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O Controle de mérito dos atos administrativos discricionários pelo Poder Judiciário Clarissa Angélica Santos Oliveira * Resumo Este artigo analisa a possibilidade de controle jurisdicional do mérito dos atos administrativos discricionários. Estes atos apresentam elementos não regrados no ordenamento jurídico, dependentes do juízo de conveniência e oportunidade do administrador público. Esses elementos são denominados mérito do ato administrativo. Por muito tempo, no Brasil, o mérito dos atos administrativos foi entendido como intocável pelo Poder Judiciário, imune à apreciação jurisdicional. Essa vedação ocorria por entenderem ser este de competência exclusiva do Poder Executivo. Logo, o controle jurisdicional estava limitado à análise da sua legalidade. Todavia, um novo paradigma vem se estabelecendo na doutrina e na jurisprudência brasileiras. O Estado Democrático de Direito deixa de lado o formalismo do Positivismo Jurídico, que se preocupava apenas com a legalidade estrita. Atualmente, busca-se retornar ao Estado de Direito, observando-se o Direito como um todo, que compreende regras e princípios normativos. Os princípios assumem papel principal nesse novo paradigma. Muitos deles chegam a ser normatizados, com previsão expressa na lei. Antes entendidos como subsidiários às regras contidas no ordenamento jurídico, hoje eles fazem parte do conceito de Direito e devem ser observados. Eles trazem consigo valores primordiais do Estado Democrático de Direito, como justiça social, moralidade e ética. Daí vem a noção de juridicidade, que busca adensar as regras aos princípios explícitos e implícitos do Direito, como uma ampliação do princípio da legalidade. * Bacharela em Direito - Pontifícia Universidade Católica de Belo Horizonte (MG).

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O Controle de mérito dos atos administrativos discricionários pelo

Poder Judiciário

Clarissa Angélica Santos Oliveira∗∗∗∗

Resumo

Este artigo analisa a possibilidade de controle jurisdicional do mérito dos atos

administrativos discricionários. Estes atos apresentam elementos não regrados no

ordenamento jurídico, dependentes do juízo de conveniência e oportunidade do

administrador público. Esses elementos são denominados mérito do ato

administrativo.

Por muito tempo, no Brasil, o mérito dos atos administrativos foi entendido

como intocável pelo Poder Judiciário, imune à apreciação jurisdicional. Essa

vedação ocorria por entenderem ser este de competência exclusiva do Poder

Executivo. Logo, o controle jurisdicional estava limitado à análise da sua legalidade.

Todavia, um novo paradigma vem se estabelecendo na doutrina e na

jurisprudência brasileiras. O Estado Democrático de Direito deixa de lado o

formalismo do Positivismo Jurídico, que se preocupava apenas com a legalidade

estrita. Atualmente, busca-se retornar ao Estado de Direito, observando-se o Direito

como um todo, que compreende regras e princípios normativos.

Os princípios assumem papel principal nesse novo paradigma. Muitos deles

chegam a ser normatizados, com previsão expressa na lei. Antes entendidos como

subsidiários às regras contidas no ordenamento jurídico, hoje eles fazem parte do

conceito de Direito e devem ser observados. Eles trazem consigo valores primordiais

do Estado Democrático de Direito, como justiça social, moralidade e ética.

Daí vem a noção de juridicidade, que busca adensar as regras aos princípios

explícitos e implícitos do Direito, como uma ampliação do princípio da legalidade.

∗ Bacharela em Direito - Pontifícia Universidade Católica de Belo Horizonte (MG).

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O mérito do ato administrativo sofre reflexos desta mudança de entendimento.

Antes, detentor de ampla liberdade, por não estar regrado em lei, atualmente ele

sofre mais limitações, ao ter de observar os princípios do Direito.

Conseqüentemente, amplia-se a possibilidade de controle jurisdicional. O

Poder Judiciário passa a exercer um controle de juridicidade da Administração como

um todo, inclusive do mérito administrativo.

Palavras-chave: Direito Administrativo; Ato Administrativo Discricionário; Mérito

Administrativo; Princípio da Juridicidade; Controle Jurisdicional; Estado Democrático

de Direito;

Abstract

This article aims at an analysis of the possibility of jurisdictional control of the

merit of the discretionary administrative act. These acts present elements that are

not disciplined in the juridical framework, depending of a convenience and

opportunity analyses from the public administrator.

For a long time, in Brazil, the merit of the discretionary administrative act was

understood as untouchable by the Judges, immune from the jurisdictional

appreciation. This prohibition occurred because its exam was understood as an

exclusive prerogative of the administrator. Therefore, the jurisdictional control was

limited to the analysis of its legality.

However, a new paradigm has been established in the Brazilian doctrine and

jurisprudence. The Democratic State of Law is not so concerned about the formality

of strict legality anymore. Currently, there is more concern about the role set of rules,

primordially the law principles, which bring important values, like social justice,

morality and ethics.

The Jurisdiction Principle widens the concept of legality, which will henceforth

include not only rules, but also principles of law. This Principle leads to significant

consequences on the merit of the discretionary administrative act, since the

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administrator, once owner of large decision freedom, must now take into account

other law principles. Therefore, the possibility of jurisdictional control is amplified.

Keywords: Discretionary Administrative Act; Discretion; Principle of Jurisdiction;

Judicial Control; Democratic State of Law.

INTRODUÇÃO

O mérito dos atos administrativos discricionários é entendido por grande parte

da doutrina e da jurisprudência atual como imune ao controle exercido pelo Poder

Judiciário.

Acontece que, muitas vezes, o ato administrativo discricionário é mal utilizado

pelo administrador público. Por isso, seu mérito pode vir a ocultar muitos atos de

corrupção, de injustiça, de imoralidade e de busca por interesses pessoais.

Além disso, o Estado Democrático de Direito, atendendo ao princípio da

juridicidade, não observa um Direito composto apenas por regras, mas também por

princípios. Estes passam a condicionar o exercício do mérito administrativo, mas

nem sempre são observados.

Por esses motivos, a "imunidade jurisdicional" do mérito administrativo deve

ser questionada.

Para propiciar a análise da possibilidade de controle do mérito administrativo

pelo Poder Judiciário, o trabalho, inicialmente, consistirá na definição de Direito

Administrativo, buscando, em uma análise histórica, o seu surgimento e sua

evolução como disciplina jurídica. Para isso, pontuar-se-á a sua origem - que

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ocorreu com o Estado de Direito - seu conceito, seu objeto e a sua visão diante do

Direito comparado.

O segundo passo é a definição de discricionariedade administrativa, que será

analisada quanto à sua evolução histórica, desde o Estado Absolutista até o Estado

Democrático de Direito. Após, os seus conceitos, justificação e uma análise dos

aspectos do ato administrativo que são passíveis de discricionariedade.

O mérito administrativo é tratado na seção secundária 2.5, quanto ao seu

conceito e à sua tangibilidade pelo Poder Judiciário. A influência do Pós-Positivismo

no conceito de discricionariedade atual também será objeto de um breve estudo.

O controle jurisdicional é estudado no capítulo 3, quanto ao seu conceito,

limites, sistemas de controle (sistema de unidade de jurisdição e sistema especial de

jurisdição) e meios de controle.

Os princípios do Direito Administrativo devem ser observados na edição dos

atos administrativos, sendo utilizados pelo Poder Judiciário como base de seu

controle. Por isso, serão analisados os princípios expressos e implícitos no

ordenamento jurídico, concernentes à Administração Pública: princípio da

legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, da

razoabilidade e da juridicidade.

Ao final, serão analisadas duas importantes jurisprudências, do Supremo

Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça – o Recurso Especial nº 429570 /

GO (STJ) e o Recurso Ordinário em Mandado de Segurança de número 24823 / DF

- que apresentam posicionamentos diferentes quanto ao tema em questão.

1 O DIREITO ADMINISTRATIVO

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1.1 Origem do Direito Administrativo

O nascimento do Direito Administrativo como ramo autônomo veio a ocorrer

entre os séculos XVIII e XIX, com o surgimento do Estado de Direito. Mas, mesmo

antes desse período, as normas administrativas já existiam onde quer que existisse

um Estado, estando vinculadas a este. Mas essas normas pertenciam ao jus civile,

juntamente com outras normas dos demais ramos do direito atual, não existindo

como ramo autônomo. Além de serem normas esparsas, essas não apresentavam

princípios informativos próprios.

As normas de Direito Administrativo são relativas ao funcionamento da

Administração do Estado, diante da necessidade de normas que disciplinem seus

órgãos e agentes, que agirão em seu nome, e o cumprimento de suas funções

administrativas.

Na Idade Média, configurou-se o chamado Estado de Polícia, não

apresentando condições ao surgimento do Direito Administrativo devido à

incompatibilidade deste com a forma absolutista de poder, em que todo poder

emana do soberano. Nesse Estado, a Administração encontra-se legalmente

incondicionada, sob o preceito jurídico do direito ilimitado para administrar. A

vontade do soberano era a lei e seus atos estavam acima de qualquer ordenamento

jurídico. Logo, o rei não podia ser submetido aos Tribunais. Na verdade, nem

mesmo havia Tribunais independentes, muito menos normas delimitadoras do poder

real. O rei decidia os conflitos diretamente ou por meio de um conselho subordinado

a ele (DI PIETRO, 2007).

O Estado de Direito se baseou no princípio da legalidade e no princípio da

separação dos poderes. O Direito Administrativo, assim como outros ramos do

direito, encontrou neste Estado condições propícias a sua formação como ramo

autônomo. Como sistema fundamentado nos ideais liberais, o Estado já se submetia

às leis, encontrando-se a administração condicionada legalmente. Daí nasceu o

Direito Administrativo, como normas de direito público aplicável à Administração

Pública, derrogando as normas de direito comum.

Os direitos francês, italiano e alemão contribuíram muito para a formação do

Direito Administrativo como ramo autônomo.

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O conteúdo do Direito Administrativo sofre variações conforme o tipo de

Estado adotado, o lugar e a época. Inclusive, quanto menos desenvolvidas as suas

normas, maior a aplicação de normas de direito privado.

No Estado Liberal, a finalidade dos governantes restringia-se a assegurar a

ordem pública, atuando apenas nas atividades essenciais como segurança interna e

externa, e justiça. Diante do binômio administrativo composto pela manutenção da

autoridade do poder público e pelo respeito pelas liberdades do cidadão, o Estado

Liberal tendeu mais a proteger estas últimas. O objeto do Direito Administrativo era

mais limitado, devido à menor interferência estatal no domínio privado. Como seus

princípios fundamentais estavam o da separação dos poderes e o da legalidade.

Já no Estado do Bem-Estar, o Direito Administrativo teve seu conteúdo

bastante ampliado, devido à constituição de um Estado muito mais atuante na esfera

privada. O Estado passa a intervir no domínio econômico e a desenvolver atividades

na área da saúde, educação, assistência e previdência social. O objetivo é

assegurar a justiça social e o bem-estar coletivo, limitando o exercício dos direitos

individuais. Com isso houve um crescimento da máquina estatal, necessitando da

criação de novos instrumentos de ação do poder público, como princípios e

prerrogativas, para disciplinar e fiscalizar a atividade privada, com base no seu

poder de polícia, e também para exercer atividade econômica diretamente.

Consequentemente constituiu-se um Poder Executivo mais fortalecido e a sua

preferência pelas "prerrogativas públicas", ao invés da liberdade e direitos

individuais.

A construção doutrinária do Direito Administrativo passa a ser feita de forma

mais sistemática e científica, com a definição de seus institutos específicos e de

seus princípios informativos (DI PIETRO, 2007).

1.1.1 A Origem do Direito Administrativo no Brasil

No Brasil, a Administração Pública começa a afastar-se dos moldes do direito

privado com o início do período republicano. Mas, o Direito Administrativo só veio a

sofrer grande evolução com o advento da Constituição de 1934, como conseqüência

do Estado Social. Este texto constitucional previa a extensão do Estado nos âmbitos

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social e econômico. Foi instalado, inclusive, um Tribunal de Direito Administrativo na

esfera federal.

Essa Constituição seguiu-se à Revolução de 1930, assumindo caráter

socializante, com ampliação da intervenção do Estado no âmbito privado, passando

realmente a atuar em campos como a saúde, a educação e a economia. Nesse

período, ocorre o mesmo fenômeno administrativo ocorrido em diversas partes do

mundo: o necessário crescimento da máquina estatal devido à criação de novas

pessoas jurídicas e ao aumento do quadro de funcionários públicos.

Quanto às suas influências, no primeiro período da República, o Brasil

abandonou a influência do Direito Francês de dualidade da jurisdição, caracterizada

pelo extinto Conselho de Estado. Passa-se a acolher o modelo anglo-americano,

expresso na Constituição de 1891. Como conseqüências no Direito Administrativo

brasileiro estão: a unidade de jurisdição, o controle jurisdicional feito sobre a

Administração Pública e a jurisprudência adotada como fonte do direito. Mas, ainda

assim, as teorias e princípios permaneceram sob a influência francesa, na adoção

de um regime jurídico especial ao Direito Administrativo, que derrogava as normas

de direito privado (DI PIETRO, 2007).

De acordo com Maria Sylvia Z. Di Pietro, o Direito Brasileiro acolheu do direito

francês:

a idéia de ato administrativo, com o atributo da auto-executoriedade, as sucessivas teorias sobre responsabilidade civil do Estado, o conceito de serviço público, as prerrogativas da Administração Pública, a teoria dos contratos administrativos, o princípio da igualdade. (DI PIETRO, 2007, p.23)

1.2 Objeto do Direito Administrativo

O objeto do Direito Administrativo apresenta grande diversidade de amplitude,

dependendo do espaço em que se situa.

Nos países europeus, em geral, e também no Brasil, a sua amplitude e

autonomia são muito maiores, apresentando um corpo de regras e princípios

próprios e originais, autônomo em relação às noções, problemas e soluções trazidos

pelo direito privado.

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É o Direito chamado por Rivera, citado por Maria Sylvia Z. Di Pietro, de

descritivo, pois terá como objeto reger as relações jurídicas que nascem da ação da

Administração, de forma a delimitar estatutos, estruturar os serviços públicos, definir

os procedimentos referentes a sua atividade, fixar suas prerrogativas e obrigações,

reger as garantias dos particulares contra o arbítrio, tudo com base na lei e no

regulamento. No caso da França, sua fonte é a jurisprudência (DI PIETRO, 2007, p.

36).

Já no sistema anglo-americano, o Direito Administrativo, que foi chamado de

descritivo por Rivera, integra a Ciência da Administração, sendo grande parte das

relações jurídicas da Administração regidas pelo direito comum.

Observa Maria Sylvia Z. Di Pietro que o objeto do direito Administrativo será o

regimento, através de um complexo de normas e princípios jurídicos, da

"organização administrativa em seus vários aspectos, bem como as relações da

Administração Pública com seus particulares". Reduzido apenas às matérias de

natureza jurídica (DI PIETRO, 2007, p. 38).

1.3 Conceito de Direito Administrativo

Os autores conceituam o Direito Administrativo utilizando critérios diversos.

Como critério teleológico, adotado por Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (apud Di

Pietro, 2007, p.41), acredita-se que o Direito Administrativo compreende normas e

princípios jurídicos que disciplinam a atividade concreta do Estado com o objetivo de

consecução de fins de utilidade pública.

A definição de Maria Sylvia Z. Di Pietro parte de um conceito descritivo, que

abrange a Administração Publica em sentido objetivo e subjetivo, dizendo que

Direito Administrativo é:

o ramo do direito público que tem por objeto os órgãos, agentes e pessoas jurídicas administrativas que integram a Administração Pública, a atividade jurídica não contenciosa que exerce e os bens de que se utiliza para a consecução de seus fins, de natureza pública. (DI PIETRO, 2007, p.43)

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A expressão Administração Pública é utilizada em, basicamente, dois

sentidos. Um sentido subjetivo, designando suas pessoas jurídicas, órgãos e

agentes públicos que exercem as atividades administrativas. Em sentido objetivo,

designa a própria atividade administrativa, sua função, executada principalmente

pelo Poder Executivo.

1.4 O Direito Administrativo sob o paradigma do Direito Comparado

A Constituição Federal de 1988 está pautada no Estado Democrático de

Direito, fundamentando a atuação da Administração Pública nas idéias de legalidade

e de participação popular. O legislador se preocupou em garantir expressamente

princípios e valores, que irão pautar o Direito Administrativo, expressos nos artigos e

no preâmbulo da Constituição, visando pesar a polaridade existente entre

prerrogativas da Administração e interesses individuais (DI PIETRO, 1991).

A discricionariedade também é conferida à Administração, como forma de

alcançar o interesse público, mas não alcança todos os aspectos do ato

administrativo. Estão previstos como limitação à sua atuação a ilegalidade e o

desvio de poder.

O Direito Francês destaca-se como o maior contribuinte para a formação do

Direito Administrativo. A Revolução Francesa apresentou este direito como aquele

utilizado pelo Estado burguês para sua defesa contra a classe alvo da revolução, e

mesmo para a repressão daqueles que vieram a tomar o poder posteriormente.

Dizem mesmo que o termo inicial do Direito Administrativo se deu com a Lei de 28

pluvioso do Ano VIII, de 1800.

O Direito Administrativo francês se insere no contexto de tratamento jurídico

da Administração Pública.

A França utiliza o sistema de dualidade de jurisdição, no qual existe um órgão

especializado para o julgamento do contencioso administrativo, o Conselho de

Estado, órgão independente e com função jurisdicional. Destaca-se a sua formação

pretoriana, que contribuiu para a construção do Direito Administrativo,

principalmente de seus princípios informativos. Nesse Tribunal se atribui aos

princípios força de lei quanto aos atos administrativos. Nesse país o "direito que se

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faz" apresenta grande força em relação ao "direito feito". É o direito formado pelos

juízes administrativos, não restritos à interpretação, menos legislativo (MELLO,

2005).

Quanto à discricionariedade administrativa, percebe-se que os princípios são

utilizados pelos tribunais administrativos franceses para reduzir a discricionariedade

da Administração Pública, controlando seus aspectos discricionários, criando regras

de direito (formação pretoriana) que estendem o domínio da competência vinculada

e da legalidade.

Dentre os princípios de grande contribuição ao Direito Administrativo de vários

países feita pelo Direito Francês estão os da responsabilidade civil da

Administração, da alteração unilateral dos contratos administrativos e o das decisões

executórias.

Já na Alemanha, o Direito Administrativo surgiu como um direito autônomo

após um longo período de evolução, e não de uma revolução, como ocorrido na

França. Fritz Fleiner, citado por Maria Sylvia Z. Di Pietro afirma que "o progresso

decorreu da prática das autoridades, da jurisdição administrativa e do trabalho

silencioso da doutrina" (DI PIETRO, 2007, p. 9).

O primeiro passo de suma importância para esse surgimento foi a teoria do

fisco, que buscava combater o Estado Absoluto, como o poder soberano do príncipe.

Nessa teoria, o patrimônio público passa a pertencer ao Fisco, e não mais ao

Estado, tendo aquele uma personalidade de direito privado. Logo, aumenta a defesa

ao indivíduo contra o absolutismo do Estado, já que o Fisco regia-se pelas normas

de direito privado, podendo ser submetido a tribunais independentes, sem qualquer

vinculação ao príncipe. Muitos direitos dos indivíduos, em detrimento do Fisco,

passam a ser reconhecidos.

Somente no Estado Moderno o Direito Administrativo passa a se desenvolver,

regendo as relações entre Estado e administrados, com aplicação subsidiária do

Direito Civil. Ainda assim, a influência civilista sob o Direito Administrativo alemão foi

muito acentuada, nem se constituindo uma espécie tão particular de Direito como

ocorreu na França.

A doutrina italiana também trouxe várias contribuições ao Direito

Administrativo. Entre elas a própria utilização da denominação mérito ao designar os

aspectos passíveis de apreciação pelo administrador nos atos administrativos

discricionários. O princípio da eficiência, expresso na Constituição brasileira,

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encontra identidade com o princípio italiano da "boa administração", que preceitua o

equilíbrio da atuação administrativa com o ordenamento jurídico e a ótima prestação

de seus serviços.

No direito anglo-saxão, vigente nos Estados Unidos e na Inglaterra,

integrantes do sistema da common law (direito não escrito, baseado nos costumes e

nas decisões), o Direito Administrativo veio a surgir bem posteriormente ao francês e

ao alemão. A possibilidade de abuso por parte do Executivo levou à atribuição, em

contrapartida, de controle pelo Legislativo e Judiciário.

Nesse sistema, o Poder Judiciário assume papel fundamental. Além das suas

decisões criarem o próprio Direito, como sua fonte principal, o Judiciário também

exerce sobre a Administração o grande controle, o mesmo exercido sobre os

particulares, utilizando-se do direito comum para tanto. O Direito Administrativo era

receado devido aos privilégios e prerrogativas dados à Administração.

Logo, o Direito Administrativo surge por motivos diversos à limitação e

proteção do indivíduo, como ocorrido nos demais países. Esse surgimento deve-se

ao clamor da sociedade por crescente atuação do Estado no campo social e

econômico, o que leva ao crescimento da máquina estatal, e à conseqüente

necessidade de normas que regulem a organização de seus órgãos, seus servidores

e a sua atuação.

A discricionariedade no direito inglês se encontra muito mais ampla. Chega-se

a presumir a presença de todos os requisitos legais em alguns atos administrativos

expedidos, vedando-se a apreciação da matéria de fato pelo Judiciário (DI PIETRO,

1991).

Capítulo 2 O PODER DISCRICIONÁRIO

2.2 Evolução Histórica

No Estado de Polícia, caracterizado pela forma absolutista de poder, o poder

discricionário da Administração Publica encontrava-se como poder amplo, sinônimo

de arbítrio. A vontade do monarca era a própria lei. Logo, a atividade da

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Administração não se apresentava condicionada pela lei, nem era atingida por

controle judicial.

Já no Estado de Direito, a discricionariedade administrativa se encontra como

poder político. Baseando-se nos ideais liberais da época, a lei é vista como garantia

da liberdade do homem, impondo limites à Administração Pública. A Administração

encontrava-se limitada primeiramente pelos direitos subjetivos dos particulares. Mas,

ainda assim, a discricionariedade administrativa continuava como uma esfera de

atuação livre de vinculação à lei, de livre apreciação e incompatível com o controle

judicial. O conceito de legalidade era mais liberal também, permitindo que a

discricionariedade fosse utilizada no espaço livre da lei, compreendendo os pontos

que a lei não regulou e que esta não proibiu. Diferentemente da concepção atual de

legalidade, na qual a Administração só pode agir de acordo com o expressamente

permitido em lei (DI PIETRO, 1991).

Em outra fase do Estado de Direito, o Estado Social, o conceito de

discricionariedade praticamente desaparece, devido à ampla limitação trazida pela

lei, constituindo um poder jurídico. Influenciado pelo positivismo jurídico, uma nova

concepção de legalidade é trazida, a vinculação positiva. Nesta a Administração

Pública só poderia fazer o que fosse permitido em lei, reduzindo o campo de

liberdade de apreciação deixado pela lei ao administrador público.

Hans Kelsen contribui para a visão positivista do Direito Administrativo desta

época, na sua teoria a discricionariedade emana da norma legal, devendo ser

aplicada dentro do sistema jurídico.

Para Maria Sylvia Z. Di Pietro, isto constitui um retrocesso, devido ao

conseqüente "apego excessivo ao formalismo da lei, sem grande preocupação com

o Direito", se apegando pouco a jurisprudências e a elaboração dos princípios (DI

PIETRO, 1991, p. 28).

Quanto ao Estado Democrático de Direito, percebe-se uma maior

preocupação com o Direito como todo, já não é um Estado tão formalista como o do

positivismo jurídico. Ainda assim, o texto legal constitucional e infraconstitucional se

preocupou com a positivação de determinados princípios e valores. Mesmo que não

expressos, a Administração Pública deverá se submeter a todos os princípios do

Direito, não apenas à lei em sentido formal.

Esta nova concepção consagra ampliação dos limites à atuação discricionária

da Administração Pública, deixando de ser limitada apenas em sentido formal.

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Conseqüentemente ocorre a ampliação do controle por parte do Poder Judiciário

sobre os atos administrativos discricionários emanados.

2.1. Conceito de discricionariedade

Toda atividade administrativa é regrada por lei, se esse regramento não

atingir todos os seus aspectos, os aspectos não atingidos serão apreciados com

liberdade de avaliação ou decisão pela Administração Pública. Essa liberdade de

decisão é conferida pela própria lei, diante do caso concreto. Logo, a lei é a fonte da

discricionariedade. A atuação livre é previamente legitimada pelo legislador.

A discricionariedade verifica-se como essa liberdade de atuação, mas ainda

assim, nos limites traçados pela lei. A atuação administrativa nunca será totalmente

livre, discricionária, já que alguns de seus aspectos são sempre passíveis de

limitação, a exemplo da competência (DI PIETRO, 2007, p. 197).

A apreciação do administrador será realizada diante de um leque de opções

possíveis deixados pela lei, todas válidas perante o direito. A apreciação está

justamente em adotar uma destas opções, devendo ser feita através de critérios de

oportunidade e conveniência.

O aspecto do ato administrativo que enseja liberdade de apreciação é

denominado mérito (MEDAUAR, 2006, p. 150). E seus critérios de apreciação

deverão ser formulados pelo administrador, já que a lei não os determina. Todavia,

deverão ser adotados em conformidade com todos os princípios, valores e regras do

Direito e com as circunstâncias concretas do caso, não estando completamente

livres à subjetividade do administrador.

O juízo feito pela Administração Pública, mesmo que não regrados em regra

normativa, deverá se vincular ao Direito como um todo, de acordo com os seus

princípios expressos e implícitos.

Ultrapassados os limites traçados pela lei, no exercício da liberdade conferida,

a discricionariedade passa a ser arbitrariedade.

Para Celso Antônio Bandeira de Mello, a discricionariedade só existe diante

do caso concreto. Já Maria Sylvia Z. Di Pietro afirma que a discricionariedade sofrerá

uma redução mediante o caso concreto, se comparada com essa em tese, na lei

(MELLO, 2005, p. 398; DI PIETRO, 2007, p. 197).

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Para alguns autores, como José Cretella Júnior, a discricionariedade

encontra-se como faculdade dada pela lei ao administrador, para que este verifique

critérios de oportunidade e conveniência no momento de edição do ato, podendo

não atuar caso julgue mais conveniente (CRETELLA JÚNIOR, 1997, p. 241).

Já em outra visão, como é o caso de Celso Antônio B. de Mello, a

discricionariedade encontra-se como pleno dever atribuído pela lei ao administrador,

dever de atingir a finalidade, não podendo este se abster de cumprir seu

cumprimento. Com o objetivo de cumprir o dever de atingir a finalidade surgiria um

poder, como mero instrumento para tal dever. Aí está a visão do autor quanto ao

caráter meramente funcional da atividade administrativa, já exposta anteriormente

neste trabalho, completamente subordinada à lei (MELLO, 2005, p. 398).

Encontra-se a segunda visão mais correta, não podendo o administrador, de

forma alguma, deixar de cumprir o seu dever com a finalidade pública da

Administração. Este dever se encontra inclusive no agir ou não agir do

administrador, sendo cabível escolher o seu momento, mas nunca deixar de agir

quando a lei determinar.

Imperativo ressaltar a idéia de M. Seabra Fagundes que diz ser a liberdade

concedida aos atos administrativos discricionários muito importante devido à

variedade de situações que lhe são apresentadas, permitindo que o administrador

público atenda melhor à finalidade pública. Todavia, a atuação discricionária da

Administração não justifica quebra da sua submissão com a ordem jurídica

(FAGUNDES, 1967, p. 103).

2.2. Justificação da discricionariedade

Várias teorias buscam justificar a atribuição por parte do legislador da

discricionariedade à Administração Pública. A justificação jurídica baseia-se na

teoria de Hans Kelsen da formação dos degraus. Maria Sylvia Zanela Di Pietro

explica a relação desta teoria com a discricionariedade dizendo que a partir da

norma de grau superior (Constituição), outras vão sendo editadas utilizando a

discricionariedade. Esta edição é necessária, pois sem o elemento inovador (normas

editadas) a norma superior não teria condições de ser aplicada.

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A justificativa que analisa o caráter prático da discricionariedade, destaca a

necessidade de flexibilização da atuação da Administração Pública diante da

dinâmica do interesse público. Justifica-se que esta visa evitar o automatismo, em

vista da impossibilidade de o legislador prever todas as situações possíveis de

atuação da Administração. Logo, é necessário permitir um poder de iniciativa ao

administrador, para que este possa atender adequadamente todas as necessidades

que vierem a surgir (DI PIETRO, 2007, p. 197 e 198).

Conclui-se que a discricionariedade existe em benefício do interesse público

visado pela lei, já que permite que em cada caso concreto o administrador faça a

escolha adequada para cumpri-lo.

2.3. Aspectos discricionários do ato administrativo

A discricionariedade poderá ocorrer em várias hipóteses dentro do ato

administrativo, todas permitidas pela lei. Sendo necessário analisar a própria lei para

saber quando e como será aplicada.

Nem sempre a lei estabelece prazo para que seja praticada determinada

conduta, logo o administrador terá liberdade para eleger o momento mais adequado

para a persecução do ato, de acordo com a sua finalidade.

Quando a Administração não está obrigada pela lei a adotar a providência

determinada, ela terá liberdade para avaliar se é melhor agir ou não. Apesar desta

posição, Celso Antônio B. de Mello vê a discricionariedade como um dever, não

podendo a Administração Pública deixar de cumpri-la quando determinada a

conduta em lei (MELLO, 2005).

Existem três entendimentos quanto ao regramento da finalidade no ato

administrativo discricionário. Maria Sylvia Z. Di Pietro nos fala das duas primeiras

correntes. No primeiro entendimento, a finalidade é elemento sempre vinculado,

sendo sempre a busca pelo interesse público.

No segundo entendimento, a finalidade é elemento vinculado quando em seu

sentido amplo, que será sempre o interesse público. Já em seu sentido estrito, a

finalidade é discricionária, por ser um resultado específico, dependente de cada ato

administrativo (DI PIETRO, 2007, p. 199).

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Já o último entendimento é trazido por Celso Antônio B. de Mello, que

acredita que a finalidade pode ser discricionária mesmo em seu sentido amplo,

quando a lei se refere a ela usando noções indeterminadas, imprecisas, não

estabelecendo critérios objetivos para que o administrador saiba, no caso concreto,

qual finalidade será perquirida. É o caso da utilização de conceitos jurídicos

indeterminados para definir o interesse público de determinada norma jurídica, por

exemplo, bem comum, ordem pública, pena adequada e outros (MELLO, 2005).

Não poderá haver discricionariedade quanto à competência no ato

administrativo. Pois, a competência é conferida por lei a determinado sujeito, de

modo objetivo, sendo um elemento sempre vinculado.

A forma do ato administrativo, normalmente, é vinculada, pois a lê prescreve

exatamente a forma na qual deverá ser emitido o ato. Eventualmente, a lei prevê

mais de uma forma possível de se emitir o mesmo ato, o que já confere

discricionariedade ao administrador para que ele possa escolher, de acordo com o

seu juízo de oportunidade e conveniência, qual a melhor a ser utilizada para atingir

determinada finalidade.

Maria Silvia Z. Di Pietro analisa a possibilidade de sua discricionariedade

quando a lei o descrever com conceitos jurídicos indeterminados. Neste caso,

caberá a apreciação subjetiva do administrador, já que não há certeza na sua

aplicação. O motivo poderá ser vinculado ou discricionário. Será vinculado quando a

lei não deixar dúvidas ao descrevê-lo, utilizando-se de "noções precisas" e

"vocábulos unissignificativos" (DI PIETRO, 2007, p. 199 e 200).

Quanto ao objeto ou conteúdo do ato administrativo, estes poderão ser

vinculados ou discricionários, pelo mesmo fundamento do "motivo". Quando a lei

definir que determinada medida só tem um objeto possível para que atenda a certa

finalidade, este será vinculado. Pelo contrário, se a lei definir várias possibilidades

de objeto para atingir determinado fim, todos válidos perante o direito, ao

administrador cabe escolher qual o mais adequado.

No âmbito da lei, para Maria Sylvia Z. Di Pietro poderá haver

discricionariedade nestes casos: quando esta expressamente a conferir; quando a

lei for omissa em relação a algum elemento do ato; quando for impossível à lei

prever todas as situações que a Administração Pública virá a enfrentar; ou quando a

lei prevê a competência, mas não estabelece a conduta que o administrador deve

adotar diante dela (DI PIETRO, 2007, p. 198).

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Celso Antônio B. de Mello ensina que só é possível se inferir a existência ou

não da discricionariedade após o exame conjunto de dois aspectos: a própria norma

jurídica e o caso concreto (MELLO, 2005).

A norma jurídica será responsável pela existência da discricionariedade

quando esta padece de precisão. Isso ocorrerá quando a norma: não descreve

antecipadamente a situação; descreve a situação, mas mediante conceitos jurídicos

indeterminados, irredutíveis a objetividade total; a própria norma confere a "liberdade

decisória"; ou o objetivo é descrito de forma genérica, refletindo no motivo.

O autor acredita que a norma atribuidora de liberdade é indispensável, mas só

haverá discricionariedade diante do caso concreto, logo o seu exame é fundamental.

Isso ocorre porque, mesmo que diante características da norma responsável, em

"inúmeras situações não haverá dúvida de qual cabimento da qualificação". Mesmo

os conceitos jurídicos indeterminados possuem um "núcleo significativo certo", este

núcleo é uma "zona de certeza positiva ou negativa" que permite ao administrador

eleger a única opção dada pela lei diante do caso concreto.

Aqui, cabe ressaltar a problemática com os conceitos jurídicos

indeterminados, se estes são fontes ou não de discricionariedade (DI PIETRO, 1991

p. 165). Parte da doutrina não aceita essa possibilidade. Todavia, conclui-se que

para Celso Antônio B. de Mello, esses conceitos podem gerar a discricionariedade

administrativa, se analisados conjuntamente com o caso concreto. Maria Sylvia Z. Di

Pietro também admite essa possibilidade, a exemplo da sua explicação quanto ao

motivo do ato administrativo, que poderá ser discricionário se descrito na lei por

meio de noções imprecisas, vagas ou plurissignificativas.

2.4. O Mérito do Ato Administrativo

Nenhum ato é completamente discricionário, contendo sempre alguns de seus

elementos eivados de vinculação pela lei. O ato administrativo discricionário terá

alguns elementos, não todos, de necessária apreciação pelo administrador público

para a sua aplicação. Todos os atos administrativos, sejam vinculados ou

discricionários, deverão ser analisados quanto à sua legalidade, se está esse

adequado ou não ao texto legal.

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Já no ato discricionário, a Administração Pública também deverá fazer um

juízo subjetivo, juízo de valor ou juízo pessoal, de acordo com a sua conveniência e

oportunidade diante do interesse público. Esta análise é denominada mérito.

O mérito corresponde a uma análise valorativa do ato praticado, quanto à sua

justiça, adequação, igualdade e mesmo se é bom ou mau, certo ou errado, em face

do interesse público a atingir.

De acordo com a definição de Maria Sylvia Z. Di Pietro, "o mérito é o aspecto

do ato administrativo relativo à conveniência e à oportunidade; só existe nos atos

discricionários" (DI PIETRO, 2007, p. 202).

Celso Antônio Bandeira de Mello define, de forma muito completa, o mérito

administrativo:

Mérito é o campo de liberdade suposto na lei que, efetivamente, venha a remanescer no caso concreto, para que o administrador, segundo critérios de conveniência e oportunidade, se decida entre duas ou mais soluções admissíveis perante ele, tendo em vista o exato atendimento da finalidade legal, dada a impossibilidade de ser objetivamente reconhecida qual delas seria a única adequada. (MELLO, 1996, p. 38)

A denominação de mérito sobre os aspectos discricionários do ato

administrativo vem por influência da doutrina italiana.

Autores como Seabra Fagundes e José Cretella Júnior conferem ao mérito

administrativo um caráter político, já que visa atender ao interesse público, ao

mesmo tempo em que deve ajustá-lo aos interesses privados. Nenhum dos dois

interesses pode ser deixado de lado, levando assim a um juízo comparativo

(FAGUNDES, 1967; CRETELLA JÚNIOR, 1997).

A problemática encontrada no mérito refere-se à possibilidade ou não da sua

análise por parte do Poder Judiciário. Já que considerado como competência

privativa da Administração Pública, sujeito à sua apreciação subjetiva.

Teria o mérito uma imunidade jurisdicional? E se em desconformidade com

normas, princípios ou valores do direito? E em casos de erro na adequação ou

apreciação do caso concreto ao direito, de injustiça ou de inutilidade para o alcance

de sua finalidade, estaria o ato da Administração imune de qualquer controle?

Cino Vitta, citado por Cretella Júnior, refere-se ao vício de mérito que ocorre

com a inoportunidade ou inconveniência do ato. Neste caso, o mérito estaria se

entrelaçando com a legalidade, permitindo consequentemente a análise jurisdicional.

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Mas, para Cretella Júnior, essa ampliação do conceito de mérito alcançaria o

próprio conceito de legalidade, sendo inaceitável, pois permitiria a intervenção do

Poder Judiciário no aspecto político-discricionário do ato. Já que para este autor o

mérito trata-se de aspecto político do ato administrativo, envolvendo interesses e

não direitos, trata-se de interesses não protegidos pela norma jurídica (CRETELLA

JÚNIOR, 1967, p. 242 e 243).

Divergente da doutrina de Cretella Júnior, o presente trabalho não preceitua

que a discricionariedade administrativa se refere a interesses não protegidos pela

norma jurídica. Mesmo que deixada sobre uma esfera de liberdade, a

discricionariedade é permitida em lei, por motivos de necessidade para atender

melhor à sua finalidade.

Não há que se falar em mérito administrativo, mesmo no exercício de

competência discricionária, se o ato constituir afronta aos princípios do Direito,

atingindo os direitos individuais e coletivos, e fugindo de sua finalidade (interesse

público)

Válido o ensinamento de Maria Sylvia Z, Di Pietro, que apesar de entender o

mérito como insuscetível de controle jurisdicional, diz ser inaceitável a utilização do

vocábulo mérito administrativo como "escudo" ao controle jurisdicional, quando o ato

administrativo envolver questões de ilegalidade e moralidade administrativas. Sendo

"necessário colocar a discricionariedade em seus devidos limites", impedindo que a

Administração pratique arbitrariedades "sob o pretexto de agir discricionariamente

em matéria de mérito" (DI PIETRO, 1991, p. 91).

2.6. A discricionariedade no âmbito do Pós-Positivismo

O Estado Democrático de Direito remete a dois aspectos: a participação

popular e a justiça material O objetivo desse Estado resume-se à justiça social.

Chama à atenção a preocupação em vincular a lei aos ideais de justiça, que

pretendem submeter a Administração Pública ao Direito como um todo, não apenas

à lei em sentido puramente formal.

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Para Maria Sylvia Z. Di Pietro, a lei deverá ter seu sentido formal e também

material, porque caberá a ela cumprir os valores trazidos na Constituição sob forma

de princípios (DI PIETRO, 1991, p. 32).

O formalismo excessivo trazido pelo Positivismo Jurídico não atendeu ao seu

projeto de emancipação do indivíduo, além de trazer angústia para uma sociedade

caracterizada pela sua pluralidade e em busca de justiça.

Em geral, as características do Positivismo Jurídico se encontram em conflito

com o Estado Democrático de Direito e com o objetivo da sociedade atual.

A sua neutralidade, por exemplo, não permite ao cientista discordar do

ordenamento jurídico ou avaliá-lo. Pode apenas descrevê-lo. Ela não se preocupa

com a noção de justo e injusto, separando o Direito e a Moral. O próprio

normativismo Kelseniano não permite enunciar juízos de avaliação sobre o

ordenamento jurídico, buscando apenas um conhecimento objetivo.

A visão da lei, no Positivismo Jurídico, está no seu sentido apenas formal,

pelo fato dela emanar do Poder Legislativo (ressalvadas algumas hipóteses, como a

medida provisória).

Todo esse rigor jurídico desconhece os conceitos de justiça, moral, e

consciência social defendidos no Estado atual. Nem mesmo permitia que estes

conceitos se relacionassem com o direito formal.

Nesta via, fez-se necessária a mudança do paradigma científico do

Positivismo Jurídico. Percebe-se que este não atendeu aos objetivos do Estado

atual, regido pelos ideais de justiça, moral e ética, e comprometido com a ação

prática.

Dilthey, citado por Marcelo Galuppo, sabiamente diz que "É necessário não só

descrever, mas também compreender e interpretar o agir humano" (GALUPPO,

2005).

O Pós-Positivismo vem se consolidando a partir de meados do século XX,

como uma nova maneira de encarar o conhecimento jurídico.

Muito mais adequado ao Estado Democrático de Direito, o Pós-Positivismo

entende a relação existente entre o direito e a justiça, baseado em valores e

princípios.

O Pós-Positivismo presta grande importância ao conteúdo axiológico do

Direito, entendendo este como norma jurídica produzida pela própria sociedade,

através da história. Os princípios irão trazer esse conteúdo axiológico.

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O conhecimento jurídico passa a ser feito através de casos concretos

(pensamento problemático). Um conhecimento mais hermenêutico, não descritivo,

pois o sentido puramente formal da lei, que vem da atividade do legislador, é

incompleto. Para a melhor aplicação da norma, o aplicador deverá fazer um juízo

de adequação da norma ao caso concreto. Mas este juízo deverá vir adequado à lei

e aos princípios (GALUPPO, 2005).

Toda esta mudança de paradigma trouxe transformações ao conceito de

discricionariedade administrativa, objeto desta monografia.

A discricionariedade irá se relacionar fortemente com o Pós-Positivismo. Sua

concepção não é mais neutra em relação aos ideais de moral, justiça e mesmo de

política. É necessária a consciência da lei em seu sentido material, em busca da

realização dos princípios trazidos na Constituição.

O poder discricionário do administrador, que se encontrava livre para a

apreciação, devido à inexistência de regramentos, agora sofre a limitação dos

princípios do Direito. Assim, o administrador deverá se preocupar em atender aos

princípios da moralidade, da impessoalidade, da razoabilidade, entre outros.

Esta transformação é um reflexo do novo paradigma vivido no Estado

Democrático de Direito. Não basta que o exercício da discricionariedade atenda à

legalidade em sentido estrito, este deverá atender ao Direito como um todo,

vinculado à idéia de justiça.

Capítulo 3 CONTROLE JURISDICIONAL DO ATO ADMINISTRATIVO

3.1. Conceito de controle jurisdicional

A atividade da Administração Pública, constantemente em desconformidade

com o Direito, por abuso ou erro na aplicação deste, pode vir a violar direitos e a

gerar danos aos indivíduos. Nesse caso, o prejudicado poderá buscar o reexame do

ato praticado, através dos recursos da via administrativa, ou do Poder Judiciário.

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A atividade jurídica é a ação desenvolvida pelo Estado para tutelar os direitos

individuais e coletivos. Para M. Seabra Fagundes, a finalidade do controle

jurisdicional da atuação administrativa é proteger o indivíduo em face da

Administração Pública, como meio de "contê-la na ordem jurídica, de modo a

assegurar ao indivíduo o pleno exercício de seus direitos" (FAGUNDES, 1967, p.

114).

O Poder Judiciário exercerá o reexame jurisdicional do ato administrativo

mediante provocação, como meio de controle jurisdicional do ato. O controle

externo dos atos da Administração Pública é essencial ao Estado Democrático de

Direito, garantindo que esses atos possam ser apreciados e, caso desrespeitem o

Direito, invalidades (DI PIETRO, 2007, p. 189).

Seria inconcebível que a Administração Pública ficasse imune a qualquer

controle externo no exercício de suas atividades. Por isso o Poder Judiciário assume

papel muito importante, como o principal meio de controlar essa atuação.

O pleito judicial formado dá ao administrado a oportunidade de submeter os

atos e fatos administrativos que lesaram o seu direito à análise judicial, assegurados

o contraditório e a ampla defesa. A Administração Pública será situada na demanda

como parte, em condição de igualdade com o indivíduo. Apesar de gozar de certos

privilégios, estes são justificáveis e estritamente discriminados em lei, não

prevalecendo a sua posição na lide (MEDAUAR, 1993, p. 160).

O controle jurisdicional é um controle externo, feito a posteriori, podendo ser

repressivo ou corretivo. Assim como nos demais procedimentos formais existentes

no Judiciário, este correrá com observância dos princípios do devido processo legal,

juiz natural, contraditório, ampla defesa, entre outros. E a decisão é dotada da força

da coisa julgada, impondo-se à Administração Pública (MEDAUAR, 1993, p. 160 e

167).

Não há a exigência de que as vias administrativas sejam esgotadas

previamente para que se possa ajuizar ação perante o Judiciário. Quem sofrer lesão

ou ameaça de lesão poderá defender seu direito diretamente na via judicial.

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3.2. Sistemas de controle da Administração Pública

O Brasil atua no sistema de unidade de jurisdição, diferentemente da França,

da Alemanha, da Suécia e de Portugal, por exemplo, que utilizam um sistema de

jurisdição especial.

No sistema de jurisdição especial, a Administração Pública se submete a

Tribunais com competência específica para apreciar seus contenciosos. Existem,

paralelamente, a jurisdição comum e a jurisdição administrativa. De regra, o

Conselho de Estado será o órgão supremo, encabeçando uma série de juízos e

tribunais administrativos, independente do Tribunal de jurisdição comum

(MEDAUAR, 1993, p. 163).

No sistema uno, adotado pelo Brasil, o Poder Judiciário exerce o monopólio

da jurisdição. Este se encontra constitucionalmente assegurado pelo artigo 5º, inciso

XXXV, que determina que nenhuma lesão ou ameaça de lesão a direito poderá ser

excluída da apreciação jurisdicional. Nesse caso, a Administração Pública submete-

se à jurisdição comum (DI PIETRO, 2007, p. 689).

3.3. Limites ao controle jurisdicional

É pacífico o posicionamento de que o controle jurisdicional poderá incidir

sobre atos administrativos de qualquer natureza, mesmo os discricionários, em se

tratando da legalidade.

A legalidade será analisada em todos os aspectos do ato, desde sua edição,

buscando a adequação do ato à lei, o atendimento dos requisitos exigidos e a sua

finalidade (abuso de poder).

A forma dos atos, da qual se reveste a manifestação de vontade da

Administração, também é alvo constante do controle jurisdicional. Nas palavras de

Cretella Júnior:

O controle jurisdicional da Administração, na quase totalidade dos casos, incide sobre os elementos estruturais do ato administrativo, porque a anatomia, estrutura ou elementos constitutivos do ato são traços que, ao

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primeiro exame, podem revelar o defeito ou vício da medida estatal, eivada de legalidade. (...) se o defeito é forma, impõem-se a imediata correção. (CRETELLA, 1997, p.213)

A apreciação judicial não pode recair sobre atos normativos, pois estes são

apenas atacáveis por ações diretas de inconstitucionalidade. E nem sobre os atos

interna corporis, salvo se estes exorbitarem em seu conteúdo, violando direitos

individuais ou coletivos.

Quanto aos atos políticos, estes costumavam ser imunizados ao controle

jurisdicional, sendo equiparados aos atos discricionários. Não obstante, parte

majoritária da doutrina atual entende que os atos políticos podem sofrer controle

jurisdicional, desde que causem lesão a direitos individuais ou coletivos (MEDAUAR,

1993, p. 175).

Para Maria Sylvia Z. Di Pietro, a apreciação dos atos políticos por parte do

Poder Judiciário, quando estes atentam contra direitos, também se justifica pelo

disposto no artigo 5º, inciso XXXV da Constituição, que determina a não exclusão de

lesão ou ameaça de lesão a direito da apreciação judicial (DI PIETRO, 2007, p. 690

e 691).

A aplicação deste princípio, permitindo que o Poder Judiciário possa apreciar

os atos políticos, antes vedados à apreciação jurisdicional, é mais um exemplo da

regência dos princípios no direito brasileiro (FAGUNDES, 1967).

Há um posicionamento que defende estar o controle feito pelo Poder

Judiciário limitado a analisar os atos administrativos sob a ótica legal ou do abuso de

poder, declarando a sua ilegalidade.

Odete Medauar denomina esta limitação à apreciação da legalidade como

controle restrito. Para ela existem duas justificativas para esta limitação: o princípio

da separação dos poderes, impossibilitando ao Judiciário interferir em atividades

típicas do Executivo, e a ilegitimidade dos integrantes do Judiciário para apreciar

matérias referentes ao interesse público, já que desprovidos de mandato eletivo

(MEDAUAR, 1993, p. 394).

Vários autores, como Hely Lopes Meirelles e Cretella Júnior acreditavam ser

vedada a apreciação jurisdicional do mérito do ato administrativo, apresentando este

uma imunidade jurisdicional. Para estes autores, estaria o mérito sob exclusiva

competência do Poder Executivo, já que dependente de análise subjetiva por parte

do administrador (MEIRELLES, 1989; CRETELLA JÚNIOR, 1997, p. 336).

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O controle jurisdicional da ilegalidade ou abuso de poder da Administração

está dentro da função do Poder Judiciário. Todavia, em vista da divisão das funções

do Estado, com fundamento no princípio da independência dos poderes, o Poder

Judiciário não poderia interferir nesse âmbito de atuação do Poder Executivo. O

mérito administrativo é imune à interferência do Judiciário, mesmo que ocorra

injustiça, inoportunidade ou inconveniência. Este é o posicionamento de Cretella

Júnior:

Se, em qualquer operação administrativa, ocorre injustiça, inoportunidade, irrazoabilidade, inconveniência, nada pode fazer o Judiciário. (CRETELLA, 1997, p.213, grifos meus). O controle jurisdicional dos atos da Administração Pública incide, só e só, nos aspectos da ilegalidade e do abuso de poder das autoridades, ficando fora, totalmente, daquele controle o terreno do mérito do ato administrativo, imune à apreciação do Poder Judiciário, precisamente por tratar-se da discricionariedade administrativa, campo reservado à Administração, único juiz da oportunidade e da conveniência das medidas a serem tomadas, mas interdito a qualquer ingerência de outros poderes. (CRETELLA, 1997, p. 248).

Já Maria Sylvia Z. Di Pietro chama à atenção uma ampliação nessa

possibilidade de controle sobre o ato administrativo. Para ela, a apreciação do Poder

Judiciário não se limita aos aspectos de legalidade, mas também de moralidade, de

acordo com o disposto no artigo 37 da Constituição Federal, no qual este princípio

sofre uma normatização, passando a ser expresso no ordenamento jurídico (DI

PIETRO, 2007, p. 689).

Para a autora, ao se tratar de atos discricionários, esse controle encontra

limites quanto ao mérito administrativo, que é aspecto de apreciação subjetiva do

administrador público. Para ela os motivos do ato podem ser apreciados quanto à

sua existência e veracidade.

Odete Medauar também fala da "tendência de ampliação do controle

jurisdicional da Administração". De acordo com a autora, a Constituição Federal

acentuou uma "evolução já verificada na doutrina e na jurisprudência" mesmo antes

da Constituição, caracterizada pela "priorização dos direitos e garantias ante o poder

público", indicando muito mais parâmetros para a atuação administrativa, por meio

principalmente dos princípios (MEDAUAR, 1993, p. 395).

Ao Poder Judiciário também é permitido apreciar os motivos que levam ao ato

administrativo discricionário, analisando a sua existência, falsidade e adequação

quanto ao fim pretendido. Deverá haver nexo entre o ato administrativo e os fatos

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que o antecederam, além da observância dos princípios da razoabilidade e

proporcionalidade (DI PIETRO, 2007, p. 690).

Outra observação importante refere-se à escolha do administrador entre as

opções de atuação possíveis trazidas pela lei, ao praticar o ato administrativo

discricionário. Sabe-se que a lei deixa ao administrador um leque de opções, todas

válidas perante o direito. Diante desse leque o administrador deverá optar pela mais

adequada ao caso concreto, obedecendo às regras e aos princípios de Direito.

Ocorre que as circunstâncias do caso concreto, muitas vezes, conduzem o

administrador para um campo reduzido de opções possíveis, ou mesmo a uma única

solução possível. Se a opção tomada pelo administrador, no exercício de sua

discricionariedade, não recair sobre uma das opções possíveis, e sim sobre opção

irrazoável, injusta ou inválida, é cabível a apreciação judicial. Em momento algum o

magistrado fará apreciação entre as opções possíveis, mas poderá anular

judicialmente a opção tomada pelo administrador, se este se afastar delas (MELLO,

2005).

A noção de juridicidade abranda muito os limites impostos ao controle

jurisdicional. Além de apreciar a adequação dos atos às regras jurídicas, também

poderá ser apreciada a adequação aos comandos principiológicos previstos no

Direito.

Fato é que ocorre uma mudança de paradigma quanto ao limite do controle

feito pelo Poder Judiciário sobre a Administração Pública. Não se atém apenas aos

aspectos da legalidade, mas também aos da juridicidade.

Os elementos discricionários do ato administrativo poderão sofrer a

apreciação jurisdicional em face dos princípios gerais do Direito, principalmente se

envolverem injustiça, inconveniência, inoportunidade e afronta a direitos individuais,

não obstante alguns autores os entendam como imunes ao referido controle.

3.4 Meios de controle jurisdicional do ato administrativo

O controle jurisdicional dos atos da Administração Pública ocorrerá mediante

provocação ao Judiciário, previstos na lei vários meios para essa provocação,

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utilizando o direito de ação garantido no artigo 5º da Constituição Federal. São

utilizadas ações previstas na legislação ordinária, como as ações reivindicatórias.

Todavia, o texto constitucional oferece os remédios constitucionais. São

ações específicas para o controle jurisdicional da Administração Pública, previstas

no artigo 5º da Constituição, como habeas corpus, habeas data, mandado de

injunção, mandado de segurança e ação popular, além da ação civil pública, não

prevista neste artigo. Estas garantias têm natureza instrumental, objetivando

resguardar os direitos individuais e coletivos. E são facultadas, pelo próprio Direito

de ação, aos prejudicados pelo ato administrativo em desacordo com as regras e

princípios do Direito.

Maria Sylvia Z. Di Pietro acredita que as ações citadas, que têm natureza de

garantias dos direitos fundamentais, preceituados no mesmo Título II da

Constituição, têm exatamente este objetivo de provocar a intervenção de

autoridades para que os atos administrativos lesivos aos direitos individuais e

coletivos sejam corrigidos, em geral pelo Poder Judiciário (DI PIETRO, 2007, p. 690

e 698; MEDAUAR, 1993).

Capítulo 4 O CONTROLE PRINCIPIOLÓGICO

4.1. A utilização dos Princípios e o Controle do ato administrativo

Os princípios são os alicerces da Ciência, causa ou base do ordenamento

jurídico. Estes apresentam suma importância para o Direito Administrativo na

garantia do equilíbrio da bipolaridade "liberdade do indivíduo e autoridade da

Administração", principalmente pelo fato de ser um direito não codificado. O Direito

Administrativo apresenta princípios específicos e outros próprios também de outros

ramos do direito (DI PIETRO, 2007, p. 124).

Com a superação do positivismo jurídico, a discricionariedade passa a ser a

liberdade de apreciação do administrador público, não apenas limitada pela lei, mas

pelo Direito como um todo, composto por regras e princípios normativos.

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A Legalidade, princípio basilar do Estado de Direito, passa a ser concebida,

não no sentido estrito concebido pelo positivismo, restrito às regras, mas em sentido

amplo que abrange também os princípios. Esta nova face é denominada

Juridicidade.

A observância dos princípios é obrigatória à Administração, constituindo

parâmetros da atuação administrativa. Se contrariados princípios constitucionais, o

ato administrativo constituirá vício de inconstitucionalidade. Se contrariar princípio

constante de norma infraconstitucional, poderá ocorrer a invalidade do ato

administrativo, sendo passível de controle pelo Poder Judiciário.

Logo, ao ter que escolher uma dentre as várias opções possíveis conferidas

pela lei, o Administrador Público deverá obrigatoriamente fazer seu juízo observando

os princípios presentes no Direito, explícita ou implicitamente. Os princípios atuam

como garantia contra o abuso da atuação discricionária da Administração Publica,

não podendo deixar de serem observados.

Quando o ato administrativo passa a ter a obrigação de atender princípios do

direito, incidentes também nos seus critérios de oportunidade e de conveniência,

logo nos aspectos não-vinculados do ato, aumenta o âmbito passível de controle

jurisdicional. Esse controle não vem como uma forma de intervir nestes juízos

pessoais do administrador público, mas como meio de mantê-los atrelados às suas

condicionantes.

Bom exemplo é o dos tribunais administrativos franceses, que apelam aos

princípios para reduzir a discricionariedade da Administração Pública, controlando

certos aspectos da conveniência e da oportunidade, criando regras de direito que

estendem o domínio da competência vinculada e da legalidade. Esta é uma tradição

de órgão criador do Direito Administrativo, de característica pretoriana, atendida pelo

direito francês.

Bom exemplo de como os tribunais administrativos franceses apelam aos

princípios para reduzir a discricionariedade da Administração Pública é um caso

contado por Vedel e Delvolvé, citado por Maria Sylvia Z.Di Pietro em seu livro:

uma senhora (Trompier-Gravier) interpôs recurso por excesso de poder contra o ato administrativo que lhe retirou a autorização para explorar uma banca de jornal. Embora se tratasse de decisão discricionária, em que a lei não previa qualquer direito de defesa para o interessado, o Conselho de Estado entendeu que a Administração não poderia retirar a autorização sem assegurar o direito de defesa à interessada. A decisão judicial anulou

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o ato, não por infringência à lei, mas por desrespeito ao princípio geral da ampla defesa. É uma forma de o juiz transformar uma questão de oportunidade e conveniência em uma questão de legalidade (1991, p.124).

Atualmente, vários princípios encontram-se normatizados no nosso texto

constitucional e infra-constitucional, assumindo foros de pauta jurídica. Essa

previsão de forma alguma esgota os princípios do direito brasileiro, contemplando os

implícitos o ordenamento.

Os princípios componentes do sistema jurídico administrativo brasileiro

encontram-se explícitos ou implícitos na Constituição Federal de 1988 e em leis

esparsas, sendo os princípios expressos no texto constitucional uma inovação desta

Constituição.

O artigo 37, caput, da Carta Magna enumerou cinco princípios que devem

reger a Administração Pública: da legalidade, da imparcialidade, da moralidade, da

publicidade e da eficiência.

Outras leis esparsas trouxeram menção expressa a princípios específicos do

processo, como a Lei de Licitação e Contrato (Lei nº 8.666/ 93) e a Lei de

Concessão e Permissão de Serviço Público (Lei nº 8.987/95). E a Lei do Processo

Administrativo Federal que, em seu artigo 2º, contempla outros princípios, não

citados na Lei Maior, da seguinte forma:

Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. (Lei 9.784, de 29 de janeiro de 1999, art. 2º).

Logo, passa o Poder Judiciário à análise da juridicidade dos atos, não

somente da legalidade, mas também dos princípios do direito, fazendo-se um

controle principiológico.

Para Maria Sylvia Z. Di Pietro, no contexto atual do Estado Democrático de

Direito, não se tem optado pelo mesmo formalismo do direito positivo, pendendo-se

muito mais ao retorno ao Estado de Direito, do que ao Estado Legal (DI PIETRO,

1991, p. 29).

Por isso a preocupação com determinados valores e princípios presentes em

peso na Constituição, inclusive no seu preâmbulo. Os princípios passam a reger a

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atividade dos três poderes do Estado, gerando inconstitucionalidade de lei que os

contrarie. A autora destaca que:

a Administração Pública já não está submetida apenas à lei, em sentido formal, mas a todos os princípios que consagram valores expressos ou implícitos na Constituição, relacionados com a liberdade, igualdade, segurança, desenvolvimento, bem-estar e justiça. (DI PIETRO, 1991, p. 34)

4.2. Os Princípios da Administração Pública

4.2.1. Princípio da legalidade

Encontra-se positivado no artigo 37, caput da Constituição Federal. Este é o

princípio basilar do Estado de Direito, logo também do Direito Administrativo, que

nasce com aquele, constituindo uma das principais garantias de respeito aos direitos

individuais.

Com caráter nitidamente liberal, segundo o qual a lei é instrumento de

garantia da liberdade do homem, mediante a imposição de limites às prerrogativas

estatais. Esse princípio determina a submissão do Estado à lei e a proteção do

particular contra arbitrariedades.

Em um contexto político, o princípio da legalidade determina que a atuação do

Executivo esteja submetida a um poder concreto, a um quadro normativo, impedindo

desvios e arbitrariedades.

A Administração Pública só poderá agir com base no que for permitido na lei,

ao contrário dos particulares, que poderão agir de qualquer forma não proibida em

lei (princípio da autonomia da vontade), como estipulado no artigo 5º, II da Lei Maior.

Assim, resta demonstrado o caráter subordinado da atividade administrativa,

limitada à expedição de comandos complementares à lei, como regulamento,

instrução, resolução ou portarias. Sua função normativa é na maior parte derivada.

Tanto que, se a lei à qual se destinou a complementar for declarada inconstitucional,

aquela terá o mesmo destino.

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No mesmo sentido é a observação de Celso Antônio B. de Mello, que define a

atividade administrativa com um caráter subalterno, pois se subjuga inteiramente à

lei preexistente, "nunca lhe assistindo instaurar originariamente qualquer cerceio a

direitos de terceiros" (MELLO, 2005, p. 94).

Apenas nos atos administrativos detentores de elementos discricionários, a lei

não disciplinaria a atividade da Administração em todos os seus aspectos, apesar de

estar na lei a previsão, mesmo a permissão, da discricionariedade.

Todavia, percebe-se hoje uma ampliação desse princípio, que prevê que os

elementos discricionários devem respeitar, não somente a lei, mas o Direito como

um todo, composto também por princípios e valores.

Dentro da Constituição Federal, os artigos 5º, II e 84, IV reafirmam a regência

do princípio da legalidade, atrelando sem sombra de dúvidas a atividade do

Executivo à lei. Em outros países como França, Alemanha e Itália, a esfera de

atuação administrativa em relação à lei é muito maior. O nosso sistema é

conseqüência da nossa tradição constitucional e da própria estrutura do Estado de

Direito (DI PIETRO, 2007, p. 58).

A observância deste princípio vem garantida na Constituição por meio de

controles interno e externo feitos sobre a Administração. De acordo com o princípio

do juízo natural, "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou

ameaça de lesão". Além do controle exercido pelo Poder Legislativo, auxiliado ou

não pelo Tribunal de contas e o controle interno exercido pelo próprio Poder

Executivo.

4.2.2 - Princípio da impessoalidade

Uma vez que a atividade da Administração deve ser sempre norteada pelo

interesse público, esta deve atuar com impessoalidade. O princípio da

impessoalidade está previsto expressamente no art. 37, caput, da Constituição

Federal.

Ocorrem divergências na doutrina quanto ao seu propósito. Para alguns, o

presente princípio visa impedir discriminações entre os administrados no exercício

da atividade administrativa. Por esta corrente, o princípio da impessoalidade seria

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como uma face do princípio da igualdade e da isonomia, "todos são iguais" perante a

Administração Pública (MELLO, 2005).

A concretização dessa interpretação encontra-se, por exemplo, no Capítulo

VII da Lei Magna, referente à Administração Pública, ao exigir a realização de

concurso público para provimento de cargos públicos e de licitação para a

celebração de contratos com a Administração.

Por outro lado, o princípio da impessoalidade é interpretado como relacionado

à própria Administração. Os atos e provimentos administrativos praticados pela

Administração Pública não deverão ser imputados ao agente ou funcionário que o

praticou em nome da Administração, mas ao órgão ou entidade que este representa,

que é o autor institucional do ato (DI PIETRO, 2007, p. 62).

Os agentes públicos ou pessoas com atribuição pública são meros

representantes do órgão ou entidade da Administração Pública, que não poderiam

agir por si próprios. Exemplo disso é que quando um ato é praticado por funcionário

irregularmente investido no cargo ou função pública, aquele pode ser reconhecido

válido, já que os atos são de autoria do órgão e não do seu representante.

Esse preceito encontra-se garantido no artigo 37, §1º, onde está vedada a

vinculação de "nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de

autoridades ou servidores públicos" aos atos administrativos. A Lei do processo

Administrativo Federal (Lei nº 9.784/99) também emprega esse princípio

implicitamente, no artigo 2º, parágrafo único, III, no qual é "vedada a promoção

pessoal de agentes ou autoridades".

O presente princípio deverá, assim como os demais, nortear a apreciação

feita pelo administrador ao praticar o ato administrativo discricionário.

Neste entendimento está parte da jurisprudência, norteando suas decisões

com base no princípio em tela, mesmo se tratando de ato discricionário. É o caso do

acórdão do Superior Tribunal de Justiça, que trata de concurso público para

magistratura:

CONSTITUCIONAL - ADMINISTRATIVO - RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA - CONCURSO PÚBLICO - MAGISTRATURA ESTADUAL - ENTREVISTA - INVESTIGAÇÃO SOCIAL E DA VIDA PREGRESSA - ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO - MOTIVAÇÃO - CARÁTER SUBJETIVO - IMPOSSIBILIDADE - PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (ART. 5º, INCISO LVII, CF) - INEXISTÊNCIA DE PUNIÇÃO REFERENTE A PROCESSO DISCIPLINAR,

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POR RETENÇÃO DE AUTOS, JUNTO A OAB-BA - CANDIDATO APROVADO - SITUAÇÃO FÁTICA CONSOLIDADA - NOMEAÇÃO. 1 - O ato administrativo, para que seja válido, deve observar, entre outros, o princípio da impessoalidade, licitude e publicidade. Estes três pilares do Direito Administrativo fundem-se na chamada motivação dos atos administrativos, que é o conjunto das razões fáticas ou jurídicas determinantes da expedição do ato. Tratando-se, na espécie, de ato do tipo discricionário e não vinculado – posto que visa a examinar a vida pregressa e investigar socialmente o candidato à admissão em concurso público -, uma vez delimitada a existência e feita a valoração, não há como o administrador furtar-se a tais fatos. Não se discute, no caso sub judice, se o ato que prevê a análise da conduta pessoal e social do indivíduo, através da apuração de toda sua vida anterior, é legal ou não, porquanto, notoriamente sabemos que o é. Há previsão tanto na lei (LOMAN, art. 78, parág. 2º), como nas normas editalícias (item 3.4.1). Entretanto, o que não se pode aceitar é que este ato, após delimitado e motivado, revista-se do caráter da subjetividade, gerando uma verdadeira arbitrariedade. 2 - Tendo o Tribunal a quo embasado a motivação do ato, real e exclusivamente, na existência de procedimento disciplinar contra o candidato, por retenção de autos, junto a OAB-Bahia, e sendo juntado a este writ certidão do referido Órgão de Classe (fls. 31) asseverando, textualmente, que "o requerente não sofreu, por parte deste Conselho, até a presente data, qualquer penalidade disciplinar relacionada com o exercício da advocacia", inexiste fato concreto que obste seu ingresso na carreira pretendida, sendo nulo o ato impugnado, por falta de motivação. Presunção de inocência (art. 5º, LVII, da Magna Carta) violada. 3 - Consolidada a situação fática por força de liminar, anteriormente, deferida, resultando na aprovação final do impetrante em 40º lugar, conforme Edital nº 10/97 (fls. 105/109), configurado está o direito líquido e certo a ser agasalhado por esta via mandamental. 4 - Recurso conhecido e provido para, reformando o v. acórdão recorrido, conceder a ordem, assegurando ao impetrante-recorrente, em virtude de sua aprovação no Concurso para o Cargo de Juiz Substituto do Estado de Pernambuco, sua nomeação neste, obedecida sua classificação no certame. 5 - Custas ex leges. Honorários advocatícios indevidos a teor das Súmulas 105/STJ e 512/STF. (STJ, RMS 11336 / PE, Relator Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUINTA TURMA, DJ 19 fevereiro de 2001 p. 188) grifos meus.

O acórdão em questão determina que, para a validade do ato

administrativo, é essencial a observância do princípio da impessoalidade, entre

outros. Mesmo que se trate de um ato discricionário, se não observados esses

princípios o ato poderá gerar uma arbitrariedade, sendo passível de controle

jurisdicional.

4.2.3 Princípio da moralidade

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O princípio da moralidade disciplina as atividades da Administração Pública e

de seus agentes, de acordo com os princípios de ética e honestidade. Esse princípio

atinge também os atos do particular no seu relacionamento com a Administração. A

atividade administrativa deverá pautar-se na lealdade, boa-fé e sinceridade

relativamente aos administrados.

É o que ocorre também com os atos administrativos discricionários. Mesmo

que em consonância com o ordenamento jurídico, se o ato atentar contra a ética,

honestidade, probidade, decoro, lealdade, sinceridade e boa-fé estará havendo

violação ao princípio da moralidade administrativa e ao Direito, logo, este ato será

passível de controle feito pelo Poder Judiciário.

A existência desse princípio não é pacífica na doutrina, pois alguns

doutrinadores o consideram muito vago e impreciso ou acreditam na sua absorção

pelo conceito de legalidade. Ocorre que ser lícito não significa ser moral. A distinção

entre moralidade e legalidade é visível. Não basta à Administração agir de acordo

com a lei, devendo também agir com moralidade (DI PIETRO, 2007, p. 68).

Importante ressaltar que para esses doutrinadores, a idéia de se ter a

moralidade dentro do conceito de legalidade, como um tipo de ilegalidade, deve-se

também ao desvio de poder.

O desvio de poder passou a ser hipótese prevista em lei de ilegalidade quanto

aos fins do ato administrativo. O seu conceito corresponde à finalidade do ato

praticado, configurada no aspecto subjetivo do ato, referente à intenção do agente.

Nesse caso, mesmo que se utilizando de meios lícitos, o agente busca atingir fins

meta-jurídicos irregulares.

Após ser considerado como ilegalidade, o desvio de poder ampliou a

possibilidade de controle judicial sobre a atividade administrativa.

De toda forma, o princípio da moralidade encontra-se muito mais amplo do

que o desvio de poder, sendo este apenas uma de suas espécies. São

completamente distintas a moralidade e a legalidade, mesmo que a legalidade passe

a abranger no direito positivo uma de suas faces.

Maria Sylvia Z. Di Pietro fala da visão de Maurice Hauriou sobre a importância

de se distinguir entre o honesto e o desonesto, sobre a existência de uma moral

administrativa, e do condicionamento que esta exerce no poder discricionário:

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da existência de uma moral institucional, contida na lei, imposta pelo Poder Legislativo, e da moral administrativa, que é imposta de dentro e que vigora no próprio ambiente institucional e condiciona a utilização de qualquer poder jurídico, mesmo o discricionário. (DI PIETRO, 2007, p.69)

O presente princípio assume suma importância ao tratar-se de "improbidade

administrativa", determinada na Lei nº 8.429 de 1992. Condutas atentatórias à

probidade administrativa configuram crime de responsabilidade.

Como penalidade ao crime de responsabilidade, nos termos do artigo 85, V

da Lei Magna, poderá haver a destituição de cargo do Presidente da República. E

para os servidores públicos, nos termos do artigo 37, §4º, também da Constituição, a

"suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos

bens e o ressarcimento ao erário", sem prejuízo da ação penal cabível.

Versa a presente Lei de "improbidade administrativa", em sua Seção III, "Dos

Atos de Improbidade Administrativa que Atentam Contra os Princípios da

Administração Pública", em seu artigo 11:

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente (...) (Lei nº 8.429 de 1992 – Lei de "Improbidade Administrativa")

A moralidade administrativa também está assegurada pela ação popular, por via

judicial, com intuito de anular os atos lesivos a esta, nos termos do art. 5º, LXXIII,

que determina:

Art. 5º - Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência. (Constituição Federal, 1988, grifos meus)

Fato é que a normatização de tal princípio na Constituição Federal implica,

mais claramente, a obrigatoriedade do seu atendimento. Caso contrário ocorrerá

violação do próprio Direito. Mesmo não se identificando com o conceito de

legalidade, a violação ao princípio da moralidade gera efeitos jurídicos como a

invalidade do ato, determinada pela própria Administração ou pelo Poder Judiciário.

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A moralidade aglutina muitos dos imperativos necessários à boa

administração. A atividade administrativa deverá atender não apenas à lei, mas

também a esse princípio.

Esse é o entendimento atual de boa parte das decisões nos Tribunais, mesmo

ao se tratar de atos detentores de discricionariedade, mesmo porque são nos atos

administrativos discricionários que se apresenta, mais facilmente, a imoralidade,

devendo haver controle judicial.

Cita-se decisão do Superior Tribunal de Justiça que apóia o controle

jurisdicional baseado no princípio da moralidade, mesmo que em ato discricionário:

ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO. 1. Na atualidade, a Administração pública está submetida ao império da lei. 2. O Poder Judiciário não mais se limita a examinar os aspectos extrínsecos da administração, pois pode analisar, ainda, as razões de conveniência e oportunidade, uma vez que essas razões devem observar critérios de moralidade e razoabilidade. 3. O Ministério Público não logrou demonstrar os meios para a realização da obrigação de fazer pleiteada. 4. Recurso especial improvido. (STJ, Relatora Ministra ELIANA CALMON, REsp 510259/SP, SEGUNDA TURMA, DJ 19 de setembro de 2005, p. 252, grifos meus)

Este acórdão, que se trata de um Recurso Especial, refere-se a uma ação

civil pública ajuizada pelo Ministério Público, no estado de São Paulo. O objetivo da

ação era determinar que a Administração Pública criasse e mantivesse vagas em

creches municipais para as crianças menores de seis anos. A Relatora Ministra

Eliana Calmon determinou que as razões de conveniência e oportunidade do ato

administrativo em questão estão obrigadas a observar critérios de moralidade e de

razoabilidade, o que justifica a possibilidade de exame jurisdicional.

4.2.4 Princípio da publicidade

Também consagrado expressamente no art. 37, caput, da Constituição

Federal, o princípio em questão determina o dever da Administração de manter a

transparência e a ampla divulgação de todas as suas atividades.

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Esse princípio tem grande importância quanto à motivação do ato

administrativo. A ausência, nos casos em que a motivação é obrigatória, e a

falsidade do motivo geram ilegalidade.

Compete à Administração Pública o exercício de atividades de interesse

público. Logo os administrados são titulares legítimos a obter as informações

pertinentes à atividade administrativa, principalmente os sujeitos individualmente

afetados (DI PIETRO, 2007, p. 66).

A Lei do Processo Administrativo no âmbito Federal traduz bem o sentido

desse princípio, determinando em seu artigo 2º, parágrafo único, inciso V, a

obrigatoriedade de "divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as

hipóteses de sigilo previsto na Constituição" (BRASIL, 1999).

Esse princípio apresenta nítida relação com o direito à informação, presente

no Título II, da Constituição, que trata dos Direitos e Garantias Fundamentais, no

seu artigo 5º, XXXII.

Tanto os assuntos de interesse particular, quanto os de interesse geral ou

coletivo são objetos desse princípio, ampliando a possibilidade de controle por parte

da população sobre a atividade administrativa.

Quanto aos atos administrativos discricionários, a publicidade do ato será de

suma importância, permitindo a análise do atendimento ou não do Direito no seu

juízo de conveniência e oportunidade.

Não se justifica o sigilo das informações pertinentes ao interesse público, a

publicidade só poderá ser restringida se necessário ao interesse social, à defesa da

intimidade e à segurança da sociedade e do Estado, como previsto no artigo 5º,

XXXIII e LX da Lei Maior.

4.2.5 Princípio da eficiência

Este princípio foi acrescentado ao Capítulo VII da Constituição Federal por

força da Emenda Constitucional nº 19/98 (Emenda da Reforma Administrativa). É um

princípio moderno, segundo o qual a Administração Pública deverá praticar suas

atribuições adequadamente, não apenas com legalidade, mas atendendo

satisfatoriamente aos administrados.

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O objetivo é aferir melhores resultados, obtidos pelo bom desempenho das

atividades administrativas. Esse princípio encontra identidade com o princípio da

doutrina italiana da "boa administração", concernente ao equilíbrio da atividade

administrativa com o ordenamento jurídico e a ótima prestação de seus serviços.

Apresenta-se, de acordo com Celso Antônio B. de Mello como providência

desejável, mas juridicamente fluido e de difícil controle pelo direito, que, segundo o

autor, "mais parece um simples adorno agregado ao art. 37 ou extravasamento de

uma aspiração dos que buliram no texto" (MELLO, 2005, p. 112).

Outrossim, tal princípio deverá ser exercido nos limites de outro princípio, o da

legalidade, pois a busca pela eficiência jamais poderia postergar o exercício deste,

que é fundamental à Administração e ao Estado de Direito, assim como o exercício

dos demais princípios pertinentes à matéria. A atuação da Administração deverá ser

adequada, objetivando os melhores resultados, mas sempre limitada pelo

ordenamento jurídico.

Já para Hely Lopes Meirelles, citado por Maria Sylvia Z. Di Pietro, a eficiência

é legítimo dever da Administração, definindo-o como:

O que se impõe a todo agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros. (DI PIETRO, 2007, p.75)

Quanto ao exercício da discricionariedade no ato administrativo, permitido em

lei, o princípio da eficiência influirá diretamente na apreciação de oportunidade e

conveniência da Administração Pública.

Independente da adequação do ato com a lei, o presente princípio impõe

ainda que o administrador opte pela solução mais adequada à persecução do

interesse público, atingindo os melhores resultados de acordo com o princípio da

eficiência.

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4.2.6 Princípio da Razoabilidade

A razoabilidade é um princípio geral do direito, pertinente ao Direito

Administrativo, previsto expressamente na Lei nº 4.717, da Ação Popular.

A razoabilidade corresponde à adequação dos meios aos fins, devendo estes

ser adequados e correlatos. A matéria de fato ou de direito que fundamentou o ato

deve estar adequada ao resultado visado (objeto), constituindo o motivo do ato

administrativo.

Outra aplicação do princípio em tela seria quanto à correlação entre o ato

administrativo e a finalidade pública almejada.

No Direito brasileiro os princípios em questão assumem grande importância

quanto às sanções disciplinares e de polícia, fazendo o controle das penalidades

aplicadas. As sanções devem ser adequadas à infração praticada.

Mesmo sendo a arbitragem da penalidade de competência discricionária da

Administração Publica, ao Poder Judiciário compete apreciar a observância do

princípio da razoabilidade quanto à finalidade punitiva, controlando os excessos por

parte do administrador (DI PIETRO, 2007, p. 71; MELLO, 2005).

Maria Sylvia Zanella Di Pietro defende sabiamente essa posição,

determinando que:

ninguém pode ser punido por razões de mérito (oportunidade e conveniência). Se a Administração, ao qualificar os fatos, o fizer de forma que acarrete desproporção entre o motivo (infração) e o objeto (sanção), ao Judiciário caberá invalidar a decisão, sem que isso implique exame de mérito. (DI PIETRO, 2007, p.150)

Logo, apresenta-se o princípio da razoabilidade como limitador à

discricionariedade administrativa.

É possível ao Poder Judiciário apreciar a aplicação desse princípio nos atos

da Administração, mesmo que discricionários, quanto à existência dos motivos e à

adequação destes ao caso concreto. Se a opção administrativa recair sobre hipótese

irrazoável o ato será inválido, passível de anulação judicial.

4.2.7 Princípio da Juridicidade

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O princípio da juridicidade é um princípio moderno, que compreende de forma

mais ampla a totalidade das regras, princípios e valores do Direito. O princípio da

legalidade já não atende mais os objetivos do Estado de Direito. Passa a ocorrer um

fenômeno de se analisar de um lado a legalidade, e de outro, os princípios, também

elementos pertencentes ao Direito.

Devido à constitucionalização dos princípios, o princípio da juridicidade passa

a limitar e legitimar a atuação estatal. Segundo esse princípio, a atividade do Estado

deve ser regida pelo Direito como um todo, compreendendo este as regras e

também os princípios.

O princípio da juridicidade chega a abranger a própria concepção de

legalidade estrita, pois compreende também a necessidade dos atos jurídicos

obedecerem às regras do ordenamento jurídico. Além disso, ele aglutina todos os

princípios de Direito, que deverão reger a atividade do Estado.

Canotilho, citado por Emerson Garcia, discute uma evolução dogmática

vinculada ao Estado de Direito. Esta evolução vem da necessidade de "conformar as

estruturas do poder político e a organização da sociedade segundo a medida do

direito", compreendido o direito como "meio de ordenação racional e vinculativa de

uma comunidade organizada", necessária a criação de regras, medidas, formas,

procedimentos e instituições (GARCIA, 2001).

Daí a ocorrência de um princípio mais amplo, que abrange o próprio princípio

da legalidade, em observância a um direito por regras e também por princípios.

A Administração Pública, ao praticar ato administrativo discricionário, além de

agir em conformidade com todas as regras do ordenamento jurídico, deverá ater seu

juízo subjetivo de oportunidade e conveniência (mérito) a todos os princípios do

Direito, sejam eles expressos ou implícitos, próprios da Administração ou gerais do

direito, em observância ao princípio maior da juridicidade.

Capítulo 5 Jurisprudências atuais contrapostas quanto ao Controle

Jurisdicional do Mérito nos atos administrativos discricionários

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No Estado Democrático de Direito, não resta dúvida quanto à possibilidade de

controle feito pelo Poder Judiciário sobre os atos emanados do Poder Executivo.

Resta a problemática do limite imposto a esse controle. Sobre quais aspectos do ato

administrativo poderá recair o controle jurisdicional?

Após a exposição e a análise das diversas doutrinas referentes ao assunto

desta monografia, o objetivo deste capítulo é analisar os diversos posicionamentos

quanto ao controle jurisdicional do mérito no ato administrativo discricionário, diante

de algumas jurisprudências atuais dos nossos Tribunais Superiores e de Tribunais

de Justiça, estabelecendo uma comparação entre elas.

Para isso, tomar-se-ão por base duas jurisprudências, do Superior Tribunal de

Justiça e do Supremo Tribunal Federal, que trazem posicionamentos diversos

quanto ao assunto: a decisão proferida pelo STJ, no Recurso Especial nº 429570/

GO e o acórdão do STF, no Recurso Ordinário em Mandado de Segurança

nº 24823/ DF.

A Relatora Ministra Eliana Calmon, na decisão proferida no Recurso Especial

nº 429570/ GO, posiciona-se a favor da possibilidade de controle jurisdicional do

mérito administrativo. O recurso em questão foi interposto contra acórdão proferido

pelo Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, em sede de uma ação civil pública

ajuizada pelo Ministério Público daquele Estado contra o Município de Goiânia.

A Administração Pública teria sido omissa ao não promover obras de

recuperação de área degradada por erosões, que estavam causando danos ao meio

ambiente e riscos à população circunvizinha.

Para a Ministra, diante da omissão da Administração, é possível ao Poder

Judiciário analisar os aspectos intrínsecos do ato administrativo. Estes são

entendidos como as razões de conveniência e oportunidade do ato administrativo

discricionário. Não se limita o Judiciário à análise dos aspectos de legalidade

(aspectos extrínsecos) da Administração, podendo analisar também a

discricionariedade administrativa, quanto ao atendimento aos princípios, no caso, a

moralidade e a razoabilidade. Este é o acórdão do referido Recurso Especial:

ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – OBRAS DE RECUPERAÇÃO EM PROL DO MEIO AMBIENTE – ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO. 1. Na atualidade, a Administração pública está submetida ao império da lei, inclusive quanto à conveniência e oportunidade do ato administrativo.

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2. Comprovado tecnicamente ser imprescindível, para o meio ambiente, a realização de obras de recuperação do solo, tem o Ministério Público legitimidade para exigi-la. 3. O Poder Judiciário não mais se limita a examinar os aspectos extrínsecos da administração, pois pode analisar, ainda, as razões de conveniência e oportunidade, uma vez que essas razões devem observar critérios de moralidade e razoabilidade. 4. Outorga de tutela específica para que a Administração destine do orçamento verba própria para cumpri-la. 5. Recurso especial provido. (STJ, SEGUNDA TURMA, REsp 429570 / GO ; Rel. Min. ELIANA CALMON, DJ 22.03.2004 p. 277 RSTJ vol. 187 p. 219) – grifos meus

A fundamentação do voto proferido é de especial importância neste trabalho

de monografia. A Min. Eliana Calmon relatou como o Judiciário estava atrelado ao

Princípio da Legalidade, de forma "exacerbada e literal". A importância dada a esse

princípio pelo Estado era tanta que a Ministra chega a referir-se ao Poder Legislativo

como "super poder".

É apenas no final do século XX que o Brasil inicia uma revisão crítica do seu Direito,

ampliando o conceito do princípio da legalidade:

A pergunta que se faz é a seguinte: pode o Judiciário, diante de omissão do Poder Executivo, interferir nos critérios da conveniência e oportunidade da Administração para dispor sobre a prioridade da realização de obra pública voltada para a reparação do meio ambiente, no assim chamado mérito administrativo, impondo-lhe a imediata obrigação de fazer? Em caso negativo, estaria deixando de dar cumprimento à determinação imposta pelo art. 3º, da lei de ação civil pública? O acórdão recorrido adotou entendimento de que não poderia fazê-lo por se tratar de ato administrativo discricionário, sobre o qual não cabe a ingerência do Judiciário. Não obstante, entendo que a ótica sob a qual se deve analisar a questão não é puramente a da natureza do ato administrativo, mas a da responsabilidade civil do Estado, por ato ou omissão, dos quais decorram danos ao meio ambiente. Estando, pois, provado que a erosão causa dano ao meio ambiente e põe em risco a população, exige-se do Poder Público uma posição no sentido de fazer cessar as causas do dano e também de recuperar o que já foi deteriorado. O primeiro aspecto a considerar diz respeito à atuação do Poder Judiciário, em relação à Administração. No passado, estava o Judiciário atrelado ao princípio da legalidade, expressão maior do Estado de direito, entendendo-se como tal a submissão de todos os poderes à lei. A visão exacerbada e literal do princípio transformou o Legislativo em um super poder, com supremacia absoluta, fazendo-o bom parceiro do Executivo, que dele merecia conteúdo normativo abrangente e vazio de comando, deixando-se por conta da Administração o facere ou non facere, ao que se chamou de mérito administrativo, longe do alcance do Judiciário. A partir da última década do Século XX, o Brasil, com grande atraso, promoveu a sua revisão crítica do Direito, que consistiu em retirar do Legislador a supremacia de super poder, ao dar nova interpretação ao princípio da legalidade.

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Em verdade, é inconcebível que se submeta a Administração, de forma absoluta e total, à lei. Muitas vezes, o vínculo de legalidade significa só a atribuição de competência, deixando zonas de ampla liberdade ao administrador, com o cuidado de não fomentar o arbítrio. Para tanto, deu-se ao Poder Judiciário maior atribuição para imiscuir-se no âmago do ato administrativo, a fim de, mesmo nesse íntimo campo, exercer o juízo de legalidade, coibindo abusos ou vulneração aos princípios constitucionais, na dimensão globalizada do orçamento. A tendência, portanto, é a de manter fiscalizado o espaço livre de entendimento da Administração, espaço este gerado pela discricionariedade, chamado de "Cavalo de Tróia" pelo alemão Huber, transcrito em "Direito Administrativo em Evolução", de Odete Medauar. Dentro desse novo paradigma, não se pode simplesmente dizer que, em matéria de conveniência e oportunidade, não pode o Judiciário examiná-las. Aos poucos, o caráter de liberdade total do administrador vai se apagando da cultura brasileira e, no lugar, coloca-se na análise da motivação do ato administrativo a área de controle. E, diga-se, porque pertinente, não apenas o controle em sua acepção mais ampla, mas também o político e a opinião pública. Na espécie em julgamento, tem-se, comprovado, um dano objetivo causado ao meio ambiente, cabendo ao Poder Público, dentro da sua esfera de competência e atribuição, providenciar a correção. Ao assumir o encargo de gerir o patrimônio público, também assumiu o dever de providenciar a recomposição do meio ambiente, cuja degradação, provocada pela erosão e o descaso, haja vista a utilização das crateras como depósito de lixo, está provocando riscos de desabamento e assoreamento de córregos, prejudicando as áreas de mananciais. Com essas considerações, dou provimento ao recurso especial para ordenar que a Administração providencie imediatamente as obras necessárias à recomposição do meio ambiente. É o voto. (STJ, SEGUNDA TURMA, REsp 429570 / GO ; Rel. Min. ELIANA CALMON, DJ 22.03.2004 p. 277 RSTJ vol. 187 p. 219)

Conseqüentemente, passa-se a aumentar o controle do Poder Judiciário

sobre o ato administrativo, exercendo o seu juízo de legalidade, e também coibindo

os "abusos ou vulneração" aos princípios constitucionais.

O acórdão proferido no Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº

24823 / DF, do STF, tendo como Relatora a Ministra Ellen Gracie, é contrário ao

controle jurisdicional do mérito do ato administrativo discricionário:

MANDADO DE SEGURANÇA. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. 1. O art. 5º, LV, da CF ampliou o direito de defesa dos litigantes, para assegurar, em processo judicial e administrativo, aos acusados em geral, o contraditório e a ampla defesa, com os meios e os recursos a ela inerentes. Precedentes. 2. Cumpre ao Poder Judiciário, sem que tenha de apreciar necessariamente o mérito administrativo e examinar fatos e provas, exercer o controle jurisdicional do cumprimento desses princípios. 3. Recurso provido. (STF, Segunda Turma, RMS 24823 / DF, Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJ 19-05-2006, LEXSTF v. 28, n. 330, 2006, p. 113-117)

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O mandado de segurança em questão foi impetrado contra ato de exoneração

feito por meio de processo administrativo. Contrariamente ao acórdão do STJ, neste

afirma-se que cabe ao Poder Judiciário analisar matérias de fatos e provas, sem

penetrar no mérito do ato administrativo, limitando-se a verificar a regularidade do

ato impugnado.

O acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no qual foi

relator o Desembargador Dorival Guimarães Pereira, também demonstra um

posicionamento contrário à análise do mérito administrativo pelo Poder Judiciário:

EMENTA: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO - MANDADO DE SEGURANÇA - PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR - SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL - APLICAÇÃO DA PENA DE DEMISSÃO - RECEBIMENTO DE VERBAS DE FORMA IRREGULAR - GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO ACUSADO - OBSERVÂNCIA - EXCESSO DE PRAZO - INVALIDAÇÃO DO PROCEDIMENTO - DESNECESSIDADE - PRETENSÃO DE RECEBIMENTO DE PARCELAS - IMPOSSIBILIDADE - VIA ELEITA INADEQUADA - CONTROLE DO JUDICIÁRIO - LEGALIDADE - DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA - INTELIGÊNCIA DO ART. 5º, LV DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, LEI MUNICIPAL Nº 152/2003 E SÚMULA Nº 269 DO SUMO PRETÓRIO. O excesso de prazo, para a conclusão do Processo Administrativo Disciplinar, não acarreta, de imediato, nulidade susceptível de invalidar o procedimento, salvo se tal fato tenha significado a impossibilidade do exercício do direito de defesa. É defeso ao Poder Judiciário adentrar-se no mérito do ato administrativo, para análise da conveniência, oportunidade, eficiência ou justiça do ato praticado, sob pena de substituir os deveres próprios do administrador, em cumprimento ao princípio da independência entre os Poderes. Observadas as garantias constitucionais do acusado e comprovada a prática de atos incompatíveis com o exercício de suas funções, deve ser mantida a decisão administrativa, que houve por aplicar a pena de demissão ao servidor público. A Ação Mandamental não é meio idôneo de recebimento de valores pretéritos, por não ser substituto de Ação Ordinária de Cobrança, nos termos da norma de regência. (TJMG, 5º Câmara Cível, MS 1.0184.05.010044-7/002(1), Rel. Des. DORIVAL GUIMARÃES PEREIRA, 13-02-2007)

O acórdão é um exemplo do posicionamento majoritário desse Tribunal. Ao

analisar o pedido do mandado de segurança interposto, que versa sobre a decisão

proferida em um processo administrativo disciplinar, o Desembargador nega a

possibilidade de o Poder Judiciário adentrar o mérito do ato administrativo praticado.

A análise jurisdicional do mérito importaria em substituição dos "deveres próprios do

administrador" e em ofensa ao princípio da independência dos Poderes do Estado.

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Por outro lado, o acórdão proferido no Tribunal de Justiça do Rio Grande do

Sul nos mostra posicionamento a favor da possibilidade do controle jurisdicional do

mérito administrativo:

De AGRAVO DE INSTRUMENTO. LICITAÇÃO E CONTRATO ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CABIMENTO. MEDIDA LIMINAR. HABILITAÇÃO NO PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. QUALIFICAÇÃO TÉCNICA. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA COMPETITIVIDADE. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. IMPETRANTE QUE NÃO FOI LICITANTE. Possível a interposição de agravo de instrumento contra decisão proferida em sede liminar no mandado de segurança. Acesso ao duplo grau de jurisdição que é direito fundamental do cidadão, decorrente da necessária observância dos princípios do devido processo legal e da ampla defesa, insculpidos no art. 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal. Precedentes da Câmara e do STJ. Ao longo do Século XX, superou-se a vetusta idéia de que os atos discricionários da Administração Pública estariam à margem do controle judicial, como reflexo, inclusive, da passagem ao contemporâneo Estado Democrático de Direito. A Administração Pública se submete não apenas à lei, mas ao Direito como um todo (regra essa doutrinária no Direito Administrativo moderno e positivada no art. 2º, parágrafo único, I, da Lei nº 9.784/99), podendo o Poder Judiciário sindicar todos os aspectos jurisdicizados do assim chamado ‘mérito’ do ato administrativo. O provimento judicial que atende tal direito não ofende o princípio da independência e harmonia dos Poderes (art. 2º da CF/88). Princípio da universalidade da jurisdição ou da inafastabilidade do controle judicial (art. 5º, XXXV, da Carta Magna). O Poder Público não está acima do controle jurisdicional. Precedentes do STJ e deste TJRS. A Lei nº 8.666/93, a respeito da qualificação técnica, dispõe de forma expressa, em seu art. 30, II e § 5º, que a documentação limitar-se-á à comprovação de aptidão para desempenho de atividade pertinente e compatível com as características do objeto da licitação, descabendo a exigência de comprovação de atividade ou de aptidão com limitações de tempo ou de época ou ainda em locais específicos, ou quaisquer outras não previstas nesta Lei, que inibam a participação na licitação, e admitindo-se a comprovação de aptidão através de certidões ou atestados de obras ou serviços similares de complexidade tecnológica e operacional equivalente ou superior. A atividade administrativa vincula-se à lei para que seja proporcionada a finalidade pública, afrontando a razoabilidade e a finalidade do processo de licitação a exigência de excessiva formalidade realizada pela Administração Pública, o que ofende ainda, indiretamente, os princípios da vinculação ao edital, do julgamento objetivo e da competitividade (art. 3º da Lei de Licitações). Se a impetrante tem por objeto a prestação de serviços de advocacia na área tributária, possui legitimidade para, pela via mandamental, impugnar edital de concorrência nas circunstâncias acima especificadas, que lhe impediram a participação, ainda que não tenha sido licitante. Precedente do STJ. AGRAVO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJRS, 2ª Câmara Cível, AI nº 70018006007, Rel. Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, 15-08-2007)

O acórdão do TJRS, que decidiu Agravo de Instrumento nº 70018006007,

versa sobre um procedimento licitatório. O Relator Adão Sérgio justifica a

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tangibilidade do mérito administrativo pelo Poder Judiciário com o fato da

Administração Pública ter de atender não apenas à lei, mas ao Direito como um todo

(princípios e regras). Ele fala em aspectos "jurisdicizados" se referindo aos critérios

de finalidade e razoabilidade e ao atendimento aos princípios constitucionais. Estes

critérios são "jurídicos", fazem parte do Direito, e condicionam o mérito

administrativo.

CONCLUSÃO

Diante de todo o exposto no presente trabalho, pode-se concluir a favor da

possibilidade do controle jurisdicional de mérito dos atos administrativos

discricionários.

Baseado no conceito de juridicidade, esse trabalho parte da idéia de que

todos os aspectos do ato administrativo discricionário devem observar o Direito

como um todo. Ou seja, os aspectos discricionários do ato administrativo devem

observar, quando não a lei (já que não estão regrados por esta), os princípios

expressos e implícitos que compõem o Direito.

O administrador, ao exercer o seu juízo de conveniência e oportunidade

(mérito), tem obrigação de observar os princípios da moralidade, da impessoalidade,

da razoabilidade, da publicidade, entre outros.

Baseado nessa obrigação, o controle jurisdicional incidirá no mérito

administrativo, não com o intuito de intervir no juízo de conveniência e oportunidade

do administrador público, pois estes são de sua competência exclusiva, mas como

meio de manter o mérito atrelado aos seus princípios condicionantes.

Não só quando houver afronta à lei, mas também quando houver afronta aos

princípios, não há que se falar em imunidade jurisdicional do mérito administrativo.

Nesses casos, não há desrespeito ao Princípio constitucional da

independência dos Poderes do Estado, presente no artigo 2º da Constituição

Federal. A atividade do Poder Judiciário não se prestará a praticar o ato

administrativo, muito menos a fazer o seu juízo de mérito, limitando-se a declarar a

invalidade do ato, se está se caracterizar. Impõe-se à Administração a obrigação de

editar novo ato, em substituição àquele que foi invalidado pelo Judiciário.

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A liberdade de apreciação, concedida pela lei à Administração Pública, não

justifica que esta pratique atos em desrespeito à moralidade, à justiça, à

razoabilidade, aos direitos individuais e coletivos, entre outros, desvirtuando a sua

finalidade (interesse público).

Quando o administrador público faz um mau uso da discricionariedade, poder

legítimo concedido pela lei, esta se torna arbitrariedade. A própria preceituação dos

princípios e valores na lei, na doutrina e na jurisprudência, objetiva infringir maior

controle ao uso do poder discricionário da Administração.

Boa observação é a de Mauro Roberto Gomes de Mattos, que vê esse novo

entendimento de mérito como um amadurecimento do ato administrativo

qualitativamente (MATTOS, 2005).

Todos os atos da Administração Pública sujeitam-se à Constituição. E a

constitucionalização dos princípios da Administração Pública, na Constituição

Federal de 1988, deixou ainda mais claro que todos os atos administrativos devem

obedecer a todos os seus princípios.

A obrigação do Poder Judiciário é zelar pela observância da Constituição,

declarando a inconstitucionalidade dos atos administrativos que a desrespeitem.

Além disso, deve-se obedecer ao Princípio constitucional da inafastabilidade da

apreciação judicial, preceituado no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal.

Na verdade, é inconcebível que algum ato, de qualquer dos Poderes do

Estado, goze de imunidade total de controle externo. Principalmente os atos da

Administração Pública, que exerce atividades cotidianas de governo, que

repercutem nos direitos individuais e coletivos. A Administração Pública como um

todo deverá atender igualmente aos princípios do Direito. Nesse caso, o controle

jurisdicional será o principal meio de exercer esse controle.

REFERÊNCIAS

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