3
Dengue, infecção por Zika ou febre chikungunya? BOLETIM MÉDICO edição 7 – ano 3 – abril de 2016 Atualização Transmitidas por mosquitos do gênero Aedes, as infecções provocadas pelo vírus da dengue, pelo Chikungunya e pelo Zika não raro exibem quadros semelhantes. Uma vez que apresentam prognóstico e complicações diferentes, a definição diagnóstica é essencial para o seguimento e o manejo adequados, sobretudo nesta temporada de maior proliferação do vetor. Doença Infecção por Zika Dengue Febre chikungunya Transmissão • Picada de mosquitos infectados do gênero Aedes • Contato com saliva e outros fluidos corporais (possibilidade em estudo) • Picada de mosquitos infectados do gênero Aedes • Picada de mosquitos infectados do gênero Aedes Incubação • De três a sete dias • De 3 a 14 dias • De três a sete dias Sintomas principais • Febre baixa • Exantema maculopapular pruriginoso • Mialgia • Cefaleia • Hiperemia ocular • Febre • Exantema macular ou maculopapular pruriginoso • Mialgia • Cefaleia • Dor retro-orbitária • Petéquias • Febre • Exantema maculopapular • Mialgia • Cefaleia • Artralgia ou artrite Duração média dos sintomas De três a quatro dias De dois a sete dias (pode ser bifásica) De sete a dez dias Hemograma • Leucopenia discreta • Leucopenia • Neutropenia • Linfopenia com linfócitos atípicos • Plaquetopenia • Leucopenia • Neutropenia • Linfopenia • Plaquetopenia Testes específicos De três a cinco dias após o início dos sintomas: • Pesquisa de RNA viral por RT-PCR (sangue, urina* e líquido amniótico) Após cinco dias do início dos sintomas: • Sorologia (IgM e IgG) De três a sete dias após o início dos sintomas: • Pesquisa do antígeno NS1 por imunocromatografia – teste rápido • Pesquisa do antígeno NS1 por técnica imunoenzimática Após sete dias do início dos sintomas: • Sorologia (IgM e IgG) Nos primeiros sete dias após o início dos sintomas: • Pesquisa do RNA viral por RT-PCR (sangue) Após sete dias do início dos sintomas: • Sorologia (IgM e IgG) Complicações principais • Microcefalia em fetos de gestantes infectadas • Síndrome de Guillain-Barré (em estudo) • Síndrome hemorrágica/ choque • Síndrome de Guillain-Barré • Artrite crônica/recorrente O desafio de diferenciar as velhas e as novas ameaças do Aedes aegypti . Partículas do Zika vírus exibidas por microscopia eletrônica de transmissão. ALFRED PASIEKA/SCIENCE PHOTO LIBRARY/LATINSTOCK *Estudos mostram que, na urina, o RNA viral pode ser detectado por mais tempo. Compare as características clínicas e laboratoriais das três síndromes febris

O desafio de diferenciar as velhas e as novas ameaças do ... · • Mialgia • Cefaleia • Artralgia ou artrite Duração média ... Compare as características clínicas e laboratoriais

  • Upload
    dangque

  • View
    216

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: O desafio de diferenciar as velhas e as novas ameaças do ... · • Mialgia • Cefaleia • Artralgia ou artrite Duração média ... Compare as características clínicas e laboratoriais

Dengue, infecção por Zika ou febre chikungunya?

BOLETIM MÉDICOedição 7 – ano 3 – abril de 2016

Atualização

Transmitidas por mosquitos do gênero Aedes, as infecções provocadas pelo vírus da dengue, pelo Chikungunya e pelo Zika não raro exibem quadros semelhantes. Uma vez que apresentam prognóstico e complicações diferentes, a definição diagnóstica é essencial para o seguimento e o manejo adequados, sobretudo nesta temporada de maior proliferação do vetor.

Doença Infecção por Zika Dengue Febre chikungunya

Transmissão • Picada de mosquitos infectados do gênero Aedes • Contato com saliva e outros fluidos corporais (possibilidade em estudo)

• Picada de mosquitos infectados do gênero Aedes

• Picada de mosquitos infectados do gênero Aedes

Incubação • De três a sete dias • De 3 a 14 dias • De três a sete dias

Sintomas principais

• Febre baixa • Exantema maculopapular pruriginoso • Mialgia • Cefaleia • Hiperemia ocular

• Febre • Exantema macular ou maculopapular pruriginoso • Mialgia • Cefaleia • Dor retro-orbitária • Petéquias

• Febre • Exantema maculopapular • Mialgia • Cefaleia • Artralgia ou artrite

Duração média dos sintomas

De três a quatro dias De dois a sete dias (pode ser bifásica)

De sete a dez dias

Hemograma • Leucopenia discreta • Leucopenia • Neutropenia • Linfopenia com linfócitos atípicos • Plaquetopenia

• Leucopenia • Neutropenia • Linfopenia • Plaquetopenia

Testes específicos

De três a cinco dias após o início dos sintomas: • Pesquisa de RNA viral por RT-PCR (sangue, urina* e líquido amniótico) Após cinco dias do início dos sintomas: • Sorologia (IgM e IgG)

De três a sete dias após o início dos sintomas: • Pesquisa do antígeno NS1 por imunocromatografia – teste rápido • Pesquisa do antígeno NS1 por técnica imunoenzimática

Após sete dias do início dos sintomas: • Sorologia (IgM e IgG)

Nos primeiros sete dias após o início dos sintomas: • Pesquisa do RNA viral por RT-PCR (sangue) Após sete dias do início dos sintomas: • Sorologia (IgM e IgG)

Complicações principais

• Microcefalia em fetos de gestantes infectadas • Síndrome de Guillain-Barré (em estudo)

• Síndrome hemorrágica/choque • Síndrome de Guillain-Barré

• Artrite crônica/recorrente

O desafio de diferenciar as velhas e as novas ameaças do Aedes aegypti.

Partículas do Zika vírus exibidas por microscopia

eletrônica de transmissão.

ALFR

ED P

ASIE

KA/S

CIEN

CE P

HOTO

LIB

RARY

/LAT

INST

OCK

*Estudos mostram que, na urina, o RNA viral pode ser detectado por mais tempo.

Compare as características clínicas e laboratoriais das três síndromes febris

Page 2: O desafio de diferenciar as velhas e as novas ameaças do ... · • Mialgia • Cefaleia • Artralgia ou artrite Duração média ... Compare as características clínicas e laboratoriais

Conheça os recursos laboratoriais para flagrar o agente da vez

Considerando que a apresentação clínica da infecção pelo Zika vírus varia e que pode se assemelhar, em grande parte, às manifestações da dengue e da febre chikungunya, entre outras doenças virais, torna-se importante, especialmente em alguns casos, estabelecer o diagnóstico definitivo por recursos laboratoriais.

Na fase de estado da doença, após o período de incubação, mesmo em um paciente assintomático, a carga viral pode ser quantificada no sangue por reação de polimerização em cadeia em tempo real (RT-PCR), pois se encontra relativamente alta. Nos sintomáticos, a viremia é maior, em particular nos três a cinco dias depois do início dos sintomas, declinando ao fim da primeira semana. Já na urina, o vírus permanece por mais tempo, sendo identificado até a segunda ou terceira semanas de doença. O método molecular mostra-se bastante específico e, portanto, parece não apresentar reação cruzada com outras viroses.

O Zika também pode ser flagrado no líquido amniótico. Ainda não há informações seguras na literatura médica com relação ao significado desse achado, mas se considera que, em suspeitas de lesões fetais consequentes a uma infecção materna, a pesquisa do vírus nesse material deve ser realizada para tornar mais provável a associação causal com o Zika e complementar a investigação de outros processos infecciosos, que precisam ser excluídos.

Teste molecular e sorologias conseguem detectar o Zika vírus de acordo com o tempo de infecção.

A confirmação diagnóstica da dengue conta com diferentes métodos laboratoriais. Após o início agudo dos sintomas da doença, o vírus pode ser detectado em soro ou plasma por quatro a cinco dias. Nessa fase, a pesquisa do antígeno NS1 é a técnica mais utilizada em nosso meio. Ao fim de tal período, entretanto, a sorologia impõe-se como o exame de escolha para o diagnóstico.

O NS1 é uma glicoproteína altamente conservada que está presente em altas concentrações no soro de pacientes infectados pelo vírus da dengue. Dessa forma, pode ser identificado logo após os sintomas terem surgido e, portanto, antes do aparecimento de anticorpos específicos contra o vírus. A detecção desse antígeno pode ser feita por imunocromatografia, o chamado teste rápido, que fica pronto em até duas horas, ou pela técnica imunoenzimática, que leva até três dias úteis, porém é mais sensível. Independentemente do método utilizado, o pico de sensibilidade dessa dosagem ocorre mesmo no terceiro dia de febre, com declínio progressivo até o quinto dia, sendo geralmente negativa a partir do sétimo dia, quando se inicia a produção de anticorpos e a neutralização do antígeno.

A resposta por anticorpos à infecção, por sua vez, difere de um indivíduo para outro de acordo com seu status imunológico. Quando a dengue ocorre em pessoas sem história de infecção prévia por um flavivírus, há o desenvolvimento de uma resposta primária, caracterizada por um aumento lento nos níveis de anticorpos específicos. A IgM é o primeiro isotipo que aparece, sendo detectada

em 50% dos infectados, entre o terceiro e quinto dias de doença, e em 80% e 99%, após o quinto e décimo dias de sintomas, respectivamente. Cerca de duas semanas após o começo do quadro, os títulos de IgM atingem o pico para, então, declinarem gradualmente até que se tornem indetectáveis, depois de 60 a 90 dias. Já a IgG, em geral, é identificada em baixos títulos ao fim da primeira semana de doença, aumentando lentamente a partir de então, tanto que seus níveis séricos permanecem por muitos anos.

A partir da segunda infecção pelo vírus da dengue, os títulos de anticorpos tendem a se elevar rapidamente. Nesse cenário, o isotipo dominante é a IgG, que apresenta níveis altos, mesmo na fase aguda. Por sua vez, os de IgM ficam significativamente mais baixos nas infecções secundárias, quando comparados aos casos primários, e podem ser até indetectáveis em alguns indivíduos.

Febre chikungunya

A confirmação dos casos suspeitos é realizada pela detecção do RNA do vírus em soro ou plasma por PCR, método que possui altíssima sensibilidade desde o início dos sintomas, atingindo seu pico no quinto dia após a febre ter começado, quando, então, a viremia declina lentamente, embora a técnica ainda possa ser usada para o diagnóstico em até dez dias de evolução. A partir desse momento, recomenda-se a utilização de testes sorológicos, visto que pacientes sintomáticos por um período superior a uma semana já produzem anticorpos que neutralizam o agente. A IgM persiste por até três meses após os primeiros sintomas, enquanto a IgG pode ser encontrada nos indivíduos em recuperação, mantendo-se por anos.

Na forma crônica, apesar de a viremia voltar a ser detectável durante os surtos de agudização da artrite após a infecção, a IgM pode não mais estar presente para distinguir a doença em atividade da infecção pregressa resolvida. Nessa situação, o teste molecular por PCR torna-se fundamental para o diagnóstico diferencial das artrites.

Como confirmar os quadros de dengue e febre chikungunya? Conheça as características e peculiaridades dos métodos laboratoriais disponíveis para o diagnóstico dos agentes que causam essas doenças.

Medicina diagnóstica Medicina laboratorial

Ultrassonografia morfológica de primeiro trimestre mostra feto normal.

Vírus Chikungunya sob a óptica da microscopia eletrônica de transmissão.

Vírus da dengue sob microscopia eletrônica de transmissão.

SPL/

LATI

NSTO

CK

DR K

LAUS

BOL

LER/

SCIE

NCE

PHOT

O LI

BRAR

Y/LA

TINS

TOCK

SPL/

LATI

NSTO

CKMarcadores sorológicos Passado o período de viremia, é possível proceder ao diagnóstico laboratorial de forma indireta, ou seja, pela sorologia. A partir do quinto dia, anticorpos da classe IgM contra o vírus passam a ser encontrados no soro do paciente. Contudo, a interpretação isolada desse resultado requer cuidado, tendo em vista a natureza intrínseca da IgM e a semelhança estrutural entre o Zika e o vírus da dengue, o que possibilita reatividade cruzada entre os anticorpos contra esses dois agentes e outros vírus, como o Epstein-Barr e o citomegalovírus.

Por sua vez, a presença de anticorpos específicos da classe IgG, cerca de dois a quatro dias depois da detecção inicial da IgM, aumenta o valor preditivo positivo da sorologia em relação à infecção pelo Zika, enquanto a ausência de soroconversão em amostras pareadas, com intervalo de uma semana, sugere mais fortemente que se trate de doença ocasionada por outro agente.

Embora a produção de IgM se mantenha por poucas semanas, a positividade da IgG permanece por tempo mais prolongado. Nesse sentido, na suspeita de infecção aguda, convém colher a amostra para sorologia a partir de sete dias depois do começo do quadro, a fim de flagrar a presença de ambas as classes de anticorpos específicos. Por outro lado, a pesquisa de IgG para confirmar uma infecção pregressa pode ser realizada a qualquer tempo.

Embora o Zika vírus tenha sido descoberto na década de 40, no continente africano, a possível gravidade da infecção só veio à tona no Brasil em 2015, diante de um surto no Nordeste que culminou na atual epidemia. Além da expressividade numérica – 22 Estados já apresentam circulação autóctone do vírus –, verificou-se associação temporal com aumento significativo de recém-nascidos com microcefalia.

Os relatos de associação entre a infecção materna pelo Zika e as malformações fetais relacionam-se principalmente às lesões do SNC. Além da microcefalia, definida pela medida da circunferência craniana abaixo de dois desvios-padrão para a idade gestacional, observam-se ainda lesões destrutivas graves, que envolvem atrofia cerebral, calcificações

A importância dos métodos de imagem no seguimento das gestantes

da substância branca, do núcleo caudado e do cerebelo, disgenesia do vérmis cerebelar e do corpo caloso e redução dos giros cerebrais (lisencefalia). Todas elas podem ser diagnosticadas pela ultrassonografia de segundo e terceiro trimestre, razão pela qual se recomenda que as gestantes que vivem em área endêmica ou que apresentem suspeita ou confirmação de infecção por Zika vírus realizem acompanhamento ultrassonográfico seriado em busca de tais condições.

Em casos duvidosos, a ressonância magnética do encéfalo fetal pode contribuir para o esclarecimento diagnóstico, por se tratar de um método seguro na gestação e de alta sensibilidade para detectar malformações relacionadas ao desenvolvimento do tubo neural.

Page 3: O desafio de diferenciar as velhas e as novas ameaças do ... · • Mialgia • Cefaleia • Artralgia ou artrite Duração média ... Compare as características clínicas e laboratoriais

Publicação trimestral da Clínica Felippe Mattoso

• Responsável técnico: Dr. Wilson Shcolnik (CRM-RJ 52-34610-4) • Editora científica: Dra. Fernanda Aimée Nobre • Editora executiva: Solange Arruda • Produção gráfica: Oficina de conteúdo • Impressão: Promopress • Assessoria médica: [email protected] • Contribuiu com esta edição: Dra. Renata Gomes Nunes

Sintomas articulares da chikungunya podem se assemelhar aos da artrite reumatoide

Frequentes nos consultórios, as queixas articulares são importantes pela grande diversidade de causas que podem motivá-las, variando desde um quadro autolimitado até doenças crônicas e incapacitantes. Nos pacientes com artrite, a história clínica e o exame físico têm extrema importância na avaliação inicial. Assim, além de determinar as características da queixa, a anamnese precisa considerar a presença de manifestações extra- -articulares ou constitucionais e procurar por comorbidades associadas, uso de medicações, antecedentes familiares e relatos de traumas e viagens, bem como levar em conta a situação epidemiológica local.

Nesse contexto, o acometimento reumatológico após a infecção pelo Chikungunya (CHIKV) vem ganhando destaque atualmente, já que os sintomas articulares próprios da doença viral podem se estender por meses ou anos após o quadro infeccioso e, para piorar, compartilham algumas características com a artrite reumatoide (AR).

Diagnóstico diferencial

Inflamação articular simétrica: febre chikungunya ou artrite reumatoide?

Consulte os resultados dos exames de seus pacientes pela internet. Para obter seu login e senha de acesso, basta enviar um e-mail com nome completo, CRM e telefone de contato para [email protected]

Felippe Mattoso traz mais uma facilidade para você

Nestes tempos de epidemia, deve-se considerar a possibilidade de a infecção estar por trás do quadro de dor crônica.

No estágio agudo, o envolvimento articular por esse agente ocorre geralmente de forma simétrica, envolvendo tanto grandes quanto pequenas articulações. A artralgia afeta comumente joelhos, punhos, cotovelos, dedos e tornozelos, costumando cursar com edema. Segundo dados da literatura, mais de 64% dos pacientes mantêm rigidez ou dor articular por mais de um ano após o início da infecção.

A artrite crônica, com manifestações variáveis, igualmente tem sido bem documentada em uma parcela significativa dos casos. Apesar de a inflamação simétrica também ser mais observada nesses pacientes, ela pode ser assimétrica e, até mesmo, oligo ou monoarticular. O quadro se assemelha ao da manifestação inicial da AR, tanto que há relatos de pacientes que preenchem os critérios do Colégio Americano de Reumatologia para essa doença após a infecção pelo CHIKV. Da mesma forma, descrevem-se deformidades e limitações articulares, embora menos graves que as observadas na doença reumática.

Diante disso, a disseminação global do CHIKV trouxe mais um desafio para os clínicos. Isso vale especialmente para os que têm como foco o aparelho locomotor, como reumatologistas, médicos do esporte e ortopedistas, que, assim, devem estar atentos para considerar a hipótese e confirmar ou descartar a infecção por esse alfavírus na investigação de doenças que afetam as articulações.

DR P.

MAR

AZZI

/SCI

ENCE

PHO

TO L

IBRA

RY/L

ATIN

STOC

K