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O Corpo
Página 1
04.08.2013
ISSN: 2236-8221
Edição Especial, de Julho Vitória da Conquista, Bahia
[email protected] http://www.marcadefantasia.com/o-corpo-e-discurso.htm
O corpo é discurso
Nesta edição especial, O Corpo é discurso apresenta os resultados do Curso “Cinema,
vídeo, Godard: sujeitos do cinema, procedimentos do discurso”, organizado pelo profes-
sor Nilton Milanez e por Ceres Luz, integrante do Labedisco e mestranda do Programa de
Pós-Graduação em Memória: Linguagem e Sociedade, pela Universidade Estadual do Su-
doeste da Bahia, que teve como objetivo o estudo das articulações do dispositivo audiovi-
sual a partir dos diálogos entre o cineasta Godard e os estudos foucaultianos.
ISSN: 2236-8221
EXPEDIENTE DE O CORPO
Editores
George Lima
Nilton Milanez
Organizador
George Lima
Nilton Milanez
Editoração eletrônica
(MARCA DE FANTASIA)
Henrique Magalhães
CONSELHO EDITORIAL
Dr. Elmo José dos Santos
(UFBA)
Dra. Flávia Zanutto (UEM)
Dra. Ivânia Neves
(UFPA)
Dra. Ivone Tavares Lucena
(UFPB)
Dra. Mônica da Silva Cruz (UFMA)
Dr. Nilton Milanez
(UESB)
Dra. Simone Hashiguti
(UFU))
Jornal de popularização científica
Acesse o site do Labedisco: www2.uesb.br/labedisco
O segundo capítulo do “Cinema,
Vídeo, Godard”, de Philippe Dubois, é dedi-
cado à tentativa de compreender os dile-
mas que apareceram, dentro da gramática
estética do filme, em relação ao esclareci-
mento das formas de vídeo, sua estética,
definição, espaço, dispositivo e delimita-
ção. Nesse sentido, P. Dubois (2004) lança
algumas interrogações acerca da natureza
e da (falta) de identidade que imagens
tecnológicas, reunidas sob a definição de
vídeo, sempre apresentaram e contribuí-
ram para a problematização de um gênero.
Ao passear pela lexicologia e pela
etimologia, Dubois nos traz um dado impor-
tante: vídeo, do latim videre, significa “eu
vejo”, logo a significação para vídeo, en-
quanto sistemas de imagens, assume um
sentido vasto em que a sua definição e cons-
tituição se torna um tanto quanto engloban-
te, genérica, lata e, portanto, passível de
incorporar qualquer manifestação visual,
qualquer corpo de imagens, que pode ser
perceptível aos olhos humanos. É nesse
sentido que ele afirma que a noção de vídeo
flutua e carece de uma identidade: ela pode
ser tudo, inclusive uma sucessão de ima-
gens no interior das nossas mentes etc.
Como se não bastasse, a noção de
vídeo ainda encontra outro revés: o de sua
situação coadjuvante dentro do cinema. A
partir do momento em que a palavra vídeo
apareceu como sufixo, prefixo, palavra
determinante ou qualificadora de uma
técnica de filmagem ou da reunião de
imagens produzidas a partir de determi-
nado dispositivo, sua condição se alargou
tanto a ponto de parecer não mais existir
um “vídeo em estado bruto”, por assim
dizer. É o que acontece com os termos
“videoconferência”, “videogame”,
“videocassete”, “imagem de vídeo”,
“câmera de vídeo” etc. Portanto, para
Dubois, quando falamos em vídeo esta-
mos nos remetendo a um conceito ambi-
Página 2 O Corpo
“a noção de ví-deo ainda en-contra outro
revés: o de sua situação coad-juvante den-
tro do cinema”
“...a noção de ví-deo flutua e ca-
rece de uma identidade: ela pode ser tudo,
inclusive uma su-cessão de ima-
gens no interior das nossas men-
tes etc”
valente que não se trata nem de lingua-
gem, nem de técnica, nem de processo,
nem de arte, nem de meio de comunica-
ção, nem de imagem ou dispositivo, mas
de tudo isso ao mesmo tempo.
Adiante, Philippe Dubois se
(nos) interroga sobre a existência de
uma imagem de vídeo partindo, por
exemplo, de alguns embates que surgem
ao transportar um léxico cinematográfi-
co para caracterizar a forma do vídeo.
Tendo em vista que, mediante a proble-
matização que ele apresenta acerca da
qualidade de vídeo, o vídeo configura-se
como um suporte diferente de um filme,
por exemplo. Nesse sentido, como avali-
ar, classificar, – estabelecer – uma esté-
tica para a organização de imagens tec-
nológicas partindo de uma certa tradição
conceitual que apenas funciona, adequa-
damente, em materialidades fílmicas
convencionais? Esse é outro ponto im-
portante apresentado pelo estudioso e
que merece atenção.
Ao transpor noções clássicas de
montagem, movimento de câmera, plano,
espaço, campo/contracampo etc. que fa-
zem parte de um vocabulário comum às
organizações fílmicas, para a organização
de imagens eletrônicas, isto é, o vídeo,
uma incompatibilidade se esboça na medi-
da em que o vídeo é a aparição de uma
linguagem (no sentido mais vasto possível)
que acomoda várias amostras, retalhos de
tecnologias audiovisuais que não se con-
forma com o universo mais estabilizado do
filme que, geralmente, segue uma narra-
ção e uma certa disposição uniforme. Nes-
se contexto, cabe aqui trazer A. C. Grayling
(1996) quando este diz que, segundo
Wittgenstein, o maior problema da filosofia
deve ser o de solucionar a linguagem, ou
seja, aplica-la de acordo com a lógica que
os objetos e os temas no mundo oferecem.
No caso que é apresentado por Dubois, há
um problema conceitual na medida em que
há uma diferença de objetos (filme vs.
vídeo) que adquirem os mesmos critérios
de classificação/ordenação sem levar em
consideração suas especificidades e a
morfologia de ambos que se distinguem,
em muitos casos, até radicalmente. A críti-
ca de Dubois, portanto, gira em torno do
estabelec imento de uma certa
“universalização” conceitual dos mecanis-
mos que compõem a sintaxe (em sentido
amplo) do audiovisual, de modo geral.
Essa diferença entre aquilo que é
apresentado, em termos de técnicas de
filmagem e disposição das imagens, no
vídeo e na narrativa clássica é exemplifi-
cada pelo estudioso francês de forma bas-
tante pertinente e didática. O plano, por
exemplo, que abarca o significado de “(...)
a unidade de base da linguagem cinemato-
gráfica, sua célula íntima, (...) a encarna-
ção mesma daquilo que funda um filme
como um todo” (DUBOIS, 2004, p. 75) entra
Página 3 O Corpo
em choque com um recurso conhecido
no vídeo que é a mixagem de imagens,
que visa compô-las não seguindo uma
linearidade segundo a qual a narrativa
clássica se fundamenta, mas de modo
quase aleatório, aparecendo como so-
breimpressões (imagens que produzem
certos efeitos visuais a partir da forma
como umas aparecem sob e sobre ou-
tras), janelas (que justapões fragmentos
de planos distintos no interior do quadro)
e incrustações que, semelhante às jane-
las, visa combinar fragmentos de ima-
gens originalmente diferentes.
Para citar outro exemplo de
divergências estrutural que inviabiliza a
equiparação, em termos de cotejamento
e esclarecimento dos recursos técnicos,
das imagens eletrônicas e da narrativa
clássica, basta trazermos aquilo que o
pesquisador francês apresenta sobre a
profundidade de campo. No vídeo, segundo
ele, o que existe na verdade é uma espes-
sura de imagem, pois conforme ditos an-
tes, as imagens se intercambiam, sobpõem
-se e sobrepõem-se e, dessa forma, não
existe profundidade, uma vez que tudo está
ali, manifesto na superfície da imagem, e
os “buracos”, “abismos”, as fendas que
poderiam dar uma noção de profundidade
são preenchidas por outras imagens que
apagam a percepção de camadas.
Assim, a crítica que Philippe Du-
bois realiza acerca da estética de vídeo
como uma extensão da estética do filme é
plausível na medida em que existem dife-
renças morfológicas, tecnológicas, concei-
tuais e históricas entre os dois objetos. Em
uma mesma imagem no vídeo, portanto,
coexistem várias técnicas fílmicas que
tornam fugidio sua apreensão e sua classi-
ficação segundo as terminologias clássi-
cas, o que inviabiliza a transposição nocio-
nal de um campo para o outro.
REFERÊNCIAS:
DUBOIS, Philippe. Por uma estética da ima-
gem de vídeo. In:______. Cinema, vídeo,
Godard. Trad. de Mateus Araújo Silva. São
Paulo: Cosac Naify, 2004, p. 69-96.
GRAYLING, A. C. Wittgenstein. Trad. de
Milton Camargo Mota. São Paulo: Edições
Loyola, 1996.
Página 4 O Corpo
Tyrone Chaves Filho é graduado em Letras Vernáculas pela
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB. Integrante do
LABEDISCO - Laboratório de Estudos do Discurso. Atualmente é
mestrando em Linguística pela Universidade Estadual do Sudoeste
da Bahia, na qual desenvolve pesquisas em Análise do Discurso.
Currículo Lattes: Clique aqui!
“A crítica que Phi-lippe Dubois reali-za acerca da estéti-ca de vídeo como uma extensão da estética do filme é plausível na medi-da em que existem diferenças morfo-lógicas, tecnológi-cas, conceituais e
históricas entre os dois objetos”
Une Femme Mariée (1964), de Jean-Luc Godard.
Week-end (1967), de Jean-Luc Godard
A discussão exposta por Philippe
Dubois no capítulo O “estado-vídeo”: uma
forma que pensa do seu livro Cinema, ví-
deo, Godard (2011), debate a busca por uma
definição, uma identidade ou uma especifi-
cidade para o vídeo.
Dubois (2011) explica que, há mui-
to tempo, o vídeo era considerado como
um igual potencial das outras formas de
imagem, como a pintura, o desenho, a foto,
o cinema e a televisão. A partir dessa
ideologia que vigorou nos anos 70 e em
parte dos anos 80, falava-se do vídeo co-
mo um instrumento revolucionário e exis-
tia o intuito de fundá-lo tanto no pensa-
mento quanto nas instituições, já que essa
era a época dos movimentos teóricos her-
deiros da semiologia e do estruturalismo.
Ao longo dos anos 80-90, pro-
gressivamente, as pessoas foram deixando
de crer na especificidade do vídeo. Dubois
(2011) aponta que foi-se descobrindo que
não havia um corpo crível para o vídeo, de
modo que seu princípio identitário não
podia mais ser projetado no futuro e a
busca pela especificidade esbarrava em
uma indefinibilidade, dissolvendo a paisa-
gem institucional. Aquilo que foi chamado
de vídeo parecia não ter sido nada mais
que uma transição ou um modo de passa-
gem.
O vídeo, segundo Dubois (2011),
pareceu funcionar como uma espécie de
parêntese entre dois estados. De um lado,
a grande imagem do cinema aparecendo
como emblema do século XX e, de outro, a
imagem do computador que apareceu
como (oni)presente e mais invasiva do
que a do cinema. Assim, dividido entre o
cinema e o computador, o vídeo era visto
Página 5 O Corpo
“De um lado, a grande imagem
do cinema apare-cendo como em-blema do século XX e, de outro, a imagem do com-putador que apa-
receu como (oni)presente e
mais invasiva do que a do cinema” Je
an
-Lu
c Go
da
rd
como uma imagem intermediária, um
vazio que era imaginado como plenitude.
Dessa maneira, Dubois (2011)
considera que todas as diversas manei-
ras de pensar o vídeo desenham uma
trajetória geracional. Essas maneiras um
tanto extremadas de pensar o vídeo ti-
nham em comum o fato de que o vídeo
era pensado como imagem, sendo essas
maneiras, talvez, um erro de postura, já
que o vídeo excede o mero terreno do
visível. Hoje em dia, para pensarmos o
vídeo, talvez seja necessário que deixe-
mos de vê-lo como uma imagem, mas o
consideremos como um pensamento, um
modo de pensar. O vídeo como uma for-
ma que pensa. O vídeo como estado-
imagem.
Para exemplificar esse “pensar
o vídeo” como estado e não como objeto,
Dubois (2011) traz quatro exemplos. Duas
fitas de vídeo: Global Groove, vídeo funda-
dor de Nam June Paik e os primeiros ví-
deos de Vito Acconci do início dos anos 70,
Pryings e Centers. Como exemplos de ins-
talações, aparecem a Suspension of Disbe-
lief do Garry Hill e a Mem do Peter Campus.
A partir desses exemplos é possível evi-
denciar que a distinção entre imagem e
dispositivo (entre vídeo e instalação) per-
deu sua pertinência. Fica mais interessan-
te e produtivo, então, observar o vídeo
como uma travessia, um campo metacríti-
co, uma maneira de ser e de “pensar em
imagens”.
Assim, Dubois (2011) finaliza o
capítulo apresentando alguns artistas que
trabalham em estreita relação com o
cinema e que refletem sobre o cinema e a
imagem, sobre a arte e suas formas de
presença visual. Dentre tais artistas, está
Jean-Luc Godard, que tem o vídeo não
apenas como seu instrumento, mas tam-
bém como sua forma de pensamento. O
vídeo é, então, uma maneira de pensar a
imagem e o dispositivo, tudo em um. Sen-
do assim, o vídeo não é um objeto, mas
um estado que pensa o que as imagens
são, fazem ou criam.
Referências:
DUBOIS, Philippe. O “estado-vídeo”: uma
forma que pensa. In: _____. Cinema, ví-
deo, Godard. Trad. Mateus Araújo Silva.
São Paulo: Cosac Naify, 2004, p. 97-116.
Página 6 O Corpo
Renata Celina Brasil Maciel é mestranda do Programa de
Pós-Graduação em Memória: Linguagem e Sociedade da UESB -
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia e graduada em Psi-
cologia pela Faculdade de Tecnologia e Ciências. Currículo Lattes:
Clique aqui!
“O vídeo é, então, uma maneira de
pensar a imagem e o dispositivo, tudo em um. Sendo as-sim, o vídeo não é
um objeto, mas um estado que pensa o que as imagens são, fazem ou cri-
am”
Suspension of Disbelief , de Garry Hill
Global Groove, de Nam J. Paik.
Dubois (2011), no seu capítulo Os
ensaios em vídeo de Jean-Luc Godard: o
vídeo pensa o que o cinema cria, inserido
no livro Cinema, Vídeo, Godard, demonstra
como Godard tomou a frente na problema-
tização do da mutação das imagens, num
momento em que segundo o autor "o cine-
ma perdeu a certeza de gozar do monopó-
lio das imagens em movimento" Dubois
(2011), para além dar a ver como o vídeo se
inseriu na obra do cineasta tornando-se
mesmo um instrumento vital para este, um
pensar com imagens.
No intervalo de 1974 à atualidade
do texto de Dubois, segundo ele Godard
produziu mais vídeos que filmes este então
para o historiador não representaria um
simples momento de sua obra, mas uma
forma de olhar, de ser, e de pensar, o ví-
deo seria como que um estado permanen-
te, aqui ele é então uma forma de fazer
questões e respondê-las. Na obra de Go-
dard, segundo Dubois (2011), o vídeo exerce
essa mesma função sob suas diferentes
formas, seja no filme, na televisão, antes
dos filmes nos "roteiros", depois do filme,
no lugar do filme e a propósito do cinema,
da imagem geral e do filme.
Então o autor pergunta como se
dá a relação do vídeo, que teve entrada
com suas co-realizações com Anne-Marie
Miéville, no cinema Godardiano, e de que
forma, progressivamente ou não se torna-
ria o vídeo cada vez mais autônomo em
sua videografia. Esta relação Dubois
(2011), resume em quatro momentos: Um
primeiro momento de 1974-1976, um mo-
mento em que interrogações são feitas e
cujo meio de responder-las encontra no
vídeo, o qual encontra e se apropria, mo-
Página 7 O Corpo
“[...]o vídeo exerce essa
mesma função sob suas
diferentes formas, seja
no filme, na televisão,
antes dos filmes nos
"roteiros", depois do fil-
me, no lugar do filme e a
propósito do cinema, da
imagem geral e do fil-
me”
An
ne
-Ma
rie M
iéville
mento em que três figuras essenciais
atravessam sua obra: a mise-en-scene de
uma palavra endereçada, o tratamento
eletrônico da imagem e um trabalho sobre
a velocidade desta, aqui o vídeo se torna
um momento de análise do cinema. Um
segundo momento é o das séries de televi-
são de 1976-1978, onde ele ensaia a pala-
vra do pensamento diretamente, ele des-
cobre o efeito, experimenta-o ao vivo. O
terceiro momento é dos chamados vide-
oroteiros que acompanham grandes filmes
seus nos anos 80, esses são como ensaios
ou pensamentos em vídeo sobre seus fil-
mes, vindo antes ou depois desses, os ví-
deos desse momento não estão simples-
mente no interior dos filmes, mas os enca-
ram quase em autonomia, seus vídeo rotei-
ro na verdade pensam o filme seja antes
ou depois, sempre. O quarto e último mo-
mento definido por Dubois (2011), é o das
obras que se fizeram inteiramente em
vídeo e que independem de filmes em par-
ticular mas são por si mesmas (1986-
1990), é o momento da autonomia do vídeo
em relação ao cinema e mesmo o engloba
por completo.
O percurso que Dubois (2011) faz
aqui traz a emergência do vídeo como uma
forma e não somente um suporte, mas
uma forma de pensar com as imagens,
onde as imagens se tornam na obra de
Godard como que a própria matéria do
pensamento e não se separam deste, e se
num momento o vídeo pensou o que o cine-
ma criava, posteriormente independente
ele se tornou na sua obra uma forma que
pensou e criou no mesmo momento.
REFERÊNCIAS:
DUBOIS, Philippe. Os ensaios em vídeo de
Jean-Luc Godard: o vídeo pensa o que o
cinema cria. In:______. Cinema, vídeo,
Godard. Trad. Mateus Araújo Silva. São
Paulo: Cosac Naify, 2004, p. 289-312.
Página 8 O Corpo
Ueslei Pereira é graduando em Licenciatura Plena em História
pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB. Tem ex-
periência na área de História, com ênfase em Teoria e Filosofia da
História. Currículo Lattes: Clique aqui!
“O percurso que Dubois (2011) faz aqui traz a emergência do
vídeo como uma forma e não so-
mente um supor-te, mas uma for-
ma de pensar com as ima-
gens[...]”
Vito Acconci, Centers (1971)
Este texto comenta brevemente
três artigos de Philippe Dubois sobre o
cineasta, videasta e ensaísta Jean-Luc
Godard. Ambos os textos fazem parte do
mesmo livro, da mesma coletânea de arti-
gos, cujo título é: Cinema, Vídeo, Godard
(ANO). Os textos aqui comentados são Je-
an-Luc Godard: cinema, pintura, ida e volta
(p. x – p. y); Jean-Luc Godard e a parte
maldita da escrita (p. x – p. y); Os ensaios
em vídeo de Jean-Luc Godard: o vídeo pen-
sa o que o cinema cria (p. x – p. y).
Segundo Dubois, existe na obra
de Godard uma relação de
atravessamento mútuo
entre pintura e cinema. No
modo como o autor conce-
bia e construía seus qua-
dros, as relações dos qua-
dros e, portanto, seus
vídeos e filmes. Assim, no
trabalho de Godard, cine-
ma e pintura travam uma
relação de mão dupla que
se desenha com relativa
clareza no percurso de
seus filmes (p. 251).
Durante a década de 1960 o diretor
utilizava de referências pictóricas explicitas
em seus filmes, fossem materializadas em
quadros, cenários ou personagens. Entre
outros exemplos citados no artigo Patrícia,
personagem de Acossado, que tem coladas
na parede as reproduções que ama ou às
quais se compara (Picasso, Renoir, Klee...)
(p. 251). Estas referências são para Dubois
como que comentários, efeitos de assinatu-
ra e metalinguagem dentro da obra de Go-
dard (ano).
Nos anos 1980, por sua vez, não
se trata da questão de citação e de refe-
rências, de assinatura e de comentário
(p. 253). Trata-se de se mostrar o que há
de pictoórico no cinema e não o inverso,
as especificidade dos quadros do cinema
e o modo como o que antes era citação
ou comentário passa a ser um efeito de
filme, um caso (de figura) orgânico, o
resultado de um tratamento visual do
dispositivo cinemmatográfico (p. 254).
Não seria o que há de específico na pin-
tura como categoria, mas um Estado-
Página 9 O Corpo
Alp
ha
ville (19
65), fi
lme
dirig
ido
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n-L
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ma
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mo
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nto
artístico
No
uve
lle V
ag
ue
. “Durante a déca-da de 1960 o di-retor utilizava de referências
pictóricas expli-citas em seus fil-mes, fossem ma-terializadas em quadros, cená-
rios ou persona-gens”
imagem, um generalizado de imagens,
que é tão cinematográfico quanto pictó-
rico, tão fotográfico quanto videográfico,
e mesmo tão músical quanto literário (p.
256).
Godard é um cineasta em que a
escrita se dá de forma orgânica e siste-
maticamente presente em relação com a
imagem. Antes de dirigir seus primeiros
filmes, escrevia críticas constituídas
como se já fizesse cinema e como se
fosse um escritor. Tinha uma posição
rádical em relação a palavras e imagens,
acreditando que as escrita deveria ser
sobrepujada pelas imagens e, segundo
Dubois, se utilizava e abusava das figuras
de presentificação do texto nas e pelas
imagens (p. 260).
Durante o periodo da Nouvelle
Vague as palavras inscritas na imagem
se dão, em maior intensidade, no espaço
diegético. Os personagens lêem livros,
jornais, revistas e outros enunciados os
quais o funcionamento se dá de modo
interior e exterior a diegése. A escrita
pertence ao mesmo nível narrativo que os
personagens, que são o mais das vezes
seus autores ou destinatários (p. 261).
Para Godard a principal possibili-
dade do vídeo é o tempo do “ao vivo”, onde
se matem uma relação em tempo real com
a representação “se fazendo”, isto é, com
as imagens e as palavras se desfazendo e
se refezendo, sob seus (e nossos) olhos.
(p. 274). Assim, o vídeo seria será inteira-
mente pensado como modo de escrita em
e pelas imagens e sons (p. 274). O vídeo
para Godard passaria a tomar o lugar das
palavras e haveria um deslocamento da
escrita ou, como fala Dubois, ver é pensar
e pensar é ver (p. 282).
Para Godard o vídeo é o lugar é o
meio mesmo de sua relação existencial
com o cinema (p. 289). Rearticula imagens
em constituição no cinema e pode lidar,
como já vimos, com o processo de ação
em acontecimento. O vídeo como dispositi-
vo que se faz possível pensar sobre as
formas diversas de representação da ima-
gem como, por exemplo, a televisão, o
cinema, os acontecimentos cotidianos ou
eventos raros etc.
REFERÊNCIAS:
DUBOIS, Philippe. Cinema, vídeo, Go-
dard. Trad. Mateus Araújo Silva. São Paulo:
Cosac Naify, 2004,.
Página 10 O Corpo
Aliúd José de Almeida é estudante de Cinema e Audiovisual na
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, campus de Vitória da
Conquista e membro do Laboratório de Estudos do Discurso e do
Corpo – Labedisco/UESB. Currículo Lattes: Clique aqui!
“Godard é um cineasta em
que a escrita se dá de forma or-gânica e siste-maticamente presente em
relação com a imagem”
O primeiro encontro do curso
Cinema, vídeo, Godard - Sujeitos do cine-
ma, procedimentos do discurso aconteceu
na tarde de 17 de março com a conferência
da professora Ceres Luz (UESB e Labedis-
co/CNPq) a partir do texto Máquinas de
imagens: uma questão de linha geral, de
autoria de Philippe Dubois, e do longa me-
tragem Acossado, de Jean-Luc Godard,
produzido em 1960. O encontro contou com
a participação dos pesquisadores do Labe-
disco e de ouvintes de outras áreas acadê-
micas do conhecimento.
A produção de Godard exibida na
abertura do curso, o filme Acossado, mar-
ca uma trajetória que se inicia em 1959
com Godard e Truffaut e sintetiza o que foi
a estética cinematográfica conhecida por
Nouvelle Vague. O movimento que surgiu a
partir de jovens cineastas franceses que
tinham uma formação cinéfila e crítica ad-
quiridas na Cinemateca Francesa e nas pági-
nas do Cahiers du Cinéma primava uma nova
forma de produzir filmes e de conceber a
linguagem cinematográfica. A estética da
Nouvelle Vague surge no momento em que
ela ganha profundidade social a partir de um
conjunto de normas e conceitos sobre a
relação da arte cinematográfica com a soci-
edade em um contexto histórico definido.
Situar, no debate que sucedeu a exibição de
Acossado, esse momento histórico, cultural
e político de emergência da Nouvelle
Vague possibilitou articulações teórico-
reflexivas entre o trabalho de pesquisa
de Dubois em torno da obra de Godard e
o pensamento foucaultiano expresso em
A ordem do discurso, propostas nos ob-
jetivos gerais do curso em questão. A
compreensão do próprio dispositivo audi-
ovisual como "um sistema de práticas
determinado (sistema de ações, estraté-
gias e mecanismos voltados para o sujei-
to da ação e para as ações possíveis de
um sujeito)" nos abre também para o
entendimento de que esse dispositivo
traz o sujeito histórico do seu foco à
visibilidade e ao (re)conhecimento atra-
vés dos seus regimes de saber e poder,
"efetuando produções de sentido que
demarcam, fixam e mantêm a sua com-
posição por meio da repetição e multipli-
cação de discursos, verbais e não ver-
bais" (MILANEZ, BARROS-CAIRO, BRAZ,
2014, p. 182).
Desse modo, com Acossado e a
Nouvelle Vague, em que nos pomos diante
de uma ruptura com a estética clássica
Página 11 O Corpo
“A estética da Nou-velle Vague surge no momento em que ela ganha profundidade social a partir de um
conjunto de normas e conceitos[...]”
do cinema, observamos na França um
momento histórico e político de militân-
cia artística cuja discursividade fez ope-
rar novas formas de vontade de verdade
enquanto procedimentos de controle do
discurso (FOUCAULT, 2009) que emergi-
ram, dentre outros modos, nas materiali-
dades fílmicas que reivindicavam produ-
ções autorais e experimentais que pu-
dessem trazer o cotidiano para as telas
de cinema. Naquele contexto francês dos
anos 1960, a inconformidade com a mo-
ral e a estética burguesas, a oposição ao
universo bem comportado do cinema
comercial – quebras de continuidade
narrativa e soluções de montagem pouco
convencionais, a criatividade para com-
pensar os baixos orçamentos e a valori-
zação do diretor como o autor da obra
cinematográfica (MANEVY, 2006, p. 222)
eram elementos que compunham a "Nova
Onda". O movimento cinematográfico levou
às telas expectativas e frustrações de uma
geração de jovens amadurecidos na Guer-
ra Fria, em uma Europa pós-guerra sem
inocência, massificada e hiperpovoada de
imagens do cinema, da publicidade e da
recém-consolidada televisão.
Vale também considerar que as
estratégias, táticas e procedimentos de
controle do discurso da Nouvelle Vague de
Godard se materializam tanto nos modos
como é estruturada a narrativa, na qual
não há uma progressão dramática, mas
um processo fragmentário e, aparente-
mente, desconexo, quanto nos modos como
essa materialidade acontece a partir das
formas filmadas, dos movimentos de câ-
mera, da composição dos quadros no dis-
positivo audiovisual. Godard realiza um
filme no qual os elementos significantes
estão, justamente, na forma, aparecem no
modo de organização das materialidades
verbal e não verbal, e na utilização dos
elementos da linguagem cinematográfica.
Há uma mudança, portanto, no eixo de
produção de sentido - da história para o do
discurso cinematográfico, sem que uma se
oponha ao outro. A Nouvelle Vague de Go-
dard produz como vontade de verdade um
discurso cinematográfico que quebra con-
venções clássicas tais como filmar contra
a luz, utilizar uma montagem a partir de
jump-cuts (corte abruto), de modo que há
um rompimento da linearidade da ação
devido à montagem não naturalista; filmar
os diálogos dos atores estando de costas
para a câmera, optar por uma constante
movimentação de câmera, garantindo mais
dinamismo às ações e mais efeito às ima-
gens.
Em um aspecto geral, podemos
dizer que Acossado é, também, uma reto-
Página 12 O Corpo
“A Nouvelle Vague de Godard produz como vontade de
verdade um discurso cinematográfico que quebra convenções clássicas tais como filmar contra a luz, utilizar uma monta-
gem a partir de jump-cuts (corte
abruto)[...]”
“O movimento cinema-
tográfico levou às telas expectativas e frustra-ções de uma geração de jovens amadureci-
dos na Guerra Fria, em uma Europa pós-guerra sem inocência, massifi-cada e hiperpovoada
de imagens do cinema, da publicidade e da re-cém-consolidada televi-
são”
mada de filmes policiais da década de 40,
com seus elementos de filmes B ou de
filmes noir e que o cineasta não se limita
à desconstrução do discurso cinemato-
gráfico e ao diálogo com toda uma tradi-
ção, mas insere elementos intertextuais
ao longo do filme, principalmente deslo-
cados da literatura e da pintura. A narra-
tiva é repleta de citações de obras lite-
rárias. Em uma cena em que Patrícia
pergunta o que Michel prefere: “a dor ou
o nada?”, Godard faz referência ao escri-
tor estudunidense Willian Faukner. Um
outro elemento marcante é a intertextu-
alidade com a pintura do artista Pierre-
Auguste Renoir, pai do diretor Jean Re-
noir, tão amado pelos cineastas da Nou-
velle Vague. Uma cena curiosa pontuada
durante o debate é a passagem em que
Patrícia pára ao lado de um quadro de
Renoir e pergunta à Michel quem ele
acha ser a mais bonita, ela ou a moça do
quadro. Godard coloca lado-a-lado as
duas imagens amplamente estudadas por
André Bazin (1955): a imagem feita pela
pintura e a imagem projetada pelo cine-
ma.
É também importante conside-
rarmos, ao final desse breve relato dos
pontos discutidos a partir da exibição de
Acossado e das leituras entrecruzadas
de Dubois e Foucault, que assistir Godard
supõe uma experimentação constante da
linguagem cinematográfica e do dispositivo
fílmico, justamente porque eles nos (a)
parecem consoantes. Em Godard, a ima-
gem vista quando é projetada nos traz o
elemento humano que somos nós mesmos
enquanto espectadores diante do dispositi-
vo cinematográfico que não é somente
produtor do imaginário, mas também gera-
dor de afetos (DUBOIS, 2011), de modo que
percebemos e experimentamos que mais
importante do que durar é viver (GODARD,
1985-1986).
REFERÊNCIAS:
BAZIN, André. (1955). O que é o Cinema?
Tradução Ana Moura. Lisboa, Livros Hori-
zonte, Coleção Horizonte de Cinema, 1992,
pp. 13-21.
DUBOIS, Philippe. Máquinas de Imagens:
uma questão de l inha gera l .
In:______. Cinema, vídeo, Godard. Trad.
Mateus Araújo Silva. São Paulo: Cosac
Naify, 2004, p. 31-68.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso.
Aula inaugural no Collège de France, pro-
nunciada em 2 de dezembro de 1970. Trad.
Laura Fraga de Almeida Sampaio. São Pau-
lo: Edições Loyola, 2009.
GODARD, Jean-Luc. Jean-Luc Godard. Luiz
Rosemberg Filho (Org.). Rio de Janeiro:
Taurus, 1985/1986.
MANEVY, Alfredo. Nouvelle Vague. In: MAS-
CARELLO, Fernando (Org). História do
cinema mundial. Coleção Campo Imagéti-
co. Campinas: Papirus, 2006. p. 221-252.
MILANEZ, BARROS-CAIRO, BRAZ. Dispositivo
audiovisual - percursos de uma constru-
ção teórico-analítica. In: FERNANDES JÚ-
NIOR, Antônio e SOUSA, Kátia Menezes de.
(Orgs.). Dispositivos de poder em Fou-
cault: práticas e discursos da atualidade.
Goiânia: Cânone, 2014. p. 178-185.
Página 13 O Corpo
Cecília Barros-Cairo é doutoranda do Programa de Pós-
Graduação em Memória: Linguagem e Sociedade da UESB e mes-
tre pelo mesmo programa. Pesquisadora do Labedisco/CNPq -
Laboratório de Estudos do Discurso e do Corpo. Graduada em
Psicologia pela Faculdade de Tecnologia e Ciências - FTC e espe-
cialista em Psicologia da Saúde pela Faculdade Juvêncio Terra - FJT. Currículo
Lattes: Clique aqui!
“Um outro elemen-to marcante é a in-
tertextualidade com a pintura do
artista Pierre-Auguste Renoir,
pai do diretor Jean Renoir, tão amado pelos cineastas da Nouvelle Vague”
No capítulo Máquinas de imagens:
uma questão de linha geral, presente no
livro Cinema, Vídeo, Godard, Dubois (2011)
nos traz que toda imagem necessita de
uma tecnologia, ou seja, necessita de ins-
trumentos, regras, condições de eficácia e
de um saber. Isso ocorre porque toda tec-
nologia, de acordo com o historiador, é um
saber-fazer. O historiador irá falar em
específico de quatro tecnologias da ima-
gem : a fotografia, o cinematógrafo, o ví-
deo/televisão e a imagem informática.
Essas tecnologias, explica Dubois
(2011), aparecem a partir de um discurso
da novidade. Esse discurso se caracteriza,
continua o historiador, por várias falas dos
meios de comunicação que trazem as má-
quinas de imagem sempre como sendo
grandes inovações que possuem uma in-
tenção revolucionária. Esse discurso, nos
explica Dubois (2011), acaba apagando
grandes questões, que é a do real, a da
semelhança e a da materialidade. Para
resistir, então, a esse discurso da novida-
de Dubois (2011) aborda questões como a
do maquinismo-humanismo, semelhança-
d e s s e m e l h a n ç a , m a t e r i a l i d a d e -
imaterialidade.
Sobre o maquinismo-humanismo, o
filósofo nos traz que, as máquinas de ima-
gem, em um primeiro momento elas apenas
organizavam o olhar, facilitavam a apreen-
são do real, mas não desenhavam a imagem.
Essas máquinas funcionam apenas como o
intermediário entre o “real” a ser retratado
e o homem. Com o advento da fotografia,
essa relação do homem com o real se modi-
fica, prossegue Dubois (2011), a máquina não
vai mais apenas captar, organizar, mas pro-
duzirá a imagem. O homem passa a ser ape-
nas o condutor da máquina não agindo mais
de maneira direta na imagem, como ocorria
nas primeira máquinas de imagem. Já com o
surgimento do cinematógrafo no final do
século XIX, temos uma terceira fase maquí-
nica, que é a da visualização. A imagem só
pode ser vista quando é projetada. Essa
projeção nos traz o elemento humano: o
espectador. Com a figura do espectador
o cinema é uma produtora do imaginário,
pois ela não é apenas produtora de ima-
gens, como também gera afetos e, Dessa
maneira, de acordo com Dubois (2011), o
cinema reintroduz o Sujeito na imagem
através da figura do espectador. Portan-
to, essa linha maquinismo-humanismo,
não é progressista. Temos a máquina
prevalecendo na fotografia, e o sujeito no
cinema. Na verdade, se trata de uma
dialética entre a máquina e o sujeito, já
que sempre temos o elemento humano
operando uma tecnologia, mesmo que
esse humano esteja dissolvido, como é no
caso da televisão/vídeo.
Em relação a questão da seme-
lhança e da dessemelhança com o real
nessas máquinas das imagens, Dubois
(2011) nos traz que, em um primeiro mo-
mento, parece que temos uma história
progressista: quanto mais se avança na
tecnologia, mais realistas elas podem
ser, porém essa questão da semelhança
Página 14 O Corpo
e dessemelhança sempre aparece, por-
que, nos explica o historiador, é mais
uma questão estética do que de avanço
tecnológico. O advento da fotografia, por
exemplo, é uma proclamação do realis-
mo, ela traz uma precisão dos detalhes,
das nuances, das cores e das formas. Em
relação ao cinema nos traz outra parte
do real, que seria o tempo, através do
movimento. O mesmo ocorre com a tele-
visão, não apenas vemos a imagem em
movimento, mas a vemos em tempo real.
Temos a época do realismo da simulta-
neidade, elucida Dubois (2011), temos
desde os circuitos de vigilância aos rea-
lity shows, o pensamento é que a imagem
se tornaria tão fiel e exata que ela dupli-
caria o real. A imagem informática não
reproduz, mas produz o próprio real. O
historiador nos diz que existe um esforço
da imagem informática de querer criar
imagens que se assemelham ao real.
Podemos compreender que essas repre-
sentações, estão sempre em um jogo
entre semelhança e dessemelhança com
o real. O que vemos é que quanto mais
podemos imitar o real, mais existem movi-
mentos que querem minar essa constru-
ção, para desconstruir o real.
A respeito da materialidade e da
imaterialidade da imagem, Dubois (2011)
nos traz que a imagem fotográfica é menos
real, tem menos relevo e corpo do que a
pintura, no sentido em que na pintura po-
demos tocar, sentir a textura da tinta, as
pinceladas etc., mas a fotografia ainda é o
objeto que pode ser guardado, carregado,
etc. Em relação a imagem cinematográfica,
o historiador nos explica que ela pode ser
considerada duplamente imaterial, já que
temos de um lado uma imagem refletida e
do outro uma imagem projetada, pode-se
tocar a tela, mas não a imagem. A imagem
de cinema não existe enquanto matéria,
enquanto objeto. Com a televisão, continua
Dubois (2011), esse processo da imagem
desmaterializa ainda mais do que o cinema,
já que ela é formada apenas por impulsos
elétricos, essa imagem não existe no espa-
ço, mas apenas no tempo. Já com a ima-
gem informática temos a desmaterializa-
ção em seu ponto extremo. Enquanto ima-
gem na tela, ela é apenas impulsos elétri-
cos assim como a Tv, mas diferente da Tv,
a imagem informática é puramente virtual,
sendo apenas, em última instância, uma
sequência de algarismos, de algoritmos.
Entretanto, temos ao mesmo tempo, uma
tentativa de aumentar essa realidade, seja
com o 3D dos cinemas, das tvs, ou com a
realidade virtual dos computadores, o que
corresponderia a uma falsa materialidade.
É o triunfo da simulação, onde experimen-
tamos uma simulação do real.
Essas máquinas de imagem, con-
clui Dubois (2011), estão sempre em uma
relação entre maquinismo-humanismo,
semelhança-dessemelhança, materialidade
-imaterialidade. Ao contrário do que o dis-
curso da novidade nos coloca, as máquinas
das imagens não seguem uma progressão
tecnológica que cada vez mais nos leva
para uma representação do real, mas sim
como nos coloca Dubois é mais uma ques-
tão de estética.
REFERÊNCIAS:
DUBOIS, Philippe. Máquinas de Imagens:
uma questão de l inha gera l .
In:______. Cinema, vídeo, Godard. Trad.
Mateus Araújo Silva. São Paulo: Cosac
Naify, 2004, p. 31-68.
Página 15 O Corpo
Ceres Luz é graduada em História pela Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP. Atualmente, é mestranda
pelo Programa de Pós-Graduação em Memória: Linguagem e Soci-
edade da UESB - Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Cur-
rículo Lattes: Clique aqui!
“Essas máquinas de ima-gem, conclui Dubois
(2011), estão sempre em uma relação entre maqui-nismo-humanismo, seme-lhança-dessemelhança,
materialidade-imaterialidade”
Trata-se de analisar as interpe-
netrações entre cinema e vídeo, a partir
dos diálogos entre o cineasta Godard e os
estudos foucaultianos e, marcadamente, a
partir do capítulo Vídeo e cinema: interfe-
rências, transformações, incorporações
inserido no livro Cinema, Vídeo, Godard,
escrito por Philippe Dubois.
No capítulo supramencionado,
Dubois (2011) faz um estudo aprofundado
acerca das mudanças e transformações
ocorridas no cinema tanto no âmbito tec-
nológico quanto no aspecto estético.
O autor adverte que, nos idos de
1980, foram superadas categorizações e
“especificidades”. Partiu-se da linearidade
um momento caracterizado pelo contraban-
do da visão transversal e do pensamento
oblíquo, faceta que passa a caracterizar os
vídeos produzidos a partir de então.
Pela descrição desse momento da
década de 80, portanto, após a leitura dos
dois primeiros parágrafos do capítulo Vídeo
e cinema: interferências, transforma-
ções, incorporações torna-se inevitável
fazer uma correlação e travar um diálo-
go entre a teoria de Dubois e a obra de
Godard e, em específico, a partir do filme
Weekend à Francesa (Weekend, França,
1967).
O cinema de Godard, nessa fase,
caracteriza-se pela mobilidade da câme-
ra, por longos planos-sequência ou tra-
vellings. Assim, Weekend à Francesa
tornou-se conhecido por cinéfilos de
todo o mundo por conta de um plano-
sequência espetacular ao longo de uma ro-
dovia.
Este longo travelling lateral, no
qual a câmera acompanhava um conges-
tionamento de aproximadamente 300
metros, percorreu toda uma auto-
estrada francesa sem cortes.
Esse movimento cinematográfi-
co, através do flutuar da câmera, precei-
tua Dubois (2011), tem o condão de ex-
pressar movimentos da vida, da forma de
ver do homem em relação aos movimen-
tos. O autor é firme em afirmar que o
Página 16 O Corpo
“O cinema de Godard, nessa
fase, caracteriza-se pela mobilida-
de da câmera, por longos pla-nos-sequência ou travellings”
vídeo oportuniza a representação dos
pensamentos e visões do mundo. Ressal-
ta, ainda, a importância de observarmos
que todos os movimentos de cinema,
maquínicos ou não, constituem sempre a
marca de um olhar.
Nesse ponto, a teoria do cinema
de Aumont (2004) vem para acrescentar
que o cinema é uma máquina simbólica
de produzir pontos de vista (2004, p. 69)
sendo o olho da câmera um explorador
engajado (2004, p. 77).
Tudo em total consonância com
o cinema político de Godard a partir do
marco histórico do movimento estudantil
de maio de 1968. As produções e ferra-
mentas (audio)visuais representam, as-
sim, instrumentos de reflexão constituí-
dos por um sistema de imagens repleto
de novas linguagens e estéticas.
O vídeo, assim como a vida, não
se aprisiona em especificidades categori-
zantes. É móvel, volátil. Suas imagens se
movimentam através de diversos forma-
tos, técnicas e dispositivos que permitem
ao autor concluir que o vídeo não é um
objeto mas um estado, uma maneira de
ver, possuindo as imagens em movimento
caráter estético e ontológico.
REFERÊNCIAS:
AUMONT, Jacques. A Imagem. 16ª Edição.
Campinas, SP: Papirus, 2012.
________________ O Olho Interminável –
Cinema e Pintura. 2ª Edição. São Paulo,
Cosac Naify, 2004.
DUBOIS, Philippe. Vídeo e cinema: interfe-
rências, transformações, incorpora-
ções. In:______.Cinema, vídeo, Go-
dard. Trad. Mateus Araújo Silva São Paulo:
Cosac Naify, 2004, p. 177-250.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso.
Aula inaugural no Collège de France, pro-
nunciada em 2 de dezembro de
1970. Trad. Laura Fraga de Almeida Sam-
paio. São Paulo: Edições Loyola, 2009.
Página 17 O Corpo
Analyz Pessoa-Braz é mestranda pelo Programa de Pós-
Graduação em Memória: Linguagem e Sociedade da UESB, pesqui-
sadora do Labedisco/UESB - Laboratório de Estudos do Discurso
e do Corpo, advogada e especialista em Direito Público pela UNAR
Universidade de Araras. Currículo Lattes: Clique aqui!
“O vídeo, assim como a vida,
não se aprisio-na em especifi-cidades cate-gorizantes. É
móvel, volátil”
O Corpo é Discurso
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