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Eixo: Educação e Movimentos Sociais Populares O APROFUNDAMENTO DA CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL (2008) E OS NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS: APONTAMENTOS PARA UM PROJETO DE PESQUISA A RESPEITO DAS RELAÇÕES ENTRE MOVIMENTOS SOCIAIS E EDUCAÇÃO Autor: CAMARGO, Paulo Edyr Bueno (UEMS) 1 Coautor: SANTOS, José Barreto (UEMS) 2 Resumo: O objetivo do texto é discutir em linhas gerais as relações entre o aprofundamento da crise estrutural do capital, a partir de 2008, com a crise imobiliária americana e o surgimento de novos movimentos sociais ao redor do mundo. A intenção é traçar um panorama desses movimentos com o objetivo de compreender especificamente os novos movimentos sociais brasileiros. Chama a atenção, em princípio, tanto em nível internacional quanto nacional a sua organização mais horizontal, mais democrática, a convocação dos participantes feita pelas redes sociais, a desvinculação de partidos políticos ou sindicatos e, sobretudo, a sua inspiração mais nos ideais anarquistas do que os da esquerda tradicional. Refiro-me ao Movimento dos Indignados na Espanha, o Occupy Wall Street em New York, coração do capitalismo mundial, a Juventude À Rasca em Portugal, a Primavera Árabe e os protestos nos subúrbios de Londres. São movimentos polissêmicos, uns marcados pela busca da democracia e outros com vistas a igualdade real e substantiva. No caso do Brasil, as chamadas Jornadas de Junho de 2013 estão inseridas nesse movimento mundial de rebeliões. Pode-se afirmar que a letargia acabou. O Brasil entrou numa nova fase da luta de classes. O referencial teórico adotado é o marxismo, sobretudo, o conceito de história como luta de classes com interesses antagônicos porque, ao lado dos movimentos progressistas e emancipatórias listados, convivem movimentos políticos que atuam no sentido contrário e que almejam, por exemplo, a redução da maioridade penal, a medicalização da juventude, o controle dos meios de comunicação - constituidores de uma verdadeira guinada conservadora no Brasil. Trata-se das primeiras aproximações de um projeto de pesquisa que discutirá as relações entre os novos movimentos sociais e a educação. 1 CAMARGO, Paulo Edyr Bueno. Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, MS, Brasil. E-mail: [email protected] 2 SANTOS, José Barreto. Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, MS, Brasil. E-mail: [email protected]

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Eixo: Educação e Movimentos Sociais Populares

O APROFUNDAMENTO DA CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL

(2008) E OS NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS: APONTAMENTOS

PARA UM PROJETO DE PESQUISA A RESPEITO DAS

RELAÇÕES ENTRE MOVIMENTOS SOCIAIS E EDUCAÇÃO

Autor: CAMARGO, Paulo Edyr Bueno (UEMS)1

Coautor: SANTOS, José Barreto (UEMS)2

Resumo: O objetivo do texto é discutir em linhas gerais as relações entre o

aprofundamento da crise estrutural do capital, a partir de 2008, com a crise imobiliária

americana e o surgimento de novos movimentos sociais ao redor do mundo. A intenção

é traçar um panorama desses movimentos com o objetivo de compreender

especificamente os novos movimentos sociais brasileiros. Chama a atenção, em princípio,

tanto em nível internacional quanto nacional a sua organização mais horizontal, mais

democrática, a convocação dos participantes feita pelas redes sociais, a desvinculação de

partidos políticos ou sindicatos e, sobretudo, a sua inspiração mais nos ideais anarquistas

do que os da esquerda tradicional. Refiro-me ao Movimento dos Indignados na Espanha,

o Occupy Wall Street em New York, coração do capitalismo mundial, a Juventude À

Rasca em Portugal, a Primavera Árabe e os protestos nos subúrbios de Londres. São

movimentos polissêmicos, uns marcados pela busca da democracia e outros com vistas a

igualdade real e substantiva. No caso do Brasil, as chamadas Jornadas de Junho de 2013

estão inseridas nesse movimento mundial de rebeliões. Pode-se afirmar que a letargia

acabou. O Brasil entrou numa nova fase da luta de classes. O referencial teórico adotado

é o marxismo, sobretudo, o conceito de história como luta de classes com interesses

antagônicos porque, ao lado dos movimentos progressistas e emancipatórias listados,

convivem movimentos políticos que atuam no sentido contrário e que almejam, por

exemplo, a redução da maioridade penal, a medicalização da juventude, o controle dos

meios de comunicação - constituidores de uma verdadeira guinada conservadora no

Brasil. Trata-se das primeiras aproximações de um projeto de pesquisa que discutirá as

relações entre os novos movimentos sociais e a educação.

1 CAMARGO, Paulo Edyr Bueno. Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, MS, Brasil. E-mail:

[email protected] 2 SANTOS, José Barreto. Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, MS, Brasil. E-mail: [email protected]

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Palavras-chave: Crise do capital; movimentos sociais; educação.

Introdução

Não é usual nas lides acadêmicas iniciar um texto com um questão tão ampla

e tão existencial, mas devido a sua relevância iremos mantê-la: afinal, qual é o sentido da

existência? Nas condições em que se encontra o homem hoje, às voltas com todas as

dificuldades que uma época de profundas transformações impõe a todos, o sentido da vida

não pode ser outro senão a luta pela manutenção da própria existência humana. O sentido

da vida é lutar. É o combate das ideias, das greves, das ações diretas e ainda outras formas

de luta que o futuro nos reserva. Hoje é ainda mais atual do que no próprio momento em

que foi formulada, início do século XX, a famosa máxima da marxista alemã Rosa de

Luxemburgo: Socialismo ou barbárie?

Trata-se, de forma cada vez mais urgente, da luta pela preservação dos

modos civilizados de convivência social que estão sendo cotidianamente acossados pelo

aumento da barbárie social. A barbárie nada mais é que a ausência de civilização, quer

dizer, a dissolução da legalidade e das regras sociais escritas, ou simplesmente presentes

nos costumes, que são responsáveis pela manutenção da coesão do tecido social. O

problema é muito grave porque, como apontava Aristóteles (1985), a principal

característica do homem é o seu pertencimento à vida social. Afastado da sociedade o

homem torna-se um bruto ou um Deus. O homem, continua Aristóteles (1985), é um

animal político, um ser que habita a polis (cidade grega), ou em outras palavras, o homem

é um ser social.

Constata-se, sem rodeios, de que o sistema capitalista hoje coloca em risco

a existência humana seja pela exploração desmedida do trabalho seja pelo verdadeiro caos

ecológico que produz. Nesse sentido, não seria um despropósito afirmar que o capitalismo

está agonizando. As formas concretas de organização da sociedade são históricas. O que

significa dizer que elas surgem, se desenvolvem, entram em crise e acabam. Tal fenômeno

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não é estranho à história e corresponde ao conceito de modo de produção formulado por

Karl Marx e Friedrich Engels. Aconteceu, assim, com o modo de produção escravista na

Antiguidade Clássica, com o modo de produção servil no medievo e, nos nossos dias, está

ocorrendo com o modo de produção capitalista baseado no trabalho assalariado.

O capitalismo dos nossos dias é uma espécie de zumbi. Ele não sabe que

morreu e continua a circular entre os vivos. Precisamos - e não é tarefa fácil - sepultá-lo.

Pergunto: quando uma coisa acaba? Costuma-se dizer que uma coisa acaba quando ela

não tem mais conserto. Ora, o capitalismo não tem mais conserto. Ele não pode mais ser

reformado, como insistem em propor certos segmentos do próprio pensamento de

“esquerda” (entre aspas) que se restringem a administrá-lo ao invés de combatê-lo.

Estamos ficando doentes dos nossos remédios, a exemplo do que aconteceu nos tempos

da decadência do Império Romano nos primeiros séculos da Era Cristã. Como diz István

Mészáros (2003), ao criticar a insuficiência das propostas reformistas, estamos cavando

um buraco para tapar outro. Portanto, nesse contexto histórico, o sentido da vida do

homem no século XXI é a luta contra o capitalismo que está arrastando a sociedade à

barbárie social. Com efeito, a participação no ativismo político pode preencher e dar um

sentido, dar uma direção à vida das pessoas, sobretudo, aos mais jovens, construindo um

verdadeiro antídoto à ausência de atividade típica dos estados depressivos. Resumindo:

mais política e menos Fluoxetina. Como lembra Francis Dupuis-Déri (2014), autor do

livro Black blocs, a alegria de pertencer a uma comunidade solidária é muito mais

restaurador e satisfatório do que a consumoterapia.

O desafio das esquerdas é construir uma teoria que seja uma arma de luta

que unifique os dispersos movimentos anticapitalistas. Lenin, em 1917, utilizou o

marxismo para a formatação da sua arma de luta: o Partido Bolchevique. No auge da

movimentação revolucionária e dos embates políticos, entre agosto e setembro de 1917,

escreveu o livro O Estado e a Revolução (2007), em que procura resgatar o marxismo

como força revolucionária, libertando-o da longa tradição reformista e oportunista da

Segunda Internacional (1899 a 1914). Com a sua morte, em 1924, e com a ascensão de

Stalin ao poder, a Revolução Russa tomou caminhos equivocados e perdidos, o que

motivou Leon Trotsky a escrever, em 1936, o livro A revolução traída (2007). É um tema

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fundamental no âmbito do pensamento de esquerda, porque o desconhecimento do que

foi o stalinismo afasta as pessoas do socialismo.

Percebe-se, atualmente, um novo vigor na discussão política. Com o

agravamento da crise capitalista, em 2008, e, no caso brasileiro, com as Jornadas de Junho

de 2013, a política voltou a ocupar as ruas, as mentes e os corações. Trata-se, aqui, vale

lembrar, da política no sentido original do termo, criada por aqueles gregos maravilhosos

do século V a. C., como a arte do bem comum. A política como a arte de corrigir as

distorções que o próprio desenvolvimento da vida em sociedade produz.

1 – A crise do capital

Durante os anos 1990 o Partido dos Trabalhadores (PT) foi aos poucos

pavimentando seu caminho para o Planalto apostando todas as fichas no jogo eleitoral e

na institucionalidade. Para ganhar a confiança dos empresários e da classe dominante,

adaptou-se às exigências do sistema político e usou toda a sua credibilidade junto à

população para tirar o povo das ruas e neutralizar a ação reivindicativa dos sindicatos e

dos movimentos sociais. Foi o reinado do que Carlos Nelson Coutinho, no livro

Hegemonia às avessas (2010), tendo como referência Antonio Gramsci, denominou de

“pequena política”. Tudo ficou reduzido à sonolenta e desinteressante rotina dos

gabinetes. Nesse período, o que interessava ao partido eram as questões parciais e

cotidianas no interior de uma estrutura já estabelecida. Era a política do dia a dia, da

escolha do “melhor candidato”, da articulação parlamentar. Um universo restrito a

corredores de intrigas e conchavos. O que se estabeleceu, então, foi a politicagem, as

picuinhas, a mera disputa pelo poder sem questionar a quem o poder serve. Grande parte

dos movimentos sociais foi anestesiada e cooptada com a distribuição de cargos em

mandatos parlamentares e nas administrações públicas, o que reduzia a sua autonomia e

colaborava para ampliar o consenso realizado nos gabinetes. Para Coutinho (2010), a

política deixou de ser a “grande política”, na qual os embates eram travados entre classes

sociais antagônicas com vistas a formulação de propostas alternativas de sociedade.

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A conjuntura internacional também contribuiu para ampliar as incertezas.

No dia 09 de novembro de 1989, o muro de Berlim caiu. Parecia que a esquerda havia

desmoronado junto com o muro. O fim do “socialismo realmente existente”, nas palavras

de Mészáros (2003), foi considerado equivocadamente como o princípio dos “felizes anos

90”, a utopia do “fim da história” nas palavras do autor americano Francis Fukuyama,

ou seja, a crença de que a democracia liberal triunfou. Ora, se o capitalismo venceu,

consequentemente, a autêntica esquerda, a opositora do modo de produção capitalista,

perdeu. O pior não foi a derrota em si, mas a redução da capacidade de resistir. Ficamos

meio anestesiados, paralisados, perdidos num labirinto de desilusões. Esquecemos, em

parte, o princípio ético de que é preciso resistir sempre. O pior de tudo foi a sensação de

entregar cordialmente a vitória ao adversário e ficar tão somente com o gosto amargo da

derrota sem luta.

Todavia, o tempo não para - como diz a letra da música do Cazuza - e ainda

no final dos anos 90, começaram os movimentos antiglobalização, com destaque para a

Revolta de Seattle ocorrida no dia 30 de novembro de 1999, durante as manifestações

contra a reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC). Abriu-se um novo tempo

histórico das lutas de classe. A letargia dos anos 90 com diferentes intensidades,

temporalidades e localidades começou a ruir. No Brasil, por exemplo, o marco desse

processo foram as Jornadas de Junho de 2013. Como escreveram Marx e Engels, no

Manifesto do Partido Comunista (2007), a história da sociedade é a história das lutas de

classes, lutas que são ora abertas e ora camufladas. Estamos vivendo novamente uma fase

aberta das lutas de classe e, por que não dizer, uma fase escancarada. No livro Vivendo

no fim dos tempos (2012), Slavoj Zizek conta a seguinte história.

Dizem que, na China, quem realmente odeia alguém lança

contra ele a seguinte maldição: ‘Que você viva em tempos

interessantes!’. Em termos históricos, os ‘tempos

interessantes’ foram períodos de inquietação, guerra e luta

pelo poder em que milhões de inocentes sofreram as

consequências. Hoje, claramente nos aproximamos de

uma nova época de tempos interessantes (ZIZEK, 2012:

291).

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Viver em “tempos interessantes” é viver (e sobreviver) em permanente luta

contra a desagregação social, ou seja, a barbárie, como já apontado A ação humana é

fundamental nesse processo porque nenhuma ordem social desaparece suave e

voluntariamente, por si só, mesmo quando a sua própria permanência coloca em risco a

continuidade da existência humana. Todos os períodos de transição na sociedade foram

marcados por violentas lutas sociais. A transição da Idade Medieval para a Idade

Moderna, conhecido como Renascimento, foi de intenso conflito entre dois mundos. As

instituições medievais, capitaneadas pela Igreja Católica, não abdicaram da luta. Elas

resistiram o máximo possível aos ventos da mudança trazidos pela burguesia

revolucionária. O uso terrorista da violência empreendida pela Tribunal da Santa

Inquisição não deixa espaço a dúvidas. A Igreja não dava trégua aos seus inimigos e nem

hesitava em mandar queimar seus adversários em fogo lento. A fina ironia de Voltaire,

célebre pensador iluminista francês, dizia que nada escapava da crítica abrasadora da

Igreja.

O pano de fundo objetivo das rebeliões populares que estão ocorrendo “nos

tempos interessantes” ao redor do mundo é a crise estrutural do capital, aprofundada em

2008 com a crise do mercado imobiliário americano. Segundo Mészáros (2002), o mundo

não conhecerá mais períodos de crescimento econômico significativos após a crise do

capital iniciada em meados da década de 1970, com exceção das bolhas de crescimento

favorecida pela facilidade de acesso ao crédito bancário, mas que, como sugere o nome,

não perduram e explodem rapidamente. Portanto, ao contrário da crises cíclicas

anteriores, o capital vive a sua crise final e definitiva. Mészáros (2002) discute, em seu

livro Para além do Capital, três características principais da crise do capital que ora

estamos experimentando como uma crise estrutural que tudo abrange. 1 - A crise possui

caráter universal, isto é, não está restrita a um ramo particular da produção ou as esferas

financeira e comercial. 2 – Possui alcance verdadeiramente global (não está restrita a um

conjunto particular de países como foram as crises do passado). 3 – A sua escala de tempo

é extensa e contínua em lugar de limitada e cíclica, como acontecia nas crises anteriores.

Com efeito, pelo fato da crise ser estrutural e não apenas conjuntural, a sua

solução requer necessariamente uma mudança estrutural. Trata-se da criação de outra

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forma de organizar a vida econômica alternativa ao livre mercado. A ilusão do

“mecanismo de mercado” como o regulador insubstituível e necessário do metabolismo

social não mais se sustenta. Apenas dois exemplos são suficientes para demonstrar a

gravidade do problema. 1 – O desumanizante desemprego assumiu um caráter estrutural

e crônico. Não é mais o “exército industrial de reserva” dos tempos de Marx e Engels na

segunda metade do século XIX. Não existe, com efeito, maneira de reverter o fenômeno

dentro da ordem sociometabólica do capital. 2 – O mundo vive sob uma crescente ameaça

de desastre ecológico. Os recursos naturais do planeta não são suficientes para atender as

exigências do consumismo da sociedade capitalista. Mészáros (2003) mostra que os

Estados Unidos possuem menos de 4% da população mundial, mas utilizam cerca de 25%

dos recursos de energia e de matérias-primas do mundo. Portanto, podemos concluir, por

maior que seja a propaganda dos apologistas do capital, que o nível de consumo dos

Estados Unidos não poderá jamais ser transposto para o restante da humanidade sem

causar danos irreparáveis ao meio ambiente.

A crise estrutural do capital acarreta a crise das formas de organização e

representação política da sociedade burguesa, o que pode ser facilmente verificado no

descalabro do parlamento que nasceu com a sociedade burguesa e não poderá sobreviver

a ela. O parlamento em todo o mundo, não apenas no Brasil, atravessa o mesmo processo

de decadência e de desagregação pelo qual passa a sociedade. O capital atua como uma

força extraparlamentar vigorosa que domina de fora o parlamento a seu bel-prazer. O

sistema eleitoral também foi submetido à lógica de mercado. Torna-se cada vez mais raro

a cada eleição eleição um autêntico representante dos interesses dos trabalhadores no

parlamento. As festejadas exceções apenas comprovam a regra. O homem da rua, o

cidadão comum, por assim dizer, já percebeu a magnitude do problema e gradativamente

tem perdido o interesse pelo voto. Mészáros (2003) diz que não menos de 77% dos

eleitores ingleses – e quase a mesma proporção em outros países da Comunidade Europeia

– se recusaram a participar de um ritual tão sem sentido como as últimas eleições

nacionais convocadas para escolher os membros do parlamento inglês. No Brasil, o

número de votantes nas eleições presidenciais de 2006 reflete o mesmo desinteresse,

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seguindo as reflexões do sociólogo Francisco de Oliveira (2010), no livro Hegemonia às

avessas.

Os votos nulos alcançaram a marca dos 4%, mesma

porcentagem para os votos em branco, e 23% dos

cadastrados não compareceram às seções eleitorais,

apesar da obrigatoriedade do voto. De fato, as eleições

presidenciais não interessaram a 31% dos votantes. Ou

então as candidaturas não motivaram esses 31% de

eleitores. É a porcentagem mais alta de “indiferença”

eleitoral da história moderna brasileira, aproximando-

se dos números da abstenção dos norte-americanos nas

eleições presidenciais (OLIVEIRA, 2010: 23).

Às vésperas da Revolução Russa de 1917, Lenin (2007) escreveu que as

eleições na sociedade burguesa nada mais eram do que a escolha periódica, de três em

três anos ou de seis a seis anos, de qual membro da classe dominante iria representar o

povo no parlamento. A alternativa encontrada pela revolução foi a institucionalização dos

“sovietes” (“conselhos” em russo) como forma de representação dos interesses populares.

Conclusão: uma nova forma de organização social alternativa ao capitalismo exigirá

necessariamente outra forma de representação política. O parlamento será colocado no

museu de antiguidades da história. Friso, mais uma vez, não se trata de reformá-lo. É

preciso inventar algo novo. Ou inventamos ou perecemos. Como diz a sabedoria popular:

não se inventa a lâmpada fazendo melhorias na vela.

A crise da sociedade capitalista é reconhecida até pelos mais empedernidos

defensores do capital. Não há mais formas racionais de escondê-la ou negá-la. Ela passou

a fazer parte da nossa vida cotidiana. Tornou-se, seguindo Zizek (2011), simplesmente

um modo de viver. O futuro dependerá da maneira como a crise social e financeira será

simbolizada, qual interpretação triunfará. Abriu-se o campo para a competição

ideológica. Na Alemanha do início da década de 1930, Hitler triunfou na competição

invocando uma suposta conspiração judaica. O antagonismo social (a luta de classes) é

deslocado de modo que a causa da crise seja projetada no intruso exterior. Nos tempos de

Hitler, o intruso estrangeiro que ameaçava o corpo social foi identificado com o judeu.

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Atualmente, os imigrantes estrangeiros são os judeus dos anos 1930. Eles

são taxados como os principais responsáveis pela crise social em vez de percebê-los como

efeito e não como a causa do problema. Há uma “maré” anti-imigração na Europa, o

ressurgimento do populismo anti-imigração com a ascensão do discurso racista,

xenófobo, o aumento da intolerância, da pobreza e das guerras. De acordo com Zizek

(2012), como convencer os trabalhadores europeus que são contra os imigrantes que estão

travando a batalha errada? O inimigo é o capital e somente com a união de todas as

tendências políticas anticapitalistas poderemos vislumbrar a possibilidade de superação

do sistema capitalista. O Brasil não está imune ao que está acontecendo em solo europeu.

Os problemas são comuns. Em relação ao aumento da violência, os números oficiais de

mortos e feridos depois de cada final de semana na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo,

nos faz imaginar que estamos em plena guerra civil.

2 – Os novos movimentos sociais e a organização estudantil

Slajov Zizek (2012), na introdução do livro O ano em que sonhamos

perigosamente, discute as diversas rebeliões mundiais ocorridas em 2011 e inicia a sua

análise a partir de uma expressão da língua persa, war nam nihadan, que significa “matar

uma pessoa, enterrar o corpo e plantar flores sobre a cova para escondê-la”. Houve, em

2011, sonhos de emancipação que mobilizaram milhares de manifestantes em Nova York,

com o Occupy Wall Street, na Primavera Árabe, na Grécia, na Espanha, com a Revolta

dos Indignados, e nos protestos nos subúrbios de Londres. A mídia colocou um manto de

silêncio em cima desses eventos com o objetivo de matar o seu potencial emancipatório

radical ou de encobrir sua ameaça à democracia burguesa, plantando flores sobre o

cadáver enterrado. Não podemos deixar as lições das experiências desses eventos cair no

esquecimento. O papel do historiador, de acordo com Hobsbawm (1995), é lembrar aquilo

que muitos querem esquecer.

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Sem dúvida, Slajov Zizek é um dos intelectuais-filósofos que tem

influenciado jovens que participam de movimentos sociais na atualidade, como o Occupy

Wall Street. Ele tem refletido em seus textos, sobretudo, no livro O ano em que sonhamos

perigosamente (2012), a respeito do perfil dos jovens que têm entrado em cena em

movimentos sociais e manifestações públicas de protesto ao redor do mundo. Afinal,

quem são esses jovens? Qual é o perfil dessa nova classe potencialmente revolucionária?

Para Marx e Engels, a classe revolucionária era o proletariado, principalmente, o

trabalhador fabril, o operário de fábrica. Contudo, o capitalismo sofreu inúmeras

mudanças do século XIX até os dias atuais. Hoje, em todo o mundo, em decorrência da

Terceira Revolução Industrial e da informatização da produção, o número dos

trabalhadores fabris tem caído drasticamente. Logo, a classe potencialmente

revolucionária atual não poderá ser uma categoria profissional que está minguando.

A análise concreta da situação concreta mostra o crescimento vertiginoso do

desemprego. Eis a triste realidade dos nossos dias. O que poderia ser considerado uma

vantagem (necessidade de menos trabalho árduo), a substituição das formas mais

degradantes e penosas de trabalho pelas máquinas, torna-se uma maldição. Sem emprego,

vivendo numa sociedade fundada no trabalho assalariado, o indivíduo está condenado à

penúria. O fenômeno do desemprego precisa ser melhor compreendido.

A Categoria dos desempregados, portanto, deveria ser

expandida para abranger a amplitude da população, desde

os desempregados temporários, passando pelos não mais

empregáveis e permanentemente desempregados, até as

pessoas que vivem nos cortiços e outros tipos de guetos

(aqueles muitas vezes descartados pelo próprio Marx como

“lumpemproletariado”) e, por fim, área, populações ou

Estados inteiros excluídos do processo global, como

aqueles espaços vazios dos mapas antigos. (ZIZEK, 2012:

14)

Observa-se, portanto, a entrada em cena de um novo sujeito social e político.

A expansão do conceito de desemprego desloca o foco dos trabalhadores assalariados

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como protagonistas dos movimentos emancipatórios para os novos atores sociais, isto é,

os indivíduos que podemos denominar de “os sem lugar na sociedade capitalista” (ou

seja, sem teto, sem-terra, sem trabalho, sem direitos). Aqueles que os defensores da velha

ordem feudal chamavam de forma pejorativa de “populacho”, e que preferimos

denominar de movimento dos sem. Eis a nova classe potencialmente revolucionária,

segundo Zizek (2012).

A maioria dos participantes dos protestos de rua ocorridos em 2011, em

diferentes partes do mundo, e em 2013, no Brasil, foi composta, primordialmente, pelas

pessoas sem trabalho e/ou trabalhadores componentes de um novo proletariado, do setor

informal, trabalhando em empregos terceirizados, flexibilizados, sem garantias legais,

conhecidos como precarizados. A participação dos estudantes também foi expressiva. O

movimento dos estudantes volta à cena pública no Terceiro Milênio. Observa-se, hoje,

segundo Zizek (2012), em decorrência do desemprego estrutural, uma nova morfologia

dos estudantes. “[...] a categoria dos “anteriormente empregados” deveria sem

complementada pelo seu oposto, aqueles que foram educados sem nenhuma chance de

encontrar emprego: toda uma geração de estudantes quase não tem chance de conseguir

um emprego em sua área, o que leva a um protesto em massa” (ZIZEK, 2012: 15). Eles

estão acordando para o fato de que a solução do desemprego, e de um futuro digno, não

poderá ser encontrada dentro da ordem capitalista.

A professora titular da Unicamp (Universidade de Campinas), Maria da

Glória Gohn, também tem discutido os novos movimentos sociais. O seu livro Sociologia

dos movimentos sociais (2014) é uma importante fonte de consulta e de reflexão. De

acordo com Gohn (2014), os atuais movimentos de rebeldia social possuem caráter

polissêmico e em diferentes partes do mundo as reivindicações das marchas e ocupações

não são as mesmas. No Oriente Médio (Tunísia, Egito, Siria, Líbia etc) querem

democracia e liberdade de expressão. Na Europa, o foco é a denúncia das recentes

reformas econômicas, o desemprego, os acordos fechados como o Fundo Monetário

Internacional (FMI). De qualquer maneira, é possível listar cinco características comuns

presentes nos atuais movimentos sociais. 1 – As novas mobilizações não são convocadas

por partidos ou sindicatos. 2 – As manifestações utilizam o espaço público para realizá-

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las, como praças, parques e ruas. Foi o que aconteceu na Praça Tahir, no Cairo; Praça da

Puerta del Sol, em Madri; Praça Catalunha, em Barcelona; Praça Syntagma, em Atenas;

Parque Zuccoti, em Wal Street, etc. 3 – Vários movimentos sociais da atualidade se

inspiram mais nos ideais anarquistas do que os da esquerda tradicional. 4 – A forma de

comunicação entre os jovens que participam dos movimentos também se alterou. Eles se

estruturam e se organizam on-line, por meio das redes sociais. Nesse aspecto, não

obstante a facilidade e agilidade das informações, também há perigos porque as novas

mídias fornecem elementos para a construção de novas formas de controle e repressão

sociais. 5 – Após a hegemonia dos movimentos identitários dos anos 1980 a 2000, a luta

contra o capital e os efeitos de sua expansão desordenada voltam à cena.

Slajov Zizek (2012) costumeiramente utiliza em seus textos algum ditado

popular, o sentido de expressões em outras línguas, determinadas passagens de filmes

hollywoodianos ou ainda fragmentos de desenhos animados como metáforas para instigar

a reflexão a respeito do tempo presente. No capítulo 2, do livro O ano em que sonhamos

perigosamente, intitulado A hipótese comunista, comenta um pequeno texto de Lenin

denominado “Sobre a subida de uma alta montanha”. Lenin usa a comparação com o

alpinista que tem que retornar ao vale após uma primeira tentativa frustrada de alcançar

o topo da montanha para demonstrar a importância da retomada da proposta socialista

original. Repare que o alpinista não volta ao ponto em que parou, mas é obrigado a

retornar ao vale e recomeçar tudo novamente do início. Da mesma forma, após as

frustradas tentativas das experiências socialistas do século XX, é preciso mais uma vez

partir do princípio. Não podemos cair no desânimo e no ceticismo (sementes do

imobilismo conservador), mas acreditar que a história é um palco de lutas e que

precisamos redescobrir o caminho que leva a revolução.

Ao contrário do que afirmava Margareth Thatcher no início dos anos 90, há

alternativas. A propaganda inimiga combate qualquer possibilidade de mudança. Ela

difunde a ideia de que, embora não vivamos no melhor dos mundos possíveis, a mudança

é sempre negativa porque pode piorar a situação. O medo paralisa e deixa o indivíduo

resignado a uma situação absurdamente desconfortável e injusta socialmente. Não por

acaso, o escritor Mia Couto escreveu que há pessoas que têm medo de que o medo acabe.

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Como diz Zizek (2012), vamos ter que nos arriscar no abismo do novo. É urgente o

abandono das posições defensivas, típicas dos anos 90, e a retomada vigorosa da

necessidade história da ofensiva socialista.

Os textos de Marx e Engels, criadores do socialismo no século XIX,

constituem apenas o ponto de partida. É preciso estudar também os autores marxistas que

analisaram uma nova fase do capitalismo denominada de imperialismo. Refiro-me a V. I.

Lenin e Rosa de Luxemburgo, ambos representantes do período histórico que se iniciou

no final do século XIX e que, portanto, não puderam ser analisados detidamente pelos

autores do Manifesto Comunista. Ainda dentro da ampla perspectiva do pensamento de

esquerda, Leon Trotsky também merece destaque porque analisou fenômenos como o

stalinismo (burocratização do Partido Bolchevique) e a ascensão do fascismo na primeira

metade do século XX, que, por sua vez, também não puderam ser estudados pelos autores

que se debruçaram sobre a fase imperialista do capitalismo. Por fim, como é inegável que

o capitalismo sofreu inúmeras mutações na segunda metade do século XX e na primeira

década do século XXI, temos, ainda, que estudar diversos autores que analisam o

capitalismo dos nossos dias como István Mészáros e Slaloj Zizek para citar apenas dois.

Acredito que a formulação de uma nova teoria, que seja uma arma de combate, não será

constituída apenas pelo marxismo expurgado de suas distorções, mas uma teoria que sem

dúvida terá elementos do marxismo, mas que não poderá prescindir de pensadores do

Iluminismo do século XVIII.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A polissemia das vozes de 2011, no mundo, e as Jornadas de Junho de 2013

no Brasil, trouxeram novos desafios à inteligência e seus diferentes desdobramentos já

podem ser analisados em perspectiva histórica em meados de 2016. Na Grécia, após a

catarse da ocupação da Praça Syntagma em 2011, foi criado o Siriza (partido político cuja

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sigla significa Coalização da Esquerda Radical) vitorioso nas eleições de 2014.

Infelizmente, o Siriza curvou-se as imposições do FMI e, talvez, seja mais um exemplo a

não ser seguido. Na Espanha, imediatamente após a Revolta dos Indignados em 2011, a

direita ganhou as eleições presidenciais naquele ano, mas surgiu também o Movimento

Podemos. O Podemos merece uma análise mais detalhada por sua forma de organização

horizontal utilizando os recursos das novas tecnologias em suas reuniões e assembleias.

Qualquer pessoa pode entrar no site denominado Plaza Podemos e participar das

discussões. Não existe uma liderança centralizada que determina de cima as decisões do

Movimento, mas uma lógica diversa em que a movimentação dos debates e das discussões

produzirá as suas lideranças. A experiência do Podemos tem mostrado o surgimento de

lideranças que nunca pertenceram ao quadro político institucional. Estaríamos diante de

uma nova forma de política?

As experiências do Siriza e do Movimento Podemos não podem ser

descartadas e desvalorizadas. Eles servem como lições, não como exemplos. É preciso

conhecer os seus avanços e recuos, sem ufanismo acrítico e sem sectarismos

imobilizadores. Karl Marx, no livro A guerra civil na França (2011), no calor dos

acontecimentos, faz uma análise positiva da experiência levada a cabo pelos comunardos

em Paris no ano de 1871. Ele não fez coro aos pessimistas e oportunistas que criticaram

a Comuna de Paris como uma aventura transloucada e que somente poderia resultar no

banho de sangue que marcou negativamente os anais da história francesa. Não corroborou

a conhecida máxima: a vitória tem muitos pais, somente a derrota é órfã. Apesar de, meses

antes da explosão da Comuna em outubro de 1870, haver alertado os operários parisienses

contra o perigo de qualquer tentativa para derrubar o governo como precipitação, em

março de 1871, quando a batalha decisiva se tornou um fato consumado, Marx saudou

com entusiasmo a primeira revolução proletária da história como “um assalto aos céus”.

Lênin (2007) comenta que Marx viu na Comuna de Paris uma experiência histórica de

enorme importância, um passo para a frente na revolução proletária universal, uma

tentativa prática mais importante que centenas de programas e argumentos.

O trabalho subterrâneo do descontentamento continua em andamento.

Haverá uma nova onda mundial de rebeliões. No Brasil, em 2015, ocorreram ocupações

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das escolas públicas paulista pelos estudantes secundaristas. Foi o acontecimento político

mais importante de 2015, inspirado na revolta dos estudantes secundaristas chilenos de

2013. Karl Marx dizia que a revolução é uma toupeira. Ela anda debaixo da terra e de

tempos em tempos coloca a cabeça para fora. É possível, nos dias que correm, ver a

pontinha do seu focinho aparecendo à flor da terra. Vive-se, pela primeira vez na história,

uma conjuntura internacional de rebeliões. As diversas rebeliões poderão se transformar

em revolução? Até quando a violência policial poderá sufocar a verdade? São perguntas

cujas respostas não estão estabelecidas porque não há fatalismo ou determinismo em

história. A história é constituída pelas lutas de classe sociais com interesses antagônicos

e dependerá da organização e disposição das classes em conflito a construção do amanhã.

É preciso, também, apontar o outro lado da luta de classes, ou seja, a guinada

conservadora que atravessa a sociedade brasileira. O livro organizado por Felipe Demier

e Rejane Hoeveler intitulado A onda conservadora : ensaios sobre os atuais tempos

sombrios no Brasil discute em vinte capítulos a ascensão da direita brasileira presente nos

projetos de redução da maioridade penal, da medicalização das crianças (ritalina) e dos

adultos (antidepressivos), dos discursos de ódio da imprensa, das armadilhas das

narrativas anticorrupção, etc. A luta de classes está aberta é o pensamento progressista e

o pensamento conservador se digladiam a todo momento e em todos os lugares da

sociedade. Observa-se no horizonte a possibilidade do socialismo e, ao mesmo tempo,

ascensão do fascismo.

Para Mészáros (2003), por mais pessimista que possa parecer, o futuro do

socialismo será definido nos Estados Unidos. “Nenhuma potência militar ou política na

Terra seria capaz de realizar de fora o que só pode ser feito de dentro por um movimento

que ofereça uma alternativa positiva para a ordem existente nos Estados Unidos”

(MÉSZÁROS, 2003: 81). O socialismo somente é viável se for implantado como um

sistema universal. Como ele ocorreu em países pobres e periféricos, como a Rússia e

outros países do leste europeu, a sua possibilidade de êxito residiria na necessidade da

adoção do socialismo também por um grande país desenvolvido. Lenin depositava todas

as suas esperanças na fracassada revolução alemã de 1919. A tese do “socialismo num só

país” foi um engodo do stalinismo. O socialismo sempre foi um pensamento universalista.

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Somente a implantação do socialismo num grande país desenvolvido possibilitará a sua

transposição para outros países ao redor do mundo. Leon Trotsky defendia a ideia da

revolução permanente, isto é, o processo revolucionário somente chegaria ao fim quando

fosse implantado como um sistema universal.

No final da década de 1980, ocorreu um exemplo concreto do processo de

transposição de experiências políticas de países ricos e desenvolvidos para o restante do

mundo. Foi o caso do neoliberalismo. O ideário neoliberal surgiu nos anos 1940 com

Freidrich von Hayek em seu livro O caminho da servidão. Durante algumas décadas o

neoliberalismo não foi levado a sério, mas com a queda da economia capitalista mundial

em um período de recessão nos anos 1970, a doutrina neoliberal começou a fazer sentido,

isto é, a teoria se aproximou e respondeu a uma necessidade real da sociedade. Foi uma

resposta na perspectiva dos donos do poder, a classe dos capitalistas, é verdade. No final

da década de 1970 e início da década de 1980, respectivamente, Estados Unidos e

Inglaterra, com Reagan e Thatcher, adotaram o receituário neoliberal para enfrentar a

crise: desregulamentação dos mercados financeiro e do trabalho, privatização dos

serviços públicos, enfraquecimentos dos sindicatos etc. Nos anos seguintes, o mundo todo

tornou-se neoliberal. O neoliberalismo começou no Brasil, por exemplo, em 1990 com o

governo Collor de Mello.

Em 2014 e 2015 observa-se o fortalecimento de um pensamento de direita

no Brasil. A situação é preocupante. Nunca conhecemos um governo declaradamente de

direita. Não podemos esquecer que o fascismo e o nazismo chegaram ao poder através de

eleições diretas num contexto social de forte crise econômica e política. Eles são o esforço

desesperado da permanência do velho mundo, são a expressão da contrarrevolução. Se,

por um lado, é com grande alegria e satisfação que observa-se a política ter novamente as

ruas como palco, a exemplo do que aconteceu no final da década de 1960, e que a praça

pública esteja novamente se tornando local de discussão política, como ocorreu no seu

nascedouro na Grécia Antiga; por outro lado, não podemos esquecer que o vento que

sopra aqui também bate lá... A história é a luta de classes com interesses antagônicos. Em

outras palavras, não existe revolução sem contrarrevolução.

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A esquerda brasileira possui uma histórica e quase crônica dificuldade de

união. Aqui, ainda vigora com intensidade, o que Mészáros (2002) denominou de

movimentos de causa única (negros, mulheres, homossexuais, ecologistas, etc) que

transformam a sua causa na única causa. Eis o problema. Ainda não se atentou que existe

algo que corta todas as identidades particulares: o modo de produção capitalista. A luta

deve ser comum, porque os problemas são comuns. Ademais, de forma imatura, cada

segmento do pensamento de esquerda se autoproclama o baluarte da ética e do legítimo

esquerdismo. Não há convivência respeitosa entre as diferentes táticas de luta. É atual,

atualíssima, a máxima de Trotsky em relação à criação de uma frente de esquerda que

unifique as diversas tendências: marchar separados, lutar juntos. Marchar separadamente

significa a total liberdade de ação dos grupos anticapitalistas; lutar juntos implica a união

em prol de um objetivo comum: o fim do capitalismo.

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