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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Simone Bueno O Currículo de Matemática Moldado e Praticado por uma Professora que atua na Educação de Jovens e Adultos MESTRADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA SÃO PAULO 2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

Simone Bueno

O Currículo de Matemática Moldado e Praticado por uma

Professora que atua na Educação de Jovens e Adultos

MESTRADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

SÃO PAULO

2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

Simone Bueno

O Currículo de Matemática Moldado e Praticado por uma

Professora que atua na Educação de Jovens e Adultos

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, sob a orientação da Professora Doutora Célia Maria Carolino Pires.

SÃO PAULO

2013

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Banca Examinadora

_____________________________________

_____________________________________

_____________________________________

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Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta Dissertação por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.

Assinatura ______________________________ Local e Data _______________

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Não sei... se a vida é curta ou longa demais pra nós,

mas sei que nada do que vivemos tem sentido, se não tocamos o coração das pessoas.

Muitas vezes basta ser: colo que acolhe,

braço que envolve, palavra que conforta, silêncio que respeita, alegria que contagia,

lágrima que corre, olhar que acaricia,

desejo que sacia, amor que promove.

E isso não é coisa de outro mundo, é o que dá sentido à vida.

É o que faz com que ela não seja nem curta, nem longa demais,

mas que seja intensa, verdadeira, pura... enquanto durar..

Cora Coralina

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À minha mãe,

Clarice, que sempre foi um exemplo de ser humano, com seu esforço

Luta e dedicação, e que

Apesar de não conhecer o código escrito, conseguiu me ensinar lições

Realmente valiosas que levarei para toda a vida e que serviram como um

Impulso para que eu continuasse e nunca desistisse... lições estas que levarei no meu

Coração assim como todo o carinho e amor por você, portanto neste momento

Eu quero que você, minha mãezinha querida, sinta-se também titulada.

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AAGGRRAADDEECCIIMMEENNTTOOSS

Tudo começou com um sonho que aos poucos foi se tornando

realidade. Para torná-lo real, contei com o auxílio de várias

pessoas que me ajudaram nesses dois anos, agradeço a todos

aqueles que contribuíram para a realização desse trabalho.

A Deus, luz espiritual, por tudo o que faz a cada dia em minha vida

e por amparar e iluminar meu caminho

À minha família, em especial meu filho Rafael, razão maior de meu

viver, que me acompanha em todos os momentos, torcendo e

comemorando cada vitória e a meu irmão Alexandre, pelos

diálogos e por “olhar” nossa mãe nesses momentos de ausência

Ao meu amor da alma, Milton César, a quem sempre pude contar

nessa trajetória, por sua paciência, apoio, carinho, amor e por

entender os momentos de ausência, sempre dizendo: estamos

juntos!

À Profª. Drª Célia Maria Carolino Pires, minha orientadora, que

durante todo o tempo acompanhou-me com competência,

compromisso e carinho contribuindo definitivamente para a

concretização deste sonho.

Aos professores examinadores desta pesquisa Profª. Drª. Laurizete

Ferragut Passos e Profª. Drª. Denise Franco Capello Ribeiro pela

leitura criteriosa e importantes observações no Exame de

Qualificação.

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Aos colegas do Mestrado, em especial, Douglas Tinti, Ana Paula

Perovano, Mariza Lima, Tatiane Souza, Regina Lúcia, pela

amizade sincera, pelo convívio e incentivo nestes dois anos

Aos colegas do Grupo de Pesquisa e Desenvolvimento Curricular e

Formação de Professores de Matemática, em especial, ao querido

Gilberto Januário, Adriano Vargas Freitas e Kátia Lima, pelas

reflexões e discussões em grupo

Aos professores do Mestrado, em especial Drª. Laurizete Ferragut

Passos, Dr. Amando Traldi Júnior, Drª. Sandra Magina, Dr.

Antônio Carlos Brolezzi, Drª. Sílvia Dias Alcântara Machado e

Drª. Ana Lúcia Manrique, pelo diálogo e contribuição que

contribuíram para meu crescimento acadêmico.

À CAPES, pela concessão da bolsa de estudos que tornou possível

a realização do curso.

Aos professores e alunos da escola investigada, por contribuírem

para que esta dissertação fosse possível.

Aos amigos que durante os momentos mais conturbados foram

colocados em segundo plano, mas compreenderam e tiveram

carinho nesse momento

Muito obrigada!

A Autora

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RREESSUUMMOO BUENO, S. O Currículo de Matemática moldado e praticado por uma professora que atua na Educação de Jovens e Adultos. 2012. 160f. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática) – Programa de Estudos Pós Graduados em Educação Matemática. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo. Nosso estudo tem por objetivo investigar o Currículo de Matemática moldado e praticado por uma professora de Matemática que atua na Educação de Jovens e Adultos e seus conhecimentos profissionais, sob a perspectiva do currículo enculturador. O trabalho é de natureza qualitativa, caracteriza-se como estudo de caso. Baseia-se em trabalhos acerca do Currículo de Matemática, da perspectiva cultural da Matemática e do currículo enculturador, tendo como referencial teórico Alan Bishop, estudos de Célia Pires, no que diz respeito à organização curricular e Ole Skovsmose, no que se refere a critérios de escolha dos contextos dentro de um ambiente de aprendizagem matemática. Nosso foco estava relacionado com a postura da professora, ao selecionar e desenvolver os conteúdos propostos. Notamos que as opções metodológicas contempladas nas atividades propostas, em alguns momentos faziam referência à Matemática pura, e em outros momentos encontramos situações que oportunizavam o paradigma da investigação, pois os alunos assumiram o processo de exploração. Mediante as observações das aulas da professora e com base na categoria de análise que elegemos a partir dos nossos referenciais teóricos, concluímos que, no decorrer da atividade proposta pela professora podemos encontrar situações que favorecem a enculturação matemática. Concluímos também que a professora ao estimular a articulação entre os diversos temas favorece a articulação em rede. Palavras-chave: Currículo de Matemática, Educação de Jovens e Adultos, Enculturação Matemática.

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AABBSSTTRRAACCTT

BUENO, S. O Currículo de Matemática moldado e praticado por uma professora que atua na Educação de Jovens e Adultos. 2012. 160f. Dissertation (Masters in Mathematics Education) – Program of Studies Pos-Graduates in Mathematics Education. Pontifical Catholic University of São Paulo. São Paulo.

Our study has the purpose to investigate the Mathematics Curriculum framed and practiced by a math teacher, who works in the Youth and Adults’ Education and theirs professionals knowledge, from the perspective of the enculturation curriculum. The study is the qualitative in nature, characterized as a case’s studies. Based on works on the Mathematics Curriculum in the perspective cultural of Mathematics of the enculturation curriculum, having as theoretical referential Alan Bishop, studies of Celia Pires, with regard to curriculum organization and Ole Skovsmose, that is referred to the criteria choice of contexts within a mathematics learning environment. Our goal was related to the teacher’s attitude, to select and develop the proposed contents. We noticed that the methodologies options contemplated in the proposed activities, sometimes referred to the pure mathematics, and the other times we find situations that optimized the paradigm of research, so the students assumed the exploration process. Through the observations of teachers’ classes and based on the category of analysis, that elected to the ours theory references, we concluded that, in the current activity proposed by the teacher we can find situations that provides the enculturation mathematics. We also conclude that when the teacher stimulated the articulation between several subjects provides the networking articulation. Keywords: Mathematics Curriculum, Youth and Adult Education, Curriculum enculturador.

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SSUUMMÁÁRRIIOO

APRESENTAÇÃO .................................................................................................... 12

Inserção do trabalho no Grupo de Pesquisa ........................................................ 12

Trajetória profissional e motivações para o desenvolvimento do trabalho ........... 14

Relevância do tema pesquisado ........................................................................... 17

Problematização e Objetivos ................................................................................ 22

Detalhamento dos procedimentos metodológicos ................................................ 25

Estrutura do trabalho ............................................................................................ 31

CAPÍTULO 1 ............................................................................................................. 32

A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: MARCOS DE SUA TRAJETÓRIA ..................... 32

1.1 Aspectos históricos da Educação de Jovens e Adultos e o panorama atual . 33

1.2 Iniciativas da educação popular e os primeiros profissionais da educação ... 34

1.3 A consolidação da educação de adultos na década de 30 ............................ 38

1.4 A Campanha de Educação de Adultos ........................................................... 40

1.5 Novos paradigmas com o educador Paulo Freire ........................................... 43

1.6 A Educação de Adultos após a Constituição de 1988 .................................... 47

CAPÍTULO 2 ............................................................................................................. 58

ESPECIFICIDADES DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ....................................... 58

2.1 A especificidade da Educação de Jovens e Adultos no tocante à

formação docente ..........................................................................................

59

2.2 A especificidade da Educação de Jovens e Adultos no tocante ao

ensino da Matemática ....................................................................................

62

2.3 Organização do Currículo ............................................................................... 68

2.4 Critérios para a escolha do contexto matemático ........................................... 72

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CAPÍTULO 3 ............................................................................................................. 78

PERSPECTIVA DO CURRÍCULO DE MATEMÁTICA ...................................................... 78

3.1 A Matemática em uma perspectiva cultural .................................................... 79

3.2 O Currículo em uma perspectiva enculturadora ............................................. 81

CAPÍTULO 4 ............................................................................................................. 96

A PESQUISA DE CAMPO REALIZADA: CENÁRIO, ATORES E COLETA DE

INFORMAÇÕES ........................................................................................................

96

4.1 O Cenário da pesquisa ................................................................................... 97

4.2 O perfil dos alunos .......................................................................................... 100

4.3 O perfil da professora ..................................................................................... 102

4.4 Coleta dos dados pela pesquisadora ............................................................. 103

4.5 Roteiro de observação e categorias de análise .............................................. 104

CAPÍTULO 5 ............................................................................................................. 110

DENTRO DA SALA DE AULA .................................................................................... 110

5.1 Descrição da atividade proposta pela professora ........................................... 111

5.2 Descrição do desenvolvimento da atividade ................................................... 112

5.3 Reflexões sobre as observações das atividades e seu desenvolvimento ...... 133

CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................... 144

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 150

ANEXOS .................................................................................................................... 158

A- Roteiro da entrevista com a professora ........................................................... 158

B- Roteiro da entrevista com os alunos ................................................................ 160

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AAPPRREESSEENNTTAAÇÇÃÃOO

Gostaria muito de mostrar, neste discurso, que caminhos segui;

e de nele representar a minha vida, como num quadro, para

que cada qual a possa julgar; e para que, retirando do comum

rumor as opiniões sobre ele formuladas, isso seja um novo meio

de me instruir, que acrescentarei àqueles de que costumo

servir-me. (RENÉ DESCARTES)

Para que o leitor possa compreender os meus propósitos e os caminhos

trilhados até a realização deste trabalho, farei, inicialmente, uma breve descrição

evidenciando a minha trajetória profissional e as motivações para o

desenvolvimento da pesquisa. Considero pertinente esta apresentação, por

entender que os caminhos trilhados contribuíram para a escolha pela temática de

investigação.

Inserção do trabalho no Grupo de Pesquisa

Nosso trabalho insere-se no grupo de pesquisa “Desenvolvimento

Curricular e Formação de Professores de Matemática”, o qual iniciou seus

trabalhos em 2000, com a finalidade de desenvolver pesquisas sobre o processo

de organização, desenvolvimento e implementação de currículos e sua relação

com o processo de formação e de atuação de professores, focalizando currículos

de Matemática da Educação Básica e da Educação Superior, objetivando

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contribuir para a construção de conhecimentos numa área que ainda é pouco

explorada na Educação Matemática (PIRES et al., 2011).

Em relação ao currículo de Matemática, sua organização e seu

desenvolvimento constituem o cerne dos projetos de pesquisa do Grupo, dentre

eles o projeto de pesquisa denominado “O currículo de Matemática na Educação

de Jovens e Adultos: dos intervenientes à prática em sala de aula”. Esse Projeto

tem por objetivo investigar o currículo de Matemática relacionado à Educação de

Jovens e Adultos (EJA), considerando os diferentes intervenientes curriculares

destacados por Sacristán (2000), como: documentos oficiais, material didático,

avaliação, planejamento escolar, e a prática do professor ao mediar/promover

situações de aprendizagem.

As discussões no interior do Projeto são direcionadas por questões tais

como: Quais são as recomendações dos documentos oficiais, nas esferas

Federal, Estadual e Municipal, para o ensino da Matemática? Qual é a

Matemática que está sendo ensinada para estudantes dos ensinos Fundamental

II e Médio? Há diferenças e semelhanças entre o currículo recomendado pelas

Secretarias Federal, Estadual e Municipal, nessa modalidade? Em caso

afirmativo, quais são? Os materiais didáticos desenvolvidos para esse alunado

estão de acordo com as recomendações oficiais? De que modo se dá a prática do

professor ao mediar/promover situações de aprendizagem matemática?1

Nessa perspectiva, o olhar investigativo presente nesta pesquisa estará

direcionado à prática do professor de Matemática da Educação de Jovens e

Adultos, ao mediar/promover situações de aprendizagem. A partir deste ponto

será utilizada a sigla EJA com referência à Educação de Jovens e Adultos.

No tópico a seguir situaremos nossa trajetória profissional e as motivações

para o desenvolvimento da pesquisa, assim como a relevância, os objetivos, a

metodologia adotada e faremos um panorama do modo pelo qual a pesquisa está

estruturada.

_____________ 1 Em busca de ampliar o debate e responder essas questões, compõem o Projeto outras três pesquisas: (i)

Adriano Vargas Freitas: O estado da arte da Educação de Jovens e Adultos (Doutorado); (ii) Kátia Cristina Lima Santana: Currículo de Matemática da Educação de Jovens e Adultos: uma análise baseada em livros didáticos (Mestrado); e (iii) Gilberto Januario: Currículo de Matemática da Educação de Jovens e Adultos: análise de prescrições na perspectiva cultural da Matemática (Mestrado).

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Trajetória profissional e motivações para o desenvolvimento do trabalho

Minha trajetória profissional em Educação começou ao ingressar como

professora numa escola pública de São Paulo, em 1992, ministrando aulas de

Matemática para o Ensino Fundamental e Ensino Médio, na modalidade Ensino

Regular2.

Meu primeiro contato com a Educação de Jovens e Adultos (EJA)

aconteceu paralelamente ao início de minha carreira no magistério. Ao ingressar

na carreira docente, comecei a incentivar minha mãe para que voltasse a estudar

e concluísse os estudos, realizando um antigo sonho seu que era o de saber ler e

escrever corretamente, tendo em vista que o pouco conhecimento escolar

construído com relação à leitura e à escrita, foi devido a dois anos em que

permanecera no Mobral3, mas que por dificuldades de conciliação com seu

emprego, optou por interromper. No meu entender, esse momento foi muito mais

que a realização de um sonho, representou a legitimação de um direito seu, que

lhe havia sido negado desde criança.

Lembro-me de que, em alguns finais de semana, um grupo de senhoras,

colegas de classe de minha mãe, se reunia em casa para estudar, e coube a mim

a tarefa de auxiliar, esclarecendo algumas dúvidas. Percebi que a trajetória

escolar de minha mãe juntava-se à trajetória de muitas pessoas que, assim como

ela, tiveram negado o seu direito de acesso à educação. No caso de minha mãe,

ela foi impossibilitada de iniciar seus estudos, pois seu pai considerava

“desperdício de tempo mulher estudar” e, portanto, todas as manhãs, seguia

juntamente com seu pai e sua irmã para trabalhar na roça. A partir dessa

experiência, percebi o quanto os adultos se sentiam excluídos da sociedade, o

quanto o estudo era importante para poder viver numa sociedade cerceada por

materiais escritos, onde o saber letrado é altamente valorizado e o quanto o

sistema educacional em nosso país é caracterizado por históricas desigualdades.

_____________ 2 Nesta Dissertação, por falta de termo apropriado, será utilizado a denominação Ensino Regular, para fazer

referência ao ensino de crianças e adolescentes, embora tenha consciência de que a EJA também se constitui uma modalidade regular de ensino, conforme estabelece a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996).

3 O Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização), foi criado pela Lei nº. 5.379, de 15 de dezembro de 1967, propondo a alfabetização funcional, e, principalmente, a educação continuada de adolescentes e adultos.

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Muitas vezes durante os encontros, gostava de perguntar sobre suas

trajetórias de vida, saber quais foram as motivações que fizeram com que

retomassem o estudo, objetivando me aproximar e conhecer um pouco mais

sobre as características daquele grupo, para nortear melhor o meu trabalho com

ele.

Acompanhei esse grupo de estudo até concluírem o Ensino Fundamental I,

e acredito ter sido nesse momento que o interesse pela educação de pessoas

jovens e adultas ficou latente em mim. Porém, algumas questões relacionadas à

necessidade de um currículo de Matemática próprio e a ausência de materiais

para essa modalidade de ensino me inquietavam, motivando-me, anos mais

tarde, a lecionar também para essa modalidade na rede pública de ensino.

Os diálogos com esse grupo e, posteriormente, as observações em sala de

aula possibilitaram-me identificar os sentimentos e a visão daqueles alunos em

relação à Matemática. São alunos que reconhecem essa disciplina como

fundamental para sua formação, que percebem a presença dos seus conceitos

nas diversas atividades desenvolvidas em seu cotidiano, seja no trabalho, no

lazer ou nas relações sociais e sentem que, em cada uma dessas esferas,

emerge a necessidade de raciocínios matemáticos postos por circunstâncias

determinadas.

Penso ser relevante destacar que, em minha prática pedagógica, não

diferente da de outros colegas de profissão, tenho identificado as dificuldades e

defasagens que os alunos apresentam frente aos conteúdos matemáticos

propostos pelo currículo tanto no Ensino Regular como na EJA. Embora encontre

esse perfil de aluno em ambas as modalidades de ensino, as turmas de EJA têm

chamado minha atenção.

São alunos que não tiveram oportunidades educacionais em idade própria,

ou que a tiveram de forma insuficiente e que retornam à escola para que

pudessem sentir-se incluídos e respeitados na sociedade. Muitas vezes,

emergiam algumas reflexões referentes à constituição de minha postura docente

frente ao tratamento dado ao currículo de Matemática, praticado nas turmas de

EJA, pois, considerando as particularidades dos alunos, que trazem para a sala

de aula suas trajetórias e experiências de vida, qual seria o currículo de

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Matemática adequado para trabalhar com essa modalidade de ensino? A

preocupação devia-se ao fato de que o currículo do ensino regular não contempla

as particularidades dos alunos dessa modalidade de ensino, pois são concebidos

para crianças e adolescentes que não interromperam os seus estudos e que

apresentam objetivos de vida diferentes dos jovens e adultos.

Em relação aos jovens e adultos, é fundamental levar em consideração os

conceitos decorrentes de suas vivências e suas experiências sociais; muitos,

inclusive, já adentraram o mundo do trabalho, e apresentam noções matemáticas

aprendidas de maneira informal ou intuitiva, antes mesmo de ter contato com as

representações simbólicas convencionais.

Essas constatações, identificadas durante meu percurso como docente,

influenciaram de forma significativa na escolha do tema dessa pesquisa, pois

muitos outros questionamentos foram despertados e foram também essas

inquietações que me levaram a buscar um curso de especialização em Educação

Matemática, aproximando-me do Grupo de Pesquisa “Desenvolvimento Curricular

e Formação de Professores de Matemática”, do Programa de Estudos Pós-

Graduados em Educação Matemática da Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo (PUC/SP).

O contato com o Grupo possibilitou a oportunidade de entender, por meio

de pesquisa, o processo de organização e desenvolvimento curricular de

Matemática para a EJA. Desse modo, minhas inquietações coadunam-se com o

propósito do Projeto “O currículo de Matemática na Educação de Jovens e

Adultos: dos intervenientes à prática em sala de aula”.

Pires et al. (2011) esclarecem que o conjunto de pesquisas realizadas no

Grupo aponta os documentos oficiais que norteiam e orientam o currículo para a

Educação Básica, especialmente as Diretrizes Curriculares Nacionais e os

Parâmetros Curriculares Nacionais, enquanto principais agentes de fomento à

discussão sobre o currículo.

Aparecem, nesse cenário, as discussões referentes à EJA, o que instigou a

elaboração desse Projeto, o qual visa

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investigar o currículo de Matemática relacionado à EJA, a partir de um

estudo dos diferentes intervenientes curriculares: documentos oficiais,

material didático, avaliação, planejamento escolar, uso das tecnologias e

formação do professor. (PIRES et al., 2011, p. 90).

O material didático, dentre os intervenientes destacados, corresponde a

qualquer tipo de apoio de que o professor dispõe para mediar/promover

processos de aprendizagem, por exemplo: apostilas, livro didático, paradidático,

computador, calculadora, jogos, entre outros. Nesse cenário de investigação, o

modo como o professor utiliza esses materiais, seleciona e desenvolve as

atividades para promover a aprendizagem tem instigado meus questionamentos.

Considero ser relevante destacar ter optado por uma apresentação com

ênfase na primeira pessoa do singular devido à necessidade de comunicar uma

experiência muito particular, a qual deu origem ao trabalho. A partir desse

momento adotarei, na maior parte da dissertação, a primeira pessoa do plural, por

melhor expressar a cooperação mútua entre orientanda e orientadora, produzindo

um efeito de vínculo entre nossas ideias, que acaba por convergir para uma

escrita coletiva.

Desse modo, considerando minhas inquietações e as questões de

pesquisa inseridas do Projeto nosso olhar investigativo está direcionado para a

prática pedagógica do professor de Matemática que atua na Educação de Jovens

e Adultos.

Nessa perspectiva, nosso estudo caracteriza-se pelo currículo de

Matemática em ação na Educação de Jovens e Adultos.

Relevância do tema pesquisado

Estudos no campo do currículo, como os de Pires (2004, 2008), Bishop

(1999), Pacheco (1996), Sacristán (2000), Doll Jr. (2002), Roldão (1999),

Kilpatrick (1994), revelam que diferentes pesquisadores têm se debruçado sobre

esse tema, apontando uma vasta literatura sobre as origens e definições do termo

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ao longo do tempo, o que possibilita ampliar e diversificar cada vez mais estudos

nesse campo.

No entender de Pires (2008), os estudos sobre currículos de Matemática

“revelam que o processo de organização e desenvolvimento curricular evidencia

uma busca contínua de formas mais interessantes de trabalhar a Matemática em

sala de aula” (p. 14).

Em relação ao Brasil, Fiorentini e Lorenzato (2006) expõem que estudos

evidenciam um aumento no número de pesquisas em Educação Matemática, que

têm o currículo de Matemática como a temática de discussão. Os autores fazem

referência, também, ao texto do educador e pesquisador Jeremy Kilpatrick4

(1994), no qual currículo é identificado como uma das sete tendências de estudo

em Educação Matemática na década de 905.

Passada uma década, Pires (2004) expõe a necessidade de se ampliarem

as pesquisas sobre currículo de Matemática para os diferentes níveis de ensino.

Bishop (1999) destaca que o projeto curricular matemático surge, enquanto

novo fenômeno na Educação Matemática, nas décadas de 50 e 60. Embora,

atualmente, seja conhecido por educadores, antes desses projetos, o programa

matemático era o principal referencial curricular, sendo constituído de listas de

temas a serem desenvolvidos de modo cronológico e lógico.

No entender de Sacristán, (2000),

o currículo é uma práxis antes que um objeto estático emanado de um

modelo coerente de pensar a educação ou as aprendizagens necessárias das

crianças e dos jovens, que tampouco se esgota na parte explicita do projeto

de socialização cultural nas escolas. É uma prática, expressão, da função

socializadora e cultural que determinada instituição tem, que reagrupa em

torno dele uma série de subsistemas ou práticas diversas, entre as quais se

encontra a prática pedagógica desenvolvida em instituições escolares que

comumente chamamos de ensino. O currículo é uma prática na qual se

_____________ 4 KILPATRICK, J. Investigacion em Educación matemática: su historia y alguns temas de actualidad. In:

KILPATRICK, J.; RICO, L.; GÓMEZ, P. (Eds.). Educación Matemática. México: Grupo Editorial Iberoamérica & uma empresa docente, 1994. p. 1-18.

5 As sete tendências de pesquisas descritas por Kilpatrick são (1) Processo ensino-aprendizagem da Matemática; (2) Mudanças curriculares; (3) Utilização de Tecnologia de Informação e Comunicação (TIC) no ensino e na aprendizagem de Matemática; (4) Prática docente, crenças, concepções e saberes práticos; (5) Conhecimentos e formação/desenvolvimento profissional do professor; (6) Praticas de avaliação; (7) Contexto sociocultural e político do ensino-aprendizagem da matemática.

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estabelece diálogo, por assim dizer, entre agentes sociais, elementos técnicos,

alunos que reagem frente a ele, professores que o modelam. (SACRISTAN,

2000, p. 15-16),

Do ponto de vista de Pacheco (1996), o currículo é entendido como “o

conjunto das experiências vividas pelos alunos dentro do contexto escolar, ora

como um propósito bastante flexível que permanece aberto e dependente das

condições da sua aplicação” (p. 17).

Embora seja citado entre os professores, poucos demonstram ter clareza

conceitual de currículo, concebendo-o por uma lista de conteúdos a serem

trabalhados em um determinado período letivo. Disso implica que o

desenvolvimento curricular torna-se uma tarefa complexa.

A prática a que se refere o currículo, no entanto, é uma realidade prévia

muito bem estabelecida através de comportamentos didáticos, políticos,

administrativos, econômicos, etc., atrás dos quais se encobrem muitos

pressupostos, teorias parciais, esquemas de nacionalidade, crenças,

valores, etc., que condicionam a teorização sobre o currículo.

(SACRISTÁN, 2000, p. 13)

No entanto, outros fatores podem intervir no processo de elaboração e

organização do currículo, dentre os quais o material didático, a formação do

professor e as avaliações institucionais.

Mesmo sendo fundamental ao docente o entendimento conceitual de

currículo, Roldão (1999) expõe que o currículo, na linguagem do senso comum,

vem associado a programas e a disciplinas. Essa questão provoca a reflexão

sobre a prática pedagógica do profissional frente à seleção de material didático, e

a postura metodológica ao trabalhar os conteúdos abordados nos currículo

prescrito, apresentado e moldado.

A esse respeito, no entender de Pires (2004), “embora o conceito de

currículo seja muito mais amplo do que a simples discussão em torno de

conteúdos escolares, um dos grandes desafios da tarefa docente consiste

exatamente em selecioná-los e organizá-los” (p. 30).

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Em relação à organização e ao desenvolvimento do currículo, Doll Jr.

(2002) propõe que este possua experiências ricas e que promovam uma

formação crítica, reflexiva e transformadora. Nesse sentido, o autor aponta quatro

termos que devem apresentar um currículo e que servem de critérios de escolha

dos conteúdos: riqueza, recursão, relações e rigor6.

Em relação à responsabilidade do professor frente à dinâmica curricular,

considerando as especificidades do público jovem e adulto, encontramos na

Proposta Curricular para a Educação de Jovens e Adultos, a afirmação de que

É preciso que o professor esteja atento para não encarar essas

especificidades como algo negativo, mas entendê-las e respeitá-las, a fim

de que os alunos possam realmente se sentir participantes e membros da

comunidade escolar. (BRASIL, 2002a, p. 88)

Desse modo, tanto a questão dos conteúdos como a questão da autonomia

do professor colocam-no como o planejador do currículo, sendo que, no entender

de Sacristán (2000), é fundamental que o professor se questione sobre critérios

de escolha para organizar e desenvolver os conteúdos propostos. A organização

e o desenvolvimento curricular devem ser diferenciados a cada nível e

modalidade de ensino, assumindo funções por meio de seu desenvolvimento e

atentando-se para a sua função social.

Portanto, a organização e o desenvolvimento curricular de Matemática, por

exemplo, devem ser concebidos de formas diferenciadas, ao focar a Educação

Básica (educação infantil, ensino fundamental e médio); os níveis (regular e

educação de jovens e adultos); e o ensino superior (bacharelado, licenciatura,

tecnólogo e afins).

O modo diferenciado de conceber o currículo pressupõe que se organizem

e desenvolvam conteúdos que atendam às particularidades e às perspectivas dos

diferenciados públicos, até porque, quando nos reportamos à EJA, é necessário

que se considerem suas particularidades. Portanto, a aquisição de novos

conhecimentos precisa considerar os conhecimentos prévios dos alunos, partindo

_____________ 6 Ao investigar sobre critérios de escolha dos conteúdos matemáticos para o Ensino Médio, Silva (2009)

ampliou os termos destacados por Doll Jr. (1997) e complementou com outros quatros critérios: reflexão, realidade, responsabilidade e ressignificação.

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dos conceitos decorrentes de suas vivências, suas interações sociais e sua

experiência pessoal.

A Proposta Curricular de Matemática para a EJA propicia reflexão sobre o

currículo para essa modalidade de ensino, ao considerar que

o acesso à escolaridade deve proporcionar aos alunos jovens e adultos,

inseridos em uma sociedade letrada, a possibilidade de analisar, criticar e

enfrentar questões que fazem parte de seu contexto. Mas isso não basta. É

preciso também contribuir para sua formação intelectual, estimulando seu

pensamento, seu raciocínio, para que possam transferir aprendizagens de

uma situação a outra, abstraindo propriedades, fazendo generalizações,

usando conhecimentos em novos contextos. (BRASIL, 2002a, p. 89)

Ao levar em consideração a especificidade desse público, no que tange à

contribuição para a valorização da pluralidade sociocultural, é necessário criar

condições para que os alunos transformem o ambiente em que vivem, participem

mais ativamente no mundo do trabalho, das relações sociais, da política e da

cultura. Nessa perspectiva, a Proposta Curricular propõe que um currículo que

atenda a essa modalidade de ensino, o qual, no seu entender, deve ser “flexível,

diversificado e participativo, definido a partir das necessidades e dos interesses

dos alunos, levando-se em consideração sua realidade sociocultural, científica e

tecnológica e reconhecendo o seu saber”. (BRASIL, 2002a, p. 120).

Do mesmo modo, em reconhecimento às especificidades do grupo de

alunos da EJA, em 2010 foi criado o Programa Nacional do Livro Didático para a

modalidade Educação de Jovens e Adultos (PNLD-EJA), o qual avaliou e aprovou

duas coleções de livros didáticos para serem implementados em 2011. O PNLD-

EJA incorporou o Programa Nacional do Livro Didático para a Alfabetização de

Jovens e Adultos (PNLA) e ampliou o atendimento, incluindo o primeiro e o

segundo segmentos de EJA, que correspondem aos anos iniciais e finais do

ensino fundamental.

Portanto, quando nos referimos à organização e ao desenvolvimento

curricular, o papel do professor frente ao currículo é determinante no processo de

ensino-aprendizagem e, em especial, quando nos reportamos à EJA, que possui

especificidades diferentes do ensino regular, pois é o docente quem fará a

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transposição do currículo apresentado em currículo praticado pelos alunos. No

caso EJA, especialmente, é necessário que o professor considere suas

particularidades.

Nessa perspectiva de dinâmica curricular, Bishop (1988, 1999) contribui, ao

propor que o currículo promova a enculturação matemática7. Também

compartilhamos das ideias desse autor sobre o modelo enculturador do currículo,

ação essa que possibilita aos alunos construírem a aprendizagem matemática de

modo reflexivo e significativo.

Problematização e Objetivos

Ao delinear o cenário em que se insere a EJA, muitos fatores contribuíram

para uma mudança de paradigma no campo da concepção assistencialista, para

uma abordagem que considera a educação como um direito de todos a ser

vivenciado ao longo da vida e nos mais diversificados ambientes sociais.

Diante desse cenário, Traldi Jr. et al. (2011) evidenciam que, nos últimos

anos, as pesquisas desenvolvidas em Educação Matemática têm contribuído para

ampliar as discussões e as reflexões em relação ao ensino de Matemática para a

EJA. A promulgação da Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional

(LDB) – Lei nº 9394/96 e da Resolução CNE/CEB Nº 1, que institui as Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos (BRASIL, 2000) tem

impulsionado esses estudos.

Santana et al. (2011) realizaram um levantamento das temáticas

investigadas em relação a essa modalidade de ensino em seis programas de pós-

graduação, três periódicos da área, anais das últimas cinco Reuniões da

Associação Nacional de Pesquisa em Educação (ANPEd), anais do III Simpósio

Internacional de Pesquisas em Educação Matemática e anais do X Encontro

Nacional de Educação Matemática. Os dados coletados revelam que, em boa

parte, os estudos realizados, tendo enquanto temática a EJA, evidenciam os

conhecimentos pré-escolares apresentados pelos alunos; as políticas públicas; o _____________ 7 A Enculturação Matemática será abordada no Capítulo 3.

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currículo de Matemática; a prática docente; a formação inicial e/ou continuada de

professores de Matemática; experiências de ensino-aprendizagem; práticas de

numeramento e histórico das trajetórias curriculares.

Dentre o conjunto dessas pesquisam que versam sobre o currículo de

Matemática, não há discussão que contribua para a organização e o

desenvolvimento dos conteúdos; não apresentam critérios para a seleção de

material didático e não apresentam dados que promovam a reflexão do professor

ao mediar/promover processos de aprendizagem com o livro didático.

O aluno da EJA muitas vezes vivencia experiências de exclusão,

principalmente no que diz respeito ao acesso a bens culturais e materiais

produzidos pela sociedade. Por meio da escolarização, esse aluno busca

construir estratégias que lhe permitam reverter esse processo. Desse modo, em

relação às características desse público, a Proposta Curricular para a Educação

de Jovens e Adultos considera que

os alunos jovens e adultos fazem parte de uma demanda peculiar, com

características específicas, pois muitas vezes estão inseridos no mundo do

trabalho e suas experiências pessoais, bem como sua participação social,

não são iguais às de uma criança. É preciso que o professor esteja atento

para não encarar essas especificidades como algo negativo, mas entendê-

las e respeitá-las, a fim de que os alunos possam realmente se sentir

participantes e membros da comunidade escolar. (BRASIL, 2002a, p. 88)

Nesse contexto é necessário que o educador da EJA problematize a

realidade em que se encontram inseridos esses alunos, compreendendo melhor o

aluno em sua realidade diária e levando-o a refletir sobre os conhecimentos

adquiridos em sala de aula, buscando seu crescimento pessoal e profissional.

Mais importante do que preocupar-se em reduzir os índices de analfabetismo, é

assegurar aos alunos da EJA equidade de direitos e qualidade na educação,

como previsto nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e

Adultos, considerando que ela tem como funções: reparar, qualificar e equalizar o

ensino. Nessa perspectiva, é necessário que a escola assuma uma função

reparadora de uma realidade injusta, que não deu oportunidade nem

direito de escolarização a tantas pessoas. Ela deve também contemplar o

aspecto equalizador, possibilitando novas inserções no mundo do

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trabalho, na vida social, nos espaços de estética e na abertura de canais de

participação. Mas há ainda outra função a ser desempenhada: a

qualificadora, com apelo à formação permanente, voltada para a

solidariedade, a igualdade e a diversidade. (BRASIL, 2002a, p. 87)

Independente da margem de independência que é conferida ao professor

frente ao currículo, no entender de Canavarro e Ponte (2005) ele é o protagonista.

Portanto, cabe ao professor, a tarefa de avaliar o currículo oficial, criticar o

currículo apresentado, elaborar o currículo planejado, efetivar o currículo

praticado e utilizar, da melhor forma, o currículo avaliado.

Nessa perspectiva, pautamo-nos na seguinte questão diretriz: DE QUE MODO

O CURRÍCULO DE MATEMÁTICA É PRATICADO PELO PROFESSOR EM UMA TURMA DA

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS?

Ao delimitar nosso problema de pesquisa nos propomos a investigar as

seguintes questões:

• Quais elementos enculturadores estão presentes no currículo praticado

por esse professor?

• Ao selecionar e organizar os conteúdos, de que modo estimula o

desenvolvimento dos conceitos matemáticos?

• Nas interações em sala de aula, quais opções metodológicas são

contempladas?

A partir dos dados coletados e da análise realizada, esperamos que os

resultados obtidos possam ser traduzidos em propostas que orientem e fomentem

a reflexão do professor frente ao currículo de Matemática para a EJA, e desse

modo, possam contribuir para um processo reflexivo na formação inicial,

continuada ou em curso de professos que ensinam/mediam processos de

aprendizagem matemática para jovens e adultos.

Em busca de responder nossa questão de pesquisa e discorrer sobre o

currículo de Matemática para a EJA na perspectiva cultural, utilizaremos os

conceitos e ideias de Alan Bishop acerca da Matemática como fenômeno cultural

e o processo de enculturação matemática, as ideias de Célia Pires referentes à

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organização curricular, e no que se refere aos critérios para escolha de contextos

matemáticos, os estudos de Ole Skovsmose.

Detalhamento dos procedimentos metodológicos

Entendemos que pesquisar é dedicar-se na investigação à procura de

respostas às indagações propostas, encontrando informações que possam

contrapor-se às inquietações a respeito de algum tema; é a busca de respaldo

para pensamentos e afirmações. Nesse sentido, o fruto da investigação é a

produção de um corpo de conhecimento que transcende o “entendimento

imediato na explicação ou na compreensão da realidade que observamos”.

(GATTI, 2002, p. 9).

De acordo com Gatti (2002, p. 09), “num sentido mais estrito, visando à

criação de um corpo de conhecimentos sobre um certo assunto, o ato de

pesquisar deve apresentar certas características específicas”, evidenciando a

importância de critérios de escolhas dos procedimentos que subsidiarão a análise

e a interpretação das informações coletadas no processo da pesquisa, uma vez

que os resultados vão ao encontro não só de quem pesquisa, mas de um grupo

que compartilha as mesmas inquietações, além de outros pesquisadores que

poderão tomar esses resultados enquanto ponto de partida para novas

investigações.

A pesquisa pressupõe um processo de aprendizagem não apenas para

quem a realiza, mas também para a sociedade na qual ela se desenvolve,

configurando como um importante instrumento para a compreensão da realidade,

oportunizando um melhor entendimento das situações que nos rodeiam e que,

muitas vezes, não entendemos, auxiliando-nos, portanto, na compreensão dessa

realidade, ao que Gatti (2002, p. 33) assevera “a pesquisa nos serve acima de

tudo para dar uma base de entendimento sobre uma realidade e a partir disso

transformá-la”.

Para que a pergunta-diretriz, que me conduzirá nesse estudo possa ser

respondida, a investigação se dará por meio de pesquisa de abordagem

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qualitativa, do tipo estudo de caso. Bogdan e Biklen (1994) descrevem esse tipo

de pesquisa enquanto uma “[...] metodologia de investigação que enfatiza a

descrição, a indução, a teoria fundamentada e o estudo das percepções pessoais”

(p. 11) em que “as questões a investigar não se estabelecem mediante a

operacionalização de variáveis, sendo, outrossim, formuladas com o objetivo de

investigar os fenômenos em toda sua complexidade e em contexto natural” (p.

16). Esses autores descrevem cinco características que contemplam uma

pesquisa qualitativa:

na investigação qualitativa a fonte direta de dados é o ambiente natural,

constituindo o investigador o instrumento principal; A investigação

qualitativa é descritiva (ou seja, os resultados colhidos são em forma de

palavras ou imagens e não de números); Os investigadores qualitativos

interessam-se mais pelo processo do que simplesmente pelos resultados

ou produtos; Os investigadores qualitativos tendem a analisar os seus

dados de forma indutiva; O significado é de importância vital na

abordagem qualitativa. (BOGDAN e BIKLEN, 1994, p. 47)

Além disso, a abordagem qualitativa “busca investigar e interpretar o caso

como um todo orgânico, uma unidade em ação com dinâmica própria, mas que

guarda forte relação com seu entorno ou contexto sociocultural” (FIORENTINI e

LORENZATO, 2006, p. 110).

No caminho traçado neste trabalho procuramos contemplar as cinco

características, ou parte delas, identificadas por Bogdan e Biklen (1994), em uma

pesquisa qualitativa:

• a fonte direta de dados é o ambiente natural, constituindo o investigador

o instrumento principal;

• os dados recolhidos são em sua essência descritivos, em forma de

palavra ou imagens;

• os investigadores qualitativos interessam-se mais pelos processos do

que pelos resultados ou produtos;

• os investigadores qualitativos tendem a analisar os dados de forma

indutiva;

• o significado é de importância vital para o ponto de vista dos

participantes.

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No entender de Trivinõs (1987) uma das características da pesquisa de

natureza qualitativa é que ela realça os valores, as crenças, atitudes e opiniões

que ajudam o pesquisador a compreender os fenômenos pesquisados.

Consideramos importante a modalidade estudo de caso, pois, em nosso

estudo, a escolha por essa modalidade se deve a algumas características desta

pesquisa. Primeiramente, por ser uma pesquisa de campo; segundo, por estar

com o olhar voltado para a observação da aula de uma professora em uma

determinada turma da EJA; terceiro, por ser um caminho que possibilita um

estudo mais aprofundado.

No entender de Lüdke e André (1986) a pesquisa do tipo estudo de caso

pode ser caracterizada pelo estudo de uma situação bem delimitada, podendo

focalizar a realidade de forma complexa e contextualizada, de modo a trazer

aspectos que visam à descoberta de novos sentidos, ou seja, o pesquisador deve

estar atento a novas situações que possam surgir no decorrer da pesquisa, sendo

nesse sentido essencial ter o conhecimento como algo inacabado e em contínua

construção.

Na perspectiva de responder as questões de pesquisa, os dados foram

coletados a partir de trabalho de campo, tendo como espaço de investigação as

aulas de uma professora que atua no 9º ano do Ensino Fundamental II, da

Educação de Jovens e Adultos, cujas aulas ocorrem no turno noturno, em uma

escola da Rede Estadual de Ensino de São Paulo, localizada na região do ABC8.

No entender de Fiorentini e Lorenzato (2006) o trabalho de campo

constitui-se uma opção importante ao considerar que “fornece elementos que nos

permitem compreendê-la e, então transformá-la” (p. 101). Em nosso estudo, o

trabalho de campo possibilita um mergulho no universo da sala de aula de uma

turma de EJA, procurando absorver as informações dos pormenores relativos à

prática pedagógica do professor, frente ao currículo em ação. Nosso olhar nesse

campo de investigação será orientado pelas nossas questões e pelo que

pretendemos investigar, no caso, a prática do professor ao mediar/promover

situações de aprendizagem matemática.

_____________ 8 Região metropolitana da grande São Paulo: Santo André, São Bernardo e São Caetano.

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Para alcançar os objetivos propostos no trabalho, procuramos utilizar

diversas formas de coletas de dados, pois enriquecem a análise e revelam de

forma mais ampla o fenômeno pesquisado. Neste sentido, utilizamos como

instrumentos de coleta de dados, entrevistas, questionários, observações e diário

de bordo.

Utilizamos, como um dos instrumentos de coleta de dados, a entrevista

com a professora, por ser, dentre as técnicas de interrogação, a que apresenta

maior flexibilidade. No entender de Bogdan e Biklen (1994) a entrevista “consiste

numa conversa intencional, geralmente entre duas pessoas, embora por vezes

possa envolver mais pessoas, dirigida por uma das pessoas, com o objetivo de

obter informações sobre a outra” (p. 134). No nosso caso, utilizamos a entrevista

como estratégia para coletar os dados, os quais utilizamos, em conjunto com a

observação.

Também corroboramos as ideias desses autores ao afirmarem que “a

entrevista é utilizada para recolher dados descritivos na linguagem do próprio

sujeito, permitindo ao investigador desenvolver intuitivamente uma ideia sobre a

maneira como os sujeitos interpretam aspectos do mundo” (BOGDAN e BIKLEN,

1994, p. 134).

Optamos, também, pela realização de entrevistas semiestruturadas, por

serem as que melhor atendem nossos propósitos, a qual segundo Fiorentini e

Lorenzato (2006) “pretendendo aprofundar-se sobre um fenômeno ou questão

específica, organiza um roteiro de pontos a serem contemplados durante a

entrevista, podendo, de acordo com o desenvolvimento da entrevista, alterar a

ordem deles e, até mesmo, formular questões não previstas inicialmente” (p. 121).

No intuito de uma fonte complementar de informações, utilizamos

questionários com perguntas mistas, combinando parte com perguntas fechadas

e parte com perguntas abertas. Portanto, através desse instrumento podemos

coletar um número mais ou menos elevado de respostas, o que possibilita obter

informações acerca do que a professora sabe, de suas crenças e expectativas, e

as situações vivenciadas. Desse modo, combinamos perguntas fechadas e

abertas. As questões fechadas apresentam um conjunto de perguntas com

alternativas de respostas para que o respondente possa escolher a que melhor

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representa a sua situação; com perguntas abertas, quando nos interessamos em

colher dados mais minuciosos, disponibilizamos um espaço em branco para

escrever a resposta sem qualquer restrição. Esse instrumento de coleta de

informações seguiu um roteiro previamente elaborado, sendo utilizado para

coletar informações relativas aos alunos, estrutura escolar e perfil da professora.

Por meio das observações, pudemos acompanhar de perto e compreender

melhor as perspectivas não exteriorizáveis, que poderiam ocorrer por meio de

uma conversa, ou mesmo de um relatório. A observação possibilitou perceber os

fatos diretamente e sem intermediações. Desse modo, no entender de Ludke e

André (1986, p. 26), a observação propicia “um contato pessoal e estreito do

pesquisador com o fenômeno pesquisado”.

Após a coleta de dados por meio da observação, procedemos a uma

análise e à interpretação do material coletado, o que conferiu a sistematização e o

controle necessários para a análise dos dados.

Durante o trabalho de campo utilizamos o diário de bordo, pois, segundo

Fiorentini e Lorenzato (2006) este se configura “como um dos instrumentos mais

ricos de coleta de informações”, pois é onde pesquisador registra as “observações

de fenômenos, faz descrições de pessoas e cenários, descreve episódios ou

retrata diálogos” (p. 118).

Bogdan e Biklen (1994) evidenciam que, no diário de bordo, o investigador

registra as notas retiradas das suas observações no campo; essas notas,

portanto, configuram-se como sendo “o relato escrito daquilo que o investigador

ouve, vê, experiência e pensa no decurso da recolha e refletindo sobre os dados

de um estudo qualitativo” (p. 150).

Segundo Fiorentini e Lorenzato (2006), os diários podem conter uma dupla

perspectiva: uma descritiva e outra interpretativa. No nosso caso, optamos por

contemplar as duas perspectivas, e, assim, utilizamos o diário de bordo para

registrar as informações diárias e todos os acontecimentos importantes

relacionados com a pesquisa. Numa perspectiva descritiva com nosso olhar

voltado aos gestos, atitudes, procedimentos didáticos, ambiente, dinâmica da

prática do professor e descrição dos diálogos, ocorridos em sala de aula. E, numa

perspectiva interpretativa, olhando para a sala de aula e a escola como espaços

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socioculturais, onde se relacionam professor e aluno, com seus sentimentos,

sonhos e experiências.

Esta focalização do olhar é de extrema importância, visto que, frente às

inúmeras possibilidades e aos acontecimentos que surgem em uma sala de aula,

não poderíamos perder o nosso foco e nos afastar de nosso propósito, o que

dificultaria a análise posterior dos dados.

A utilização desses diferentes instrumentos constitui uma forma importante

de obtenção de dados de diferentes tipos, os quais proporcionam a possibilidade

de cruzamento de informação, e posterior análise dos dados coletados.

Para a etapa de análise das informações obtidas no trabalho de campo

utilizamos a categorização dos dados coletados em nossa pesquisa de campo.

No entender de Fiorentini e Lorenzato (2006, p. 134) a categorização pressupõe

“um processo de classificação ou de organização de informações em categorias,

isto é, em classes ou conjuntos que contenham elementos ou características

comuns”. Esses conjuntos devem estar relacionados a uma ideia ou a um

conceito central capaz de abranger todas as categorias.

Em busca de responder nossa questão e discorrer sobre o currículo de

Matemática para a Educação de Jovens e adultos na perspectiva cultural, e com

base nos teóricos utilizados, elegemos seis categorias sendo que para cada uma

delas elaboramos descritores referentes à sua presença ou à sua ausência nos

dados a serem analisados. Essas categorias estão explicitadas no capítulo 4,

tópico 4.5 e referem-se a:

1. Princípios do enfoque cultural do currículo de Matemática

2. Componentes do currículo de enculturação

3. Critérios de seleção de conteúdos

4. Critérios de organização de conteúdos

5. Escolha de contextos

6. Opções metodológicas

Salientamos que o texto foi construído em forma de narrativa. Optamos por

essa forma de escrever devido à maior facilidade com esse gênero textual e, além

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disso, por esse estilo de escrita possibilitar ao leitor maior aproximação com o

contexto não só da sala de aula da EJA, mas também do próprio universo da

educação de pessoas jovens e adultas.

Estrutura do Trabalho

A dissertação está organizada em cinco capítulos.

No primeiro capítulo, apresentamos alguns aspectos da trajetória da

Educação de Jovens e adultos no Brasil, com a finalidade de situar as novas

discussões sobre essa modalidade no momento atual.

O segundo capítulo refere-se a especificidades da Educação de Jovens e

Adultos, no tocante à formação docente e no tocante ao ensino da Matemática.

Nesse capítulo, são apresentadas as ideias que compõem nosso quadro teórico

com estudos de Célia Pires (2000) referentes à organização do currículo e Ole

Skovsmose (2010), quanto aos critérios para a escolha de contextos

Matemáticos.

No terceiro capítulo, abordamos a concepção do Currículo na perspectiva

cultural, nos fundamentando nas ideias de Bishop (1999), e completando nosso

quadro teórico.

No quarto capítulo, iremos caracterizar, para o leitor, a escola em que a

pesquisa foi realizada, descrever o cenário onde os dados foram coletados, os

atores participantes e a coleta de informações. No último tópico, apresentamos as

categorias de análise.

O quinto capítulo é um mergulho no universo da sala de aula. Nesse

capítulo, fazemos a descrição da atividade proposta pela professora, seu

desenvolvimento e as reflexões sobre as observações que anotamos.

As considerações finais sintetizam nossas conclusões e indicam os

próximos passos a percorrer.

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CCAAPPÍÍTTUULLOO 11

A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: MARCOS DE

SUA TRAJETÓRIA

A alfabetização, concebida como o conhecimento básico,

necessário a todos, num mundo em transformação em sentido

amplo, é um direito humano fundamental. Em toda sociedade, a

alfabetização é uma habilidade primordial em si mesma e um

dos pilares para o desenvolvimento de outras habilidades. (...).

A alfabetização tem também o papel de promover a

participação em atividades sociais, econômicas, políticas e

culturais, além de ser requisito básico para a educação

continuada durante a vida. (Declaração de Hamburgo sobre a

Educação de Adultos, 1997).

Neste capítulo, vamos apresentar alguns aspectos da trajetória da

Educação de Jovens e Adultos no Brasil, com a finalidade de situar as discussões

de hoje sobre essa modalidade no momento atual.

Ao realizar essa retrospectiva, como professora de EJA, e agora

pesquisando o tema, percebi a importância de conhecê-la e a urgente

necessidade de os professores que atuam nessa modalidade se apropriarem

dessa história, assim como das histórias de vida de seus alunos.

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1.1 Aspectos históricos da Educação de Jovens e Adultos e discussões

atuais

Ao traçar o panorama da educação de jovens e adultos ao longo das

décadas, embora possamos encontrar indícios de atividades educativas no Brasil,

desde a época da colonização, o que podemos observar é que as iniciativas

governamentais no sentido de oferecer educação a jovens e adultos são recentes.

Neste cenário, nos deparamos, também, com a falta de professores para ministrar

aulas para esses alunos. Assim, se num primeiro momento a educação esteve

nas mãos dos religiosos, sendo estes os principais promotores e organizadores

do sistema educacional da época, o que percebemos é que nas décadas

posteriores, a educação desses alunos jovens e adultos esteve nas mãos de

leigos, muitas vezes sendo ministrada em caráter de voluntariado, sendo que os

primeiros profissionais da educação surgiram somente a partir da década de 20.

A pretensão deste capítulo não é reconstruir a trajetória da educação de

jovens e adultos no Brasil, mas fazer uma síntese dos marcos importantes que

contribuíram para a fundamentação dessa modalidade de ensino, entendendo

que o papel docente, nesse sentido, é de fundamental importância no processo

de reingresso desses alunos no sistema educativo.

Ao percorrer a história da EJA, percebemos que ela apresenta variações

ao longo do tempo. As várias campanhas e os movimentos sociais não

conseguiram resolver o problema do analfabetismo no Brasil, assim como suprir a

falta de professores, que persiste ao longo das décadas. Quanto à formação de

docentes para a Educação de Jovens e Adultos, esta é praticamente inexistente,

ou seja, na prática, qualquer professor pode atuar nessa modalidade,

independente de ter sido formado para trabalhar com esse público jovem e adulto.

Talvez esse fato pudesse explicar o motivo pelo qual, no decorrer da

história da EJA, essa tenha sido vista como uma modalidade de educação que

não requer formação específica de seus professores. O histórico de cada época

provocou mudanças nos tipos de programas ofertados a esses alunos jovens e

adultos, refletindo as condições sociais, econômicas e políticas da sociedade.

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A forma como o movimento da sociedade se reflete na educação pode ser

observada mais claramente sempre que se inicia um período de

transformações e o sistema educacional existente (ou em formação) já

não atende às novas necessidades criadas, necessitando ou de ampliação

urgente ou de movimentos paralelos que preencham as lacunas deixadas

pela organização do ensino vigente. (PAIVA, 2003 p. 29)

1.2 Iniciativas da educação popular e os primeiros profissionais da

educação

Segundo Paiva (2003), a ação educativa no Brasil iniciou-se com a vinda

dos jesuítas, em 1549, os quais desempenhavam o papel de principais

promotores e organizadores do sistema educacional da época. Diante da

impossibilidade de instrução a todas as crianças, eram escolhidos os filhos dos

caciques, mas o ensino era limitado à alfabetização e à catequização. Em relação

ao público adulto, o ensino raramente compreendia a leitura e a escrita,

reduzindo-se à transmissão do idioma que servia como um instrumento de

cristianização e aculturação.

Juntamente com os franciscanos, que também se preocupavam com a

conversão dos indígenas, o ensino abrangia um caráter muito mais religioso do

que educacional, cuja missão era difundir os padrões da civilização ocidental

cristã; assim, podemos observar que, nesse período, o ensino estava centralizado

nas mãos dos religiosos. Tal autonomia na colônia, fez com que a coroa

combatesse a ampliação desse controle, provocando a regressão do sistema

educativo implantado.

Com a expulsão dos jesuítas do Brasil foi determinado que a educação na

colônia passasse a ser transmitida por leigos, nas chamadas Aulas Régias, mas a

falta de recursos financeiros e de professores que assumissem essas classes,

culminou numa desorganização do ensino, que só voltaria a se restabelecer no

Império.

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A vinda da Família Real portuguesa trouxe mudanças ao sistema

educacional brasileiro, no que diz respeito ao atendimento dos interesses

educacionais da aristocracia, estabelecendo cursos superiores de cunho utilitário

como Medicina, Agricultura, Economia Política, Botânica, além de Academias

Militares, Academias de Ensino Artístico, o Museu Real, a Biblioteca Pública a

Imprensa Régia, entre outras iniciativas (PAIVA, 2003). No entanto, no que diz

respeito à educação elementar, pouco foi realizado nesse período, pois a elite

brasileira adotou como prática um ensino de caráter individual, com aulas

oferecidas em suas casas, mas, em contrapartida, a educação popular não era

vista como uma necessidade social ou econômica.

Um novo panorama surgiu com a promulgação da primeira Constituição

brasileira, em 1824. Nesse período, o País encontrava-se influenciado pelos

ideais liberais que permeavam a Europa (BEISEGEL, 1974). O texto da

Constituição estabelece a todos os cidadãos a instrução primária e gratuita (art.

179). No entanto, só era considerado cidadão os livres e libertos, ou seja, desse

modo, a maior parte da população continuaria excluída.

Segundo o parecer CEB 11/2000

Num país pouco povoado, agrícola, esparso e escravocrata, a educação

escolar não era prioridade política e nem objeto de uma expansão

sistemática. Se isto valia para a educação escolar das crianças, quanto

mais para adolescentes, jovens e adultos. A educação escolar era

apanágio de destinatários saídos das elites que poderiam ocupar funções

na burocracia imperial ou no exercício de funções ligadas à política e ao

trabalho intelectual. Para escravos, indígenas e caboclos (...) além do duro

trabalho, bastaria a doutrina aprendida na oralidade e a obediência na

violência física ou simbólica. O acesso à leitura e à escrita eram tidos

como desnecessários e inúteis para tais segmentos sociais. (p. 13)

No Segundo Império, encontramos um crescente interesse não só pela

educação popular, mas também aparecem preocupações e iniciativas dirigidas à

educação de adultos, dentre as quais podemos citar a reforma de ensino proposta

por Leôncio de Carvalho que, a partir do Decreto nº 7.247, de 19/4/1879, reformou

a instrução pública primária e secundária no Município da Corte, e o ensino

superior em todo o Império. Esse Decreto autorizava o Governo Central a criar ou

auxiliar, nas províncias, cursos para o ensino primário de adultos analfabetos,

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permitindo, inclusive, que os escravos, até então excluídos desse processo,

pudessem frequentar as escolas. Preconizava a criação de Escolas Normais e,

para evitar o improviso de professores, previa a nomeação dos docentes, além de

conferências e reuniões desses profissionais para discutirem acerca dos assuntos

educacionais, além de enfatizar a necessidade da criação de cursos noturnos.

Nessa época entrou em discussão a Lei Saraiva9 e a educação de adultos

ligou-se à reforma eleitoral.

Com relação à obrigatoriedade do ensino, estabelecido pelo Regulamento

de 1854, Paiva (2003) salienta que essa obrigatoriedade encontrou dificuldade em

ser estabelecida, não apenas pela falta de escolas, mas pela falta de professores

e em decorrência, também, das condições de vida dos alunos. No que se refere à

formação dos professores primários, foram criadas ao longo do Império várias

escolas que se preocupavam com a formação desses profissionais, mas a falta de

atrativos para a carreira do magistério, as precárias condições de funcionamento

das escolas, e a falta de estabilidade na profissão acarretaram no seu

fechamento.

Mesmo sem efetividade, essa reforma expressa a importância da instrução

popular como meio de preservar a estrutura social e econômica do país; foi um

reconhecimento de que a educação para a população adulta analfabeta não mais

poderia basear-se simplesmente na oralidade, evidenciando, também, a

preocupação de se evitar o improviso de professores que atendessem esses

alunos adultos.

Ao findar o Império, havíamos chegado em 1890, com uma população

estimada em 14 milhões, sendo que 82% dela, com idade superior a cinco anos,

era analfabeta. No entender de Haddad e Di Pierro (2000), este fato é

consequência, além da política escravocrata que vigorava no país, do Ato

Adicional de 1834, que delegava ao Governo Imperial a responsabilidade sobre a

educação.

_____________ 9 A lei Saraiva foi instituída através do Decreto nº 3.029, de 9 de janeiro de 1881, teve como redator final Rui

Barbosa. O referido Decreto instituiu, pela primeira vez, o "Título de Eleitor", proibindo o voto de analfabetos, além de ter adotar eleições diretas para todos os cargos eletivos do Império. (disponível em www.tse.jus.br, acessado em 12 de maio de 2012)

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Com a Proclamação da República, a Constituição de 1891 retirou de seu

texto a referência à gratuidade da instrução elementar (existente na Constituição

Imperial), ao mesmo tempo em que condicionou o exercício do voto à

alfabetização, ou seja, excluiu os adultos analfabetos da participação nas eleições

e isso, num momento em que a maioria da população era iletrada. Mais uma vez,

o que presenciamos foi a exclusão de grande parte da população.

Esse condicionamento tinha o propósito de mobilizar os analfabetos a

buscarem, eles próprios, por cursos de primeiras letras, mas desconsiderava a

opressão e as formas patrimonialistas de acesso a bens econômicos e sociais.

Esse período, apesar de evidenciar um descompromisso por parte da União, foi

marcado por grandes reformas educacionais10 que, de certo modo, se

preocupavam com a situação precária em que se encontrava o Ensino Básico. No

entanto, pouco efeito produziu, pois não havia uma situação orçamentária que

garantisse a efetivação dessas propostas.

O censo realizado em 1920, trinta anos após o estabelecimento da

República no país, apontou que 72% da população, acima de cinco anos,

permanecia analfabeta. (Haddad e Di Pierro, 2000).

A partir da década de 20, apareceram os primeiros “profissionais da

educação”, cuja preocupação com problemas relativos à qualidade do ensino e à

remodelação dos sistemas estaduais impulsionou algumas reformas educativas¹

da época que cobravam do Estado a responsabilidade definitiva pela educação,

visando ampliar o número de escolas e melhoria da qualidade de ensino ofertada,

inclusive estabelecer condições favoráveis à implementação de políticas públicas

para a educação de jovens e adultos.

Com relação aos primeiros profissionais da educação, Paiva (2003)

salienta que esses

_____________ 10 Essas reformas são propostas em vários Estados do país, em razão da ação dos educadores que se

organizam na Associação Brasileira de Educação – ABE. Fala-se de uma nova ciência que se diz preocupada com a técnica e a teoria.

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frequentemente não possuem formação específica; são autodidatas

dispostos a estudar o assunto e dar opiniões que deixam de lado o aspecto

político da questão.Voltam-se para o funcionamento dos sistemas

escolares, sua eficiência e seu rendimento. Oferecem soluções para a

administração das escolas, para a formação dos professores, para a

elaboração dos currículos e métodos, para a organização dos cursos.

(PAIVA, 2003, p. 113)

Em comparação com outros países do mundo, o Brasil mantinha índices

precários de escolarização, uma preocupação cada vez mais crescente, visto que

a sociedade brasileira passava por grandes transformações, inerentes ao

processo de industrialização e concentração da população em centros urbanos, o

que fez surgir um operário urbano, em função da necessidade de mão de obra

qualificada.

1.3 A consolidação da educação de adultos na década de 30

A década de trinta é palco de lutas em favor da democratização do ensino

e, embora esse período apresente em termos educacionais fases bem

diferenciadas, em virtude do regime político adotado no país em face da ditadura

do regime de Vargas, nele emerge a ideia de uma política educacional voltada à

consolidação de um sistema público de educação elementar no país11.

Com a promulgação da Constituição de 1934, foi reconhecida pela primeira

vez em caráter nacional, a educação como direito de todos, devendo ser

ministrada pela família e pelos poderes públicos (art.149), sendo proposto um

Plano Nacional de Educação (PNE), de responsabilidade da União, que deveria

traçar diretrizes educacionais para todo o Estado, determinando de maneira clara

as competências e responsabilidades dos Estados e Municípios. Entre suas

normas deveria incluir o ensino primário integral, gratuito e de presença

obrigatória, sendo extensivo aos adultos (art.150).

_____________ 11 A primeira manifestação que anuncia o desvinculamento da educação de adultos da educação elementar

comum foi a partir da IV Conferência Nacional de Educação, realizada em dezembro de 1931, que se reuniu para tratar das Diretrizes da Educação Popular.

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Em 1938, foi criado o Instituto Nacional De Estudos Pedagógicos (INEP)12,

cuja principal função era pesquisa para orientar a formulação de políticas

públicas, atuando na formação e aperfeiçoamento do funcionalismo público da

União. Por meio de suas pesquisas sobre a realidade nacional e em virtude da

preocupação quantitativa e em relação à educação do país, realizou-se a I

Conferência Nacional de Educação, e em 1942, através do Decreto-lei nº 4. 958,

de 14 de novembro de 1942, foi instituído o Fundo Nacional do Ensino Primário

(FNEP) que, através de seus recursos, advindos de renda proveniente de tributos

federais, visava à ampliação da educação primária. Com a regulamentação do

Fundo em 1945, ficou estabelecido que 25% dos recursos do auxílio federal

deveriam ser aplicados na educação primária de adolescentes e adultos

analfabetos, respeitando os termos do plano geral do Ensino Supletivo, aprovado

pelo Ministério da Educação e Saúde.

O Estado brasileiro, a partir de 1940, aumentou suas atribuições e

responsabilidades em relação à educação de adolescentes e adultos. Após

uma atuação fragmentada, localizada e ineficaz durante todo o período

colonial, Império e Primeira República, ganhou corpo uma política

nacional, com verbas vinculadas e atuação estratégica em todo o território

nacional. (HADDAD E DI PIERRO, 2000, p. 111).

No entender de Paiva (2003), em termos quantitativos, com a destinação

de 70% dos recursos do FNEP aliados aos esforços estaduais e programas de

ajuda externa destinados à educação, a construção de prédios escolares da rede

elementar de ensino pôde expandir-se, aumentando o número de matrículas

primárias. Segundo a autora, em 1969, o país possuía 134.909 prédios

construídos, e em 10 anos, de 1945-1955, a matrícula cresceu cerca de 70%, de

3.295.391 em 1945 para 5.617.649 em 1955.

Em termos qualitativos, a expansão da rede exigia um número maior de

professores, mas esses cargos passaram a ser negociados por políticos locais e,

em decorrência desse “jogo de interesse”, professores leigos passaram a ocupar

esses cargos e eram fatalmente substituídos, sempre que o Governo mudava.

_____________

12 O INEP é criado através do Decreto nº 580 de julho de 1938 com o objetivo de promover estudos e centralizar informações referentes à educação nacional. (disponível em www.inep.org.br)

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Com o fim da ditadura da era Vargas, em 1945, os princípios democráticos

no país ganharam forças. Com a criação da Organização das Nações Unidas

para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), houve um apelo por parte dessa

organização para que se eduquem os adultos analfabetos, o que impulsionou a

criação da Campanha de Educação de Adultos (CEA), em 1947 concebida por

Lourenço Filho.

1.4 A Campanha de Educação de Adultos

A Campanha de Educação de Adultos pretendia estender a educação

primária à totalidade dos jovens e adultos iletrados, abrindo uma discussão sobre

o analfabetismo, e correspondia aos anseios qualitativos dos educadores; esse

momento, portanto, pode ser visto como uma tentativa de conciliação entre

quantidade e qualidade. Surgiu a possibilidade de reflexão e debate em torno do

analfabetismo no Brasil e, se antes o analfabeto era visto apenas como um

indivíduo incapaz, essa visão preconceituosa foi fortemente criticada e seus

saberes e capacidades passaram a ser reconhecidos.

O planejamento inicial da Campanha implicava uma articulação que

envolvia a União, os Estados e os Municípios. Caberia ao Ministério da Educação

e Saúde, o planejamento geral, a orientação técnica, auxílio financeiro e o

fornecimento de textos de leitura.

A Campanha preocupou-se com oferecimento de um material didático, com

a finalidade de garantir um mínimo de padronização. Contava com um currículo

especial de ensino visual, cartilhas, jornais, folhetos e textos de leitura diversas,

elaborados no Setor de Orientação Pedagógica do Serviço de Educação de

Adultos (SEA) e distribuídos em todos os cursos do país. Entre as inúmeras

publicações que foram editadas pelo Ministério da Educação, merece destaque o

Primeiro Guia de Leitura, que era uma espécie de cartilha oficial da Campanha, e

apresentava os primeiros passos da alfabetização, sendo inspirada no sistema de

Laubach,

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A confiança na capacidade de aprendizagem dos adultos e a difusão de

um método de ensino de leitura para adultos conhecido como Laubach inspiraram a iniciativa do Ministério da Educação de produzirem pela

primeira vez, por ocasião da Campanha, material didático específico para

o ensino da leitura e da escrita para os adultos. (BRASIL, 2001, p. 21).

Podemos verificar, por meio dos dados da tabela abaixo, que o número de

jovens e adultos, atendidos pela rede de escolas de ensino nesse período, era

bem expressivo, o que confirma a realização dos objetivos quantitativos

alcançados na Campanha.

Tabela 1. Número de Cursos mantidos antes da Campanha

Ano Nº de Cursos mantidos com auxílio Federal

Total

Antes da Campanha

1943 1.809

1944 1.777

1945 1.810

1946 2.077

Fonte: BEISEGEL, 1974

Tabela 2. Número de Cursos mantidos depois da Campanha

Ano Nº de cursos mantidos com auxílio Federal

Total

Depois da Campanha

1947 10.416 11.945

1948 14.110 15.527

1949 15.204 16.300

1950 16.500 17.600

Fonte: BEISEGEL, 1974

Embora tivesse alcançado bons resultados, a Campanha de Educação de

Adultos perdeu forças a partir de 1954, em virtude das críticas que se

relacionavam tanto à carência administrativa como à financeira, além da baixa

remuneração dos professores, com o atraso no pagamento. Dessa forma, nem

mesmos os leigos se interessavam pela Campanha, o caráter do voluntariado

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deixou de existir, a qualidade do ensino tornou-se precária e com a baixa

frequência e aproveitamento dos alunos, a campanha entrou em declínio.

Portanto, se de um lado o aspecto quantitativo foi significante, o aspecto

qualitativo ainda estava longe de atingir sua meta. Numa tentativa em encontrar

soluções mais adequadas aos problemas educacionais de jovens e adultos, tendo

em vista a falência da CEAA, foi realizado o II Congresso Nacional de Educação

de Adultos (CNEA), no Rio de Janeiro, entre 09 e 16 de julho de 1958,

patrocinado por entidades públicas e privadas, contando com o apoio do

Ministério da Educação e Cultura.

Com o objetivo de indicar diretrizes para que o Governo atuasse na

educação de adultos, o Congresso promoveu a participação dos educadores e

acenando como estímulo o incentivo de novas ideias e métodos educativos para

adultos, para que esses pudessem participar, efetivamente, da vida política do

país. No entender de Paiva (2003)

O Congresso é, pois, um acontecimento que nos oferece a oportunidade

de observar o início da transformação do pensamento pedagógico

brasileiro, com o abandono do otimismo pedagógico e a reintrodução da

reflexão sobre o social na elaboração das ideias pedagógicas. Além disso,

ele serviu também como estímulo ao desenvolvimento de novas ideias e

novos métodos educativos para adultos. Nele é possível constatar que o

realismo em educação, ou seja, a consideração dos aspectos internos do

processo educativo ao lado de sua vinculação com a vida em sociedade

tende, então, a impor-se sobre as demais posições. As preocupações quantitativas não se acompanham mais do preconceito contra o analfabeto e, ao lado delas, persiste a preocupação com a qualidade do ensino e com a revisão dos métodos. Paiva (2003, p. 239, grifo

nosso)

No mesmo ano, outra campanha foi lançada: a Campanha Nacional de

Erradicação do Analfabetismo (CNEA), que pretendia ser um programa

experimental de educação popular em geral. Tinha como objetivo a erradicação

do analfabetismo e destinava-se à educação popular de crianças e adultos,

visando, também, contribuir para o desenvolvimento econômico-social. Para o

início dessa Campanha foi escolhida a cidade mineira de Leopoldina, terra natal

do então Ministro da Educação Clóvis Salgado. Quanto à formação dos

professores, juntamente com o INEP e a CNER, a CNEA abriu curso para o

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treinamento de professores, que compreendia todo o currículo do curso primário,

com a intenção de oferecer aos professores o domínio e o controle dessas

matérias elementares.

A experiência desse projeto teve um saldo positivo em termos nacionais e,

em algumas regiões, as recomendações do projeto influenciaram as decisões em

termos educacionais. A partir de 1961, a CNEA começa a passar por dificuldades

financeiras culminando na sua extinção13.

Segundo Haddad e Di Pierro (2000)

Nestes anos as características próprias da educação de adultos passaram a

ser reconhecidas, conduzindo à exigência de um tratamento específico

nos planos pedagógico e didático. [...] A educação de adultos passou a ser

reconhecida também como um poderoso instrumento de ação política.

Finalmente, foi-lhe atribuída uma forte missão de resgate e valorização

do saber popular, tornando a educação o motor de um movimento amplo

de valorização da cultura popular. (HADDAD; DI PIERRO, 2000, p.

113).

1.5 Novos paradigmas com o educador Paulo Freire

Um novo paradigma pedagógico começou a surgir no início da década de

60, com as ideias do educador pernambucano Paulo Freire14, que pôs em prática

um autêntico trabalho de educação que identifica a alfabetização com um

processo de conscientização humana. No entender de Paiva (2003) o

pensamento de Paulo Freire “parece ter sido o que maior influência exerceu sobre

os profissionais da Educação em geral, consolidando a reintrodução da reflexão

sobre o social nos meios pedagógicos esboçada desde o início da década” (p.

279). Desse modo, a educação de adultos passou a ser percebida, não apenas

_____________ 13 Nesse período encontramos vários programas e campanhas no campo da educação de adultos, dentre os

quais podemos citar: A Campanha Nacional de Educação Rural, em 1952 e A Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo, em 1958, sendo as duas, proposta pelo Ministério da Educação e Cultura, o Movimento De Educação de Base, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, em 1961, que tinha como patrocinador o Governo Federal; o Movimento de Cultura Popular do Recife, em 1961; os Centros Populares de Cultura, órgãos culturais da UNE; a Campanha de Pé no Chão também se Aprende a Ler, da Secretaria Municipal de Natal; o Movimento de Cultura Popular do Recife.

14 A descrição dos métodos empregados por Paulo Freire, juntamente com uma síntese dos seus fundamentos, pode ser encontrada no livro “O que é o método Paulo Freire”, de Carlos Rodrigues Brandão (2ª Ed., Coleção Primeiros Passos, São Paulo, Brasiliense, 1981).

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como uma problemática educacional, mas como um problema de ordem social e

política, propondo uma ação educativa pautada na cultura do sujeito e baseada

no diálogo.

Segundo Paiva (2003), o método proposto por esse educador propiciava

que o analfabeto passasse a se perceber como sujeito e não como objeto,

portador de cultura e conhecimento. No entanto, esse método rejeitava as

cartilhas, sendo necessária uma adequada preparação dos coordenadores, pois

eram confeccionados os materiais didáticos e utilizados cartazes e slides, e, a

partir da realidade dos educandos e de seu universo vocabular, o alfabetizador

em contato com o grupo de alunos, listava as palavras do vocabulário mais

usadas pelos indivíduos, devendo essas ser selecionadas pela riqueza fonêmica,

nascendo palavras geradoras, que serviriam como ponto de partida para

decomposição das famílias fonêmicas que correspondiam àqueles vocábulos.

O pensamento pedagógico de Paulo Freire direcionou diversas

experiências de educação de adultos e, em 1964, com a organização de um

Programa Nacional de Alfabetização de Adultos, foi convidado pelo Ministro da

Educação, Paulo de Tarso Santos, a repensar a alfabetização de adultos, num

âmbito nacional. Esse período foi marcado por uma diretriz totalmente oposta

àquela vivida pelos movimentos de educação e cultura popular, mas a

conscientização proposta por Freire passou a ser vista como ameaça à ordem

instalada. Assim, em decorrência do golpe militar em 1964, esse e outros

programas de educação popular foram reprimidos, extinguindo-se, inclusive, o

debate educacional.

O analfabetismo ainda se caracterizava como um grave problema para o

país. Paiva (2003) assevera que o Censo escolar realizado em 1964 indicava que

“44,2% dos professores do ensino elementar não possuíam qualificação para a

docência” (p. 160); portanto, o problema referente à questão dos professores

leigos, que se arrastava desde a década de 20, ainda persistia, sendo objeto de

preocupação a falta de qualidade do ensino e a baixa qualificação do professor.

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Diante dessa problemática, o Governo assumiu o controle da alfabetização

de adultos e criou o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL)15, através

da lei 5.379, de 15 de dezembro de 1967.

Caberia ao MOBRAL promover a educação dos adultos analfabetos,

cooperando com Comissões espalhadas pelos municípios brasileiros, que se

encarregavam de providenciar as salas de aula e os professores. O Mobral

expandiu-se em todo território nacional, configurando-se como um dos programas

mais representativos do Governo Militar. Foi criado o Programa de Educação

Integrada (PEI), equivalente às quatro primeiras séries do ensino fundamental,

sendo concedida ao MOBRAL a expedição de certificados, mediante o referendo

das Secretarias Municipais ou Estaduais de Educação; mais tarde, tais referendos

passaram a ser desnecessários, quando o PEI passou a firmar convênios com

instituições particulares.

Quanto à produção dos materiais didáticos, esses foram entregues a

empresas privadas que reuniram equipes pedagógicas e produziram um material

de caráter nacional, desconsiderando a diversidade de perfis das regiões

brasileiras. Baseado na decomposição de palavras geradoras, não refletiam o

modo de vida da população, tendo em vista que cada região do país possuía suas

características peculiares, ficando evidente a concepção da imposição proposta

pelo programa, focando apenas seus interesses. O alfabetizador recebia o

Manual do Professor que, assim como o currículo, deveria ser seguidos à risca.

No entender de Paiva quanto à organização do Mobral, este foi

Organizado a partir de uma logística militar, de maneira a chegar a quase

todos os municípios do país, ele deveria atestar às classes populares o

interesse do governo pela educação do povo, devendo contribuir não

apenas para o fortalecimento eleitoral do partido governista, mas também

para neutralizar eventual apoio da população aos movimentos de

contestação do regime, armados ou não. (Paiva, 2002, pg. 337).

_____________ 15 Dois bons estudos sobre o Mobral merecem destaque: são os livros de Celso Rui Beisegel, Estado e

Educação Popular (São Paulo, Pioneira, 1974) e os estudos de Paiva (1981e1982) publicado em quatro etapas pela revista Síntese.

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Com o processo de abertura política do país ganham impulsos as

experiências paralelas de alfabetização que eram desenvolvidas de um modo

mais crítico. Desacreditado nos meios políticos e educacionais, a imagem do

Mobral estava atrelada à ideologia e às práticas dos governos militares, sendo o

programa alvo de várias críticas, tanto as que dirimiam os critérios empregados

na verificação de aprendizagem, como questionamentos relacionados à real

redução dos índices de analfabetismo: pouco tempo destinado à alfabetização,

falta de supervisão dos cursos oferecidos, altos custos financeiros e despreparo

dos educadores.

Com relação ao corpo docente do Mobral, Paiva (2003) assevera que a

precária aprendizagem resultava, entre outros fatores, da “precária qualidade do

ensino oferecido” (p. 367). Segundo Paiva (2003), o corpo docente compõe-se de

elementos com escassa preparação escolar: na região Nordeste 23,4% dos

alfabetizadores consultados haviam concluído a 3ª série, e 26,6% dos quais

haviam concluído a 4ª série. Em relação à região Sudeste 22,9% havia terminado

a 4ª série e outros 26,6% iniciaram outras séries, sendo que não foram

entrevistados professores com menos de quatro anos de estudo. Na região

Nordeste, em relação ao treinamento, 1,8% dos entrevistados afirmou não ter

recebido treinamento algum, e 30% afirmaram nunca ter recebido qualquer

espécie de supervisão. Na região Sudeste, 40% dos professores afirmaram ter

recebido treinamento, e 30% afirmaram não ter recebido supervisão.

Podemos perceber o descrédito por parte desse programa, nas palavras do

professor Flexa Ribeiro, ex-diretor geral de Educação da UNESCO16

O Mobral seria quando muito, um ‘vendedor de ilusões’. Ilusão para o

adulto que ignora a precariedade do adestramento que recebe e

principalmente’ vendedor de ilusões’ para anestesiar a consciência da

classe letrada do país... Ninguém ignora que o diplomado do Mobral

permanece irmão gêmeo do Analfabeto. (FLEXA RIBEIRO, depoimento

na CPI do Mobral. Diário do Congresso Nacional, Seção II, 16/3/1976,

p.344, apud Paiva, 2003, p. 335)

_____________ 16 A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) foi criada em 16 de

novembro de 1945, com o objetivo de garantir a paz por meio da cooperação intelectual entre as nações, acompanhando o desenvolvimento mundial e auxiliando os Estados-Membros na busca de soluções para os problemas que desafiam nossas sociedades, atuando nas áreas da Educação, Ciências Naturais, Ciências Humanas e Sociais, Cultura e Comunicação e Informação. (disponível em http://www.onu.org.br/onu-no-brasil/unesco/, acesso em 10 jul. 2012)

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No início do governo Sarney, através do Decreto 91.980, de 25 de

novembro de 1985, o Mobral foi extinto e em seu lugar instituiu-se a Fundação

Nacional para Educação de Jovens e Adultos (EDUCAR). Segundo Haddad e Di

Pierro (2000) se, em muitos aspectos, a Fundação Educar configurou-se como

extensão do Mobral, mantendo os funcionários, as estruturas burocráticas, e

práticas político-pedagógicas, podemos levar em conta algumas mudanças

significativas, dentre as quais merece destaque a sua subordinação à estrutura do

Ministério de Educação e Cultura transformando em órgão de fomento e apoio

técnico, ao invés de instituição de execução direta. Houve uma descentralização

das suas atividades, e a Fundação passou a apoiar iniciativas de Educação

Básica de jovens e adultos.

1.6 A Educação de Adultos após a Constituição de 1988

Durante o processo de redemocratização política do país, merece destaque

a Constituição Federal de 1988, que veio ratificar o reconhecimento de alguns

direitos sociais. Esses, no entender de Haddad e Di Pierro,

Nenhum feito no terreno institucional foi mais importante para a

educação de jovens e adultos nesse período que a conquista do direito

universal ao ensino fundamental público e gratuito, independentemente

de idade, consagrado no Artigo 208 da Constituição de 1988 (p. 120).

Além dessa garantia constitucional, as disposições contidas na Carta

Magna determinavam que 50% dos recursos fossem aplicados na universalização

do Ensino Fundamental e na erradicação do analfabetismo. Contudo, o direito

garantido pela Constituição, em seu artigo 208, que o define como direito

subjetivo, acabou não se confirmando e, progressivamente, a União abandonou

as atividades dedicadas à educação dos jovens e adultos.

Apesar de o MEC apresentar-se com um discurso favorável à Fundação,

em 1990, com o início do governo de Fernando Collor de Mello – primeiro

presidente eleito por voto direto após o regime militar – a fundação foi extinta, e

as entidades civis e instituições conveniadas passaram a arcar sozinhas com as

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atividades educativas, até então mantidas por convênios com a Fundação. Essa

medida pode ser entendida como uma maneira de contenção de gastos por parte

da União, que transferiu aos municípios a responsabilidade pública pelos

programas de alfabetização de jovens e adultos.

A falta de incentivo político e financeiro por parte do Governo Federal levou

os programas a uma situação de estagnação ou de declínio. A participação dos

municípios em relação à matrícula do ensino básico de jovens e adultos

concentrava-se nas séries iniciais do ensino fundamental, ao passo que as

matrículas referentes às séries do segundo segmento do Ensino Fundamental e

do Ensino Médio concentraram-se nos Estados.

Em substituição à atuação da Fundação Educar, o Governo criou o

Programa Nacional de Alfabetização e Cidadania (PNAC) que, salvo algumas

ações isoladas, promoveu mais alarde do que ações concretas. Sem apoio

financeiro e político, ficou na fronteira das intenções e caiu no esquecimento.

Nesse período, a Organização das Nações Unidas (ONU) declarou 1990

como o Ano Internacional da Alfabetização, convocando para essa data a

Conferência Mundial de Educação para Todos, que propunha uma abordagem

global do problema educacional no mundo. Realizada em Jomtien, na Tailândia,

contou com a participação da Organização das Nações Unidas para a Educação,

Ciência e Cultura (UNESCO), o Fundo das Nações Unidas para a Infância

(UNICEF) o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), e o

Banco Mundial. Muitas das orientações dessa conferência dinamizaram reformas

educativas que se haviam iniciado na década anterior, evidenciando que a

educação ganhava destaque entre as demais políticas sociais.

O Brasil configurava-se como um dos nove países que mais contribuíam

para o elevado índice de analfabetismo do mundo; para poder ter acesso ao

crédito internacional, vinculado aos compromissos assumidos na Conferência

Mundial, instituiu, em 1994, o Plano Decenal, que previa oportunidade de acesso

a 3,7 milhões de analfabetos e 4,6 milhões de jovens e adultos pouco

escolarizados (Haddad e Di Pierro, 2000).

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O país atravessava um processo de redemocratização política. Com o

impeachment do Presidente Fernando Collor de Mello, assumiu o vice-presidente

Itamar Franco. O Plano Decenal foi fixado ao final do Governo de Itamar Franco

e, em 1994, com a eleição do Presidente Fernando Henrique Cardoso, o novo

Presidente abandonou o Plano Decenal e priorizou a implementação de uma

reforma político-institucional da educação pública, simultaneamente à

promulgação da LDB.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB nº 9394/96 traz,

pela primeira vez, a expressão Educação de Jovens e Adultos, em substituição ao

termo Ensino Supletivo; reafirma o direito ao Ensino Básico aos que não tiveram

acesso ou oportunidade de estudos no Ensino Fundamental e Médio na idade

própria, cabendo ao poder público o dever de oferecê-lo gratuitamente.

Estabelece, ainda, através do Conselho Nacional de Educação (CNE) a redução

da idade mínima de 18 anos para 15 anos no Ensino Fundamental e de 21 para

18 no Ensino Médio.

Esse rebaixamento da idade mínima sinaliza a identificação cada vez maior

entre o ensino supletivo e os mecanismos de aceleração do ensino regular.

Procura-se, certamente, evitar o atraso na obtenção da continuidade aos estudos,

medida cada vez mais aplicada nos estados e municípios.

Com relação à formação de docentes para atuar na educação básica,

segundo a LDB, esta se dará em nível superior, em curso de licenciatura, de

graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação. Segundo

essa lei, até o fim da chamada Década da Educação (em 2006), todos os

professores terão que ser habilitados em nível superior ou formados por

treinamento em serviço.

Com a reforma educacional iniciada a partir de 1995, foi aprovada a

Emenda Constitucional 14/96 que suprimiu a obrigatoriedade do Ensino

Fundamental aos jovens e adultos, mantendo apenas a garantia de sua oferta

gratuita. Essa formulação desobriga o Poder da oferta universal de ensino

fundamental gratuito para esse grupo etário.

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50

Com a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino

Fundamental e Valorização do Magistério (FUNDEF)17, passou a vigorar uma

nova sistemática de redistribuição dos recursos destinados ao Ensino

Fundamental. O Governo impediu que as matrículas realizadas no Ensino

Fundamental de jovens e adultos fossem contabilizadas para efeito de cálculos

dos fundos, acabando, com essa medida, por desestimular a ampliação de vagas

para essa modalidade de ensino.

Ao estabelecer o padrão de distribuição dos recursos públicos ao Ensino

Fundamental, com relação à importância destinada à EJA, estas “quando

consideradas, foram abordadas com políticas marginais, de caráter emergencial e

transitório, subsidiárias a programas de alívio da pobreza.” (DI PIERRO, 2005, p.

1123). Com relação ao atendimento a essa modalidade de ensino, ela passa a

depender “da capacidade financeira de cada Unidade da Federação, da vontade

política dos respectivos governantes, da demanda e pressão social da população

local em defesa desse direito.” (DI PIERRO, 2005, p. 1124).

Para suprir a carência de políticas públicas de educação de jovens e

adultos o Governo Federal buscou nas parcerias entre diferentes instâncias

governamentais, organizações de sociedade civil e instituições de ensino e

pesquisa, uma saída estratégica e paliativa para o problema, lançando, na

segunda metade dos anos 90, outros programas federais de jovens e adultos.

Embora o panorama que encontramos referentes à EJA, durante os anos

90, aponte para um momento desestimulador, no qual o Governo Federal se

desobriga dos encargos para o atendimento a essa modalidade de ensino,

merecem destaque alguns programas governamentais18, assim como alguns

fóruns que se preocupavam em discutir os problemas relativos à formação inicial

e continuada de educadores. Com relação à formação desses educadores, Di

Pierro (2000) assevera que

_____________ 17 O FUNDEF foi criado pela Emenda Constitucional nº 14, de 12.09.1996, e regulamentado pela Lei nº

9.424, de 24 de dezembro de 1996, e pelo Decreto nº 2.264, de 27 de junho de 1997. (disponível em http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Legis.pdf, acessado em 12 jun.2012)

18 Os programas lançados neste período são: Programa Alfabetização Solidária (PAS), o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA) e o Plano Nacional de Formação do Trabalhador (PLANFOR)

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A capacitação dos educadores se impõe também pela multiplicidade de

agentes sociais envolvidos nos programas de alfabetização e educação de

jovens e adultos, muitos dos quais são voluntários ou recrutados nos

movimentos populares, sem habilitação profissional formal. As

dificuldades de instituição e consolidação de espaços de formação

decorrem de múltiplos fatores, como a persistência da visão equivocada

que concebe a educação de jovens e adultos como território provisório

sempre aberto à improvisação; a precariedade do mercado de trabalho,

que não proporciona a construção de carreiras profissionais; e o escasso

envolvimento das instituições de ensino superior com um campo

educativo de pouco prestígio e baixo grau de formalização. (p. 1132)

Um importante movimento e que representa um marco importante para a

EJA, foi a Conferência Internacional de Educação de Adultos (CONFINTEA),

realizada em 1997, em Hamburgo, cujo objetivo era o de caracterizar a população

jovem e adulta da EJA, destacando compromisso e perspectiva de ação para os

anos posteriores.

Desse período, também encontramos a elaboração de duas publicações de

fundamental importância para essa modalidade e ensino – uma delas a "Proposta

Curricular para a Educação de Jovens e Adultos", para o 1° segmento do ensino

fundamental, e o "Manual de Orientação para a Implantação do Programa de

Educação de Jovens e Adultos do Ensino Fundamental". Essas publicações

configuram-se como importantes instrumentos de apoio a alunos e professores da

EJA, sendo produzidas em parcerias com organizações da sociedade civil, e em

conjunto com as Secretarias Municipais e Estaduais de Educação além de

Universidades. Nos anos posteriores, outras publicações seriam lançadas, o que

demarca a preocupação com essa modalidade de ensino19.

Sob a coordenação do Conselheiro Carlos Roberto Jamil Cury, foi

aprovado o Parecer nº 11/2000 – CEB/CNE, que trata das Diretrizes Curriculares

Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos. No Parecer, a EJA é

caracterizada por apresentar funções distintas, quais sejam, equalizadora,

_____________ 19 Nesse período, destacam-se o Programa Recomeço: Supletivo de Qualidade, que tinha como meta ampliar

a oferta de vagas no Ensino Fundamental de jovens e adultos e o Programa Parâmetros em Ação, que visa ao apoio e incentivo do desenvolvimento profissional de professores e especialistas em educação, como material didático a Coleção Viver e Aprender, constituída de livros para os alunos e guias para os professores, a Proposta Curricular – 2º Segmento com o objetivo de subsidiar o processo de reorientação curricular nas escolas, e o Exame Nacional de Certificação de Competências de Jovens e Adultos (ENCEEJA).

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reparadora e qualificadora. Esse parecer também enfatiza a necessidade de uma

formação adequada e continuada para os profissionais que atuam nessa

modalidade de ensino, considerando a especificidade desse público.

A formação dos docentes de qualquer nível ou modalidade deve

considerar como meta o disposto no art. 22 da LDB. Ela estipula que a

educação básica tem por finalidade desenvolver educando, assegurar-lhe

formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-

lhe meios para progredir no trabalho estudos posteriores (...) Com maior

razão, pode-se dizer que o preparo de um docente voltado para a EJA

deve incluir, além das exigências formativas para todo e qualquer

professor, aquelas relativas à complexidade diferencial desta modalidade

de ensino. Assim esse profissional do magistério deve estar preparado

para interagir empaticamente com esta parcela de estudantes e de

estabelecer o exercício do diálogo. Jamais um professor aligeirado o

motivado apenas pela boa vontade ou por um voluntariado idealista e sim

um docente que se nutra do geral e também das especificidades que a

habilitação como formação sistemática requer. (BRASIL, 2000, p. 56)

Desse modo, a exigência de uma formação específica para a EJA, no que

se refere à formação docente qualificada, segundo esse Parecer, constitui um

“meio importante para se evitar o trágico fenômeno da recidiva e da evasão”

(BRASIL, 2000, p. 56).

Com a posse do presidente Luís Inácio Lula da Silva, em 2003, emergem

novas perspectivas no plano das políticas nacionais para a EJA, merecendo

destaque a progressiva inclusão da modalidade ao Fundo de Manutenção e

Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da

Educação – FUNDEB20.

No cenário nacional, com base em um amplo diagnóstico da educação

nacional, foi proposto pelo Ministério da Educação, o Plano Nacional de Educação

(PNE). Para o decênio 2011-2020, o Plano, composto por doze artigos e vinte

metas, tem como foco a valorização do magistério e melhoria na qualidade de

Educação.

_____________ 20 O Fundeb atende toda a Educação Básica, substituto do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do

Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), que vigorou de 1997 a 2006. O Fundeb está em vigor desde janeiro de 2007, e se estenderá até 2020.(disponível em http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12407, acessado em 25 set. 2012)

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No que concerne à EJA, três metas são dedicadas a essa modalidade:

− Meta 8: Elevar a escolaridade média da população de 18 a 24 anos de

modo a alcançar mínimo de 12 anos de estudo para as populações do

campo, da região de menor escolaridade no País e dos 25% mais

pobres, bem como igualar a escolaridade média entre negros e não

negros, com vistas à redução da desigualdade educacional

− Meta 9: Elevar a taxa de alfabetização da população com 15 anos ou

mais para 93,5% até 2015 e erradicar, até 2020, o analfabetismo

absoluto e reduzir em 50% a taxa de analfabetismo funcional.

− Meta 10: Oferecer, no mínimo, 25% das matrículas de educação de

jovens e adultos na forma integrada à educação profissional nos anos

finais do ensino fundamental e no ensino médio.

Com relação à formação docente, encontramos quatro metas que traduzem

a importância de sua valorização:

− Meta 15: Garantir, em regime de colaboração entre a União, os Estados,

o Distrito Federal e os Municípios, que todos os professores da

educação básica possuam formação específica de nível superior, obtida

em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam.

− Meta 16: Formar 50% dos professores da educação básica em nível de

pós-graduação lato e stricto sensu, garantir a todos a formação

continuada em sua área de atuação.

− Meta 17: Valorizar o magistério público da educação básica a fim de

aproximar o rendimento médio do profissional do magistério com mais

de onze anos de escolaridade do rendimento médio dos demais

profissionais com escolaridade equivalente.

− Meta 18: Assegurar, no prazo de dois anos, a existência de planos de

carreira para os profissionais do magistério em todos os sistemas de

ensino.

Considerando as metas propostas, abaixo apresentamos o panorama atual

com os dados do último recenseamento realizado pelo Instituto Brasileiro

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Geografia e Estatística – IBGE, referente ao número total da população e o

percentual de pessoas alfabetizadas.

Tabela 3. Total da População segundo Regiões da Federação Brasileira/2010.

Unidade Geográfica Total da população

Brasil

Norte

Nordeste

Sudeste

Sul

Centro-Oeste

190.755.799

15.864.454

53.081.950

80.364.410

27.386.891

14.058.094

Fonte: IBGE, Censo Demográfico de 2010.

Tabela 4. Percentual de pessoas alfabetizadas entre a população de 15 anos ou mais, segundo

Regiões da Federação Brasileira/2010.

Pessoas alfabetizadas entre a população de 15 anos ou mais (em %)

Unidade

Geográfica

15 a 19

anos

20 a 29

anos

30 a 39

anos

40 a 49

anos

50 a 59

anos

60 anos

ou mais

Total por

Região

Brasil

Norte

Nordeste

Sudeste

Sul

Centro-Oeste

10,54

12,99

12,58

9,28

9,69

10,50

21,06

23,60

23,25

19,89

19,25

21,74

17,56

17,86

17,12

17,74

16,90

19,03

14,21

11,85

12,42

15,08

15,58

14,58

10,07

7,16

7,80

11,42

11,68

9,29

9,60

5,68

7,37

11,24

11,41

7,61

83,04

79,14

80,54

84,65

84,51

82,75

Fonte: IBGE, Censo Demográfico de 2010.

Considerando a meta em elevar a taxa de alfabetização da população com

15 anos ou mais para 93,5% até 2015, podemos perceber, ao analisar os dados

da tabela 2, que este desafio é maior na região Norte e Nordeste do Brasil, onde o

número de pessoas alfabetizadas é menor, sendo também esse número maior

entre a população de mais de 60 anos. Vejamos como se encontra o panorama

do analfabetismo funcional21 na tabela a seguir

_____________ 21 Segundo a UNESCO, um indivíduo funcionalmente analfabeto é aquele que não pode participar de todas

as atividades nas quais a alfabetização é requerida, sendo incapaz de usar a leitura e a escrita em atividades cotidianas, impossibilitando seu desenvolvimento pessoal e profissional e o da comunidade.

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Tabela 5. Taxa de analfabetismo funcional 2001/2009

Região 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

Norte 26,3 24,7 23,8 29,1 27,1 25,6 25 24,2 23,1

Nordeste 42,8 40,8 39 37,6 36,3 34,4 33,5 31,6 30,8

Sudeste 20,4 19,6 18,7 18,1 17,5 16,5 15,9 15,8 15,2

Sul 21,2 19,7 18,8 18,6 18 16,5 16,7 16,2 15,5

Centro-

Oeste 25,9 23,8 22,9 22 21,4 20 20,3 19,2 18,5

Fonte: IBGE, Censo Demográfico de 2010.

Com relação ao analfabetismo funcional, esse índice vem diminuindo com

o passar dos anos, como mostra a tabela, e o objetivo é a sua redução em 50%.

No cenário mundial, neste mesmo, ano foi instituída a pedido da

Assembleia Geral das Nações Unidas, a Década da Educação (2003-2012), sob o

slogan “alfabetização como liberdade”, coordenada pela UNESCO, que passou a

coordenar a Década e suas atividades internacionais. Segundo a UNESCO, a

década é instituída em virtude de três fatores:

� Elevado número de pessoas analfabetas. No cenário mundial, existem

776 milhões de analfabetos, ou seja, um em cada cinco adultos não

sabem ler ou escrever. Destaca-se, também, a diferença entre géneros,

pois desse total dois terços são do sexo feminino.

� A alfabetização, embora reconhecida como direito na Declaração

Universal dos Direitos Humanos, continua sendo negada a uma grande

parte da população.

� Em virtude de possibilitar a ampliação das discussões no cenário

mundial.

Ao percorrermos a história da EJA percebemos que esta esteve

estreitamente ligada às transformações sociais, políticas e econômicas, agora,

não apenas o aspecto quantitativo precisa ser resolvido, mas faz-se necessário

enfrentar, também, o aspecto qualitativo. Se por um lado existe um percentual

expressivo da população ainda não alfabetizada e que, portanto, não teve seus

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direitos, tanto humano como constitucional respeitados, de outro lado

encontramos o problema da qualidade da educação ofertada a essas pessoas.

Ao longo das décadas, os programas, seminários e fóruns educacionais,

discutiram questões referentes à adequação do currículo, do material didático, da

formação inicial e continuada de professores, sem, efetivamente, resolver o

problema. Portanto, ao mesmo tempo em que observamos uma preocupação com

essa modalidade de ensino, no que tange à especificidade desses alunos jovens

e adultos, atrelado a esse fato, encontramos também a preocupação com uma

mão de obra qualificada que atenda a esses alunos. Nessa perspectiva, Arroyo

(2006) considera que

O foco para se definir uma política para a educação de jovens e adultos e

para a formação do educador da EJA deveria ser um projeto de formação

que colocasse a ênfase para que os profissionais conhecessem bem quem

são esses jovens e adultos, como se constroem como jovem e adulto e

qual a historia da construção desses jovens e adultos populares.

(ARROYO, 2006, p. 25)

Desse modo, consideramos que, ao longo da trajetória da EJA, embora

possamos encontrar avanços em diversos aspectos no caminho percorrido, a

princípio poucos são os olhares lançados para o fazer dos educadores e, somente

a partir dos últimos anos, encontramos uma ênfase relacionada com a formação

docente. Ao se pensar em uma política pública para o público jovem e adulto, é

necessário, além de conhecer o perfil desses alunos que compõem a EJA, pensar

na formação dos professores e de seus formadores, que passam a ser

compreendidos como agentes de mudança, que dispõem de autonomia frente à

prática pedagógica, e não pode ficar, conforme apontam os estudos ministrados,

em caráter de voluntariado, ou a cargo de qualquer pessoa.

Desse modo consideramos que a escolarização de Jovens e Adultos deve

ser tratada não apenas numa perspectiva quantitativa, mas também

qualitativamente.

No próximo capítulo, iremos discorrer sobre as especificidades da EJA no

tocante à formação docente, apoiando-nos em algumas ideias de Maria da

Conceição R. Fonseca (2007), Maurice Tardif (2006), Marta Kohl de Oliveira

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(1999) e da Proposta Curricular para a Educação de Jovens e Adultos. No tocante

às especificidades em relação ao ensino de Matemática, com relação aos

objetivos gerais do ensino dessa disciplina para a EJA, evidenciamos as

considerações da Proposta Curricular para a Educação de Jovens e Adultos,

segundo segmento. Em relação à organização curricular, utilizamos estudos de

Célia Pires (2000) e Nilson Machado (1995) e, quanto aos critérios para a escolha

de contextos Matemáticos, apoiamo-nos nos estudos sobre cenários de

investigação e ambientes de aprendizagem do professor e pesquisador

dinamarquês Ole Skovsmose (2010).

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58

CCAAPPÍÍTTUULLOO 22

ESPECIFICIDADES DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E

ADULTOS

Quando nos colocamos perante a pergunta: “Por que ensinar

Matemática?”, uma série de considerações, muitas vezes de

caráter filosófico, se apresenta e discussões de valores tendem

a dominar o questionamento, gerando muitas vezes acirradas

discussões. Do mesmo modo e diretamente ligada à primeira

pergunta, podemos colocar o questionamento: “Como ensinar

matemática”?” É claro, a resposta à primeira pergunta vai

condicionar a segunda, que nada mais é do que a formulação

de estratégias para se atingir os objetivos concordados.

(D’Ambrósio, 1996, p. 63)

Neste capítulo, após compreender a trajetória da EJA no Brasil e seus

imensos desafios, procuraremos nos aproximar da reflexão de um ponto crucial

nessa modalidade de ensino, que é a formação de professores que deveriam

levar em conta as especificidades da EJA.

Evidentemente, os debates que cercam a importância da formação do

professor da EJA, por várias vezes coincidem com aqueles vividos por

professores de Matemática. Entretanto, devemos considerar algumas

especificidades relacionadas a esta disciplina.

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59

Focalizaremos, ainda nesse capítulo, as especificidades dos currículos

para a EJA, no caso dos currículos de Matemática.

2.1 A especificidade da Educação de Jovens e Adultos no tocante à

Formação Docente

A escolarização dos jovens e adultos que tiveram negado o acesso ou sua

permanência no sistema formal de ensino, em idade própria, constitui um desafio

não apenas para o Governo, mas para a sociedade como um todo. Se por um

lado encontramos questões de ordem quantitativa, referentes a um percentual

expressivo da população ainda não alfabetizada, de outro lado temos as questões

de ordem qualitativa.

Quanto à qualidade na educação ofertada a esse público de jovens e

adultos, questiona-se a adequação do currículo, do material didático, da

metodologia, os modos de avaliação e, sobretudo, da formação inicial e

continuada de professores, Considerando que esses alunos têm um perfil

diferente dos alunos atendidos na modalidade de ensino regular, pois são

indivíduos com história de vida marcada pela exclusão, Oliveira (1999) salienta

que

Embora nos falte uma boa psicologia do adulto e a construção de tal

psicologia esteja, necessariamente, fortemente atrelada a fatores culturais,

podemos arrolar algumas características dessa etapa da vida que

distinguiriam, de maneira geral, o adulto da criança e do adolescente. O

adulto está inserido no mundo do trabalho e das relações interpessoais de

um modo diferente daquele da criança e do adolescente. Traz consigo

uma história mais longa (e provavelmente mais complexa) de

experiências, conhecimentos acumulados e reflexões sobre o mundo

externo, sobre si mesmo e sobre as outras pessoas. Com relação à

inserção em situações de aprendizagem, essas peculiaridades da etapa de

vida em que se encontra o adulto fazem com que ele traga consigo

diferentes habilidades e dificuldades (em comparação com a criança) e,

provavelmente, maior capacidade de reflexão sobre o conhecimento e

sobre seus próprios processos de aprendizagem. (p. 60-61)

Ao considerar a especificidade desse público, é preciso que o professor

esteja atento para não encarar essas especificidades como algo negativo, mas

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entendê-las e respeitá-las, estimulando e valorizando seus saberes, possibilitando

que esses alunos façam conexão entre os conhecimentos e saberes já

aprendidos. No processo de aprendizagem, Tardif (2006) considera que os alunos

devem tornar-se “os atores de sua própria aprendizagem, pois ninguém pode

aprender em lugar deles. Transformar os alunos em atores, isto é, em parceiros

da interação pedagógica, parece-nos ser a tarefa em torno da qual se articulam e

ganham sentido todos os saberes do professor.” (p. 221).

Nessa perspectiva, é fundamental o acolhimento desses jovens e adultos

em um trabalho de resgate de sua autoestima e da conscientização de sua

identidade por meio da valorização de suas origens. Nesse contexto, a Proposta

Curricular para Educação de Jovens e Adultos, considera que

Contribuir para o processo de acolhimento dos alunos da EJA não é tarefa

simples, pois envolve lidar com emoções, motivações, valores e atitudes,

responsabilidades e compromissos. O acolhimento ao aluno envolve tanto

a valorização dos conhecimentos e da forma de expressão de cada um

como seu processo de socialização, levando em conta, nas situações de

ensino e aprendizagem, dúvidas e inquietações, realidades socioculturais,

jornada de trabalho e condições emocionais decorrentes da exclusão

escolar. Para regressar à escola, jovens e adultos têm de romper barreiras

preconceituosas, geralmente transpostas em função de um grande desejo

de aprender. Assim, essa disposição para a aprendizagem precisa ser

alimentada por uma prática pedagógica que garanta condições para que

prevaleça uma atitude positiva diante dos estudos. Nesse contexto, um

aspecto importante refere-se à proposição de um ensino comprometido

com a aprendizagem, que considere a situação real dos alunos, dando

sentido e plenitude humana à sua existência, respondendo a problemas de

seu dia a dia e também para sua atuação mais ampla. (BRASIL, 2002a, p.

88)

Portanto, o atendimento a esse público tão heterogêneo e diversificado

culturalmente, pressupõe que o educador dessa modalidade tenha consciência de

sua importância no desenvolvimento desses educandos.

Tardif (2006) considera que o professor possui uma posição fundamental,

pois é ele quem “constrói seu espaço pedagógico de trabalho de acordo com

limitações complexas que só ele pode assumir e resolver de maneira cotidiana

apoiada necessariamente em uma visão de mundo, de homem e de sociedade.”

(p. 149). Nesse sentido, o autor (2006) considera que os professores são atores

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competentes, sujeitos do conhecimento, e que a sua subjetividade precisa estar

no centro das investigações.

Para compreender a natureza do ensino, é absolutamente necessário levar

em conta a subjetividade dos atores em atividade, isto é, a subjetividade

dos próprios professores. Ora um professor de profissão não é somente

alguém que aplica conhecimentos produzidos por outros, não é somente

um agente determinado por mecanismos sociais: é um ator no sentido

forte do termo, isto é, um sujeito que assume sua prática a partir do

significado que ele mesmo lhe dá, um sujeito que possui conhecimento e

um saber-fazer proveniente de sua própria atividade e a partir dos quais

ele a estrutura e a orienta. (TARDIF, 2006, p. 230).

Considerando o papel do professor, Fonseca (2007) observa três valores

que julga fundamentais para a participação do professor na Educação Matemática

de jovens e adultos: honestidade, compromisso e entusiasmo. Tais valores, no

entanto, remetem a três dimensões da formação desse educador: sua intimidade

com a Matemática, sua sensibilidade para as especificidades da vida adulta e sua

consciência política.

Sobre a intimidade com a Matemática, a autora considera a relação do

educador com o conhecimento matemático. Enfatiza que, embora o professor

considere o conhecimento matemático informal, ainda há uma carência referente

a aspectos como o acolhimento, negociação, “quando a situação demanda que

criem, estimulem e/ou organizem espaços de (re)significação desse

conhecimento” (FONSECA, 2007, p. 56); considera, portanto, que é a “intimidade

com o conhecimento matemático que o proverá de recursos para que tais

proposição, negociação e desempenho sejam um reflexo da perspectiva ética e

política pela qual ele se assume como educador matemático de jovens e

adultos”(FONSECA, 2007, p. 57).

Desse modo, é fundamental que o professor conheça os conteúdos e os

procedimentos matemáticos, estabelecendo mesmo uma relação de intimidade, o

que contribui para que ele acompanhe a trajetória de construção de conhecimento

dos seus alunos. Quanto aos programas e propostas de formação docente,

Fonseca (2007), considera a importância no desenvolvimento de habilidades da

leitura. No entender dessa autora,

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A contribuição do conhecimento da Matemática dar-se á não apenas pelo

acesso a um vocabulário específico, cada vez mais frequente nas diversas

instancias da vida social, mas também pelo provimento de modos de

tratamento, organização e registro da informação, que orientam e

sugerem critérios para o julgamento e o enfrentamento de questões

diversas da vida moderna, em seus apelos funcionais, e da vida humana,

em suas indagações arquetípicas. (FONSECA, 2007, p. 59-60)

Em relação à sensibilidade para as especificidades da vida adulta, Fonseca

(2007) considera importante que o professor conheça o seu aluno, não apenas

como indivíduo, mas também como grupo social. Em relação à seleção e critérios

que possibilitem o diagnóstico desses alunos, assinala ser necessário efetuar

registros de informação, consultá-los, socializar com os demais professores e

refletir sobre os dados encontrados.

Em relação ao papel ético e político da ação educativa, Fonseca (2007)

considera que o educador deve entender a EJA como sendo um direito do

cidadão, uma necessidade da sociedade e uma possibilidade de realização da

pessoa como sujeito de conhecimento. Desse modo, a autora considera que

todos que estão inseridos na sociedade devem lutar, não apenas pelo acesso à

escolarização, mas por uma educação de qualidade, sendo que

É também do campo da ética e da cidadania a preocupação com a própria

formação profissional e a consciência de sua repercussão na prática

pedagógica, como atitude de respeito para com os alunos que têm direito

a uma Educação de boa qualidade, para com o projeto pedagógico que

requer ações conscientes e eficazes, e para consigo mesmo, inserindo-se

num processo amplo de formação humana que envolve todos os atores

dos processos de ensino-aprendizagem no âmbito escolar. (FONSECA,

2007, p. 64)

2.2 A especificidade da Educação de Jovens e Adultos no tocante ao

Ensino da Matemática

Segundo a Proposta Curricular para a Educação de Jovens e Adultos,

A matemática compõe-se de um conjunto de conceitos e procedimentos

que englobam métodos de investigação e raciocínio, formas de

representação e comunicação – ou seja, abrange tanto os modos próprios

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de indagar sobre o mundo, organizá-lo, compreendê-lo e nele atuar,

quanto o conhecimento gerado nesses processos de interação entre o

homem e os contextos naturais, sociais e culturais. Ela é uma ciência

viva, quer no cotidiano dos cidadãos quer nos centros de pesquisas, nos

quais se elaboram novos conhecimentos que têm sido instrumentos úteis

para solucionar problemas científicos e tecnológicos em diferentes áreas

do conhecimento. (BRASIL, 2002b, p. 12)

No entanto, a Matemática, muitas vezes, provoca sensações contraditórias.

Se, por um lado é uma área de conhecimento importante, que possibilita a

resolução de problemas da vida cotidiana, interagindo com os processos sociais e

culturais, de outro lado podemos encontrar uma certa insatisfação perante os

resultados negativos obtidos em relação à sua aprendizagem, sendo-lhe

atribuída, não poucas vezes, a responsabilidade pelo fracasso escolar de jovens e

adultos.

Desse modo, o baixo desempenho em Matemática, acaba por elevar os

índices de retenção, separando os alunos que terão condições de avançar ou não

na Educação Básica; portanto, ao considerarmos este processo como sendo de

exclusão, corroboramos com o PCN quando afirma que “o insucesso na

aprendizagem matemática tem tido papel destacado e determina a frequente

atitude de distanciamento, temor e rejeição em relação a essa disciplina, que

parece aos alunos inacessível e sem sentido”. (BRASIL, 2002b, p. 13)

No que concerne aos alunos da EJA, é necessário que sejam considerados

os aspectos de seu mundo e respeitando suas vivências, o que pode servir como

fator enriquecedor dentro de uma abordagem escolar, pois, ao expor os

conhecimentos informais que esses alunos têm sobre um determinado assunto, e

que geralmente faz parte de seu cotidiano, poderá formular questionamentos e

confrontar com as possibilidades encontradas. Portanto, as conexões que este

aluno faz, podem constituir um importante ponto de partida para a aprendizagem

Matemática.

Em relação aos objetivos gerais do ensino de Matemática para a EJA,

evidenciamos que a Proposta Curricular para a Educação de Jovens e Adultos

apresenta os mesmos objetivos gerais do Ensino Fundamental e afirma que

“definir com precisão os objetivos do ensino de Matemática é condição necessária

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para realizar a seleção e a organização de conteúdos e das estratégias didáticas

mais adequadas”. (BRASIL, 2002b, p. 17)

De fato, os objetivos do Ensino Fundamental são os mesmos objetivos

propostos para a EJA, pois se trata dos objetivos gerais do ensino da Matemática.

No entanto, à medida que apresenta os objetivos gerais, a proposta faz menção

às necessidades específicas da EJA. Vejamos agora os objetivos e as

especificidades relacionadas à EJA

• Identificar os conhecimentos matemáticos como meios para

compreender e transformar o mundo à sua volta e perceber o caráter de

jogo intelectual, característico da Matemática, como aspecto que

estimula o interesse, a curiosidade, o espírito de investigação e o

desenvolvimento da capacidade para resolver problemas.

Em relação aos alunos da EJA, a Proposta Curricular para a Educação de

Jovens e Adultos, afirma ser necessário que eles percebam a praticidade da

Matemática, e que essa disciplina possibilita a resolução de seus problemas do

cotidiano, momento em que passam a exercer plenamente sua cidadania.

• Fazer observações sistemáticas de aspectos quantitativos e qualitativos

da realidade, estabelecendo inter-relações entre eles, utilizando o

conhecimento matemático (aritmético, geométrico, métrico, algébrico,

estatístico, combinatório, probabilístico).

No que concerne à EJA, a proposta orienta que deve haver uma

articulação entre as atividades e as experiências matemáticas que serão

desenvolvidas pelos alunos de seu curso.

• Selecionar, organizar e produzir informações relevantes, para interpretá-

las e avaliá-las criticamente.

Em especial, no trabalho com alunos da EJA, a seleção e a organização de

informações se configura um importante trabalho. Com a gama de informações

presente no mundo, é necessário o indivíduo saber posicionar-se e tomar

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decisões, e a Matemática oferece ferramentas para isso, sendo importante que o

professor, ao planejar seu trabalho, priorize esses aspectos.

• Resolver situações-problema, sabendo validar estratégias e resultados,

desenvolvendo formas de raciocínio e processos, como intuição,

indução, dedução, analogia e estimativa, utilizando conceitos e

procedimentos matemáticos, bem como instrumentos tecnológicos

disponíveis.

Muitas vezes, a Matemática é ensinada de um modo mecânico, por meio

de fórmulas, ou regras prontas, o que é entendido como um empobrecimento em

termos de oportunizar que os alunos utilizem o raciocínio para chegar à

determinada solução de um problemas proposto; em relação aos alunos da EJA,

a proposta sinaliza ser necessário que eles não ocupem uma posição passiva, de

mero reprodutor de conhecimento. Portanto, é imprescindível que o ensino de

Matemática estimule o aluno da EJA, mas em momento algum se deve confundir

facilitação com infantilização, visto tratar-se de um alunado que possui

experiências próprias de seu mundo vida.

• Comunicar-se matematicamente, ou seja, descrever, representar e

apresentar resultados com precisão e argumentar sobre suas

conjecturas, fazendo uso da linguagem oral e estabelecendo relações

entre ela e diferentes representações matemáticas.

É fundamental que o aluno da EJA seja estimulado a escrever, buscando

relações entre esta linguagem e as representações matemáticas, justificando

suas hipóteses e conclusões.

• Estabelecer conexões entre temas matemáticos de diferentes campos, e

entre esses temas e conhecimentos de outras áreas curriculares.

Em relação às conexões entre os temas matemáticos e o conhecimento de

outras áreas curriculares, este possibilita uma conexão com a realidade do aluno,

e possibilita a otimização do tempo, que é muito reduzido na EJA.

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• Sentir-se seguro da própria capacidade de construir conhecimentos

matemáticos, desenvolvendo a autoestima e a perseverança na busca

de soluções.

É fundamental que o ensino de Matemática estimule o aluno de EJA a pôr

em ação sua capacidade de resolver problemas, de raciocinar, como faz em seu

dia a dia

• Interagir com seus pares de forma cooperativa, trabalhando

coletivamente na busca de soluções para problemas propostos,

identificando aspectos consensuais ou não na discussão de um assunto,

respeitando o modo de pensar dos colegas e aprendendo com eles.

Na busca de soluções dos problemas, os alunos podem interagir com seus

pares; ao mesmo tempo em que aprendem, podem também ensinar, portanto, a

Matemática fornece um importante instrumento ao estabelecer inter-relações

quantitativas e qualitativas da realidade na qual este aluno está inserido. Em

relação ao uso da linguagem oral, salienta ser importante que os alunos sejam

estimulados a escrever, relacionando a linguagem com as representações

matemáticas, relatando conclusões e justificando suas hipóteses.

Quanto à seleção e organização de informações relevantes, se

considerarmos a imensa gama de informações presentes no mundo de hoje, é

interessante que o indivíduo saiba se posicionar, relacionando o que lhe é

relevante e posicionando-se, nos diversos campos da vida. Nesse sentido, a

Matemática dispõe de diversas ferramentas que devem ser priorizadas no

trabalho planejado pelo professor. Nesse processo o professor atua como

mediador e orientador dessas orientações, pois muitas vezes cabe a ele a tarefa

selecionar e organizar os conteúdos aos alunos.

Desse modo, considerando a heterogeneidade dos alunos da EJA, frente à

seleção dos conteúdos, Fonseca (2007) considera que

A heterogeneidade das experiências dos alunos e sua riqueza em termos

qualitativos e valorizados nos obrigam a questionar os mitos dessa

natureza, buscado compreendê-los em sua dimensão cultural e política

para podermos enfrentar, ainda que sem a pretensão de chegarmos a um

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consenso, mas com a relativa autonomia, a questão da seleção, dentre os

conteúdos e procedimentos propostos para o ensino da matemática

escolar, daquilo que seria essencial, interessante, significativo para o

processo de construção do conhecimento matemático de nossos alunos e

a questão de como tal seleção se atrelaria (ou não) à contextualização de

seu ensino para essas pessoas jovens e adultas, em particular, como uma

contribuição para expandir e diversificar suas práticas de leitura. (p. 67)

No entanto, embora a seleção dos conteúdos seja importante no processo

de construção do conhecimento matemático, a Proposta Curricular para a

Educação de Jovens e Adultos assevera que, muitas vezes, alguns conteúdos

são ministrados em caráter de abreviação, ou também, excluídos, com o

argumento de que “não fazem parte da realidade dos alunos, ou não têm uma

aplicação prática imediata” (BRASIL, 2002b, p. 23) e, com relação à organização

dos conteúdos, encontramos a afirmação de que

De modo geral, os professores organizam os conteúdos de Matemática

para os alunos jovens e adultos de forma hierarquizada, reproduzindo

uma ideia segundo a qual cada conteúdo é um elo de uma corrente, um

pré-requisito para o que vai sucedê-lo. Sabe-se, por um lado, que alguns

conhecimentos precedem outros, e que a maneira de organizar os

conteúdos indica um certo percurso; mas sabe-se também que eles não se

subordinam uns aos outros com amarras tão fortes como as que

comumente se supõe. Nessa perspectiva, a opção em geral não é

orientada pela identificação dos conteúdos que seriam [essenciais],

voltando-se para aqueles que constituem os chamados [pré-requisitos]

para o desenvolvimento de outros. Com isso, ficam esquecidos muitos

temas que poderiam ser mais importantes para os jovens e adultos, tendo

em vista suas necessidades e curiosidades, assim como seus percursos

escolares e vivenciais. (BRASIL, 2002b, p. 25)

Nessa perspectiva, propõe-se que o currículo vença a concepção da

linearidade, ao que, particularmente, em relação ao ensino da Matemática,

Fonseca (2007) assevera que a discussão das concepções de Matemática pode

nos auxiliar na compreensão de alguns mitos fortemente estabelecidos na

Matemática Escolar, como o da linearidade com que se deve apresentar o

conteúdo matemático aos alunos, ou o da necessidade de vencer completamente

uma etapa para passar à subsequente, ou o da estabilidade e da obrigatoriedade

do cumprimento do programa, ou o da clareza inequívoca com a qual se pode

definir o que é errado, em Matemática. (FONSECA, 2007, p. 18)

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2.3 Organização do Currículo

A organização dos conteúdos com base em uma concepção linear é

apoiada na ideia da necessidade de pré-requisitos, na qual um “conteúdo serve

de base para o que vem em seguida, embora nem sempre se faça uma relação

entre eles, dando ao aluno a impressão de que cada um deles nada tem a ver

com os anteriores” (BRASIL, 2002a, p. 126).

Figura 1: Organização Linear (BRASIL, 2002a, p. 126)

Pires (2000) expõe que a organização dos currículos de Matemática possui

a presença marcante da linearidade e da acumulação, sendo esta representada

“ora pela sucessão de conteúdos que devem ser dados numa certa ordem, ora

pela definição de pré-requisitos” (p. 66). Desse modo, acredita-se que o

conhecimento é passível de acumulação, sendo necessário que as informações

sejam dominadas antes de se ter acesso a outros conceitos.

Desse modo, a autora corrobora as ideias de Machado, quando esse autor

afirma que

De fato, internamente e no planejamento curricular, a forma de

organização linear é amplamente predominante na organização do

trabalho escolar, comprometendo-se muitas vezes desnecessariamente

com uma fixação relativamente arbitrária de pré-requisitos e com uma

seriação excessivamente rígida, que responde em grande parte pelos

números inaceitáveis associados à repetência e à evasão escolares. De um

modo geral, a organização linear perpassa o conjunto das disciplinas

escolares, embora seja especialmente aguda associação no caso da

Matemática. Aqui, talvez em consequência de uma direta entre

linearidade e formalismo, entendido como a organização dos conteúdos

curriculares sob a forma explícita ou disfarçada de teorias formais, parece

certo e indiscutível que existe uma ordem necessária para a apresentação

dos assuntos, sendo a ruptura da cadeia fatal para a aprendizagem.

(MACHADO, 1995, p. 188).

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Portanto, a linearidade acerca da apresentação dos conteúdos requer um

encadeamento lógico e sequencial, e que, obrigatoriamente, requer pré-requisitos

por parte do educando, para o estudo de outros conteúdos na sequência

curricular. Pires (2000) expõe que

[...] nos currículos atuais, a ruptura da cadeia ainda parece ser algo fatal

para a aprendizagem. Marcos temáticos são fixados e devem ser

percorridos sequencialmente; é um caminho cujo percurso é composto de

passos, cuja lei de sucessão é ir do mais simples para o mais complexo

(ás vezes entendida como ir do mais concreto para o mais abstrato). Ao

desenvolverem seu trabalho em sala de aula, tanto os elaboradores de

currículo de Matemática quanto os professores se empenham em

organizá-lo segundo uma “estrutura” lógica, linear: cada assunto (capitulo

ou unidade) supõe conhecidos assuntos precedentes. Isso lhes parece

absolutamente natural em se tratando de uma disciplina científica e essa

suposta linearidade da aprendizagem acaba por descartar qualquer

possibilidade de um trabalho autônomo por parte do aluno (p. 67).

Portanto, podemos inferir que, intrínseca à linearidade, está a ideia de

acumulação, em que é sempre necessário um pré-requisito para passar para a

etapa posterior.

Em contraposição ao modelo linear, encontramos à ideia de uma nova

organização curricular para o ensino de Matemática, que superando o mito da

linearidade e acumulação propõe a organização em rede. Na organização dos

conteúdos em rede, o desenho curricular é composto por uma pluralidade de

pontos interligados por ramificações e caminhos, como podemos observar na

figura abaixo.

Figura2: Organização em Rede (BRASIL, 2002a, p. 126).

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Nessa perspectiva, Pires (2000) considera que

No campo cognitivo, a ideia de rede comparece cada vez que se pretende

demonstrar que a compreensão do tema é construída por meio de

múltiplas relações, que podem ser estabelecidas entre ele e outros temas,

estejam ou não as fontes de relação no âmbito de uma dada disciplina.

Nesse contexto, o conhecimento é apresentado como uma rede cujos

pontos vão se construindo em varias direções, em vários sentidos, cuja

formação se altera e se reestrutura praticamente a cada vez que um

“ponto” é incorporado a ela; é um sistema, enfim, que passa por

momentos de caos e de alguma estabilidade. (PIRES, 2000, p. 117, grifo

nosso)

A organização do currículo em rede propicia que a aprendizagem seja

significativa ao aluno, pois, ao fazer conexões, amplia seu universo cognitivo,

mediando o seu contato com a realidade de forma crítica e dinâmica. Em relação

à educação de jovens e adultos, “uma organização de conteúdos em rede, além

de propiciar uma abordagem desse tipo, permite também a otimização do tempo

disponível e o tratamento, de forma equilibrada, dos diferentes campos

matemáticos. (BRASIL, 2002b, p. 25)

A Proposta Curricular para a Educação de Jovens e Adultos considera que

A ideia subjacente é de que a aprendizagem de Matemática está ligada à

compreensão, isto é, à atribuição e à apreensão de significado. E

apreender o significado de um objeto ou acontecimento pressupõe

identificar suas relações com outros objetos e acontecimentos. Isto significa que o tratamento dos conteúdos em compartimentos estanques, numa rígida sucessão linear, deve dar lugar a uma abordagem em que as conexões sejam favorecidas e destacadas. (BRASIL, 2002b, p. 25, grifo nosso)

Considerando o caminho que o aluno percorre na construção de seu saber,

Pires (2000) com base na caracterização de Douady, faz uma comparação entre

o saber matemático e o saber a ser ensinado em Matemática.

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Quadro 1. Saber matemático e saber a ser ensinado em Matemática

O saber matemático O saber a ser ensinado em Matemática

O saber matemático é despersonalizado, descontextualizado (em termos das publicações), ordenado pelos problemas encontrados (ao nível do conhecimento dos pesquisadores), sincretizado (os saberes são ligados uns aos outros, sempre ao nível do saber dos pesquisadores.

O saber a ser ensinado em matemática é ordenado numa progressão de tempo; essa progressão é legal (definida pelos programas – há um tempo legal de aprendizagem) e lógica (o curso de Matemática se esforça por progredir segundo uma estrutura lógica, linear); por certo, a linearidade da aprendizagem torna o trabalho autônomo impossível.

No saber matemático, a progressão é comandada pelo encadeamento dos problemas sucessivamente resolvidos, ou seja, os problemas são o motor da evolução. O saber matemático é não linear.

No saber a ser ensinado em Matemática, ao contrário, há uma progressão no tempo a partir de uma contradição velho / novo; um capítulo elimina o outro e, no limite, o curso evacua completamente os problemas e progride linearmente em direção ao conhecimento.

Na fabricação do texto do saber a ser ensinado, o trabalho de transposição didática conduz a uma desintrincação do saber matemático: o objeto do saber é extraído de um campo de problemas a que estava ligado, como também das técnicas às quais estava associado.

Nos textos escolares, os objetos de ensino são introduzidos explicitamente por uma definição, seguida de uma lista de suas propriedades, que são objeto de demonstração a partir de um certo nível de escolaridade e, depois, vem o estudo sistemático de situações de emprego pelo aluno (aplicações). Assim, o que constituía o “entorno do objeto” é substituído por aquilo que vem antes (capítulo precedente) e pelo que vem depois (capítulo seguinte).

Fonte: (Pires, 2000, p. 164).

Com base nessas caracterizações, enquanto o saber matemático é não

linear, o saber a ser ensinado em Matemática é caracterizado pela linearidade, e

assim vem sendo praticado por vários anos. Desse modo, Pires assevera que “a

questão que se coloca é se esse processo deve ocorrer, necessariamente, dessa

maneira. Ao que tudo indica, a resposta é negativa e os fracassos acumulados

estão aí para apoiar essa convicção” (p. 164).

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Desse modo, ao entendermos que o currículo incorpora as transformações

sociais, políticas, científicas e culturais, a ideia do currículo em rede possibilita a

articulação das disciplinas no currículo, evidenciando que a concepção de

conhecimentos em uma rede de significados é imprescindível para o bom

andamento do processo.

2.4 Critérios para a escolha do contexto Matemático

Em estudos sobre cenários de investigação e ambientes de aprendizagem,

Skovsmose (2010) faz referência aos estudos de Tony Cotton22. Em suas

observações de salas de aula, Cotton (1998) identificou que a aula de Matemática

é dividida em duas partes: na primeira parte, o professor expõe suas ideias e

técnicas referentes à disciplina; refere-se, portanto, à exposição do conteúdo. Na

segunda parte, os alunos trabalham com os exercícios propostos. Cotton (1998),

também explicita que algumas aulas são expositivas, e em outras os alunos

passam grande parte da aula, envolvidos com a resolução dos exercícios. O autor

também salienta que, como condição tradicional, configura-se o livro didático.

Nesse contexto, Skovsmose (2010) considera que a Educação Matemática

se enquadra no paradigma do exercício, que possui a premissa central de que

existe uma, e somente uma, resposta correta para questões, desafios e

problemas. No entanto, contrapondo-se a esse paradigma, o autor propõe uma

abordagem de investigação que se relaciona com a educação matemática crítica,

no desenvolvimento da materacia.

Esse modo de pensar relaciona-se com a literacia do educador Paulo

Freire. Para Skovsmose (2010) “a materacia não se refere apenas às habilidades

matemáticas, mas também à competência de interpretar e agir numa situação

social e política estruturada pela matemática” (p. 16). Nesse contexto, o autor

considera que a educação matemática crítica deve ter uma dimensão democrática

“implicando que as microssociedades de salas de aulas de matemática devem

também mostrar aspectos de democracia” (SKOVSMOSE, 2010, p. 16). _____________ 22 COTTON, T. Towards a mathematics education for social justice. Tese (Doutorado), Nottingham University.

Nottingham, 1998.

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73

O autor considera que as práticas de sala de aula, baseadas em um

cenário para investigação, são aquelas em que o professor convida os alunos a

fazerem investigações, explorar, formular questões e tirar conclusões. Quando o

convite é aceito pelos alunos, estes se engajam no processo de exploração,

passam a ser os responsáveis pelo processo e, desse modo, instaura-se um

cenário para investigação.

Portanto, o professor desempenha um papel fundamental nesse processo,

considerando que uma mesma situação pode ser desenvolvida tanto por meio do

paradigma do exercício como pela da investigação, cabendo a ele mediar essa

situação de aprendizagem. No entanto, o autor ressalta que um mesmo cenário

de investigação pode não dar suporte para um outro grupo de alunos, mas esta

situação só pode ser respondida através da prática das interações de sala de aula

que envolve professores e alunos.

Nesse cenário de investigação, Skovsmose (2010) considera que existe

distinção nas práticas de sala de aula, baseado em investigação e exercício, e

considera que “a distinção entre elas tem a ver com as referências que visam

levar os estudantes a produzir significados para atividades e conceitos

matemáticos” (SKOVSMOSE, 2010, p. 22). Desse modo, o autor considera que

existem diferentes tipos de referência

Primeiro, questões e atividades matemáticas podem se referir à

matemática e somente a ela. Segundo, é possível se referir a uma

semirrealidade – não se trata de uma realidade que de fato observamos,

mas de uma realidade construída, por exemplo, por um autor de um livro

didático de matemática. Finalmente, alunos e professores podem

trabalhar tarefas com referências a situações da vida real.

(SKOVSMOSE, 2010, p. 22)

Para esse autor ao combinar a distinção entre os dois paradigmas de

práticas de sala de aula (exercícios e cenários para investigação), com os três

tipos de referência (referências à matemática pura; referência à semirrealidade e

referência à realidade), é possível obter uma matriz com seis tipos diferentes de

ambientes de aprendizagem.

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Quadro 2. Ambientes de aprendizagem

Exercícios Cenário para Investigação

Referências à Matemática

pura (1) (2)

Referências à

semirrealidade (3) (4)

Referências à realidade (5) (6)

Fonte: (Skovsmose, 2010, p. 23).

Os ambientes (1), (3) e (5) referem-se ao paradigma do exercício com

referência à Matemática pura, à semirrealidade e à realidade, respectivamente.

Os ambientes (2), (4) e (6) encontram-se no cenário para investigação. Vamos

agora tratar das especificidades de cada um deles.

O ambiente do tipo (1) é caracterizado por exercícios com referência à

Matemática pura. Nas atividades propostas predominam exercícios com utilização

de fórmulas, cujos enunciados são do tipo, calcule, resolva, efetue.

São exemplos desse ambiente:

1. (12 . 16) + (8 . 15) =

2. (16a + 12b) - (15a + 11b) + 6b =

O ambiente do tipo (2) estabelece um cenário de investigação em torno da

Matemática pura. Esse ambiente envolve números e figuras geométricas, o que

possibilita que o aluno investigue, argumente, explore. Um exemplo de uma

situação nesse ambiente seria: “A partir da figura proposta determine e enumere

quantos triângulos e quantos retângulos podemos encontrar”.

Figura 3. Triângulos e retângulos

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O ambiente de aprendizagem (3), envolve exercícios no contexto da

semirrealidade. A situação proposta situa-se em torno de uma realidade artificial,

portanto uma semi-irrealidade. Um exemplo de uma situação nesse ambiente é a

seguinte: Em uma loja 120 carrinhos são vendidos a R$ 5,00 cada um e em outra

loja são vendidos 100 carrinhos a R$ 4,00. Em qual loja o preço do carrinho é

mais barato? Para resolver essa atividade não é necessário fazer uma pesquisa

referente ao preço do carrinho em diferentes lojas, pois se trata de uma situação

artificial, na qual os dados podem ser inventados dentro de uma semirrealidade.

No entanto, o autor pondera que trabalhar com exercícios nesse ambiente

pressupõe uma convenção entre professor e aluno, entendendo que se trata de

uma situação artificial, portanto,

A semi-irrealidade é totalmente descrita pelo texto do exercício; nenhuma

outra informação é importante para a resolução do exercício; mais

informações são totalmente irrelevantes; o único propósito de apresentar

o exercício é resolvê-lo. Uma semirrealidade é um mundo sem

impressões dos sentidos [...] de modo que somente as quantidades

mensuradas são relevantes. (SKOVSMOSE, 2010, p. 25)

O ambiente de aprendizagem (4) convida os alunos a investigarem, permite

explorações e justificativas que podem gerar outras questões e estratégias de

solução. Reproduzimos aqui, uma situação que Skovsmose (2010) utiliza para

representar esse tipo de ambiente de aprendizagem.

Considerando uma “corrida de grandes cavalos”, a pista de corrida é

desenhada na lousa, e dois dados são jogados. De acordo com o valor da soma

que sai no dado, marca-se uma cruz.

Figura 4. O terreno da corrida de cavalos

X

X X X

X X X X X X X X

2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

Fonte: (SKOVSMOSE, 2010, p. 26).

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Ao observar a figura, percebemos que a soma 6 é a que aparece mais

vezes, em relação às demais, portanto o cavalo 6 é o vencedor, seguido pelos

cavalos 7 e 10. O autor sugere uma ampliação dessa atividade, à medida que

pode se propor que os alunos se dividam em “duas agências de apostadores

organizados na sala de aula, com um outro grupo de alunos controlando cada

agência. Um outro grupo de alunos seria o dos jogadores que fazem suas

apostas. Nesse contexto, a atividade se desenvolve dentro de uma semi-

irrealidade, e embora seja uma situação que possivelmente não faça parte do

cotidiano do aluno, este reconhece a sua existência.

O ambiente de aprendizagem (5) faz referencia à realidade, mas com

práticas voltadas ao paradigma do exercício. Desse modo os exercícios são

baseados na vida real, mas as questões que dele decorrem não são

investigativas. Nesse ambiente, podem ser elaboradas atividades que partam de

dados da vida real, podem ser utilizadas informações contidas em jornais,

folhetos, revistas, sites, utilização de gráficos. Desse modo, nesse ambiente, o

professor pode propor para que o aluno colete preços reais de um folheto de um

supermercado e, de posse das informações dos preços contidos nesse folheto,

calcular o custo unitário de alguns itens. Por exemplo, qual é o preço de um pote

de 1 quilo de geleia de morango se o preço de 350 gramas é R$ 6,50?

O ambiente do tipo (6) faz referência à realidade com foco na investigação.

Nesse ambiente, as atividades de investigação podem utilizar recursos

tecnológicos, como calculadoras, softwares, computador, e materiais

manipulativos. Os problemas são relacionados com o cotidiano dos alunos e

podem ser propostos como projetos. Nesse ambiente de aprendizagem, o

professor pode propor para que os alunos meçam alguns objetos da sala de aula,

como a porta, as carteiras, e calculem sua área, seu perímetro. Nessa

investigação, o conceito de área torna-se mais real, pois ao medir esses objetos,

os conceitos não se restringem apenas aos cálculos envolvidos, mas a objetos

reais.

Skovsmose (2010) considera que, tradicionalmente, as aulas de

Matemática acontecem no paradigma do exercício, e qualquer cenário de

investigação requer desafios para o professor e, desse modo,

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A solução não é voltar para a zona de conforto do paradigma do

exercício, mas ser hábil para atuar no novo ambiente. A tarefa é tornar

possível que alunos e professor sejam capazes de intervir em cooperação

dentro da zona de rico, fazendo dessa uma atividade produtiva e não uma

experiência ameaçadora, o que muitas vezes pressupõe assumir riscos.

(SKOVSMOSE, 2010, p. 37)

As ideias de Pires (2000) relativas à organização do currículo e os critérios

para a seleção de conteúdos de Skovsmose (2010), fundamentam nosso trabalho

e serviram de base na elaboração das categorias de análise.

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CCAAPPÍÍTTUULLOO 33

PERSPECTIVA DO CURRÍCULO DE MATEMÁTICA

O tema “Educação de pessoas jovens e adultas” não nos

remete a uma questão de especificidade etária, mas,

primordialmente, a uma questão de especificidade cultural. Isto

é, apesar do corte por idade (jovens e adultos são basicamente

“não crianças”), esse território da educação não diz respeito a

reflexões e ações educativas dirigidas a qualquer jovem ou

adulto, mas delimita um determinado grupo de pessoas

relativamente homogêneo no interior da diversidade de grupos

culturais da sociedade contemporânea. (OLIVEIRA, 1999:1)

Após apresentarmos alguns aspectos da trajetória da Educação de Jovens

e Adultos no Brasil e seus imensos desafios no campo das políticas sociais,

discorremos sobre a especificidade no tocante à formação docente e ao ensino de

Matemática, levando em conta as especificidades da Educação de Jovens e

Adultos.

Neste capítulo, iremos focalizar o currículo de Matemática sob uma

perspectiva cultural, pois entendemos que, ao nos referir ao tema Educação de

Jovens e Adultos, não devemos nos ater somente às questões específicas,

relativas à faixa etária, mas ir muito além disso, por se tratar de uma questão de

especificidade cultural.

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3.1 A Matemática em uma perspectiva cultural

Howson, Keitel e Kilpatrick (1981)23 realizaram uma análise dos processos

e dos conteúdos do desenvolvimento curricular matemático, na década de

setenta, as quais, no entender de Bishop (1999) têm sido muito úteis na busca de

uma representação apropriada do currículo para a enculturação matemática.

Nas análises, esses autores identificaram cinco maneiras diferentes de

abordar o currículo que estava representado por diversos projetos curriculares: o

enfoque conteudista, o enfoque das matemáticas modernas, o enfoque

estruturalista, o enfoque formativo e o enfoque do ensino integrado.

O enfoque conteudista está baseado nas teorias de Gagne, que considera

a aprendizagem como uma mudança de estado interior e que se manifesta

através da mudança de comportamento; procurava melhorar a aprendizagem

através da “análise de tarefas” de uma determinada área de conteúdos, visando a

uma aprendizagem sequencial.

O enfoque das Matemáticas Modernas caracteriza a Matemática

reorganizada para destacar considerações estruturais apresentando uma

linguagem uniforme. O princípio de Bourbaki – a dedução de conteúdos a partir

de axiomas – ocupa um lugar em destaque no ensino dessa disciplina.

O enfoque estruturalista tem como agente teórico Bruner e Dienes,

segundo as quais, nos processos de promoção da aprendizagem torna-se

apropriada a estrutura das ciências. Para Bishop, a estrutura interna da

Matemática não deveria determinar, por si só, a natureza do currículo.

O enfoque formativo está baseado nas teorias de Piaget, apresentando

dois pressupostos: o primeiro, o de que a educação escolar visa dotar o aluno de

um conjunto básico de capacidades cognitivas, atitudes afetivas e motivação, e o

segundo, o de que estes fatores podem ser descritos em função de traços da

personalidade do aluno. Esse enfoque tem por objetivo a iniciação dos processos

de aprendizagem, sem, no entanto determiná-los.

_____________ 23 HOWSON, A. G.; KEITEL, C y KILPRATICK, J. Curriculum Development in Mathematics. Cambridge:

University Press, 1981.

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O enfoque do ensino integrado desenvolveu-se sobre a mesma base

cognitivo-teórica do enfoque formativo, mas considerando, além dos métodos

empregados, também os conteúdos. Enfatiza uma flexibilidade nas unidades de

currículo, de modo que os próprios alunos possam controlar o processo de

resolução de problemas e, consequentemente, a evolução do processo da

aprendizagem, Além de um programa, o currículo deve incluir objetivos,

conteúdos, métodos e procedimentos de evolução.

Bishop (1999) considera uma sexta abordagem em relação aos cinco

enfoques caracterizados por Howson, Keitel e Kilpatrick – o enfoque cultural do

currículo de Matemática.

No entender desse autor, o comportamento de um grupo determina sua

cultura, e esse grupo, ao interagir com diferentes grupos, troca e compartilha

experiências e conhecimentos. Esse contato entre diferentes culturas contribui

para promover o crescimento cultural; portanto, o currículo, numa perspectiva

cultural, enfatiza a necessidade de se explicitarem os valores da Matemática nos

currículos, buscando relacionar as pessoas e sua cultura matemática.

Nessa abordagem cultural, para tornar possível o estudo da iniciação

cultural, Bishop (1988, 1999) expõe ser importante distinguir os diferentes

subgrupos existentes, em função de sua relação com a cultura Matemática e,

para isso, utiliza-se de três níveis de cultura distinguidos por Davis (1973)24: o

nível técnico, o nível informal e o nível formal.

O nível técnico da Matemática inclui todo o conjunto de símbolos e

argumentações utilizadas por matemáticos em suas investigações. Nesse nível

“se genera la multitud de técnicas y conceptos Matemáticos especializados que,

se supone, representam un avance Del conocimiento”25 (BISHOP, 1999, p. 116).

O nível informal da Matemática inclui o emprego das simbolizações e

conceitualizações da Matemática de um modo implícito e impreciso. Bishop

_____________ 24 DAVIES, I. Knowledge, Education and Power. In: BROWN, R. (Org.). Knowledge, Education and Cultural

Change. Londres: Tavistock: 1973, p. 317-338. 25 gera uma multiplicidade de conceitos matemáticos especializados e técnicas que, supostamente,

representam um avanço no conhecimento(tradução nossa)

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(1999) expõe que a participação nesse nível acontece, em sua maior parte, de um

modo inconsciente,

por ejemplo, em una “conversación ordinária” em el nível informal, se

usarán expressiones como “siempre”, “nunca”, “igual que”, pero

normalmente no tendrán lós significados precisos que tienen em lãs

Matemáticas, y lãs técnicas aritméticas rápidas que emplean, por ejemplo,

lós vendedores ambulantes, se deriván del simbolismo o la tecnologia

actual, pero no tendrán ningún poder de generalización más allá del

contexto específico26

. (p. 115)

O nível formal da Matemática emprega, em contraposição ao nível informal,

o uso das simbolizações e conceitualizações de um modo intencional, consciente

e explícito. Nesse nível, os valores são aceitos e respaldados, portanto Bishop

entende ser o nível formal o mais importante.

Em relação à Educação Matemática de pessoas jovens e adultas,

consideramos que a aquisição do conhecimento matemático não se inicia apenas

quando ingressam no processo formal de ensino, mas decorre de experiências

vivenciadas ao longo de sua trajetória de vida. Desse modo, os valores e as

normas culturais existentes dentro dos diferentes grupos entram em contato,

sendo necessário que o currículo de Matemática considere, além do contato entre

eles, o conflito oriundo da cultura formal e informal da Matemática. Nessa

perspectiva da Matemática como fenômeno cultural, Bishop (1999) propõe a

“Enculturação Matemática”.

3.2 O Currículo em uma perspectiva enculturadora

Os valores e as normas culturais são representados pelos que vivem e

nascem dentro de uma determinada cultura, podendo ser “representados por

personas, ya sea como individuos o como productos personales (escritos,

_____________ 26 Por exemplo, em uma "conversação ordinária" em nível informal, será usado expressões como "sempre"

nunca”, “igual que”, mas geralmente não possuem os significados precisos que têm as Matemáticas, e as técnicas aritméticas rápidas que utilizam, por exemplo, os vendedores ambulantes, são derivados do simbolismo da tecnologia atual, mas não têm nenhum poder de generalização além do contexto específico.(tradução nossa)

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artefactos, instituciones, etc.)”27 (Bishop, 1999, p. 118), sendo transmitida para

outras gerações.

Na escola, a aprendizagem cultural é um processo unidirecional que vai do

professor para o aluno; mais do que isso, a enculturação matemática pressupõe a

iniciação dos alunos nas conceituações, simbolizações e nos valores da cultura

matemática. Sendo um processo interpessoal, a enculturação é importante, não

apenas para centrar a atenção nos valores, mas também para distanciarmos de

uma imagem da educação apenas como mera transmissão. Desse modo, o aluno

constrói as ideias, cria, produz, tendo o entorno social o papel de permitir essa

construção de ideias.

Considerando que a educação formal é assumida pelas escolas, o autor

defende que a Enculturação Matemática formal deve levar em conta os conflitos

do processo de cultura informal e transmitir o nível técnico da cultura matemática.

Bishop (1999) considera três aspectos da relação de enculturação: a

natureza assimétrica da relação de enculturação, o aspecto intencional e o caráter

ideacional.

A natureza assimétrica da relação de enculturação refere-se ao caráter

dinâmico entre os participantes do processo de enculturação e o papel que cada

um desempenha; desse modo o professor tem a tarefa de criar um tipo concreto

de entorno social e o aluno em interação com esse entorno social, tem a tarefa de

construir ideias e modificá-las.

O aspecto intencional está relacionado tanto com a natureza das atividades

matemáticas como com as atitudes e valores. Neste processo “La imagen de las

Matemáticas se transmitirá a los alumnos por médio de las actividades em las que

participen”28 (BISHOP, 1999, p. 172).

O caráter ideacional refere-se às ideias matemáticas, centrando a atenção

no fato de compartilhar e comunicar essas ideias e requer que se examine a

oposição entre os significados individuais e os compartilhados; sendo um

_____________ 27 Representada por pessoas, seja como indivíduos ou como itens pessoais (cartas, artefatos, instituições,

etc). (tradução nossa) 28 A imagem da Matemática se transmitirá aos alunos por meio de atividades das quais participem. (tradução

nossa)

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processo pessoal, é o contraste entre a nova ideia e as ideias já existentes na

estrutura do indivíduo, mais do que isso, é uma maneira particular de conhecer.

Em texto posterior, Bishop (2002) considera que, no encontro entre a

cultura formal e a cultura informal, podem surgir conflitos culturais gerados no

ambiente escolar, provocando, assim, o processo de aculturação matemática.

Para Wolcott29 (apud Bishop, 2002), a aculturação seria o processo de

modificação de uma cultura através de contatos contínuos com outra cultura.

Nesse processo, o grupo cultural que se sobressai é tido como dominante e

incorpora os elementos de sua cultura no grupo que adentrou.

Com relação às características de um currículo de Matemática que

promova os processos de enculturação Matemática, Bishop (1988, 1999) defende

a necessidade de tais currículos terem um enfoque cultural, os quais se

caracterizam por cinco princípios desse enfoque: representatividade, formalismo,

acessibilidade, poder explicativo, concepção ampla e elementar, e três

componentes: simbólico, social e cultural, os quais passaremos discutir.

O princípio da representatividade pressupõe a reapresentação da cultura

Matemática considerando não somente a tecnologia simbólica particular

desenvolvida nas atividades universais (contar, localizar, medir, desenhar, jogar,

explicar), mas, incluindo, também, os valores específicos próprios da cultura

matemática: ideologia do racionalismo, ideologia do objetismo, controle dos

sentidos, sentimento progresso, sociologia da abertura e sociologia do mistério.

A ideologia do racionalismo caracteriza-se pela ênfase na argumentação,

análise lógica, processos de abstração, teorizações e explicações. Em sala de

aula podemos perceber a presença desse valor quando, por exemplo, o professor

desenvolve nos alunos habilidades de argumentação e raciocínio lógico,

incentivando discussões por parte dos alunos na busca das explicações.

_____________ 29 WOLCOTT, H. F. The teacher as an enemy. In: SPINDLER, G. D. (Ed.) Education and cultural process:

towards an anthropology of education. New York: Holt, Rinehart and Winston, 1974, p. 136-150.

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A ideologia do objetismo30 é caracterizada por apresentar uma visão de

mundo dominada por imagens de objetos materiais. Neste princípio, as ideias se

originam a partir da interação com o meio e os objetos materiais, o que

proporciona as bases intuitivas e imaginativas para as ideias, proporcionando aos

alunos a capacidade de abstrair.

Enquanto o Racionalismo se ocupa da lógica do raciocínio, encontramos

no objetismo as bases intuitivas na busca do raciocínio, através da abstração. Em

sala de aula, esse valor é demonstrado quando o professor propõe atividades que

desenvolvam nos alunos habilidades práticas, uso de ideias, coleta de dados

experimentais.

O controle dos sentidos é o valor referente ao poder do conhecimento

matemático, domínio de regras e critérios estabelecidos, promovendo a busca

pelo conhecimento e desenvolvendo habilidades para fazer predições. Bishop

(1999) expõe que estudos relacionados ao comportamento dos planetas, por

exemplo, comprovam que esses movimentos não são aleatórios nem tampouco

imprevisíveis, portanto provocam o sentimento de segurança.

Em sala de aula, esse valor é demonstrado, quando o professor solicita

que os alunos façam uma ordenação de números ou figuras, cuja ordenação só é

possível por meio do controle que o aluno tem sobre esses números, a partir de

estruturas matemáticas.

O sentimento progresso enfatiza o valor relacionado ao sentimento de

crescimento, desenvolvimento e progresso. Um aspecto importante desse valor é

que, a partir dele, se pode conhecer o desconhecido. Em sala de aula,

percebemos a presença desse valor nas situações em que o aluno tem que

utilizar definições, demonstrações, investigações, quando, através de uma

situação-problema, esse aluno percebe novas propriedades e constrói um novo

saber.

_____________

30 Bishop utiliza o termo objectism, referindo-se a objetos, na publicação em inglês. Para o idioma espanhol o tradutor utilizou o termo objetismo. Optamos utilizar o termo na versão espanhola, pois não há tradução do referido termo no idioma português.

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Quanto aos valores relacionados à abertura e ao mistério, tais valores se

complementam e fazem relações entre as pessoas e às instituições sociais. Na

perspectiva da abertura, o conhecimento matemático é acessível e pertence a

todos, ao que Bishop (1999) assevera que estes “no dependem de um partido

político, no varían de um país a outro, son universales y son conocimiento puro”31

(p. 103), portanto o conhecimento matemático configura-se como sendo universal.

As situações de aprendizagem, que podem propiciar aos alunos desenvolverem

esse valor, são aquelas em que são propostas que eles façam demonstrações,

formalizando as ideias matemáticas.

Na perspectiva do mistério, o autor explicita que, embora a cultura

matemática apresente os valores da abertura e da acessibilidade, sendo a

Matemática a disciplina que mais se ensina em todo o mundo, muitas pessoas

ainda se sentem envergonhadas por não compreendê-la. A esse fato, agrega-se

também a ideia de se considerar que a Matemática é exclusiva a poucas pessoas.

O mistério acerca das ideias matemáticas deve-se ao fato de que a matemática

se ocupa de abstrações; portanto, em sala de aula é interessante que o professor

propicie a construção do conhecimento, despertando no aluno o interesse pela

busca do desconhecido e possibilitando a explicação e a socialização das

descobertas, o que pode ser um elemento motivador para a construção de novas

aprendizagens.

Quanto ao princípio do formalismo, Bishop (1999), afirma que este deve

objetivar o nível formal da cultura Matemática, conectando-se com o nível informal

e introduzindo o nível técnico. Desse modo, o professor pode fazer uma conexão

das ideias matemáticas com aquelas presentes em situações do cotidiano do

aluno, enfatizando o autor que

_____________ 31 Não dependem de um partido político, não variam de um país a outro, são universais e são conhecimento

puro. (tradução nossa)

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Mediante esta estructura cultural es fácil hacer referencia a las ideas

Matemáticas de otras culturas. Parte de la dificultad experimenta em la

actualidad por vários educadores que tratan de representar las

Matemáticas como uma matéria multicultural es que, em geral, carecen

de uma buena estructura para reconocer similitudes entre ideas

matemáticas. Para hacer que um currículo sea multicultural, primero hay

que culturizarlo32

. (BISHOP, 1999, p. 128)

O princípio da acessibilidade ressalta que o conteúdo curricular deve ter

ser acessível a todos os alunos, na direção de “baixo para cima”, criando

oportunidades para que possam estabelecer relações com elementos de sua

cultura, de acordo com seus interesses. Partindo, portanto, de uma situação

simples o professor pode possibilitar que os alunos criem conexões para entender

situações mais complexas, respeitando as capacidades intelectuais de cada

aluno. Desse modo, na perspectiva de um currículo enculturador

por desgracia, la educación puede ser um proceso que fracase em la

práctica com determinados alumnos, pero no tiene ninguna lógica

planificar um currículo de enculturación que este diseñado para que los

alumnos fracasen. La enculturación debe ser para todos: La educación

Matemática deberia ser para todos. [...] Aquí el imperativo moral, que

también se encuentra em El enfoque formativo, es encontrar maneras de

llegar a todos lós ninos33

. (BISHOP, 1999, p. 128)

O princípio do poder explicativo enfatiza o aspecto explicativo da

Matemática, que deve estar em conformidade com os significados importantes, os

quais devem surgir a partir do currículo, pois isso possibilita o entendimento das

situações do cotidiano, podendo o aluno dar significado aos conceitos

matemáticos aprendidos. Mas, para que esse poder se transmita, é necessário

que seja acessível a todos os alunos, de modo que o autor assevera:

_____________ 32 Mediante esta estrutura cultural é fácil fazer referência às ideias Matemáticas de outras culturas. Parte da

dificuldade experimentada na atualidade por vários educadores que tratam de representar a Matemática como uma matéria multicultural é que, em geral, necessitam de uma boa estrutura para reconhecer similitudes entre ideias matemáticas. Para fazer com que um currículo seja multicultural, primeiro tem-se que culturalizá-lo. (tradução nossa)

33 Infelizmente, a educação pode ser um processo falhe na prática com determinados alunos, mas não tem nenhuma lógica planificar um currículo de enculturação que está desenhado para que os alunos fracassem. A enculturação Matemática deve ser para todos: A educação Matemática deveria ser para todos.(tradução nossa).

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No se trata de un currículo técnico [...] aunque es evidente que el poder

de explicar sólo se transmitirá por medio de la actividad de explicar que,

necesariamente, conllevará en cierta medida hacer varias actividades

Matemáticas. El problema es que, en la actualidad, los objetivos de la

mayoría de los currículos Matemáticos se centran por completo em hacer

y casi nada en explicar”34

. (BISHOP, 1999, p. 129)

O quinto e último princípio proposto refere-se à concepção ampla e

elementar, e propõe que, ao invés de ser limitado e tecnicamente exigente, o

currículo de enculturação deve ser amplo, visando oferecer vários contextos para

a manifestação do poder explicativo, e básico, entendendo que este possui um

certo tempo. Desse modo, “la limitación de um tiempo finito para la enseñanza

significa que si amplitud de la explicación y del contexto es um objetivo

importante, entonces el contenido Matemático debe ser relativamente

elemental”(Bishop, 1999, p. 130)35. Em sala de aula, o professor, ao abordar

diferentes contextos, pode proporcionar situações de aprendizagem que

favoreçam o poder de explicação. Desse modo,

el pode de explicación, que se deriva de la capacidad de lãs Matemáticas

para se conectar entre sí grupos de fenómenos aparentemente dispares, se

debe manifestar por completo[...] Pero si el objetivo es la enculturación y

si la explicación es el poder de la tecnología simbólica de la cultura,

entonces uma tecnologia com uma complejidade desmedida no podrá

explicar, no podrá convencer y, em última isntancia, no podrá enculturar.

Además, me atrevo a afirmar que incluso lós futuros Matemáticos (y, de

hecho puede que precisamente lós futuros Matemáticos) necesitan uma

sólida base enculturadora em esta matéria36

. (BISHOP, 1999, p. 130).

Desse modo, no entender desse autor, os cinco princípios que

caracterizam o currículo de enculturação Matemática

_____________ 34 Não se trata de um currículo técnico [...] embora seja evidente que o poder de explicar só pode ser

transmitido por meio de atividade de explicar o que, necessariamente, implica fazer varias atividades matemáticas. O problema é que, na atualidade, os objetivos da maioria dos currículos de Matemática centram por completo em fazer e quase nada em explicar.

35 A limitação de um tempo finito para o ensino significa que se a amplitude da explicação e do contexto é um objetivo importante, então o conteúdo matemático deve ser relativamente elementar. (tradução nossa).

36 O poder de explicação que deriva da capacidade da Matemática para se conectar entre grupos aparentemente diferentes, e deve-se manifestar por completo [...] Mas se o objetivo é a enculturação e se a explicação é o poder da tecnologia simbólica da cultura, então uma tecnologia com uma complexidade desmedida não poderá explicar, não poderá convencer e, em última instância, não poderá enculturar. Além disso, atrevo-me a afirmar que, inclusive os futuros Matemáticos (e, de fato, pode ser que precisamente os futuros Matemáticos), necessitam uma sólida base enculturadora nesta matéria. (tradução nossa)

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• Debería representar la cultura Matemática, tanto desde la perspectiva

de sus valores como de sua tecnologia simbólica.

• Debería objetivar el nível formal de esta cultura.

• Debería ser accesible para todos loss niños.

• Debería enfatizar lass Matemáticas como explicación.

• Debería ser relativamente amplio y elemental em vez de limitado y

exigente em su concepción.37

(BISHOP, 1999, p. 130)

Além de apresentar esses princípios gerais, o autor descreve os três

componentes desse enfoque curricular: o componente simbólico, o componente

social e o componente cultural.

O componente simbólico é baseado nas conceitualizações explicativas

significativas da Matemática. Esse componente organiza-se em torno de seis

atividades universais – contar, localizar, medir, desenhar, jogar e explicar – e se

ocupa da tecnologia simbólica que deriva dessas atividades. Essas atividades

possuem grande valor para o desenvolvimento das ideias matemáticas,

estimulando diversos processos cognitivos, cada uma com seu grau de

importância, podendo-se trabalhar com essas atividades, tanto de uma maneira

individualizada, como interagindo entre si.

A estruturação desse componente garante uma cobertura ampla e

elementar das ideias matemáticas importantes e possibilita fazer uma analogia

com as ideias matemáticas de outras culturas. O autor pondera que, devido à

importância simbólica que representam esses conceitos não devem ser tratados

como temas, mas como conceitos organizadores do currículo, os quais devem ser

abordados em atividades com contextos ricos, relacionados com o entorno dos

alunos, possibilitando explorar seu significado, sua lógica, e fazer conexões com

as ideias matemáticas, o que possibilita exemplificar e validar o poder explicativo.

Contar é a primeira atividade universal para Bishop (1999). Essa é a

atividade em Matemática mais investigada na literatura cultural, pois desenvolve a

linguagem, as imagens e os sistemas numéricos. A necessidade de contar e

_____________ 37 Deveria representar a cultura matemática, tanto na perspectiva de seus valores como de sua tecnologia

simbólica. Deveria objetivar o nível formal desta cultura. Deveria ser acessível a todos os alunos. Deveria enfatizar a Matemática como explicação. Deveria ser relativamente ampla e elementar ao invés de limitado e exigente em sua concepção. (tradução nossa)

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associar objetos com números, e registrar informações sobre quantidades, fez

com que fossem criados diversos métodos de representar as quantidades em

diversas sociedades; podemos, portanto, dizer que a atividade de contar está

relacionada com as necessidades vinculadas ao entorno do indivíduo, podendo ir

desde datas de aniversários, a situações mais estruturadas, como a resolução de

problemas de combinatória, ou o uso da calculadora. que pode oferecer

possibilidades para descobrir relações numéricas.

Menninger (1969)38 em seu livro Numer words and Number Symbols apoia

o pensamento de Bishop (1999) nesse campo e faz uma análise da

universalidade de contar e da importância da ideias de números.

Esta atividade possibilita quantificar, comparar e ordenar fenômenos

discretos, englobando os aspectos:

Cuantificadores (cada, algunos, muchos, ninguno). Adjetivos numéricos.

Contar con los dedos y con el cuerpo. Correspondencia. Números. Valor

posicional. Cero. Base 10. Operaciones con números. Combinatoria.

Precision. Aproximacion Errores. Fracciones. Decimales. Positivos,

Negativos. Infinitamente grande, pequeño. Límite. Pautas numéricas.

Potencias. Relaciones numéricas. Diagramas de flechas.

Representaciones algebraicas. Sucesos. Probabilidades. Representaciones

de frecuencias39

. (BISHOP, 1999, p. 132)

Localizar é a segunda atividade universal em Matemática, proposta por

Bishop. Esta atividade enfatiza a geometria espacial, relacionando o homem com

seu entorno numa perspectiva espacial. Descreve a relação entre lugares e

objetos, envolvendo noções de direção, ordem, e a simbolização desses

ambientes através de modelos e diagramas.

Segundo Bishop (1999), um importante trabalho relacionado a essa

atividade e que examina com detalhe a maneira de conceitualizar o espaço de

uma cultura determinada e que serve de base para seus estudos, é aquele

_____________ 38 MENNINGER, K., Number Words and Number Symbols - A Cultural History of Numbers, MIT Press,

Cambridge, Mass, 1969. 39 Quantificadores (cada, alguns, muitos, nenhum). Adjetivos numéricos. Contar com os dedos e com o

corpo. Correspondência. Números. Valor posicional. Zero. Base 10. Operações com números. Combinatória. Precisão. Aproximação. Erros. Frações. Decimais. Positivos, Negativos. Infinitamente grande, pequeno / Limite. Pautas numérica. Potências. Relações numéricas. Diagramas de flechas. Representações algébricas. Sucessos. Probabilidades. Representações de frequências. (tradução nossa).

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proposto por Pinxten (1983)40, o qual relaciona as noções espaciais em contextos

culturais diferentes.

Atividades que podem ser produtivas são as de explorar e traçar mapas e,

quando a localização já é conhecida, pode-se trabalhar com situações

relacionadas ao entorno do aluno, cabendo, também, propor atividades

relacionadas ao estudo das coordenadas cartesianas, situações de viagens e

navegação.

A localização engloba os aspectos de:

Preposicines Descripciones do recorridos. Localización em el entorno.

N.S.E.O. Orientación en la brújula. Arriba/abajo. Izquierda/derecha/

Delante/detrás. Viajes (distância). Línhas retas y curvas. El ángulo como

giro. Rotaciones. Sistemas de localización: Coordenadas polares

Coordenadas 2D-3D. Mapas. Latitude/ longitud. Lugar geométrico.

Mecanismos articulados. Círculo. Elipse. Vetor. Espiral.41

(BISHOP,

1999, p. 133)

Medir é a terceira atividade universal. Encontramos nessa atividade

conceitos relacionados a comparar, ordenar e quantificar. Os conceitos de

medição envolvem algumas das habilidades mentais, usadas para contar, mas

desenvolvem, também, habilidades para comparar.

Atividades que podem ser proveitosas são as que fazem comparações

utilizando partes do corpo para medir. Pode-se, por exemplo, calcular as

dimensões dos objetos da sala de aula, explorar os conceitos de área e volume, a

medição do tempo, encontrar áreas de figuras irregulares, como a comparação de

continentes, por exemplo. A utilização de algumas ferramentas de medição

podem ser interessantes, despertando a curiosidade dos alunos, como a balança,

o pêndulo a bússola e relógios.

As ideias matemáticas derivadas dessa atividade são:

_____________ 40 Pinxten, R., van Dooren, I. y Harvey, F., The Antropology of Space, University of Pensylvania Press,1983. 41 Preposições. Descrições de percursos. Localização do entorno. N.S.E.O. Orientação com a bússola. Em

cima/Em baixo. Esquerda/Direita. De frente/De trás. Viagem (distância). Linhas retas e curvas. O ângulo como giro. Rotações. Sistemas de localização: Coordenadas polares. Coordenadas 2D-3D. Mapas. Longitude/ latitude. Lugar geométrico. Mecanismos articulados. Círculos. Elipse. Vetor. Espiral.

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Cuantificadores comparativos (más rápido, más degaldo). Ordenación.

Cualidades. Desarrolo de unidades (pesado - el más pesado - peso).

Precision de las unidades. Estimación. Longitud. Área. Volumen.

Tiempo. Temperatura. Peso. Unidades convencionales. Unidades

normalizadas. Sistema de unidades (métrico). Dinero. Unidades

Compuestas.42

. (BISHOP, 1999, p. 134)

Desenhar é a quarta atividade universal relacionada à Matemática. Em

nosso cotidiano, estamos cercados de formas geométricas; desenhar, portanto, é

a atividade que mais estabelece conexões perceptivas relacionadas com a

interação matemática e seu entorno. Atividades interessantes são as que

envolvem proporção, semelhança, congruência e transformações, fazendo

correspondência e comparação. A partir da observação das formas geométricas,

tanto as que estão no ambiente, como as que podem ser construídas, podem-se

estudar suas propriedades e verificar sua interação. Assim, a atividade desenhar

possibilita fazer relações entre a forma imaginada e a relação espacial percebida,

o que possibilita o processo de abstração.

Essa atividade envolve os aspectos:

Desenho. Abstração. Figura. Forma. Estética. Comparação de objetos a

partir da comparação de formas. Grande, pequeno. Semelhança.

Congruência. Propriedades das formas. Formas, figuras e sólidos

geométricos comuns. Redes. Superfícies. Mosaicos. Simetria. Proporção.

Razão. Modelos de escala. Ampliações. Rigidez das formas.43

(BISHOP,

1999, p. 135)

O jogo é a quinta atividade universal. Para esse autor, jogar é um tipo de

atividade social diferente de qualquer outro tipo de interação social, pois

desenvolve habilidades particulares do pensamento estratégico, fazendo

suposições e planejamento, modelando a sociedade, não apenas com fins

experimentais, mas, também, com fins educativos, e nesse contexto os

_____________ 42 Quantificadores comparativos (mais rápido, mais devagar). Ordenação. Qualidades. Unidades de

desenvolvimento (pesado, mais pesado). Precisão das unidades. Estimativa. Comprimento. Área. Volume. Tempo. Temperatura. Peso. Unidades convencionais. Unidades normalizadas. Sistemas de unidades (métrico). Dinheiro. Unidades Compostas. (tradução nossa)

43 Desenho. Abstração. Figura. Forma. Estética. Comparação de objetos a partir da comparação de formas. Grande, pequeno. Semelhança. Congruência. Propriedades das formas. Formas, figuras e sólidos geométricos comuns. Redes. Superfícies. Mosaicos. Simetria. Proporção. Razão. Modelos de escala. Ampliações. Rigidez das formas.(tradução nossa)

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participantes se tornam jogadores. Essa estrutura implica ter regras lógicas, uma

vez que envolve um, dois ou mais jogadores. Outro aspecto importante

relacionado a essa atividade, diz respeito à imitação, ou seja, em muitos jogos

percebemos uma representação da realidade, o que representa um modo

diferente de abstrair certas estruturas dessa realidade.

Os conceitos relacionados a essa atividade são:

Juegos. Diversión. Acertijos. Paradojas. Modelización. Realidad

imaginada. Actividade regida por reglas. Razonamiento hipotético.

Procedimientos. Planes. Estrategias. Juegos de cooperación. Juegos de

competición. Juegos em solitario. Azar, predección.44

(BISHOP, 1999, p.

135)

Explicar é a sexta e última atividade apresentada por esse autor. Esta

atividade se preocupa em responder a pergunta: “Por quê?”, buscando uma teoria

explicativa para esclarecer a existência de fenômenos para compreender o

mundo. Atividades interessantes que podem ser desenvolvidas, são as que

aplicam ideais de justificar e criticar e as que envolvem o raciocínio lógico, pois

são atividades que contribuem para o desenvolvimento da ideia de demonstração.

Os resultados das atividades podem ser apresentados por cartazes, relatando os

procedimentos e as soluções encontradas.

As ideias matemáticas derivadas dessa atividade são:

Similitudes. Classificaciones. Convenciones. Classificación jerárquica de

objetos. Explicaciones de relatos. Conectores lógicos. Explicaciones

lingüísticas: Argumentos lógicos Demostraciones. Explicaciones

simbólicas: Ecuación / Desigualdad / Algoritmo / Función. Explicaciones

figurativas: Gráficas / Diagramas / Tablas / Matrices. Modelación

matemática. Criterios: validez interna / generalización externa.45

(BISHOP, 1999, p. 136)

_____________ 44 Jogos. Diversão. Charadas. Paradoxos. Modelação. Realidade imaginada. Atividade regida por regras.

Raciocínio hipotético. Procedimentos. Planos. Estratégias. Jogos de cooperação. Jogos de competição. Jogos solitários. Azar, predição. (tradução nossa).

45 Similaridades. Classificações. Conversões. Classificação hierárquica de objetos. Explicações de relatos. Conexões lógicas. Explicações linguísticas: Argumentos lógicos Demonstrações. Explicações simbólicas: Equação / Desigualdade / Algoritmo / Função. Explicações figurativas: Gráficas / Diagramas / Tabelas / Matrizes. Modelagem matemática. Critérios: validez interna / generalização externa. (tradução nossa)

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Desse modo, Bishop (1999) considera que os conceitos relacionados a

essas atividades não podem ser desenvolvidos como uma lista de temas a serem

contemplados, mas mediante atividades apropriadas e adaptadas, de acordo com

nível dos alunos, com contextos acessíveis, que respeitem a capacidade

intelectual dos estudantes, dotados de variedade de contextos e situações.

O componente social pressupõe o emprego da reflexão sobre o emprego

da Matemática nas sociedades do passado, sobre seu emprego na sociedade

atual e sobre seu emprego na sociedade do futuro. Desse modo, esse

componente social representa a dimensão histórica completa do desenvolvimento

da Matemática e tem como princípio básico a exemplificação, o que possibilita

promover uma interface entre a Matemática e a sociedade. Para Bishop (1999), a

maneira mais adequada para fazer com que os alunos participem dessas

situações é por meio de projetos, que define como sendo “un trabajo de una

investigación personal emprendida por el alumno, empleando materiales de

referencia y redactada en forma de informe”46 (p. 144).

O autor ressalta três aspectos dos projetos, os quais, no seu entender, têm

uma relação especial com o componente social. Como primeiro aspecto, os

projetos permitem uma participação pessoal profunda, o que possibilita que a

aprendizagem ocorra de modo individualizado. Um segundo aspecto é que os

projetos possibilitam o emprego de vários materiais (livros, filmes, revistas, sites,

entre outros), instigando os alunos a mobilizarem seus saberes, o que possibilita

que os valores e as ideias matemáticas se conectem a outros aspectos do

currículo escolar. O terceiro aspecto está relacionado à reflexão por parte do

aluno, pois, desse modo, através da investigação e da documentação de uma

determinada situação social, com o auxílio do professor, poderá fazer conexões

entre as ideias matemáticas e as situações concretas, iniciando um processo de

análise crítica de valores e ideias.

O componente cultural que completa o currículo de enculturação

Matemática é baseado em investigações. Esse componente enfatiza a

experimentação e a reflexão sobre o que é a Matemática e considera que, apenas

_____________ 46 Um trabalho de investigação pessoal realizada pelo aluno, utilizando materiais de referência e escrito em

forma de relatório. (tradução nossa)

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participando de atividades de investigação matemática, é possível apreciar

completamente os valores de abertura e mistério das ideias matemáticas.

Desse modo, os alunos não se limitam a praticar uma simples técnica, mas

atuam num nível intelectual muito mais elevado e

gran parte del êxito del trabajo de investigación depende del enseñante,

em primer lugar adaptando da situación a um nível adecuado para el niño

y em segundo lugar trabajando com el niño para desarrollar la

investigación com provecho. Además, el outro aspecto importante de lãs

investigaciones es que no tienen um punto final determinado. Siempre

nos podemos inventar outra derección que emprender, u outra suposición

desde la que partir, u outra cuestón que abordar. Esto significa que lãs

investigaciones, al igual que lós proyectos, se puedem adaptar pra

satisfazer objetivos individuales y personales.Algunos alumnos puedem

profundizar más que otros em su trabajo de investigación y, em

consecuencia, además de ofrecer uma introducción a [que és ser um

Matemático], para algunos alumnos este componente puede indicar uma

futura especialización de sua carrera. De hecho, tal vez quieram llegar a

ser matemáticos47

. (BISHOP, 1999, p. 150)

Nessa perspectiva, os estudos de Alan Bishop que fazem referência à

Matemática em uma perspectiva cultural, ou seja, presente em diferentes culturas,

a partir das seis atividades consideradas como universais, propõem que, para que

as situações de aprendizagens possam ser enculturadoras, se faz necessário que

o currículo possibilite o uso de diferentes estratégias no processo de ensino e

aprendizagem e, em sala de aula, o professor atue como mediador desse

processo, possibilitando ao aluno construir a aprendizagem com um amplo

significado.

No próximo capítulo faremos um delineamento do cenário da pesquisa,

apresentaremos os atores envolvidos nesse processo, no caso o perfil dos alunos

e da professora pesquisada.

_____________ 47 Grande parte do êxito do trabalho de investigação depende do professor, em primeiro lugar adaptando a

situação em um nível adequado para o aluno, em segundo lugar trabalhando com o aluno para desenvolver uma investigação. Além disso, um aspecto importante das investigações é que não possuem um ponto final determinado. Sempre podemos inventar outra direção a seguir, ou outra suposição ou outra questão a abordar. Isto significa que as investigações, igualmente como os projetos, podem se adaptar para satisfazer objetivos individuais e pessoais. Alguns alunos podem aprofundar mais que outros em seu trabalho de investigação, em consequência, além de oferecer uma introdução [o que é ser um Matemático]. Para alguns alunos este componente pode indicar uma futura especialização de sua carreira. Na verdade, talvez queiram vir a ser matemáticos. (tradução nossa)

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CAPÍTULO 4

A PESQUISA DE CAMPO REALIZADA: CENÁRIO,

ATORES E COLETA DE INFORMAÇÕES

Uma escola sem pessoas seria um edifício sem vida. Quem a

torna viva são as pessoas: os alunos, os professores, os

funcionários e os pais, que não estando lá permanentemente,

com ela interagem. As pessoas são o sentido de sua existência.

Para elas existem os espaços, com elas se vive o tempo. As

pessoas socializam-se no contexto que elas próprias criam e

recriam. São o recurso sem o qual todos os outros recursos

seriam desperdício. Têm o poder da palavra através da qual se

exprimem, confrontam os seus pontos de vista, aprofundam os

seus pensamentos, revelam os seus sentimentos, verbalizam

iniciativas, assumem responsabilidades e organizam-se. As

relações das pessoas entre si e de si próprias com o seu

trabalho e com sua escola são a pedra de toque para a vivência

de um clima de escola que busca de uma educação melhor a

cada dia. (ALARCÃO, 2001, p. 20)

Neste capítulo, vamos caracterizar, para o leitor, a escola em que

realizamos a pesquisa, descrever o cenário onde os dados foram coletados, o

perfil da professora investigada e o dos alunos. No último tópico, apresentamos

as categorias de análise.

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A importância atribuída a este momento baseia-se na crença de que para

entender como se desenvolve o currículo praticado em uma sala de aula da EJA,

devemos observar e estudá-la em sua realidade.

No interior da sala de aula, os valores pessoais interagem, pois cada aluno

possui visões próprias de seu mundo, sua vida e, diante dessa heterogeneidade,

cabe ao professor criar possibilidades para a construção do conhecimento,

respeitando os saberes dos alunos, descobrindo o melhor modo para, a partir do

conhecimento do aluno, transmitir-lhes o conhecimento escolar.

4.1 O cenário da pesquisa

A pesquisa realizou-se em uma escola localizada em uma região central da

cidade, a uma quadra de uma avenida comercial importante, sendo de fácil

acesso através de ônibus ou trem, principalmente no caso dos alunos da EJA,

que trabalham ou moram em outras regiões, para estudarem tranquilamente, uma

vez que há transporte de fácil acesso para retornar para casa.

A área residencial no entorno da escola é constituída por casas e prédios e

a área comercial possui estabelecimentos de pequeno porte, como academias,

padarias, supermercados, restaurantes e vários barzinhos. O mesmo quarteirão

abriga uma Biblioteca Pública e um teatro.

A escola é muito bem estruturada, funcionando em três períodos: manhã,

tarde e noite. Atende na modalidade Regular o Ensino Fundamental II (6º ao 9º

ano) no período manhã e tarde, e o Ensino Médio (1º ao 3º ano), nos períodos

manhã e noite, oferecendo no período noturno a modalidade EJA.

São dois prédios distintos, um deles com a parte administrativa no térreo e,

no primeiro andar as salas de aulas, que são amplas, ventiladas e bem

organizadas, contando também com sala de professores, biblioteca e laboratório

de informática. Possui, também, no espaço externo uma quadra poliesportiva,

refeitório e cantina em área coberta. No pátio, estão dispostos dois confortáveis

jogos de sofás, os quais sempre que estive na escola visualizei alguns alunos

sentados confortavelmente. Num primeiro momento, não dei muita atenção aos

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tais sofás no pátio, mas em certa ocasião, enquanto aguardava a professora para

a observação da aula, pude conversar com alguns alunos que lá estavam,

esperando pelo início de suas respectivas aulas, e uma senhora me relatou que

vinha do trabalho direto para a escola, de trem, e muitas vezes não via a hora de

chegar à escola para poder sentar ali e descansar um pouco a “cabeça e o corpo”

antes de começar a aula.

Considerando que cada Instituição tem uma identidade própria, fruto de

sua história particular, permeada por valores, expectativas e tradições, um olhar

atento para a escola, considerando seu entorno e o espaço físico, exprime seu

processo de construção social e nos diz muito a respeito de sua atuação e do

significado para os sujeitos nela envolvidos.

O primeiro contato foi por telefone, pois procurávamos uma escola que

atendesse alunos da EJA no Ensino Fundamental II ou no Ensino Médio. Em

virtude de essa escola contemplar a modalidade requerida, optamos por realizar a

pesquisa nessa Instituição e, também, por ser uma escola de fácil acesso,

próxima à residência de uma das pesquisadoras. Mas, para a realização do nosso

trabalho, não bastaria apenas a nossa escolha por essa Instituição, seria

necessário também a autorização da Direção e a aceitação do professor em nos

permitir assistir às suas aulas, portanto o próximo passo foi marcar um horário

para ir até a escola.

Ao chegar, quem nos atendeu foi o Coordenador da EJA e após um breve

panorama da pesquisa que pretendíamos desenvolver, ele se mostrou

interessado e, de imediato, nos indicou duas professoras com as quais

poderíamos conversar, visto que lecionavam tanto no Ensino Fundamental II

como no Ensino Médio da EJA, as quais iremos chamar de Ana e Bianca48.

Para um primeiro contato com as professoras, agendamos de acordo com

a disponibilidade delas, um encontro para apresentar nossa pesquisa, seus

objetivos, a importância das informações que seriam coletadas, e saber se elas

teriam o interesse em participar e autorizar a coleta de dados em suas aulas.

_____________ 48 Em conformidade com a conduta em pesquisas dessa natureza, tivemos o cuidado de preservar o sigilo

das informações e dos sujeitos envolvidos na pesquisa. Portanto, os nomes Ana e Bianca são nomes fictícios.

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No dia agendado, ao chegarmos à escola, o Coordenador da EJA nos

informou que somente a professora Bianca estava presente, a professora Ana por

motivos particulares não se encontrava nesse dia, e só estaria disponível na

próxima semana. O Coordenador sugeriu que conversássemos com a professora

Bianca, e caso esta aceitasse participar da pesquisa, ele acreditava que seria

mais viável realizar as observações nas salas dessa professora, considerando

que os alunos de sua turma eram mais velhos e mais comprometidos com os

estudos.

Conversamos com a professora Bianca, contamos-lhe o modo como seria

realizado nosso trabalho explicitando a importância e seus objetivos, mas embora

tenha mostrado interesse, confessou não se sentir muito à vontade com o fato de

ter suas aulas observadas. Explicamos a ela que, em conformidade com a

conduta em pesquisas dessa natureza, poderia ficar tranquila, pois teríamos o

cuidado em garantir-lhe o anonimato. Então, mais confiante com relação a esse

fato, aceitou participar, e acreditava que realizar o trabalho de pesquisa em suas

turmas seria mais interessante, devido aos alunos dessa turma serem mais

velhos, tranquilos e comprometidos com os estudos, acreditava que seria

desgastante a observação na sala de aula da turma em que a professora Ana

lecionava, confiando-nos ser uma sala muito difícil em termos de

comprometimento e indisciplina dos alunos.

Poderíamos, nesse momento, ter ajustado os dias e horários das aulas e

iniciado nossas observações. Afinal, realizar as observações em uma sala em que

os alunos são comprometidos com a aprendizagem, nos colocava de certo modo

em uma situação cômoda. Mas, ao mesmo tempo, o fato de os alunos da

professora Ana serem vistos como alunos indisciplinados e “difíceis de trabalhar”

aguçava nossa curiosidade, parecia-nos desafiador, e nos instigava saber: De

quais recursos ela dispõe para exercer seu trabalho? De que modo utiliza esses

recursos? E, mais ainda, sendo essa sala menos participativa, de que modo

mobiliza os saberes desses alunos?

Essas inquietações nos levaram a aguardar mais uma semana. Ao

conversarmos com a professora Ana, esta se mostrou acessível e interessada em

participar da pesquisa, foi simpática e se dispôs a responder a todas as nossas

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perguntas, pedindo que, quando a dissertação estivesse pronta, tivesse acesso a

ela, como forma de conhecer uma análise de suas práticas e aperfeiçoar-se.

Também permitiu que conversássemos com os alunos e que acompanhássemos

suas aulas. Para uma melhor observação, concordamos que estaríamos

assistindo às aulas, a partir do início de um determinado conteúdo.

Com relação aos alunos dessa turma, relatou-nos que eles eram “difíceis”,

em termos de disciplina e com dificuldades em assimilar o conteúdo, e que, em

algumas atividades, se sentia “temerosa” em trabalhar com eles.

Agradecemos a atenção da professora Bianca, e por apresentar ao nosso

entender, um desafio maior ao trabalho, optamos em realizar a pesquisa com a

professora Ana.

4.2 O perfil dos alunos

Ao analisar o perfil dos alunos, observamos que 16 alunos têm até 30 anos

(88,8%), e os outros 2 alunos têm idade entre 31 a 40 anos (11,1%), o que

demonstra que a maior parte deles é composta por jovens. Uma primeira

consideração é a de que este tipo de jovem possui percursos diferentes que o de

outros jovens de sua mesma faixa etária, dos quais muitos já ingressaram no

nível superior ou cursos de especialização. Sua história assemelha-se à do

adulto, que volta à escola para concluir os estudos, em busca de uma formação,

mas suas condições tanto biológicas como psicológicas diferem destes. Fonseca

(2007, p. 22) assevera que “mesmo que estruturas socioeconômicas e culturais

imponham uma entrada cada vez mais precoce em algumas dimensões da vida

adulta, os modos como os velhos, os adultos, os jovens, os adolescentes ou as

crianças se inserem nessas dimensões são sensivelmente diferentes”.

Com relação ao sexo, 10 declaram ser do sexo masculino, sendo 8 do sexo

feminino, o que nos faz pressupor que, em relação a esta turma, a Educação de

Jovens e Adultos apresenta-se como um espaço sem distinção de gênero. Com

relação ao estado civil, 2 afirmaram ser casados, e somente 2 afirmaram ter

filhos.

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Com relação à atuação profissional, dentre as diversas áreas em que

atuam, pudemos encontrar entre auxiliar fiscal, manicure, tecelão, frentista,

banhista de pet- shop e vendedores. Merece destaque o fato de 10 alunos

trabalharem com carteira assinada, o que representa um pouco mais que a

metade da sala de aula, e somente 4 trabalham de maneira informal. O mundo do

trabalho muitas vezes configura-se como um dos motivos de o jovem parar de

estudar, mas esse é o mesmo motivo que o impulsiona a retornar aos estudos.

Desse total, todos os alunos afirmaram ter parado de estudar em algum momento

de suas vidas.

Dentre as razões que os levaram a parar de estudar, encontramos diversos

motivos, dentre os quais: as questões familiares – 3 alunos; escola distante da

residência – 2 alunos; por reprovação – 2 alunos; para trabalhar – 11 alunos. Com

relação aos motivos que impulsionaram a volta aos estudos encontramos: entrar

no mercado de trabalho – 8 alunos; para conquistar um emprego melhor – 3

alunos; porque querem continuar estudando – 1 aluno; para melhorar a qualidade

de vida – 4 alunos; para buscar mais conhecimentos – 2 alunos.

Quando questionados sobre suas pretensões após concluírem o Ensino

Fundamental, 17 alunos pretendem prosseguir os estudos, sendo que desses, 9

alunos pensam em prosseguir no Ensino Médio, 5 alunos pretendem cursar o

Técnico e 4 alunos pretendem prosseguir até o Nível Superior.

Todos reconhecem a importância da escola em suas vidas. Com relação à

disciplina de Matemática, todos a consideram importante para sua vida fora da

escola, e quando questionados sobre o que mais sentem dificuldade na

aprendizagem matemática, apontam a resolução de problemas, dificuldades no

cálculo e que também depende do modo como o professor explica.

Assim, observamos que os alunos da EJA “percebem-se pressionados

pelas demandas do mercado de trabalho e pelos critérios de uma sociedade onde

o saber letrado é altamente valorizado”, e cumpre ao educador da EJA

“considerar esse tripé – necessidade, desejo e direito – ao acolher nossas alunas

e nossos alunos e tomá-los como sujeitos de conhecimento e aprendizagem, para

pautar nossas ações educativas, em particular, na Educação Matemática que

vamos desenvolver”, como bem o diz Fonseca (2007, p. 49).

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4.3 O perfil da professora

Ana é graduada em Física e pós-graduada em Educação Matemática, atua

no magistério há vinte anos, sendo que desses, doze anos são dedicados à

Educação de Jovens e Adultos. Na escola pesquisada, trabalha há dois anos,

ministrando aulas para o 4º termo do Ensino Fundamental II e para o 3º termo do

Ensino Médio.

O que a motivou escolher essa modalidade de ensino para lecionar,

relaciona-se a uma escolha pessoal e à afinidade encontrada com os alunos.

Relata que os alunos da EJA se diferenciam pela maturidade, heterogeneidade,

aspirações, e pelo tempo de passagem pela escola, que é menor do que no

Ensino Regular. Percebemos, na fala de Ana, um vínculo de cunho afetivo ao se

referir aos alunos da EJA. Segundo Tardif (2006, p. 130) “boa parte do trabalho

docente é de cunho afetivo, emocional. Baseia-se em emoções, em afetos, na

capacidade não somente de pensar nos alunos, mas igualmente de perceber e de

sentir suas emoções, seus temores, suas alegrias, seus próprios bloqueios

afetivos”.

Com relação ao modo como seleciona o material para trabalhar nos relata

haver muito material disponível para o professor “sabiamente” adequar a essa

modalidade de ensino e, em suas aulas, utiliza o livro didático, apenas para

algumas atividades, problemas ou exercícios, pois entende que o livro didático é

um apoio para o professor e um complemento às aulas para os alunos, tendo o

professor como condutor do processo. Ao preparar suas aulas, utiliza seus

conhecimentos sobre projetos e alguns materiais disponíveis, como o livro

didático, paradidáticos, textos.

Nas aulas, utiliza como recurso o computador, a calculadora, materiais de

geometria e instrumentos de medida, livros diversos. Relata-nos que não trabalha

com o uso de fórmulas, visto que considera que a teoria sai da prática.

Quanto à utilização de livro didático, aprovado pelo PNLD-EJA, iniciou os

conteúdos de Estatística no livro, baseado em leitura e interpretação de gráficos,

mas em virtude de muitos erros encontrados nos textos, em decisão conjunta com

os alunos optaram por não utilizá-lo. Como aspectos positivos encontrados no

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livro, aponta a sequência das atividades, os conteúdos e as atividades, que têm

relação com os projetos que Ana desenvolve ao longo do ano, e como aspecto

negativo aponta a espessura (todas as disciplinas concentram-se num mesmo

volume). E, embora a metodologia e a abordagem adotadas pelos autores desse

material contemplem as particularidades dos alunos da EJA, ainda assim, se faz

necessária a adequação para cada turma.

4.4 Coleta dos dados pela pesquisadora

Na coleta dos dados, utilizamos como recursos o diário de bordo, máquina

fotográfica, gravador e filmadora. As filmagens foram de extrema importância,

pois, somente através dela, pudemos rever os protocolos referentes à fala dos

atores envolvidos, no caso a professora e os alunos, o que dificilmente

conseguiríamos apenas com fotos, gravações ou nossas anotações. Desse modo,

as filmagens nos revelam o movimento, os gestos, as falas, a dinâmica da sala de

aula propriamente dita.

Na sala de aula, nos posicionamos na primeira carteira no canto da sala,

em uma fileira não ocupada pelos alunos, ali permanecendo durante as

explicações da professora, evitando assim “atrapalhar” ou distrair a atenção dos

alunos. Somente após a explicação da professora, e no momento em que ela

circulava pela sala de aula, nos levantávamos e a acompanhávamos, registrando

as dúvidas dos alunos. Desse modo procuramos intervir o menos possível na sua

aula.

O questionário referente ao perfil da professora foi coletado antes de

assistirmos à sua aula, no entanto optamos por coletar os dados referentes ao

perfil dos alunos, somente após o final da atividade, pois temíamos que, caso os

dados fossem coletados antes, poderia haver maior intimidade com os alunos e

que esse fato influenciasse, depois, na coleta dos dados durante o

desenvolvimento das aulas. Pode ser que talvez um aluno resolvesse conversar

conosco durante as aulas, tirar dúvidas, ou qualquer outra informação. Desse

modo, após o desenvolvimento da atividade, procedemos à coleta dos dados dos

alunos e, como não havia mais o “temor” em comprometer os dados durante as

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aulas, pudemos conversar com eles mais tranquilamente, saber seus anseios, e

perspectivas para o futuro.

4.5 Roteiro de observação e categorias de análise

Antes da e durante a coleta de dados em sala de aula nossa preocupação

era a de como organizar a nossa observação.

Apoiados nas referências teóricas e em reflexões com colegas do grupo de

pesquisa, do mesmo período em que assistia às aulas, fomos organizando um

roteiro de observação, destacando algumas categorias.

1. Objetivos de aprendizagem

2. Adequação do plano de atividades aos objetivos propostos

3. Gestão da sala de aula. Escolhas metodológicas,

4. Interação com os estudantes. Intervenções da professora.

5. Avaliação contínua das aprendizagens

Além desse conjunto de itens de observação, para analisar as atividades

propostas pela professora, faremos uso de um conjunto de descritores elaborados

pelo grupo de pesquisa e usado também nas dissertações de Januário (2012) e

Lima (2012).

Nos quadros a seguir, apresentamos os descritores elaborados a partir dos

trabalhos de autores como Bishop, Pires e Skovsmose.

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105

Quadro 3. Descritores de Princípios do enfoque cultural do currículo de Matemática

Presença Ausência

Representatividade

As atividades visam não

apenas ao acesso à linguagem matemática, mas às explicações e teorizações,

às ideias intuitivas, à seguridade para explicar

determinados fenômenos, o

progresso, e aos porquês dos saberes.

Ênfase na linguagem

matemática, enfatizando um corpo de conhecimentos

prontos e fechados; ausência

de sentido e compreensão das ideias matemáticas.

Formalismo

As atividades incutem os conceitos matemáticos,

procurando articulá-los com

saberes informais e saberes técnicos.

As atividades privilegiam apenas um dos níveis ou apresentam os três, sem

articulá-los.

Acessibilidade

Situações de aprendizagem

que partam do contexto do aluno, ou de seu grupo

social, para o contexto da

Matemática, de modo a respeitar a capacidade intelectual do discente.

Situações que partam do

contexto matemático para o contexto do aluno – ou que só contemplem o contexto

matemático –, e que esteja acima da capacidade

intelectual daquele que

aprende.

Poder explicativo

Atividades que apresentem

explicações dos conceitos e ideias matemáticas e incutam

argumentos, para que os

alunos possam compreender e explicar situações

vivenciadas em seu meio

social.

Atividades que aplicam

conceitos e ideias matemáticas apenas por

meio de regras e técnicas.

Concepção ampla

e elementar

Atividades que estabelecem conexões das ideias

matemáticas entre diferentes contextos

Atividades apresentam aplicação de ideias

matemáticas apenas em um contexto

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Quadro 4. Descritores de Componentes do currículo de enculturação

Presença Ausência

Componente simbólico

Apresentam os conceitos matemáticos interligados entre si, contemplando as seis atividades universais.

Os conceitos são abordados como temas estanques.

Componente social

Possibilita ao aluno utilizar as ideias matemáticas para

compreender os fatos sociais presentes em seu mundo vida, posicionando-os de

modo crítico.

Situações matemáticas desarticuladas de

acontecimentos sociais.

Componente cultural

As atividades solicitam ao aluno atitudes investigativas,

possibilitando a compreensão dos porquês dos saberes matemático.

Atividades que não solicitam o desvendar das ideias

matemáticas.

Quadro 5. Descritores de Critérios de seleção de conteúdos

Presença Ausência

Pelo uso no cotidiano

Os conteúdos mais enfatizados são aqueles que mostram a aplicabilidade da Matemática no cotidiano das

pessoas.

Nas atividades apresentadas, não são

frequentes as situações-problemas relacionadas ao

cotidiano das pessoas.

Pela necessidade de aprender mais

Matemática

Os conteúdos mais enfatizados são aqueles que

preparam o aluno para construir ideias matemáticas cada vez mais complexas.

Nas atividades apresentadas não há preocupação de sistematizar, generalizar

ideias matemáticas.

Pela tradição Os conteúdos são aqueles

guiados pela tradição pedagógica.

A ênfase é colocada em temas algébricos sem

atenção a temas referentes à geometria, à estatística entre

outros.

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Quadro 6. Descritores de Organização dos conteúdos

Presença Ausência

Linear

Os conteúdos de cada assunto são apresentados

numa sequência linear, baseada na constituição de pré-requisitos, segundo a

lógica do mais simples para o mais complexo, mas sem

destaque às interconexões.

Tratamento de conteúdos de modo estanque, sem a preocupação com pré-

requisitos ou com a progressão do mais simples

para o mais complexo.

Em rede

Na organização dos conteúdos, estimula-se a

articulação entre os temas, permite-se maior flexibilidade

quanto ao nível de abordagem e o percurso curricular é ditado pela

atribuição de significados.

Conteúdos de modo geral são trabalhados uma única vez, sem articulação com o

que se aprendeu antes, mas supondo a existência de pré-

requisitos.

Quadro 7. Descritores de escolha de contextos

Paradigma do Exercício Paradigma da Investigação

Referências à matemática pura

Dominam atividades em que predominam procedimentos algorítmicos, uso de regras e

fórmulas, entre outros.

Dominam atividades em que predominam questões abertas, cuja solução

depende da criação de estratégias de resolução

pelos alunos.

Referências à semi-realidade

Dominam atividades como, por exemplo, compras,

vendas, cálculo de áreas a serem pintadas, mas são situações artificiais. Os

exercícios estão localizados numa semi-realidade do

aluno.

Atividades que enfatizam situações artificiais, porém

propiciam o uso de diferentes estratégias de resolução.

Referência à realidade

Atividades baseadas em situações vivenciadas pelos

alunos, tendo como finalidade o emprego de

algoritmo e procedimentos práticos.

Situações de aprendizagem que enfatizam experiências vivenciadas pelos alunos, objetivando a investigação na perspectiva de projetos.

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Quadro 8. Descritores de opções metodológicas

Presença Ausência

O uso de diferentes

estratégias para uma mesma

atividade

Indica que os alunos têm acesso a diversas formas de solucionar a questão e são

estimulados a utilizar procedimentos próprios.

O professor não proporciona ao grupo a chance de usar diversos raciocínios para

resolver uma questão.

A presença de comentários dos

alunos com linguagem e

conhecimento próprio

Sinal de que o professor incentiva e valoriza a reflexão

e a autonomia.

Os alunos podem estar sendo levados a anotar

apenas a fala do professor ou as anotações que ele faz

no quadro.

O professor como mediador da

aprendizagem

O professor estabelece uma conversa com o estudante ao

comentar a estratégia utilizada, ou pedindo que acrescente, justifique ou

retome algum ponto.

O professor deixa de fazer observações dirigidas às

necessidades de cada aluno, usando o diálogo só nas

situações de grupo.

Progressão de desafios

Se existe uma progressão nos desafios propostos,

permitindo que o aluno use o que aprendeu anteriormente para resolver problemas mais

complexos.

Os conteúdos são trabalhados de forma fragmentada e não há variação no grau de

dificuldade nas situações propostas.

Neste capítulo caracterizamos para o leitor a escola em que realizamos a

pesquisa, descrevemos o cenário onde os dados foram coletados, o perfil da

professora investigada, dos alunos. No capítulo seguinte iremos descrever o

cenário em que a pesquisa foi realizada, no caso a sala de aula. Inicialmente

faremos uma descrição da atividade, e a seguir faremos a descrição do

desenvolvimento da atividade.

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CCAAPPÍÍTTUULLOO 55

DENTRO DA SALA DE AULA

Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-

fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino

continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco,

porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para

constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me

educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e

comunicar ou anunciar a novidade. (Freire, 1996, p. 32)

Neste capítulo, iremos descrever o cenário em que a pesquisa foi

realizada. Inicialmente, faremos uma descrição da atividade, apresentando ao

leitor quais materiais foram utilizados pela professora, o modo como os dados

foram coletados, organizados e analisados. A seguir faremos a descrição do

desenvolvimento da atividade.

Para diferenciar a fala do professor em relação à fala dos alunos optamos

por destacar todas as falas dos alunos em itálico.

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5.1 Descrição da atividade proposta pela professora

Material utilizado:

� Objetos de base circular

� Instrumentos de medida

� Calculadora

� Folha quadriculada

Etapa 1 – Coleta dos dados

Escolha de alguns objetos de base circular, a seguir cálculo da medida do

diâmetro e da circunferência utilizando barbante, régua ou fita métrica.

Etapa 2 – Análise dos Dados

Os dados coletados foram organizados em uma tabela, contendo o nome

do objeto, o valor encontrado do diâmetro e o valor da circunferência. Após uma

discussão não conclusiva sobre a relação possível entre diâmetro e o perímetro

da circunferência, os alunos efetuaram o cálculo da razão de proporcionalidade

entre o valor obtido no diâmetro e no perímetro da circunferência. Esses valores

foram organizados em outra coluna da mesma tabela. A obtenção de valores

muito próximos chama a atenção sobre a sua igualdade envolvendo a discussão

sobre os erros na medida.

Etapa 3 - Análise dos resultados

Construção do gráfico no plano cartesiano e discussão sobre os valores

encontrados na atividade, cujo objetivo é transpor para um contexto prático o

comprimento da circunferência, do diâmetro, e após descobrir a presença do

número π.

A princípio, Ana não soube nos dizer onde os alunos encontrariam mais

dificuldades; primeiramente ela iria verificar o conhecimento deles sobre círculo. A

princípio, pensou em pedir para os alunos pesquisarem em casa, mas como eles

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geralmente não o fazem, optou por ela mesma trazer os materiais, e verificar, à

medida que a aula transcorresse, quais conhecimentos eles já traziam consigo e,

a partir disso, interpretar a relação do perímetro da circunferência em relação ao

diâmetro, até os alunos verificarem o modo como se chega ao número π.

A avaliação aconteceu diariamente com a participação do aluno, e através

de questões no caderno, no final da atividade.

Ana trabalha essa atividade também na Disciplina de Apoio Curricular de

Matemática (DAC)49, visando “revisar” alguns conceitos de Geometria, realizando

medidas com o uso de instrumentos, e também cálculos de áreas e volumes. Nas

aulas, não trabalha com fórmulas, pois, no seu entender a teoria advém da

prática.

5.2 Descrição do desenvolvimento da atividade

Geralmente, as aulas começavam às 19h15min. Os alunos aglomeravam-

se do lado de fora da escola até o portão ser aberto às 19h, podendo adentrar o

espaço escolar a qualquer momento, a partir desse horário, ou dele se retirar.

Conversando com a professora, ela nos informou que havia 35 alunos

matriculados, mas que nem todos compareciam diariamente. No início do ano

letivo, a frequência era maior, mas conforme o ano foi transcorrendo os alunos

foram faltando e muitos deixaram de comparecer de vez.

Um fato que nos chamou a atenção durante a observação das aulas, foi a

rotatividade de entrada e saída dos alunos da sala. Mesmo após a entrada em

sala de aula da maioria dos alunos, os demais alunos que ainda estavam fora

poderiam estar entrando na sala de aula a qualquer momento. Do mesmo modo,

aqueles que lá dentro estavam também poderiam se ausentar a qualquer

momento, independente do sinal. De certo modo, esse fato acabava por

prejudicar o andamento da aula, pois sempre que um aluno entrava ou saía,

_____________ 49 DAC é uma disciplina do currículo do 3º ano do Ensino Médio, Regular ou EJA, do Estado de São Paulo,

que tem por objetivo discutir temas interdisciplinares facilitando a integração das diversas disciplinas dentre as quais a Matemática.

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embora a professora não interrompesse sua aula, essa movimentação desviava a

atenção dos demais que estavam participando da aula.

Outro fato que também nos chamou a atenção foi a rotatividade em relação

à presença dos alunos. Nos dias em que realizamos as observações,

constatamos que somente alguns alunos eram sempre os mesmos, geralmente 8

alunos, os demais estavam presente em dias alternados. Esse fato dificultava o

andamento da matéria, pois sempre que um aluno entrava na sala de aula, tinha

que se inteirar com outro colega já presente, para saber em qual parte estava a

atividade. Nesse sentido, Tardif (2002, p. 133) assinala que “um dos principais

problemas do ofício de professor é trabalhar com um objeto que, de uma maneira

ou de outra, foge sempre ao controle do trabalhador”.

Apesar desse interveniente a professora procurava manter uma relação de

cordialidade com os alunos. No início das aulas, enquanto aguardava a entrada

dos alunos, sempre aproveitava para conversar com os que já estavam

presentes. Em nosso primeiro dia de observação, estavam presentes no início da

aula 6 alunos. Pudemos perceber tanto nesse dia, assim como nos demais que

transcorreram que, sempre no início das aulas, Ana gostava de conversar com os

alunos, e retomar a atividade que eles estavam realizando, enquanto os demais

iam chegando e a sala ficava com um número maior de alunos. Relata-nos essa

ocorrência como rotineira, pois, dificilmente a sala estava completa na primeira

aula, os alunos iam entrando aos poucos e, portanto ela sempre retomava

rapidamente a última aula.

Observação – a partir da descrição da didática das aulas e dos procedimentos propriamente ditos, da professora Ana, e apenas nesse contexto, usaremos o tempo presente, para manter mais nítida a vivacidade do processo.

Inicia-se a aula às 19h15. Ana explica que, a partir daquela aula, eles

estariam desenvolvendo uma atividade relacionada ao número π. Coloca sobre a

mesa uma caixa de papelão com alguns objetos “redondos”. Observamos que os

alunos ficam aguçados olhando os objetos e curiosos para saber o que estariam

fazendo com aquele material. A professora coloca uma mesa no centro da sala e

começa a dispor alguns objetos sobre ela, tais como: disco de vinil, CD, tubinho

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do rolo de papel higiênico, frasco de remédio, tampa de objetos diversos, cano de

PVC.

Figura 5. Objetos dispostos na mesa

Foto autorizada pela Professora.

À medida que dispunha os objetos sobre a mesa, aproveita para questionar

os alunos:

− Vocês conhecem esse objeto? E esse?

Os alunos observam os objetos mostrados pela professora e, ao se

familiarizarem com eles, começavam a falar os nomes de cada um.

Após colocar os objetos sobre a mesa, Ana explica que aquelas eram

algumas sugestões que trouxera, mas que os alunos, provavelmente, teriam

outros com eles, na bolsa ou na mochila, e então os questiona:

− Ao observar esses objetos o que vocês percebem? Que tipo de forma

tem esses objetos?

− São redondos. [respondem os alunos]

− Aqui na sala de aula, olhando ao nosso redor, onde podemos encontrar

objetos com essas formas?

− Lixo, tampa do lixo, bagulho da cortina (referindo-se ao varão da

cortina). Observamos que, mesmo o aluno referindo-se ao varão da

cortina como “bagulho da cortina”, Ana respeita o seu modo de se

expressar.

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Alguns alunos também mostram alguns objetos pessoais como batom,

anel, espelho.

− O que caracteriza as formas desses objetos?

− São redondos.

− Mas eles são diferentes?

− Sim, são.

− O que eles têm de diferenças?

− Uns são maiores e outros menores. [alguns alunos respondem]

− Então, vocês estão dizendo que eles têm o mesmo formato, mas são de

tamanhos diferentes. Se compararmos a altura deles, eles são

diferentes?

A professora pega o tubo de PVC e questiona: Como chama esse

tamanho?

− Comprimento. [alguns alunos]

− Como posso fazer para medir esse tamanho? Como faço para medir o

comprimento?

Alguns alunos gesticulam [mostrando que poderia ser medido colocando o

objeto na horizontal e outros afirmavam que na vertical].

− Posso medir com a régua?

Os alunos afirmam que sim.

Pega o rolinho de papel higiênico e questiona novamente.

− Posso medir com a fita métrica?

Mais uma vez, os alunos afirmam que sim.

Vira o rolinho e questiona. E esse comprimento, o redondo, como eu posso

medir?

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Enquanto os demais observam o objeto, um aluno questiona:

− O diâmetro?

− Isso, o diâmetro. Como faço para medir o diâmetro desses objetos?

Os alunos olham para o objeto, mas não respondem.

− O que é o diâmetro?

Continuam a olhar o objeto, mas ainda não respondem. Então, a

professora segue com seus questionamentos.

− Temos alguns instrumentos para medir o diâmetro aqui, como a régua e

a fita métrica. Mas como fazemos para medir o diâmetro? Vocês

concordam ou não, que esses objetos têm diâmetros diferentes?

Os alunos concordam.

Mais uma vez a professora questiona. Mas, o que significa diâmetro?

− O espaço interno. [responde um aluno, enquanto os demais observam

atentamente].

Ana se dirige ao aluno que respondeu, pegou o rolo de papel e pediu para

que ele mostrasse como é que faz para medir o diâmetro. O aluno olha o rolo de

papel, mas não consegue responder. Então Ana pega o objeto, vai até a lousa e

desenha a forma redonda do rolo de papel e questionou:

− Quero que vocês olhem essa figura e me digam onde é o diâmetro.

Os alunos olham, mas não respondem. Novamente, Ana pega alguns

objetos da caixa, e questiona os alunos. Olhando só a forma redonda, como

vocês desenham o diâmetro?

− O círculo? [pergunta um aluno]

− Vocês falaram algumas palavras interessantes: redondo, comprimento,

diâmetro, e agora círculo. [escreve na lousa essas palavras]. Mas ainda

não responderam, o que é o diâmetro?

− A largura? [pergunta outro aluno].

− A largura do quê? Mostre pra mim como você mede essa largura.

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Ana se dirige até a caixa sobre a mesa, pega a régua e o CD, e os entrega

para o aluno mostrar como medir a largura. O aluno mede com a régua,

mostrando como acreditava que fosse medir a largura.

A professora observa o modo como o aluno mediu a largura, pega, então o

CD e a régua e mostra para os demais alunos da sala o modo medido pelo aluno,

e continua com os questionamentos:

− Então o diâmetro é a medida que se obtém com a régua de um ponto ao

outro. Mas como saber se esse é mesmo o diâmetro? E não esse?

Ana desenha uma circunferência na lousa, começa a ligar vários pontos

dentro da circunferência ao mesmo tempo em que questiona os alunos:

Figura 6. Circunferência traçada na lousa

Foto autorizada pela Professora.

− Se o diâmetro é a distância entre dois pontos da circunferência, como

saber se o diâmetro é a distancia entre A e B, e não entre A e C ou as

demais distâncias que coloquei?

− Porque divide o meio certo [responde baixinho um aluno].

− Você quer dizer que é porque ele passa bem no meio, no centro da

circunferência. Então diâmetro é a distancia entre dois pontos da

circunferência quando passa pelo meio, no ponto central, ou seja,

exatamente na metade.

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Um aluno se levanta, dirige-se até a lousa e mostra que o diâmetro é a reta

que Ana traçou no centro da circunferência, ligando os pontos a e b, afirmando

que o diâmetro é a reta que passa bem no centro e continua:

− Dividindo assim a circunferência se quiser dá para medir os ângulos

também.

− Isso mesmo, podemos falar de ângulos aqui, relacionando ângulos com a

circunferência. Quando damos a volta completa percorrendo todos os

pontos da circunferência temos 360º e quando percorremos a metade

temos 180º. Então somando a metade com a outra metade temos 360º.

Mas, vamos, agora, nos concentrar nas medidas que iremos utilizar, no

caso o comprimento da circunferência. Vocês sabem qual a diferença

entre circunferência e círculo?

Os alunos olham, mas não respondem.

− A circunferência é todo esse comprimento (mostrando aos alunos todo o

contorno) e círculo seria toda a área interna desse limite. Agora vocês

vão escolher um objeto aqui na caixa e medir o diâmetro. Todos já

sabem medir o diâmetro?

Os alunos afirmam que sim.

− Vamos medir a circunferência também. Como podemos medir essa

circunferência? Dá para medir com a régua?

− Não, só com o barbante. [afirma um aluno]

− O diâmetro vocês podem medir com a régua. A circunferência vocês

podem medir com a fita métrica ou utilizar o barbante e depois transferir

os dados para a régua.

Ana pede para cada aluno pegar um objeto na caixa, desenhar no caderno

o objeto escolhido, medir o diâmetro e a circunferência, e depois trocarem o

objeto com os colegas de sala, até todos usarem os objetos escolhidos por cada

um, desenhado e medido no caderno. Depois que todos tivessem concluído as

medições, os dados seriam colocados na lousa.

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Todos se dirigem à caixa e escolhem um objeto. Nesse momento,

observamos um clima de total interação na sala, tanto no que diz respeito aos

alunos entre si como entre a professora e os alunos. A professora Ana se

movimenta na sala durante todo o tempo em que os alunos realizam a medição,

auxiliando-os em suas dificuldades.

Após os alunos realizarem as medidas e anotarem os dados no caderno,

Ana propõe que os dados sejam dispostos em uma tabela. Desenha uma tabela

na lousa e mostra o modo como deveriam dispor seus dados. Na tabela, deveriam

constar o valor do diâmetro, representado pela letra D, o valor da circunferência,

representado pela letra C, e a razão entre o diâmetro e a circunferência,

representado por C/D, e utilizar como unidade padrão de medida o centímetro.

Tabela 6. Modo como os alunos deveriam dispor os dados no caderno

D(cm) C(cm) C / D (cm)

Ana pede para que os alunos digam os valores encontrados, para que ela

possa colocá-los na lousa para a visualização de todos.

− Qual a maior medida de circunferência que vocês encontraram?

− 139 cm, responde um aluno, enquanto os demais afirmam ter encontrado

39 cm.

Ana se volta para o aluno que encontrou 139 cm e questionou:

− É isso mesmo? Não pode ser esse valor, se em 100 centímetros temos 1

metro, então não pode ser esse valor, porque esse valor é o CD (o maior

objeto que eles mediram) e não temos um CD medindo 1,40 cm.

− Vamos medir a circunferência do lixo?

Pede ajuda ao aluno e medem a circunferência do lixo encontrando como

resultado 133 cm. Nesse momento, notamos a presença do princípio do Poder

explicativo, pois Ana explica que o valor encontrado (no CD) não condizia com

uma medida possível, portanto o aluno passou a compreender o modo correto de

medir, não apenas por meio de regras técnicas, mas vivenciando essa situação,

podendo perceber na prática onde cometera o erro ao fazer marcar aquele

resultado.

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A professora Ana se volta para a sala e continua perguntando as medidas

encontradas pelos alunos, mas agora pede que eles digam os valores na ordem

crescente, indo do menor para o maior valor encontrado.

− Quem tem o menor valor do diâmetro? O menor objeto foi o botom, qual

o valor do diâmetro?

− 2,5 cm.

− E a circunferência?

− 8,5 cm.

Ana continuava perguntando os valores para os alunos até preencherem

toda a tabela.

Com a tabela pronta, a professora pede para que todos a copiem no

caderno, pois ela serviria de base para a construção do gráfico. Também pede

para que os alunos calculem a razão entre a circunferência e o diâmetro,

explicando que, para esse cálculo, os alunos poderiam utilizar a calculadora. Para

isso, demonstra na lousa o modo como eles estariam calculando essa razão,

tomando os valores do cesto do lixo com circunferência medindo 133 cm e

diâmetro 41,5 cm. Anota o valor encontrado na tabela e pede aos alunos que, à

medida que fossem encontrando os valores, completassem a tabela no caderno.

Tabela 7. Valores coletados pelos alunos

D (cm) C (cm) C/D

2,5 8,5 3,40

3,5 12 3,42

4,0 12 3,00

4,5 13 2,88

5,5 18 3,27

6,5 20 3,07

9,0 32 3,55

11,8 39,2 3,32

3,8 12,2 3,21

6,0 17 2.83

41,5 133 3,21

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Agora eu quero que vocês olhem para esses números aqui [referindo-se ao

valor encontrado da razão C/D]. Eles são parecidos ou não?

− São diferentes.

− Mas eles são muito diferentes?

Alguns alunos respondem que “não”, outros que “mais ou menos”.

− Qual o menor número? [referindo-se ao menor número da tabela]

− 2,83 cm.

− E o maior?

− 3,55 cm.

− De 2,83 cm até 3,55 cm quanto dá, mais ou menos, a média?

− 10 cm? [responde um aluno]

− Não brinca comigo.

− Qual a metade?

− Aproximada?

− Isso. A média entre o menor e o maior é, aproximadamente, 3,2 cm.

Nesse momento, Ana mostra aos alunos como calcular a média dos

valores encontrados da circunferência; encontrando 3,2 cm como resultado,

chama a atenção dos alunos com relação a valores muito próximos, quando se

calcula a razão entre diâmetro e a circunferência.

Ana é interrompida pelo sinal, que anuncia o término da aula, e avisa aos

alunos que na próxima aula eles estariam construindo o gráfico.

No início da nova aula, Ana retomou o assunto, afirmando que a tabela já

estava completa e que, então, iriam construir o gráfico.

− Com a tabela concluída, vamos agora colocar esses valores no gráfico.

Na verdade o que é um gráfico no plano cartesiano?

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Os alunos não respondem.

− Esses gráficos que estamos fazendo no caderno, que características eles

têm? Nós fizemos vários gráficos, como o gráfico de pizza, barra, coluna,

e também o gráfico de linha, onde a gente colocava dois eixos.

O gráfico cartesiano é caracterizado pelo seguinte: são dois eixos

orientados que se cruzam, ou seja, é uma reta orientada dos valores menores

para os valores maiores e eles se cruzam no centro do plano cartesiano que é a

chamada origem, onde os valores abaixo do zero são os valores negativos e os

valores acima do zero são os valores positivos. No eixo horizontal, os valores

antes do zero são os negativos e após o zero são os valores positivos, e têm um

nome esses eixos, o eixo horizontal é chamado de abscissa e também conhecido

como eixo x, onde no nosso caso iremos colocar os valores do diâmetro.

O eixo vertical é chamamos de eixo das ordenadas, também conhecido

como eixo y, onde iremos colocar os valores da circunferência; portanto,

colocaremos os valores do diâmetro na abscissa e os valores da circunferência na

ordenada. Vocês se lembram dos pares ordenados? Então, por exemplo, se eu

tenho um valor para x = 1 e a ele vai corresponder um valor y = 4. Associando

esses valores, no caso (1,4), esse par de números que um corresponde ao outro

é chamado de coordenada.

Sabe aquela historia da batalha naval que você localiza um ponto que vai

ser atingido. No nosso caso, o mar seria o plano, e nesse sistema de eixos você

vai localizar os alvos.

− Os submarinos, destroyers, navios.

− Isso mesmo, nesse caso se o submarino da batalha naval estiver

localizado aqui no nosso plano cartesiano, como é que você vai

especificar a localização deles? Você vai dizer o valor da coordenada

dele, no caso 1 e 4.

− Outra coisa, se pensarmos no plano como um todo, os dois eixos que se

cruzam na origem dividem o espaço em quantas partes?

− Quatro.

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− Cada uma dessas partes é chamada de quadrante. Aqui temos o 1º

quadrante. Onde vocês acham que está o 2º quadrante? Onde vocês

colocariam o 2º quadrante?

Os alunos olham e cada um aponta onde colocaria o 2º quadrante. Ana

explica que a ordem dos quadrantes obedece ao sentido horário.

− Pensem no ponteiro do relógio, ele gira no sentido horário (gesticula com

as mãos para os alunos, mostrando como é o sentido horário). Como

seria o sentido anti-horário?

− O contrário. (Alguns alunos gesticulam com as mãos).

− Então, o sentido para dar nome ao quadrante é o sentido anti-horário, ou

seja, contrário ao giro dos ponteiros do relógio. No nosso gráfico vamos

trabalhar com o quadrante que tem os valores de x e de y positivos,

porque o diâmetro e o comprimento da circunferência são medidas

positivas.

Ao fazer uma analogia do plano cartesiano com regras do jogo da batalha

naval, explicar o sentido anti-horário, utilizando como exemplo os ponteiros do

relógio, Ana possibilitou que o aluno utilizasse os conceitos matemáticos para

compreender e fazer analogias situações presentes no seu mundo vida,

características essas que podemos encontrar no Componente social.

Ana começa a traçar os eixos na lousa e pergunta: Qual o nome, no caso

desse exemplo que estamos fazendo, da variável x?

− Não sei, fala aí. [responde um aluno, enquanto os demais observam].

− Já falei é a abscissa, mas no caso da nossa medida é o diâmetro ou a

circunferência?

− Diâmetro. [respondem os alunos]

− Vamos colocar o diâmetro em que unidade?

− Ah! não sei, depende... [responde o mesmo aluno].

− Você não estava na aula de segunda feira...

− Não tava meu. [afirma o aluno]

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− Então, nós medimos com a régua e com a fita métrica, e qual a unidade

de medida que utilizamos? Em milímetro? Em centímetro? Em metro?

− Em centímetros, [respondem os alunos].

− Vamos concentrar nossa atenção no 1º quadrante do plano cartesiano, e

construir a escala numérica para colocar esses valores. Para isso temos

que saber o limite, que vai do menor diâmetro até o maior. Qual o menor

diâmetro que vocês têm na tabela?

− 2,5 cm. [respondem os alunos]

− Isso mesmo, 2,5 cm, acho que foi o valor do botom. Então, o menor valor

é 2,5 cm, e o maior foi a tampa de lixo, mas como o valor da tampa está

muito distante do nosso conjunto de valores, não vamos colocá-la.

A professora pega uma folha quadriculada e pede para que os alunos

façam o mesmo, para que verifiquem o modo como irão colocar os dados na

folha. No caso, na vertical serão colocados os dados do comprimento da

circunferência e na horizontal os valores do diâmetro.

− Sendo a maior medida 12 cm, se colocarmos de um em um quadradinho,

quantos quadradinhos teremos que usar?

− 12 quadradinhos. [respondem os alunos]

− Contem e vejam se dá para colocar.

− Dá para colocar metade. [responde um aluno]

− erá que dá para pôr, então, de dois em dois quadradinhos cada cm para

ocupar todo o espaço do papel?

− Dá sim, professora. De dois em dois quadradinhos dá. [responde um

aluno]

− Então vamos fazer a cada dois quadradinhos, que, na verdade, é um

centímetro, então nós vamos representar 1 cm mesmo, olha que

interessante, se vocês pegarem a régua, cada quadradinho tem 0,5 cm.

Então a cada dois quadradinhos vocês tê1cm. E aí vocês vão localizar os

valores de diâmetro na reta numérica. Vamos colocar até 12 cm porque o

maior valor é 11,8. Vamos lá, que nosso tempo é rápido. Qual o maior

valor da circunferência? Acho que 40 cm ou 39 cm, né?

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− 39 cm professora [responde um aluno]

− Então vamos fazer de 5 cm em 5 cm cada dois quadradinhos, que acho

que dá. Essa é uma sugestão, mas se quiserem podem fazer de outro

jeito também.

Um aluno fala que não tem régua para fazer. A professora explica que ele

recebeu o papel quadriculado, e embora menos preciso, dá para ele fazer; dirige-

se até o aluno e mostra como ele pode fazer. Conforme anda pela sala, os alunos

vão perguntando se o modo que eles estão fazendo está certo, pois cada qual

adota uma escala. Ana vai olhando cada um, até o final da aula.

Poderíamos conjecturar que seria mais simples e rápido se Ana já dissesse

aos alunos qual a medida exata poderiam “todos” utilizar, mais eis que aí se

encontra o desafio, o mistério, para os alunos. O modo como Ana propôs

possibilitou que fossem juntos construindo a ideia, no caso, qual a melhor escala

poderiam utilizar. Percebemos também que essa descoberta foi de uma maneira

direcionada, convencionando-se, desse modo, que para o eixo das ordenadas

seria colocado o valor circunferência, utilizando dois quadradinhos para

representar cada centímetro, e no eixo das abscissas, o valor do diâmetro,

utilizando 5 cm a cada dois quadradinhos.

Como o tempo não foi suficiente para fazer a construção do gráfico, teve

que retomar o trabalho no início da aula seguinte. A aula começa com a

professora traçando o eixo x e y na lousa, ao que um aluno pergunta:

− É para copiar isso aí professora?

− Sim.

− No caderno?

− No caderno, ou melhor, fazer no papel quadriculado.

Outro aluno pergunta: É pra copiar isso que você ta escrevendo aí agora?

− Do que você ta falando?

− Do gráfico.

− É para fazer, não é para copiar, é diferente... é para você ir

acompanhando e fazendo no seu papel quadriculado.

− Qual? (referindo-se a qual papel quadriculado)

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A professora pede para que uma aluna dê o papel quadriculado ao aluno.

− Mas tem que fazer na folha?

− Tem que fazer, não é copiar, porque quando é só copiado você nem

entende o que está fazendo, você vai ter que ter a tabela do lado, porque

eu não tenho a tabela aqui e não vou copiá-la de novo, senta com

alguém que tem a tabela, que eu vou fazer os primeiros e vocês

continuam os seguintes.

Uma aluna interfere, dizendo que esses alunos estavam presentes no dia,

mas como ficaram conversando não anotaram os dados da tabela no caderno.

A professora tenta prosseguir, mas um dos alunos levanta para mostrar o

caderno e para a professora ver se ele tem a tabela. Mais uma vez, a professora

tenta prosseguir, mas nessa aula os alunos se mostram falantes e dispersos.

− Psiu... vocês falam muito junto comigo, assim ninguém entende nada,

nem eu entendo.

Mas, ainda assim, os alunos continuam a conversar na aula, sendo que os

que não estão com a tabela sentam com alguns colegas para pegar os dados.

Diante do tumulto a professora tenta explicar como irão fazer o gráfico, mas não

consegue prosseguir.

− Gente, posso falar? Vamos retomar, já falei desde o primeiro dia de aula

para vocês, os meus alunos eu não quero que sejam papagaios, que

fiquem só repetindo, nós somos seres pensantes, temos que pensar e

entender o que está sendo falando, não só copiando, copiando,

copiando, então eu gosto que os meus alunos participem da aula, então

vamos juntos. Vamos colocar a escala do diâmetro em centímetros.

Olhando na tabela, olhem para a tabela, olhem para a ta- be-la, [fala

pausadamente, e em tom mais alto] vamos fazer a leitura da tabela

[reforça a fala para que os alunos se concentrem].

− Com relação ao diâmetro, qual o menor diâmetro que vocês mediram?

− 2.5 cm [respondem os alunos]

− E qual foi o maior, tirando o valor do lixo?

− 11,8 cm [respondem os alunos]

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− Então vamos fazer uma escala de 0 a 15 cm [referindo-se ao eixo das

abscissas, onde coloca o valor do diâmetro], vamos pôr um pouco a mais

para ficar esteticamente melhor. No quadriculado anotem como se fosse

uma régua e anotem só a divisão maior, de 5 cm em 5 cm e cada

quadradinho valendo 1 cm. No valor do diâmetro vamos colocar cada

quadradinho valendo 1 cm. Ana coloca os valores na lousa.

Percebemos que nenhum aluno, dos que estavam presentes na última

aula, lembrou a professora de que já haviam convencionado que seria de 2 cm

em 2 cm. Ana vai caminhando pela sala para ver o modo que os alunos estão

fazendo. Durante seu percurso pela sala vai de mesa em mesa, observando se os

alunos estão conseguindo fazer. Alguns alunos utilizam a escala proposta por

Ana, outros preferem utilizar outras.

− Quero que vocês acompanhem, para depois vocês fazerem um

exercício. Agora vamos construir a escala da circunferência.

Vai caminhando na sala e pergunta para uma aluna. Onde esta sua tabela?

− Minha tabela está aqui na minha mente. [em tom de brincadeira]

A professora seriamente vai retornando para a frente da sala e a aluna

então diz.

− Olha aqui minha tabela, professora.

− Não [diante da brincadeira a professora prefere não mais olhar a tabela]

− Olha aqui [insiste], olha aqui a minha tabela professora. A professora

retorna e a aluna mostra a tabela no caderno.

− Agora localize na sua tabela a menor circunferência e a maior

circunferência medidas aqui na sala.

− 2,5 cm. [responde a aluna]

− Isso é diâmetro ou circunferência?

− Eu não marquei professora.

− O que é o diâmetro gente? [perguntando a todos da sala]

Um aluno responde: A circunferência menor é 8,5.

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A professora retoma, explicando que circunferência é a medida da volta

toda que eles mediram, e diâmetro é a medida da distância entre os pontos. E

continua: Qual o maior valor da circunferência?

− 133 cm [responde um aluno]

− Não, esse valor nós excluímos, que é o valor da boca do lixo, qual o

outro valor?

− 39,2 cm. [responde o mesmo aluno]

Alguns alunos ainda estão com dificuldade para colocar os valores na

abscissa, então a professora novamente caminha entre eles, indo de mesa em

mesa, atendendo todos os alunos que estavam com dificuldade em colocar os

valores no gráfico. À medida que atende os alunos em sua mesa, alguns alunos

mostram o modo como estão fazendo. Alguns utilizam a escala adotada por Ana,

outros adotam outras escalas.

A professora retorna à lousa e continua.

− Qual o valor que vocês falaram?

− 39,2 [respondem os alunos]

− Então vamos fazer 0,40cm.

− 0,40 professora? Será que cabe? [pergunta um aluno]

A professora vai ate a mesa do aluno para verificar se cabe no

quadriculado

O sinal toca... e uma aluna diz:

− Tchau professora

− São duas aulas...

− Duas hoje??? [em tom alto e irônico...]

− Nós não estamos no fundamental da tarde estamos numa sala de EJA.

− Que EJA?

− Educação de jovens e adultos.

− Que adultos professora? (mais uma vez em tom de ironia).

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A professora continua na mesa do aluno, e após verificar no quadriculado,

diz:

− Então aqui nós vamos fazer diferente. Cada quadradinho aqui vai valer

dois, de modo que se quando a gente andar cinco quadradinhos vamos

ter o número 10, vamos fazer uma escala reduzida, porque nós temos

que ir até 40.

Um aluno chama a professora e fala que fez de 10 em 10.

− Parabéns, você não estava fazendo nada... [em tom de admiração], olha

ele estava conversando e fez tudo!! Se vocês fizerem como ele fez, vai

ficar lá no limite [da folha quadriculada], pode ser que até falte um

[quadradinho], mas não tem problema, se faltar espaço é só colar a folha

no caderno e completar. Eu não vou fazer assim porque a lousa não vai

dar, então eu vou fazer menor.

Entram mais dois alunos, a professora distribui a folha quadriculada e pede

que coloquem os dados no gráfico. Caminha até a mesa de alguns alunos que

estão com dificuldades e os auxilia.

Chama a atenção de uma aluna que não está fazendo a tarefa e pede que

depois ela faça o gráfico, pois essa atividade irá valer nota. Os alunos começam a

falar demais, a professora percebe que eles começaram a perder o foco da

atividade, então se dirige à frente da sala e solicita que eles olhem para a tabela e

procurem no gráfico traçado na lousa onde se encontra o valor 2,5 cm do

diâmetro.

Os alunos olham para a lousa e Ana continua.

− É aqui né, na metade entre 0 e 5. Agora vou procurar qual o valor da

circunferência correspondente, quando o diâmetro é 2,5 cm, quanto

mede a circunferência?

− 8,5 cm [respondem os alunos]

− Então, esse é o ponto que representa o par ordenado 2,5 e 8,5. Ana

coloca os valores no gráfico.

− E o segundo ponto, qual é? O maior depois de 2,5 cm?

− 3,5 [respondem os alunos]

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− Isso 3,5 cm, agora vocês vão fazendo, se tiverem dúvida me chamem

porque eu vou fazer o meu, o processo é esse, eu não quero que vocês

copiem, quero que olhem na tabela, procurem o próximo valor do

diâmetro e vejam a que valor corresponde à circunferência.

− Qual é o primeiro professora? [Pergunta um aluno].

Nesse momento, percebendo que alguns alunos ao fundo não sabiam

sequer qual era o primeiro número da tabela, pede para que tirem o fone do

ouvido [estavam ouvindo música] e guardem o equipamento eletrônico, desse

modo poderiam prestar mais atenção, e assim ela não precisaria falar tão alto.

Como alguns alunos não têm a tabela, assim como alguns alunos que

entraram ao longo da aula, mesmo que a princípio Ana tenha afirmado que não

colocaria os dados da tabela na lousa, nesse momento decide colocá-los, para

que os alunos que não têm os valores possam traçar o gráfico. No entanto, ao

perguntar aos alunos quais os valores da tabela, percebemos que os valores que

estes informam diferem dos valores anotados na primeira tabela.

Tabela 8. Valores da circunferência e do diâmetro

D(cm) C(cm)

0 0

2,5 8,5

3,5 12

4,0 12

4,5 13

5,5 18

6,5 20

9,0 32,0

11,8 39,2

− Tô perdido aqui, professora [fala um aluno].

− Você tem a tabela? [como o aluno não tem a tabela, Ana vai até o aluno,

pede para ele olhar os valores da lousa e explica como colocar os pontos

no gráfico]. Dirige-se à lousa e continua colocando as coordenadas dos

pontos no gráfico.

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− Pronto, esses são os pontos experimentais dos valores... [não consegue

concluir, pois uma aluna interrompe]

− Esse aí é qual professora? Esse último aí [referindo-se à coordenada dos

pontos].

− Qual você acha que é? Localize na tabela o par ordenado que

corresponde a esse ponto aqui.

− Qual que é?

− Eu que pergunto.

− 11?

− Qual o valor de diâmetro correspondente a esse ponto aqui?

− 12

− Isso mesmo, faça assim com todos.

A professora se dirige à classe novamente, perguntando se alguém ainda

tem dúvida. Conforme anda pela sala, pega o gráfico de uma aluna que terminou

e mostra aos demais alunos da sala como fica o gráfico pronto. Uma outra aluna

mostra que utilizou uma escala menor.

− Isso mesmo, que belezura! [elogia a professora]

Continua auxiliando os demais até o término da aula, indo mesa por mesa,

conforme os alunos a chamam.

Figura 8. Valores colocados na lousa pela professora

Foto autorizada pela Professora.

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− Vamos agora traçar um reta, não vai passar por todos os pontos, mas vai

passar mais ou menos, mas passando pela origem que é o zero.

Ana traça a reta passando pela origem [o zero], pede para os alunos

fazerem o mesmo com o seu gráfico, e após colar a folha quadriculada no

caderno. Coloca algumas questões na lousa, e pede para os alunos copiarem e

respondam no caderno.

E Ana conclui:

É tão bom... ver que conseguiram...primeiro o tumulto e agora essa paz!

Os minutos seguintes da aula, a professora utiliza para ir de mesa em

mesa verificar como os alunos estão construindo o gráfico. Avisa aos alunos que,

como avaliação, irá olhar e “carimbar” o gráfico no caderno, reforça que vale nota

a construção do gráfico. Também passa algumas questões para eles

responderem no caderno e trazerem na próxima aula.

• Determine o valor da circunferência para o diâmetro 8 cm.

• Encontre o diâmetro de um objeto cujo valor da circunferência seja 30

cm.

• Ache a relação matemática entre C e D.

• Calcule o valor médio da razão C/D.

Na aula seguinte a professora Ana fez um fechamento da atividade,

explicando aos alunos que a razão entre o perímetro de uma circunferência e o

seu diâmetro produz o número Pi, que é representado pela letra grega π, e na

maioria dos cálculos é comum aproximar o valor de π para 3,14. Portanto, se uma

circunferência tem perímetro P e o diâmetro D, o número Pi será a razão entre

eles. Salientou, também, que em atividades de medição deve-se sempre

considerar o erro na medição do objeto. A seguir, começa a olhar e carimbar os

cadernos dos alunos, verificando o modo como eles construíram o gráfico no

caderno e como responderam as questões propostas.

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4.3 Reflexões sobre as observações das atividades e seu desenvolvimento

Em busca de responder nossa questão de pesquisa e discorrer sobre as

observações do currículo de Matemática praticado em uma turma da Educação

de Jovens e Adultos, nesse momento iremos proceder à análise das aulas da

professora e das tarefas propostas, considerando nossas reflexões a partir das

seis categorias que elegemos numa perspectiva cultural e com base nos teóricos

utilizados. Com relação ao princípio do enfoque cultural do currículo de

Matemática, iremos identificar a presença ou a ausência dos descritores:

representatividade, formalismo, acessibilidade, poder explicativo e concepção

ampla e elementar.

No diálogo estabelecido entre a professora e os alunos, detectamos a

presença do valor denominado progresso, pois, a todo o momento, a professora

estimulava o desenvolvimento do pensamento matemático dos alunos por meio

de seus questionamentos, ouvindo suas intervenções atentamente e acreditando

no desempenho dos alunos. Também encontramos a presença do sentimento

controle, quando Ana pediu para que colocassem os valores do diâmetro e da

circunferência na tabela em ordem crescente; de abertura, quando a professora

estimulou os alunos a explicarem, demonstrarem, entendendo a lógica

empregada, por exemplo, quando pediu para o aluno medir o diâmetro e localizar

através da medição onde ficava o diâmetro, a maior distância entre dois pontos;

nas ideias, mistério, quando a professora enfatiza as ideias abstratas da

Matemática, portanto ela propicia a construção do conhecimento ao estimular os

alunos a atribuírem significados às ideias abstratas.

Podemos constatar que toda manifestação da professora em relação à fala

dos alunos é acompanhada de um reforço verbal ou de gestos de confirmação ou

negação. Desse modo, no decorrer da atividade, encontramos a presença do

enfoque cultural do currículo de Matemática relacionado à representatividade,

pois a professora enfatiza não apenas a linguagem matemática, mas proporciona

aos alunos percorrerem os caminhos das ideias intuitivas, das teorizações para

explicar determinados fenômenos, possibilitando que compreendam as ideias

matemáticas envolvidas. Sendo assim, o conhecimento não é apresentado como

pronto ou fechado, mas ao contrário, a professora vai construindo esse

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conhecimento aos poucos, primeiro a partir da observação, depois através de

seus questionamentos.

O princípio da representatividade pressupõe a reapresentação da cultura

Matemática considerando não apenas a tecnologia simbólica particular

desenvolvida nas atividades universais (contar, localizar, medir, desenhar, jogar,

explicar); inclui, também, os valores específicos próprios da cultura matemática:

ideologia do racionalismo, ideologia do objetismo, controle dos sentidos,

sentimento de progresso, sociologia da abertura e sociologia do mistério.

Um momento da aula que oportunizou esse princípio foi quando a

professora solicitou aos alunos medissem o diâmetro e a circunferência dos

objetos. Nesse momento, para realizar a medição do objeto cada aluno adotou

uma estratégia própria; assim, enquanto uns mediram utilizando a régua, outros

utilizaram a fita métrica, e outros mediram com o barbante, para depois passarem

a medida desse comprimento na régua. Desse modo, com o uso de estratégias

próprias, puderam medir os objetos, comprovar os valores encontrados e

socializar, num segundo momento, esses valores.

No desenvolvimento da atividade, a professora Ana estabeleceu uma

relação de interação com os alunos, circulando o tempo todo na sala,

conversando com eles, e através de seus questionamentos procurando articular o

saber informal com saberes técnicos. Por exemplo, no momento em que

perguntou quais formas os alunos observam nos objetos, a partir da resposta

“redondo”, ela constrói junto com os alunos alguns conceitos referentes às teorias,

aos elementos da circunferência, e à diferença entre círculo e circunferência.

Desse modo, nos processos desenvolvidos pelos alunos, ao procurar

articular o saber informal com saberes técnicos, explora os significados, os

conceitos, e incute nesse momento o princípio do enfoque cultural formalismo.

Um momento da aula em que pudemos encontrar esse princípio foi quando a

professora desenhou na lousa uma circunferência e ligou vários pontos dentro

dessa circunferência, perguntando aos alunos quais dos pontos representariam o

diâmetro. Quando o aluno se referiu ao diâmetro como sendo aquele que “divide o

meio certo”, Ana respeitou a linguagem utilizada pelo aluno, e complementou sua

observação afirmando: “Você quer dizer que é porque ele passa bem no meio, no

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centro da circunferência. Então diâmetro é a distancia entre dois pontos da

circunferência quando passa pelo meio, no ponto central, ou seja, exatamente na

metade”.

O princípio da acessibilidade também foi contemplado na atividade

desenvolvida, pois as situações de aprendizagem partiam do contexto dos alunos,

de suas experiências, seus conhecimentos, para o contexto da Matemática.

Notamos a presença desse princípio na aula, pois, primeiro, Ana perguntava ao

aluno o nome que ele daria a determinado conceito ou objeto, para depois

construir a teoria. Um fato interessante, é que a professora já tinha como objetivo

que os alunos medissem o diâmetro da circunferência, no entanto, em momento

algum ela pediu de modo direto para que os alunos o fizessem. Podemos

observar que, através dos questionamentos da professora é que o elemento

“diâmetro” foi mencionado por um aluno e o modo como mediriam o diâmetro

também foi indicado por eles.

Apresentando as explicações dos conceitos e aplicando os conceitos e

ideias de modo prático, incute também o princípio do poder explicativo. Desse

modo, em diferentes momentos no decorrer da aula os alunos com o uso de

estratégias próprias, após medirem os objetos, e comprovarem os valores

encontrados, puderam articular suas ideias e socializar os valores encontrados.

Na construção do gráfico, a professora sugeriu uma escala que eles poderiam

adotar, mas deixou livre para que cada um optasse por sua estratégia.

Ao estabelecer conexões das ideias matemáticas dentro do próprio

contexto matemático durante a atividade, oportunizou o princípio da concepção

ampla e elementar.

Em relação aos indicadores dos componentes do currículo de enculturação

– Simbólico, Social e Cultural – encontramos a presença do componente

simbólico quando, ao interligar os conceitos matemáticos, contemplou, em

diferentes momentos da aula, as seis atividades universais: explicar, contar,

localizar, medir, desenhar e jogar.

A atividade desenhar é contemplada quando, ao observar as formas

geométricas, tanto as que estão no ambiente – como a tampa do cesto do lixo,

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grade do ventilador – como as que a professora trouxe – CD, botom, tubo de PVC

– e as que os alunos trouxeram – batom, espelho – os alunos as desenharam no

caderno. Desse modo, o aspecto desenhar pode ser encontrado quando, partindo

da observação das formas geométricas dos objetos, os alunos desenharam sua

forma no caderno para, depois, medir o diâmetro, o que favoreceu, além de

estudar suas propriedades, verificar sua interação e a oportunidade contempla

também a abstração. Entendemos que, desse modo a professora, partia de

situações relacionadas ao entorno do aluno, o que possibilitou uma maior

interação e acessibilidade dos alunos com o saber matemático.

Identificamos a atividade medir quando, após desenhar no caderno, os

alunos procederam à medição dos mesmos objetos, utilizando como instrumentos

de medida – régua, fita métrica, barbante – o que favoreceu ao aluno explorar os

objetos e os conceitos de diâmetro e circunferência e cada aluno, ao fazer sua

escolha relacionada à qual instrumento estaria utilizando para fazer a medição

pôde socializar a sua escolha. Nesse contexto, entendemos que, ao explicar o

modo como estavam medindo o diâmetro e a circunferência, puderam utilizar

argumentos fundamentados nos saberes matemáticos para explicar os

procedimentos que utilizaram para chegar no valor encontrado. Esse momento da

atividade também possibilitou que o aluno pudesse explicar matematicamente o

modo como pensaram e chegaram até as resoluções apresentadas;

identificamos, portanto, nesse momento a atividade universal medir.

Ao longo da atividade, em vários momentos encontramos a atividade

contar. Após desenhar e medir os objetos, o aluno registrava e quantificava as

informações encontradas. Portanto, foi necessário observar, analisar como medir,

anotar os resultados, comparar com os valores encontrados com os colegas de

sala, transpor os dados para o caderno, colocar esses dados em ordem crescente

na tabela e depois proceder à construção do gráfico. Ao propor que os alunos

colocassem os dados em uma tabela, e depois construíssem um gráfico com

esses valores, a professora proporcionou a utilização da atividade universal

localizar.

Em relação à atividade jogar embora não utilizada pelos alunos, a

professora faz menção em relação a essa atividade universal, ao comparar o jogo

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batalha naval, com o plano cartesiano, em que o mar seria o plano, e para

afundar os submarinos a localização seria dada pelo sistema de eixos.

Em nossas observações notamos a presença das atividades universais em

outros momentos da atividade proposta pela professora, algumas vezes estas

aparecem sozinhas e em outros momentos interagindo uma com a outra. Bishop

(1999) enfatiza que esses conceitos devem ser tratados como eixos

organizadores do currículo, os quais devem ser abordados em atividades com

contextos ricos relacionados com o mundo-vida dos alunos, deve explorar seu

significado, sua lógica, e fazer conexões com as ideias Matemáticas, o que

possibilita exemplificar e validar o poder explicativo.

Desse modo, a professora, ao propor essa atividade propicia que os alunos

mobilizem saberes e percorram o caminho da descoberta, façam pesquisas,

deduções e verificações apresentando processos de verificação que contemplam

os aspectos do currículo enculturador.

Podemos identificar em nossas observações a presença do componente do

currículo de enculturação relacionada ao componente social. Ao apresentar para

os alunos objetos que estão presentes em seu cotidiano, como tampa do cesto de

lixo, varão da cortina da sala de aula, tampa de garrafa, CDs, entre outros,

entendemos que a professora proporciona a articulação das situações

matemática com fatos sociais presentes no mundo e, ao promover nos alunos

atitudes investigativas, possibilita que eles compreendam e construam as ideias

matemáticas.

A professora poderia ter apresentado os dados já escritos em uma tabela e

solicitar apenas que os alunos calculassem a razão entre eles, mas ao manipular

os objetos e fazer a medição, a professora Ana possibilitou aos alunos que

interagissem com os materiais, observando, manipulando, medindo, o que

possibilita uma aprendizagem significativa. Em certo momento da aula, Ana

perguntou aos alunos qual a maior medida de circunferência encontrada por eles,

na medição de um CD, ao que um aluno respondeu ter sido 139 cm. A professora

explicou, então, que aquele valor seria impossível, pois 100 centímetros fazem 1

metro, e não existe nenhum CD de “1 metro e 40 centímetros”.

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Para deixar bem clara a sua explicação, pega a fita métrica e com a ajuda

do aluno, medem a circunferência do lixo, mostrando ao aluno a diferença entre a

circunferência do lixo e a do CD. Este é um momento em que encontramos

características do poder explicativo, pois, ao medir a circunferência do lixo, o

aluno passa a compreender o modo correto de medir, utilizando a fita métrica, não

apenas por meio de regras técnicas, mas vivenciando a situação, e, portando,

conseguindo perceber, na prática, onde havia cometido seu erro ao dizer que o

CD media 139 cm, ao invés de 39 cm. Teve, também, como comparação o

tamanho do lixo, com 133 cm, com o do pequeno CD, o que o fez concluir ser

impossível aquela medida.

A presença do componente do currículo de enculturação relacionada ao

componente cultural é encontrada no decorrer da atividade em diferentes

momentos, ao considerarmos que, em relação aos alunos jovens e adultos a

aquisição do conhecimento matemático não se inicia apenas quando este

ingressa no processo formal de ensino, mas decorre de experiências vivenciadas

ao longo de sua trajetória de vida, portanto, ao socializar suas ideias, a sala de

aula passa a ser um local em que outros valores e as normas culturais entram em

contato.

Com relação aos descritores de critérios de seleção de conteúdos,

observamos que os conteúdos mais enfatizados são os que mostram a

aplicabilidade da Matemática relacionando ao cotidiano do aluno. Em diversos

momentos durante a aula, a professora exemplificava com situações conhecidas

pelos alunos. Na construção dos eixos das ordenadas e abscissas, ao mostrar a

localização dos quadrantes e que este são colocados em sentido anti-horário,

pediu para que os alunos fizessem uma analogia com os ponteiros do relógio, que

giram no sentido horário, e que no caso dos quadrantes esses são colocados em

sentido oposto ao giro dos ponteiros do relógio. Nesse momento pudemos

observar que muitos alunos olharam para seus relógios, e outros que não os

portavam olharam para os relógios dos colegas de sala.

No diálogo estabelecido entre a professora e os alunos, Ana atuava como

mediadora da aprendizagem; em alguns momentos, no decorrer da aula, ao

questionar os alunos, ajudava a dar significado aos conhecimentos matemáticos.

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No tocante aos alunos jovens e adultos é importante considerar esses

conhecimentos, pois sua aprendizagem matemática ocorre durante toda sua vida

e, portanto, antes mesmo de retornarem à escola. A necessidade de aprender

mais Matemática prepara-os para que construam ideias matemáticas cada vez

mais complexas e, aos poucos, elas vão sendo construídas junto com os alunos.

Com relação à organização dos conteúdos, para atender a esse descritor

utilizamos as ideias de Pires (2000), referentes à organização linear e à ideia de

rede.

Na entrevista com a professora Ana, ela nos relata que o objetivo da

atividade é transpor para um contexto prático o comprimento da circunferência, do

diâmetro, e após isso, descobrir a presença do número π. Para tanto, a

professora poderia organizar em uma tabela os valores do diâmetro e da

circunferência e solicitar aos alunos para que calculassem a razão entre eles. No

entanto, o modo como conduziu a atividade possibilitou que os alunos

compreendessem outros conceitos matemáticos, valorizando a cultura

matemática e, nesse contexto, pôde estimular a articulação entre os diversos

temas tratados atribuindo significado, ao que, no entender de Pires (2000),

a apropriação da Matemática, pelo aluno, não pode limitar-se ao

conhecimento formal de definições, de resultados, de técnicas e de

demonstrações: é indispensável que os conhecimentos tenham significado

para ele a partir de questões que lhe são colocadas e que saiba mobilizá-

las para resolver problemas” (PIRES, 2000, p. 36)

Nesse contexto, a forma como foi conduzida a atividade possibilitou que os

alunos trabalhassem e retomassem alguns conceitos como gráficos, médias,

cálculo de diâmetro, elementos da circunferência, razão, unidades de medida,

plano cartesiano, eixo das ordenadas, coordenadas, quadrante, escala de

medida, ângulos, números naturais, números decimais. Esse modo de trabalhar

permite perspectivas interessantes para o ensino na abordagem curricular em

rede, e proporciona maior flexibilidade com relação ao nível de abordagem,

respeitando o nível do aluno e possibilitando uma ampla investigação e

exploração dos diversos conteúdos do currículo de Matemática. Desse modo, o

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percurso curricular é ditado por uma aprendizagem significativa, sem a

necessidade de se prender na atual fragmentação do currículo.

Podemos observar na figura, os diversos conteúdos contemplados e

articulados no decorrer da atividade

Figura 9. Conteúdos contemplados na atividade

Fonte: Elaboração nossa.

Nesse percurso curricular, não há como prever qual caminho será o mais

curto, o mais fácil ou o mais interessante, pois à medida que os conteúdos são

apresentados, é por meio da interação com os alunos que o professor identifica

em quais momentos os eles apresentam maiores dificuldades. No entender de

Pires (2008),

Escolhidos alguns temas (nós), não importa quais, os primeiros fios

começam a ser puxados, dando início a percursos ditados pelas

significações numa ampliação de eixos temáticos. Com isso, há condições

de se fazer com que o estudo de qualquer conteúdo seja significativo para

o aluno e não justificado apenas pela sua qualidade de pré-requisito para

o estudo de outro conteúdo. (p. 54)

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Com relação aos critérios para a escolha do contexto Matemático, na

análise desse descritor utilizamos a matriz com os seis tipos diferentes de

ambientes de aprendizagem propostas por Skovsmose (2010), que combina a

distinção entre os dois paradigmas de práticas de sala de aula (exercícios e

cenários para investigação), com os três tipos de referência (referências à

matemática pura; referência à semirrealidade e referência à realidade), é possível

obter uma matriz com seis tipos diferentes de ambientes de aprendizagem.

Quadro 2. Ambientes de aprendizagem

Exercícios Cenário para Investigação

Referências à matemática pura (1) (2)

Referências à semirrealidade (3) (4)

Referências à realidade (5) (6)

Fonte: (SKOVSMOSE, 2010, p. 23)

Considerando os ambientes (1), (3) e (5) que se referem ao paradigma do

exercício com referência à Matemática pura, à semirrealidade e à realidade,

respectivamente, e os ambientes (2), (4) e (6) que se encontram no cenário para

investigação, iremos analisar em que momento esses ambientes se fazem

presentes na atividade proposta pela professora Ana.

Encontramos o paradigma do exercício referente à Matemática pura,

ambiente (1), no momento em que a professora pediu para que os alunos

fizessem a tabulação dos dados na tabela, em ordem crescente. Nesse momento,

predomina o uso de procedimentos e a utilização de regras, podendo fazer uso da

calculadora para verificar o valor da razão entre a circunferência e o diâmetro.

Ainda com relação à referência à Matemática pura também encontramos

situações que oportunizam o paradigma da investigação, ambiente (2), por

exemplo, quando o aluno utiliza de estratégias próprias para medir, calcular e

organizar sua escala na folha quadriculada.

Em relação à referência à semirrealidade, no tocante ao paradigma do

exercício, ambiente (3), e ao paradigma da investigação, ambiente (4), retoma-se

Skovsmose (2010) que indica que nesses ambientes predominam atividades que

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enfatizam situações artificiais e, portanto, localizados numa semirrealidade. Na

situação analisada os dados contidos nos exercícios foram coletados pelos

alunos, portando não são artificiais, e estão situados na realidade, ou seja, no

entorno do aluno.

O ambiente do tipo (5) e (6) fazem referência à realidade. Nesse ambiente,

as atividades são baseadas em situações vivenciadas pelos alunos, e têm como

finalidade o emprego de algoritmos e procedimentos práticos, considerando que

na atividade proposta os dados foram coletados pelos alunos.

Entendemos que a atividade apresentada pela professora Ana contempla

esse ambiente de aprendizagem, pois a todo o momento ela instiga, orienta, e

medeia a aprendizagem, proporcionando ao aluno assumir a posição de sujeito

ativo na construção do conhecimento, utilizando diferentes estratégias de

resolução. Desse modo, a atividade proposta contempla tanto a perspectiva do

paradigma do exercício, ambiente (5), como a perspectiva do paradigma da

investigação, ambiente (6).

Com relação à metodologia adotada pela professora, utiliza diferentes

estratégias no desenvolvimento da atividade, propiciando ao aluno encontrar o

melhor caminho, através de estratégias próprias, pois podendo fazer uso do

barbante, fita métrica ou régua, eles podem decidir qual o melhor método, sendo

estimulados a utilizar estratégias próprias, para conseguir a medição necessária.

Com relação à presença de comentários dos alunos com linguagem e

conhecimento próprio, a professora procurava respeitar a linguagem e o

conhecimento do aluno.

Ao pedir para que eles observassem ao seu redor na sala de aula,

observaram formas redondas, um aluno se referiu ao varão da cortina, como

sendo o “bagulho da cortina”, mas em nenhum momento, tanto nessa passagem

como em outras, a professora desapontou o aluno se exigindo o nome “exato” ou

ao que comumente é utilizado; ao contrário, respeitou sua linguagem, mas

orientou discretamente quanto ao nome utilizado, como observamos quando ela

retorna ao aluno: “isso... o varão da cortina”.

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A professora atuou como mediadora da aprendizagem, pautada no diálogo

com os alunos; em alguns momentos ao questioná-los e conforme a resposta

dada, pedia para que justificassem sua escolha, caso, por exemplo, de quando

deu a régua e o CD para o aluno medir e mostrar qual modo ele mediria o

diâmetro.

Com relação à progressão dos desafios, a Professora Ana permitiu que o

aluno utilizasse os dados para resolver problemas mais complexos, no nosso

caso, a partir das medidas os alunos puderam construir o gráfico, calcular a

média. Ana perguntou aos alunos quais formas tinham os objetos que ela expôs

na mesa, ao que os alunos responderam que eram redondos, a partir do que, aos

poucos, ela foi construindo a teoria de círculo, circunferência, respeitando,

portanto a capacidade intelectual do aluno.

Desse modo, a professora ao propor essas atividades propiciou a

oportunidade de os alunos mobilizarem saberes e percorrerem o caminho da

descoberta, estimulando-os a que façam pesquisas, deduções e verificações;

procura transmitir ao aluno conhecimentos próprios da cultura formal da

Matemática, possibilitando a interação da linguagem informal, aquela próxima do

cotidiano do aluno para uma linguagem matemática formal.

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CCOONNCCLLUUSSÕÕEESS EE CCOONNSSIIDDEERRAAÇÇÕÕEESS FFIINNAAIISS

Na dialogicidade, na problematização, educador-educando e educando educador vão ambos desenvolvendo uma postura crítica da qual resulta a percepção de que este conjunto de saber se encontra em interação. Saber que reflete o mundo e os homens, no mundo e com ele, explicando o mundo, mas sobretudo, tendo de justificar-se na sua transformação. (FREIRE, 1983, p. 36)

Ao concluir esta pesquisa, gostaria de destacar, inicialmente, a importância

do curso de Mestrado Acadêmico em Educação Matemática no meu

desenvolvimento profissional, pois possibilitou ampliar meus conhecimentos sobre

a Educação de Jovens e Adultos. Nessa trajetória, foram de grande relevância as

disciplinas que cursei durante o mestrado, a participação no grupo de pesquisa,

as leituras realizadas, as reflexões e as intervenções pontuais de minha

orientadora.

O contato com o grupo de pesquisa possibilitou-me entender, por meio de

pesquisa, o processo de organização e desenvolvimento curricular de Matemática

para a Educação de Jovens e Adultos e a discussão dos dados desse estudo

levou-me a questionar, inclusive, minha prática, compartilhando minhas angústias

com os professores da escola em que leciono.

No trabalho, apresentamos alguns aspectos da trajetória da Educação de

Jovens e Adultos no Brasil, com a finalidade de situar as discussões atuais sobre

essa modalidade e entender o grau de importância que sempre foi dado à EJA e,

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embora possamos encontrar avanços em diversos aspectos no caminho

percorrido, a princípio poucos são os olhares lançados para o fazer dos

educadores.

Desse modo, partimos do pressuposto de que, ao se pensar em uma

política pública para o público jovem e adulto, é necessário conhecer além do

perfil desses alunos que compõem a EJA e pensar na formação do professor,

quando nos referimos à organização e ao desenvolvimento curricular. Nesse

caso, o papel do professor frente ao currículo é determinante no processo de

ensino-aprendizagem e, em especial, quando nos reportamos à Educação de

Jovens e Adultos, que possui especificidades diferentes do ensino regular, pois é

o docente quem fará a transposição do currículo apresentado para o currículo

praticado pelos alunos.

Nessa perspectiva, com o desenvolvimento da pesquisa, procuramos

responder a seguinte questão diretriz: – De que modo o currículo de Matemática é

praticado pelo professor, em uma turma da Educação de Jovens e Adultos? Ao

delimitar nosso problema de pesquisa também procuramos responder outras

questões que se desdobraram a partir dessa:

• Quais elementos enculturadores estão presentes no currículo praticado

por esse professor?

• Ao selecionar e organizar os conteúdos, de que modo procura estimular

o desenvolvimento dos conceitos matemáticos?

• Nas interações em sala de aula, quais são as opções metodológicas

contempladas?

Apoiados pelos estudos de Alan Bishop (1988, 1999, 2002), que faz

referência à Matemática em uma perspectiva cultural, presente em diferentes

culturas, a partir das seis atividades consideradas como universais, além dos

estudos de Célia Pires (2000) referentes à organização curricular com reflexões a

respeito do currículo linear e currículo em rede e, ainda, das contribuições de

Oleo Skovsmose (2010) referentes aos critérios para a escolha de contextos

matemáticos, procuramos respostas para nossas questões. Para tanto, optamos

por uma pesquisa qualitativa, realizando um estudo de caso, no qual os dados

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foram coletados a partir de trabalho de campo, tendo como espaço de

investigação as aulas de uma professora do 9º ano do Ensino Fundamental II, da

Educação de Jovens e Adultos.

Durante a entrevista percebemos na fala de Ana, um vínculo de cunho

afetivo ao se referir aos alunos da EJA, fato esse que pudemos comprovar ao

adentrar o espaço da sala de aula. Percebemos em nossas observações um

clima de interação, bem-estar e segurança dos alunos em função da prática da

professora.

Quanto ao modo que seleciona e organiza o material para trabalhar, na

entrevista Ana nos relata haver muito material disponível para o professor

adequar a essa modalidade de ensino e, em suas aulas, utiliza o livro didático,

apenas para algumas atividades, problemas ou exercícios, pois entende que o

livro didático é um apoio para o professor e um complemento às aulas para os

alunos, tendo o professor como condutor do processo. Nas observações em sala

de aula, em nenhum momento Ana utilizou o livro, confirmando o que ela afirma

na entrevista, que somente “em algumas atividades” ela faz uso do mesmo. Mas

mesmo não utilizando o livro durante a atividade desenvolvida, ela sempre levava

dois livros didáticos e deixava-os sobre a mesa.

Com relação aos recursos disponíveis, Ana nos relata que utiliza o

computador, a calculadora, materiais de geometria e instrumentos de medida,

livros diversos. Em nossas observações percebemos que Ana fez uso de quase

todos os instrumentos mencionados. Com relação ao uso do computador,

geralmente ela o utiliza para fazer um fechamento da atividade, mas como esse

recurso não estava disponível no momento ela não pode utilizá-lo.

Considerando que na sala de aula, o professor coloca em prática as ações

que planejou por meio de nossas observações, com relação aos elementos

enculturadores presentes no currículo praticado, percebemos a presença de

princípios do enfoque cultural (representatividade, formalismo, acessibilidade,

poder explicativo concepção ampla e elementar) e dos componentes (simbólico,

social, cultural) que caracterizam um currículo de enculturação. Apesar de

identificarmos a presença desses elementos, gostaríamos de salientar que sua

presença se dá em momentos pontuais no decorrer da atividade; em alguns

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momentos, dependendo da abordagem conferida pela professora, aparecem

juntos interagindo um com o outro e, em outros momentos, isoladamente.

Entendemos que a presença desses elementos é propícia ao ensino da

Matemática, pois em relação à Educação Matemática de pessoas jovens e

adultas, a aquisição do conhecimento matemático não se inicia apenas quando

ingressam no processo formal de ensino, mas decorre de experiências

vivenciadas ao longo de sua trajetória de vida. Desse modo, é necessário que o

professor, ao fazer a transposição do currículo apresentado, possibilite uma

aproximação do saber formal, assumido pela escola, com os saberes que os

alunos trazem de suas vivências, e explore processos de abstração,

argumentação e teorizações, incentivando discussões por parte dos alunos na

busca das explicações.

Com relação à seleção e organização dos conteúdos, entendemos que a

professora, ao propor uma atividade com contexto acessível, apropriada e

adaptada de acordo com nível dos alunos, respeita a capacidade intelectual dos

alunos. A variedade de contextos e situações oportunizadas durante a atividade

estimula o desenvolvimento dos conceitos matemáticos pelos educandos.

Entendemos, também, que o modo como a atividade foi conduzida contempla

uma abordagem curricular em rede, pois possibilitou que os alunos partissem de

uma situação simples, a princípio a observação dos objetos de forma dita

“redonda”, para outras mais complexas. Desse modo, por meio da generalização

das ideias, os alunos calcularam o valor do diâmetro, da circunferência, a razão

entre eles e procederam à construção de tabelas e gráficos.

A retomada constante de exemplos possibilitou que os alunos

mobilizassem seus saberes fazendo conexões com situações já conhecidas por

eles, o que favorece entender a aplicabilidade da matemática e, ao dar ênfase a

diferentes conhecimentos matemáticos no decorrer da aula, evidenciar a relação

entre eles. Também possibilitou perspectivas interessantes para o ensino na

abordagem curricular em rede, proporcionando maior flexibilidade com relação ao

nível de abordagem, contemplando uma maior investigação e exploração dos

diversos conteúdos do currículo de Matemática, ao relacionar números, álgebra e

geometria.

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Nas interações em sala de aula, pudemos perceber que as opções

metodológicas contempladas na atividade em alguns momentos faziam referência

à Matemática pura, tanto no paradigma do exercício, como no cenário para

investigação, visto que em alguns momentos da atividade predominaram o uso de

procedimentos e a utilização de regras e em outros momentos encontramos

situações que oportunizavam o paradigma da investigação, pois os alunos

assumiram o processo de exploração e, desse modo, o cenário de investigação

tornou-se um novo ambiente de aprendizagem.

Em nossas observações percebemos que, no decorrer da atividade, a

professora trabalhou no ambiente de aprendizagem relacionado à realidade, pois

os dados utilizados não foram valores artificiais, sugeridos por Ana, a professora,

o que contemplaria o ambiente situado numa semirrealidade. Desse modo, os

dados coletados pelos alunos por meio de suas observações e com a utilização

de estratégias próprias contemplaram o ambiente de aprendizagem relacionado à

realidade.

Para contemplar o ambiente de aprendizagem numa semirrealidade, a

professora poderia consolidar o que os alunos trabalharam por meio de exercícios

relacionados a situações hipotéticas, pois trabalhar somente no ambiente da

realidade pode desenvolver no aluno a sensação de que Matemática é apenas

utilitária naquela situação; acreditamos, portanto, que enfatizar situações artificiais

também pode proporcionar perspectivas interessantes de trabalho. Desse modo,

corroboramos o pensamento de Skovsmose (2010), ao sustentar que “a educação

matemática deve se mover entre os diferentes ambientes tal como apresentado

na matriz” (p. 32).

No tocante à metodologia adotada pela professora, percebemos que

atuava como mediadora da aprendizagem e oportunizava aos alunos que

utilizassem diferentes estratégias no desenvolvimento da atividade, o que

consideramos como positivo, pois permite maior flexibilidade ao propiciar ao aluno

a oportunidade de encontrar o melhor caminho através de estratégias próprias,

não ficando condicionado apenas ao que a professora coloca na lousa.

Com relação à presença de comentários dos alunos com linguagem e

conhecimento próprio, no decorrer da aula percebemos que a professora

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procurava respeitar-lhes a linguagem e o conhecimento que traziam. Com relação

à progressão dos desafios, percebemos que, na atividade proposta, a professora

procurou, a partir de uma situação mais simples conduzir os alunos a resolverem

situações mais complexas, propiciando que mobilizassem seus saberes e

percorressem o caminho da descoberta, fazendo pesquisas, deduções e

verificações.

Consideramos que no percurso curricular não há como prever qual

caminho será o mais curto, o mais fácil ou o mais interessante, pois à medida que

os conteúdos são apresentados, é por meio da interação com os alunos que o

professor identifica em quais momentos eles apresentam maiores dificuldades.

Acreditamos que essa interação é de suma importância para que ocorra o

sucesso no processo ensino aprendizagem e, no tocante aos alunos jovens e

adultos, consideramos que o currículo de Matemática para a EJA deve levar em

consideração as características e necessidades dos alunos que compõem essa

modalidade de ensino, possibilitando uma prática educativa coerente com a

realidade cultural de seus educandos, sendo imprescindível que estes sejam

incentivados para que não deixem que os problemas rotineiros os afastem da

escola.

Acreditamos que os estudos teóricos e as pesquisas são fundamentais

para que o professor por intermédio desse suporte possa situar-se de uma

maneira crítica frente aos contextos históricos, sociais e culturais em que está

inserido, sendo importante que conheça as metodologias atuais e as que tiveram

êxito para melhor poder atender seus alunos, pois, somente assim, poderá intervir

na realidade com que trabalha e transformá-la.

Desse modo, espera-se que os resultados possam contribuir para um

processo reflexivo na formação inicial, continuada ou em curso de professores

que ensinam/mediam processos de aprendizagem matemática para jovens e

adultos.

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158

AANNEEXXOOSS

A- Roteiro da entrevista com a professora

Prezado Professor,

Este questionário é parte do projeto de pesquisa que desenvolvo na Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, através do grupo de pesquisa estudos Pós

Graduados em Educação Matemática. Agradeço sua participação nesta pesquisa,

lembrando que a tabulação dos dados será feita anonimamente, caso precise de mais

espaço para responder as questões utilize o verso da folha.

Parte I - Formação Profissional

Nome

Tipo de instituição que se formou Tipo de Graduação e Ano em que se formou

Pública Particular Outras

Tempo de Magistério Tempo que atua nesta escola Tempo que atua na EJA

Tipo de instituição que trabalha (EJA) Quais séries leciona na EJA?

Municipal Estadual Particular

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159

Parte II - Quanto à utilização do livro didático na sala de aula

O livro didático é seu principal instrumento de apoio?

Além do livro didático utiliza outros recursos nas aulas

Utilizo somente o livro Retropojetor Quadro Negro Computador

Data Show Outros. Quais?

Calculadora

Qual a freqüência em média de uso do livro didático na semana?

1x 2x 3x 4x 5x

O que o motivou a escolher essa modalidade de ensino para lecionar?

Quais diferenças você percebe com relação a EJA e outras modalidades de

ensino (no caso ensino regular) ?

Acredita que essa modalidade necessita de um material específico para ser

trabalhado?

O que é um livro didático para você?

Quais características favoráveis deve conter um LD

Que papel você se atribui ao usar o livro didático?

Que papel você atribui ao livro didático?

Como avalia sua relação com o livro, qual função ele desempenha na sua prática

pedagógica?

Quais são as caraterísticas favoráveis do livro utilizado pela coleção aprovada

pelo PNLD EJA. Faça suas apreciações acerca do livro

Quais são as críticas ou sugestões de melhoria acerca desse matérial?

Quando prepara as suas aulas, que material utiliza?

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160

B- Roteiro da entrevista com os alunos

Sexo Idade Trabalha atualmente ?

Masc Fem

Não Sim. Qual função?

Estado Civil Tem filhos? Em caso afirmativo quantos?

Casado Solteiro Outros

Viúvo Divorciado

Não Sim. Quantos?_________

Qual motivo te levou a interromper os estudos?

Questões familiares Para trabalhar

Escola distante da residência Problemas de saúde

Ausência de escola ou vagas Não gostava de estudar

Problemas financeiros Achava o curso muito difícil

Por que fui reprovado(a) Outro(s) Motivos: _____________________________________________________

Quais são motivos que te impulsionaram a voltar a estudar

Entrar no mercado de trabalho Buscar mais conhecimentos

Conquistar um emprego melhor Melhorar a qualidade de vida

Exigência da família Acompanhar estudos dos filhos na escola

Para continuar estudando

Outros motivos. Quais?_____________________________________________ Após concluir o ensino Fundamental pretende continuar estudando?

Não

Sim. O que pretende cursar?

Concluir Ensino Médio Ingressar Ensino Técnico/ Profissionalizante

Ingressar na Faculdade Outros. Quais. Como você vê a importância da escola para a sua vida? Em relação a sua aprendizagem o que sente mais dificuldade? Com relação a disciplina de matemática, acredita que ela seja importantes para a sua vida, fora da escola?