O Avanço Da Neurociência Aplicada Aos Transtornos

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  • 8/21/2019 O Avanço Da Neurociência Aplicada Aos Transtornos

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    Rev Bras Psiquiatr. 2012;34(Suppl2):S121-S124

    Official Journal of the Brazilian Psychiatric Association

    Volume 34 • Supplement 2 • October/2012Psychiatry

    Revista Brasileira de Psiquiatria

    EDITORIAL

    1516-4446 - ©2012 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados.doi:10.1016/j.rbp.2012.08.002

    O avanço da neurociência aplicada aos transtornos

    psiquiátricos e neurológicos:

    mais do que nunca, uma tarefa interdisciplinar

    Apesar dos enormes avanços das pesquisas em neurociêncianas últimas décadas, permanecem desaadoras as tarefasde esclarecer a etiopatogenia dos transtornos psiquiátricose neurológicos e de desenvolver tratamentos verdadeira-mente capazes de interferir com os processos patológicossubjacentes aos sintomas que caracterizam esses transtornos.

    A m de viabilizar investigações translacionais de pontaà altura dos desaos acima, centros de pesquisa em várioslocais no mundo têm investido no fortalecimento de colabora-ções interdisciplinares, somando os potenciais de laboratóriosbem estabelecidos nas suas respectivas áreas de atuaçãoem neurociência.1,2 Tais colaborações facilitam a feitura deestudos longitudinais multicêntricos com coletas seriadasde múltiplos biomarcadores em portadores de transtornos

    neuropsiquiátricos. Adicionalmente, o emprego de modelosanimais e outros métodos da neurociência básica permitedetalhar processos moleculares subjacentes a esses transtor-nos neuropsiquiátricos e à resposta clínica dos pacientes aostratamentos atuais. Assim, a integração das pesquisas clínicascom estudos experimentais poderá facilitar a identicaçãode novos alvos terapêuticos e novos agentes farmacológicospara o tratamento de transtornos neuropsiquiátricos.

    Em 2011, a Pró-Reitoria de Pesquisa (PRP) da Universidadede São Paulo (USP) selecionou propostas para a criação denovos Núcleos de Apoio à Pesquisa, destinados a integrarespecialistas de uma ou mais faculdades e/ou institutosem torno de programas de pesquisa interdisciplinares.

    Tendo em vista os desaos das neurociências mencionadosacima, um grupo de mais de 40 acadêmicos com linhas depesquisa consolidadas propôs a criação do Núcleo de Apoioà Pesquisa em Neurociência Aplicada (NAPNA-USP). Essegrupo, do qual fazem parte psiquiatras, neurologistas, ra-diologistas, cientistas das áreas básicas, farmacologistas,epidemiologistas, psicólogos, engenheiros e cientistas da

    computação provenientes de 10 unidades da USP, propôs umprojeto estratégico de parceria interdisciplinar para fazerpesquisas translacionais que abordassem um número amplode transtornos neuropsiquiátricos. Para conseguir isso, nósplanejamos, multi-lateralmente, facilitar o acesso a todosos tipos de equipamentos e a todos os recursos humanosdisponíveis em cada um dos grupos de pesquisa da USP. Oobjetivo é trazer mais uniformidade aos métodos de aquisi-ção e processamento dos dados clínicos e biológicos entreos institutos participantes com o intuito nal de criar umgrande repositório de dados para uso compartilhado. Serápriorizado o estudo de marcadores biológicos úteis para oestabelecimento de diagnósticos neuropsiquiátricos e para aprevisão de desfechos na prática clínica, de modo interdisci-

    plinar. De forma articulada com tais pesquisas clínicas, serãofeitos estudos com o uso de culturas neuronais e modelosanimais in vivo, tanto para validar os marcadores biológicoscorrelatos aos que estarão sendo usados em humanos comopara testes pré-clínicos de novas intervenções farmacológicaspara tratamento neuropsiquiátrico.

    Durante mais de um ano, as equipes do NAPNA-USP vêmse mantendo em contato cada vez mais próximo, articu-lando uma espécie de instituto virtual de neurociências(www.napnausp.org.br), fazendo reuniões presenciais comperiodicidade semestral e dando início a diversas linhas depesquisa interdisciplinares. Algumas dessas linhas são exem-plicadas neste suplemento, organizado pelo NAPNA-USP a

    pedido da RBP.A revisão da literatura por Benadiba et al. foi escrita porpesquisadores de neurociência básica, medicina nuclear epsiquiatria da USP. O texto aborda novas aplicações de neu-roimagem funcional baseadas em métodos de PET e SPECT eilustra o quanto essas técnicas consagradas de investigaçãodiagnóstica estão se renovando com base em achados de

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    S124 G. Busatto Filho et al.

    pesquisas translacionais de ciências básicas. Quase a tota-lidade dos novos radiofármacos abordados neste artigo foidesenvolvida para mapear mecanismos moleculares cerebraisdesvendados recentemente, a partir de achados de pesquisasque usaram sosticados modelos animais, e considerados deimportância crítica para o esclarecimento. Essas novas desco-bertas de mecanismos moleculares são, agora, reconhecidascomo críticas para a siopatologia da Doença de Alzheimer

    e da Doença de Parkinson.O mesmo raciocínio se aplica à meta-análise apresentada

    por Maia-de-Oliveira et al. Os avanços nos conhecimentossobre mecanismos de sinalização intracelulares subjacentesa processos de neurotransmissão sináptica, gerados a partirdas ciências básicas, têm levado a uma revisão de conceitospsiquiátricos e a propostas de modelos neuroquímicos maiscomplexos do que aqueles que, tradicionalmente, pressu-põem de forma simplista que alterações de neurotransmissãoconstituem a base única e suciente para explicar a emer-gência de sintomas mentais. Essa meta-análise salienta aslimitações das teorias que valorizam as alterações de trans-missão dopaminérgica como a base siopatológica central

    por trás dos sintomas da esquizofrenia e contrapõe a issoos vários estudos recentes que dão suporte à relevânciado óxido nítrico na neurobiologia desse transtorno mental,com base na reconhecida inuência dessa molécula sobreprocessos intracelulares de ativação de sistemas de segundo--mensageiros e regulação de receptores glutamatérgicos. Oartigo seguinte, de Ferretjans et al., vai na mesma direção erevisa evidências recentes de que o sistema endocanabinoideestá criticamente envolvido na etiopatogenia da esquizofre-nia. É importante ressaltar que este artigo foi produzido porneurocientistas de outras instituições acadêmicas brasileirasque colaboram com o NAPNA. Isso exemplica a meta doNAPNA-USP de permanecer ajudando a organizar uma redede pesquisa que envolva outros grupos importantes dasneurociências brasileiras.

    Já no artigo de Torrão et al., pesquisadores da áreabásica, distribuídos por três departamentos do Instituto deCiências Biomédicas da USP e que empregam metodologiasdiversas, que incluem abordagens morfológicas, farmacoló-gicas, siológicas e neuroquímicas, relatam seus esforços in-terdisciplinares com modelos animais da doença de Alzheimere da doença de Parkinson, contrastando seus achados com osdescritos recentemente na literatura. Os resultados revelampossíveis alvos terapêuticos e mecanismos de neuroproteçãoque poderão ser avaliados em futuros estudos clínicos.

    Os últimos dois artigos do suplemento exemplicam aestratégia de aproximar neurocientistas de diferentes es-

    pecialidades para investigar, em amostras clínicas amplas erepresentativas da população, questões de importância paraa prática médica do dia a dia e/ou para o esclarecimento

    etiopatogênico dos transtornos psiquiátricos. O artigo deMartinho et al. reete o esforço colaborativo de pesquisa-dores de diferentes laboratórios da Faculdade de Medicinada USP em São Paulo, respectivamente das áreas de psi-quiatria clínica, epidemiologia, neuropsicologia e biologiamolecular, para investigar a relação de variantes gênicasrelacionadas à neuroplasticidade com características clínicase cognitivas em uma amostra populacional de pacientes deprimeiro episódio psicótico, os quais haviam sido investi-gados anteriormente com métodos de neuroimagem.3 Essacolaboração sublinha a nossa tendência atual em direçãoà organização de bancos de dados que contenham infor-mações sobre múltiplos tipos de biomarcadores coletadosem coortes representativas de portadores de transtornosneuropsiquiátricos, em contraste com o modelo tradicionalde estudos caso-controle connados que usam uma únicaabordagem neurobiológica aplicada a cada amostra. Porm, no artigo de Kandratavicius et al., neurologistas daFaculdade de Medicina de Ribeirão Preto que acumulamexperiência recente na condução de estudos multicêntricosem epilepsia4 trabalharam em colaboração com psiquiatras

    da mesma unidade da USP para revisar um tema de interfacede grande importância: a comorbidade entre transtornos dohumor e epilepsias.

    Acreditamos que este fascículo sinaliza as contribuiçõesque os grupos do NAPNA-USP almejam dar ao desenvolvimen-to da neurociência brasileira nos próximos anos e esperamosque a sua leitura seja proveitosa para o público da RBP.

    Geraldo Busatto Filho, PhD1 Luiz Roberto Giorgetti de Britto, PhD2 

    João Pereira Leite, PhD3

     1 Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo , Brasil2 Instituto de Ciências Biomédicas,Universidade de São Paulo, Brasil

    3 Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto,Universidade de São Paulo, Brasil

    Referências

    1. Weiner MW, Veitch DP, Aisen PS et al. The Alzheimer’s DiseaseNeuroimaging Initiative: a review of papers published since itsinception. Alzheimers Dement. 2012;8(Suppl 1):S1-68.

    2. Stuss D. How Brain-CODE. Ontario’s Brain Disease Database willhelp conquer and control brain disease & disorders. Disponívelem: .

    3. Schaufelberger MS, Duran FL, Lappin JM et al. Grey matter

    abnormalities in Brazilians with rst-episode psychosis. Br JPsychiatry 2007;51(Suppl):S117-22.

    4. Cinapce-Fapesp. Disponível em: .