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JULHO - SETEMBRO 2013 N.º 12 | TRIMESTRAL Esta revista é distribuída aos assinantes das revistas Caras e Activa e não pode ser vendida separadamente. É impressa em papel reciclado e tintas ecológicas. DEPOIS DO êXODO RURAL, Há QUEM SE RENDA AO êXODO URBANO. HISTóRIAS DE QUEM DEIXOU A CAPITAL E RUMOU PARA MEIOS PEQUENOS à PROCURA DE MAIOR QUALIDADE DE VIDA E DE UM DIA-A-DIA MAIS SERENO O QUE É QUE O CAMPO TEM? Pequenos gestos Cláudia Semedo partilha os seus hábitos para um mundo melhor Eco star Galã do cinema, George Clooney é também um defensor do planeta Beleza sem aditivos A cosmética não é toda igual: cuidados a ter e ingredientes a evitar

o campo · fazer e a felicidade não têm idade. Calendário espécie de dicionário com 365 possíveis definições de felicidade, é um projecto da ... uma diferenciação completa”

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Esta revista é distribuída aos assinantes das revistas Caras e Activa e não pode ser vendida separadamente. É im

pressa em papel reciclado e tintas ecológicas.

Depois Do êxoDo rural, há quem se renDa ao êxoDo urbano. histórias De quem Deixou a capital e rumou para meios pequenos à procura De maior qualiDaDe De viDa e De um Dia-a-Dia mais sereno

o que é que o campo tem?

pequenos gestos Cláudia Semedo partilha os seus hábitos para um mundo melhor

eco star Galã do cinema, George Clooney

é também um defensor do planeta

Beleza sem aditivos A cosmética não é toda igual:

cuidados a ter e ingredientes a evitar

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Para começar

E se trabalhasse apenas quatro

horas por semana?

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raçã

o: M

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Ped

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quatro horas por semana e embora ganhe menos dinheiro, tem mais tempo para se dedicar ao que mais gosta: aprender línguas, viajar, dançar tango e praticar desportos de combate. Em www.fourhourworkweek.com o leitor poderá encontrar relatos de pessoas que seguiram este estilo de vida, assim como ferramentas que o ajudam a perceber se esta é a decisão certa para si.R

O norte-americano Timothy Ferriss defende que não só é possível como torná-lo-á mais feliz. Com esta tomada de decisão passará para o grupo dos “novos-ricos”, aqueles que “abandonaram o plano de vida protelada e criam estilos de vida luxuosos no presente, utilizando as novas moedas: tempo e mobilidade”, afirma Ferriss no livro 4 Horas por Semana. E ele sabe do que fala: workaholic, aos 29 anos deixou de trabalhar 12 horas por dia/sete dias por semana depois de a namorada terminar o relacionamento e entregar- -lhe uma placa onde se lia “o horário de trabalho acaba às 17:00”. O jovem norte-americano passou a trabalhar apenas

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RECICLA/Ficha Técnica Propriedade: Sociedade Ponto Verde SA, Morada: Rua João Chagas, 53, 1.Dto, 1495-764 Cruz Quebrada, Dafundo, Tel: 210 102 400, Fax: 210 102 499, www.pontoverde.pt, [email protected], NIF: 503 794 040, Director: Mário Raposo, Directora-adjunta: Teresa CortesEdição: Have a Nice Day - Conteúdos Editoriais, Lda., www.haveaniceday.pt, [email protected], Tel:217 950 389 Direc-tora: Ana Rita Ramos, Editora: Teresa Violante, Redacção: Ana Sofia Rodrigues, Teresa Ribeiro, Projecto Gráfico e Paginação: Mário Pedro, Fotografia: Agência Fotográfica Filipe Pombo, Thinkstock, Impressão: SIG - Sociedade Industrial Gráfica, Lda, Tiragem: 17.000 exemplares, Depósito Legal: 215010/04, ICS: 124501 A RECICLA é impressa em papel reciclado com tintas ecológicas. Depois de a ler, dê-lhe um final ecológico: partilhe-a com um amigo ou coloque-a no ecoponto azul.

Sumárion.º12 Julho - setembro 2013 www.pontoverde.pt

Ponto Verde

Planeta Verde

Pequenos Gestos

Atitude

Sustentabilidade é

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O papel principal “muda de vida, estás sempre a tempo de mudar”, cantava António Variações. e foi o que fizeram os quatro entrevistados da reportagem desta edição da reCIClA. mudaram de vida: trocaram lisboa – e a azáfama, a correria, o trânsito caótico – por vilas ou cidades mais pequenas. Felizes com essa decisão, dizem que hoje têm mais qualidade de vida no seio de um Portugal tantas vezes esquecido. Frederi-co, mafalda, Ana e Pedro foram protago-nistas das suas vidas. Quem também não se resigna a papéis secundários é George Clooney. e não falamos de cinema: o actor norte-ame-ricano tanto é protagonista no grande ecrã como na vida real, assumindo-se como um defensor inveterado da causa ambiental. Activista, Clooney não se limita a dar a cara por projectos de promoção da sustentabilidade e solidariedade: ele pró-prio encabeça e organiza acções de luta. não deixe de ler o perfil desta eco star na secção rosto. e porque todos podemos, afinal, ser prota-gonistas, a reCIClA conversou com Alain de botton, autor de vários livros e ensaios nos quais mostra a utilidade da filosofia no dia-a-dia. sem fórmulas mágicas nem conselhos de auto-ajuda, criou The school of life, em londres, espaço privilegiado para, mais do que aprendermos a viver, reflectirmos sobre a vida, como vivemos, como queremos viver. e sem virarmos costas ao papel principal que nos cabe neste grande palco que é a vida. R

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Reportagem histórias de quem fez as malas e trocou lisboa por meios mais pequenos

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Rosto George Clooney é mais do que o galã de hollywood. É um activista ambiental

Tendências eco Conheça os ingredientes a evitar nos produtos de cosmética. beleza sem aditivos

Eco empreendedores Dois projectos, um objectivo: reciclar as escovas de dentes usadas

Lazer sustentável roteiro de birdwatching: parta à descoberta das aves de Portugal

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Histórias de papel Delicadas, originais, lindas. Assim são as criações de Cecilia Levy (www.cecilialevy.com), artista sueca que faz arte com folhas de papel e cola. Apaixonada por desenhar, pintar e escrever, tornou-se designer gráfica “para canalizar a criatividade”, diz. “Mas dei por mim frente a um computador e desejava trabalhar mais à mão”, confessa. Estudou encadernação de livros e procurou aliar as duas profissões. “Faço produtos em papel, como cadernos de notas e álbuns, que vendo na cooperativa de artes e ofícios Kaleido, na cidade de Uppsala”, conta. Mas não é esse o trabalho que eleva a criatividade de Cecilia a arte.

Inspirada pelas brincadeiras de criança, nas quais criava objectos em papier mâché, abandonou as capas de livros que usava para dar vida a uma ideia e dedicou-se antes ao “conteúdo”, ou seja, às páginas. O resultado foi surpreendente. Chávenas, bules, tabuleiros e conjuntos de chá são algumas das criações de Cecilia, preparadas com papel e cola. Mas não é qualquer folha que inspira a artista. Cecilia Levy usa páginas de livros. E não de qualquer livro. “Só uso aqueles cujo papel e conteúdo tenha significado para mim. Pode ser a qualidade, a tipografia, a própria história. Mas não uso todos os livros – não os que estimo pelo conteúdo ou por serem especiais para mim”, explica.

Cortadas as páginas em pequenos pedaços, a artista constrói a peça, colando os bocadinhos de papel sobre um molde de silicone, feito por si previamente. Uma chávena, por exemplo, demora cerca de dois dias. “São frágeis, podem desmanchar-se facilmente porque quero preservar o toque do papel e por vezes uso apenas uma ou duas camadas. Mas manuseadas com cuidado são mais resistentes do que se esperaria”.R

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Fotos: Cecilia Levy

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Dá pelo nome de Felicidadário – 365 ideias para maiores de 65 anos, e prova que o sonho, a vontade de fazer e a felicidade não têm idade. Calendário espécie de dicionário com 365 possíveis definições de felicidade, é um projecto da Encontrar+se, instituição particular de solidariedade social que actua na reabilitação psicossocial das pessoas com doença mental grave, em parceria com aLinhas. Todos os dias, desde o início do ano e até 31 de Dezembro de 2013, o Felicidário apresenta uma nova ideia de felicidade: a felicidade é andar de chinelos; a felicidade é fazer bolas de sabão; a felicidade é adoptar um animal; a felicidade é fazer pão… Sugestões ilustradas por Afonso Cruz, André Letria e Ricardo Henriques, André da Loba, Aka Corleone, Bernardo Carvalho, Carolina Celas, Irmão Lúcia, Júlio Dolbeth, Madalena Matoso, Maria Imaginário, Tiago Albuquerque e Yara Kono. A não perder, diariamente, em http://felicidario.encontrarse.pt.R

ponto verde

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Felicidade dia-a-dia

tampas de cana-de-açúcar Azuis, brancas, transparentes, grandes, pequenas… Ao já vasto leque de tampas de embalagens junta-se mais uma, fabricada com materiais de origem renovável pela Tetra Pak. A LightCap 30 é produzida com polietileno de alta densidade obtido a partir de cana--de-açúcar. Quando esmagada, a cana-de-açúcar liberta um líquido que é fermentado e destilado para produzir etanol. Depois de um processo de desidratação, o etanol é convertido em etileno, então polimerizado para produzir o tal polietileno (tipo de plástico), usado no fabrico das tampas.

“O desenvolvimento da LightCap 30 de base biológica é mais um passo importante no sentido do nosso objectivo de produzir uma solução de embalagem 100% renovável”, afirma o gestor de produto inovação ambiental da Tetra Pak, Erik Steijger.R

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Inclusão digital chega a portugal Implementado no Brasil há 18 anos e considerado como uma das 100 melhores ONG do mundo pelo The Global Journal, o Centro de Inclusão Digital (CDI) chega agora ao nosso país. Projecto revolucionário de intervenção e inclusão digital, procura mobilizar e transformar comunidades, e redefinir percursos de vida de pessoas oriundas de contextos socioeconómicos desfavorecidos com recurso à tecnologia. Trata-se de uma iniciativa com elevado impacto social e económico junto das comunidades onde actua através da qualificação técnica na utilização das tecnologias de informação e comunicação, da formação e promoção de agentes sociais de transformação, e do estímulo e apoio ao espírito empreendedor.

Em Portugal, o CDI foi apresentado no Encontro de Parceiros Socais, desenvolvido pela Microsoft no final de Maio, e arrancou com um projecto-piloto no Bairro da Bela Vista, em Setúbal, estendendo-se de seguida a Vale de Cambra, no Porto. A ambição do CDI passa por impactar mais de 1.200 jovens no primeiro ano de actividade no nosso país. Além da Microsoft Portugal, Fundação EDP, Fundação PT, Mckinsey & Company, EgonZhender e SRS Advogados, o CDI Portugal conta com o apoio da PriceWaterhouseCoopers, Leo Burnett, Lift Consulting e Fluxin.R

Cresce e aparece E se depois de usados envelopes, flyers ou cadernos dessem flor? Desenvolvido por Mónica Oliveira, 34 anos, e Nuno Bernandes, 35 anos, Papel Florescente oferece soluções de escrita e comunicação num papel que, em vez do ecoponto, tem como destino final um vaso. “O projecto nasceu de uma troca de ideias entre amigos”, recorda Mónica, preocupada desde cedo com a causa ambiental e a sustentabilidade.

“A essência do Papel Florescente é ser utilizado como folha de papel simples, mas com a particularidade de, após a sua função – carta, postal, folheto de divulgação, cartão de visita, convite… –, em vez de ser deitado fora ser plantado”, explica. Como? O papel que dá flor é feito de forma artesanal, através de um processo muito idêntico à produção de papel reciclado, “com excepção para o uso de sementes que lhe dá uma diferenciação completa”. Além do tamanho, espessura e cor, os clientes podem optar entre sementes de cravo francês, boca de leão, cosmea, salsinha, rúcula, agrião, manjericão ou camomila. “O objectivo é ver as ideias dos nossos consumidores florescerem”, afirma Mónica Oliveira. Encomendas por e-mail ([email protected]) ou telemóvel (911 540 596).R

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O QUE É QUE O CAMPO

TEM?

AINDA SÃO POUCOS OS QUE DECIDEM TROCAR LISBOA PELO CAMPO. O QUE OS MOVE NUMA DECISÃO TÃO INESPERADA? CONHEÇA AS

SUAS HISTÓRIAS E ARGUMENTOS, INSPIRADORES ATÉ PARA O MAIS CONVICTO DOS CITADINOS.

Texto Ana Sofia Rodrigues

Fotos Luís Paixão/AFFP (excepto onde indicado)

“Não acredito!”; “É mentira!”; “Não vão aguentar nem um mês!”. Os amigos de Ana Cotrim e Pedro Varandas ficaram incrédulos perante a notícia. Como é que duas das pessoas mais citadinas que conheciam iam viver para o campo? Depois de 40 anos em Lisboa, Ana e Pedro mudaram radicalmente o cenário dos seus dias. Da capital a Varelinha (lugar perto de Ferreira do Zêzere), os mapas indicam 150 quilómetros, pouco mais de uma hora de caminho. Mas, na escala da realidade, são locais tão diferentes que se afastam de forma incomensurável. “Varelinha são só estas três ou quatro casas”, observa Ana, divertida. Contrariando todas as previsões, já vivem ali há dois anos, na antiga casa do seu bisavô. O que os moveu? Procura urgente de quali-

dade de vida. Numa empresa multinacional, como respon-sável de recursos humanos, Pedro sentia-se “sob stresse brutal, cheio de preocupações e incompatibilidades”. Com os níveis de pressão a ultrapassarem os limites do aceitável, surgiu uma solução inesperada. A hipótese de um trabalho para Ana, na zona de Ferreira do Zêzere, desencadeou uma série de contas matemáticas e “reuniram-se os mínimos para tomarmos a decisão”. Pedro despediu-se. “Houve colegas que me chamaram maluco, outros corajoso, mas todos ficaram com inveja – no bom sentido”, lembra. Hoje, Ana trabalha como arquitecta numa empresa a 1.200 metros de casa: “São dez minutos de bicicleta ou quatro de carro”. Almoça em casa todos os dias e, quando chega,

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Nome: ana Cotrim e pedro VarandasIdade: 42 e 45 anosoNde vIvem: Varelinhao campo é… “o sabor dos legumes acabados de colher na horta, o som das cigarras, o cheiro a jasmim e a erva molhada, a vista da terra lavrada no nosso alpendre, sentir o calor da lareira”.

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troca o supermercado pela horta, onde apanha legumes para o jantar. Os filhos frequentam escolas públicas em Ferreira do Zêzere. É um trans-porte da Câmara que vai buscá-los e levá-los todos os dias, gratuitamente. “A redução de custos com a educa-ção é impressionante. Pagamos só 40 euros por mês pelas escolas dos dois”, destaca Pedro como uma das grandes vantagens desta mudança. Mas a maior alteração do dia-a-dia desta família prende-se com a nova ocupação de Pedro. Sem trabalho, resolveu dedicar-se à agricultura. Com a visão própria de um gestor, abraçou um novo projecto: transformar um enorme terreno cheio de erva e mato numa horta e pomar de produtos ra-ros. “Antes era viciado na Fnac, agora sou viciado na Agriloja”, brinca. Com esta nova ocupação perdeu oito quilos e recuperou anos de vida. “Ganhá-mos muito a nível de saúde a longo prazo. O ritmo e a descontração do nosso dia-a-dia não têm comparação. Conquistámos tempo em família. E paz de espírito”, resume Ana. Os filhos têm uma nova liberdade de espaço, contacto com a natureza e tempo com o pai e a mãe em conjunto. Mas será um local de futuro para eles? “Não pensamos muito nisso, pois ainda são pequenos. Sabemos que se quiserem continuar a estudar vão ter de ir para outro lado, mas não dramatizamos a questão”, responde Ana, já com uma calma verdadeiramente rural. BIchINho do campoFoi por causa da filha que a trans-montana Mafalda Milhões tomou uma decisão idêntica à de Ana e Pedro. Na altura vivia “em Lisboa, na Baixa, numa casa com sete assoalhadas,

perto de tudo”. Editora, ilustradora, autora, livreira, desdobrava-se ainda em formações, feiras e inúmeras via-gens. “E depois ainda chegava a casa e tinha de dar 500 voltas como os cães e as pulgas para arranjar estacio-namento… Estávamos tão urbanos, tão urbanos que já não dava mais”, desabafa. Reuniu os clientes na sua livraria infantil na Fábrica da Pólvora, em Barcarena, e disse: “Gostamos muito de estar aqui, mas temos de começar a cuidar da nossa família”. Decidiram então o sítio onde a livraria seria replantada: “No meio do nada,

sem prédios à volta. Num local onde se tivesse brincado muito, onde se visse o mar e um castelo, e com uma árvore com copa tão grande como a livraria onde estávamos”. Missão apa-rentemente impossível. Mas depois de muito procurar, por um acaso Mafalda encontrou uma escola primária aban-donada do tempo do Estado Novo, em Casais Brancos, perto de Óbidos, com todos os requisitos. Há cinco anos que a livraria O Bichinho de Conto mudou de morada. O sonho de Mafalda é viver num terreno ao lado da livraria, mas en-quanto não se concretiza permanece nas Caldas da Rainha, a cinco minutos de carro. A ela juntou-se a mãe que

vivia na Guarda, uma irmã que estava em Águeda e outra que se dividia pelo Porto, Lisboa e Badajoz. “Essa foi a grande conquista desta história. Percebemos que a nossa qualidade de vida passava por estarmos mais juntos e não há dinheiro que pague isso”. Entretanto nasceu mais uma filha e as suas duas meninas “ganharam uma liberdade diferente”. “Na cidade, chegamos a um ponto em que as crianças saem de divisões para entrar em novas divisões. Eu quero que as minhas filhas andem por aí a correr, a subir às árvores, a esfolar os joelhos”. Ao fim-de-semana, em vez de fazer as compras pela internet como em Lisboa, Mafalda vai a pé ao mercado. “Com dez euros faço a minha semana toda de hortaliça e fruta”, diz. E sente que, num piscar de olhos, consegue ter acesso a programas muito dife-rentes: “Vamos ao jardim, ao castelo, à praia, à lagoa. Mesmo tendo de voltar para a livraria para trabalhar, é mais fácil”. Durante a semana, ganhou paz e horizonte. “No campo tudo tem mais profundidade. A rua não acaba ali. E não quer dizer que estejamos em contemplação, mas aqui vemos o dia a acontecer. Ganhamos consci-ência das suas cores, da sua luz”. O saldo da mudança é positivo: “Mesmo nestes tempos de crise tão exigentes e trabalhosos, aqui sinto que tenho a compensação de que, quando me quero sentar, sento-me”. poder sem palavrasDescansar era um luxo a que Frede-rico Lucas não se permitia. Começava a trabalhar antes das 8:00 e termi-nava cerca das 24:00. Em cinco anos aumentou 40 quilos, fruto de uma “ansiedade completamente assassina”.

a vIver Nas caldas da raINha, mafalda mIlhões recoNhece:

“estávamos tão urBaNos, tão

urBaNos que já Não dava maIs”

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Nome: mafalda milhõesIdade: 35 anosoNde vIve: Caldas da rainhao campo é… “o sabor do tempero avinagrado do nosso restaurante preferido, o som da avó e das netas a chamar pelos vizinhos, os cheiros da infância, dos perfumes e cremes centrifugados no amaciador da roupa da nossa nova casa, a visão da matilde, da maria e do Viriato a correr na rua das montras, tocar nas árvores do parque das Caldas”.

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Nome: Frederico LucasIdade: 41 anosoNde vIve: trancosoo campo é… “o sabor do fumeiro, o som dos grilos que avisam o chegar da noite, o cheiro da terra molhada e da lenha queimada das chaminés, a vista da Serra da estrela que avisto do meu escritório, sentir as botas a enterrar na neve e o gelo a derreter na mão”.

Foto: Filipe Pombo/AFFP

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reportagem

“Tinha tempo para tudo menos para viver”, reconhece. Em ruptura com o ritmo dos seus dias em Lisboa, partiu para Trancoso, no distrito da Guarda. “Apesar de me parecer que cheguei ontem, já cá estou há sete anos. As pessoas da terra quando se referem a mim já falam de uma pessoa de Trancoso e não de Lisboa”. Manteve-se como consultor na área da comunica-ção, em regime de teletrabalho, e re-duziu os clientes ao núcleo mais ren-tável. Os rendimentos desceram, mas as despesas também. E muito. “Agora já me habituei a viver com pouco, o que é uma chatice, porque também cobro pouco (risos). Em Lisboa, gasta-mos facilmente 50 euros num dia. Em Trancoso, vivo por menos de 10 euros por dia. No actual contexto é um luxo. Se faço um trabalho e ganho 3.000 euros, consigo um ano de autonomia. Isto é um grande poder”. Ainda hoje o que mais destaca é a capacidade que ganhou de mandar no seu tempo. “Das pessoas com quem trabalho, sou sempre o que termina mais cedo. Páro por volta das 17:00 e os outros ficam muito admirados pois só acabam às 20:00. Vou ter com os meus filhos, comer um gelado, correr ou simplesmente descansar antes do jantar”. Ao fim de todos estes anos, nunca pegou numa enxada. Mas “aprendi a conhecer e a valorizar a ruralidade”. E exemplifica: “Para mim, a chuva já não é a impossibilidade de andar de mota. Já é melhorar os solos e os lençóis de água, verificar se a barragem conseguiu encher. Passou a ter um significado completamente di-ferente”. Reconhece que a sua relação com a natureza “aumentou muitís-simo” e sente-se agradecido: “Faça chuva ou faça sol, o meu filho nunca mais teve problemas respiratórios. A qualidade do ar é fabulosa”. O sentido de comunidade, para o bem e para o mal, é algo que também valoriza muito. “Há pessoas que se

preocupam contigo, mesmo não sendo da tua família. Sou incapaz de sair de Trancoso sem avisar que vou sair, para não estranharem. Há grande entrea-juda”. E no campo ganhou uma tran-quilidade ímpar: “Por mais stressante e exigente que seja o trabalho, ganhei consciência de que o sol na janela do meu escritório entra sempre da mesma maneira, às mesmas horas do dia. Venha o que vier do telefone ou do e-mail, quando saio para tomar café a senhora da pastelaria pergunta-me o que quero sempre da mesma forma e demora o mesmo tempo a servir- -me. É uma segurança que não tenho palavras para descrever”.

vIver com os espINhosMas como em tudo, nem a cidade é a má da fita, nem o campo a derradei-ra salvação. Os protagonistas destas três histórias conseguem claramente identificar os maiores senãos das suas experiências de mudança para o meio rural. Ana Cotrim destaca a diferen-ça de produtividade e organização profissional. “A bitola é muito baixa, trabalha-se muito mal a um nível transversal e é assustador pensar que o Portugal rural é assim…”. Mafalda Milhões concorda: “É difícil despir

Lisboa. O país não está assim todo tão desenvolvido. Em Lisboa tudo é já. Aqui parece que estamos no centro da terra. Tudo demora tempo, por isso a toda a hora pegamos no carro e vamos a Lisboa. Não é fácil sobreviver

só das estruturas locais”. Além disso, as mentalidades são diferentes e é necessário um esforço de adaptação. Mafalda, por exemplo, ainda sente que é vista como emigrante. “Não nos vêem com os melhores olhos. Somos gente que se mexe muito, temos outro ritmo, somos malta que faz e luta contra esta inércia todos os dias”. A Ana também lhe causa impressão a falta de privacidade social. “Ao fim de um mês já toda a gente sabia quem éramos, o que fazíamos, onde morávamos, onde trabalhávamos… e nós não conhecemos as pessoas. Dão muita importância a coisas que em Lisboa já não se dá”. A perda de identidade é outro aspecto apontado por todos. Parece que o campo quer ser cidade. “Temos de propor-nos a encontrar essa dimen-são mais autêntica, porque há uma sede de outra coisa”, constata Mafalda. E Frederico complementa: “As pessoas que vivem nos territórios rurais ten-dem muito para o modelo suburbano. As miúdas de Viseu vestem-se como as de Almada e Odivelas. Há uma descaracterização e uma vergonha de assumir a identidade. Uma pessoa que tem as suas origens no campo tem dificuldade em valorizá-las”.Questionados em relação ao que têm mais saudades de Lisboa e que gosta-riam de teletransportar para as suas novas moradas, rapidamente imagi-nam. Ana Cotrim traria a praia, Pedro Varandas uma mega loja de bricolage, construção e jardinagem, Mafalda Milhões o Teatro Nacional D. Maria e Frederico Lucas, simplesmente, os amigos. Pesando os prós e os contras, nenhum deles voltaria agora à cidade. Pedro deixa apenas uma das razões: “Levantar-me de manhã, tomar o pe-queno-almoço e vir beber o meu café para o alpendre, com esta calma e os pássaros de fundo… Tenho a certeza que haveria milhares de pessoas que dariam muito para ter isto…”.R

“há pessoas que se preocupam coNtIgo,

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George Clooney não recebe prémios apenas pela sua capacidade de representação. Em 2008 as Nações Unidas nomearam-no “mensageiro da paz” Fo

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Clooney, o aCtivista. What else?Filho de um conhecido jornalista e apresentador de televisão, GeorGe clooney percebeu desde cedo que a Fama é uma espécie de casaco que se despe quando se cheGa a casa. para o senhor nespresso a popularidade só vale alGuma coisa se For usada ao serviço dos outros. Texto Teresa Ribeiro

Fotos Cedidas e Wikipedia

O pai nunca lhe deu hipótese. Se cedesse ao deslumbra-mento teria, provavelmente de suportar o seu olhar desde-nhoso, por isso nem quando foi eleito por duas vezes pela revista People “o homem mais sexy do mundo” sucumbiu ao próprio encanto. George Clooney não rejeita o estatuto de galã de Hollywood, mas leva-o pouco a sério. Nick, o pai, ensinou-lhe que um homem vale pelo carácter e esse revela-se pela forma como se está no mundo.Senhor de uma ética rigorosa e forte espírito cívico, o pai Clooney deu sempre o exemplo, envolvendo-se em causas sociais, políticas e humanitá-rias. George, que nunca escondeu ter no progenitor a principal referência, seguiu-lhe naturalmente os passos. No ano passado esteve com ele lado a lado numa ma-nifestação de apoio aos refugiados do Darfur, região do Sudão onde campos de refugiados têm sido fustigados por milícias pró-governamentais que combatem movimentos

separatistas. Os dois foram presos, juntamente com um grupo de congressistas à porta da embaixada daquele país em Washington. Os media registaram que Clooney forçou a prisão, ultrapassando a área de segurança da embaixada, com o objectivo de obter mais publicidade para a causa. A forma como se dirigiu às câmaras revelou, segundo os

repórteres, preocupação em falar das vítimas do Darfur e não do seu amor ao próximo, como tantas vezes acontece com as “estrelas activistas” de Hollywood.“A minha versão doutrinária vai neste sentido: aqueles que têm mais sorte com as circunstâncias têm sempre o dever de ajudar aqueles que a vida vai deixando para trás. Os

mais afortunados têm o dever de proteger os outros”, afir-mou ao semanário Expresso numa entrevista que concedeu em Novembro de 2011, por ocasião da estreia do filme Nos Idos de Março, thriller político baseado num escândalo que

Clooney tem no pai a prinCipal referênCia.

detentor de uma étiCa rigorosa e espírito CíviCo, inspirou-o a

seguir-lhe os passos

rosto

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aconteceu nas eleições presidenciais de 2004 nos Estados Unidos, o tipo de tema que mais o estimula no trabalho de actor e cineasta.

perCurso esforçado George nem sempre foi popular. Em criança, quando sofreu de paralisia fa-cial durante um ano, foi vítima de par-tidas e piadas por parte dos colegas. A experiência, recorda, tornou-o mais forte. Na adolescência sonhou ser jogador de baseball profissional, mas apesar dos esforços não conseguiu um contrato. Andou à deriva, acei-tando empregos ocasionais: vendeu fatos, trabalhou como operário numa fábrica de tabaco, até que se lembrou de tentar uma carreira na televisão. Em 1978 começou a fazer pequenos papéis na TV, dando início a uma travessia do deserto que só terminou em 1994, quando o convidaram para o papel de Dr. Doug Ross na série E.R. (em português Serviço de Urgência). A fama veio aos 33 anos, quando já levava mais de 15 de carreira.Este percurso tê-lo-á ajudado a relati-

vizar o sucesso porque hoje, quando o interrogam sobre si, ironiza, revelando que não se leva demasiado a sério. Quando em 2011 lhe perguntaram o que sentia por já ter feito 50 anos, respondeu: “Sinto-me muito bem, obrigado. Ainda consigo dizer estas palavras todas sem me babar ou ficar gago, como pode verificar”. Sobre a vida íntima Clooney foge às pergun-tas com o mesmo sentido de humor. Forma inteligente de lidar com a exposição inevitável do seu estatuto de

estrela, sendo que na hora certa re-verte a publicidade a seu favor, dando visibilidade ao que verdadeiramente lhe interessa: a carreira e as causas humanitárias.

missão possível: sudãoNuma entrevista concedida em Janeiro de 2001 à CNN o actor revelou que foi em 2000, ao ler no New York Times um artigo denunciando o que se pas-sava no Darfur, que sentiu vontade de se levantar do sofá e contribuir para que a situação mudasse. A verdade é que até hoje os problemas huma-nitários do Sudão continuam a ser a sua causa bandeira. O activismo pelo povo perseguido naquele país africano levou-o a discursar em fóruns im-portantes, como nas Nações Unidas e na Casa Branca. Recém-chegado de uma viagem ao Cordofão do Sul, outra região separatista que tem sido massacrada pelo poder sudanês, dis-se no ano passado a uma comissão do Senado norte-americano que “o presidente Omar-al-Bashid e os seus colaboradores estão a provar que são os maiores criminosos de guerra

deste século”.Pelo Darfur George Clooney viajou até à China e ao Egipto em missão diplomática para sensibilizar estes aliados do Sudão para a necessidade

estrela de hollywood, o aCtor não leva a

fama a sério, mas tira partido da exposição públiCa para divulgar

as suas Causas

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de impor sanções ao regime vigente, em particular ao presidente Omar al-Bashir, sobre o qual impende um mandado de captura do Tribunal Penal Internacional por crimes contra a humanidade. E até escreveu uma carta aberta a Angela Merkel pedindo a atenção da União Europeia para o flagelo dos sudaneses.Seguindo a cartilha paternal que o en-sinou que quando se faz alguma coisa deve ser bem-feita, o senhor Nespres-so não descura o trabalho de casa. “Estudo as causas a que me dedico com muita atenção, porque entendo que quando me envolvo tenho de sa-ber muito bem do que estou a falar”, disse à CNN (Janeiro de 2001). Desde 2005 o actor já se deslocou seis vezes às zonas de conflito no Sudão, mas também visitou o Chade onde tem ocorrido muita violência na sequência de repetidos golpes de Estado. Em 2006, numa dessas viagens, foi acom-panhado pelo pai para a região do Darfur onde filmou bombardeamentos sobre campos de refugiados, imagens impressionantes que deram origem a

dois documentários, Sand and Sorrow e Darfur Now, que correram mundo.

mensageiro da pazPara conseguir mais alcance para a sua luta associou-se à Enough Project, organização não governamental financiada por diversas instituições de ajuda humanitária que tem acom-panhado vários palcos de conflito em África, como República Democrática do Congo, Somália e Sudão, promovendo campanhas de sensibilização da opi-

nião pública e recolhas de donativos. Mas a sua própria ONG, Not on Our Watch, viria a nascer em 2008 com Brad Pitt, Matt Damon, Don Cheadle, entre outras estrelas, também na

mesma direcção. Além de campanhas de angariação de fundos e de de-núncia das atrocidades dos senhores da guerra no continente africano, a Not on Our Watch pôs em marcha o Satellite Sentinel Project, programa de vigilância com satélites que tem como objectivo obter imagens em tempo real nas zonas de guerra. Em 2010, quando foi lançado, estaria prestes a decorrer o referendo que deu inde-pendência ao Sudão do Sul, em Janei-ro de 2011. Receando que a repressão aumentasse sobre os separatistas a ponto de evitar a secessão, Clooney decidiu entrar na guerra fazendo de Big Brother: “Queremos avisar possíveis responsáveis por genocídio e outros crimes de guerra que esta-mos a observar, que o mundo está a observar”, disse em comunicado.Todas estas iniciativas revelaram uma faceta que lhe granjeou respeito,

admiração e reconhecimento público. Em 2008 as Nações Unidas nomea-ram-no “mensageiro da paz”. A revista Times incluiu-o em 2007, 2008 e 2009 na lista das cem pessoas mais

Clooney dediCa-se Com afinCo ao que defende: “quando

me envolvo tenho de saber muito bem do que estou a falar”

Clooney chega aos grandes líderes mundiais para defender as suas causas. Ao lado, com o presidente norte-americano, Barak obama, durante um encontro em outubro do ano passado. Em cima, o actor como Embaixador da Boa Vontade das Nações Unidas na cidade de Abéché, no Chade

rosto

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influentes do mundo e ainda este ano recebeu em Baden Baden, Alemanha, o German Media Prize pelo seu acti-vismo. O juri descreveu Clooney como um “extraordinário ícone da indústria cinematográfica, e ativista único para as causas humanitárias e de paz”. No seu entender, “o actor tem usado a popularidade e a fama para atrair a atenção para crises e conflitos que têm sido suprimidos da consciência públi-ca”. O prémio é entregue anualmente a pessoas que se destacam na política ou ajuda humanitária desde 1992 e já foi atribuído a personalidades como Helmut Kohl, François Mitterrand, Yasser Arafat, Nelson Mandela.

Clooney verdeMas o activismo de Clooney não se esgota no auxílio aos povos opri-midos de África. Quando a revista Vanity Fair fez o primeiro número verde, em 2006, o actor foi convidado a juntar-se a um grupo de estrelas com preocupações ambientais para abrilhantar a edição. Promotor da campanha Oil Change, destinada a diminuir a dependência do petróleo estrangeiro e a ensinar os norte-ame-ricanos a reduzirem o consumo deste recurso, foi apontado como vedeta pró-ambiente. Lançou a campanha pouco depois da estreia do filme Syriana, thriller de 2005 que denuncia o papel da indústria do petróleo na geopolítica e as suas ligações crimi-nosas. Obedecendo às suas regras de consistência, Clooney entendeu que

se denunciava as ligações perigosas do sector petrolífero num filme, tinha de lhe dar seguimento na vida real. E ficou célebre a frase que proferiu quando anunciou a Oil Change: “Se fazes um filme sobre o consumo e a corrupção no mundo do petróleo, não podes apenas falar sobre o assunto, tens de fazer o caminho”.Mais tarde, em 2007, quando lhe perguntaram numa entrevista à re-vista Time se também se considerava ambientalista, deu uma das muitas respostas que têm ajudado a opinião pública a formar uma ideia sobre

o seu carácter: “Não queres ser o porta-voz de uma causa a não ser que estejas completamente comprometido com ela. Têm-me pedido para repre-sentar alguns grupos ambientalistas. De facto, sou grande defensor da pro-tecção do ambiente, tenho dois carros eléctricos, mas também uma grande fraqueza: voo em jactos privados”. O galã de Hollywood também tem apoiado, sem complexos, a causa gay, através de depoimentos públicos e participação em iniciativas organiza-das pelos movimentos gay e lésbico.

Defende o casamento entre pessoas do mesmo sexo uma vez que conside-ra que “gays e lésbicas – como todos seres humanos – nasceram com a mesma dignidade e direitos”.

intervir através dos filmesBasta consultar a filmografia de Clooney para perceber como a vida artística começou a convergir com a do activista. Lendo com atenção as entrevistas que o actor e agora cine-asta deu nos últimos anos, percebe-se que a conversa se solta quando deriva para os temas sociais e políticos que lhe interessam, os que marcam a vida do planeta e lhe estimulam a criatividade.A política, confessa, sempre o apai-xonou. De resto chegou a estudar Ciência Política na Universidade. A linguagem do cinema, livre dos constrangimentos do jornalismo, que precisa de provas para acusar, permite-lhe questionar, enfrentar os diferentes poderes, denunciar os seus podres: “Gosto muito de dizer umas coisas sobre a corrupção do sector financeiro e empresarial através de filmes como Michael Clayton. E tive imenso prazer em participar em fil-

mes como Syriana. Falo nesses temas como falo na responsabilidade de uma imprensa livre. É nesse papel que me sinto melhor. Com a vantagem de que não tenho de responder pelo que faço. O meu único julgador é o público que compra bilhetes”, afirmou em entre-vista ao Expresso.Elegante, inteligente, com sentido de humor e sem falhas graves de carácter que se conheçam, o senhor Nespres-so parece perfeito de mais para ser verdade. Por isso um dia destes ainda lhe descobrem um defeito.R

nos últimos anos a vida artístiCa do senhor nespresso

tem vindo a Convergir Com a sua veia

de aCtivista

o charme de George Clooney ultrapassa as películas de Hollywood. Ele é também o rosto dos anúncios da marca de café Nespresso

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1 – Trocas Novo ou em 2.ª mão? Porque as boas notas não dependem de livros ou mochilas a estrear, crie uma rede de troca de artigos escolares entre familiares e amigos. Há grupos online como o Banco do Livro Escolar (www.facebook.com/Banco.do.livro.escolar), através do qual pode trocar os manuais de que já não precisa pelos do próximo ano lectivo.

2 – Online Esteja atento a promoções e descontos das editoras. Por vezes, encomendar os livros escolares online e com antecedência significa redução de custos. Optar pela livraria do seu bairro também é boa escolha: não só valoriza o comércio tradicional, como pode deslocar-se a pé, reduzindo a pegada ecológica dos manuais.

3 – Materiais Antes de comprar uma mochila verifique que a actual já

não tem utilidade. Com um pouco de imaginação, não será possível dar-lhe novo visual? Coser pedaços de tecido ou emblemas, colocar pins e crachás, pintá-la, são algumas possibilidades. Se adquirir uma nova atente na qualidade dos materiais (é importante que sejam duráveis) e dê um destino solidário à anterior. Se possível, opte por cadernos cujo papel provém de florestas certificadas.

4 – Reciclados Cada vez há mais soluções verdes, mesmo em materiais como canetas, marcadores, réguas, lápis… A BIC, por exemplo, tem uma gama eco, com esferográficas produzidas com materiais reciclados. Também a

Maped criou a linha Greenlogic, com oferta de borrachas, réguas, compassos, agrafadores, tesouras, entre outros, em materiais reciclados, sem PVC nem ftalatos. Procure: há muitas marcas rendidas a estas soluções sustentáveis. E não são, necessariamente, mais caras.

5 – Lista Na hora de ir às compras não se deixe levar pelas promoções nem pelo entusiasmo do momento. Faça com o seu filho, antes de saírem de casa, uma lista dos materiais que têm mesmo de comprar e explique--lhe que um novo ano lectivo não rima com todos os materiais a estrear. A reutilização é benéfica para o planeta (e para a carteira), e pode ser divertida!

6 – Transporte De acordo com a idade do seu filho e a zona onde vive, privilegie a rede de transportes públicos nas deslocações para a escola. Ir a pé ou de bicicleta também são boas opções, assim como os transportes escolares, caso existam. Se for mesmo necessário levar o seu filho de carro para a escola, crie um sistema de boleia com outros pais.

7- Extracurricular Incentive o seu filho a participar em projectos e acções ambientais desenvolvidos pela escola: oficinas de reciclagem, hortas urbanas, defesa dos animais, jornal do planeta…R

EcO REgREssO às auLas

planeta verde

O VErãO NãO DurA PArA SEMPrE E EM BrEVE COMEçA MAIS uM ANO LECTIVO. A BOA NOTíCIA? NA HOrA DE COMPrAr CADErNOS E MANuAIS ESCOLArES é POSSíVEL POuPAr NA CArTEIrA E NO AMBIENTE. Texto Teresa Violante

Foto Thinkstock

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pequenos gestos

eco comunicadora

Actriz e ApresentAdorA, cláudiA semedo é, Antes de mAis, comunicAdorA nAtA. tAlentosA e ApAixonAdA pelo que fAz, foi o rosto de progrAmAs dedicAdos Ao Ambiente e à cidAdAniA ActivA, como Desafio VerDe e 5 Dias, 5 Causas. encontros felizes entre interesses pessoAis e projectos profissionAis.Texto Teresa Violante

fotos filipe Pombo/affP

Para Cláudia Semedo não houve um clique nem uma revelação: desde que se conhece que tem comporta-mentos amigos do ambiente, praticados sem esforço e perfeitamente integrados nas rotinas do dia-a-dia. Mas uma experiência tão marcante como a maternidade não podia passar ao lado destes cuidados. “Claro que com o nascimento da minha filha surgem novos hábitos, rotinas e formas de poupar e aproveitar os recursos que temos”, afirma. Exemplos? Em vez de deitar fora a água do banho da bebé, Cláudia utiliza-a para a descarga da sanita. “É um dos hábitos mais recentes que adquiri”. Ela está sempre disposta a integrar eco soluções no seu dia-a-dia. Pequenos gestos que, no final de contas, surtem grandes efeitos. “Acho que as coisas só se tornam grandes pela soma das partes. O único mundo que podemos mudar é o nosso e através da nossa mudança e dos nossos hábitos”, sublinha. Por isso retirou lições de programas televisivos que apresen-tou relacionados com esta temática, exibidos na RTP2: Desafio Verde e 5 Dias, 5 Causas. “Havia coisas que não me passava pela cabeça que podiam ter o impacto que têm”, reconhece. Como os sacos de plástico, que deixou de usar quando vai às compras. Mas há muito que a actriz e apresentadora zela pelo planeta. “A reciclagem é um hábito muito antigo, sempre tive o cuidado de ter lâmpadas economizadoras em casa e redutores de caudal nas torneiras, e cheguei a ter uma garrafa de litro e meio cheia de areia dentro do autoclismo porque não necessitamos de tanta água para

as descargas”, enumera. “Eu sou a chata que anda atrás de toda a gente a apagar as luzes, os aparelhos”, admi-te. Cuidados que se traduzem em poupança de recursos ambientais, mas também económicos. “Porque desligar as luzes significa também parar o contador. E quem diz a luz, diz a água. Era bom que as pessoas tivessem essa consci-ência”, alerta. Também na hora das refeições Cláudia Semedo segue princípios ambientais. “Muitas vezes vou com o meu ma-rido à Costa da Caparica ao encontro dos pescadores para termos peixe acabado de apanhar. As pessoas só pensam nas embalagens, que é o mais visível, mas há a questão dos transportes que os produtos precisam para chegarem

aos supermercados e a nossa casa”, alerta. As hortaliças e frutas são biológicas, encomendadas todas as semanas a um primo que tem uma horta e criou um projecto de entrega de cabazes ao domicílio. Em casa da actriz consome-se o que a natureza dá, na altura certa. “Esperamos para comer os morangos, as nêsperas… Sinto que a velocidade dos tempos obrigou-nos a uma grande mudan-ça da nossa percepção do próprio

tempo e da nossa disponibilidade; queremos tudo para ontem. Ao deixarmos de saber esperar, também deixámos de saborear a surpresa, a saudade, o regresso das coisas”. Com o consumo ao ritmo das estações, a actriz recupera esse prazer. “Quando chegam as primeiras cerejas no cabaz fico feliz. Gosto desses tempos e de saborear esses tempos. Espero conseguir passar isso à minha filha”.r

“Só conSeguimoS mudar o noSSo

eSpaço local. e Se cada um conSeguir mudar o Seu, iSSo

depoiS Será global”

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em palco, em frente às câmaras ou na vida do dia-a-dia, Cláudia semedo é uma defensora do ambiente. por isso conversou com a ReCICLA no teatro Municipal Amélia Rey Colaço, em Algés, onde representava a peça Em Cima das Árvores. porque em todos os momentos da nossa vida é possível praticar eco hábitos

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cara bem conhecida dos espectadores, cláudia semedo nasceu em oeiras, em 1983. Actriz, participou em várias séries televisivas – mais recentemente Maternidade exibida na rtp –, e em filmes como o Crime do Padre amaro. cláudia é também o rosto de vários programas de televisão, em especial Nós, em exibição na rtp2, dedicado às “problemáticas da imigração, a perspectiva que um estrangeiro pode ter de portugal e aquilo que portugal tem para lhe oferecer”, resume. é entre estas três áreas que se sente realizada. “dá-me prazer a possibilidade de fazer de tudo. o que gosto verdadeiramente é de representar e comunicar. e, para mim, a representação é uma forma

de comunicação”, diz. “só me sinto completa com esta azáfama profissional, a possibilidade de um dia estar a gravar um programa e a entrevistar pessoas, conhecer novas ideias, novas vidas, e estar em palco a criar personagens e a viver outras situações”. registos que implicam diferentes formas de trabalhar: “no teatro beneficiamos imenso por estar em contacto directo com o público que nos está a ver. As nossas energias enquanto actores e as energias do público cruzam-se e cada espectáculo é único”. quanto ao pequeno ecrã, cláudia apelida-o de ginásio dos actores: “sinto que treino imenso a minha memória”. já o cinema, “tem uma magia diferente”. três formatos, o mesmo talento.r

noS baStidoreS em palco, a luz é um elemento essencial que acompanha (e enfatiza) a intensidade das cenas. também nos bastidores é importante. contudo, pode (e deve) ser feito um uso racional da iluminação. por isso, nos camarins do teatro municipal Amélia rey colaço, em Algés, onde cláudia participou na peça em Cima das Árvores, optou-se por lâmpadas economizadoras, acesas apenas durante o tempo necessário.

trêS coreS, um ecoponto Amarelo, verde e azul dão cor aos cestos colocados no bar do teatro municipal Amélia rey colaço, prontos a serem usados por actores e espectadores num espaço de cultura que não dispensa a separação dos resíduos domésticos. por razões inerentes à actividade, ali o papel é o material mais separado, diz a actriz.

Vontade de fazer

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pequenos gestos

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doiS em umcláudia passou a andar sempre com um saco reutilizável na mala para evitar o gasto desnecessário de sacos de plástico. enquanto representava a peça em Cima das Árvores, aproveitava a deslocação para o teatro para, num momento de pausa, fazer as compras para casa num supermercado ali próximo. maximização do tempo e das deslocações. e menor pegada ambiental.

do elenco para quem preciSa As roupas usadas em cena pelos elementos da companhia de Actores ganham nova vida depois das peças de teatro terminarem. “não fazia sentido acumular roupa no armazém”, diz cláudia semedo. Assim, são separadas e doadas, no âmbito do projecto de responsabilidade social da companhia, Ampliarte. “trabalhamos nos bairros dos navegantes e da outurela [oeiras] com os miúdos para encontrarem uma ampliação através das artes, formas de pensar e de ver a vida através do contacto artístico, neste caso o teatro”.

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tendências eco

Belezasem aditivos

Do creme hiDratante ao champô, perDemos conta à quantiDaDe De proDutos De cosmética e higiene pessoal que usamos Diariamente. se pensa que as Diferenças entre marcas resumem-se ao aroma e ao preço, Desengane-se. a cosmética não é toDa igual. Texto Teresa Violante

Fotos Thinkstock

De tez e cabelos claros, as irmãs Rita e Cátia Curica abriram em 2009 a primeira loja de cosmética biológica em Por-tugal. “Nasceu de uma necessidade pessoal”, diz Rita. Com dermes muito reactivas, tinham dificuldades em encontrar produtos adequados às suas características. Adeptas da agricultura biológica, renderam-se também à cosmética biológica. E trouxeram o conceito para Portugal, com a inauguração da primeira loja Organii no Chiado, em Lisboa.

À qualidade dos produtos aliam uma cadeia de valor em respeito pelo ambiente e pelas pessoas.

A oferta é vasta, de cremes de rosto a loções de corpo, de

maquilhagem a cui-dados de higiene. O sector da cosmética natural está em cres-

cimento. Segundo um estudo lançado em Novembro de 2011 pelo Organic Monitor, empresa de investigação e consultoria do Reino Unido especializada em produtos biológicos, o mercado dos produtos de cosmética natural terá atingido 9 mil milhões de dólares nesse ano. E estima--se que chegue a 14 mil milhões de dólares em 2015. As preocupações verdes estão na ordem do dia e a cosmética não passa ao lado desta causa. Marcas afamadas e mesmo centenárias desenvolvem linhas eco, adoptam medidas sustentáveis, apostam em ingredientes biológicos. Por outro lado, cresce a procura em torno de soluções caseiras, feitas o mais natural possível, livres de aditivos ou conservantes. Não admira, por isso, que os workshops de cosmética natu-ral estejam em voga. “As pessoas estão mais preocupadas com os produtos que usam, não só pelos efeitos na pele e na saúde, mas também porque estão mais sensibilizadas para a sustentabilidade ambiental. Não esquecendo ainda

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o aspecto económico”, refere Irene Morais, formadora, que tem proposto estas acções a entidades como centros de monitorização e interpretação ambiental e núcleos da Quercus. Com recurso a ingredientes do dia-a-dia como frutos, mel, produtos lácteos, flocos de aveia e amêndoa, ensina a preparar loções de limpeza de pele, tónicos faciais, esfoliantes de rosto e corpo, máscaras de rosto e cabelo, e bálsamo labial. “Os produtos obtidos são perfeitamente alternativos aos de cosmética industrial, essencial-mente para manutenção de um bom estado da pele e do cabelo; não tanto em situações de tratamento de pele”, ressalva.

Natural é bom? Também Francisca Vidal prepara cosméticos caseiros. O que começou em Dezembro passado “com pequenas experiências de sabão” é hoje a marca Da’Ki, em processo de certificação. “Temos uma gama de sabão 100% azeite com argila, limão e mel, cereja do Fundão, limão e hortelã, pimenta e canela, chá de camomila e erva-prín-cipe e pigmento natural ultramarino com alecrim”, enumera. Há ainda uma linha de hidratantes labiais com óleo de amêndoas doces e cera de abelha com aromas de alecrim, alfazema, citronela e mel. A Da’ki privilegia as matérias-primas da região onde nasceu, a Cova da Beira, o que faz “com que seja algo muito distintivo”, diz a mentora deste projecto. Os óleos essenciais utilizados são certificados e biológicos, garante. Aperfeiçoar os cremes de corpo e continuar a criar novos sabões são os passos seguin-tes. Para Francisca não há dúvidas de que “o que é natural é bom, até porque é feito com carinho e de forma artesanal. Não usamos químicos, o sabão tem o tempo certo de cura e é pensado como se fosse único, colocan-do em cada um propriedades ricas e distintas”. Conceituada dermatologista, com con-sultório em Lisboa, Manuela Cochito tem dúvidas quanto a estas soluções. “Enquanto os cremes convencionais

obedecem a um conhecimento cien-tífico apurado nos últimos 100 anos – em que se excluíram substâncias várias que se demonstrou poderem ser nocivas –, e são submetidos a um enorme número de testes, os ditos artesanais ou ‘naturais’ desperdiçam esse saber e investigação para voltar décadas atrás”, afirma. E acrescenta: “Na natureza encontramos muita coisa boa, sem dúvida, mas também os maiores venenos, alérgenos e substâncias tóxicas”. Além disso, a maior parte dos cremes convencionais usam “ácidos de frutas, isoflavonas e muitos outros extractos de plantas”. A diferença reside na forma de proces-sá-los e conservá-los, diz. Diferença que não é, de todo, inócua, conside-ra Rita Curica, da Organii. “Quando analisamos a composição de um cosmético bio e de um convencional, a parte onde são mais parecidos é nos princípios activos. E acredito que os nossos são ainda mais eficazes porque esses extractos são obtidos de forma ainda mais pura”, defende. Além disso, os cosméticos convencionais usam substâncias que o nosso organismo não processa, como os derivados do petróleo, adverte. Mais: “O que se pro-cura na cosmética biológica é estimu-lar as propriedades naturais da pele, sempre dentro daquilo que consegue fazer de forma natural e eu diria, até, saudável”, explica Rita. Escolhas coNsciENtEs Com o lançamento da primeira loja de cosmética biológica em Portugal (hoje existem mais três espaços Organii), Rita e Cátia Curica quiseram, desde logo, “trabalhar para a informação das pessoas, para que possam fazer escolhas em consciência”. Até porque o sector da cosmética carece de legisla-ção que regulamente práticas e defina designações como cosmética natural. “Natural quer dizer que tem extracto natural. Podemos ter um produto com 1% ou 2% de um extracto natural – que até pode ser obtido de forma sintética – e chamá-lo de produto natural, ao qual podemos adicionar derivados de petróleo”, lamenta Rita Curica. E se

atenção aos rótulos! na hora de escolher um produto – creme facial, loção de corpo, champô, … – há substâncias que deve evitar. The campaign for safe cosmetics, coligação norte- -americana lançada em 2004 que procura proteger a saúde dos consumidores e dos trabalhadores do sector, destaca alguns:

triclosaN agente antimicrobiano que se acumula no nosso organismo relacionado com alterações hormonais e o aparecimento de bactérias resistentes a antibióticos. podem surgir em sabonetes e detergentes antibacterianos, desodorizantes, pasta de dentes.

almÍscar siNtético (musK siNtético) classe de químicos adicionada como aromas sintéticos a perfumes, loções, ... estudos relacionam o musk sintético a alterações hormonais e sensibilidade da pele ao sol.

FormalDEÍDo comum em champôs e géis de banho, previne o desenvolvimento de bactérias em produtos à base de água, mas pode ser absorvido através da pele. associado à sensibilidade na pele e ao cancro, a união europeia limitou o uso de formaldeído em produtos de higiene pessoal e exige que todos os que usam este ingrediente refiram-no de forma explícita.

Ftalatos usados nos cosméticos para fixar cores e perfumes, são associados a alterações no sistema hormonal, baixa qualidade espermática, infertilidade e cancro de mama.

paraBenos comuns em champôs, condicionadores, loções de limpeza facial, são utilizados para prevenir o desenvolvimento de micróbios. estudos relacionam-nos com o aparecimento de cancro, alterações endocrinológicas, irritação na pele, .... os mais comuns nos cosméticos são ethylparaben, butylparaben, methylparaben e propylparaben.

e ainda… Butylene glycol, clyclomethicone, Dimethicone, ethylene glycol, mineral oil, eDta, monoethanolamine (mea), Butylated hydroxytoluene, parafinum liquidium, petrolatum ou Vaselina, polyethylene glycol (peg), polypropylene glycol (ppe), sodium lauril sulphate, Diethanolamine (DDa), triethanolamine (tea), propylene glycol e aluminum chlorohydrate (fonte: organii)

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tendências eco

a agricultura biológica tem preceitos e obrigações que tem de seguir, o mesmo ainda não sucede no universo da cosmética. Daí que as certificações sejam impor-tantes, sobretudo para ajudar o consumidor. A Ecocert surgiu em 1991 em França (três anos de-pois em Portugal), e estabeleceu em 2003, com o envolvimento dos vários intervenientes na ca-deia de valor, padrões para cos-méticos naturais e orgânicos. Os standards Ecocert definem que os ingredientes usados derivam de fontes renováveis, preparados em respeito pelo ambiente. Parabe-nos, PED, perfumes sintéticos, entre outros químicos, não são permitidos. Apesar de terem ligeiras diferenças entre si, a Ecocert exige que os selos Organic e Natural tenham, no mínimo, 95% do total dos ingredientes de ori-gem natural. Quanto às embalagens,

têm de ser em materiais biodegra-dáveis ou recicláveis. Outra entidade certificadora é a Cosmébio, criada em 2002, responsável por dois guias registados no ministério francês da

indústria. Quer para o rótulo Bio quer para o Eco define que, pelo menos, 95% dos ingredientes ou derivados sejam de fontes naturais. Depois, exige que para o rótulo Bio pelo menos 95% dos ingredientes vegetais e 10% dos constituintes sejam de produção biológica, valores que passam para 50% e 5% respectivamente, no caso do rótulo Eco. A certificação não é obrigatória, deve partir das marcas, mas é um selo de

qualidade. E útil, ou não fossem os rótulos dos produtos de cosmética e higiene corporal difíceis de interpre-tar para grande parte da população. Para dar uma ajuda, a Organii criou

um cartão com a lista de alguns ingredientes a evitar (ver caixa “Atenção aos rótulos!”). “Até que se prove que um produto é nocivo, é permitido”, lamenta Rita Curica, referindo, a título de exemplo, a polémica em torno dos parabenos, que continuam a integrar a lista de constituintes de vários artigos. “Quanto aos cuidados a ter quando compra-mos cosméticos, penso ser quase

impossível a um leigo na matéria en-tender-se só pelos rótulos”, reconhe-ce a dermatologista Manuela Cochito. “Existem tantas substâncias e tantos conservantes que não podemos ser simplistas”. Se tem dúvidas, infor-me-se. E peça ajuda a especialistas. Afinal, um creme é muito mais do que a textura, aroma e preço.R

cErtiFicaçõEs Da EcocErt ou cosmébio ajuDam a DistiNguir os proDutos. mas é importaNtE sabEr

DEciFrar os rótulos

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ReciclaRescovas de dentes?

sim, é possível De três em três meses é hora De muDar De escova De Dentes. onDe colocar a antiga? no lixo? no ecoponto amarelo? não. a resposta é DaDa por Dois projectos portugueses que aliam sustentabiliDaDe e saúDe oral. Texto Teresa Violante

Fotos Filipe Pombo/AFFP

À pergunta como é que se lembrou de reciclar escovas de dentes, José Pedro Gomes, 25 anos, responde com outra interrogação: “Como é que nunca me lembrei disso antes?”. Afinal, há um quarto de século que cuida da sua saúde oral, tendo já trocado de escova inúmeras vezes. “Estava no último ano da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa, ia trocar de escova e questionei-me: onde colocá--la? Em casa os meus pais adoptaram uma filosofia verde – e muito bem – e

ficámos a pensar nisso”, recorda. Pro-curou em sites e blogs e concluiu que uma vez inutilizada a escova devia ser colocada no lixo comum, encaminhada para inceneração. “Olhei para a escova, parecia-me toda de plástico, e pesquisei empresas para ‘tirar a limpo’ se as escovas de dentes podiam ou não ser recicladas”, recorda. Do outro lado perguntavam--lhe quantas toneladas tinha, mas mais do que números o então jovem finalista do curso de higiene oral tinha

uma curiosidade genuína. A procura continuou até que chegou à Crokplas-tik – Reciclagem e Transformação de Resíduos, Lda, sedeada em Setúbal. “Foi a primeira que me disse: ‘Nunca ouvi falar em reciclagem de escovas de dentes, mas venha cá”. Com 50 escovas, reunidas entre familiares e amigos, José Pedro conversou com os responsáveis da empresa que, sem método para reaproveitar aqueles materiais, aceitaram o desafio de encontrar uma solução. Até porque,

eco-empreendedores

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“depois de identificar os elementos constituintes da escova, a empresa disse-me que existia valor de mercado do resíduo”, lembra. Nascia assim o RED Projet, fruto da curiosidade de um jovem estudante universitário, determinado e com es-pirito empreendedor. “Tivemos o pri-meiro contacto em Outubro, depois eu estava em exames, só em Dezembro é que começámos a trabalhar. No início do ano chegámos à separação dos materiais e encaminhamento do resí-

duo, ou seja, para além da reciclagem conseguimos um produtor que fica com o material reciclado das escovas para fazer cestos, alguidares, caixas de arrumos, etc.”, congratula-se. Pequenos recicladores Noutra zona do país, em Massamá, Lídia Veludo, higienista oral à frente da EspecialDente – Clinica Médica e Dentária, também sentiu essa vonta-de: dar um final útil a um instrumento tão comum no dia-a-dia. “Implemen-

tei o projecto Ecoescovinha partindo do pressuposto que devia colocar as escovas de dentes no ecoponto amarelo. Achava que mal ou bem seriam encaminhadas para algum lado”, lembra. Até que telefonou para a Sociedade Ponto Verde e informa-ram-na de que no ecoponto amarelo coloca-se plástico, sim, mas de emba-lagens usadas e não de outros artigos. Mas “há imensas coisas no interior das embalagens que são de plásti-co e que têm de ter algum destino”,

Aos 25 anos, José pedro Gomes procurou uma solução eco para as escovas de dentes usadas. e encontrou-a. mais: já alargou o conceito de revalorização a outros instrumentos de saúde oral

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contrapôs Lídia, que procurou ajuda junto da ONG ambiental Quercus, actual parceira do projecto. Solução encontrada: Extruplás, empresa que cuida dos resíduos de embalagem de plástico mistos, transformando--os em peças de mobiliário urbano após serem triturados e derretidos a altas temperaturas. A iniciativa Ecoescovinha foi imple-mentada em Outubro do ano passado em ambiente escolar, nos mega-agrupamentos Stuart de Carvalhais, em Massamá, e Miguel Torga, em Queluz, integrando um projecto mais abrangente desenvol-vido por Lídia Veludo: Miúdos Op-timistas, Miúdos Saudáveis. Nesse âmbito, e em prol da higiene oral e da prevenção das doenças orais, re-alizaram 200 sessões de saúde oral, envolvendo cerca de 5.000 crianças e jovens. “Fez-nos sentido dar um destino às escovas, caso contrário iriam para a incineração ou aterro sanitário”, afirma a higienista. “Para promover o projecto propusemos às escolas um desafio: recolherem, no mínimo, 250 escovas usadas, e oferecíamos 50 kits de higiene oral novos para as crianças com mais necessidades”. Uma iniciativa de responsabilidade social da Especial-Dente, que não concebe a vertente da sustentabilidade sem a compo-nente pedagógica da saúde oral.

escova a escova As 50 escovas reunidas por José Pedro Gomes foram apenas o início. Volvidos dois meses e meio o RED Projet tinha enviado mais de 2.000 para reciclagem. Em Junho, o jovem higienista oral já não falava em números, mas em quilos, prova da adesão ao projecto: “Temos cerca de 26 quilos. Cada escova pesa cerca de 20 gramas”, aponta. Depois dos supermercados/hiper-mercados é nas farmácias que mais se vendem escovas de dentes. Como seria mais complicado colocar um ponto de recolha nos primeiros, José Pedro optou pelas segundas. De iní-cio, firmou um protocolo com a far-

mácia Borges da Cruz, no Montijo. Mas antes de lá colocar o escovão foi contactado por duas empresas de escovas de dentes interessadas numa parceria. “O farmacêutico aceitou fazer um protocolo em conjunto com a Pierre Fabre, que dinamizou uma campanha: ao dei-xar a escova antiga a pessoa tinha um euro de desconto na compra de uma nova. Em 12 dias a farmácia vendeu mais escovas do que nos dois anos anteriores. O farmacêuti-co disse-me: ‘Zé Pedro, faça o que quiser, mas este escovão já não sai daqui’” recorda. De uma farmácia a rede aumentará para 100 um pouco por todo o país, processo de expansão que começa em Se-tembro. Entretanto, não têm sido poucas as iniciativas realizadas pelo RED Projet, desde uma acção com 883 crianças de escolas do primei-ro ciclo do concelho de Alcochete, em parceria com a Associação para a Inovação, Promoção e Desenvol-vimento, à presença na Assembleia da República. Além disso, várias pessoas têm enviado por correio as suas escovas usadas.Também o EcoEscovinha tem planos de expansão. Depois dos dois mega-agrupamentos, de outras escolas públicas, colégios privados e IPSS, no próximo ano lectivo a iniciativa estender-se-á “paulatinamente a todas as escolas do concelho de Sintra, envolvendo cerca de 65.000 ‘miúdos’, além das famílias, educadores, professores e outros agentes educativos. Não fa-zemos só a entrega do Ecoescovão; tem de ser sempre acompanhado por acções de promoção de saúde oral. A componente pedagógica é fundamental”, sublinha Lídia Veludo. Princípio que se mantém noutros espaços que detenham, ou venham a deter, um Escoescovão: farmácias, universidades seniores, juntas de freguesias, clínicas, ... Depois da Faculdade de Medicina Dentária de Lisboa o EcoEscovinha chegará em breve a outras faculda-des da capital. E candidatou-se ao

de escova de dentes a… as escovas recolhidas pelo reD projet são recicladas: os constituintes de plástico são separados na crokplastik e depois valorizados, ao tornarem-se matéria-prima para a produção de artigos do dia-a-dia. “a reciclagem das escovas de dentes necessitou de ensaios antes de avançarmos com o processo mais adaptado à sua separação. De maneira a aproveitarmos a maior percentagem possível do produto, precisámos de fazer algumas alterações no nosso processo normal, mas serve, de futuro, para outras aplicações”, explica o director-geral da crokplastik, carlos carvalho. alguidares, cestos, baldes e caixas de arrumos são fabricados com o material resultante da reciclagem das escovas de dentes. para josé pedro gomes, mentor do reD projet, era obrigatório que o produtor fosse nacional. sem poder, para já, revelar o nome do parceiro, adianta que parte da produção é comercializada no mercado nacional e outra no mercado internacional. as escovas recolhidas pelo ecoescovinha destinam-se à extruplás, empresa que cuida dos resíduos de embalagem de plástico mistos. triturados e aquecidos a 200ºc, dão origem a soluções de mobiliário urbano resistentes, práticas e confortáveis. “mesas, bancos, cestos papeleiros, chapéus de sol, sinaléticas, espreguiçadeiras, etc”, aponta a directora-geral da empresa, sandra castro. as escovas de dentes não exigem um tratamento próprio, mas o “material é segregado e triturado separadamente dos outros fluxos para que seja adicionado em percentagens específicas na mistura já existente da extruplás”, acrescenta a responsável pela empresa.R

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concurso da Comissão Europeia “Um mundo que me agrada”, que distingue projectos inovadores no combate às alterações climáticas. Por seu lado, o mentor do RED Projet centra-se, para já, nas farmácias, não descurando a possibilidade de, mais tarde, alargar a rede a uma cadeia de hipermercados. nada se Perde Para que tudo se transforme, José Pe-dro Gomes não se limitou a procurar nova vida para as escovas de dentes. Outros utensílios orais – escovilhões, dedeiras, raspadores linguais, porta fios e palitos – também podem ser

reciclados. Desde Maio que o escovão do RED Projet tem a configuração de um “smile”, com divisão separada para estes instrumentos, escovas de dentes e escovas de dentes eléctricas. As últi-mas são entregues à Amb3E, que gere os resíduos eléctricos e electrónicos. Até ao momento, apenas as cerdas das escovas de dentes aguardam por reaproveitamento. “Ainda não temos quem as consiga reutilizar”, lamenta o jovem que, para que não haja dúvidas, esclarece que a reciclagem de escovas de dentes não significa que uma antiga se transforme noutra nova. “Ainda existe um desconhecimento

muito grande, apesar dos esforços das entidades, sobre o que é que acon-tece depois da reciclagem”, diz José Pedro. O mesmo acontece em relação à saúde oral. Daí a importância destas acções, defende: ao aliarem estas duas vertentes, são uma oportunidade privilegiada para esclarecer dúvidas de reciclagem e de higiene oral.A mesma preocupação norteia as acções do Escoescovinha. Entre consultas na EspecialDente e as várias acções do programa Miúdos Optimis-tas, Miúdos Saudáveis – dinamizado apenas por três pessoas cheias de energia e vontade, sem fundos nem apoios – Lídia Veludo congratula-se com a adesão e o sucesso da iniciativa Ecoescovinha junto dos mais novos. Alguns são verdadeiros embaixadores do projecto. “Houve uma paciente nossa, aluna de 3.º ano, que apresen-tou o projecto à escola e à turma dela, e pediu aos colegas para levarem as escovas usadas. Numa feira solidária em Massamá na qual participámos, entregou-nos as escovas”, conta. “Não tenho dúvidas de que a cidadania so-mos nós. Temos de fazer alguma coisa. Porque não contribuirmos cada um da nossa forma?”, questiona. E já muitos contribuíram: o Ecoescovinha entregou 1.040 escovas (15 quilos) em Abril passado à Extruplás, e outro tanto no final do ano lectivo, com o projecto em vigor apenas em dois mega-agrupa-mentos. Na hora de separar os resídu-os domésticos, há mais um ponto de entrega: escovão ou ecoescovão. Dois projectos, o mesmo objectivo.R

Lídia Veludo integrou a recolha de escovas de dentes usadas – iniciativa ecoescovinha – num projecto de promoção de saúde oral junto dos mais novos: miúdos optimistas, miúdos saudáveis

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FILOSOFIA TERAPÊUTICA

COMO É QUE EPICURO, SÉNECA OU SÓCRATES PODEM AJUDAR-NOS A VIVER MELHOR? ALAIN DE BOTTON RESGASTOU OS SEUS MELHORES CONSELHOS

E PENSAMENTOS MAIS PRÁTICOS E APLICA-OS À VIDA QUOTIDIANA. UM SUCESSO À ESCALA MUNDIAL.

Texto Ana Sofia Rodrigues

Fotos Cedidas (The School of Life)

Não é fácil reunir consensos, mas são poucas as vozes crí-ticas que se fazem ouvir quando se fala de Alain de Botton. Filósofo, escritor, ensaísta nascido em Zurique, cativa as massas através do discurso claro, acessível e provocador. A premissa de que partiu parece óbvia, mas foi dele o mérito de globalizá-la. Se na Grécia e Roma antigas os filósofos eram autoridades para as questões mais importantes da vida, porque não estudá-los e aproveitar a sua sabedoria para nos ajudar a viver melhor? Alain de Botton faz questão de demarcar-se dos tradicionais manuais de auto-ajuda: “A maioria desses livros é escrita por norte-americanos sentimen-tais e moralistas, que prometem aos leitores a vida eterna e riquezas incontáveis”, afirmou este ano, em entrevista à revista brasileira Época. E, acrescenta, diferenciando a sua abordagem: “A maior parte de nós admite secretamente que atravessar a vida não é uma tarefa fácil e que poderia ser útil apren-der a fazê-lo. Há mais de dois mil anos que os grandes filósofos se dedicaram a esses temas. Séneca, por exemplo, dava conselhos aos romanos sobre como lidar com a raiva. As Meditações, do filósofo romano Marco Aurélio, estão entre os melhores textos de auto-ajuda já escritos. Ao

dar-se valor a obras como essas, as pessoas cometerão menos erros”.

Ascenção meteóricACuriosamente, a família de Botton é originária da Península Ibérica, mas foi na Suíça que Alain nasceu. Mudou-se para Londres aos 12 anos, dominando o francês e o alemão, além do inglês. Fascinado desde sempre com a forma como

as ideias influenciam o modo de viver das pessoas, licenciou-se em História, canalizando o espírito criativo para a escrita apenas no último ano da faculdade. Logo aos 23 anos publicou a primeira obra: Ensaios de Amor. “Inspirei--me nas minhas grandes dúvidas

sobre as relações. Aliás, quando escrevo estou apenas a tentar dar sentido ao mundo para reduzir os meus níveis de ansiedade”,

confessou o autor numa entrevista dada à revista literária francesa online 3:AM Magazine. O seu primeiro livro analisa o processo de enamoramento e desilusão, num estilo incomum, que mistura elementos de romance com análise própria de obras de não ficção. Em 1997 surgiu o reconhe-cimento mundial com a publicação de Como Proust pode mudar a sua vida. Este sucesso de vendas transformou-o

atitude

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botton AfAstA-se dos Autores de Auto-

-AjudA. ele resgAtA os ensinAmentos dos

grAndes filósofos pArA vivermos melhor

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alain de Botton publicou o primeiro livro aos 23 anos: Ensaios de Amor. Mas foi em 1997, com Como Proust

pode mudar a sua vida, que ganhou o reconhecimento mundial

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5 minutos com alain de BottonCONVIDADO DE HONRA DAS CONfERêNCIAS fIDELIDADE SEGUROS, QUE DECORRERAM EM LISBOA, NA fUNDAçãO CHAMPALIMAUD, ALAIN DE BOTTON fALOU COM A RECICLA.

Para viver bem, não pode-mos viver sem…… pensar!

Quais os pilares da nossa felicidade?Amor e trabalho. Acha-mos que se trabalharmos arduamente num emprego que gostamos e que se en-contrarmos a pessoa certa, seremos felizes. Mas é muito mais difícil do que isso…

Porquê?Um dos problemas que temos é a ideia de perfeição. Pensamos que podemos ter uma vida perfeita, mas ela tem um lado trágico. Há coisas que não iremos conseguir resolver porque somos demasiado estúpidos, frágeis ou impacientes… Em vez de encararmos isso com raiva, deveríamos aceitar isso com dignidade.

A filosofia ajuda-nos a viver melhor e mais sa-biamente?Sim, no sentido básico, inicial

da filosofia, que talvez seja mais próximo da ideia que as pessoas têm da psicoterapia. Aquele que examina o que estamos a fazer e a sentir, que faz com que falemos sobre isso e que tenta encontrar um sentido. A maioria dos nossos proble-mas vem do facto de não sabermos o que queremos, o que realmente estamos a sentir, de não fazermos uma análise correcta dos nossos problemas e por isso agimos de forma confusa.

O que procura ensinar aos seus filhos?Que os adultos não têm todas as respostas, que há muitos mistérios na vida e que eles terão a hipótese de resolver alguns. Tento ensinar-lhes a serem am-biciosos, não no sentido de riqueza ou status, mas com o significado de tentarem fazer algo de útil com as suas vidas.

E o que aprendeu com

eles sobre a vida?Que é muito, muito difícil ensinar alguma coisa a uma pessoa. Apercebemo-nos de que existe muito pou-co espaço de manobra na personalidade deles – a tua capacidade de mudar algu-ma coisa é mu ito pequena. Ensinaram-me também a ter paciência e esperança de que as coisas irão acabar por correr bem.

Prazeres que não custam dinheiro. Quais destaca-ria?São prazeres sobretudo de ligação com outras pessoas, de relação. Ser ouvido, per-ceber os outros são grandes prazeres. Encontrar outras pessoas de quem possas gostar… Mas é também mui-to difícil; é muito mais fácil ir às compras.

Tempo é dinheiro ou é uma dádiva?Os dois. Todos temos que decidir quanto tempo vamos gastar a fazer dinheiro ou a fazer outras coisas e é um equilíbrio muito difícil de atingir. O impulso é de tentar sempre fazer mais dinheiro, mas a certa altura da vida pensas que o tempo é mais importante do que o dinheiro. É preciso estares muito confiante em ti próprio para dizeres que queres ir atrás de mais tempo e não de mais dinheiro.

Viveu durante um mês fe-chado num aeroporto. Se pudesse escolher um local da natureza para fazer uma experiência idêntica qual seria?Os limites do Sahara.

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numa celebridade, recebendo elogios de prestigiadas publicações como The New York Times e The New Yorker. Em contrapartida, o pai nunca chegou a apoiar a sua carreira literária. Milioná-rio, quando morreu deixou a Alain e à sua irmã um fundo no valor estimado de mais de 300 milhões dólares. Devido à relação conflituosa que mantinham, o autor ainda não utilizou esse dinheiro. Até ao momento, publicou mais sete obras, em áreas tão distintas como filosofia, viagens, arquitectura, status, trabalho e religião, misturando pensamentos próprios com análise de auto-res consagrados. Ateu convicto, continua a viver em Londres, é casado há dez anos e tem dois filhos rapazes.

dos livros pArA A escolAParalelamente à escrita, Alain de Botton foi acalentando o sonho de abrir uma escola. Não algo tradicio-nal, onde se debita conhecimento

abstracto, mas sim um local onde se passam ideias práticas que nos podem trazer felicidade. Em 2008, concretizou esse ideal e inaugurou The School of Life, em Londres. Pelos seus eventos já passaram mais de 80 mil pessoas. “Tentei criar uma instituição cujo trabalho, até há uns tempos, só era feito pelas igrejas: ensinar a viver mais sabiamente. É frequentada por todo o tipo de pessoas e a maioria sai a sentir-se mais feliz. O que mais apreciam é o companheirismo, o facto

de encontrarem pessoas com os mes-mos problemas”, disse em entrevista à RECICLA, aquando da sua última visita a Lisboa.As iniciativas que desenvolve pre-tendem estimular, provocar, alegrar e consolar as mentes. As aulas têm

nomes sugestivos: “Como equilibrar o trabalho com a vida?”, “Como fazer com que o amor continue?”, “Como ter melhores conversas?”, “Como encontrar um trabalho de que goste?”, “Como ser cool?”. Mas também se organizam refeições partilhadas, sermões dominicais e fins-de-sema-na inspiradores. Ao modo de Botton, os professores são autores, artistas, actores e académicos que combinam, numa mistura sedutora, experiências apaixonantes com ideias inspiradoras de grandes pensadores do passado. Zoë Langdell, membro da direcção da escola, revela o seu maior motivo de orgulho: “Nestes cinco anos tirámos a filosofia da universidade e trouxemo-la para o centro da vida das pessoas”.No passado mês de Abril, The School of Life chegou ao Brasil. Em São Paulo, uma primeira turma de 25 alunos passou cinco dias a discutir temas ligados a “como desenvolver o seu potencial” e “como equilibrar o

trabalho com a vida pessoal”. “Em cada país, o currículo é adaptado às inquietações mais frequentes da população”, esclarece Jackie de Botton, prima do fundador, que vive no Rio de Janeiro. Um pequeno aperitivo está também disponível em Portugal. A editora Lua de Papel publicou os primei-ros volumes da colecção de de-senvolvimento pessoal The School of Life, escrita por professores da

escola. Com livros publicados em mais de 30 países, aos 43 anos, Alain de Botton reafirma que escrever continua a ser um desafio. Mas, como faz parte do seu estilo, simplifica: “Há tantas boas ideias que não são conhecidas. Eu ape-nas tento dar-lhes tempo de antena”. R

Mais de 80 mil pessoas participaram nos eventos organizados por The School of Life, inaugurada em 2008 em Londres. em abril deste ano o conceito chegou ao Brasil, com a abertura de uma espaço em São Paulo

mAis do que ensinAr, nA escolA fundAdA por

botton trAnsmitem- -se ideiAs práticAs que

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Olha O passarinhO! De binóculos em riste e curiosiDaDe no olhar, os birDwatchers acompanham atentos os movimentos e comportamentos Das várias espécies De aves. activiDaDe inesgotável – e irrepetível – ganha caDa vez mais aDeptos num país privilegiaDo para a observação De aves: portugal.

Texto Teresa Violante

Fotos Cedidas*

Em 1989 Gonçalo Elias, dinamizador do portal avesdepor-tugal.info, já tinha observado a maior parte das aves que é possível avistar em Portugal. “Mas o cortiçol-de-barriga- -negra continuava a escapar-me”, conta. Então, numa altura em que “ainda não havia qualquer atlas publicado, e por isso a informação sobre as áreas de ocorrência das várias espécies era escassa”, partiu com um amigo de comboio para o baixo Alentejo. Munidos de bicicletas, foram à descoberta: alguém dissera que a estrada que liga Castro Verde a Mértola era um bom local para avistar essa ave e Gonçalo não queria perder a oportunidade. Um furo num pneu levou-os a uma oficina e aproveitaram para perguntar onde podiam observar o cortiçol. Era conhecido por outro nome, barriga-negra, mas era tarde: muito comum noutros tempos, já era raro avistar-se. “Grande balde de água fria!”, recorda Gonçalo. “Apesar das perspectivas pouco anima-

doras fizemo-nos à estrada. Para as bandas de Alcaria Ruiva parámos para observar um corvo, eis senão quando avistámos duas aves castanhas, de silhueta pouco familiar, em voo rasante. Eram dois cortiçóis-de-barriga-negra”. Esta visão, tão inesperada quanto marcante, permanece no seu espírito como se tivesse acontecido ontem. Birdwatcher há mais de 25 anos, Gonçalo Elias já observou mais de 1.500 espécies diferentes de aves. “Só em África vi mais de 1.000. Em Portugal observei um pouco mais de 300 e as restantes foram avistadas em diversos países eu-ropeus e também na Costa Rica”, diz. Do gosto pela obser-vação nasceu o interesse pela recolha de informação “sobre a distribuição geográfica das nossas aves e também pelo tratamento dessa informação, de modo a torná-la acessível a todos os interessados”. Primeiro em livros, depois online. Assim surgiu a 1 de Janeiro de 2008 o portal avesdeportu-

lazer sustentável

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gal.info. “O objectivo é tornar mais fácil o acesso a informação completa e actualizada sobre os melhores locais para observar as aves selvagens de Portugal, seja para fotografá-las, seja simplesmente para identificá-las”, resume.

Mercado nacionalSem dados oficiais quanto ao número de birdwatchers, é consensual que a actividade está em crescimento em Portugal. “A Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) foi criada em 1993 e na altura tinha 200 sócios. Os observadores de aves eram muito poucos e conhe-cíamo-nos praticamente todos. A SPEA hoje tem 3.000 sócios. Todos, ou a maioria, são observadores de aves, mas nem todos os observadores de aves são sócios da SPEA”, ressalva Domingos Letão, coordenador do programa

terrestre desta ONG. O aparecimento da fotografia digital e da internet, e a crescente sensibilização para as questões ambientais são possíveis explicações para este aumento de interessados, avança Gonçalo Elias. Domingos Leitão refere ainda o trabalho desenvolvido por ONG como a SPEA, Quercus e Liga para a Protecção da Natureza na promoção desta actividade, além do aparecimento de operadores turísticos especializados. Birds & Nature Tours foi a primeira empresa dedicada à observação de aves a surgir em Portugal. “Começou por uma questão de paixão por esta área, conciliada com o fac-to de eu entender que nesse ano (2008), havia finalmente potencial de mercado para criar uma empresa”, explica João Jara, mentor do projecto e observador de aves há 30 anos. “Como destino de birdwatching, Portugal tem uma dicotomia engraçada: por um lado, o mercado nacional é

saídas de campo organizadas por OnG ambientais ou empresas especializadas, são uma boa oportunidade para quem dá os primeiros passos no birdwatching

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estuários as aves associadas a zonas húmidas dão-se bem por cá. “O nosso país está na franja da europa, numa rota migratória muito importante, e zonas húmidas muito grandes como estuário do tejo, estuário do sado, ria Formosa, estuário do Guadiana, ria de aveiro e lagoa de santo andré são pólos de atracção para as aves”, aponta Domingos leitão. no estuário do tejo, por exemplo, é possível ver bandos de aves aquáticas e limícolas como maçarico, pernas vermelhas, borrelhos. “as zonas húmidas atraem grande número de espécies migratórias e invernantes, à parte das espécies residentes como garças, flamingos, aves de rapina…”, explica o coordenador da sPea.

costaa fonteira do território com o mar torna-o muito apelativo para as aves marinhas, “principalmente durante o Inverno”, diz Domingos leitão, em locais como Peniche (Cabo Carvoeiro) e sagres (Cabo de são vicente). também as ilhas dos açores e da Madeira proporcionam excelentes encontros com as aves. aliás, os nossos arquipélagos acolhem das maiores populações a nível europeu de espécies como cagarra, alma-negra e garajau-rosado.

Florestas Domingos leitão destaca duas florestas

portuguesas “únicas no mundo”: montados de sobro e de azinho, no continente, e laurissilva na

Madeira e nos açores. trepadeiras, açores, gaviões, entre outras, podem ser observadas nos montados de sobro e de azinho, no vale do tejo e no alentejo.

a laurissilva acolhe espécies endémicas dos arquipélagos, como o priolo, na ilha de são Miguel, o bis-bis e a freira-da-Madeira, na ilha da Madeira.

Planície no interior do país, no alentejo, destacam-se as zonas abertas e secas, “onde há cereal de sequeiro, mosaico com pousios e cultivo de leguminosas”, diz Domingos leitão. “O expoente máximo é Castro verde, mas também elvas e Campo Maior”, acrescenta. nestas zonas é possível observar a abetarda, o sisão, o alcaravão, o cortiçol-de-barriga preta, o francelho, o rolieiro. “espécies raras a nível global e que têm populações muito importantes no sul de Portugal e no sul de espanha”.

Vales FluViais acidentados, remotos e com penhascos para o rio, os grandes vales fluviais – tejo e Douro – “têm populações de aves planadoras de grande porte muito importantes: abutres (grifo, abutre-negro, abutre-do-egipto), águia-real, águia-imperial, águia-de-Bonelli, cegonha-negra, …”, diz o coordenador do programa terrestre da sPea. “a maior parte dos portugueses não sabe que existem abutres em Portugal”, lamenta. “existem e é nesses sítios que podem ser observados.”

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CostaPenIChe (CaBO CarvOeIrO), saGres (CaBO De sãO vICente), Ilhas DOs açOres e Da MaDeIra

EstuáriosDO tejO, DO saDO, DO GuaDIana, rIa FOrMOsa, rIa De aveIrO e laGOa De santO anDré

FlorestasMOntaDOs De sOBrO e De azInhO nO vale DO tejO e nO alentejO, e FlOresta laurIssIlva na MaDeIra e nOs açOres

planícieCastrO verDe, elvas e CaMPO MaIOr

Vales FluviaisDO tejO e DO DOurO

rOTEirO POr OnDe COMeçar? Portugal é um território pequeno, mas com grande variedade de espécies de aves e excelentes zonas para observá-las. Basta recordar que existem 93 áreas importantes para aves, onde podem ser observadas regularmente cerca de 360 espécies. Curtas distâncias e boa rede rodoviária permitem fácil acesso às várias regiões. Mas, por onde começar? a reCICla pediu a Domingos leitão, coordenador do programa terrestre da sPea (sociedade Portuguesa para o estudo das aves) que indicasse os melhores locais para os principiantes de birdwatching partirem à descoberta. em traços gerais, dividiu o país em cinco zonas. Os interessados podem completar este roteiro com a informação disponível no site do turismo de Portugal – Observação de aves (www.turismodeportugal.pt/Portugu%C3%aas/areasatividade/ProdutoseDestinos/Pages/roteirodeturismodenaturezaObservacaodeaves.aspx).

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muito pequeno, por outro, o mercado internacional é grande – fala-se em 80 milhões de pessoas que observam aves, número que provavelmente já está ultrapassado –, mas não conhece ou não vê Portugal como bom destino de birdwatching”, resume. Ao contrário do que acontece nos países do norte da Europa e nos Estados Unidos, onde esta actividade tem forte tradição, em Portugal quase dá os primeiros pas-sos. Espanha, aqui ao lado, e fruto de uma aposta forte nas últimas décadas, foi apontada, há poucos anos, por 2/3 dos leitores da revista inglesa Birdwa-tch como o destino onde gostariam de observar espécies de aves no sul da Europa, refere João Jara. “Não há razão para Espanha ser um destino ornitológico já consolidado e Portugal não. A única diferença é a nossa falta de divulgação”, afirma o coordenador da SPEA. “Felizmente acordámos, já existe muita promoção, mas é preciso mais”, acrescenta.

na rota das aVesAté porque Portugal é um destino atraente para os apaixonados pelo birdwatching. E com uma vantagem face ao país vizinho: as distâncias são mais curtas. “Portugal tem as mesmas aves de Espanha com essa enorme vantagem. Um turista aterra em Lisboa e em 20 minutos está a ver

flamingos e diversas espécies típicas de um estuário do sul da Europa. E em menos de uma hora e meia está a ver abetardas, águas-imperiais, cortiçóis-de-barriga-preta, em Castro Verde e no vale do Guadiana”, descre-ve o responsável da Birds & Nature Tours. O mesmo acontece a quem chega a Portugal pelo sul, aterrando em Faro. “Sai do aeroporto e tem locais de primeiríssima grandeza para observar as aves aquáticas, o parque da Ria Formosa; desloca-se uma hora e pouco para norte, para Castro Verde, e tem as abetardas e outras

espécies de habitats complementares”, afirma. Condições “muito interessan-tes”, perfeitas para programas que combinam as três regiões: estuários de Lisboa, zona do baixo Alentejo e Algarve. E que muito surpreende, pela positiva, os birdwacthers estrangeiros, de acordo com a experiência de João Jara. “As pessoas não estão à espera

que Portugal seja tão interessante. É um trabalho que leva tempo, mas estou absolutamente certo de que vai dar frutos”, sublinha. Em Portugal é possível observar, re-gularmente, 360 espécies de aves, se-gundo dados da SPEA. O número não é impressionante quando comparado com a Costa Rica, por exemplo, onde em pouco mais de uma semana é possível avistar 400, mas são realida-des diferentes. Portugal é um destino europeu. E além das curtas distâncias entre as áreas de observação, situa-se numa zona de passagem para muitas aves e acolhe espécies que encontram aqui condições para desenvolverem populações numerosas e saudáveis (tal como em Espanha). Tem ainda espécies endémicas como o priolo, na

ilha de São Miguel, e a freira-da- -Madeira, na ilha homónima – em todo o mundo, apenas podem ser observadas nesses locais. Claro que há também pontos fracos e que devem ser resolvidos, como baixo número de estruturas para observação e fotografia (hides,

abrigos para observar aves) e falta de sedes das áreas protegi-das e outros centros de visitação abertas ao fim-de-semana, refere

João Jara. Um caminho de melhorias que aos poucos está a ser trilhado. Para que cada vez mais pessoas ob-servem aves em Portugal.r

* - (Abertura) Raquel Correia; (Roteiro) Infografia: Mário Pedro, Fotos: Pedro Geraldes, Faísca, José Viana, Nuno de Macedo, Pedro Monteiro, João Nunes, Carlos Cabral, Luís Venâncio, Jorge Rodrigues, Rafael Palomo; (Acima) Observa Natura_CoralieLozano

ainda Pouco conhecido, Portugal

é uM destino atraente Para os birdwatchers,

reFúgio de Várias esPécies de aVes

sem dados oficiais, é consensual que o número de observadores de aves tem aumentado nos últimos anos. O papel desempenhado pelas OnG ambientais não é alheio a esse crescimento

Page 40: o campo · fazer e a felicidade não têm idade. Calendário espécie de dicionário com 365 possíveis definições de felicidade, é um projecto da ... uma diferenciação completa”

sustentabilidadeé...

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Vencedores do concurso de fotografia QuercusÉ já no próximo dia 21 de Setembro que serão anunciados os vencedores do primeiro concurso nacional de fotografia da Quercus. As candidaturas decorreram de 1 de Junho a 20 de Agosto, abertas a fotógrafos amadores e profissionais, promovendo a observação e protecção da natureza através da imagem. O júri seleccionará as 11 melhores fotos das categorias água (vida, natureza e paisagem), reciclagem de embalagens – prémio especial Sociedade Ponto Verde, atentados e boas práticas ambientais, e fauna selvagem, e seis da categoria fotografias obtidas com telemóvel. O Parque Biológico de Gaia acolhe a cerimónia de entrega dos prémios e uma exposição com as 50 melhores fotografias a concurso, patente até meados de Outubro. O primeiro concurso nacional de fotografia da Quercus tem o apoio do Parque Biológico de Gaia, Sociedade Ponto Verde (mecenas exclusivo), portal Sapo e Worten.R

Borboletas na MadeiraO arquipélago madeirense acolhe 331 espécies e subespécies de borboletas e mariposas, das quais 81 são endémicas, não podendo ser observadas em mais parte alguma do planeta. De 23 a 27 de Setembro, o programa “Madeira Butterfly and Moth” proporciona esse encontro entre o Homem e estes insectos de rara beleza. Mais informações: [email protected]

Oficinas Rede Natura 2000Ao longo do ano a AmBioDiv, empresa de consultadoria especializada em gestão de biodiversidade, organizou várias oficinas de identificação de habitats da Rede Natura 2000 de

curta duração. Habitats costeiros e vegetação halófita, dunas marítimas e interiores, habitats de

água doce, e formações herbáceas naturais e semi-naturais foram os temas de algumas oficinas. Para finalizar, turfeiras baixas, turfeiras altas e pântanos, e habitats rochosos e grutas, no próximo dia 28 de Setembro, e florestas a 12 de Outubro. Mais informações: [email protected]

Eco miúdos “A necessidade de ir ao encontro dos pais mais exigentes e preocupados com a saúde e o ambiente, mas também de uma vontade genuína de inspirar todos os outros a fazerem escolhas mais sustentáveis, saudáveis e seguras, pelas crianças e o planeta”, está na origem do projecto Menino-Árvore (www.

menino-arvore.pt). Neste site vende-se um sem fim de soluções ecológicas para crianças, em especial puericultura, mas também mobiliário, vestuário e calçado infantis, brinquedos, cosméticos e produtos de higiene pessoal (sem químicos nem conservantes artificiais).R