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DENISE RAPOSO D’ASSUNÇÃO K-216281
O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO DANO MORAL NA RESPONSABILIDADE CIVIL
Monografia apresentada como pré-requisito de
conclusão do Curso de Pós Graduação em Direito
Empresarial e dos Negócios, do Instituto A Vez do
Mestre da Universidade Cândido Mendes, tendo
como orientador o prof° Ivan Garcia.
Rio de Janeiro 2010
2
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE DENISE RAPOSO D’ASSUNÇÃO
O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO DANO MORAL NA RESPONSABILIDADE CIVIL
Monografia apresentada ao Instituto a Vez do
Mestre da Universidade Cândido Mendes como
pré-requisito para conclusão da Pós Graduação
em Direito Empresarial e dos Negócios.
Nota: ________________ Aprovada ( ) Aprovada com louvor ( ) Aprovada com restrições ( ) Reprovada ( ) Data: ____/____/_______
__________________________________________________ Prof. Ivan Garcia
Instituto A Vez do Mestre
3
RESUMO
Trata o presente estudo em observar, discutir e apresentar sugestões de
procedimento acerca do caráter punitivo-pedagógico da responsabilidade civil.
Para tanto, inicialmente buscou-se enfatizar as reminiscências históricas
que deram origem ao contemporâneo conceito de responsabilidade civil, remetendo-
se ao período imperial romano, berço do direito positivo brasileiro.
Adiante, levantou-se, sob um aspecto geral, os principais conceitos que
orbitam o instituto da responsabilidade civil, para que se tornasse inteligível o
raciocínio lógico aspirado no presente estudo.
A definição doutrinária específica sobre a reparação civil e sua
instrumentalização através da invocação do dano moral também foi enfocada de
forma específica, objetivando-se delinear o caráter punitivo-pedagógico da
responsabilidade civil através dos efeitos pretendidos na delimitação do quantum
reparatório. As decisões que ensejam o quadro jurisprudencial do Tribunal de
Justiça fluminense não deixaram de ser abordadas.
Por fim, em conclusão, pugnou-se em prol de se dispensar maior atenção
à característica punitivo-pedagógica da responsabilidade civil, como uma forma de
atender à sua função social.
4
ABREVIATURAS
CC – Código Civil;
CF – Constituição Federal;
CRFB – Constituição da República Federativa do Brasil;
STF – Supremo Tribunal Federal.
5
SUMÁRIO
1 – INTRODUÇÃO 06 2 – RESPONSABILIDADE CIVIL: HISTÓRIA, CONCEITO E FUNÇÕES 08 2.1 – Noção Histórica 08 2.2 – Conceito e Classificações 12 2.3 – Teoria da reparabilidade 21 2.4 – Principais Funções 24 3 – RESPONSABILIDADE CIVIL: DANO E REPARAÇÃO 26 3.1 – Dano e Reparação: Conceituação 26 3.2 – Dano Material e Dano Moral: Conceituação 28 4 – O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DA REPARAÇÃO 31 4.1 – O Dano Moral como Instrumento Punitivo Pedagógico 31 4.2 – Jurisprudências: Justiça Estadual (Rio de Janeiro) 35 5 – CONCLUSÃO 40 6 – BIBLIOGRAFIA CITADA OU CONSULTADA 43
6
1 – INTRODUÇÃO
Os atos relacionais humanos, sejam ocasionais, freqüentes, propositais ou
não, ao longo da história, comumente dão azo a fatos passíveis de análise jurídica.
No tocante às relações que suscitaram o interesse do direito, nota-se que delas
advinham obrigações entre as partes, seja unilateral ou bilateralmente. As referidas
relações, quando descumpridas, por vezes geravam frustrações e até mesmo
prejuízos de ordem patrimonial a uma ou a ambas as partes integrantes da
mencionada relação.
Com o passar das décadas, o direito evoluiu paralelamente às referidas
relações, influenciando cada vez mais às ações comportamentais humanas,
regrando-as. Juntamente com as normas jurídicas que estabeleciam os limites
obrigacionais entre os homens, surgiram regras de cunho punitivo destinadas
àqueles que deixavam de cumprir suas parcelas de obrigações nas relações de
cunho jurídico.
Nos primórdios históricos do direito, as mencionadas penalidades
incorriam em sacrifícios físicos aos desobedientes ou renúncia a prementes direitos
individuais dos mesmos. Com o passar do tempo, a questão monetária foi tomando
forma, ganhando força, projetando seu espectro influenciador, o que causou
sensíveis alterações no mundo jurídico, principalmente no que tangia à
responsabilização por prejuízos decorrentes do descumprimento de
obrigações.
A reparação pecuniária em razão de descumprimento de obrigação que
gerasse ou pudesse gerar dano, assumiu papel decisivo, fato que, em curto prazo
atenuou e, em longo prazo, extinguiu a usual prática de punições físicas aos autores
do ato socialmente reprovado. Não havia distinção de ramos da atividade humana.
Hoje, as questões jurídicas atinentes à responsabilidade diferenciam-se
em âmbitos materialmente distintos, sendo eles o penal e o civil, dos quais o último
será o foco do presente estudo, versando sobre o descumprimento de regras
estabelecidas no ordenamento jurídico público ou privado e posterior
responsabilização em função dos mesmos.
Vê-se que qualquer infração a regramentos pré-estabelecidos pode gerar
obrigações de cunho indenizatório, caso a mencionada infração suscite danos às
partes envolvidas na relação.
7
A obrigação indenizatória acima citada gira em torno de prestação
pecuniária a fim de restabelecer o prejuízo acarretado. Entretanto, vê-se importante
aspecto contido na indenização que não o de meramente restabelecer o vitimado à
sua condição anterior ou de compensá-lo por dano monetariamente irreparável, mas
sim de acoimar aquele que voluntariamente danificou bem alheio a título de
conscientizá-lo a não mais repetir ato social e juridicamente reprovável (caráter
punitivo e pedagógico da responsabilidade civil).
E, baseado na importância lídima de tal intuito da reparação civil, que o
presente estudo irá se debruçar, pretendendo, ao fim, apresentar um acréscimo
ideológico ao tema em tela, bem como sugerir caminhos a se trilhar para a exaltação
que o caráter punitivo-pedagógico da responsabilidade civil merece.
8
2 – RESPONSABILIDADE CIVIL: HISTÓRIA, CONCEITO E FUNÇÕES.
Inicialmente, cabe trazer à tona informações gerais, porém essenciais, ao
norteamento do raciocínio lógico acerca das questões que tratam sobre o instituto da
responsabilidade civil.
Neste capítulo primeiro serão registrados alguns levantamentos históricos,
embasados principalmente nas escrituras romanas, além de conceitos doutrinários
delineadores do instituto em tela e, por fim, especificações funcionais da
responsabilidade civil importantes à sua instrumentalização.
2.1 – Noção Histórica
Em se tratando de levantar remições históricas acerca de institutos
jurídicos, indubitavelmente deve-se consultar a cultura romana, berço do direito
positivado no Brasil. Especificamente no tocante à responsabilidade civil, antes
mesmo da estruturação da civilização romana, pode-se dizer que todo ato
socialmente reprovável que viesse a provocar prejuízos a outrem era repudiado e
seu autor, de alguma forma, punido.
Destarte, bem colocou Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona:
“De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas
civilizações pré-romanas, a origem do instituto está calcada na concepção de
vingança privada, forma por certo rudimentar, mas compreensível do ponto de
vista humano como lídima reação pessoal contra o mal sofrido.”1 (grifei)
O conceito de vingança privada erigiu-se no primitivo Código intitulado “Lei
de Talião”, segundo o qual era permitido revidar contra aquele que causasse dano,
revide este na exata proporção ao prejuízo causado, ou seja, caso o lesante tenha
furtado algum bem, cabe ao lesado condená-lo à pena proposta na Lei, a saber: a
amputação da mão do agente.
GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo, Novo Curso de Direito Civil, vol. 3. 4ª ed. rev., atual. e reform. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 10.
9
Contudo, importante é situar-se no contexto histórico frisando que as
normatizações que suscitaram a matéria de responsabilidade civil tomaram forma a
partir do domínio hegemônico da cultura romana, a despeito de ainda não haver
uma conceituação sólida e bem definida acerca de responsabilidade lato senso.
Entretanto, os atos ilícitos que geravam danos passíveis de punição pertenciam ao
direito penal e eram denominados delitos (delicta). Pode-se afirmar com segurança
que a responsabilidade civil é instituto corolário do conceito de delito no Direito
Romano.
Cabe registrar que o instituto do delito surgido em Roma, mesmo tido, à
época, como matéria de competência penal, é fonte histórica do moderno conceito
da responsabilidade civil, porém, há de se guardar as devidas distinções conceituais.
Thomas Marky traça, em seu “Curso Elementar de Direito Romano”, as
diferenças havidas entre o delito dos tempos romanos e o ato ilícito (delito), requisito
importante para caracterização da responsabilização civil do direito contemporâneo.
Diz ele:
“O delito, ou ato ilícito, é considerado hoje como a violação de uma norma
jurídica estabelecida no interesse coletivo. [...]
[...] Nas relações entre Estado e o autor do delito, cogita-se apenas de punição.
Nas relações entre os particulares, isto é, ofensor e ofendido, não há outro liame,
senão a obrigação do primeiro de ressarcir os danos causados ao segundo,
liame que tem a finalidade de restabelecer a situação patrimonial anterior ao
delito cometido. [...]
No direito romano era diferente. Nele faltava a distinção nítida entre a punição e o
ressarcimento do dano. A conseqüência jurídica do delito no direito romano era,
apenas, a sua punição, e esta punição servia também para satisfazer o ofendido
do dano que sofrera. [...]”2
Mesmo ainda reportando-se a mecanismos rudimentares para a aplicação
de penalidades, como a Lex XII Tabulorum que combinava penas pecuniárias a
sacrifícios físicos, os jurisconsultos romanos, por volta do séc. IV a.C., já tratavam
de separar o instituto do delictum em duas categorias: delitos públicos (delicta
MARKY, Thomas, Curso Elementar de Direito Romano, 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 1995, p. 133.
10
publica) e delitos privados (delicta privata), os quais são conceituados por José
Carlos Moreira Alves, em sua obra “Direito Romano” da seguinte maneira:
“Delito público é a violação de norma jurídica que o Estado considera de
relevante importância social. [...] O Estado punia os autores dos delitos públicos
com poena publica (pena pública), impostas por Tribunais especiais (como as
Quaestiones Perpetuae), e que consistia na morte, ou na imposição de castigos
corporais ou em multa que revertia em benefício do Estado.[...]
Delito privado é a ofensa feita à pessoa (assim, as lesões corporais) ou aos bens
do indivíduo. Quando isso ocorre, o Estado não toma a iniciativa de intentar
contra este uma actio para obter sua condenação ao pagamento de determinada
quantia, como pena (poena privata)”.3
E é sobre os delitos privados que segue o ramo originário da
responsabilidade civil.
Com a ascensão do império, a expansão do domínio romano ao longo da
Europa, norte da África e Oriente Médio e a subida de Justiniano ao poder, o direito
sofreu sensível evolução como um todo.
Os pretores passam a se debruçar em conjuntos normativos que não
objetivavam mais a mutilação corporal como forma de punição. Exemplo de tal
evolução é a Lex Aquilia, fundamental no desenvolvimento do presente estudo,
tendo em vista que nela se deu origem o Danum Iniuria Datum, delito que se
caracterizava pelo fato de alguém causar, culposamente, dano em coisa alheia,
animada ou inanimada4. Claramente identificável a ascendência ideológica do delito
romano e da responsabilidade extracontratual atual. Ademais, não basta a paridade
conceitual, é preciso evidenciar que esse delictum somente se configurava com a
incidência de três requisitos básicos: a iniuria, a culpa e o damnum.
Para melhor compreensão, cabe expor cada um dos requisitos, tendo
como esteio a obra de José Carlos Moreira Alves:
a) a iniuria: que o dano decorresse de ato contrário ao direito; não cometia,
portanto, damnum iniuria datum quem causasse dano à coisa alheia por estar
ALVES, José Carlos Moreira, Direito Romano, vol. 2, 6ª ed,, Rio de Janeiro: Forense, 2000, pp. 233-234.; 4 Ob. cit. p. 233.
11
exercendo direito próprio, ou por agir em legítima defesa ou em estado de
necessidade;
b) a culpa: que o dano resultasse de ato positivo do agente (e não simplesmente
de omissão), praticado com dolo ou culpa em sentido estrito; e
c) o damnum: que a coisa sofresse lesão em virtude de ação direta do agente
exercida materialmente contra ele (os autores medievais traduziam essa
exigência dizendo que era necessário que o dano fosse corpore corpori
datum; corpore, para indicar que o dano devia ser causado diretamente pelo
agente, e não indiretamente, como ocorreria – e aí, por isso, não se
configurava o damnum iniuria datum – na hipótese de alguém entregar a
arma a escravo alheio, que, com ela, se matasse; e corpori, para designar
que o ato do agente devia atingir materialmente a coisa alheia, razão por que
não se configuraria o damnum iniuria datum se alguém abrisse uma jaula,
possibilitando, assim a fuga do animal alheio ali preso).5
Nota-se considerável semelhança entre o arcaico damnum iniuria datum e
a responsabilidade extracontratual, no que tange a requisitos formadores. Na
hodierna concepção de responsabilidade civil, seus elementos precípuos (conduta,
dano e nexo de causalidade) assemelham-se relevantemente aos do instituto
romano.
Portanto, deve-se à Lex Aquilia a evolução da idéia moderna de
responsabilidade delitual, a qual é denominada até os dias de hoje de
responsabilidade aquiliana.
Entretanto, há que se pontuar, a despeito da sensível evolução do
arquétipo jurídico romano e da materialização do conceito de culpa, que não havia
dissociação das responsabilidades civil e penal. Confundia-se pena e indenização.
Para finalizar este intróito histórico, vale acrescentar breve esclarecimento
acerca da contribuição francesa contemporânea ao progresso da responsabilidade
aquiliana, através das palavras de Sílvio de Salvo Venosa:
“[...]. Acrescente-se que o instituto da responsabilidade civil é algo
contemporâneo, pois surge pela primeira vez no final do século XVIII, no âmbito
5 ALVES, José Carlos Moreira, Direito Romano, vol. 2, 6ª ed,, Rio de Janeiro: Forense, 2000, pp. 234-235
12
do direito revolucionário francês. Sua primeira formulação expressa está no
Código civil francês, espalhando-se daí para todas as codificações posteriores.”6
2.2 – Conceito e Classificações
O presente item é de extrema importância para a evolução deste estudo.
Aliás, se faz desnecessário justificar o porquê de se elencar os principais
entendimentos conceituais sobre a responsabilidade civil.
Inspirando-se no objetivo de melhor alicerçar o raciocínio a ser
desenvolvido no presente trabalho, pertinente é buscar a compreensão ordinária do
termo “responsabilidade”, palavra nuclear do instituto em análise para mais adiante,
delinear as visões jurídicas do instituto.
Partindo-se do geral para o especifico é possível delimitar mais
acertadamente a abrangência conceitual da responsabilidade civil num todo. Para
tanto, recorre-se ao significado contido no dicionário:
“RESPONSABILIDADE s. f. (Do latim responsabilitatis) 1. Caráter ou estado do
que é responsável. – 2. Obrigação geral de responder pelas conseqüências
dos próprios atos ou pelos de outros.”7 (grifei)
O segundo tópico explicativo contido na transcrição representa a
concepção pura e sucinta do termo, demonstra inequívoca interpretação tanto como
vocábulo de aplicação popular quanto em termos de hermenêutica jurídica.
Em análise à explicação do dicionário, percebe-se uma correspondência
direta ao sentido dado ao termo ‘responsabilidade’ no meio jurídico, pois se fala
claramente em ‘obrigação de responder’, equivalente à expressão ‘dever de
reparar’ ou, ainda mais correlato, ‘obrigação de indenizar’, terminologia jurídica
comumente empregada quando da sucessão de atos que resultam em
conseqüências danosas pessoais ou patrimoniais.
6 VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito Civil, vol. 4, 8ª ed. atual., São Paulo: Altas, 2008, p. 2. 7 Grande Dicionário Larousse Da Língua Portuguesa, 1ª ed., São Paulo: Nova Cultural, 1999, p. 787.
13
Uma vez citada a explicação vernacular geral do termo responsabilidade,
nada mais coerente que demonstrar a definição conceitual da dita expressão no
sentido técnico, extraída também de um dicionário, este, porém, jurídico.
Maria Helena Diniz, em seu Dicionário Jurídico, entende que:
“RESPONSABILIDADE. 1. Dever jurídico de responder por atos que
impliquem dano a terceiro ou violação de norma jurídica. 2. Qualidade de ser
responsável. 3. Imposição legal de reparar dano causado. 4. Situação daquele
que deve responder por um ato ou fato.”8 (grifei)
Cabe, agora, adentrar aos conceitos jurídicos que orbitam a idéia de
responsabilidade civil. Tendo sido levantado o termo ‘obrigação de indenizar’,
nada mais apropriado que asseverar algumas linhas a respeito, segundo a doutrina,
mesmo porque as fontes do conceito jurídico de obrigação são as mesmas do de
responsabilidade, sendo elas a lei, os negócios jurídicos, as declarações unilaterais
de vontade e os atos ilícitos. Conforme entende Orlando Gomes:
“A obrigação de reparar danos tem como objeto prestação especial, que
consiste no ressarcimento dos prejuízos causados a uma pessoa por outra ao
descumprir obrigação contratual ou praticar ato ilícito. Denomina-se obrigação
o objeto dessa prestação.
A obrigação de indenizar danos pode ter as seguintes causas:
a) o ato ilícito;
b) o inadimplemento de obrigação contratual;
c) o dever contratual de responder pelo risco;
d) o dever legal de responder sem culpa”.9
Ficou claro que o dever de indenizar surge de um patente prejuízo
causado por desrespeito a preceito advindo de lei direta ou indiretamente,
observadas nas causas a e d respectivamente, ou por descumprimento de
obrigação contratual, ressaltadas nos itens b e c. Em prol de melhor compreensão,
vale citar como exemplo:
8 DINIZ, Maria Helena, Dicionário Jurídico, vol. 4, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 173. 9 GOMES, Orlando. Obrigações. 17ª ed. ver. e atual., Rio de Janeiro: Forense, 2007, pp. 51-53.
14
1) de ato ilícito: uso não autorizado da imagem – inobservância do artigo
5º, X da Constituição da República Federativa do Brasil e conseqüente
incidência do art. 186 do Código Civil, que versa sobre a culpa por ação
ou omissão voluntária do autor do ato ilícito10;
2) de inadimplemento de obrigação contratual: cláusula contratual que
prevê ressarcimento por danos causados ao contratante em função da
entrega de produto além do prazo estipulado11;
3) de dever contratual de responder pelo risco: empresa de transporte
coletivo assume a responsabilidade no transporte de seus passageiros,
independentemente da comprovação de culpa ou fato de terceiro12;
4) de dever legal de responder sem culpa: responsabilidade do
empregador por atos cometidos por seus empregados, inteligência do
inciso III do art. 932 do Código Civil13.
Em observação mais atenciosa às causas que motivam a obrigação de
indenizar, percebe-se claramente dois grupos: um que deriva do descumprimento à
10 TJRJ – 17ª Câmara Cível – Apelação nº 2006.001.33883 – INDENIZATÓRIA. DANOS MORAIS. USO INDEVIDO DE IMAGEM. Ator contratado por empresa de turismo. Serviço divulgado por outras sociedades. Ausência da relação jurídica com o autor. Alegação de autorização que não se comprova. Conduta ilícita que enseja o dever de reparar o prejuízo. Incontroversa violação a direito da personalidade. Nexo causal não afastado. Recurso imprestável para a provocação da reforma do julgado. Rejeição das preliminares. Conhecimento e desprovimento do apelo. 11 TJRJ – 1ª Câmara Cível – Apelação nº 2006.001.54960 – AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL. MECÂNICA CREDENCIADA DA SEGURADORA. DEMORA NA ENTREGA. DESCUMPRIMENTO DO PRAZO. DANO MORAL CONFIGURADO. Não há necessidade de perícia para que se comprove que o prazo de 50 dias, muito além do avençado entre as partes, ultrapassa o critério da normalidade, gerando aborrecimentos que vão além do mero descumprimento contratual. Redução do quantum para adequação aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. PROVIMENTO PARCIAL DO APELO. 12 TJRJ – 9ª Câmara Cível – Apelação nº 2006.001.24564 – RESPONSABILIDADE CIVIL. CULPA CONTRATUAL DE NATUREZA OBJETIVA. FATO DE TERCEIRO NÃO EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE. DIREITO DO CONSUMIDOR. APLICABILIDADE. Empresa de transporte coletivo, por relação contratual, tem o dever de transportar o passageiro incólume durante o percurso. Condição de passageiro de autora não negado pela ré. Inconteste a obrigação de indenizar, já que irrelevante se o acidente originou de fato de terceiro. Sentença procedente parcialmente que se mantém. Desprovimento da apelação. 13 TJRJ – 3ª Câmara Cível – Apelação nº 2002.001.22413 – RESPONSABILIDADE CIVIL. CHEQUES DESTINADOS A PAGAMENTO DE TRIBUTOS. DESVIOS PRATICADOS POR FUNCIONÁRIA. RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR. Resulta incontroverso, o recebimento dos vinte cheques destinados a pagamentos dos tributos pela referida funcionária da apelante, alguns depositados em sua conta e outros desviados para conta de terceiro, devendo, em conseqüência, responder a empregadora, por ato ilícito perpetrado por sua empregada, no exercício de seu mister (art. 159 e 1.521, III, do Código Civil e S. 341 do STF). DESPROVIMENTO DO RECURSO.
15
lei, e o outro, do descumprimento ao contrato. Tal divisão denota duas classificações
distintas à responsabilidade, quais sejam, a contratual e a extracontratual.
Roberto Senise Lisboa traz interessante distinção doutrinária das duas
modalidades de responsabilidade, indagando, inclusive, seus estreitos laços com a
idéia de obrigação e suas principais correntes teóricas. Explica o jurista:
“As fontes da responsabilidade civil são as mesmas da obrigação porque
aquela, como se disse, é o dever jurídico sucessivo do descumprimento da
obrigação.
Orientou-se o sistema pátrio pela adoção da teoria dualista ou clássica, da
origem da responsabilidade, repartindo-a em contratual e extracontratual, o que
é criticado pela teoria monista, que sustenta a desnecessidade da fixação de
um regime de responsabilidade que procura regular diferentemente.
Responsabilidade contratual é aquela que decorre da violação de obrigação
disposta em um negócio jurídico.
Responsabilidade extracontratual é aquela que decorre diretamente da lei”.14
Nesta classificação quanto à origem da responsabilidade, imprescindível é
alinhavar as palavras do jurista Sílvio Venosa, que observou que a tendência
doutrinária moderna é convergir as duas modalidades aqui referidas, tendo como
pilar a compreensão do elemento ‘culpa’, o qual está inserto em ambas as
modalidades:
“A doutrina contemporânea, sob seus aspectos, aproxima as duas
modalidades, pois a culpa vista de forma unitária é fundamento genérico da
responsabilidade. Uma e outra se fundam na culpa. Na culpa contratual, porém,
examinamos o inadimplemento como seu fundamento e os termos e limites da
obrigação. Na culpa aquiliana ou extranegocial, levamos em conta a conduta
do agente e a culpa em seu sentido lato [...]”.15
É a culpa elemento que permeia os ambos os tipos de responsabilidade
civil subdivididos conforme sua origem. Porém, o elemento culpa passa a ser
instrumento balizador para classificar a responsabilidade, em virtude de que
14 LISBOA, Roberto Senise, Manual de Direito Civil, volume 2, 4ª ed. rev, atual. e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 467; 15 VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito Civil, vol. 4, 8ª ed. atual., São Paulo: Altas, 2008, p. 18.
16
algumas ações geradoras do dever de indenizar independem da caracterização da
culpa.
Portanto, na divisão da responsabilidade quanto a culpa, surgirão a
subjetiva e a objetiva. Em uma análise mais pormenorizada da incidência da culpa
nos atos jurídicos passíveis de reparação, das modalidades citadas ainda se
desdobrarão outras duas. Percebe-se, ainda, que a classificação de subjetiva e
objetiva vai depender da atividade desempenhada pelo agente causador do dever
de reparar.
É de Roberto Senise Lisboa a conceituação que melhor se aplica ao
objetivo que se deseja alcançar na exposição do presente estudo, sendo ela:
“Responsabilidade subjetiva é aquela que é apurada mediante a
demonstração de culpa do agente causador do dano.
Responsabilidade subjetiva com presunção de culpa é aquela que é
apurada mediante a presunção relativa da lei de existência da culpa do agente
causador do dano.
Responsabilidade objetiva é aquela que é apurada independentemente de
culpa do agente causador, pela atividade perigosa por ele desempenhada.
Responsabilidade objetiva por risco exacerbado é aquela que é apurada
independentemente de culpa do agente causador do dano, pela gravidade ou
risco exacerbado da atividade perigosa por ele desempenhada.’16 (grifei)
Ainda a respeito da classificação da responsabilidade, não se pode olvidar
de categorizá-las de acordo com a causa que deu origem à obrigação de indenizar,
ou seja, pode-se avaliar se recairá sobre o autor do fato a responsabilidade a que
deu causa de forma direta ou indireta. Mais uma vez, Roberto Senise Lisboa delimita
conceitualmente tal classificação:
“Responsabilidade direta é aquela proveniente de conduta cometida pelo
próprio sujeito sobre o qual recai a imputabilidade.
Responsabilidade indireta é aquela proveniente de conduta cometida por
terceiro ou de coisa relacionada com o sujeito sobre o qual recai a
imputabilidade”.17
16 LISBOA, Roberto Senise, ob. cit. pp. 460-461. 17 Ob. cit., p. 461.
17
A responsabilidade direta pertine a ato cometido pelo lesante
pessoalmente, diz-se de uma conduta direta do agente ativo causador do dano. Já
na responsabilidade indireta, o ato é cometido por terceiro que está sob a tutela,
curatela, autoridade, companhia, subordinação ou mando daquele que irá, por força
de lei ou contrato, responder por qualquer dano causado.
Os cinco incisos do artigo 932 do Código Civil correspondem às
indicações legais para responsabilização indireta, bem como o artigo seguinte, o
933, que, mencionando os cinco incisos referidos, faz alusão ao dever legal de
responder sem culpa, a pouco mencionado através da exposição doutrinária da obra
do conspícuo civilista Orlando Gomes.
Cabe aqui a ressalva de que a responsabilidade indireta também é
conhecida como responsabilidade por ato de terceiros, e é expressamente tida como
objetiva, fato que se abstrai examinando o artigo 933, vez que se faz desnecessária
a comprovação de culpa para o apontamento do responsável.
Relevante é transcrever o texto dos artigos retro, expondo os comentários
de Thelma Araújo Esteves Fraga, consolidados em “O Novo Código Civil
Comentado”, obra escrita em conjunto com onze insignes juristas fluminenses.
Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:
I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua
companhia;
II – o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas
condições;
III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no
exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;
IV – os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se
albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes,
moradores e educandos;
V – os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a
concorrente quantia.
Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que
não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali
referidos.
18
[...]. Não seria uma derrogação ao princípio da personalidade da culpa, [...], na
verdade, o ato do autor material do dano é apenas causa imediata, sendo
contudo a omissão daquele que tem o dever de guarda ou vigilância, a causa
mediata, daí dizer-se que o que ocorre é responsabilidade por infração aos
deveres de vigilância.18
Aduz-se que o comentário da autora supramencionada se baseia no
entendimento de que o descumprimento de uma imposição obrigacional, qual seja, o
dever de vigilância que resulta no dever de indenizar, a saber, a responsabilização
civil do agente.
Explica Thelma Araújo que, em verdade, o responsabilizado comete ato
ilícito ao contrariar o art. 186 do CC, por omissão. Tal compreensão não afasta o
caráter objetivo da responsabilidade, fincado no art. 933 do CC.
Mas, afinal, quais os pressupostos elementares que devem ser elencados
para a detecção da responsabilidade civil? Ao longo das explicações até então
traçadas, os pressupostos elementares da responsabilidade civil foram todos
aludidos, cabendo, então, lista-los e defini-los de forma concisa.
Para manter um desencadear lógico, deve-se iniciar o ranqueamento dos
pressupostos elementares da responsabilidade civil pelo seu requisito exordial, a
conduta humana.
Primeiramente, imperativo é notar que a responsabilização decorre de
qualquer ato voluntário é proveniente estritamente da ação ou omissão voluntária do
homem, portanto, é a responsabilidade civil conseqüência exclusiva e indissociável
da conduta humana.
Note-se que até mesmo um dano proveniente da ação de um animal é de
inteira responsabilidade de seu dono (art. 936 do CC), excetuando-se o animal
pertencente à fauna selvagem, localizado nos limites das unidades de conservação
ambiental restritas à visitação humana. Neste mesmo diapasão menciona-se o dano
causado por objeto que se precipita da janela de uma habitação, pelo qual responde
seu dono (art. 938 do CC).
18 FRAGA, Thelma Araújo Esteves e outros, O Novo Código Civil Comentado, vol. 1, 2ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2004, p. 719.
19
Falam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho acerca da conduta
humana:
“ Nesse contexto, fica fácil entender que a ação (ou omissão) humana
voluntária é pressuposto necessário para a configuração da responsabilidade
civil. Trata-se, em outras palavras, da conduta humana, positiva ou negativa
(omissão), guiada pela vontade do agente, que desemboca no dano ou
prejuízo. Assim, em nosso entendimento, até por um imperativo de precedência
lógica, cuida-se do primeiro elemento da responsabilidade civil a ser estudado,
[...].
O núcleo fundamental, portanto, da noção de conduta humana é a
voluntariedade, que resulta exatamente da liberdade de escolha do agente
imputável, com discernimento necessário para ter consciência daquilo que faz.” 19
(grifei).
É da ação ou omissão voluntária do homem que surge o pressuposto
elementar da responsabilidade civil intrinsecamente ligado à conduta do homem,
qual seja, o ato ilícito. Diz-se dele um elemento conseqüente, portanto, ocupa o
segundo lugar na cadeia lógica de requisitos.
Em exposição repetida em outras obras, Sílvio Venosa emite suas
considerações acerca do ato ilícito:
“[...]. Esse conceito prende-se ao da imputabilidade, porque a voluntariedade
desaparece ou tona-se ineficaz quando o agente é juridicamente irresponsável.
[...].
O ato de vontade, contudo, no campo da responsabilidade deve revestir-se de
ilicitude. Melhor diremos que na ilicitude há, geralmente, uma cadeia ou
sucessão de atos ilícitos, uma conduta culposa. Raramente, a ilicitude ocorrerá
com um único ato. O ato ilícito em um comportamento voluntário que transgride
um dever. [...].
Na responsabilidade subjetiva, o centro de exame é o ato ilícito. O dever de
indenizar vai repousar justamente no exame de transgressão ao dever de
conduta que constitui o ato ilícito. Como vimos, sua conceituação vem exposta
19 GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo, ob. cit., p. 27.
20
no art. 186 (antigo art. 159). Na responsabilidade objetiva, o ato ilícito mostra-
se incompleto, pois é suprimido o substrato da culpa.”20 (grifei)
Como se pode extrair do trecho assinalado acima, é o ato ilícito um ato da
vontade humana eivado de ilicitude, uma transgressão de dever, o qual gera
um prejuízo e, subsequentemente, um dever secundário, o de indenizar.
Ademais, todo ato ilícito pressupõe culpa, elemento imprescindível das
responsabilidades subjetiva e subjetiva de culpa presumida.
Venosa expõe que culpa é a inobservância de um dever que o agente
devia conhecer e observar21. Esta é a explicação de culpa lato senso, a qual abarca
o dolo e a culpa quando vista no campo civil. Em se tratando de indenização, tanto o
ato intencional de prejudicar (dolo ou delictum, no Direito Romano) quanto a ação ou
omissão danosa proveniente de negligência, imprudência ou imperícia (culpa ou
quasi delictum, no Direito Romano) provocam o mesmo resultado prático.
Enfim, a Lei Civil vigente, em seu artigo 186, contempla o ato ilícito e a proveniente
culpa em seu conteúdo, como se vê:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral,
comete ato ilícito.22
Ainda há o dano, elemento fundamental da responsabilidade, o qual terá
um capítulo dedicado à sua definição. Porém, cabe aqui um pequeno intróito para
que se possa rumar ao conceito de nexo de causalidade, último quesito a ser
observado. Com simplicidade, Venosa entende que dano consiste no prejuízo
sofrido pelo agente23, enfatizando que este pode ser econômico ou não econômico,
sofrido individualmente ou em grupo.
Pois bem, vendo o dano como prejuízo, compreende-se que o nexo
causal é o elemento formador da responsabilidade civil encarregado de estabelecer
o liame que une a conduta do agente ao dano24.
20 VENOSA, Sílvio de Salvo, ob. cit., p. 20. 21 Ob. cit., p. 21. 22 FRAGA, Fernando dos Santos Esteves e outros, O Novo Código Civil Comentado, vol. 1. 2ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2004, p. 123. 23 Ob. cit., p. 29. 23 Ob. cit., p. 42.
21
É o nexo causal a comprovação da relação de causa e efeito que não se
deve olvidar quando do levantamento do conjunto probatório a ser incorporado aos
autos processuais em ação indenizatória, caso contrário restará improcedente de
plano o pedido reparatório.
Como diz Venosa:
“É por meio do exame da relação causal que concluímos quem foi o causador
do dano. Trata-se de elemento indispensável. A responsabilidade objetiva
dispensa a culpa, mas nunca dispensarão nexo causal. Se a vítima, que
experimentou um dano, não identificar o nexo causal que leva o ato danoso ao
responsável, não há como ser ressarcida.”25 (grifei)
Em um raciocínio associativo com a doutrina processual civil, aduz-se que
o nexo causal é como a questão prejudicial, elemento sine qua non para a
continuidade do processo, e foi chamado de elemento indispensável por Venosa.
2.3 – Teoria da Reparabilidade
Uma das funções do Direito é a de engendrar fórmulas para restaurar o
equilíbrio necessário à vida natural do homem em Sociedade quando este é
quebrado por causa de direitos violados, de ações alheias injustas. O princípio de
que ninguém deve ser lesado, associado ao ideal da construção de uma ordem
jurídica justa, tem norteado a elaboração de uma teoria da responsabilidade civil que
visa a reparação dos efeitos do dano, quer propiciando ao lesado a restauração do
patrimônio, quer compensando-o pelos sofrimentos experimentados, ao mesmo
tempo em que leva o lesante a sentir o peso das conseqüências de seus atos.
O fator central que rege a construção desta teoria é a preocupação com
as vítimas de danos, tanto patrimoniais quanto extrapatrimoniais, enfatizando-se
acentuadamente o cunho pecuniário de suas reparações.
Houve forte resistência à tese da reparabilidade, por parte de
pronunciamentos doutrinários e jurisprudenciais, rejeitando a idéia de atribuir valores
à dor e a outros sentimentos feridos, embora já houvesse, desde a Antiguidade,
juntamente com a noção de reparação patrimonial a noção de reparação moral na
base da teoria da responsabilidade civil e do próprio Direito Romano.
25 Idem.
22
Apenas com a evolução das doutrinas sociais e com o extraordinário
desenvolvimento tecnológico (a partir de meados do século XIX) foi que esta
problemática passou a ser vista sob uma nova ótica. Os movimentos de defesa dos
direitos essenciais da pessoa humana que culminaram com as Declarações
Universal e Americana dos Direitos Fundamentais do Homem foram frutos das
Convenções e Acordos firmados (principalmente após as funestas conseqüências
das grandes guerras mundiais) e, com base na normatização dos direitos da
personalidade e de autor, as regras de reparabilidade dos danos morais começaram
aparecer expressas sob a forma das leis. A partir daí procurou-se resguardar a
individualidade da pessoa humana, uma vez que com o surgimento de inúmeros
mecanismos de comunicação social, tais como de som, de imagem, escritos e outras
manifestações do relacionamento social, seu ciclo de abrangência, de exposição,
tornou-se cada vez maior.
No Brasil, apenas na Constituição de 1988, foi explicitamente inserida a
indenização dos danos morais (art. 5 º, insc. V e X), mas a lei de direitos autorais, a
lei sobre o sistema de comunicações, as leis sobre certos aspectos dos direitos da
personalidade e, posteriormente, o Código de Defesa do Consumidor, além de
outros que, sob o aspecto penal cuidavam da proteção da honra, de outros valores
morais da personalidade, das relações de família, do respeito ao sentimento
religioso, do respeito aos mortos, etc. já prenunciavam a referida lei da
responsabilidade civil.
O Estado tem tido uma postura protecionista, no que diz respeito a este
tipo de amparo, desde a época do Império, quando nosso Código Criminal já
privilegiava os valores básicos da convivência social. Isto vem se estendendo aos
nossos dias quando nossas Constituições vêm enumerando, entre os direitos
fundamentais, a tese da reparabilidade como princípio fundamental em nosso
sistema jurídico, cuja linha central busca fazer justiça às vitimas de infortúnios, lhes
propiciando a devida reparação pelos danos suportados e submetendo o agente às
devidas conseqüências.
A fase inicial da nossa jurisprudência sobre danos morais caracterizou-se
pela predominância da tese da irreparabilidade. Daí passou-se para à posição
oposta: a da plena reparabilidade, em função de crescentes demandas a respeito da
matéria, assim como do progresso científico que alcançou o plano do Direito, da
expansão das técnicas e dos diferentes modos de exposição das pessoas e criações
23
intelectuais ao público assim como a crescente detecção de atentados a valores
essenciais da moralidade, tanto pública quanto privada. Em função disto aceitou-se,
como legítima, a indenização do dano moral desde que provado seu reflexo no
âmbito patrimonial do lesado, com uma imposição de pagamento de indenização. No
caso de morte havia, além dos danos à moral e à afetividade humanas, as
conseqüências negativas ao patrimônio do lesado: dano de caráter econômico. Além
de sentimentos negativos de perda afetiva e de dor, a morte acarreta dificuldade de
ordem financeira, principalmente quando a mulher não exerce senão afazeres
domésticos e os filhos são menores de idade.
Mais recentemente firmada a orientação pela reparabilidade, alcançou
esta também a adequação ao movimento de reparação de danos morais por
atentados a elementos da personalidade e, principalmente no plano dos direitos
autorais. Em nosso país, somente com pronunciamentos do Supremo Tribunal, em
especial o da súmula 491, e nos limites dos casos julgados, chegou-se a meta da
reparação. Entre os vários debates e comentários acerca do assunto salientamos o
da conveniência ou possibilidade de ressarcimento, modo de realização da
indenização e definição das pessoas que fariam jus à percepção. Assuntos como a
possibilidade de ressarcimento ficaram restritos às situações suscetíveis de
caracterização de danos morais descritas no Código ou em leis especiais, tendo o
cuidado de, no reconhecimento desta modalidade, não representar um acréscimo
indevido no patrimônio do lesado. De outro lado, confirmada a situação de dano
moral e de necessidade de sua reparação, ainda se levantavam questões quanto à
impossibilidade de mensuração e conseqüente determinação de justo valor, além de
problema sobre a dificuldade de provar concretamente o dano moral e a respectiva
qualificação, entre outros de menor espectro.
Concluindo pode-se afirmar que esta orientação da teoria da
reparabilidade plena vem sendo bem aceita e consagrada, representando uma
tendência firme no sentido de obter-se a tutela efetiva, no plano provado, dos
direitos da personalidade em geral e dos direitos autorais
24
2.4 – Principais Funções
Destacado, definido e classificado o instituto da Responsabilidade Civil,
parte-se agora para breve exposição de suas funções, delimitando seu raio de ação
e sua importância na manutenção do equilíbrio das relações sociais.
Asseverou Roberto Senise Lisboa que:
“Na sociedade pós-moderna, o instituto da responsabilidade civil possui papel
fundamental para a resolução dos conflitos intersubjetivos e transindividuais,
permitindo-se uma melhor compreensão da proteção do direito individual, coletivo
e difuso”26.
Porém, não demonstrou com completude as funções do referido instituto
ao dizer que este possui apenas dois empregos, quais sejam, garantir o direito do
lesado e servir como sanção civil. Nesse quesito, foi mais a fundo Clayton Reis ao
notar que:
“[...] o ofensor receberá sanção correspondente consistente na repreensão social,
tantas vezes quanto forem suas ações ilícitas, até conscientizar-se da obrigação
em respeitar os direitos das pessoas. Os espíritos responsáveis possuem uma
absoluta consciência do dever social, posto que, somente fazem aos outros o
que querem que seja feitos a eles próprios. Estas pessoas possuem exata noção
de dever social, consistente em uma conduta emoldurada na ética e no respeito
aos direitos alheios. Por seu turno, a repreensão contida na norma legal tem
como pressuposto conduzir as pessoas a uma compreensão dos fundamentos
que regem o equilíbrio social. Por isso, a lei possui um sentido tríplice: reparar,
punir e educar.”27(grifei)
O jurista, ao contextualizar a função social contida na lei, demonstra todas
as funções advindas da responsabilização a partir do dano causado. Não se limita o
instituto a garantir o restabelecimento ao status quo ante do ofendido, mas também
gera efeitos ao ofensor e à sociedade como um todo.
26 LISBOA, Roberto Senise, ob. cit. p. 428. 27 REIS, Clayton, Avaliação do Dano Moral, 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 79-80.
25
Não se pode perder de vista que o fato gerador do dever de indenizar é o
cometimento de um ato ilícito, o qual não pode, nem deve, restar à margem de uma
punição justa e proporcional ao desrespeito do ordenamento jurídico público.
Acerca desse aspecto, conclui Pablo Stolze Gagliano, referindo-se à
responsabilidade em seu sentido amplo:
“[...] a natureza jurídica da responsabilidade será sempre sancionadora,
independentemente de se materializar como pena, indenização ou compensação
pecuniária”28. (grifei)
Ademais, deve-se observar a importância da punição como efeito
pedagógico de validade erga omnes, pois uma punição exemplar, se bem
divulgada, terá efeito inibidor ante o grupo social que se encontra sob a égide
daquela lei violada.
Destaque-se que o intuito do presente estudo é revelar a importância do
caráter punitivo pedagógico da responsabilidade civil, o qual deve ser tão prestigiado
quanto sua função reparadora, que é hoje a função tida como primordial na
aplicação do instituto em tela.
Feito levantamento das funções essenciais da responsabilidade civil, é
hora de estabelecer as definições específicas e as ferramentas jurídicas que
efetivamente põem em prática as citadas funções.
28 GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo, ob. cit., p. 20.
26
3 - RESPONSABILIDADE CIVIL: DANO E REPARAÇÃO
O presente capítulo se preocupará em detalhar o pressuposto principal da
responsabilidade, que é o dano, e a prestação advinda da obrigação de indenizá-lo,
qual seja, a reparação.
Primeiramente, respeitando a seqüência lógica, e retomando discurso já
iniciado quando da definição dos elementos essenciais da responsabilidade civil,
deve-se ater ao conceito de dano e seus desdobramentos e, logo após, o de
reparação.
3.1 –Dano e Reparação - Conceituação Quanto à conceituação do termo e sua recorrente manifestação,
posiciona-se Sílvio de Salvo Venosa da seguinte forma:
“Dano pode ser compreendido como toda ofensa e diminuição de patrimônio.
Não há como darmos um conceito unitário de dano, tendo em vista os inúmeros
matizes que o vocábulo abrange. O dano que interessa à responsabilidade civil é
o indenizável, que se traduz em prejuízo, em diminuição de um patrimônio. Todo
prejuízo resultante da perda, deterioração ou depreciação de um bem é, em
princípio, indenizável. [...]
Para que ocorra o dever de indenizar não bastam, portanto, um ato ou
conduta ilícita e o nexo causal; é necessário que tenha havido decorrente
repercussão patrimonial negativa material ou imaterial no acervo de bens, no
patrimônio, de quem reclama. A culpa pode ser dispensada nos casos em que se
admite a responsabilidade objetiva [...]”.29
Delineou o jurista os requisitos essenciais para a caracterização da
responsabilidade e conseqüente dever de indenizar, colocando o dano como
elemento cardeal para que se possa peticionar a reparação.
Explicou Venosa que não há reparação sem dano, mesmo havendo ato
ilícito e nexo causal, o que nos leva a entender que o dano não deve simplesmente
causar um malefício, mas sim um malefício indenizável por deterioração ou
29 Ob. cit., p. 271.
27
inutilização dos bens materiais, ou considerável abalo aos bens imateriais, mesmo
não havendo culpa a se provar.
Acentua Sérgio Cavalieri Filho:
“O dano é, sem dúvida, o grande vilão da responsabilidade civil. Não haveria
que se falar em indenização, nem em ressarcimento, se não houvesse o dano.
Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade
sem dano. Na responsabilidade objetiva, qualquer que seja a modalidade do
risco que lhe sirva de fundamento – risco profissional, risco proveito, risco criado
etc. –, o dano constitui o seu elemento preponderante. Tanto é assim que, sem
dano, não haverá o que reparar, ainda que a conduta tenha sido culposa ou até
dolosa.”30
Em resumo, a responsabilidade civil que merece a tutela jurisdicional
quanto ao dever de reparar deve apresentar os requisitos essenciais de conduta
legalmente ilícita, conexão de causa e efeito e dano economicamente indenizável.
Resta buscar a definição doutrinária de reparação do dano. É
imprescindível rememorar que, como já dito antes, o intuito de reparar o dano sofrido
é o caráter da responsabilidade civil de maior força por ser priorizado pelas
correntes doutrinárias e pelos órgãos julgadores.
Sílvio de Salvo Venosa em sua obra, já antes citada no presente trabalho,
define a idéia de reparação, partindo do significado vernacular do radical da palavra
‘indenizar’:
“Reparar o dano, qualquer que seja sua natureza, significa indenizar, tornar
indene o prejuízo. Indene é o que se mostra íntegro, perfeito, incólume. O ideal
de justiça é que a reparação de dano seja feita de molde que a situação anterior
seja reconstituída: quem derrubou o muro do vizinho deve refazê-lo; quem
abalrroou veículo de outrem por culpa deve repará-lo; dono de gado que invadiu
terreno vizinho, danificando pomar, deve replantá-lo e assim por diante. [...]”31
30 CAVALIERI FILHO, Sérgio, Programa de Responsabilidade Civil, 8ª ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 77. 30 Ob. cit., p. 272.
28
Em prelúdio à explicação de danos de natureza material e imaterial, ainda
no mesmo parágrafo, prossegue Venosa fazendo pertinente observação quanto à
forma de indenizar:
[...]. Vimos que essa solução é a mais adequada em determinadas classes de
danos, como, por exemplo, nos danos ecológicos. Não é, porém, o que na prática
se mostra possível ou aceitável no direito eminentemente privado, mormente
porque há danos que são irreparáveis ‘in natura’, como a morte.32
Destarte, imperioso se faz neste momento apresentar a conceituação dos
danos de natureza patrimonial, denominados pela doutrina de danos materiais e os
danos morais, de natureza extrapatrimonial.
3.2 – Dano Material e Dano Moral - Conceituação Uma vez denominados pela doutrina, como dito anteriormente, cabe
conceitua-los de acordo com a doutrina. Começando pelo dano material, é de Pablo
Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho a definição e a subdivisão do dano em
duas espécies:
“O dano patrimonial traduz lesão aos bens e direitos economicamente
apreciáveis do seu titular. Assim ocorre quando sofremos um dano em nossa
casa ou em nosso veículo.
[...], no que tange especificamente ao dano patrimonial ou material, convém o
analisarmos sob dois aspectos:
d) o dano emergente – correspondente ao efetivo prejuízo experimentado pela
vítima, ou seja, “o que ela perdeu”;
e) os lucros cessantes – corresponde àquilo que a vítima deixou
razoavelmente de lucrar por força do dano, ou seja, “o que ela não ganhou”.33
A partir da didática explanação difundida pelos juristas retromencionados,
é notável que a diferença marcante entre o dano emergente e o lucro cessante é o
lapso temporal: enquanto o primeiro se estima pelo prejuízo imediatamente causado,
o segundo se apura ao longo do tempo em que o bem danificado permaneceu
32 Idem. 33 GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo, ob. cit., p. 40.
29
inativo. Acrescente-se que o dano material tem por mero fim recompor o patrimônio
do ofendido.
O dano emergente e o lucro cessante são, segundo a Lei Civil, o que se
chama “perdas e danos”. O legislador, desde o Código Civil anterior que já previa tal
situação, demonstra sua preocupação em priorizar a reparação civil em prol do
restabelecimento do status quo ante do prejudicado. 34
Parte-se para conceituação do dano moral, primorosamente estruturada
por Carlos Alberto Bittar, quando disse que:
“[...] qualificam-se como morais os danos em razão da esfera da subjetividade, ou
do plano valorativo da pessoa na sociedade, em que repercute o fato violador,
havendo-se, portanto, como tais aqueles que atingem os aspectos mais íntimos
da personalidade humana (o da intimidade e da consideração pessoal), ou o da
própria valoração da pessoa no meio em que vive e atua (o da reputação ou da
consideração social).” 35
Portanto, no que tange aos danos extrapatrimoniais, ou seja, aqueles que
não podem ser reduzidos à pecúnia por se tratar do patrimônio incorpóreo
personalíssimo do lesado, podemos dizer que a indenização assume roupagem
outra que a do dano patrimonial: sua natureza indene é compensatória, mesmo
porque não há possibilidade de restituir o vitimado ao estado anterior ao dano.
Por sua natureza, o dano moral será passivo de maior apreciação no
presente trabalho, mesmo porque seu liame ao caráter reparatório da
responsabilidade civil é menor em comparação com o dano material. Abstrai-se do
dano moral uma personalidade punitivo-pedagógica, fato que será amplamente
esmiuçado no capítulo vindouro.
Cabe mencionar o destaque dado ao dano moral no texto do Código Civil
vigente, mais exatamente em seu art. 186, o qual aduz que a indenização por ato
ilícito é devida, ainda que o dano seja exclusivamente moral.
34 Lei 10.406/02 (Código Civil vigente): art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidos ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar (correspondente ao art. 1.059 do Código Civil anterior). 35 BITTAR, Carlos Alberto, Reparação Civil por Danos Morais, 5ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 52.
30
Com tal atitude, o legislador somente confirmou em sede civil o que já se
encontrava consagrado na Carta Magna nacional desde 1988, em seu art. 5º, X, o
qual, inclusive, versa sobre os direitos individuais personalíssimos e seus meios
legais de defesa.36
36 CRFB – Art. 5º, X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
31
4 – O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DA REPARAÇÃO
Tendo em vista que a reparação civil é atributo indissociável da
responsabilidade civil, a compreensão de que o caráter punitivo-pedagógico inserido
na primeira será, logicamente, atinente à segunda.
Assim sendo, é característico à reparação civil o caráter indenizatório, o
qual se subdivide em dois espectros: o de natureza de ressarcimento e o de
natureza compensatória. O ressarcimento cuida da recomposição dos danos
causados, são os danos monetariamente mensuráveis, o prejuízo é calculável,
intimamente ligado com os bens materiais. O dano material é o instrumento jurídico
usado para suscitá-lo. Aliás, este é o único caráter que atine ao intuito reparatório do
dano material, já que sua função é meramente restabelecer o status quo ante do
lesado.
Já a natureza compensatória está diretamente ligada à indenização dos
bens imateriais prejudicados no cometimento do ato ilícito – compensa-se os danos
imensuráveis, os quais não tem parâmetros pecuniários para serem delimitados –
não há o que se reparar, apenas compensar. Como diz Venosa, é o dano moral um
lenitivo para a dor causada.
4.1 – O Dano Moral como Instrumento Punitivo-Pedagógico
O instituto jurídico que viabiliza sua aplicação in judice é o dano moral, e é
justamente na dissecação deste instituto que se apoiará o deslinde do presente
estudo, tendo em vista que o dano moral abrangerá, além da compensação, a
punição ao ofensor e a desmotivação social da conduta, como revelou Pablo
Gagliano Stolze e Rodolfo Pamplona Filho ao tratarem das funções da reparação
civil:
“[...] três funções podem ser facilmente visualizadas no instituto da reparação
civil: compensatória do dano à vítima; punitiva do ofensor; e desmotivação social
da conduta lesiva.
Na primeira função, encontra-se o objetivo básico e finalidade da reparação
civil: retomar as coisas ao ‘status quo ante’. Repõe-se o bem perdido diretamente
ou, quando não é mais possível tal circunstância, impõe-se o pagamento de um
32
‘quantum’ indenizatório, em importância equivalente ao valor do bem material ou
compensatório do direito não redutível pecuniariamente.
Como uma função secundária em relação à reposição das coisas ao estado
em que se encontravam, mas igualmente relevante, está a idéia de punição do
ofensor. Embora esta não seja a finalidade básica (admitindo-se, inclusive, a
sua não-incidência quando possível a restituição integral à situação jurídica
anterior), a prestação imposta ao ofensor também gera um efeito punitivo
pela ausência de cautela na prática de seus atos, persuadindo-o a não mais
lesionar.
E essa persuasão não se limita à figura do ofensor, acabando por incidir
numa terceira função, de cunho socioeducativo, que é a de tornar público que
condutas semelhantes não serão toleradas. Assim, alcança-se, por via indireta, a
própria sociedade, restabelecendo-se o equilíbrio e a segurança desejados pelo
Direito.”37
Sílvio de Salvo Venosa vai mais fundo e fortalece a indagação acima
mencionada, inclusive citando Projeto de Lei que visa a modificação do art. 944 do
CC, fato que sinaliza a sensibilidade do legislador quanto a outro caráter da
reparação civil por dano moral. Atenta, também, para as características punitivo-
pedagógicas do dano moral, senão vejamos:
“É inafastável também, como enfatizado, que a indenização pelo dano moral
possui cunho compensatório antes do reparatório somado a relevante aspecto
punitivo que não pode ser marginalizado. Nesse sentido, o Projeto de Lei nº
6.960/2002, que pretendeu alterar vários dispositivos do vigente Código,
acrescenta parágrafo ao art. 944: ‘A reparação do dano moral deve constituir-se
em compensação ao lesado e adequado desestímulo ao lesante’.
Há função de pena privada, mais ou menos acentuada, na indenização por
dano moral, como reconhece o direito comparado tradicional. Não se trata,
portanto, de mero ressarcimento de dano, como ocorre na esfera dos danos
materiais. Esse aspecto punitivo da verba indenizatória é acentuado em muitas
normas de índole civil e administrativa. Aliás, tal função de reprimenda é
acentuada nos países da ‘common law’. Há um duplo sentido na indenização
por dano moral: ressarcimento e prevenção. Acrescente-se ainda o cunho
educativo, didático ou pedagógico que essas indenizações apresentam para a
37 GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo, ob. cit., p. 21.
33
sociedade. Quem, por exemplo, foi condenado por vultosa quantia porque
indevidamente remeteu título a protesto; ou porque ofendeu a honra ou imagem
de outrem, pensará muito em fazê-lo novamente. Grande parte da doutrina,
porém, ainda não aceita essa função pedagógica na indenização. Trata-se de
mais uma mutação conceitual que a responsabilidade civil aquiliana vem
sofrendo ultimamente. O direito da responsabilidade civil é essencialmente
mutante.”38
Continua Venosa, revelando a capacidade dissuasória que o efeito de uma
condenação por danos morais ocasiona ao homem comum e à toda sociedade,
como um todo. Pode-se afirmar que a conseqüência da indenização por danos
morais possui repercussão erga omnes, como suscita o autor, embasado no direito
comparado, nas linhas infracitadas:
“Inafastável contudo que a condenação pelo dano moral exerce igualmente
importante papel educativo, dissuasório ou pedagógico no princípio geral do
‘neminem laedere’39. Como aponta Suzanne Carval (1995:1), na abertura de sua
obra específica sobre o tema, La responasbilité dans as fonction de peine privée,
“não há dúvida que, para o homem da rua, a responsabilidade civil é bem outra
coisa do que um simples instrumento de reparação de danos”. Ser responsável
para a maioria dos cidadãos, não é somente responder por uma soma em
dinheiro, mas também por uma contribuição ou garantia social. Aponta a autora,
ainda, que essa noção do homem comum também é compartilhada pela ciência
jurídica.”40
Clayton Reis corrobora com a exposição apresentada por Venosa,
acrescentando a idéia de persuasão ao instituto do dano moral, da seguinte
maneira:
“Não resta dúvida que a função de dissuasão é importante, enquanto seja
capaz de produzir efeitos no espírito do lesionador, uma vez que concorre para a
mudança do seu comportamento ofensivo no que tange à prática de novos atos
antijurídicos. Assim, tendo conhecimento antecipado das conseqüências que o
seu ato danoso será capaz de produzir, bem como dos inevitáveis resultados
38 VENOSA, Sílvio de Salvo, ob. cit., pp. 284-285. 39 Neminem laedere – “não lesar a ninguém”. Expressões Latinas de uso mais comum, letra “N”. Disponível em: http://paginas.terra.com.br/educacao/gentefina/latinas.htm. Consultado em 24/11/2006, às 12h42. 40 Ob. cit., p. 285.
34
sobre a sua pessoa e patrimônio, o agente lesionador avaliará o seu
comportamento anti-social de forma a refreá-lo, evitando novos agravos a
outrem.” 41
A despeito dos entendimentos doutrinários até então cotejados, o
professor Fábio Ulhoa Coelho, conhecido no meio acadêmico por suas obras no
ramo do Direito Comercial, compreende que os danos morais não possuem outra
função senão compensar o prejuízo sofrido. Opina da seguinte forma:
“A função dos danos morais é exclusivamente compensar a dor
extremada da vítima, quando ela se verifica. Quer dizer, só cabe obrigar o
devedor a compensar os danos morais do credor quando este tiver
experimentado um sofrimento atroz, de envergadura. Os juízes devem ser muito
prudentes ao decidir pelo cabimento da indenização, para que não se deixem
enganar pela simulação da dor. [...]
A única função dos danos morais é compensar a pungente dor que algumas
vítimas sofrem. É importante repisar o conceito para desvestir por completo a
indenização dos danos morais de qualquer caráter sancionatório (cf. Iturraspe,
1982, 4:175/179). Apesar de várias decisões que os instrumentalizam como
medida dissuasória e preventiva (RT, 803/233;785/347), objetivam os danos
morais tão-somente compensar a dor; não se destinam a sancionar o devedor ou
prevenir novos eventos danosos. [...].”42
O atributo de punição exemplar conferido à reparação por dano moral é
algo que lhe é inerente, como enfatizado por Venosa ao dizer que ‘há função de
pena privada, mais ou menos acentuada, na indenização por dano moral’. Portanto,
não se deve dissociar tal caráter do referido instituto, tendo em vista que qualquer
dano advém de um ato ilícito cometido voluntariamente, mesmo quando a
responsabilidade é objetiva (modalidade que aduz descumprimento do dever de
vigilância, considerado omissão voluntária).
41 REIS, Clayton, Avaliação do Dano Moral, 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 161. 42 COELHO, Fábio Ulhôa, Curso de Direito Civil, vol. 2, 2ª ed. rev., São Paulo: Saraiva, 2007, pp. 416 – 417.
35
4.2 – Jurisprudências: Justiça Estadual (Rio de Janeiro)
O entendimento jurisprudencial é contrário à posição de Fábio Ulhoa
Coelho, como o próprio reconhece quando fala, no trecho acima exposto, do caráter
punitivo-pedagógico dos danos morais: “[...]. Apesar de várias decisões que os
instrumentalizam como medida dissuasória e preventiva [...]”.
Aliás, pode-se dizer que os julgados do Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro têm se revelado a favor do entendimento de que o caráter punitivo-
pedagógico da reparação é atributo a ser considerado nas demandas que
instrumentalizam o dano moral, dada a considerável quantidade de decisões que
fazem menção a tal característica.
Importante é frisar que os julgadores das Tribunas fluminenses têm
tomado o caráter punitivo e pedagógico como parâmetro de mensuração do
quantum debeatur43 do dano moral. Neste diapasão, pontua Sílvio Venosa:
De qualquer modo, é evidente que nunca atingiremos a perfeita equivalência
entre a lesa e a indenização, por mais apurada e justa que seja a avaliação do
magistrado, não importando também que existam ou não artigos de lei apontando
parâmetros. Em cada caso, deve ser aferido o conceito de razoabilidade.
Sempre que possível, o critério do juiz para estabelecer o ‘quantum debeatur’
deverá basear-se em critérios objetivos. Evitando valores aleatórios. A criação de
parâmetros jurisprudenciais já vem sendo admitida no país, exercendo a
jurisprudência, nesse campo, importante papel de fonte formal do direito.44
(grifos nossos)
É justamente apoiado no critério objetivo da punição exemplar que os
magistrados fluminenses têm elaborado suas decisões quando se deparam com o
dever judicante de quantificar o dano moral. Logo, além da estipulação
compensatória em função do dano, os desembargadores têm se valido da extensão
dos efeitos do ato ilícito cometido para delimitar o valor a se condenar.
Em pesquisa feita ao endereço virtual do Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro, a partir do item “Jurisprudências”, apurou-se, em função da busca pelos
43 Quantum debeatur – “quantia devida”, Dicionário Latim DireitoNet, letra “Q”. Disponível em http://www.direitonet.com.br/dicionario_latim/x/96/11/961/. Consultado em 28/11/2006 às 22h20. 44 VENOSA, Sílvio de Salvo, ob. cit., p. 284
36
termos “responsabilidade”, “civil”, “caráter, “punitivo” e “pedagógico”, o número de
103 (cento e três) decisões prolatadas entre os anos de 2004 e 2006.45
Abaixo seguem alguns exemplos, com respectivos comentários:
Apelação cível n º2005.001.17596, presidida pelo Des. Mários dos Santos
Paulo da Quarta Câmara Cível. Julgado em 06/09/2005.
Ementa: 1. AÇÃO DE RITO SUMÁRIO. 2. RESPONSABILIDADE CIVIL. 3.
DANO MORAL. 4. RECONHECIDA A CULPA DO MOTORISTA PELA MORTE
DE FILHA MENOR, IMPÕE-SE A INDENIZAÇÃO À MÃE. 5. CIRCUNSTÂNCIA
DE FATO QUE SINALIZA A NECESSIDADE DE REDUÇÃO DA VERBA
INDENIZATÓRIA, ADEQUANDO-SE AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E
DA PROPORCIONALIDADE, ASSIM COMO AO CARÁTER PUNITIVO-
PEDAGÓGICO. 6. EXCLUSÃO DA TAXA SELIC, FIXANDO-SE OS JUROS
LEGAIS EM 1% (UM POR CENTO) AO MÊS A PARTIR DO NOVO CÓDIGO
CIVIL, CONFORME SEU ART. 406. 7. INCID~ENCIA DO ART. 962 DO CÓDIGO
ANTERIOR, REPRODUZIDO NO ART. 398 DO ATUAL. 8. RECURSO
PARCIALMENTE PROVIDO.
Como se verifica, a indenização por dano moral acima decidida se referia
a responsabilidade subjetiva do agente causador da lesão, pois foi necessária a
comprovação de sua culpabilidade. Declarou o julgador que pautou-se no caráter
punitivo-pedagógico do dano moral para quantifica-lo.
Apelação cível nº 2006.001.45993, presidida pelo Des. Mario dos Santos
Paulo da Quarta Câmara Cível. Julgado em 17/10/2006.
Ementa: 1. RESPONSABILIDADE CIVIL. 2. DANOS CAUSADOS À
PASSAGEIRA DE ÔNIBUS. 3. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA EMPRESA
TRANSPORTADORA, PRESTADORA DO SERVIÇO PÚBLICO, CONFORME
ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E LEGISLAÇÃO
INFRACONSTITUCIONAL. 4. DANO MORAL QUE ATENDE AOS PRINCÍPIOS
DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE, ASSIM COMO O
CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO. 5. RECURSO IMPROVIDO.
Acima, vê-se que o atributo punitivo-pedagógico também se manifesta nos
casos em que a responsabilidade é eminentemente objetiva. No caso acima
45 Disponível em www.tj.rj.gov.br. Consultado em 23/04/2008 às 23h32.
37
elencado, trata-se da responsabilidade do Estado em função de seus
concessionários de serviços públicos.
Figura-se nesta situação a responsabilização em função da assunção do
risco oriundo da atividade, não havendo necessidade jurídica de comprovação da
culpa para que se estabeleça o nexo de causalidade e se enxergue o causador do
dano.
A potencial obrigação de indenizar contida no risco da atividade
desempenhada já é assumida, desde o início, pela empresa de ônibus no caso em
tela. O julgador pautou seu juízo de valor no caráter punitivo e pedagógico da
reparação para estabelecer o quantum compensatório.
Imperioso se faz revelar alguns fragmentos relativos a constatação do
dano moral proveniente de uma situação cuja responsabilização do agente é dada
de forma objetiva.
Para melhor situar o caso observado, é pertinente explicar que se trata de
ação ordinária visando a reparação por danos materiais e morais em virtude de
queda no interior de ônibus de linha. A exigência foi acolhida em parte. Recorreu a
autora e requereu a majoração da indenização. Isto posto, o relator quando exarou
seu voto, o qual merece ser reproduzido, senão vejamos:
Aplicável o art. 37, § 6º da Constituição Federal e legislação
infraconstitucional, tratando-se de acidente com passageira de ônibus.
Trata-se, pois de responsabilidade objetiva, bastando, portanto, analisar a
quantificação, já que o dano moral salta aos olhos, evidente pela exposição ao
perigo e demais transtornos, não merecendo redimencionamento, posto que não
houve maiores conseqüências do acidente, quais sejam, inexistentes quaisquer
danos estético e material demonstrados.
A verba indenizatória a título de dano moral merece, pois, confirmação,
atendendo aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, assim como o
caráter punitivo-pedagógico.
À conta desses fundamentos, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO.
Apelação Cível nº 2006.001.11394, presidida pelo Des. Mário dos Santos
Paulo da Quarta Câmara Cível. Julgada em 20/06/2006.
1. RESPONSABILIDADE CIVIL. 2. DANOS MATERIAIS E MORAIS. 3. ERRO
MÉDICO. 4. LEGITIMADO ESTÁ O HOSPITAL PARA FIGURAR NO POLO
PASSIVO, JÁ QUE RESPONDE OBJETIVAMENTE PELA DEFICIÊNCIA DP
38
SERVIÇO PRESTADO POR MÉDICO COM O QUAL MANTÉM RELAÇÃO DE
PREPOSIÇÃO. 5. INVIABILIDADE DE DENUNCIAÇÃO DA LIDE TRATANDO-
SE DE RELAÇÃO DE CONSUMO, APLICÁVEL A SÚMULA Nº 92 DESTE
TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 6. INDEFERIMENTO DE DEPOIMENTO PESSOAL
DO AUTOR, POSTO QUE NÃO ESPECIFICADO NO MOMENTO PRÓPRIO. 7.
APLICAÇÃO DO ART. 14 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. 8.
ERRO MÉDICO EVIDENCIADO PELO PERITO, UMA VEZ QUE A CIRURGIA
PARA CORREÇÃO DA MIOPIA E CATARATA ACABOU POR LESIONAR
GRAVEMENTE O OLHO DIREITO DO AUTOR, CAUSANDO-LHE “ATROFIA DA
VISTA DIREITA COM ALTERAÇÕES ESTÉTICAS SIGNIFICATIVAS EM SUA
FACE E PERDA TOTAL DA VISÃO”. 9. DANOS MATERIAIS PELA
INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE, COM BASE NO SALÁRIO MÍNIMO,
À MINGUA DE PROVA SEGURA DE RENDIMENTOS DO AUTOR. 10. DANO
MORAL FIXADO EM PATAMAR QUE ATENDE AOS PRINCÍPIOS DA
RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE, BEM COMO AO CARÁTER
PUNITIVO-PEDAGÓGICO. 11. PRELIMINAR REJEITADA, IMPROVIMENTO DO
AGRAVO RETIDO E DAS APELAÇÕES.
A decisão acima exposta trata de responsabilidade em sua modalidade
indireta, já que o hospital assume os ônus advindos dos atos de seus prepostos. É a
responsabilidade objetiva por fato de outrem, atinente ao empregador, no caso
acima, o Hospital. Mais uma vez, foi observado o caráter punitivo-pedagógico
inserido na indenização estipulada.
Cabe registrar trecho do conteúdo do acórdão que decidiu a questão
supramencionada, na qual o Relator justifica os critérios pelos quais formou seu
convencimento no momento de quantizar a indenização:
“Estabelecida, assim, a responsabilização, impende definir as verbas
indenizatórias, também, irretocavelmente consideradas pelo Juízo de primeiro
Grau, posto que, quanto aos danos materiais, adotou o valor do salário mínimo, à
mingua de comprovação de rendimentos, como base do pensionamento vitalício,
e em relação ao dano moral o valor, equivalente a cem salários mínimos, mas
desvinculado do mesmo, está em absoluta harmonia com os princípios da
proporcionalidade e da razoabilidade, bem como com o caráter punitivo-
pedagógico, consideradas as desastrosas conseqüências do serviço deficiente,
descritas pelo perito da seguinte forma: “Após o ato cirúrgico corretivo teve atrofia
39
da vista direita com alterações estéticas significativas em sua face e perda total
de visão”.46
Enfim, corrobora a jurisprudência com o pensamento da maioria dos
doutrinadores aqui expostos, o que ressalta a importância da observação do caráter
punitivo-pedagógico da responsabilidade civil.
46 Disponível em http://imgdb.tj.rj.gov.br.
40
5– CONCLUSÃO
O presente estudo tem a pretensão de resgatar e exaltar a importância do
intrínseco caráter punitivo-pedagógico da responsabilidade civil, tendo em vista a
necessidade de imposição de limites em tão desenfreada (e cada vez mais
selvagem) sociedade moderna de consumo, onde velozmente se travam constantes
relações jurídicas que tendem a permanecer marginalizadas de prestação
jurisdicional adequada.
Estabelecer um convívio digno e pacífico em um sistema social em que as
desigualdades são patentes e as arbitrariedades são constantes, exige a adoção de
mecanismos persuasivos de conscientização populacional.
Pertinente se faz retomar a idéia básica de responsabilidade, definida por
Sílvio Venosa:
O termo responsabilidade é utilizado em qualquer situação na qual alguma
pessoa, natural ou jurídica, deva arcar com as conseqüências de um ato, fato, ou
negócio danoso. Sob essa noção, toda atividade humana, portanto, pode
acarretar o dever de indenizar. [...]. Um prejuízo ou dano não reparado é um fato
de inquietação social.
Já não se fazem suficientemente dissuasórios os métodos de correção
que não tenham como principal ferramenta a exigência de uma prestação pecuniária
em forma de penalização em virtude de descumprimento a uma exigência legal de
conduta comportamental.
Destaque-se aqui a finalidade pedagógica da punição advinda da função
principal da responsabilidade civil, que é a de indenizar. Note-se, ainda, que as
decisões que se valem do atributo punitivo-pedagógico merecem maior destaque
para que os efeitos erga omnes pretendidos sejam de fato conquistados.
Ainda fazendo referência ao autor Sílvio de Salvo Venosa, necessário se
faz destacar sua observação quanto à necessidade de maior publicização das
decisões judiciais em prol de uma maior sensibilização da sociedade contemporânea
quanto à obrigação universal de cautela e respeito aos institutos legais vigentes:
[...]. A condenação por dano imaterial pode incutir no sentimento social o caráter
de ilicitude em determinada conduta, mormente quando esse aspecto não é
muito conhecido no meio social. Para que essa finalidade pudesse ser atingida
41
plenamente, há necessidade de que, de lege ferenda, permita-se ao julgador
determinar a publicação da sentença em veículos que atinjam determinados
segmentos mais ou menos amplos da sociedade, como consectário da
condenação. Nem sempre a imprensa noticia decisões importantes e, quando a
faz, peca com freqüência por não informar corretamente.47
Em se tomando atitudes como a acima descrita, destaca-se um novo
paradigma à responsabilidade civil, que é o atendimento a uma função social.
Surtindo os efeitos inibitórios esperados, a contribuição se estenderia à todo
segmento social nacional, prezando por uma convivência coletiva mais justa e
pacífica.
Pode-se dizer, inclusive, que, secundariamente, seria uma contribuição
para o próprio Poder Judiciário, que teria menor quantidade de demandas
indenizatórias para julgar, desafogando a máquina judiciária.
Ainda há uma questão a ser enfrentada e uma sugestão de resolução
deve ser apresentada imediatamente. Trata-se de enriquecimento sem causa do
lesado, fato que gerou um estigma ao instituto da reparação por dano moral. Alguns
autores já nomearam tal fenômeno de “a indústria do dano moral”.
A referida “indústria” pode ser combatida a partir de ajustes legislativos à
ordem jurídica vigente. O que se sugere é o estabelecimento de lei que preveja a
destinação de parte porcentual da verba indenizatória dos danos morais às
instituições e entidades nacionais que desenvolvam programas de recuperação
física e atendimento psicológico aos acidentados no trânsito ou vitimados por erro
médico.
No texto da referida lei poderia constar limites percentuais de fixação do
valor indenizatório, por dano moral, referente exclusivamente à punição pelo ato
ilícito cometido, tornando o critério de mensuração mais objetivo. O que
permaneceria vinculado a critérios subjetivos seria a quantificação da indenização
meramente compensatória pelo dano sofrido.
Ao elaborar projeto de lei visando o acréscimo de parágrafo único ao art.
944 do CC, cujo texto prega o dano moral como medida de desestímulo ao autor do
dano, os legisladores brasileiros já demonstram direcionamento para a valorização
do aspecto punitivo-pedagógico contido no instituto da responsabilidade civil, como
47 VENOSA, Sílvio de Salvo, ob. cit., p. 286.
42
já comentado nas indagações traçadas ao longo do desenvolvimento do presente
estudo.
A valorização da reparação civil como objeto também de promoção da
punição pelo ato ilícito cometido, bem como a publicização desta punição, têm como
objetivo central a conscientização da sociedade em prol do respeito do ordenamento
jurídico vigente, através de um mecanismo inibitório.
Enfim, chamar a atenção da coletividade, pretendendo alertar a todos
quanto à importância do estrito cumprimento das obrigações contraídas mutuamente
em função da vida em sociedade e, principalmente, demonstrando a gravidade das
conseqüências que podem advir de tal descumprimento através da
responsabilização, é a intenção primordial que se visa a partir da equiparação
isonômica das três funções da responsabilidade civil, quais sejam, reparar, punir e
educar.
43
6 – BIBLIOGRAFIA CITADA OU CONSULTADA ALVES, José Carlos Moreira, Direito Romano, vol. 2, 6ª ed,, Rio de Janeiro: Forense, 2000; BITTAR, Carlos Alberto, Reparação Civil por Danos Morais, 5ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003; CAHALI, Yussef Said, Dano Moral, 5ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003; CAVALIERI FILHO, Sérgio, Programa de Responsabilidade Civil, 8ª ed., São Paulo: Malheiros, 2008; COELHO, Fábio Ulhôa, Curso de Direito Civil, vol. 2, 2ª ed. rev., São Paulo: Saraiva, 2007; Constituição da Republica Federativa do Brasil – Art. 5º, X; DINIZ, Maria Helena, Curso de Direito Civil Brasileiro. Vol. 2, 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004; DINIZ, Maria Helena, Dicionário Jurídico, vol. 4, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007; FRAGA, Thelma Araújo Esteves e outros, O Novo Código Civil Comentado, vol. 1, 2ª ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2004; GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo, Novo Curso de Direito Civil, vol. 3. 4ª ed. rev., atual. e reform. São Paulo: Saraiva, 2006; GOMES, Orlando. Obrigações. 17ª ed. ver. e atual., Rio de Janeiro: Forense, 2007; Grande Dicionário Larousse Da Língua Portuguesa, 1ª ed., São Paulo: Nova Cultural, 1999; LISBOA, Roberto Senise, Manual de Direito Civil, volume 2, 3ª ed. rev, atual. e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004; MARKY, Thomas, Curso Elementar de Direito Romano, 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 1995; PEREIRA, Caio Mário da Silva, Instituições de Direito Civil, 16ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2007; REIS, Clayton, Avaliação do Dano Moral, 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003; STOCCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil – Com Comentários ao Código Civil de 2002. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007; VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito Civil, vol. 4, 8ª ed. atual., São Paulo: Altas, 2008.
44
SITES : http://www.direitonet.com.br/dicionario_latim/x/96/11/961/. http://paginas.terra.com.br/educacao/gentefina/latinas.htm. http://imgdb.tj.rj.gov.br. www.tj.rj.gov.br.