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Índice Introdução .................................................................................................................. 3 O Cinema Francês no Circuito Comercial ................................................................. 5 A Festa do Cinema Francês ....................................................................................... 9 O Cinema Francês em DVD .................................................................................... 13 O Cinema Francês na FLUP .................................................................................... 15 O Cinema de Animação Francês no Porto ............................................................... 21 Conclusão ................................................................................................................. 25 Bibliografia .............................................................................................................. 27 Agradecimentos ....................................................................................................... 29 5x2, François Ozon, 2004 1

O Cinema Francês na Cidade do Porto - David Barros

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Índice

Introdução .................................................................................................................. 3 O Cinema Francês no Circuito Comercial ................................................................. 5 A Festa do Cinema Francês ....................................................................................... 9 O Cinema Francês em DVD .................................................................................... 13 O Cinema Francês na FLUP .................................................................................... 15 O Cinema de Animação Francês no Porto ............................................................... 21 Conclusão ................................................................................................................. 25 Bibliografia .............................................................................................................. 27 Agradecimentos ....................................................................................................... 29

5x2, François Ozon, 2004

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Introdução

A França conheceu, desde os tempos pré-revolucionários, um desenvolvimento artístico-cultural que fez com que se tornasse um modelo civilizacional para toda a Europa. Este dinamismo conquistou, através da espantosa invenção dos irmãos Lumière, um novo meio de suporte: o cinema.

De facto, a França desde cedo provou ser um centro de inovação a nível cinematográfico, elevando a recém-surgida descoberta a um estatuto artístico invejável. Desde os seus primeiros mestres, como, por exemplo, Georges Méliès, o inventor dos efeitos especiais (Voyage à Travers l’Impossible, Voyage dans la Lune1, À la Conquête du Pôle, 20 000 Lieues Sous les Mers), a França foi acumulando obras-primas, que, passados quase 120 anos, permitiram constituir aquela que é, provavelmente, a filmografia nacional mais rica do mundo.

Após o período áureo do cinema francês pré-Segunda Guerra Mundial, no qual se destacou a figura do grande Jean Renoir2, surgiu a Nouvelle Vague, que relançou a 7ª arte francesa, projectando-a internacionalmente. François Truffaut, Jean-Luc Godard, Claude Chabrol, Jacques Rivette e Eric Rohmer foram os protagonistas de um movimento que rejeitou o chamado “ancien cinéma” (salvaguardando sempre as obras de alguns mestres, como a de Renoir, por exemplo) e inventaram uma nova forma de produzir e realizar filmes. Outros artistas, embora não perfilhassem totalmente os preceitos da Nouvelle Vague, seguiram muitas das linhas do movimento, vindo a impor-se no panorama cinematográfico francês dos anos 60 e 70. É o caso de Jacques Demy, Jean Rouch, Roger Vadim, Chris Marker. O surgimento desta nova geração de cineastas foi acompanhada pelo lançamento para o estrelato de jovens actores e actrizes, muitos dos quais se tornaram “sex symbols” dos estudantes franceses. Lembrem-se as figuras imponentes e sensuais de Jean-Paul Belmondo (À Bout de Souffle, Pierrot le Fou), Jean-Pierre Léaud (Les Quatre Cents Coups, Baisers Volés), Brigitte Bardot (Le Mépris, Et Dieu… Créa la Femme) e Anna Karina (Vivre sa Vie, Bande à Part).

À Bout de Souffle, Jean-Luc Godard, 1960

1 A imagem da capa do trabalho é um fotograma desta genial curta-metragem de 1902. 2 Filho do pintor impressionista Pierre-Auguste Renoir

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Actualmente, apesar de a produção cinematográfica estar muito longe do perfeccionismo estilístico da obra dos cineastas da Nouvelle Vague, a França tem-nos oferecido belas surpresas na última década, sendo de destacar, por exemplo, o sucesso internacional de realizadores como Jean-Pierre Jeunet (Delicatessen, Le Fabuleux Destin d’Amélie Poulain, Un Long Dimanche de Fiançailles) e François Ozon (8 Femmes, Swimming Pool, 5x2). O cinema de animação francês também é uma das áreas mais ricas do panorama cinematográfico francês e tem-se imposto recentemente no meio da animação alternativa.

No intuito de analisar as diferentes formas de divulgação do cinema francês na cidade do Porto, decidimos abordar certos eventos e áreas de dinamismo cultural que nos últimos anos trouxeram esta arte à nossa cidade. David Barros decidiu trabalhar sobre o cinÉmotion, que tem lugar semanalmente na FLUP, e sobre a presença do cinema de animação no Porto, área que conhece bem pelo seu trabalho de realização, durante o ano de 2003, na Casa da Animação. Sofia Saitta preferiu debruçar-se sobre a Festa do Cinema Francês, evento que apaixonadamente acompanha há dois anos, e sobre a presença do cinema francês no circuito comercial. Tanto os texto desta Introdução como o da Conclusão foram escritos em conjunto, tal como a pesquisa sobre a edição de DVDs em Portugal.

Modestamente desejamos que este pequeno trabalho possa suscitar ou reforçar a vontade de descobrir o vasto universo do cinema francês, que é, sem dúvida, um dos maiores legados culturais da Europa, pois acreditamos ser possível reavivar a presença intelectual francesa na cidade do Porto.

Swimming Pool, François Ozon, 2003

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O Cinema Francês no Circuito Comercial

Se bem que a percentagem de obras francesas no total dos filmes estreados em Portugal seja extremamente diminuta, o Porto é, sem dúvida, a cidade que mais cinema francês acolhe depois de Lisboa. São cinco os cinemas com sessões regulares a funcionar neste momento na cidade: Teatro do Campo Alegre, Nun’Álvares e Cidade do Porto (quatro salas), geridos pela Medeia Filmes3, Passos Manuel4 e o recentemente inaugurado Lusomundo Dolce Vita5, com sete salas. Outras instituições acolhem também sessões esporádicas, nomeadamente a Casa da Animação6.

No entanto, são os cinemas da Medeia Filmes os grandes responsáveis pela divulgação do cinema francês no Porto. Esta cadeia de salas de cinema tem um contrato com a distribuidora Atalanta Filmes e, portanto, achámos conveniente fornecer a lista das longas-metragens francesas exibidas nos últimos dois anos na nossa cidade.

Em 2004, saíram, no circuito comercial, os filmes:

- 5x2, François Ozon, 2004 - L’Esquive, Abdellatif Kechiche, 2003 - Demain on Déménage, Chantal Akerman, 2004 - Ce Jour là, Raoul Ruiz, 2003 - Les Triplettes de Belleville, Sylvain Chomet, 2003 - Choses Secrètes, Jean-Claude Brisseau, 2002 - Après la Vie, Lucas Belvaux, 2002 - Histoire de Marie et Julien, Jacques Rivette, 2003 - Histoire d’un Secret, Mariana Otero, 2003 - Ma Mère, Christophe Honoré, 2004 - Le Chien, le Général et l’Oiseau, Francis Nielsen, 2003 - Le Temps du Loup, Michael Haneke, 2003 - Comme une Image, Agnés Jaoui, 2004 - Petites Coupures, Pascal Bonitzer, 2003 - Lundi Matin, Otar Iosseliani, 2002 - Un Couple Épatant, Lucas Belvaux, 2002

Como se pode verificar pela análise das datas de realização dos filmes, nem todos são de 2004, sendo que há muitas vezes um desfasamento considerável em relação ao momento de estreia em França. Deste grupo bastante heterogéneo, decidimos seleccionar para uma breve análise a película Demain on Déménage, de Chantal Akerman, muito provavelmente a melhor realizadora de toda a história do cinema belga. 3 programação disponível em www.medeiafilmes.pt 4 www.passosmanuel.net 5 www.dolcevita.pt 6 www.casa-da-animacao.pt

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Akerman nasceu em Bruxelas, mas cedo emigrou para Nova Iorque. Lá, influenciada por cineastas como Jonas Mekas e Michael Snow, enveredou pelos caminhos do experimentalismo cinematográfico. No seu regresso à Europa, realizou longas-metragens como Je, tu, il, elle, de 1974 e Jeanne Dielman 23, Quai du Commerce, 1080 Bruxelles, de 1975. Nestas obras, Akerman explorou recorrentemente técnicas como a lentidão fílmica e o monólogo interior. Dividindo a sua vida entre a França e os Estados Unidos, a cineasta construiu uma filmografia riquíssima, das quais sobressaem D’Est (1993), Un Divan à New York (1996) e La Captive (2000). Em Fevereiro deste ano, a sua obra foi alvo de uma extensa retrospectiva na Filmoteca Española em Madrid.

Demain on Déménage é a sua última longa-metragem e resultou de uma co-produção franco-belga. Foi realizado em 2004 e contou com a participação de Sylvie Testud7, no papel de Charlotte, e Aurore Clément, como sua mãe. O filme relata a vida da jovem, que escreve histórias eróticas para compensar a ausência de um relacionamento sentimental, já que não há nenhum homem na sua vida. Depois da morte do pai, a mãe decide ir viver com a filha e traz com ela o piano e os seus alunos de música. A partir daí a vida de Charlotte divide-se entre a procura de inspiração para um romance que urge entregar ao editor e a tentativa de vender o apartamento onde mora, para comprar um mais moderno e espaçoso. Seguindo a linha da comédia experimental de Un Divan à New York, Akerman explora o humor de situação e constrói um jogo de personagens que, não sendo genial, é sem dúvida deliciosamente bem conseguido.

Demain on Déménage, Chantal Akerman, 2004

2005 foi um ano menos rico em termos da presença do cinema francês no circuito comercial portuense. Eis a lista de obras que foram projectadas este ano nas nossas salas de cinema: - La Demoiselle d’Honneur, Claude Chabrol, 2004 - Notre Musique, Jean-Luc Godard, 2007 7 bem conhecida dos seguidores do cinema de Manoel de Oliveira, com o seu papel em Je Rentre à la Maison (2001)

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- Les Poupées Russes, Cédric Klapisch, 2005 - De Battre Mon Cœur s’est Arrêté, Jacques Audiard, 2005 - Eros Thérapie, Daniele Dubroux, 2004 - Les Temps qui Changent, André Téchiné, 2004 - Feux Rouges, Cédric Kahn, 2004 - Jeux d’Enfants, Yann Samuell, 2003

Em relação à lista de 2005, o filme que decidimos pôr em relevo foi Les Temps Qui Changent de André Téchiné.

Tal como muitos cineastas franceses e de outras nacionalidades (lembre-se o caso dos portugueses António da Cunha Telles e Paulo Rocha), Téchiné frequentou o curso do IDHEC em Paris, e iniciou a sua carreira de realizador com a curta-metragem Les Oiseaux Anglais em 1965. Dez anos mais tarde criou a sua primeira obra de longa-metragem: Pauline s’en va.

Dezoito filmes depois8 surge Les Temps Qui Changent. O filme de 2004 coloca em cena dois gigantes da interpretação francesa: Catherine Deneuve (no papel de Cécile) e Gérard Depardieu (Antoine). A película relata a história de Antoine, um empresário que está de passagem em Tânger e que quer tentar reconquistar o grande amor da sua vida, Cécile.

Les Temps Qui Changent é também uma obra experimental de um certo ponto de vista, optando pela utilização de técnicas fílmicas muito vanguardistas. Entre estas escolhas, sobressai a decisão de usar a “câmara ao ombro”, método que já foi adoptado por cineastas como, por exemplo, Agnès Varda e os escandinavos do DOGME959.

Brevemente estrearão no Porto os filmes Après Vous..., de Pierre Salvadori, Caché de Michael Haneke e L’Enfant de Jean-Pierre e Luc Dardenne, este último tendo sido o vencedor da Palma de Ouro na edição de 2005 do festival de Cannes.

Embora a quantidade de filmes franceses que integram o circuito comercial seja apenas uma pequena parcela de todas as longas-metragens produzidas em França, o Porto é, sem dúvida, a segunda cidade portuguesa mais bem servida. Seria no entanto desejável que o público acorresse em maior número à exibição de cinema europeu em geral e francês em particular, de modo a justificar economicamente a aposta de distribuidores e exibidores em cinema de autor de matriz que se afaste do mainstream norte-americano.

8 dos quais se destacam Les Innocents (1987), Les Voleurs (1996), Alice et Martin (1998), Loin (2001) e Les Égarés (2003) 9 Podem conhecer-se os preceitos deste movimento artístico liderado pelos realizadores dinamarqueses Lars von Trier e Thomas Vinterberg no site www.dogme95.dk.

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A Festa do Cinema Francês

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Graças à colaboração da Ambassade de France, do Consulat Général de France, do Insitut Franco-Portugais de Lisbonne e do Rivoli Teatro Municipal foi possível organizar no Porto um evento que permite tanto aos portugueses como à comunidade francófona a visualização de filmes franceses recentes a um preço acessível. A Festa do Cinema Francês já vai na sua sexta edição e decorre, durante quatro dias, no mês de Outubro. Nas últimas edições, os cinemas que têm acolhido as obras apresentadas nesta festa são o Rivoli Teatro Municipal e os Cinemas Cidade do Porto. Normalmente é no Rivoli que a soirée de abertura tem lugar, já que apresenta melhores condições e pode acolher um maior número de pessoas. Este ano, o realizador do filme inaugural foi convidado para apresentar a sua longa-metragem ao público e para responder às perguntas dos mais interessados.

O ano passado, o filme que foi apresentado na soirée de abertura foi o Exils de Tony Gatlif, que obteve o prémio do melhor realizador na edição de 2004 do festival de Cannes. A projecção do filme foi realizada em homenagem ao cineasta Manoel de Oliveira10 e contou com a presença da actriz belga Lubna Azabal.

Nessa 5ª Festa do Cinema Francês foram apresentados os seguintes filmes: Le Roi et l’Oiseau de Paul Grimault11, Le Prix du Désir de Roberto Ando; 5x2 de François Ozon; 2046 de Wong Kar Wai; Sex is Comedy de Catherine Breillat; Brodeuses de Eleonor Faucher; Feux Rouges de Cédric Khan; Immortel (Ad Vitam) de Enki Bilal; Agents Secrets de Frédéric Shoendoerffer; Ordo de Laurence Ferreira-Barbosa; Notre Musique de Jean-Luc Godard; Les Choristes de Christophe Barratier e Histoire de Marie et Julien de Jacques Rivette.

2046, Wong Kar Wai, 2004

O filme que mais sucesso comercial veio a ter no panorama internacional foi Les Choristes de Christophe Barratier, seleccionado para o festival de Montréal em 2004.

10 É sua a frase: “Pensar o cinema é ter uma imagem da França.”. 11 Filme de animação que obteve o prémio Louis Delluc em 1980

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Barratier seguiu uma formação de guitarrista clássico na École Normale de Musique de Paris, onde obteve uma licenciatura e foi laureado em concursos internacionais. Com o seu tio Jacques Perrin, em 1991, aprendeu o ofício de produtor e trabalhou na concepção de filmes como Les Enfants de Lumière, Microcosmos, Himalaya e Le Peuple Migrateur. A sua primeira obra como realizador foi uma curta metragem, Les Tombales, inspirada num conto de Guy de Maupassant. Les Choristes foi a sua primeira longa-metragem.

Microcosmos, Marie Pérennou e Claude Nuridsany, 1996

O filme conta a história de um professor de música que, em 1948, vai dar

aulas para uma escola interna de reabilitação de menores. O sistema educativo extremamente rigoroso aí aplicado faz com que os jovens sintam uma necessidade de revolta, que o director não consegue refrear. Clément Mathieu vai conseguir mudar o ambiente repressivo em que os alunos vivem, fazendo-lhes descobrir o mundo mágico da música. Esta comovente obra tragicómica obteve imenso sucesso não só fruto da extraordinária representação dos actores Gérard Jugnot (Clément Mathieu) e Jean-Baptiste Maunier (Pierre Morhange), mas também pela sua brilhante banda sonora. De facto, a música é o tema principal do filme, já que segue o percurso vocal dos membros do coro da escola, focando-se a narrativa no progresso do soprano Pierre Morhange, rapaz de apenas 14 anos que já se destaca pela sua voz prodigiosa. Depois da rodagem da longa-metragem, Jean-Baptiste Maunier teve inúmeras propostas de produtoras musicais e gravou um concerto a duas vozes com outra jovem promessa da música francesa, Clémence.

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Les Choristes, Christophe Barratier, 2004

Este ano foi apresentada ao público a 6ª Festa de Cinema Francês, uma vez

mais oferecendo uma grande variedade de obras: Les Mots Bleus de Alain Corneau, que foi o filme de abertura; La Marche de L’Empereur de Luc Jacquet, uma mistura entre o documentário animal, a ficção e a reportagem; Zim & Co de Pierre Jolivet; Arsène Lupin de Jean-Paul Salomé; Les Revenants de Robin Campillo; Gabrielle de Patrice Chéreau; Les Travaux de Brigitte Roüan; Habana Blues de Benito Zambrano; Entre ses Mains de Anne Fontaine; Rois et Reine de Aranaud Desplechin, que obteve, em 2005, o César de melhor interpretação masculina para Mathieu Amalric; La Moustache de Emmanuel Carrère; C’est pas tout à fait la vie dont j’avais rêvé de Michel Piccoli; Quand la Mer Monte de Yolande Moreau e Gilles Portef, que ganhou, em 2005 também, os Césares de melhor primeiro filme e melhor actriz; e, finalmente, Caché de Michael Haneke.

No dia anterior ao da sessão inaugural da festa foi organizado um encontro Luso-Francês de escolas de cinema no Auditório da Biblioteca Municipal Almeida Garrett, que permitiu aos jovens uma troca de ideias sobre a 7ª arte e incluiu uma projecção de curtas-metragens de jovens realizadores portugueses.

De entre todas as sessões, a mais interessante foi, sem dúvida, a da soirée no Rivoli: Les Mots Bleus de Alain Corneau. Por motivo de doença, o cineasta não pôde estar presente na sessão, tendo sido cancelado, dessa forma, o encontro entre realizador e espectadores.

Alain Corneau teve uma formação musical, mas cedo descobriu a sua vocação cinematográfica. Em 1973 realizou o seu primeiro filme (France Société Anonyme) mas foi um total fracasso. No entanto, a partir de 1976 (ano de estreia de Police Python 357), Corneau destacou-se como um especialista do filme policial. Da sua extensa filmografia, destacam-se Nocturne Indien, Les Enfants de Lumière e Le Cousin.

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Les Mots Bleus, Alain Corneau, 2005

Les Mots Bleus conta com a participação de Sylvie Testud e Sergi Lopez e resultou de uma adaptação do livro Leur Histoire de Dominique Mainard. A longa-metragem narra a comovente história de amor de uma série de personagens que andam à descoberta de si próprias através do olhar dos outros. O título do filme tem a sua origem numa canção interpretada pelo artista Christophe e que foi retomada há pouco tempo por um jovem cantor, Thierry Amiel. Esta promessa da música francesa participou, com a canção Les Mots Bleus, num programa televisivo que o projectou internacionalmente: À la Recherche de la Nouvelle Star.

De Les Mots Bleus ressoa a frase « Clara a peur des mots. Sa fille, Anna, a peur des autres. Vincent a peur de grandir... Mais il n'aura pas peur de les aimer. ». E da Festa do Cinema Francês fica não só o reconhecimento pela inteligência desta iniciativa que tanto tem acrescentado ao dinamismo cultural do Porto, como também a vontade de explorar a fundo a obra da nova vaga de jovem realizadores franceses que têm, na última década, oferecido muito boas surpresas a um público atento e apaixonado pelo cinema.

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O Cinema Francês em DVD

Embora haja poucas edições portuguesas de filmes franceses, na FNAC podemos encontrar uma quantidade razoável de obras cinematográficas produzidas em França. Além de alguns exemplares importados (principalmente de filmes que não estão disponíveis de outra forma em Portugal, como, por exemplo, Fahrenheit 451 de François Truffaut), estão à venda as edições DVD da Atalanta Filmes, a maior distribuidora portuguesa de longas-metragens francesas. Os critérios de edição desta empresa assentam sobretudo no sucesso comercial das obras recentemente estreadas. Entre os filmes que foram projectados há pouco tempo nas salas portuguesas destacam-se as edições DVD de: - Les Triplettes de Belleville, Sylvain Chomet, 2003 - Choses Secrètes, Jean-Claude Brisseau, 2002 - Histoire de Marie et Julien, Jacques Rivette, 2003 - Notre Musique, Jean-Luc Godard, 2004 - 8 Femmes, François Ozon, 2002 - La Captive, Chantal Akerman, 2000 - Conte d’Automne, Eric Rohmer, 1998 - Il est Plus Facile pour un Chameau…, Valeria Bruni Tedeschi, 2003 - Le Stade de Wimbledon, Mathieu Almaric, 2001 - Le Fabuleux Destin d’Amélie Poulain, Jean-Pierre Jeunet, 2001 - Le Goût des Autres, Agnès Jaoui, 2000 - L’Anglaise et le Duc, Eric Rohmer, 2001

Le Fabuleux Destin d’Amélie Poulain, Jean-Pierre Jeunet, 2001

Umas poucas edições alternativas encontram-se disponíveis para obras de Jean-Luc Godard, Roger Vadim, Raoul Ruiz, Henri-Georges Clouzot, Claude Lelouch, Jean Renoir e François Truffaut (nomeadamente uma caixa reunindo as aventuras de Antoine Doinel: Les Quatre Cents Coups, Baisers Volés, Domicile Conjugal e L’Amour en Fuite).

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O Cinema Francês na FLUP

A Faculdade de Letras tem tido um papel extremamente importante na divulgação do cinema francês entre os estudantes da Universidade do Porto. Organizadas pelo Dr. Serge Abramovici12, as sessões do cinÉmotion têm reunido estudantes da FLUP e de outras faculdades da UP, bem como interessados que se informam acerca dos eventos académicos realizados na cidade do Porto. Antes do início da projecção do filme, o Dr. Abramovici faz uma breve introdução sobre o contexto socio-artístico que presidiu à realização da obra, enquanto que o último quarto de hora dos encontros é dedicado a uma conversa entre os espectadores e o organizador. Estes pequenos debates não se dão numa nostálgica tentativa de reavivar o espírito perdido das conversas cineclubísticas, mas apenas no intuito de ajudar à retenção na memória do filme que se acabou de ver. Já que o ser humano, principalmente aquele que participa da vida agitada e desgastante das grandes cidades, é constantemente bombardeado com múltiplas imagens que tanto saturam a sua visão e memória, é necessário falar sobre um documento iconográfico tão rico como é um filme para que ele seja guardado nos nossos arquivos intelectuais. É esta uma das grandes diferenças entre o cinema que vemos num centro comercial, rodeado de espectadores com latas de refrigerante e sacos de pipocas na mão e uma experiência de verdadeira cinefilia, que junta amantes da 7ª arte num fim de tarde culturalmente muito enriquecedor.

Contra uma visão do cinema que considera o filme como um bem de consumo imediato, ergue-se a programação do cinÉmotion, aliando grandes clássicos franceses a brilhantes obras de jovens realizadores, que se têm destacado no panorama cinematográfico contemporâneo.

Proponho uma sucinta análise do interesse de alguns filmes que foram projectados o ano passado e este ano no Anfiteatro Nobre da FLUP.

Playtime, do maior realizador francês de comédias, Jacques Tati, foi a obra inaugural do ciclo de 2004/2005. O filme de 1967 atinge plenamente o objectivo a que se propunha o meticuloso Tati: « Sans chercher de message, j’aimerais exprimer ce qui aboutit à la suppression de la personnalité dans un monde de plus en plus mécanisé. »13

Seguiu-se um filme de 1932 do grande mestre da montagem Jean Renoir: Boudu Sauvé des Eaux. Este foi um total fracasso comercial à sua estreia e só começou ser redescoberto, a partir de 1945, pelos cineclubes. Nele brilha Michel Simon, o genial actor de L’Atalante, a quem foi dada total liberdade de interpretação. Simon interpreta Boudu, um vagabundo que, quando se tentar suicidar atirando-se ao Sena, é salvo por um parisiense que o acolhe calorosamente em sua casa e o integra na família, apesar de não ser unanimemente bem-vindo. O filme é uma obra com um fundo social muito marcado, e não deixa de fazer transparecer a visão crítica de Renoir em relação ao conforto pequeno-burguês do livreiro que acolhe o protagonista.

12 docente na nosso estabelecimento de ensino, ministrando as disciplinas de Literatura e Artes II, Literatura Francesa II e Francês IV 13 in Dictionnaire des Cinéastes, Georges Sadoul, Éditions du Seuil, 1965

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Boudu Sauvé des Eaux, Jean Renoir, 1932

Depois de Va Savoir, um filme recente de um dos grandes mestres da

Nouvelle Vague, Jacques Rivette, e da penúltima película que contou com a participação do grande Marcello Mastroianni (Trois Vies et une Seule Mort, de Raoul Ruiz, já que o último foi a Viagem ao Princípio do Mundo do nosso Manoel de Oliveira), o Dr. Abramovici decidiu incluir uma obra sui generis do realizador francês Eric Rohmer. L’Anglaise et le Duc foi realizado em 2001 e pinta a relação de amizade entre Grace Elliott, uma aristocrata escocesa interpretada por Lucy Russell e o Duque de Orleães (Jean-Claude Dreyfus) durante os anos conturbados do final do século XVIII francês. É um filme de interiores, muito intenso a nível psicológico, que foi rodado totalmente em estúdio, sendo que o orçamento extremamente reduzido também influenciou esta decisão de Rohmer. L’Histoire d’Adèle H. foi o primeiro dos três filmes de Truffaut a serem projectados no ciclo. A obra de 1975 resultou da extraordinária adaptação ao cinema do diário da filha de Victor Hugo. Adèle Hugo viveu uma paixão avassaladora pelo tenente Pinson e, em 1863, durante a Guerra Civil Americana, deslocou-se até à cidade canadiana de Halifax à sua procura. Apesar de não ver o seu amor correspondido, continuou a tentar de todas as formas conquistar o coração de Pinson, acabando inevitavelmente por enveredar pelos obscuros caminhos da autodestruição e da loucura. Truffaut transformou esta espantosa história numa obra cinematográfica muito bem executada, sabendo aproveitar da melhor forma os talentos da então jovem actriz Isabelle Adjani. De realçar são também os cenários de desolação que envolvem as cenas da intensa crise psicológica de Adèle, constituindo poderosas metáforas do tormento emocional vivido pela filha do grande Victor Hugo. L’Atalante foi a obra que se seguiu, um dos grandes marcos do cinema francês pré-NouvelleVague. Realizado em 1934, o último filme de Jean Vigo conta a história de um jovem casal (Jean Dasté e Dita Parlo) que, vivendo num barco na

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companhia de um velho excêntrico (Michel Simon), não conseguem levar uma vida em conjunto, acabando por se separar e, mais tarde, juntando-se de novo. Uma das cenas inesquecíveis é o famoso mergulho do rapaz que vê a cara da sua amada nas águas profundas. Aqui se experimenta uma técnica cinematográfica surpreendentemente inovadora para a época, conseguindo Vigo aliar, num violento lirismo, o realismo à poesia surrealista. De Vigo disse Albert Riera: « Son imagination débordante lui permettait d’improviser avec une facilité surprenante. Ce n’étaient pas les mots qui l’inspiraient, mais les visages, les objets, les paysages. » A obra foi bem acolhida pela crítica, mas não pelos profissionais do sector. O distribuidor do filme obrigou mesmo a que se reajustasse a montagem do filme para poder incluir nele uma canção que estava na moda na época: Le Chaland qui Passe. O falhanço comercial foi total e L’Atalante deixou as salas precisamente na semana em que Vigo morreu de uma leucemia. Tinha 29 anos e era uma das maiores promessas do cinema francês. De uma obra-prima, passou-se para outra no cinÉmotion. La Règle du Jeu foi a peça que se seguiu, realizada em 1939 por Jean Renoir (que também tem um papel como actor). Nesta longa-metragem, consegue sentir-se já a aproximação da Segunda Guerra Mundial e ela acabou mesmo por ser vaiada na estreia e proibida pela censura militar por ser considerada moralmente deletéria. A sua realização baseou-se essencialmente no improviso e nos gags criados entre amigos, permitindo a Renoir cumprir a grande ambição da sua vida, a de “faire un drame gai”.

La Règle du Jeu, Jean Renoir, 1939

Na semana seguinte, o cinÉmotion propôs-nos o último filme do poeta, desenhador e cineasta francês Jean Cocteau. Uma obra de despedida, Le Testament d’Orphée (1960) reuniu os amigos de Cocteau num magnífico jogo de Vida e Morte, presente e futuro, monstros e imaginação, e que recorreu a inúmeros momentos de um grande lirismo plástico. Dele disse Cocteau: « Ma grande affaire est de vivre une

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actualité qui m’est propre et qui abolit le temps. Ayant découvert que cet état était mon privilège, je m’y suis perfectionné et enfoncé davantage. »14

Dois filmes de François Truffaut encerraram o ano lectivo 2004/2005 e deram início ao 2005/2006. Les Quatre Cents Coups foi o último filme a ser projectado no cinÉmotion o ano passado. A primeira longa-metragem do mestre da Nouvelle Vague lançou Jean-Pierre Léaud e tornou-se num clássico sobre a infância. É nele que o famoso Antoine Doinel, então com 12 anos, surge pela primeira vez no grande écran. Incompreendido pelos professores e pelos pais, Doinel foge por duas vezes, rouba e acaba por se evadir novamente do reformatório para onde tinha sido enviado.

A obra tem um carácter marcadamente autobiográfico, já que François Truffaut teve uma infância difícil, tendo escapado da delinquência muito graças à sua amizade com o crítico André Bazin. O filme foi feito com um orçamento extremamente reduzido, mas prima pelo magnífico aproveitamento dos cenários naturais de Paris, a interpretação pura e sincera das crianças actores e de um espantoso bom gosto que atravessa toda a obra de Truffaut. Les Quatre Cents Coups foi um dos grandes responsáveis pelo reconhecimento internacional do génio da nova vaga de criadores franceses no mundo do cinema.15

L'Enfant Sauvage, François Truffaut, 1969

L’Enfant Sauvage foi a longa-metragem inaugural do cinÉmotion 2005/2006. Baseado em factos reais, o filme conta a história do processo de civilização e humanização de um rapaz encontrado em estado selvagem numa floresta. Por ele se interessou o médico Jean Itard, que decidiu levar a cabo uma série de experiências para o integrar na sociedade. O próprio Truffaut interpretou o

14 in Dictionnaire des Films, Georges Sadoul, Éditions du Seuil, 1965 15 Truffaut, da sua actividade cinematográfica, disse: « Je fais des films pour réaliser mes rêves d’adolescent, pour me faire du bien et si possible faire du bien aux autres. Pour beaucoup, le cinéma est une écriture ; pour moi, il sera toujours un spectacle, où il est interdit d’ennuyer son monde ou de ne s’adresser qu’à une partie de l’auditoire. Comme tous les autodidactes, j’entends d’abord convaincre. »

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papel do investigador responsável pelo caso do pequeno Victor, cuja personagem foi magnificamente desempenhada por um rapaz cigano de nome Jean-Pierre Cargol. Também no âmbito de uma reflexão sobre a educação no cinema se projectou Être et Avoir, o aclamadíssimo documentário de Nicholas Philibert sobre o ensino numa escola primária rural em França. Como filmes inaugurais de um sub-ciclo sobre humor dentro do cinÉmotion, foram projectadas duas obras-primas de Jacques Tati. Jour de Fête foi criado a partir de uma curta-metragem chamada L’École des Facteurs e imortalizou a figura de François, o carteiro. Ainda mais conseguida como peça cinematográfica é Les Vacances de M. Hulot, um dos filmes preferidos do grande génio sueco Ingmar Bergman. A obra cria a personagem mítica de Hulot, que é, aliás, o único vocábulo pronunciado pelo protagonista ao longo de todo o filme. Hulot (que depois será retomado por Tati em Mon Oncle, Playtime, Trafic e Parade) vai passar férias a uma pequena estância balnear na Bretanha e, conservando sempre as distâncias, faz a corte a uma jovem rapariga alojada no mesmo hotel que ele.

Les Vacances de M. Hulot, Jacques Tati, 1953

Uma das grandes mais-valias desta longa-metragem é a brilhante banda sonora, enquanto que a construção plástica do filme revela uma admirável mestria a nível da realização. Sobre esta obra, Tati escreveu uma frase absolutamente incontornável, que ajuda à compreensão da inteligência fílmica do maior comediante francês de todos os tempos: « Les images sont à la disposition du spectateur, qui doit se raconter son histoire comme s’il avait en main sa caméra. Il choisit parmi les éléments que je lui propose (gags, impressions de plage) les détails qui lui rappellent ses propres impressions de vacances. Au lieu de le traiter comme un être passif qui subit une histoire bien huilée, au rythme ultrarapide, je lui offre un univers connu de

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tous, et son plaisir est, je crois, de se reconnaître, de reconnaître tous les personnages. »16

Depois veio uma tríade de obras do cineasta georgiano Otar Iosseliani. As escolhas do Dr. Abramovici recaíram sobre La Chasse aux Papillons (1992), Adieu, Placher des Vaches! (1999) e Brigands, Chapitre VII (1996).

Os últimos dois filmes do ciclo, apesar de extremamente diferentes quer a nível circunstancial, quer a nível estilístico, aproximam-se pelo facto de se centrarem no tema da guerra. Trata-se dos filmes La Grande Illusion, de 1937 e Delicatessen, de 1991.

O primeiro é, a nosso ver, o melhor de Renoir. Com um elenco de luxo (que inclui Dita Parlo, Jean Gabin, Jean Dasté e Erich von Stroheim), é contada a história de como dois prisioneiros políticos franceses capturados por alemães durante a Primeira Guerra Mundial conseguem evadir-se da fortaleza onde estavam encarcerados e, com a ajuda de uma camponesa viúva, entrar em território suíço. O argumento é baseado em factos reais : « L’histoire de La Grande Illusion est rigoureusement vraie et m’a été racontée par plusieurs de mes camarades de guerre, notamment par Pinsard. Ses évasions sont à la base de l’histoire. »17.

Este brilhante filme, além de estar muito próximo da perfeição técnica, é a visão de um intelectual que sempre afirmou ser um pacifista (« Parce que je suis un pacifiste, j’ai réalisé ce film. »), demonstrando filmicamente as incongruências da guerra, onde ninguém é detentor da razão: « Il ne m’a été possible de prendre parti pour aucun de mes personnages. ».

A encerrar o cinÉmotion 2005, foi apresentada a película que projectou Jean-Pierre Jeunet para a sucesso internacional. Apesar de Le Fabuleux Destin d’Amélie Poulain ser um filme bastante superior, Delicatessen tem obviamente o mérito de ter conseguido entrar em ruptura com a comédia francesa dos anos 70 e 80 e ter relançado a discussão sobre um tema bastante delicado: o futuro de um ser humano auto-destruidor, que poderá ter que recorrer ao canibalismo se outras formas de alimentação desaparecerem. É um filme que, no entanto, e infelizmente, acaba por ser muito limitado pela falta de bom gosto estético no argumento e na realização de Jeunet.

Com estas duas películas se terminou a primeira parte da programação do cinÉmotion 2005/2006. Como se pode verificar pela análise do interesse artístico das obras apresentadas, esta programação tem tido um papel absolutamente fulcral na divulgação da cultura francesa na cidade do Porto e deve ser continuada e apoiada com a mesma veemência e paixão por todos os que estão envolvidos no projecto. Ao Dr. Serge Abramovici e a todos os que possibilitam a realização do cinÉmotion agradecemos esta oportunidade e damos os parabéns pelo sucesso alcançado. Para o ano há mais.

16 in Dictionnaire des Films, Georges Sadoul, Éditions du Seuil, 1965 17 Jean Renoir, in Dictionnaire des Films, Georges Sadoul, Éditions du Seuil, 1965

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O Cinema de Animação Francês no Porto

O cinema de animação é ainda hoje uma arte muitas vezes relegada para segundo plano quando comparada com o chamado “cinema de imagem real”. No entanto, a arte da animação é uma área extremamente rica, através da qual se têm exprimido muitos brilhantes criadores ao longo dos séculos XX e XXI. Deste grupo de artistas das mais diversas nacionalidades destacam-se, por exemplo, Joseph Barbera, Walt Disney, Karel Zeman, Tex Avery, Ladislas Starewitch, Jiri Trnka, Jan Švankmeyer, Norman McLaren, Michaël Dudok de Wit, Hayao Miyazaki, Tim Burton, Don Bluth, David Lynch, Peter Lord, Nick Park e os nossos Abi Feijó, Pedro Serrazina e Regina Pessoa. A França teve um papel determinante na consagração do cinema de animação. Além de ser o 5º país do mundo que mais filmes produziu desde o nascimento desta arte (com 613 títulos, a seguir aos Estados Unidos, Japão, Canadá e Reino Unido), a França prima também pelas inovações técnicas introduzidas e pela elevada qualidade plástica, narrativa e musical das obras dos seus grandes mestres. Em França nasceram e trabalharam artistas como Jean-François Laguionie, René Laloux, Michel Ocelot, Jacques-Rémy Girerd e Sylvain Chomet. Especialmente na última década, estes criadores têm levado o cinema de animação a tão elevados píncaros que os próprios estúdios da Walt Disney estão a recrutar desenhadores franceses para colaborarem nos seus projectos.

Les Triplettes de Belleville, Sylvain Chomet, 2003

Apesar do pouco cinema de animação francês que chega à cidade do Porto, são de louvar as iniciativas de divulgação deste nicho cinematográfico que tão boas surpresas nos tem dado. O circuito comercial tem tido um papel importante neste campo, tendo acolhido filmes de sucesso mundial como o brilhante Les Triplettes de Belleville de Sylvain Chomet e Le Chien, Le Général et les Oiseaux de Francis Nielsen (com argumento de Tonino Guerra). A Biblioteca Municipal Almeida

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Garrett, por sua vez, possui no seu acervo multimédia uma quantidade assinalável de cassettes VHS de filmes franceses de animação, como, por exemplo, o aclamadíssimo La Planète Sauvage, de René Laloux. No entanto, a maior parte do cinema de animação francês vem a público através dos festivais internacionais e da acção de uma instituição que muito tem feito ao longo dos últimos anos para a consagração da animação na cidade do Porto e um pouco por todo o país: a Casa da Animação.

La Planète Sauvage, René Laloux, 1973

A Casa da Animação é uma associação cultural sem fins lucrativos que tem

como objectivo promover e divulgar o cinema de animação, através da exibição regular de filmes, da formação tanto a nível profissional como numa vertente pratico-pedagógica, de itinerâncias nacionais e internacionais e de actividades com escolas. Foi uma das instituições que mereceram o apoio da Porto 2001 – Capital Europeia da Cultura. Desde então tem organizado workshops, conferências, festas, sessões temáticas e ciclos de cinema no intuito de fazer renascer o gosto pela animação alternativa, ressuscitando a memória de mestres consagrados e lançando novas esperanças. A título de exemplo, analise-se a programação de dois ciclos distintos de cinema que tiveram lugar na Casa da Animação nos últimos dois anos, um de longas e outro de curtas metragens. Ambos demonstram bem o tipo de iniciativas organizadas por esta instituição e de que forma trabalham para a divulgação desta vertente do cinema francês:

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Ciclo de Curtas Metragens La Fabrique

- Une Bombe par Hasard, Jean François Laguionie, 1968, 9’ - La Traversée de l’Atlantique à la Rame, Jean François Laguionie, 1978, 21’ - Haut Pays des Neiges, Bernard Palacios, 1990, 10’ - I Love You My Cerise, Valérie Carmona, 1992, 7’ - Un Cadeau Pour Sélim, Henri Heidsieck, 2002, 26’

Haut Pays des Neiges, Bernard Palacios, 1990

Ciclo Francês de Longas Metragens de Animação

- Kirikou et la Sorcière, Michel Ocelot, 1998, 100’ - Kaena : La Prophétie, Chris Delaporte e Pascal Pinon, 2003, 120’ - La Prophétie des Grenouilles, Jacques-Rémy Girerd, 2003, 120’ - L’Île de Black Mor, Jean-François Laguioni, 2003, 115’ - Le Chien, le Général et les Oiseaux, Francis Nielsen, 2003, 105’

No primeiro caso, é de realçar a combinação de obras de novos talentos franceses, que têm emergido dos mais importantes festivais internacionais, com a de um clássico da animação como é Jean-François Laguionie, um dos fundadores da produtora homenageada no ciclo (La Fabrique) e autor de obras como La Demoiselle et le Violoncelliste (1965), L’Acteur (1974), Gwen, le Livre de Sable (1985) e Le Château des Singes (1999). Das curtas-metragens mais recentes são de louvar as de Bernard Palacios e de Henri Heidsieck, que, com Un Cadeau pour Sélim, o seu primeiro trabalho, logo se impôs no panorama internacional da animação de autor.

No segundo ciclo destaca-se o facto de apenas um dos filmes ter passado no circuito comercial português (Le Chien, le Général et les Oiseaux). Por esta razão, as outras quatro obras não são legendadas, o que provoca desde logo uma redução

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inevitável do público potencial. Por falta de capital é impossível para muitas instituições do Porto recorrerem a técnicas como a legendagem electrónica (de que a Cinemateca Portuguesa, por exemplo, faz frequente uso), que resolveriam o problema da restrição destas sessões a espectadores que dominam a língua francesa. Desta mostra, sobressai pela sua qualidade técnica, musical e narrativa, o filme La Prophétie des Grenouilles, vencedor do grande prémio do Festival Internacional de Animação de Ottawa. O trabalho de Girerd, concluído em 2003, contou com a participação das vozes de conceituados actores como Michel Piccoli e Anouk Grinberg.

La Prophétie des Grenouilles, Jacques-Rémy Girerd, 2003

São admiráveis os repetidos esforços que têm tido os sucessivos presidentes da Casa da Animação na divulgação do cinema de animação francês no Porto, nunca se esquecendo de fazer acompanhar os ciclos de programas escritos cuidadosamente elaborados, com imagens e textos informativos sobre os filmes, a sua génese e consagração. É imperioso reabilitar a obra dos grandes mestres e dar voz aos novos criadores que se têm expressado neste suporte tão rico que é o cinema de animação. E desta arte surge gloriosamente o contributo francês, um dos mais originais e versáteis de sempre, que a cidade do Porto deve apoiar e preservar.

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Conclusão

Apesar de hoje em dia estarmos muito longe do entusiasmo cineclubístico18 pelo filme francês, a influência audiovisual deste país continua a ter um papel fundamental no panorama cultural da cidade do Porto. São de louvar todas as iniciativas, quer a nível privado quer a nível público, que fomentam a divulgação e desenvolvimento de uma cinematografia tão rica como é a francesa. É absolutamente indispensável, para a maturação intelectual de qualquer pessoa, o contacto com a 7ª arte francesa, não só através do visionamento e discussão da obra dos clássicos, como também das de alguns realizadores contemporâneos, que tanto têm contribuído para a manutenção do cinema como arte, estatuto conquistado desde os longínquos tempos de Méliès.

L'Atalante, Jean Vigo, 1934

18 Destaca-se aqui o papel essencial do Cine-Clube do Porto, um dos maiores e mais influentes da Europa no 3º quartel do séc. XX, e que à divulgação do cinema francês dedicou notável esforço.

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Bibliografia

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Compton’s Interactive Encyclopedia Deluxe 1998 Edition Microsoft Encarta 98 Encyclopedia Deluxe Internet

Un Cadeau Pour Sélim, Henri Heidsieck, 2001

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Agradecimentos

Casa da Animação Rivoli Teatro Municipal Cinemas Cidade do Porto Cinema Passos Manuel Faculdade de Letras da Universidade do Porto Atalanta Filmes FNAC Norteshopping Biblioteca Municipal Almeida Garrett Internet Movie Database (www.imdb.com)

Conte d'Automne, Eric Rohmer, 1998

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