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www.alexandresalema.pro.br O CRIME DE EXCESSO DE EXAÇÃO: UM LEVANTAMENTO PROCESSUAL NAS VARAS CRIMINAIS NO MUNICÍPIO DE CAMPINA GRANDE 1 Alexandre Henrique Salema Ferreira Professor do Departamento de Direito Público da UEPB, Doutor em Direito pela UFPE Milena da Silva Oliveira Graduada em Direito pela UEPB e Pesquisadora-voluntária do Programa Institucional Voluntário de Iniciação Científica (PIVIC/UEPB). RESUMO. A atividade tributária deve ser desenvolvida dentro dos estreitos limites previstos na Constituição e em lei. A cobrança de tributo indevido e/ou a utilização de meio vexatório na cobrança de tributo devido são condutas tipificadas como crime de excesso de exação, cuja pena é superior, inclusive, as dos crimes contra a ordem tributária. O crime de excesso de exação é de ação pública incondicionada. No entanto, deparamo-nos com sérias deficiências no controle das condutas das Autoridades Fazendárias que exorbitam os limites legais. Associada à ausência de controle interno, evidencia-se a inércia do titular da ação penal e, até mesmo, do sujeito passivo lesado, colocado em vulnerabilidade diante da dificuldade de identificação da conduta delituosa praticada pela Autoridade Fazendária; do desconhecimento do tipo legal ou do manifesto temor de represálias da própria Administração Tributária. Palavras-chave: Tributação, excesso de exação, ação penal. ABSTRACT. A fiscal activity should be conducted in strict limits predicted on the Constitution and law. Undue tax collection and/or the use of constraining means to collect taxes are conducts judged as crimes against fiscal order. Crime of exaction excess is treated as an unconditional public action crime. Despite this, we have faced strong barriers in our controlling tax collectors’ conducts who have exceeded legal limits. Associated with the lack of internal control, lies the Public Ministry’s ineffectiveness and the offended passive subject’s unwillingness to fight for his/her rights due to the difficulty in identifying an offensive conduct, besides ignoring legal aspects and fearing retaliations from the Fiscal Administration. Keywords: Taxation; Exaction excess; Penal action 1 O presente artigo é fundamentado em resultados de pesquisa desenvolvida no Programa Institucional Voluntário de Iniciação Científica (PIVIC/UEPB), cota 2008/2009.

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O CRIME DE EXCESSO DE EXAÇÃO: UM LEVANTAMENTO PROCESSUAL

NAS VARAS CRIMINAIS NO MUNICÍPIO DE CAMPINA GRANDE1

Alexandre Henrique Salema Ferreira

Professor do Departamento de Direito Público da UEPB,

Doutor em Direito pela UFPE

Milena da Silva Oliveira

Graduada em Direito pela UEPB e Pesquisadora-voluntária do

Programa Institucional Voluntário de Iniciação Científica

(PIVIC/UEPB).

RESUMO. A atividade tributária deve ser desenvolvida dentro dos estreitos limites

previstos na Constituição e em lei. A cobrança de tributo indevido e/ou a utilização de

meio vexatório na cobrança de tributo devido são condutas tipificadas como crime de

excesso de exação, cuja pena é superior, inclusive, as dos crimes contra a ordem

tributária. O crime de excesso de exação é de ação pública incondicionada. No entanto,

deparamo-nos com sérias deficiências no controle das condutas das Autoridades

Fazendárias que exorbitam os limites legais. Associada à ausência de controle interno,

evidencia-se a inércia do titular da ação penal e, até mesmo, do sujeito passivo lesado,

colocado em vulnerabilidade diante da dificuldade de identificação da conduta delituosa

praticada pela Autoridade Fazendária; do desconhecimento do tipo legal ou do

manifesto temor de represálias da própria Administração Tributária.

Palavras-chave: Tributação, excesso de exação, ação penal.

ABSTRACT. A fiscal activity should be conducted in strict limits predicted on the

Constitution and law. Undue tax collection and/or the use of constraining means to

collect taxes are conducts judged as crimes against fiscal order. Crime of exaction

excess is treated as an unconditional public action crime. Despite this, we have faced

strong barriers in our controlling tax collectors’ conducts who have exceeded legal

limits. Associated with the lack of internal control, lies the Public Ministry’s

ineffectiveness and the offended passive subject’s unwillingness to fight for his/her

rights due to the difficulty in identifying an offensive conduct, besides ignoring legal

aspects and fearing retaliations from the Fiscal Administration.

Keywords: Taxation; Exaction excess; Penal action

1 O presente artigo é fundamentado em resultados de pesquisa desenvolvida no Programa Institucional

Voluntário de Iniciação Científica (PIVIC/UEPB), cota 2008/2009.

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1. INTRODUÇÃO

A administração pública detém a prerrogativa e o dever de exercer o controle

interno das condutas funcionais que possam resultar em ofensa ou ameaça a direitos

fundamentais previstos na Constituição Federal. Este controle faz-se ainda mais

necessário quando o Estado invade a esfera patrimonial individual através da tributação,

principalmente porque esta se encontra adstrita, única e exclusivamente, à vontade da

lei.

No exercício da atividade tributária, determinadas condutas funcionais resultam

na cobrança de tributo indevido ou na utilização de meios transversais de

constrangimento público do sujeito passivo da obrigação tributária. Na primeira

situação, verifica-se a oneração ilegal da riqueza individual e, na segunda, a exposição e

o constrangimento públicos do sujeito passivo através da utilização de meios vexatórios

na cobrança de tributo devido. A nossa ordem jurídica penal tipifica ambas as condutas

como crime de excesso de exação. O crime de excesso de exação está previsto no art.

316, §1º, do Código Penal, e compreende a conduta de funcionário público que exige

tributo ou contribuição social indevido ou que utiliza meio vexatório ou gravoso na

cobrança de tributo devido. Esse delito, na modalidade de cobrança de tributo indevido

afeta, mormente, a garantia constitucional do contribuinte prevista no art. 150, I da

Carta Federal, e na modalidade de cobrança vexatória pode mortificar especialmente os

princípios constitucionais dispostos no art. 5º da Carta Magna.

O Ministério Público tem o dever de oferecer a denúncia nos casos do crime de

excesso de exação, independente de qualquer provocação (delito de ação pública

incondicionada), o que não impede que o contribuinte lesado ou qualquer pessoa

(interessada ou não) leve ao conhecimento as informações fáticas sobre a ocorrência do

crime. Admite-se a representação do contribuinte prejudicado, apesar de entendida

como inadequada, porque ela será considerada como notícia do crime.

É patente que as Administrações Tributárias não se obrigam a tutelar direitos dos

sujeitos passivos diante do cometimento, por Autoridade Fazendária, de crime de

excesso de exação. Interesses corporativos ou, até mesmo, a disposição de influenciar o

aumento da arrecadação de tributos impede, na prática, que as Administrações

Tributárias tomem as devidas providências nas esferas administrativa e penal contra as

Autoridades Fazendárias infratoras. Dentro deste contexto, coloca-se, então, a questão

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da não responsabilização penal das Autoridades Fazendárias que, ao exorbitar suas

atribuições funcionais, efetuam cobrança de tributo indevido ou utilizam meios

vexatórios e gravosos na cobrança de tributo devido.

A pesquisa desenvolvida se enquadra nos gêneros teórica e empírica. A pesquisa

teórica se dedica “[...] a formular quadros de referência, a estudar teorias, a burilar

conceitos”, enquanto a pesquisa empírica está “[...] dedicada a codificar a face

mensurável da realidade social”2. O método de abordagem adotado foi o indutivo, que

“[...] parte do particular e coloca a generalização como produto posterior do esforço de

coleta de casos particulares”3. Quanto aos métodos de procedimento, a pesquisa adotou

o método funcionalista, para a pesquisa teórica, e a entrevista com questionário semi-

aberto para a pesquisa empírica4. Através do método funcionalista, a pesquisa procurou

explicar as ações e reações sociais diante da complexa estrutura de indivíduos. Neste

sentido, coloca-se de forma bem nítida um segmento social, que denominaremos de

sujeito passivo da obrigação tributária, agindo e reagindo a comportamentos do Estado,

posto em movimento por comportamentos institucionais e individuais dos agentes

públicos, no caso específico das Autoridades Fazendárias. Neste sentido, “[...] o papel

das partes nesse todo é compreendido como funções no complexo de estrutura e

organização”5. Pretendeu-se entender a inércia do Ministério Público nos crimes de

excesso de exação, bem como os motivos que levam o indivíduo lesado pelo Estado a

não procurar a tutela jurisdicional.

Nesta etapa, o levantamento de dados utilizou a técnica de pesquisa bibliográfica

e de observação indireta intensiva, através de entrevistas, presencial ou não, com

questionário padronizado com questões abertas e fechadas direcionadas aos Juízes e

Promotores de Justiças de Varas Criminais. O questionário teve como objetivo capturar

informações, opiniões e experiências das autoridades entrevistadas quanto ao crime

pesquisado. Buscou-se saber se durante a vida profissional, ou até mesmo na condição

de contribuintes, os Juízes e Promotores Criminais já haviam se deparado com alguma

situação tipificada como crime de excesso de exação; se tinham conhecimento de que a

recriminação penal no crime de excesso de exação é superior aos dos crimes contra a

2 DEMO, Pedro. Metodologia científica em ciências sociais. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 1995. p.

13. 3 Op. cit., p. 137. 4 MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de metodologia científica. 6. ed.

São Paulo: Atlas, 2005. p. 106-108. 5 Op. cit., p. 110.

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ordem tributária; se poderiam elencar os principais motivos para a ausência de ações

penais relativos a este crime e, por fim, se seriam capazes de identificar as possíveis

relações entre crime de excesso de exação e ofensa às garantias individuais.

2. A ATIVIDADE TRIBUTÁRIA

O Estado apresenta-se como ente insubstituível na prestação de inúmeras

atividades que o indivíduo, isolada ou coletivamente organizado, não tem condições de

realizar. As atividades estatais são classificadas em essenciais e complementares. Nas

primeiras, “O Estado tem de realizá-las sob pena de não ser Estado, como a defesa

externa, a manutenção da ordem interna, a atividade financeira, a função de dizer o

Direito. Essas funções são indelegáveis em razão da indisponibilidade do interesse

público [...]”6. Já as complementares representam os interesses secundários do Estado,

porém não menos relevantes. Neste sentido, tais atividades podem ser desenvolvidas

diretamente pelo Estado ou por terceiros, através de concessões, autorizações ou

permissões estatais. No rol de atividades complementares encontram-se, por exemplo, a

educação, saúde e o transporte coletivo.

Ao lado das atividades estatais que objetivam a realização do bem comum, o

Estado realiza outras de natureza instrumental, como a atividade financeira. Assim,

“Simultaneamente as atividades políticas, sociais, econômicas, administrativas,

educacionais, policiais, etc., que constituem a sua finalidade própria, o Estado exerce

também uma atividade financeira, visando a obtenção, a administração e o emprego de

meios patrimoniais que lhe possibilitem o desempenho daquelas outras atividades que

se referem à realização dos seus fins”7. Evidentemente que o Estado moderno trouxe

para si uma gama enorme de responsabilidades. Serviços públicos, tais como saúde,

segurança, educação, previdência e assistência social, dentre outros, passaram a ser

desempenhados de forma exclusiva, concomitante ou subsidiária pelo Estado.

É claro que cada responsabilidade atribuída ao Estado necessita ser custeada por

uma correspondente fonte de financiamento que dê cabimento à prestação satisfatória

6 NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de direito tributário. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 2. 7 BORGES, José Souto Maior. Introdução ao direito financeiro. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 1998. p.

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dos serviços atribuídos ao poder público. Os recursos financeiros necessários ao

desempenho das atividades públicas podem derivar da exploração do próprio

patrimônio estatal ou da subtração de parcela da riqueza individual. No primeiro caso,

encontram-se as receitas públicas originárias; no segundo, as receitas públicas

derivadas, dentre os quais se incluem os tributos. Contudo, com o acréscimo das

atribuições, os recursos proporcionados pela exploração do próprio patrimônio estatal

mostram-se insuficientes. Por isso, torna-se imperioso ao Estado a obtenção de recursos

derivados da riqueza privada. Este momento da evolução estatal é reconhecido como a

passagem do Estado Patrimonialista ao Estado Fiscal.

O Estado, através dos tributos, retira parcela da riqueza privada transferindo-a

para a coletividade. É claro que ao Estado são permitidas outras formas de interferência

na riqueza privada, tais como a desapropriação e o confisco, estas sempre usadas como

meios de exceção. Contudo, apenas a tributação tem o condão de retirar de forma não

eventual parcela da riqueza individual dentro da estrita legalidade que o sistema

normativo permite.

O poder de tributar é inerente ao Estado e decorre do seu poder de império. Só

Estado “[...] reúne poderes que lhe permitem arrecadar recursos financeiros de forma

impositiva e coercitiva, é dizer, com uma força jurídica tal, que independe da vontade

individual do contribuinte”8. O motivo pelo qual o Estado se imiscui na atividade

privada tem fundamento no bem-estar da coletividade, que sobrepuja o interesse

privado9.

A tributação, pois, é fato jurídico-econômico-social que transcende a vontade

individual. Toda a sociedade e entes privados são impelidos a contribuir com a

manutenção do Estado, através do pagamento de tributos. Claro que o sacrifício

financeiro individual destinado à manutenção do ente estatal deve se ater aos limites

materiais de cada um, em respeito à capacidade econômica individual. Para a cobrança

do tributo, no entanto, faz-se necessário revelar a capacidade contributiva individual,

posto que “a cobrança há de ser feita na oportunidade, pela forma e pelos meios

estabelecidos em lei, sem que à autoridade caiba decidir se cobra de fulano ou deixa de

cobrar de beltrano, por este ou por aquele motivo. Ou o tributo é devido, nos termos da

8 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito financeiro e de direito tributário. 6. ed. ampl. e atual. São

Paulo: Saraiva, 1998. p. 97 9 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 6. ed. rev. atual. ampl. São Paulo:

Melhoramentos, 1995. p. 44.

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lei, e neste caso há de ser cobrado, ou não é devido, também nos termos da lei, e neste

caso não será cobrado”10. Contudo, não basta que a lei tributária determine que o sujeito

passivo cumpra monetariamente a obrigação tributária, “É necessário que um agente da

Administração pratique atos de individualização da norma (ato administrativo de

aplicação da lei), subsumindo o fato à norma, determinando os contribuintes e

quantificando os que devem pagar, isto é, fixando quanto é devido por cada um a título

de tributo (o crédito tributário), quando, como, onde e a quem pagar”11.

É patente que Administração Tributária não tem espaço para a prática de atos

distintos daqueles previstos em lei tributária. As Autoridades Fazendárias recebem um

conjunto de poderes que lhes cabe exercer com atenção especial ao princípio da

legalidade. Ao se afastar dos ditames da lei, a Autoridade Fazendária, ao invés de

obedecer à vontade legal, cumpre sua vontade própria ou alheia.

2.1. OS CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA

Em decorrência da relevância das receitas tributárias para o Estado moderno,

determinados comportamentos de evasão de recursos públicos passaram a ser tipificados

como crime. Na seara tributária, a Lei nº. 8.137, de 27 de dezembro de 1990, reuniu

condutas vedadas, passando a prever um novo tipo penal específico, denominado de

crime contra a ordem tributária (art. 1º ao 3º). Tal tipo penal restringe-se exclusivamente

a comportamentos comissivos ou omissivos que resultem na supressão ou redução de

tributo ou contribuição social. É crime material. Por isso, “[...] se não houver supressão

ou redução, não haverá crime, ou seja, o crime não estará caracterizado [...] o momento

consumativo do crime dá-se ao reduzir ou suprimir o tributo ou contribuição [...]”12.

É evidente que o interesse imediato dos entes federados competentes para

tributar é a obtenção de recursos financeiros. Em sentido contrário, a pretensão punitiva

na seara tributária só de forma mediata interessa ao Estado. Assim, mesmo quando o

10 SIQUEIRA, Flávio Augusto Maretti. Responsabilidade Penal pelo Excesso de Exação. Disponível em:

<www.praetorium.com.br/index.php?secition=artigos&id=8>. Acesso em: 16 de maio de 2008. 11 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Manual de direito tributário. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

p. 421. 12 CASSONE, Vittorio; CASSONE, Maria Eugenia Teixeira. Processo tributário: teoria e prática. 2. ed.

São Paulo: Atlas, 2000. p. 337.

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sujeito passivo da obrigação tributária realiza algum comportamento tipificado como

crime contra a ordem tributária, a mera satisfação da pretensão tributária (pagamento do

tributo ou contribuição social devido) terá o condão de afastar a pretensão punitiva do

Estado, através do instituto da extinção da punibilidade, conforme disposto no art. 34,

da Lei n° 9.249, de 26 de dezembro de 1995. Logo, mesmo que a conduta do sujeito

passivo seja tipificada como crime, o mero cumprimento da obrigação tributária

principal – leia-se parcelamento ou pagamento do tributo, acrescido de juros de mora,

correção monetária e outras obrigações acessórias – aproveita à espera penal. Satisfeita

a pretensão tributária, através da extinção do crédito tributário, extinto estará a

pretensão punitiva.

Uma importante questão surge quando, diante do cometimento de crimes contra

a ordem tributária, as Administrações Tributárias toleram ou induzem condutas de

Autoridades Fazendárias tipificadas como crime de excesso de exação. A exação, por si

mesma, não é crime. Crime é o seu excesso. A definição legal do crime de excesso de

exação encontra-se no §1º do art. 316 do Código Penal, cuja redação lhe foi dada pelo

art. 20 da Lei nº 8.137/90. É considerado um subtipo do crime de concussão.

Comportamentos tipificados como crime de excesso de exação não são admitidos, em

especial porque o Estado possui mecanismos instrumentais legais de coerção, de forma

a cobrar, dentro da restrita legalidade, do sujeito passivo da obrigação tributária o

tributo devido.

Esses desvios de conduta da Autoridade Fazendária não são admitidos em nosso

ordenamento jurídico e recebem uma recriminação mais severa, resultando, inclusive,

em penas mais elevadas que aquelas previstas para os crimes contra a ordem tributária.

A Autoridade Fazendária que age ao arrepio da lei e imputa um maior ônus tributário ao

sujeito passivo ou, quando devido o tributo, emprega na cobrança meio vexatório ou

gravoso, substitui a vontade geral da sociedade, expressa na norma positivada, por sua

própria vontade, seja por dolo ou culpa. A Autoridade Fazendária, cujas condutas

coincidem com o tipo penal do crime de excesso de exação, extrapola seus deveres e

competências funcionais.

3. O CRIME DE EXCESSO DE EXAÇÃO

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O crime de excesso de exação está previsto no art. 316, §1º do Código Penal, in

verbis: “Se o funcionário exige tributo ou contribuição social que sabe ou deveria saber

indevido, ou, quando devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso, que a lei

não autoriza: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8(oito) anos, e multa”. Há duas modalidades

do excesso de exação: i) exigência indevida (excesso no modo de exação) e ii) cobrança

vexatória ou gravosa não autorizada em lei (exação fiscal vexatória).

Um tributo é indevido quando não tenha sido instituído por lei, quando já tenha

sido pago ou quando tenha sido exigido em quantia maior que a devida. A modalidade

de excesso no modo de exação também pode ocorrer em situação de tributo instituído

por lei, mas cuja cobrança tenha se apresentado indevida por causa de dúvida na

interpretação da lei, ou do fato. Tributo instituído por lei que tenha sido declarada

inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, definitivamente, seja no controle

direto, seja no controle difuso, quando cobrado por funcionário, gera crime de excesso

de exação13. Na primeira modalidade (excesso no modo de exação), inclui-se, ainda, a

prática de efetuar mais de um lançamento de ofício com fundamento em um mesmo fato

jurídico-econômico-tributário. Por exemplo, no campo de incidência do imposto de

renda pessoa física (IRPF) não é incomum a desconsideração de recibos de despesas

dedutíveis – como aqueles relativos a despesas com saúde – na declaração de ajuste

anual de contribuinte adquirente do serviço (destinatário do recibo) e,

concomitantemente, o aproveitamento dos mesmos recibos anteriormente

desconsiderados para responsabilizar, por omissão de renda, o contribuinte prestador do

serviço (emitente do recibo). Parece ser razoável que um mesmo recibo não poderá ser

considerado idôneo na declaração de ajuste anual do contribuinte que prestou o serviço

(emitente do recibo) e, ao mesmo tempo, inidôneo na declaração de ajuste anual do

contribuinte adquirente do serviço (destinatário do recibo). Se um determinado recibo

foi considerado idôneo, apenas o contribuinte emitente que não o tenha incluído em sua

declaração de ajuste anual deverá ser responsabilizado por omissão de renda. Já se o

recibo foi considerado inidôneo em procedimento administrativo que tenha apurado a

prática de compra e venda ou de falsificação de recibos, deverá ser excluído apenas das

despesas dedutíveis do contribuinte adquirente do serviço.

13 MACHADO, Hugo de Brito. Estudos de Direito Penal Tributário. São Paulo: Atlas, 2002. p. 190-191.

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É evidente que a conduta de efetuar dois lançamentos para o mesmo fato

jurídico-econômico-tributário resulta, na esfera tributária, em bis in idem e, na esfera

penal, em comportamento tipificado como crime de excesso de exação. Neste caso, a

lógica é bastante simples: se determinado recibo foi considerado inidôneo na declaração

de ajuste anual do contribuinte que efetuou o pagamento (adquirente do serviço),

reduzindo suas despesas dedutíveis, evidentemente que não poderia integrar qualquer

procedimento fiscal relativo ao contribuinte que emitiu o recibo (prestador do serviço),

para imputar a este último a omissão de renda. O contrário também é verdade. Se

determinado recibo serviu de fundamento para o lançamento tributário por omissão de

renda do contribuinte que emitiu o recibo, não poderia ser desconsiderado na declaração

de ajuste anual do contribuinte que pagou pelo serviço prestado, reduzindo suas

despesas dedutíveis.

Esta deplorável prática da Administração Tributária pode esconder, na verdade,

condutas funcionais não autorizadas em lei, tal como a decretação de inidoneidade de

recibos dedutíveis do IRPF sem procedimento administrativo específico, com

fundamento apenas em exigências ilegais, tais como comprovação adicional de

pagamento, apresentação de cópia de cheque ou movimentação bancária. Neste caso, os

pagamentos em dinheiro e à vista são sumariamente desconsiderados, como se esta

modalidade de pagamento fosse vedada no ordenamento jurídico brasileiro. Além disso,

muitos procedimentos administrativos tributários abrigam conduta ainda mais grave, tal

como a lavratura de lançamento tributário com fundamentado em confissão. Na esfera

tributária a confissão é irrelevante como meio de prova. Apenas a confissão não é meio

de prova suficiente para a dedução de qualquer prática de infração tributária. Assim,

mesmo diante de uma confissão, o lançamento de ofício deverá ser fundamentado em

outros meios de prova. Por isso, veda-se a conduta da Autoridade Fazendária que efetua

lançamento tributário com fundamento em meras ilações não previstas em lei.

Presunções e arbitramentos na seara tributária são matérias reservadas à lei.

Quanto à segunda modalidade típica (exação fiscal vexatória ou gravosa) sua

ocorrência dar-se quando a exigência do tributo é devida, sendo a cobrança feita com o

emprego de meio vexatório ou gravoso para o devedor, não autorizado por lei. Tanto na

hipótese de meio vexatório, como de meio gravoso, é preciso que a lei não autorize o

emprego do meio escolhido pelo funcionário. “Vexatório é o meio que expõe o

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contribuinte à vergonha ou humilhação (diligências aparatosas, violências física ou

moral, injúria, etc)”14. Gravoso é o que lhe importa maiores despesas, ônus.

Correspondem à prática do excesso de exação, sob a modalidade de cobrança de

tributo devido com emprego de meio vexatório ou gravoso, as sanções políticas,

exteriorizadas através de práticas como interdição do estabelecimento; a apreensão de

mercadorias, sem que a presença física destas seja necessária para a comprovação do

ilícito; o regime especial de fiscalização; a recusa de autorização para impressão de

notas fiscais; a inscrição em cadastro de inadimplentes com as restrições daí

decorrentes; a recusa expedição de certidão negativa de débito quando ainda não há

lançamento consumado contra o contribuinte; a suspensão/cancelamento da inscrição do

contribuinte no respectivo cadastro. As sanções políticas são inconstitucionais, havendo

jurisprudência sumulada pelo Supremo Tribunal Federal (Súmulas 70, 323 e 547 do

STF).

Em outras circunstâncias a própria Administração Tributária institucionaliza ou

tolera o uso de meios vexatórios ou gravosos na cobrança de tributos. Na esfera federal

esta situação pode ser perfeitamente identificada, por exemplo, quando os montantes

consolidados de tributos ou contribuições sociais federais são inferiores a R$ 10.000,00.

A Justiça Federal tem firmado entendimento de que “Executar um valor menor que o

gasto empreendido com a própria cobrança da dívida ativa evidencia a inutilidade do

procedimento executivo-fiscal [...] Os artigos 20 da Lei nº 10.522/02 e 1º da Lei nº

9.469/97 são ilustrativos da falta de interesse processual da Fazenda Pública de

promover executivos fiscais de pequeno valor” (AC Nº 1999.71.08.010584-1/RS, Rel. a

Exma. Sra. Desa. Federal MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA, 1ªT./TRF4, Maioria, julg. em

10/12/2003, DJ2 nº 29, 11/02/2004, p. 342.). No mesmo sentido, tem sido as reiteradas

decisões do Superior Tribunal de Justiça, que tem reconhecido a possibilidade de

“arquivamento, sem baixa na distribuição, das execuções de valor irrisório,

possibilitando que a soma dos valores devidos retome o curso em ações cumuladas com

valores acima do mínimo estipulado” (REsp 806932/SP, Rel. Ministro Francisco

Peçanha Martins, Segunda Turma, julg. em 14/02/2006, DJ 24/03/2006, p. 226).

O princípio da insignificância vem positivado no art. 20 da Lei nº 10.522, de 19

de julho de 2002, com nova redação dada pela Lei nº 11.033/2004, que expressamente

dispõe que “Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do

14 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, Parte Especial (arts. 235 a 361 do CP), volume

III. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 325.

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Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos

como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela

cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais)”. No

entanto, a própria Administração Tributária não obstaculiza a formalização e o envio

para o Ministério Público Federal de representação fiscal para fins penais cujos créditos

tributários consolidados sejam inferiores ao estabelecido na Lei nº 11.033/2004, o que

cria para o contribuinte uma situação, no mínimo, esdrúxula: devido à irrelevância

financeira, os créditos tributários consolidados inferiores a R$ 10.000,00 jamais serão

cobrados judicialmente através de ação de execução fiscal; mas, diante da

inadimplência, o contribuinte poderá ser responsabilizado penalmente por crime contra

a ordem tributária. Evidentemente que nesta situação, a responsabilização penal

apresenta-se como mecanismo vexatório e/ou gravoso de cobrança de tributo. Através

deste artifício, a Administração Tributária coloca o contribuinte uma situação na qual a

satisfação da pretensão tributária do Estado (pagamento ou parcelamento do tributo na

esfera administrativa) é a única forma de afastar a pretensão punitiva (extinção da

punibilidade). Assim, faz-se uso da ação penal como meio transversal de cobrança

administrativa, apesar do elevado custo para o Poder Público, posto que se exige a

atuação de Delegados, Membros do Ministério Público e Magistrados, dentre inúmeros

outros agentes.

É importante frisar que não se questiona o dever funcional das Autoridades

Fazendárias que, diante da ocorrência de comportamentos que possam resultar em crime

contra a ordem tributária, têm a obrigação de formalizar representação fiscal para fins

penais. Mas, faz-se necessária prudência, cautela, enfim, proporcionalidade entre meio e

fim. Se o Estado reconhece ser dispendioso o exercício da pretensão tributária (cobrança

judicial) de créditos tributários consolidados abaixo de determinado montante, não faz

sentido o próprio Estado exercer a pretensão punitiva relativa aos créditos tributários

considerados irrisórios. Neste caso, a conduta de Autoridade Fazendária apresenta-se

desproporcional, custosa para o Poder Público, além de vexatória e gravosa para o

contribuinte, com constrangimentos, exposição pública e onerosa para o contribuinte

(por exemplo, com pagamento de advogados). Evidentemente que o desvirtuamento da

ação penal, na situação descrita acima, coincide com o que Hugo de Brito Machado

denomina de “sanções políticas”, ou seja, a utilização, pelas Administrações Tributárias,

de mecanismos transversais de constrangimento público de sujeito passivo. É evidente

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que estes desvios de conduta atingem mais severamente os contribuintes pessoa física,

posto que estes se apresentam hipossuficientes diante da complexa estrutura

administrativa-tributária e da profusão de normas tributárias. Por isso, a discussão

acerca da erradicação de condutas tipificadas como crime de excesso de exação, para se

efetivar, necessitará perpassar temas controversos que a cultura de poder no Brasil

nunca autorizou discuti-los, posto que envolvem interesses funcionais e econômicos

inestimáveis, imprevisíveis e, até então, intocáveis. Contudo, a sociedade brasileira

deixa transparecer sua intolerância aos desvios de condutas na atividade tributária,

passando a exigir uma completa enumeração dos limites de autuação das Autoridades

Fazendárias, de forma a resguardar o sagrado direito do administrado de não ser

importunado pelo Estado-tributário além do previsto em lei.

3.1. O ELEMENTO SUBJETIVO

Na modalidade de cobrança de tributo indevido, o elemento subjetivo é o dolo,

consubstanciado na vontade livre e consciente de exigir tributo ou contribuição social

que sabe ser indevido, “com o agente sabendo que exige aquilo que é ilegal à luz do

direito tributário, afrontando as normas atinentes à fixação e cobrança de tributos”15.

Mas, a expressão “ou deveria saber” tornou o fato punível a título de dolo eventual, não

admitindo, o tipo, a modalidade culposa16 (a qual ocorre quando o agente dá causa ao

resultado por imprudência, negligência ou imperícia). O dolo eventual, também

chamado de condicionado ou indireto, ocorre quando o agente não quer o resultado

ilícito, mas sabe que poderá ocorrer e age assumindo esse risco17. Há, contudo,

entendimento doutrinário em contrário, que indica que na modalidade de exigência de

tributo indevido não se exige o dolo. As Autoridades Fazendárias têm o dever funcional

de conhecer a legislação tributária, se não a conhece estará atuando com imperícia e,

portanto, culposamente18.

15 SIQUEIRA, Flávio Augusto Maretti. Responsabilidade Penal pelo Excesso de Exação. Disponível em:

<www.praetorium.com.br/index.php?secition=artigos&id=8>. Acesso em: 16 de maio de 2008. 16 JESUS, Damásio E. de. Direito Penal, Parte especial: Dos crimes contra a fé pública e Dos crimes

contra a administração Pública. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 161. 17 GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário Técnico Jurídico. 10. ed. São Paulo: Rideel. P. 277. 18 MACHADO, Hugo de Brito. Estudos de Direito Penal Tributário. São Paulo: Atlas, 2002. p. 199.

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Na modalidade de cobrança vexatória ou gravosa, o elemento subjetivo “é o

dolo, consubstanciado na vontade livre e consciente de empregar meio vexatório na

cobrança do tributo ou contribuição devido, ciente da ausência de autorização legal para

tanto”19.

3.2. OBJETIVIDADE JURÍDICA E SUJEITOS DO DELITO

O delito de excesso de exação tem “dois bens juridicamente tutelados, a saber, a

moralidade administrativa, porque a prática do crime em questão desmoraliza a

administração pública, e também o direito individual do contribuinte, que é molestado

com o fato”20. O primeiro sujeito passivo do crime é o Estado e, secundariamente, a

pessoa atingida pela conduta em razão do delito molestar seu direito individual de

contribuinte.

O crime de excesso de exação é funcional próprio, só podendo ser cometido por

funcionário público, admitindo-se, entretanto, a participação de um terceiro, por força

dos artigos 29, 30 e 327 do Código Penal. Para que haja o delito de excesso de exação, o

funcionário público deve se valer de sua função ao realizar qualquer verbo do tipo,

porquanto, se não for assim, ele estará cometendo o delito de extorsão (art. 158 do

Código penal)21. É importante frisar que não há exigência de que o funcionário público

seja competente para a arrecadação de tributos, podendo ser cometido por qualquer

funcionário público, desde que este adote conduta própria na cobrança (lavratura do

auto de infração) e meios adequados a demonstrar que o tributo há de ser pago ao ente

público.

3.3. A TENTATIVA E A CONSUMAÇÃO

19 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, Parte Especial: dos crimes contra os costumes e dos crimes

contra a administração pública (arts. 213 a 359-H). 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 433. 20 MACHADO, Hugo de Brito. Estudos de Direito Penal Tributário. São Paulo: Atlas, 2002. p. 202. 21 SIQUEIRA, Flávio Augusto Maretti. Responsabilidade Penal pelo Excesso de Exação. Disponível em:

<www.praetorium.com.br/index.php?secition=artigos&id=8>. Acesso em: 16 de maio de 2008.

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Por ser um crime formal, a consumação do crime de excesso de exação não

dependerá da produção do resultado, assim sendo, na primeira modalidade típica,

independerá do pagamento do tributo indevido, e, na segunda modalidade, independerá

do efetivo recebimento do tributo.

No excesso no modo de exação, como a conduta consiste em exigir, há

consumação no momento em que é formalizada a exigência do tributo indevido, pela

intimação do sujeito passivo da suposta obrigação tributária, ou seja, de quem se exige o

tributo. Na exação fiscal vexatória, há consumação no momento em que se emprega o

meio vexatório ou gravoso, não autorizado pela lei, na cobrança de tributo devido.

A tentativa é admissível nas duas modalidades típicas. No excesso no modo de

exação, estará configurada a tentativa “se o funcionário emite um auto de infração que

por circunstâncias alheias a sua vontade não chega ao conhecimento do autuado”22. Já

na exação fiscal vexatória, estará configurada a tentativa “se o funcionário emite notícia

para um jornal, em que pretende publicar fatos constrangedores da vida do contribuinte,

como forma oblíqua de obrigá-lo ao pagamento do tributo, e a notícia não chega a ser

publicada por circunstâncias alheias a sua vontade”.

3.4. A FORMA QUALIFICADA

A forma qualificada do crime de excesso de exação ocorre quando “[...] o

funcionário desvia, em proveito próprio ou de outrem, o que recebeu indevidamente

para recolher aos cofres públicos. Pena: reclusão, de dois a doze anos, e multa” (art.

316, §2º do Código Penal).

Note que, ao autor da forma qualificada do excesso de exação comina-se uma

pena com limite mínimo inferior à forma não qualificada, já que o limite mínimo da

forma qualificada é de dois anos de reclusão, enquanto a do crime simples é de três anos

de reclusão. Isso configura um gritante equívoco na legislação, devendo o julgador, por

coerência lógica, não impor pena inferior a 3 (três) anos de reclusão, quando se tratar da

forma qualificada do excesso de exação23.

22 MACHADO, Hugo de Brito. Estudos de Direito Penal Tributário. São Paulo: Atlas, 2002. p. 202. 23 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, Parte Especial (arts. 235 a 361 do CP), volume

III. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 326.

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Para que haja a configuração da forma qualificada do crime de excesso de

exação o apoderamento do tributo deve ser antes de seu recolhimento aos cofres

públicos, caso ocorra depois, o delito será o peculato24. A distinção entre o tipo

qualificado e o peculato “somente é possível no caso em que o funcionário que recebe o

tributo indevido não é o órgão arrecadador, e recebe o tributo em circunstâncias

excepcionais, para fazer seu recolhimento aos cofres públicos, vale dizer, aos órgãos

arrecadadores”25. Isso porque quando o funcionário competente para receber o tributo

age em nome do Estado, o recebimento por ele efetuado e o recolhimento aos cofres

públicos acabam por se confundir. Esta situação ainda é comum no campo de incidência

do ICMS, em especial nos Estados-membros mais pobres da Federação que mantém

forte fiscalização de mercadorias em trânsito em seus territórios. Detectada a infração

tributária, tal como mercadorias desacompanhadas de nota fiscal, em locais isolados e

com precária estrutura bancária, a cobrança do tributo é realizada no local da apuração

da infração, devendo a Autoridade Fazendária receber em nome do Estado o tributo

devido, que posteriormente será arrecadado aos Cofres Públicos no prazo legal;

obrigando-se, no entanto, a regularizar a situação através da emissão de nota fiscal

avulsa e do documento de arrecadação. Evidentemente que esta é uma situação cada vez

mais rara. É sempre mais prudente privilegiar o lançamento de ofício (lavratura de auto

de infração), de forma a afastar a arrecadação do tributo da Autoridade Fazendária,

especialmente por questões de segurança pessoal desta.

O tipo qualificado apresenta dois elementos subjetivos: o dolo e a intenção de

locupletação, contida na expressão “em proveito próprio ou alheio”26. A consumação do

crime ocorre com o efetivo desvio do objeto, já que o tipo qualificado é crime material.

Admite-se a tentativa.

3.5. AÇÃO PENAL

24 JESUS, Damásio E. de. Direito Penal, Parte especial: Dos crimes contra a fé pública e Dos crimes

contra a administração Pública. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 162. 25 MACHADO, Hugo de Brito. Estudos de Direito Penal Tributário. São Paulo: Atlas, 2002. p. 201-202. 26 JESUS, Damásio E. de. Direito Penal, Parte especial: Dos crimes contra a fé pública e Dos crimes

contra a administração Pública. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 162.

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A ação penal é pública incondicionada. Desse modo, o Ministério Público tem o

dever de agir, oferecendo a denúncia sem a necessidade de provocação. Isso não obsta,

por sua vez, que o contribuinte prejudicado ofereça representação, a qual será

considerada como notícia do crime, e, também, não obsta que qualquer pessoa, mesmo

sem interesse pessoal no caso, dê a notícia do crime ao Ministério Público27. Se o

Ministério Público no transcorrer de 15 dias do recebimento de provocação, não

oferecer a denúncia, caberá a ação penal privada, conforme garantia prevista no art. 5º,

inciso LIX da Carta Magna.

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES

Por evidentes limitações, toda pesquisa deve se ater a objetos, sujeitos e lapsos

temporais determinados. Assim, na presente pesquisa fez-se necessário proceder a

recortes de individualização. Claro que a pesquisa de campo aponta a realidade de um

determinado locus, em um determinado período, contudo é possível expandir as

generalizações dos resultados e conclusões para a realidade brasileira, sem prejuízos de

valoração.

A pesquisa empírica consistiu, inicialmente, no levantamento processual do

crime de excesso de exação na comarca de Campina Grande/PB, no lapso temporal de

2004 a 2008. Para atingir tal intento, foi necessária uma primeira coleta exploratória de

dados para identificar nas 7 (sete) Varas Criminais da Comarca de Campina Grande

processos de ações penais do crime de excesso de exação.

Nesta etapa do levantamento já foi possível identificar que a 1ª e 6ª varas

criminais são especializadas em execução penal e tóxicos e precatórios,

respectivamente. Em todas as outras 5 (cinco) Varas Criminais (2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 7ª)

pesquisadas foi constata a inexistência, no período de 2004 a 2008, de ações penais do

crime de excesso de exação. Em razão deste resultado inicial, foi alterada a técnica de

coleta de dados da pesquisa, fazendo uso de questionário com questões abertas e

fechadas, direcionado a Juízes e Promotores de Justiça Criminais, com perguntas

27 MACHADO, Hugo de Brito. Estudos de Direito Penal Tributário. São Paulo: Atlas, 2002. p. 206.

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relativas ao crime de excesso de exação, de forma a obter explicações sobre a ausência

de casos concretos.

No total foram entrevistados, pessoalmente ou através da entrega do

questionário, 4 (quatro) Juízes e 4 (quatro) Promotores de Justiça, sendo três Juízes

titulares e um substituto. Todos os Promotores de Justiça entrevistados são titulares das

Varas Criminais onde atuam.

A seguir são mostradas e tabuladas as perguntas e as correspondentes respostas.

QUESTÃO N° 1. Há quanto tempo o Sr (a) é Juiz ou Promotor de Justiça na ____ Vara

Criminal da comarca de Campina Grande?

( ) até 5 anos ( ) mais de 5 até 10 anos ( ) mais de 10 anos

As respostas são mostradas nas tabelas 1 e 2:

Tabela 1 – Tempo de atuação profissional dos juízes da Comarca de Campina Grande

VARA CRIMINAL TEMPO DE ATUAÇÃO DO

PROFISSIONAL

3ª vara Mais de 5 até 10 anos

4ª vara Mais de 5 até 10 anos

5ª vara Mais de 10 anos

7ª vara Até 5 anos

Tabela 2 – Tempo de atuação profissional dos Promotores de Justiça.

VARA CRIMINAL TEMPO DE ATUAÇÃO DO

PROFISSIONAL

2ª vara Mais de 5 até 10 anos

3ª vara Mais de 10 anos

4ª vara Mais de 5 até 10 anos

7ª vara Mais de 5 até 10 anos

Verifica-se que grande parte dos Juízes e Promotores criminais entrevistados se

inclui no tempo de atuação profissional de 5 a 10 anos nas Varas Criminais da comarca

de Campina Grande. Duas autoridades contam com mais de 10 anos exercício

profissional e apenas uma delas tem menos de 5 anos de atuação.

QUESTÃO N° 2. Em sua vida profissional, o Sr (a) já lidou com alguma ação penal

cujo objeto da denúncia era o crime de excesso de exação?

( ) SIM ( ) NÃO

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As respostas são mostradas na tabela 3:

Tabela 3 – Respostas sobre a existência de ações penais concernentes ao delito de

excesso de exação, durante vida profissional.

AUTORIDADE VARA CRIMINAL RESPOSTA

Juiz Terceira Não

Juiz Quarta Não

Juiz Quinta Não

Juiz Sétima Não

Promotor Segunda Não

Promotor Terceira Não

Promotor Quarta Não

Promotor Sétima Não

Evidentemente que a ausência ações penais do crime de excesso exação nas

Varas Criminais da comarca de Campina Grande se estende além do recorte temporal da

pesquisa (2004-2008), visto que dentre as autoridades entrevistadas 7 (sete) do total de

8 (oito) contam com mais de 5 anos de exercício profissional, sendo que 2 (duas) dessas

contam com mais de 10 anos de atuação e durante esse período nenhuma delas se

deparou com ações relativas ao crime de excesso de exação.

QUESTÃO N° 3. O Sr (a) tem conhecimento de que o nosso ordenamento jurídico

previu uma recriminação penal mais severa (pena de reclusão, de 3 a 8 anos) para as

condutas tipificadas como crime de excesso de exação do que para os crimes contra a

ordem tributária (pena de reclusão, de 2 a 5 anos), como, por exemplo, a sonegação

fiscal?

( ) SIM ( ) NÃO

As respostas são mostradas na tabela 4:

Tabela 4 – Respostas sobre o conhecimento de que a recriminação no crime de excesso

de exação é mais rigorosa do que as dos crimes contra a ordem tributária.

AUTORIDADE VARA CRIMINAL RESPOSTA

Juiz Terceira Sim

Juiz Quarta Não

Juiz Quinta Não

Juiz Sétima Não

Promotor Segunda Sim

Promotor Terceira Não

Promotor Quarta Não

Promotor Sétima Sim

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Nota-se que das 8 (oito) autoridades entrevistadas, apenas 3 (três) afirmaram

conhecer que a recriminação penal no excesso de exação é superior aos dos crimes

contra a ordem tributária. Isso demonstra desconhecimento de elementos básicos do tipo

do crime de excesso de exação por Juízes e Promotores criminais, refletindo assim o

pouco conhecimento dessa figura delitiva.

QUESTÃO N° 4. Em etapa anterior da pesquisa identificamos a ausência de processos

criminais que apurassem condutas de Autoridades Fazendárias tipificadas como

excesso de exação. Tendo em vista que a ação penal é pública incondicionada, em

vosso entendimento quais seriam os prováveis motivos que levariam o Estado a não

exercer a pretensão punitiva nos crimes de excesso de exação?

Nesta questão aberta só foi possível obter respostas dos Juizes da 3ª e 7ª Varas

Criminais e dos Promotores de Justiças das 2ª e 7ª Varas Criminais.

O Juiz da 3ª Vara Criminal apontou dois motivos para o não exercício da

pretensão punitiva do Estado nos crimes de excesso de exação. O Estado não teria

interesse em intentar a persecutio criminis neste delito porque apesar de ser a vítima

primeira do mesmo, tolera a presença dos sujeitos ativos do crime, seus servidores. O

outro motivo seria a falta de informação de sua ocorrência às autoridades públicas pelos

contribuintes lesados. A seguir é transcrito o teor completo da resposta:

Embora o crime de excesso de exação, previsto no §1º do art. 316 do CP, seja

de ação penal pública incondicionada, isto é, não dependa de representação

ou requerimento da vítima para que se instaure a sua fase inquisitiva ou a

própria ação penal, as autoridades públicas só podem tomar as providências

cabíveis quando têm conhecimento da prática delitiva.

No caso do delito de excesso de exação, a vítima primeira é o Estado e, em

segundo plano, surge, eventualmente, o contribuinte que sofre a conduta

lesiva.

Porém, também é o Estado, através de seus servidores, o sujeito ativo do

delito.

Daí porque entendo que o Estado não tem interesse em intentar a persecutio

criminis para apurar fato delituoso imputado, por ele, como vítima, num

primeiro plano, a funcionário público.

Outrossim, quando a vítima é o contribuinte, não há razão lógica para que

não leve a lesão ao seu bem jurídico ao conhecimento das autoridades

públicas, possibilitando, desta forma, a apuração do fato em sede de ação

penal pública incondicionada, pelo que se deve creditar tal omissão à sua

total falta de interesse de punir, penalmente, os responsáveis.

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O Juiz da 7ª Vara Criminal acredita que o motivo da ausência de denúncias

relativas ao delito seria o não interesse do Estado em desestimular condutas de cobrança

de tributos de forma exacerbada por seus servidores. Já para o Promotor de Justiça da 2ª

Vara Criminal, o motivo seria a “omissão da autoridade competente que muitas vezes

não toma as devidas providências a fim de levar o fato ao conhecimento do Ministério

Público para que promova a devida ação penal”. O Promotor de Justiça da 7ª Vara

Criminal respondeu a essa indagação nos seguintes termos:

A pretensão punitiva do Estado só surge com o cometimento do crime e,

logicamente, a respectiva persecução só pode ser iniciada quando alguma

autoridade competente toma conhecimento do crime praticado. Desse modo,

se algum crime dessa natureza tem sido praticado, só não está havendo a

persecução criminal porque não foi levado ao conhecimento das autoridades

competentes. Observe, porém, que se trata de crime eminentemente doloso,

de modo que só ocorrerá quando o funcionário sabe que o tributo é indevido.

No crime de excesso de exação, a inércia do órgão do Ministério Público pode

ser suprida por três meios: i) através da representação do particular lesado; ii) através da

notícia do crime de qualquer pessoa que tivesse conhecimento do ilícito; ou iii) através

da queixa-crime do particular no caso de omissão do Parquet na situação acima

descrita.

Diante da inércia do órgão do Ministério Público no oferecimento de denúncia,

no transcorrer de 15 dias do recebimento de provocação do contribuinte lesado ou de

qualquer pessoa interessada, pode o particular ainda fazer a queixa-crime, conforme

garantia prevista no art. 5º, inciso LIX da Carta Magna28.

A omissão do sujeito passivo no oferecimento da notícia do crime ao Ministério

Público decorre, provavelmente, da falta de conhecimento do tipo penal que lhe ampara

da cobrança indevida ou vexatória de tributos; ou do evidente temor de represálias das

Autoridades Fazendárias caso venham a ser punidas pelo delito cometido.

Deve ainda ser ressaltado que as Administrações Tributárias não possuem a

prática de coibir determinados comportamentos ilícitos, principalmente diante da

possibilidade do aumento de arrecadação. Com isso, é possível apontar que algumas

condutas podem até ser aceitas e incentivadas no interior das Fazendas Públicas.

28 MACHADO, Hugo de Brito. Estudos de Direito Penal Tributário. São Paulo: Atlas, 2002. p. 207.

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QUESTÃO N° 5. Em vossa opinião que relações há entre condutas tipificadas como

crime de exação e direitos e garantias dos contribuintes?

A respeito da indagação sobre as relações entre as condutas tipificadas como

crime de excesso de exação e direitos e garantias dos contribuintes, o Juiz da 3ª Vara

Criminal emitiu sua opinião nos seguintes termos:

Excesso de exação é a cobrança rigorosa de dívida ou imposto, onde há a

exigência de tributo ou contribuição não devidos ou a cobrança de tributo ou

contribuição devidos, mas de forma vexatória, constrangedora.

Portanto, a relação vislumbrada entre o crime de exação e os direitos e

garantias dos contribuintes consiste na tipificação como crime da conduta do

funcionário público que, agindo ilegalmente (fora dos parâmetros legais),

ofende direitos e garantias do contribuinte.

Desse modo, para tal magistrado a relação estaria no fato de a conduta do

funcionário público coincidente com o tipo penal previsto no art. 316, §1º ofender

direitos e garantias dos contribuintes. Já o Juiz da 7ª Vara Criminal afirma que a relação

estaria no direito do contribuinte de ser cobrado daquilo que realmente deve. Para ele, o

princípio da proporcionalidade explica a relação entre o delito e os direitos e garantias

dos contribuintes, de forma que o contribuinte deve ser cobrado na proporção do que ele

gerar frente ao Estado.

De acordo com Promotor de Justiça da 2ª Vara Criminal, as relações entre

condutas tipificadas como crime de exação e direitos e garantias dos contribuintes,

podem ser vistas como fator indicador das garantias constitucionais, sobretudo o

princípio contido no inciso XXXV do art. 5ª da CF. O inciso XXXV do art. 5º

preceitua: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a

direito”. Logo, as condutas tipificadas como crime de excesso de exação se relacionam

com os direitos e garantias do contribuinte porque este tipo penal busca atender ao

direito fundamental, presente na Carta Federal, da inafastabilidade do Poder Judiciário.

Para o Promotor de Justiça da 7ª Vara Criminal há total relação entre o crime de

excesso de exação e os direitos e garantias dos contribuintes, conforme a seguir

transcrito:

Já que o referido crime tem o objetivo de proteger o contribuinte contra a

cobrança de tributo sabidamente indevido ou da cobrança vexatória de tributo

devido, assim visa fazer valer os direitos e garantias do contribuinte, em

linhas gerais.

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QUESTÕES N° 6 E 7. O Sr (a), na condição de contribuinte, já se deparou com alguma

conduta de Autoridade Fazendária coincidente, em tese, com tipo penal do art. 316, §1º

do CP, ou conhece alguém que tenha se deparado?

( ) SIM ( ) NÃO

Em caso afirmativo, qual foi vossa conduta ou da vítima?

As respostas são mostradas na tabela 5:

Tabela 5 – Respostas quanto à indagação de já terem se deparado, na condição de

contribuintes, com alguma conduta tipificada de crime de excesso de exação ou ter

conhecimento de alguém que tenha se deparado.

AUTORIDADE VARA CRIMINAL RESULTADO

Juiz Terceira Não

Juiz Quarta Não

Juiz Quinta Não

Juiz Sétima Não

Promotor Segunda Não

Promotor Terceira Não

Promotor Quarta Não

Promotor Sétima Não

Durante a realização da coleta de dados foi possível verificar que o crime de

excesso de exação causa “estranheza” em muitos serventuários da Justiça e é, até

mesmo, pouco conhecido por Juízes e Promotores de Justiça das Varas Criminais da

Comarca de Campina Grande. Estas respostas tabuladas apreendem muito bem a

percepção da inexpressiva aplicabilidade da norma penal nos crimes de excesso de

exação. Diante da resposta negativa, a 7ª questão resta prejudicada.

CONCLUSÕES

O delito excesso de exação encontra-se tipificado no Código Penal e apresenta

uma recriminação penal severa para condutas de funcionários públicos que resultem na

exigência de “tributo ou contribuição social que sabe ou deveria saber indevido, ou,

quando devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso, que a lei não

autoriza”, com pena de reclusão de 3 a 8 anos, cumulada com pena pecuniária (multa).

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Sua pena é superior, inclusive, a aquelas previstas para os crimes contra a ordem

tributária, significando que a Autoridade Fazendária que comete o crime de excesso de

exação é mais nociva à sociedade do que aquele que deixa de cumprir suas obrigações

tributárias. Evidentemente que a atividade administrativa tributária, por ser vinculada à

lei, não permite que as autoridades se afastem da vontade legal para cumprir sua própria

vontade, resultando em cobrança de tributo indevido ou de tributo devido de forma

vexatória ao contribuinte.

O tipo penal previsto no art. 316, §1º do CP destina-se a tutelar as garantias

individuais dos contribuintes, consistindo em verdadeiro mecanismo de combate às

arbitrariedades de Autoridades Fazendárias. Contudo, apesar da relevância sócio-

econômico-jurídica, verifica-se, concretamente, a inexpressiva aplicabilidade da norma

penal no combate às condutas tipificadas de crime de excesso de exação. Em pesquisa

realizada no Município de Campina Grande/PB foi possível verificar a ausência, no

lapso temporal de 2004 a 2008, de ações penais relativas ao crime de excesso de exação.

Tal fato é atribuído, a princípio, à ausência de conhecimento por parte dos sujeitos

passivos das condutas tipificadas como crime de excesso de exação. Neste caso, a

inércia do sujeito passivo parece ser o fator preponderante para a ausência de ações

penais, já que presumivelmente é dele o maior interesse em levar ao conhecimento do

titular da ação penal pública a ocorrência do delito. A inércia do sujeito passivo pode ser

explicada através de três situações distintas: i) dificuldade de identificação da conduta

delituosa praticada pela Autoridade Fazendária; ii) desconhecimento do tipo legal ou iii)

manifesto temor de represálias da própria Administração Tributária. Neste sentido, não

é incomum, por exemplo, que até mesmo agentes econômicos de maior porte

(empresas) se deparem com a impossibilidade material de desvendar a ocorrência do

crime de excesso de exação. Em muitas situações, gestores, administradores,

contabilistas e advogados, por terem conhecimento fracionado do fenômeno jurídico-

tributário, não conseguem detectar comportamentos ilegais de Autoridades Fazendárias,

ou quando alcançam o comportamento infracional das mesmas, optam pela inércia e

abdicam do exercício do direito subjetivo de tutela jurisdicional, com fundamento na

fantasiosa idéia de provável “represália” por parte da Fazenda Pública.

Apesar disso, também é possível atribuir a ausência de ações penais para

condutas tipificadas como crime de excesso de exação àquelas autoridades públicas

responsáveis pelo controle interno da Administração Tributária (Corregedoria, por

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exemplo); àquelas competentes para a investigação criminal (Polícia Judiciária) e

àquelas titulares da pretensão punitiva (Ministério Público). Evidentemente que este

resultado deve ser contextualizado com a realidade brasileira, onde evidencia-se a

ausência de uma política pública de incentivo ao exercício da cidadania fiscal, que

esclareça os fundamentos materiais do princípio da solidariedade inerente à vida em

sociedade. Neste sentido, o próprio Estado se furta de prestar esclarecimentos

elementares, como os direitos e deveres do cidadão-contribuinte, os sacrifícios que a

convivência em sociedade exige e a imposição a todos da responsabilidade pela

manutenção financeira do ente estatal.

Por outro lado, a pesquisa empírica demonstrou que os Juízes e Promotores de

Justiça das Varas Criminais da Comarca de Campina Grande possuem pouca

habitualidade com o tipo estudado. A pesquisa empírica também demonstrou que

inexiste separação entre as esferas profissional e pessoal, ou seja, a falta de

habitualidade de ações penais do crime de excesso de exação se reproduz na vida

privada.

Por fim, deve ser ressaltado que, apesar do crime de excesso de exação ser de

ação pública incondicionada, o Ministério Público necessita que os elementos probantes

do delito sejam trazidos pelo sujeito passivo ou terceiro para que haja a denúncia.

Somado a isso, o Ministério Público ainda não dispõe de mecanismo de controle da

atividade administrativo-tributária, nos moldes de uma curadoria, para desvendar

comportamentos delituosos cometidos na atividade tributária.