duarte não se propõe em sua obra a explicar e/ou

analisar estes códigos, pelo menos não de forma ampliada e nem como uso de recursos

visuais. No capítulo intitulado ―Notas sobre uma linguagem‖, a autora apresenta breves

explicações sobre alguns elementos básicos da linguagem cinematográfica como câmera,

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iluminação, som e montagem, mas o faz apenas através da linguagem escrita, o que pode

dificultar ao leitor o entendimento dos mesmos.

O professor Arthur Versiani Machado, docente do Instituto Federal de Minas Gerais

(IFMG) – Ouro Preto, por sua vez, lançou em 2015 a obra ―Filmes históricos no Ensino de

História‖, pela Paco Editorial - editora fundada em 2009 com a proposta de publicar

conteúdos científicos de pesquisadores bem como conteúdo técnico de suporte a profissionais

de diversas áreas. Na obra, logo na sua ―Introdução‖, Machado tece incisiva crítica aos

objetivos que permearam o ensino de História no Brasil desde seus primórdios até a década de

1970. Segundo o autor, o ensino da disciplina durante aquele período buscava uma ―[...]

integração social dos indivíduos, em sua versão mais conservadora, ou seja, a integração

entendida como adaptação, ajustamento‖ Com esse intuito, privilegiava-se uma metodologia

de ensino voltada ao desenvolvimento de um espírito cívico, baseada, para tanto, na

―memorização e identificação de fatos e personagens considerados mais marcantes da história

nacional‖ (MACHADO, 2015, p. 7).

Este panorama educacional, no entanto, teria começado a mudar a partir dos anos

1980, segundo o autor, devido a diversos fatores, tais como: o enfraquecimento e a derrocada

da ditadura civil-militar, o contínuo processo de democratização da escola pública e,

consequentemente, a ―[...] reformulação dos programas e objetivos educacionais da disciplina

história‖ em grande parte dos Estados do país (MACHADO, 2015, p. 7). Estas

transformações, correntes até os dias atuais, passaram a buscar a

[...] adoção de uma postura crítica por parte dos alunos, que deveriam exercer, agora,

o papel de sujeitos ativos na construção do seu próprio conhecimento, abandonando

a antiga condição de meros receptáculos de uma informação já pronta e consagrada.

(MACHADO, 2015, p. 7-8)

Podemos incluir a obra de Machado, portanto, dentro das mais recentes propostas

educacionais da área do ensino de História e também da educação num sentido mais amplo.

Essas propostas abordam o ensino propriamente dito como algo dinâmico e os alunos como

sujeitos aos quais devem os professores e o sistema educacional em geral proporcionar o

desenvolvimento intelectual de forma que possam agir no mundo de forma autônoma e

crítica.

Ao discorrer sobre as formas como os filmes vêm sendo utilizados nas salas de aula nos

últimos tempos, marcados pela proliferação das Tecnologias de Informação e Comunicação

(TICs), o professor Machado critica o seu uso como mera ilustração do conteúdo abordado.

Para ele, o uso das TICs, como no caso da utilização de filmes, muitas vezes se apresenta com

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uma roupagem de modernidade ou de novidade no espaço escolar, no entanto, acaba se

revelando como ―[...] tão somente uma forma renovada de se transmitir e fixar informação,

desperdiçando-se as enormes potencialidades pedagógicas do meio‖ (MACHADO, 2015,

p.10). Desta forma, segundo o próprio autor, seu livro foi produzido com o intuito de

propiciar aos professores metodologias de utilização dos filmes históricos ―[...] de forma mais

adequada, fornecendo aos alunos condições para que possam desenvolver uma capacidade de

análise, interpretação e crítica mais sólida e permanente‖ (2015, p. 10).

Acerca da importância do aprendizado da linguagem cinematográfica, Machado a

considera como mais um dos vários aspectos dos filmes que podem ser encarados como

objetos de estudos nas escolas. Assim, segundo ele,

[...] deve-se ressaltar que as imagens fílmicas, em qualquer suporte midiático, devem

tornar-se, além de meios, objetos de estudo da escola. Só assim os alunos poderão

conhecer a sua linguagem, seus sofisticados mecanismos internos, suas virtualidades

estéticas, enfim, todas as vantagens e potencialidades das novas tecnologias [...].

(MACHADO, 2015, p. 37)

Machado, desta maneira, ressalta a possibilidade da exploração do que chama de

―função metalinguística‖ das obras cinematográficas, ou seja, a exploração didática dos

próprios códigos internos da linguagem cinematográfica. Em suas palavras, os elementos de

sua linguagem específica ―[...] possuem também um caráter expressivo e dramático,

comunicando sentimentos dos personagens, opiniões do autor, concepções de mundo, entre

outras informações que nos são oferecidas de forma não necessariamente verbal‖

(MACHADO, 2015, p. 42).

No entanto, o autor/professor do IFMG-Ouro Preto não dedica no seu livro um

espaço onde poderia introduzir o professor na linguagem cinematográfica propriamente dita.

No capítulo IV, no qual desenvolve suas propostas metodológicas a fim de promover no aluno

uma maior capacidade de análise, ele apenas cita novamente a importância dos códigos de

linguagem internos do cinema para a construção deste aluno/espectador crítico, mas não

aprofunda o tema nem exemplifica os elementos daquela linguagem ao leitor/professor.

Outra importante publicação na área, lançada no ano de 2017, foi ―Cinema e

Educação: reflexões e experiências com professores e estudantes de educação básica, dentro e

‗fora‘ da escola‖, de Adriana Fresquet. Esta professora da Faculdade de Educação da UFRJ tem

produzido ricas publicações e coordenado interessantes projetos que aproximam cinema e

educação, como o projeto de pesquisa ―Currículo e Linguagem Cinematográfica na Educação

Básica‖.

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A obra de Fresquet é bastante contundente no que diz respeito à questão da visão do

aluno como um agente histórico que, portanto, sofre as pressões do contexto no qual vive mas

que, também, é partícipe de sua construção. Sobre as diversas experiências que já desenvolveu

na área de cinema/educação, a própria autora diz que as realizou ―visando uma pedagogia

emancipadora que fuja da explicação e aposte nas capacidades sensíveis e intelectuais dos

sujeitos, espectadores/atores-aprendentes/‗ensinantes‘‖ (FRESQUET, 2017, p. 10). Sua defesa

de uma pedagogia que considere o aluno como ser pensante e que busque desenvolver sua

autonomia chega a ser inspiradora, como exposta no trecho a seguir:

De fato, o cinema nos oferece uma janela pela qual podemos nos assomar ao mundo

para ver o que está lá fora, distante no espaço ou no tempo, para ver o que não

conseguimos ver com nossos próprios olhos de modo direto. Ao mesmo tempo, essa

janela vira espelho e nos permite fazer longas viagens para o interior, tão ou mais

distante de nosso conhecimento imediato e possível. A tela de cinema (ou do visor

da câmera) se instaura como uma nova forma de membrana para permear um outro

modo de comunicação com o outro (com a alteridade do mundo, das pessoas, das

coisas, dos sistemas) e com o si próprio. (FRESQUET, 2017, p. 19)

Além da valorização do aluno como ser pensante e capaz de produzir novos

conhecimentos e novos olhares, a autora ressalta a importância do próprio cinema como capaz

de desafiar hierarquias cristalizadas, pois ―ao assistir um filme [...] não há uma relação que

coloque os corpos de frente uns para os outros, espelhando o enfrentamento entre quem tem

posse de um saber e quem o ignora‖ (FRESQUET, 2017, p. 23).

No que diz respeito à importância do aprendizado da linguagem cinematográfica

como potencializador do processo educativo, Fresquet, baseada principalmente nas ideias e

experiências de Alain Bergala com cinema/educação, critica a excessiva pedagogização do

cinema na escola, o que reforçaria hierarquias. Assim, tanto Fresquet quanto Bergala ressaltam

a ―importância de evitar qualquer pedagogia que se estabeleça de maneira dogmática,

aferrando-se rigidamente a um saber (muitas vezes, incompleto e reducionista) dos elementos

da linguagem do cinema‖, o que inclusive diminuiria a ―experiência de iniciação em uma arte‖

(FRESQUET, 2017, p. 56).

Desta forma, em comparação com as demais obras, a publicação de Fresquet, por um

lado, considera interessante o ensino/aprendizagem da linguagem cinematográfica, como os

demais autores aqui pesquisados, mas, por outro lado, a autora defende propostas pedagógicas

nas quais privilegia a liberdade/autonomia dos alunos, buscando evitar que o contato com tal

linguagem crie uma excessiva intervenção externa onde novamente as hierarquias se

reafirmariam. Ademais, as propostas apresentadas pela autora no livro focam principalmente

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nas experiências da própria com o uso do cinema na educação básica, experiências estas que

privilegiaram a produção de conteúdos pelos alunos, não sendo então dedicado na obra um

espaço de introdução da linguagem cinematográfica ao leitor.

No ano de 2018, o professor doutor em Educação Rodrigo de Almeida Ferreira,

docente na Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, bastante atuante na

área de Pesquisa e Práticas de Ensino de História, lançou importante obra dentro da temática

aqui discutida. Denominado ―Luz, Câmera e História: práticas de ensino com o cinema‖, seu

livro, dentre os que foram analisados para este trabalho, me parece ser o mais rico em

aprofundamento e diversidade de propostas de ensino de História com a utilização do cinema.

Com relação à autonomia do aluno, Ferreira centra suas reflexões, objetivos e

propostas em desenvolvê-la. O autor considera esse o foco principal de sua obra, afirmando

logo na apresentação que, a partir de suas propostas, ―o jovem-estudante poderá encontrar

condições para a construção de sua autonomia‖ (FERREIRA, 2018, p. 10). Tendo como

núcleo orientador de suas reflexões ―o princípio da educação para a formação crítico-cidadã‖,

o autor também acredita que o uso do cinema em sala de aula possa se dar com o intuito de

proporcionar uma ―educação do olhar‖ (2018, p. 11).

Ferreira certamente está embasado nas teorias e propostas educacionais que vêm

sendo desenvolvidas nas últimas décadas no Brasil e no mundo, pois claramente sua

concepção teórico-metodológico desafia as propostas educacionais que consideravam os

alunos como ―tábulas rasas‖ nas quais o professor, muito visto em tempos passados como

espécie de ―dono do saber‖, derrama todo o seu conhecimento, enquanto os alunos,

desconsiderados em suas individualidades e especificidades, recebem esse ―conhecimento‖

passivamente. O autor, pelo contrário, valoriza uma ―educação dialógica, colaborativa entre

professor e aluno, pautada por reflexões e questionamentos ao processo histórico,

mobilizando múltiplas metodologias e fontes‖ (FERREIRA, 2018, p. 11). Suas propostas,

bem como as dos demais autores da área, de uma forma geral, combatem certa ―concepção

utilitária do cinema‖ (FERREIRA, 2018, p. 43).

Ferreira busca também, em seu trabalho, ressaltar as mudanças ocorridas no Brasil e

no mundo a partir dos anos 1980 no que diz respeito tanto ao maior acesso de professores e

alunos aos filmes, devido à cada vez maior proliferação de meios de comunicação de massa,

quanto com relação às importantes mudanças educacionais de caráter teórico-metodológico e

também legal. O autor chama a atenção, por exemplo, para a maneira como os PCNs

abordaram a noção de documento histórico de forma bastante ampliada, refletindo as próprias

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mudanças historiográficas ainda mais longínquas, que remontam à revolução na pesquisa

histórica iniciada com a Escola dos Annales e que passam, obviamente, no caso do cinema,

pelas teorias de Marc Ferro, pioneiro no debate sobre o filme visto como documento. Assim,

estas mudanças possibilitaram ―novas formas e abordagens para o trabalho docente‖, sendo

que, as imagens, por exemplo, podem ―[...] ser indagadas, para além de seu conteúdo, sendo

dimensionadas nos contextos em que foram elaboradas, recriadas e reutilizadas‖ (FERREIRA,

2018, p. 46).

No que diz respeito à linguagem cinematográfica, Ferreira, em suas propostas,

valoriza o seu aprendizado como forma de enriquecer e aprofundar a compreensão dos filmes

em toda a sua multiplicidade, ―para além do objetivismo ou do subjetivismo‖ (2018, p. 53).

Assim, o aprendizado da linguagem própria do cinema é importante prerrogativa para

―potencializar o uso do filme na área educacional‖ (FERREIRA, 2018, p. 58). Desta forma,

Independentemente da estrutura e do gênero, o filme possui elementos comuns em

sua produção. Esclarecer o jovem espectador sobre as principais etapas inerentes à

realização de um filme faz parte da educação do olhar, especialmente para aqueles

que estão iniciando o desenvolvimento de sua cultura cinematográfica. (FERREIRA,

2018, p. 69)

De todas as obras aqui analisadas sobre a relação entre o Cinema e o Ensino de

História, a de Ferreira é a que dedica um espaço mais detalhado à introdução do leitor na

linguagem cinematográfica. O autor explica e reflete sobre diversos elementos desta

linguagem, como a decupagem, a montagem, os elementos diegéticos e não-diegéticos1, o

enquadramento, as formas de posicionamento e de movimentação das câmeras etc. No

entanto, também o faz de forma descritiva e, em geral, utilizando a palavra escrita – com

exceção de alguns poucos elementos gráficos (fotografias de cenas de filmes) introduzidos em

meio às explicações.

Um interessante ponto a ser destacado na obra de Ferreira são suas propostas de

utilização de filmes nas aulas de História, pois o autor apresenta atividades que buscam a

análise dos filmes de formas variadas, intentando explorar as obras em toda sua

multiplicidade. Assim, o autor propõe ações que vão desde a contextualização do tema do

filme, passando pela contextualização de sua produção, pelas questões financeiras envolvidas

1 Chama-se no cinema de ―som diegético‖ aquele que faz parte do universo dos personagens do filme, como por

exemplo uma música sendo tocada no carro de um personagem enquanto ele dirige ou o barulho do tiro de um

revólver. Chama-se de ―não-diegético‖ aquele que não é ouvido pelos personagens, somente pelos espectadores,

como uma música que confere tensão a uma determinada cena ou uma narração in-off.

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no processo, pela repercussão da obra e, finalmente, pela análise da narrativa fílmica

propriamente dita. Novamente, dentre estas propostas o autor defende uma proximidade de

estudantes e professores com os elementos próprios do cinema, pois, para ele, ―a expectativa é

que as aulas na interface com o cinema-história tendam a ser mais estimulantes à medida que

se amplia o domínio desse instrumental pelos discentes‖ (FERREIRA, 2018, p. 108).

Como vimos até aqui, a produção bibliográfica produzida acerca da aproximação

entre cinema e ensino de História tem buscado cada vez mais a construção de uma pedagogia

que valorize a autonomia do aluno e as diversas possibilidades da utilização do cinema em

sala de aula, sendo o professor um importante mediador deste processo e promotor da reflexão

e do debate em sala de aula. Como veremos no próximo item, esta produção não ficou restrita

a autores mais presentes no meio acadêmico, mas tem tido também importantes contribuições

de professores da educação básica.

1.2 A relação cinema-história nas dissertações do ProfHistória

Além das produções bibliográficas publicadas para o grande público, outro

importante manancial de produções voltadas ao Ensino de História são aquelas resultantes de

pesquisas realizadas no âmbito do Mestrado Profissional em Ensino de História -

ProfHistória. Este curso de mestrado de caráter nacional, oferecido por diversas instituições

associadas por todo o país, é voltado justamente para o professor em atuação na educação

básica, o que torna suas produções fontes privilegiadas para uma pesquisa em busca de

propostas inovadoras para o Ensino de História.

Desta forma, entre os dias 19 e 21 de abril de 2019, acessei o banco de dissertações

do site do ProfHistória2 onde, na categoria ―livre‖, realizei buscas pelas seguintes palavras ou

expressões: ―cinema‖, ―filme‖, ―audiovisual‖, ―cultura visual‖, ―mídia‖ (ou ―mídias‖),

―linguagens‖ e ―TICs‖. Como resultados, encontrei 21 dissertações que continham tais

palavras e expressões no título, no resumo ou nas palavras-chave. Analisei os resumos das

mesmas com o objetivo de aferir as discussões centrais desenvolvidas por seus autores e

autoras, bem como verificar as propostas pedagógicas e produtos educacionais propostos. Por

fim, a partir desta etapa, dependendo da proximidade de cada uma delas com a temática ou

com a proposta/produto do meu próprio projeto de dissertação, fui além do resumo e li os

2 Disponível em: https://profhistoria.ufrj.br/banco_tese. Acesso entre 19 e 21 de abril de 2019.

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textos dissertativos propriamente ditos. Das 21 dissertações encontradas nas buscas, seis se

enquadraram neste último grupo.

Do ponto de vista do ensino-aprendizagem, as dissertações analisadas, de uma forma

geral, consideram que há atualmente uma enorme necessidade de serem desenvolvidas

metodologias que privilegiem o protagonismo do (a) aluno (a) e que sejam abandonadas as

várias práticas do ensino tradicional (professor como portador da ―verdade‖, aprendizagem

baseada na memorização, história factual etc.). Além disso, muitas delas consideram que isso

se torna ainda mais urgente por conta da nova geração de alunos que, devido às profundas

transformações tecnológicas das últimas décadas, está imersa sob vários suportes e

plataformas informacionais (TVs, celulares, tablets etc.) que propagam continuamente

enorme variedade de conteúdos – inclusive conteúdos que contêm, implícita ou

explicitamente, narrativas sobre o passado.

Nesta perspectiva, encontrei algumas passagens como a de Maicon Roberto Poli de

Aguiar, em sua dissertação defendida na Universidade do Estado de Santa Catarina, cuja

abordagem central são as narrativas midiáticas acerca do Oriente Médio:

[...] a relação estabelecida entre professores (as) e estudantes não pode ser mais

unilateral, na qual estudantes precisam ficar atentos exclusivamente ao

conhecimento trazido pelo(a) professor(a), supostamente, portador do único e

verdadeiro saber. O corpo discente é portador de conhecimento, em parte

desconhecido pelo(a) docente, devendo compartilhar o mesmo para a ampliação das

discussões, sendo o(a) professor(a) fundamental na mediação desse debate,

contrapondo os vários pontos de vista e análises acerca da temática em questão,

levando os(as) estudantes a serem questionadores, com diversos suportes

argumentativos, na composição de suas opiniões. (AGUIAR, 2017, p. 74)

Nice Rejane da Silva Oliveira, por sua vez, que defendeu interessante dissertação na

Universidade Federal do Tocantins, acerca de experiências com cinema nas aulas de História

numa escola do Maranhão, após criticar o fato de que ―os professores não problematizam a

linguagem cinematográfica‖, esclarece que um dos seus objetivos básicos é ―perscrutar o

potencial comunicativo da narrativa fílmica na educação básica, de forma a estimular os

alunos a interagirem com a imagem de forma crítica‖ (OLIVEIRA, 2018, p. 8).

A questão da perspectiva da autonomia do aluno e da consideração do aluno como

um ser histórico influenciado pelo seu contexto e capaz de produzir conhecimento também

está presente na dissertação de Rafael Alves Bastos Privatti denominada ―Desenhos animados

e ensino de História: uma aposta para o letramento nas séries iniciais da escolarização‖,

defendida na PUC-Rio, em 2016. No seu trabalho, Privatti enfatiza tal autonomia ao

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considerar que os alunos das primeiras séries do Ensino Fundamental são ―[...] indivíduos

capazes de pensar historicamente‖ (PRIVATTI, 2016, p. 18), ou ainda que ―os contatos dos

educandos, em seus primeiros anos de escolarização, com temáticas da História numa

perspectiva crítica constituem estratégias eficientes no processo de formação de consciências

históricas plurais‖ (OLIVEIRA, 2018, p. 6).

Com base em trabalho de produção de vídeos a partir de dramatizações de seus

alunos, que serviu de fonte para sua dissertação defendida na Universidade Federal de Mato

Grosso, Alethéia Paula Lapas Prado afirma que, ―através do estudo dessas fontes, procuro

compreender, entre outras coisas, como os estudantes desenvolvem a sua consciência

histórica, que sentidos atribuem à história e como concebem o passado‖ (PRADO, 2018, p.

14). Ou seja, muito além de apenas oferecer conteúdos da disciplina aos estudantes, a

autora/professora buscou estimulá-los a refletir e a expressar seus entendimentos acerca de

determinados conhecimentos históricos.

Podemos encontrar também, na dissertação da professora Denise Quitzau Kleine,

cujo título é ―Cinema e Ensino de História: propostas para uma abordagem da Pluralidade

Cultural nas séries finais do Ensino Fundamental‖, defendida em 2016 na Universidade

Federal do Rio Grande do Sul, referências tanto à inundação de informações no contexto

atual, devido à proliferação dos mais diversos suportes de comunicação, quanto à questão da

autonomia dos alunos e da busca de construção de uma visão crítica entre eles. Desta forma, a

autora considera que:

A sociedade contemporânea caracteriza-se por uma quantidade muito grande de

informações, resultante tanto da fluidez como da capacidade de armazenamento e de

troca de dados. Essa característica reflete-se no perfil dos alunos que frequentam os

bancos escolares e para os quais o modelo tradicional de ensino não dá conta de suas

necessidades e que demandam a revisão das teorias de aprendizagem. (KLEINE,

2016, p. 20-21)

A autora reforça ainda a abordagem dos discentes como seres autônomos quando diz

que

A utilização do cinema em sala de aula deve possibilitar ao aluno desenvolver uma

educação do olhar, incentivando-o, ao assistir a um filme de ficção, um filme

histórico ou de inspiração na história, a refletir, a realizar alguns questionamentos, a

não aceitar a obra de ―peito aberto‖, de forma completamente acrítica. (KLEINE,

2016, p. 34)

Das seis dissertações pesquisadas no banco do ProfHistória, sem dúvida, a que se

relaciona mais diretamente ao presente trabalho é a de Deborah Silva de Queiroz, pois suas

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pesquisas procuraram construir reflexões e propostas acerca da utilização de filmes em sala de

aula abordando especificamente aqueles que buscaram retratar o período da ditadura civil-

militar brasileira.

Denominada ―Memória da resistência à ditadura militar brasileira: guia para

utilização de filmes em sala de aula‖, defendida em 2016, a dissertação de Queiroz, no

entanto, não me pareceu muito clara quanto à sua visão com relação aos alunos. Seu ―Guia

para análise fílmica em sala de aula‖ contém um conjunto de perguntas que pode levar os

alunos a entender a ―narrativa fílmica‖ em ―qualquer‖ filme. Para isso, segundo Queiroz,

devemos fazer as seguintes indagações: ―[...] o diretor está querendo demonstrar e/ou

defender um ponto de vista? Que recursos ele utiliza para alcançar o seu objetivo? Qual o eixo

da narrativa fílmica? Existe alguma razão para o filme começar dessa forma? E por que ele

finaliza de tal maneira?‖ (QUEIROZ, 2016, p. 96).

Queiroz, desta forma, não se aprofunda e nem explicita de forma clara, qual é sua

abordagem sobre o aluno em sala de aula, parecendo, assim, que o citado conjunto de

perguntas já é suficiente para que o aluno perceba a questão da ―narrativa fílmica‖, ou seja,

perceba o filme como uma criação feita a partir de um contexto e de escolhas de um conjunto

de profissionais envolvidos. Segundo ela própria, aquele conjunto de indagações compõe uma

―[...] proposição que pode ser estendida para qualquer atividade com filmes em geral‖

(QUEIROZ, 2016, p. 96).

Após esta análise, tanto das produções editoriais quanto das dissertações do

ProfHistória, podemos concluir que, de uma forma geral, os autores das obras partem de

perspectivas que consideram o universo do aluno bem como promovem a construção de

habilidades que favoreçam seu desenvolvimento de forma autônoma e crítica. Assim, suas

reflexões e propostas, a princípio, procuram superar o modelo tradicional de ensino baseado

na memorização e centrado no professor, promovendo o que alguns chamam de uma

―competência para ver‖. Com relação, no entanto, à introdução de professores e estudantes na

linguagem cinematográfica, não foram encontrados nas obras analisadas maiores

esclarecimentos, a não ser algumas citações de que seu exercício poderia ser interessante para

enriquecer o aprendizado de História na educação básica.

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1.3 Algumas considerações acerca das narrativas cinematográficas sobre o passado

Se a fotografia no século XIX encantou o mundo e fez parecer que enfim o homem

havia conseguido capturar imagens da própria realidade, o cinema, com suas imagens em

movimento, parecia suplantá-la no fim daquele mesmo século. As primeiras gravações, dos

irmãos Lumière flagravam justamente cenas da realidade cotidiana, como nos pioneiros ―A

saída da fábrica‖ ou a ―Chegada do trem‖. Conta-se que, nas primeiras projeções deste último,

muitas pessoas saíam correndo da sala de projeção, com medo do que estavam vendo. Parece

que ―o medo foi produto da crença absoluta na imagem‖ (FRESQUET, 2017, p. 66).

Se num primeiro momento a invenção dos irmãos Lumière assustou bastante gente

em Paris, muito rapidamente ela se propagou e passou a assustar (e também a encantar)

espectadores no mundo todo: em apenas uma década, operadores Lumière já haviam sido

levados para todo o planeta e mais de 1400 filmes já haviam sido produzidos (FRESQUET,

2017, p. 64-65).

Mas, o que será mesmo esse poder de representação da realidade que o cinema tem?

Parece que há nos filmes uma força de criar no espectador a ideia de que o que está na tela

representa o que realmente aconteceu. Christian Metz, teórico do cinema, chamou este

fenômeno de ―impressão de realidade‖:

De todos estes problemas de teoria do filme, um dos mais importantes é o da

impressão de realidade vivida pelo espectador diante do filme. Mais do que o

romance, mais do que a peça de teatro, mais do que o quadro do pintor figurativo, o

filme nos dá o sentimento de estarmos assistindo diretamente a um espetáculo quase

real [...]. Desencadeia no espectador um processo ao mesmo tempo perceptivo e

afetivo de ‗participação‘ (não nos entediamos quase nunca no cinema), conquista de

imediato uma espécie de credibilidade [...], encontra o meio de se dirigir à gente no

tom da evidência, como que usando o convincente ‗É assim‘, alcança sem

dificuldade um tipo de enunciado que o linguista qualificaria de plenamente

afirmativo e que, além do mais, consegue ser levado em geral a sério. Há um modo

fílmico da presença o qual é amplamente crível. Este ‗ar de realidade‘, este domínio

tão direto sobre a percepção têm o poder de deslocar multidões [...]. (METZ, 1972,

p. 16-17)

Desta forma, desde as primeiras apresentações dos irmãos Lumière até os dias atuais,

há uma força do cinema em levar para o mundo inteiro essa ―realidade‖ que, no entanto, ao

invés de ser a realidade ―tal qual ocorreu‖, pode ser considerada muito mais como uma

representação. Aqui, considerarei o filme como representação do passado, e, como tal, o

mesmo pode ser visto tanto como produto quanto como produtor de seu tempo. Mas, se o

filme não é a própria realidade passada a limpo na tela, ou a representação do passado tal qual

ele ocorreu, o que então ele é?

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Para além da ―impressão de realidade‖, podemos olhar o filme tanto sob uma

abordagem que o considera um documento histórico, ou seja, um documento que diz muito

mais sobre seu próprio contexto de produção do que sobre o passado representado. Mas,

também podemos abordá-lo sob a perspectiva da própria narrativa, ou seja, a partir da

compreensão dos discursos ou narrativas que ele propaga sobre o passado.

Com relação à primeira abordagem, podemos conceber os produtos cinematográficos

- e também alunos e professores - como partícipes da ―espiral da cultura histórica‖ (ROCHA,

2014, p. 38). Isso significa que são, em maior ou menor grau, tanto influenciadores como

influenciados pela cultura histórica circulante. Tanto produtos como produtores de História.

Entendendo a cultura histórica como constante campo de disputas de memórias e

versões sobre o passado, podemos analisar a produção cinematográfica como parte destas

disputas e, também, como construtora de visões sobre o passado. Desta forma, longe de

retratar o passado de forma ―real‖, a produção cinematográfica contém uma determinada

narrativa sobre o passado, resultante das diversas disputas sociais pela construção de um

determinado passado a partir dos condicionamentos de determinado presente, dos

condicionamentos da própria linguagem interna do cinema e dos contextos mais diretamente

ligados à produção cinematográfica (interesses comerciais, estatais). Kornis, neste sentido,

entende que

Filmes e programas de televisão são [...] documentos históricos do seu tempo,

inclusive os títulos cujo conteúdo volta-se para o passado, uma vez que são

produzidos sob um olhar do presente. [...] a linguagem audiovisual, ao longo de todo

esse tempo, construiu formas de representação e de reconstrução do passado em

contextos históricos diversos e segundo diferentes concepções estéticas. (KORNIS,

2008, p. 10)

Desta forma, consideraremos o filme como tendo sido produzido num determinado

tempo presente, influenciado pelas diversas disputas de memórias e histórias acerca do

passado, respondendo a determinadas demandas daquele próprio tempo em que é produzido.

Um filme é, portanto, um discurso narrativo dentro da ―espiral da cultura histórica‖, que cria

uma narrativa sobre o passado a partir dos elementos desta cultura histórica, e, além disso,

com uma linguagem bem própria, a sua linguagem interna - que defendo aqui como de

fundamental importância para uma compreensão mais aprofundada acerca das narrativas

cinematográficas. Assim,

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Os filmes não são criados no vácuo. Eles surgem de uma tradição cinematográfica e

são produzidos em um contexto social que contribui perfeitamente com o filme e a

sua recepção. [...] Cada filme é amparado por um conjunto de órgãos vitais: mitos

antigos, tipos conhecidos de personagens e convenções narrativas já usadas, todos

reanimados [...] por um indivíduo iluminado. (EDGAR-HUNT; MARLAND;

RAWLE, 2013, p. 69)

Isto posto, as propostas aqui desenvolvidas partem de uma abordagem histórica que

claramente tem suas raízes na revolução historiográfica provocada pelos Annales e que,

obviamente, passa pelas teorias de Marc Ferro - os Annales, no sentido da ampliação que seus

integrantes provocaram na noção de documento histórico, o que abriria caminho para que o

Cinema fosse visto como tal, e Marc Ferro devido à sua enorme contribuição acerca do debate

sobre as relações entre o Cinema e a História, ao criar a ideia de que é possível interpretar o

filme como uma verdadeira ―contra-análise‖ da sociedade que o produziu. Para Ferro, mais do

que aquilo que está explícito, há nos filmes algo de implícito, há um certo não-dito, onde o

pesquisador pode encontrar importantes elementos sobre a sociedade que os criou. Desta

forma, o cinema

destrói a imagem do duplo que cada instituição, cada indivíduo se tinha constituído

diante da sociedade. A câmara revela o funcionamento real daquela, diz mais sobre

cada um do que queria mostrar. Ela descobre o segredo, ela ilude os feiticeiros, tira

as máscaras, mostra o inverso de uma sociedade, seus lapsos. Ela atinge suas

estruturas. Isso é mais do que seria necessário para que após o tempo do desprezo

venha o da suspeita, o do temor. As imagens, as imagens sonoras, esse produto da

natureza, não poderiam ter, como o selvagem, nem língua nem linguagem. A ideia

de que um gesto poderia ser uma frase, ou um olhar um longo discurso é

completamente insuportável: isso não significaria que a imagem, as imagens

sonoras, o grito dessa mocinha ou essa multidão amedrontada constituem a matéria

de uma outra história que não é a História, uma contra análise da sociedade.

(FERRO, 1992, p. 86)

Desvendar estes não-ditos apontados por Ferro, ou seja, buscar uma aprofundada

compreensão da narrativa fílmica pela qual poderemos entender melhor seu contexto de

produção, me parece ser um aspecto de análise fílmica de grande potencial pedagógico, pois

os filmes, polissêmicos que são, possibilitariam inúmeras formas de abordagens em sala de

aula. Como o próprio Ferro observa,

[...] não seria suficiente empreender a análise de filmes, de trechos de filmes, de

planos, de temas, levando em conta, segundo a necessidade, o saber e a abordagem

das diferentes ciências humanas. É preciso aplicar esses métodos a cada um dos

substratos do filme (imagens, imagens sonorizadas, não sonorizadas), às relações

entre os componentes desses substratos; analisar no filme tanto a narrativa quanto o

cenário, a escritura, as relações do filme com aquilo que não é filme: o autor, a

produção, o público, a crítica, o regime de governo. Só assim se pode chegar à

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compreensão não apenas da obra, mas também da realidade que ela representa.

(FERRO, 1992, p. 87)

Por sua vez, nossa abordagem sobre a relação entre Cinema e Histórica aqui

discutida, relacionada à narrativa sobre o passado propagada pelos filmes, se insere dentro de

um debate mais amplo acerca das narrativas sobre o passado que circulam socialmente de

uma forma geral, e não só dentro das salas de cinema. Neste sentido, tomo como referência as

teorias de Jörn Rüsen acerca da narrativa histórica.

Para Rüsen, todo pensamento histórico está sob procedimento de uma narrativa de

uma história, ou seja, o passado é apresentado ao presente em forma de narrativa. Assim,

―narrar é uma prática cultural de interpretação do tempo, antropologicamente universal‖

(RÜSEN, 2001, p. 149). A partir deste sentido de narrativa proposto pelo autor, considero que

o filme, ao apresentar o passado, o faz em forma de determinada narrativa, tornando-o crível e

inteligível aos homens e mulheres do presente, possibilitando a eles uma determinada

―identidade histórica‖. Sobre esta questão da narrativa histórica, Rüsen argumenta que

é decisivo [...] que sua constituição de sentido se vincule à experiência do tempo de

maneira que o passado possa tornar-se presente no quadro cultural de orientação da

vida prática contemporânea. Ao tornar-se presente, o passado adquire o estatuto de

‗história‘.

[...]

―Sentido‖ articula percepção, interpretação, orientação e motivação, de maneira que

a relação do homem consigo e com o mundo possa ser pensada e realizada na

perspectiva do tempo. Sentido histórico na relação com o mundo significa uma

representação da evolução temporal do mundo humano tanto baseada na experiência

quanto orientadora e motivadora do agir. Também na relação do homem com si

mesmo, o tempo é interpretado em consecução, de modo que seja alcançado um

mínimo de consciência do ―eu‖: a identidade histórica. (RÜSEN, 2001, p. 155-156)

Buscando relacionar a abordagem de Rüsen acerca da narrativa histórica em geral

com a questão da narrativa fílmica sobre o passado, podemos considerar que os realizadores

de um determinado filme sobre tempos pretéritos o fazem de forma a levar ao espectador uma

determinada compreensão sobre esse passado. Deve haver por parte de diretores de cinema e

demais profissionais envolvidos um esforço de fazer o passado tornar-se presente a quem

assiste, ou seja, imprimir-lhe um determinado sentido (ou uma ―impressão de realidade‖?).

O que mais importa aqui é que, ao construir uma narrativa sobre o passado, o filme o

faz sob determinado contexto histórico, o que gera tanto possibilidades quanto

condicionamentos, mas também o faz sob determinado código de linguagens característico da

sétima arte, ou seja, a linguagem cinematográfica propriamente dita. Assim, proponho uma

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abordagem do uso do cinema nas aulas de História que leve em conta o contexto de produção

dos filmes, que busque compreender ―o que‖ o filme diz sobre o passado e, também, e muito

importante, ―como‖ ele diz.

Neste sentido, considerando que o filme não retrata a realidade passada propriamente

dita, mas uma certa narrativa sobre o passado, a metodologia proposta projeta a construção de

uma certa consciência narrativa, por parte dos alunos. Ao dispor propostas e ferramentas para

tal abordagem em sala de aula, possibilitaria o desenvolvimento uma visão crítica e autônoma

dos alunos acerca das produções cinematográficas voltadas à representação do passado.

1.4 O cinema na sala de aula de História nesta dissertação

Me parece que os criadores do conceito de Homo Zappiens, Veen e Wrakking, ao

considerarem que esta geração, já nascida em meio à inundação de suportes informacionais

característica dos dias atuais, tem ―controle sobre o fluxo de informações‖, ou que ela ―filtra

as informações‖ (2009 apud CAIMI, 2014, p. 166-167), cometeram certo exagero. Pois, cabe

aqui refletir: essa geração já nasceu com estas habilidades? Ou ainda: simplesmente nascer e

viver neste contexto repleto de suportes informacionais já garantiria o desenvolvimento de

habilidades para saber lidar com os mesmos? Será que não seria um dos papéis da escola

promover o desenvolvimento de tais habilidades?

Robert Bain, integrante de importante grupo de trabalho ligado ao governo norte-

americano dedicado a entender de que forma as pessoas aprendem, parece ter ido além no que

diz respeito às possibilidades e objetivos de ensino dentro do contexto das últimas gerações de

estudantes. Assim, o pesquisador propõe algumas tarefas que considera fundamentais aos

novos contextos de ensino e aprendizagem, conforme menciona Caimi:

[...] organizar os temas clássicos da história na forma de problemas repletos de

significação, de modo que os alunos se sintam instigados a estudá-los; converter os

objetivos curriculares que são familiares aos professores em problemas

historiográficos que requeiram o uso de métodos de investigação histórica; conciliar

o domínio de conteúdos historiográficos essenciais com o desenvolvimento de

pensamento histórico complexo e sofisticado; transformar os tradicionais

repositórios de informação (sejam impressos ou digitais) em suportes de construção

de ferramentas cognitivas para a resolução de problemas de natureza histórica

(CAIMI, 2014, p. 169-170).

As propostas de Bain, portanto, também são críticas ao modelo de Ensino de História

baseado em ―repositórios de informação‖ a serem ofertados aos alunos. Informação em

quantidade os alunos atuais já têm. Trata-se, agora, de um esforço pedagógico no sentido de

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construir ―ferramentas cognitivas‖ para que os alunos aprendam a lidar com tantas

informações. E, no caso do cinema, suporte polissêmico que é, a construção de tais

ferramentas, a meu ver, pode se dar sob ricas e variadas atividades.

Na própria história da arte podemos encontrar exemplos teórico-metodológicos que

podem nos auxiliar na construção da nossa caixa de ferramentas pedagógicas para a análise de

filmes. É o caso, por exemplo, das ideias de Irving Panofsky, crítico e historiador da arte

alemão, autor do método iconológico para a busca de significados nas obras artísticas.

Para Panofsky (2007, p. 50-52), existem três níveis de interpretação ao observarmos

uma obra de arte:

No primeiro nível (―natural‖ ou ―aparente‖), observamos os elementos mais básicos

e/ou mais explícitos, como as formas gerais e as cores. Neste nível, o observador não

utiliza ou não tem um conhecimento mais aprofundado nem sobre a própria obra nem

sobre seu contexto cultural de produção.

No segundo nível (―convencional‖), já há por parte do observador um certo grau de

conhecimento sobre a obra, seu contexto, suas referências culturais-históricas e seu

autor.

No terceiro nível (―iconológico‖), o observador se aprofunda no contexto de produção

da obra, no entendimento e análise das técnicas empregadas, na vida do artista, na

busca de significados intrínsecos, entre outros.

Podemos perceber em Panofsky que quanto mais referências culturais, históricas e

técnicas o observador tiver em mãos ao analisar a obra de arte - quanto mais ―ferramentas‖ -

mais aprofundado poderá ser seu entendimento e sua análise acerca da mesma.

Sendo assim, no caso do cinema, se no nível mais ―aparente‖ é fácil para um

observador perceber a cor vermelha de um determinado elemento na cena de um filme, um

nível mais aprofundado de entendimento poderia ser alcançado se o observador tivesse

maiores conhecimentos sobre a própria história da linguagem e das técnicas empregadas no

cinema, ou sobre a ―teoria das cores‖ no cinema, ou também sobre o diretor do filme e como

ele especificamente costuma utilizar as cores.3

No caso que mais nos interessa, pormenores numa cena de um determinado filme,

acerca dos quais muitas vezes não prendemos nossa atenção, como a cor de um objeto, um

3 Neste trabalho, privilegiamos o padrão de utilização de cores que acabou se tornando dominante na produção

cinematográfica mundial, ou seja, o padrão do cinema norte-americano; não podemos nos esquecer, no entanto,

que a relação dos espectadores com as cores não é universal, podendo variar nas mais diversas culturas.

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movimento de câmera, a disposição dos atores ou o efeito provocado por um som, podem nos

revelar entendimentos acerca da narrativa que vão muito além daquilo que está mais explícito,

como a fala dos personagens, por exemplo.

Trata-se de perceber, e levar os alunos a perceberem, que, ao entrarmos em contato

com uma obra de arte, existem possibilidades de entendimentos acerca da mesma, ou seja,

existem diferentes níveis de compreensão que podem ser alcançados. Trata-se de perceber

também que existem ferramentas que podem estimular e auxiliar tanto a nós professores

quanto a nossos alunos a alcançar tais níveis de compreensão. Por fim, através de

metodologias ativas, apostamos em tornar as aulas de História mais desafiantes, ou,

retomando Robert Bain, converter os temas das aulas em ―problemas repletos de significação‖

que necessitam do uso de ―métodos de investigação histórica‖4 (CAIMI, 2014, p. 169-170).

Minhas propostas, desta forma, caminham lado a lado com as propostas dos

professores David Bordwell e Kristin Thompson, que têm longa experiência em ensino de

Cinema, e defendem justamente que os professores não desconstruam os filmes para os alunos

previamente, mas que lhes forneçam ferramentas para fazê-lo:

Queríamos que os alunos vissem e ouvissem nos filmes que estudamos algo mais,

mas só passar a visão do professor não os ajudaria a compreender o cinema por

conta própria. Nós resolvemos que, idealmente, os alunos deveriam dominar um

conjunto de princípios que os ajudariam a analisar os filmes. Estávamos

convencidos de que a melhor maneira de apresentar o potencial artístico de um filme

seria destacar os princípios gerais de forma e estilo e mostrar esses princípios em

ação em filmes específicos. Ou seja, decidimos dar ênfase a competências. Através

do estudo de conceitos básicos envolvendo técnica e forma, os estudantes podem

aperfeiçoar a compreensão de qualquer filme com o qual se deparam.

(BORDWELL; THOMPSON, 2018, p. 22)

Desta forma, ao desafiarmos a ―impressão de realidade‖, buscaremos compreender

outras realidades, pois se o filme não representa o passado tal qual ele ocorreu, alguma outra

coisa ele representa. Para desenvolver essas propostas de uso do cinema em sala de aula, foi

necessário buscar uma temática que nos permitisse colocar em interação as questões

referentes à linguagem cinematográfica, à construção narrativa e às disputas pelo sentido do

passado. Optamos, então, por selecionar algumas obras referentes à ditadura civil-militar,

temática que tem gerado uma contínua produção cinematográfica e intensos debates socais e

políticos, e analisá-las a partir do referencial teórico apresentado nesse capítulo.

4 Minha longa experiência em turmas de 6º ano do Ensino Fundamental II me faz lembrar como os alunos desta

faixa etária ficam encantados quando, ao desenvolver temas de Introdução ao Estudo da História, comparo o

trabalho do historiador ao dos famosos detetives da literatura e dos seriados policiais.

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CAPÍTULO 2 - A DITADURA NO CINEMA

Como vimos até aqui, abordaremos os filmes selecionados como construções

narrativas que, ao mesmo tempo que constroem determinadas visões sobre o passado, nos

possibilitam também compreender a sociedade presente que as produziu – tendo como

referencial a concepção polissêmica de documento inaugurada pelos Annales, sobretudo

aquela desenvolvida por Marc Ferro no que diz respeito ao filme como documento histórico.

Apoiados neste referencial e nas ideias de Panofsky acerca dos níveis de entendimento de

uma produção artística, também visto no capítulo anterior, levaremos em conta a importância

da própria linguagem cinematográfica na construção de tais narrativas e, além disso, o

enriquecimento das possibilidades pedagógicas que o conhecimento desta linguagem pode

engendrar no ensino de História.

Antes, no entanto, cabe aqui refletirmos sobre o que Manoel Luiz Salgado

Guimarães chamou de ―inflação de memória‖. Segundo este autor, há nas sociedades atuais

uma verdadeira inundação de diversas formas de divulgação do passado, desde a propagação

deste passado através de museus e monumentos ou também através das mídias modernas,

como no caso da produção de filmes sobre os tempos pretéritos. De acordo com o próprio

autor,

Vivemos um tempo de intenso investimento em relação ao passado; esta parece ser a

constatação recorrente entre diferentes autores que têm se ocupado com os estudos

em torno da memória e da História em nossas sociedades contemporâneas. Quando

falamos desses investimentos é preciso que fique claro que estamos supondo que

eles podem se manifestar por meio de diferentes atitudes: o trabalho da memória

com a sucessiva produção dos seus ―lugares de memória‖ e suas exigências relativas

ao ―dever de memória‖; o crescimento da produção acadêmica em história com

significativa procura pelos cursos de história nos vestibulares das universidades

públicas; a midiatização do passado através dos meios de comunicação de massa

disponibilizando a um público consumidor de imagens, ávido por cenas do passado,

a pretensa realidade do mundo que existiu e que agora encontra-se disponível ao

olhar que parece assegurar sua efetiva e inquestionável existência. (GUIMARÃES,

2010, p. 28)

No que diz respeito ao caso brasileiro e ao seu passado recente, podemos perceber

esta ―inflação de memória‖ através da enorme quantidade de filmes cuja temática é a ditadura

civil-militar: 75 películas foram produzidas entre os anos de 1979 e 2009, segundo estudo de

Caroline Gomes Leme (2013, p. 7-10) – além dos que já foram produzidos de 2009 até o

presente ano. Nessa lista estão desde filmes sobre a ditadura produzidos ainda dentro do

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próprio regime, como E agora, José? e Paula – A história de uma subversiva, ambos de 1980,

até as mais recentes polêmicas envolvendo o lançamento de um filme sobre o guerrilheiro

comunista Marighela5 em pleno governo Bolsonaro (político que, aliás, é dado a propagar

revisionismos históricos).

Parece que, desde o ocaso da ditadura, passando pela crise do cinema nos anos 1990

e sua ―retomada‖, ainda naquela década, houve grande preocupação por parte dos

profissionais dessa área no Brasil em tentar retratar nas telas esse nosso ―passado presente‖

(DELLAMORE; AMATO; BATISTA, 2018, p. 11). E, certamente, podemos perceber que

havia uma avidez de parte do público brasileiro em ver este passado retratado nas telas, o que

também justifica a produção tão grande de filmes com essa temática. Desta forma, como

afirma Guimarães, ―ao risco de uma amnésia contra-atacamos com uma inflação de memória‖

(2010, p. 28), ou seja, ao risco de um esquecimento do passado traumático, as sociedades

contemporâneas investiram forte e amplamente em meios de memorialização, como

monumentos, arquivos e filmes.

Por outro lado, há também na área de ensino de História, discussões acerca da

importância do ensino da História do Tempo Presente na educação básica, e também

especificamente a importância do ensino da ditadura militar aos alunos das gerações atuais.

Em tempos de revisionismos históricos, como chamar o regime autoritário brasileiro de

ditabranda, expressão que apareceu no ano de 2009 num editorial da Folha de São Paulo6, ou,

mais recentemente, o fato do atual presidente da República, já famoso antes de ocupar a

cadeira presidencial por homenagear torturadores, ter dado orientações às unidades militares

para que fosse ―comemorado‖ o golpe militar perpetrado em 1º de abril de 1964, promover o

ensino da história recente do país e, mais especificamente, do referido regime, parecem ainda

mais prementes.

Assim, parece que ao mesmo tempo em que há uma inundação de referenciais

midiáticos acerca do passado fora da escola, como no caso da produção cinematográfica sobre

a ditadura, há também discussões em curso sobre a importância da presença deste passado

recente nas salas de aula do país. Gasparotto e Padrós apontam que

5 Segundo site do jornal O Globo, os produtores do filme divulgaram nota declarando que o cancelamento

ocorreu porque eles não conseguiram atender ―todos os trâmites‖ requeridos pela Agência Nacional de Cinema

(Ancine) RISTOW, 2019). 6 O famoso editorial ainda pode ser lido na versão digital do jornal (LIMITES..., 2009).

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Um dos grandes desafios do sistema educacional, no que se refere ao campo da

História, é o de construir pontes entre o passado e o presente, e resgatar um passado,

não desde uma perspectiva saudosista ou de modelo a imitar, mas a partir do crivo

gerador de inquietudes pautadas na realidade dos alunos. A intenção de conectar

passado e presente encontra paralelo com uma perspectiva muito cara para muitos

dos que se debatem com temas da História Recente, particularmente envolvendo

experiências traumáticas, que está implícita na necessidade de estabelecer pontes

entre gerações. (GASPAROTTO; PADRÓS, 2010, p. 184)

Além destes fatores externos à ciência e à disciplina histórica, há dentro de nossa

própria área de atuação um grande debate acerca da ditadura civil-militar provocado, dentre

outros fatores, pela promulgação da Lei de Acesso à Informação, em 2011, e pelo

estabelecimento e conclusão dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade (CNV) em 2012

e 2014, respectivamente. Tanto a lei quanto os resultados dos trabalhos da CNV

possibilitaram aos historiadores, e também ao público em geral, acesso a documentos e

informações que provocaram a produção de novas pesquisas e a renovação dos debates sobre

o assunto.

O contexto atual, portanto, vem sendo marcado por intensos usos políticos do

passado, numa verdadeira ―guerra de narrativas‖ acerca da ditadura civil-militar, e também

por pressões sobre os profissionais da área, tanto historiadores quanto profissionais de ensino

de História. Os historiadores, por um lado, têm sido chamados e, até por motivos éticos, se

veem obrigados a se manifestar frente às homenagens a torturadores e aos relativismos acerca

da ditadura, enquanto, por outro lado, professores de História, e também de outras disciplinas,

têm sido atacados ao abordar tal período da história do país – ficou famoso o caso ocorrido no

Rio de Janeiro, em pleno período eleitoral, em 2018, quando, a partir de uma feroz campanha

promovida nas redes sociais por apoiadores do então candidato à presidência Jair Bolsonaro, o

Colégio Santo Agostinho, na sua unidade do Leblon, acabou censurando a utilização do livro

―Meninos sem pátria‖, de autoria de Luiz Puntel.7

Além do acesso a novos documentos e a novas narrativas acerca do passado

ditatorial, o nosso presente, marcado pela tal ―inflação de memória‖ e, ao mesmo tempo, pela

grande profusão de formas midiáticas de propagar conhecimento histórico, gera intensas

reflexões e debates sobre as narrativas difundidas por tais meios e também, obviamente, sobre

a pesquisa em História e seu ensino em sala de aula. Desta maneira,

As fotografias e os filmes podem também sugerir ao historiador do tempo presente

algumas importantes indagações. Para quem a imagem é destinada? Que opção

7 O ocorrido foi noticiado por jornais como ―O Globo‖ (BLOWER; GRANDELLE, 2018).

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política orientou a produção fotográfica ou filmográfica? A que interesses busca

atender a produção de imagens fixas ou em movimento? Dessa forma, como

qualquer documento de registro de memórias, fotografias e filmes, História do

tempo presente e ensino de História traduzem também concepções e conflitos, pois

para além de sua dimensão estética contêm sistemas de representações sociais.

(DELGADO; FERREIRA, 2013, p. 28-29)

Segundo as autoras do excerto acima, a profusão de imagens e narrativas do passado

característica do Brasil atual, provoca reflexões sobre as próprias narrativas e sobre o ensino

de História em sala de aula, o que as leva a defender um ensino da disciplina que promova a

problematização do passado e das narrativas acerca do mesmo, que é o que a presente

dissertação procura promover. Para Delgado e Ferreira (2013, p. 32), ―o que parece claro é a

necessidade de o professor dominar múltiplas linguagens, múltiplos conteúdos que ajudem o

aluno a entender processos e desenvolver um senso crítico‖.

Amézola, por sua vez, lembra a estreita relação que há entre a História do Tempo

Presente (HTP) e a ―memória coletiva‖, o que traz óbvias implicações no que diz respeito ao

seu ensino, pois, ―em todos os casos, a HTP desenvolve-se a partir de um trauma profundo na

sociedade‖ (AMÉZOLA, 2007, p. 145). Visão esta que está de acordo com Carlos Fico que,

ao refletir também sobre a História do Tempo Presente, a enxerga intimamente relacionada

aos ―eventos traumáticos‖ e ao acesso e divulgação de ―documentos sensíveis‖, destacando

que a principal peculiaridade deste campo da História é a pressão dos contemporâneos, dos

testemunhos vivos acerca daquele determinado passado traumático, pois tanto o sujeito

quanto o objeto de estudo estão ―[...] mergulhados em uma mesma temporalidade que, por

assim dizer, ‗não terminou‘‖ (FICO, 2012, p. 45). No caso do Brasil, vale lembrar, nosso

―trauma profundo‖ mais recente e nossos ―eventos traumáticos‖, que provocam debates

dentro e fora da escola, são relativos à ditadura civil-militar, como as questões da ruptura com

a legalidade democrática (golpe de 1964), da censura, das perseguições e da tortura.

Em estudo no qual compara Brasil e a Argentina, Balestra aponta que, sobretudo

devido a enormes pressões externas à escola, houve na Argentina uma grande preocupação em

dar ênfase ao ensino da ditadura daquele país na educação básica desde o período da

redemocratização. Estas pressões tinham como premissa principal que a conscientização das

novas gerações levaria ao nunca más, ou seja, à não repetição das atrocidades perpetradas

pelo regime, constituindo, assim, uma verdadeira pedagogia da memoria, na qual ―a escola

assumiu uma posição estratégica, como um espaço privilegiado de construção de memórias

sobre o „passado reciente‟, tão próximo e violento‖ (BALESTRA, 2016, p. 253-254).

No Brasil, ao contrário, a autora afirma que as pressões externas foram menores e a

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transição para a democracia se deu através de um processo de anistia que visava ao

esquecimento, o que ―contribuiu para a consolidação de práticas educativas que reprimem,

menosprezam ou silenciam sobre o período‖ (BALESTRA, 2016, p. 270). Desta forma, no

nosso país, o ensino sobre o período ditatorial não ganhou centralidade e nem grande

importância no ensino de História.

Portanto, esta pedagogia da memoria tem sido a tônica da questão do ensino sobre a

ditadura na Argentina, gerando intensos debates, políticas públicas de memória e ações dentro

e fora das escolas, como o estabelecimento de várias datas de rememoração e também locais

de memória das atrocidades perpetradas – recordar para no repetir (BALESTRA, 2016, p.

256-257). No caso do Brasil, a via do esquecimento acabou influenciando para que o poder

público e também grande parte da sociedade não se preocupassem tanto com esta questão.

Mais recentemente, pressões de parte da sociedade civil e algumas ações

governamentais vêm levantando a necessidade de abordagem deste incômodo passado recente

da História brasileira – o que não ocorreu sem polêmicas, novamente. Ações como o

estabelecimento do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), de 2009, ou o Plano

Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNDEH) - resultante do trabalho do Comitê

Nacional de Educação em Direitos Humanos, estabelecido em 2003 - vêm buscando

promover e incentivar a promoção dos Direitos Humanos no espaço escolar - o que implica,

obviamente, promover abordagens e reflexões acerca dos recentes regimes que tanto

desrespeitaram tais direitos.

O PNDH, por exemplo, no Objetivo Estratégico I da Diretriz 24 de seu Eixo

Orientador VI (―Direito à Memória e à Verdade‖), busca ―Incentivar iniciativas de

preservação da memória histórica e de construção pública da verdade sobre períodos

autoritários‖ (BRASIL, 2010, p. 175). O PNEDH, por sua vez, em sua Introdução, sublinha a

enorme necessidade de uma Educação em Direitos Humanos em países como o Brasil e

também seus vizinhos do continente sul-americano, enfatizando que tal desafio ―tem

importância redobrada em países da América Latina, caracterizados historicamente pelas

violações dos direitos humanos [...]‖ (BRASIL, 2007, p. 22).

Umberto Eco, no entanto, alerta para as diversas formas públicas de narrar e/ou

propagar determinadas visões acerca do passado e sobre certa ―espetacularização dos

acontecimentos históricos recentes relegados a um passado mitológico: eles passam a ser uma

ocasião de entretenimento, não um espaço de reflexão‖ (ECO, 1995 apud AMÉZOLA, 2007,

p. 151-152). E completa:

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Temos, pois, de um lado a reflexão científica (para poucos) e de outro, o espetáculo

(para todos). O que nos faltou foi precisamente um espaço de reflexão não-

especializada, à qual talvez a escola pudesse ter-se dedicado, lançando mão nem

tanto do último capítulo dos manuais de história, mas de uma educação cívica mais

intensa [...]. (ECO, 1995 apud AMÉZOLA, 2007, p. 152)

É premente, portanto, que a escola cumpra seu papel de promoção do

desenvolvimento intelectual e acadêmico, mas também se aproxime e se utilize dos diversos

meios de produção e divulgação de narrativas acerca do passado não para um embate entre

conhecimento acadêmico e narrativas midiáticas, mas para a promoção da reflexão e da visão

crítica entre os alunos.

Frente a todas estas considerações sobre a importância, do ponto de vista acadêmico-

intelectual e ético-político, do ensino da História do Tempo Presente na educação básica,

privilegiamos na presente dissertação, a utilização e análise de três filmes cuja temática é o

período da ditadura civil-militar: O que é isso, companheiro? (de Bruno Barreto, 1997), Ação

entre amigos (de Beto Brant, 1998) e O ano em que meus pais saíram de férias (de Cao

Hamburguer, 2006).

A escolha dos filmes buscou promover a diversidade de narrativas, pois cada um

deles aborda diferentes temáticas relacionadas à ditadura civil-militar. Segundo tipologia

fílmica proposta por Barros (2012, p. 57), O que é isso, companheiro? se trata de um ―filme

histórico‖, ou seja, que busca representar abertamente um evento ou processo histórico, neste

caso o sequestro do embaixador dos Estados Unidos Charles Elbrick, em 1969, por militantes

de dois grupos guerrilheiros – Movimento 8 de Outubro e Aliança Libertadora Nacional -

contrários ao regime militar; já os filmes Ação entre amigos e O ano em que meus pais

saíram de férias são ―filmes de ambientação histórica‖, tratando de enredos livremente

criados que se passam dentro de determinado contexto histórico – sendo que o enredo do

primeiro tem lugar após o fim da ditadura civil-militar, enquanto o segundo se situa ainda

naquele contexto mas com uma abordagem diferenciada.

A seleção destas três películas não se deu apenas pelo ponto de vista de sua temática

– a ditadura civil-militar – mas também a partir de seus usos da linguagem cinematográfica e

de suas consequentes possibilidades pedagógicas. Assim, o filme O que é isso, companheiro?

é um exemplo clássico da linguagem básica do cinema mais característico dos EUA no que

diz respeito à utilização das cores, do movimentos de câmeras, da ambientação e do próprio

ritmo da narrativa. Ação entre amigos, por sua vez, oferece uma narrativa centrada nas

discussões e memórias de ex-combatentes da luta armada que mais promove reflexões do que

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constrói visões do passado – o que lhe dá um potencial pedagógico sob um viés diferenciado.

Já O ano em que meus pais saíram de férias, importante representante da fase do cinema

nacional iniciada em meados dos anos 1990, oferece possibilidades a partir de sua linguagem

fílmica e também de sua interessante narrativa, construída a partir do olhar de uma criança.

A análise dos filmes, apresentada na próxima sessão, não será acompanhada de

maiores explicações sobre a linguagem cinematográfica, a não ser quando isto for de

fundamental importância à sua compreensão. A apresentação e explicação básica dos

elementos principais de tal linguagem estão presentes no terceiro capítulo, no guia e no

material audiovisual anexos a essa dissertação.

2.1 O que é isso, companheiro? e a Teoria dos “dois demônios”

O filme O que é isso, companheiro? é um dos mais conhecidos cujo tema é a

ditadura civil-militar brasileira, tendo concorrido ao Oscar de melhor filme estrangeiro em

1998. A película é baseada no livro homônimo lançado em 1979, de autoria de Fernando

Gabeira, um dos personagens retratados no filme. A própria obra de Gabeira, na qual o autor

discorre sobre suas memórias da participação no sequestro do embaixador norte-americano

Charles Elbrick numa ação contra a ditadura civil-militar, já havia sido um sucesso de

público, alcançando mais de 300 mil cópias vendidas8.

O filme foi dirigido por Bruno Barreto e contou com 4,5 milhões de reais de

orçamento, sendo 1/3 proveniente da Columbia Pictures, grande produtora norte-americana

(LEME, 2013, p. 76-77) - um recorde para produções brasileiras na época.

Barreto, nascido já no meio cinematográfico, filho dos produtores de cinema Lucy

Barreto e Luis Carlos Barreto, após já ter feito sucesso no Brasil, mudou-se para os EUA a

fim de tentar carreira internacional. A indicação de O que é isso, companheiro? ao Oscar foi

um dos pontos altos desta trajetória. Em entrevista ao apresentador Jô Soares, o próprio

Barreto confirmou seu intuito na produção da película sobre a ditadura: ―fiz um filme para o

mercado americano, para contar aos americanos uma história sobre seu embaixador

sequestrado no Brasil no final dos anos 60, história que os próprios americanos desconheciam

[...]‖ (ALMADA, 1997, p. 25). Este objetivo de alavancar o filme no mercado americano

8 Segundo sinopse do próprio livro divulgado no site da Livraria da Travessa. Disponível em:

https://www.travessa.com.br/o-que-e-isso-companheiro/artigo/54b107c7-f574-40e9-b4af-df8bee4c5205. Acesso

em 20/12/2019).

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acabou gerando implicações na própria narrativa fílmica, como o uso de legendas em inglês e

a construção de uma imagem apaziguadora do embaixador norte-americano – em falas num

tom calmo e sereno o embaixador se diz contrário a radicalismos, critica a participação do seu

país na Guerra do Vietnã e o uso da força para a resolução de questões políticas.

O filme suscitou bastante polêmica quando de seu lançamento9 e seu diretor foi

acusado por críticos e ex-militantes das organizações guerrilheiras (ou familiares destes) de

distorcer os fatos históricos, o que inclusive lhe rendeu um processo na justiça, movido pela

família de Virgílio Gomes da Silva10

, integrante da Aliança Libertadora Nacional (ALN) e

figura chave no sequestro de Elbrick. A família de Jonas (codinome de Virgílio na

clandestinidade), onsiderou que os realizadores da película construíram uma versão

equivocada de seu parente, apresentando-o como um assassino frio. Após assistir ao filme, o

filho de Jonas declarou que seus realizadores construíram no lugar de seu pai a imagem de

―uma pessoa de inteligência nula, alucinada, quase um psicopata‖11

As polêmicas geraram

também o lançamento de um livro pela Fundação Perseu Abramo, denominado ―Versões e

ficções: o sequestro da História‖, que reúne textos de diversos autores, dentre historiadores e

pessoas que participaram de algumas das ações retratadas no filme.

Na apresentação do livro, o editor Daniel Aarão Reis Filho, historiador e ex-militante

do MR-8 que participou do sequestro, expôs um dos principais objetivos da obra,

argumentando que há a necessidade de que as pessoas ―possam ter outra visão sobre este

período que não seja somente aquela produzida pelos caçadores [...] e, certamente, muito além

daquela que se pretende ‗isenta‘ e ‗desideologizada‘‖ (REIS FILHO et al., 1997, p. 10).

A crítica de Reis ao filme se estende também ao livro de Gabeira (―O que é isso,

companheiro?‖) e à obra de Zuenir Ventura denominada ―1968: o ano que não terminou‖,

pois, segundo ele, estes dois livros colaboraram para a construção da versão mais difundida

acerca da luta armada contra a ditadura: a ideia destes movimentos como uma ―grande

aventura, no limite da irresponsabilidade‖, marcada por ―ações tresloucadas‖ (REIS FILHO et

9 Essas polêmicas foram relatadas quando do anúncio do lançamento dos filmes em jornais da época, como na

Folha de São Paulo (GRILLO, 1997). 10

Virgílio Gomes da Silva, operário e dirigente do Sindicato dos Químicos de São Paulo, e depois integrante da

ALN, foi preso e espancado até a morte nas dependências do DOI-CODI em 29 de setembro de 1969, aos 36

anos; estes fatos foram confirmados através de depoimentos dados à Comissão Nacional da Verdade por ex-

presos políticos que acompanharam as sessões de tortura que levaram ao seu óbito. Virgílio foi enterrado como

indigente no cemitério da Vila Formosa, ou seja, sua família nem mesmo foi informada sobre seu paradeiro e ele

se tornou um desaparecido político. Além disso, também foram detidos sua esposa Ilda (também torturada na

Oban e no DOPS) e seus três filhos (encaminhados também à OBAN e depois ao juizado de menores). (Brasil,

2014, p. 345-350). 11

O relato de Gregório Gomes da Silva, filho de Jonas, pode ser encontrado em Silva [1997?].

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al., 1997, p. 34). O historiador ressaltou ainda a importância de compreendermos as diversas

versões sobre o passado como uma disputa do presente:

E, assim, para o bem e para o mal, a permanente e diversa reconstrução do passado,

sobretudo de seus períodos mais relevantes, acompanha a trajetória das sociedades

humanas desde que o mundo é mundo.

Com as esquerdas dos anos 60 de nosso século, não poderia ser diferente. Em nosso

país, em todo o planeta, foram anos de movimentos subversivos, de promessas de

transformação, de desafios, em que os sistemas estabelecidos foram postos a rude

prova. Apropriar-se deste passado, monopolizar, se possível, a sua memória, passa a

ser um objetivo crucial para os que vivem e estão em luta no presente. Inclusive

porque, em larga medida, o controle do futuro passa, como se sabe, pelo poder sobre

o passado, dado, por sua vez, aos que imprimem na memória coletiva a sua

específica versão dos acontecimentos. (REIS FILHO et al., 1997, p. 33)

O filme O que é isso, companheiro?, construção deste passado ainda tão presente, é

visto aqui justamente como parte destas disputas acerca do passado recente do Brasil. Neste

filme, típico thriller nos moldes do cinema norte-americano, o contexto onde ocorrem os

eventos é apresentado de forma superficial no início da narrativa para que as cenas de ação

sejam logo retratadas, buscando assim prender a atenção do espectador. Enquanto toca uma

tranquila música da Bossa Nova, fotos de pessoas felizes nas praias da cidade do Rio de

Janeiro, nas ruas e no Maracanã são apresentadas sequencialmente. As cenas introdutórias de

O que é isso, companheiro? buscam destacar um Brasil harmônico e feliz situado

anteriormente à ditadura. Mas, aos poucos, a música calma e saudosista vai lentamente sendo

substituída por sons e imagens de protestos nas ruas. Enquanto os manifestantes gritam

―abaixo a ditadura!‖, uma sirene contribui para dar maior tensão à cena. O Brasil harmônico e

calmo parece estar sendo substituído por um Brasil tenso e conflituoso. Imagens de

confrontos entre manifestantes e policiais, tanto reais, da época, quanto encenadas pelos

atores, vão sendo apresentadas em sequência, numa clara ação do diretor para imprimir certa

―impressão de realidade‖ aos acontecimentos.

As primeiras cenas do filme buscam situar o espectador historicamente, pois, além de

a legenda introdutória localizar a narrativa após a assinatura do Ato Institucional nº 5 (AI-5),

no ano de 1968, mostram personagens assistindo pela TV a chegada do homem à Lua.

Enquanto assistem, os personagens debatem o tema e lembram das conquistas espaciais

soviéticas - seu posicionamento quanto a estas últimas, além de um quadro do guerrilheiro

Che Guevara, ao fundo, situam os personagens no espectro de oposição ao regime militar e a

narrativa no contexto da Guerra Fria. Enquanto isso, o embaixador norte-americano Charles

Elbrick aparece numa festa de comemoração pelo fato ocorrido, em cenas que denotam

felicidade e boas relações com o Brasil - o embaixador e a esposa dançam alegremente com

brasileiros e brasileiras.

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Em seguida, Fernando, um dos militantes de esquerda, com apoio de César, inicia

uma discussão sobre a possibilidade de o grupo de três amigos integrarem a luta armada

contra o regime, mas Artur, o terceiro personagem, se opõe. O debate entre Fernando e Artur

continua na rua: enquanto Fernando dá como definitiva sua opção pela luta armada,

argumentando que os meios político-institucionais de ação estão fechados pelo regime, Artur

o contesta, alegando que o uso da violência política vai, no fim das contas, legitimar a

ditadura. Este diálogo inicial se mostrará crucial para o desenvolvimento do argumento

fílmico, pois remete à ideia de que a escolha de Fernando pela luta armada, ou a de Artur pela

não-violência, eram decisões individuais, desprovidas de pressões do contexto em questão.

A começar desta oposição entre luta armada e não violência, a narrativa fílmica se

aproxima da chamada ―teoria dos dois demônios‖, propagada a partir da elaboração de uma

explicação sobre a violência ditatorial ocorrida na Argentina que acabou influenciando as

disputas sobre o passado em outros países da América do Sul após a derrocada de suas

ditaduras militares. Segundo Quinalha, esta ―teoria‖ pode ser vista ―[...] como uma estrutura

mental e até mesmo um operador ideológico, que postula a existência de ‗dois lados‘ em

confronto entre si na época da ditadura, ambos com certa legitimidade histórica para suas

ações, mas com excessos que seriam condenáveis‖ (QUINALHA, 2013, p. 186).

Desta forma, tal teoria parece fazer crer que as sociedades destes países, que até

então viviam em certa harmonia, foram assoladas por radicalismos de esquerda e de direita,

levando-as a contextos ditatoriais marcados pela violência entre ―dois lados‖.

O filme de Bruno Barreto aproxima-se bastante desta perspectiva, propondo-se a

demonstrar certa ―neutralidade‖ frente aos excessos dos ―dois extremismos‖. Busca, assim,

construir uma visão apaziguadora e acaba fortalecendo a política brasileira pós-ditadura,

marcada, já a partir das discussões acerca da Lei de Anistia, pela tentativa de conciliação e

esquecimento, optando por um certo ―neutralismo‖ que, na verdade, buscou escamotear a

questão da violação dos direitos humanos e da não punição aos agentes estatais que

perpetraram tais violações. Numa cena, por exemplo, na qual Fernando, já na clandestinidade

e após o sequestro do embaixador, por acaso, reencontra Artur, este último declara o seguinte

ao antigo amigo: ―Sequestrar o embaixador é atirar no soldado que carrega a bandeira branca.

Vocês e os militares são as duas pontas da ferradura, parecem distantes mas na verdade estão

bem próximos‖ (45:46 min).

Essa busca pela demonstração de ―neutralidade‖ parece ter sido uma preocupação tão

grande do diretor que, de um lado, ele enfatiza o extremismo de esquerda, ao apresentar seus

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militantes como jovens manipulados por algumas figuras de maior proeminência dentro dos

organismos de combate ao regime, e, de outro, mostra um dos torturadores tendo crises de

consciência por ser, de certa forma, obrigado a exercer sua função – fora o fato de que o filme

apresenta os torturadores como indivíduos que teriam atuado de forma autônoma, sem ordens

e participação de superiores. Paulo Moreira Leite, em texto na Revista Veja de 30 de abril de

1997, também reunido no já citado livro produzido em decorrência do lançamento do filme,

critica pesadamente esta ―neutralidade‖:

É preciso contentar a todo mundo e nunca se expor tomando posição. É isso o tempo

todo: uma no cravo, outra na ferradura. Barreto/Serran julgam que essa atitude é

sinônimo de isenção e apartidarismo. Não é. É indício de superficialidade, de

insegurança, de dificuldade para tirar conclusões próprias. Quiseram fazer um filme

equilibrado, fizeram um filme equilibrista. (LEITE, 1997, p. 122)

Em amplo trabalho sobre os filmes que retratam a ditadura militar, Caroline Gomes

Leme, ao sintetizar a construção narrativa de O que é isso, companheiro?, também enxerga

problemas nesta pretensa ―neutralidade‖:

foi um dos primeiros filmes brasileiros realizados em parceria com uma grande

produtora norte-americana [...]. Buscando a aceitação de um público eclético

adotou-se uma perspectiva de pretensa ‗neutralidade‘ em que se mostra que os dois

lados tinham suas razões, tornando equivalentes torturados e torturadores e

promovendo, assim, uma conciliação com a ditadura. Sai engrandecida somente a

figura do embaixador norte-americano, que, mesmo em situação adversa, mantem a

postura elegante do representante de uma nação desenvolvida, com atitudes

ponderadas, interagindo educadamente e compartilhando conhecimentos com seus

sequestradores, caracterizados como jovens ignorantes das questões mundiais.

(LEME, 2013, p. 76-77)

Podemos perceber estas opções do diretor em diversos momentos do filme, não

somente nas próprias falas dos personagens, mas também com a utilização de outros aspectos

da linguagem cinematográfica. Utilizarei três exemplos a título de demonstração.

Na cena onde um dos torturadores é questionado por sua esposa no que diz respeito à

sua atuação (40min25s), na qual o mesmo parece ter uma crise de consciência, sua imagem é

contraposta à imagem da esposa, sobre a qual fica destacado sob uma luz amarela um

crucifixo (FIGURAS 1 e 2). A contraposição entre o torturador pensativo e a esposa aflita sob

o crucifixo reforça a ideia de que o que ocorreu naquele contexto foi uma espécie de opção

individual pela perpetração do ―mal‖, pois apesar de, nesta mesma cena, o personagem

utilizar como desculpas à esposa o fato de que cumpre ordens, em diversos outros momentos

expõe-se a ideia de que eles teriam agido sozinhos, num tal ―esquema alternativo‖, e

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chegaram até mesmo a ter uma de suas ações interrompidas por outros agentes das forças de

segurança (1h27min).

Em outra cena envolvendo os militantes da luta armada que planejavam sequestrar o

embaixador norte-americano, o personagem Jonas, que acabara de chegar para assumir a

liderança da missão e se apresentava ao restante do grupo, é posicionado em contraposição

aos outros companheiros (FIGURA 3). Ele, de pé, com voz calma mas firme e postura ereta,

impassível, faz as seguintes declarações: ―Eu vou ser breve e objetivo. Eu não solicitei o

comando dessa operação, ele me foi oferecido. Por isso eu quero deixar bem claro que a partir

de agora quem dá as ordens aqui sou eu. As minhas ordens serão obedecidas cegamente, sem

qualquer tipo de discussão. Nós seremos um grupo unido, coeso e disciplinado. Nossa tarefa é

difícil e não permite vacilações. Eu quero avisar que eu mato o primeiro que vacilar ou

discordar e que, se um segundo houver, eu mato também o segundo.‖ (25min15s).

Enquanto torturadores têm crise de consciência e agem sozinhos, sem ordens

superiores, os militantes devem seguir cegamente as ordens de líderes das organizações de

esquerda. A fim de confirmar esta construção narrativa, o diretor buscou enfatizar uma certa

personalidade atribuída a Jonas. Impassível, sério e frio (FIGURA 4), o personagem nunca

sorri, nem mesmo em curtos momentos de descontração entre os militantes no cativeiro do

embaixador.12

12

A família de Virgílio Gomes da Silva, de codinome Jonas no contexto da clandestinidade durante a ditadura,

acabou processando os produtores do filme alegando que os mesmos macularam a imagem de seu familiar,

mostrando-o como uma pessoa cruel e aética.

Imagens 1 e 2 - Um dos torturadores discute com sua companheira acerca de suas ações violentas no

contexto da repressão. Cenas extraídas do filme O que é isso, companheiro? (1997).

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Figura 3 - Jonas é apresentado como novo líder do grupo que planeja sequestrar o embaixador

norte-americano. Cena extraída do filme O que é isso, companheiro? (1997).

Figura 4 - Cena em que Jonas aparece como implacável líder político que ameaça matar até

mesmo seus próprios companheiros. Cena extraída do filme O que é isso, companheiro? (1997).

O embaixador Charles Elbrick, por sua vez, é retratado como um sujeito calmo e

apaziguador. Sua voz in off narra parte dos acontecimentos com tranquilidade e suas falas

buscam entender o contexto que levaram aqueles jovens a sequestrá-lo: ―São garotos

comandados por monstros‖.

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Em uma das cenas, todas estas personalidades aparecem juntas num mesmo quadro

(1h25min27s): enquanto o calmo Elbrick conversa com Fernando (personagem que também

se apresenta reflexivo no cativeiro), momentos antes da libertação do embaixador, a arma de

Jonas, apoiada no ombro de Elbrick e apontada para Fernando, quebra o teor amistoso da cena

(FIGURA 5).

Figura 5 - Cena tensa, momentos antes da libertação do embaixador. Cena extraída do

filme O que é isso, companheiro? (1997).

O que é isso, companheiro?, com suas estratégias narrativas que vão desde os

diálogos até as informações que o diretor transmite através de meios menos óbvios, como o

posicionamento dos personagens nas cenas ou em imagens subliminares, pode possibilitar um

interessante trabalho com alunos da educação básica. Um trabalho sobre memórias e versões

sobre o passado ditatorial poderia ser realizado, por exemplo, a partir de textos adaptados aos

alunos, onde estas versões, como a da ―teoria dos dois demônios‖, poderiam ser apresentadas

e debatidas antes da assistência do filme. Ao assisti-lo os alunos poderiam ser desafiados a

buscar na película os indícios de determinado padrão narrativo acerca do passado,

desvendando a maneira pela qual o diretor do filme procurou construir seu discurso.

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2.2 Ação entre amigos: um thriller sobre “o que fazer do passado?”

Lançado em 1998, sob direção de Beto Brant - diretor paulista representante da

―retomada‖ do cinema brasileiro e vencedor de importantes prêmios no Brasil e no exterior,

como nos festivais de Gramado e de Miami - o filme Ação entre amigos é um thriller que

busca retratar não o período ditatorial em si (as referências a este aparecem em rápidos

flashbacks), mas o período após a ditadura civil-militar, intentando mostrar seus efeitos sobre

indivíduos que foram diretamente afetados por ela, sobretudo através da tortura. Como é bem

característico neste gênero cinematográfico, o filme é cheio de ação, com discussões, tiros,

carros em alta velocidade etc., com o objetivo de prender a atenção do espectador do início ao

fim. Esta opção do diretor já aparece na sua capa de divulgação (FIGURA 6).

Figura 6 - Capa de divulgação do filme

Ação entre amigos (1998).

A alusão à ditadura já se dá nos créditos iniciais da película, quando os nomes dos

atores, produtores e apoiadores da produção aparecem em documentos amarelados

identificados como sendo do Departamento Estadual de Ordem Política e Social, de São Paulo

(DEOPS), embaralhados com fotografias do período ditatorial – estas fazem alusão sobretudo

à violência do regime e às manifestações contrárias a ele (FIGURA 7). Tudo isso é

sequenciado como se fosse uma apresentação em retroprojetor (típica de filmes policiais) sob

sons distorcidos que lembram radiocomunicadores.

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Figura 7 - Cena introdutória do filme Ação entre amigos (1998).

O enredo diz respeito a um grupo de velhos amigos que, 25 anos antes, como

militantes da luta armada, havia participado de um assalto a banco – Miguel, Elói, Paulo e

Osvaldo. Após serem presos, foram barbaramente torturados e a companheira de um deles,

que estava grávida, acabou morrendo em decorrência das violências sofridas. No momento

em que o filme se passa, os amigos estão a caminho de uma pescaria, quando Miguel revela

que descobriu Correia, o torturador do grupo que até então havia sido dado como morto,

morando com um nome falso numa cidade interiorana. Miguel, então, propôs aos amigos uma

vingança. Enquanto essa parte inicial da história se desenrola, flashbacks mostram cenas do

passado: o assalto ao banco e a prisão do grupo. Esses flashbacks sempre se dão sob música

não-diegética tensa, buscando conferir sentimento de angústia no espectador.

Apesar das várias divergências entre os integrantes do grupo, tanto acerca do passado

quanto sobre o que fazer no presente, eles acabam sequestrando Correia, porém, este, já sob

domínio do grupo, revela que há entre eles um traidor que havia entregue às autoridades da

época todo o plano do assalto ao banco, o que acarretou na prisão dos militantes. Com esta

revelação, a tensão entre os amigos e também a tensão do filme só aumentam. Miguel mata

Correia mas resolve se vingar também do amigo que havia traído o grupo no passado e mata

Osvaldo, o que se revelou um engano, pois quem havia os traído foi Elói (pressionado pelos

agentes do regime, que tinham o pai do militante sob seu poder).

Como podemos ver, tanto O que é isso, companheiro? quanto Ação entre amigos

tratam da luta armada, tema bastante presente nas disputas sobre o passado ditatorial

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brasileiro.13

No entanto, no caso de Ação entre amigos a questão central é a divergência de

formas como cada um dos ex-militantes processou sua experiência traumática, o que faz com

que questões envolvendo memórias e subjetividades sejam centrais no filme. Isto fica bem

claro nos momentos da narrativa nos quais os personagens divergem sobre o que devem fazer

quando encontrarem Correia. Estas discordâncias exemplificam bem as diferentes

experiências individuais do enfrentamento da dor e do trauma.

No país onde, até aqui, parece que a tentativa de esquecimento sobre a violência

ditatorial tem sido dominante, há ainda embates sobre o passado ditatorial e sobre as ações

que poderiam ser feitas no presente com relação àquele período. Henrique Padrós, por um

lado, examina que

Tal situação foi o fruto de negociações que encaminharam processos de transição

política e redemocratização em um quadro de relação de forças onde os militares

impuseram, como condição essencial, o silêncio institucional e a impunidade

presente e futura dos seus atos passados. (PADRÓS, 2009, p. 32)

Por outro lado, em defesa da História do Tempo Presente, este mesmo autor reitera

que esta ―[...] contribui, também, no posicionamento da sociedade diante de fatos que

começam a se tornar mais compreensíveis, como no caso das primeiras exigências de Verdade

e Justiça em relação aos regimes autoritários do Cone Sul‖ (PADRÓS, 2009, p. 32).

Assim, se por um lado, no Brasil, nenhuma autoridade de Estado foi punida pelos

crimes cometidos durante a ditadura, por outro, importantes movimentos buscaram debater

esse passado e pressionar os governos democráticos por medidas mais drásticas contra os

perpetradores de crimes e, também, compensatórias aos atingidos. Aliás, uma das principais

características da História do Tempo Presente é lidar com um tempo que ―não terminou‖

(FICO, 2012, p. 45) e que, devido ainda à existência daqueles que participaram do período,

torna a disputa por esse passado ainda mais acirrada, pois as ações praticadas no presente

podem atingir ou influenciar diretamente a vida tanto de criminosos quanto de vítimas do

referido contexto. Não foi à toa que vários filmes suscitaram debates públicos e até processos

na justiça.14

13

Conferir FICO, Carlos. Violência, trauma e frustração no Brasil e na Argentina: o papel do historiador. Topoi.

Revista de História. Rio de Janeiro, v. 14, n. 27, p. 239-284, jul./dez. 2013. 14

Já nos referimos aqui sobre a polêmica em torno do personagem Jonas, de O que é isso companheiro?, que

acabou gerando manifestações públicas e um processo na justiça aberto pela família do ―Jonas‖ real; mais

recentemente polêmicas públicas têm ocorrido devido ao lançamento do filme Marighela, de Wagner Moura,

cujo lançamento no Brasil foi adiado.

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No filme, quando o personagem Miguel conta aos amigos que havia descoberto o

paradeiro de Correia e expõe o verdadeiro motivo da viagem, segue-se o seguinte debate:

Oswaldo: Para com isso Miguel! Que fixação! O Correia... esse cara saiu da nossa

vida há mais de 25 anos!

Miguel: 25 anos... que essa merda tá aqui!!! (aponta a mão para o pescoço

indicando que o assunto ainda está “sufocado na garganta”).

Em uma cena posterior, o debate continua:

Elói: Eu tenho o maior respeito cara, por você ter continuado a lutar pelas coisas

que você acredita. Mas, espera um pouco, a sua luta de hoje não é aquela. Você tem

que tirar isso da cabeça.

Miguel: O que você sabe da minha cabeça Elói? Esse filho da puta acabou com a

minha vida!

Paulo: O Elói tá certo... o que você tá querendo fazer?

Miguel: Merda! Vocês não estão entendendo...

Elói: Como não, porra? Você arrastou a gente até aqui pra quê? Eu não quero nada

com isso!

Miguel: Esse cara azarou a vida de muita gente!!! Eu não tô fazendo isso só por

mim não!!!

Paulo: Não, não, não... por mim você não precisa fazer nada.

Elói: Nem por mim!

Miguel: E por você Oswaldo? Sete anos em cana não foram nada pra você? Diz,

porra!

Oswaldo: Eu não queria que este cara estivesse vivo, tá! Mas também não me

interessa mais essa história. Chega! Chega! Acabou! Chega, tá!

Miguel: Não acredito, não acredito! Até parece que vocês esqueceram tudo o que

aconteceu.

Paulo: E pra que ficar lembrando!?!?

Ainda na mesma cena, Miguel passa a defender que o grupo de amigos mate Correia.

Ao ser questionado pelos amigos, o personagem se justifica da seguinte forma:

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Miguel: Assassinato, o caralho! É justiça! É justiça!

Em seguida, Paulo tenta convencê-lo de uma outra possibilidade, seguindo-se o

seguinte debate:

Oswaldo: Espera, espera. É o seguinte cara: se ele estiver vivo, a gente entrega ele.

[...] A gente entrega o cara! Faz o maior barulho! Ele se fode do mesmo jeito!

Miguel: Não é do mesmo jeito, porra!!! Fazer barulho neste país! Fazer barulho é

pouco pelo o que esse puto fez!

Os debates (ou embates) entre os amigos representam uma das características que

envolvem História, memória e as relações das sociedades do presente com o seu passado

traumático. Os quatro amigos viveram no passado o mesmo evento que os atingiu de forma

violenta e radical, porém, no presente, não concordam sobre o que fazer a partir das

lembranças e do trauma dessa experiência. Enquanto uns defendem que o esquecimento seria

o melhor a se fazer, o personagem Miguel ressalta o horror de suas memórias como forma de

justificar sua opção pela continuidade da violência no momento presente.

Esta constante contraposição entre Miguel e os outros 3 amigos é explorada pelo

diretor ao dispor os personagens em cena. Na Figura 8 temos um exemplo desta forma de

ressaltar a discordância entre os integrantes do grupo: no enquadramento, Miguel fica

espremido no canto da tela e menos iluminado do que os outros personagens. Além disso, em

vários momentos o diretor mostra Miguel em close-up, ressaltando sua figura atormentada

pelo passado que o persegue e justificando sua defesa de uma resolução violenta da questão

(FIGURA 9).

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Figura 8 - Os quatro amigos discutem no cemitério sobre a atitude que devem tomar ao

descobrirem o paradeiro de seu algoz. Cena extraída do filme Ação entre amigos (1998).

Figura 9 - Um tenso Miguel aparece após discutir com os amigos que se mostraram

contrários à proposta de vingança contra Correia. Cena extraída do filme Ação entre

amigos (1998).

Outro elemento clássico da linguagem cinematográfica também é usado pelo diretor

para ressaltar a centralidade da temática da violência (ou do sofrimento provocado por ela) no

filme: o uso da cor vermelha. Quando Miguel resolve dizer aos amigos o verdadeiro motivo

de sua viagem, jogando uma foto de Correia sobre a mesa (FIGURA 10), esta fica envolta em

vermelho, indicando que daquele momento pra frente a violência seria tema central do filme.

Além disso, a cor vermelha também está presente no rosto de Miguel em um dos seus vários

momentos de raiva, como podemos ver na Figura 11.

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Figura 10 - Miguel apresenta a foto de Correia ao seu grupo de amigos. Cena extraída

do filme Ação entre amigos (1998).

Figura 11 - Novamente a tensão de Miguel é destacada pelo diretor.

Cena extraída do filme Ação entre amigos (1998).

Voltando-nos novamente à questão das diferentes visões do passado, e do fato de

estas provocarem diferentes manifestações no presente, Carlos Fico conta duas histórias: certa

vez, enquanto o historiador criticava certo ―tom heroico‖ que vinha sendo propagado acerca

da luta armada contra a ditadura no Brasil, foi interrompido por uma ex-militante da esquerda,

que gritou: ―Eu fui torturada!‖; num outro episódio, presenciou, numa entrevista, um militar

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afirmando que o AI-5 teria sido assinado após o episódio do sequestro do embaixador norte-

americano (FICO, 2012, p. 48).

Sabemos, enquanto pesquisadores e professores de História, que é papel do

historiador desmistificar heroísmos, mas sabemos também que a cronologia dos fatos

construída pelo citado militar não corresponde à realidade. No entanto, os episódios citados

por Fico dão uma boa perspectiva da complicada e intrincada relação entre o que a sociedade

viveu no passado e sua visão de mundo no presente. Enquanto a militante de esquerda procura

ressaltar o horror perpetrado pelo regime ditatorial, o militar inverte os fatos de forma

conveniente à sua própria consciência no presente. Segundo Fico, não se trata de aceitar toda

e qualquer versão, mas, por outro lado, não se deve confundir ―empatia em relação às vítimas

de experiências traumáticas‖ e ―identificação‖ com as mesmas (2012, p. 49). Trata-se, na

verdade, de procurar compreender as visões diversas (e muitas vezes divergentes) sobre o

passado e os interesses e embates que as engendram.

O filme de Beto Brant, acerca da referida questão, é bastante rico quanto a essa

possibilidade de compreensão dos agentes históricos no presente e suas relações acerca

daquilo que viveram no passado. Por mais que os personagens tenham experimentado o

mesmo evento, suas experiências sobre o que ocorreu, e, também, sobre o que fazer no

presente, são divergentes. Enquanto um personagem defende veementemente a punição

máxima ao algoz do grupo, outro acredita que sua execração pública já seria suficiente,

enquanto um terceiro acredita que o esquecimento da questão seria o melhor para todos.

O desdobramento do filme, a partir da revelação de Correia de que havia um traidor

que tinha delatado o grupo no passado, possibilitando sua prisão, fez com que a violenta

vingança de Miguel acabasse se voltando contra os próprios amigos, tornando o entendimento

da questão ainda mais complexo. Luiz Zanin Oricchio, em texto publicado no jornal O Estado

de São Paulo, no ano de lançamento do filme, definiu bem a questão:

O que é isso, companheiro? Foi um filme apaziguador sobre a luta armada. Compôs

uma reconciliação ilusória, na qual torturadores mostram dilemas de consciência e

guerrilheiros fazem papel de vilões. [...] Ação entre amigos faz o contrário. Onde o

outro põe panos quentes ele cria problemas. Onde havia consenso, instaura o

dissenso. (ORICCHIO, 1998 apud LEME, 2013, p. 74)

Ação entre amigos, centrado na questão do trauma provocado pela violência

ditatorial no passado e nos embates acerca deste tempo pretérito, é um filme que aborda

sobretudo as subjetividades e as disputas que um passado traumático acaba gerando no tempo

presente. Este viés do filme possibilita interessantes atividades na educação básica, pois, ao

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invés de defender uma determinada interpretação sobre o passado e suas consequências no

presente, o potencial da película está justamente em provocar reflexão. Através de sua

abordagem, pode provocar nos alunos não uma determinada ideia sobre o passado mas

dúvidas sobre o presente, no sentido de ―e você, o que faria no lugar dos personagens?‖, ou

―qual seria a atitude mais justa a tomar naquela situação?‖, ou mais ainda ―de que forma a

justiça poderia ser alcançada?‖. Estas reflexões podem também ser ponto de partida para

discussões acerca da Lei de Anistia, dos trabalhos da CNV, da impunidade dos agentes da

ditadura que cometeram crimes, da questão dos temas sensíveis, dentre outras. Enfim, do

ponto de vista didático-pedagógico, Ação entre amigos é um filme que abre possibilidades

devido à própria forma de sua construção narrativa.

2.3 O ano em que meus pais saíram de férias e a “jornada do herói”

O ano em que meus pais saíram de férias, filme dirigido por Cao Hamburguer –

premiado diretor responsável por séries televisivas de sucesso como Castelo Rá-Tim-Bum e

Cidade dos Homens, além do filme Xingu - lançado em 2006, também pode ser um ótimo

suporte para a utilização do cinema na educação básica. O personagem principal é um

pequeno garoto15

, o que pode facilitar o trabalho do professor, gerar uma identificação dos

alunos com o personagem principal, aliado ao fato de que o diretor faz disso um elemento

fundamental da narrativa e o explora utilizando-se de diversos elementos da linguagem

cinematográfica.

Mauro, um menino de 12 anos, vê sua vida ser transformada a partir do momento em

que seus pais, militantes políticos, o deixam em São Paulo, na casa de seu avô, e partem para

a luta contra a ditadura – em nenhum momento do filme essa militância dos pais aparece de

forma explícita e o próprio nome do filme ironiza este fato, que acaba sendo esclarecido pelo

contexto geral da história. Mas, o avô morre e o menino acaba ficando sob os cuidados de um

desconhecido, Shlomo. A partir daí, Mauro vai ter que lidar com um mundo desconhecido,

precisando aprender a se relacionar com Shlomo e com as demais pessoas que o cercam (os

vizinhos, as crianças da redondeza) e também a lidar com suas próprias emoções - as de um

15

A ideia de fazer um filme sobre a ditadura tendo crianças como personagens principais foi antecedida ao filme

de Hamburguer por Kamchatka, filme argentino de 2003, e por Machuca, filme chileno também de 2003 – o

enredo deste último não se passa durante a ditadura, mas no contexto do golpe que derrubou o presidente

Salvador Allende em 1973.

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garoto de 12 anos que acaba sozinho num contexto onde ele mal entende o que aconteceu –

enquanto espera pelo retorno dos pais.

O filme, desde seu início apresenta uma estrutura narrativa muito comum no cinema

em geral e nas obras cujos protagonistas são crianças: a chamada jornada do herói, conceito

apresentado por Joseph Campbell, em seu livro ―O herói de mil faces‖ (2010). Após analisar

as estruturas narrativas de diversos mitos e lendas, além de roteiros de cinema, Campbell

percebeu que elas tinham uma estrutura bastante similar e as dividiu em 12 etapas: o ―mundo

comum‖, o ―chamado à aventura‖, a ―recusa ao chamado‖, o ―encontro com o mentor‖, a

―travessia do primeiro limiar‖, ―testes, aliados e inimigos‖, a ―aproximação da caverna

oculta‖, a ―provação‖, a ―recompensa‖, o ―caminho de volta‖, a ―ressureição‖ e o ―retorno ao

mundo comum‖. Esta estrutura não é rígida e, portanto, pode sofrer variações nas mais

diversas narrativas em que é utilizada, porém, de uma forma geral, funciona como um modelo

de três atos principais.

Num primeiro momento, o herói está vivendo sua ―vida normal‖, que é interrompida

por algo inesperado e, por mais que o herói possa querer rejeitar os acontecimentos, acaba se

vendo forçado a aceitar a ―aventura‖ - ou ele pode simplesmente optar por participar da

mesma. No segundo momento desta estrutura, o herói faz a ―travessia do umbral‖, quando

ingressa no novo mundo no qual foi forçado a entrar ou possa ter mesmo optado por isso. As

narrativas deste tipo, em geral, têm essa etapa como a mais longa, ou seja, é nela que se

desenrola a maior parte da história: o herói encontra um mentor, passa por provações,

encontra aliados e inimigos. No final, o herói passa por uma provação máxima e chega ao

terceiro momento, o da ―recompensa‖, que, em geral, é o restabelecimento da ―vida normal‖.

Assim, segundo o próprio Campbell,

O percurso padrão da aventura mitológica do herói é uma magnificação da fórmula

representada nos rituais de passagem: separação-iniciação-retorno — que podem ser

considerados a unidade nuclear do monomito. Um herói vindo do mundo cotidiano

se aventura numa região de prodígios sobrenaturais; ali encontra fabulosas — forças

e obtém uma vitória decisiva; o herói retorna de sua misteriosa aventura com o

poder de trazer benefícios aos seus semelhantes. (CAMPBELL, 2010, p. 36)

Em resumo, podemos dizer que esta estrutura em três atos se dá da seguinte forma:

há um equilíbrio (começo), seguido da perturbação do equilíbrio e, depois, o retorno ao

equilíbrio. E é claramente esta a estrutura narrativa utilizada por Cao Hamburguer no filme

em questão, o que nos possibilita interessantes atividades envolvendo estudos sobre a ditadura

civil-militar e a análise de narrativa com alunos da educação básica.

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É interessante sublinhar que este filme, ao ter como personagem principal uma

criança, além de desenvolver a história a partir do olhar da mesma, explicita o fato de que o

regime ditatorial acabava atingindo os cidadãos em geral, mesmo aqueles que não estavam

diretamente ligados a nenhuma forma de luta ou oposição. Em tempos de revisionismos

históricos16

, a utilização deste filme na educação básica pode ser bastante rica em promover

um olhar crítico contra certos reducionismos ou até negacionismos.

O diretor mesmo procurou explorar a inocência infantil e o fato de o menino não ter

controle sobre os acontecimentos em grande parte do filme. Na Figura 12, temos uma tomada

de cena onde Mauro se encontra em frente ao prédio onde foi deixado pelos pais e onde se

desenrola a maior parte da ―aventura‖. No enquadramento, o diretor procurou mostrar o

menino bem pequenino em frente ao prédio amarelado que o engole; ou seja, forçado pelas

circunstâncias, Mauro tem agora um desafio de sobrevivência e, podemos dizer, um contexto

histórico que o engole da mesma forma como o prédio o faz. Um contexto que acabou

levando seus pais e o forçando a estar naquele local. Um contexto muito maior do que o

próprio entendimento do menino seria capaz de perceber.

Figura 12 - Mauro é enquadrado pequenino em frente ao prédio que servirá como seu

novo lar. Cena extraída do filme O ano em que meus pais saíram de férias (2006).

16

Conferir entrevista de Marcos Napolitano sobre a atual onda de revisionismos e negacionismos históricos que

tem marcado o Cone Sul nos últimos anos, fornecida ao jornal Nexo em setembro de 2018 (NAPOLITANO,

2018b).

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Outra forma de enfatizar que a narrativa se dá a partir do ponto de vista de uma

criança, atingida pelos acontecimentos sem que nem perceba ao certo o que acontece a sua

volta, é, em diversos momentos, a utilização da câmera para ressaltar que o que vê o mundo é

o olhar do garoto (IMAGENS 13 e 14), ou da sua voz in off para narrar a própria história.

Figura 13 - Mauro observa a cidade de São Paulo de dentro do carro de seus pais. Cena

extraída do filme O ano em que meus pais saíram de férias (2006).

Figura 14 - Da janela do apartamento, Mauro observa Shlomo conversando com uma

vizinha. Cena extraída do filme O ano em que meus pais saíram de férias (2006).

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A ―jornada do herói‖, quando envolve crianças, em geral está ligada à passagem para

a vida adulta. As provações pelas quais as crianças passam nestas histórias são necessárias ao

seu amadurecimento. No início do filme, ainda na fase do equilíbrio, da vida normal, Mauro

está em casa com os pais jogando futebol de botão, cena na qual diz o seguinte: ―Meu pai diz

que no futebol todo mundo pode falhar, menos o goleiro. Eles são jogadores diferentes, por

que passam a vida ali, sozinhos, esperando o pior‖. Desta forma, ao identificar Mauro com os

goleiros, a narrativa reforça a jornada do herói: tal qual um goleiro, uma espécie de herói

solitário do futebol, sempre ―esperando o pior‖, Mauro se veria solitário num futuro próximo

e teria que ―se virar sozinho‖, ou seja, as circunstâncias que o forçaram a tal situação o

forçarão a um amadurecimento.

Outra faceta da película, também abordando o futebol, é o contexto de disputas

políticas presentes na época, no qual até mesmo partidas de futebol levavam a discussões

acerca de ideologias políticas, tema também bastante debatido acerca da ditadura. A história

do filme se desenrola no período imediatamente anterior e durante a Copa do Mundo de 1970,

no México, o que foi usado pelo diretor de diversas formas. Num bar, por exemplo, ainda

antes da Copa, clientes discutem sobre a saída do treinador João Saldanha e a entrada de

Zagallo em seu lugar:

Cliente 1: Não sei, não sei... quero ver se sem o Saldanha o time vai pra frente.

Cliente 2: Você não acha o Zagallo melhor do que ele?

Cliente 3: O Saldanha é um doido! E comunista!

Outro aspecto bastante abordado no filme é a visão de uma São Paulo multicultural,

na qual vemos comunidades de judeus, colônias italianas, descendentes de gregos e um

personagem negro. Numa cena em que assiste a uma partida de futebol na qual se enfrentam

uma equipe de descendentes de italianos e outra de judeus, Mauro, in off, diz o seguinte:

- São Paulo é tão grande que cabe gente de todos os tipos e de todas as torcidas do

mundo.

Como goleiro do time de judeus estava o personagem negro, solitário em meio a

personagens descendentes de populações brancas. Mais uma vez, o diretor reforça a solidão e

o heroísmo dos goleiros. Não é à toa que, na narrativa, Mauro é fã do goleiro/herói negro em

meio a uma população branca (FIGURA 15).

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Figura 15 - O time de judeus comemora a vitória em torno do herói da partida, o goleiro Edgar.

Cena extraída do filme O ano em que meus pais saíram de férias (2006).

Todos estes grupos de diferentes origens e culturas acabaram se reunindo em torno

da participação do Brasil na Copa do Mundo, o que é explorado pelo diretor para

contextualizar a ditadura militar, que se utilizou da Copa a fim de propagar a ideia de um

Brasil unido em torno de determinados valores e ideias. Durante o primeiro jogo da

competição, entre Brasil e Tchecoslováquia, por exemplo, aparece uma sequência de cenas

mostrando grupos de diversas origens culturais torcendo pelo Brasil, enquanto, de fundo, se

escuta a música Pra Frente Brasil - cenas que, em conjunto com um estudo da letra da música

e do contexto da ditadura militar, poderiam ser utilizados em sala de aula numa abordagem

sobre o ufanismo do governo ditatorial:

Noventa milhões em ação

Pra frente, Brasil, do meu coração [...]

De repente é aquela corrente pra frente

Parece que todo o Brasil deu a mão [...]

Todos juntos, vamos, pra frente, Brasil.

Quanto à violência do contexto ditatorial, o filme a retrata de formas bastante sutis,

buscando não utilizar-se de cenas de violência explícita, até por conta de o personagem

principal não estar envolvido neste tipo de violência, mas em outros tipos, como o medo, a

solidão e o abandono.

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Num dos momentos em que o filme faz referência à violência ditatorial podemos

perceber interseções entre a obra de Cao Hamburguer e algumas conhecidas obras e imagens

acerca do regime. Há uma cena, por exemplo, na qual a polícia chega à cavalo para reprimir e

prender jovens contrários à ditadura. Hamburguer enfatiza imagens e sons das patas dos

cavalos, gerando tensão. Esta opção do diretor reverbera relatos de medo acerca da cavalaria

naquele período, como podemos perceber na obra já citada de Gabeira:

Daquela sacada, vi muitas coisas acontecendo. A missa de sétimo dia pela morte do

Edson Luís. Os cavalos tomando a Avenida Rio Branco deserta e as pessoas coladas

na parede, paralisadas de terror. Os cavalos avançando ao longo da Avenida e os

homens, de vez em quando, se curvando para espancar alguém. (GABEIRA, 1979,

p. 74)

E também na de Zuenir Ventura:

Foi logo depois da comunhão, quando a missa estava no final, que começaram a

chegar ao altar-mor os inquietantes ruídos de cascos de cavalos pisoteando o asfalto.

Eles vinham misturados ao ranger de freios das viaturas policiais, ao ronco de um

avião que sobrevoava o local e a ordens militares gritadas. O conjunto produzia uma

sonoplastia de guerra. E era um pouco isso o que acontecia em frente da Igreja da

Candelária no começo da noite de 4 de abril - uma guerra que tinha começado de

manhã e que ameaçava recomeçar agora. Antes de chegar ao altar, os ruídos haviam

passado naturalmente pela nave do templo, provocando, primeiro, uma espécie de

paralisia, depois um início de pânico. (VENTURA, 2008, p. 108)

Reverberam também conhecidas imagens como esta a seguir, de Evandro Teixeira,

importante fotógrafo de temas políticos e esportivos, que flagrou o avanço da cavalaria da

polícia contra estudantes que participavam da missa em homenagem a Edson Luís (FIGURA

16).

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Figura 16 - Cavalaria avança contra a população durante a missa em homenagem ao estudante Édson

Luís, morto pela polícia da ditadura. Fotografia de Evandro Teixeira, 1968.17

No filme, Hamburguer mostra as patas dos cavalos da polícia enquanto ao fundo as

crianças correm para ver o que estava acontecendo (FIGURA 17).

Figura 17 - O grupo de crianças corre para ver a cavalaria policial chegando ao bairro.

Cena extraída do filme O ano em que meus pais saíram de férias (2006).

17

A fotografia faz parte do acervo do próprio fotógrafo Evandro Teixeira e está disponível em

http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra28765/cavalaria-na-igreja-da-candelaria-missa-do-estudante-edson-

luis-rio-de-janeiro-rj.Acesso em: 29 fev.2020.

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Por fim, podemos concluir que a película de Cao Hamburguer, ao tratar o tema da

ditadura civil-militar por um viés diferenciado, pode nos possibilitar variados tipos de

atividades pedagógicas em sala de aula, entrelaçando atividades envolvendo cenas de filmes e

relatos de crianças e familiares reais que foram atingidos pelo regime ditatorial18

e deslocando

a discussão sobre a ditadura em sala de aula do lugar comum da violência física direta contra

militantes para outras formas de violência contra outros atores sociais.

2.4 Uma nota sobre a tortura

Segundo o já mencionado estudo de Caroline Gomes Leme, a tortura é bastante

presente nos filmes sobre a ditadura. Algumas vezes aparece explicitamente, muitas vezes

implicitamente, mas, quase sempre, anônima, pois, apesar de algumas obras trazerem

personagens reais, sobretudo militantes da luta armada, como em O que é isso, companheiro?,

os torturadores e demais agentes do regime quase nunca foram retratados como reais. Quase

sempre agem sozinhos em ―esquemas alternativos‖ e suas ações estão muito mais ligadas às

suas personalidades individuais, mostradas como sádicas e degeneradas, do que ao contexto

ditatorial (LEME, 2013, p. 29-30).

O enredo do filme Ação entre amigos gira totalmente em torno da tortura, não dos

momentos propriamente ditos nos quais os personagens a sofreram, mas dos traumas que ela

provocou e que se mostram fundamentais para os acontecimentos do tempo presente do filme.

Desta forma, aparecem apenas alguns flashbacks que fazem alusão à tortura, como

prisioneiros do regime machucados em suas celas e uma cena onde o rosto de um personagem

aparece bastante machucado e sangrando, enquanto o seu algoz ameaça torturá-lo ainda mais.

Em O que é isso, companheiro?, após o assalto ao banco, o personagem César, único

preso na ação, é torturado para que entregue seus companheiros. Enquanto realiza sessões de

afogamento do militante, um dos torturadores conversa calmamente com um comparsa sobre

assuntos triviais:

Torturador 1: Vai no aniversário do Vitor hoje à noite?

18

Uma rica fonte destes relatos pode ser encontrada no documento ―Infância roubada: crianças atingidas pela

ditadura militar no Brasil‖, resultado dos trabalhos da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, ou também

em relatos individuais que se tornaram livros, como Feliz Ano Velho, de Marcelo Rubens Paiva, ou Quando

voltei, tive uma surpresa, de Joel Rufino dos Santos.

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Torturador 2: Vou dar uma passada mais tarde, depois do jogo.

Torturador 1: Vai com a Lílian?

Torturador 2: Se ela não estiver cansada...

Este filme, além de propagar a ideia de que os torturadores agiam por conta própria,

sem o consentimento de seus superiores, reforça a visão de que suas ações se davam devido às

suas personalidades e não a um esquema repressivo estatal. Os militantes torturados seriam

vítimas de agentes sádicos que agiam de forma autônoma.

Nem em Ação entre amigos ou em O que é isso companheiro? as cenas de tortura

mostram realmente a violência ―na carne‖. Na verdade, apenas a tortura por afogamento,

sofrida por César, é realmente mostrada. Na penúltima sequência de O que é isso,

companheiro?, após sua prisão, Fernando aparece pendurado num ―pau-de-arara‖ e seu

torturador se dirige a ele de forma sarcástica, mas a violência de fato não é mostrada – apenas

a câmera passa a filmar a escuridão da sala enquanto, de repente, escuta-se um assustador

grito de dor do personagem. Logo após isso, na sequência seguinte, Maria, uma das militantes

que participara do sequestro do embaixador, aparece com semblante deprimido sendo

empurrada numa cadeira de rodas, o que também faz alusão à tortura de forma indireta. Em

Ação entre amigos, como já citado, um flashback mostra Miguel machucado enquanto

Correia, o torturador, conversa com ele e diz que vai ―tomar um café‖ antes de iniciar a sessão

seguinte.

Em O ano em que meus pais saíram de férias, como já mencionado, a participação

dos pais de Mauro na luta contra a ditadura não faz parte das cenas do filme, mas fica

implícita no enredo: a tensão dos pais nas cenas iniciais, o ―sumiço‖ dos mesmos e o retorno

de apenas um deles no final. Desta forma, não há cenas de tortura, mas, no fim do filme, o

retorno apenas da mãe e seu semblante entristecido e adoentado, fazem forte menção à

violência do regime. Nosso pequeno ―herói‖ estava voltando à ―normalidade‖ de sua vida,

mas apenas em parte, pois o equilíbrio de fato nunca mais seria restabelecido devido às ações

do regime que acabaram ceifando a vida de seu pai. Mais uma vez, o diretor buscou enfatizar

o peso do contexto histórico e político sobre uma criança que pouco podia fazer para mudar as

coisas.19

19

Cabe lembrar aqui o livro Feliz Ano Velho, de Marcelo Rubens Paiva, no qual, dentre as questões relativas ao

acidente que o deixou tetraplégico nos anos 70, o autor aborda a tristeza e o esfacelamento de famílias inteiras de

pessoas que foram mortas e/ou desapareceram devido às ações repressivas da ditadura civil-militar. O pai de

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Cabe aqui refletirmos sobre a questão das imagens relativas à tortura propriamente

dita. Não mostrar imagens mais violentas de personagens sob tortura seria uma forma de

tornar um filme mais palatável ao público, envolvendo, neste caso, questões de cunho

mercadológico-comercial? Mostrar a violência de fato seria uma forma de conscientizar o

público acerca do horror da tortura e, em consequência, do horror perpetrado por estados de

exceção? Para Leme

Essa questão é bastante complexa, pois envolve não apenas as diferentes

possibilidades de manejo da linguagem cinematográfica pelos cineastas, mas

também as diferentes formas pelas quais os diversos espectadores apreendem as

expressões audiovisuais, de modo que não é possível determinar com precisão e

previamente que efeitos as representações terão sobre um público diverso.

Há que se considerar que em algumas situações um fato que se sugere pode ser mais

aterrorizante do que sua representação explícita [...]. (LEME, 2013, p. 49)

No que concerne à nossa questão fundamental, a utilização do cinema nas aulas de

história, cabem algumas reflexões dentro deste mesmo debate levantado por Leme. Em

primeiro lugar, a utilização de filmes nas salas de aula da educação básica exige por parte de

professores uma adequação daquilo que vai ser apresentado aos alunos, pois, obviamente, não

se considera aceitável cenas de violência extrema sendo apresentadas a meninos e meninas

muito jovens - talvez aqueles que estão nas séries finais do Ensino Médio já estejam mais

preparados para este tipo de cena. Em segundo lugar, será que de fato apresentar cenas de

extrema violência é uma forma eficaz de conscientização?

Me parece que não, pois sabemos muito bem que o fim da ditadura não acarretou o

fim do arbítrio e da violência das forças estatais contra os cidadãos no nosso país. E, levando

em conta que grande parte dos alunos e alunas da educação pública brasileira vivem

justamente em áreas onde diferentes tipos de violência estão bastante presentes no seu dia a

dia, a violência dos filmes seria apenas mais uma presenciada por eles. Me parece que um

trabalho de contextualização sobre os problemas que acarretam tais violências, tanto

perpetradas durante a ditadura quanto nos dias atuais, poderia ser mais produtivo do que

realizar certos tipos de estetização da violência.

Além disso, o que queremos ao abordar os chamados ―temas sensíveis‖? Chocar os

estudantes ou provocar-lhes reflexão? Para Gil e Eugênio (2018, p. 139), que defendem uma

abordagem ―mais plural possível, permitindo que diferentes vozes se apresentem no diálogo‖,

Paiva, o deputado Rubens Paiva, foi preso, torturado e morto pela ditadura, em 1971, quando o autor tinha

apenas 11 anos. Este tema é retomado por ele na obra Ainda estou aqui, de 2015.

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o intuito da utilização destes temas sensíveis deve ser a contribuição no ―tensionamento das

condições que tornaram possíveis o racismo, a violência e a desigualdade e, a partir disso,

permitir a reflexão sobre o que nos configura hoje como nação‖ (2018, p. 141).

Neste mesmo trabalho, Gil e Eugênio citam estratégias para a utilização de ―temas

sensíveis‖ na educação básica, elaboradas por Mével e Tutiaux-Guillon. Dentre elas consta a

seguinte:

Organizar o trabalho na aula tendo a controvérsia como estratégia didática e, com

isso, abrir mão da aprendizagem como certeza, da aula como exposição organizada

de conteúdos e da concepção de estudantes como aqueles que não têm

conhecimentos para o debate. Ao organizar o trabalho pedagógico, os autores

recomendam que a controvérsia científica se torne rotina na sala de aula,

propiciando ao aluno espaço para a exploração de diferentes facetas de um problema

e o debate argumentado, diferente daquele que impõe a defesa de um ponto de vista

predefinido para cada participante, visto que o importante é a reflexão argumentada.

(GIL; EUGÊNIO, 2018, p. 145-146)

Esta estratégia está de acordo com as propostas da presente dissertação, pois o que

defendemos é a utilização dos filmes em sala de aula de forma plural e com o intuito de

provocar reflexões nos agentes envolvidos no ensino/aprendizagem, buscando dar voz aos

discentes e instigando-os a produzir conhecimento. A ideia não é utilizar filmes sobre a

ditadura para chocar os alunos acerca da violência marcante dos regimes ditatoriais, mas

proporcionar-lhes reflexões sobre as diversas questões que envolvem este passado recente e

incômodo, sobretudo o que diz respeito à construção do passado marcada pelas disputas do

presente e a utilização da linguagem cinematográfica na elaboração da narrativa fílmica.

Como desdobramento das discussões feitas até aqui, foram organizados suportes à

atividade docente que, junto com o guia e o material audiovisual que acompanham esta

dissertação, pretendem possibilitar que o uso do cinema em sala de aula possa se tornar uma

atividade mais desafiadora e, ao mesmo tempo, reflexiva.

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CAPÍTULO 3 – LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA E O USO DE FILMES NAS

AULAS DE HISTÓRIA: PROPOSTAS PARA PROFESSORES

3.1 Guias escrito e audiovisual “Uma introdução à linguagem cinematográfica para

professores de História”

A presente dissertação vem acompanhada de dois produtos educacionais voltados aos

professores de História da educação básica que têm como intuito principal familiarizá-los com

os diversos elementos da linguagem cinematográfica: um livreto-guia e um material

audiovisual. O objetivo central na construção destes materiais é promover entre os professores

o conhecimento da citada linguagem para que os mesmos possam tornar o uso do cinema em

sala de aula mais diversificado e capaz de promover uma educação de olhar e a autonomia

entre os discentes.

No livreto-guia elaborado, estão apresentados de forma sucinta e clara os elementos

básicos da linguagem cinematográfica, tais como a utilização das cores, as várias formas de

movimentar e posicionar as câmeras e os efeitos sonoros. Cada um dos elementos está

acompanhado de imagens de exemplo, tanto retiradas dos filmes analisados na dissertação

como também de filmes conhecidos pelo grande público. No produto audiovisual, por sua

vez, estes elementos foram elencados e explicados através de exemplos de cenas em

movimento, retiradas dos três filmes analisados, pois considerei que utilizar apenas imagens

estáticas (como prints de cenas dos filmes) prejudicaria o entendimento de uma linguagem

que justamente se caracteriza pelo movimento.

Os vários elementos expostos no livreto-guia e no produto audiovisual foram

selecionados com base nas já citadas ideias de Panofsky acerca da importância do

aprendizado dos diversos elementos que compõem uma produção artística para uma

compreensão aprofundada da mesma. Para este autor, num primeiro nível de interpretação,

chamado por ele de ―natural‖ ou ―aparente‖, o observador obviamente consegue identificar,

por exemplo, as cores que aparecem na tela, mas o fato de não ter conhecimentos sobre as

várias técnicas do cinema ou sobre o significado das cores na sétima arte, mantém sua

observação num nível bastante raso. O conhecimento de tais técnicas, portanto, permitiria ao

observador níveis mais aprofundados de compreensão da obra. E é exatamente este o intuito

de apresentar os mais variados elementos da linguagem cinematográfica: fornecer aos

docentes elementos e ferramentas para uma compreensão mais aprofundada dos filmes e para,

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consequentemente, uma utilização mais rica deste tipo de produção artística em sala de aula.

Dotado de tais elementos e ferramentas, os docentes podem enfim propor atividades mais

desafiantes e repletas de ―significação‖ (CAIMI, 2014, p. 169).

O livreto-guia contém 3 capítulos: um sobre o uso das ―cores no cinema‖, outro

sobre a ―construção das imagens‖ (ângulo, tipos de plano, iluminação, movimentos de

câmera, enquadramento e montagem), e um terceiro dedicado ao ―som‖. Já o material

audiovisual, que pode ser acessado através do programa Power Point, da Microsoft, ou

similares, possui um menu onde, através de apenas um clique, o usuário pode explorar

diretamente aquele item que mais lhe interessar no momento e pode também retornar a esse

menu inicial sempre que necessário.

Os materiais podem também ser usados pelos docentes para a realização de

atividades em sala de aula. Na perspectiva da educação do olhar seria interessante que não

apenas os professores (a) mas também os discentes pudessem entrar em contato com os

principais elementos da linguagem cinematográfica. O uso destes materiais em sala de aula,

bem como a forma de fazê-lo, fica a critério dos docentes.

3.2 Materiais de apoio para o trabalho com os filmes O que é isso, companheiro?, Ação

entre amigos e O ano em que meus pais saíram de férias

Apresento agora algumas propostas e materiais para a utilização do cinema em sala

de aula a partir dos filmes utilizados como referências no capítulo anterior, onde discutimos as

relações entre a ditadura no cinema e o ensino de História. Vale ressaltar que a seleção dos

materiais foi baseada na ideia de uma educação do olhar a partir do uso do cinema em sala de

aula e na busca de uma formação escolar que valorize a autonomia, a construção do

conhecimento e a reflexão por parte dos discentes.

Os materiais apresentados servem como apoio ao trabalho dos docentes, sendo que

sua utilização em sala de aula, ou a forma de utilizá-los, fica a critério dos profissionais

envolvidos. O mesmo vale para os produtos educacionais que acompanham essa dissertação.

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3.2.1 O que é isso, companheiro?

1ª Parte: Questões

O filme O que é isso, companheiro?, conforme análise no capítulo 2, pode nos

possibilitar diversos vieses de interpretação e de usos em sala de aula. Os docentes podem

explorar, por exemplo, as características dos militantes contrários à ditadura e as relações

entre eles. Uma possibilidade que poderia ser bastante profícua seria uma comparação entre as

personalidades de Paulo e de Jonas, bem como o relacionamento e os embates entre os dois ao

longo do filme. Outro viés pode ser uma análise da forma como são representados os

torturadores e as sessões de tortura. Além da análise propriamente dita destas facetas do filme,

um trabalho acerca da repercussão logo após o seu lançamento também pode gerar

interessante oportunidade de reflexão em sala de aula, já que, como vimos, o lançamento

desta película, em 1996, gerou bastante polêmica envolvendo ex-militantes e parentes de ex-

militantes da luta armada representados na tela, além de críticos de cinema e analistas em

geral.

A exploração didático-pedagógica das personalidades e dos embates entre Paulo e

Jonas ao longo da trama pode ser um rico manancial para explorar com os discentes a

utilização de diversos elementos de linguagem não-verbal pelo diretor do filme. As formas

como os dois personagens são enquadrados (quando estão sozinhos e quando aparecem

juntos), suas feições, sua postura corporal, além de elementos verbais propriamente ditos,

como seus argumentos enquanto debatem e suas relações com os demais personagens,

permitem aos docentes colocar em questão tanto a diversidade de propostas acerca do

combate à ditadura civil-militar quanto a forma como o diretor do filme explora e expõe os

conflitos e contradições entre os militantes.

Com relação à tortura, a utilização deste filme também pode promover interessantes

reflexões e debates, devido não só à forma como a violência ditatorial e a tortura

especificamente são retratadas, mas também devido às formas de representações dos

torturadores e do contexto no qual tais violências ocorrem. Dois pontos polêmicos acerca

destas representações, já discutidos no capitulo 2, são as crises de consciência pelas quais

passa um dos torturadores e o fato de o filme apresentar a violência e a tortura como

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resultantes de um ―esquema alternativo‖, ou seja, fruto de indivíduos que agiam de forma

independente.

As duas propostas citadas acima se relacionam com a terceira: a questão das

polêmicas ocorridas quando do lançamento do filme em 1996. As formas de retratar os

participantes do sequestro do embaixador e os torturadores levaram justamente a um dos

pontos principais geradores de tais polêmicas. Estas polêmicas podem ser exploradas pelos

docentes a fim de provocar reflexão acerca de várias questões, tais como: quais as implicações

de produzir filmes que retratam personagens e eventos reais? A questão se torna mais

complicada quando estes personagens reais ainda estão vivos na época de lançamento do

filme? O artista deve ter total liberdade de expressão nestes casos?

2ª parte: materiais suplementares

Sobre as polêmicas envolvendo a retratação de personagens reais e a construção de

suas imagens e personalidades no filme proponho a utilização de textos de suporte abaixo

citados (Quadros de leitura 1 e 2, respectivamente com os textos I e II). Escolhi estes dois,

pois, além de um deles ter sido fruto de uma entrevista dada por um dos próprios militantes

retratados no filme (Fernando Gabeira), eles contrapõem visões diferentes sobre a mesma

questão.

Quadro de leitura 1 – Texto I, com trecho da entrevista de Fernando Gabeira à Folha de São

Paulo à época de lançamento do filme O que é isso, companheiro?

TEXTO I

Folha - Você não acha [que] seus companheiros daquela época foram depreciados?

Gabeira - Na verdade, não foram retratados companheiros. O que ele procurou fazer foi

uma síntese dos principais tipos que existiam na luta armada, não só daquela ação, mas de

todas as ações. Não havia a mínima intenção de prejudicar pessoas reais. Ele tinha que

trabalhar várias personagens. É um painel psicológico da luta armada através dos

participantes da ação. Você é obrigado a condensar épocas e até a fazer com que no final as

pessoas já tivessem uma visão crítica da luta armada, quando isso aconteceu muito mais

tarde.

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Folha - Então você acha que não dá para identificar personagens do filme com pessoas

da vida real, como está ocorrendo?

Gabeira - Absolutamente. Nem dá para caracterizar que aquele personagem sou eu. Não

sou eu! As pessoas que se sentem prejudicadas vão sofrer inutilmente, e as que se sentem

beneficiadas vão se alegrar estupidamente. Você tem que se acostumar com essa relação

com a ficção. Outros filmes virão sobre esse momento histórico. E os artistas vão se

apropriar da maneira deles, queiram os personagens da história ou não.

Folha - Por que você acha que eles estão tendo dificuldade de se relacionar com a

ficção?

Gabeira - Em primeiro lugar porque são pessoas de extremo valor, que tiveram uma

participação generosa naquele momento e que não foram reconhecidas pela sociedade

brasileira.

Folha - Você acha que há um ressentimento?

Gabeira - Quando eles se sentem retratados de uma maneira que não absorve a riqueza, a

generosidade e a complexidade deles, eles ficam sentidos. Eles não se distanciam do fato

histórico. Eles acham que a sociedade brasileira está devendo um documentário.

Fonte: GABEIRA, Fernando. O que é isso, companheiro? Gabeira não se vê em personagem do filme. Folha de

São Paulo. São Paulo, 10 maio 1997. Entrevista concedida a Luis Caversan. Disponível em:

https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq100530.htm. Acesso em 20 fev. 2020.

Quadro de leitura 2 - Trechos de artigo de Paulo Moreira Leite publicado na Revista Veja, da qual era editor à

época do lançamento do filme (30/04/1997) e posteriormente publicado em Leite (1997).

TEXTO II

―Com personagens que usam nomes e codinomes reais, textos explicando grandes

acontecimentos, cenas em preto-e-branco como se fossem saídas do arquivo, o filme tenta,

o tempo inteiro, dar a impressão de que é um relato de fatos reais, com uma ou outra

alteração apenas para facilitar as opções dramáticas. Mas é menos cuidadoso do que parece.

[...]

Em vez de examinar o conflito entre a violência e a consciência, o filme tenta

diminuir a responsabilidade do oficial-torturador, apenas para mostrar que, além de ter uma

noção clara do certo e do errado, quando erra ele se sente culpado. Já o comandante Jonas

(Matheus Nachergaele) é descrito como um assassino frio, que distribui ameaças de morte

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aos próprios colegas sem dar sinal de arrependimento. Comparando os vilões de cada lado,

não há dúvida de que o filme fez sua opção. O torturador tem direito a um conflito interior,

a honra de uma angústia. O comandante do sequestro é um robô fanático sob a pele de

esquerdista.‖

Fonte: LEITE, Paulo Moreira. O que foi aquilo, companheiro. In: REIS FILHO, Daniel Aarão et ai. Versões e

ficções: o sequestro da História. São Paulo, Ed. Fundação Perseu Abramo, 1997. pg. 51- 60. Disponível em:

https://fpabramo.org.br/publicacoes/estante/versoes-e-ficcoes-o-sequestro-da-historia/. Acesso em 20 fev. 2020.

Já com relação à questão da tortura, selecionamos trecho do texto ―Disfarce legalista

e métodos ilegais‖, publicado no site ―memoriasdaditadura.org.br‖, criado e mantido pelo

Instituto Vladimir Herzog, que é, aliás, um interessante suporte às aulas sobre ditadura militar,

contando com uma aba dedicada ao trabalho docente, onde estão disponibilizadas ―sequências

didáticas‖ e dicas de utilização aos professores (as). O texto III (Quadro de leitura 3) foi

selecionado devido à sua clara contraposição à narrativa fílmica acerca da repressão e da

tortura.

Quadro de leitura 3 - Texto III, Disfarce legalista e métodos ilegais.

TEXTO III

―Além desses métodos legais de repressão, que atingiram milhares de cidadãos e

impactaram sobretudo o sistema político partidário, militantes de causas sociais e sindicais,

intelectuais e jornalistas, o regime se utilizou de métodos de repressão ilegais, mesmo à luz

da legislação e dos princípios constitucionais que ele mesmo criou. Nem a Constituição de

1967, ou sua emenda ainda mais autoritária de 1969, autorizavam a tortura ou a prisão de

indivíduos mediante sequestro ou invasão de casas. Mas não foi isso que se observou na

prática.

A maior novidade da repressão política dos anos 1970 foi a integração desses

métodos dentro de um sistema repressivo que coordenava, sob comando militar, vários

núcleos de segurança. Assim, em linhas gerais, podemos definir um claro modus operandi

da repressão e suas variáveis, aplicado seletivamente conforme o grau de envolvimento do

prisioneiro com a luta armada ou com grupos ‗subversivos‘ em geral.‖

Fonte: INSTITUTO VLADIMIR HERZOG. Portal Memórias da Ditadura. Disfarce legalista e métodos ilegais.

São Paulo, [2014]. Disponível em http://memoriasdaditadura.org.br/repressao/. Acesso em: 15 fev 2020.

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3.2.2 Ação entre amigos

1ª parte: Questões

O filme Ação entre amigos, conforme discutido com mais profundidade no capítulo

2, é uma obra que pode promover interessantes debates acerca do lento e restrito processo de

―abertura‖ que levou ao fim da ditadura civil-militar no Brasil, bem como uma discussão mais

ampla sobre a chamada ―justiça de transição‖ e de seu caráter não punitivo no Brasil. O

enredo propriamente dito do filme pode também elencar reflexões acerca das subjetividades

envolvidas nas questões relativas à memória acerca da violência do regime ditatorial.

2ª parte: Materiais de apoio

A fim de promover uma reflexão acerca do caráter lento e não-punitivo do processo

de ―abertura‖ no Brasil, selecionei o material abaixo (Quadro de leitura 4), no qual o

historiador Carlos Fico, ao comparar os contextos de desagregação das ditaduras argentina e

brasileira, defende a tese de que, enquanto as principais marcas da ditadura argentina e do seu

ocaso foram a violência extrema e a punição aos agentes de Estado que perpetraram tais atos

de violência, a marca do contexto brasileiro foi a frustração e o viés de conciliação, dominante

após o fim do regime militar.

Quadro de leitura 4 – Texto I, Violência e frustração, de Carlos Fico.

TEXTO I

―É comum compararmos as ditaduras militares do Brasil e da Argentina, não só

pela proximidade geográfica e temporal, mas também por algumas similaridades entre

ambas. Mas as diferenças são muitas. A questão da violência é sempre lembrada: na

Argentina, houve um número muito maior de mortos e desaparecidos do que no Brasil. Esta

contabilidade macabra já serviu até mesmo para que o regime brasileiro fosse classificado

como uma ‗ditabranda‘, o que é um equívoco.

De fato, a sociedade brasileira ainda não conhece em detalhes a violência que se

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praticou durante os governos militares. As prisões arbitrárias, os casos de tortura e de

morte, além da repressão à guerrilha do Araguaia, são mais conhecidos. Entretanto, muita

gente teve a sua vida afetada pelo regime, não necessariamente através da violência física,

mas de muitas outras formas, como sempre ocorre em qualquer regime de restrição de

liberdades.

Apesar de ambos os regimes terem sido violentos, nota-se que a maneira como as

duas sociedades lidam com sua memória é diferente. Na Argentina os militares têm sido

punidos e isso serve para que muitas pessoas reprovem o modo como os brasileiros lidam

com o seu passado recente, reiterando a tradição de conciliação. O que talvez explique essa

diferença é maneira como a violência se deu aqui e lá. No caso da Argentina, ela foi

bastante visível e abrangente. Além disso, em alguns casos, como nos sequestros de bebês,

foi singularmente atroz. No Brasil, a violência foi encoberta: havia a censura e poucos

tomavam conhecimento do que se passava.

Assim, a memória que se construiu na Argentina sobre a ditadura militar é

marcada pelo trauma da violência. Creio que no Brasil é diferente: aqui, o traço marcante

da memória sobre a ditadura militar não é a violência, mas a frustração das esperanças.

Dois episódios históricos ilustram essa tese: a Lei da Anistia, de 1979, que não foi ‗ampla,

geral e irrestrita‘, e a derrota da Campanha das Diretas, em 1984.

A frustração diante da impunidade dos responsáveis pelos crimes da ditadura e da ausência

de uma verdadeira ruptura - que as "Diretas, Já!" possibilitariam - torna a transição

brasileira um processo que não terminou. A constante retomada desse passado, através da

Comissão da Verdade, por exemplo, demonstra que essa insatisfação não é uma página

virada.‖

Fonte: FICO, Carlos. Violência e frustração. Brasil Recente (blog). 06 fev. 2012 Disponível em

http://www.brasilrecente.com/2012/02/violencia-e-frustracao.html. Acesso em: 05 março 2020.

O texto I, de Carlos Fico (Quadro de leitura 4), promove a reflexão e o debate acerca

da política de transição no Brasil, pois a frustração e a raiva de Miguel estão diretamente

relacionadas ao caráter não-punitivo da nossa ―abertura‖. Assim, o material, em conjunto com

o filme, podem ser utilizados para discutir esse ―processo que não terminou‖.

Já com relação às subjetividades e às diferentes visões e versões do passado,

selecionamos um excerto de Juliana Pirola Balestra (Quadro de leitura 5), onde a autora

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relaciona a mutabilidade do passado e os interesses e embates do presente, um famoso trecho

(Quadro de leitura 6) da obra 1984, de George Orwell, onde o autor também relaciona as

imbricações entre passado e presente com a questão das disputas pelo poder, além de uma

declaração do atual presidente da República Jair Messias Bolsonaro (Quadro de leitura 7)

onde o mesmo propaga um dos seus conhecidos negacionismos acerca da ditadura civil-

militar.

Quadro de leitura 5 - Texto II.

TEXTO II

―[...] o passado permanece mutável e segue disposto a ser modelado pelas ideias e

experiências do presente.‖

Fonte: BALESTRA, Juliana Pirola. História e Ensino de História das Ditaduras no Brasil e na Argentina.

Antíteses, v. 9, n. 18, p. 249-274, jul./dez. 2016.

Quadro de leitura 6 - Texto III.

TEXTO III

―Quem controla o passado, controla o futuro. Quem controla o presente, controla o

passado.‖

Fonte: ORWELL, George. 1984. São Paulo: Cia das Letras, 2009.

Quadro de leitura 7- Texto IV.

TEXTO IV

―Temos de conhecer a verdade. Não quer dizer que foi uma maravilha, não foi uma

maravilha regime nenhum. Qual casamento é uma maravilha? De vez em quando tem um

probleminha [...]. E onde você viu uma ditadura entregar pra oposição de forma pacífica o

governo? Só no Brasil. Então, não houve ditadura.‖

Fonte: Jair Messias Bolsonaro, comunicação oral em entrevista ao Brasil Urgente, da TV Bandeirantes, em 27 de

março de 2019.

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Estes três últimos materiais estão diretamente relacionados à temática do filme e

podem ser utilizados para uma melhor compreensão e debate sobre o mesmo e sobre o Brasil

pós-ditadura. A mutabilidade do passado, expressa no excerto de Balestra (Quadro de leitura

5) aparece no filme, por exemplo, quando Miguel e Correia discutem sobre o passado,

expressando suas diferentes versões do passado; além disso, mesmo o fato de os 4 amigos na

narrativa fílmica terem uma visão negativa sobre o passado ditatorial, no qual sofreram

tortura, suas opiniões sobre o que devem fazer no tempo presente são divergentes, ou seja, a

questão das subjetividades fica bastante à mostra.

Já os textos III e IV (Quadros de leitura 6 e 7, respectivamente) completam o anterior

e se relacionam entre si e com o filme ao colocarem a construção do passado sob a

perspectiva da disputa. Enquanto no texto III o escritor George Orwell, em sua distopia

totalitária 1984, expõe o enorme poder conferido àqueles que ―controlam‖ o passado, Jair

Messias Bolsonaro, no texto IV, nos dá um exemplo claro desta questão: ao negar ou

justificar os crimes cometidos pelos agentes de Estado durante a ditadura, o atual presidente

da República contribui para a manutenção da política de não-punição aos responsáveis pelos

crimes, além de minimizar os problemas relativos à sua própria plataforma política autoritária.

Lembro novamente que, no filme, Miguel e Corrêa tentam justificar suas posições no presente

criando versões bem distintas sobre o passado que viveram; além disso, é ressaltando de

forma veemente a violência sofrida no passado que Miguel tenta convencer os amigos a

concordarem com uma solução violenta no presente.

3.2.3 O ano em que meus pais saíram de férias

1ª parte: Questões

O filme O ano em que meus pais saíram de férias pode promover interessantes

atividades em sala de aula. Este filme de Cao Hamburguer provoca alguns deslocamentos que

podem ser aproveitados pelo docente: em primeiro lugar a narrativa é toda construída a partir

da visão de um menino de 12 anos, e, em segundo lugar, o filme, ao não retratar violência

explícita do regime militar (como a tortura) acaba retratando outros tipos de violências, como

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o abandono, a solidão, as limitações às liberdades individuais e a falta de informação. Além

destas questões, o filme ajuda também a desconstruir a ideia de que apenas aqueles que

lutavam diretamente contra a ditadura eram atingidos por ela.

2ª parte: Materiais de apoio

O filme de Cao Hamburguer possibilita atividades que envolvem diretamente a

utilização e a construção de conhecimentos acerca da linguagem cinematográfica

propriamente dita, pois o diretor claramente se utiliza de um padrão narrativo conhecido como

―jornada do herói‖ (já amplamente explicitado no capítulo 2). O padrão narrativo identificado

e discutido por Joseph Campbell em sua obra ―O herói de mil faces‖ pode ser apresentado

para os alunos de forma bastante lúdica através do vídeo I (link abaixo): neste suporte, o canal

―Omeleteve‖, do Youtube, apresenta a ―jornada do herói‖ de forma bastante lúdica, utilizando

como exemplos personagens bastante presentes no universo dos adolescentes, como Harry

Porter ou Luke Skywalker.

Vídeo I: https://www.youtube.com/watch?v=b-oT7upunUw (disponível em 27/02/2020).

Se for de preferência do professor a utilização de material escrito para apresentar a

―jornada‖ aos discentes, selecionamos o texto I (Quadro de leitura 8).

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Quadro de leitura 8 - Texto I, O que é a jornada do herói?

TEXTO I

―Você já teve a sensação de ler a mesma história várias e várias vezes, mudando

apenas os personagens? Talvez essa impressão seja fundamentada por uma teoria chamada

‗jornada do herói‘.

Quem a desenvolveu foi o antropólogo Joseph Campbell, que notou uma rota

narrativa comum para diversos mitos – dentre eles Buda, Moisés e Jesus Cristo. Em seus

estudos, percebeu que tramas mais recentes também seguiam uma mesma estrutura,

composta por doze etapas.

A jornada do herói, também chamada monomito, é utilizada, nem sempre de

maneira consciente, por escritores que querem organizar suas histórias. Por isso, a

conceituação de Campbell é creditada academicamente e ensinada nas aulas de roteiro,

storytelling e literatura em geral.

Até mesmo cientistas políticos e estudiosos de marketing se debruçam sobre a

teoria para criar narrativas críveis sobre pessoas reais que precisam convencer pelas

surpresas da sua história. Qualquer semelhança com as campanhas eleitorais não é mera

coincidência.

Fato curioso sobre o que vamos falar a seguir: Campbell tinha como um de seus

amigos ninguém menos que George Lucas, criador de Star Wars. Para essa narrativa épica

– e extremamente lucrativa -, Lucas recorreu aos conhecimentos do amigo, que influenciou

bastante para que a saga tivesse traços da jornada do herói. Campbell sugeriu, por exemplo,

que Obi-Wan Kenobi morresse (não é spoiler se já tem mais de 10 anos) para que esse

papel de mentor e mentorado entre o personagem e Luke Skywalker fizesse mais sentido

ainda na estrutura do herói.

Os passos do monomito

Os doze estágios do herói, para Campbell, são:

1 – O mundo comum, onde o herói vive sua vida sem muitas novidades;

2 – O chamado da aventura, que é quando o problema ou desafio se apresenta

oficialmente ao personagem;

3 – A recusa ao chamado, já que a vida está boa do jeito que está, e o herói não vê motivo

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forte o suficiente para se meter em um novo caminho;

4 – A ajuda sobrenatural, também chamada de encontro com o mentor, onde alguém ou

algo de suma importância ao herói chama sua atenção para a urgência da decisão positiva;

5 – O cruzamento do primeiro portal, onde o herói abandona o mundo comum para se

lançar no mundo especial (aventura) ou mágico;

6 – A barriga da baleia, que é quando o herói enfrenta os primeiros desafios e se vê frente

a inimigos e aliados, aprendendo as regras da aventura ou do mundo em questão;

7 – A aproximação, quando o herói vence esse primeiro desafio;

8 – A provação traumática, que é o obstáculo ou crise de maior impacto na vida do herói

dentro da história. Essa provação difícil pode ser questão de vida ou morte;

9 – A recompensa, que é o prêmio ganho por enfrentar a dura provação. Geralmente, vem

através do vencimento dos medos e da descoberta de novas forças;

10 – O caminho de volta, que é o retorno do herói para seu mundo, sua vida normal;

11 – A ressurreição do herói, em um novo teste de enfrentamento da morte e de utilização

de tudo o que foi aprendido na etapa da recompensa;

12 – O retorno com o elixir, que nada mais é do que o retorno definitivo com a

recompensa, ferramenta que vai ajudar a todos no mundo em que o herói vivia antes de sair

para sua aventura.

De acordo com Campbell, ao passar por todas essas etapas, quase que

necessariamente nessa ordem, tem-se uma narrativa completa.

O segredo, para os escritores, é descobrir qual é a melhor história a ser contada

dentro dessa estrutura. Muitas coisas podem levar o herói a se aventurar em uma jornada;

mas fato é que, sem jornada, dificilmente criaremos um herói.‖

Fonte: MENINI, Tais. O que é a jornada do herói? Literama. 10 jan. 2019. Disponível em:

https://literama.com.br/o-que-e-a-jornada-do-heroi/. Acesso em: 20 fev. 2020

Para além de atividades que envolvem a questão da linguagem cinematográfica, é

possível a utilização deste filme com o intuito de provocar reflexões entre os alunos acerca da

questão das crianças atingidas direta ou indiretamente pela ditadura civil-militar. O texto II

(Quadro de leitura 9) consiste em excertos do prefácio e da apresentação do livro ―Infância

Roubada: crianças atingidas pela ditadura militar no Brasil‖ (SÃO PAULO, 2014). Esta obra

é resultado de importante trabalho da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo

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(―Comissão Rubens Paiva‖), que coletou dezenas de depoimentos de crianças e adolescentes

(hoje adultos) que de alguma forma foram atingidos pela ditadura.

Quadro de leitura 9 - Texto II.

TEXTO II

―Cresceram à sombra do medo, angustiados pela incerteza e expectativa de

reaparecimento do pai ou da mãe ou de ambos. Viveram dias, meses, e depois, anos à

espera deles. Privados de brincar com os pais, passear, ter um almoço em família ou receber

ajuda numa lição. Muitos tiveram a vida consumida por esta dúvida, sem que afinal

tivessem direito sequer a um esclarecimento oficial sobre o destino de seus pais, um

processo que deixaria marcas indeléveis. [...]

Como uma geração de brasileiros, eles cresceram em um período de graves

violações de direitos humanos e agressões ao direito da cidadania. Mas receberam marcas

profundas e particulares. Não tinham responsabilidade pelas opções políticas dos pais nem

pela situação do país. Seus relatos, sempre emocionados, traduzem o que conseguiam

compreender daqueles dias tão difíceis para o país e para suas vidas.

[...]

Eles foram sequestrados e escondidos em centros clandestinos de repressão política

da ditadura militar brasileira (1964 – 1985). Afastados de seus pais e suas famílias ainda

crianças, foram enquadrados como ―elementos‖ subversivos pelos órgãos repressivos e

banidos do país. Foram obrigados a morar com parentes distantes, a viver com nomes e

sobrenomes falsos, impedidos de conviver, crescer e conhecer os nomes verdadeiros de

seus pais. Foram, enfim, privados do cuidado paterno e materno no momento mais decisivo

e de maior necessidade, que é justamente a infância.‖

Fonte: São Paulo (Estado). Assembleia Legislativa. Comissão da Verdade do Estado de São Paulo "Rubens

Paiva". Infância Roubada: crianças atingidas pela Ditadura Militar no Brasil. São Paulo: ALESP, 2014.

3.3 Para se aprofundar no tema

Segue abaixo uma lista de sites e canais do Youtube como referência para os

docentes interessados em aprender mais sobre a linguagem cinematográfica:

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3.3.1 Sites

> Críticos: resultado do esforço coletivo de um grupo de críticos de cinema da mídia impressa

que resolveram adentrar ao mundo virtual, este site contém rico material acerca da produção

cinematográfica, incluindo artigos, críticas e entrevistas.

Endereço eletrônico: http://criticos.com.br/

> Cinema com rapadura: site criado em 2004, deu origem a um canal no Youtube e a um

podcast sobre cinema. Conta com equipe bastante plural, como cineastas, jornalistas,

publicitários e colaboradores voluntários. Tem sido uma das principais referências sobre

cinema no Brasil.

Endereço eletrônico: https://cinemacomrapadura.com.br/

> O olho da História: do âmbito acadêmico, temos a importante revista de ―teoria, cultura,

cinema e sociedade‖ da Universidade Federal da Bahia denominada O olho da História, cujo

editor-chefe é o professor Jorge Nóvoa, estudioso das fronteiras entre o Cinema e a História.

Endereço eletrônico: http://oolhodahistoria.ufba.br/

>Teach with movies: lights, câmera, learn!: site em inglês voltado especificamente para a

utilização didático-pedagógica do cinema. Criado em 1998 pelos professores norte-

americanos James Frieden e Deborah W. Elliott, conta com imensa quantidade de material

voltado aos docentes, aos pais e às escolas, e também com incontáveis propostas de

atividades.

Endereço eletrônico: http://teachwithmovies.org/

3.3.2 Canais do Youtube

> Omeleteve: canal do site ―omelete.com.br‖, referência sobre cultura pop, games, cinema e

literatura desde o ano 2000. Possui diversos vídeos que explicam a construção de filmes

famosos, como Coringa e Parasita, a partir dos quais o professor pode enriquecer seus

conhecimentos sobre cinema.

Endereço eletrônico: https://www.youtube.com/user/omeleteve/

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> Pablo Villaça: organizado pelo crítico e diretor Pablo Villaça, este canal é bastante

profícuo ao aprendizado da linguagem do cinema. Entre suas playlists há uma em especial

denominada ―cenas em detalhes‖ na qual Villaça destrincha cenas de filmes famosos como O

poderoso chefão e ET, o extraterrestre.

Endereço eletrônico: https://www.youtube.com/user/pablovillaca/

> EntrePlanos: uma das melhores referências brasileiras sobre cinema na internet, este canal

apresenta vídeos que são verdadeiras aulas sobre cinema. Comece pelo vídeo básico

denominado ―como você interpreta um filme?‖.

Endereço eletrônico: https://www.youtube.com/channel/UCZq_CYXRoRjKqidapMPujaQ

> Every frame a painting: canal norte-americano que reúne vídeo-ensaios sobre diversas

formas de utilização da linguagem cinematográfica por famosos diretores de cinema como os

irmãos Coen e Akira Kurosawa. Alguns dos vídeos têm legenda em português.

Endereço eletrônico: https://www.youtube.com/user/everyframeapainting

> Cinema com rapadura: famoso canal do Youtube, pertencente ao site

―cinemacomrapadura.com.br‖, possui vídeos sobre elementos específicos da linguagem

cinematográfica.

Endereço eletrônico: https://www.youtube.com/channel/UCurl4RJpmlVmUJUiTWyGWAA

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho, que tem como um dos objetivos principais a promoção da reflexão e

do debate nas salas de aula da educação básica, nasceu justamente de um contexto de sala de

aula no qual o debate e a reflexão eram estimulados constantemente; o contexto das aulas

oferecidas pelo Programa de Pós-Graduação em Ensino de História da UFRJ. Tais debates e

reflexões acabaram gerando ideias, muitas das quais surgidas no caminho de volta para casa.

As aulas do ProfHistória provocaram professoras e professores discentes do Programa a sair

de sua zona de conforto.

Em algumas destas idas e vindas, do interior para a capital e da capital para o

interior, incomodado com as aulas tradicionais que vinha oferecendo em minha própria

prática docente, instigado pelos professores e colegas do ProfHistória e pelas leituras que nos

ofereciam, passei a imaginar novas práticas docentes que pudessem promover a reflexão e a

autonomia dos meus próprios alunos e alunas. Imaginei também fazer isso a partir da

utilização do cinema em sala de aula, esta arte tão plural e tão presente na minha vida familiar

e escolar.

O primeiro passo foi me apoiar ―nos ombros de gigantes‖, realizando extensa

pesquisa e leitura de produções bibliográficas voltadas à promoção do uso do cinema em sala

de aula. Estas leituras, que permitiram visualizar um quadro geral da literatura especializada

no assunto, promoveram ainda mais incômodos acerca da minha própria prática, mas também

me possibilitaram entrar em contato com práticas diferenciadas, observar lacunas e pensar

novas possibilidades ao uso da sétima arte no contexto escolar.

Uma das lacunas observadas foi a ausência de um material audiovisual que

pudesse servir de introdução ao aprendizado dos diversos elementos que compõem a

linguagem cinematográfica, cujo aprendizado passei a considerar fundamental para uma

utilização adequada do cinema nas aulas de História. Tal consideração me fez mergulhar no

aprendizado desta linguagem, o que se mostrou uma atividade extremamente prazerosa, na

qual eu mesmo passei a educar o meu próprio olhar para o cinema. Conclusão: tive a sensação

de que nunca mais veria um filme da mesma forma como via antes. E espero que os docentes

– e discentes – que entrem em contato com o material produzido também tenham a mesma

sensação.

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LISTA DE FILMES

AÇÃO entre amigos. Diretor: Beto Brant. Brasil: Dezenove som e Imagens, 1998. 76 min.

ANO em que meus pais saíram de férias, O. Diretor: Cao Hamburguer. Brasil: Gullane

Filmes, 2006. 110 min.

E AGORA, José?: tortura do sexo. Diretor: Ody Fraga. São Paulo: Dacar Produções

Cinematográficas, 1979. 90 min.

FAÇA a coisa certa. Diretor: Spike Lee. EUA: Universal Pictures, 1989. 119 min.

LAMARCA. Diretor: Sérgio Rezende. Brasil: Rio Filme; Paramount Pictures do Brasil, 1994.

129 min.

LISTA de Schindler, A. Diretor: Steven Spielberg. EUA: Universal Pictures, 1993. 195 min.

MARIGHELA. Diretor: Wagner Moura. Rio de Janeiro: O2 Filmes, 2020. 155 min.

O QUE é isso, companheiro? Diretor: Bruno Barreto. Brasil/EUA: Columbia Tristar Filmes

do Brasil, 1997. 110 min.

PAULA: a história de uma subversiva. Direção: Francisco Ramalho Jr. São Paulo: Oca

Cinematográfica Ltda; Embrafilme; Secretaria de Cultura do Governo de São Paulo, 1979. 93

min.

XINGU. Diretor: Cao Hamburguer. Brasil: Downtown Filmes, 2012. 102min.

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APENDICE A

Guia escrito e audiovisual “Uma introdução à linguagem cinematográfica para

professores de História”

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APÊNDICE B

Produto audiovisual

Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1i8tv_fMcv7pEwNhtF4Z-QcDEcoJhIeIg/view