67
FACULDADE DE SÃO BENTO O Contrato Social, segundo Rousseau Paulo Rogério Haüptli São Paulo / 2016

O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

  • Upload
    lykiet

  • View
    215

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

FACULDADE DE SÃO BENTO

O Contrato Social, segundo Rousseau

Paulo Rogério Haüptli

São Paulo / 2016

Page 2: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

FACULDADE DE SÃO BENTO - SP

Paulo Rogério Haüptli

O Contrato Social, segundo Rousseau

Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia da

Faculdade de São Bento, como parte dos requisitos para

obtenção do título de Mestre em Filosofia.

Professor orientador: Joel Gracioso

São Paulo / 2016

Page 3: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

Agradecimentos

Ao Mestre e Doutor Djalma Medeiros por acreditar neste mestrado, bem como, por

lutar muito para manter o curso de Mestrado em Filosofia da Faculdade de São Bento, que

merece estar entre os melhores da América Latina, pelo excelente corpo docente.

Ao Doutor Professor Joel Gracioso, meu orientador, que se dispôs gentilmente a

aceitar meu tema e a me levar pelo caminho da verdade através da obra de Rousseau e de seus

antecessores, bem como por nunca desistir deste subscritor.

Ao Doutor Franklin Leopoldo e Silva que conseguiu inserir na minha vida a Filosofia,

despertando a paixão por filósofos que até então eu sequer os conhecia.

À minha mãe, Ivone Romão Haüptli que, antes de falecer, sonhava com a minha

formatura.

À minha avó, Maria de Freitas Haüptli, por ter me matriculado na pré-escola primária,

base e início para tudo, o que me foi de tamanha importância, porque àquela época, era um

privilégio estudar.

À minha esposa, Eliana Mara Cantuário Haüptli, a qual confiou e me apoiou

incondicionalmente desde a graduação, as pós-graduações este mestrado, bem como outros

cursos que estão por vir.

Aos meus três filhos Paulo Rogério Haüptli Junior, Isabella Haüptli e Letycia Haüptli,

os quais, com certeza vão se inspirar e lutarão para seguir com os estudos até a mais alta

graduação, o que já começaram e com muito esmero.

Page 4: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

Resumo

O presente trabalho tem como objetivo principal a exposição e análise da obra Do

Contrato Social, escrita no século XVIII pelo filósofo genebrino Jean-Jacques Rousseau. Este

compêndio ímpar, assim como outras teorias contratualistas que serão esboçadas aqui

sucintamente – pretende estabelecer critérios para a organização da sociedade, de modo que

esta seja justa para todos os homens, tornando-os iguais em direitos e deveres.

No decurso da análise percorreremos os principais conceitos inerentes ao

estabelecimento do contrato proposto por Rousseau, partindo do conceito de estado de

natureza – o homem nasce bom – para chegar ao resultado do contrato que é a liberdade moral

de todos os cidadãos e a igualdade. O filósofo oferece essa obra para uma época de mudanças

sociais radicais – nascente capitalismo frente a um feudalismo jazendo – onde a monarquia e

o absolutismo do poder estavam sendo questionados, no entanto, percorrer seu pensamento

pode nos trazer importantes reflexões para os hodiernos dias, e isso é o que tentamos realizar.

Palavras-chave: Jean-Jacques Rousseau, Contrato Social, Estado de Natureza, Liberdade

Natural, Liberdade Moral, Igualdade, Direitos, Deveres, Função Social do Contrato.

Page 5: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

Abstract

This present study has as its main goal the exposure and analysis of the book Of the

Social Contract, written in the 18th century by the Genevan philosopher Jean-Jacques

Rousseau. The book – as well as other contractualist theories that will be succinctly sketched

here – intends to establish criteria to the organization of society, in order that it would be fair

to every man, making them equal in rights and duties. In the course of the analysis we will

cover the main concepts inherent to establishing the contract proposed by Rousseau, from the

concept of state of nature – the man is born good – until reaching the result of the contract

which is the moral freedom of all citizens and equality. The philosopher offers this book to a

time of radical social changes – emerging capitalism in front of a lying feudalism – where the

monarchy and the power of absolutism where being questioned, however, going through his

ideas can bring us important reflections to the contemporary days, and that is what we try to

accomplish.

Keywords: Jean-Jacques Rousseau, Social Contract, State of Nature, Natural Freedom, Moral

Freedom, Equality, Rights, Duties, Social Function of the Contract

Page 6: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

Sumário

Intodução 07

Capítulo 1 – Rousseau e o contexto filosófico de sua época 11

1.1 – Vida e obra de Jean-Jacques Rousseau 11

1.2 – Contextos históricos e filosóficos 16

1.3 – Iluminismo de Rousseau (França) 19

Capítulo 2 – Corrente Contratualista e filósofos que influenciaram Rousseau 24

2.1 – Contratualismo 24

2.2 – Thomas Hobbes 27

2.3 – John Locke 31

2.4 – Hobbes, Locke e Rousseau 34

Capítulo 3 – Contrato Social de Rousseau 38

3.1 – Do estado natural ao estado civil 38

3.2 – Vontade geral 42

3.3 – A necessidade de legisladores 47

3.4 – Sobre as regras para tratar a coisa pública 49

3.5 – Sobre a tolerância religiosa 51

Capítulo 4 – A função social do contrato social 53

4.1 – Liberdade e igualdade 53

4.2 – Ordenamentos legais 58

Considerações finais 60

Bibliografia 63

Page 7: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia
Page 8: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

7

Introdução

Este estudo apresenta como tema uma análise da obra Do Contrato Social, de Jean-

Jacques Rousseau, filósofo genebrino que – motivado pelas más administrações públicas da

sua época – pretendeu propor normas sociais para que os homens convivessem em sociedade

de maneira equilibrada e justa, com foco no bem coletivo.

Trata-se de um pensador único e claro, adjetivos esses que fazem jus à profícua

tradição de leituras secundárias sobre seus pensamentos, que se multiplicam desde o século

XVIII até os hodiernos dias.

Visamos mostrar também como Rousseau dialogou com seus contemporâneos –

muitas vezes inspirando-se nos antigos – e como inseriu-se na corrente contratualista para

tentar fornecer soluções às questões políticas de sua época – de um capitalismo nascente e um

feudalismo jazendo –, onde o poder absoluto e o direito natural ao governo estavam em foco.

Rousseau não fugiu de nenhuma das questões e, muito embora tenha se contradito em

muitas das questões, foi corajoso ao respondê-las de maneira como vinham em seus

pensamentos, o que lhe custou perseguições, queima de livros e anos de exílio.

Para responder a tais questões, o filósofo genebrino escreveu algumas primorosas

obras, sendo que as mais importantes são: Discurso sobre as artes e ciências, Discurso sobre

a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, Do Contrato Social, Emilio, ou,

Da educação e Confissões. Neste trabalho focamos a investigação no Do Contrato Social,

contudo, este subscritor não se absteve de consultar as supracitadas e outras quando isso se

mostrou necessário.

A obra foi publicada em 1762 e levantou muitas polêmicas, as quais envolveram seu

autor até o fim de sua vida. Um exemplo desse problema foi o fato de o Parlamento de Paris,

em meados do mesmo ano da publicação dessa obra, tê-la condenado – reação repetida

posteriormente em Genebra. Em Berna, o autor foi considerado persona non grata.

Do Contrato Social, ao discorrer a respeito de um governo republicano e esclarecer o

que é a vontade geral do povo soberano, provocou grande inquietação na monarquia francesa

e na aristocracia de Genebra.1

1 Cf. ROUSSEAU, Jean-Jacques; tradução de Lourdes Santos Machado e introduções e notas de Paul Arbousse-

Bastide e Lourival Gomes Machado – 2ª Edição, São Paulo: Abril S.A. Cultural, 1978 (Coleção Os Pensadores)

– p. 07

Page 9: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

8

O pensamento político de Rousseau é tão denso e atual, que sempre oferece novos

rumos e novas ideias, contudo, esse fato não significa pensar que, do seu pensamento, pode-se

tudo derivar, inferir ou concluir para um contrato social reconhecido e aceito por todos.

É uma obra clássica da Filosofia e seu texto discute hipoteticamente questões sobre a

origem, formação e manutenção das sociedades, entendidas sobre a base da celebração de um

acordo ou contrato entre os homens.

A modernidade, com as transformações científicas e epistemológicas pelas quais

passou, instituiu um modelo interpretativo da realidade social e política que determina novas

bases à legitimidade do poder. Mas, na sociedade do século XVIII, ainda havia fagulhas do

sistema organicista aristotélico, segundo o qual a sociedade era considerada como algo

natural, ou seja, como uma continuação da natureza, onde homens nasciam para mandar

enquanto outros para obedecer.

O conceito de poder endossado divinamente ainda justificava, de forma

inquestionável, “o poder dos príncipes”. Assim, Rousseau, ao propor seu Contrato,

estabeleceu o indivíduo como fonte de todo poder, o que é legitimado por uma convenção –

um corpo social e político, um corpo moral baseado na questão do dever cívico.

O genebrino faz uma crítica ao sistema absolutista – tal como explicado por Thomas

Hobbes – e a todo poder centralizado na figura de uma pessoa. O pacto em sua essência visa

fundar a base do poder político no consenso.

Em Rousseau, esse pacto se realiza quando todos abdicam igualmente de sua liberdade

natural – que para ele é uma liberdade instável. Nesse sentido uma questão pertinente é: como

Rousseau, em Do Contrato Social, se propõe à árdua tarefa de discutir um pacto que, mesmo

alienando-se de sua liberdade garante que o indivíduo continue livre?

Rousseau investiga se é possível viver em uma sociedade referendada por bases

legítimas, a partir do ideal de soberania vinculada ao povo, além de averiguar o paradoxo

entre a vontade individual e a vontade geral.

Com esse propósito, o filósofo destaca o papel do governo como um intermediador

entre os súditos e o soberano – com vistas à preservação – para a manutenção da liberdade

civil e política, fazendo com que os homens – desiguais em estado de natureza devido às

diferenças das potencialidades naturais – tornem-se iguais em direitos e deveres.

O problema analisado neste estudo tem como foco a função social do contrato, tanto

para esclarecer regras de convívio entre os homens em sua vida social, como também, para o

estabelecimento de contratos com fins econômicos e políticos, visando a certa equidade para

as partes envolvidas e um bem social maior.

Page 10: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

9

Para tanto, se definiu como objetivo geral desta Dissertação de Mestrado a análise das

regras dos contratos e suas consequências à luz Do Contrato Social de Rousseau.

A justificativa para este estudo decorre da relevância da obra Do Contrato Social, que

é fundamental para todo estudo sociológico, filosófico, econômico e jurídico até o presente. À

época de sua publicação, a Europa tomava conhecimento das ideias em relação ao

Iluminismo, as quais contribuiriam para que se chegasse à queda de regimes monárquicos

absolutistas.

Rousseau pôde verificar como funcionava a vida política quando trabalhava como

secretário do conde, em Veneza, por volta de 1743. Nesse período, o filósofo refletiu a

respeito das formas de exercício do governo e da política.

A partir de então, deu início à elaboração da obra Do Contrato Social, na qual

considera a possibilidade de um sistema político baseado em um pacto social estabelecido

entre os cidadãos.

Rousseau concebe uma sociedade igualitária, legislada pela soberania

popular, que garantiria a dignidade moral de todos e a observância da

vontade geral do grupo. Não se trata de um trabalho de intervenção direta na

realidade, mas do desenvolvimento de uma situação ideal, cuja análise

permitiria compreender e questionar as formas de governo existentes.2

Rousseau foi considerado por filósofos, juristas, legisladores e escritores como um dos

maiores expoentes do Iluminismo. Esse fato lhe vale a fama de ter sido o deflagrador

intelectual da Revolução Francesa, movimento burguês ocorrido no fim do século XVIII, que

buscou encerrar o regime absolutista da França – à época sob os auspícios do reinado de Luiz

XVI.

O filósofo propôs, em suas obras, a transformação do convívio dos homens em um

meio social, num momento em que todos necessitavam muito de novas regras para se viver

em sociedade.

Este estudo adota como técnica a pesquisa bibliográfica. O referencial teórico que o

norteia é constituído pela própria obra do autor e por autores que já analisaram os escritos de

Rousseau, cujas abordagens oferecem subsídios para este estudo, na abordagem do tema a que

se propõe.

2 SIMPSON, Matthew. Compreender Rousseau; tradução de Hélio Magri Filho; revisão da tradução por Andréa

Drummond – Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2009 – p. 34

Page 11: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

10

No capítulo 1 são apresentados alguns aspectos da vida e da obra de Jean-Jacques

Rousseau, antecipando o que, logo após, será exposto a respeito de sua influência no mundo

contemporâneo. Também será apresentado brevemente o contexto filosófico que influenciou

Rousseau e no qual estava imerso, além de um pequeno esboço do Iluminismo francês.

Sua vida, enquanto menino, as obras que leu desde a infância – muitas que o

influenciaram profundamente, sua conversão e reversão religiosa, os problemas de saúde, as

idas e vindas entre França e Genebra, a austera educação que recebeu não só do pai, mas

também de seu empregador etc. Esse e outros importantes aspectos da vida do filósofo nós

procuramos esboçar nesse primeiro capítulo, para que haja uma pequena compreensão de

quem foi Jean-Jacques Rousseau. Um homem de teorias muitas vezes controversas – às vezes

beirando à loucura, mas que deixou marcas no pensamento de sua época e nas ações e

administrações políticas até hoje.

Em seguida no capítulo 2 a atenção foi voltada aos filósofos políticos modernos que

desenvolveram teorias baseadas na concepção de um contrato que estabelecesse normas para

o convívio social, sendo eles: Thomas Hobbes, John Locke e o objeto deste estudo, Jean-

Jacques Rousseau. Faremos um breve relato sobre a doutrina contratualista e exporemos

alguns traços das semelhanças e diferenças entre o pensamento desses três grandes e

polêmicos pensadores.

Já no capítulo 3 – principal objeto deste trabalho – foram analisadas as questões mais

importantes presentes no Do Contrato Social de Rousseau, sendo que em cinco subcapítulos

foram analisados os principais conceitos, isto é, estado de natureza, estado civil e vontade

geral, e como eles se entrelaçam no pensamento do genebrino. Também procuraremos

mostrar a diferença entre vontade particular e vontade geral, assim como o porquê se faz

necessário a atividade de um legislador no Estado. Nesse capítulo foi exposto ainda sobre as

regras e normas que devem reger o Estado, bem como acerca da questão da tolerância

religiosa da maneira como foi exposta por Rousseau.

No quarto e último capítulo foi demonstrando a função do Estado, de um contrato

social, apontando a diferença hipotética de uma sociedade com e sem contrato, o que implica

a discussão dos conceitos de liberdade e igualdade, e como tais conceitos se coadunam.

Nas Considerações Finais, foi feito um breve relato do decurso do trabalho e uma

sucinta avaliação das transformações ocorridas na sociedade contemporânea, as quais

consolidaram o atual modelo de contrato social, tendo como base a obra e o autor já citados,

Do Contrato Social, de Jean-Jacques Rousseau.

Page 12: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

11

Capítulo 1

Rousseau e o contexto filosófico de sua época

1.1 - Vida e Obra de Jean-Jacques Rousseau

Os acontecimentos foram tão variados, senti paixões tão vivas, vi tantas

espécies de homens, passei por tantos tipos de estados que, no espaço de

cinquenta anos, pude viver vários séculos se soube aproveitar de mim

mesmo. Tenho, pois, tanto no número dos fatos quanto em suas espécies,

tudo o que é necessário para tornar minhas narrativas interessantes.3

Jean Jacques Rousseau nasceu em Genebra4 em 1712, filho de Isaac Rousseau e de

Suzanne Bernard, nosso autor perdeu sua mãe, que era descendente de uma das mais

proeminentes famílias da cidade, logo após vir à luz. O pai era um relojoeiro extremamente

conhecido e reconhecido como muito habilidoso, no entanto, não descendia da alta sociedade

como sua esposa e depois da morte desta, foi obrigado a ir embora da moderna casa na qual

residiam. O pai parecia culpar o pequeno Rousseau pela morte da mãe e encontrava sempre

uma desculpa para bater no menino e também gastar o dinheiro da herança que a mãe deixara

a ele. O genial filosofo genebrino herdou da família de sua mãe algo mais importante e que

foi valioso para a sua formação, ou seja, uma pequena biblioteca de clássicos em grego, latim

e francês.5

Aos seis anos, Plutarco caiu-me nas mãos, aos oito sabia-o de cor; lera todos

os romances, eles me fizeram derramar baldes de lágrimas antes da idade em

que o coração se interessa pelos romances. Formou-se assim, no meu, este

gosto heroico e romanesco que até hoje não fez outra coisa senão aumentar,

e que acabou por desgostar-me de tudo, exceto do que se assemelhava às

minhas loucuras.6

3 ROUSSEAU, JEAN JACQUES. Textos autobiográficos e outros escritos; tradução, introdução e notas Fúlvia

M. L. Moretto – São Paulo: Editora UNESP, 2009 – p. 98 4 Na época em que Rousseau nasceu e viveu, Genebra não havia ainda sido anexada à França – o que só ocorreu

em 1798 após a Revolução Francesa e também não fazia parte da Suiça – o que só ocorreu em 1815. 5 Cf. SIMPSON, 2009 – pp. 14-15 6 ROUSSEAU, 2009 – p. 26

Page 13: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

12

Além de Plutarco, Rousseau leu antigos como Platão (427-428 a.C / 347-348 a.C) e

Aristóteles (384 a.C / 322 a.C)7 – para falar dos mais célebres; leu Hobbes (1588 / 1679) os

modernos como Descartes (1596 / 1650), Locke (1632 / 1704), Leibniz (1646 / 1716),

Marlebranche (1638 / 1715) e dialogou com contemporâneos como Montesquieu (1689 /

1755), Diderot (1713 / 1784) e também Condilacc (1715 / 1780)8, além de ter também

influenciado muitos pensadores posteriores e, dentre eles, Immanuel Kant (1724 / 1804).

Também em sua formação erudita foi influenciado pela leitura de obras como História

da Igreja e do Império (de Le Suer), Discurso sobre a História Universal (de Bousuet),

Homens Ilustres (de Plutarco), Metamorfoses (de Ovídio), Os Mundos (de Fontenelle), além

de algumas peças de Molière.

Aos dez anos de idade, porém, o jovem Rousseau teve que passar por uma brusca

mudança em sua vida: foi mandado para a casa de um tio rico, pois seu pai Isaac precisou

fugir da cidade após agredir com uma espada um soldado francês. Logo seu tio o enviara para

a casa de um pastor – que ficava num vilarejo – onde recebeu sua educação formal, e essa

ocasião também colaborou muito para a formação psicológica e o pensamento do filósofo

genebrino.9 O contato com a natureza inspirou muito toda a sua obra e também seu

desencanto pelos homens.10

Quantos preconceitos, erros e males comecei a perceber em tudo o que

produz a admiração dos homens! Essa visão causava-me dor e inflamava

minha coragem; acreditei sentir-me animado por um zelo mais belo do que o

do amor-próprio, tomei a pena e, resolvido a esquecer de mim, consagrei as

produções a serviço da verdade e da virtude.11

Enlevado com a vida simples, Rousseau afirmava veementemente que o homem nasce

bom, mas acaba sendo corrompido quando inserido em sociedade, por causa de sentimentos

tais como a ambição e a inveja. E, por essa razão, é preciso estabelecer regras para regerem

sua vida. É daí que vem seu estímulo para escrever suas principais obras: Do Contrato Social,

7 Rousseau cita – para falar de apenas duas – Platão no Emílio e Aristóteles no Do Contrato Social. 8 Cf. PRADEAU, Jean-François. História da Filosofia; tradução de James Bastos Arêas e Noéli Correia de Melo

Sobrinho, 2ª edição – Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2012 (PUC-Rio) – p. 321. 9 SIMPSON, 2009 – pp. 14-16. 10 Parece que desse contato com a natureza e a tranquilidade encontrada na vida simples do campo é que

Rousseau tira o seu conceito de “estado de natureza”, pois ele supunha que se o homem vivesse só com o básico

de que precisa não teria necessidade de outros homens. E não tendo necessidade também não teria ambições

maiores do que aquelas que são suficientes para sua subsistência. 11 ROUSSEAU, 2009 (Fragmento biográfico) – p. 57

Page 14: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

13

publicado em 1762 – que é objeto desta dissertação – e também Emílio ou Da Educação,

publicado no mesmo ano e que muitas vezes é visto como um mero manual de educação, mas

esta obra também faz parte de sua filosofia política, pois a formação e saúde do Estado

dependem da formação dos indivíduos.

Depois de uma vida simples do vilarejo ele fugiu de casa com apenas dezesseis anos

de idade em seguida foi para a França, onde passou a viver com Madame Warens, deixando

de ser protestante e convertendo-se ao catolicismo. Para poder se sustentar, Rousseau

começou a trabalhar como preceptor, músico e escritor, primeiro em Lyon e, depois, em Paris,

onde viveu com Thérèse Levasseur, com a qual teve cinco filhos, os quais foram abandonados

em um orfanato.12

Em Paris, conheceu figuras importantes das letras e da intelectualidade européia, os

denominados “philosophes”, ou filósofos iluministas, dentre os quais se destacam Diderot e

Condillac; teve contato também com Descartes, mas só em 1648, ano em que embarcou para

a Suécia, dois anos antes de morrer. Nessa época, foi convidado Diderot para ser colaborador

na elaboração da Encyclopédie, dirigida por este, na qual colaborou principalmente com o

verbete de música, e para qual serviço não recebeu absolutamente nada. Outros pensadores

consagrados da época, como Voltaire e Montesquieu, também colaboraram para a elaboração

dessa grande obra, composta de trinta e cinco volumes e com mais de 70 mil artigos/verbetes.

A partir da publicação dessa Encyclopédie, que ele ajudara a redigir, sua visão de

mundo se abriu, fortalecendo ainda mais sua vida literária, quanto ao seu aprofundamento no

Iluminismo e o ajudando em sua jornada como filósofo político. Posteriormente, se

desentendeu com Diderot por questões religiosas e foi também criticado fortemente por

Voltaire, a quem teve como desafeto por grande parte de sua vida.

Em 1750 graças a um dos seus discursos a respeito das ciências e das artes, Rousseau

ganhou um prêmio da Academia de Dijon, ao responder à pergunta formulada em um

concurso: “O estabelecimento das ciências e das artes terá contribuído para aprimorar os

costumes?”. Em consequência do que ele próprio considerou uma iluminação, Rousseau

12 Frequentemente condena-se Rousseau e também sua obra – principalmente Emílio ou Da Educação – por

causa desse episódio da vida do autor, no entanto, é muito simplista o julgamento intelectual de um grande

pensador por aquilo que ele foi particularmente ou por algum desvio moral que tenha cometido. Nada justifica o

abandono dos filhos, mas vale lembrar que ele próprio diz que um preceptor não deve cuidar de mais do que um

aluno; e também diz que é incapaz de ser preceptor, a não ser hipoteticamente como faz com seu fictício aluno

Emílio. Pode ser que ele tenha abandonado seus filhos por achar-se incapaz de dar-lhes uma formação digna,

mas isso é só hipótese.*

*Cf. ROUSSEAU, Jean Jacques. Emílio, ou, Da educação; tradução de Roberto Leal Ferreira, 3ª edição – São

Paulo: Martins Fontes, 2004 – (Paideia) – Livro I, pp. 7-68.

Page 15: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

14

escreveu o Discurso Sobre as Ciências e as Artes, tratando da maioria dos temas importantes

em sua filosofia e respondendo negativamente àquela pergunta.

Cinco anos depois, publicou seu Discurso Sobre a Origem da Desigualdade entre os

Homens – parte do artigo Economia Política.

Em 1760, publicou A Nova Heloísa – antes do prefácio desta, só redigido em 176113 –

romance de sucesso, que antecipou parte dos seus pensamentos acerca da pedagogia e que

viriam a ser publicados em Emílio, ou Da Educação, obra que aponta seu cuidado com a

preparação de sua obra seguinte, Do Contrato Social.

Depois de dois anos em 1762 o autor publicou suas duas principais obras: Do

Contrato Social – que foi impresso na Holanda e proibido na França – e Emílio ou Da

Educação – impresso na França e denunciado pela Sorbonne. Este último foi condenado a ser

queimado pelo Parlamento e, seu autor, preso. Sem alternativas, Rousseau voltara para a terra

natal, de onde também foi expulso porque também lá suas obras foram condenadas.14 É

também em 1762 que ele escreveu suas Quatro Cartas a Malesherbes, nas quais faz um

sincero e sensível desabafo sobre a sua situação pessoal e também expõe os motivos pelos

quais prefere a solidão.

Rousseau tenta, em 1764 – com as Cartas escritas da Montanha e em resposta a

Tronchin – defender as suas obras, mas sem êxito, pois em 1765 suas Cartas escritas da

Montanha são também condenadas, em Haia, e posteriormente em Paris. Sofre com

apedrejamentos em sua casa localizada em Môtiers e é expulso do território de Berna, sendo

obrigado a partir – em 1766 – à Inglaterra, em companhia de David Hume, com o qual logo se

desentendeu.

Também em 1764 iniciou suas Confissões – que só foi concluída em 1770-1771 –, sua

autorreflexão, já deixando antever seu subjetivismo, característica do estilo romântico, que

iria influenciar o mundo todo no século seguinte.

Logo depois de concluir seu objetivo principal, isto é a publicação de suas principais

obras, já combalido por doenças, perseguições e medo, Rousseau afasta-se da convivência

social e “volta a ser feliz” ao recolher-se de novo ao campo, tranquilo consigo e satisfeito com

sua obra.

13 Cf. ROUSSEAU, 2004 – p. XXIX (página em números romanos porque a editora numerou com estes as

páginas iniciais do livro que antecedem o texto do próprio Rousseau). 14 Idem – p. XXVIII

Page 16: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

15

Enfim, enquanto minhas forças mo permitiram, ao trabalhar para mim, fiz de

acordo com minha capacidade tudo o que pude, pela sociedade; se pouco fiz

por ela, dela exigi ainda menos, e acredito-me tão quite para com ela na

condição em que estou que, se pudesse doravante repousar completamente e

viver apenas para mim, eu faria isso sem escrúpulos. Pelo menos, afastarei

de mim, com todas as minhas forças, o importuno do ruído público.15

O filósofo foi um grande pensador que refletiu sua época e não se eximiu de dizer o

que pensava, muito embora tenha sofrido as consequências; influenciou o Romantismo do

século XIX e acreditava realmente – como desejava de todo o coração – que poderia haver

uma sociedade ideal.

Em suma, Rousseau foi filósofo, escritor, músico, amante das artes, precursor do

romantismo, defensor e um dos idealizadores e críticos do Iluminismo. Graças a tantos

talentos, segue sendo estudado até hoje em escolas – do ensino médio à pós-graduação –,

devido às suas ideias em filosofia, pedagogia, sociologia e, em especial, nos cursos de

ciências jurídicas e políticas.

No fim de sua vida, Rousseau dedicou-se a escrever trabalhos autobiográficos a fim de

transmitir ao público uma verdadeira imagem de si, em face às outras construídas por

terceiros. A linguagem desses escritos é profunda e extremamente sensível, o que leva muitos

intérpretes a caracterizar essa época do autor como um momento de desespero e, por vezes, de

loucura. Sua última mudança foi em maio de 1778, para uma pequena cabana nos arredores de

Paris – em Ermenonville – onde morreu solitário a dois de julho desse mesmo ano.

Em síntese, eis sua obra no que diz respeito aos principais escritos16, segundo a

cronologia de sua criação:

- 1755: Discurso sobre a Origem da Desigualdade entre os Homens;

- 1760: A Nova Heloísa, romance de sucesso;

- 1762: Do Contrato Social, Emílio ou Da Educação e As Quatro Cartas;

- 1764-1770: As Confissões;

- 1776: Os Devaneios de um Caminhante Solitário – não concluído devido à sua morte.

15 ROUSSEAU, 2009 (As Quatro Cartas – IV) – p. 48. 16 DENT, N. J. H. Dicionário de Rousseau; tradução de Álvaro Cabral – Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996 – p.

13 usque 127

Page 17: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

16

1.2 - Contextos históricos e filosóficos

Os séculos XVII e XVIII são o meio no qual os contratualistas modernos estavam

imersos, e é preciso compreender as modificações – sociais, religiosas etc. – que ocorreram

nessa conturbada época para que possamos falar sobre o contexto filosófico no qual tais

pensadores estavam envolvidos, inclusive Rousseau. E as mudanças ocorridas nesses dois

séculos podem ser resumidas em uma única sentença: uma nova ordem social surgia.

Os fatos mais significativos dessa nova ordem social se mostraram mais intensamente

na Inglaterra, e dentre tantos, dois nos parecem mais expressivos: o capitalismo nascente –

impulsionado pelas navegações e a intensificação das relações marítimo-comerciais – e a

expansão da visão de mundo e pensamento protestante – sobretudo o de Calvino. No que

tange ao Calvinismo, eles negavam a mediação da Igreja para a salvação do homem e

afirmavam que todo indivíduo, por si só – mediante a própria interpretação da Bíblia – era

capaz de obter a salvação e, junto a isso, também era capaz de ser dono de seu destino na

Terra, ou seja, cada homem era responsável por seu sucesso material e também espiritual; já

com relação ao Capitalismo – que coloca, grosso modo, o dinheiro como meio para obtenção

de todas as necessidades do homem – e seu modus operandi da obtenção de lucro a todo

custo, podemos dizer que as relações entre os homens tornaram-se mais utilitaristas e, com

isso, houve um exacerbamento do individualismo. Ou seja, tanto o Calvinismo como o

Capitalismo colocam o homem individual como o centro.

O cenário social inglês do século XVII resume-se como a consolidação de

uma sociedade moderna, urbana, burguesa, individualista, antropocêntrica e

mercantilista que se sobrepunha cada vez mais sobre uma sociedade

medieval, rural, aristocrática, corporativista, teocêntrica e feudal, embora tais

rupturas com o passado não necessariamente signifiquem que não viessem a

sobrar, no presente, resquícios do mesmo.

Um outro fator que causou mudanças sociais não somente na Inglaterra, mas

na Europa em geral, foi a já mencionada expansão marítimo-comercial

iniciada no século XVI, pois ela fez com que as diversas sociedades

europeias passassem a enxergar o mundo sob novas perspectivas,

alimentando esperanças no sentido de, ao encontrarem novas terras, nelas

poderiam construir um novo mundo << assim como esboça ficcionalmente o

romance Robinson Crusoé, de Defoe >>; foi assim que muitos, cansados da

vida europeia, ou mesmo sem maiores perspectivas na Europa, arriscaram a

própria sorte emigrando para a América, para a África, para a Ásia e para a

Page 18: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

17

Oceania, em busca de riquezas, principalmente, e em busca da construção de

uma nova Europa.17

Com essa ideia de crescimento pessoal e, principalmente, a possibilidade de

ascendência social – o que era impensável em uma sociedade aristocrática, como a anterior –

o indivíduo passa a ter novas esperanças e, com isso, novas ambições. Diante disso, tudo o

que não caminhava nessa direção ou não defendia essa visão de mundo, devia ser questionado

ou exterminado. Por isso, as principais teorias e questionamentos dos grandes pensadores

tinham como principais alvos a Igreja – o clero – e a monarquia; que tinham suas razões

fortalecidas por causa da corrupção do clero – devido à venda de indulgências e à simonia18 –

e a falta de capacidade da monarquia em manter a ordem social.

Diante de tais reviravoltas sociais, religiosas e intelectuais que ocorreram nos séculos

XVII e XVIII, os pensadores debruçaram-se principalmente sobre as questões políticas, éticas

e pedagógicas – pois era preciso estabelecer novos princípios e maneiras para se viver e reger

a sociedade, afinal, o modelo antigo já não dava mais conta do novo cenário que nascia –, e as

duas principais correntes da época podem ser divididas em naturalismo – doutrina que

defendia a primazia da natureza e, portanto, que as leis civis não poderiam contrariar as leis

naturais – e contratualismo – que tem por fundamento o contrato, cuja função é a de mediar as

relações entre os homens.

Dentre essas correntes distribuíam-se os filósofos ditos empiristas ou racionalistas, no

entanto, muito embora discordassem em muitos pontos, a visão de homem continuava a ser

antropocêntrica.

A visão de mundo empirista adotada por Locke e iluminista adotada por

Rousseau fazem com que ambos coloquem o ser humano, sobretudo em seu

aspecto individual, como o centro da realidade; nesse sentido, verifica-se, em

ambos, uma postura antropocêntrica e individualista; antropocêntrica pelo

fato de que cabe ao ser humano apropriar-se da realidade, organizando-a a

fim de servir-se a si próprio; individualista pelo fato de que, para isso, terá

de contar principalmente consigo mesmo, sem qualquer recurso a uma

instância sobrenatural ou divina, pois: “Não se poder tirar do homem a tarefa

de ordenar seu mundo – e nesta sua configuração e comando, ele não pode e

não deve contar com uma ajuda de cima ou com uma assistência

17 BATISTA, Gustavo Araújo. O naturalismo e o contratualismo em John Locke e em Jean-Jacques Rousseau.

1ª edição – Curitiba-PR: Editora CRV, 2010 – p. 29 18 Compra ou venda ilícita de coisas espirituais (como indulgências e sacramentos) ou temporais ligadas às

espirituais (como os benefícios eclesiásticos); cf. Houaiss, Instituto Antônio (org.); Dicionário Houaiss Conciso;

editor responsável: Mauro de Salles Villar. 1ª edição – São Paulo: Editora Moderna, 2011.

Page 19: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

18

sobrenatural. A tarefa está colocada para ele – e deve ser solucionada com

seus recursos, com recursos puramente humanos”19.20

E, como a responsabilidade agora estava nas mãos do homem – e não mais no destino

ou na “cor do sangue” – era preciso repensar as instituições e o modo de organizar a

sociedade e, como necessidades inerentes a tais projetos, pensar uma nova política, as

implicações morais de tal visão de mundo e também uma pedagogia que tornasse possível um

modelo de homem que viveria em tal sociedade e, esse homem – impulsionado pelo aumento

da atividade manufatureira através das artes e dos ofícios – é o homem burguês.

No entanto, apesar de as transformações terem pululado na Inglaterra – principalmente

no século XVII – com o aquecimento do mercantilismo e com a Reforma Protestante, é,

sobretudo na França do século XVIII que ocorreu a consolidação desse novo modelo de

homem que hoje chamamos de homem moderno.

O Século XVIII é também um período de grandes e intensas transformações

sofridas pela Europa, transformações essas que atingiram principalmente a

França, que se tornou, consequentemente, o maior exemplo das mais

diversas agitações que fizeram com que a civilização ocidental europeia

sacudisse sob o jugo de conflitos cujo escopo era a implantação de

mudanças, conflitos tais que foram tanto pacíficos (tais como as disputas

intelectuais entre os enciclopedistas e os demais intelectuais dessa época)

quanto violentos (tais como a Revolução Americana de 1776 e a Revolução

Francesa de 1789), o que implica afirmar que refletir sobre o microcosmo

setecentista francês significa, ainda que parcialmente, refletir sobre o

macrocosmo europeu setecentista.21

E é justamente na França setecentista – encabeçado pelos enciclopedistas – que surgiu

o movimento chamado de Iluminismo – ou Ilustração. Esse nome, assim como também os

epítetos “século das luzes” ou “do esclarecimento” tornaram-se característicos ao falarmos do

século XVIII; um século de efervescência social, mas também, intelectual.

19 CASSIRER, E. A questão Jean-Jacques Rousseau. – São Paulo: Editora UNESP, 1999. (Biblioteca básica) –

p. 109. 20 BATISTA, 2010 – p. 156 21 Idem – p. 50

Page 20: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

19

1.3 - Iluminismo de Rousseau (França)

Esclarecimento ou << ilustração >> [Aufklärung] é a saída do homem de sua

menoridade da qual ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de

fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo. O homem é

o próprio culpado dessa menoridade se a causa dela não se encontra na falta

de entendimento, mas na falta de decisão e coragem de servir-se de si

mesmo sem a direção de outrem. Sapere aude! Tenha coragem e ousadia de

fazer uso de teu próprio entendimento, tal é a palavra de ordem do

esclarecimento.22

Essa pequena epígrafe supracitada, embora tenha sido escrita por um alemão em 1784

– Immanuel Kant – reflete muito bem o pensamento dos intelectuais do século das luzes, que

é denominado Iluminismo.

O Iluminismo foi um conjunto de ideais que foi gerada através de pensadores do

século XVIII – o chamado Aufklärung (iluminação, ou esclarecimento como é mais

conhecido) –, teoria que pregava a tese de que a razão poderia esclarecer todos os possíveis

erros, tirando assim, o homem das trevas da ignorância. Com o advento das importantes

descobertas científicas da época, os gênios se maravilharam e achavam que por meio da razão

o homem poderia alcançar o seu pleno desenvolvimento. Para a maioria dos filósofos

iluministas o processo de desenvolvimento da história e também da humanidade é um

progresso linearmente contínuo. Ideia que foi contestada – e ainda hoje é – após o banho de

sangue da Revolução e, muito depois, pelo Nazismo ocorrido já no século XX em uma das

nações mais intelectualizadas, a Alemanha.

O texto de Kant é importante porque nos mostra o que estava por trás das ideologias

vigentes, todas em ligação com as posteriores; ou seja, desde a Reforma na Inglaterra e os

questionamentos em relação ao poder absoluto, o homem foi colocado no centro do mundo –

antropocentrismo – e, somente ele, poderia ser responsável pelo seu destino intelectual, moral

e espiritual. A Igreja, o rei, os tutores, ninguém poderia mais ditar os parâmetros a serem

seguidos, mas tão somente o indivíduo, que, ao fazer uso de sua capacidade racional, deve

refletir criticamente as suas atitudes e também o meio ao qual está imbuído. O individualismo

já estava sacramentado e, a visão de mundo medieva, jazida. Tudo deveria ser questionado,

tudo deveria ser transformado. No entanto, vale lembrar que esse modo de colocar a razão

22 KANT, Immanuel. Textos seletos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.

Page 21: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

20

sobre o pedestal não é uma ideia que nasce nos séculos XVII e XVIII, mas que permeia toda a

história da Filosofia, desde Platão.

A tradição filosófica, desde os seus primórdios, tem comparado a faculdade

racional do ser humano à luz que o ilumina para o verdadeiro conhecimento

da realidade. Impregnados de tal pensamento, os filósofos ilustrados

propunham que a razão é o que pode esclarecer a humanidade, libertando-a

das trevas da ignorância, do engano, do erro, da superstição, do fanatismo e

do vício, instaurando, pois, para a humanidade uma era de sabedoria, de

conhecimento – << e autoconhecimento >> –, de veracidade, de tolerância,

de esclarecimento, de liberdade, de igualdade e de fraternidade. Suas ideias

foram simpáticas principalmente à burguesia em ascensão, uma vez que os

iluministas criticavam e combatiam as instituições do Antigo Regime,

estimulando mudanças políticas, econômicas, sociais, religiosas e

pedagógicas, preparando, consequentemente, a conjuntura para a

Revolução.23

No entanto, o Iluminismo do século XVIII e, principalmente na França, é marcado por

um criticismo tão acentuado que a crítica era também uma autocrítica, ou seja, era preciso

constantemente voltar-se a si mesmo para o exercício de um ininterrupto refletir. Era um

tempo de turbulências várias e de desconfiança, de suspeita geral, um terreno fértil para as

tendências céticas, o relativismo e a intolerância.

As luzes da razão, que deveriam retirar os homens das trevas do fanatismo e da

ignorância, parecem os ter colocado num obscurantismo muito maior de individualismo,

hedonismo e soberba. E muitos filósofos perceberam esse problema – o olhar sobre si torna o

homem mais corrupto.

Dentre esses críticos, estava Rousseau, que, embora pertença à filosofia do

Iluminismo, segue o caminho dos racionalistas e utilitaristas, e sua maior contribuição a essa

escola é a sua posição crítica. Para ele, o desenvolvimento humano não é contínuo e muito

menos linear – num constante progresso – mas sim, dialético, num processo de antinomia

dentro de si mesmo, ou seja, a natureza humana está em constante modificação, pois o homem

está constantemente relacionando-se com outros homens, mas ao mesmo tempo, está

condicionado pelas relações que mantém com a natureza. E se o seu progresso depende

também dessa sua relação com o meio material, é de se esperar que não só a Reforma do

Entendimento seja capaz de iluminar o homem. Devido a essas posições, Rousseau é um

iluminista que combate o Iluminismo. 23 BATISTA, 2010 – p. 55

Page 22: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

21

É um filósofo do Iluminismo que se opõe à ideologia do Iluminismo do

interior da filosofia do Iluminismo. É um inimigo interno. Donde o fundo

teórico, e não apenas psicológico, de seus conflitos pessoais com Voltaire,

Diderot, Hume, Barão de Holbach etc., em suma, com os Enciclopedistas e

os “filósofos”. A razão dessa posição crítica reside justamente na origem

nova de sua inspiração, no tom plebeu de suas concepções e

reivindicações.24

Segundo a visão de Rousseau, o problema dos filósofos iluministas era a concepção de

que a razão seria por si só a responsável – o motor – do desenvolvimento humano, mas para o

genebrino, existem outros fatores imbricados nesse processo, e que – ao contrário do que

pensavam os iluministas – a razão é na verdade um produto da sociedade, afinal, o próprio

Rousseau diz que em estado de natureza o homem não reflete, apenas tem desejos e

necessidades sensuais – principalmente a de autoconservação. Inclusive, em seu Discurso

sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, o filósofo afirma que ao

invés de as artes e as ciências terem melhorado o homem, elas o corrompeu.

Filho de artesão, Rousseau viveu numa França que passava por períodos muito difíceis

– internos e externamente – com os conflitos mantidos com Inglaterra, com a manutenção e

também envio de tropas para colônias africanas, assim como o apoio à libertação dos

estadunidenses do Governo inglês; estes ônus ficaram diretamente ao cargo do povo, que

pagava mais impostos para sustentar um Estado cada vez mais deficiente e um governo

corrupto. Por seu descontentamento e ideias contrárias às instituições de sua época, o filósofo

genebrino foi considerado como o maior influenciador da Revolução Francesa, apesar de não

ter participado ativamente da mesma e tampouco ter defendido explicitamente em suas obras

algo como o que aconteceu na Revolução Francesa; suas ideias – principalmente as expressas

no seu Do Contrato Social – e seus estudos, motivaram a população – orquestrada pela

burguesia que tinha seus próprios interesses – à revolução. Interpretado à revelia – ao modo

como convinha aos defensores da insurgência –, o Do Contrato Social foi considerado por

muitos como a bíblia da revolução francesa.25

(...) Rousseau pertencia ao terceiro estado (povo). No entanto, << com outros

filósofos de sua época >>, tinha algo em comum: transformar, através de

24 ALTHUSSER, 2007 – p. 102 25 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social; tradução de Paulo Neves – Porto Alegre: L&PM, 2010

Page 23: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

22

suas ideias, a ordem social vigente no Antigo Regime, razão pela qual foram

extremamente úteis aos revolucionários de 1789, que souberam reconhecer-

lhes os méritos, sobretudo os de Rousseau, que era uma referência constante

no discurso revolucionário. Embora a relação entre “Os Filósofos”26 e a

Revolução não seja uma relação de causa e efeito daqueles em relação a esta

(pois poderia acontecer sem eles), os mesmos constituíram um referencial

teórico para que os revolucionários pudessem concretizar as transformações

que ansiavam colocar em prática.27

Mas Rousseau jamais expressou de maneira categórica que fosse por meio de

revoluções que as instituições seriam purificadas, mas, ao contrário, defende em seus escritos

– não só nos considerados políticos, mas também no Emílio ou Da Educação – que uma

sociedade justa só poderia ser construída por bons homens – lapidados longe da corrupção

social – e, consequentemente, bons cidadãos. Tal projeto só seria possível mediante uma boa

educação, formando homens capazes de boas relações com os outros homens e também com a

natureza, trazendo assim, o homem o mais próximo possível de sua condição inicial de estado

de natureza. Para tanto, dois conceitos – diferentemente dos iluministas que colocavam a

razão no pedestal – são extremamente caros a Rousseau: o amor e a piedade.

A piedade é “o puro movimento da natureza anterior à reflexão”. Essa

qualidade é comum a homens e animais. No estado de natureza, ela possui as

funções da lei natural da qual é substituta. “Dela decorrem todas as

virtudes sociais”: ela é o fundamento das virtudes que a razão descobrirá.

Seu desenvolvimento é antagônico à razão que a abafa, mas ela não

desaparecerá totalmente: a virtude ressurge às vezes, por exemplo, numa

“grande Alma cosmopolita”.

No Emílio, essa teoria é central. A verdadeira iniciação à moralidade ocorre

por meio do amor. (...) A piedade é a verdadeira origem da moralidade.28

Ao lermos erroneamente Rousseau, pode parecer que o autor defenda uma espécie de

individualismo – pois pretende que todo homem seja igual a outro e com plenos direitos –, no

entanto, a nosso entender, ele chama cada indivíduo a participar e se responsabilizar pela

constituição de uma sociedade justa. Bons homens serão bons cidadãos e, consequentemente,

esses bons cidadãos construirão instituições mais justas a todos. Seu iluminismo é

pedagógico, tendo em vista criticar o absolutismo injusto e também a falsa ideia de que o

26 “Os Filósofos” é a maneira como os “Enciclopedistas” se autodenominavam. 27 BATISTA, 2010 – p. 57 28 ALTHUSSER, 2007 – p. 347

Page 24: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

23

progresso técnico e artístico possa fazer do homem um ser humano melhor. Vale lembrar que

Rousseau não foi inimigo da razão, mas tão somente que essa razão não pode salvar um

homem que já está doente socialmente. Por isso o homem deve ser inicialmente educado para

ser um bom homem – que esteja primeiramente bem consigo mesmo –, para só depois ser um

bom cidadão – bom para os outros indivíduos da sociedade. No entanto, a importância de

Rousseau com relação ao pensamento revolucionário “cresce com a preocupação sobre o

aspecto social da igualdade e pela extensão da cidadania a uma parcela muito mais ampla

da população”.29

(...) Daí os Jacobinos terem colocado, em 1794, seus restos mortais ao lado

dos de Voltaire, já homenageado três anos antes, numa fase de predomínio

liberal na Revolução. Simbolizadas pelas duas homenagens, eram propostas

que se digladiavam, eram definições de “revolução” que se enfrentavam e

distinguiam.

Formaram-se assim os diversos partidos ou grupos de opinião, cada qual

com seu programa, que se burilava à medida que era criticado pelos rivais.30

29 GRESPAN, Jorge. Revolução Francesa e Iluminismo – A crítica radical do “Espírito das Luzes”; Críticos,

céticos e românticos; Uma nova ordem social. 2ª edição, 2ª reimpressão – São Paulo: Editora Contexto, 2016. –

p. 105. 30 Ibidem – pp. 105-106

Page 25: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

24

Capítulo 2

Corrente Contratualista e Filósofos que influenciaram Rousseau

2.1 – Contratualismo

Contratualismo é o nome que foi dado à doutrina que reconhece o fundamento do

Estado – sociedade civil – e o seu mantenemento numa espécie de convenção entre os seus

membros, sendo que tal convenção recebe o nome de contrato. Esse contrato – de um modo

geral – é uma espécie de organização político-social fundamentada no pacto – seja explícito

ou implícito – realizado entre os indivíduos que formam, a partir daí, um corpo político que

detém o poder – soberania. A partir disso, esse corpo político-social então delega a um ou

vários indivíduos o direito de governar, instituir e proteger as leis, e também administrar os

meios para se garantir o fim último que é o mantenemento da ordem, da paz, da segurança na

sociedade e as liberdades individuais dos cidadãos. Para os filósofos defensores de tal

doutrina – os jusnaturalistas – os homens teriam direitos naturais que só podem ser garantidos

pela força quando não há um poder que possa os regular e, sendo assim, deveriam abrir mão

de tais direitos para se associarem a uma comunidade mais justa e igual.31 Os principais

conceitos que estão em jogo são: estado de natureza – o homem bom ou em estado de guerra,

estado civil – possível mediante o contrato social – e rompimento do contrato, sendo que tais

conceitos não possuem a mesma significação para os principais filósofos contratualistas.

O interesse primeiro dos principais contratualistas – muito embora atribuam o epíteto

de filósofo da guerra a Hobbes – é o convívio pacífico entre os homens, ou seja, uma

condição de vida em comum onde não haja conflitos que coloque em risco a integridade e

nem a posse das pessoas e, juntamente a essa problemática, surge a questão da legitimidade

do poder, afinal, na época a burguesia ascendia devido ao capitalismo nascente e a monarquia

era cada vez mais desacreditada devido aos abusos cometidos por monarcas e a fragilidade em

manter a ordem. Com cada vez mais homens ascendendo socialmente, mais iguais eles se

tornam – frente à desigualdade natural aceita pelos sistemas e pensamentos anteriores – e

31 Cf. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia – edição revista e ampliada; tradução da 1ª edição

brasileira coordenada e revista por Alfredo Bosi; revisão da tradução e tradução dos novos textos Ivone Castilho

Benedetti – 5ª edição: Martins Fontes, 2007, São Paulo – pp. 239-240

Page 26: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

25

mais direitos requerem diante de seus iguais. A humanidade composta por homens desiguais

por natureza passa então a ser vista como um conjunto de indivíduos únicos – mas iguais em

direito –, de maneira racional e mecanicista. E com esse tipo de visão, já não admite-se mais

que algum homem tenha nascido exclusivamente para ser senhor enquanto outros para serem

escravos. No entanto, como viver em paz mediante tal visão? Por meio de um pacto – contrato

– através do consentimento dos indivíduos.

(...) o consentimento (explícito ou implícito) leva ao acordo (isto é, ao

contrato social) que, por sua vez, leva à sociedade política, em cujo seio se

estabelece o Estado, entidade cujo governo faz-se pela elaboração e pelo

cumprimento das leis civis feitas por aqueles membros do corpo político

encarregados de tais tarefas. O consentimento torna-se, pois, o fator

primordial pelo qual a sociedade política passa a existir, uma vez que esta é

resultado de um pacto ou contrato que só tem origem se houver disposição

de cada indivíduo em fazer parte dessa mesma sociedade ou corpo político,

disposição essa que constitui o consentimento, que pode ser tanto expresso

ou explícito quanto tácito ou implícito; quando o consentimento é feito de

maneira que o indivíduo declare perante aos demais sua pertença ao corpo

político, trata-se do consentimento explícito; quando o consentimento não é

feito de forma que o indivíduo se expresse abertamente como parte da

sociedade política, mas de forma que seu comportamento revele sua

aceitação de viver nessa mesma sociedade, trata-se do consentimento

implícito.32

De um modo geral, os contratualistas são defensores do estado civil frente ao estado

de natureza porque, neste, as condições de preservação da vida e também da propriedade são

inferiores àquele, ou seja, uma vida isolada – no estado de natureza – é muito mais difícil ao

homem – que está somente sob sua conta e risco – do que uma vida conjunta no estado civil,

onde ocorre a união das forças. No entanto, isso não quer dizer que os autores consideram o

estado civil um paraíso, mas tão somente que as limitações e os malefícios trazidos por tal

estado são inferiores aos benefícios. E exatamente por não achar que os problemas dos

homens estão necessariamente resolvidos só pelo fato de eles viverem em um estado civil, que

os contratualistas – assim como fizera também Comênio, apesar de possuir um propósito

diferente – preocupavam-se em desenvolver – junto às suas teorias políticas – alguma teoria

pedagógica que pudesse atenuar os malefícios – exacerbação das paixões, por exemplo –

advindos do convívio em sociedade.

32 BATISTA, – pp. 128-129

Page 27: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

26

Defendendo que a educação moral é a parte mais importante da educação,

Comênio antecipa-se tanto a Locke quanto a Rousseau (para os quais a

educação moral é também aquilo que mais importa na educação), apesar de

terem objetivos diferentes em relação à mesma, pois Comênio defende que a

finalidade da educação repousa, em última instância, no alcance da vida

eterna, cujo mérito consiste em uma conduta moral de acordo com os

desígnios divinos, razão pela qual a educação deve propiciar os melhores

meios possíveis para que o educando adquira uma conduta virtuosa na vida

terrena presente para que, finda esta, torne-se digno do prêmio que é a vida

celestial no porvir; em contrapartida, Locke e Rousseau alegam que a

finalidade da educação moral repousa, em última instância, na formação do

ser humano virtuoso a ponto de tornar-se o exemplo mais digno de cidadão,

ou seja, enquanto a finalidade da educação moral comeniana vincula-se a

questões não apenas sociais mas, principalmente, religiosas, a finalidade da

educação lockeana e rousseauniana liga-se a critérios estritamente civis.33

Como foi dito acima – no tópico Contexto Filosófico –, a Europa dos séculos XVII e

XVIII estava passando por diversas modificações – sociais, religiosas etc. – e isso, teve

influência determinante no pensamento dos contratualistas. Em um mundo no qual não se

tinha mais uma visão de mundo “homogênea” – onde o coletivo prevalecia frente ao

individualismo, como na Antiguidade e Idade Média –, no qual os horizontes foram

expandidos pelas navegações, as relações entre os homens se diversificaram e era preciso

estabelecer novas maneiras e regras para reger esse novo mundo. Em um mundo cada vez

mais individualista, cada homem sente-se mais tentado a usufruir de sua liberdade individual,

e isso acarreta um conflito de liberdades entre os indivíduos. Ao pensar no crescimento

pessoal, o homem já não mais valora o todo, a família, as relações coletivas e, com isso, a

palavra oral já não cabia como garantia em um mundo tão grande e antropocêntrico, daí a

importância crucial do contrato como tentativa de restabelecer a união social que fora abalada

devido a essas novas transformações. O contrato traz para as relações – principalmente se ele

for escrito, e não só um conceito abstrato – de volta a confiança recíproca entre os homens;

traz garantias maiores a cada homem que abre mão de sua liberdade frente a outro homem –

muito embora existisse a possibilidade de que fosse rompido o pacto. Por ser um exercício

livre34 da vontade, o homem sente-se moralmente obrigado por sua própria consciência e – no

caso de ser algo escrito – também juridicamente perante as instituições.

33 Idem – p. 37 34 A vontade de aderir ou não ao contrato é livre, mas nem sempre a motivação que nos leva a uma relação

contratual é livre, ou seja, podemos nos comprometer a determinado contrato meramente por medo, ou também

por interesses, movido por nossas paixões, por exemplo.

Page 28: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

27

A essência do contrato é versar sobre o futuro; donde a necessidade do

raciocínio e da linguagem, de signos que indiquem o futuro, vinculando os

homens para o futuro. Isso implica que não se deve estabelecer contrato com

aqueles que não falam: os animais, as crianças, Deus. Todas as formas de

contrato especificam essa forma original que é limitação formal de duas

liberdades. Donde:

- O contrato é apenas um ato da pura vontade abstrata, que se exerce na

submissão ao temor, móbil do contrato. Entra-se em acordo por temor de,

ou seja também, mais positivamente, no interesse de...

- O contrato formado sob violência também é válido (cf. contrato de

escravidão): o escravo consentiu para salvar a vida. O contrato de

escravidão, efeito direto da coação da morte, é mesmo o contrato-tipo.

- O contrato tem limites: o contrato cessa quando tem como efeito a morte

do indivíduo.35

2.2 - Thomas Hobbes

Thomas Hobbes ( 5 de abril de 1588 – 4 de dezembro de 1679), inglês, foi

influenciado por Francis Bacon – assim como teve contato com a obra de Galileu –,

Aristóteles e Maquiavel; influenciou Rousseau, Locke, Spinoza, Montesquieu e Nietzsche.

Sua obra-prima foi Leviatã. Veio de uma escola racionalista, mecanicista e nominalista.

Influenciou as ideias de que haveria necessidade de se formular um contrato social a respeito

do estado da natureza dos homens e da soberania das leis – Hobbes é considerado, por muitos,

como o pai do contratualismo moderno.

Na base da filosofia de Hobbes, assim como nas obras da maioria dos pensadores dos

séculos XVII e XVIII, quatro conceitos fundamentais estavam sempre presentes e em

discussão: estado de natureza, estado civil, contrato e rompimento do contrato.

De acordo com o pensamento do filósofo inglês, o homem, em seu estado de natureza,

existe mediante uma condição de guerra de todos contra todos36. No entanto, muito embora

seja atribuído a Hobbes um pensamento pessimista diante da humanidade, ele não condena

veementemente todo gênero humano e muito menos faz generalizações. Mas sim, ele parte da

ideia de que boa parte dos homens não consegue controlar as suas paixões e, por isso, seria

necessário um poder superior que pudesse regular tais paixões.

35 ALTHUSSER, 2007 – p. 295 36 A guerra de todos contra todos geralmente é entendida como uma guerra de fato, com homens lutando entre si,

no entanto, o que está em jogo em Hobbes é mais o temor do que o terror, ou seja, só o fato de eu temer um

ataque de um outro homem já me faz antecipar o meu ataque contra ele – a guerra é uma guerra preventiva.

Page 29: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

28

Assim como fará depois Rousseau, Hobbes parte do conceito de estado de natureza

para justificar sua teoria, porém, ao contrário do que irá propor o filósofo genebrino – que

afirma que o homem é bom em estado de natureza –, Hobbes afirma que no estado de

natureza o homem vive num constante estado de luta devido à sua própria natureza corrupta e,

mesmo que um homem seja mais forte do que outro, é impossível que ele consiga evitar o

ataque alheio – preservar sua vida e seus bens por todo tempo de vida que a natureza lhe

permite –, pois um homem mais fraco pode vencer um mais forte por astúcia. Esse estado

conflituoso é proveniente do fato de que a natureza deu tudo a todos, e logo um homem

quererá algo pertencente a outro.

(...) se dois homens desejam a mesma coisa, ao mesmo tempo em que é

impossível ela ser gozada por ambos, eles tornam-se inimigos. E no caminho

para seu fim (que é principalmente sua própria conservação, e às vezes

apenas seu deleite) esforçam-se por se destruir ou subjugar um ao outro.37

Sendo assim, partindo da análise de suas próprias paixões – assim como Hobbes fez

para desenvolver sua metodologia – cada homem passa a ter medo dos outros homens por

poder ser subjugado a qualquer momento e, com isso, perder suas posses, sua liberdade e

possivelmente sua vida. Então, por desconfiança em relação aos outros – e por perceber em si

e nos outros homens o espírito de competição e a mesquinhez –, o homem se antecipa ao

ataque como uma maneira de se defender, até que consiga subjugar todos os que possam

atacá-lo, por isso o estado de guerra.

Devido a esse estado de desconfiança e o constante perigo de morte que ronda cada

um dos homens, faz-se necessário um acordo – um preceito emitido pela razão que os faça

buscar pela paz – e um poder superior a todos, que faça com que cada um abra mão de sua

liberdade – ausência de obstáculos – para com isso privar seu oponente também da liberdade

de atacar, pois, segundo Hobbes, no estado de natureza nada limitava a liberdade dos homens,

sendo que todos tinham direito a tudo, no entanto, essa condição leva à guerra de todos contra

todos justamente porque uma liberdade excessiva leva à não-liberdade – a liberdade de um

entra em conflito com a liberdade do outro e, assim, todos passam a não ter liberdade. Se tudo

é de todos, não há nada que seja de alguém.

37 HOBBES, Thomas. Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil; tradução de João

Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. – 4ª edição – São Paulo: Nova Cultural, 1988. (Coleção os

Pensadores) – pp. 74-75

Page 30: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

29

A liberdade natural se volta contra si mesma, e todas as determinações do

direito natural se voltam contra si mesmas: o direito de todos a tudo é

desapossamento. A realização da liberdade humana produz sua negação: o

estado de guerra se nega, numa contradição mortal.38

Esse suposto acordo seria para estabelecer regras, ou seja, leis – que limitassem as

aparentes liberdades absolutas e fornecessem liberdades civis duradouras – e, nessas

condições, o povo deveria se reunir em assembleia, elegendo um representante para criar

essas normas de sobrevivência em sociedade e tentando, por sua vez, alcançar a

sobrevivência, caso contrário, haveria um caos sem fim. Nesse pacto os indivíduos adeririam

por livre e espontânea vontade para obter a sua segurança contra os outros. Para que possa ser

estabelecido tal acordo, cada indivíduo deve abandonar o direito de poder fazer tudo para que

– ao transferir esse direito ao um superior ou a uma assembleia – tenha garantida a sua

liberdade e a sua vida. “A transferência mútua de direitos é aquilo a que se chama contrato”.

(HOBBES, 1988 – p. 80).

Porém, do pacto – contrato – só fazem parte os indivíduos, mas não o soberano, pois o

soberano não poderá estar submetido a nenhuma lei – ele tem o direito à guerra, o poder à

justiça e a obrigação de legislar, sendo que legislar também é educar, no sentido de infundir

novos e melhores costumes em seus súditos. Tal poder deve ser absoluto para que cada

indivíduo seja submetido e mais fraco do que ele, afinal, se não houver nada mais forte –

superior – aos indivíduos particulares, nada os fará manter suas promessas de que não

utilizarão suas liberdades aos seus bel-prazeres. Se não houver uma força ou autoridade que

iniba os súditos – que devem alienar-se de maneira total – de agirem de acordo com suas

paixões desenfreadas, não há condições para um contrato válido.

Quando se faz um pacto em que ninguém cumpre imediatamente sua parte, e

uns confiam nos outros, na condição de simples natureza (que é uma

condição de guerra de todos os homens contra todos os homens), a menor

suspeita razoável torna nulo esse pacto. Mas se houver um poder comum

situado acima dos contratantes, com direito e força suficiente para impor seu

cumprimento, ele não é nulo.39

38 ALTHUSSER, 2007 – p. 290 39 HOBBES, 1988 – XIV, p. 82

Page 31: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

30

Contudo, vale lembrar que o soberano – superior a todos – seria o responsável por

manter a paz interna – controlando as paixões dos súditos – e externa, mas também aquele

capaz de proporcionar um bem estar a todos – como hoje chamaríamos de Welfere State –,

sem exceção, pois senão o seu governo tornar-se-ia nulo e, nesse caso em particular, o direito

à revolução é válido para os indivíduos porque cada um deve utilizar-se de qualquer meio

disponível para manter a sua preservação e tudo o quanto acha necessário para o seu bem-

viver, inclusive as armas. Ou senão, não faria sentido abrir mão de sua liberdade e viver de

uma maneira mais perigosa do que cada um encontraria em seu estado de natureza.

O soberano é primordial porque ao ceder minha liberdade e comprometer-me com ele,

deixo de comprometer-me com outro indivíduo particular que poderia quebrar sua promessa a

qualquer momento, e assim, passo a ter – assim como cada indivíduo passa a ter perante outro

– uma força maior, e com isso uma garantia maior, da minha segurança e preservação, pois o

soberano ou assembleia de homens é mais forte do que qualquer indivíduo. Ou seja, se os

homens não podem – em sua totalidade – cumprir suas promessas ou respeitar seus contratos

apenas por um caráter íntegro, é preciso que tenham medo – do Céu ou de um soberano – para

que assim façam.

Dado que a força das palavras (conforme acima assinalei) é demasiado fraca

para obrigar os homens a cumprirem seus pactos, só é possível conceber, na

natureza do homem, duas maneiras de reforçá-la. Estas são o medo das

consequências de faltar à palavra dada, ou o orgulho de aparentar não

precisar faltar a ela. Este último é uma generosidade que é demasiado raro

encontrar para se poder contar com ela, sobretudo entre aqueles que

procuram a riqueza, a autoridade ou os prazeres sensuais, ou seja, a maior

parte da humanidade. A paixão com que se pode contar é o medo, o qual

pode ter dois objetos extremamente gerais: um é o poder dos espíritos

invisíveis, e o outro é o poder dos homens que dessa maneira se pode

ofender. Destes dois, embora o primeiro seja o maior poder, mesmo assim o

medo do segundo é geralmente o maior medo.40

40 Ibid. – p. 84

Page 32: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

31

2.3 - John Locke

John Locke ( 29 de agosto de 1632 – 1704) nasceu em Wrington – Somerset –,

formou-se em medicina pela Universidade de Oxford, frequentou por um bom tempo o

ambiente intelectual holandês e teve como projeto – pode-se dizer que seja a unidade

sistemática de seu pensamento – o estabelecimento de um método de investigação do espírito

e de sua relação com o corpo, para que se descubra o quão capaz é a racionalidade em cada

setor do saber e, assim, levá-la ao seu maior grau.

Como filho do século XVII, Locke teve seu pensamento extremamente influenciado

pelas enormes transformações por quais passava a Europa e, principalmente, a Inglaterra, e

também pelas sangrentas Guerras Civis Inglesa – 1642 a 1651 – e a Revolução Gloriosa41 que

findou em 1689, ano em que o filósofo de Somerset retornou à Inglaterra após permanecer

algum tempo em Montpellier – onde fora morar, muito provável, por causa de sua frágil

saúde. Imerso em turbulentos acontecimentos, não é de se estranhar que boa parte – talvez a

maioria – de suas reflexões e seus escritos fosse direcionada à política. “É possível recolher

indícios sobre as opiniões de Locke a respeito de política e sociedade em praticamente tudo o

que ele escreveu”.42 No entanto, o Segundo Tratado sobre o Governo é considerado como a

obra mais importante no que tange às questões políticas e sociais concebidas pelo filósofo

inglês.

Assim como fizera Thomas Hobbes e, posteriormente, fez também Jean-Jacques

Rousseau, John Locke desenvolveu suas concepções políticas com fundamento na ideia de um

contrato e também de soberania – magistrado, na acepção do filósofo inglês –, sendo essa

soberania um poder absoluto sobre todos os membros, a fim de manter a ordem e a paz na

sociedade.

Toda confiança, todo o poder e toda a autoridade do magistrado são nele

investidos com o único propósito de serem empregados para o bem, a

preservação e a paz dos homens na sociedade da qual ele se incumbe, e,

portanto, só isso é e deve ser o padrão e a medida de acordo com os quais ele

deve regular e ajustar suas leis, moldar e estruturar seu governo. Pois se os

41 Invasão da Inglaterra pelo príncipe Guilherme de Orange e fuga de Jaime II. E o termo Revolução Gloriosa –

1688-1689 – deve-se ao fato de que a maior parte da revolução foi não-violenta, inclusive, o outro epíteto para o

fato é “Revolução sem sangue”. 42 LOCKE, John. Ensaios políticos; organizado por Mark Goldie; tradução de Eunice Ostrensky. – São Paulo:

Martins Fontes, 2007 (Clássicos Cambridge de filosofia política) – p. XLI

Page 33: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

32

homens pudessem viver juntos em paz e tranquilidade, sem se unirem sob

certas leis e ingressarem numa república, não haveria necessidade de

magistrados ou políticas que são criadas apenas para preservar os homens,

neste mundo, da fraude e da violência mútuas; por isso, a única medida de

seu procedimento deveria ser a finalidade pela qual se erige o governo.43

Para Locke, a legitimidade do magistrado era dada por Deus e, sendo assim, o poder

desse deveria ser supremo, ilimitado. Porém, a supremacia desse poder só é legítima quando o

seu exercício é lícito e direciona-se ao bem público, ou seja, cabe ao magistrado somente

impor aos seus súditos – subordinados – aquilo que ele julga ser necessário para o bem-estar

de toda a sociedade e sobre aquilo que Deus não impôs leis, não intervindo na liberdade das

pessoas com relação às especulações e ações que não dizem respeito ao governo e à

sociedade. O seu papel é garantir a liberdade, a paz e as propriedades dos cidadãos, não

devendo impor seu poder às coisas que sejam indiferentes a esse propósito. O máximo que o

magistrado pode fazer com relação às coisas indiferentes é dar exemplo.

(...) é ótima medida do príncipe ensinar ao povo o serviço a Deus por meio

do próprio exemplo, e é bastante provável que as sendas da virtude e da

religião serão trilhadas por muitos, se conduzirem ao crédito e à promoção, e

o príncipe decerto terá uma longa fila de seguidores por onde quer que vá.

Mas nem todos os homens vivem sob a influência da corte, nem se vivessem

seriam todos tão engenhosos para ser assim tão facilmente conquistados à

causa da bondade. Esse é um, porém não o único, modo de atrair os homens

a seu dever, e tampouco proíbe ao magistrado o rigor das leis e a mais severa

aplicação de sua autoridade quando a obstinação e impertinência do povo

não puderem ser corrigidas de outra maneira.44

Locke diz, em seu ensaio Poder civil e eclesiástico45, que a maioria dos homens, por

fazer parte de uma sociedade duplicada – sendo uma civil e outra religiosa –, buscam dois

tipos de interesses: a felicidade terrena e a felicidade além-vida. Sendo que é de

responsabilidade do magistrado – na medida de suas possibilidades e no exercício de sua

vontade para que assim seja – apenas a felicidade e o bem estar terreno, não sendo de

competência dele a interferência nos assuntos que dizem respeito à outra existência. Logo, a

única interferência na vida privada dos indivíduos deve ser única e exclusivamente a de

43 Ensaio sobre a tolerância in LOCKE, 2007 – pp. 167-168 44 Ibidem – p. 67 45 Poder civil e eclesiástico in LOCKE, 2007 – pp. 266-272

Page 34: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

33

proteger cada indivíduo contra os outros homens. “Para além dos interesses desta vida, esta

sociedade não tem absolutamente nada a fazer”.46 Tudo o que o magistrado ordena deve ser

lícito e não deve jamais contrariar os preceitos divinos, pois o acordo que todo homem faz

quando submete-se ao contrato é um acordo entre homens e, sendo assim, somente no que diz

respeito às relações entre homens é de competência do magistrado intervir, ficando excluída

dessa intervenção qualquer relação que cada homem faça com o seu Deus. Porém, Locke

defende que os súditos devem obedecer – sem pegar em armas para contrariar – todas as

ordens do magistrado, mesmo as que sejam ilícitas, muito embora este peque se assim

proceder. No entanto, o filósofo inglês acreditava que para cada povo e cada época seria

necessário um modo de governo, ou seja, deve-se entender o ânimo do povo para que se possa

governar de maneira adequada e satisfatória.

Os interesses do magistrado sempre lhe ensinarão a não usar de mais rigor

do que pedem o temperamento do povo e a necessidade da época, pois ele

sabe que obstáculos muito grandes, bem como rédeas demasiado frouxas,

podem fazer esse animal indomável arremessar o cavaleiro. Quem se

recusaria a embarcar porque só o piloto tem a direção do navio, temendo que

ele seja demasiado buliçoso e impertinentemente aborrecido ao leme, e

perturbe a viagem com o mau desempenho de sua tarefa? Quem preferiria

governar o navio com sua mão suave, e não com mão firme, se as ondas e os

ventos permitissem? O piloto somente aumentaria suas forças e violência

com o aumento da tormenta e do tumulto; os meneios e variados

movimentos do navio viriam de fora, não se originando na direção ou no

leme. De quem é mais racional temer o maior perigo: das cabeças ignorantes

ou das sábias? De um conselho organizado ou de uma multidão confusa? De

quem é mais provável nos tornarmos presa: daqueles a quem as Escrituras

chamam de deuses ou daqueles a quem os sábios sempre consideraram e por

isso intitularam animais? Quem não sabe que não é possível estabelecer

sobre a multidão – sempre ansiosa e jamais satisfeita – nada que ela não

se empenhe e se esforce constantemente em derrubar?47.

A relação entre o povo e o magistrado – assim como a relação entre um homem e

outro que estão sob as determinações de um pacto acordado entre si – deve ser uma relação de

confiança, ou seja, os indivíduos – quando abrem mão de sua liberdade individual – confiam

que o magistrado irá proteger a sua vida e a sua propriedade. Cada indivíduo deve ceder

plenamente sua liberdade natural – independentemente do grau que esta seja – ao magistrado

para que esse faça leis que sejam válidas a todos. O poder do magistrado – legitimado por

46 Idem – p. 267 47 Idem – p. 50 (Os grifos são meus)

Page 35: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

34

Deus –, mesmo quando cause algumas inconveniências, deve ser supremo e, por isso,

respeitado, pois, por ser algo legitimado por Deus, somos obrigados a obedecer devido à

nossa própria consciência.

(...) se a autoridade do magistrado é retirada, mesmo em parte, de uma, entra

em colapso na outra. Mas, brevemente, respondo: na natureza das coisas não

há nada completamente perfeito e inofensivo de que não possa ou costume

resultar, ou ao menos temer-se, algum mal; e para alguns, muitas coisas

justas e legítimas são regularmente insensatas e onerosas. Mas, na verdade,

essas inconveniências que me sobrevêm ou me podem sobrevir do direito de

outro, de maneira alguma impedem o direito dele.48

2.4 - Hobbes, Locke e Rousseau

As principais teorias modernas a respeito do contrato social – presente nos três

grandes pensadores – se difundiram principalmente durante os séculos XVI a XVIII, como

forma de explicar ou postular a origem legítima dos governos e, portanto, seria uma obrigação

política dos governantes e dos governados.

Para Rousseau, o homem é bom em seu estado de natureza, mas é corrompido pela

sociedade. A propriedade, quando surge, escraviza os homens e aumenta a desigualdade

natural, proporcionando a guerra e levando ao "falso" contrato social. Para ele, portanto, os

contratos são construções artificiais, criadas para subordinar e sem relação com a natureza

humana. Sua finalidade é superar o estado civil, e não, o estado de natureza.

O filósofo francês afirmava, então, que o corpo político é formado a partir das coisas

que as pessoas comungam e que somente haveria liberdade quando existisse esse consenso. A

lei não oprime quando é vontade de todos. No entanto, esse consenso só pode ser construído

horizontalmente, ou seja, quando há igualdade de condições e, então, se atinge uma vontade

de todos.

Assim, percebe-se que o contrato social é elemento frequente nas teorias políticas

modernas. E esse fato explica a busca por uma explicação para o surgimento da sociedade.

48 Idem – p. 97

Page 36: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

35

São apontados os mais variados argumentos para corroborar essa teoria, mas todos

com o fim de explicar porque o homem saiu de seu estado de natureza e resolveu associar-se,

depositando na mão de um soberano o poder, esperando obter sua sobrevivência como única

recompensa.

Cada um desses pensadores apresenta propostas e definições diferentes para os

conceitos de “estado de natureza”, contrato social, subordinação política e estado civil.

Hobbes considera que os homens decidem selar o pacto social para evitar o estado de

“guerra de todos contra todos” – gerado pelo fato de que todos os homens se consideram

iguais e, portanto, têm os mesmos direitos – criando, assim, a estrutura soberana –

o Estado absoluto – que controlaria e reprimiria os conflitos.

Verifica-se, assim, que se tratava de um pacto de submissão, para preservar vidas, em

que se troca a liberdade pela segurança do Estado.

Locke, apesar de ter elaborado sua teoria antes de Rousseau, era mais conservador e

acreditava na vida e na liberdade, talvez porque tenha passado por uma revolução inglesa que

fê-lo exilar-se na Holanda, por defender seus ideais modernos de separação do Estado em

relação à Igreja. Ao voltar, as condições de viver em sociedade e a noção de propriedade já

eram mais modernas que na França, apesar de ainda viver sob um regime de monarquia.

O que diferencia Locke de Hobbes é o fato de que o último acreditava que a vida é um

caos e que o homem vivia em guerra, em uma sociedade que, para ser regida de forma

civilizada, necessitava de uma autoridade única, que não se submetesse aos regimes e leis

criadas em assembleia.

Para Locke, todo homem tem naturalmente direitos – o quanto lhe for necessário –,

todavia, o ato que o faz proprietário de um bem o afasta de tudo que não lhe pertence e, uma

vez investido na posse de sua parte, não lhe é permitido ter mais do que já tem, pois, a posse

como o mando, deve legitimar-se para torna-se direito, que é atribuição da sanção coletiva.

Já para Rousseau, a igualdade é aparente e ilusória sob governos que servem tão-

somente para que o rico fique mais rico e o pobre, mais pobre. E, nesse caso, as leis são

sempre úteis aos que têm, em detrimento dos que nada têm.

No estado social, só é vantajoso aos homens quando todos têm algo e nenhum tem

demais. A partir desse princípio, a vontade geral torna o interesse comum em consciência

pública, cuja vontade geral dirige as forças do Estado na direção do interesse do bem-comum.

O contrato social é formado pelo que existe de mais íntimo nos interesses dos

membros da sociedade civil, segundo a qual a soberania – o exercício da vontade geral –

impossibilita sua alienação pelo sentido de que o soberano é um ser coletivo.

Page 37: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

36

É possível que uma vontade particular não coincida com a vontade geral, só que, em

tal situação, é impossível que o modelo perdure por muito tempo, pois as vontades

particulares tendem a predileções, ao passo que a vontade geral se inclina à igualdade:

Por qualquer via que se remonte ao princípio, chega-se sempre à mesma

conclusão, a saber: o pacto social estabelece entre os cidadãos uma tal

igualdade, que eles se comprometem todos nas mesmas condições e devem

todos gozar dos mesmos direitos. Igualmente, devido à natureza do pacto,

todo o ato de soberania, isto é, todo o ato autêntico da vontade geral, obriga

ou favorece igualmente todos os cidadãos...49

Tanto Locke como Rousseau, assim como muitos jusnaturalistas, construíram seus

modelos a partir do direito natural – esse tende à liberdade; aquele, à propriedade – para

justificar suas respectivas concepções políticas.

Seus modelos são abstratos, ao mesmo tempo em que ensejam alternativas sóbrias e

concretas, acenando para a possibilidade de uma ordem político-jurídica, insistentemente

preocupada em satisfazer os interesses dos indivíduos. Essa ordem nasceria de um contrato

em que se colocaria tudo a termo com o fim de propiciar o livre curso das disposições naturais

existentes nos indivíduos, fato que, de alguma forma, possibilitaria a sociabilidade.

O direito natural estaria intrinsecamente atrelado ao direito positivo por lhe ser

supostamente superior em razão de sua racionalidade universal e necessariamente válida. Se o

jusnaturalismo resgata a concepção ético-política dos estóicos, partindo do lógos como

instância determinante, o faz porque necessita construir uma concepção política válida

universalmente, acreditando, para isso, que todos os homens estariam inteligentemente a salvo

das intempéries arbitrárias dos interesses que animam as associações não-jurídicas.

Nesse caso, as sociedades políticas almejariam edificar estruturas legais que

comporiam racionalmente os conflitos de interesses, livrando os indivíduos de uma violência

absolutamente desnecessária.

O jusnaturalismo é a primeira expressão teórica burguesa consistente que engendra, ao

mesmo tempo, o liberalismo, o contratualismo e o constitucionalismo.

Ao buscar a universalização da ordem pela razão, no mesmo instante em que solapa as

pequenas ordens culturais, o jusnaturalismo, como um movimento de ideias, reflete a

49 ROUSSEAU, JEAN JACQUES. Do Contrato Social; tradução de Louders Santos Machado; introduções e

notas de Paul Arbousse-Bastide e Lourival Gomes Machado; editor Victor Civita – São Paulo: Abril S.A.

Cultural e Industrial, 1973 (Coleção Os Pensadores – História das Grandes Ideias do Mundo Ocidental) – p. 56

Page 38: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

37

expectativa burguesa que justifica a existência do direito como primado científico, ora pela

física de Galileu, ora pela física de Newton. Não importa, hoje, se as teorias científicas

estavam erradas, o fundamental é assinalar que o pensamento moderno estava ávido por uma

ordem natural-imanente iluminado pelas luzes da razão, longe da revelação e o mais próximo

da racionalidade matemática que buscava o equilíbrio do mundo para o mundo do mercado.

Seja como for, entendemos que o jusnaturalismo continua como uma força viva, mesmo que,

pessoalmente, a ele não nos filiemos.

Page 39: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

38

Capítulo 3

Contrato Social de Rousseau

O interesse comum – direitos e deveres iguais –, a liberdade, a igualdade e o

mantenemento da justiça são os objetivos do contrato de Rousseau, porque ele defende que

todos deveriam abrir mão de sua liberdade natural – presente no estado de natureza – para

possuir uma liberdade mais estável e duradoura e, com isso também, o direito assegurado de

tudo o que é seu. Ideais que o socialismo e o comunismo vieram a pregar mais tarde,

entretanto, esses modelos de sociedade não prosperaram.

3.1 - Do estado natural ao estado civil

Para Rousseau, o início desse contrato social ocorreu no momento em que os

indivíduos se uniram, visando superar obstáculos que não conseguiam em seu estado natural.

Portanto, o ponto essencial para existência desse contrato é o fato de o homem ter escolhido

passar do estado natural para o estado civil, a fim de preservar os direitos naturais de

igualdade e liberdade.

Para explicar a origem da desigualdade entre os homens, Rousseau parte inicialmente

da suposição da existência do estado de natureza, e, posteriormente, ocorre o surgimento da

civilização, a sociedade. Assim, para ele, possivelmente, aconteceu a transição do homem

natural para o homem social.

Entretanto, o conceito de estado de natureza gera muita confusão quando se lê

superficialmente a obra de Rousseau, como se o autor acreditasse na existência de um “nobre

selvagem”, porém, esse epíteto para predicar o estado de natureza de Rousseau nem existe em

sua obra. O estado de natureza nada mais é do que o homem despido de toda a corrupção

social que as instituições imprimem nele. Como não acredita que existiu, exista ou existirá tal

homem assim, Rousseau defende justamente a reforma das instituições para que tais não

corrompam os homens que “nascem bons”.

Page 40: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

39

O homem nasce livre, e por toda a parte encontra-se a ferros. O que se crê

senhor dos demais, não deixa de ser mais escravo do que eles. Como adveio

tal mudança? Ignoro-o. Que poderá legitimá-la? Creio poder resolver esta

questão?50

O fato é que Rousseau sabe ser impossível evitar que os homens se socializem, e o seu

conceito de estado de natureza nada mais é do que uma análise hipotética de como seria os

homens sem as corrupções institucionais, para que a partir desse conceito de homem

purificado possa pensar uma sociedade ideal. Nesse hipotético estado de natureza os homens

possuiriam suas liberdades individuais absolutamente ilimitadas, e podiam servir-se do todo

necessário à sua auto-preservação.

No entanto, houve um momento em que os recursos tornaram-se escassos e também as

intempéries forçaram os homens a se juntarem para se ajudarem, e às relações conflituosas

que começam a surgir desse agregado, faz-se necessário um pacto para estabelecer regras de

convivência.

Suponhamos os homens chegando àquele ponto em que os obstáculos

prejudiciais à sua conservação no estado de natureza sobrepujam, pela sua

resistência, as forças de que cada indivíduo dispõe para manter-se nesse

estado primitivo já não pode subsistir, e o gênero humano, se não mudasse

de modo de vida, pereceria.51

Mas para tanto, o homem deve abrir mão de sua “liberdade incondicionada” por uma

liberdade civil, que ao modo de ver de Rousseau é uma verdadeira liberdade, pois no estado

de natureza não há nada que proteja a minha vida ou as minhas posses a não ser a força, mas o

filósofo descarta a força como garantia de preservação ou de propriedade, pois, afinal, sempre

poderá haver alguém mais forte do que eu. Então, preciso abrir mão de minha liberdade de

fazer tudo que os meus desejos pedem para que também um outro não possa ter uma liberdade

ilimitada. Preciso abrir mão de prejudicar alguém para que também alguém não me

prejudique. E essa opção sim é liberdade, pois é uma decisão racional de fazer aquilo que

devo, e não somente aquilo que quero, o que na opinião de Rousseau é escravidão ao invés de

liberdade.

50 ROUSSEAU, 1973 – p. 28 51 Idem – p. 37

Page 41: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

40

Para que não haja engano em suas compensações, é necessário distinguir a liberdade

natural, limitada pelas forças do indivíduo, da liberdade civil que é limitada pela liberdade

geral, e a posse, que não é senão o efeito da força ou do direito do primeiro ocupante – da

propriedade – que só pode ser baseada num título positivo.

A propriedade, segundo o filósofo francês, foi umas das principais responsáveis dessa

passagem do homem para o estado civilizado, tendo a sociedade, nesse novo estado civil, a

obrigação de obedecer somente aos poderes legítimos.

Por meio do contrato social, os indivíduos fariam um pacto social e se

autoestabeleceriam como povo, transferindo os direitos naturais, para que fossem

transformados em direitos civis.

Rejeitando a força como garantia de algo ao indivíduo, em Do Contrato Social

Rousseau propõe que no estado civil o poder político seja entendido como fruto do povo e,

dessa forma, o poder do soberano não perpassa os limites das convenções gerais e não podem

existir interesses particulares. Desse modo, é no pacto social que existe e se dá vida ao corpo

político, às leis dinâmicas e à vontade, pois as convenções e as leis são necessárias para

estabelecerem a união entre direitos e deveres, redirecionando a justiça ao seu objetivo. No

entanto – embora muito se criticasse Rousseau por isso – o autor não defende uma tirania à

qual o povo deva submeter-se calado, o que ele tenta é uma equidade entre a liberdade

individual e o interesse coletivo.

(...) o pacto fundamental, em lugar de destruir a igualdade natural, pelo

contrário, a substitui por uma igualdade moral e legítima àquilo que a

natureza poderia trazer de desigualdade física entre os homens, que podendo

ser desiguais na força ou no gênio, todos se tornam iguais por convenção52 e

direito.53

Para obtenção de tais objetivos, Rousseau apresenta os conceitos de vontade geral e de

soberania, que privilegia o coletivo sobre o individual. Outro importante aspecto a se destacar

na relação de Rousseau com os liberais é, então, o da sua crítica à possibilidade de o homem

52 Segundo Rousseau, a primeira sociedade – antes de qualquer outra – é a família, a única que é natural e de

onde começam as convenções: “(...) só se prendem os filhos ao pai enquanto dele necessitam para a própria

conservação. Desde que tal necessidade cessa, desfaz-se o liame natural. (...) Se continuam unidos, já não é

natural, mas voluntariamente, e a própria família só se mantém por convenção”.*

*ROUSSEAU, 1973 53 Idem – p. 45

Page 42: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

41

emancipar-se a partir da posse – propriedade – e viver como um indivíduo que, finalmente,

encontrou um lugar onde possa viver consigo mesmo e desfrutar da paz e da liberdade que ele

um dia perdeu. Desse modo, ele teria a seu favor o Estado com a função de legislar e operar

em defesa do indivíduo, não o concebendo essencialmente como cidadão, mas sim,

proprietário. E Rousseau defende o direito a uma área de terra ao primeiro ocupante – desde

que haja labor e somente aquilo que é necessário para a sua subsistência – senão, as leis são

úteis somente àqueles que possuem terras, mas prejudicam aqueles que nada têm.

O Estado deve existir para o bem comum, e a vontade geral deve dirigi-lo para esse

fim. Seguindo seu pensamento em relação ao tema, a vontade geral é um ato de soberania que

atende ao povo. Esse é o princípio que deve ser obedecido, mas nem sempre é assim que

ocorre.

Os diversos compromissos do pacto social e sua função social devem ser mútuos e

todos devem não só trabalhar para si, mas também para os outros, já que trabalhar para si

mesmo não faz parte da soberania social de igualdade e liberdade, pois o individualismo

prejudica o todo.

Norberto Bobbio diz o seguinte do contrato:

Faz a sociedade não mais um fato natural, a existir independentemente da

vontade dos indivíduos, mas um corpo artificial, criado pelos indivíduos à

sua imagem e semelhança e para a satisfação de seus interesses e carências e

o mais amplo exercício de seus direitos.54

O homem, apesar das suas vontades individuais, tem o dever de entender que o todo

prevalece; que o direito coletivo se sobrepõe ao direito individual, princípio oriundo de

Rousseau e que é utilizado no Direito até os tempos atuais. Apesar de tudo, o homem nunca

vai deixar de ter suas vontades particulares, mas existe a vontade geral que deve ser o cerne

de cada sociedade, para que o caos não seja estabelecido.

Mas o que é vontade geral? O que é soberania? Discutiremos a seguir.

54 BOBBIO, Norberto apud PITZ, G. A vontade geral segundo Jean-Jacques Rousseau: Uma fundamentação

moral da política. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Santa Catarina. Centro de Filosofia e

Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Florianópolis, 2004.

Page 43: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

42

3.2 - Vontade geral

Há comumente muita diferença entre a vontade de todos e a vontade geral.

Esta se prende somente ao interesse comum; a outra, ao interesse privado e

não passa de uma soma das vontades particulares.55

Quando Rousseau fala em vontade geral – que ele mesmo afirma não ser

simplesmente a “soma de todas as vontades particulares” –, ele pensa em um contrato

estabelecido desde um pensamento que considera o homem como um indivíduo que necessita

de convivência social.

Mas por que necessita de uma convivência social?

Segundo o pensador genebrino, se não houvesse perturbações quando o homem vivia

em seu estado de natureza56, jamais desejaria sair de tal estado onde gozava de total liberdade

para viver apenas sob seus sentidos e instintos, buscando somente o que necessitava para sua

autoconservação.

(...) é impossível imaginar por que, nesse estado primitivo, um homem

sentiria mais necessidade de um outro homem do que um macaco ou um

lobo de seu semelhante...57

Mas os recursos foram ficando escassos e as intempéries tornaram cada vez mais essa

tarefa difícil, tendo o homem somente a sua força para garantir-se, porém, para Rousseau, a

55 ROUSSEAU, 1973 – pp. 52-53 56 O conceito de estado de natureza de Rousseau não deve ser entendido como um evento histórico*, ou seja, o

filósofo não defende que tenha existido ou que possa existir tal homem; o estado de natureza é apenas uma

conjectura metodológica. Diz o autor em seu Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre

os Homens: “(...) falavam do homem selvagem e descreviam o homem civil. Não chegou mesmo a surgir, no

espírito da maioria dos nossos, a dúvida quanto a ter existido o estado de natureza...”. (ROUSSEAU, 1973 – p.

242)

* “Não chegou mesmo a surgir, no espírito da maioria dos nossos, a dúvida quanto a ter existido o estado de

natureza, conquanto seja evidente, pela leitura dos livros sagrados, que tendo o primeiro homem recebido

imediatamente de Deus as luzes e os preceitos, não se encontrava nem mesmo ele nesse estado e que,

acrescentando aos escritos de Moisés a fé que lhe deve todo filósofo cristão, é preciso negar que, mesmo antes

do dilúvio, os homens jamais se tenham encontrado no estado puro de natureza, a menos que não tenham

tornado a cair nele por causa de qualquer acontecimento extraordinário – paradoxo bastante difícil de defender

e completamente impossível de provar”. In ROUSSEAU, 1973 (Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos da

Desigualdade entre os Homens) – p. 242 (Os grifos são meus). 57 ROUSSEAU, 1973 (Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens) – p. 256.

Page 44: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

43

força e o gênio dos homens são distribuídos de maneira desigual pela natureza, o que faz com

que também sejam desiguais em direitos, inclusive, mesmo para o mais forte, a garantia de

autoconservação não é eterna, afinal, poderá sempre surgir um mais forte que ele, por isso a

necessidade de associar-se a outros.

Então, há uma necessidade que é a necessidade de todos, e deve ser respeitada não

apenas como pertencente a uma maioria, cujo contrato social protege, mas também, como um

indivíduo que compartilha uma vontade geral sobre a qual o contrato encontra sua base sólida.

Quando abrem mão de uma liberdade plena – porém instável e perigosa – por uma

liberdade civil – mais estável e segura – os homens acabam por ter o mesmo interesse, e esse

interesse – natural e de caráter pessoal, pois cada homem quer preservar a si mesmo – é o que

primeiro os unem a um mesmo interesse, ou seja, para preservar o seu interesse individual –

que é a autoconservação e a posse do que é seu – cada homem precisa defender o interesse de

todos, pois o interesse de todos é o seu interesse particular também. Mas não se pode dizer

que esse interesse particular seja um interesse de “um homem” em particular, mas sim, que há

em cada homem interesses particulares que são comuns entre si.

Quando se retiram, porém, dessas mesmas vontades, <<particulares>>, os a-

mais e os a-menos que nela se destroem mutuamente, resta, como soma das

diferenças, a vontade geral.58

Encontrando-se o bem comum para todos os homens, encontra-se assim o fundamento

da vontade geral e, a partir desse conceito, Rousseau funda o conceito de soberania, que é o

corpo político que será detentor de todo o poder do Estado, sendo essa soberania indivisível e

inalienável.

A soberania é indivisível pela mesma razão por que é inalienável, pois a

vontade ou é geral, ou não o é; ou é a do corpo do povo ou somente de uma

parte. No primeiro caso essa vontade declarada é um ato de soberania e faz

lei; no segundo, não passa de uma vontade particular ou de um ato de

magistratura, quando muito, de um decreto.59

58 ROUSSEAU, 1973 – p. 53 59 Idem – p. 50

Page 45: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

44

Fica claro que Rousseau quer chamar a atenção de que para ser soberana a vontade

deve emanar como um todo, como um verdadeiro corpo, pois há comumente a ideia de que a

maioria deve ditar as regras, mas, segundo o filósofo genebrino, o próprio ato de achar que a

voz da maioria é a voz do todo já foi uma convenção anteriormente estabelecida, e a formação

de associações, clubes e outros agregados coletivos é na verdade um problema, pois apesar de

tais agregações representarem uma vontade geral dentro da instituição, no entanto,

representam frente ao Estado uma vontade particular. A vontade geral não é um simples

agregado de vontades particulares – sejam maiorias ou minorias –, mas sim, aquilo que há de

comum em todos esses particulares que participam do todo.

(...) menos do que o número de votos, aquilo que generaliza a vontade é o

interesse comum que os une, pois nessa instituição cada um necessariamente

se submete às condições que impõe aos outros: admirável acordo entre o

interesse e a justiça, que dá às deliberações comuns um caráter de equidade

que vimos desaparecer na discussão de qualquer negócio particular, pela

falta de um interesse comum que uma e identifique a regra do juiz à da

parte.60

Essa equidade da qual fala Rousseau, nada mais é do que a concordância entre as

vontades particulares e a vontade geral, pois quanto mais distância houver entre esses dois

quereres, mais doente será o Estado; e este será saudável e bem governado quando mais

subordinada a vontade particular estivar à vontade geral, ou seja, quanto mais perto das leis

estiverem os costumes.61 Mudando as palavras: quanto mais a ética estiver longe da justiça,

mais problemas haverá no Estado e, nessa circunstância, Rousseau diz que deve-se aumentar a

força repressora.

Então, a vontade geral representa assim – segundo o filósofo – o mais alto grau de

liberdade possível, pois cada particular escolhe a si mesmo aquilo que será infligido ao outro;

em troca de uma liberdade natural – que na verdade é escravidão porque segue os impulsos

sensíveis – o indivíduo obtém uma liberdade civil – que é moral porque é racional, e por isso

mesmo, livre.

60 Idem – p. 56 61 Cf. ROSSEAU, 1973 – p.82

Page 46: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

45

Com o ideal de vontade geral, Rousseau tenta recuperar, sob certo aspecto62, o

conceito de democracia direta grega, radicalizando-o como um ideal que, no entanto, ele não

concebia apenas como ideal, mas sim, como uma proposta a ser praticada.

Pitz critica o pensamento de Rousseau, baseando-se na filósofa alemã Hannah Arendt:

Segundo Hannah Arendt, o erro cometido por Rousseau foi o de ter derivado

sua ideia de liberdade a partir do princípio da vontade humana, sustentada no

valor da consciência. Consequentemente, derivam também, na essência, suas

ideias políticas não de um princípio identificado essencialmente com a ação

humana externa, e sim, de um ideal que só pode ser considerado em sua

significação substancial como sendo acionado e sustentado por uma causa

motivadora interna.63

Portanto, ao considerar a ideia de vontade geral, em termos de realização concreta, tal

como proposta por Rousseau, o problema da democracia direta e das liberdades individuais,

de acordo os críticos do conceito de vontade geral, parece ser uma questão insolúvel, pois não

é possível, de acordo com os termos de Rousseau, conciliar o seu ideal de democracia direta

com sua efetiva realização, sem recorrer a qualquer tipo de imposição que obrigue o indivíduo

a preferir o público em detrimento de sua individualidade, isto é, sem interferir de forma

direta no espaço de atuação do ser individual.

No entanto, como supracitado, por ter o indivíduo uma liberdade civil, ele não precisa

ser coagido por nada externo a ele – apenas pode ser punido se descumprir o contrato – pois o

que determina o seu agir correto é o seu próprio interesse particular na medida em que ele

próprio esteja submetido às suas escolhas. Não é a vontade geral que obriga o ser particular,

mas sim, dos particulares – pelo interesse que todos partilham – surge a vontade geral.

Pitz conclui que essa contestação significa que o contrato social é:

(...) a causa e a consequência de uma elaboração cuidadosa, preocupada não

somente com a justiça e a equidade, como já mencionado anteriormente, mas

62 Sob certo aspecto porque, dependendo do tamanho do Estado, Rousseau acredita que o melhor governo seja a

Aristocracia eletiva – o que hoje nós chamamos de Democracia, diferentemente do que era para os antigos –

porque segundo ele, o povo nem sempre sabe o que é o bem comum para si mesmo, e também, o fato de

nomearmos ricos – abastados – para governar é algo mais plausível porque, aqueles que não precisam se

preocupar com a subsistência, dispõem de mais tempo disponível para dedicarem-se às coisas do Estado. Embora

ele não exclua a possibilidade de ora ou outra haver exceções, doces exceções. Rousseau sabe que raramente o

povo poderá reunir-se em assembleias como faziam os gregos. 63 PITZ, 2004 – p. 70

Page 47: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

46

também, como a realização do bem enquanto essência originada do íntimo

de cada homem.

Desta forma, o contrato é um processo permanente de construção com a

preocupação de se ir até as entranhas, isto é, até o limite último para uma

compreensão real e coerente da vontade geral de cada sociedade. Este é o

esforço no sentido de buscar ‘aquilo’ e que, talvez, já seja o aquilo

equivalente à vontade geral. A partir desta essência, qualquer contrato e

qualquer forma de direito pode progredir e se complexificar, tornando-se um

sistema abrangente, amplo, porém sólido, uma vez que foi construído sobre

uma base sólida e a esta base se mantém fiel. Todo contrato elaborado

conforme esta concepção não privilegia uma maioria, mas a unânime

vontade de todos os cidadãos contratantes.64

No momento em que emana do povo um interesse comum que Rousseau define como

vontade geral, essa emanação torna-se um ato de soberania que detém o poder, no entanto,

segundo o filósofo, aquele que detém o poder não pode ser o mesmo que legisla e tampouco o

que executa tal poder, pois como foi dito na nota 27, o povo não tem condições físicas para

poder reunir-se e definir as regras, como também nem sempre tem condições intelectuais para

tanto, porém, é a ele – povo – e ao seu bem que se destinam as regras.

Conclui-se do precedente que a vontade geral é sempre certa e que tende

sempre à utilidade pública; donde não se segue, contudo, que as deliberações

do povo tenham sempre a mesma exatidão. Deseja-se sempre o próprio bem,

mas nem sempre se sabe onde ele está. Jamais se corrompe o povo, mas

frequentemente o enganam e, só então, é que ele parece desejar o que é

mau.65

Então, se a vontade geral – que é a força que vem do povo e também objeto ao qual se

destinam as regras – não pode deliberar, faz-se necessário um legislador.

64 Idem – p. 45 65 ROUSSEAU, 1973 – p. 52

Page 48: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

47

3.3 - A necessidade de legisladores

No Do Contrato Social, Livro II (Da lei) Rousseau volta a dizer – assim como já havia

dito antes – que a vontade não pode cindir-se, pois por mais que uma das partes seja maior

que a outra, aquela não pode ser mais geral que esta, pois quando a vontade geral se divide ela

já não representa algo geral, mas sim, particular. Não pode haver distinção entre direitos e

deveres, pois a vontade que quer é a mesma que respeita. Já quando falou de vontade geral, o

genebrino deixou bem claro que tal vontade geral – emanada do corpo político que é detentor

do poder devido à sua soberania – não pode ser legisladora porque o povo nem sempre sabe

aquilo que é bom para si, por isso faz-se necessário um legislador para executar tal tarefa. No

entanto, um legislador não deve fazer leis a seu bel-prazer, como se seguisse a sua vontade

particular – do povo e para o povo são as leis –, ou seja, um legislador deve conhecer a

natureza humana – inclusive suas paixões – para que saiba do que os homens precisam.

Porém, o filósofo alerta sobre o perigo que há quando se concentram no mesmo homem os

poderes legislativo e executivo. Um príncipe não deve legislar e um legislador não deve

executar.66 E o legislador deve fazer com que a vontade geral enxergue o que é bom para si,

embora esta permaneça sempre soberana.

A vontade geral é sempre certa, mas o julgamento que a orienta nem sempre

é esclarecido. É preciso fazê-la ver os objetos tais como são, algumas vezes

tais como eles devem parecer-lhe, mostrar-lhe o caminho certo que procura,

defendê-la da sedução das vontades particulares, aproximar a seus olhos os

lugares e os tempos, pôr em balanço a tentação das vantagens presentes e

sensíveis com o perigo dos males distantes e ocultos. Os particulares

discernem o bem que rejeitam; o público quer o bem que não discerne.

Todos necessitam, igualmente, de guias.67

Sendo assim, o trabalho do legislador – acima de tudo – é conduzir os homens à

maneira como devem viver; deve fazer com que a natureza do homem – corrompida pelas

instituições – se purifique em pró do coletivo, no entanto, o bem do coletivo visa ao final o

bem do indivíduo. Mas convencer os homens a agirem de tal forma não é fácil, afinal, nem

todas as leis que devem ser implementadas possuem justificações naturais e também nem

66 Cf. ROUSSEAU, 1973 – pp. 59-60 67 ROUSSEAU, 1973 – p. 62

Page 49: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

48

todos os homens conseguem apreender os princípios racionais daquilo que deve ser feito. E é

aí que se encontra a grandeza do legislador. Por isso, Rousseau diz que em todos os tempos os

grandes legisladores recorreram ao céu para endossar suas leis.68

No entanto, o legislador não deve arbitrariamente sair criando leis que pareçam ser

boas em si mesmas e para todas as nações, ele deve – assim como um bom engenheiro analisa

o solo antes de iniciar as fundações de uma obra – examinar o povo ao qual se destinam tais

leis. É preciso primeiro saber se os destinatários poderão e quererão cumpri-las. E assim como

no indivíduo, as virtudes devem ser cultivadas na juventude.

A maioria dos povos, como dos homens, só são dóceis na juventude;

envelhecendo tornam-se incorrigíveis. Desde que se estabelecem os

costumes e se enraízam os preconceitos, constitui empresa perigosa e vã

querer reformá-los. O povo nem sequer admite que se toque em seus males

para destruí-los, como aqueles doentes, tolos e sem coragem, que tremem em

presença do médico.69

E Rousseau acrescenta duas importantes coisas: a primeira é que nem toda nação que

está corrompida não pode ser recuperada, ou seja, a degradação pode chegar a tal ponto que a

destrua ao ponto de fazê-la retornar à juventude após renascer das cinzas; segundo, a

juventude de um indivíduo ou de um Estado não significa infância – o filósofo diz que há de

se esperar o momento certo – de maturidade – para dar leis aos povos, assim como para dar

alimentos sólidos aos indivíduos.70

Outra preocupação clara e justa de Rousseau é a relação entre o tamanho do território

e o número de habitantes, pois segundo ele, quanto maior for o Estado, maior será a

dificuldade em governá-lo. Porque em um território muito grande as pessoas acabam por se

distanciar muito umas das outras, e com isso passam a ter costumes e interesses muito

diferentes, o que torna mais complicada a formação de uma vontade geral. Outro problema

relacionado ao tamanho do Estado é a proporção entre as necessidades dos indivíduos e as

porções de terra disponíveis, pois se for o território grande demais em relação ao povo, a

defesa daquele será difícil e onerosa; já se, ao contrário, for pequena demais, o povo terá

68 Cf. ROUSSEAU, 1973 – p. 64 69 ROUSSEAU, 1973 – pp. 66-67 70 Faço referência de quando em vez em relação ao desenvolvimento do indivíduo para problematizar a possível

relação que há entre Emílio ou Da Educação e o Do Contrato Social; muito embora alguns comentadores

insistam que as duas obras são totalmente díspares – pois são escritas em estilos diferentes e referem-se a

assuntos diferentes – o próprio Rousseau admite que as duas obras formam um corpo único.

Page 50: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

49

sempre uma existência curta e incerta: buscará sustento através de guerras ofensivas ou

sucumbirá por não conseguir sustentar-se. No entanto, Rousseau não apresenta uma relação

exata entre o tamanho do povo e do território, mas acrescenta que a condição indispensável

para formar um povo é

(...) o gozo da abundância e da paz, pois o momento em que se forma um

Estado, como aquele em que se forma um batalhão, é o instante em que o

corpo se mostra menos capaz de resistência e mais fácil de ser destruído.

Resistir-se-á melhor numa desordem absoluta do que num momento de

fermentação, no qual cada um se preocupa com sua dignidade, e ninguém

com o perigo. O Estado subverter-se-á inevitavelmente se sobrevier a guerra,

a fome ou a sedição.71

Logo, o legislador deve observar todas as relações que possam levar ao povo o maior

grau de bem estar possível, e para tanto, as leis precisam garantir aos indivíduos associados ao

contrato dois objetivos indispensáveis: a liberdade civil e a igualdade perante as leis, porém,

não se deve identificar em Rousseau um germe comunista, pois sobre a igualdade ele diz o

seguinte:

(...) não se deve entender por essa palavra que sejam absolutamente os

mesmos os graus de poder e riqueza, mas quanto ao poder, que esteja

distanciado de qualquer violência e nunca se exerça senão em virtude do

posto e das leis e, quanto à riqueza, que nenhum cidadão seja

suficientemente opulento para poder comprar um outro e não haja nenhum

tão pobre que se veja constrangido a vender-se...72

3.4 - Sobre as regras para tratar a coisa pública

Rousseau defende que, para que se possa regular da melhor maneira a coisa pública,

torna-se necessário considerar algumas relações: a primeira é a ação do corpo inteiro sobre si

71 ROUSSEAU, 1973 – p. 71 72 Idem – p. 72

Page 51: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

50

mesmo, isto é, a relação do soberano com o Estado, de onde surgem as leis que regulamentam

a relação do soberano com o Estado, as quais são denominadas leis fundamentais.

A segunda relação é a dos membros entre si ou com o corpo inteiro. Nessa relação, o

cidadão tem independência diante dos outros e dependência diante do Estado. E, dessa

relação, nasce a lei que administra a relação entre os cidadãos, denominadas leis civis

propriamente ditas.

A terceira relação é aquela que existe entre o homem e a lei, a qual abarca a

desobediência à lei e que dá a oportunidade para o surgimento das leis criminais e para a

pena.

Por fim, essas três se juntam numa quarta que, conforme Rousseau:

(...) faz a verdadeira constituição do Estado, que assume todos os dias novas

forças que, quando as outras leis envelhecem ou se extinguem, as reanima ou

as supre [...]. Falo das práticas, dos costumes e, sobretudo, da opinião. (1978,

p. 70).

Nesse contexto, o governo é considerado por ele como um corpo interposto entre os

súditos e o soberano, em que há reciprocidade entre as partes, sendo ele responsável pela

exclusão das leis e por manter a liberdade, tanto no âmbito civil como no político.

Portanto, Rousseau chama de governo “(...) ou suprema administração, o exercício

legítimo do poder executivo; e de príncipe ou magistrado, o homem, o corpo encarregado

dessa administração”.73

Ressalta-se, porém que, para o filósofo genebrino, há uma significativa distinção entre

estado e governo: o primeiro só existe por si só; e o segundo só existe por meio do soberano.

Dessa forma, o governo só pode ter por vontade o que está na lei – determinada pela

vontade do soberano – e sua força só pode ser a pública. E mais: seu interesse é somente

aquele que represente o interesse geral, comum a todos. Portanto, segundo esse pensamento,

percebe-se que a lei é de suma importância neste Estado idealizado por Rousseau. Essa lei é

um ato da vontade geral e a declaração da soberania, determinando o destino do estado e

mostrando que, nesse contrato social, o legislador tem um papel significativo.

De acordo com Rousseau, “O legislador é, sob todos os aspectos, um homem

extraordinário no Estado” (1978, p. 56), pois é por meio dele que o cidadão conhecerá sua

73 ROUSSEAU, 1978 – p. 72

Page 52: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

51

forma de viver, a partir do qual deverá sempre objetivar ter uma fidelidade às necessidades

essenciais da natureza humana.

3.5 - Sobre a tolerância religiosa

Outro ponto do pensamento de Rousseau que nos chama atenção é o fato de ele achar

que seria bom para o Estado que ele fosse tolerante com todos os tipos de religiões e, que

essas, fossem tolerantes umas com as outras – no entanto, não devem ser admitidas religiões

ou crenças que prejudiquem a atividade do indivíduo como cidadão. Em outros termos, o

filósofo já defendia uma liberdade de crença – pelo menos de forma parcial –, prevista

presentemente no Artigo quinto da nossa Constituição. Porém, vale ressaltar que Rousseau

não defendeu a liberdade de crença porque explicitamente era crente em algo, mas sim,

porque as questões particulares que nada prejudiquem o bem comum não têm – para o

genebrino – nada a ver com o Estado, ou seja, as coisas privadas dizem respeito somente ao

indivíduo particular – vontade particular – ao passo que os interesses comuns estão

submetidos à vontade geral.

Logo, liberdade de religião se faz parcial em Rousseau, devido à sua crença de que o

Estado deveria usar a lei para banir qualquer religião que fosse socialmente prejudicial, dessa

forma tolhendo a liberdade de religião aos interesses do Estado, já que as doutrinas de uma

religião não poderiam estar, em nenhum momento, contrariando os ideais do próprio Estado.

Em especial, Rousseau critica duas crenças: o Cristianismo e o ateísmo. O

Cristianismo é criticado porque, segundo Rousseau, os seguidores de Cristo estão

exclusivamente preocupados com um mundo transcendente, tendo está vida só como uma

passagem – como peregrinos – e, com isso, serão pouco preocupados com a vida presente –

terrena – e com o bem público.

O Cristianismo é uma religião inteiramente espiritual, preocupada

unicamente com as coisas do céu, não pertencendo a pátria do cristão a este

mundo. É verdade que ele cumpre o seu dever, mas o faz com uma

indiferença profunda quanto ao bom ou mau sucesso de seus trabalhos.

Contanto que nada tenha a censurar em si mesmo, pouco lhe importa se tudo

vai bem ou mal cá embaixo. Se o Estado está florescente, dificilmente ousa

Page 53: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

52

gozar da felicidade pública, teme orgulhar-se da glória de seu país; se o

Estado perece, bendiz a mão de Deus que pesa sobre seu povo.74

Outra crítica em relação ao Cristianismo e também às instituições organizadas é que,

tendo o crente – ou membro – um outro líder a dizer-lhe o que deve fazer, surge uma

dicotomia em sua vontade, deixando-o dividido entre dois comandos: o do líder – o papa, por

exemplo – e o soberano. Uma vontade que é particular – uma instituição ou associação – entra

em conflito com a vontade geral e o interesse público.

74 ROUSSEAU, 1973 – p. 148

Page 54: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

53

Capítulo 4

A função social do contrato social

O contrato social tem como função principal, orientar as práticas das instituições civis

para que sejam mais sadias e não corrompam os corações dos homens, tornando as relações

mais equitativas com relação aos direitos e deveres do cidadão – indivíduo. E, para

compreendermos um pouco melhor como devem ser essas relações, neste capítulo são

apresentados os conceitos de liberdade e igualdade segundo a teoria proposta por Jean-

Jacques Rousseau.

Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja a pessoa e os bens

de cada associado com toda a força comum, e pela qual cada um, unindo-se

a todos, só obedece contudo a si mesmo, permanecendo assim tão livre

quanto antes.75

4.1 Liberdade e Igualdade

Em Rousseau, os princípios de liberdade e igualdade são fundamentais para que o

homem consiga viver bem em sociedade – em sua relação com os outros cidadãos e também

com os governantes.

Mas como os conceitos de liberdade e igualdade se aliam em Rousseau?

Partindo do princípio hipotético de estado de natureza, Rousseau define o homem

desse estado como tendo uma liberdade “absoluta”, ou seja, nada o impede de atender as suas

necessidades e os seus desejos, porém, nesse estado o homem tem o que Rousseau chama de

liberdade natural, numa situação de amoralidade, pois não deve nada a ninguém que não tenha

prometido. Mas essa liberdade natural, aparentemente absoluta, possui um enorme problema:

os outros homens também desfrutam de uma liberdade para ter tudo e, sendo assim, as

liberdades se conflitam. Para a resolução desses conflitos, os homens possuíam somente a

força, e como a força não é igual em todos os homens – assim como também não são as outras

75 Idem – p. 38

Page 55: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

54

potencialidades naturais – isso gera uma desigualdade entre os homens. Por isso deve-se

haver um contrato que permita o exercício das liberdades individuais e ao mesmo tempo torne

os homens iguais em direitos e deveres.

Seguindo o pensamento de Rousseau vemos que, para ele, a liberdade natural é

somente aparente, ou seja, é algo instável do qual não se tem garantia alguma. E essa garantia

somente é possível no estado civil, pois abrindo-se mão de todos os direitos – inclusive de

fazer mal ao próximo – o cidadão tem a certeza de que os outros também abrirão mão de

poder agredi-lo, logo, as forças individuais formam uma força pública – maior e mais

poderosa do que qualquer força individual – que protege os direitos de todos ao mesmo

tempo. Já não sou eu quem sou responsável por minha proteção – contra os vizinhos ou contra

o estrangeiro – mas sim, o Estado. Todos que antes possuíam uma liberdade amoral e apenas

sensível – vivendo de acordo com as sensações e desejos – tornam-se, no estado civil, seres

racionais e morais. Já não se pode fazer o se quer, mas o que deve ser feito.

A passagem do estado de natureza para o estado civil determina no homem

uma mudança muito notável, substituindo na sua conduta o instinto pela

justiça e dando às suas ações a moralidade que antes lhes faltava. É só então

que, tomando a voz do dever o lugar do impulso físico, e o direito o lugar do

apetite, o homem, até aí levando em consideração apenas sua pessoa, vê-se

forçado a agir baseando-se em outros princípios e a consultar a razão antes

de ouvir suas inclinações.76

Os conceitos de liberdade e igualdade são abordados em todas as obras de Rousseau,

mas sua elucidação está mais presente em dois textos, Discurso sobre a Origem e os

Fundamentos da Desigualdade entre os homens e em Do Contrato Social.

Para ele, o homem nasce bom, livre e igual em relação aos meios físicos mas, ao

associar-se, surgem as desigualdades – com isso a vaidade e a inveja – e depois a perca das

garantias de suas posses. E para obter a garantia de que nada lhe será tomado o homem

necessita de um acordo que limite a sua liberdade e também a liberdade alheia, tornando-se

novamente iguais, só que agora em direitos e deveres.

76 Idem – p. 42

Page 56: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

55

O que o homem perde pelo contrato social é a liberdade natural e um direito

ilimitado a tudo quanto aventura e pode alcançar. O que ele ganha é a

liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui. A fim de não fazer um

julgamento errado dessas compensações, impõe-se distinguir entre a

liberdade natural, que só conhece limites nas forças do indivíduo, e a

liberdade civil, que se limita pela vontade geral, e mais, distinguir a posse,

que não é senão o efeito da força ou o direito do primeiro ocupante, da

propriedade, que só pode fundar-se num título positivo.77

A relação de liberdade e igualdade, por se fazer presente em todas suas obras, torna-se

o cerne do seu pensamento filosófico, até chegar às regras, normas, leis e ao contrato social.

Assim pensando, do mesmo modo como o concebia Hobbes, o homem precisa de

regras e normas, ou seja, necessita de leis para definir seus direitos e deveres. Em outras

palavras, é necessário um contrato para se viver melhor, pois há homens que não conseguem

se controlar. E, além disso, é preciso definir o direito à propriedade, para que não seja apenas

uma lei do mais forte, ou do poder do rei para dominar todo o povo.

Segundo Rousseau, a desigualdade pode ser de dois tipos: a que se deve às

circunstâncias sociais; e uma segunda causa devida ao surgimento do ciúme nas relações

amorosas; ou até por causa da institucionalização da propriedade privada como pilar do

funcionamento econômico.

Ele acreditava também que, quando o homem estiver em sociedade e sob regras

claras, poderá viver em harmonia e paz, voltando a ser bom, mas já não será uma bondade

natural, porque lhe foi imposta por meio de um contrato, já que o homem só é bom quando

vive sozinho na natureza. Caso contrário, é mau e busca seus interesses pessoais, que só são

contidos por meio de leis.

O homem, ao renunciar à liberdade, segundo Rousseau, abre mão da própria qualidade

que o define como humano. Ele não está apenas impedido de agir, mas privado também do

instrumento essencial para a realização do seu espírito. Para recobrar a liberdade perdida nos

descaminhos tomados pela sociedade, o filósofo preconiza um mergulho interior por parte do

indivíduo rumo ao autoconhecimento.

Para Rousseau, a liberdade de cada homem deve ser protegida e defendida por alguma

forma de associação, que também proteja e defenda toda força comum e os bens de cada

associado.

77 Ibidem

Page 57: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

56

Enfim, cada um dando-se a todos, não se dá a ninguém e, não existindo um

associado sobre o qual não se adquira o mesmo direito que se lhe cede sobre

si mesmo, ganha-se o equivalente de tudo que se perde, e maior força para

conservar o que se tem.78

Rousseau busca o conhecimento para explicar uma sociedade justa com liberdade e

igualdade, com base em um contrato e em regras de cunho social.

As cláusulas contidas no contrato social podem ser sucintamente resumidas numa

única, segundo Rousseau: “(...) a alienação total de cada associado, com todos os seus

direitos, em favor de toda a comunidade”.79 Isto é, deve haver uma condição igual disponível

para todos. É o que hoje chamamos de bem comum. Assim, pode-se afirmar que o contrato

social tem por objetivo a conservação dos contratantes e uma relação de justiça – equidade –,

que é a sua finalidade social.

Na obra Do Contrato Social, percebe-se que o autor genebrino teve como base que as

pessoas vivem em uma sociedade preconceituosa, egoísta, sem liberdade nem igualdade, e faz

uma análise histórica do papel do Estado e de como surgem suas leis.

Segundo Rousseau, a sociedade como um todo também precisa de uma convivência

harmoniosa de uns com os outros, num combate à desigualdade. Para tanto, deve ser pensado

e criado um corpo político para a melhor organização social, a qual possa garantir o direito à

propriedade com o cultivo da terra – também princípio da função social do contrato –, no

entanto, o homem deve ter somente a terra de que precisa, e que nessa terra deva haver labor.

Essa ideia de ter só aquilo de que precisa é transposta do estado de natureza para o estado

civil, pois quando um homem tem muito – inclusive do que não precisa – e outro não tem

nada, surgem as desigualdades.

Essas diferenças são de várias espécies. Mas a riqueza, a nobreza ou a

condição, o poder e o mérito pessoal sendo, em geral, as distinções

principais pelas quais as pessoas se medem na sociedade, provarei que o

acordo ou o conflito dessas forças diversas são a indicação mais certa de um

Estado bem ou mal constituído; mostrarei depois que, entre esses quatro

tipos de desigualdade, constituindo as qualidades pessoais a origem de todas

as outras, a riqueza é a última a que por fim elas se reduzem, porque, sendo a

mais imediatamente útil ao bem-estar e a mais fácil de comunicar-se,

servem-se dela com facilidade para comprar todo o resto. Essa observação

permite julgar com bastante precisão como cada povo se distanciou de sua

78 ROUSSEAU, 1973 – p. 39 79 ROUSSEAU, 1978 – p. 30

Page 58: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

57

instituição primitiva e do caminho que percorreu até o termo extremo da

corrupção.80

Esse acúmulo desenfreado e maléfico do qual fala Rousseau, passa pela questão da

terra, afinal, a terra é uma fonte de riqueza. Então, para o filósofo genebrino, o contrato social

não pode ser um documento que suprima a vontade humana, mas, ao contrário, deve

concorrer para outros fins, inclusive a regulação da distribuição equitativa da terra. Tal

contrato tem uma única condição: a alienação total de cada associado, com todos os seus

direitos, em favor da comunidade, de forma igualitária e a ser seguida por todos, tendo o

mesmo fim. Contudo, não poderá haver valor oneroso aos que nele se inspiram, sob pena de

desvirtuar o proposto.

Esse preceito, sem reservas, conceberia uma convivência tão harmoniosa que nenhum

membro da coletividade careceria de exigir isso ou aquilo. Portanto, apenas com a supressão

das particularidades é que a tirania pode ser aniquilada, promovendo o verdadeiro bem-estar

social.           

A esse contexto e ao corpo moral e coletivo formado pela totalidade dos indivíduos

que constituem o pacto social, Rousseau chama de República. Nela, o cidadão não está

obrigado consigo mesmo, como nas máximas do direito civil, mas sim, com os demais,

coobrigado ao todo do qual faz parte.

Vale ressaltar que, em suas ideias, Rousseau não jamais pretendeu desconsiderar a

dignidade do homem e os bens por ele conquistados, mas conferir a tais atributos uma função

social, dos quais a liberdade civil é o atributo que entrega ao homem o poder sobre si mesmo,

desvencilhando-o da escravidão e do poder opressor.

O contrato social dá forma e voz ao corpo político, mas é necessária a edição de leis

para regulamentar e conservar tal corpo.

Teles destaca que, já para Hobbes, um contrato social deve seguir determinadas regras,

que podem ser resumidas em:

o Um contrato é realizado sempre entre duas ou mais pessoas capazes de

expressar por linguagem ou sinais claros e evidentes a aceitação voluntária do

contratado. Por conseguinte, não se pode firmar contrato com animais ou com

Deus (salvo no caso de revelação);

80 ROUSSEAU, 1978 (Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens) – p. 284

Page 59: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

58

o A transferência do(s) direito(s) deve ocorrer por meio de evidente aceitação,

tanto daquele que transfere o direito quanto daquele que o recebe;

o A transferência de direitos é sempre mútua entre os contratantes;

o O contrato é um ato da vontade e, portanto, pressupõe um bem e/ou um

benefício para o contratante;

o O contratante fica obrigado apenas àquilo que lhe é possível, ou seja, nenhum

contrato pode obrigar mais do que o maior esforço possível do contratante em

realizar o acordado. “(...) não se pode esperar que nenhuma convenção

obrigue mais além do que o nosso melhor esforço, seja pelo cumprimento da

coisa prometida, seja por uma coisa equivalente”;

o Cumprir aquilo que é acordado é uma obrigação do contratante;

o Quebrar ou descumprir um contrato é injúria ou injustiça;

o A matéria do contrato precisa ser algo possível de ser cumprido pelo

contratante;

o Em se tratando do contrato social, o fim pelo qual os homens renunciam ao

direito de proteger e defender a si mesmos, a partir de sua própria capacidade,

em favor de uma pessoa (o soberano), a qual passa a proteger e defender os

contratantes, é a proteção e, “(...) sem essa proteção, não existe razão para que

um homem se prive das suas próprias vantagens e faça de si mesmo uma presa

dos demais”;

o É impossível abandonar ou transferir alguns direitos por meio de contrato;

o Aquele que cumpre primeiro sua parte no contrato merece que o outro cumpra

sua parte, e esse tem o dever de cumprir.81

4.2 - Ordenamentos legais

De acordo com Rousseau, os ordenamentos legais devem convergir para uma

associação que traga equidade firmada sob o prisma da justiça natural, fundamentada pela

vontade de cada indivíduo – pois essa possui liberdade natural advinda unicamente de Deus –

81 Cf. TELES, 2012 – p. 84

Page 60: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

59

e constituída por um corpo racional criador da República, sendo soberano e regido por leis

para condição de associação civil.

Existe uma única lei que, pela sua natureza, exige consentimento unânime –

é o pacto social, por ser a associação civil o mais voluntário dos atos deste

mundo. Todo homem, tendo nascido livre e senhor de si mesmo, ninguém

pode, a qualquer pretexto imaginável, sujeitá-lo sem o seu consentimento.

Afirmar que o filho de um escravo nasce escravo, é afirmar que não nasce

homem.82

Posto isso, vale lembrar que, muito embora Rousseau defendesse a instituição de leis

como uma forma de garantir a liberdade e a igualdade, ele jamais pretendeu instituir uma

igualdade absoluta como se todo mundo devesse ter tudo na mesma proporção, mas sim, que

devesse se evitar os extremos no que diz respeito à distribuição dos bens, ou seja, o genebrino

acreditava que se um homem tivesse muito e outros não tivessem absolutamente nada, seria

impossível a constituição de um Estado sadio, afinal, quem não tem nada é tentado a utilizar-

se de quaisquer meios – inclusive os espúrios e violentos – para garantir sua existência e

subsistência; enquanto que, quem tem muito, é tentado a utilizar-se dos outros homens para

favorecer-se.

Então, outra importância das leis – visto que é impossível uma igualdade absoluta

entre os homens e que também é impossível modificar a natureza humana para que os homens

não sigam suas paixões ora ou outra – é garantir que um indivíduo não exerça seu poder e

tampouco aja com violência sobre outro. As leis impõem de fora o que, em alguns, a moral –

inscrita por Deus no coração dos homens – não faz, ou seja, coage aquele pretende desviar-se

do bem-viver coletivo para atender a seus interesses pessoais. Torna os homens iguais perante

uma força superior.

Tal igualdade, dizem, é uma quimera do espírito especulativo, que não pode

existir na prática. Mas, se o abuso é inevitável, segue-se que não precisemos

pelo menos regulamentá-lo? Precisamente por tender a força das coisas a

destruir a igualdade, a força da legislação deve sempre tender a mantê-la.

(...) pois só a força do Estado faz a liberdade de seus membros.83

82 ROUSSEAU, 1973 (Do Contrato Social) – p. 126 83 Idem – p. 75

Page 61: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

60

Considerações finais

             Longe de esgotar a questão, procuramos analisar a função social do contrato na obra

Do Contrato Social do filósofo genebrino Jean-Jacques Rousseau, e a partir das análises aqui

expostas, demonstramos que o interesse do filósofo – descontente com as instituições sociais

de sua época – era a idealização de um pacto que fosse capaz de tornar as relações entre os

homens em relações mais justas.

Para tanto, Rousseau partiu de uma concepção hipotética de um possível estado do

homem no qual esse se encontrava totalmente despido das corrupções sociais das instituições

e, tal conceito – que não foi inventado por ele e tampouco somente por ele utilizado –, é

chamado de estado de natureza. Nesse possível estado – no qual o homem vive isolado e feliz

– o indivíduo só tem a preocupação de se autopreservar e atender suas necessidades sensíveis,

numa liberdade absoluta – do ponto de vista de que não há nenhum outro indivíduo que limite

sua liberdade e nem a sua posse. Porém, no momento que os homens tornaram-se gregários,

essa liberdade foi ameaçada pela presença de outros homens que também possuíam desejos e

necessidades.

Posto isso, o que Rousseau pretendia quando idealizou seu contrato era a purificação

das instituições – fonte de corrupção dos homens – para tornar possível – na vida social – a

volta da liberdade que um dia o homem perdeu.

Pode-se supor que Do Contrato Social tenha sido baseado na vida do seu autor, pois

Rousseau, desde criança até sua formação – por ausência de liberdade e de igualdade em meio

ao sobrepujamento das liberdades individuais – fez uma profunda reflexão acerca da melhor

forma de satisfação dos interesses da coletividade sem que os interesses individuais fossem

totalmente suprimidos.

A concepção de homem, em Do Contrato Social, é a de que ele sacrifica sua própria

liberdade, por ser um indivíduo natural que, por vezes, abdica de sua vontade pessoal em

nome da vontade da maioria. Porém, nessa organização social, denominada Estado, como foi

demonstrado, tem-se o objetivo de manter a ordem social e defender os interesses individuais,

naturalmente concedidos aos indivíduos.

O homem, por sua vez, por ser capaz de raciocinar, naturalmente é um ser social e

político e, graças a essas características e à adesão que faz ao contrato social, ele abdica do

gozo da sua liberdade natural para viver em sociedade.

Page 62: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

61

O Estado Civil, na perspectiva de Rousseau, é a forma mais bem elaborada, e não

contraditória, de valorizar a herança natural do homem – quanto à bondade e à liberdade – em

sentido mais amplo, dentre os demais membros de uma dada sociedade. Por isso ele é

naturalmente um animal social.

A partir de um novo Contrato Social, Rousseau empenhou-se em investigar a

possibilidade de uma vida em sociedade, referendada por bases legítimas, expostas em Do

Contrato Social. Nessa obra, pode-se identificar claramente a proposta rousseauniana de uma

nova vida em sociedade a partir do ideal de soberania vinculada ao povo. É também possível

averiguar em sua obra o paradoxo entre vontade individual e vontade geral. Sendo aquela

somente relacionada à vida privada do homem, enquanto esta ao interesse coletivo, ou seja, as

vontades particulares do indivíduo não devem ser exclusivamente visadas no meio social, e o

Estado não deve interferir na vida privada dos indivíduos se não for do interesse público. O

indivíduo – diferentemente de quando vivia em estado de natureza – já não pode fazer tudo e

somente o que quer, mas deve observar suas ações para orientá-las – ou reorientá-las – de

acordos com seus deveres, ou seja, cada um só pode agir até onde sua ação não prejudique

outrem.

Com esse propósito, o genebrino destacou a intermediação do governo entre os

súditos, com o soberano responsabilizando-se pela preservação e manutenção da liberdade

civil e política, quando todos abdicam igualmente de sua liberdade particular.

O filósofo destacou também a problemática e a solução para a criação de uma religião

civil unificada no culto do coração e no dever para com o Estado – quando se diz respeito ao

interesse coletivo, o Estado deve ser adorado acima de qualquer coisa. Por isso, considerava

que a principal condição para a existência de uma nova sociedade, pautada em um Estado

legítimo, não era de ordem econômica ou política, e sim, de ordem moral ou religiosa. Daí o

motivo de abordar a importância da religião no último capítulo de seu Do Contrato Social.

Para ele, o respeito de todos à lei deve ser incondicional.

Outro fator constitutivo desse pacto social é o elemento capaz de afastar desigualdades

sociais e injustiças oriundas de um organismo sem regras, caso contrário, haveria imposição

de subjetivismos e vontades alheias ao interesse coletivo.        

Rousseau defende que a sociedade opera modificações sobre os homens que podem

ser positivas ou negativas. E, a partir do contrato social, as ações individuais devem respeitar

as leis que levam em consideração a vontade geral. Dessa forma, há normas que regulam e

limitam aquilo que os cidadãos podem ou devem fazer.

Page 63: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

62

Esses aspectos explicitam a visão de Rousseau acerca dos impactos que a vida social

exerce sobre os indivíduos que participam da organização social.

A teoria de Rousseau encerra uma fase no pensamento de filósofos com tendências

variadas sobre a origem da sociedade. Em seguida, após a Revolução Francesa, a sociedade

não é mais pensada como um produto exclusivo da vontade humana ou como resultado de um

contrato social, mas passa a ser vista como um processo histórico.

Desse modo, o que interessa não é mais explicar o passado, relegado ao

republicanismo, como anacrônico e escravocrata e, até então, pouco produtivo

economicamente, mas devem-se preparar o futuro e o crescimento econômico. Esse futuro é

inicialmente visto segundo o interesse da nação, e não baseado inicialmente no cidadão

individualmente que, eventualmente, se beneficiará dessa nação numa fase posterior.

A liberdade e a igualdade são o cerne de todos os escritos de Rousseau que, por sua

vez, trazem à baila sempre a função social do contrato social, o qual deve ser regido por leis

elaboradas e fiscalizadas pelos homens nomeados numa assembleia do povo.

Para entender mais completamente Rousseau, foi feita uma análise da sua obra, dos

seus críticos, dos seus antecessores Hobbes e Locke e de outros estudiosos de suas obras, até

se chegar à conclusão de que o Do Contrato Social ratifica a ideia de Rousseau ter sido o

fundador da democracia moderna.

Essa opção teórica possibilita reforçar o princípio da vontade geral como

possibilidade de uma atualização de seu pensamento e das possíveis heranças que a pedagogia

moderna vai ter a partir da sua obra.

Page 64: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

63

Bibliografia

Bibliografia Principal:

HOBBES, Thomas. Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil;

tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. – 4ª edição – São Paulo:

Nova Cultural, 1988. (Coleção os Pensadores);

HOBBES, Thomas. Leviatã ou Matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. –

São Paulo: Martins Fontes, 2003;

LOCKE, John. Ensaios políticos; organizado por Mark Goldie; tradução de Eunice Ostrensky.

– São Paulo: Martins Fontes, 2007 (Clássicos Cambridge de filosofia política);

LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil. Os Pensadores. Trad. João Paulo

Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. – São Paulo: Abril Cultural, 1974;

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social; tradução de Louders Santos Machado;

introduções e notas de Paul Arbousse-Bastide e Lourival Gomes Machado; editor Victor

Civita – São Paulo: Abril S.A. Cultural e Industrial, 1973 (Coleção Os Pensadores – História

das Grandes Ideias do Mundo Ocidental);

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social; tradução de Lourdes Santos Machado e

introduções e notas de Paul Arbousse-Bastide e Lourival Gomes Machado – 2ª Edição, São

Paulo: Abril S.A. Cultural, 1978 (Coleção Os Pensadores);

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social; tradução de Paulo Neves – Porto Alegre:

L&PM, 2010;

Page 65: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

64

ROUSSEAU, Jean Jacques. Emílio, ou, Da educação; tradução de Roberto Leal Ferreira, 3ª

edição – São Paulo: Martins Fontes, 2004 – (Paideia);

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Textos autobiográficos e outros escritos; tradução, introdução e

notas Fúlvia M. L. Moretto – São Paulo: Editora UNESP, 2009;

SIMPSON, Matthew. Compreender Rousseau. Petrópolis: Vozes, 2009;

Bibliografia Complementar:

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia – edição revista e ampliada; tradução da 1ª

edição brasileira coordenada e revista por Alfredo Bosi; revisão da tradução e tradução dos

novos textos Ivone Castilho Benedetti. 5ª edição – São Paulo: Martins Fontes, 2007;

ALTHUSSER, Louis. Política e História – de Maquiavel a Marx (Curso ministrado na École

Normale Supérieure de 1955 a 1972); tradução de Ivone C. Benedetti. São Paulo: WMF

Martins Fontes, 2007 – (Coleção Tópicos);

ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 1972;

AYERS, Michael. Locke; tradução de José Oscar de Almeida Marques – São Paulo: Editora

UNESP, 2000 (Coleção Grandes Filósofos);

BATISTA, Gustavo Araújo. O naturalismo e o contratualismo em John Locke e em Jean-

Jacques Rousseau. 1ª edição – Curitiba-PR: Editora CRV, 2010;

CASSIRER, E. A questão Jean-Jacques Rousseau. – São Paulo: Editora UNESP, 1999.

(Biblioteca básica);

DENT, N. J. H. Dicionário de Rousseau; tradução de Álvaro Cabral – Rio de Janeiro: Jorge

Zahar, 1996;

Page 66: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

65

DUNN, JOHN. Locke; tradução de Luiz Paulo Rouanet. – São Paulo: Edições Loyola, 2003;

DURKHEIM, Émile. Montesquieu e Rousseau (Pioneiros da Sociologia); tradução de Julia

Vidili. – São Paulo: Madras, 2008;

FILHO, Clovis Barros. Ética na Comunicação; atualização de Sérgio Praça – 6ª edição, São

Paulo: Summus, 2008;

FOLSCHEID, Dominique; WUNENBURGER, Jean-Jacques. Metodologia Filosófica;

tradução de Paulo Neves. 3ª edição – São Paulo, Martins Fontes, 2006. (Ferramentas);

GRESPAN, Jorge. Revolução Francesa e Iluminismo: A crítica radical do “Espírito das

Luzes”; Críticos, céticos e românticos; Uma nova ordem social. 2ª edição, 2ª reimpressão –

São Paulo: Editora Contexto, 2016. – p. 105;

HOUAISS, Instituto Antônio (org.); Dicionário Houaiss Conciso; editor responsável, Mauro

de Salles Villar. 1ª edição – São Paulo: Editora Moderna, 2011;

KANT, Immanuel. Textos seletos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011;

LIMA, Rômulo de Araújo. 10 Lições sobre Rousseau – Petrópolis, RJ: Vozes, 2012 (Coleção

10 Lições);

LOCKE, John. Ensaio acerca do entendimento humano; tradução de Anoar Aiex. – São

Paulo: Nova Cultural, 1988 (Coleção Os pensadores);

MAGALHÃES, Fernando. 10 Lições sobre Hobbes – Petrópolis, RJ: Vozes, 2014 (Coleção

10 Lições);

MELLO, Leonel. Os clássicos da Política. Volume 1, 12ª. edição. In: WEFFORT, Francisco

C. Capítulo 4. John Locke e o individualismo liberal, pp. 81-89;

Page 67: O Contrato Social, segundo Rousseau fileFACULDADE DE SÃO BENTO - SP Paulo Rogério Haüptli O Contrato Social, segundo Rousseau Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia

66

PITZ, G. A vontade geral segundo Jean-Jacques Rousseau: Uma fundamentação moral da

política. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Santa Catarina. Centro de

Filosofia e Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Florianópolis,

2004;

POZZEBON, Paulo Moacir Godoy (org.). Mínima Metodológica; com colaboração de

Germano Rigacci Júnior, João Miguel Teixeira de Godoy, Paulo André Anselmo Setti. 2ª ed.

Revisada – Campinas: Editora Alínea, 2006;

RIBEIRO, Renato J. Os clássicos da Política. Volume 1. 12ª. ed. In: WEFFORT, Francisco

C. Capítulo 3, Hobbes: O modo e a esperança, pp. 53-77;

TELES, I. Contrato social de Thomas Hobbes: Alcances e limites (Tese de Doutorado em

Filosofia pela Universidade Federal de Santa Catarina) – Centro de Filosofia e Ciências

Humanas, 2012.