O APRENDIZADO MUSICAL EM CRIANÇAS ENTRE ZERO E SEIS ANOS, SEGUNDO A TEORIA DA APRENDIZAGEM MUSICAL, DE EDWIN E. GORDON

Embed Size (px)

Citation preview

  • 7/23/2019 O APRENDIZADO MUSICAL EM CRIANAS ENTRE ZERO E SEIS ANOS, SEGUNDO A TEORIA DA APRENDIZAGEM MUSICAL, DE EDWIN E. GORDON

    1/60

    UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIROCENTRO DE LETRAS E ARTES

    INSTITUTO VILLA-LOBOSLICENCIATURA EM MSICA

    O APRENDIZADO MUSICAL EM CRIANAS ENTRE ZERO E SEIS ANOS,

    SEGUNDO A TEORIA DA APRENDIZAGEM MUSICAL, DE EDWIN E. GORDON.

    ALESSANDRA FREDERICK

    RIO DE JANEIRO, 2008

  • 7/23/2019 O APRENDIZADO MUSICAL EM CRIANAS ENTRE ZERO E SEIS ANOS, SEGUNDO A TEORIA DA APRENDIZAGEM MUSICAL, DE EDWIN E. GORDON

    2/60

    2

    O APRENDIZADO MUSICAL EM CRIANAS ENTRE ZERO E SEIS ANOS, SEGUNDO ATEORIA DA APRENDIZAGEM MUSICAL, DE EDWIN E. GORDON.

    Por

    ALESSANDRA FREDERICK

    Monografia apresentada ao Instituto Villa-Lobos, Centro de Letras e Artes da UNIRIO,como requisito para a concluso do Curso deLicenciatura em Msica, sob a orientao daprofessora Silvia Sobreira.

    Rio de Janeiro, 2008

  • 7/23/2019 O APRENDIZADO MUSICAL EM CRIANAS ENTRE ZERO E SEIS ANOS, SEGUNDO A TEORIA DA APRENDIZAGEM MUSICAL, DE EDWIN E. GORDON

    3/60

    3

    FREDERICK, Alessandra. O aprendizado musical em crianas entre zero e seis anos, segundo aTeoria da Aprendizagem Musical, de Edwin Gordon. 2008. Monografia de fim de curso deLicenciatura em Msica Instituto Villa-Lobos, Centro de Letras e Artes,Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

    RESUMO

    O presente trabalho uma pesquisa bibliogrfica a respeito da aprendizagem musical emcrianas entre zero e seis anos. Observamos que este tema pouco abordado nas monografias degraduao do curso de licenciatura em msica na UNIRIO, e poucos so os autores pesquisandoo assunto no Brasil. A pesquisa se baseou na Teoria da Aprendizagem Musical, desenvolvida porE. Gordon, autor pouco conhecido no Brasil, e tem como objetivo principal conhecer um poucomais sobre esta teoria e sua aplicao. No primeiro captulo, so explicados alguns dos termosutilizados pelo autor, como audiao e aptido musical. No segundo captulo, descrita aprimeira parte da Teoria da Aprendizagem Musical, que consiste na orientao musical informal,e voltada para crianas na faixa etria de zero a seis anos. Por fim, ainda neste captulo, feitauma ligao entre a Teoria e a preparao para o ensino formal de um instrumento musical.

    Palavras-chave: Teoria da Aprendizagem Musical audiao aptido musical orientaomusical informal

  • 7/23/2019 O APRENDIZADO MUSICAL EM CRIANAS ENTRE ZERO E SEIS ANOS, SEGUNDO A TEORIA DA APRENDIZAGEM MUSICAL, DE EDWIN E. GORDON

    4/60

    4

    SUMRIO

    PginaINTRODUO..................................................................................................................1

    CAPTULO 1 CONCEITUAO DOS TERMOS...................................................61.1

    Aptido musical1.2 Audiao1.3

    Macrotempo e microtempo1.4 Entoar1.5

    Tonalidade (keyality) e modo (tonality)CAPTULO 2 TEORIA DE APRENDIZAGEM MUSICAL E AUDIAOPREPARATRIA DE EDWIN GORDON ..................................................................19

    2.1 Balbucio musical2.2 Escutar, cantar e entoar2.3 Audiao preparatria

    2.3.1 Aculturao2.3.1.1 Primeiro estgio da audiao preparatria2.3.1.2 Segundo estgio da audiao preparatria2.3.1.3 Terceiro estgio da audiao preparatria

    2.3.2 Imitao2.4.2.1 Quarto estgio da audiao preparatria2.4.2.2 Quinto estgio da audiao preparatria

    2.3.3 Assimilao2.4.3.1 Sexto estgio da audiao preparatria2.4.3.2 Stimo estgio da audiao preparatria

    2.4 Preparao para a instruo musical formalCONCLUSO .................................................................................................................51REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ..........................................................................53ANEXOS ..........................................................................................................................56

  • 7/23/2019 O APRENDIZADO MUSICAL EM CRIANAS ENTRE ZERO E SEIS ANOS, SEGUNDO A TEORIA DA APRENDIZAGEM MUSICAL, DE EDWIN E. GORDON

    5/60

    5

    INTRODUO

    O presente trabalho aborda a msica na primeira infncia e a influncia que a orientao

    musical nesta fase da vida poder exercer nas aptides musicais do sujeito. O primeiro elemento

    que me levou escolha deste tema foi minha prtica profissional com a musicalizao desta faixa

    etria, alm da necessidade do profissional de educao musical ter um maior embasamento e

    aprofundamento no assunto, visto que um tema pouco abordado nas monografias de graduao

    da UNIRIO. Das mais de cinqenta monografias de licenciatura em msica disponveis para

    leitura no site do departamento de educao musical da UNIRIO1, apenas uma apresenta tema

    aproximadamente semelhante, abordando a apreciao musical na educao infantil (Liedke,

    2007). O segundo elemento foi o fato de termos pouca bibliografia sobre o assunto no Brasil, e

    poucos autores que estudam este assunto, dentre os quais esto Esther Beyer, Beatriz Ilari e Diana

    Santiago.

    Santiago et al (1998) afirmam que, embora a musicalizao de crianas pr-escolares

    seja tarefa desafiadora em nosso pas, devido carncia de material didtico apropriado, assume

    grande significncia, por ser esta faixa etria decisiva na formao do indivduo (Santiago et al,

    1998: 231).

    Pesquisando o assunto, me chamou ateno o livro Teoria de Aprendizagem Musical, de

    Edwin Gordon (Gordon, 2000), em especial o captulo que trata da msica na primeira infncia.

    Alguns termos utilizados pelo autor me causaram estranheza, como audiao, entoar,

    macrotempo, dentre outros, desconhecidos por mim ou utilizados de uma maneira diferente da

    1http://www.domain.adm.br/dem

  • 7/23/2019 O APRENDIZADO MUSICAL EM CRIANAS ENTRE ZERO E SEIS ANOS, SEGUNDO A TEORIA DA APRENDIZAGEM MUSICAL, DE EDWIN E. GORDON

    6/60

    6

    habitual. O autor tambm coloca algumas idias polmicas, possivelmente contrastantes com a

    posio de outros autores que pesquisam o assunto.

    Aparentemente, devido ao seu carter controverso, as idias de Gordon no so aceitas ou

    conhecidas no Brasil. Na bibliografia de autores nacionais, consultada para este trabalho ele

    mencionado em alguns artigos (Santiago et al, 1998; Santiago e Nascimento, 1996; Freire, 2008).

    Porm, medida em que a pesquisa avanava, foram encontradas diversas referncias ao autor

    (Rogers, 1997; Shuter-Dyson, 1999; Pierce, 1999), especialmente em Portugal, onde sua teoria

    parece ser bastante respeitada, o que me levou, a optar por buscar um maior aprofundamento

    sobre a teoria desenvolvida por este autor.

    Com efeito, nas ltimas dcadas tem havido um interesse crescente relativamente aodesenvolvimento musical e aprendizagem musical na infncia e na primeira infncia, graas ainvestigadores como Sandra Trehub, Laurel Trainor, W. Jay Dowling, David Hargreaves, EdwinGordon, etc. Neste contexto, assume particular relevncia o trabalho de Gordon para odesenvolvimento curricular no mbito da Educao Musical, designadamente, no domnio daaprendizagem musical de recm-nascidos e crianas em idade pr-escolar (Rocha et al, 2008: s.p.).

    A curiosidade sobre o autor surgiu especificamente ao ler a proposta do livro, no prefcio:

    (...) sobre isso que trata este livro - uma teoria da aprendizagem musical que, quando posta emprtica, permite aos bebs de apenas alguns dias de idade assim como crianas, adolescentes eadultos a comearem a interagir com a msica da mesma maneira como, na vida diria, elesinteragem com as pessoas, experincias, linguagem e idias.2(Gordon, 2003a: ix)

    De fato, venho observando em meu trabalho que muitos adultos ou mesmo crianas vem

    a msica como algo muito alm de seu alcance, como um dom inato. Muitos no conseguem

    desenvolver uma percepo musical, ou uma musicalidade, que os permita, na idade adulta,

    participar satisfatoriamente de um coral, cantar relativamente afinado para seus bebs sabendo-

    se como importante utilizar a msica como vnculo afetivo entre pais e crianas - ou ainda

    2(...) that is what this book is all about a music learning theory that when put into practice allows babies only a fewdays old as well as children, teens, and adults to begin to interact with music the way in daily life they interact with

    persons, experiences, language, and ideas.

  • 7/23/2019 O APRENDIZADO MUSICAL EM CRIANAS ENTRE ZERO E SEIS ANOS, SEGUNDO A TEORIA DA APRENDIZAGEM MUSICAL, DE EDWIN E. GORDON

    7/60

    7

    envolver-se no aprendizado de um instrumento musical sem sentir-se frustrado (Grtzer, 1998;

    Beyer3, 2006). Qualquer criana se expressa com liberdade natural atravs da tinta e do lpis de

    cor. Por que no fazer o mesmo com os sons? (Campos, 2000: 40)

    Segundo Gordon (2003a), o principal problema concernente educao musical que a

    maioria das crianas em idade escolar (a partir dos seis ou sete anos) no est preparada para

    aprender msica de uma forma mais sistemtica, ou seja, no tem a base necessria para se

    engajar no estudo de um instrumento musical propriamente dito.

    Ainda segundo o autor, da mesma forma que a criana s inicia o estudo das regras

    gramaticais e da leitura e escrita de seu idioma natal aps anos de prtica da lngua falada, se ela

    no receber a devida orientao antes de iniciar a instruo musical formal que oferecida nas

    escolas, a criana provavelmente ter dificuldades.

    Gardner (apud Parizzi, 2006: 47) lembra que, antes dos sete anos, desnecessrio

    verbalizar e conceituar os conhecimentos musicais. No entanto, a partir dos sete anos, o que era

    to espontneo e intuitivo passa a requisitar uma organizao formal para continuar seu processo

    evolutivo.

    Gordon (2003a) frisa a importncia de iniciar uma orientao musical j na primeira

    infncia, desde o nascimento. Ele afirma que, se os adultos dedicarem o tempo necessrio para o

    desenvolvimento musical das crianas pequenas, elas se sentiro confortveis com uma grande

    variedade de estilos musicais, e desenvolvero atitudes positivas que persistiro por toda a vida.

    A melhor orientao musical que a criana pode ter a que os prprios pais oferecem, em

    casa. Da mesma forma que, para auxiliar seus filhos a falar ou a contar, os pais no precisam ser

    profissionais em letras ou em matemtica, para orientar musicalmente seus filhos basta que

    3Beyer. 2006. Anotaes pessoais de aula realizadas por ocasio do curso oferecido pala Associao de Canto Coralem fevereiro de 2006, com o tema musicalizando bebs.

  • 7/23/2019 O APRENDIZADO MUSICAL EM CRIANAS ENTRE ZERO E SEIS ANOS, SEGUNDO A TEORIA DA APRENDIZAGEM MUSICAL, DE EDWIN E. GORDON

    8/60

    8

    cantem com uma entoao relativamente boa e que consigam movimentar seu corpo de maneira

    flexvel (Gordon, 2003a).

    Os pais e cuidadores so citados por Papousek (apudParizzi, 2006: 40) como sendo os

    professores competentes da lngua materna e (...) mediadores das influncias culturais.

    Pais e cuidadores demonstram propenso intuitiva para falar ao recm-nascido e para lhe propiciaro primeiro contato com a educao musical. Eles ajustam os estmulos vocais, visuais, gestuais etteis de forma a ir ao encontro das capacidades perceptuais e cognitivas do beb, enquantorespeitam as preferncias e limitaes das crianas (Papousek, apudParizzi, 2006: 40 41).

    Campos (2000) acredita que a Educao Musical comea aos primeiros contatos do beb

    com sua me, nos seus impulsos de comunicao expressiva, que seu balbuciar, e nos primeiros

    contatos com os sons que o rodeiam (Campos, 2000: 37).

    Segundo Papousek (apud Ilari, 2002: 88), o educador musical deve (...) incentivar os

    pais a cantar para seus bebs, uma vez que o canto auxilia no desenvolvimento da relao afetiva

    entre pais e filhos.

    Mais do que isso, cabe ainda ao educador musical conscientizar os pais da importncia que estestm na educao musical de seus bebs. Os pais so os responsveis pelo incentivo s atividades

    musicais de seus filhos no dia-a-dia, seja atravs do canto, da escuta musical passiva e ativa ou,simplesmente, pela criao de ambientes sonoros dentro de casa, durante a rotina da criana (Ilari,2002: 88).

    Atravs de um trabalho musical com as crianas em seus primeiros anos de vida, poder-

    se-ia evitar talvez que a expresso musical fosse apenas acessada atravs de um processo de

    transcodificao de outras linguagens gestual ou verbal para ento chegar ao discurso

    musical. A msica seria, ento, uma forma de expresso direta, que dispensaria o auxlio de

    outras estruturas condicionantes para seu funcionamento (Beyer, 1996).

  • 7/23/2019 O APRENDIZADO MUSICAL EM CRIANAS ENTRE ZERO E SEIS ANOS, SEGUNDO A TEORIA DA APRENDIZAGEM MUSICAL, DE EDWIN E. GORDON

    9/60

    9

    J Moog (apud Sloboda, 1985), ao examinar a influncia do meio no desenvolvimento

    musical do beb, concluiu que imergir a criana, antes de trs anos de idade, em um ambiente

    musical, no ajudar a torn-la um segundo Mozart. (Sloboda, 1985: 208).

    Ilari (2002) tambm realizou estudos sobre o tema. O seu trabalho analisado tinha como

    objetivo uma reviso da literatura de pesquisa experimental na rea de percepo e cognio

    musical, do perodo pr-natal ao primeiro ano de vida, discutindo tambm os usos da msica

    durante a primeira infncia. Segundo a mesma autora, diversos estudos sugerem que os bebs

    aprendem sons diversos ainda no ambiente intra-uterino.

    O objetivo deste trabalho pesquisar como se d o aprendizado da msica em crianas de

    zero a seis anos luz da teoria de E. Gordon, possibilitando que o autor seja mais conhecido no

    Brasil.

    A pesquisa ser enriquecida tomando como comparao outras bibliografias, a respeito da

    musicalizao na faixa de zero a seis anos.

  • 7/23/2019 O APRENDIZADO MUSICAL EM CRIANAS ENTRE ZERO E SEIS ANOS, SEGUNDO A TEORIA DA APRENDIZAGEM MUSICAL, DE EDWIN E. GORDON

    10/60

    10

    Captulo 1

    CONCEITUAO DOS TERMOS

    Ao criar uma teoria sobre a aprendizagem musical, Edwin Gordon modifica alguns

    conceitos j conhecidos e cria outros novos. Por esta razo, surgiu a necessidade de escrever,

    neste trabalho, um captulo explicando alguns dos termos mais relevantes para a proposta desta

    pesquisa.

    1.1 Aptido musical

    H duas tendncias que buscam determinar o que musicalidade. Uma delas, que

    pertence psicologia comportamental e lida com pesquisa quantitativa, procura medir aspectos

    cognitivos ou sensoriais baseando-se em critrios objetivos e, portanto, mensurveis

    (Fonterrada, 2003: 88). Esta linha no considera a subjetividade devido impossibilidade de

    medir este aspecto. Esta tendncia apoiada por pesquisadores como Carl Seashore, Arnold

    Bentley e Edwin Gordon (Fonterrada, 2003).

    A segunda tendncia, segundo Fonterrada (2003),

    Est atrelada psicologia do desenvolvimento e v a musicalidade como expresso de um conjuntode fatores hereditrios, ambientais, psicolgicos e sociais. Os dados com que trabalha, portanto,pertencem tanto ao mbito objetivo quanto ao subjetivo, no partindo de testes de aptido, masutilizando-se de outras tcnicas de pesquisa, como entrevistas e questionrios, observao dosujeito durante a atividade musical, estudos de caso, e outros (Fonterrada, 2003: 91).

  • 7/23/2019 O APRENDIZADO MUSICAL EM CRIANAS ENTRE ZERO E SEIS ANOS, SEGUNDO A TEORIA DA APRENDIZAGEM MUSICAL, DE EDWIN E. GORDON

    11/60

    11

    Os pesquisadores da primeira tendncia criaram testes para aferir a musicalidade do

    sujeito, porm, a aplicao destes testes no consensual.

    O que se quer determinar por meio desses testes a musicalidade do indivduo, mas a maneira de

    realizar essa tarefa divide os pesquisadores: de um lado est o grupo que afirma ser possvel medira musicalidade pela avaliao das habilidades do sujeito em diferentes parmetros altura,durao, intensidade, timbre , alm de memria tonal, memria rtmica e comparao entre paresde estmulos sonoros, entre outros. O grupo opositor no concorda com esse ponto de vistaatomstico e sustenta que a musicalidade um processo unitrio e se manifesta holisticamente(Fonterrada, 2003: 88, 89).

    Veremos, aqui, apenas a tendncia seguida por Edwin Gordon, por ser este o autor da

    Teoria da Aprendizagem Musical, que est sendo pesquisada neste trabalho.

    A aptido musical o potencial do indivduo para aprender msica. Assim como a

    inteligncia, ela baseada em quo bem o indivduo consegue formar generalizaes a partir de

    informaes ou experincias especficas (Gordon, 2003a: 43), ou seja, fazer dedues ou

    julgamentos que predizem e influenciam eventos futuros.

    Cabe aqui fazer a distino entre termos como aptido musical, talento e realizao

    musical. (...) talento depende no apenas da aptido, mas tambm do ensino recebido, do

    interesse da criana na msica e do desejo de aprender. Uma alta realizao em msica requer

    treinamento rigoroso e intensivo (Shuter-Dyson, 1999: 627). A aptido musical, como j foi dito

    anteriormente, o potencial para o desenvolvimento das habilidades musicais.

    A aptido musical, segundo Gordon (1991), no tem relao com os testes de QI

    Por isso, s vezes fica intacta em pessoas que demonstram deficincia severa na maior pare das

    outras reas intelectuais. Da mesma forma, pode no ter qualquer desenvolvimento em pessoas queso, em outras reas, brilhantes e capazes. Finalmente, [a aptido] aparenta ser processada nocrebro separadamente de estmulos auditivos no musicais4(Rogers, 1997: 2).

    4 Thus, it is sometimes intact in people who demonstrate severe impairments in most other intellectual areas.Likewise, it can be completely undeveloped in people who are otherwise bright and capable people. Finally, itappears to be processed in the brain separately from non musical auditory stimuli.

  • 7/23/2019 O APRENDIZADO MUSICAL EM CRIANAS ENTRE ZERO E SEIS ANOS, SEGUNDO A TEORIA DA APRENDIZAGEM MUSICAL, DE EDWIN E. GORDON

    12/60

    12

    Neurologistas afirmam que a criana apresenta superabundncia de clulas que fazem

    conexes neurolgicas e sinapses. Estas conexes ocorrem no perodo pr-natal, e em um

    pequeno perodo aps o nascimento. Se as clulas no forem utilizadas durante estes perodos

    para desenvolver cada um dos sentidos, elas se perdem e no podero mais ser recuperadas,

    diminuindo assim o potencial de aprendizado da criana (Gordon, 2003a: 44). Eles ainda dizem

    que, se um sentido for negligenciado, ele ficar limitado para toda a vida, e as clulas deste sero

    utilizadas para desenvolver os outros sentidos, como o visual ou lingstico. A aptido musical,

    portanto, no depende apenas da carga gentica, mas tambm do ambiente.

    Deve-se aproveitar ao mximo esta fase inicial de desenvolvimento da criana, pois no

    possvel oferecer instruo reparatria, ou seja, o que a criana no desenvolveu logo cedo, no

    poder ser desenvolvido tardiamente na mesma extenso. O que pode ser feito o que o autor

    chama de instruo compensatria, embora o professor s possa auxiliar a criana at o ponto

    em que sua aptido musical permitir. Gordon afirma que o que foi perdido, no pode ser

    recuperado:

    Tomando-se duas crianas que nasceram com capacidades e motivaes semelhantes, aquela quefor orientada para a aquisio de uma base de aprendizagem em uma idade mais tardia nuncaaprender tanto quanto a outra que receber uma formao similar em tenra idade (Gordon 2003a:233) 5.

    Estudos indicam que bebs entre cinco e oito meses conseguem discriminar diferenas

    intervalares de menos de um semitom, enquanto que a maioria das crianas mais velhas, por volta

    dos dez anos de idade, s consegue discriminar diferenas de um semitom (Rogers, 1997: 3).

    5Given two children born with similar capabilities and motivation, the one who is guided in acquiring a foundationfor learning at a later age will never learn as much as the other who is given similar guidance at an early age.

  • 7/23/2019 O APRENDIZADO MUSICAL EM CRIANAS ENTRE ZERO E SEIS ANOS, SEGUNDO A TEORIA DA APRENDIZAGEM MUSICAL, DE EDWIN E. GORDON

    13/60

    13

    A fase na qual a criana tem o maior potencial para aprender chamada por Gordon

    (2003a) de estgio de aptido musical evolutiva6. Este estgio inicia-se no nascimento, momento

    em que se encontra no nvel mais alto. A partir da, se no for estimulado, comea a decrescer.

    Neste perodo, reconhecido como crtico para muitos aspectos do crescimento musical, o

    no oferecimento de experincias musicais adequadas traro como conseqncia o no

    desenvolvimento de certas habilidades musicais (Zimmerman, 2006).

    Kirkpatrick, Moore e Hill demonstraram, atravs de suas pesquisas, a influncia do ambiente nodesenvolvimento musical das crianas. Segundo eles, crianas musicais se originam de famliasque se interessam por msica, ouvem msica e participam de atividades musicais. Aquelas que noso estimuladas musicalmente em seus lares, segundo Young, podem desenvolver habilidadesmusicais bsicas atravs de uma educao planejada, da a importncia do educador musical(Santiago e Nascimento, 1996: 28).

    A criana nasce com um determinado nvel de aptido musical, e esse nvel modificado

    em funo das instrues formais ou informais que ela recebe at os nove anos. Como a aptido

    neste perodo tanto inata quanto produto do ambiente musical, chamada de aptido musical

    evolutiva. A partir desta idade, o nvel de aptido musical no sofre mais modificaes ao longo

    da vida, e recebe a denominao de aptido musical estabilizada (Gordon, 1991: 18). Diversos

    testes de aptido musical ou habilidade musical, dentre os quais o Seashore, Drake,MAP7(perfil

    de aptido musical), Wing e Bentley, tm comprovado que, de fato, a aptido musical se

    estabiliza entre os oito e nove anos de idade (Shuter-Dyson, 1999: 627).

    Por esta razo, Gordon (2003) frisa a importncia de que as crianas recebam orientao

    musical informal e instruo musical formal de qualidade enquanto esto no estgio de

    desenvolvimento da aptido musical.

    Segundo uma pesquisa sobre aquisio cognitiva, realizada por Charles Spearman,

    6Developed music aptitude.7Musical Aptitude Profile

  • 7/23/2019 O APRENDIZADO MUSICAL EM CRIANAS ENTRE ZERO E SEIS ANOS, SEGUNDO A TEORIA DA APRENDIZAGEM MUSICAL, DE EDWIN E. GORDON

    14/60

    14

    a funo [intelecto geral] parece se tornar completamente desenvolvida nas crianas por volta dosnove anos de idade, e possivelmente muito mais cedo. A partir deste momento, normalmente noocorre mais mudanas mesmo em idade mais avanada. A funo (...) nove partes em dezresponsvel pelo sucesso em atos simples como a discriminao de alturas8(Gordon, 2003a: 44).

    Outra interessante pesquisa, realizada por Wendrich (apud Shuter-Dyson, 1999: 629),

    demonstrou que bebs podem imitar diferentes alturas de som, e gostam de fazer isto. Trs anos

    mais tarde, ele realizou o mesmo experimento em nove destes bebs e observou que sete deles

    perderam esta habilidade.

    No apenas a aptido musical que se desenvolve mais quando a criana recebe

    estmulos desde muito pequena. Segundo Rogers (1997),

    Desde que j existe uma afinidade com a msica nas crianas pequenas, as experincias musicaisna primeira infncia iro resultar em desenvolvimento musical maior. A premissa se baseia emevidncias de crescimento do desenvolvimento musical em crianas que receberam experinciasmusicais considerveis em sua primeira infncia. Alm disso, existem outras reas dedesenvolvimento, nas quais a estimulao tem efeito mximo quando as capacidades biolgicasesto se desenvolvendo rapidamente. Isto bastante evidente no desenvolvimento da linguagem,na facilidade com que uma criana pequena domina qualquer lngua que a cerca. Isto tambm evidente em habilidades motoras (...). Por fim, o teorista cognitivo Kurt Fisher j demonstrou que,durante os perodos de acrscimos rpidos de conhecimentos, a resoluo inata de problemas

    pelas crianas fica aumentada em 400% atravs da prtica e dos elogios de um adulto. Quandoestiver na poca certa, diz ele, a prtica concentrada e o suporte podem aumentaracentuadamente as habilidades de aprendizagem 9 (Rogers, 1997: 3).

    O professor, porm, deve estar atento s diferenas individuais de cada aluno. No

    recomendado que os alunos sejam separados em turmas, em funo de suas aptides. Pelo

    8(...) the function [overall intellection] appears to became fully developed in children by about their ninth year, andpossibly even much earlier. From this moment, there normally occurs no further change even in extreme old age. The

    functionis nine parts out of ten responsible for success in such a simple act as discrimination of pitch.9Because young children are quite attuned to music, musical experience in early childhood will result in greatermusical development. This premise draws its support from evidence of increased musical development in thosechildren who have received considerable musical experience in early childhood. In addition, there are other areas ofdevelopment in which stimulation has maximal effects when the biological capacity is rapidly developing. This isquite evident in language development, in the ease with which a young child masters whatever languages surroundthe child. It is also evident in motor skills (). Finally, the cognitive theorist Kurt Fischer has demonstrated thatduring the time of cognitive spurts, childrens innate problem solving is enhanced 400% by practice and by praisefrom an adult. As he states, when the time is right, high practice and support can tremendously accelerate learningskills.

  • 7/23/2019 O APRENDIZADO MUSICAL EM CRIANAS ENTRE ZERO E SEIS ANOS, SEGUNDO A TEORIA DA APRENDIZAGEM MUSICAL, DE EDWIN E. GORDON

    15/60

    15

    contrrio. Segundo o autor, os alunos aprendem muito uns com os outros, e no se deve fazer

    esse tipo de separao. Assim como aprendemos o que algo aprendendo o que no , assim ns

    aprendemos o que e como fazer algo aprendendo o que e como no fazer (Gordon, 2003a: 266).

    A orientao diferenciada deve ser feita dentro do prprio grupo, variando-se a

    dificuldade dos padres tonais e padres rtmicos que sero ensinados a cada um, no caso das

    execues individuais, e variando a dificuldade dos padres tonais e rtmicos que so realizados

    em conjunto (Gordon 2003a: 266).

    O grau com que a criana consegue distinguir dois padres rtmicos diferentes ou dois

    padres tonais diferentes um indicativo de sua aptido musical rtmica e tonal. Quanto mais

    padres rtmicos e tonais a criana consegue perceber, maior a sua aptido musical evolutiva,

    assim como, quanto mais palavras as crianas usam para pensar e expressar idias, maior a sua

    aptido intelectual (Gordon, 2003b).

    O texto abaixo clarifica um pouco a posio do autor a respeito das aptides musicais

    evolutiva e estabilizada:

    As diferenas entre os dois tipos (...) so mais significativos do que as semelhanas. Primeiro, aaptido musical estabilizada inclui mais dimenses que a aptido musical evolutiva. Enquanto maisde duas dezenas de aptides musicais estabilizadas foram objetivamente identificadas, apenasduas aptides musicais evolutivas conhecidas experimentalmente. Melodia, harmonia, tempo,mtrica, fraseado (expresso), equilbrio (criatividade), e estilo (interpretao e improvisao) soas sete mais importantes aptides musicais estabilizadas. Altura e ritmo so as duas aptidesmusicais evolutivas. Segundo, crianas no estgio de aptido musical evolutiva no so capazes deficar atentas dimenso tonal ou dimenso rtmica da msica quando elas ouvem as duas aomesmo tempo. Crianas no estgio de aptido musical estabilizada no apenas so capazes, mas

    preferem ouvir ambas as dimenses juntas, entretanto, prestam mais ateno especificamente auma ou a outra de cada vez. Terceiro, ao contrrio das crianas no estgio de aptido musicalestabilizada, as crianas no estgio de aptido musical evolutiva no so capazes de mostrar

    preferncia consistente a um ou outro fraseado musical. Crianas com menos de nove anos estomais interessadas em como a msica construda do que elas esto nas qualidades expressivas einterpretativas da msica. Quarto, crianas no estgio de aptido musical evolutiva no so capazesde perceber diferenas concernentes dinmica, timbres, e extenso de alturas a menos que estasdiferenas sejam extremas. (...) As habilidades das crianas de fazer discriminaes quando elas

  • 7/23/2019 O APRENDIZADO MUSICAL EM CRIANAS ENTRE ZERO E SEIS ANOS, SEGUNDO A TEORIA DA APRENDIZAGEM MUSICAL, DE EDWIN E. GORDON

    16/60

    16

    esto no estgio de aptido musical estabilizada mais apurada mesmo que as diferenas emdinmica e timbre sejam relativamente pequenas (Gordon, 2003b: 15, 16). 10

    Lembramos que, de acordo com Fonterrada (2003), Na verdade, medir talento uma

    tarefa impossvel; a musicalidade comporta muitas caractersticas, objetivas e subjetivas, e um

    leque enorme de habilidades e capacidades mentais e expressivas (Fonterrada, 2003: 86).

    1.2 Audiao

    A escolha da melhor traduo para a palavra audiation no foi muito fcil. Algunsautores mencionam escuta atenta (Assano, 2008) ou audio atenta (Santiago et al, 1998:232), porm, no a definem claramente. O termo audio interior, em princpio, pareceu-meapropriado. Porm, possvel haver audio interior por imitao, sem compreenso (Rodrigues,2001: [s.p.]).

    Por exemplo, eu posso pronunciar a palavra japonesa "hayku" para um grupo de crianas que apodem ouvir interiormente, e at reproduzir, sem no entanto haver compreenso. Da mesma forma,a leitura musical pode ocorrer seguindo uma estratgia de decodificao de signos, sem no entantohaver compreenso musical - uma situao anloga seria, por exemplo, ler um poema em tcheco

    recorrendo a uma "chave fontica" (Rodrigues, 2001: s/p).

    Optamos, portanto, pela traduo da edio portuguesa (Gordon, 2000).

    10 The differences between the two types () are more significant than the similarities. First, stabilized musicaptitude includes more dimensions than does developmental music aptitude. Whereas more than two dozen stabilizedmusic aptitudes have been objectively identified, there are only two experimentally known developmental musicaptitudes. Melody, harmony, tempo, meter, phrasing (expression), balance (creativity), and style (interpretation andimprovisation) are the seven most important stabilized music aptitudes. Tonal and rhythm are the two developmental

    music aptitudes. Second, children n the developmental music aptitude stage are not able to attend to either the tonaldimension or the rhythm dimension of music when they hear the two at the same time. Children in the stabilizedmusic aptitude stage are not only able but prefer to hear both dimensions together, attending specifically, however, toonly one or the other at a time. Third, unlike children in the stabilized music aptitude stage, children in thedevelopmental music aptitude stage are not able to show a consistent preference for one or another musical

    phrasings. Children younger than age nine are more interested in how music is constructed than they are in theexpressive and interpretive qualities of music. Fourth, children in the developmental music aptitude stage are notable to perceive differences reliably in dynamics, timbres, and tonal ranges unless those differences are extreme.(). Childrens abilities to make discriminations when they are in the stabilized music aptitude stage are moreaccurate even when differences in dynamics and timbres are relatively small.

  • 7/23/2019 O APRENDIZADO MUSICAL EM CRIANAS ENTRE ZERO E SEIS ANOS, SEGUNDO A TEORIA DA APRENDIZAGEM MUSICAL, DE EDWIN E. GORDON

    17/60

    17

    O termo audiao relativamente recente, tendo sido criada por volta de 1976. Antes

    disso, palavras como aural perception (percepo auditiva) e aural imagery (imaginao

    auditiva) eram utilizadas para descrever esta habilidade. (Gordon, 1991: 12).

    Audiao definida como a habilidade de ouvir e compreender msica, quando o som

    no est mais presente. Ou seja, momentos aps ouvirmos o som, podemos audiar, dando

    significado ao que acabamos de ouvir, ou antecipando o que vir em seguida. Tudo isso

    ocorre da mesma forma que ns ouvimos o som de um amigo falando, e praticamente

    instantaneamente traduzimos o som em significado, e at mesmo comeamos a antecipar o

    que nosso amigo ir dizer em seguida11.

    Faa de conta que voc est ouvindo um grupo de crianas cantarem Parabns pra voc. Sevoc consegue fazer isto com um grau de preciso, e se voc entende algumas caractersticasmusicais da cano, como sua modalidade, mtrica, tom de repouso, tempo, e a harmoniaimplcita pela melodia, voc est audiando pelo menos at certo ponto. Audiao para amsica o que o pensamento para a linguagem. Audiar enquanto voc est executando msica como pensar enquanto voc est falando, e audiar enquanto ouve msica como pensarsobre algo que as pessoas disseram ou esto dizendo enquanto voc est escutando elasfalarem. Apesar da msica e linguagem serem diferentes, o processo de audiarmos ao mesmotempo em que ouvimos msica como o processo de pensar enquanto escutamos a linguagem.Linguagem diferente de pensamento, assim como msica diferente de audiao 12(Gordon,

    2003a: 25).

    A audiao algumas vezes confundida com ouvido interno, imitao, e

    memorizao.

    Assim como crianas podem repetir uma frase em um idioma estrangeiro sem compreenderseu significado, elas podem tambm ouvir msica internamente, imitar e memorizar a msicasem audi-la. Crianas podem aprender a cantar uma cano ou toc-la em um instrumentosem compreenderem a organizao ou estrutura da msica que esto executando. Elas

    11All of this happens in much the same way that we hear the actual sound of a friend talking, then almostinstantaneously translate that sound into meaning, and even begin to anticipate what our friend will say next.12Pretend you are hearing a group of children singingHappy Birthday. If you can do that with a degree of precision,and if you understand some musical characteristics of the song, such as its tonality, meter, resting tone, beats, and theharmony implied by the melody, you are audiating at least to some extent. Audiation is to music what thought is tolanguage. Audiating while you are performing music is like thinking about what persons have said and are saying asyou are listening to them speak. Though music and language are different, the process of audiating at the same timewe listen to music is like the process of thinking as we listen to language. Language is different from thought, as ismusic from audiation.

  • 7/23/2019 O APRENDIZADO MUSICAL EM CRIANAS ENTRE ZERO E SEIS ANOS, SEGUNDO A TEORIA DA APRENDIZAGEM MUSICAL, DE EDWIN E. GORDON

    18/60

    18

    memorizaram a msica ou esto a imitando, mas no esto audiando (...), como crianasrecitando um poema em uma lngua que elas no entendem 13(Gordon, 1991: 13).

    A audiao compreende o pensar sobre o que se ouviu, sendo possvel antecipar o que

    se vai ouvir, em se tratando de msica familiar, ou predizendo o que vai acontecer, em caso

    de msica inteiramente desconhecida. uma resposta ativa, que envolve o pensar para frente,

    e no o pensar para traz, como ocorre com a imitao. Aprender por imitao significa,

    segundo o autor, aprender pelos ouvidos dos outros. uma mera reproduo do que se ouviu,

    e tem valor limitado para o aprendizado, pois na maioria dos casos, esquecido (Gordon,

    2003a).

    A memria e o reconhecimento fazem parte do processo, mas no so audiao. As

    pessoas podem reconhecer uma melodia familiar sem, contudo, saber cant-la. Podem saber

    tocar uma msica em um instrumento sem serem capazes de cant-la, toc-la em diferentes

    tonalidades ou ainda improvisarem uma variao sobre a melodia original. A memorizao de

    uma msica ao instrumento est relacionada ao dedilhado ou a elementos tcnicos. como

    memorizar palavras sem saber seu significado.

    Porm, a imitao um pr-requisito para o processo de audiao, assim como o

    reconhecimento um pr-requisito para a imitao. Uma criana pode ser capaz de

    reconhecer uma cano, mas no ser capaz de imit-la ou audi-la. Entretanto, se uma criana

    consegue audiar uma cano, ela certamente estar apta a reconhec-la quando outra pessoa

    executar a msica (Gordon, 1991: 13).

    13Just as children can repeat a phrase in a foreign language without understanding what it means, so they can innerhear music, imitate it, and memorize it without audiating it. Children can learn to sing a song or play it on aninstrument without understanding the organization or structure of the music they are performing. They havememorized the music or they are imitating it, but they are not audiating, like children reciting a poem in a languagethe dont understand.

  • 7/23/2019 O APRENDIZADO MUSICAL EM CRIANAS ENTRE ZERO E SEIS ANOS, SEGUNDO A TEORIA DA APRENDIZAGEM MUSICAL, DE EDWIN E. GORDON

    19/60

    19

    A audiao acontece quando compreendemos a msica. Da mesma forma que, para a

    compreenso de um discurso verbal, necessrio pensar sobre ele, para compreender a

    msica, deve-se audi-la.

    O som s se transforma em msica atravs da audiao, da mesma maneira que, na

    linguagem, os sons precisem ser traduzidos na mente para que possam ter significado. Apesar

    de a msica no ser uma linguagem, o processo de dar significado semelhante em ambos. O

    autor compara o ato de audiar uma msica traduo simultnea, que ocorre quando o

    indivduo d significado a um discurso, mesmo que este no esteja em seu prprio idioma.

    Falaremos tambm, brevemente, no que Gordon (2003a) denomina audiao

    notacional. (...) enquanto a audiao est associada com o som, a audiao notacional est

    associada com a leitura e escrita da notao musical14(Gordon, 2003: 46).

    H uma diferena entre audiar a msica que est escrita e apenas decodificar smbolos

    musicais. A audiao notacional ocorre quando o indivduo capaz de ouvir os sons musicais

    presentes em uma partitura e dar sentido a eles sem o auxlio de seu instrumento musical. O

    msico que sabe audiar traz significado musical para a notao. Excelentes msicos sabem

    quando esto audiando: quando os ouvidos se tornam mais importantes do que os dedos

    (Gordon, 2003a: 7).

    possvel compreender a msica sem ter conhecimento de teoria ou notao musical.

    Vemos isto claramente nos artistas de msica folclrica ou jazzstica. Porm, o valor de aprender

    a teoria musical sem saber audiar questionvel. De acordo com Gordon (2003a), muitas vezes, a

    teoria musical ensinada como um substituto da audiao, j que a maioria dos professores no

    14() whereas audiation is associated with sound, notational audiation is associated with reading and writing musicnotation.

  • 7/23/2019 O APRENDIZADO MUSICAL EM CRIANAS ENTRE ZERO E SEIS ANOS, SEGUNDO A TEORIA DA APRENDIZAGEM MUSICAL, DE EDWIN E. GORDON

    20/60

    20

    sabe ensinar a audiar, ou nem sequer tem conhecimento da importncia dela. Sabemos que este

    um fato comum tambm nas escolas de msica no Brasil.

    O autor coloca que o instrumento musical pode se tornar uma muleta para aqueles que

    no sabem audiar, assim como uma calculadora se torna uma muleta para o aluno que no sabe

    calcular.

    H aproximadamente cem anos na Frana, Pierre Galin observou que alunos que dedicaram muitosanos aprendendo a tocar um instrumento no estavam aptos para cantar o que eles tocavam ou lernotao musical cantando. Em outras palavras, o que concernia a ele era que os alunos, apesar deconsiderados perfeitos, no conseguiam audiar. A maioria tinha que consultar seu violino, pianoforteou flauta para ler uma nova cano, de forma que era de fato o instrumento que lia para eles. comose, para ler um livro, eles tivessem que operar uma mquina designada a dizer as palavras (Gordon,

    2003a:11).15

    1.3 Macrotempo e microtempo 16

    O conceito de macrotempo subjetivo, j que depende de como cada indivduo sente a

    durao mais longa, podendo ser tanto a unidade de tempo quanto a unidade de compasso. Porexemplo, em um compasso 2/4, o macrotempo pode ser a semnima, enquanto que, em um

    compasso , pode ser a mnima pontuada.

    O microtempo corresponde diviso do macrotempo em figuras de igual durao. No

    compasso binrio citado acima, o microtempo seria a colcheia e no ternrio, a semnima.

    15 About two hundred years ago in France, Pierre Galin observed that students who had devoted many years tolearning to play an instrument were not able to sing what they played or to read music notation by singing. In otherwords, what concerned him was that the students, although considered accomplished, could not audiate. Most had toconsult their violin, their pianoforte, or their flute in order to read a new tune, so that it was actually the instrumentthat id the reading for them. It is as if in order to read a book, they had to operate a machine designed to say thewords.16Macrobeat and microbeat foi utilizada a traduo da edio portuguesa. (Gordon, 2000)

  • 7/23/2019 O APRENDIZADO MUSICAL EM CRIANAS ENTRE ZERO E SEIS ANOS, SEGUNDO A TEORIA DA APRENDIZAGEM MUSICAL, DE EDWIN E. GORDON

    21/60

    21

    1.4 Entoar 17

    O termo entoar, segundo o dicionrio Aurlio (Ferreira, 2005: 353) da lngua portuguesa,

    fazer ouvir, cantando, principiar (melodia), dar o tom para se cantar ou tocar

    instrumento. Entoao uma modulao na voz de quem fala ou recita; inflexo, entonao.

    Vejamos, agora, alguns exemplos do uso da palavra entoar utilizada por Gordon

    (2003a):

    Cantar e entoar, os vocabulrios falados em msica, se relacionam com a habilidade

    de relaxar e respirar livremente, de mover o corpo com movimento flexvel e fludo, de cantar

    padres tonais, e de entoar padres rtmicos 18(Gordon 2003a: 7).

    O entendimento musical associado com a audiao preparatria desenvolve mais

    eficientemente e efetivamente em crianas pequenas quando cantos e entoaes (...) so

    executados para elas usando a voz humana 19(Gordon, 2003a: 39).

    Vemos nestes exemplos que entoar, segundo o autor, relaciona-se, necessariamente, com

    o ritmo, e cantar, com a melodia. A entoao uma maneira de executar ritmos com a voz,

    utilizando inflexes, como se estivesse, de fato, cantando. Porm, a altura das duraes sempre

    a mesma.

    17chant18Singing and chanting, the speaking vocabularies in music, relate to the ability to relax and breathe freely, tomove the body with flexible and flowing movement, to sing tonal patterns, and to chant rhythm patterns.19Musical understanding associated with preparatory audiation develops most efficiently and effectively in youngchildren when songs and chants in as many tonalities and meters as possible are performed for them using the humanvoice.

  • 7/23/2019 O APRENDIZADO MUSICAL EM CRIANAS ENTRE ZERO E SEIS ANOS, SEGUNDO A TEORIA DA APRENDIZAGEM MUSICAL, DE EDWIN E. GORDON

    22/60

    22

    1.5 Tonalidade (keyality) e modo (tonality)20

    O autor, por diversas razes que no caberiam citar aqui, utiliza o termo tonalitypara o

    que conhecemos como modo e keyality para o que conhecemos como tonalidade. Na

    traduo portuguesa (Gordon, 2000), adotou-se os termos tonicalidade para a palavra

    keyalitye tonalidade para tonality. Porm, para evitar a estranheza e a possvel confuso,

    optamos, neste trabalho, por utilizar a terminologia j conhecida, considerando-se que no ir

    afetar o desenvolvimento deste.

    20Keyality and tonality

  • 7/23/2019 O APRENDIZADO MUSICAL EM CRIANAS ENTRE ZERO E SEIS ANOS, SEGUNDO A TEORIA DA APRENDIZAGEM MUSICAL, DE EDWIN E. GORDON

    23/60

    23

    Captulo 2

    TEORIA DE APRENDIZAGEM MUSICAL E AUDIAO PREPARATRIA DEEDWIN GORDON

    Edwin Gordon conhecido como pesquisador, professor, autor, editor e conferencista

    no ramo da educao musical. Recebeu seu Ph.D. da Universidade de Iowa, em 1958. De

    1979 a 1997, foi Professor de Pesquisa em Educao Musical na Temple University, em

    Filadelphia, tendo anteriormente lecionado msica na State University of New York, em

    Buffalo, e na University of Iowa.

    Gordon foi aluno de Carl Seashore, que est entre os mais importantes cientistas a

    investigar a natureza da escuta musical (Fonterrada, 2003). Assim como Seashore, ele

    desenvolveu vrios tipos de testes de aptido musical.

    Gordon pesquisa o desenvolvimento musical de crianas de um ms de idade a trs anos,

    e suas investigaes se focam na Teoria da Aprendizagem Msica, tipos e estgios de

    audiao, aptido musical em desenvolvimento e estabilizada, e ritmo e movimento na msica

    (The Gordon Institute for Music Learning, 2008).

    A Teoria da Aprendizagem Musical de Gordon (Music Learning Theory) foi elaborada

    durante a dcada de 70, sendo exposta na publicao de Psychology of Music Teaching, em 1971,

    eLearning Theory, Patterns, and Music, em 1975 (FREIRE, 2006: 895).

  • 7/23/2019 O APRENDIZADO MUSICAL EM CRIANAS ENTRE ZERO E SEIS ANOS, SEGUNDO A TEORIA DA APRENDIZAGEM MUSICAL, DE EDWIN E. GORDON

    24/60

    24

    Esta teoria pretende explicar como ocorre o aprendizado da msica. O autor frisa a

    importncia de diferenciar a aprendizagem do ensino. A primeira significa o professor

    compreendendo o aluno, enquanto que o ltimo implica em o aluno compreender o professor.

    Uma teoria de ensino aborda as tcnicas e materiais usados para incutir competncias e

    conhecimentos no aluno. A teoria de aprendizagem, por sua vez, descreve o processo no qual a

    aprendizagem ocorre.

    Sobre isso, escreve Zimmerman:

    (...). Com relao aos fenmenos musicais, quanto pode ser explicado por cada teoria e em quegrau de preciso? Aqui h duas questes a serem consideradas. Em primeiro lugar, se usarmos o

    termo desenvolvimento em seu sentido mais abrangente (isto , simplesmente para nosreferirmos s mudanas gerais, decorrentes da idade e que seguem uma seqncia regular einvarivel, no padro do comportamento), precisamos lembrar da distino entre as mudanas queocorrem em conseqncia da aculturaoe aquelas que so frutos do treino. A primeira ocorre deforma espontnea em uma dada cultura, sem qualquer esforo consciente ou direo; j a segundaresulta da autoconscincia e de esforos dirigidos. Em outras palavras, necessrio fazermos umadistino entre as definies de aprendizagem musical e ensino musical quando avaliamos os

    pressupostos das diferentes teorias (Zimmerman e Hargraves 2006: 232).

    Gordon (2003) divide a Teoria da Aprendizagem Musical em dois momentos: o da

    orientao musical informal e o da instruo musical formal. A instruo musical formal inicia-

    se, especificamente, quando o aluno inicia o estudo sistemtico de msica, seja em escolas de

    msica, em aulas particulares ou mesmo em escolas de ensino regular. Convm ressaltar, no

    entanto, que o autor desenvolveu a teoria baseando-se na realidade norte-americana, onde as

    escolas de ensino regular, normalmente, oferecem o estudo sistemtico de msica, ao contrrio

    das escolas brasileiras, que raramente apresentam este tipo de instruo musical.

    A orientao musical informal, que ser abordada nesta pesquisa, refere-se ao

    aprendizado que ocorre desde o nascimento da criana at a idade de seis ou sete anos. O termo

    informal utilizado pelo autor para justificar a aprendizagem no sistematizada, que pode ser

    realizada tanto por um professor de msica quanto pelos prprios pais. Apesar de haver inteno

  • 7/23/2019 O APRENDIZADO MUSICAL EM CRIANAS ENTRE ZERO E SEIS ANOS, SEGUNDO A TEORIA DA APRENDIZAGEM MUSICAL, DE EDWIN E. GORDON

    25/60

    25

    por parte do orientador, este no impe informaes e habilidades sobre a criana e nem espera

    por uma resposta especfica. Segundo o autor, as crianas so expostas de todas as formas

    possveis msica de sua cultura, e so encorajadas a absorver aquela msica, e no processo, sua

    sintaxe baseada na cultura (Gordon, 2003: 241).

    J na instruo formal, o professor no apenas planeja as lies, mas as organiza em

    perodos de tempo determinados. necessrio, neste caso, cooperao por parte das crianas,

    envolvendo respostas especificas.

    Cabe aqui fazer um breve paralelo entre o conceito de formal/informal de Libneo e de

    Edwin E. Gordon. Libneo caracteriza as influncias educativas como educao no-intencional,

    tambm denominada educao informal, e educao intencional, que se subdivide em educao

    no-formal e educao formal. A educao informal refere-se a experincias no-organizadas,

    no sendo intencional nem consciente. Ou seja, corresponde, segundo o autor, a processos de

    aquisio de conhecimentos, experincias, idias, valores, praticas, que no esto ligados

    especificamente a uma instituio e nem so intencionais nem conscientes (Libneo, 1994: 17).

    A educao intencional, por sua vez, possui objetivos definidos, e conforme o objetivo,

    variam os meios.

    Podemos falar de educao no-formal quando se trata de atividade educativa estruturada fora dosistema escolar convencional (...) e da educao formal que se realiza nas escolas ou outrasagencias de instruo e educao (...) implicando aes de ensino com objetivos pedaggicosexplcitos, sistematizao, procedimentos didticos (Libneo, 1994: 18).

    Gordon (2003a) diferencia a orientao da instruo justificando que a primeira

    informal, e a segunda, formal. O que distingue a orientao informal da instruo formal que

    naquela, os pais ou professor no impe informaes e habilidades para as crianas. Ao contrario.

    Segundo o autor, as crianas so expostas de todas as formas possveis msica de sua cultura,

  • 7/23/2019 O APRENDIZADO MUSICAL EM CRIANAS ENTRE ZERO E SEIS ANOS, SEGUNDO A TEORIA DA APRENDIZAGEM MUSICAL, DE EDWIN E. GORDON

    26/60

    26

    e so encorajadas a absorver aquela msica (Gordon, 2003a: 241)21. Aqui, tambm, no se busca

    uma resposta especfica da criana, mas ela estimulada a responder de maneira livre, como ela

    desejar.

    A orientao informal pode ser tanto estruturada quanto no-estruturada. Quando no

    estruturada, os pais e professores no planejam especificamente o que vai ser dito ou feito. Na

    orientao estruturada, j existe este planejamento (Gordon, 2003a).

    J na instruo formal, o professor no apenas planeja as lies, mas as organiza em

    perodos de tempo determinados. necessrio, neste caso, cooperao por parte das crianas,

    envolvendo respostas especificas.

    Os termos utilizados pelo autor, portanto, diferem da definio de Libneo. Pode-se

    afirmar que aquilo que Gordon chama de orientao informal se assemelha ao que Libneo

    denomina instruo informal, exceto pelo fato de que, na instruo informal, no h planejamento

    ou inteno, e Gordon busca, neste aprendizado informal, uma maior interferncia por parte dos

    pais ou cuidadores. A educao formal descrita por Libneo, no entanto, se adequa instruo

    formal apresentada por Gordon.

    2.1 Balbucio musical

    Diferentes termos podem ser utilizados em referncia produo musical da criana.

    Swanwick (apudParizzi, 2006: 40), por exemplo, a define como composio, independentemente

    da idade. J Sloboda (apudParizzi, 2006: 40) denomina balbucio musicalaos sons da fase pr-

    verbal, e canto espontneo,a produo das crianas a partir de um ano e meio de idade, quando a

    21children are exposed in as many ways as possible to music in their culture, and they are encouraged to absorbthat music, and in the process, its culturally based syntax.

  • 7/23/2019 O APRENDIZADO MUSICAL EM CRIANAS ENTRE ZERO E SEIS ANOS, SEGUNDO A TEORIA DA APRENDIZAGEM MUSICAL, DE EDWIN E. GORDON

    27/60

    27

    fala passa a ser utilizada pela criana como forma de comunicao, e passa-se a distinguir melhor

    o que canto do que fala.

    Neste trabalho ser utilizado o termo balbucio musical. Segundo definio de Gordon

    (2003a: 372), o balbucio musical se refere aos sons musicais que a criana pequena produz antes

    de desenvolver um sentido objetivo de tonalidade e um sentido objetivo de mtrica. O balbucio

    musical para a msica o que o balbucio verbal para a linguagem.22

    Da mesma forma que a criana, na fase do balbucio verbal, emite fonemas que no so

    reconhecidos pelos adultos, a criana que est na fase do balbucio musical produz padres

    rtmicos e tonais tambm no reconhecidos pelos adultos, pois no tm relao com a msica de

    sua cultura. Na medida em que elas vo emergindo deste estgio, a mtrica e a tonalidade de seu

    canto passam a ser reconhecidas, e seu andamento se torna mais uniforme. Se a criana receber

    uma orientao informal e instruo formal adequadas, baseadas na teoria de aprendizagem

    musical, sair mais rapidamente desta fase.

    O balbucio musical, segundo Gordon (2003a) pode ser dividido em balbucio rtmico e

    balbucio tonal. A criana que est na fase de balbucio tonal canta com voz falada, e os sons que

    produzem tm pouca ou nenhuma relao com a cultura musical de seu ambiente. No balbucio

    rtmico, a criana produz sons e movimentos com a mtrica e andamento no consistentes. As

    crianas podem emergir da fase do balbucio tonal, e continuar na fase do balbucio rtmico, e vice-

    versa. Gordon (2003a: 238) ressalta que no raro encontrar indivduos adultos que nunca saram

    da fase de balbucio musical.

    No balbuciar musical tonal, a criana primeiramente tende a favorecer uma altura, embora

    realize desvios, glissando para outras alturas. proporo em que a criana se desenvolve neste

    22(music babble) The musical sounds a young child makes before developing an objective sense of tonality and anobjective sense of meter. Music babble is to music what speech babble is to language.

  • 7/23/2019 O APRENDIZADO MUSICAL EM CRIANAS ENTRE ZERO E SEIS ANOS, SEGUNDO A TEORIA DA APRENDIZAGEM MUSICAL, DE EDWIN E. GORDON

    28/60

    28

    estgio, ela passa a incluir outras alturas, comumente de escala pentatnica, entre o L 2 e o L 3.

    Ela tambm passa a definir um modo, geralmente o maior, o elio ou frgio. neste momento

    que ela est pronta para receber a instruo formal, isto , sair da audiao tonal preparatria para

    a audiao tonal (Gordon, 2003a: 239).

    Santiago e Nascimento (1996) observaram que, ao selecionar canes para crianas

    pequenas, deve-se levar em conta no apenas a extenso e o contedo subjetivo, mas tambm

    suas caractersticas estruturais e intervalares. De acordo com Smith, estas canes deveriam

    conter muita repetio de padres meldicos e rtmicos, e, segundo Kirkpatrick, canes com

    intervalos descendentes e poucos saltos na melodia so mais facilmente cantadas (Santiago e

    Nascimento, 1996: 23).

    No estgio de balbucio rtmico, as crianas movem partes de seu corpo enquanto entoam

    os mesmos ritmos repetidamente. Geralmente os padres rtmicos entoados pelas crianas

    possuem de duas a trs diferentes duraes, e so separados por momentos de silncio de durao

    varivel. medida que evoluem no estgio de balbucio rtmico, em momentos de execuo

    espontnea de movimento ou ritmo entoado, os padres rtmicos podem ser tanto variados quanto

    repetidos. Finalmente, elas emergem do balbucio rtmico quando elas entoam padres rtmicos

    em tempo consistente, incluindo ou no momentos de silncio regular entre eles (Gordon, 2003a:

    240).

  • 7/23/2019 O APRENDIZADO MUSICAL EM CRIANAS ENTRE ZERO E SEIS ANOS, SEGUNDO A TEORIA DA APRENDIZAGEM MUSICAL, DE EDWIN E. GORDON

    29/60

    29

    2.2 Escutar, cantar e entoar23

    Assim como todas as crianas aprendem a usar suas vozes faladas, todas as crianas podemaprender a usar suas vozes cantadas e entoadas. Se elas aprendem ou no a tocar ou cantarmusicalmente (e falar com inteligncia), isto depende da qualidade e quantidade de orientao

    informal estruturada ou no-estruturada e da instruo formal que recebem. (Gordon, 2003b: 7 8)

    Para o beb assimilar o universo sonoro, ele precisa interagir com ele (Beyer, 2004;

    Beyer, 2005). Esse processo importante porque (...) a msica precisa passar pela ao prpria

    do beb para que se torne parte do seu conhecimento (Beyer, 2004: 104).

    A execuo (cantar e entoar) e a escuta devem ser interdependentes, isto , para a criana

    executar, ela deve ter um vocabulrio de escuta musical, e para ela escutar, ela deve ser

    estimulada a participar. Um exemplo disto que, se a criana no for encorajada a se movimentar

    de maneira livre, fluda, ela poder nunca desenvolver o vocabulrio rtmico. Normalmente, a

    criana comea a responder ao estmulo rtmico atravs do movimento quando ainda bem nova.

    Infelizmente, muitas delas no persistem neste esforo, no por causa de seu prprio desejo, mas

    porque seus pais so muito ansiosos de v-las andando, desnecessariamente, antes do tempo, e

    isto produz rigidez24 (Gordon, 2003b: 8-9). Assim sendo, o corpo precisa primeiro sentir o

    movimento, para depois o crebro compreende-lo.

    Gordon (2003a) acredita que, para a criana ser capaz de compreender a msica, execut-

    la ou mesmo improvisar, ela deve ter sido exposta a uma variedade de padres rtmicos e tonais,

    bem como diferentes mtricas, modos e tonalidades. O adulto deve cantar padres tonais e entoar

    padres rtmicos para a criana, e estimul-la a participar. Porm, convm lembrar que, segundo

    Gordon (op. cit.), prefervel o adulto no fazer nada neste sentido do que forar a criana a

    23O autor utiliza a palavra chant, quando se refere a entoao de padres rtmicos. A melodia est ausente, porm oritmo falado com muita inflexo vocal.24Unfortunately, many of them do not persist in that endeavor, not because of their own withes but because their

    parents are so anxious to have them unnecessarily walk before their time, and that engenders rigidity.

  • 7/23/2019 O APRENDIZADO MUSICAL EM CRIANAS ENTRE ZERO E SEIS ANOS, SEGUNDO A TEORIA DA APRENDIZAGEM MUSICAL, DE EDWIN E. GORDON

    30/60

    30

    cantar canes antes de ela ser capaz de cantar padres tonais ou entoar padres rtmicos. Seria

    como esperar que elas recitem poemas antes de elas conseguirem falar palavras isoladas, frases e

    sentenas25.

    A audio musical depende, entre outros fatores, da experincia do indivduo em relao

    msica. Oliveira (2002: 90) afirma que a avaliao do que ouvimos feita em funo das

    composies musicais que temos em mente. Isto significa que, se o indivduo tem pouca

    experincia musical, ou seja, conhece poucos padres tonais e rtmicos, ele ter dificuldade em

    ouvir musicalmente uma obra.

    Na convivncia com o seu grupo social, o ser humano ir construindo desde o nascimento seuesquema de interpretao do ambiente sonoro que lhe cerca. Quanto mais oportunidades tiverdesde criana para ouvir material sonoro diversificado, mais alimento ter para o desenvolvimentode sua capacidade de escuta musical (Santiago et al, 1998: 231).

    Gordon enfatiza, tambm, a importncia de os pais e professores cantarem e entoarem

    para as crianas, ao invs de colocarem estmulos gravados: ridculo pensar que as crianas

    podero aprender a falar o idioma de sua cultura ouvindo gravaes ao invs de ouvir pessoas

    falando para elas26(Gordon, 2003b:40).

    Ilari, tambm compartilhando de semelhantes idias, (2002) afirma que o canto dirigido

    ao beb considerado importante no desenvolvimento infantil porque influencia na comunicao

    e interao dos bebs e seus responsveis (Ilari, 2002: 87)

    25() is like expecting them to recite poems before they can speak individual words, phrases, and sentences..26It is ridiculous to think that children might learn to speak the language of their culture by listening to recordingsrather than hearing someone speak to them.

  • 7/23/2019 O APRENDIZADO MUSICAL EM CRIANAS ENTRE ZERO E SEIS ANOS, SEGUNDO A TEORIA DA APRENDIZAGEM MUSICAL, DE EDWIN E. GORDON

    31/60

    31

    2.3 Audiao preparatria

    O autor denomina audiao preparatria ao perodo do balbucio musical, no qual

    utilizada a orientao musical informal. A audiao propriamente dita ocorre aps os seis anos,

    quando emerge do balbucio musical.

    Como o presente trabalho aborda a orientao musical na primeira infncia, ou seja, do

    nascimento at, aproximadamente, os 6 anos, iremos tratar aqui somente da audiao

    preparatria, durante a qual utilizada a orientao musical informal.

    So trs os tipos de audiao preparatria: aculturao, imitao e assimilao. Estas

    etapas so dependentes uma da outra, ou seja, para a criana atingir satisfatoriamente a

    assimilao ela deve ter passado pela imitao, e esta, para ser proveitosa, depender da maneira

    como a criana passou pela aculturao. Cada um destes tipos de audiao preparatria dividido

    em estgios, tambm seqenciais e cumulativos, ou seja, quanto mais a criana tirar proveito de

    uma etapa, melhor ela se sair na etapa seguinte (Quadro 1).

    O tempo que a criana ir levar para passar por cada tipo e estgio depende no apenas de

    suas aptides musicais, mas tambm do grau de estmulo que a criana recebeu em casa e na pr-

    escola.

    2.3.1. Aculturao27

    Para a criana estar aculturada com a linguagem, ela deve ouvir os sons falados e

    inconscientemente formular teorias sobre como estes sons se organizam. Semelhantemente,

    segundo Gordon,

    27Do original acculturation. (Gordon 2003a e b)

  • 7/23/2019 O APRENDIZADO MUSICAL EM CRIANAS ENTRE ZERO E SEIS ANOS, SEGUNDO A TEORIA DA APRENDIZAGEM MUSICAL, DE EDWIN E. GORDON

    32/60

    32

    na aculturao, crianas pequenas so expostas msica de sua cultura, e assim elas so capazes de

    basear os sons de seu balbucio musical e seus movimentos nos sons musicais que elas escutam emseu ambiente. Quanto mais variada a msica que as crianas ouvem, isto , quanto mais rico seuambiente musical em tonalidades, harmonias, e mtricas, e quanto mais elas so encorajadas ainteragirem com o que elas ouvem atravs da orientao musical informal, mais elas iro se

    beneficiar28(Gordon, 2003b: 43).

    Muitas vezes pode parecer que a criana no est prestando ateno quando esto

    cantando ou entoando para ela. Mas normalmente elas esto atentas, mesmo que no mostrem

    evidncias disto. A criana precisa de tempo para absorver os estmulos musicais e responder

    musicalmente a eles.

    O objetivo desta etapa a exposio msica, no a execuo dela. Assim como as

    crianas pequenas precisam ouvir muito para se familiarizarem com seu idioma nativo, elas

    precisam, tambm, ouvir muito para se familiarizarem com a msica de sua cultura29 (Gordon,

    2003b: 58).

    Os bebs, apesar de no conseguirem produzir diferenas claras de alturas, ritmo e

    durao, conseguem reconhecer diferenas de execuo rtmica, de alturas e de outros elementos

    sonoros (Beyer, 2005: 9798).

    Para Ilari (2002),

    uma das questes mais importantes para o pesquisador interessado no desenvolvimento musicaldos bebs refere-se ao inatismo e aculturao. Ser que os bebs j nascem com certas

    predisposies para processar informao musical ou tudo isso no passa de fruto da aculturao?(Ilari, 2002:85)

    28In acculturation, young children are exposed to the music of their culture, and so they are able to base their musicbabble sounds and movements on the musical sounds they hear in their environment. The more varied the music thatchildren hear, thet is, the richer their musical environment is in tonalities, harmonies, and meters, and the more theyare encouraged to interact with what they hear through structured and unstructured informal guidance in music, themore they will profit.29Just as young children must do a great deal of listening to become familiar with their native language, so they mustdo a great deal of listening to become familiar with the music of their culture.

  • 7/23/2019 O APRENDIZADO MUSICAL EM CRIANAS ENTRE ZERO E SEIS ANOS, SEGUNDO A TEORIA DA APRENDIZAGEM MUSICAL, DE EDWIN E. GORDON

    33/60

    33

    Segundo a autora, as experincias sobre percepo e cognio musical no beb devem ser,

    preferencialmente, realizadas em recm-nascidos, pois estes foram ainda pouco influenciados

    pela aculturao.

    Um levantamento sobre experincias de percepo e cognio musical no primeiro ano de

    vida, realizado por Ilari (2002), demonstrou que a aculturao de fato um fator preponderante

    no desenvolvimento musical, embora no se deve negar algumas capacidades cognitivas inatas.

    possvel que, da mesma forma que os bebs nascem com a capacidade de ouvir uma vasta gamade fonemas, capacidade que se perde com a exposio lngua materna, os bebs cheguem aomundo com uma capacidade anloga de ouvir notas musicais, capacidade que tambm pode se

    perder com a exposio msica de sua prpria cultura (Ilari, 2002: 85-86).

    A aculturao dividida em trs estgios. No primeiro, que vai do nascimento at

    aproximadamente 1 ano de idade, o beb apenas ouve os estmulos, sem responder a eles. No

    segundo estgio da aculturao, o beb balbucia e se movimenta, sem ter necessariamente relao

    com os estmulos. Mais tarde, j no terceiro estgio, a resposta da criana passa a ter relao com

    o ambiente.

    2.3.1.1. Primeiro estgio da audiao preparatria

    Msica e texto

    Gordon (2003a) enfatiza repetidas vezes a sua preferncia por melodias sem texto,

    destacando que as letras distraem a criana, desviando sua ateno para aspectos no musicais.

    (...) porque o objetivo da aculturao musical suprir as crianas com orientao informal emmsica, de forma que elas se tornem familiarizadas com as tonalidades e mtricas predominantesna msica de sua cultura, e no necessariamente reforar oportunidades para as crianas se

  • 7/23/2019 O APRENDIZADO MUSICAL EM CRIANAS ENTRE ZERO E SEIS ANOS, SEGUNDO A TEORIA DA APRENDIZAGEM MUSICAL, DE EDWIN E. GORDON

    34/60

    34

    familiarizarem com o idioma de sua cultura, as palavras so consideradas suprfluas30 (Gordon,2003b: 51).

    Daves (apudParizzi, 2006: 45), em estudo de cantos espontneos produzidos por crianas

    entre cinco e sete anos, observou que as crianas demonstravam se preocupar mais com o texto

    do que com msica, pois pareciam pensar verbalmente e no musicalmente. A autora tambm

    observou que, quando as crianas produzem canes sem letras, elas experimentam ritmos

    irregulares e novos timbres, criando contrastes e elementos-surpresa. Este tipo de produo

    denominada por Daves de cano transcendente, j que as crianas transcendem as

    caractersticas da msica de sua cultura (Daves, apudParizzi, 2006: 46).

    Em uma pesquisa realizada por Levinowitz (apud Sobreira, 2003: 80) com crianas de

    quatro e cinco anos, ela observou que as crianas aprendem com mais eficcia as canes

    aprendidas sem letra, sugerindo que as crianas pequenas precisam utilizar dois processos

    mentais para aprender uma cano: um deles o da audio e o outro o do aprendizado das

    palavras contidas na cano (Levinowitz, apud Sobreira, 2003: 80). Welch, Sergeant e White

    (apudSilvia, 2003: 81) chegaram mesma concluso, em estudos com crianas de cinco a sete

    anos, explicando este fato com a seguinte hiptese: como a literatura pertinente ao canto e ao

    crtex cerebral sugere que a linguagem e a altura dos sons so processados em hemisfrios

    separados, pode ser que essas crianas no tiveram a oportunidade de reforar as ligaes entre os

    dois hemisfrios (Welch, Sergeant e WhiteapudSilvia, 2003: 81).

    Chen-Hafteck (apud Sobreira, 2003: 83), entretanto, ao realizar uma pesquisa sobre a

    relao entre o texto e a melodia, concluiu que, apesar de ambos terem identidade prpria, os dois

    elementos formam uma nica unidade. A pesquisadora observou, tambm, que as frases menos

    30 (...) because the goal in music acculturation is to provide children with informal guidance in music so the maybecome familiar with the prevailing tonalities and meters of the music of their culture and not necessarily toreinforce opportunities for children to became familiar with the language of their culture, words are consideredsuperfluous.

  • 7/23/2019 O APRENDIZADO MUSICAL EM CRIANAS ENTRE ZERO E SEIS ANOS, SEGUNDO A TEORIA DA APRENDIZAGEM MUSICAL, DE EDWIN E. GORDON

    35/60

    35

    afinadas so as menos precisas em termos de reproduo do texto, confirmando, assim, a

    existncia de uma integrao entre texto e melodia.

    A hiptese da integrao, sugerida por Chen-Hafteck, traz algumas implicaes para o ensino de

    canes, por sustentar a idia de que o melhor seria ensinar letra e melodia juntos para que canoseja aprendida globalmente. Alm disso, o mais natural para a criana cantar a melodia com aletra, pois dessa maneira que as canes so apresentadas no seu dia-a-dia (Sobreira, 2003: 83).

    Chen-Hafteck (apudSobreira, 2003: 83) completa que, em alguns casos vlido ensinar o

    texto e a melodia separadamente, pois este procedimento pode ajudar a desenvolver as

    habilidades analticas da criana, uma vez que ela ser obrigada a prestar ateno s qualidades

    puramente meldicas da cano.Deve-se levar em conta, tambm, a importncia das canes para a ampliao de

    vocabulrio, que na faixa etria de 2 a 5 anos se desenvolve com um ritmo de 500 a 600

    palavras por ano (McDonald & Simons apudSantiago e Nascimento, 1996: 23). Alm de ser um

    facilitador da aprendizagem e desenvolvimento de outros aspectos no-musicais, o texto na

    cano constitui um atrativo para as crianas que no deve ser descartado.

    Msica gravada

    A msica gravada deve ser usada com cautela, pois a criana ir absorver muito mais

    quando algum estiver cantando ou entoando diretamente para ela. Alm disso, muitas das

    msicas gravadas que so destinadas s crianas, seno a maioria, enfatizam a letra, e no a

    msica em si.

    Ao escolher a msica gravada, importante que haja variedade de instrumentos musicais,

    estilos, e diferentes conjuntos (combinaes de instrumentos). As peas devem ser curtas, ou com

  • 7/23/2019 O APRENDIZADO MUSICAL EM CRIANAS ENTRE ZERO E SEIS ANOS, SEGUNDO A TEORIA DA APRENDIZAGEM MUSICAL, DE EDWIN E. GORDON

    36/60

    36

    contrastes de dinmica, timbre e andamento, para manter a ateno da criana. A mesma

    observao feita tambm por Moorhead e Pond (apudSantiago e Nascimento, 1996):

    (...) um repertrio amplo, que inclua msica popular, folclrica, regional, incidental, erudita,

    tnica, enfim, todas as msicas, deve ser selecionado. (...) As msicas escolhidas devem ser curtas,ritmicamente dinmicas, interessantes em timbre e tocadas por diferentes instrumentos solos ou em

    pequenas combinaes (Moorhead e PondapudSantiago e Nascimento, 1996: 25).

    O autor ressalta, no entanto, que os accelerandos e rallentandos muito longos no so

    bem vindos, pois no oferecem a estabilidade de andamento necessria para as crianas.

    Tambm no se deve parar com o estmulo musical se a criana estiver, aparentemente,

    sem dar ateno a ele. De fato, os benefcios da sua experincia de escuta podem ser to

    grandes, ou at maiores, quando eles esto se movimentando no aposento (escuta ativa) do que

    quando esto sentados quietos ouvindo a msica (escuta passiva)31(Gordon, 2003b: 53).

    Canes e Ritmos entoados

    As canes e ritmos entoados podem ser realizados usando slabas, como bum, ma,

    d, etc. As palavras podem ser usadas com as crianas mais velhas, para orientao em

    atividades de movimento ou para reconquistar a ateno delas.

    importante que a criana seja exposta msica de diferentes tonalidades, modos

    (inclusive drico, mixoldio, etc), mtrica e andamento. Gordon afirma que, se a criana no for

    exposta a estas variedades, era ir se acostumar de tal forma com os sons familiares que isto ir,

    mais tarde, inibir o seu aprendizado de outros modos e mtricas (Gordon, 2003b).

    31In fact, the benefits of their listening experiences can be just as great or greater when they are moving around theroom (active listening) as when they are sitting quietly while listening to the music (passive listening).

  • 7/23/2019 O APRENDIZADO MUSICAL EM CRIANAS ENTRE ZERO E SEIS ANOS, SEGUNDO A TEORIA DA APRENDIZAGEM MUSICAL, DE EDWIN E. GORDON

    37/60

    37

    Santiago et al(1998: 231) tambm afirmam que quanto mais oportunidades tiver desde

    criana para ouvir material sonoro diversificado, mais alimento ter para o desenvolvimento de

    sua capacidade de escuta musical.

    2.3.1.2. Segundo estgio da audiao preparatria

    O segundo estgio da audiao preparatria inicia-se geralmente por volta de doze meses,

    durando at aproximadamente os trs anos de idade. Ele se sobrepe ao primeiro estgio, o quesignifica que, mesmo depois que a criana iniciou a nova etapa, ela deve continuar recebendo os

    estmulos que recebia inicialmente. Agora, no entanto, deve-se dar ateno participao da

    criana, e no apenas a escuta.

    Este estgio inicia-se quando a criana comea a balbuciar e movimentar-se, embora no

    necessariamente de maneira coordenada com o ambiente. Os sons produzidos pelas crianas no

    devem ser interpretados como tentativas de imitar ou responder conscientemente ao estmulo

    recebido.

    No obstante, independente do que os pais fazem em casa, as experincias das crianas na pr-escola tm um valor especial no segundo estgio da audiao preparatria, porque as crianasaprendem muito sobre msica atravs da interao em grupo, como resultado da escuta eobservao de outras crianas em idade similar cantando, entoando ou movimentando-se32(Gordon, 2003b: 60).

    Os adultos, no entanto, dever ter cuidado de no ensinar respostas especficas para as

    crianas, mas sim, estimular os movimentos e sons que as crianas fazem naturalmente, ao acaso.

    32Regardless of what a parent does at home, childrens preschool experiences have a special value in stage two ofpreparatory audiation, however, because it is through group interaction that children learn much about music as aresult of listening to and observing other children of similar age as they attempt to sing, chant, and move.

  • 7/23/2019 O APRENDIZADO MUSICAL EM CRIANAS ENTRE ZERO E SEIS ANOS, SEGUNDO A TEORIA DA APRENDIZAGEM MUSICAL, DE EDWIN E. GORDON

    38/60

    38

    Neste estgio, assim como o primeiro estgio da audiao preparatria, os adultos devem cantar

    paraa criana, e no com ela. A presena dos pais ou professores cantando diretamente para a

    criana, ao invs da gravao, ainda mais importante neste estgio, porque, segundo Gordon, as

    crianas precisam ver os adultos se movimentando e cantando para desejarem participar mais

    ativamente.

    Assim como no primeiro estgio, as canes e entoaes rtmicas devem ser curtas e com

    variedade de modos e mtricas, evitando-se o uso de texto e acompanhamento instrumental, pois

    estes podem fazer com que as crianas no dem ateno suficiente qualidade da voz cantada,

    ao movimento, e msica propriamente dita (Gordon, 2003b: 61).

    Para o autor, importante, tambm, que os adultos se esforcem em cantar e entoar ritmos

    sempre na mesma tonalidade, mtrica, e andamento. Caso contrrio, a criana pequena no ir

    reconhecer como sendo a mesma cano, e isso poder confundi-la mais tarde. no estgio da

    imitao que se deve cantar uma mesma msica ou entoar um mesmo ritmo, variando a

    tonalidade, mtrica e andamento.

    Entretanto, uma pesquisa descrita por Trehub, Bull e Thorpe (apud Zimmerman e

    Hargraves, 2006) demonstra que a criana, mesmo na mais tenra idade, reconhece melodias

    transpostas, ao contrrio do que foi dito por Edwin Gordon. Esta pesquisa, realizada com bebs

    de 8 a 11 meses de idade, buscou demonstrar se estes bebs eram sensveis s transformaes

    meldicas.

    As mudanas incluam transposio, alterao de intervalos mantendo o contorno, alterao deoitavas com manuteno dos contornos, e mudanas de oitava internas a mudanas de contorno.Seus resultados sugeriram que os bebs tratam melodias novas ou seqncias de notas comofamiliares se estas seqncias tiverem o mesmo contorno meldico e a mesma tessitura que aseqncia ouvida previamente, e como novas se tanto o contorno quanto a tessitura diferirem.(Trehub, Bull e Thorpe apud Zimmerman & Hargraves, 2006: 256)

  • 7/23/2019 O APRENDIZADO MUSICAL EM CRIANAS ENTRE ZERO E SEIS ANOS, SEGUNDO A TEORIA DA APRENDIZAGEM MUSICAL, DE EDWIN E. GORDON

    39/60

    39

    Sloboda (1985) tambm contradiz Gordon pois, segundo o autor, pesquisas indicam que

    crianas de meses so capazes de reconhecer melodias mesmo quando em tonalidades diferentes.

    Tambm tenho observado isto em minha pratica, pois muitas vezes toco melodias em diferentes

    tonalidades para as crianas, de 2 a 5 anos, reconhecerem, e elas no encontram dificuldades.

    Recomenda-se que a extenso das melodias apresentadas para as crianas pequenas

    estejam contidas entre o R 3 e o L 3. Santiago e Nascimento(1996) afirmam que vrios estudos

    foram feitos para investigar qual a extenso mais confortvel do canto para crianas da pr-

    escola, e verificou-se o seguinte:

    No obstante as diferenas relativas idade e s individualidades, particularmente nos extremos,foi encontrada uma extenso comum entre crianas de dois a seis anos, que vai do D central ouR at o Sol ou L uma 5 acima. As canes iniciais deveriam possuir notas compreendidas nesteintervalo. Com o domnio delas, outras abrangendo uma extenso maior poderiam ser utilizadas(Santiago e Nascimento, 1996:23).

    Quanto ao tempo, crianas preferem ouvir as entoaes rtmicas em um andamento mais

    rpido do que o que os adultos normalmente usam. Por esta razo, elas geralmente audiam como

    macrotempo o que os adultos consideram microtempo.

    O aspecto mais negligenciado da aculturao geralmente o movimento. Os pais e

    professores, ao realizarem sua execuo musical para as crianas, devem acompanh-las

    realizando movimentos relaxados, fludos e contnuos. Movimentos como marchar e bater palmas

    no so recomendveis. Esta ltima afirmativa, entretanto, contraria a rtmica de Dalcroze, que

    utiliza o movimento corporal em todos os seus aspectos, inclusive a marcha e a marcao de

    pulso com palmas, ps, varetas, ou outros objetos.

  • 7/23/2019 O APRENDIZADO MUSICAL EM CRIANAS ENTRE ZERO E SEIS ANOS, SEGUNDO A TEORIA DA APRENDIZAGEM MUSICAL, DE EDWIN E. GORDON

    40/60

    40

    2.3.1.3. Terceiro estgio da audiao preparatria

    As crianas tipicamente ingressam no estgio trs da audiao preparatria entre os

    dezoito meses e os trs anos de idade, assim que comeam a realizar respostas intencionais em

    relao ao seu ambiente 33(Gordon, 2003b: 64).

    A partir deste momento, a criana passa a receber orientao musical informal

    estruturada, embora a orientao no estruturada continue ocorrendo atravs da escuta de canes

    e ritmos entoados. Neste estgio, deve-se centrar nos padres tonais e padres rtmicos. O

    propsito no ensinar as crianas a imitarem padres tonais ou padres rtmicos, mas

    simplesmente participarem no canto de padres tonais e na entoao de padres rtmicos no

    estgio trs 34(Gordon, 2003b: 66).

    Padres tonais

    H uma srie de procedimentos que Gordon (2003b) recomenda que sejam realizados

    antes de cantar os padres tonais, para que ocorra a audiao. O adulto deve fazer um movimento

    rpido de fechar os pulsos, seguido de uma inspirao, e s ento cantar. Sem este procedimento,

    segundo Gordon (2003b), no ocorre a audiao, porque a imitao sem a preparao adequada

    envolve somente um processo linear, passo a passo, enquanto a audiao requer uma concepo

    mais ampla.

    33Children typically enter stage three of preparatory audiation between the ages of eighteen months to three ears old,as soon as they begin to make purposeful responses in relation to their environment.34The intent is not to teach children to imitate tonal patterns and rhythm patterns, but simply to participate in thesinging of tonal patterns and the chanting of rhythm patterns in stage three.

  • 7/23/2019 O APRENDIZADO MUSICAL EM CRIANAS ENTRE ZERO E SEIS ANOS, SEGUNDO A TEORIA DA APRENDIZAGEM MUSICAL, DE EDWIN E. GORDON

    41/60

    41

    Neste estgio, so cantados somente padres tonais em graus conjuntos, em tonalidade

    maior ou menor harmnica, porque estes so mais prximos dos sons da fala e das vocalizaes

    da criana. Os padres tonais consistem em trs alturas, entre o r 3 e o l 3, cantadas em legato e

    com a mesma durao, para no combinar aspectos rtmicos e meldicos.

    Quando as crianas comeam a cantar padres tonais no estgio trs da audiao preparatria, elastipicamente cantam ao mesmo tempo em que os pais ou o professor esto cantando. Breve elas irocomear a cantar os padres tonais sozinhas, geralmente em uma tentativa de copiar ou imitar oque elas esto ouvindo (...). Quando, no entanto, crianas no estgio trs espontaneamente cantama tnica ou dominante do tom e modo do padro tonal que o adulto est cantando, este um sinalde que a criana est pronta para fazer a transio para o estgio quatro. (...)Crianas no estgio trs precisam da oportunidade de estabelecer uma sintaxe, provavelmentesubjetiva, a fim de dar significado para os padres tonais que esto ouvindo. Elas comeam a fazerisso medida que ganham familiaridade com tonalidades variadas35.(Gordon, 2003b: 69).

    O adulto deve, antes de cantar o padro tonal, cantar uma melodia no mesmo modo e

    tonalidade deste, de forma que a criana desenvolva familiaridade com cada modo e tonalidade.

    Padres Rtmicos

    O procedimento sugerido por Gordon (2003b) ao entoar padres rtmicos semelhante ao

    de padres tonais, porm a ordem inversa: primeiro deve-se inspirar, para em seguida cerrar os

    punhos e depois entoar o padro rtmico. So utilizadas apenas as mtricas binria e ternria

    usual36. Os ritmos so entoado s sempre na mesma altura, utilizando-se slabas com inflexo

    musical.

    35When children begin to sing tonal patterns in stage three of preparatory audiation, they typically sing at the sametime that the parent or teacher is singing. Soon they will begin to sing tonal patterns alone, usually in an attempt tocopy or mimic what they are hearing. (). When, however, children in stage three spontaneously sing the tonic ordominant in the keyality and tonality of the tonal pattern that the adult is singing, that is a signal that the child isready to make the transition into stage four.()Children in stage three need the opportunity to establish syntax, probably subjective, in order to give meaning to thetonal patterns they are hearing, and they begin to do this as they gain familiarity with a variety of tonalities.36Mtrica usual corresponde aos compassos simples e compostos. A mtrica no usual refere-se aos compassosalternados.

  • 7/23/2019 O APRENDIZADO MUSICAL EM CRIANAS ENTRE ZERO E SEIS ANOS, SEGUNDO A TEORIA DA APRENDIZAGEM MUSICAL, DE EDWIN E. GORDON

    42/60

    42

    Antes de entoar os padres rtmicos, os pais ou professor devem executar uma entoao

    rtmica na mesma mtrica e andamento do padro rtmico que vir a seguir. A criana no estgio

    trs de audiao preparatria tende a entoar o ritmo ao mesmo tempo em que o adulto. Quando a

    criana comea a entoar os macrotempos dos padres rtmicos que o adulto est executando, ela

    j estar entrando no estgio quatro da audiao preparatria, que corresponde ao estgio um da

    imitao.

    til que os pais e professores faam movimentos com diferentes partes de seu prprio corpocomo forma de exemplificar uma ampla variedade de movimentos para as crianas, de forma ainspirarem-nas a fazerem o mesmo. Os pais e professores no devem esperar que as crianasimitem seus movimentos com qualquer grau de preciso, entretanto. O fato de que a criana esttentando imitar (...) o que importa37. (Gordon, 2003b: 73)

    mais fcil para a criana movimentar-se do que entoar, porm, quando mais a criana

    realiza os movimentos de maneira solta e fluida, mais facilidade ela ter para aprender a entoar

    ritmos. Os movimentos amplos, que envolvem pernas, braos e o peso do corpo, so os que mais

    beneficiam as crianas.

    Finalmente, quando as crianas so encorajadas a responder a movimentos iguais e diferentes emuma variedade de andamentos, elas estaro, ento, aptas a desenvolver a preparao necessria

    para tentar entoar padres rtmicos simples no estgio trs da audiao preparatria e entoarpadres tonais mais complexos em estgios mais avanados de audiao preparatria. 38(Gordon,2003b: 74)

    37It is useful when parents and teachers make movements with different parts of their own bodies as a way to modela wide variety of movements for children to inspire them to do the same. Parents and teachers should not expectchildren to imitate their movements with any degree of precision, however. The fact that a child is attempting toimitate () is what is important.38Finally, when children are encouraged to respond to the same and different movements in a variety of tempos, theywill then be able to develop the necessary readiness to attempt to chant simple rhythm patterns at stage three of

    preparatory audiation and to chant more complex rhythm patterns at the higher stages of preparatory audiation.

  • 7/23/2019 O APRENDIZADO MUSICAL EM CRIANAS ENTRE ZERO E SEIS ANOS, SEGUNDO A TEORIA DA APRENDIZAGEM MUSICAL, DE EDWIN E. GORDON

    43/60

    43

    Os pais e professores devem estar sensveis para perceber o tempo pessoal da criana.

    possvel perceb-lo observando-se, por exemplo, como a criana corre atrs de um objeto, ou

    seja, se ela lenta ou rpida.

    Fazendo-se um paralelo entre as idias de Ilari (2002) sobre caractersticas das canes

    infantis e esta primeira etapa da audiao preparatria descrita por Gordon, notamos muitas

    convergncias. De acordo com a autora, as canes infantis empregam intervalos meldicos

    pequenos, ritmos bastante simples e uma quantidade grande de repeties de frases musicais

    (Ilari, 2002: 84). Ela distingue ainda dois tipos de canes: as canes de ninar e as canes de

    brincar, que se diferenciam basicamente no andamento. A primeira, mais lenta, tem como funo

    acalentar o beb, e a segunda de andamento mais rpido, para entret-lo. Alm de serem mais

    rpidas, as canes de brincar apresentam jogos de palavras ou sugestes de movimentos

    corporais que auxiliam a percepo auditiva e o desenvolvimento da coordenao motora, da

    sociabilidade, da linguagem e da musicalidade do beb (Ilari, 2002: 84).

    2.3.2. Imitao

    No quarto estgio, as crianas esto comeando a comparar sua prpria execuo com a

    de outras pessoas39 (Gordon, 2003b: 75). Lembramos que, a partir do terceiro estgio, deve-se

    utilizar a orientao musical informal estruturada, ao invs da no-estruturada.

    A criana deveria, preferencialmente, ter passado pelos trs estgios da aculturao entre

    o nascimento e os trs anos de idade, e a imitao deve terminar aos quatro anos. No

    incomum a criana estar em um estgio mais primitivo da audiao preparatria tonalmente e em

    39In the fourth stage, which takes place outside the child, children are beginning to compare their ownperformance with that of other persons.

  • 7/23/2019 O APRENDIZADO MUSICAL EM CRIANAS ENTRE ZERO E SEIS ANOS, SEGUNDO A TEORIA DA APRENDIZAGEM MUSICAL, DE EDWIN E. GORDON

    44/60

    44

    um estgio mais avanado da audiao preparatria ritmicamente. O oposto, claro, tambm

    possvel.40. (Gordon, 2003b 76)

    2.3.2.1. Quarto estgio da audiao preparatria

    No primeiro estgio da imitao, ou o quarto da audiao preparatria, as crianas

    percebem as diferenas e semelhanas entre a sua produo (canto e entoao) e a produo de

    outro indivduo. Ou seja, elas se tornam cientes que at ento elas estavam comunicando-se

    consigo mesmas (audiao preparatria subjetiva), mas agora elas precisam aprender a

    comunicar-se com os outro