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    O colapso do lulismo

    Ascenso e queda de um pacto social

    Antonio Soler

    Coleo Socialismo ou Barbrie

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    Sumrio

    Prefcio..........................................................................................................6Introduo.....................................................................................................81. Da luta contra a ditadura militar construo do PT.......................121.1 Ascenso e derrota do movimento operrio....................................141.2. A contraofensiva patronal..................................................................171.3 PT: conciliao e defesa da ordem.....................................................212. A construo do pacto social................................................................282.1 O bloco poltico no poder....................................................................302.2 Aplicando a cartilha neoliberal...........................................................322.3 Lulismo e corrupo.............................................................................352.4 Compensao social e desigualdade..................................................393. Natureza do Lulismo: da revoluo passiva Frente Popupar.........413.1 Lulismo como fenmeno progressivo................................................423.1.2 O ps-neoliberalismo........................................................................423.1.3 O governo em disputa.......................................................................453.1.4 O reformismo fraco...........................................................................473.2 As abordagens crticas..........................................................................513.2.1 O governo de Frente Popular...........................................................523.2.2 A hegemonia s avessas....................................................................563.2.3 A revoluo passiva brasileira.......................................................574. Uma definio da hegemonia Lulista...................................................604.1 As contribuies tericas de Trotsky e Gramsci..............................604.2 A poltica social-liberal........................................................................674.3 Um governo de coalizo preventivo..................................................695. A luta dos trabalhadores e da juventude............................................725.2 Luta de classes em uma situao poltica desfavorvel...................725.3 Junho: a onda de indignao popular................................................76

    6. A poltica da esquerda: superar sectarismo e economicismo...........856.1 A recomposio poltica e o partido revolucionrio.......................866.2 A recomposio e unificao do sindicalismo classista..................916.3 A poltica ante crises institucionais....................................................936.4 A situao exige mais do que economicismo...................................956.5 Diante das ondas de junho de 2013...................................................976.6 Sectarismo e poltica eleitoral.............................................................996.7 A crise de hegemonia.........................................................................1017. Construir uma alternativa poltica da classe....................................107Referncias bibliogrficas........................................................................111Apresentao............................................................................................113

    Publicao

    [email protected]

    Projeto grfco

    Victor [email protected]

    Reviso

    Carlos RaneaRosi Santos

    1 EdioGuarulhos, 2015

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    Prefcio

    O sculo XXI nasce como o divisor de guas no somente de dois ca-lendrios seculares, mas, tambm, e principalmente, de diferenciaodo estado passivo e de recuo das manifestaes populares ps quedado Muro de Berlim e burocracia sovitica e das derrotas inigidas classe trabalhadora mundial na dcada de 1990.De forma surpreendente, (os espaos de luta, ainda abertos, haviamsido estreitados nos limites de debate ideolgico e de recuperao daconsistncia das ideias revolucionrias comprometidas pelo stalinis-mo burocrtico e sua converso completa e denitiva conciliao de

    classes reformista, bem como, ao avano ps modernista do m dahistria) de onde menos se esperava, no continente latino-americanoverdadeiras rebelies populares - primeiros exemplos do que assaltariaao mundo todo nos ltimos quinze anos - contra as polticas neolibe-rais e seus governos tteres estouram na Argentina, Equador, Bolvia eVenezuela.Foram movimentos massivos, populares e operrios, que em 2001/2002derrubaram governos, exerceram presso sobre o imperialismo yanquie provocaram uma viragem de carter progressista na poltica daregio austral do continente americano. Assim como naqueles pases oBrasil tambm produziu a sua virada, mas de forma diferente: atravsda utilizao do mais importante instrumento de dominao da demo-cracia burguesa, o sufrgio universal. Em 2002 a esperana venceu omedo e levou ao Palcio do Planalto o metalrgico Luis Incio Lulada Silva, consolidando o que viria a ser chamado de lulismo.

    O Brasil repetira as frmulas histricas de resolver as suas crises peloconsenso e no por revoltas ou revolues. No entanto, junho 2013,vem demolir esse consenso e colocar luz todas as mazelas e impli-caes que aqueles onze anos trouxeram classe trabalhadora e emparticular sua parcela mais jovem.Preocupado com a elaborao de uma anlise correta do que signicouas multitudinrias marchas do inverno de 2013, suas causas e con-sequncias, Antonio Soler, realiza um amplo debate com os diversospensadores da esquerda socialista e suas vises parciais do que signi-

    cou a ascenso de Lula e do PT, demonstrando principalmente que oconceito gramsciano de revoluo passiva foi utilizado erroneamente,dando margem a solues do tipo reformismo sem reformas que norespondem aos princpios e resultados do pacto poltico que tornoupossvel a construo de um governo sob comando petista.Soler, partindo do conceito de transformismo aplicado ao PT e Lulae de que a gerncia petista do Estado obedece necessidade de umgoverno preventivo que evitasse as rebelies espalhadas pela Am-rica do Sul, estabelece um o terico em que possvel ligar o sindi -calismo do ABC ao pacto de 2002 e a sua falncia a partir das eleiesde 2006, resultando em junho 2013 e os desdobramentos disso, comuma antecipao de meses, muito relevante, em relao a tudo o queassistimos hoje.Mas, principalmente, como militante, no se limita anlise do pro-blema, como tambm, realiza uma sntese em que aponta para umanecessidade de mudanas da esquerda revolucionria na leitura eco-nomicista, objetivista e sectria da realidade, para enfrentar o perodoreacionrio que se avizinhava.Portanto, O colapso do Lulismo uma leitura que se prope ao deba-te no s das categorias tericas, mas, da prxis que deve ser aplicadapara a mudana da realidade em favor da classe trabalhadora e umacontribuio mais do que importante ao arcabouo das elaboraesmarxistas.

    Jos Roberto Silva, 01 /10 /2015.

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    Introduo

    " A pequena poltica compreende as questes parciais e cotidianas que se apre-sentam no interior de uma estrutura j estabelecida em decorrncia de lutas pela

    preponderncia entre as diversas fraes de uma mesma classe poltica. Portanto, grande poltica tentar excluir a grande poltica do mbito interno da vida estatal e

    reduzir tudo a pequena poltica."(GRAMSCI, 2000 : 21)

    A expectativa alimentada de que um governo do Partido dos Trabalha-dores (PT) pudesse combater as profundas desigualdades sociais, fazerreformas estruturais ou, ao menos, abrir caminhos neste sentido, foidurante estes doze ltimos anos frustrada. Estes governos no foramde pura e simples continuidade dos governos neoliberais de FernandoHenrique Cardoso (FHC), pois apesar de manterem o balizamento ne-oliberal, ampliaram polticas de compensao social que amenizarama misria de milhes de pessoas. De outra forma, no poderamos en-tender a razo pela qual o pas foi mergulhado na mais profunda esta-bilidade poltica. Porm, os benefcios que o capital obteve em relaos polticas de compensao social so muito maiores1.Durante uma dcada a poltica saiu das ruas e foi transferida para ointerior dos gabinetes nos quais os operadores polticos do lulismo fo-ram os protagonistas. Mesmo em momentos de crise poltica que ques-tionaram a legitimidade do governo - como foi o caso do mensalo

    - as massas populares se resignaram a acompanhar a movimentaopoltica pela televiso. Vivemos, ao menos, dez anos em uma situaopoltica que contou com elementos reacionrios. Este cenrio ir se al-terar totalmente a partir das intensas mobilizaes no ms de junho de2013 (Jornadas de Junho) na qual a represso luta da juventude pelopasse livre detonou uma gigantesca onda de indignao popular quefoi capaz de alterar a correlao de foras entre as classes, abrir cami-nho para a radicalizao de outros setores sociais com outras bandeiras

    1 Estima-se que o pagamento de juros ao capital financeiro chega a cerca de 40% do ora-mento do governo, enquanto o investido em polticas de compensao social no passa de 1%do oramento.

    e que, a partir da disputa eleitoral de 2014, conseguiu estabelecer umapolarizao poltica no vista desde os anos 1990.At a exploso de indignao popular vivida em junho de 2013, estejogo poltico foi extremamente eciente para arrefecer a disposio deluta dos trabalhadores, nalizar o processo de degenerao dos apara-tos sindicais e populares construdos na dcada de 1980, tirar, de certaforma, da cena poltica tanto a classe operria (e seus mtodos de luta),quanto a perspectiva de que s se pode pensar em transformao socialenfrentando os interesses da classe dominante. Ou seja, o lulismo, oPT, a CUT e congneres cumpriram papel decisivo no retrocesso daconscincia de classe que foi largamente construda durante as dcadasanteriores.Buscaremos polemizar neste trabalho com os autores que caracterizamo lulismo como governo de frente popular ou como uma forma qual-quer de revoluo passiva. Esse olhar enviesado que perpassa vriascorrentes - dentro e fora da academia - tem levado um leque grandedelas a se equivocarem politicamente, equvocos que tem trazido umasrie de prejuzos esquerda. Ao contrrio de pases como Bolvia ouVenezuela, que no incio do sculo XX passaram por grandes ondasde lutas contra o neoliberalismo e que geraram governos aos quaispodemos considerar como de frente popular ou similares a revoluespassivas, houve no Brasil um arranjo poltico entre o PT e um setorda burguesia para arquitetar um pacto poltico que servisse como umamanobra preventiva a um possvel processo de levante popular.A perda de uma tomada analtica mais abrangente deste fenmeno, ouseja, de que o lulismo seria uma espcie de governo ps-neoliberal, defrente popular ou revoluo passiva tem gerado caracterizaes queconsideramos afastadas da realidade e que tm inuenciado de formanegativa na linha poltica de muitas correntes. Neste sentido, faremosum percurso analtico de demonstrao deste aspecto de apontamentoscrticos de que o lulismo no se trata de uma frente popular e nem deuma revoluo passiva. Em que signicaria, para tanto, uma forma degoverno extremamente instvel, no primeiro caso, ou de um governoque levasse a cabo por cima mudanas estruturais, no segundo caso.A nossa hiptese a de que estamos diante de um governo de coali-zo preventivo, ou seja, um governo burgus que tinha no seu ncleo

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    principal um setor da burguesia nacional, isto : a burocracia lulista,seu aparato partidrio, sindical e popular e o apoio eleitoral das massasmais pauperizadas. Governo de coaliso preventivo, pois se antecipaante a possibilidade de uma onda de indignao popular similar con-forme ocorrida em pases vizinhos. Nesse sentido, articula as polti-cas neoliberais com polticas de compensao social, o que lhe aufereenorme popularidade e garante um longo perodo de estabilidade po-ltica. Estamos agora em um momento onde o pacto social construdoa partir de 2002 entrou em crise orgnica. Ademais, porque a alianagovernamental com a burguesia nacional passa a ter o apoio progres-sivo dos demais setores dessa classe, do apoio da classe trabalhadoraindustrial e, a partir de 2006, do apoio explcito do sub proletariado(setor mais empobrecido do proletariado) que votava tradicionalmentenos partidos tradicionais da burguesia.Com o advento da crise econmica de 2008, com o m do ciclo mun -dial da alta de commodities e a retomada do movimento de massas apartir de junho de 2013, esse pacto entrou em crise terminal. Isso semanifestou na reeleio apertadssima de Dilma (PT), que ganhou poruma margem estreita de votos, superior em 3,28% com relao a AcioNeves (PSDB). Nesta eleio ainda, perdeu parte signicativa de suabase eleitoral, os trabalhadores assalariados das regies proletrias detodo pas. Desta maneira, a crise profunda do pacto lulista se manifestano apenas de forma eleitoral, pois existe uma crescente polarizaosocial na qual a burguesia quer construir outro patamar de governabi-lidade, que lhe permita retomar as margens de lucro obtidas no ltimoperodo, enquanto, por outro lado, a classe trabalhadora e os setoresmdios da sociedade no querem perder conquistas como o baixo ndi-ce de desemprego, o aumento da renda do salrio e as polticas pbli-cas de compensao social. Por isso, entramos em uma fase na qual apolarizao de classe vista nas manifestaes de junho de 2013 tendea voltar tona. isso o que indica as recentes greves contra demissesem massa em importantes montadoras do Brasil como a Volkswagen,em So Bernardo do Campo, e a General Motors, em So Jos dosCampos.A ttulo de apresentao, este artigo est organizado da seguinte forma:(2) relato da congurao do lulismo; (3) o pacto e principais polticas;

    (4) crticas s caracterizaes correntes; (5) a denio do lulismo; (6)luta de classes neste perodo; (7) polticas da esquerda frente falnciado pacto lulista.

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    1. Da luta contra a ditadura militar construo do PT

    O Brasil, bem como os pases Amrica Latina, "fundado" sob o signodo trabalho escravo a servio da acumulao estrangeira2. Intercala-ram-se ciclos econmicos, como o do ouro, da pecuria, da minera-o, do caf, da borracha, voltados para a exportao, mas a estruturaprodutiva continuou a mesma at o nal do sculo XIX. A rupturacom esse modo de produo se estendeu at o nal do sculo XIX efoi abolida de forma a manter um imenso contingente na situao demarginalidade social, o que para a indstria nascente que se dedicavaao processo de beneciao do caf para exportao foi extremamente

    vantajoso. A industrializao deve-se tambm a fatores exgenos, taiscomo a primeira guerra mundial em 1914 e a crise econmica de 1929.A guerra afetou a produo de bens, pois a indstria na Europa volta-separa a produo militar, o que obriga o Brasil a substituir as importa-es pela produo local. Depois o crash de 1929 derruba brutalmenteo preo do caf, que era o principal produto de exportao no mercadomundial.O Brasil passa por intensa industrializao e urbanizao no perodode 40 anos. A industrializao, a formao do estado moderno e a ur-banizao mudam velozmente a sionomia das cidades de So Pau-lo e Rio de Janeiro. O perodo de 1940 a 1980 foi marcado por umaprofunda transformao na qual o emprego industrial e na mquinapblica cresceram 423% e 526%, respectivamente. O crescimento oua industrializao no so fatores que em si atenuam a pobreza ou a de-sigualdade, mas podem, por outro lado, at serem fatores de ampliaodas mesmas, conforme observado por pensadores como Celso Furtado.O dito subdesenvolvimento brasileiro e suas desigualdades regionais,longe de ser uma etapa necessria para o pleno desenvolvimento capi-talista, reete o lugar do Brasil na diviso internacional do trabalho eos interesses das classes dominantes locais.Essa desigualdade sempre foi funcional para o capitalismo semi-colo-

    2 No incio do sculo XV, o Brasil comea a ser integrado ao capitalismo comercial comocolnia fornecedora de matria-prima (pau-brasil). Passado esse ciclo de explorao - maisou menos trinta anos - entramos no ciclo da produo de cana de acar, sistema de planta-tion, sistema este de espoliao baseado no trabalho escravo, no latifndio e na monoculturae que dura sculos.

    nial brasileiro. A lavoura arcaica amplamente presente em nosso ter-ritrio contribua para baixar o custo da fora de trabalho urbana que,por sua vez, era revertido em lucro e transferncia de lucro no caso dasempresas transnacionais (Oliveira, 2013). No mesmo sentido, pode-mos destacar que o emprego na indstria, servios e administrao p-blica beneciava o lado patronal e estatal pela ausncia de formalidadeno vnculo empregatcio, e esta informalidade evidentemente signi-cava uma reduo signicativa no custo dessa mo de obra empregada.Isto corroborava, portanto, que na economia do mundo existem pa-dres de desenvolvimento distintos entre os "pases centrais" e os "pa-ses perifricos" e uma diviso mundial do trabalho que insiste emmanter o grupo dos pases perifricos como produtores e exportadoresde mercadorias de baixo valor agregado. E desta constatao que de-corre a importncia de pensarmos brevemente a histria do movimentooperrio a partir da dcada de 1940.Assim sendo, podemos comear nossa exposio a partir da migraonordestina, que povoou a indstria da construo civil e que, dada a in-dustrializao acelerada e a falta de mo de obra especializada, acabouem parte tentando se inserir na indstria metalrgica e qumica.Aps isto, j na dcada de 1940, ocorre um processo de urbanizaoacelerado. Este o perodo de formao do nosso "fordismo tardio",constitudo pela acelerada e catica urbanizao e pelo grande uxomigratrio. Tal perodo pode ser caracterizado, alm disso, por umaforma de controle poltico em que se destaca o populismo, que vai at1964, quando essa forma de controle poltico d lugar ao controle au-toritrio inaugurado pelo golpe militar.A nova classe operria que se estabelece nesse perodo, por sua vez, plasmada no processo de industrializao e urbanizao acelerada.Esse jovem operariado industrial, devido s terrveis condies de tra-balho e tambm pelas novas condies de trabalho coletivo, no tardouem demonstrar a sua inclinao para a luta sindical e em desaar aestrutura poltica fundada no populismo (Braga, 2012).As condies precrias de existncia fora e dentro das fbricas foramas bases do descontentamento que impulsionou setores da classe ope-rria, que tendiam a se enfrentar com o regime, da luta sindical paraa luta poltica. Os operrios mais precarizados no caram prostrados

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    frente ao populismo, demonstraram capacidade de organizao e arti-culao com os operrios especializados. O jovem proletrio migrante,muitas vezes oriundo da construo civil, demonstra grande capacida-de de adaptao social, articulao sindical e compreenso poltica. Oproletariado fabril, ento, a partir dos anos 1950, comea a desenvol-ver suas primeiras experincias de "auto-organizao sindical". Essaorganizao de base que foi responsvel pela onda de greves queassolou So Paulo. conatural a formao da nova classe operria a predisposio para asua organizao de base, terreno frtil tambm para o desenvolvimentoda conscientizao poltica. Nesse perodo, o sindicalismo conviveucom uma crise que se expressava no ativismo de base, na "inquietaosocial" com as direes sindicais varguistas o que, apesar das dicul-dades institucionais, - como a legislao trabalhista - proporcionou umciclo de lutas e auto-organizao nos anos 1950. A formao do cha-mado novo sindicalismo ocorre em um dos momentos mais radicaliza-dos da luta operria no pas (Braga, 2012). Assim, durante a ditaduramilitar, que caou as organizaes sindicais, prendeu, torturou, matoudirigentes e ativistas, apresenta-se um processo radicalizado de lutas.

    1.1 Ascenso e derrota do movimento operrio

    Nos primeiros dois anos de ditadura militar, devido dura represso(interveno nos sindicatos e perseguio dos dirigentes), houve gran-de retrocesso do movimento operrio e da luta de classes como umtodo. O golpe militar no Brasil ocorreu no interior do ciclo expansivodo capitalismo mundial, que vai at a crise do petrleo. Esse elemento,combinado com a represso ao movimento operrio, permitiu o cres-cimento econmico capitalista (o chamado "milagre econmico"), quevai at 1973 (Sader, 2013).Mas, o movimento operrio no tardou a retomar suas lutas aps o gol-pe em 1964. O arrocho salarial, a inao e a opresso no interior dasfbricas foram o combustvel material para que os trabalhadores reto-massem as suas lutas no nal de 1966. Esse movimento ganha impulsodenitivo com a entrada em cena do movimento estudantil em 1968.

    A recuperao da economia com o crescimento econmico e a entradaem cena do movimento estudantil proporciona uma nova onda de lutasdo movimento operrio. A ditadura militar reagiu diante da possibili-dade de aprofundamento da aliana entre operrios e estudantes comuma forte represso que levou ao exlio e priso diversos ativistas.De 66 a 68 houve de alguma forma um prenncio do que seria o nalda dcada de 70. Apesar das diclimas condies, surge um processode organizao de base que conta com a formao de comisses defbrica que se organizaram de forma independente das direes pele-gas. Perodo que conta com a greve vitoriosa de Contagem (MG) e deOsasco (SP), lutas realizadas em novos plos industriais e por um pro-letariado igualmente novo. Preocupado com o crescimento do descon-tentamento oriundo da ditadura e das greves radicalizadas, o governogolpista institui medidas que signicam o fechamento total do regime.O AI-5 signicou o fechamento do congresso com o objetivo de sufo-car a aliana popular que poderia se formar em torno da classe oper-ria. A ditadura militar - principalmente aps 1968 - coloca condiesde organizao e resistncia muito mais difceis dos que as anteriores.Depois de dcadas de represso militar sobre as foras transforma-doras da sociedade, a ditadura d sinais de esgotamento. O "milagreeconmico" se esgota, a inao comea a fugir do controle, a dvidapblica chega estratosfera e o estado perde capacidade de interven-o na economia. Na segunda metade da dcada de 1970, o proletaria-do volta a lutar contra a alta no custo de vida, por melhores condiesde trabalho e pelo direito de livre organizao e de greve, para isso obrigado a enfrentar no cotidiano a represso promovida pela patro-nal e pelos militares. A classe mdia rompe progressivamente com oregime e surge um poderoso movimento operrio grevista que tende atransitar das reivindicaes imediatas s polticas.Combinado ao novo ascenso operrio inicia-se o reerguimento do mo-vimento estudantil em 1977, que comea rearticular a refundao dasorganizaes estudantis. Em seguida, o movimento sindical de 1978consegue concesses econmicas da patronal, mas o principal ganhofoi ter conseguido se organizar depois de dez anos de forma indepen-dente da "aliana empresarial-militar" e garantir na prtica o direito degreve. A partir da a burguesia e os idelogos do regime percebem que

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    o melhor caminho realizar uma lenta transio que no colocasse emperigo nenhum dos ganhos econmicos da classe dominante e muitomenos as foras armadas e seus chefes-responsveis pela tortura, as-sassinato, desaparecimentos e outros crimes.Apesar da generalizao do processo de lutas operrias, a vanguardadeste perodo foram os operrios do ABC Paulista. No ano de 1979houve um processo de lutas operrias - com um enfrentamento fsicoque levou morte devrios operrios. Esse processo de luta teve umcomponente espontneo, mas no podemos deixar de notar que contoutambm com a agitao de setores da esquerda organizada no interiordas fbricas, como os grupos ligados teologia da libertao, gruposde orientao guerrilheira e trotskistas.No ano seguinte - maro de 1980 - mais uma onda de greves se realiza.Desta vez a ditadura age de forma mais coordenada. Decreta a grevedos metalrgicos do ABC como ilegal, prende a direo e intervmsobre o sindicato. Mas, mesmo com a direo presa, os trabalhadoresorganizam um comando de greve e mantm o movimento por 23 dias.Houve nesse perodo um levante generalizado que, uma vez coorde-nado politicamente, poderia ter causado a queda da ditadura militar.Mas, este processo foi obstaculizado pela burocracia sindical ligadadiretamente ao regime e principalmente direo lulista, que se negousistematicamente em unicar a luta dos metalrgicos do ABC e dasdemais cidades.O governo militar, diante da resistncia dos trabalhadores, libertou ospresos polticos ligados ao movimento operrio, mas uma vez soltos,Lula e a nova burocracia preferiram o caminho da conciliao com apatronal e com o regime. Esse movimento poltico feito pela burocra-cia do sindicato dos metalrgicos de So Bernardo do Campo, corta apossibilidade de que a greve metalrgica pudesse ser a locomotiva deuma mobilizao radical contra a ditadura. E isso no se deu por faltade combatividade dos metalrgicos do ABC, So Paulo e de outrasregies. Como se v, a nova direo da burocracia, que veio a substi-tuir os dirigentes varguistas, inicia a sua trajetria como dirigente deuma das principais ondas grevistas da histria do Brasil sob o signo datraio poltica da classe trabalhadora. Tal fato ir se reetir como umaconsequncia negativa sobre a luta contra a ditadura militar na dcada

    de 1980, uma vez que esta luta perde o seu carter radicalizado e passaa ser dirigida pelas correntes burguesas de oposio ao regime.Apesar de todas as adaptaes que houve durante as prximas dcadas, medida que o PT deixa deliberadamente de defender o socialismo eestabelece alianas eleitorais com setores da burguesia, a estratgia decolaborao de classes que vai ser posta em prtica em 2002 surge jnesse perodo, ainda que de maneira inconclusa, porm, j matizada.Nesse momento estava se esboando o que viria a ser o lulismo - arepresentao poltica que est frente da mquina pblica federal -doze anos depois. Temos aqui de forma panormica a origem da lide-rana de Lula e da burocracia sindical metalrgica que vai se estenderpara a classe trabalhadora em todo o territrio nacional. Liderana essaque aps um processo de pacicao das bases durante a dcada de 80vai sufocando a autoatividade experimentada durante o nal da dcadade 1970.

    1.2. A contraofensiva patronal

    A forma pela qual ocorreu o m da ditadura no Brasil acabou repercu-tindo de maneira negativa sobre a conscincia da vanguarda. A maio-ria dela foi ganha para a ideia de que a democracia burguesa poderiagarantir as mudanas estruturais, mudar a natureza do estado burgus,atravs de polticas como o oramento participativo ou da presso dasociedade civil sobre os governos. Os setores organizados do movi-mento sindical, juventude estudantil e parte da classe mdia se incli-naram para a defesa da democracia burguesa como valor universal.

    Parte dessa ideologia era de que se poderia, atravs do voto, mudar anatureza do estado e que sem o enfrentamento contra o capital se po-deria realizar as reformas que viriam a democratizar o acesso a terra,sade, educao e etc.A construo de gigantescos aparatos sindicais e polticos na dcada de80 proporcionaram aos trabalhadores, durante a transio democra-cia, poderosas ferramentas de luta. Essas lutas, por sua vez, garantiramconquistas durante a dcada de 80, mas ao mesmo tempo as direesdesses aparatos foram se incorporando ao estado atravs de manda-

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    tos e cargos de conana. Operou-se assim uma brutal mudana deperspectiva, isto , de que se regulado de maneira correta, o estadopoderia ser fonte de melhoria gradual na vida das pessoas sem que asoligarquias patronais fossem enfrentadas. D-se, por conseguinte, umfenmeno no qual a burocracia sindical se adequa e passa a operar amquina pblica. Como parte da nova situao, o nmero de grevescaiu brutalmente.Vivemos nos anos 80 a incorporao paulatina do PT mquina doestado atravs de administraes municipais e estaduais abertamenteburguesas. Postos parlamentares e no executivo por todo pas foramconquistados em pouco tempo, o que fez do PT uma mquina polticaeleitoral poderosa e promissora. O PT nesse perodo ainda era ex-presso das lutas e se colocava no campo do "classismo". Defendeu aemenda Dante de Oliveira que previa a eleio direta para presidenteda repblica, no votou no colgio eleitoral para apoiar a eleio indi-reta de Tancredo Neves, no votou a favor da constituio, apesar deassinar o seu texto.Durante a Constituio de 1988, defendeu a instituio de uma car-ta que buscava garantir acesso ao trabalho, previdncia social, pro-priedade da terra, sade e educao. Contudo, no se tratava de umaConstituinte feita sob uma clara vitria do movimento social contrao regime, e sim de uma democratizao controlada pela classe domi-nante e dentro dos estreitos limites do estado. Depois das experinciaspoltico-econmicas de instabilidade do governo Sarney3 e do gover-no Fernando Collor, a classe dominante consegue se rearticular. Coma derrota de Lula para Fernando Collor de Melo o processo polticose inverte. As foras conservadoras acabam retomando a iniciativa ecomea a era do neoliberalismo no Brasil.No front poltico, a derrota eleitoral de Lula nesse momento tem mui-to peso, pois o movimento sindical e popular organizado tinha umarelao direta com a sua candidatura. Essa derrota poltica eleitoralfoi um dos fatores que facilitaram que, na dcada de 90, houvesse umconjunto de ofensivas da classe dominante visando impor a retiradade direitos e recuo das conquistas democrticas da constituio de 88.

    3 Em 1989 realizada uma greve geral de 14 e 15 de maro de 1989 contra o Plano Cru-zado. Ela mobilizou 35 milhes de trabalhadores e deixou o governo Sarney paralisado porsemanas.

    Esse processo de implementao do projeto neoliberal no Brasil -coma colaborao de PT e da CUT - signicou a derrota poltica da po -derosa onda de mobilizao operria iniciada no nal da dcada de70 e estruturada institucionalmente na dcada de 1980 que, alm domais, signicou "o aborto de um Estado de bem-estar social nacionale, acima de tudo, a vitria da burguesia liderada por sua frao rentistainternacionalizada4"A ofensiva econmica do imperialismo, com a derrota das experinciasdos estados burocrticos e a reconverso capitalista em todo o globo,havia dado condies para o domnio absoluto das relaes capitalis-tas, na qual os pases perifricos deveriam participar de maneira subor-dinadas, abrindo sem reservas os seus mercados para os produtos dospases centrais e adequando o seu mercado de trabalho para a explo-rao mais direta. No entanto, a hegemonia neoliberal entrou em umfranco processo de crise, elemento importante para que praticamentetodos os pases da Amrica Latina entrassem em processos de rebelio.Collor aplicou medidas estabanadas como a do sequestro da poupanae iniciou uma abertura drstica do mercado interno para o capital. Como descontrole da inao, conscou as poupanas de forma indiscrimi-nada de toda a populao. evidente que setores dominantes prximosao governo foram avisados do consco e tiraram o dinheiro da pou -pana ou resgataram posteriormente os valores, coisa que no ocorreucom os trabalhadores. Alm disso, foi responsvel por uma abertu-ra econmica que causou uma quebradeira nunca vista na indstrianacional e tambm pelo desemprego de ao menos 20% da fora detrabalho. Aps denncias de corrupo, sofreu um processo de impea-chment. Este governo, portanto, alm de no ter tido xito no controleinacionrio, e somadas tambm s inmeras denncias de corrupo,acabou sendo derrubado por via institucional em 1992.Em 1993, a economia brasileira passava por momentos de recessoprolongada, inao aguda e crnica e desemprego. A crise econmica(at a quase crnica no Brasil) atingiu seu ponto mximo, e o ndiceIGP (ndice Geral de Preos) chegou a estrondosos 2,851% ao ano.Itamar Franco, vice-presidente de Collor, via renncia, empossadoem dezembro de 1992, tendo como desao trazer estabilidade a eco-nomia em um quadro de inao altssima.4 O Social-liberalismo, Rodrigo Castelo. Expresso Popular, 2012, p. 343.

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    A alta da inao chegava a 2.851%, em janeiro de 1994 e a sua popu-laridade ainda mantinha-se baixa.Depois de vrias iniciativas para sanar a economia, Itamar Francomonta uma nova equipe na rea econmica e chama Fernando Henri-que Cardoso (FHC) para o ministrio da economia. elaborado o Pla-no Real que em resumo signicou transferir o custo do controle ina-cionrio para a massa de trabalhadores que (atravs de um mecanismochamado tablita responsvel por converter a moeda anterior ao real),fez com que tremendas perdas inacionrias no fossem repassadasaos trabalhadores. A partir da, a inao caiu e Itamar Franco acabouseu mandato com altos ndices de aprovao, o que possibilitou levarFHC ao Palcio do Planalto. Aps a eleio de 1994 foi arquitetadadenitivamente - depois do fracasso de Collor - a insero subordinadado Brasil na nova diviso internacional do trabalho, parte orgnica docircuito global da acumulao transnacional do trabalho. Para isso, foirealizada uma reforma gerencial do estado adequando-o para que sesubordinasse aos ditames do capital nanceiro.Durante os dois mandatos de FHC uma srie de transformaes naproduo foi incorporada ao "fordismo brasileiro". As plantas foramreorganizadas, setores foram desmontados, funes foram sobrepos-tas, novas tecnologias informacionais foram incorporadas diretamenteaos processos produtivos para intensicar a explorao sobre a forade trabalho. Alm disso, com as terceirizaes se estabeleceu maiordiversidade nas formas de contratao do trabalho, aumento de rota-tividade, exibilizao da jornada de trabalho e maior diferenciaoentre os trabalhadores. Setores da indstria que forneciam componen-tes para as montadoras passaram ao controle direto do capital transna-cional ou foram substitudos pela importao massiva. Isso, somado asprivatizaes da segunda metade da dcada de 90, acabou por integrarde maneira subordinada o Brasil no ciclo de acumulao do capitalnanceiro. Em suma, houve uma intensa transformao no processoprodutivo para impor a lgica da nanceirizao indstria, comrcioe setores de servios.O neoliberalismo no Brasil tem presente dois fenmenos centrais: -nanceirizao da economia e precarizao das relaes de trabalho.Desdobramentos de interesse do capital, que lhe tirou todas as amarras

    para buscar investimentos que lhe permitisse maior lucratividade. Nonal do segundo mandato de FHC, a estabilizao monetria conse-guida com o plano real do governo Itamar Franco j havia dado sinaisde esgotamento.

    1.3 PT: conciliao e defesa da ordem

    A luta contra a ditadura militar dos anos 1970 e 1980 teve inunciapoltica decisiva na construo do PT. Este partido surge no caldeirodas lutas operrias, populares e contra o regime no nal da dcada de1970, como uma expresso do movimento, mas tambm como enti-dade capaz de dar organicidade a essas lutas5. Durante a dcada de1990, porm, deu passos programticos, organizativos e polticos queresultaram na perda do seu carter operrio e popular.Do ponto de vista da construo do seu projeto, este teve na sua ori-gem, como pano de fundo, a negao de alguns aspectos do que eramas sociedades no capitalistas e, claro, a experincia com o regimemilitar. Este momento foi o grande catalizador poltico-construtivo aoser responsvel pela formao das maiores organizaes operrias doBrasil: o PT e a CUT. Essas organizaes souberam aproveitar o em -puxo da radicalizao operria contra a patronal no nal da dcada de1970 e pela mobilizao de carter amplamente democrtico durante aprimeira metade da dcada de 1980. A sua criao ocorreu a partir deum amlgama entre foras progressistas composto pela intelectualida-de crtica, pelo cristianismo que fez a opo pelos pobres e, principal-mente, por uma nova gerao de dirigentes burocrticos que souberam- para no serem ultrapassados pelos fatos - acompanhar com represen-tao, primeiro sindical depois poltica, o novo movimento operrio.No entanto, sem a vontade que brotou dos enfrentamentos contra aditadura militar, originrios especialmente das lutas salariais, no sepoderia formar um partido com a envergadura do PT. Esse movimentode conscincia s foi possvel pela interveno dos setores de esquerdaque atuavam no interior daquele movimento. O PT, ento, se originacomo um partido "anticapitalista" e isso pode ser vericado a partir

    5 No se tratava de mais um partido comunista nos moldes do Partido Comunista, nem deum partido trabalhista e nem mesmo de um partido tipicamente social democrata.

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    dos documentos de fundao. A partir da experincia com as grevesse percebe que no se pode avanar sem uma organizao que uni -que politicamente os trabalhadores para fazer frente aos patres e aoestado.A composio operria desde o incio tem cabea um grupo de diri-gentes que so parte da burocracia sindical dos metalrgicos, docentes,bancria etc., inuenciados por lideranas religiosas e intelectuais deesquerda. No so dirigentes que foram simplesmente improvisadosno calor da luta ou de um forte agrupamento da esquerda radical quepudesse determinar rumos polticos do partido ou do movimento so-cial. Se o seu programa inicialmente anticapitalista e de um socia-lismo difuso, no havia, por outro lado, a defesa aberta da revoluosocialista desde baixo. O carter burocrtico da sua direo, a ilusono processo de democratizao e a fragilidade das correntes revolucio-nrias no seu interior resultaram em um projeto reformista. Esse fator uma importante mediao para entender por que, apesar de inicial-mente socialista, o PT segue uma dinmica ascendente de conciliao.A luta radicalizada contra o regime foi contida pela aliana entre anova direo operria (Lula e a nova burocracia sindical) e os dirigen-tes das organizaes burguesas de oposio ao regime que trataramde levar a luta contra a ditadura de maneira a no apostar no enfrenta-mento radicalizado. Guardando a gigantesca diferena de contexto, dealguma forma, essa aliana durante a dcada de 80 para lutar contra ogolpe pregurou a aliana do PT com a burguesia nacional na primeiravitria presidencial do PT em 2002, no sentido de que na dcada de 80o PT j se consolidava como resultado de vrias foras em seu interior,ainda que no tenha conseguido formular uma linha ou programa claropoltico-ideolgico e sequer uma teoria de revoluo neste perodo tofrtil.Depois da formao da CUT e do PT no incio dos anos 1980 e da tran-sio negociada ao regime democrtico burgus, uma intensa trans-formao poltica e social foi realizada no interior desses aparatos. Dedefensores de um socialismo difuso e de reformas democratizantes es-tas organizaes passaram para a defesa direta do mercado. Houve umelemento que perpassou todo esse transformismo poltico que se man-tm at hoje. E esse o condutor foi o controle burocrtico, mesmo

    nos momentos de maior democratizao, sobre a vida desses aparatose, outrossim, a estratgia gradualista que engessou qualquer possibili-dade de enfrentamento radical ao capitalismo no Brasil.O PT passa de uma organizao que foi fruto direto de um dos pero-dos mais radicalizados da luta da classe trabalhadora, particularmenteda classe operria, a uma organizao que se coloca frente de umacoaliso governamental que cumpre o papel poltico de desmobilizar aclasse trabalhadora diante da possibilidade de que essa pudesse seguiro caminho da rebelio social vivida por toda a Amrica Latina. Foijustamente para evitar este cenrio de "crise orgnica" j em curso emvrios pases da Amrica Latina que uma parte da classe dominantese inclina para a possibilidade de recompor a estabilidade que estavasendo perdida atravs de um governo do PT.Diante da ps-queda do muro de Berlin, o PT comea a realizar ine-xes imprimindo um carter cada vez mais conciliador (Iasi, 2012).No nal da dcada de 1980 passa a rever a sua poltica de alianas,contudo sem realizar alteraes signicativas em seu programa. Alte-ra sua ttica de aliana eleitoral e abre a possibilidade de estabelecerfrentes com partidos burgueses. Em 1998, faz uma aliana com o PDT,entretanto tal aliana no se traduziu em uma reviso programticaprofunda. Durante o congresso de 1991, o partido "elabora estratgiaque busca ampliar o espao para a luta institucional, uma vez que omovimento social entra em descenso6" .Os governos do PT frente aos estados e prefeituras tm uma hist -ria considervel de servios prestados ao sistema. Em vrios momen-tos o PT no governo se colocou como uma fora reacionria contra omovimento de massas e contra os funcionrios pblicos em mbitomunicipal e estadual. O mito de uma originalidade "autntica", de re-presentantes legtimos da classe trabalhadora e seus interesses cai porterra quando comparados histria poltica dessa direo. fato que oPT tem sido referncia poltica para a classe trabalhadora desde o seusurgimento e que o PT tambm possui o respaldo dessa mesma classenesse processo. Em realidade, o PT tem sido referncia para o maissubstancial da classe trabalhadora, os setores mais organizados da in-dstria, os trabalhadores sem-terra, as fraes mais intelectualizadasda classe mdia. Mas tambm verdade que nessa recproca entre o6 Os sentidos do lulismo, Andr Singer. Companhia das Letras, 2012, p. 93.

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    movimento de adaptao do PT e o respaldo que recebe de fraes daclasse trabalhadora a formulao pode induzir ao erro de se pensar queh uma corresponsabilidade ou equivalncia entre as partes envolvi-das.Para Iasi "a base social do inuxo moderado do PT, e que torna poss-vel a prevalncia de um horizonte pequeno-burgus no projeto dessepartido, est na burocracia partidria e sindical formada neste proces-so7" . Vale a pena ressaltar que essa burocracia no surgiu espontane-amente no interior do PT. Esta tem origem na burocracia sindical quefundou o partido e da qual forneceu muitos quadros para a sua direo.O que acontece com o PT que a inicial diferenciao funcional seconverteu em diferenciao poltica e social.H uma coincidncia clara e necessria entre o processo de moderaopoltica do PT e o fortalecimento em seu interior da burocracia partid-ria, assim: "o processo de inexo moderada coincide com o amadure-cimento desta camada, por isso no nos estranha a correlao precisaentre a lenta transformao da conscincia expressa nas formulaespartidrias ir assumindo os contornos de um projeto democrtico pe-queno-burgus, ou 'popular' se preferirem8". O fortalecimento dessaburocracia - que tem uma base social - no interior do PT sem dvidafoi decisiva para o processo de moderao da poltica, pois as pressesda base foram se arrefecendo por conta do desgaste e das polticasativas desse setor no sentido de enfraquecer a disposio de combatedos trabalhadores. No houve um semireformismo do PT e de seusquadros, mas sim um transformismo total, uma vez que tais quadros,ao chegar ao poder central, j traziam na bagagem vrias experinciasde gesto burguesa - e corrupta - a frente de governos estaduais e pre-feituras. Alm disso, os quadros de origem sindical eram responsveispelo trabalho de transformar a CUT e os sindicatos que dirigem emaparatos que rotineiramente sufocavam oposies, mobilizaes outraam diretamente greves e outros movimentos.O PT - diferentemente dos partidos social democratas 'clssicos' que,mesmo eleitoralistas, tinham uma base que se mobilizava frente aosgrandes perigos da luta de classes - no um partido que mobiliza mais

    7 As metamorfoses da conscincia de classe, Mauro Luis Iasi. Expresso Popular, 2012, p.559.8 Idem, p. 564.

    a classe trabalhadora; isso cou perdido nos anos 80. Esse ponto in-teressante para polemizar com Braga (2012) quando este faz quase queum paralelo direito entre a burocracia sindical e a burocracia lulistagovernamental, pois lhe escapa o salto de qualidade que deu essa bu-rocracia. No se percebe que houve um tremendo processo de incorpo-rao das lideranas sindicais aos aparatos do estado e de criao dasnovas lideranas partidrias diretamente ligadas ao aparato petistas.Ao tratar da sua histria Iasi diz que "a experincia do PT um exce-lente exemplo do movimento de constituio de uma classe contra aordem do capital que acaba por se amoldar aos limites da ordem quequeria superar9", armao que, acaba retendo uma viso um tantoquanto unilateral desse processo. Primeiro no podemos subvalorizaro movimento que fez a classe trabalhadora para que o PT pudesse serposto como partido devidamente socialista. Foi um movimento oper-rio massivo que comeou com as lutas contra as condies de existn-cia precria, tendo se politizado no percurso dessa luta, sendo diludoposteriormente na luta pelas "Diretas J". fato que existe uma ligao dialtica entre a conscincia da classe ea evoluo dos partidos que a representam, mas o caso que o lulismopassou da defesa da estratgia socialista gradualista pela via eleitoralpara a defesa direta da ordem, de polticas neoliberais e de contra re-formas. Para isso, esteve frente por mais de uma dcada de governosburgueses que atacaram o movimento dos trabalhadores nos governosestaduais e municipais. Quando o PT chega ao governo federal jhavia se processado uma transformao radical em seu programa. Jhavia um profundo recuo na conscincia de classe e, nestas ltimasdcadas, o PT trabalhou deliberadamente para o mant-lo.Hoje, o PT no mais um partido operrio com uma direo burocrti-ca e um programa reformista10. Trata-se de um partido no qual no h9 As metamorfoses da conscincia de classe, Mauro Luis Iasi. Expresso Popular, 2012, p.359.10 A burocracia lulista teve um papel progressista apenas quando rompe com velha a bu-rocracia colaboracionista no final da dcada de 1970. Quando comea a ocorrer as primei-ras greves esse setor da burocracia se descola do governismo como forma de sobreviver aonovo momento poltico da classe operria. Mas, como todo progressismo, no tardou parademonstrar seus limites. Durante a dcada d e 1980, tratou de esvaziar qualquer possibilidadede organizao de base autnoma atravs das comisses de fbrica ou delegados sindicais.Alm disso, colaborou diretamente com a patronal para perseguir implacavelmente a opo-sio sindical atravs do mtodo da ameaa, agresso fsica e da delao de ativistas para apatronal. Assim, essa burocracia partidria/sindical j apresentava em sua origem o DNA daconciliao de classes, fazendo com que nos processos decisivos da luta de classes os trabalha-

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    mais ligao orgnica com a classe trabalhadora, sua direo se abur-guesou e seu programa passou a defesa do capitalismo. No podemosabstrair o importante processo que foi a capitulao/transformismo doPT e de seus dirigentes iniciado j no comeo da dcada de 1990 ecompletado durante a administrao federal a partir de 2002. O queacontece com o lulismo o observado por Christian Rakovski 11 emrelao ao processo de burocratizao da Unio Sovitica depois daRevoluo Russa de 1917. Esse autor um dos primeiros a identicarna burocratizao do partido e na centralizao excessiva das deciseso o condutor do processo de burocratizao do Estado, pois a dife-renciao funcional entre dirigentes e dirigidos vai se convertendo aospoucos em diferenciao social.Esse recuo s pode ser compreendido se no perdermos de vista que aconscincia de classe que contribui para consubstanciar o PT desde oincio e no seu percurso teve uma clara delimitao reformista. O queno nos autoriza a armar que essa conscincia se colocou diretamen-te contra o capital. No foi simplesmente um movimento abstrato deconscincia que acabou se moldando "aos limites da ordem" por forada luta (Iasi, 2012). Essa abordagem incorre em dois problemas, umsupra-histrico, que acaba identicando um movimento contra a or-dem do capital sem determinao histrica ou poltica, o que no casod ao respectivo movimento um alcance que no tinha, e por outrolado, tira a responsabilidade da direo no sentido de refrear esse mes-mo movimento. Ou seja, trata-se de uma viso objetivista, que esca-moteia o papel de freio que cumpriu o lulismo no incio da dcada de1980, perdendo assim o o condutor do processo para a compreensode sua posterior evoluo poltica.Assim, o PT passou por uma metamorfose poltica completa desdesua fundao at a vitria eleitoral em 2002. De um partido operrioreformista na dcada de 1980, passa a ser partido operrio-burgus nadcada de 1990 e, nalmente, em 2000 se estabelece com um partidoburgus de carter populista. De uma direo que estava aqum da

    dores fossem desarmados.11 Destacado revolucionrio romeno que colaborou ativamente com a Revoluo Russa ecom a Terceira Internacional. No processo d e burocratizao, colabora com Trotsky na Opo-sio de Esquerda e um dos crticos mais agudos burocratizao. No exlio e em condi-es materiais e politicas dificlimas a cabou capitulando ao estalinismo, e durante a segundaGuerra Mundial em 1941 fuzilado.

    radicalizao nas dcadas de 70 e 80, o PT passou na dcada de 90 aser agente direto de colaborao do capital. Estabeleceu-se, por con-seguinte, como uma nova burocracia que contribuiu de forma decisivapara sufocar a autoatividade dos trabalhadores durante duas dcadas eapostou sistematicamente no processo de conciliao de classes e, umavez frente a cargos, foi agente direto da ordem. De partido operrioreformista dirigido por uma burocracia de origem sindical passou apartido totalmente integrado ordem e ao servio direto das polticasneoliberais, de maior liderana operria da histria nacional - repre-sentada na gura de Lula - passou a chefe do poder executivo, valen-do-se de todo o seu carisma para contribuir para a construo de umpacto social que, por sua vez, tirou a classe operria de cena durantepraticamente uma dcada.

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    dos setores da burguesia mais arredios candidatura de Lula. O queera aparentemente uma ttica momentnea para se chegar ao poder,acabou sendo parte inseparvel da estratgia poltica. Essa foi a tticaque o PT e um setor da burguesia nacional encontrou para arquitetar acoalizao eleitoral que levasse Lula Presidncia da Repblica.

    2.1 O bloco poltico no poder

    Eu passei 30 anos na fbrica e no

    me acostumei de macaco. Mas trs dias de gravata (... )13

    Quando chega com seu candidato Presidncia da Repblica, o PTno era sombra do que havia sido na dcada de 1980. O programa des-te partido j estava totalmente adaptado aos interesses do mercado, docapital e do seu setor mais parasitrio.Como um partido de origem operria, que se forjou em um dos pero-dos mais radicais da luta de classes no pas e portador de um programasocialista - mesmo que reformista - ao chegar ao governo federal de-senvolve polticas que guardam uma linha de continuidade com tudo oque antes supostamente criticava. Compreender esse "paradoxo" temsido um dos mais importantes desaos para os analistas da realidadepoltica nacional.O lulismo que assume o governo federal em 2002 guarda elementos decontinuidade e descontinuidade com a burocracia sindical que traiu agreve metalrgica radicalizada de 1980. Naquele momento se tratavade um ncleo poltico composto por dirigentes operrios que rompe-

    ram com a burocracia varguista, religiosos ligados teologia da li-bertao, ex-militantes da guerrilha e intelectuais acadmicos. Agora,trata-se de uma coalizao com a grande burguesia nacional. O PT no mais a expresso de um movimento de conscincia feito pela classetrabalhadora a partir da sua experincia poltica nas ltimas dcadas.Ao impor contrarreformas neoliberais e polticas de compensao so-

    13 Lula em Entreatos Lula a trinta dias do poder do cineasta Joo Moreira Salles, docu-mentrio sobre a camapanha de 2002. Para Salles, este o elemento mais simblico sobre atose a posio ideolgica de Lula. Vemos uma ruptura no somente esttica com dcadas atrs.Lula, opera com um espao simblico mpar em que revela muita competncia discursiva eum processo de moldar imagens e sentimentos como poucos.

    cial rompe com parte de sua base tradicional (funcionalismo pblico)e se aproxima e ganha apoio massivo do subproletariado no primeiromandato de Lula.Como parte dessa estratgia, nas eleies de 2002 se estabelece a alian-a com o Partido Liberal (PL) de Jos Alencar (grande empresrio doramo txtil), que cumpre o papel de estabelecer a aliana simblicaentre trabalho e capital produtivo. No entanto, a poltica de alianasse estende para o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e at para oex-arquiinimigo Partido Progressista (PP) de Paulo Maluf. O PT, noaf de chegar ao poder central desenvolveu negcios escusos e fezacordos com partidos abertamente siolgicos. Tais aes, no primeirocaso, envolveram dinheiro pblico para nanciar a campanha eleitoralde 2002 e, no segundo, foram necessrias para comprar votos a favorde "reformas" na legislao. Consequentemente, o projeto de governopara ser imposto requeria, de um lado, construir consenso com as elitestradicionais e, de outro, extirpar do partido o que restava de crtica.Lula chega ao poder atravs de uma aliana entre setores empresariais,burocracia sindical, camadas amplas da classe mdia e dos trabalha-dores e, como resultado de suas polticas e posturas, perde o apoioda classe mdia. Contudo, afasta-se do ltimo e ganha a simpatia e alealdade do setor que historicamente vota na direita e, assim, os traba-lhadores mais pauperizados aderem ao governo por suas polticas dereduo da pobreza monetria. O apoio de determinadas fraes sin-dicais, como a Fora Sindical, por exemplo, ao governo no foi con-seguido por adeso programtica, mas sim pela cooptao nanceiradas centrais e aparatos, e pelo recrutamento de dirigentes pela mquinaadministrativa.O governo Lula - comparado a Getlio Vargas nesse quesito - colocousob seu comando todas as organizaes tradicionais dos trabalhadorese estudantis com polticas de concesso burocracia sindical, como foio repasse para as centrais de toda a contribuio sindical, valor mone-trio que gira em torno de R$100 bilhes a cada ano. A mesma polticafoi dirigida Unio Nacional dos Estudantes (UNE), que desde sem -pre esteve alinhada com o governo, recebendo um cheque de R$ 30milhes. Trata-se da primeira parcela de um total de R$ 44, 6 milhesque sero pagos pela Comisso de Anistia para a reconstruo da sede,

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    destruda por um incndio provocado por milicos da ditadura. Esse en-quadramento poltico ideolgico das organizaes tradicionais contri-buiu enormemente para que as mobilizaes durante os dois primeirosmandatos presidenciais do lulismo no alassem dimenses nacionaisou obtivessem a solidariedade de outros setores, inviabilizando, assim,que esses processos ganhassem um carter poltico mais abrangente,facilitando o isolamento e os ataques do estado por meio do judicirioou da represso policial direta aos movimentos.Esse pacto contou tambm com uma poderosa manobra ideolgica,pois foi capaz de manipular categorias sociais como pobreza, misria,extrema pobreza, classe mdia. A manipulao poltica destes "signi-cantes" foi extremamente eciente para criar a aura de prosperidadeque cobriu o cenrio nacional, elemento fundamental para a construoda ideologia que vem justicando - se bem que de forma cada vez maisfrgil - a existncia do governo e das suas polticas (AbSber, 2011).Esse pacto social, apoiado por um amplo leque de partidos e grupossociais, dos mais ricos aos mais pobres, foi extremamente eciente nosentido de pacicar politicamente o pas at os dois primeiros anosdo primeiro mandato de Dilma. O lulismo seria umamalgamaque hi-poteticamente atenderia s demandas dos setores mais empobrecidosda populao e, por outro lado, a dos capitalistas de todas as estirpes.Mas, no que tange o modus operandi de fazer poltica, Lula teria re-produzido o patrimonialismo tpico que foi herdado da formao na-cional e cujo processo de democratizao controlado pelas elites nofoi capaz de superar. Assim, representantes da burguesia e at o im-perialismo apostaram em uma frente com o PT que pudesse pacicaro pas e realizar uma inexo no neoliberalismo puro e duro dos doismandatos de FHC.

    2.2 Aplicando a cartilha neoliberal

    O PT revigora o neoliberalismo por meio da ideolgica "social-liberal".Lula/Dilma nada zeram para que o Brasil alasse condio distintaem relao ao seu lugar na cadeia econmica mundial. Apesar de teralcanado condio de sexto PIB mundial, a economia brasileira no

    alterou nenhuma das condies que a tirasse da condio de exporta-dora de commodities que participa da diviso internacional do trabalhocomo entreposto para a valorizao do capital nanceira internacional.Do ponto de vista da poltica econmica, o governo Lula, manteve-setotalmente no campo da liberao do mercado e a favor das grandescorporaes nanceiras. O Banco Central foi entregue para um leg -timo representante dos bancos e com isso as alavancas macroecon-micas foram operadas segundo os interesses do mercado. Assim, nolulismo a economia se coloca sempre a servio do capital nanceiro deforma ainda mais intensa do que na era FHC.A abertura do mercado nanceiro, a facilitao de remessas de capi-tal, as altas taxas de juros so como clusulas ptreas da economiae zeram a alegria do capital transnacional desde 2002, o que tornaos investimentos na produo industrial local muito menos atrativos.No entanto, o lulismo fez mais pelo capital atravs da "facilitao doenvio de recursos ao exterior, a nova lei de falncias que d primaziaaos crditos nanceiros em relao aos crditos trabalhistas".14Lula, apartir de 2002, utilizou sua capacidade de liderana para convencer ostrabalhadores de que era necessrio tomar medidas antipopulares, poisno havia alternativa diante do "estado de emergncia".15A reforma da previdncia espoliou o funcionalismo pblico e fortale-ceu o capital nanceiro, com o aporte de bilhes de ingresso atravsdos fundos de penso. Esse ato inaugural de Lula para se alinhar de-nitivamente com a burguesia no deixa de ser a continuidade com olulismo que, durante a sua escalada ao governo federal, tomou umasrie de posies contrrias aos interesses dos trabalhadores.O primeiro mandato de Lula pode ser sumariamente resumido atravsdas polticas neoliberais. Desta forma, foram feitos contingenciamen-tos nos gastos pblicos, elevao na taxa de juros, arrocho do sal-rio mnimo e a contrarreforma da previdncia. No segundo mandato14 Brasil delivery, Leda Paulani. Boitenpo, 2008, p. 70.15 Acervo de medidas neoliberais que conta com a elevao do supervit primrio de3,75% para 4,25% do PIB; aumento da taxa bsica de juros de 22% para 26,5% ao ano; cortede liquidez que tirou de circulao 10% dos meios de pagamento; pagamento de um servioda dvida que chegou a 8% do PIB; transformao do sistema previdencirio brasileiro,acabando com o solidarismo Inter geracional e jogando na incerteza o futuro de milhes detrabalhadores dos setores privado e pblico; aprovao de uma lei de falncia que coloca, nogerenciamento das massas falidas, os interesses dos credores do sistema financeiro frentedos interesses dos trabalhadores e do Estado; a defesa despudorada da independncia dedireito do Banco Central (ela j existe de fato).

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    a economia brasileira foi beneciada pelo aumento das exportaes, avalorizao das commodities, e pela ampliao do mercado interno demassas tambm foi determinante para o crescimento. Em 2008, o Bra-sil foi pego pela crise internacional. O governo desenvolveu polticasanticclicas que momentaneamente foram ecientes para recuperar ocrescimento econmico, mas a longo prazo signicaram o aumento doendividamento pblico e privado e a reduo da arrecadao do estado.Com a eleio de Dilma Rousseff em outubro do 2010, o lulismo ob-teve sobrevida para alm da persona de Lula. Dilma foi eleita pratica-mente sem nenhum capital eleitoral, pois se tratava de uma militantepoltica que nunca teve nenhum mandato parlamentar ou executivo.Foi eleita em 2010 a partir exclusivamente da popularidade transferi-da pela gura de Lula. A transio do segundo mandato de Lula paraDilma em 2010 ocorreu, do ponto de vista poltico, sem grandes al-teraes. No incio do seu mandato manteve basicamente a mesmaorientao da poltica econmica de Lula, fez um ajuste scal de 1,2%do PIB e manteve e ampliou a poltica de iseno scal de setores daindstria. O seu primeiro mandato parecia cpia do mandato de Lula eapesar da crise econmica que em 2009 fez o PIB ter despencado, noano seguinte houve forte recuperao e Dilma parecia voar em cu debrigadeiro.A partir de uma rpida recuperao da crise econmica internacionalprocurou desenvolver uma poltica na qual o governo tivesse maiorpoder de induo da atividade econmica atravs do Programa de Ace-lerao do Crescimento (PAC). Esse programa procurava colocar so-bre o mesmo teto a maior parte das Parcerias Pblico Privadas (PPPs).Como parte desse projeto, tivemos o marco regulatrio da extrao depetrleo que obriga a Petrobras assumir a condio de scia em todasas operaes de extrao do combustvel garantindo a segurana docapital privado - e a poltica de concesso privada para portos e aero-portos.Dilma tentou realizar uma poltica econmica de orientao desenvol-vimentista burguesa: reduziu a taxa de juros, quis estabelecer certocontrole sobre o ganho do capital e desenvolver uma poltica de in-duo da economia atravs do PAC, mas diante da reao do capitalnanceiro, retrocedeu por completo do seu nacional desenvolvimen-

    tismo. A boa nacional desenvolvimentista de Dilma no durou mui-to. Retrocedeu no limite, embora as condies econmicas e polticavividas de 2006 a 2010 j no existissem mais.Estamos diante da crise terminal do pacto lulista. As manifestaes dejunho de 2013 mudaram a situao poltica nacional, deixando paratraz um longo perodo de ofensiva poltica absoluta contra o movimen-to dos trabalhadores e da juventude. Uma nova situao poltica quedemonstra vigor mobilizaes radicalizadas por todo o pas e que comm do ciclo mundial de alta de commodities tende a se retroalimentare criar um nvel ainda maior de polarizao poltica.

    2.3 Lulismo e corrupo

    O lulismo se congura como uma coaliso burguesa. Isso se pode ve-ricar na formao poltica institucional interna e externa, na polticaeconmica, na relao com o movimento de massa e na tica da re-lao entre o pblico e o privado. Questo que corrobora a ideia deque nenhuma forma de estado burgus ou de governo pode resolver acorrupo e a apropriao privada sistemtica dos bens pblicos. Pro-blema intrnseco ao capitalismo e a todas as formas de estado que ali-jam a classe trabalhadora da sua conduo e que s pode ser resolvidocolocando abaixo o estado burgus e construindo um autntico estadooperrio.Durante os doze anos frente do governo federal uma srie de denn-cias polticas atingiram em cheio aos partidos da base aliada, particu-larmente ao PT. No perodo ps-ditadura militar o governo Lula foi oque mais sofreu denncias de corrupo e o que mais se safou das mes-mas. Foram aproximadamente 60 denncias de corrupo. O primeirogrande escndalo do governo ocorreu em 2004, depois que o assessorparlamentar da Casa Civil, Waldomiro Diniz,foi visto em uma ta devdeo pedindo propina para Carlos Cachoeira, homem forte da mados caa-nqueis. Isso causou um descolamento poltico-eleitoral demuitos setores das classes mdias, pois o PT tinha construdo uma his-tria ligada bandeira de tica na poltica durante a dcada de 1990.As crises polticas em decorrncias da corrupo, apesar de no terem

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    se desdobrado, at o momento, em mobilizaes que redundassem emcrises polticas de repercusses que levassem a processos de descon-tinuidade institucional (como o Fora Collor de 1992), foram res-ponsveis por ajustes importantes na poltica nacional. Como exemplodo que estamos falando, temos o realinhamento eleitoral vericado naeleio de 2006. A partir desse momento, parte importante da classemdia deixa de votar no PT e, por outro lado, o setor mais empobreci-do do proletariado (subproletariado) passa a votar nesse partido depoisde historicamente rejeitar o PT como opo poltica eleitoral.16Em 2005, o ex-diretor da Administrao dos correios (Mauricio Mari-nho) mostrado embolsando propina e relatando como era a estruturade corrupo nos correios. Ao ser indiciado comochefedo esquema,Roberto Jefferson, deputado federal e presidente do PTB, delatou todoo esquema de corrupo que veio a ser conhecido como mensalo.Empresas que prestavam servios ao governo faziam pagamento demesadas aos deputados para que esses votassem nas propostas do go-verno. Ainda em 2005, veio tona a operao vampiros da PolciaFederal que revelou esquema de corrupo e fraude na compra de he-moderivados, o que levou a queda de Humberto Costa (PT-PE), queacabou se reelegendo senador da repblica.Essa crise ocorreu nas alturas. No houve reao do movimento demassas como a da crise poltica desencadeada em 1992, aps a denn-cia de corrupo no governo Collor. No se produziu uma irrupo domovimento de massas, dos trabalhadores e do movimento popular poruma sada independente do governo. Os nicos que tiveram a palavraforam os parlamentares, ministros e presidentes e tambm a grandeimprensa. Esse fato possibilitou que houvesse uma rpida acomodaono cenrio poltico. E como se dizia tudo "acabou em pizza medianteacordos por cima, realizados no apenas nas costas do povo, mas con-tra ele. A crise foi abafada, contudo, e se voltou normalidade depoisde uma limpeza dos mais envolvidos.No houve uma resposta unicada da vanguarda diante da crise insti-tucional. Mobilizaes como as que ocorreram em Braslia no dia 17de agosto caram no isolamento, no tiveram continuidade nem foram

    16 A eleio de Dilma significou o aprofundamento desse realinhamento poltico, permi-tindo ao lulismo aplicar p olticas neoliberais que afetam diretamente setores dos trabalhado-res sem risco de se desidratar eleitoralmente.

    parte de um plano de ao, e nem mesmo de um esforo unitrio davanguarda para tratar de colocar em movimento setores de massas,nica forma de intervir de forma efetiva na crise. Ento, a crise, comono passou por uma irrupo do movimento, acabou sendo reabsorvidade maneira relativamente fcil. O que cou foi uma perda de "credibi-lidade" das instituies, que se manifesta de maneira desigual, no quese refere o governo, o parlamento, PT e os demais partidos.Com a fragilizao do PT, que teve os seus principais quadros (JosDirceu e Genono) atingidos pelas denncias do mensalo, o PMDBv a oportunidade de retomar o seu lugar privilegiado no Estado e re-solve fazer parte da base aliada do governo. Ao ser atingido o ncleoduro do governo e do PT, obrigou Lula a tomar a frente do comando damquina. A desmoralizao dos seus principais quadros e a poltica daoposio de "sangrar, mas no matar" contribuiu para preservar Lulae tambm para que este assumisse ainda mais centralidade no interiordo governo.Apenas um ano aps a crise gerada pela denncia do mensalo, umasrie de novas denncias veio tona. Em 2006, Antonio Palocci, entoMinistro da Fazenda, foi denunciado como mandante de um esquemade corrupo em Ribeiro Preto, cidade que Palocci havia sido prefei-to. Mas no parou por a. Os cartes corporativos, cartes de crditode pagamentos de contas em viagens e com alimentao eram usadossem o menor controle.Poucos meses antes da eleio de 2010, outra denncia atinge o gover-no. Uma assessora direta de Dilma Rousseff, quando ministra da CasaCivil, Erenice Guerra, denunciada por trco de inuncia de em-presas junto ao governo. Depois veio a crise das passagens areas queenvolveram todo o Congresso, onde se constatou que passagens areasque deveriam servir para atividade poltica dos Senadores, estavamsendo usadas por familiares, apadrinhados polticos, namoradas, etc.Aps a primeira eleio de Dilma, mais uma srie de denncias con-tra ministros recm-empossados irrompeu. Apenas 13 meses depoisda eleio de Dilma sete ministros caem por denncias de corrupo,dentre eles velhos conhecidos do siologismo nacional: Antonio Pa-locci, Ministro da Casa Civil, por trco de inuncia em favor de suaempresa de consultoria; Alfredo nascimento, por esquema de corrup-

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    o dentro do ministrio dos transportes; Wagner Rossi por permitirlobby dentro do prprio Ministrio da Agricultura; Pedro Novais, pordenncias de mau uso do dinheiro pblico no Ministrio do Turismo;Orlando Silva, por esquema de propinas ligadas aos preparativos dacopa do mundo cai do Ministrio dos Transportes; e, nalmente, Car-los Lupi, Ministrio do Trabalho, por convnios irregulares e desvio deverba pblica no Ministrio do Trabalho.17Agora estamos diante de outra crise poltica, que pode ter repercussesdiluvianas, ligada ao tema da corrupo estatal. O esquema veio tonaa partir da priso de Paulo Roberto Costa, Diretor de Abastecimento eReno da Petrobras de 2004 a 2014, pela Policia Federal. A partir deacordo de delao premiada, o esquema de propinas (que movimentoucerca de 10 bilhes) base aliada do governo em troca de contratoscom as maiores empreiteiras e fornecedoras do Brasil denunciado.Nesse esquema havia um clube das empreiteiras que combinavam adistribuio dos servios que seriam prestados a petroleira de forma aburlar totalmente a legislao pblica de prestao de servios. Umadeterminada porcentagem dos contratos era passada para os partidospolticos e outra para altos funcionrios da estatal, da seguinte forma:o PT cava com 3% dos contratos, o PMDB com 2% e o PP com 1%.O escndalo da Petrobras tem desdobramentos polticos e econmicosprofundos. Do ponto de vista da economia - com altos executivos pre-sos e as empresas sendo consideradas idneas - tem signicado a inter-rupo de obras pblicas, a demisso de trabalhadores e a interrupode toda uma cadeia produtiva. Do ponto de vista poltico (apesar dehaver denncias contra o PSDB) coloca sob suspeita chefes parlamen-tares dos principais partidos da base aliada, bem como a prpria legali-dade destes partidos e mesmo a validade do ltimo pleito. Situao queretroalimenta a crise poltica vivida desde o incio das denncias aindaantes da eleio presidencial de 2014 e pode jogar gua no moinho damovimentao de oposio ao governo - pela esquerda e pela direita -que comea lentamente a ganhar repercusso.Parece que a oposio burguesa majoritariamente tende a repetir a po-ltica de sangrar sem matar. Porm, devido situao poltica demaior polarizao social e falncia do pactolulista, as atuais denn-cias podem ter desdobramentos mais graves do que as de 2005, pois17 Fonte: http://ultimosegundo.ig.com.br

    afetam diretamente toda a base de sustentao do governo em umasituao que pipocam greves em todo o pas e a oposio burguesase fortalecesse. Claro que se no houver uma interveno da classetrabalhadora nesse processo o mais provvel que haja a mesma aco-modao, como a vista em 2005, s que agora o mais provvel que ogoverno siga enfraquecido at o nal do seu mandato. Desta forma, ogoverno Dilma tende a se tornar cada vez mais um governo sem basesde sustentao sem que isso signique a perda de seu mandato.

    2.4 Compensao social e desigualdade

    Em setembro de 2003, o governo comeava articular a sua poltica so-cial atravs do Programa Bolsa Famlia, expanso do crdito popular.Esse conjunto de medidas diante da "deserticao" da dcada de 90foi sentido pelos mais pobres como um alvio nas suas condies deexistncia. Esta poltica teve efeito tambm no mercado interno, queestava em depresso devido ao cenrio recessivo mundial, e nas polti-cas neoliberais de governos anteriores.18As anlises que colocavam o Brasil como paraso da estabilidade eco-nmica, de inao baixa e dos avanos sociais que levariam o paspara o rol dos mais desenvolvidos no davam conta de que, de acordomesmo com os dados do governo federal, temos 16 milhes de pessoasvivendo na pobreza extrema, nmero equivalente a toda populao daHolanda(Barbosa, 2012).Assim sendo, preciso cautela ao caracterizar a "envergadura" daspolticas de compensao social em relao ao custo para o Estado,pois se partia de um alto ndice de pobreza absoluta. Como resultadoda no interveno nas causas estruturais da desigualdade nacional, naAmrica do Sul, o Brasil o terceiro pais com maior desigualdade daAmrica Latina, perde apenas para Colmbia e Bolvia. No que tange composio percentual de pobres na populao, "o indicador brasileiro18 Ao concentrar as polticas de compensao social no PBF, foi gerida a primeira cisono governo com a ruptura de Frei Beto. Na medida em que deslocou uma p arte nfima dooramento da Unio para as polticas de reduo de pobreza, uma f rao do eleitorado quesempre foi avessa a votar no PT foi cooptada eleitoralmente. Mas, a cooptao no se deuapenas em relao ao proletariado p auperizado, ocorreu tambm de forma intensa em rela-o burguesia, sem isso no se poderia compreender o grande consenso poltico em tornodo governo.

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    pelo menos duas vezes superior ao de Argentina, Chile e Uruguai."19.O Brasil continua entre os dez pases mais desiguais do mundo. Apesarde a desigualdade ser inferior a 1980, atualmente o ndice de desigual-dade semelhante a 1960, mesmo a economia brasileira tendo cresci-do oito vezes nos ltimos cinquenta anos.Durante o segundo mandato do governo Lula houve uma recuperaodo dinamismo econmico com crescimento do rendimento familiar.Este no um fenmeno indito na histria econmica brasileira, tam-bm ocorreu durante os anos 70 sem que isso signicasse a reduoestrutural da pobreza e da desigualdade social. O rendimento do tra-balho na renda nacional subiu 4,8% no perodo de 2004 a 2010. A"mgica" do lulismo comea a ser desvendada quando se verica quea um custo oramentrio bem reduzido o desemprego20 e aumento dopoder de compra ocorrem atravs de polticas de incentivo ao consumode massas.A desigualdade chegou a se ampliar durante o perodo de 2004 a 2010,pois se a renda do trabalho teve um crescimento de 10,3%, a da pro-priedade foi de 12,8%. O que provocou o aumento da desigualdade darenda nacional entre trabalho e propriedade em 2010, voltando a pata-mares de 1995. Durante esse perodo o governo Lula recupera a situa-o pr-FHC. Mas, a "evoluo" do mercado de trabalho no apenascruel do ponto de vista da remunerao em si, tambm em relao scondies de trabalho. De 1996 a 2010 o trabalho terceirizado cresceu11,1%, ao passo que o aumento das empresas foi de 16,4% em mdia.A rotatividade da fora de trabalho outro indicador que piorou nosanos de auge do lulismo, em 2010 a taxa era de 63% no Estado de SoPaulo, em 1995 era de 50,5%.Na verdade, longe de reduzir a desigualdade social com suas polti-cas de compensao social ou criar uma nova classe mdia no pas, ogoverno lula fez com que diferena na relao da renda populacionalentre ricos e pobres fosse ampliada, a classe social que mais cresceuproporcionalmente, de 2003 a 2008, no foi a classe C, nem a D. Foi,isso sim, as classes A e B, que tm renda familiar acima de 4.807 re-ais - e o dado no leva em conta a valorizao da propriedade, aes e

    19 O Brasil real, Alexandre de Freitas Barbosa, Outras Expresses, 2012, p. 47.20 Na questo do emprego 95% dos novos postos de trabalho foram abertos com umaremunerao de at 1,5 salrio-mnimo.

    investimentos nanceiros."21 A reduo da desigualdade no dependeapenas da capacidade de consumo imediato, pois o aumento do consu-mo no diz respeito a reduo da desigualdade social ou mesmo sobrea melhora das condies gerais de vida, como acesso a sade, transpor-te, saneamento bsico.Na tradio terica dos economistas do subdesenvolvimento o princi-pal responsvel pela desigualdade e pobreza era a incapacidade da eco-nomia exportadora em assimilar a mo de obra disponvel no mercadode trabalho, o que a obrigava a viver em condies de subsistncia,"a sada apontada, ento, era a industrializao."22 No necessriodizer que mesmo aps o processo de industrializao a desigualdade ea pobreza permaneceram e se recriaram sob distintas formas. Mas, noprocesso acelerado de industrializao as massas no foram absorvidasao mercado formal de trabalho apesar da industrializao crescente daeconomia a partir da dcada de 50.As polticas do lulismo so tributrias da ideologia desenvolvimentis-ta por considerar que o desenvolvimento capitalista em condies desubordinao ao capital internacional pode combater as desigualdadessociais, assim essa poltica se focou em incentivar as atividades eco-nmicas e polticas de compensao social a uma parcela gigantescada populao. Se compararmos o rendimento do trabalho em relao produtividade da indstria que no governo do PT cresce sem interrup-o, vericamos que essa no acompanha os ganhos de produtividade.Da a concluso de que a pobreza relativa cresceu na ltima dcada.

    3. Natureza do Lulismo: da revoluo passiva FrentePopular

    As principais correntes de opinio apresentam formulaes distintassobre os governos petistas. Nosso objetivo encontrar uma chaveanaltica que permita construir uma caracterizao mais totalizante,que passe pela governabilidade, e o fator social, pelas movimentaesda superestrutura base da sociedade, fazendo todas as mediaespossveis entre histria, prticas e objetivos deste organismo chama-

    21 Hegemonia s avessas, Francisco de Oliveira. Boitempo, 2010, p. 37422 O Brasil real, Alexandre de Freitas Barbosa. Outras expresses, 2012, p. 31.

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    do Lulismo. A partir da eleio de Lula em 2002, esforos interpreta-tivos tm sido desenvolvidos e aps 12 anos frente da administraocentral ainda se debate a natureza dos governos petistas.Os dois mandatos de Lula e o primeiro de Dilma - at Junho de 2013- foram marcados por grande estabilidade poltica. A reeleio de Lulaem 2006 ocorre a partir de um realinhamento no qual os setores maispauperizados da classe trabalhadora rompem com os partidos tradicio-nais e passam a votar no PT e durante um perodo o crescimento eco -nmico capitalista e o consumo de massa permitiu ao PT a construoda ideologia de que mais de 30 milhes de pessoas haviam entradopara a classe mdia, falcia que no demorou para ser desmascaradapelos analistas srios, pela crise econmica mundial e pela luta de clas-ses no nal do primeiro mandato de Dilma.

    3.1 Lulismo como fenmeno progressivo

    Nesta parte do trabalho vamos apresentar as categorizaes sobre olulismo em duas grandes vertentes. Na primeira o governo surge comofenmeno progressista e na segunda como um fenmeno regressivo.

    3.1.2 O ps-neoliberalismo

    Vamos comear apresentando elaboraes no crticas, as que nota-damente buscam justicar as polticas do governo a partir de chavescomo ps-neoliberalismo (Emir Sader) ou reformismo fraco (AndrSinger). Para o primeiro autor, as polticas do PT teriam superado asorientaes neoliberais e para o segundo, o lulismo seria um reformis-mo fraco porque o subproletariado que deu a vitria a Lula em 2006seria avesso a enfrentamentos com a ordem.Para Sader os governos de Lula e Dilma podem ser caracterizadoscomo ps-neoliberais pelos elementos centrais de ruptura com o mo-delo neoliberal de Collor, Itamar e FHC e pelos elementos quetm em comum com outros governos da regio, como os Kirchnersna Argentina, da Frente Ampla no Uruguai, de Hugo Chvez na Ve-

    nezuela, de Evo Morales na Bolvia e de Rafael Correa no Equador23. Os governos da Amrica Latina citados podem de fato ser conside-rados como uma descontinuidade com o neoliberalismo puro e duroimplementado na regio durante os anos 1990 a partir de uma rupturaimposta pelo movimento de massas, o que de conjunto os faz guardarimensa distncia com o lulismo no Brasil.Para efeito de esclarecimento, o governo de Evo Morales teve no seuincio caractersticas de governo de Frente Popular porque foi compos-to no calor de um tremendo movimento popular que derrubou gover-nos, mudou drasticamente polticas econmicas e imps um governode coalizao instvel com o Movimento ao Socialismo que era dirigi-do por Morales no seu centro. J o processo venezuelano tem caracte-rsticas um tanto diferentes, pois, alm do elemento comum da onda deindignao popular que o antecedeu e da instabilidade, Chvez aparecedesde o incio muito mais como gura bonapartista do que Morales.Em todos os pases citados por Sader a formao dos governos foi an-tecedida por rebelies populares que desestabilizaram por completo ocenrio poltico e formaram governos que na sua maioria conviveramdesde o incio com instabilidade decorrente da presso poltica exer-cida diretamente pela luta de classes. E este denitivamente no foi oprocesso pelo qual o lulismo chegou ao governo federal. No Brasil,no vivemos uma rebelio popular que precedeu as eleies de 2002 e,apesar da CUT ocupar um espao importante no governo, no convi-vemos com instabilidade decorrente do choque direto entre as classessociais trabalhadores x patres.Sader atribui hegemonia lulista as suas qualidades enquanto lideran-a poltica, a sua intuio e o pragmatismo de Lula, pois "combinouestabilidade monetria e retomada do desenvolvimento econmico epolticas de distribuio de renda, que assumiram centralidade nas po-lticas do governo. Essa combinao a chave do enigma Lula."24. Orelato apresentado parece, primeira vista, razovel, porm apresentamuitas porosidades. A dominao em questo tem no carisma de Lulaum componente importante de ligamento, porm, no poderia se sus-tentar sem o consentimento (apoio) ativo de setores da classe dominan-te, da burocracia sindical e dos setores mais empobrecidos da classe

    23 Lula e Dilma, Boitempo, 2013, p.13824 Idem, p. 139.

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    trabalhadora que passam a votar em Lula a partir de 2006.Essa forma de hegemonia seria um ps-neoliberalismo devido "de -ciso do governo de priorizar as polticas sociais e a reinsero inter-nacional do Brasil. O primeiro aspecto mudou a sionomia social dopas, o segundo, nosso lugar no mundo. A crise de 2008 consolidou opapel ativo do Estado, da indstria, com poltica anticclicas, que per-mitiram resistir os inuxos recessivos que vieram dos pases do centrodo sistema".25 O autor apresenta orientaes comuns a todos os pasesda Amrica Latina que teriam rompido com o neoliberalismo, essasorientaes estariam baseadas nas seguintes prioridades: polticas so-ciais e no o ajuste scal; processos de integrao regional e o papel doestado como indutor do crescimento econmico e distribuio de ren-da. A lista de itens apresentada pelo autor teria concretizado a rupturae constitudo o ps-neoliberalismo na Amrica Latina.Nos limites deste texto no podemos nos debruar sobre as polticas dosgovernos latino-americanos na ltima dcada, isto seria objeto de ou-tro trabalho, porm podemos vericar se essas prioridades se aplicamao pacto lulista. No entanto, pensamos que nenhuma destas supostasprioridades se aplica ao Brasil. Em primeiro lugar, uma das primeirasmedidas de Lula foi aplicar um ajuste scal, aumentar a taxa de juros edepois realizar a contrarreforma da previdncia, tudo isso somente noprimeiro mandato. Depois, apoiou-se no boom das commodities o que,portanto, fez com que o crescimento econmico ampliasse as polticasde compensao social. Dilma, porm, j em seu primeiro mandato re-cuou rapidamente diante do alarido do capital, especialmente quandosinalizou polticas de induo da economia pelo estado. No segundomandato, contudo, quer impor um duro ajuste scal que tem como alvodireito os trabalhadores e os investimentos pblicos.Que a sionomia social do pas tenha mudado durante os governoslulistas uma armao que merece ser analisada, pois as politicagensdo governo conseguiram reduzir durante um perodo pobreza monet-ria de parte da populao, mas isso est longe de signicar a ecloso deuma nova classe social ou uma nova classe mdia (Pochmann, 2012).Por outro lado, apesar da renda do trabalho ter alcanado uma porcen-tagem maior em relao renda total do pas, no signica a reduoda desigualdade social, mas sim que mais trabalhadores ingressaram25 Idem, p. 141.

    ocialmente no mercado de trabalho.Sobre as condies de infraestrutura, educao, sade e transporte ne-nhum apresentou mudana signicativa. A resposta ao agravamento dacrise econmica guiada pelas diretrizes do neoliberalismo na medidaem que Dilma responde com a mais dura receita neoliberal: aumentoda taxa de juros, ajuste scal, reduo de direitos e demisso. Podemoschegar concluso que as polticas sociais do lulismo, com Lula oucom Dilma,na verdade no so as polticas prioritrias desta forma-o governamental, ou seja, mais se assemelham como apndices dasgrandes coordenadas macroeconmicas ditadas pelo neoliberalismoque diante de qualquer crise - econmica ou poltica- passam imedia-tamente para o terceiro plano. Assim, caracterizar as diretrizes dessesgovernos como de continuidade do neoliberalismo acopladas s polti-cas sociais ampliadas e focadas nos setores mais pobres parece atenderde forma mais precisa o que se estabeleceu no Brasil a partir de 2002.

    3.1.3 O governo em disputa

    Durante anos discutiu-se internamente no PT e na CUT a possibilidadede disputar a direo do partido com as correntes majoritrias para quepudesse voltar ao seu carter original e para uma linha de classe. Estascorrentes em uma operao ideolgica, que no se sustenta em dadoalgum da realidade, passam a armar que os governos petistas a partirda eleio de Lula em 2002 tambm so governos em disputa.A caracterizao de que nestes governos a orientao poltica pode serdisputada pelo movimento social defendida por correntes internasdo PT, como O Trabalho (corrente lambertista), Democracia Socialis-ta (corrente mandelista), Esquerda Marxista (ruptura do O Trabalho)e dirigentes de movimentos sociais, como o MST. Essa caracteriza -o um exemplo de teoria-justicaofeita por essas correntes parase manterem, preservando uma aparncia de esquerda, no interior dopartido. H dcadas armam que a direo do PT pode ser disputadapela esquerda, entretanto, essa caracterizao tem como fundamento,por um lado, justicar a total adaptao as correntes oportunistas/bu-rocrticas e dependncia material destas correntes aos aparatos e aoEstado.

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    O colapso do lulismo

    Ascenso e queda de um pacto social

    O colapso