44
DENISE RAPOSO D’ASSUNÇÃO K-216281 O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO DANO MORAL NA RESPONSABILIDADE CIVIL Monografia apresentada como pré-requisito de conclusão do Curso de Pós Graduação em Direito Empresarial e dos Negócios, do Instituto A Vez do Mestre da Universidade Cândido Mendes, tendo como orientador o prof° Ivan Garcia. Rio de Janeiro 2010

O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO DANO MORAL NA … · “De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto

  • Upload
    hadung

  • View
    216

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO DANO MORAL NA … · “De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto

DENISE RAPOSO D’ASSUNÇÃO K-216281

O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO DANO MORAL NA RESPONSABILIDADE CIVIL

Monografia apresentada como pré-requisito de

conclusão do Curso de Pós Graduação em Direito

Empresarial e dos Negócios, do Instituto A Vez do

Mestre da Universidade Cândido Mendes, tendo

como orientador o prof° Ivan Garcia.

Rio de Janeiro 2010

Page 2: O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO DANO MORAL NA … · “De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto

2

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE DENISE RAPOSO D’ASSUNÇÃO

O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO DANO MORAL NA RESPONSABILIDADE CIVIL

Monografia apresentada ao Instituto a Vez do

Mestre da Universidade Cândido Mendes como

pré-requisito para conclusão da Pós Graduação

em Direito Empresarial e dos Negócios.

Nota: ________________ Aprovada ( ) Aprovada com louvor ( ) Aprovada com restrições ( ) Reprovada ( ) Data: ____/____/_______

__________________________________________________ Prof. Ivan Garcia

Instituto A Vez do Mestre

Page 3: O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO DANO MORAL NA … · “De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto

3

RESUMO

Trata o presente estudo em observar, discutir e apresentar sugestões de

procedimento acerca do caráter punitivo-pedagógico da responsabilidade civil.

Para tanto, inicialmente buscou-se enfatizar as reminiscências históricas

que deram origem ao contemporâneo conceito de responsabilidade civil, remetendo-

se ao período imperial romano, berço do direito positivo brasileiro.

Adiante, levantou-se, sob um aspecto geral, os principais conceitos que

orbitam o instituto da responsabilidade civil, para que se tornasse inteligível o

raciocínio lógico aspirado no presente estudo.

A definição doutrinária específica sobre a reparação civil e sua

instrumentalização através da invocação do dano moral também foi enfocada de

forma específica, objetivando-se delinear o caráter punitivo-pedagógico da

responsabilidade civil através dos efeitos pretendidos na delimitação do quantum

reparatório. As decisões que ensejam o quadro jurisprudencial do Tribunal de

Justiça fluminense não deixaram de ser abordadas.

Por fim, em conclusão, pugnou-se em prol de se dispensar maior atenção

à característica punitivo-pedagógica da responsabilidade civil, como uma forma de

atender à sua função social.

Page 4: O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO DANO MORAL NA … · “De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto

4

ABREVIATURAS

CC – Código Civil;

CF – Constituição Federal;

CRFB – Constituição da República Federativa do Brasil;

STF – Supremo Tribunal Federal.

Page 5: O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO DANO MORAL NA … · “De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto

5

SUMÁRIO

1 – INTRODUÇÃO 06 2 – RESPONSABILIDADE CIVIL: HISTÓRIA, CONCEITO E FUNÇÕES 08 2.1 – Noção Histórica 08 2.2 – Conceito e Classificações 12 2.3 – Teoria da reparabilidade 21 2.4 – Principais Funções 24 3 – RESPONSABILIDADE CIVIL: DANO E REPARAÇÃO 26 3.1 – Dano e Reparação: Conceituação 26 3.2 – Dano Material e Dano Moral: Conceituação 28 4 – O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DA REPARAÇÃO 31 4.1 – O Dano Moral como Instrumento Punitivo Pedagógico 31 4.2 – Jurisprudências: Justiça Estadual (Rio de Janeiro) 35 5 – CONCLUSÃO 40 6 – BIBLIOGRAFIA CITADA OU CONSULTADA 43

Page 6: O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO DANO MORAL NA … · “De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto

6

1 – INTRODUÇÃO

Os atos relacionais humanos, sejam ocasionais, freqüentes, propositais ou

não, ao longo da história, comumente dão azo a fatos passíveis de análise jurídica.

No tocante às relações que suscitaram o interesse do direito, nota-se que delas

advinham obrigações entre as partes, seja unilateral ou bilateralmente. As referidas

relações, quando descumpridas, por vezes geravam frustrações e até mesmo

prejuízos de ordem patrimonial a uma ou a ambas as partes integrantes da

mencionada relação.

Com o passar das décadas, o direito evoluiu paralelamente às referidas

relações, influenciando cada vez mais às ações comportamentais humanas,

regrando-as. Juntamente com as normas jurídicas que estabeleciam os limites

obrigacionais entre os homens, surgiram regras de cunho punitivo destinadas

àqueles que deixavam de cumprir suas parcelas de obrigações nas relações de

cunho jurídico.

Nos primórdios históricos do direito, as mencionadas penalidades

incorriam em sacrifícios físicos aos desobedientes ou renúncia a prementes direitos

individuais dos mesmos. Com o passar do tempo, a questão monetária foi tomando

forma, ganhando força, projetando seu espectro influenciador, o que causou

sensíveis alterações no mundo jurídico, principalmente no que tangia à

responsabilização por prejuízos decorrentes do descumprimento de

obrigações.

A reparação pecuniária em razão de descumprimento de obrigação que

gerasse ou pudesse gerar dano, assumiu papel decisivo, fato que, em curto prazo

atenuou e, em longo prazo, extinguiu a usual prática de punições físicas aos autores

do ato socialmente reprovado. Não havia distinção de ramos da atividade humana.

Hoje, as questões jurídicas atinentes à responsabilidade diferenciam-se

em âmbitos materialmente distintos, sendo eles o penal e o civil, dos quais o último

será o foco do presente estudo, versando sobre o descumprimento de regras

estabelecidas no ordenamento jurídico público ou privado e posterior

responsabilização em função dos mesmos.

Vê-se que qualquer infração a regramentos pré-estabelecidos pode gerar

obrigações de cunho indenizatório, caso a mencionada infração suscite danos às

partes envolvidas na relação.

Page 7: O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO DANO MORAL NA … · “De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto

7

A obrigação indenizatória acima citada gira em torno de prestação

pecuniária a fim de restabelecer o prejuízo acarretado. Entretanto, vê-se importante

aspecto contido na indenização que não o de meramente restabelecer o vitimado à

sua condição anterior ou de compensá-lo por dano monetariamente irreparável, mas

sim de acoimar aquele que voluntariamente danificou bem alheio a título de

conscientizá-lo a não mais repetir ato social e juridicamente reprovável (caráter

punitivo e pedagógico da responsabilidade civil).

E, baseado na importância lídima de tal intuito da reparação civil, que o

presente estudo irá se debruçar, pretendendo, ao fim, apresentar um acréscimo

ideológico ao tema em tela, bem como sugerir caminhos a se trilhar para a exaltação

que o caráter punitivo-pedagógico da responsabilidade civil merece.

Page 8: O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO DANO MORAL NA … · “De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto

8

2 – RESPONSABILIDADE CIVIL: HISTÓRIA, CONCEITO E FUNÇÕES.

Inicialmente, cabe trazer à tona informações gerais, porém essenciais, ao

norteamento do raciocínio lógico acerca das questões que tratam sobre o instituto da

responsabilidade civil.

Neste capítulo primeiro serão registrados alguns levantamentos históricos,

embasados principalmente nas escrituras romanas, além de conceitos doutrinários

delineadores do instituto em tela e, por fim, especificações funcionais da

responsabilidade civil importantes à sua instrumentalização.

2.1 – Noção Histórica

Em se tratando de levantar remições históricas acerca de institutos

jurídicos, indubitavelmente deve-se consultar a cultura romana, berço do direito

positivado no Brasil. Especificamente no tocante à responsabilidade civil, antes

mesmo da estruturação da civilização romana, pode-se dizer que todo ato

socialmente reprovável que viesse a provocar prejuízos a outrem era repudiado e

seu autor, de alguma forma, punido.

Destarte, bem colocou Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona:

“De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas

civilizações pré-romanas, a origem do instituto está calcada na concepção de

vingança privada, forma por certo rudimentar, mas compreensível do ponto de

vista humano como lídima reação pessoal contra o mal sofrido.”1 (grifei)

O conceito de vingança privada erigiu-se no primitivo Código intitulado “Lei

de Talião”, segundo o qual era permitido revidar contra aquele que causasse dano,

revide este na exata proporção ao prejuízo causado, ou seja, caso o lesante tenha

furtado algum bem, cabe ao lesado condená-lo à pena proposta na Lei, a saber: a

amputação da mão do agente.

GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo, Novo Curso de Direito Civil, vol. 3. 4ª ed. rev., atual. e reform. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 10.

Page 9: O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO DANO MORAL NA … · “De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto

9

Contudo, importante é situar-se no contexto histórico frisando que as

normatizações que suscitaram a matéria de responsabilidade civil tomaram forma a

partir do domínio hegemônico da cultura romana, a despeito de ainda não haver

uma conceituação sólida e bem definida acerca de responsabilidade lato senso.

Entretanto, os atos ilícitos que geravam danos passíveis de punição pertenciam ao

direito penal e eram denominados delitos (delicta). Pode-se afirmar com segurança

que a responsabilidade civil é instituto corolário do conceito de delito no Direito

Romano.

Cabe registrar que o instituto do delito surgido em Roma, mesmo tido, à

época, como matéria de competência penal, é fonte histórica do moderno conceito

da responsabilidade civil, porém, há de se guardar as devidas distinções conceituais.

Thomas Marky traça, em seu “Curso Elementar de Direito Romano”, as

diferenças havidas entre o delito dos tempos romanos e o ato ilícito (delito), requisito

importante para caracterização da responsabilização civil do direito contemporâneo.

Diz ele:

“O delito, ou ato ilícito, é considerado hoje como a violação de uma norma

jurídica estabelecida no interesse coletivo. [...]

[...] Nas relações entre Estado e o autor do delito, cogita-se apenas de punição.

Nas relações entre os particulares, isto é, ofensor e ofendido, não há outro liame,

senão a obrigação do primeiro de ressarcir os danos causados ao segundo,

liame que tem a finalidade de restabelecer a situação patrimonial anterior ao

delito cometido. [...]

No direito romano era diferente. Nele faltava a distinção nítida entre a punição e o

ressarcimento do dano. A conseqüência jurídica do delito no direito romano era,

apenas, a sua punição, e esta punição servia também para satisfazer o ofendido

do dano que sofrera. [...]”2

Mesmo ainda reportando-se a mecanismos rudimentares para a aplicação

de penalidades, como a Lex XII Tabulorum que combinava penas pecuniárias a

sacrifícios físicos, os jurisconsultos romanos, por volta do séc. IV a.C., já tratavam

de separar o instituto do delictum em duas categorias: delitos públicos (delicta

MARKY, Thomas, Curso Elementar de Direito Romano, 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 1995, p. 133.

Page 10: O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO DANO MORAL NA … · “De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto

10

publica) e delitos privados (delicta privata), os quais são conceituados por José

Carlos Moreira Alves, em sua obra “Direito Romano” da seguinte maneira:

“Delito público é a violação de norma jurídica que o Estado considera de

relevante importância social. [...] O Estado punia os autores dos delitos públicos

com poena publica (pena pública), impostas por Tribunais especiais (como as

Quaestiones Perpetuae), e que consistia na morte, ou na imposição de castigos

corporais ou em multa que revertia em benefício do Estado.[...]

Delito privado é a ofensa feita à pessoa (assim, as lesões corporais) ou aos bens

do indivíduo. Quando isso ocorre, o Estado não toma a iniciativa de intentar

contra este uma actio para obter sua condenação ao pagamento de determinada

quantia, como pena (poena privata)”.3

E é sobre os delitos privados que segue o ramo originário da

responsabilidade civil.

Com a ascensão do império, a expansão do domínio romano ao longo da

Europa, norte da África e Oriente Médio e a subida de Justiniano ao poder, o direito

sofreu sensível evolução como um todo.

Os pretores passam a se debruçar em conjuntos normativos que não

objetivavam mais a mutilação corporal como forma de punição. Exemplo de tal

evolução é a Lex Aquilia, fundamental no desenvolvimento do presente estudo,

tendo em vista que nela se deu origem o Danum Iniuria Datum, delito que se

caracterizava pelo fato de alguém causar, culposamente, dano em coisa alheia,

animada ou inanimada4. Claramente identificável a ascendência ideológica do delito

romano e da responsabilidade extracontratual atual. Ademais, não basta a paridade

conceitual, é preciso evidenciar que esse delictum somente se configurava com a

incidência de três requisitos básicos: a iniuria, a culpa e o damnum.

Para melhor compreensão, cabe expor cada um dos requisitos, tendo

como esteio a obra de José Carlos Moreira Alves:

a) a iniuria: que o dano decorresse de ato contrário ao direito; não cometia,

portanto, damnum iniuria datum quem causasse dano à coisa alheia por estar

ALVES, José Carlos Moreira, Direito Romano, vol. 2, 6ª ed,, Rio de Janeiro: Forense, 2000, pp. 233-234.; 4 Ob. cit. p. 233.

Page 11: O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO DANO MORAL NA … · “De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto

11

exercendo direito próprio, ou por agir em legítima defesa ou em estado de

necessidade;

b) a culpa: que o dano resultasse de ato positivo do agente (e não simplesmente

de omissão), praticado com dolo ou culpa em sentido estrito; e

c) o damnum: que a coisa sofresse lesão em virtude de ação direta do agente

exercida materialmente contra ele (os autores medievais traduziam essa

exigência dizendo que era necessário que o dano fosse corpore corpori

datum; corpore, para indicar que o dano devia ser causado diretamente pelo

agente, e não indiretamente, como ocorreria – e aí, por isso, não se

configurava o damnum iniuria datum – na hipótese de alguém entregar a

arma a escravo alheio, que, com ela, se matasse; e corpori, para designar

que o ato do agente devia atingir materialmente a coisa alheia, razão por que

não se configuraria o damnum iniuria datum se alguém abrisse uma jaula,

possibilitando, assim a fuga do animal alheio ali preso).5

Nota-se considerável semelhança entre o arcaico damnum iniuria datum e

a responsabilidade extracontratual, no que tange a requisitos formadores. Na

hodierna concepção de responsabilidade civil, seus elementos precípuos (conduta,

dano e nexo de causalidade) assemelham-se relevantemente aos do instituto

romano.

Portanto, deve-se à Lex Aquilia a evolução da idéia moderna de

responsabilidade delitual, a qual é denominada até os dias de hoje de

responsabilidade aquiliana.

Entretanto, há que se pontuar, a despeito da sensível evolução do

arquétipo jurídico romano e da materialização do conceito de culpa, que não havia

dissociação das responsabilidades civil e penal. Confundia-se pena e indenização.

Para finalizar este intróito histórico, vale acrescentar breve esclarecimento

acerca da contribuição francesa contemporânea ao progresso da responsabilidade

aquiliana, através das palavras de Sílvio de Salvo Venosa:

“[...]. Acrescente-se que o instituto da responsabilidade civil é algo

contemporâneo, pois surge pela primeira vez no final do século XVIII, no âmbito

5 ALVES, José Carlos Moreira, Direito Romano, vol. 2, 6ª ed,, Rio de Janeiro: Forense, 2000, pp. 234-235

Page 12: O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO DANO MORAL NA … · “De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto

12

do direito revolucionário francês. Sua primeira formulação expressa está no

Código civil francês, espalhando-se daí para todas as codificações posteriores.”6

2.2 – Conceito e Classificações

O presente item é de extrema importância para a evolução deste estudo.

Aliás, se faz desnecessário justificar o porquê de se elencar os principais

entendimentos conceituais sobre a responsabilidade civil.

Inspirando-se no objetivo de melhor alicerçar o raciocínio a ser

desenvolvido no presente trabalho, pertinente é buscar a compreensão ordinária do

termo “responsabilidade”, palavra nuclear do instituto em análise para mais adiante,

delinear as visões jurídicas do instituto.

Partindo-se do geral para o especifico é possível delimitar mais

acertadamente a abrangência conceitual da responsabilidade civil num todo. Para

tanto, recorre-se ao significado contido no dicionário:

“RESPONSABILIDADE s. f. (Do latim responsabilitatis) 1. Caráter ou estado do

que é responsável. – 2. Obrigação geral de responder pelas conseqüências

dos próprios atos ou pelos de outros.”7 (grifei)

O segundo tópico explicativo contido na transcrição representa a

concepção pura e sucinta do termo, demonstra inequívoca interpretação tanto como

vocábulo de aplicação popular quanto em termos de hermenêutica jurídica.

Em análise à explicação do dicionário, percebe-se uma correspondência

direta ao sentido dado ao termo ‘responsabilidade’ no meio jurídico, pois se fala

claramente em ‘obrigação de responder’, equivalente à expressão ‘dever de

reparar’ ou, ainda mais correlato, ‘obrigação de indenizar’, terminologia jurídica

comumente empregada quando da sucessão de atos que resultam em

conseqüências danosas pessoais ou patrimoniais.

6 VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito Civil, vol. 4, 8ª ed. atual., São Paulo: Altas, 2008, p. 2. 7 Grande Dicionário Larousse Da Língua Portuguesa, 1ª ed., São Paulo: Nova Cultural, 1999, p. 787.

Page 13: O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO DANO MORAL NA … · “De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto

13

Uma vez citada a explicação vernacular geral do termo responsabilidade,

nada mais coerente que demonstrar a definição conceitual da dita expressão no

sentido técnico, extraída também de um dicionário, este, porém, jurídico.

Maria Helena Diniz, em seu Dicionário Jurídico, entende que:

“RESPONSABILIDADE. 1. Dever jurídico de responder por atos que

impliquem dano a terceiro ou violação de norma jurídica. 2. Qualidade de ser

responsável. 3. Imposição legal de reparar dano causado. 4. Situação daquele

que deve responder por um ato ou fato.”8 (grifei)

Cabe, agora, adentrar aos conceitos jurídicos que orbitam a idéia de

responsabilidade civil. Tendo sido levantado o termo ‘obrigação de indenizar’,

nada mais apropriado que asseverar algumas linhas a respeito, segundo a doutrina,

mesmo porque as fontes do conceito jurídico de obrigação são as mesmas do de

responsabilidade, sendo elas a lei, os negócios jurídicos, as declarações unilaterais

de vontade e os atos ilícitos. Conforme entende Orlando Gomes:

“A obrigação de reparar danos tem como objeto prestação especial, que

consiste no ressarcimento dos prejuízos causados a uma pessoa por outra ao

descumprir obrigação contratual ou praticar ato ilícito. Denomina-se obrigação

o objeto dessa prestação.

A obrigação de indenizar danos pode ter as seguintes causas:

a) o ato ilícito;

b) o inadimplemento de obrigação contratual;

c) o dever contratual de responder pelo risco;

d) o dever legal de responder sem culpa”.9

Ficou claro que o dever de indenizar surge de um patente prejuízo

causado por desrespeito a preceito advindo de lei direta ou indiretamente,

observadas nas causas a e d respectivamente, ou por descumprimento de

obrigação contratual, ressaltadas nos itens b e c. Em prol de melhor compreensão,

vale citar como exemplo:

8 DINIZ, Maria Helena, Dicionário Jurídico, vol. 4, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 173. 9 GOMES, Orlando. Obrigações. 17ª ed. ver. e atual., Rio de Janeiro: Forense, 2007, pp. 51-53.

Page 14: O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO DANO MORAL NA … · “De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto

14

1) de ato ilícito: uso não autorizado da imagem – inobservância do artigo

5º, X da Constituição da República Federativa do Brasil e conseqüente

incidência do art. 186 do Código Civil, que versa sobre a culpa por ação

ou omissão voluntária do autor do ato ilícito10;

2) de inadimplemento de obrigação contratual: cláusula contratual que

prevê ressarcimento por danos causados ao contratante em função da

entrega de produto além do prazo estipulado11;

3) de dever contratual de responder pelo risco: empresa de transporte

coletivo assume a responsabilidade no transporte de seus passageiros,

independentemente da comprovação de culpa ou fato de terceiro12;

4) de dever legal de responder sem culpa: responsabilidade do

empregador por atos cometidos por seus empregados, inteligência do

inciso III do art. 932 do Código Civil13.

Em observação mais atenciosa às causas que motivam a obrigação de

indenizar, percebe-se claramente dois grupos: um que deriva do descumprimento à

10 TJRJ – 17ª Câmara Cível – Apelação nº 2006.001.33883 – INDENIZATÓRIA. DANOS MORAIS. USO INDEVIDO DE IMAGEM. Ator contratado por empresa de turismo. Serviço divulgado por outras sociedades. Ausência da relação jurídica com o autor. Alegação de autorização que não se comprova. Conduta ilícita que enseja o dever de reparar o prejuízo. Incontroversa violação a direito da personalidade. Nexo causal não afastado. Recurso imprestável para a provocação da reforma do julgado. Rejeição das preliminares. Conhecimento e desprovimento do apelo. 11 TJRJ – 1ª Câmara Cível – Apelação nº 2006.001.54960 – AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL. MECÂNICA CREDENCIADA DA SEGURADORA. DEMORA NA ENTREGA. DESCUMPRIMENTO DO PRAZO. DANO MORAL CONFIGURADO. Não há necessidade de perícia para que se comprove que o prazo de 50 dias, muito além do avençado entre as partes, ultrapassa o critério da normalidade, gerando aborrecimentos que vão além do mero descumprimento contratual. Redução do quantum para adequação aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. PROVIMENTO PARCIAL DO APELO. 12 TJRJ – 9ª Câmara Cível – Apelação nº 2006.001.24564 – RESPONSABILIDADE CIVIL. CULPA CONTRATUAL DE NATUREZA OBJETIVA. FATO DE TERCEIRO NÃO EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE. DIREITO DO CONSUMIDOR. APLICABILIDADE. Empresa de transporte coletivo, por relação contratual, tem o dever de transportar o passageiro incólume durante o percurso. Condição de passageiro de autora não negado pela ré. Inconteste a obrigação de indenizar, já que irrelevante se o acidente originou de fato de terceiro. Sentença procedente parcialmente que se mantém. Desprovimento da apelação. 13 TJRJ – 3ª Câmara Cível – Apelação nº 2002.001.22413 – RESPONSABILIDADE CIVIL. CHEQUES DESTINADOS A PAGAMENTO DE TRIBUTOS. DESVIOS PRATICADOS POR FUNCIONÁRIA. RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR. Resulta incontroverso, o recebimento dos vinte cheques destinados a pagamentos dos tributos pela referida funcionária da apelante, alguns depositados em sua conta e outros desviados para conta de terceiro, devendo, em conseqüência, responder a empregadora, por ato ilícito perpetrado por sua empregada, no exercício de seu mister (art. 159 e 1.521, III, do Código Civil e S. 341 do STF). DESPROVIMENTO DO RECURSO.

Page 15: O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO DANO MORAL NA … · “De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto

15

lei, e o outro, do descumprimento ao contrato. Tal divisão denota duas classificações

distintas à responsabilidade, quais sejam, a contratual e a extracontratual.

Roberto Senise Lisboa traz interessante distinção doutrinária das duas

modalidades de responsabilidade, indagando, inclusive, seus estreitos laços com a

idéia de obrigação e suas principais correntes teóricas. Explica o jurista:

“As fontes da responsabilidade civil são as mesmas da obrigação porque

aquela, como se disse, é o dever jurídico sucessivo do descumprimento da

obrigação.

Orientou-se o sistema pátrio pela adoção da teoria dualista ou clássica, da

origem da responsabilidade, repartindo-a em contratual e extracontratual, o que

é criticado pela teoria monista, que sustenta a desnecessidade da fixação de

um regime de responsabilidade que procura regular diferentemente.

Responsabilidade contratual é aquela que decorre da violação de obrigação

disposta em um negócio jurídico.

Responsabilidade extracontratual é aquela que decorre diretamente da lei”.14

Nesta classificação quanto à origem da responsabilidade, imprescindível é

alinhavar as palavras do jurista Sílvio Venosa, que observou que a tendência

doutrinária moderna é convergir as duas modalidades aqui referidas, tendo como

pilar a compreensão do elemento ‘culpa’, o qual está inserto em ambas as

modalidades:

“A doutrina contemporânea, sob seus aspectos, aproxima as duas

modalidades, pois a culpa vista de forma unitária é fundamento genérico da

responsabilidade. Uma e outra se fundam na culpa. Na culpa contratual, porém,

examinamos o inadimplemento como seu fundamento e os termos e limites da

obrigação. Na culpa aquiliana ou extranegocial, levamos em conta a conduta

do agente e a culpa em seu sentido lato [...]”.15

É a culpa elemento que permeia os ambos os tipos de responsabilidade

civil subdivididos conforme sua origem. Porém, o elemento culpa passa a ser

instrumento balizador para classificar a responsabilidade, em virtude de que

14 LISBOA, Roberto Senise, Manual de Direito Civil, volume 2, 4ª ed. rev, atual. e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 467; 15 VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito Civil, vol. 4, 8ª ed. atual., São Paulo: Altas, 2008, p. 18.

Page 16: O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO DANO MORAL NA … · “De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto

16

algumas ações geradoras do dever de indenizar independem da caracterização da

culpa.

Portanto, na divisão da responsabilidade quanto a culpa, surgirão a

subjetiva e a objetiva. Em uma análise mais pormenorizada da incidência da culpa

nos atos jurídicos passíveis de reparação, das modalidades citadas ainda se

desdobrarão outras duas. Percebe-se, ainda, que a classificação de subjetiva e

objetiva vai depender da atividade desempenhada pelo agente causador do dever

de reparar.

É de Roberto Senise Lisboa a conceituação que melhor se aplica ao

objetivo que se deseja alcançar na exposição do presente estudo, sendo ela:

“Responsabilidade subjetiva é aquela que é apurada mediante a

demonstração de culpa do agente causador do dano.

Responsabilidade subjetiva com presunção de culpa é aquela que é

apurada mediante a presunção relativa da lei de existência da culpa do agente

causador do dano.

Responsabilidade objetiva é aquela que é apurada independentemente de

culpa do agente causador, pela atividade perigosa por ele desempenhada.

Responsabilidade objetiva por risco exacerbado é aquela que é apurada

independentemente de culpa do agente causador do dano, pela gravidade ou

risco exacerbado da atividade perigosa por ele desempenhada.’16 (grifei)

Ainda a respeito da classificação da responsabilidade, não se pode olvidar

de categorizá-las de acordo com a causa que deu origem à obrigação de indenizar,

ou seja, pode-se avaliar se recairá sobre o autor do fato a responsabilidade a que

deu causa de forma direta ou indireta. Mais uma vez, Roberto Senise Lisboa delimita

conceitualmente tal classificação:

“Responsabilidade direta é aquela proveniente de conduta cometida pelo

próprio sujeito sobre o qual recai a imputabilidade.

Responsabilidade indireta é aquela proveniente de conduta cometida por

terceiro ou de coisa relacionada com o sujeito sobre o qual recai a

imputabilidade”.17

16 LISBOA, Roberto Senise, ob. cit. pp. 460-461. 17 Ob. cit., p. 461.

Page 17: O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO DANO MORAL NA … · “De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto

17

A responsabilidade direta pertine a ato cometido pelo lesante

pessoalmente, diz-se de uma conduta direta do agente ativo causador do dano. Já

na responsabilidade indireta, o ato é cometido por terceiro que está sob a tutela,

curatela, autoridade, companhia, subordinação ou mando daquele que irá, por força

de lei ou contrato, responder por qualquer dano causado.

Os cinco incisos do artigo 932 do Código Civil correspondem às

indicações legais para responsabilização indireta, bem como o artigo seguinte, o

933, que, mencionando os cinco incisos referidos, faz alusão ao dever legal de

responder sem culpa, a pouco mencionado através da exposição doutrinária da obra

do conspícuo civilista Orlando Gomes.

Cabe aqui a ressalva de que a responsabilidade indireta também é

conhecida como responsabilidade por ato de terceiros, e é expressamente tida como

objetiva, fato que se abstrai examinando o artigo 933, vez que se faz desnecessária

a comprovação de culpa para o apontamento do responsável.

Relevante é transcrever o texto dos artigos retro, expondo os comentários

de Thelma Araújo Esteves Fraga, consolidados em “O Novo Código Civil

Comentado”, obra escrita em conjunto com onze insignes juristas fluminenses.

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua

companhia;

II – o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas

condições;

III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no

exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;

IV – os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se

albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes,

moradores e educandos;

V – os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a

concorrente quantia.

Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que

não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali

referidos.

Page 18: O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO DANO MORAL NA … · “De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto

18

[...]. Não seria uma derrogação ao princípio da personalidade da culpa, [...], na

verdade, o ato do autor material do dano é apenas causa imediata, sendo

contudo a omissão daquele que tem o dever de guarda ou vigilância, a causa

mediata, daí dizer-se que o que ocorre é responsabilidade por infração aos

deveres de vigilância.18

Aduz-se que o comentário da autora supramencionada se baseia no

entendimento de que o descumprimento de uma imposição obrigacional, qual seja, o

dever de vigilância que resulta no dever de indenizar, a saber, a responsabilização

civil do agente.

Explica Thelma Araújo que, em verdade, o responsabilizado comete ato

ilícito ao contrariar o art. 186 do CC, por omissão. Tal compreensão não afasta o

caráter objetivo da responsabilidade, fincado no art. 933 do CC.

Mas, afinal, quais os pressupostos elementares que devem ser elencados

para a detecção da responsabilidade civil? Ao longo das explicações até então

traçadas, os pressupostos elementares da responsabilidade civil foram todos

aludidos, cabendo, então, lista-los e defini-los de forma concisa.

Para manter um desencadear lógico, deve-se iniciar o ranqueamento dos

pressupostos elementares da responsabilidade civil pelo seu requisito exordial, a

conduta humana.

Primeiramente, imperativo é notar que a responsabilização decorre de

qualquer ato voluntário é proveniente estritamente da ação ou omissão voluntária do

homem, portanto, é a responsabilidade civil conseqüência exclusiva e indissociável

da conduta humana.

Note-se que até mesmo um dano proveniente da ação de um animal é de

inteira responsabilidade de seu dono (art. 936 do CC), excetuando-se o animal

pertencente à fauna selvagem, localizado nos limites das unidades de conservação

ambiental restritas à visitação humana. Neste mesmo diapasão menciona-se o dano

causado por objeto que se precipita da janela de uma habitação, pelo qual responde

seu dono (art. 938 do CC).

18 FRAGA, Thelma Araújo Esteves e outros, O Novo Código Civil Comentado, vol. 1, 2ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2004, p. 719.

Page 19: O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO DANO MORAL NA … · “De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto

19

Falam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho acerca da conduta

humana:

“ Nesse contexto, fica fácil entender que a ação (ou omissão) humana

voluntária é pressuposto necessário para a configuração da responsabilidade

civil. Trata-se, em outras palavras, da conduta humana, positiva ou negativa

(omissão), guiada pela vontade do agente, que desemboca no dano ou

prejuízo. Assim, em nosso entendimento, até por um imperativo de precedência

lógica, cuida-se do primeiro elemento da responsabilidade civil a ser estudado,

[...].

O núcleo fundamental, portanto, da noção de conduta humana é a

voluntariedade, que resulta exatamente da liberdade de escolha do agente

imputável, com discernimento necessário para ter consciência daquilo que faz.” 19

(grifei).

É da ação ou omissão voluntária do homem que surge o pressuposto

elementar da responsabilidade civil intrinsecamente ligado à conduta do homem,

qual seja, o ato ilícito. Diz-se dele um elemento conseqüente, portanto, ocupa o

segundo lugar na cadeia lógica de requisitos.

Em exposição repetida em outras obras, Sílvio Venosa emite suas

considerações acerca do ato ilícito:

“[...]. Esse conceito prende-se ao da imputabilidade, porque a voluntariedade

desaparece ou tona-se ineficaz quando o agente é juridicamente irresponsável.

[...].

O ato de vontade, contudo, no campo da responsabilidade deve revestir-se de

ilicitude. Melhor diremos que na ilicitude há, geralmente, uma cadeia ou

sucessão de atos ilícitos, uma conduta culposa. Raramente, a ilicitude ocorrerá

com um único ato. O ato ilícito em um comportamento voluntário que transgride

um dever. [...].

Na responsabilidade subjetiva, o centro de exame é o ato ilícito. O dever de

indenizar vai repousar justamente no exame de transgressão ao dever de

conduta que constitui o ato ilícito. Como vimos, sua conceituação vem exposta

19 GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo, ob. cit., p. 27.

Page 20: O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO DANO MORAL NA … · “De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto

20

no art. 186 (antigo art. 159). Na responsabilidade objetiva, o ato ilícito mostra-

se incompleto, pois é suprimido o substrato da culpa.”20 (grifei)

Como se pode extrair do trecho assinalado acima, é o ato ilícito um ato da

vontade humana eivado de ilicitude, uma transgressão de dever, o qual gera

um prejuízo e, subsequentemente, um dever secundário, o de indenizar.

Ademais, todo ato ilícito pressupõe culpa, elemento imprescindível das

responsabilidades subjetiva e subjetiva de culpa presumida.

Venosa expõe que culpa é a inobservância de um dever que o agente

devia conhecer e observar21. Esta é a explicação de culpa lato senso, a qual abarca

o dolo e a culpa quando vista no campo civil. Em se tratando de indenização, tanto o

ato intencional de prejudicar (dolo ou delictum, no Direito Romano) quanto a ação ou

omissão danosa proveniente de negligência, imprudência ou imperícia (culpa ou

quasi delictum, no Direito Romano) provocam o mesmo resultado prático.

Enfim, a Lei Civil vigente, em seu artigo 186, contempla o ato ilícito e a proveniente

culpa em seu conteúdo, como se vê:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou

imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral,

comete ato ilícito.22

Ainda há o dano, elemento fundamental da responsabilidade, o qual terá

um capítulo dedicado à sua definição. Porém, cabe aqui um pequeno intróito para

que se possa rumar ao conceito de nexo de causalidade, último quesito a ser

observado. Com simplicidade, Venosa entende que dano consiste no prejuízo

sofrido pelo agente23, enfatizando que este pode ser econômico ou não econômico,

sofrido individualmente ou em grupo.

Pois bem, vendo o dano como prejuízo, compreende-se que o nexo

causal é o elemento formador da responsabilidade civil encarregado de estabelecer

o liame que une a conduta do agente ao dano24.

20 VENOSA, Sílvio de Salvo, ob. cit., p. 20. 21 Ob. cit., p. 21. 22 FRAGA, Fernando dos Santos Esteves e outros, O Novo Código Civil Comentado, vol. 1. 2ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2004, p. 123. 23 Ob. cit., p. 29. 23 Ob. cit., p. 42.

Page 21: O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO DANO MORAL NA … · “De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto

21

É o nexo causal a comprovação da relação de causa e efeito que não se

deve olvidar quando do levantamento do conjunto probatório a ser incorporado aos

autos processuais em ação indenizatória, caso contrário restará improcedente de

plano o pedido reparatório.

Como diz Venosa:

“É por meio do exame da relação causal que concluímos quem foi o causador

do dano. Trata-se de elemento indispensável. A responsabilidade objetiva

dispensa a culpa, mas nunca dispensarão nexo causal. Se a vítima, que

experimentou um dano, não identificar o nexo causal que leva o ato danoso ao

responsável, não há como ser ressarcida.”25 (grifei)

Em um raciocínio associativo com a doutrina processual civil, aduz-se que

o nexo causal é como a questão prejudicial, elemento sine qua non para a

continuidade do processo, e foi chamado de elemento indispensável por Venosa.

2.3 – Teoria da Reparabilidade

Uma das funções do Direito é a de engendrar fórmulas para restaurar o

equilíbrio necessário à vida natural do homem em Sociedade quando este é

quebrado por causa de direitos violados, de ações alheias injustas. O princípio de

que ninguém deve ser lesado, associado ao ideal da construção de uma ordem

jurídica justa, tem norteado a elaboração de uma teoria da responsabilidade civil que

visa a reparação dos efeitos do dano, quer propiciando ao lesado a restauração do

patrimônio, quer compensando-o pelos sofrimentos experimentados, ao mesmo

tempo em que leva o lesante a sentir o peso das conseqüências de seus atos.

O fator central que rege a construção desta teoria é a preocupação com

as vítimas de danos, tanto patrimoniais quanto extrapatrimoniais, enfatizando-se

acentuadamente o cunho pecuniário de suas reparações.

Houve forte resistência à tese da reparabilidade, por parte de

pronunciamentos doutrinários e jurisprudenciais, rejeitando a idéia de atribuir valores

à dor e a outros sentimentos feridos, embora já houvesse, desde a Antiguidade,

juntamente com a noção de reparação patrimonial a noção de reparação moral na

base da teoria da responsabilidade civil e do próprio Direito Romano.

25 Idem.

Page 22: O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO DANO MORAL NA … · “De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto

22

Apenas com a evolução das doutrinas sociais e com o extraordinário

desenvolvimento tecnológico (a partir de meados do século XIX) foi que esta

problemática passou a ser vista sob uma nova ótica. Os movimentos de defesa dos

direitos essenciais da pessoa humana que culminaram com as Declarações

Universal e Americana dos Direitos Fundamentais do Homem foram frutos das

Convenções e Acordos firmados (principalmente após as funestas conseqüências

das grandes guerras mundiais) e, com base na normatização dos direitos da

personalidade e de autor, as regras de reparabilidade dos danos morais começaram

aparecer expressas sob a forma das leis. A partir daí procurou-se resguardar a

individualidade da pessoa humana, uma vez que com o surgimento de inúmeros

mecanismos de comunicação social, tais como de som, de imagem, escritos e outras

manifestações do relacionamento social, seu ciclo de abrangência, de exposição,

tornou-se cada vez maior.

No Brasil, apenas na Constituição de 1988, foi explicitamente inserida a

indenização dos danos morais (art. 5 º, insc. V e X), mas a lei de direitos autorais, a

lei sobre o sistema de comunicações, as leis sobre certos aspectos dos direitos da

personalidade e, posteriormente, o Código de Defesa do Consumidor, além de

outros que, sob o aspecto penal cuidavam da proteção da honra, de outros valores

morais da personalidade, das relações de família, do respeito ao sentimento

religioso, do respeito aos mortos, etc. já prenunciavam a referida lei da

responsabilidade civil.

O Estado tem tido uma postura protecionista, no que diz respeito a este

tipo de amparo, desde a época do Império, quando nosso Código Criminal já

privilegiava os valores básicos da convivência social. Isto vem se estendendo aos

nossos dias quando nossas Constituições vêm enumerando, entre os direitos

fundamentais, a tese da reparabilidade como princípio fundamental em nosso

sistema jurídico, cuja linha central busca fazer justiça às vitimas de infortúnios, lhes

propiciando a devida reparação pelos danos suportados e submetendo o agente às

devidas conseqüências.

A fase inicial da nossa jurisprudência sobre danos morais caracterizou-se

pela predominância da tese da irreparabilidade. Daí passou-se para à posição

oposta: a da plena reparabilidade, em função de crescentes demandas a respeito da

matéria, assim como do progresso científico que alcançou o plano do Direito, da

expansão das técnicas e dos diferentes modos de exposição das pessoas e criações

Page 23: O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO DANO MORAL NA … · “De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto

23

intelectuais ao público assim como a crescente detecção de atentados a valores

essenciais da moralidade, tanto pública quanto privada. Em função disto aceitou-se,

como legítima, a indenização do dano moral desde que provado seu reflexo no

âmbito patrimonial do lesado, com uma imposição de pagamento de indenização. No

caso de morte havia, além dos danos à moral e à afetividade humanas, as

conseqüências negativas ao patrimônio do lesado: dano de caráter econômico. Além

de sentimentos negativos de perda afetiva e de dor, a morte acarreta dificuldade de

ordem financeira, principalmente quando a mulher não exerce senão afazeres

domésticos e os filhos são menores de idade.

Mais recentemente firmada a orientação pela reparabilidade, alcançou

esta também a adequação ao movimento de reparação de danos morais por

atentados a elementos da personalidade e, principalmente no plano dos direitos

autorais. Em nosso país, somente com pronunciamentos do Supremo Tribunal, em

especial o da súmula 491, e nos limites dos casos julgados, chegou-se a meta da

reparação. Entre os vários debates e comentários acerca do assunto salientamos o

da conveniência ou possibilidade de ressarcimento, modo de realização da

indenização e definição das pessoas que fariam jus à percepção. Assuntos como a

possibilidade de ressarcimento ficaram restritos às situações suscetíveis de

caracterização de danos morais descritas no Código ou em leis especiais, tendo o

cuidado de, no reconhecimento desta modalidade, não representar um acréscimo

indevido no patrimônio do lesado. De outro lado, confirmada a situação de dano

moral e de necessidade de sua reparação, ainda se levantavam questões quanto à

impossibilidade de mensuração e conseqüente determinação de justo valor, além de

problema sobre a dificuldade de provar concretamente o dano moral e a respectiva

qualificação, entre outros de menor espectro.

Concluindo pode-se afirmar que esta orientação da teoria da

reparabilidade plena vem sendo bem aceita e consagrada, representando uma

tendência firme no sentido de obter-se a tutela efetiva, no plano provado, dos

direitos da personalidade em geral e dos direitos autorais

Page 24: O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO DANO MORAL NA … · “De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto

24

2.4 – Principais Funções

Destacado, definido e classificado o instituto da Responsabilidade Civil,

parte-se agora para breve exposição de suas funções, delimitando seu raio de ação

e sua importância na manutenção do equilíbrio das relações sociais.

Asseverou Roberto Senise Lisboa que:

“Na sociedade pós-moderna, o instituto da responsabilidade civil possui papel

fundamental para a resolução dos conflitos intersubjetivos e transindividuais,

permitindo-se uma melhor compreensão da proteção do direito individual, coletivo

e difuso”26.

Porém, não demonstrou com completude as funções do referido instituto

ao dizer que este possui apenas dois empregos, quais sejam, garantir o direito do

lesado e servir como sanção civil. Nesse quesito, foi mais a fundo Clayton Reis ao

notar que:

“[...] o ofensor receberá sanção correspondente consistente na repreensão social,

tantas vezes quanto forem suas ações ilícitas, até conscientizar-se da obrigação

em respeitar os direitos das pessoas. Os espíritos responsáveis possuem uma

absoluta consciência do dever social, posto que, somente fazem aos outros o

que querem que seja feitos a eles próprios. Estas pessoas possuem exata noção

de dever social, consistente em uma conduta emoldurada na ética e no respeito

aos direitos alheios. Por seu turno, a repreensão contida na norma legal tem

como pressuposto conduzir as pessoas a uma compreensão dos fundamentos

que regem o equilíbrio social. Por isso, a lei possui um sentido tríplice: reparar,

punir e educar.”27(grifei)

O jurista, ao contextualizar a função social contida na lei, demonstra todas

as funções advindas da responsabilização a partir do dano causado. Não se limita o

instituto a garantir o restabelecimento ao status quo ante do ofendido, mas também

gera efeitos ao ofensor e à sociedade como um todo.

26 LISBOA, Roberto Senise, ob. cit. p. 428. 27 REIS, Clayton, Avaliação do Dano Moral, 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 79-80.

Page 25: O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO DANO MORAL NA … · “De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto

25

Não se pode perder de vista que o fato gerador do dever de indenizar é o

cometimento de um ato ilícito, o qual não pode, nem deve, restar à margem de uma

punição justa e proporcional ao desrespeito do ordenamento jurídico público.

Acerca desse aspecto, conclui Pablo Stolze Gagliano, referindo-se à

responsabilidade em seu sentido amplo:

“[...] a natureza jurídica da responsabilidade será sempre sancionadora,

independentemente de se materializar como pena, indenização ou compensação

pecuniária”28. (grifei)

Ademais, deve-se observar a importância da punição como efeito

pedagógico de validade erga omnes, pois uma punição exemplar, se bem

divulgada, terá efeito inibidor ante o grupo social que se encontra sob a égide

daquela lei violada.

Destaque-se que o intuito do presente estudo é revelar a importância do

caráter punitivo pedagógico da responsabilidade civil, o qual deve ser tão prestigiado

quanto sua função reparadora, que é hoje a função tida como primordial na

aplicação do instituto em tela.

Feito levantamento das funções essenciais da responsabilidade civil, é

hora de estabelecer as definições específicas e as ferramentas jurídicas que

efetivamente põem em prática as citadas funções.

28 GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo, ob. cit., p. 20.

Page 26: O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO DANO MORAL NA … · “De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto

26

3 - RESPONSABILIDADE CIVIL: DANO E REPARAÇÃO

O presente capítulo se preocupará em detalhar o pressuposto principal da

responsabilidade, que é o dano, e a prestação advinda da obrigação de indenizá-lo,

qual seja, a reparação.

Primeiramente, respeitando a seqüência lógica, e retomando discurso já

iniciado quando da definição dos elementos essenciais da responsabilidade civil,

deve-se ater ao conceito de dano e seus desdobramentos e, logo após, o de

reparação.

3.1 –Dano e Reparação - Conceituação Quanto à conceituação do termo e sua recorrente manifestação,

posiciona-se Sílvio de Salvo Venosa da seguinte forma:

“Dano pode ser compreendido como toda ofensa e diminuição de patrimônio.

Não há como darmos um conceito unitário de dano, tendo em vista os inúmeros

matizes que o vocábulo abrange. O dano que interessa à responsabilidade civil é

o indenizável, que se traduz em prejuízo, em diminuição de um patrimônio. Todo

prejuízo resultante da perda, deterioração ou depreciação de um bem é, em

princípio, indenizável. [...]

Para que ocorra o dever de indenizar não bastam, portanto, um ato ou

conduta ilícita e o nexo causal; é necessário que tenha havido decorrente

repercussão patrimonial negativa material ou imaterial no acervo de bens, no

patrimônio, de quem reclama. A culpa pode ser dispensada nos casos em que se

admite a responsabilidade objetiva [...]”.29

Delineou o jurista os requisitos essenciais para a caracterização da

responsabilidade e conseqüente dever de indenizar, colocando o dano como

elemento cardeal para que se possa peticionar a reparação.

Explicou Venosa que não há reparação sem dano, mesmo havendo ato

ilícito e nexo causal, o que nos leva a entender que o dano não deve simplesmente

causar um malefício, mas sim um malefício indenizável por deterioração ou

29 Ob. cit., p. 271.

Page 27: O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO DANO MORAL NA … · “De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto

27

inutilização dos bens materiais, ou considerável abalo aos bens imateriais, mesmo

não havendo culpa a se provar.

Acentua Sérgio Cavalieri Filho:

“O dano é, sem dúvida, o grande vilão da responsabilidade civil. Não haveria

que se falar em indenização, nem em ressarcimento, se não houvesse o dano.

Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade

sem dano. Na responsabilidade objetiva, qualquer que seja a modalidade do

risco que lhe sirva de fundamento – risco profissional, risco proveito, risco criado

etc. –, o dano constitui o seu elemento preponderante. Tanto é assim que, sem

dano, não haverá o que reparar, ainda que a conduta tenha sido culposa ou até

dolosa.”30

Em resumo, a responsabilidade civil que merece a tutela jurisdicional

quanto ao dever de reparar deve apresentar os requisitos essenciais de conduta

legalmente ilícita, conexão de causa e efeito e dano economicamente indenizável.

Resta buscar a definição doutrinária de reparação do dano. É

imprescindível rememorar que, como já dito antes, o intuito de reparar o dano sofrido

é o caráter da responsabilidade civil de maior força por ser priorizado pelas

correntes doutrinárias e pelos órgãos julgadores.

Sílvio de Salvo Venosa em sua obra, já antes citada no presente trabalho,

define a idéia de reparação, partindo do significado vernacular do radical da palavra

‘indenizar’:

“Reparar o dano, qualquer que seja sua natureza, significa indenizar, tornar

indene o prejuízo. Indene é o que se mostra íntegro, perfeito, incólume. O ideal

de justiça é que a reparação de dano seja feita de molde que a situação anterior

seja reconstituída: quem derrubou o muro do vizinho deve refazê-lo; quem

abalrroou veículo de outrem por culpa deve repará-lo; dono de gado que invadiu

terreno vizinho, danificando pomar, deve replantá-lo e assim por diante. [...]”31

30 CAVALIERI FILHO, Sérgio, Programa de Responsabilidade Civil, 8ª ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 77. 30 Ob. cit., p. 272.

Page 28: O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO DANO MORAL NA … · “De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto

28

Em prelúdio à explicação de danos de natureza material e imaterial, ainda

no mesmo parágrafo, prossegue Venosa fazendo pertinente observação quanto à

forma de indenizar:

[...]. Vimos que essa solução é a mais adequada em determinadas classes de

danos, como, por exemplo, nos danos ecológicos. Não é, porém, o que na prática

se mostra possível ou aceitável no direito eminentemente privado, mormente

porque há danos que são irreparáveis ‘in natura’, como a morte.32

Destarte, imperioso se faz neste momento apresentar a conceituação dos

danos de natureza patrimonial, denominados pela doutrina de danos materiais e os

danos morais, de natureza extrapatrimonial.

3.2 – Dano Material e Dano Moral - Conceituação Uma vez denominados pela doutrina, como dito anteriormente, cabe

conceitua-los de acordo com a doutrina. Começando pelo dano material, é de Pablo

Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho a definição e a subdivisão do dano em

duas espécies:

“O dano patrimonial traduz lesão aos bens e direitos economicamente

apreciáveis do seu titular. Assim ocorre quando sofremos um dano em nossa

casa ou em nosso veículo.

[...], no que tange especificamente ao dano patrimonial ou material, convém o

analisarmos sob dois aspectos:

d) o dano emergente – correspondente ao efetivo prejuízo experimentado pela

vítima, ou seja, “o que ela perdeu”;

e) os lucros cessantes – corresponde àquilo que a vítima deixou

razoavelmente de lucrar por força do dano, ou seja, “o que ela não ganhou”.33

A partir da didática explanação difundida pelos juristas retromencionados,

é notável que a diferença marcante entre o dano emergente e o lucro cessante é o

lapso temporal: enquanto o primeiro se estima pelo prejuízo imediatamente causado,

o segundo se apura ao longo do tempo em que o bem danificado permaneceu

32 Idem. 33 GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo, ob. cit., p. 40.

Page 29: O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO DANO MORAL NA … · “De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto

29

inativo. Acrescente-se que o dano material tem por mero fim recompor o patrimônio

do ofendido.

O dano emergente e o lucro cessante são, segundo a Lei Civil, o que se

chama “perdas e danos”. O legislador, desde o Código Civil anterior que já previa tal

situação, demonstra sua preocupação em priorizar a reparação civil em prol do

restabelecimento do status quo ante do prejudicado. 34

Parte-se para conceituação do dano moral, primorosamente estruturada

por Carlos Alberto Bittar, quando disse que:

“[...] qualificam-se como morais os danos em razão da esfera da subjetividade, ou

do plano valorativo da pessoa na sociedade, em que repercute o fato violador,

havendo-se, portanto, como tais aqueles que atingem os aspectos mais íntimos

da personalidade humana (o da intimidade e da consideração pessoal), ou o da

própria valoração da pessoa no meio em que vive e atua (o da reputação ou da

consideração social).” 35

Portanto, no que tange aos danos extrapatrimoniais, ou seja, aqueles que

não podem ser reduzidos à pecúnia por se tratar do patrimônio incorpóreo

personalíssimo do lesado, podemos dizer que a indenização assume roupagem

outra que a do dano patrimonial: sua natureza indene é compensatória, mesmo

porque não há possibilidade de restituir o vitimado ao estado anterior ao dano.

Por sua natureza, o dano moral será passivo de maior apreciação no

presente trabalho, mesmo porque seu liame ao caráter reparatório da

responsabilidade civil é menor em comparação com o dano material. Abstrai-se do

dano moral uma personalidade punitivo-pedagógica, fato que será amplamente

esmiuçado no capítulo vindouro.

Cabe mencionar o destaque dado ao dano moral no texto do Código Civil

vigente, mais exatamente em seu art. 186, o qual aduz que a indenização por ato

ilícito é devida, ainda que o dano seja exclusivamente moral.

34 Lei 10.406/02 (Código Civil vigente): art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidos ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar (correspondente ao art. 1.059 do Código Civil anterior). 35 BITTAR, Carlos Alberto, Reparação Civil por Danos Morais, 5ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 52.

Page 30: O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO DANO MORAL NA … · “De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto

30

Com tal atitude, o legislador somente confirmou em sede civil o que já se

encontrava consagrado na Carta Magna nacional desde 1988, em seu art. 5º, X, o

qual, inclusive, versa sobre os direitos individuais personalíssimos e seus meios

legais de defesa.36

36 CRFB – Art. 5º, X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Page 31: O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO DANO MORAL NA … · “De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto

31

4 – O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DA REPARAÇÃO

Tendo em vista que a reparação civil é atributo indissociável da

responsabilidade civil, a compreensão de que o caráter punitivo-pedagógico inserido

na primeira será, logicamente, atinente à segunda.

Assim sendo, é característico à reparação civil o caráter indenizatório, o

qual se subdivide em dois espectros: o de natureza de ressarcimento e o de

natureza compensatória. O ressarcimento cuida da recomposição dos danos

causados, são os danos monetariamente mensuráveis, o prejuízo é calculável,

intimamente ligado com os bens materiais. O dano material é o instrumento jurídico

usado para suscitá-lo. Aliás, este é o único caráter que atine ao intuito reparatório do

dano material, já que sua função é meramente restabelecer o status quo ante do

lesado.

Já a natureza compensatória está diretamente ligada à indenização dos

bens imateriais prejudicados no cometimento do ato ilícito – compensa-se os danos

imensuráveis, os quais não tem parâmetros pecuniários para serem delimitados –

não há o que se reparar, apenas compensar. Como diz Venosa, é o dano moral um

lenitivo para a dor causada.

4.1 – O Dano Moral como Instrumento Punitivo-Pedagógico

O instituto jurídico que viabiliza sua aplicação in judice é o dano moral, e é

justamente na dissecação deste instituto que se apoiará o deslinde do presente

estudo, tendo em vista que o dano moral abrangerá, além da compensação, a

punição ao ofensor e a desmotivação social da conduta, como revelou Pablo

Gagliano Stolze e Rodolfo Pamplona Filho ao tratarem das funções da reparação

civil:

“[...] três funções podem ser facilmente visualizadas no instituto da reparação

civil: compensatória do dano à vítima; punitiva do ofensor; e desmotivação social

da conduta lesiva.

Na primeira função, encontra-se o objetivo básico e finalidade da reparação

civil: retomar as coisas ao ‘status quo ante’. Repõe-se o bem perdido diretamente

ou, quando não é mais possível tal circunstância, impõe-se o pagamento de um

Page 32: O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO DANO MORAL NA … · “De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto

32

‘quantum’ indenizatório, em importância equivalente ao valor do bem material ou

compensatório do direito não redutível pecuniariamente.

Como uma função secundária em relação à reposição das coisas ao estado

em que se encontravam, mas igualmente relevante, está a idéia de punição do

ofensor. Embora esta não seja a finalidade básica (admitindo-se, inclusive, a

sua não-incidência quando possível a restituição integral à situação jurídica

anterior), a prestação imposta ao ofensor também gera um efeito punitivo

pela ausência de cautela na prática de seus atos, persuadindo-o a não mais

lesionar.

E essa persuasão não se limita à figura do ofensor, acabando por incidir

numa terceira função, de cunho socioeducativo, que é a de tornar público que

condutas semelhantes não serão toleradas. Assim, alcança-se, por via indireta, a

própria sociedade, restabelecendo-se o equilíbrio e a segurança desejados pelo

Direito.”37

Sílvio de Salvo Venosa vai mais fundo e fortalece a indagação acima

mencionada, inclusive citando Projeto de Lei que visa a modificação do art. 944 do

CC, fato que sinaliza a sensibilidade do legislador quanto a outro caráter da

reparação civil por dano moral. Atenta, também, para as características punitivo-

pedagógicas do dano moral, senão vejamos:

“É inafastável também, como enfatizado, que a indenização pelo dano moral

possui cunho compensatório antes do reparatório somado a relevante aspecto

punitivo que não pode ser marginalizado. Nesse sentido, o Projeto de Lei nº

6.960/2002, que pretendeu alterar vários dispositivos do vigente Código,

acrescenta parágrafo ao art. 944: ‘A reparação do dano moral deve constituir-se

em compensação ao lesado e adequado desestímulo ao lesante’.

Há função de pena privada, mais ou menos acentuada, na indenização por

dano moral, como reconhece o direito comparado tradicional. Não se trata,

portanto, de mero ressarcimento de dano, como ocorre na esfera dos danos

materiais. Esse aspecto punitivo da verba indenizatória é acentuado em muitas

normas de índole civil e administrativa. Aliás, tal função de reprimenda é

acentuada nos países da ‘common law’. Há um duplo sentido na indenização

por dano moral: ressarcimento e prevenção. Acrescente-se ainda o cunho

educativo, didático ou pedagógico que essas indenizações apresentam para a

37 GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo, ob. cit., p. 21.

Page 33: O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO DANO MORAL NA … · “De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto

33

sociedade. Quem, por exemplo, foi condenado por vultosa quantia porque

indevidamente remeteu título a protesto; ou porque ofendeu a honra ou imagem

de outrem, pensará muito em fazê-lo novamente. Grande parte da doutrina,

porém, ainda não aceita essa função pedagógica na indenização. Trata-se de

mais uma mutação conceitual que a responsabilidade civil aquiliana vem

sofrendo ultimamente. O direito da responsabilidade civil é essencialmente

mutante.”38

Continua Venosa, revelando a capacidade dissuasória que o efeito de uma

condenação por danos morais ocasiona ao homem comum e à toda sociedade,

como um todo. Pode-se afirmar que a conseqüência da indenização por danos

morais possui repercussão erga omnes, como suscita o autor, embasado no direito

comparado, nas linhas infracitadas:

“Inafastável contudo que a condenação pelo dano moral exerce igualmente

importante papel educativo, dissuasório ou pedagógico no princípio geral do

‘neminem laedere’39. Como aponta Suzanne Carval (1995:1), na abertura de sua

obra específica sobre o tema, La responasbilité dans as fonction de peine privée,

“não há dúvida que, para o homem da rua, a responsabilidade civil é bem outra

coisa do que um simples instrumento de reparação de danos”. Ser responsável

para a maioria dos cidadãos, não é somente responder por uma soma em

dinheiro, mas também por uma contribuição ou garantia social. Aponta a autora,

ainda, que essa noção do homem comum também é compartilhada pela ciência

jurídica.”40

Clayton Reis corrobora com a exposição apresentada por Venosa,

acrescentando a idéia de persuasão ao instituto do dano moral, da seguinte

maneira:

“Não resta dúvida que a função de dissuasão é importante, enquanto seja

capaz de produzir efeitos no espírito do lesionador, uma vez que concorre para a

mudança do seu comportamento ofensivo no que tange à prática de novos atos

antijurídicos. Assim, tendo conhecimento antecipado das conseqüências que o

seu ato danoso será capaz de produzir, bem como dos inevitáveis resultados

38 VENOSA, Sílvio de Salvo, ob. cit., pp. 284-285. 39 Neminem laedere – “não lesar a ninguém”. Expressões Latinas de uso mais comum, letra “N”. Disponível em: http://paginas.terra.com.br/educacao/gentefina/latinas.htm. Consultado em 24/11/2006, às 12h42. 40 Ob. cit., p. 285.

Page 34: O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO DANO MORAL NA … · “De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto

34

sobre a sua pessoa e patrimônio, o agente lesionador avaliará o seu

comportamento anti-social de forma a refreá-lo, evitando novos agravos a

outrem.” 41

A despeito dos entendimentos doutrinários até então cotejados, o

professor Fábio Ulhoa Coelho, conhecido no meio acadêmico por suas obras no

ramo do Direito Comercial, compreende que os danos morais não possuem outra

função senão compensar o prejuízo sofrido. Opina da seguinte forma:

“A função dos danos morais é exclusivamente compensar a dor

extremada da vítima, quando ela se verifica. Quer dizer, só cabe obrigar o

devedor a compensar os danos morais do credor quando este tiver

experimentado um sofrimento atroz, de envergadura. Os juízes devem ser muito

prudentes ao decidir pelo cabimento da indenização, para que não se deixem

enganar pela simulação da dor. [...]

A única função dos danos morais é compensar a pungente dor que algumas

vítimas sofrem. É importante repisar o conceito para desvestir por completo a

indenização dos danos morais de qualquer caráter sancionatório (cf. Iturraspe,

1982, 4:175/179). Apesar de várias decisões que os instrumentalizam como

medida dissuasória e preventiva (RT, 803/233;785/347), objetivam os danos

morais tão-somente compensar a dor; não se destinam a sancionar o devedor ou

prevenir novos eventos danosos. [...].”42

O atributo de punição exemplar conferido à reparação por dano moral é

algo que lhe é inerente, como enfatizado por Venosa ao dizer que ‘há função de

pena privada, mais ou menos acentuada, na indenização por dano moral’. Portanto,

não se deve dissociar tal caráter do referido instituto, tendo em vista que qualquer

dano advém de um ato ilícito cometido voluntariamente, mesmo quando a

responsabilidade é objetiva (modalidade que aduz descumprimento do dever de

vigilância, considerado omissão voluntária).

41 REIS, Clayton, Avaliação do Dano Moral, 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 161. 42 COELHO, Fábio Ulhôa, Curso de Direito Civil, vol. 2, 2ª ed. rev., São Paulo: Saraiva, 2007, pp. 416 – 417.

Page 35: O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO DANO MORAL NA … · “De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto

35

4.2 – Jurisprudências: Justiça Estadual (Rio de Janeiro)

O entendimento jurisprudencial é contrário à posição de Fábio Ulhoa

Coelho, como o próprio reconhece quando fala, no trecho acima exposto, do caráter

punitivo-pedagógico dos danos morais: “[...]. Apesar de várias decisões que os

instrumentalizam como medida dissuasória e preventiva [...]”.

Aliás, pode-se dizer que os julgados do Tribunal de Justiça do Rio de

Janeiro têm se revelado a favor do entendimento de que o caráter punitivo-

pedagógico da reparação é atributo a ser considerado nas demandas que

instrumentalizam o dano moral, dada a considerável quantidade de decisões que

fazem menção a tal característica.

Importante é frisar que os julgadores das Tribunas fluminenses têm

tomado o caráter punitivo e pedagógico como parâmetro de mensuração do

quantum debeatur43 do dano moral. Neste diapasão, pontua Sílvio Venosa:

De qualquer modo, é evidente que nunca atingiremos a perfeita equivalência

entre a lesa e a indenização, por mais apurada e justa que seja a avaliação do

magistrado, não importando também que existam ou não artigos de lei apontando

parâmetros. Em cada caso, deve ser aferido o conceito de razoabilidade.

Sempre que possível, o critério do juiz para estabelecer o ‘quantum debeatur’

deverá basear-se em critérios objetivos. Evitando valores aleatórios. A criação de

parâmetros jurisprudenciais já vem sendo admitida no país, exercendo a

jurisprudência, nesse campo, importante papel de fonte formal do direito.44

(grifos nossos)

É justamente apoiado no critério objetivo da punição exemplar que os

magistrados fluminenses têm elaborado suas decisões quando se deparam com o

dever judicante de quantificar o dano moral. Logo, além da estipulação

compensatória em função do dano, os desembargadores têm se valido da extensão

dos efeitos do ato ilícito cometido para delimitar o valor a se condenar.

Em pesquisa feita ao endereço virtual do Tribunal de Justiça do Rio de

Janeiro, a partir do item “Jurisprudências”, apurou-se, em função da busca pelos

43 Quantum debeatur – “quantia devida”, Dicionário Latim DireitoNet, letra “Q”. Disponível em http://www.direitonet.com.br/dicionario_latim/x/96/11/961/. Consultado em 28/11/2006 às 22h20. 44 VENOSA, Sílvio de Salvo, ob. cit., p. 284

Page 36: O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO DANO MORAL NA … · “De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto

36

termos “responsabilidade”, “civil”, “caráter, “punitivo” e “pedagógico”, o número de

103 (cento e três) decisões prolatadas entre os anos de 2004 e 2006.45

Abaixo seguem alguns exemplos, com respectivos comentários:

Apelação cível n º2005.001.17596, presidida pelo Des. Mários dos Santos

Paulo da Quarta Câmara Cível. Julgado em 06/09/2005.

Ementa: 1. AÇÃO DE RITO SUMÁRIO. 2. RESPONSABILIDADE CIVIL. 3.

DANO MORAL. 4. RECONHECIDA A CULPA DO MOTORISTA PELA MORTE

DE FILHA MENOR, IMPÕE-SE A INDENIZAÇÃO À MÃE. 5. CIRCUNSTÂNCIA

DE FATO QUE SINALIZA A NECESSIDADE DE REDUÇÃO DA VERBA

INDENIZATÓRIA, ADEQUANDO-SE AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E

DA PROPORCIONALIDADE, ASSIM COMO AO CARÁTER PUNITIVO-

PEDAGÓGICO. 6. EXCLUSÃO DA TAXA SELIC, FIXANDO-SE OS JUROS

LEGAIS EM 1% (UM POR CENTO) AO MÊS A PARTIR DO NOVO CÓDIGO

CIVIL, CONFORME SEU ART. 406. 7. INCID~ENCIA DO ART. 962 DO CÓDIGO

ANTERIOR, REPRODUZIDO NO ART. 398 DO ATUAL. 8. RECURSO

PARCIALMENTE PROVIDO.

Como se verifica, a indenização por dano moral acima decidida se referia

a responsabilidade subjetiva do agente causador da lesão, pois foi necessária a

comprovação de sua culpabilidade. Declarou o julgador que pautou-se no caráter

punitivo-pedagógico do dano moral para quantifica-lo.

Apelação cível nº 2006.001.45993, presidida pelo Des. Mario dos Santos

Paulo da Quarta Câmara Cível. Julgado em 17/10/2006.

Ementa: 1. RESPONSABILIDADE CIVIL. 2. DANOS CAUSADOS À

PASSAGEIRA DE ÔNIBUS. 3. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA EMPRESA

TRANSPORTADORA, PRESTADORA DO SERVIÇO PÚBLICO, CONFORME

ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E LEGISLAÇÃO

INFRACONSTITUCIONAL. 4. DANO MORAL QUE ATENDE AOS PRINCÍPIOS

DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE, ASSIM COMO O

CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO. 5. RECURSO IMPROVIDO.

Acima, vê-se que o atributo punitivo-pedagógico também se manifesta nos

casos em que a responsabilidade é eminentemente objetiva. No caso acima

45 Disponível em www.tj.rj.gov.br. Consultado em 23/04/2008 às 23h32.

Page 37: O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO DANO MORAL NA … · “De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto

37

elencado, trata-se da responsabilidade do Estado em função de seus

concessionários de serviços públicos.

Figura-se nesta situação a responsabilização em função da assunção do

risco oriundo da atividade, não havendo necessidade jurídica de comprovação da

culpa para que se estabeleça o nexo de causalidade e se enxergue o causador do

dano.

A potencial obrigação de indenizar contida no risco da atividade

desempenhada já é assumida, desde o início, pela empresa de ônibus no caso em

tela. O julgador pautou seu juízo de valor no caráter punitivo e pedagógico da

reparação para estabelecer o quantum compensatório.

Imperioso se faz revelar alguns fragmentos relativos a constatação do

dano moral proveniente de uma situação cuja responsabilização do agente é dada

de forma objetiva.

Para melhor situar o caso observado, é pertinente explicar que se trata de

ação ordinária visando a reparação por danos materiais e morais em virtude de

queda no interior de ônibus de linha. A exigência foi acolhida em parte. Recorreu a

autora e requereu a majoração da indenização. Isto posto, o relator quando exarou

seu voto, o qual merece ser reproduzido, senão vejamos:

Aplicável o art. 37, § 6º da Constituição Federal e legislação

infraconstitucional, tratando-se de acidente com passageira de ônibus.

Trata-se, pois de responsabilidade objetiva, bastando, portanto, analisar a

quantificação, já que o dano moral salta aos olhos, evidente pela exposição ao

perigo e demais transtornos, não merecendo redimencionamento, posto que não

houve maiores conseqüências do acidente, quais sejam, inexistentes quaisquer

danos estético e material demonstrados.

A verba indenizatória a título de dano moral merece, pois, confirmação,

atendendo aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, assim como o

caráter punitivo-pedagógico.

À conta desses fundamentos, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO.

Apelação Cível nº 2006.001.11394, presidida pelo Des. Mário dos Santos

Paulo da Quarta Câmara Cível. Julgada em 20/06/2006.

1. RESPONSABILIDADE CIVIL. 2. DANOS MATERIAIS E MORAIS. 3. ERRO

MÉDICO. 4. LEGITIMADO ESTÁ O HOSPITAL PARA FIGURAR NO POLO

PASSIVO, JÁ QUE RESPONDE OBJETIVAMENTE PELA DEFICIÊNCIA DP

Page 38: O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO DANO MORAL NA … · “De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto

38

SERVIÇO PRESTADO POR MÉDICO COM O QUAL MANTÉM RELAÇÃO DE

PREPOSIÇÃO. 5. INVIABILIDADE DE DENUNCIAÇÃO DA LIDE TRATANDO-

SE DE RELAÇÃO DE CONSUMO, APLICÁVEL A SÚMULA Nº 92 DESTE

TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 6. INDEFERIMENTO DE DEPOIMENTO PESSOAL

DO AUTOR, POSTO QUE NÃO ESPECIFICADO NO MOMENTO PRÓPRIO. 7.

APLICAÇÃO DO ART. 14 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. 8.

ERRO MÉDICO EVIDENCIADO PELO PERITO, UMA VEZ QUE A CIRURGIA

PARA CORREÇÃO DA MIOPIA E CATARATA ACABOU POR LESIONAR

GRAVEMENTE O OLHO DIREITO DO AUTOR, CAUSANDO-LHE “ATROFIA DA

VISTA DIREITA COM ALTERAÇÕES ESTÉTICAS SIGNIFICATIVAS EM SUA

FACE E PERDA TOTAL DA VISÃO”. 9. DANOS MATERIAIS PELA

INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE, COM BASE NO SALÁRIO MÍNIMO,

À MINGUA DE PROVA SEGURA DE RENDIMENTOS DO AUTOR. 10. DANO

MORAL FIXADO EM PATAMAR QUE ATENDE AOS PRINCÍPIOS DA

RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE, BEM COMO AO CARÁTER

PUNITIVO-PEDAGÓGICO. 11. PRELIMINAR REJEITADA, IMPROVIMENTO DO

AGRAVO RETIDO E DAS APELAÇÕES.

A decisão acima exposta trata de responsabilidade em sua modalidade

indireta, já que o hospital assume os ônus advindos dos atos de seus prepostos. É a

responsabilidade objetiva por fato de outrem, atinente ao empregador, no caso

acima, o Hospital. Mais uma vez, foi observado o caráter punitivo-pedagógico

inserido na indenização estipulada.

Cabe registrar trecho do conteúdo do acórdão que decidiu a questão

supramencionada, na qual o Relator justifica os critérios pelos quais formou seu

convencimento no momento de quantizar a indenização:

“Estabelecida, assim, a responsabilização, impende definir as verbas

indenizatórias, também, irretocavelmente consideradas pelo Juízo de primeiro

Grau, posto que, quanto aos danos materiais, adotou o valor do salário mínimo, à

mingua de comprovação de rendimentos, como base do pensionamento vitalício,

e em relação ao dano moral o valor, equivalente a cem salários mínimos, mas

desvinculado do mesmo, está em absoluta harmonia com os princípios da

proporcionalidade e da razoabilidade, bem como com o caráter punitivo-

pedagógico, consideradas as desastrosas conseqüências do serviço deficiente,

descritas pelo perito da seguinte forma: “Após o ato cirúrgico corretivo teve atrofia

Page 39: O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO DANO MORAL NA … · “De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto

39

da vista direita com alterações estéticas significativas em sua face e perda total

de visão”.46

Enfim, corrobora a jurisprudência com o pensamento da maioria dos

doutrinadores aqui expostos, o que ressalta a importância da observação do caráter

punitivo-pedagógico da responsabilidade civil.

46 Disponível em http://imgdb.tj.rj.gov.br.

Page 40: O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO DANO MORAL NA … · “De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto

40

5– CONCLUSÃO

O presente estudo tem a pretensão de resgatar e exaltar a importância do

intrínseco caráter punitivo-pedagógico da responsabilidade civil, tendo em vista a

necessidade de imposição de limites em tão desenfreada (e cada vez mais

selvagem) sociedade moderna de consumo, onde velozmente se travam constantes

relações jurídicas que tendem a permanecer marginalizadas de prestação

jurisdicional adequada.

Estabelecer um convívio digno e pacífico em um sistema social em que as

desigualdades são patentes e as arbitrariedades são constantes, exige a adoção de

mecanismos persuasivos de conscientização populacional.

Pertinente se faz retomar a idéia básica de responsabilidade, definida por

Sílvio Venosa:

O termo responsabilidade é utilizado em qualquer situação na qual alguma

pessoa, natural ou jurídica, deva arcar com as conseqüências de um ato, fato, ou

negócio danoso. Sob essa noção, toda atividade humana, portanto, pode

acarretar o dever de indenizar. [...]. Um prejuízo ou dano não reparado é um fato

de inquietação social.

Já não se fazem suficientemente dissuasórios os métodos de correção

que não tenham como principal ferramenta a exigência de uma prestação pecuniária

em forma de penalização em virtude de descumprimento a uma exigência legal de

conduta comportamental.

Destaque-se aqui a finalidade pedagógica da punição advinda da função

principal da responsabilidade civil, que é a de indenizar. Note-se, ainda, que as

decisões que se valem do atributo punitivo-pedagógico merecem maior destaque

para que os efeitos erga omnes pretendidos sejam de fato conquistados.

Ainda fazendo referência ao autor Sílvio de Salvo Venosa, necessário se

faz destacar sua observação quanto à necessidade de maior publicização das

decisões judiciais em prol de uma maior sensibilização da sociedade contemporânea

quanto à obrigação universal de cautela e respeito aos institutos legais vigentes:

[...]. A condenação por dano imaterial pode incutir no sentimento social o caráter

de ilicitude em determinada conduta, mormente quando esse aspecto não é

muito conhecido no meio social. Para que essa finalidade pudesse ser atingida

Page 41: O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO DANO MORAL NA … · “De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto

41

plenamente, há necessidade de que, de lege ferenda, permita-se ao julgador

determinar a publicação da sentença em veículos que atinjam determinados

segmentos mais ou menos amplos da sociedade, como consectário da

condenação. Nem sempre a imprensa noticia decisões importantes e, quando a

faz, peca com freqüência por não informar corretamente.47

Em se tomando atitudes como a acima descrita, destaca-se um novo

paradigma à responsabilidade civil, que é o atendimento a uma função social.

Surtindo os efeitos inibitórios esperados, a contribuição se estenderia à todo

segmento social nacional, prezando por uma convivência coletiva mais justa e

pacífica.

Pode-se dizer, inclusive, que, secundariamente, seria uma contribuição

para o próprio Poder Judiciário, que teria menor quantidade de demandas

indenizatórias para julgar, desafogando a máquina judiciária.

Ainda há uma questão a ser enfrentada e uma sugestão de resolução

deve ser apresentada imediatamente. Trata-se de enriquecimento sem causa do

lesado, fato que gerou um estigma ao instituto da reparação por dano moral. Alguns

autores já nomearam tal fenômeno de “a indústria do dano moral”.

A referida “indústria” pode ser combatida a partir de ajustes legislativos à

ordem jurídica vigente. O que se sugere é o estabelecimento de lei que preveja a

destinação de parte porcentual da verba indenizatória dos danos morais às

instituições e entidades nacionais que desenvolvam programas de recuperação

física e atendimento psicológico aos acidentados no trânsito ou vitimados por erro

médico.

No texto da referida lei poderia constar limites percentuais de fixação do

valor indenizatório, por dano moral, referente exclusivamente à punição pelo ato

ilícito cometido, tornando o critério de mensuração mais objetivo. O que

permaneceria vinculado a critérios subjetivos seria a quantificação da indenização

meramente compensatória pelo dano sofrido.

Ao elaborar projeto de lei visando o acréscimo de parágrafo único ao art.

944 do CC, cujo texto prega o dano moral como medida de desestímulo ao autor do

dano, os legisladores brasileiros já demonstram direcionamento para a valorização

do aspecto punitivo-pedagógico contido no instituto da responsabilidade civil, como

47 VENOSA, Sílvio de Salvo, ob. cit., p. 286.

Page 42: O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO DANO MORAL NA … · “De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto

42

já comentado nas indagações traçadas ao longo do desenvolvimento do presente

estudo.

A valorização da reparação civil como objeto também de promoção da

punição pelo ato ilícito cometido, bem como a publicização desta punição, têm como

objetivo central a conscientização da sociedade em prol do respeito do ordenamento

jurídico vigente, através de um mecanismo inibitório.

Enfim, chamar a atenção da coletividade, pretendendo alertar a todos

quanto à importância do estrito cumprimento das obrigações contraídas mutuamente

em função da vida em sociedade e, principalmente, demonstrando a gravidade das

conseqüências que podem advir de tal descumprimento através da

responsabilização, é a intenção primordial que se visa a partir da equiparação

isonômica das três funções da responsabilidade civil, quais sejam, reparar, punir e

educar.

Page 43: O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO DANO MORAL NA … · “De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto

43

6 – BIBLIOGRAFIA CITADA OU CONSULTADA ALVES, José Carlos Moreira, Direito Romano, vol. 2, 6ª ed,, Rio de Janeiro: Forense, 2000; BITTAR, Carlos Alberto, Reparação Civil por Danos Morais, 5ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003; CAHALI, Yussef Said, Dano Moral, 5ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003; CAVALIERI FILHO, Sérgio, Programa de Responsabilidade Civil, 8ª ed., São Paulo: Malheiros, 2008; COELHO, Fábio Ulhôa, Curso de Direito Civil, vol. 2, 2ª ed. rev., São Paulo: Saraiva, 2007; Constituição da Republica Federativa do Brasil – Art. 5º, X; DINIZ, Maria Helena, Curso de Direito Civil Brasileiro. Vol. 2, 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004; DINIZ, Maria Helena, Dicionário Jurídico, vol. 4, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007; FRAGA, Thelma Araújo Esteves e outros, O Novo Código Civil Comentado, vol. 1, 2ª ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2004; GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo, Novo Curso de Direito Civil, vol. 3. 4ª ed. rev., atual. e reform. São Paulo: Saraiva, 2006; GOMES, Orlando. Obrigações. 17ª ed. ver. e atual., Rio de Janeiro: Forense, 2007; Grande Dicionário Larousse Da Língua Portuguesa, 1ª ed., São Paulo: Nova Cultural, 1999; LISBOA, Roberto Senise, Manual de Direito Civil, volume 2, 3ª ed. rev, atual. e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004; MARKY, Thomas, Curso Elementar de Direito Romano, 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 1995; PEREIRA, Caio Mário da Silva, Instituições de Direito Civil, 16ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2007; REIS, Clayton, Avaliação do Dano Moral, 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003; STOCCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil – Com Comentários ao Código Civil de 2002. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007; VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito Civil, vol. 4, 8ª ed. atual., São Paulo: Altas, 2008.

Page 44: O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DO DANO MORAL NA … · “De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto

44

SITES : http://www.direitonet.com.br/dicionario_latim/x/96/11/961/. http://paginas.terra.com.br/educacao/gentefina/latinas.htm. http://imgdb.tj.rj.gov.br. www.tj.rj.gov.br.