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1 – Introdução

A temática deste congresso – Codices diplomatici de umaregião – exige uma reflexão mais atenta e aprofundada sobre aexistência destas importantes espécies diplomáticas, à escala regio-nal dos diversos Estados europeus, contribuindo a difusão do seuconhecimento para promover a respectiva internacionalização.

Segundo o Vocabulaire International de la Diplomatique, umcódice diplomático – recueil de chartes –, distingue-se de outrasespécies diplomáticas e, em particular, dos cartulários –, pelo factode ter sido organizado por eruditos antigos ou modernos e incluirfontes de outra natureza, eventualmente, mesmo, literária1. É por issoque os cartulários, apesar de os documentos que os integram privi-legiarem aspectos económicos e jurídicos, não se enquadram natemática que este congresso se propõe debater.

Restringindo o nosso campo de observação ao Norte de Portu-gal, entre outros codices diplomatici conhecidos2 , optámos pela aná-

O Liber Fidei da Catedral de Bragae o Norte de Portugal *

JOSÉ MARQUES **

* A versão francesa deste texto foi apresentada no Congresso da Comissão Internacionalde Diplomática, realizado de 23 a 25 de Setembro de 2009, no NiederösterreichichenLandesarchiv, em St. Pölten, Áustria.

** Prof. Catedrático da Faculdade de Letras do Porto (ap.).1 «Un receuil de chartres (lat. codex diplomaticus) se distingue du cartulaire en ce qu’il

est établi par des érudits anciens ou moderne, et non pas par l’interessé lui-même à l’aidede ses propres documents». Vocabulaire International de la Diplomatique, n.º 75.

2 No Arquivo Distrital de Braga, tínhamos também à nossa disposição o Rerum Memora-bilium, em três volumes, mas o facto de alguma documentação estar escrita em por-

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lise do Liber Fidei da Catedral de Braga, não só por se tratar deuma antiga sede eclesiástica, seguramente documentada desde asegunda metade do século IV, cujo título de metrópole lhe foi outor-gado, no ano 447, mas também porque este extenso e célebrecódice preenche, exemplarmente, as características de codex diplo-maticus, quer pelas fontes nele incorporadas, relativas a temposmuitíssimo anteriores ao início e ao contexto da sua elaboração, querporque a natureza diplomática dessas fontes, os destinatários e oscontextos históricos em que têm de ser integrados para poderem serdevidamente interpretadas ultrapassam o Norte de Portugal, condu-zindo-nos, em alguns casos, às regiões da Galécia e da Lusitâniaromanas, posterior e sucessivamente, integradas nos reinos suevo esuevo-visigodo.

Além disso, este códice põe-nos em contacto com decisões dealguns reis e órgãos do poder dos reinos de Oviedo e de Leão, comdecisões de concílios provinciais e intervenções pontifícias, relativasa esta vasta região, anteriores à fundação do Condado Portucalensee à sua evolução para reino independente – com o nome de Portugal –,reconhecido por Afonso VII de Leão e Castela, pelo Tratado deZamora, de 1143, e pela bula do Papa Alexandre III, Manifestisprobatum est, de 23 de Maio de 1179.

Este breve enunciado basta para revelar a natureza e ampli-tude diplomáticas deste códice, que, em parte, assume também afunção de cartulário, no sentido tradicional. Apesar disso e semperdermos de vista a sua importância económica, sócio-jurídica e anatureza e estrutura diplomáticas, não nos deteremos na apreciaçãodestes aspectos, pois, as motivações subjacentes às doações, per-mutas, vendas-compras e muitos outros diplomas conferem-lhe carac-terísticas específicas, que teremos oportunidade de revelar. Nessaexpectativa, basta chamar aqui a atenção para a multiplicidade evariedade de situações que este extenso códice introduz, tanto nosdomínios das relações institucionais, da mentalidade religiosa, dapolítica e disciplina eclesiásticas, do âmbito administrativo e social,nomeadamente, o acesso de pessoas dependentes à plena liberdadeindividual e diversos tipos documentais, cuja natureza traduz realida-des sócio-jurídicas específicas do período de mudança, que nos

tuguês não o recomendava como opção. Dispondo do Liber Fidei, era desnecessáriorecorrer a outros arquivos.

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propomos analisar, algumas silenciadas no precioso VocabulaireInternational de la Diplomatique, em cuja elaboração nos foi gratocolaborar.

Com esta chamada de atenção para o Liber Fidei da Catedralde Braga, cuja importância como fonte histórica e linguística ultra-passa os limites do Norte de Portugal, na impossibilidade de abordar-mos todos os aspectos do seu rico conteúdo, seleccionámos os maissignificativos e adequados aos objectivos desta importante reuniãocientífica, distribuindo-os da seguinte forma:

– Origem e descrição codicológica;

– Os mais antigos documentos recolhidos: natureza diplomática– e instituições produtoras;

– Importância pluridimensional:

– No plano externo:

– Retracção face aos reinos hispânicos;

– Intervenções do Papa e da Cúria Pontifícia – Os– legados;

– Intervenções pontifícias no âmbito metropolitano– de Braga.

– No plano interno:

– Relações dos arcebispos de Braga com os reis de– Portugal;

– Os metropolitas de Braga e a obediência dos su-– fragâneos;

– Nobreza e aristocracia regional e a Sé de Braga;

– As novas Ordens monásticas no Liber Fidei;

– E quanto às Ordens Religiosas e Militares?

– A sociedade do Norte de Portugal no Liber Fidei:

– Clérigos e leigos na constituição do património da– Sé de Braga – motivações;

– Das igrejas próprias ao padroado arquiepiscopal;

– Sociedade em mudança: outros aspectos.

– Conclusão.

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O plano condutor da nossa exposição, na sua simplicidade,evidencia a riqueza e variedade diplomática e histórica dispersa nos954 documentos que fazem deste códice um dos mais extensos eimportantes da Europa, a que numerosos autores já recorreram,tendo, mesmo, reproduzido nas suas obras muitos dos seus diplo-mas3. Apesar de não poderem ser desenvolvidos, como gostaríamosde fazer e cada um destes assuntos merecia, cremos que a suadivulgação contribuirá para sublinhar a felicidade e oportunidade daescolha do tema central deste congresso.

2 – Origem e descrição codicológica

Embora o principal objectivo da nossa intervenção seja revelara existência e a importância diplomática deste códice para um melhorconhecimento histórico do Norte de Portugal, impõe-se esclarecer asua origem e as circunstâncias em que se procedeu à sua elabora-ção, justificar a designação de Liber Fidei por que é conhecido,passando, depois, a uma descrição codicológica sumária, tarefa, decerto modo facilitada pelo elevado número de investigadores que aele recorreram e pela atenção que lhe dedicou o nosso amigoe antigo membro da Comissão Internacional de Diplomática (CID),P.e Avelino de Jesus da Costa.

2.1 – Origem

A génese deste códice está intimamente relacionada com aslongas disputas sustentadas pela arquidiocese de Braga com a deSantiago de Compostela, não só devido a situações criadas, nasequência do culto jacobeu, cuja igreja mais antiga que, no actualterritório português, tomou o Apóstolo S. Tiago como orago, remontaao ano de 862, mas também e sobretudo desde que o bispo DiogoGelmires, no seu projecto de elevar a cidade de Santiago de Com-postela ao nível das cidades apostólicas de Roma e Jerusalém,

3 COSTA, P.e Avelino de Jesus da – Liber Fidei Sanctae Bracarensis Ecclesiae. Ediçãocrítica pelo P.e Avelino de Jesus da Costa, tomo I, Braga, 1965, pp. XV-XVI.A edição desta obra ficou incompleta, facto que o P.e A. da Costa lamentou, profunda-mente, apesar de os 954 documentos deste códice terem sido publicados em trêsvolumes, em separatas da revista O Distrito de Braga, em 1965, 1978 e 1990. Para aanálise do conteúdo deste códice, servimo-nos dos três volumes desta edição, para elesfazendo as remissões documentais.

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tentou, junto do Papa Gelásio II, a transferência da dignidade metro-política de Braga para Compostela. Não o conseguiu, mas, em con-trapartida, foi-lhe atribuída a da antiga metrópole de Mérida, aotempo, ainda sob a dominação árabe. Ao longo do século XII,a situação tensional foi-se agravando e correu paralela à intensaacção diplomática exercida pelo arcebispo de Braga, D. João Pecu-liar, na Cúria Pontifícia, para obter do Papa o reconhecimento daindependência de Portugal e do título de Rei para D. Afonso Henri-ques. Estes objectivos foram alcançados pela citada bula Manifestisprobatum, de Alexandre III, de 23 de Maio de 1179.

O primeiro rei de Portugal faleceu em 6 de Dezembro de 1185.Numa tentativa de pôr termo a essa longa e complicada situaçãotensional, as duas arquidioceses litigantes aceitaram participar nasreuniões para o efeito, expressamente, convocadas para Tui, em1187 e 1199, tendo Braga procedido à recolha de abundante docu-mentação, considerada autêntica e decisiva para a defesa dos seusdireitos, que foi reunida no códice designado Liber Fidei, isto é,considerado digno de fé jurídica, como se afirma no seu título ouincipit – «cui fides debet adhiberi», concluindo o mesmo título comestas palavras: «Vocatur etiam Liber testamentorum».

Podemos, por isso, fixar, de forma bastante simples, a origem ea organização estrutural deste códice, na parte final do último quarteldo século XII, mais precisamente, nos anos de 1187 e 1199, prolon-gando-se a formação e consolidação da primeira parte, até 1221,cujo conteúdo se estende até à fl. 157. Por sua vez, a segundaparte, um pouco mais tardia, ocupa as folhas 158 – 216 e terminacom o documento n.º 953, de 1 de Março de 1254, porque o últimodeste extenso e importantíssimo códice – n.º 954 – é um aditamento,datado de 12 de Junho de 1712.

Na sua forma definitiva, o Liber Fidei resulta da transcrição dadocumentação fundamental reunida para suportar as alegações deBraga contra as pretensões de Santiago de Compostela, nas referi-das conferências de Tui, sabendo-se que o arcebispo D. Godinho(1175-1188), utilizou documentos de uma colecção anterior, possivel-mente iniciada ainda antes do governo episcopal de D. João Peculiar(1138-1175), posteriormente, transcrita neste códice. Em linhasgerais, esta colecção constitui a primeira parte deste códice; por suavez, a segunda parte reúne, essencialmente, cartas dos preladosseguintes, até 1254.

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2.2 – Descrição codicológica

Assinalados os primórdios e o termo da organização destecélebre códice, é indispensável proceder a uma breve descriçãocodicológica.

Constituído por um grosso volume de 258 folhas de pergaminhoconsistente, distribuídas por trinta e três cadernos, in folio, encader-nado com duas tábuas de castanhos de 430 X 303 mm, por 17 mmde espessura, que lhe servem de capa, ligadas por cinco correias decouro, estando, actualmente, solta a correspondente à contracapa.(Ver apêndice: figs. 1, 2, 3 e 4).

A maior parte dos cadernos era constituída por oito folhas,embora os n.os 5, 22, e 24, tenham apenas seis, os n.os 18, 28, 29e 39 se apresentem com sete e os n.os 27 e 33 tenham dez folhascada um. O número de sete folhas de alguns cadernos resultou daamputação de uma folha em cada um deles, por motivos diversos,que não interessa especificar neste momento.

Neste vasto conjunto, surgem algumas folhas com dimensõesmais reduzidas, oscilando, no sentido da altura, entre 410 a 420 mm,e entre 260 a 280 mm de largura.

A numeração dos cadernos sofreu também alterações, ao longodos séculos, tendo evoluído da forma: «Primus quaternus, IIus, IIIus»,para a simples numeração romana e, depois para a série contínuade algarismos árabes, escritos a lápis, ascendendo o número defolhas a 258, incluindo algumas em branco.

Quanto à escrita, devemos informar que predomina a carolino-gótica, afirmando-se, na parte final, a gótica, nos dois casos, tipica-mente librária. (Ver apêndice: figs. 5 e 6).

3 – Os mais antigos documentos recolhidos:3 – natureza diplomática e instituições produtoras

Apresentadas as circunstâncias e o contexto histórico em quesurgiu o Liber Fidei, objecto desta comunicação, e feita uma sumáriadescrição codicológica, impõe-se desvendar os principais aspectosdo seu vasto e precioso conteúdo, tendo sempre presente que setrata de um códice diplomático.

Esta circunstância obriga-nos a revelar alguns dos antigosdocumentos que os eruditos, seus conhecedores, mandaram trans-crever como elementos de prova na defesa dos direitos da Arqui-diocese de Braga, no litígio com a de Santiago de Compostela.

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Pela sua antiguidade e importância, como base das discussõesem curso e das que se previam para as reuniões convocadas paraTui, em busca de uma solução definitiva, entre a documentaçãoaduzida por Braga ocupam um lugar primordial a Divisão de Vamba,com a menção das metrópoles hispânicas e dos limites das respec-tivas dioceses sufragâneas4, que, embora, sem data, é do períodovisigodo, e, sobretudo, a Divisão de Teodomiro – também chamadaParoquial suevo5. Este último documento é a acta da reunião episco-pal, convocada para Lugo pelo rei Teodomiro, na qual se elaborou adivisão do reino suevo em treze dioceses e respectivas paróquias ougrandes territórios, aí mesmo promulgada pelo rei, no dia 1 de Maiode 569. (Ver apêndice: mapa e quadros 1 e 2).

Para justificarmos a propriedade e o rigor com que afirmámosque a importância do Liber Fidei ultrapassa o âmbito geográfico doNorte de Portugal, basta observar que nessa acta se encontra aprimitiva divisão de todo o reino suevo em treze dioceses, dispersaspela antiga Galécia romana e o pelo norte da Lusitânia, desde o rioMondego até ao Douro, com os nomes das paróquias por que, então,eram conhecidas.

Os estudos realizados sobre o Paroquial suevo ou Divisão deTeodomiro, não obstante os reajustamentos determinados pelodecurso do tempo, incluindo as vicissitudes da Reconquista cristãcontra a presença árabe, nomeadamente, na parte ocidental da Pe-nínsula Ibérica, permite verificar que, em linhas gerais, a matriz daactual divisão diocesana do Norte de Portugal e da Galiza coincidecom a efectuada em 569. O que acabamos de afirmar será melhoresclarecido pela leitura do tratamento cartográfico deste importantedocumento de 569. (Ver mapa e quadros anexos, em apêndice).

Para se compreender a verdadeira dimensão de numerososdocumentos transcritos no Liber Fidei, é necessário ter presente anova realidade política e administrativa, criada no ocidente peninsu-lar com a Reconquista cristã, iniciada pelos reis de Oviedo e pros-seguida pelos de Leão e, depois, de Leão e Castela, longo período,

4 Liber Fidei, I, pp. 11-16.5 Sobre o texto do Parochiale suevicum ou Diviso Theodomiri, reabilitado por Pierre

David, veja-se o estudo crítico que este autor lhe consagrou: L’organisation ecclésias-tique du ryaume suève au temps de Saint Martin de Braga, in Études historiques surla Galice et le Portugal du VIe au XIIe siècles, Paris-Lisboa, 1947, pp. 1-82.

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em que os territórios libertados do ocidente peninsular se podiamconsiderar verdadeiramente periféricos em relação à sede do poderreal, até 910, sedeada em Oviedo, e, depois, transferida para a deLeão.

Atendendo a que a autoridade régia era a única que se esten-dia a todo o território reconquistado, facilmente se compreende que,em 830, o rei Afonso II, de Oviedo, tivesse doado ou, se preferirmos,confiado à jurisdição da Sé de Lugo a igreja metropolitana de Bragae as dioceses de Orense e de Oviedo, cuja igreja catedral mandouconstruir6, doações reiteradas por carta de 8327, do mesmo sobera-no, e sucessivamente confirmadas, em 899, por Afonso III, de Ovie-do8, e, em 915, por Ordonho II, de Leão, e sua esposa, a rainhaD. Elvira9.

Com estas doações e respectivas confirmações, além de ametrópole de Braga e as dioceses de Orense e Oviedo ficaremintegradas e submetidas à jurisdição dos sucessivos prelados lucen-ses, o teor destas extensas cartas, recorda, em jeito de crónica,algumas relações, de má memória, com os árabes e aspectos dasestruturas e instituições das dioceses doadas a Lugo.

Apesar de, como afirmámos, as remotas paragens, sitas a suldo rio Minho, serem periféricas em relação à sede do poder régio,dispomos de informações quanto à solicitude de alguns monarcasacerca de algumas destas terras. A título de exemplos, basta recor-dar que, em 873, Afonso III das Astúrias reuniu a cúria régia emBraga, tendo mandado restaurar e repovoar a cidade e delimitar oseu antigo termo, após conveniente inquirição10.

Na mesma linha da solicitude régia por estas remotas terras seenquadra a atenção prestada à antiga sede metropolitana de Braga.Com efeito, por carta datada como sendo de 28 de Janeiro de 835,mas que, criticamente, temos de situar entre 905 e 910, Afonso IIImandou delimitar o termo de Braga e confirmou a sua posse aometropolita de Braga, Flaviano Recaredo, residente em Lugo11. Poucotempo depois, em 28 de Setembro de 911, foi a vez de Ordonho II,

6 L. F., I, pp. 163-167.7 L. F., I, pp. 24-27.8 L. F., I, pp. 27-29.9 L. F., I, pp. 30-32.10 L. F., I, pp. 33-35.11 L. F., I, pp. 36-38.

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rei de Leão, correspondendo ao pedido do bispo Savarigo, mandardelimitar o minúsculo bispado de Dume, nos arredores de Braga,confinado ao mosteiro e seu termo 12.

Situando-nos, ainda, no âmbito dos antigos documentos trans-critos no códice diplomático que estamos a apresentar, vem a propó-sito evocar a notícia da reconquista da península hispânica aosÁrabes, do estado de devastação em que deixaram as cidades, darestauração da diocese de Braga e da nomeação do seu primeirobispo, D. Pedro, incluindo a reunião dos antigos reinos, distribuídospelo imperador Fernando Magno pelos seus três filhos, sob a auto-ridade do único sobrevivente, Afonso VI13.

Com esta breve alusão a alguns dos antigos documentos deque Braga pretendia aproveitar-se no longo e difícil litígio com San-tiago de Compostela, salientamos a precoce divisão administrativaeclesiástica do reino suevo em dioceses e paróquias e algumasamostras da solicitude de monarcas dos reinos de Oviedo e de Leãopela sede da metrópole bracarense, cuja restauração como diocese,remonta, apenas, ao ano de 1071, abrindo-se, assim, um novo sec-tor, caracterizado por uma verdadeira riqueza diplomática, de querevelaremos, somente, algumas linhas da sua proveitosa exploração.

4. Importância pluridimensional:

Conforme observámos, com a Reconquista e a restauração dadiocese de Braga, em 1071, abriu-se um extenso leque de relaçõesda nova diocese com muitas outras instituições, de que a documen-tação transcrita no Liber Fidei é claro testemunho. Também aquiteremos de nos limitar a indicar as áreas mais evidentes e sugesti-vas, tendo sempre presente a enunciada importância deste códicediplomático para o conhecimento do Norte de Portugal, e, eventual-mente, nas suas relações externas.

4.1 – No plano externo:

A abordagem deste tema obriga a esclarecer que só poderemosfalar de relações externas, a partir da independência política de

12 L. F., I, pp. 38-49.13 L. F., I, pp. 40-42.

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Portugal, reconhecida pelo imperador Afonso VII, no Tratado deZamora, de 1143.

4.1.1 – Retracção face aos reinos hispânicos

Não admira, por isso, que nos tempos posteriores a 1143,praticamente, não deparemos, neste códice, com nova documentaçãorelacionada com os reinos hispânicos, porque a preocupação domi-nante era afirmar a realidade da separação de Portugal, sob o pontode vista político. Além disso, a acção diplomática, desenvolvida peloarcebispo de Braga, D. João Peculiar (1138-1175), junto da SantaSé, no sentido de obter o reconhecimento do título de rei, queD. Afonso Henriques já usava e era prática corrente na própriaChancelaria, desde 1140, ia no sentido contrário ao desenvolvimentodas relações com os reinos hispânicos, pretendendo-se, ao contrário,afirmar a evidência da alteridade política.

4.1.2 – Intervenções do Papa e da Cúria Pontifícia – Os legados

Se em relação aos reinos hispânicos a falta de documentaçãono Liber Fidei se pode tomar como sinal de uma evidente retracção,no âmbito das relações políticas, temos de reconhecer que, no mes-mo códice, surgem, com mais frequência, provas das intervenções daSanta Sé, sendo paradigmático, que logo nas primeiras folhas seencontrem várias bulas de Pascoal II, relacionadas com as questõesem discussão entre os prelados de Braga e os de Santiago deCompostela, que, afinal, estão na origem deste códice.

Não é possível proceder à análise estrutural destas e de muitasoutras bulas transcritas ao longo do códice em estudo, mas a sim-ples menção sumária do seu conteúdo chama a atenção para asdificuldades da diocese de Braga, que acabava de sair do longoperíodo de vacância (1091-1099), originado com a deposição dobispo D. Pedro e conduz-nos ao encontro das questões em debateentre Braga e Compostela.

Em abono do que acabámos de afirmar, mencionamos duasbulas do Papa Pascoal II, ambas datadas de Latrão, no dia 1 de Abrilde 1103. A primeira, Strenuitatis tue, dirigida ao Conde D. Henrique– e não ao Conde D. Raimundo, como, erroneamente, sugere o R.da inscrição ou destinatário da mesma –, titular do Condado Portu-calense, recomenda-lhe que proteja o arcebispo D. Geraldo e a

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igreja de Braga, que tinha restituído à sua antiga dignidade demetrópole14; a segunda, Et fratrum relatione, tinha o bispo DiogoGelmires de Compostela como destinatário e ordenava-lhe querestituísse ao novo arcebispo de Braga a parte das paróquias deS. Frutuoso e de S. Victor pelas quais o rei Garcia dera a Santiagode Compostela o Mosteiro de Cordário. Mercê da tensão políticaentre D. Garcia e o irmão D. Sancho, o primeiro – deposto do tronoda Galiza pelo irmão, rei de Castela e agora também da Galiza –,não conseguiu restaurar a diocese de Braga, mérito averbado aosegundo, que não restituiu a Braga o que lhe pertencia, exigindo-lhe,agora, por Pascoal II o cumprimento dessa obrigação15.

Além destas duas bulas citadas, transcritas no Liber Fidei,reveladoras da intervenção papal nos assuntos da arquidiocese deBraga, há também outras destinadas à normalização das suas rela-ções com dioceses situadas no reino de Leão. Tal é o caso da bulaConquestus est, igualmente de Pascoal II e datada de Latrão, no dia1 de Abril de 1103, dirigida ao bispo D. Paio da diocese de Astorga,como resposta à reclamação feita pelo arcebispo D. Geraldo, porqueele detinha, injustamente, as terras de Ledra, Aliste e Bragança enão respeitava os limites da arquidiocese de Braga com a diocese deOrense. Nesta bula o Papa impunha-lhe a obrigação de restituir asterras reclamadas e de respeitar os limites tradicionais de Braga eOrense16.

Entre as várias intervenções de Pascoal II na vida administra-tiva da arquidiocese de Braga, durante o arcebispado de S. Geraldo,que veio a ser declarado patrono da cidade de Braga e um dospadroeiros da Arquidiocese, há uma, de natureza litúrgica, cujaimportância ultrapassa os estritos limites do arcebispado. Para a suacompreensão, é necessário recordar que S. Geraldo, como mongebeneditino cluniacense, era acérrimo defensor da Reforma Grego-riana e da substituição do rito hispânico pelo rito romano. Tendo

14 L. F., I, p. 6: – «Tue itaque dilectioni Braccaram [metro]po[lim] et ipsius ecclesieantistitem litteris presentibus commendamus [qua]m nos largiente Domino ad pristinedignitatis gloriam pallei ac privilegii dignitate concessa repparare curavimus. Commo-nemus etiam ut ipsum fratrem nostrum Geraldum archiepiscopum veneratione debitacomplectaris atque ad reparanda ipsius ecclesie bona devotus adiutor existas».

15 L. F., I, pp. 7-8.16 L. F., I, p. 10.

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verificado que os presbíteros e diáconos existentes na sua diocesetinham sido ordenados segundo o rito hispânico ou toledano, antesde o rito romano aqui ser conhecido, consultou a Santa Sé acerca davalidade dessas ordenações. A resposta chegou-lhe pela bula Eosqui [1100-1108], de Pascoal II, nestes termos: – «Eos qui secundumToletanam morem ante Romane consuetudinis cognitionem ad diaco-natus seu presbiteratus offitium provecti sunt, si alias digni fuerint, abeisdem ordinibus minime removemus»17.

Não se pense, porém, que as relações com os Romanos Pon-tífices se restringiram aos casos apresentados, pois, além das inter-venções, a vários títulos, directamente por eles feitas, temos decontar, ainda, com as acções desenvolvidas pelos legados pontifí-cios, enviados à Península Ibérica e presentes em dioceses limítrofesou relativamente próximas de Portugal.

Assim, coube ao cardeal-legado Deusdedit, resolver o litígioque envolvia o arcebispo de Toledo, D. Bernardo, o bispo de Astor-ga, D. Aleo, e bispo de Zamora, D. Bernardo, por causa do territóriodo Campo de Toro, que o prelado de Astorga reclamava como seu.Após as necessárias diligências, o cardeal-legado proferiu a indis-pensável sentença, determinando que o bispo de Zamora conser-vasse, a título vitalício, o território disputado, que, à sua morte,reverteria para a diocese de Astorga. Se, porém, o bispo de Zamorafosse transferido para outra diocese, o território em causa seria, deime-diato, incorporado na diocese de Astorga; se tal hipótese não severificasse, o processo consumar-se-ia, como previsto, à morte doprelado zamorano18. Esta sentença não está datada, mas sabe-seque é de 1124, porque foi confirmada no concílio de Valladolide,reunido nesse mesmo ano, sob a presidência do mencionado car-deal-legado a latere, Deusdedit19.

Quase cinquenta anos depois, deparamos com outra sentença,proferida pelo legado, cardeal Jacinto, que assume a particularidadede ter sido dada num processo transitado do tribunal régio para olegado pontifício. Em síntese, podemos dizer que não tendo chegadoa acordo, na presença de D. Afonso Henriques, a Ordem do Hospitalcom o arcebispo D. João Peculiar e o Cabido de Braga, por causa

17 L. F., I, p. 11.18 L. F., II, pp. [53-54].19 L. F., II, p. [53].

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da igreja e dos bens, outrora, pertencentes a Pedro Ourives, aquestão foi apresentada, em 1173, ao cardeal-legado Jacinto, quefez a seguinte proposta de resolução, aceite pelas partes: que oCabido pagasse à Ordem do Hospital 180 morabitinos e que estarenunciasse à impugnação da posse dessa igreja e dos outros benspelo Cabido20.

Para encerrarmos as referências às intervenções dos represen-tantes pontifícios em causas pendentes, cujas sentenças o LiberFidei conserva vivas, recordamos que, em 31 de Janeiro de um anocompreendido entre [1188 e 1191], os juízes delegados de ClementeIII decidiram, peremptoriamente, o processo do prior João, do Mostei-ro de S. Martinho de Crasto, no actual concelho de Ponte da Barca,que tinha destituído o seu antecessor, cujo nome ficou reduzido a E.Ouvidas as partes, foram as mesmas convocadas para, em dia certo,comparecerem para a leitura da sentença. O prior João – o arguido– não compareceu, tendo invocado motivos de doença. Feita anecessária inquirição por Martinho Soares, tenente da terra de Nó-brega, que, propositadamente, se deslocou ao mosteiro, onde verifi-cou a falsidade da desculpa apresentada, o prior arguido voltou afaltar à nova sessão marcada para a leitura da sentença, tendocomparecido, apenas, o prior deposto. Nestas condições, os juízesdelegados decidiram a favor do prior deposto, impondo ao usurpadoro prazo de oito dias para lhe devolver a administração do mosteiro,sob pena de suspensão de todos os ofícios eclesiásticos21.

Face a estes exemplos, é desnecessário mencionar mais teste-munhos, pois estes demonstram bem como a importância históricadeste códice diplomático ultrapassa o Norte de Portugal e se projectaalém fronteiras.

4.1.3 – Intervenções pontifícias no âmbito metropolitano de Braga

Dentro da linha de investigação que estamos a seguir, destina-da a evidenciar a importância do Liber Fidei da catedral de Bragapara o conhecimento do Norte de Portugal, já verificámos que elatranscende as fronteiras portuguesas, e oferece contributos precio-sos para a história de outras dioceses de além-fronteiras, nomeada-mente, Compostela, Mondonhedo, Orense, Astorga e Lugo.

20 L. F., III, pp. 222-223.21 L. F., III, pp. 286-287.

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A estas podemos associar, agora, outras situações, a começarpela revelada na bula Iusticie ordo, de Pascoal II, datada também deLatrão, em 1 de Abril de 1103, que, além de exigir ao bispo deMondonhedo, D. Gonçalo, o cumprimento imediato da obrigação deprestar a devida obediência, a que se tinha recusado, ao arcebispode Braga D. Geraldo e à sua metrópole, lhe ordena que ponha à suadisposição e sob a sua jurisdição arquiepiscopal a igreja de Dume,por ele, inexplicavelmente, confiada a um leigo injusto e violentocontra o seu metropolita, evitando, assim, ser considerado contumaze incorrer nas respectivas penas canónicas22.

Mais interessante é que, neste códice, se encontre a bulaSanctorum patrum, outorgada pelo Papa Eugénio III, em Reims, nodia 9 de Abril de 1148, pela qual reitera, por escrito, ao bispo deOviedo, D. Martinho, o que já lhe tinha transmitido de viva voz,durante o concílio celebrado na referida cidade francesa. Tratava-sede um caso grave de reincidência, de que o Pontífice muito seadmirou, porque tendo o cardeal presbítero Humberto e o cardealdiácono Guido, chanceler na Cúria Romana, como legados da SéApostólica, entregado ao bispo de Lugo certas terras que D. Marti-nho lhe usurpara, pouco tempo após a devolução, voltara a ocupar-lhas. Ordenou-lhe, por isso, o Pontífice, em termos peremptórios,que, dentro de quarenta dias, restituísse ao bispo de Lugo o quevoltara a usurpar-lhe e o deixasse possuí-lo em paz23.

Quase um ano depois, encontrando-se em Viterbo, em 17 deMarço de 1149, Eugénio III, pela bula Quoniam ecclesia, interveio,novamente, em defesa dos direitos do bispo de Lugo. Com efeito,tendo o bispo Martinho, de Oviedo, satisfeito ao que lhe tinha sidodeterminado no ano anterior, o Soberano Pontífice sentiu necessi-dade de se dirigir ao clero e fiéis das terras galegas de Lemos,Sarria, Chamoso (Flamoso), Paramo, Neira, Navia, Esmirna, Buraon,Valongo, Ambiacos, Lamba e Asma, impondo-lhes que prestassemhumildemente obediência e reverência ao bispo de Lugo, D. Gonçalo24.

A documentação pontifícia transcrita no Liber Fidei, até aquiapresentada, confirma, à evidência, a importância deste códice paraa história de algumas dioceses galegas.

22 L. F., I, pp. 6-7.23 L. F., I, pp. 239-240.24 L. F., I, p. 240.

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Pretendemos, agora, deixar também algumas informações, nestedomínio, relativas à diocese de Coimbra, que, após a sua restaura-ção, em 1080, reiteradamente, tentou furtar-se à integração na metró-pole de Braga, como é conhecido pelos estudos de Carl Erdmann25.

O primeiro documento pontifício sobre este assunto é a bulaApostolice Sedis, de Pascoal II, outorgada em Latrão, em 24 deMarço de 1101, dirigida ao bispo Maurício, de Coimbra, confirmando--lhe os antigos limites da sua diocese, sendo de registar que o limitenorte é fixado no Castro Antigo (Vila Nova de Gaia), junto ao Douro,afirmando textualmente: – «sicut Teodemiri regis [temporibus] ab epis-copis divisio facta est, ecclesie Colimbriensis [possessio] perseveret».Por esta mesma bula doa-lhe o antigo mosteiro da Vacariça com asigrejas a ele anexas e outras pertenças26, recordando-lhe, ao citar adivisão de Teodomiro, feita e promulgada em Lugo, em 569, a suaintegração na metrópole de Braga.

Dois anos depois, o mesmo Pontífice dirigiu ao bispo de Coim-bra, D. Maurício, a bula Noveris nos, datada de Latrão, no dia 1 deAbril de 1103, ordenando-lhe que prestasse obediência ao arcebispode Braga, D. Geraldo, e colaborasse com ele na reorganização dasua cátedra metropolitana27.

À margem desta determinação pontifícia, podemos informar queo bispo de Coimbra, D. Maurício – posteriormente, apelidado: Burdino–, como D. Geraldo, monge beneditino do ramo cluniacense, após amorte de S. Geraldo, ocorrida em 5 de Dezembro de 1108, foinomeado arcebispo de Braga, em 1109, e ocupou a cátedra metro-politana bracarense, até à sua deposição, por ter procedido à coro-ação do imperador Henrique V, na igreja de S. Pedro, em Roma, emMarço de 111728, e ter aceitado a sua entronização como antipapa,com o nome de Gregório VIII, em 8 de Março de 111829, quando acélebre e longa Questão das Investiduras estava na fase final (1118--1119), funções em que se conservou até 1121.

25 ERDMANN, Carl – O Papado e Portugal no primeiro século da história portuguesa,Coimbra, 1935, pp. 17-20 2 e 19-34.

26 L. F., I, pp. 8-9.27 L. F., I, p. 10: – «Precepimus ergo ut fratri nostro Geraldo ipsius ecclesie metropolitano

debitam obedientiam reddas et ei ad chatedre sue redintegranda adiutor et cooperatorexistas».

28 ERDMANN, Carl – O. c., p. 29.29 ERDMANN, Carl – O. c., p. 29. Esta informação integra também os elementos recolhidos

em OLIVEIRA, Mons. Miguel de – História Eclesiástica de Portugal, 3.ª edição, Lisboa,União Gráfica, 19558, p. 423.

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No âmbito das relações dos metropolitas bracarenses com osde outras dioceses, através do Liber Fidei, assistimos, com frequên-cia, a intervenções pontifícias, mediante as referidas bulas, aí con-servadas.

Para além dessas, houve outras situações litigiosas, resolvidaspor acordo directo entre os prelados titulares das dioceses litigantes.Foi o que aconteceu entre D. Pedro, primeiro bispo diocese de Bragarestaurada, e Ederónio de Orense, por causa dos limites diocesanos,na zona de Baronceli. Tendo a questão subido à presença de AfonsoVI, o imperador nomeou, como árbitro absoluto, o governador deCoimbra, Sesnando, que a decidiu a favor de Braga. Porém, numaatitude consiliatória e verdadeiramente fraternal, D. Pedro permitiuque Ederónio, de Orense, possuísse metade desse território durantea sua vida, regressando, à sua morte, à jurisdição e domínio dobispo de Braga30.

Quarenta anos mais tarde, em 1118, no início do governopastoral de D. Paio Mendes, assistimos a uma situação semelhanteà que acabámos de mencionar, traduzida no facto de, emborao documento não faça alusão a qualquer litígio anterior, mas quedeve ter existido, este arcebispo de Braga ter concedido ao bispoD. Jerónimo, de Salamanca, em prestimónio, durante a sua vida,metade do território pertencente à Sé de Braga, entre os rios Tua eo Esla, com excepção de Linhares e Ansiães31.

4.2 – No plano interno

Na visão de conjunto que pretendemos proporcionar aos pre-sentes e aos eventuais leitores desta comunicação da importânciapluridimensional do conteúdo do Liber Fidei da Catedral de Braga,de que já apresentámos alguns aspectos, de âmbito externo, relacio-nados com a intervenões papais, através de várias bulas e da acçãodirecta de legados pontifícios, convém observarmos, agora, mais empormenor, o verdadeiro tesouro de informações que este códicecontém, relativas a vectores específicos, confinados aos limites doreino de Portugal e, em particular, à região Norte.

30 L. F., I, p. 42-43.31 L. F., III, p. 7.

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4.2.1 – Relações dos arcebispos de Braga com os reis de Portugal

A natureza essencialmente eclesiástica deste códice da Cate-dral de Braga, além de nos permitir conhecer diversos aspectos daactividade dos prelados bracarenses, de que salientaremos as áreasmais acessíveis, permite a detecção de algumas decisões de clérigose de leigos reveladoras de significativas mudanças de mentalidadena sociedade em que viviam, especificadas nas alíneas seguintesdeste estudo.

Esta simples nota informativa perspectiva a possibilidade deinteressantes estudos históricos e constitui uma mais-valia deste códicepara a historiografia da região a que pertence e aqui representa –o Norte de Portugal.

Passemos, pois, à concretização dos principais aspectos subja-centes a esta sintética evocação, começando por esclarecer que,neste códice, apenas encontramos documentação relativa aos quatroprimeiros reis de Portugal, não devendo causar qualquer dúvida ofacto de o Liber Fidei, organizado após a morte de D. Afonso Hen-riques, em 1185, incorporar documentação muito anterior, inclusive,reunida no tempo do arcebispo D. João Peculiar, que prestou exce-lente colaboração a este monarca, no quadro das relações diplomá-ticas com a Santa Sé.

Durante os quarenta e dois anos do reinado de D. AfonsoHenriques (1143-1185) – cujo governo poderemos elevar para cin-quenta e sete anos, se incluirmos o período em que esteve à frentedo Condado Portucalense, desde 1128 até à independência de Por-tugal pelo Tratado de Zamora, de 1143 –, deveremos salientar asexcelentes relações entre o Príncipe e depois Rei e os arcebisposD. Paio Mendes, D. João Peculiar e D. Godinho.

O Liber Fidei regista uma parte ínfima dessas intensas rela-ções, constituída por doações de propriedades, algumas enriqueci-das com o privilégio da elevação à condição de coutos (cauta).Apesar de se tratar de uma parte insignificante, no quadro destasrelações, não é possível a sua enumeração, pelo que, a mero títulode exemplos, mencionamos a doação da terra de Regalados, feitapor D. Afonso Henriques à Sé de Braga, em 20 de Julho de 1130,por motivos religiosos e em agradecimentos pelas cinquenta marcasde prata e de um cavalo que tinha recebido32; em 5 de Abril se 1147,

32 L. F., II, p. [307].

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o monarca doou e coutou à catedral de Braga um casal em Agostém,sito no actual concelho de Chaves33.

Por outras fontes, conhecemos muitas instituições e doações decoutos do nosso primeiro rei à Sé de Braga, dispersos por toda avastíssima Arquidiocese, mas, neste momento, só poderemos apre-sentar algumas amostras recolhidas no códice em análise.

Em contraste com a abundância documental relativa a D. Afon-so Henriques, o Liber Fidei é extremamente parco de informaçõesquanto às relações de D. Sancho I e de D. Afonso II com os arce-bispos do seu tempo, embora conheçamos, por outras fontes, aviolência das tensões destes dois monarcas com a hierarquia portu-guesa, sobressaindo os prelados bracarenses, como metropolitas,que eram. Quanto a D. Sancho I, podemos dizer que ficou omisso, eem relação a D. Afonso II, com data de 3 de Abril de 1118, o LiberFidei regista, apenas, a concessão à Sé de Braga das dízimas dasrendas reais na Arquidiocese, em reconhecimento dos serviçosque D. Estêvão Soares da Silva lhe tinha prestado34, situação que,depois, se degradou gravemente35.

4.2.2 – Os metropolitas de Braga e a obediência dos sufragâneos

No âmbito da riqueza informativa do Liber Fidei, não podería-mos olvidar as relações dos arcebispos, isto é, da Sé de Braga, comos prelados da sua metrópole, tanto portuguesas como das situadasalém fronteiras, quanto ao delicado problema da pestação da obe-diência canónica, na qualidade de titulares da única metrópole por-tuguesa, com algumas extensões à Galiza e a Castela. Neste sentido,recordamos o facto, já mais acima referido, de Pascoal II ter obrigadoo bispo D. Gonçalo de Mondonhedo a depor a sua declarada econhecida recusa e a prestar obediência ao arcebispo de Braga,D. Geraldo, como seu metropolita36, porque a Sé de Mondonhedo eraconsiderada residência dos antigos bispos de Dume, nos arredoresde Braga, aí refugiados, após a invasão árabe do século VIII. Déca-

33 L. F., II, p. [315].34 L. F., III, pp. 336-337.35 ALMEIDA, Fortunato de – História da Igreja em Portugal. Nova edição preparada e

dirigida por Damião Peres, vol. I, Porto, Portucalense Editora, 1967, pp. 168-171. VELO-SO, Maria Teresa Nobre – D. Afonso II. Relações de Portugal com a Santa Sé duranteo seu reinado, Coimbra, Arquivo da Universidade, 2000, pp. 125-176.

36 L. F., I, pp. 6-7.

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das depois, ficou registada também a obediência do bispo Rabinado,de Mondonhedo, ao arcebispo de Braga, D. João Peculiar, falecidoem 117537.

O dever de obediência impendia também sobre o bispo de Tui,cuja diocese, desde a divisão decretada por Teodomiro, em 569,pertencia ao sínodo bracarense. Após a Reconquista, continuou comosufragânea de Braga, acrescendo que o seu território de entre Minhoe Lima era português. O Liber Fidei registou os actos de obediênciaprestados, em 1130, pelo bispo de Tui, D. Paio, ao metropolitaD. Paio Mendes38, em 1158, por D. Isidoro e, em 117439, por D. Bel-trando ao arcebispo de Braga, D. João Peculiar40.

No contexto das obediências prestadas por prelados de dioce-ses do reino de Leão a Castela, devemos mencionar, ainda, que, em1152, D. João, bispo de Lugo, cumpriu esse dever para com D. JoãoPeculiar, como seu metropolita41, e, em 1156, D. Fernando, bispo deAstorga, procedeu da mesma forma42.

Não é de estranhar a exigência da prestação de obediência deum novo bispo sufragâneo ao seu metropolita, no início da actividadeepiscopal ou quando um novo metropolita era investido nessas fun-ções, pelo que estes actos de obediência, representavam, através dacadeia hierárquica, no plano eclesial, de unidade e de fidelidade àIgreja e ao Romano Pontífice.

O Liber Fidei, que prende a nossa atenção, é um excelenterepositório de registos de prestações de obediência de preladosportugueses aos arcebispos de Braga, do período cronológico porele abrangido. Assim, o novo bispo de Coimbra, D. Gonçalo, apenasdesignado e ainda antes da ordenação episcopal e como condiçãoprévia para a sua concretização, prestou obediência, em 1109, aD. Maurício, que, nesse mesmo ano, tinha sido transferido para arce-

37 L. F., II, p. [260].38 L. F., I, p. 247. Segundo G. SANTISO, Aquilino – Obispos de Tuy y sus armas. Heráldica

eclesiástica, Tuy, 1994, pp. 41-42, trata-se de D. Paio Mendes ou Melendez,cuja primeira referência documentada por este autor é de 30-06-1131, e a data da morte18-02-1153.

39 Ibidem.40 L. F., II, p. [261],41 L. F., II, p. [263].42 L. F., II, p. [260].

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bispo metropolita de Braga43. Anos depois, no contexto da oposiçãosuscitada contra este arcebispo de Braga, o prelado conimbricense,desobedeceu às diversas cartas recebidas de Roma, como Pascoal IIlhe recorda na bula Quanti criminis, de 3 de Novembro de 1114,impondo-lhe a obrigação de lhe prestar a referida obediência, noprazo de quarenta dias44. Por sua vez, em 1128, D. Bernardo, bispoeleito de Coimbra, antes da sua ordenação episcopal, prestou obe-diência a D. Paio Mendes, então metropolita de Braga45.

Em 1147, o novo bispo de Coimbra, D. João de Anaia (1147--1154) cumpriu este dever para com o metropolita, D. João Peculiar46.Em Outubro desse mesmo ano, teve lugar a reconquista da cidadede Lisboa aos árabes, tendo a mesquita sido transformada em igrejae restaurada a antiga diocese. A escolha do seu primeiro bisporecaiu no presbítero inglês, Gilberto, que acompanhava os expedi-cionários da segunda Cruzado do Oriente, cujo apoio foi decisivopara a reconquista desta cidade, tendo recebido a ordenação epis-copal das mãos do arcebispo D. João Peculiar, ao qual prometeutambém obediência para sempre47.

Neste mesmo ano de 1147, a diocese de Lamego, que estiveradurante várias décadas, sob a administração dos bispos de Coimbra,recuperou a sua plena autonomia, tendo sido nomeado seu primeirobispo D. Mendo, que logo prestou obediência ao arcebispo de Braga,D. João Peculiar, como seu metropolita48. Anos mais tarde, mas antesda morte de D. João Peculiar, ocorrida em 1175, prestou-lhe obe-diência o bispo de Lamego, D. Godinho Afonso49.

As relações dos bispos sufragâneos não se restringiam à pres-tação de obediência, embora esse fosse o acto mais frequente, noquadro desta relação hierárquica. Por vezes, surgiam dificuldades noâmbito das próprias dioceses, em que o recurso ao metropolita, oseu conselho e orientação prudente eram garantia de uma interven-ção mais eficaz. Foi por isso que numa data situada entre [1159--1161], o bispo de Lugo, D. João, enviou uma delegação, presidia

43 L. F., I, p. 162.44 L. F., II, [305-306]: – «Tu vero et litteras contempsisti et privilegia que Bracarensi

ecclesie apostolice sedis auctoritate indulcimus sub contemptu eiusmodi conculcasti».45 L. F., II, p. [296].46 L. F., I, p. 24947 L. F., I, p. 249.48 L. F., II, p. [159].49 L. F., II, p. [261].

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por mestre Soeiro, incumbida de expor ao metropolita de Braga,D. João Peculiar, a perturbação causada no mosteiro beneditino deSamos e na sua diocese pelo abade intruso, que pretendia ascenderao episcopado, solicitando também ao arcebispo de Braga que o nãosagrasse. A missão obteve pleno êxito e o bispo de Lugo não deixoude agradecer o acolhimento dispensado pelo metropolita aos seusdelegados50.

Nesta alínea, consideramos oportuno observar também que opróprio Cabido da Sé de Orense, após a morte do bispo Pedro, em1169, elegeu como novo bispo o prior Adão, tendo solicitado aoarcebispo de Braga, D. João Peculiar, que se dignasse ordená-losacerdote e procedesse à respectiva sagração episcopal, por serconsiderado digno por toda a clerezia e reconhecida a sua prepara-ção cultural e literária51.

Embora em plano inferior, em 1161, encontrando-se em circuns-tâncias difíceis, o mosteiro beneditino de Samos decidiu tomar oarcebispo D. João Peculiar como seu superior e protector, comprome-tendo-se, inclusive, a pagar-lhe um censo como prova da sua sujei-ção, o que constitui um claro testemunho do seu prestígio e autoridadecomo metropolita52.

Como já ficou explícito, estes actos de obediência sucediam--se, habitualmente, quando havia substituição dos prelados dasdioceses portuguesas ou estrangeiras, integradas na metrópole deBraga, sendo desnecessário insistir na identificação de mais casosdesta natureza.

Em contraste com estas atitudes de observância da obediênciacanónica, podemos registar a enérgica reacção do metropolita peran-te uma inqualificável violação desta norma disciplinar. Tal aconteceuquando o abade do mosteiro de S. Martinho da Castanheira, por sualivre iniciativa e sem consentimento do arcebispo de Braga, ocupouo mosteiro beneditino de Castro de Avelãs, nos arredores de Bragan-ça, e obrigou os monges a prestarem-lhe obediência, tendo praticadotambém outros abusos atentatórios contra a jurisdição do preladodiocesano. Nessas condições, D. Estêvão Soares da Silva viu-seobrigado a ferir de excomunhão o abade intruso e quantos lhe

50 L. F., II, p. [76].51 L. F., II, p. [253].52 L. F., I, p. 242-244.

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obedeceram. Perante tão enérgica reacção, o referido abade renun-ciou, efectivamente – «tam de facto quam de iure» –, ao mosteiroque tinha ocupado, devolvendo-o ao arcebispo D. Estêvão, que oabsolveu, como consta do acto notarial, realizado na igreja de SantaMaria de Bragança por Pedro Pires, primeiro tabelião desta cidade,no mês de Março de 121853. Para se avaliar da gravidade do actopraticado pelo abade da Castanheira, observe-se que o próprio PapaHonório III, pela bula Venerabilis frater, de 3 de Janeiro de 1218,tinha incumbido o bispo de Tui, o arcediago P(edro?) Martins e ocónego João Pais, da mesma Sé, de executarem a sentença deexcomunhão proferida pelo arcebispo de Braga54.

4.2.3 – Nobreza e aristocracia regional e a Sé de Braga

Entre as múltiplas informações que o Liber Fidei da Catedral deBraga proporciona para o conhecimento da história do Nortede Portugal, região que particularmente nos interessa, emergem asrelações da aristocracia local e regional com a Sé de Braga, de quepassamos a revelar alguns exemplos.

Para acompanharmos melhor o sentido destas relações, tradu-zidas em significativas ofertas à Sé e aos prelados, então, seustitulares, convém ter presente que a restauração desta dioceseremonta ao ano de 1071, vendo-se o seu primeiro bispo, D. Pedro,privado de uma Sé condigna, cuja construção iniciou, sem Cabido oucorpo de conselheiros, que logo instituiu, sem escola capitular, quefoi também uma das suas primeiras preocupações, e de outras ins-tituições indispensáveis a uma acção pastoral eficiente.

Este movimento restaurador, desencadeou um grande entusias-mo entre a população desta diocese restaurada, concretizado eminúmeras doações à Sé, ao bispo D. Pedro e seus sucessores, queexprimem bem a força da mentalidade religiosa, então, vigente. Nes-sa corrente de doações, ocupam uma posição de relevo a aristocra-cia desta região, cuja generosidade ficou registada neste códice, deque apresentamos alguns exemplos:

– Assim, em 1088, a condessa D. Gontrode Nunes, filha doconde D. Nuno e de D. Ilduara, doou à Sé de Braga e ao bispoD. Pedro a herdade de Quintela, na Terra de Panóias, Vila Real,

53 L. F., II, pp. [240-241].54 L. F., II, pp. [241-242].

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acentuando, entre outros motivos dessa doação, a pobreza e asdificuldades em que a Sé se encontrava55.

Em 1101, o Conde D. Henrique, titular do Condado Portucalen-se, e sua esposa, D. Teresa, doaram à mesma Sé o mosteiro deSanto Antonino de Barbudo, Vila Verde, e mais algumas proprieda-des, sitas no concelho de Braga. Apesar de esta doação ter susci-tado um processo judicial, em 1104, entrou na posse da Sé primaz56.

Continuando a acompanhar esta série de doações, verifica-seque, em 23 de Maio de 1107, a condessa D. Urraca, filha do condePedro Ansures, doou à nova catedral – dedicada por D. Bernardo,arcebispo de Toledo e legado pontifício, em 28 de Agosto de 1089 –parte dos seus bens em Palmeira, Braga, bem como outros, aotempo, usufruídos pelo seu capelão e mestre Soeiro Atães, mas que,à sua morte, reverteriam para a Sé57.

Por sua vez, numa data situada entre 1118 e 1127, o condeD. Afonso Nunes e sua irmã Elvira Nunes doaram ao arcebispoD. Paio Mendes e à Sé de Braga a parte que lhes pertencia do mos-teiro de S. Pedro de Calvelo, no actual concelho de Ponte de Lima58.

Neste movimento de doações à Sé de Braga e respectivosarcebispos, em 3 de Abril de 1115, D. Teresa, viúva do CondeD. Henrique e titular do Condado Portucalense, concedeu carta decouto à igreja de S. Mamede de Riba-Tua, Alijó, que ficou na depen-dência da Sé de Braga59; em 1124, surge-nos, mais uma vez,D. Teresa a outorgar à igreja-mãe da diocese a doação da vilarústica de Faiões, que elevou à condição de couto, definindo-lhe,pormenorizadamente, os seus limites60.

A seu exemplo, em 3 de Março de 1147, a infanta D. Sancha,filha de D. Teresa e do Conde D. Henrique, falecido em 1112, como consentimento do marido, D. Fernando Mendes, e do irmão,D. Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal, outorgou a carta dedoação da igreja de Vilar, no concelho de Chaves, à Sé de Braga eao arcebispo D. João Peculiar, com reserva do usufruto, durante asua vida61.

55 L. F., I. p. 144: – «facio testamentum ad illa sede que est misera et orbata et vobisPetro episcopo et omnibus clericis canonicis ecclesie».

56 L. F., I. p. 273.57 L. F., I. p. 169.58 L. F., II, pp. [209-210].59 L. F., II, p. [317].60 L. F., II, pp. [232-233].61 L. F., III, p. 198,

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Por sua vez, após ter assumido o governo do Condado Portu-calense, em 1128, D. Afonso Henriques, sucessivamente, designadoInfante, Dux e Príncipe, até começar a intitular-se Rei, em 1140,surge no Liber Fidei, como autor de numerosas doações, que não énecessário nem viável enumerar neste momento, mas que fazem deleo maior benfeitor da Sé de Braga, bastando deixar, apenas, algumasreferências62.

No contexto do relacionamento da aristocracia local e regionalcom a Sé Primaz, pelo cunho intimista que lhe é inerente, apraz-nosacrescentar, ainda, que, em 19 de Abril de 1160, Ilduara Vasques,viúva de Gonçalo Vasques, doou ao arcebispo D. João Peculiar e àSé de Braga, a título de sufrágio da alma de seu marido e deremédio para a sua, os bens que o marido lhe tinha oferecido, comoarras, em Santo Estêvão de Faiões, Chaves, e em Ninho de Águias,na Terra de Límia, determinando as compensações que deveriam serdadas à Sé, no caso de eventuais pretendentes quererem apoderar--se dos bens situados em Límia63.

Esta alínea poderia ser ampliada, não só com a síntese decartas de doação de membros da aristocracia expressamente porta-dores do título de «dom», mas também de outros, que, embora nãoo ostentando, pela análise genealógica que o cruzamento das infor-mações fornecidas pelo Liber Fidei com as provenientes de outrasfontes os situam no plano social da aristocracia, mas o objectivodesejado fica, devidamente, introduzido pelos exemplos aduzidos.

4.2.4 – As novas Ordens monásticas no Liber Fidei

O códice diplomático, cuja riqueza pretendemos divulgar, permi-te-nos conhecer diversos aspectos da vida de alguns mosteiros per-tencentes às novas ordens religiosas, implantadas no Norte de Portugal,que, progressivamente, avançaram para a região do Centro, à medi-da que a segurança, consolidada pela Reconquista cristã, o permitia.

Para se compreender o sentido deste ponto do nosso estudo,é necessário ter presente que a fixação dos limites da Reconquista,primeiro, até ao rio Douro, em 868, e, depois, até ao Mondego, em1064, acelerou uma profunda mudança no monaquismo autóctone,

62 L. F., II, p. [197, 198, 315], III, pp. 131, 190, 191.63 L. F., III, p. 242.

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de tradição visigótica ou, mais precisamente, de tradição fructuosia-na, que, apesar das inúmeras dificuldades, sobreviveu aos constran-gimentos da dominação árabe. Conhecemos bem esta realidade, aque dedicamos particular atenção noutros estudos.

Como já referimos, no contexto da reforma gregoriana, entrouno Norte de Portugal o monaquismo beneditino cluniacense, poden-do, mesmo, dizer-se que esta região é a pátria dos beneditinos, emPortugal, que, só na diocese de Braga, chegaram a ter vinte e seismosteiros: vinte e um masculinos e cinco femininos.

Em 1131, surgiu, em Coimbra a Ordem dos Cónegos Regrantesde Santo Agostinho e anos depois, em 1138 ou em 1142-1144,implantou-se a primeira comunidade cisterciense em Portugal.

Não admira, por isso, que, no Liber Fidei, se encontrem sinaisda presença destas Ordens monásticas, de que deixaremos sumárianotícia, com o objectivo de assinalar mais esta dimensão da riquezadocumental deste códice diplomático da catedral de Braga.

Não é possível acompanhar as circunstâncias em que os anti-gos mosteiros de tradição autóctone ou visigótico-fructuosiana foramdesaparecendo, na sua grande maioria por terem optado por algumadas três novas observâncias monásticas, acima referidas, mas nãoqueremos omitir alguns testemunhos evocativos da presença destasnovas ordens, registados no Liber Fidei. Assim, em 14 de Dezembrode 1138, o mosteiro de Requião, V. N. de Famalicão, cedeu aoarcebispo D. João Peculiar a quinta parte que lhe pertencia na igrejade Capareiros, para redimir a obrigação de lhe pagar o jantaranual64. Por sua vez, o mosteiro de Vimieiro, nos arredores de Braga,que, em 23 de Maio de 1127, tinha sido doado por D. Teresa aoabade de Cluny e seus sucessores65, em 30 de Agosto de 1154,permutou com a Sé de Braga a quarta parte da igreja de S. Martinhoda Gandra, Esposende, por um casal da Sé, em Celeirós, que lheficava mais próximo66.

O Liber Fidei oferece-nos um excelente testemunho relativo àcasa-mãe dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, em Coimbra,ao transcrever o pacto de fraternidade, celebrado entre o mosteirode Santa Cruz de Coimbra e a Sé Primaz, datado de Braga, no dia

64 L. F., III, pp. 228-229.65 COSTA, P.e Avelino de Jesus da – A Ordem de Cluny em Portugal, Braga, Edições

Cenáculo, 1948, pp. 16 e 35-36.66 L. F., II, pp. [280-281] e III, pp. 220-221.

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25 de Dezembro de 1213, sendo os originais constituídos por duascartas partidas pelo alfabeto6. Mas o Liber Fidei confirma também apresença da Ordem de Santo Agostinho, que irradiou de Santa Cruzde Coimbra, dentro dos próprios limites da arquidiocese de Braga.Com efeito, transcreve a composição celebrada, em 25 de Junho de1202, entre o arcebispo D. Martinho e o mosteiro de S. Martinho deCrasto, que pretendia afirmar a sua isenção face à jurisdição doprelado diocesano. Tendo a questão subido à Santa Sé, o prior domosteiro aceitou, finalmente, todas as condições que lhe foram pro-postas68.

Quanto à presença da Ordem de Cister, no Norte de Portugal,basta referir duas cartas: uma, de 7 de Outubro de 1187, pela qualo mosteiro de Santa Maria de Bouro doou ao Cabido de Braga osbens que possuía nas freguesias de Dume e de Tenões, ambas nosarredores de Braga, porque o Cabido o tinha dispensado de pagaros direitos devidos pelas ofertas dos fiéis e pelas mortuárias69; eoutra, meio século posterior, de 21 de Novembro de 1248, pela qualo arcebispo D. João Egas, na sequência do pedido formulado porInocêncio IV pela bula Benigvolum et benignum, autorizou a passa-gem do mosteiro beneditino de Júnias, sito em Montalegre, para aOrdem de Cister, ficando unido ao de Santa Maria de Bouro, emAmares70.

4.2.5 – E quanto à Ordens Religiosas e Militares?

É bem conhecida a origem das Ordens Religiosas e Militares doTemplo e do Hospital de S. João de Jerusalém, na sequência dareconquista do Lugares Santos pelos expedicionários que integravama Primeira Cruzada do Oriente (1095-1099)71. O sucesso desta cam-

67 L. F., III, pp. 343-344: – «in die Natalis Domini sub anno Incarnationis Domini NostriIhesu Christi Era M.ª CC.ª L.ª I.ª , et per alphabetum divisa».

68 L. F., II, [242-243].69 L. F., III, pp. 264-265. SANTA ROSA DE VITERBO, Fr. Joaquim – Elucidário…. Edição

crítica por Mário Fiúza, vol. II (B-Z), Porto-Lisboa, Livraria Civilização, 1966, pp. 425-428,sobre «mortuárias» ou «mortulhas», apresenta a seguinte definição: – «um direito quodex mortuis seu ex decedentium, Legatis, Ecclesiis seu earum Rectoribus, et Ministrisobvenit».

70 L. F., III, pp. 347-348. Ver também outro documento, do mesmo dia, no L. F., III, pp. 349--350.

71 LLORCA, Bernardino – Manual de Historia Eclesiástica, 4.ª ed., Barcelona-Madrid, Ed.Labor, 1955, p. 352. O grande impulsionador foi o Papa Urbano II, que, no Concílio dePiecenza, introduziu, no prefácio da missa, a variante «Et te in Assumptione» para pedir

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panha militar e o interesse despertado por essas duas OrdensReligiosas e Militares proporcionaram as circunstâncias favoráveisà sua difusão pelo Ocidente europeu, incluindo a arquidiocese deBraga, que, praticamente, correspondia ao Norte de Portugal. Da suapresença entre nós, na primeira metade do século XII e temposseguintes, dá também testemunho o Liber Fidei.

A primeira menção que temos da presença destas OrdensReligiosas e Militares, em Braga, refere-se à Ordem do Templo, àqual o arcebispo D. Paio Mendes (1118-1137), na primeira década doseu governo pastoral (1118-1128), doou os bens pessoais que tinhanesta cidade, antes de ser eleito arcebispo, em 1118. Com estadoação, impunha-lhe algumas obrigações, de que salientamos a prin-cipal, com duas vertentes, ambas profundamente sociais: dois terçosdos frutos desses bens destinavam-se à construção da Ponte dePrado e deveriam ser-lhe entregues até à sua conclusão, sendo ooutro terço entregue ao hospital para assistência aos pobres72.

Quanto à Ordem do Hospital, as notícias que nos chegam peloLiber Fidei são um pouco mais tardias. Assim, em 19 de Junho de1145, o arcebispo D. João Peculiar, além de, juntamente com o seuCabido, doar à Ordem do Hospital de Jerusalém, na pessoa dodiácono Paio, solícito procurador da mesma, o hospital que PedroOurives e sua esposa construíram para benefício dos pobres, comtudo o que o arcebispo D. Paio Mendes, seu predecessor lhe tinhamdado, concedeu-lhe a faculdade de poder receber e possuir, pacifi-camente, os bens livres ou mesmo censitários à Sé de Braga, quelhe fossem doados73.

Apesar desta liberalidade, um mês depois, o mesmo arcebispoandava em diferendo com as Ordens do Templo e do Hospital e comos habitantes das freguesias de Dadim e de Lamaçães, por causadas águas de Dadim, tendo a questão sido dirimida, amigavelmente,pela decisão dos três árbitros nomeados para o efeito74.

a protecção de Nossa Senhora (CARVALHO, Joaquim Augusto Félix de – Pontifical deluxo brácaro-romano. Ms. 870 do Arquivo Distrital de Braga (1485-1516), vol. I. Estudoe edição, Romae, 2007, nota 800.

72 L. F., II, pp. [309-310].73 L. F., I, pp. 237-238.74 L. F., III, pp. 259-260.

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Com o decurso do tempo, surgiram algumas dificuldades entreo arcebispo D. Estêvão Soares da Silva e o Cabido de Braga com aOrdem Militar do Hospital, sobre o pagamento de certos direitosepiscopais, em várias igrejas, e quanto à regulação do direito depadroado nas igrejas dependentes da Ordem. Entre outras cláusulas,relativas ao pagamento da procuração destas igrejas, a composiçãocelebrada determinava que o comendador, quando fosse necessárioprover alguma delas, deveria escolher um presbítero honesto e idó-neo e apresentá-lo ao prelado para o confirmar75, respeitando, assim,a jurisdição arquiepiscopal e a promoção de pastores dignos.

5 – A sociedade do Norte de Portugal no Liber Fidei

De quanto até aqui fomos revelando, é fácil concluir da impor-tância deste códice para o conhecimento do Norte de Portugal, nassuas relações externas e com as instituições sedeadas dentro dosseus limites, grosso modo, coincidentes com a vastíssima arquidio-cese de Braga.

Pretendemos, agora, centrar a nossa atenção no contributo dasnumerosas cartas recolhidas neste códice para, através delas, po-dermos verificar como se foram estruturando os diversos aspectos dasociedade portuguesa nesta região, incluindo algumas instituições efactores de natureza económica, cuja importância social não se podeolvidar. Sem pretendermos antecipar conclusões que, melhor se po-derão tirar no fim deste estudo, gostaríamos de observar a estreitacolaboração das populações em objectivos comuns, não se devendoperder de vista certos vectores da mentalidade religiosa e da legis-lação – canónica e civil – vigente, que afloram nas alíneas seguintes.

5.1 – Clérigos e leigos na constituição do património5.1 – da Catedral – motivações

Além da documentação erudita transcrita no Liber Fidei e quelhe mereceu a designação de códice diplomático, entre as suas 954cartas, há muitas que nos permitem acompanhar a constituição dopatrimónio fundiário da Sé de Braga. Foi por isso que, no momentopróprio, afirmámos que esta colecção documental, parcialmente, tam-bém assumia a função de cartulário. Não é esse, contudo, o aspecto

75 L. F., II, pp. [238-239]. Esta composição foi transcrita também no n.º 898 do L. F., III,pp. 341-343.

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que mais nos interessa explorar, mas, preferencialmente, as motiva-ções subjacentes às doações feitas à Sé e aos arcebispos, que,sucessivamente, conduziram os destinos da arquidiocese.

Para se enquadrar, convenientemente, este complexo processo,podemos esclarecer que o período seguinte à restauração da dioce-se, em 1071, até à deposição do seu primeiro bispo, D. Pedro, em1091, constituiu uma fase de intensa organização administrativa e daconstrução da Catedral, dedicada, em 28 de Agosto de 1089, peloarcebispo de Toledo e legado pontifício, D. Bernardo, tendo-se veri-ficado um intenso afluxo de doações à Sé e ao referido bispo,D. Pedro. Durante o longo período de vacância da Sé, até à nomea-ção de novo prelado na pessoa de D. Geraldo (1099) – como acimadissemos e agora recordamos –, quase se extinguiu o movimento dedoações à Sé, mas, com a tomada de posse e o seu reconhecimentocomo metropolita, deparámos com um novo surto de doações eoutros actos jurídicos, orientados para a constituição de um avultadopatrimónio fundiário da catedral.

Neste vasto movimento, foi importante a intervenção do clero,como melhor se verá no número seguinte, dedicado à doação dasigrejas próprias, pelo que reservamos esta alínea às doações feitas porleigos, prestando especial atenção a alguns dos motivos mais significa-tivos, determinantes das mesmas, pelo contributo e oportunidade quenos proporcionam de conhecermos aspectos da sociedade, da menta-lidade e disciplina eclesiástica então vigentes, geralmente desconheci-dos. Tal como tem acontecido ao longo deste estudo, daremos somentealguns exemplos, lamentando a impossibilidade de desenvolvermos asreflexões que suscitam. Mesmo assim e dentro da brevidade que seimpõe, estes elementos revelarão novas dimensões da importância his-tórico-cultural latente no Liber Fidei da catedral de Braga.

No conjunto das situações inventariadas, não obstante as mo-tivações de ordem espiritual, frequentes nestes actos jurídicos, comoo valor da esmola para a remissão dos pecados, o temor do juízofinal, à luz das bem-aventuranças, etc., são notórias as situações deinsegurança dos doadores, quanto ao seu futuro, patentes nas obri-gações impostas aos destinatários dos bens doados. Neste sentido,podemos incluir sob a designação e objectivo de segurança social asnumerosas condições destinadas a garantir o necessário sustento,assistência, protecção e até os sufrágios, depois da morte, garantias,em certos casos, extensivos a outros familiares e benfeitores.

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A casuística desta complexa realidade é abundante e esten-de-se, sobretudo, ao longo do século XII e da primeira metade doséculo XIII.

Foi dentro deste espírito que Sancha Bermudes, em 17 de Abrilde 1142, doou à Sé de Braga metade dos bens que possuía nasfreguesias de Cabaços, Freiriz (Ponte de Lima), Moure (Vila Verde)e outros lugares, com a obrigação de a igreja-mãe da diocese asustentar em vida e de, após a morte, sufragar a sua alma e as dosseus benfeitores: D. Teresa e D. Afonso Henriques76.

Husco Gomes, em 11 de Março de 1145, doou à Sé de Bragatudo quanto ela e sua filha Maria Gonçalves possuíam em Monteze-los, Vila Real, com a obrigação de a Sé donatária lhe prestar assis-tência, bem como aos seus filhos e neto77.

O desejo de protecção e de garantia do necessário sustentoestá expresso no clausulado da doação de Maria Moniz à Sé deBraga dos bens que possuía na freguesia de Santa Eulália de Cres-pos, Braga, com metade dos direitos que tinha sobre esta igrejaparoquial e no casal de Burgo, na freguesia de Geraz, Póvoa deLanhoso, que ela continuaria a possuir em sua vida. À sua morte,porém, metade de tudo quanto doara seria para o arcebispo e aoutra metade para o Cabido, com a obrigação de lhe celebrarem oaniversário do falecimento78.

Em 30 de Julho de 1099, Paio Bermudes, doou à Sé, napessoa de D. Geraldo, recentemente eleito para esta diocese79 , metadedos bens que possuía na freguesia de Esporões, Braga, como agra-decimento pelo seu resgate das mãos de inimigos poderosos e suarestituição à liberdade, expresso nos seguintes termos: – «pro quosacasti me de manu de hominibus fortiosis et impiis et adiuvastes mecontra illos»80, sendo este, efectivamente, o motivo determinante dadoação, cujo teor, além de reproduzido, em 21 de Agosto de 1101,

76 L. F., I, p. 170. Na impossibilidade de sintetizarmos todas as doações relativas aospedidos de sustento, assistência, protecção, bem como aos outros a que nos vamosreferir nesta exposição, optaremos por apresentar, conforme as situações, um ou doiscasos, indicando mais alguns em notas de rodapé, como passamos a fazer, quanto aopedido de sustento: L. F., I, p. 190; II, [169, 199, 228-229, 266,]; III, 36, 168, 171, 204.

77 L. F., II, p. [224, 225, 276, 278].78 L. F., II, pp. [228-229; ver também as pp.: 88, 172, 199]; e III, pp. 98, 168.79 COSTA, P.e Avelino de Jesus da – A vacância da Sé de Braga e o episcopado de São

Geraldo (1092-1108), Braga, 1991, p, 10, onde é indicado o dia 26 de Janeiro de 1099,como a data mais provável da sua eleição.

80 L. F., I, p.177-178.

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com uma redacção do motivo mais expressiva e vigorosa: – «Ideodedimus vobis illam hereditatem eo quod eripuistis nos de manibushominum potentium vel adversariorum nostrorum ferocissimorum etadiutorium egistis nobis contra eos vel pro remédio animarum nostra-rum»81, voltou a ser incluído no Liber Fidei, sob o n.º 682, emboracom a lamentável substituição de hominum por omnium82.

Se no caso precedente nos encontramos perante um profundogesto de gratidão, porque o prelado diocesano conseguiu resgatar edevolver o doador à liberdade, em 5 de Julho de 1132, assistimos àdoação à Sé, feita por Elvira Galindes, suas filhas, irmãos e sobri-nhos de seu filho, Garcia Soares, em reparação pelas muitas ofensase injúrias por este feitas à Sé e ao arcebispo D. Paio Mendes. TendoGarcia Soares sido morto inesperadamente – «qui fui occisus» –,sem confissão nem absolvição dessas graves ofensas, sua mãe,Elvira Galindes, juntamente com o bispo Bernardo de Coimbra – quetinha sido arcediago no Cabido bracarense –, o bispo eleito de Tui,Paio, e os abades Nuno de Tibães e Mido de Rendufe e muitasoutras pessoas importantes pediram ao arcebispo se dignasse acei-tar a terça parte de todos os bens do ofensor falecido, com excep-ção da quinta de Febros, em reparação de todas as ofensas recebidase para que Deus lhe concedesse o seu perdão83. Estamos, semdúvida, perante uma grave situação social e religiosa, em que a mãee outros familiares do falecido agressor não se pouparam a esforços,mobilizando, inclusive, as influências de prelados, abades e de pres-tigiadas personalidades da sociedade civil, no sentido de obterem operdão da Igreja e do arcebispo ofendido.

Por vezes, o laconismo de algumas cartas recolhidas nestecódice não permite conhecer a razão última de algumas penas espi-rituais que o alcance da sua natureza jurídica – essencialmente,doações –, pretende sanar. Tal é o caso da doação que FernandoGomes fez a D. João Peculiar e ao Cabido de Braga dos bens daherança paterna, situados em Redondelo e Curalha, região de Cha-ves, em 19 de Fevereiro de um ano criticamente situado entre [1169-

81 L. F., I, pp. 186-187.82 L. F., III, pp. 116-117.83 L. F., III, pp. 171-172.84 L. F., II, p. [252].

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-1175], para que o arcebispo levantasse a sentença de excomunhãocom que sua esposa, Elvira Moniz, estava ferida84. Embora se desco-nheça a causa dessa pena de excomunhão, não há dúvida de quelhe terá sido infligida por motivo grave.

Entre os doadores e as dádivas por eles feitas à Sé de Bragae a outras igrejas para serem ou porque já foram absolvidos dealguma excomunhão, desejamos salientar o caso de Monio Esteves ede sua mulher, Urraca Guesteiz, porque revela que a pena de exco-munhão lhes tinha sido aplicada, por cumplicidade no crime de biga-mia, ao darem sua filha em casamento a Fernando Gomes, queestava, legitimamente, casado com outra mulher viva, por ele repu-diada. Tendo pedido perdão e sido absolvidos da sobredita pena deexcomunhão pelo arcebispo D. João Peculiar, por carta de 7 deDezembro de 1155, doaram à igreja de Santa Maria de Pinhovelo, noactual concelho de Macedo de Cavaleiros, e à Sé de Braga, napessoa do referido arcebispo e seus sucessores, os dízimos quetinham em Travanca, Moncorvo. Além disso, Urraca Guesteiz, mãe dajovem induzida a um casamento nulo, mas, em última instância, res-ponsável por uma inequívoca situação de bigamia, deu também à SéPrimaz uma herdade em Rio Mau, sita na terra de Montenegro85.

Na série de motivos determinantes de doações à Sé de Bragae seu metropolita, cujas cartas se conservam no Liber Fidei, emcontraste com os pedidos de absolvição de excomunhões, há tambémsignificativos casos de remissão de penitências impostas por motivosgraves, não só de natureza religiosa, mas também de ordem civil,social e canónica, que, embora em número reduzido, indiciam situa-ções complexas na sociedade do tempo.

Foi o que aconteceu nos primórdios do episcopado de D. Ge-raldo, que levou Afonso Alvites a transferir, em 8 de Julho de 1101,uma propriedade que possuía em Avambres, freguesia de Mateus –Vila Real, para a Sé de Braga, por um duplo título: metade, comodoação, e a outra metade, como venda. Na base deste duplo acto

85 L. F., III, pp. 221-222: – «Et hoc facio pro remédio anime mee et parentum meorum etqui[a] absolvisti me ab excomunicationem in qua eram pro filia mea quam dederamFernando Gomez in coniugium quia habebat aliam uxorem legitimam adhuc vivam etdimiserat eam».

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jurídico está o facto de o filho de Afonso Alvites, chamado Mendo, termorto um homem. O homicídio, além de ser um grave crime, eratambém um pecado cuja absolvição era reservada ao prelado dioce-sano. Tendo comparecido aos seus pés, foi-lhe aplicada uma peni-tência pública de doze anos.

Quando Afonso Alvites viu o filho submetido a essa dura peni-tência, compadeceu-se e, com muitas outras pessoas, pediu miseri-córdia a D. Geraldo e ofereceu à Sé metade da referida propriedade,em satisfação da penitência imposta86.

No âmbito de homicídios, vamos mencionar mais alguns, queconfiguraram também a gravidade de verdadeiros sacrilégios. Doprimeiro ficou memória no documento de 22 de Abril de 1110, peloqual sabemos que Vidas, sua mulher, filhos e outros familiares doa-ram à Sé de Braga os bens que possuíam em Bornes e ainda aparte do que lhes pertencia na igreja de Santa Marta, sita emMacedo de Cavaleiros, em reparação pelo sacrilégio inerente aohomicídio praticado dentro dela87.

Outro foi praticado por Mendo Gomes e seu irmão Egas, quemataram o clérigo Gomes Eanes, na igreja de S. Martinho de Frias-telas, Ponte de Lima, tendo doado à Sé, em satisfação de tãosacrílego delito, a parte que lhes pertencia no mosteiro de Gaifar ena igreja de S. Lourenço do Mato, também em Ponte de Lima, alémde outros pagamentos88.

Pelo número de pessoas implicadas e bens doados à Sé, emremissão da pena infligida aos doadores pelas respectivas participa-ções, e pelos vários anos que demorou a inquirição sobre este crime– pelo menos entre 1152 e 1155 –, a repercussão do homicídiopraticado na igreja de S. Salvador de Nozedo89 excedeu quaisquer

86 L. F., I, pp. 185-186: – «Accidit autem ut filium eius nomine Menendo inpediente peccatooccidit hominem et proinde devenerunt ante pedes archiepiscopi domni Geraldi qui inhoc tempore obtinuit sedem metropolis ut penitentiam illi dare sicut et dedit XIIem annos.Dum autem vidisset Adefonso filium suum in penitenciam grave doluit cor eius superfilium et deprecavit ille archiepiscopus cum multis aliis servi Dei ut faceret misericor-diam super illum et dedit proinde ad illum archiepiscopum medietate de hereditate deAvamores pro illa penitentia et ipsa meditate vendid[i]t ea ad ille archiepiscopus proXXX.ª solidos et consumpta est omnis hereditas in iudicio ei».

87 L. F., II, pp. [118-119]: – «Proinde donamus et textum facimus vobis de illa ecclesia etde illa hereditate pro qua fecimus omicidium intra illa ecclesia et pro vestra mercedeabsolvistis nos a vinculis peccatorum nostrorum et de illa calumnia de illo omicidio».

88 L. F., II, pp. [ 274-275], reproduzido também sob o n.º 786 (L. F., III, pp. 215-216).89 Esta freguesia foi extinta e o seu território está integrado na de S. João de Corveira,

concelho de Valpaços (L. F., III, p. 244, rodapé).

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outros acima mencionados, como revelam os documentos que passa-mos a referir. A primeira dessas doações à Sé de Braga, em repa-ração por este sacrilégio, é de 1152 e as últimas, de que temosnotícia, são de Junho de 1155.

A fim de simplificarmos a informação fornecida pelo Liber Fideisobre este grave crime e sacrilégio e as compensações materiaisentregues à Sé, em remissão das penas em que tinham incorrido, deacordo com o regime penitencial, então vigente, e de que o Tratadode Confison, incunábulo português, impresso em Chaves, em Agostode 148990, é inequívoco testemunho, condensamo-la num quadro,que permitirá aos interessados, não só conhecê-la no essencial, mastambém ter acesso às cartas em que se encontra, de forma maispormenorizada:

Datas Doadores indultados Bens doados Ref.as documentais

1152-09-06 Rolão Oerii Herdade em Torre, L. F. II, p,[284].e outra em Vilar de (Doc. repetidoNantes, Chaves, na p. [287]).pagando dois quar-teiros de pão, porano, por cada uma

1155-01-12 Pedro Fernandes ½ casal em Carra- L. F., II. p. [285]zedo de Montenegro (Doc. repetidoe ½ casal em Rio na p. [288]).Torto, Valpaços

1155-06-28 Fernando Godesteiz Herdade em Torre, L. F., II,e seus filhos Chaves pp. [281-282].

(Doc. repetido nap. [290] e em III,p. 244).

1155-06-29 Mendo Fernandes O que lhe pertencia L. F., II, p. [282].na igreja de Santo (Doc. repetido naAndré de Semil91, p. [291-292]Chaves e em III, p.245).

90 MARTINS, José Pina – Tratado de Confison, Lisboa, 1973. MARQUES, José – Tratadode Confissom. Novos dados para o seu estudo, Vila Real, BPAD-IPPC, 1986. IDEM – Oarcebispo D. Jorge da Costa e os primórdios da imprensa em Portugal. Forum, Braga,4, 1988, pp. 2-31. VOGEL, Cyrile – Le pécheur et la penitence au Moyen-Âge, Paris,Éditions du CERF, 1969.

91 Freguesia extinta, que deve corresponder ao lugar de Sesmil, em S. Pedro da Agostém,concelho de Chaves (L. F., II, [282].

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Verificamos, assim, que neste crime, praticado na então igrejade Nozedo, em pleno desrespeito pelo mandamento da Lei de Deus– não matarás –, da igreja Sua casa, e violando o direito de asilo,que as igrejas proporcionavam, intervieram, pelo menos, quatro indi-víduos.

Suspendemos aqui as referências a estes casos graves, deordem civil e religiosa, às penas canónicas com que foram sanciona-das e às compensações materiais, que, de acordo com o regimepenitencial em vigor, foram entregues à Sé de Braga, contribuindopara a formação do seu património fundiário.

5.2 – Das igrejas próprias ao padroado arquiepiscopal

Temos consciência de, no ponto anterior, nos termos demoradona análise de aspectos do Liber Fidei mais do que seria de esperar,se pensarmos, apenas, no tempo disponível para esta intervenção.Atendendo, porém, à qualidade da informação histórica fornecida poreste códice, absolutamente ignorada dos historiadores portugueses,decidimos dedicar-lhe mais atenção.

Igualmente rico e desconhecido é o aspecto que agora nospropomos desenvolver e sobre o qual o Liber Fidei proporcionaabundantes informações, insuficientemente exploradas para o Nortede Portugal ou, mais concretamente, para a arquidiocese de Braga,e, menos ainda, para o resto de País92, como é compreensível à luzdo contexto histórico da Reconquista.

Para a compreensão e correcta ambientação dos antecedentesda realidade que vamos expor, convém ter presente que, a norte dorio Douro, limite sul da Reconquista, imposto por Vímara Peres, em868, à medida que os presores e outros colonizadores foram sentin-do a necessidade de que as numerosas pessoas ao seu serviçopudessem ter alguma assistência religiosa, embora, ainda, fora doquadro administrativo diocesano e paroquial inexistente, foram cons-truindo e sustentando pequenos oratórios e igrejas destinados a talfim. Estas igrejas próprias, integradas nos seus patrimónios, eramtransmitidas por herança aos descendentes e sujeitas às respectivasdivisões, como os demais bens.

92 Sobre este assunto, veja-se OLIVEIRA, Miguel de – As paróquias rurais portuguesas.Sua origem e formação, Lisboa, 1950, pp. 125-160.

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Com a restauração das antigas dioceses, a começar pela deBraga, em 1071, embora na dependência dos seus proprietários,muitas destas igrejas ficaram ao serviço do culto paroquial, dandoorigem ao conhecido direito de padroado, que, entre outros aspec-tos, permitia aos patronos apresentarem ao prelado diocesano oclérigo para presidir aos destinos religiosos dessas comunidadescristãs, apresentações que, muitas vezes, levantavam graves proble-mas, de vária ordem, não só entre os padroeiros, mas também aosbispos, a quem competia confirmar ou não os apresentados.

Tais igrejas, apesar das vantagens oferecidas numa primeirafase da assistência religiosa às populações circundantes, tornaram-se, depois, fontes de muitas dificuldades, agravadas pela sucessivafragmentação do direito dos herdeiros sobre as mesmas. E o que seafirma das igrejas próprias, aplica-se também a muitos dos antigosmosteiros autóctones ou de tradição visigótico-frutuosiana, que nãoaderiram às novas observâncias monásticas – beneditina, cistercien-se ou agostinha – vindo a extinguir-se, com os seus patrimóniosfragmentados.

O Liber Fidei, que tem prendido a nossa atenção, proporcionaabundante informação sobre a transformação social neste domínio,no âmbito da arquidiocese de Braga, com repercussões na progres-siva integração de muitas dessas igrejas e até de alguns mosteirossob a jurisdição plena do prelado diocesano, no aumento e valoriza-ção do património material da Sé de Braga, na extinção de tensõesentre os herdeiros por causa da apresentação dos candidatos à curapastoral dessas igrejas e, sem dúvida, na maior liberdade dos pre-lados na escolha de clérigos idóneos.

A apresentação destes elementos constitui um dos contributosmais importantes sobre a lenta transformação social e religiosa noNorte de Portugal, de que este códice diplomático dá testemunho.Quanto a este tema, conviria proceder também à análise dos motivossubjacentes às doações patentes nas numerosas cartas recolhidasno Liber Fidei, cuja diversidade ajudaria a definir o clima social ealgumas vertentes da mentalidade dos doadores.

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Sem preocupações de exaustividade, apresentamos um brevequadro destinado a elucidar o que acabámos de afirmar:

Datas Doadores Igrejas e mosteiros Ref.as: doados L. F., vol.-pp.

1078-07-27 Froila Crescones ½ da vila e igreja de III, 41-42Sabariz - Apúlia

1082-06-29 Galindo Alvites, diácono 1/6 da vila e igreja de III. 37-38Mindelo - Vila do Conde

1100-04-24 Nuno Soares Mosteiro de S.to Antonino I, 268-273de Barbudo - Vila Verde

1101-06-08 Conde D. Henrique e Mosteiro de Barbudo I, 273-274D. Teresa e bens em Palmeira

e Pitães - Braga

1126-10-01 Paio Pais Parte dos mosteiros de II, [202-204]Capareiros e de Gaifar

1126-10-01 Paio Pais 1/8 da igreja de II, [215]S. Pedro de Calvelo- P. de Lima

1124-04-02 Elvira Peres Parte nas igrejas de III, 175S. Julião de Paços,S. Miguel de Cabreiros,S. Miguel de Cabaçose S. Pedro de Goães

1134- Paio Gondesendes Parte da igreja de II, [169]S. Miguel de Cendufe- P. de Lima

1134 Elvira e Argio Eroniz ¼ da ermida de Santo III, 181e seu irmão Ordonho Isidoro

1138-1145 Pedro Pais 1/6 de S. Pedro de Fra- III, 236goso, 1/7 de S. Juliãode Freixo, 1/9 do mostei-ro de Vitorino das Donas

1158-01-25 Soeiro Pais e o filho A sua parte na igreja de II. [2668]Soeiro Soares Santiago de Aldreu

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Datas Doadores Igrejas e mosteiros Ref.as:

doados L. F., vol.-pp.

1159-05-27 Mendo Soares Os seus direitos nos II, [265]mosteiros de Capareiros,Carvoeiro e Palme e nasigrejas de Fragoso,Sta. Lucrécia de Aguiare S. Paio de Antas

1161-02-27 Maior Pais e marido 1/3 da igreja de S. Sal- II, [227]vador de Fonte Má(agora F. Boa) - Barcelos

1162-08-14 Fafes Godins Parte do most.º de SantaMaria Vila Nova de Sande II, [236]

1169-09-12 Nuno Sesnandes Parte das igrejas de II. [256]e filhos S. Miguel da Facha,

S. Miguel de Cabaços,S. Salvador de Fojo Lobal,S. Mamede de Sandiães(P. de Lima) e S. Pedrode Alvito (Barcelos)

Face ao exposto, cremos ter documentado suficientemente, emboranão de forma exaustiva, as afirmações relativas às igrejas próprias eà sua progressiva integração na jurisdição e no padroado arquiepis-copal.

5.3 – Sociedade em mudança: outros aspectos

Apesar de termos demonstrado que a importância histórica doLiber Fidei ultrapassa os limites do Norte de Portugal, sobretudo noponto n.º 5, temos acentuado as possibilidades que ele oferece paraum melhor conhecimento da sociedade medieval portuguesa, emparticular, nos aspectos económico, da administração eclesiástica eda mentalidade religiosa, colocando-nos perante uma sociedade emtransformação

Percorrendo este códice, detectámos mais algumas cartas quepermitem aduzir novos testemunhos da profunda mudança que seestava a operar nas relações sociais, evidenciadas em atitudes cujaimportância e valor jurídico, consagrado em instrumentos diplomá-

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ticos, nos apraz revelar. Entretanto, não esquecemos as marcas daviolência social, a vários níveis, evidentes na sociedade desta região,que viria a ser o Norte de Portugal, que as práticas, a seguirreferidas, claramente confirmam.

Tentando explicitar estes conceitos, recordamos que nos finaisdo século XI, apesar de a diocese de Braga ter sido restaurada, em1071, tanto ela como outras instituições eclesiásticas, neste períodoe nos tempos seguintes, continuaram a ser objectos de fáceis e atéintencionais confusões. Um desses casos foi protagonizado pelosfamiliares de Afonso Nantemires, que deixou diversas herdades,casas e igrejas à Sé de Braga e ao seu primeiro bispo, D. Pedro,com a obrigação de lhe facultar a sepultura na igreja-mãe da dioce-se. Após a sua morte e sepultura, o irmão, Mendo Siiz, com suaesposa e filhos apresentaram-se como herdeiros de tais bens. Tendosido convocada uma assembleia de personalidades importantes eidóneas, reunida em 6 de Julho de 1106, com a presença do arce-bispo D. Geraldo e de D. Ausenda (ou Adosinda) Tedões com suasfilhas e genros, foram reconhecidos os direitos da Sé de Braga,tendo-se acordado que os reclamantes ficassem na posse de metadedos bens em litígio93.

Poucos anos depois, mas já no arcebispado de D. MaurícioBurdino, surgiu uma nova contenda, de contornos idênticos à ante-rior, por causa dos bens que Paio Odoriz tinha deixado à Sé deBraga, onde foi sepultado. Posteriormente, o abade D. Rodrigo comos herdeiros do mosteiro de S. Martinho de Sande, questionaram aposse desses bens, que, em 19 de Novembro de 1110, foram reco-nhecidos como pertencentes ao arcebispado: – «et omnes viri nobilesqui ibi erant adiuncti et iudicaverunt quoniam directum erat de Braca-ra et non Sandi» –, direito que os sobreditos abade e herdeirosreconheceram por escrito94.

Além destas, podemos mencionar outras cartas de agnição oude reconhecimento de direitos pertencentes a outros titulares – ins-tituições ou simples particulares –, cujos títulos jurídicos foram reco-lhidos no Liber Fidei, como aconteceu com Alvito Dias, que em seunome e dos religiosos de S. Paio de Mós, Vila Verde, em 14 deMarço de 1111, reconheceu os direitos da Sé de Braga aos bens quelhe contestavam, em Gondiães, Vila Verde95.

93 L. F., II, pp. [73-74]. Este documento foi transcrito também no L. F., III, pp. 63-64.94 L. F., II, pp. [121-122].95 L. F., III, p. 146.

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Esta sociedade medieva era muito insegura, pelo que não fal-tavam pessoas, detentoras de bens suficientes para viverem comcerto desafogo, a confiarem-se com suas famílias e os próprios bens,que continuavam a trabalhar, à protecção de alguém mais poderosoou de alguma instituição que lhes proporcionasse a protecção de quecareciam. Citamos, apenas, dois casos de encomuniação: o primeiroé o de Savarigo Baltariz, que, em 23 de Setembro de 1043, fez cartade encomuniação à condessa D. Ilduara de parte da igreja doS. Miguel e de outros bens que possuía em Gualtar e em S. Mamedede Este, Braga, em Soengas, Vieira do Minho, e em Barreiros Ama-res96; o segundo, bastante posterior, corresponde à encomuniaçãoque, em 28 de Setembro de 1109, Mido Bermudes fez de metade dosbens que possuía em Lamaçães, Braga, à Sé Primaz, na pessoa doarcebispo D. Maurício Burdino, com a condição de ele e os seusdescendentes continuarem a cultivá-los como, colonos da Sé, pagan-do-lhe a quarta parte dos frutos produzidos97.

Em contraste com estes casos de subordinação de certos indi-víduos com seus familiares e bens a outros mais poderosos, embusca da necessária protecção, o Liber Fidei, na sua riqueza docu-mental, revela-nos também alguns casos de pessoas que se encon-travam em situações de dependência, limitadas na sua liberdadeindividual, que, por generosidade dos seus titulares, ascenderam àplena liberdade.

Respeitando o método seguido até aqui, sobre esta temáticaapresentamos, apenas, dois casos. No primeiro, Trudili Mendes con-cede plena liberdade ao seu escravo Garcia, que a tinha servido,desde a sua infância, e doa o escravo Fernando como servo aomosteiro de Santo Antonino de Barbudo. Note-se que estamos peran-te um caso de alcance social, que tem subjacentes razões de ordemreligiosa, como a própria carta de manumissão, liberdade ou alforria,claramente indica. Com efeito, além de na arenga bíblica se ordenara protecção dos oprimidos98, a libertação de um dos escravos e aelevação de outro à condição de servo, assumem também carácterde reparação pela situação irregular do casamento de seu filho, faceà lei canónica, que já lhe tinha merecido a repreensão episcopal e

96 L. F., I, pp. 216-217.97 L. F., II, pp. [131-132].98 L. F., III, pp. 32-33: – «Dissolvet conligationis impietatis solvet fasciculos deprimentes.

Dimitte eos qui confracti sunt, libera eos et omne honus eorum disrumpet».

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abacial: – «et pro que increparunt nos episcopos et abbates pro illoconiugio filio nostro Nuno Menendis»99.

O segundo, apesar de aparentemente ser mais simples, poistrata-se da libertação de um servo e não de um escravo, revestiu-sede uma solenidade, que pelo seu simbolismo não pode deixar de seinterpretar como um convite generalizado à libertação dos numerososescravos e servos ainda existentes. Estas afirmações compreender--se-ão melhor se dissermos que o protagonista desta libertação foi opróprio arcebispo D. Paio Mendes, ao conceder a carta de liberdadeou ingenuidade – no sentido que tem na Idade Média – ao seuservo, que trata por irmão, Pedro Suaridem, junto do altar da Sé deBraga, na presença dos cónegos aí reunidos e de nobres leigos. Poresta carta de liberdade, ingenuidade ou alforria, o arcebispo decla-rou-o tão livre como se tivesse nascido de pais livres, podendo irpara onde quisesse e a autoridade canónica permitisse100.

Com o resumo desta carta de liberdade, ingenuidade, manumis-são ou alforria, solenemente outorgada pelo arcebispo, na Sé deBraga, em data indeterminada do seu governo pastoral (1118-1137),assinalámos, da melhor forma, mais um valioso aspecto, latente noLiber Fidei, sobre o caminho da sociedade em mudança, rumo àcrescente libertação de quantos viviam na dependência dos maisvariados poderosos.

6 – Conclusão

No termo desta exposição sobre o Liber Fidei da Catedral deBraga, cremos ter demonstrado que a sua importância histórica trans-cende os limites do Norte de Portugal, como reino independente.

Não pretendemos repetir quanto ficou exposto, mas não pode-remos olvidar que, além de proporcionar um minucioso conhecimentoda divisão administrativa eclesiástica do reino suevo e a solicitude de

99 Ibidem.100 L. F., III, p. 178: – «… ego in Dei nomine Pelagius Bracarensis archiepiscopus pro

remedio anime mee et pro remedio anime fratris mei Suerii Mendi vel eterna retribu-tione in ecclesia Sancte Marie et sub presentia canonicorum ibi consistentium acnobilium laicorum ante cornu altaris istius ecclesie absolvo servum meum vel fratrismei illum Petrum Suaridem per hanc kartam absolutionis vel ingenuitatis ab omnivinculo servitutis ita ut ab hac die et deinceps ingenuus sit et ingenuus permaneattanquam si ab ingenuis parentibus fuisset natus vel procreatus. Eam pergat partemquam maluerit vel quem ei auctoritas canonica permittit et sicut alii ingenui vitam ducatingenuam».

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vários monarcas asturianos e leoneses pelas regiões periféricas doocidente peninsular, à medida que a Reconquista cristã ia avan-çando, lentamente, para sul, permite esclarecer o sentido de muitasintervenções pontifícias na vida política, administrativa eclesiásticae religiosa, não só do centro-norte de Portugal, mas também dasregiões da Galiza e, em parte, de Castela.

Mas, o seu maior contributo, cujo conhecimento deverá ser,convenientemente, aproveitado e desenvolvido, incide nos múltiplosaspectos de âmbito interno enumerados e, em especial, quanto aoesclarecimento da vida de algumas instituições e da sociedade por-tuguesas, até meados do século XIII, onde não faltavam manifesta-ções de violência e, em muitos casos, as expressões de arrependimentoe iniciativas destinadas à reparação dos males e injustiças praticados

De muitas dessas atitudes reparadoras beneficiaram diversasinstituições eclesiásticas e, particularmente, a Sé de Braga, sendooportuno recordar que a entrega de muitas igrejas próprias, inteirasou, apenas, as fracções possuídas pelos doadores, e de antigosmosteiros de tradição autóctone ou visigótico-frutuosiana, em condi-ções idênticas às das referidas igrejas, contribuiu para a unidadediocesana e reforço da autoridade episcopal.

No cenário generalizado de uma sociedade violenta, onde nãofaltam atentados à vida e à dignidade humana, a par da busca deprotecção e de sufrágios, traduzida em actos jurídicos de encomu-niação, surgem também testemunhos de promoção de escravos eservos à liberdade plena, nas cartas de manumissão, alforria ouingenuidade, e de reconhecimento da verdade e reposição de direi-tos materiais violados, patente nas cartas de agnição, actos jurídicos,expressos em diplomas, cuja natureza e terminologia enriquecem ovocabulário diplomático.

Estes e muitos outros sinais permitem afirmar que o Liber Fideida Catedral de Braga documenta, de forma inequívoca, um longoperíodo de mudança na sociedade do Norte de Portugal, até meadosdo século XIII, sendo oportuno recordar a clarividência dos autoresque o classificaram como um dos mais importantes da Europa.

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Fig. 1 – Liber Fidei – aspecto exterior

Apêndice

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Fig. 2 – Liber Fidei – capa e lombada

Fig. 3 – Liber Fidei – lombada e nervos da encadernação

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497O Liber Fidei da Catedral de Braga e o Norte de Portugal

Fig. 4 – Liber Fidei – contracapa separada (à direita)

Fig. 5 – Liber Fidei – aspecto da escrita, pp. 41v – 42

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Fig. 6 – Liber Fidei – outros aspectos da escrita, pp. 85v – 86

Fig. 7 – Mapa da divisão do reino suevo em dioceses, em 569

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499O Liber Fidei da Catedral de Braga e o Norte de Portugal

DIOCESES E PARÓQUIAS DO REINO SUEVO(com a indicação das paróquias interpoladas posteriormente)

PARÓQUIAS DIOCESES

de vici de pagi Total

Do sínodo bracarense:

Braga 18 12 [2]101 30 [2]

Porto 18 7 25

Lamego 6 6

Coimbra 7 7

Viseu 92 9

Dume 1 (Mostº. e seusservos) 1

Idanha 3 3

Totais 62 19 [2] 81 [2]

Do sínodo lucense:

Lugo 3 [12] 3 [12]

Orense 11 11

Astorga 10 10

Iria 8 [9] 8 [9]

Tui 11 6 17

Britónia ?

TOTAIS 43 6 [21] 49 [21]103

TOTAIS GERAIS 105 25 [23] 130 [23][153]

Quadro n.º 1 – Dioceses e paróquias suevas dos sínodos de Braga e Lugo

101 Os números inscritos em itálico, entre colchetes rectos, correspondem a paróquiasinterpoladas no primitivo Parochiale, em data posterior à sua promulgação, em 569,pelo rei Teodomiro, cognome do rei Miro, filho de Carriarico (Cf. DAVID, Pierre – O. c.,pp. 31-45).

102 A paróquia de Viseu chamada Calabria ou Caliábriga (Calabrica), no período dadominação visigótica, foi elevada a diocese, mas após a Reconquista não foi restaurada.

103 Os elementos deste quadro foram recolhidos em DAVID, Pierre – Études historiques surla Galice et le Portugal du VIe au XIIe siècle, Paris-Lisbonne, 1947, pp. 31-44.

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104 Identificada com Faro.105 Data crítica do concílio de Elvira, em que participaram os bispos de Ossónoba (Faro) e

Évora.106 Data obtida deduzindo ao ano provável da morte de Idácio (469) os 41 anos que terá

durado o seu episcopado.107 No II concílio de Braga, Lucécio, que também participou no I concílio, assinou as actas como

«Lucetius Colimbriensis episcopus», mas no III concílio de Toledo, Possidónio assinoucomo «Emin[i]ensis ecclesiae episcopus», pelo que interpretamos, por oposição, o termo«Colimbriensis» utilizado no II concílio de Braga, como correspondente a Conimbriga, e quea mudança para Eminium, coincidente com a actual Coimbra, terá ocorrido entre 572 e 589.

DATAS

DIOCESES

mais antigas conhecidas da restauração (primórdios)

Ossónoba104 300-302105

=>Silves – 1189 =>Faro – 1250

Évora 300-302 1166

Boticas 314 –

Lisboa 357 1147

Braga 397-400 1071

Chaves c. 428106

Beja 531 1770

Dume 556 –

Conimbriga a. 561 => Eminium 572-589107

=> Coimbra 1080

Quadro n.º 2 – Datas primitivas de algumas dioceses e respectivas restaurações