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Estudos de Religião, v. 28, n. 2 • 11-30 • jul.-dez. 2014 • ISSN Impresso: 0103-801X – Eletrônico: 2176-1078 DOI: http://dx.doi.org/10.15603/2176-1078/er.v28n2p11-30 O cristianismo e o Império Romano: tópicos sobre mobilidade espacial, identidade étnica e hibridismo cultural Ludimila Caliman Campos* Resumo O presente artigo tem como objetivo apreender o fenômeno da globalização e do cosmopolitismo no Império Romano que se estabeleceu, principalmente, depois do Edito de Caracala. Para tanto, buscamos compreender os principais vetores deste pro- cesso, tais como o aumento da mobilidade espacial, o crescimento do individualismo e o aumento das identidades fluidas com a afirmação das identidades locais. A partir deste entendimento, fizemos um estudo de caso da religiosidade cristã dos séculos II e III, entendendo que o cristianismo usufruiu desta mobilidade espacial, assim como foi responsável por agregar valores culturais heterotópicos sob uma mesma esfera de poder. Afora isso, o cristianismo, como uma religião dita universalizadora que pregava o nivelamento étnico, trouxe consigo, associado ao cosmopolitismo romano, uma hi- bridização cultural, expressa, conforme análise, na piedade a Maria. Palavras-chave: globalização; Império Romano; cristianismo. Christianity and the Roman Empire: Topics on spatial mobility, ethnic identity, and cultural hybridism Abstract This article aims at grasping the phenomenon of globalization and cosmopolitanism in the Roman Empire, settled mainly after the Edict of Caracalla. To this end, we seek to understand the main drivers of this process, such as increased spatial mobility, the growth of individualism, and increased fluid identities with the assertion of local identities. From this understanding, we conducted a case study of Christian religiosity of the second and third centuries, understanding that Christianity enjoyed this spatial mobility as it was responsible for adding heterotopic cultural values under the same sphere of power. Aside from that, Christianity, a religion that is said to be “univer- salizing’ and preaching ethnic levelling, brought with it, associated with the Roman cosmopolitanism, a cultural hybridization that was expressed in the worship of Mary, according to our analysis. Keywords: globalization; Roman Empire; Christianity. * É bacharel e licenciada em História, mestre em História Social pela UFES e doutoranda em História Social também pela UFES. E-mail: [email protected] Currículo Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?metodo=apre sentar&id=K4251900T6

O cristianismo e o Império Romano: tópicos sobre ... · O Cristianismo e o Império Romano:13 Estudos de Religião, v. 28, n. 2 11-30 jul.-dez. 2014 ISSN Impresso: 0103-801X –

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  • Estudos de Religio, v. 28, n. 2 11-30 jul.-dez. 2014 ISSN Impresso: 0103-801X Eletrnico: 2176-1078DOI: http://dx.doi.org/10.15603/2176-1078/er.v28n2p11-30

    O cristianismo e o Imprio Romano: tpicos sobre mobilidade espacial,

    identidade tnica e hibridismo cultural

    Ludimila Caliman Campos*

    ResumoO presente artigo tem como objetivo apreender o fenmeno da globalizao e do cosmopolitismo no Imprio Romano que se estabeleceu, principalmente, depois do Edito de Caracala. Para tanto, buscamos compreender os principais vetores deste pro-cesso, tais como o aumento da mobilidade espacial, o crescimento do individualismo e o aumento das identidades fluidas com a afirmao das identidades locais. A partir deste entendimento, fizemos um estudo de caso da religiosidade crist dos sculos II e III, entendendo que o cristianismo usufruiu desta mobilidade espacial, assim como foi responsvel por agregar valores culturais heterotpicos sob uma mesma esfera de poder. Afora isso, o cristianismo, como uma religio dita universalizadora que pregava o nivelamento tnico, trouxe consigo, associado ao cosmopolitismo romano, uma hi-bridizao cultural, expressa, conforme anlise, na piedade a Maria.Palavras-chave: globalizao; Imprio Romano; cristianismo.

    Christianity and the Roman Empire: Topics on spatial mobility, ethnic identity, and cultural hybridism

    AbstractThis article aims at grasping the phenomenon of globalization and cosmopolitanism in the Roman Empire, settled mainly after the Edict of Caracalla. To this end, we seek to understand the main drivers of this process, such as increased spatial mobility, the growth of individualism, and increased fluid identities with the assertion of local identities. From this understanding, we conducted a case study of Christian religiosity of the second and third centuries, understanding that Christianity enjoyed this spatial mobility as it was responsible for adding heterotopic cultural values under the same sphere of power. Aside from that, Christianity, a religion that is said to be univer-salizing and preaching ethnic levelling, brought with it, associated with the Roman cosmopolitanism, a cultural hybridization that was expressed in the worship of Mary, according to our analysis.Keywords: globalization; Roman Empire; Christianity.

    * bacharel e licenciada em Histria, mestre em Histria Social pela UFES e doutoranda em Histria Social tambm pela UFES. E-mail: [email protected]

    Currculo Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?metodo=apresentar&id=K4251900T6

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    Estudos de Religio, v. 28, n. 2 11-30 jul.-dez. 2014 ISSN Impresso: 0103-801X Eletrnico: 2176-1078DOI: http://dx.doi.org/10.15603/2176-1078/er.v28n2p11-30

    El cristianismo y el Imperio Romano: temas con respecto a la movilidad espacial, la identidad tnica y la hibridacin cultural

    ResumenEste artculo tiene como objetivo comprender el fenmeno de la globalizacin y el cos-mopolitismo en el Imperio Romano que se asentaron principalmente despus del Edicto de Caracalla. Para ello, buscamos entender los principales impulsores de este proceso, tales como el aumento de la movilidad espacial, el crecimiento del individualismo y el aumento de las identidades fluidas con la afirmacin de las identidades locales. A partir de este entendimiento, se realiz un estudio de caso de la religiosidad cristiana de los siglos II y III, en la comprensin de que el cristianismo goz esta movilidad espacial, ya que fue el responsable de la adicin de los valores culturales heterotpicos en la misma esfera de poder. Aparte de eso, el cristianismo, como una religin dicta universalizan-te y predicando el nivelacin tnico, trajo consigo, asociado con el cosmopolitismo romano, la hibridacin cultural expresada en la piedad a Mara, segn nuestro anlisis,.Palabras clave: globalizacin, Imperio Romano, cristianismo.

    Dentro do espao geogrfico do Imprio Romano, no perodo Alto Imperial, houve mais emigrao do que imigrao (HARRIS, 1999). Apesar disso, o Imprio Romano era visto por alguns como um El Dorado. Com uma identidade bastante positivada, o Imprio, principalmente durante a Pax Romana, era identificado como um local em que se podia prosperar e viver em paz1.

    possvel identificar diversos motivos que levavam as pessoas a des-locar-se dentro do Imprio. As famlias podiam mudar-se a fim de buscar melhores terras para o cultivo; muitos indivduos saam de suas terras a fim de praticar a pirataria; alguns transitavam pelo Imprio por conta das prticas comerciais, que envolviam desde produtos alimentcios at agenciamento de escravos. Como um impacto generalizado do imperialismo, no sculo II, observou-se um grande deslocamento espacial de pessoas das zonas rurais para as cidades (SCHEIDEL, 2004). Tais pessoas traziam consigo aspectos da memria de suas localidades e identidades prprias, o que fez de cidades como Roma, Antioquia, Alexandria e Atenas grandes centros globalizados. Este contexto expressa a complexidade da sociedade imperial na qual impe-rialismo e mobilidade espacial tornaram-se aspectos indissociados.

    Sobre esse assunto, Scheidel (2004) pontua que o imperialismo abriu terras para desapropriao, criou novas fronteiras, tanto de controle quanto de integrao, incentivou o reassentamento organizado, possibilitou a aqui-sio de milhes de escravos estrangeiros, com verbas advindas do prprio imperialismo e incentivou o crescimento das populaes urbanas. medida 1 O sculo II ficou conhecido como um perodo de Pax Romana, definido por alguns autores

    como Sculo de Ouro ou Imprio Humanstico (PETIT, 1989).

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    Estudos de Religio, v. 28, n. 2 11-30 jul.-dez. 2014 ISSN Impresso: 0103-801X Eletrnico: 2176-1078DOI: http://dx.doi.org/10.15603/2176-1078/er.v28n2p11-30

    que esses acontecimentos se desdobravam, de maneira independente e/ou interdependente, as conquistas militares e a centralizao poltica foram de-terminando decisivamente o crescente fluxo populacional.

    Com a mobilidade espacial, a sociedade imperial tornou-se, de certa forma, cosmopolita. O cosmopolitismo denota a ideia de uma comunidade mundial na qual as relaes entre os indivduos transcendem as fronteiras de um estado-nao (MATHISEN, 2006). Na sociedade cosmopolita e globalizada, as pessoas devem seguir um conjunto de regras bsicas para que todos os seus integrantes gozem daquilo que consideram paz, justia, equidade e dignidade2.

    A utilizao dos termos cosmopolitismo e cidadania mundial, no sentido de globalizao aos moldes da Antiguidade, tem incio nas filosofias helensticas dos sculos IV e III a.C. Digenes, por exemplo, afirmou que ser um cosmopolita era ser um cidado do mundo. Os esticos acreditavam que o mundo inteiro constitua-se uma nica cidade verdadeira. No Imprio Romano, no incio do sculo II d.C., o filsofo Epteto tambm falou de ser um cidado do mundo (MATHISEN, 2006).

    Uma das caractersticas de uma sociedade cosmopolita e globalizada, com a qual Roma pode ser identificada, a presena de poliglotas. Segundo Mattingly e Hitchner (1995), os estudos onomsticos tm apontado para um aumento do nmero de poliglotas nas colnias romanas do norte da frica, com destaque especial para a proeminente cidade de Alexandria3.

    Outro ponto digno de nota o fato de que a maioria dos que circulavam livremente, fizeram-no porque eram cidados romanos. De fato, a mobilidade espacial era uma caracterstica do cidado romano, sendo a circulao de pes-soas no Imprio um estatuto de cidadania. Ao longo do tempo, a mdia de frequncia de deslocamento dos cidados romanos aumentou notavelmente.2 Na sociedade atual, este conjunto de regras A Declarao Universal dos Direitos Hu-

    manos foi criado em 10 de dezembro de 1948 pela ONU.3 Cidade egpcia localizada ao leste do mediterrneo, Alexandria foi uma proeminente

    metrpole helenstica no sculo I a.C. Jlio Csar tomou a cidade em 46 a.C. para des-tituir Clepatra e Ptolomeu XIII do poder. Ao longo da guerra que se sucedeu, aps o assassinato de Csar, Marco Antnio tentou convencer Clepatra a apoi-lo, mudando-se para Alexandria e tornando-se seu consorte. A cidade converteu-se em uma base para as operaes de Marco Antnio por 13 anos, at que este e Clepatra foram derrotados por Otvio, futuro imperador, na batalha de cio, em 31 a.C. A partir de ento, Alexandria nunca mais foi a mesma, at porque o Egito como um todo acabou por tornar-se, defini-tivamente, uma provncia romana. Com uma populao estimada em 300 mil habitantes, sabemos que, durante o reinado de Otvio Augusto, Alexandria abrigava uma das mais requintadas bibliotecas que o mundo antigo conheceu, alm de mercados, portos, palcios, templos, parques, tribunais, teatros, escolas e um museu. De forte carter cosmopolita, as escolas alexandrinas gozavam da influncia da cultura egpcia, grega, romana, persa, indiana e judaica.

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    Estudos de Religio, v. 28, n. 2 11-30 jul.-dez. 2014 ISSN Impresso: 0103-801X Eletrnico: 2176-1078DOI: http://dx.doi.org/10.15603/2176-1078/er.v28n2p11-30

    Nos primeiros sculos do Imprio Romano, a cidadania denotava o status ocupado por uma elite que gozava de certos direitos (no mbito pblico e privado), privilgios e obrigaes asseguradas pela lei. Os no cidados geral-mente permaneciam sujeitados aos sistemas legais das comunidades provinciais provenientes. Com o tempo, a cidadania romana pde ser adquirida por meio da compra, pela integrao ao exrcito ou em conselhos municipais (MATHI-SEN, 2006). Tal direito poderia ainda ser herdado. Ser cidado romano era motivo de grande honra e mrito. De fato, o estatuto da cidadania pode ser compreendido como um objeto portador de significados e identidades capaz de servir eficazmente como fonte para a compreenso de um ethos4.

    O cosmopolitismo no Imprio s foi legitimado com o Edito de Cara-cala (Constitutio Antoniniana de Civitate), de 212 d.C. Elaborado pelo imperador Marco Aurlio Antonino (121-180) a fim de simplificar a administrao p-blica com o aumento da arrecadao dos impostos e a inscrio de soldados nas legies, tal decreto concedeu cidadania romana a todos os moradores do orbe romano com exceo dos brbaros vencidos, reinstalados no Imprio como colonos agrcolas e escravos (GONALVES, 2006).

    Vale frisar que todas as manifestaes de cidadania forneceram elemen-tos unificadores que promoveram cooperao social e de identificao a fim de evitar uma diviso racial, religiosa, e filiaes tnicas (MATHISEN, 2006). A cidadania romana, em especial, forneceu formas de identidade pessoal que no se restringiram populao de uma nao.

    Deste modo, ao integrar uma multido de estrangeiros ao corpo de cidados romanos, o Edito acabou por beneficiar os estrangeiros, permitindo--lhes imigrar para alm das fronteiras e viver sob a gide de Roma. Mais do que isso, quando, por exemplo, um visigodo tornava-se cidado romano, este poderia migrar para a Sardenha ou para o Egito e tornar-se cidado daquela localidade tambm. Assim, nenhuma nao era to pequena que no pudesse abrigar o mundo romano inteiro, se fosse necessrio. Alm disso, a cidadania romana, mesmo depois de 212, continuou a desempenhar um papel vital na definio da identidade pessoal e legal, constituindo um fator importante de integrao social, tnica e religiosa.

    Com o fluxo de pessoas com nacionalidades variadas percorrendo todo o Imprio, havia trs tipos de identificao com a cidadania romana. O primeiro grupo era de habitantes do orbe romano, principalmente a elite provincial e os romanos de etnia no se sentiam mais cidados de determinada provncia,

    4 O conceito de ethos (advindo do grego tica, hbito, costume e harmonia), nos estudos sociolgicos, , basicamente, uma espcie de sntese dos costumes de um povo. Largamente utilizado para a compreenso dos hbitos, sob o prisma social e cultural, tal conceito est presente nos estudos das identidades sociais.

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    Estudos de Religio, v. 28, n. 2 11-30 jul.-dez. 2014 ISSN Impresso: 0103-801X Eletrnico: 2176-1078DOI: http://dx.doi.org/10.15603/2176-1078/er.v28n2p11-30

    ou distrito, mas cidados do mundo, unidos por uma lealdade e um direito comuns que vinculavam todos em um mesmo Imprio (HERSCHEL, 1909). O segundo grupo era composto por pessoas que no se identificaram como cidados romanos, mas como cidados de suas respectivas cidades e provn-cias, pois, muitas vezes, o vnculo tnico era mais forte que o imperial (MA-THISEN, 2006). Normalmente, essas pessoas compunham as camadas mdias e mais baixas da sociedade, muito ligadas aos aspectos tradicionais da cultura local. H ainda um terceiro grupo que no se identifica com nenhum tipo de identidade tnica. Esses foram os cristos, caso que ser analisado logo mais.

    Em um contexto de globalizao, percebeu-se tambm um aumento do individualismo. Pensamento defendido pelos filsofos epicuristas, o indivduo no era mais considerado um membro inseparvel do Estado, mas indepen-dente dele. Em uma sociedade cosmopolita e heterotpica, com intenso fluxo de ideias, filosofias e pessoas, cada cidado poderia aderir quilo que mais lhe servisse. No mbito religioso, isso pde ser observado com bastante clareza.

    Este momento foi caracterizado pela diversidade de religies e reli-giosidades, muitas delas vivenciadas fora dos cultos oficiais do mos maiorum, expresso das novas necessidades surgidas gradativamente em Roma e em seus domnios (SANZI, 2006). De fato, foi um perodo de grande inquietao, marcado por um sentimento de insuficincia das religies tradicionais (PE-TIT, 1989). Alm da consolidao do culto ao imperador e da permanncia das antigas tradies religiosas, houve uma grande proliferao de religies orientais, que coexistiram dentro do Imprio, entre elas o cristianismo5. Este, crena nascida na provncia da Judeia, sobressaiu-se em meio s outras reli-gies, entre outros fatores, por seu carter proselitista, o que determinou sua expanso por todos os cantos do Imprio. Deve-se destacar que o contexto da Pax Romana favoreceu o alargamento das fronteiras das religies estrangeiras de um modo geral. fato que o cristianismo foi favorecido pela facilidade de contato entre as provncias romanas e difundiu-se em meio ao livre trnsito de pessoas pelo Imprio. Assim, as constantes e profcuas relaes entre as comunidades foram fator determinante, tanto para o estabelecimento de redes de comunicao e inter-relao quanto para a perpetuao do prprio cristianismo. Alm disso, apesar da clara heterogeneidade do Imprio, houve

    5 Opondo-se s celebraes religiosas ritualsticas empreendidas por Roma, os cultos orientais exerceram um grande fascnio por todo o Imprio porque, por meio de doutrinas bem elaboradas, estes forneciam respostas a algumas inquietaes religiosas do homem romano. Os cultos de mistrio, em especial, assim como o prprio cristianismo, representavam uma forma de religio muito mais voltada para a esfera do pessoal, cultivada pela relao entre deuses e homens, diferentemente dos cultos tradicionais romanos.

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    Estudos de Religio, v. 28, n. 2 11-30 jul.-dez. 2014 ISSN Impresso: 0103-801X Eletrnico: 2176-1078DOI: http://dx.doi.org/10.15603/2176-1078/er.v28n2p11-30

    algumas tentativas de uniformizao poltica e cultural, sendo que o cristia-nismo desempenhou, posteriormente, sua funo poltico-social na integrao das massas (GUARINELLO, 2006).

    A princpio, o Imprio Romano no se mostrou interessado nos cris-tos, at porque, politicamente, alm da baixa capacidade de resistncia dessa religio ao poder de Roma, no se tem notcia de qualquer ideologia de inspirao crist que tenha estimulado algum tipo de ao subversiva contra o governo imperial (SILVA, 2006). Em sua carta comunidade de Roma, o apstolo Paulo, por volta do ano 57, j revelava seu anseio de que os cristos no se rebelassem contra as autoridades institudas. Veja-se o trecho a seguir:

    Toda a alma esteja sujeita s potestades superiores; porque no h potestade que no venha de Deus; e as potestades que h foram ordenadas por Deus. Por isso quem resiste potestade resiste ordenao de Deus; e os que resistem traro sobre si mesmos a condenao. Porque os magistrados no so terror para as boas obras, mas para as ms. Queres tu, pois, no temer a potestade? Faze o bem, e ters louvor dela. Porque ela ministro de Deus para teu bem. Mas, se fizeres o mal, teme, pois no traz debalde a espada; porque ministro de Deus, e vingador para castigar o que faz o mal. Portanto necessrio que lhe estejais sujeitos, no somente pelo castigo, mas tambm pela conscincia. Por esta razo tambm pagais tributos, porque so ministros de Deus, atendendo sempre a isto mesmo. Portanto, dai a cada um o que deveis: a quem tributo, tributo; a quem imposto, imposto; a quem temor, temor; a quem honra, honra. (Rm 13.1-7) 6.

    O governo de Roma considerava os seguidores de Cristo pertencentes a uma das muitas correntes religiosas judaicas palestinas (CHEVITARESE, 2006). Alis, Roma via o cristianismo sem muita expresso poltica. Entretanto, essa despreocupao no garantiu a aceitao do movimento. Ao longo do sculo II, o poder eclesistico foi grandemente perseguido e muitos mrtires foram feitos. Contudo, apesar de haver um precedente legal na lei romana que podia ser usado contra os cristos a acusao de superstitio illicita o governo 6

    . . . .. . . (BBLIA, 2006; traduo nossa).

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    Estudos de Religio, v. 28, n. 2 11-30 jul.-dez. 2014 ISSN Impresso: 0103-801X Eletrnico: 2176-1078DOI: http://dx.doi.org/10.15603/2176-1078/er.v28n2p11-30

    demorou algum tempo para distinguir os cristos dos judeus7. At o governo de Nero (54-68), as autoridades no faziam qualquer separao entre eles. E, mesmo posteriormente, alguns equvocos foram cometidos a esse respeito8. Deve-se frisar ainda que a maior hostilidade nos primeiros sculos provinha, em grande parte, no das autoridades romanas, mas da populao local9.

    Nos primeiros 200 anos, o cristianismo expandiu-se gradativamente, favorecido pela clemncia imperial (SILVA, 2006). Entretanto, algumas mudanas ocorreram no Imprio ao longo do sculo III. A anarquia militar (235-284) foi instaurada, fruto de uma grande instabilidade, desencadeando uma srie de perseguies aos cristos. Tal momento foi marcado por um agudo quadro de desequilbrio poltico, caracterizado pelas vrias sucesses ao trono, bem como por um enfraquecimento da imagem e do poder imperiais.

    Da ascenso de Dcio ao poder, no incio do sculo III, at o incio do sculo IV, quando o Imprio esteve sob o comando de Diocleciano, com exceo do perodo chamado de Pequena Paz da Igreja (260-303), qualquer ameaa ordem imperial passou a ser combatida vigorosamente, inclusive o cristianismo10. A partir do governo de Dcio, vrios pronunciamentos foram realizados com o propsito de coibir o cristianismo, mesmo porque alguns responsabilizavam os cristos pela ruptura da pax deorum. Em contrapartida, o culto aos deuses e ao imperador, base simblica do poder imperial, foi um 7 Ao contrrio do cristianismo, o judasmo era uma religio muito antiga. Ento, quando os

    romanos entraram em contato com os judeus, apesar dos confrontos que havia entre eles no que concerne ao esprito de liberdade e ao estilo judaico de existncia sob o domnio imperial, estes foram considerados uma religio licita pelos romanos uma postura tpica do tolerante paganismo vigente no Imprio (FELDMAN, 2008).

    8 Pode-se afirmar que a associao feita entre as duas religies, nos sculos I e II, dava-se apesar de o cristianismo estar ainda formando sua prpria identidade. Havia, de fato, uma corrente judaizante dentro da ekklesia, que motivava a manuteno de laos entre eles. Em algumas regies, especialmente no primeiro sculo, os cristos, de um modo geral, conservavam fortes vnculos com os judeus, chegando a utilizar at mesmo os espaos judaicos, como as sinagogas.

    9 O cristianismo era visto como uma religio extica pelos adeptos das outras religies do Imprio. Isto se deu tanto por seu monotesmo inflexvel quanto pelo fato de as reunies terem um carter secreto, o que fazia a populao em geral conjeturar que ocorressem atos como canibalismo, relaes promscuas, prticas necromnticas e a invocao do esprito de um criminoso supliciado (SILVA, 2006).

    10 Entre 260 e 303 temos a chamada Pequena Paz da Igreja, quando, por um breve mo-mento, as perseguies no ocorreram. Nesse momento, o cristianismo pde ampliar suas bases livremente e realizar grandes progressos no interior do Imprio. Sabemos que sob os governos de Cludio, o Gtico, e de Aureliano houve alguns mrtires, contudo no podemos supor que isso tenha ocorrido em virtude de alguma perseguio imperial, mas pelo zelo excessivo de alguma autoridade provincial ou por alguma ao de comunidades locais (SILVA, 2006).

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    Estudos de Religio, v. 28, n. 2 11-30 jul.-dez. 2014 ISSN Impresso: 0103-801X Eletrnico: 2176-1078DOI: http://dx.doi.org/10.15603/2176-1078/er.v28n2p11-30

    dos recursos para o fortalecimento do poder central, bastante desgastado. Os imperadores buscavam a todo o custo manter-se fiis ao mos maiorum.

    No sculo III, com a promulgao do Edito de Caracala, a vida dos cristos sofreu um impacto tangvel e duradouro, mudando drasticamente. A partir desse decreto, os cristos tornaram-se muito mais livres para tran-sitar pelo Imprio. No entanto, foram muito mais perseguidos, pois, como cidados de Roma, no podiam mais apelar aos tribunais do Imprio como humiliores (no cidados) e, por isso, integrantes de uma religio estrangeira, nem mesmo como a anttese de honestiores (cidados) dignos de privilgios (KERESZTES, 1970). Alm disso, como cidados eles foram, em muitos momentos, intimados a sacrificar aos deuses do Imprio. A igualdade de di-reitos trouxe, de fato, muitos problemas para os cristos do mundo romano.

    importante ressaltar que, no entanto, muito antes do Edito, qualquer cristo podia transitar abertamente no Imprio. sabido que o apstolo Paulo, que era um cidado romano, fez trs grandes viagens missionrias, visitando diversas localidades, a saber: Jerusalm, Cesareia, Damasco, Antio-quia (na Sria), Tarso, Chipre, Pafos, Derbe, Listra, Icnio, Laodiceia, Colos-sos, Antioquia (da Pisdia), Mileto, Patmos, feso, Trade, Filipos, Atenas, Corinto, Tessalnica, Bereia, Macednia, Malta e Roma11. Alm de Paulo, sabido que muitos outros cristos, mesmo sem a cidadania, viajaram pelas mais diversas provncias do Imprio.

    A complexa cartografia dos trajetos do apstolo fornece informaes acerca do pblico-alvo evangelizado e, assim, de quais foram os primeiros cristos fora da Judeia. Ao se autointitular apstolo dos gentios, Paulo props-se a exercer as tarefas de reavaliar e renegociar os critrios da dife-rena entre o judasmo e a cultura helnica, a fim de levar o evangelho de Jesus aos no judeus de fala grega, incircuncisos, adoradores de dolos e moradores de terras fora da Judeia12. Um judeu, a exemplo de Paulo, deveria mostrar-se capaz de ser culturalmente ambidestro para pensar em termos do judasmo, do cristianismo e do helenismo.

    Toda a mobilidade espacial prpria dos missionrios cristos deveu-se aos seguintes mandamentos de Jesus: E disse-lhes: Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda criatura (Mc 16.15); Portanto ide, fazei discpulos

    11 Paulo foi, sem dvida, o pregador mais influente entre os no judeus no sculo I, sen-do tambm o principal expoente teolgico do cristianismo gentlico. Segundo Mitchell (2008), quando Paulo fez sua misso no mundo romano, ele visitou e fundou diversas ekklesiae. Paulo no se detinha em cada pequena cidade das vastas provncias do Imprio, mas buscava, passando pela rota romana da Via Sebaste, focar sua ateno nos centros helenizados, ou seja, nos centros urbanos.

    12 Vale destacar que entre o pblico gentlico de Paulo estavam vrios judeus da disperso. Contudo, muitos dos que se convertiam no eram judaizantes (cristo-judeus) e, portanto, inserem-se no cristianismo gentlico (BLASI, TURCOTTE, DUHAIME, 2002).

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    Estudos de Religio, v. 28, n. 2 11-30 jul.-dez. 2014 ISSN Impresso: 0103-801X Eletrnico: 2176-1078DOI: http://dx.doi.org/10.15603/2176-1078/er.v28n2p11-30

    de todas as naes, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Esprito Santo (Mt 28.19); Mas recebereis a virtude do Esprito Santo, que h de vir sobre vs; e ser-me-eis testemunhas, tanto em Jerusalm como em toda a Judeia e Samaria, e at aos confins da terra (At 1.8).

    O pensamento cristo portava, desde o incio, uma forte ideia de uni-versidade e unidade tnica, algo nunca antes visto no Imprio. Na polmica entre cristos judaizantes e cristos gentios, observamos Paulo asseverar o seguinte: Onde no h grego, nem judeu, circunciso, nem incircunciso, br-baro, cita, servo ou livre; mas Cristo tudo em todos (Cl 3.11). Esse trecho traz as mais importantes distines sociais do mundo antigo de uma maneira intercalada etnia, religio ancestral e condio sociojurdica. Segundo o apstolo, os cristos no deveriam ser identificados por tais classificaes, mas pela f em Jesus (WRIGHT, 1986). A ideia de levar o Evangelho aos gentios, na perspectiva paulina, era a de que cada convertido se despisse do velho homem (Cl 3.9) que abrange as condutas consideradas pecaminosas a fim de aderir a uma religio que recebia a todos, independentemente de sua origem tnica e do estrato social que ocupasse. A viso geral do cristianismo gentlico baseava-se, portanto, na tica segundo a qual o movimento de Jesus era uma religio para todos aqueles que estivessem dispostos a abdicar de suas religies locais, bem como de suas prticas pessoais que no se coadu-nassem com a doutrina crist (prostituio, feitiaria, idolatria, embriaguez, ira, glutonaria etc.) em prol de servir a Jesus pela simples f nele.

    O pensamento do cristianismo ficou claramente expresso em um trecho da carta de Diogneto, no sculo II:

    Os cristos, de fato, no se distinguem dos outros homens, nem por sua terra, nem por lngua ou costumes. Com efeito, no moram em cidades prprias, nem falam lngua estranha, nem tm algum modo especial de viver. Sua doutrina no foi inventada por eles, graas ao talento e especulao de homens curiosos, nem professam, como outros, algum ensinamento humano. Pelo contrrio, vivendo em cidades gregas e brbaras, conforme a sorte de cada um, e adaptando-se aos costumes do lugar quanto roupa, ao alimento e ao resto, testemunham um modo de vida social admirvel e, sem dvida, paradoxal. (EPSTOLA A DIOGNETO, 1949, 5.1-4) 13.

    13 .2..3. , , . 4. , , (MEECHAM,1949,p.98;traduonossa).

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    Observa-se neste testemunho um desapego da etnicidade. No que esta tenha desaparecido nos crculos cristos, mas foi relegada a segundo plano, quando o assunto era a expanso do cristianismo14. Assim, a identidade na-cional entre os cristos era algo fluido e lquido, pensando sob a perspectiva terica de Bauman (2005)15. Sob essa perspectiva, os missionrios cristos 14 Ocorreram algumas controvrsias nos crculos cristos que remetiam a origens

    tnicas de cada comunidade. Entre elas, a questo quartodecimana. O litgio inicia-se em um desacordo sobre a data da comemorao da Pscoa, pois as comunidades crists do Oriente, de tradio joanina, celebravam-na no dcimo quarto dia da lua do ms de nis, no sbado, segundo o costume judaico; mas os cristos do Ocidente festejavam no domingo, aps o dcimo quarto dia da lua. A questo surgiu, quando as comunidades da sia e de Roma perceberam--se desunidas por datarem evento to importante em dias diferentes. Assim, na primeira metade do segundo sculo, o bispo Policarpo, que manteve muitos contatos com Incio de Antioquia, foi a Roma a fim de entrar em comum acordo sobre o assunto com o bispo Aniceto. Este no conseguiu convencer Policarpo io Romano as comunidades. eria que Roma exercesse domnio episcopal na a no observar aquilo que sempre praticara com Joo e com outros apstolos que com ele conviveram; nem Policarpo convenceu Aniceto, que aprendera seu costume com os presbteros precedentes da comunidade de Roma. Mesmo mantida a questo controversa, Aniceto cedeu a Policarpo, certamente em reverncia sua idade avanada. Entretanto, apesar de separarem-se em paz, a questo renasceu em muitas ocasies, envolvendo diversas congregaes, como as comunidades da Palestina e da Alexandria, que entraram em concordncia sobre o assunto; a comunidade de Sardes, sob liderana de Melito, seu bispo, que escreveu sobre a questo da Pscoa em Laodiceia, entre outras. Na segunda metade do sculo II d.C., Policarpo j havia morrido, vrios snodos j haviam sido feitos para discutir novamente o tema, sendo decidido que adotariam a tradio das congregaes do Ocidente e no a do Oriente, de origem judaica. Mas os bispos da sia, sob a liderana de Polcrates, mais uma vez no aceitaram essa deciso. Contrariado, Polcrates enviou uma carta ao bispo de Roma, o norte-africano Vtor, discutindo o assunto e argumentando que havia sido na sia que se repousou os grandes astros (H.E. V 24, 2), entre eles Filipe, com suas quatro filhas profetisas, e o apstolo Joo, e que, por isso, deveriam adotar a data da Pscoa segundo o costu-me asitico. Buscando obliterar as diferenas, Vtor decretou a ruptura da ekklesia romana com as comunidades da sia Menor e suas vizinhas, considerando-as heterodoxas. Percebe-se, claramente, que um dos motivos da polmica foram as divergncias, em grande medida de cunho tnico, entre os costumes das comu-nidades crists de Roma e da sia Menor.

    15 Tomaz Tadeu da Silva (2000), junto a outros tericos, prope diversas aprecia-es acerca das oposies binrias estabelecidas pelos conceitos sociolgicos de identidade e diferena. De acordo com Silva, as diferenas, tal como a identidade, simplesmente existem e so inseparveis. Ambas so conceitos simblicos, ativa-mente produzidos, e no podem ser compreendidas, pois, fora dos sistemas de significao nos quais adquirem sentido (p. 78). Alm disso, a dinmica identidade e diferena composta por relaes sociais sujeitas s relaes de poder, sendo

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    puderam evangelizar livremente nas estradas e provncias do Imprio, sendo bem recebidos como irmos por todos os componentes da ekklesia espa-lhados pelo Imprio. Assim, a sociedade romana, cosmopolita e globalizante, que comportava pessoas individualistas com identidades fluidas, beneficiava consideravelmente o cristianismo.

    Favorecido pelo imperialismo, o cristianismo empreendeu suas misses com uma larga mobilidade espacial, o que cooperou para a criao de novas prticas e hbitos. O imigrante que saa de sua cidade (dentro ou fora do limes imperial) em direo s cidades do Imprio estava profundamente influenciado por uma cultura hbrida. Em novas localidades, os imigrantes ressignificavam seu prprio espao (HERSCHEL, 1909). Assim, houve, neste perodo, di-versas manifestaes culturais hbridas, fruto da mobilidade espacial, dentro do cristianismo. Entre elas, destacamos o culto mariano.

    A histria da exaltao e devoo a Maria foi marcada por algumas de-finies particulares acerca da personagem: Maria, a virgem perptua; Maria, a mediadora da graa; Maria, a me de Deus; Maria, a nova Eva; Maria, a assunta aos cus; Maria, a imaculada conceio. Todos esses ttulos foram degraus de uma paulatina apoteose da Maria que se forjou em dois nveis: o da piedade popular e o doutrinal-litrgico.

    No que concerne ao primeiro nvel, no qual se manifestou um significativo hibridismo cultural, transferiu-se a Maria muito do sentimento de devoo que se expressava nos ambientes das culturas greco-romana e oriental. As origens da venerao primitiva a Maria esto centradas na antiga adorao s deusas da fertilidade e mes da terra, prprias de um perodo pr-cristo. Frequentemente, diz-se que Maria a sobrevivncia das figuras de deusas das religies orientais. De fato, nas antigas culturas encontram-se muitas figuras da deusa-me. So pequenas esttuas esculpidas com seus seios mostra e mulheres grvidas. Tais sociedades caadoras e coletoras no detinham conhecimento de tcnicas agr-colas e de irrigao, estando, assim, sujeitas a todas as intempries (BENKO, 2004). Destarte, o ato de dar luz era tido como um momento sobrenatural durante o qual a mulher revestia-se de um poder misterioso. A concepo era um smbolo para todas as foras da vida. A mulher, como deusa, sempre referida como a me dos deuses e dos homens. A ideia do deus-rei dos cus associada deusa-me remete ao leste do Mediterrneo, entre 4000 e 2000 a.C., nas sociedades urbanas do Egito, da Sria e da sia Menor, por exemplo, em figuras como sis e Ishtar (RUETHER, 1977).

    ambas impostas e disputadas. importante perceber que, para Hall (2000), a identidade um conceito estratgico e posicional que emerge no jogo de poder e na excluso. A identificao est sempre em processo, em construo, e sempre operando por meio da diffrance.

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    Na mitologia clssica greco-romana tambm houve um significativo desenvolvimento das figuras das deusas. Cada aspecto da grande deusa-me do Oriente Mdio foi retratado como uma figura feminina prpria na religio clssica: rtemis/Diana, a poderosa deusa-virgem caadora; Demeter/Ceres, a deusa da colheita; Afrodite/Vnus, a deusa do amor e da beleza; Hera/Juno, a deusa-esposa; e outras.

    Desse modo, tais religies, que traziam em seu panteo figuras como deusas-mes e virgens, tornaram as representaes de Maria em uma inter-pretatio das deidades. Sua hibridizao na forma de uma interpretatio crist empreendida no imaginrio cristo foi determinante, tanto para a converso dos gentios quanto para sua assimilao da doutrina crist16. Ao tolerar a venerao a Maria, a ekklesia recebia mais seguidores, agora identificados com a nova religio. Maria no foi, oficialmente, uma deidade crist, todavia, alguns documentos tendem a consider-la com o poder e a autoridade de uma divindade.

    No sculo II, um autor cristo, cuja identidade desconhecida, escre-veu uma obra apcrifa denominada Proto-evangelho de Tiago. O intrigante documento dedica-se inteiramente a contar a histria de Maria, bem como a defender sua virgindade antes e durante o parto de Jesus. Enquanto as histrias sobre o nascimento de Jesus traziam uma mensagem escatolgica de proclamao de uma nova era, o Proto-evangelho de Tiago tem um carter exclusivo de piedade pessoal, apontando para o ideal de perptua virgindade de Maria (KOSTER, 2004).

    O Proto-evangelho de Tiago foi um texto mariano muito influente nos crculos cristos, o que se observa, inclusive, nas representaes imagticas (KEARNS, 2008). Muitos templos, ttulos e uma iconografia clssica, dedi-cados anteriormente s deusas greco-romanas e orientais, foram transferidos a Maria. A iconografia, em especial, est representada de forma recorrente em catacumbas, que tambm apresentam cenas marianas como as imagens abaixo (Figuras 1, 2 e 3):

    16 A interpretatio uma tendncia comum dos escritores do mundo antigo em igualar os deuses estrangeiros aos membros de um determinado panteo local. Herdoto, por exem-plo, refere-se aos antigos deuses egpcios Amon, Osris e Ptah como Zeus, Dionsio e Festo, respectivamente (SMITH, 2001). Cunhamos o termo interpretatio crist para tratar o comportamento do populus recm-converso dos crculos gentios ao equiparar Maria a deusas gregas, romanas e orientais.

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    Figura 1 - Afresco de Maria e Jesus menino. Catacumba de Santa Priscila. Via Salria, Roma. Sculo III17

    17 A catacumba de Santa Priscila est situada em uma antiga pedreira, na Via Salria, em Roma. Tal pedreira foi usada para sepultamento de cristos desde o final do sculo II at o sculo IV. Acredita-se que a catacumba de Priscila foi assim denominada depois que Prisci-la, uma matrona romana da aristocracia, casada com o cnsul Aclio Glbrio, converteu-se ao cristianismo e foi morta por ordem do imperador Domiciano. Ela mesma, antes de morrer, teria oferecido comunidade crist um terreno para a construo do cemitrio. A catacumba de Priscila dividida em trs reas principais: uma arena, um criptoprtico de uma grande vila romana e uma rea de enterro subterrnea da famlia romana de Aclio Glbrio. Toda a catacumba rica em detalhes, repleta de pinturas murais com personagens bblicos e com os primeiros smbolos cristos. Particularmente notvel um espao re-tangular denominado capela grega, uma cmara com um arco que contm afrescos, em geral interpretados como cenas do Antigo e Novo Testamentos. O nome capela grega deve ter sido atribudo ao lugar por conta de duas inscries em grego ali encontradas. Entre as diversas cenas gravadas nas paredes destacam-se: o milagre de Moiss; Sadraque, Mesaque e Abede-Nego na fornalha de fogo ardente; Suzana e os ancies; a cura de um paraltico; a adorao dos magos; a ressurreio de Lzaro; a arca de No; o sacrifcio de Isaque; Daniel na cova dos lees; e a ltima ceia. Os temas retratados revelam um clima de insegurana, provavelmente fruto da grande perseguio sofrida pelo cristianismo no Imprio Romano e da crise do sculo III. Assim, tais cenas so um reflexo da prpria experincia dos cristos diante da morte e de uma grande provao (PFORDRESHER, 2008, p. 145). Isso pode ser comprovado at mesmo pelo martrio de Priscila, a antiga proprietria da catacumba.

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    Figura 2 - Maria e o anjo. Catacumba de Santa Priscila. Via Salria, Roma. Sculo III

    Figura 3 - Maria e os magos. Catacumba de Santa Priscila. Via Salria, Roma. Sculo III

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    A devoo pessoal tem seu lcus primrio na arte sob a forma de piedade visual. Os cristos primitivos expressavam-se artisticamente a fim de refletir sua opinio com relao a Deus ao tentar comunicar mensagens com uma funo educacional, memorial, cultural e evangelstica. Por isso, parte de nossa referncia documental trata das iconografias acima, provenientes do sculo III, encontradas na catacumba de Santa Priscila, localizada na Via Salria, em Roma (BARKER, 1913).

    Devemos mencionar que os responsveis por criar tais temticas arts-ticas nas catacumbas estavam mais preocupados em emitir uma mensagem que expressasse um sentimento e uma espiritualidade do que em apresentar uma esttica impecvel, um refinamento e uma harmonia. Mesmo porque a imagem, com seus simbolismos e suas alegorias, s teria valor se conseguisse expressar o mundo transcendental conforme os ditames da religiosidade crist.

    Com pinceladas e lapidadas irregulares, os artistas evocavam figuras hu-manas com bastante expressividade. O importante para eles era que o aspecto mais relevante da obra estivesse em destaque. Fica evidente que a concepo de imitao fidedigna e de perfeio, to cara para os artistas gregos sculos antes, comea a ser superada pelos ideais estticos de uma nova conveno que preza a clareza, a simplicidade e a naturalidade. Observamos que os artistas seguiam os critrios estticos da arte helenstica, sendo as pinturas crists muito semelhantes quelas que encontramos em Pompeia, por exemplo.

    Notamos que no somente a temtica das imagens estava atrelada a uma herana pag, como a prpria forma de piedade religiosa estava mudando. A busca pela corporalidade das deidades acabou por impulsionar mais a de-voo18. Agora, uma forma de piedade visual se concretizar quando a ima-gem visualizada, admirada, assim como oraes e devoes a ela dirigidas. Sobre o assunto, veremos na catacumba de Santa Priscila algumas das mais enigmticas figuraes marianas do perodo paleocristo que conhecemos.

    Notamos que na primeira representao (Figura 2) Maria est sentada e recebendo a visita de um anjo no alado19. Tal pintura est localizada na cripta central da catacumba, na mencionada capela grega. Maria est coberta com uma longa veste branca e coroada com uma espcie de tiara. Alm disso, est acomodada em um assento de honra, semelhante a uma matrona romana.

    18 No que concerne corporalidade da deidade, vemos que os gestos, as formas e as cores do cone vo buscar ser imitaes fidedignas do deus (imitatio dei), visando a que a prpria memria social possa assimilar tais deidades e adot-las no mbito do culto.

    19 Poucos foram os anjos a serem representados com asas no perodo na Antiguidade. Na verdade, ser na Idade Mdia que vai se tornar comum a representao de anjos alados (BURANELLI, DIETRICK, BUSSAGLI, 2007, p. 76).

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    Ela parece esperar ouvir o que seu interlocutor deseja dizer. Diante dela, est um anjo, em forma de homem, usando trajes romanos (uma dalmtica e um plio) e fazendo um gesto de oratria chamado adlocutio, com o brao direito levantado20. O anjo porta-se como um dos imperadores e retricos de sua poca (BURANELLI, DIETRICK, BUSSAGLI, 2007, p. 50). O texto a que se refere o episdio representado seria o da Anunciao, como descrito no texto do Evangelho de Lucas (1.26-38).

    Assim, esta primeira pintura retrata o anjo Gabriel apresentando-se como algum que iria explicar a Maria aquilo que ela iria passar com a vinda do Messias. Por outro lado, Maria colocada na condio de uma interlocutora especial, haja vista que retratada sentada em uma espcie de trono posio de reconhecida importncia.

    A segunda pintura (Figura 2) conhecida por ser a mais antiga imagem a retratar Maria21. O grafite est localizado em uma posio bastante peculiar na catacumba: em um canto do teto do corredor. A imagem, apesar de estar um tanto desgastada e deteriorada, apresenta uma pigmentao em ocre--vermelho ainda vibrante. Descrevendo a pintura per si, podemos dizer que uma mulher (Maria) est sentada com uma criana (Jesus), aparentemente nua, sobre os joelhos (LASSAREFF, 1938, p. 35). Seu corpo est suavemen-te inclinado em direo a Jesus em uma atitude de maternidade. Os olhos da me e da criana esto fitos no observador da imagem, como se, pela chegada de algum, ela tivesse interrompido a amamentao (MATHEWES--GREEN, 2007, p. 100). Maria est vestida com um plio, coberta por um vu curto que parcialmente vela sua cabea, trajando uma vestimenta com

    20 A utilizao do plio (pallium) para a vestimenta de Maria evidencia que ela estava sendo exaltada como uma figura de autoridade. Em um relato da homilia sobre santa Eufmia, na qual se aborda a iconografia da personagem, diz-se que o plio remete ao signo da filosofia.

    21 Na atualidade, alguns debates esto sendo feitos, revendo a autenticidade desta pintura, pois supostamente foram observadas discrepncias, tendo em vista a descoberta de alguns novos afrescos nesta catacumba, datados do sculo XVII. Alguns pesquisadores sugerem que no desenho original o homem aponta para a mulher e a postura dela a de uma matrona romana, mas a estrela e o beb estariam faltando. Os trabalhos de conservao da dcada de 1990 revelaram que a estrela, por exemplo, foi pintada com uma tcnica diferente do resto do afresco, sugerindo que, em algum momento, houve uma espcie de restaurao criativa, a qual pode ter mudado a cena funerria. No entanto, cremos que, mesmo que tenha havido uma restaurao na pintura, a cena, de fato, representa a figura de Maria carregando Jesus, pois muitos outros espaos da catacumba apresentam afrescos semelhantes, e os prprios sarcfagos encontrados no local trazem essa temtica com uma representao muito prxima da pintura em questo (MATHEWES-GREEN, 2007, p. 103).

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    estilo prprio das mulheres romanas. sua frente est um homem em p ( direita). Este parece ter sido um profeta. Com a mo direita, ele segura sua tnica e aponta para uma estrela, que se localiza acima de Maria; com a mo esquerda ele segura um rolo dourado. A estrela simbolizaria o Messias que haveria de vir. A cena expressa o momento da Anunciao, no qual Maria recebe a revelao de quem era Jesus. importante destacar que o homem representaria um profeta, tanto pela capa que porta (enfatizada pela ao de segur-la enquanto aponta para a estrela messinica) quanto pelo livro (rolo) que carrega. Ele poderia ser, como alguns afirmam, Balao, que anunciou o seguinte em Nmeros 24.17: V-lo-ei, mas no agora, contempl-lo-ei, mas no de perto; uma estrela proceder de Jac e um cetro subir de Israel, que ferir os termos dos moabitas e destruir todos os filhos de Seth. Alguns tendem a afirmar ainda que este era Isaas, pois no livro do profeta h afir-maes que tambm corroboram a imagem. Dentre elas, a seguinte: Portanto o Senhor mesmo vos dar um sinal: eis que uma virgem conceber, e dar luz um filho, e ser o seu nome Emanuel (Is 7.14). Enfim, esta pintura exprime um tema central da f crist: o mistrio da encarnao do filho de Deus nascido de uma virgem.

    Na terceira representao encontrada (Figura 3), assim como a primeira na capela grega, mas na parte externa do espao, Maria est entronizada mais uma vez, com Jesus em seus braos e com a cabea coberta por um vu, smbolo de sua virgindade. Tal cone considerado o mais usual quando se representa a figura de Maria na arte paleocrist. Apesar de a imagem estar com alguns de seus detalhes bastante apagados, possvel que tanto Maria quanto o beb estivessem olhando atentos para o espectador, assim como na imagem anterior. J os trs magos esto olhando em direo aos objetos de devoo: Jesus e Maria (GAMBERO, 1999, p. 83). Os trs homens esto em uma posio de aproximao a Jesus e Maria, mostrando certa reverncia. Eles esto pintados em cores diferentes e razo de dois possveis propsitos: representar aquilo que trouxeram o amarelo/bege (ouro), o ocre/vermelho (mirra) e o verde (incenso). Tal nuance ainda pode levar a supor que os magos tivessem vindo de trs partes do mundo, indicando a ideia da salvao de toda alma humana por intermdio de Jesus. Referentemente imagem, impor-tante ressaltar o trecho descrito em Mateus 2.11, que afirma: E, entrando na casa, acharam o menino com Maria sua me e, prostrando-se, o adoraram; e abrindo os seus tesouros, ofertaram-lhe ddivas: ouro, incenso e mirra.

    Acerca das posies na pintura, percebemos que o ponto de ateno est em Jesus, para o qual todos os elementos do afresco convergem (Jesus recebendo presentes e sendo carregado por sua me). No entanto, a posio em que Maria est sentada mostra que ela foi identificada pelo artista como

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    algum que merecia uma ateno especial e um grande respeito. Notamos que tal iconografia estava engajada em enfatizar as ideias da encarnao do Messias e da redeno do homem.

    Tanto o Proto-evangelho de Tiago quanto a iconografia so importantes para esta pesquisa na medida em que revelam um cristianismo que podemos considerar de fronteira, pois, apesar da roupagem crist, ele apresenta ex-presses e valores hbridos, identificados com o judasmo e, principalmente, com a cultura helenstica. Muitos cristos, no ligados s lideranas eclesiais, muitas vezes na fronteira entre o cristianismo e o paganismo, inventavam histrias e faziam pinturas, expressando-se em uma multiplicidade de meios que davam vazo a demonstraes artsticas e culturais ligadas tradio e religio greco-romanas. Assim, enquanto a literatura e a arte crists so influenciadas por aspectos da sociedade pag, sua forma de culto tam-bm era modificada. E a exaltao a Maria uma das transformaes, cujas expresses artsticas e literrias ajudam-nos a compreender a formao do cristianismo. O Proto-evangelho de Tiago e as imagens marianas nas catacumbas revelam que o hibridismo cultural foi um dos fatores responsveis por forjar o culto mariano. O fato de tais ideias terem se expressado primeiramente em textos apcrifos e na arte revela, acima de tudo, que o lcus de nascimento desta piedade era alheio ambincia eclesistica episcopal.

    Apesar de terem sido dedicados afrescos e obras literrias crists a Maria, o culto a ela ainda no poderia ser comprovado no sculo II. Contudo, no sculo III, algumas transformaes faro de Maria uma figura hbrida e de grande importncia para a ekklesia.

    De fato, o cosmopolitismo no Imprio Romano foi marcado por uma ampla mobilidade espacial de seus cidados, principalmente depois do Edito de Caracala. Tal processo trouxe consigo um crescimento do individualismo e um aumento das identidades fluidas com a afirmao de identidades lo-cais. No entanto, outro processo paralelo e um tanto quanto indito, fruto em maior escala do cristianismo, mas no desconsiderando o processo de romanizao, foi a universalidade tnica.

    O Imprio Romano agrupava sociedades bastante distintas em seu bojo. A grande questo para o governo imperial romano era saber como lidar com a nascente religiosidade crist e ainda integrar, sob uma mesma esfera, uma multido de imigrantes estrangeiros (chamados brbaros) com valores culturais heterotpicos.

    A globalizao trouxe uma busca mais acentuada das identidades tnicas, que agora se identificavam com o Imprio e com a religio emergente o cristianismo. O cristianismo, como uma religio universalizadora, pregava o nivelamento tnico e trouxe consigo, associado ao cosmopolitismo romano,

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    uma hibridizao cultural, expressa, por exemplo, na piedade popular com a venerao de Maria desde o sculo II, bem como na formao do culto mariano a partir do sculo III.

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  • 30 Ludimila Caliman Campos

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    Submetido em: 13-3-2014

    Aceito em: 17-12-2014