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Nataly Anne Franco Reis
O Desenvolvimento moral e a importância dos limites na educação infantil.
Pontifícia Universidade Católica Faculdade de Educação
2008
Nataly Anne Franco Reis
O Desenvolvimento moral e a importância dos limites na educação infantil.
Trabalho apresentado como requisito para conclusão da Habilitação em Educação Infantil à comissão de professores responsáveis pelo Curso: Profas. Dras. Maria Angela Barbato Carneiro, Marisa Del Cioppo Elias, Maria José P. M. França, Neide Barbosa Saisi, sob a orientação da Profa. Dra. Neide B. Saisi.
Pontifícia Universidade Católica
Faculdade de Educação 2008
Dedico esse trabalho aos meus amores,
minha querida família:
Mamãe, papai, nenê, Lulu, Julinha e o meu amor Rodrigo.
Vocês são a razão da minha vida,
obrigada pela paciência e pelo amor.
Agradecimentos:
Agradeço á Deus em primeiro lugar, por todas as oportunidades, pela
vida maravilhosa que tenho por poder almejar um futuro melhor e
sonhar...
Ao meu noivo e eterno amor Rodrigo pela paciência, dedicação, apoio e
força em todos os momentos.
À minha mãe por todo cuidado, dedicação e preocupação. Por levantar 5
horas para preparar o café da manhã e ser a melhor mãe do MUNDO.
Ao meu pai pela alegria que possui e a dedicação que tem por mim.
Aos meus primos, meus padrinhos, tios e amigos da família que me
deram apoio e até ajuda financeira nos momentos de dificuldade.
Às minhas colegas e amigas do curso, por tudo que me ensinaram.
Aos meus queridos professores que sempre acreditaram no meu potencial
e em especial para a professora Neide que me ajudou na realização deste
trabalho e conclusão de um sonho. E as professoras: Alda e Solange que
serão sempre inesquecíveis.
A todas as pessoas que direta ou indiretamente fazem parte da minha
vida e de alguma maneira contribuíram para o meu desenvolvimento
moral e a minha constituição como sujeito.
“O desenvolvimento da identidade, individualidade, singularidade se dá por meio da
relação com o outro. Sem a interação do outro não nos reconheceríamos como somos, como
indivíduos”.
Resumo
Como estudante do curso de Pedagogia da Pontifícia Universidade Católica,
pude perceber que no decorrer do curso faltou um aprofundamento maior no que se
refere ao desenvolvimento da moralidade na criança, por isso tomei esse como meu
tema neste trabalho de conclusão de curso. Como pedagoga, professora e cidadã
preocupada com a sociedade em que vivemos resolvi buscar compreender primeiro
o que é moral e como se desenvolve na criança; depois quais são as relações entre
o desenvolvimento moral da criança a família e a escola e por último a importância
dos limites na infância. Isto foi feito por meio de uma pesquisa bibliográfica,
destacando alguns autores como Jean Piaget, Yves de La Taille, Josep Puig e Tânia
Zagury.
Palavras – chave: desenvolvimento moral, falta de limites, família e escola.
A educação moral é essencialmente um processo de
construção de si mesmo. Não é uma imposição de
modelos externos nem o descobrimento de valores
íntimos, tampouco o desenvolvimento de certas
capacidades morais. A educação moral é uma tarefa
destinada a dar forma moral à própria identidade,
mediante um trabalho de reflexão e ação a partir das
circunstâncias que cada sujeito vai encontrando dia a
dia. Trata-se, porém, de um processo de construção que
ninguém realiza de modo isolado; conta sempre com a
ajuda dos demais e de múltiplos elementos culturais
valiosos, que contribuem ativamente para conformar a
personalidade moral de cada sujeito. A construção da
personalidade moral é uma obra compartilhada, feita
junto com os outros, e impulsionada por normas de valor
que a orientam, ainda que nunca a determinem
completamente.
(PUIG 1998:20).
Sumário Introdução....................................................................................................................9
1 O desenvolvimento moral na Psicanálise, no Behaviorismo e no
Cognitivismo...............................................................................................................14
1.1 Regras do jogo e a moral.....................................................................................19
1.2 Normas morais de origem adulta.........................................................................25
1.3 Noção de justiça...................................................................................................28
2 Ética, moral e vergonha..........................................................................................33
2.1 Explicando melhor: Ética e Moral.........................................................................39
3 A importância dos limites.........................................................................................42
4 Moral x escola e família...........................................................................................47
Considerações finais..................................................................................................53
Referências Bibliográficas..........................................................................................56
9
Introdução
Sempre tive muita vontade de ir para a escola. Quando tinha quatro anos, me
lembro de sempre pedir para a minha mãe, que me levasse e ela dizia para eu
esperar mais um pouco. Como minha mãe não trabalhava fora de casa, só me
matriculou na escola aos 5 anos.
A maioria das crianças tem um pouco de medo do primeiro dia de aula,
principalmente por se tratar de uma experiência, que ela nunca viveu antes.
Recordo-me do meu primeiro dia na pré-escola, estava tão ansiosa que não havia
dormido no dia anterior, levantei da cama cedo e super animada, para conhecer a
tão sonhada escola. Minha mãe me arrumou e me senti uma princesa, fomos até a
porta da escola e na hora de entrar dei um beijo em minha mãe e corri para
finalmente descobrir como era estudar. Não me decepcionei, minha escola era
ótima, fiz amigos, aprendi coisas e tenho muitas e boas lembranças.
Sempre gostei de brincar de escolinha, mas nunca queria ser aluna e sim a
professora. Assim, fui crescendo e quando tinha uns 9 anos, já ajudava meus primos
menores a fazerem suas lições de casa e assim descobri que adorava ensinar. Na
escola ajudava os amigos, escrevia na lousa para a professora e me sentia especial
quando alguém me pedia ajuda.
Fui para o ensino médio e comecei a pensar qual curso escolheria para fazer
na faculdade. Foi fácil decidir, pois todos a minha volta diziam: “você, sem dúvida
será professora!”. Escolhi o curso de pedagogia, por ser mais amplo e desenvolver
um olhar crítico para a educação.
No terceiro ano, já na universidade, tive muitas dúvidas para escolher a
habilitação e para não me arrepender optei por duas: Educação Infantil de manhã e
Administração Escolar no período da noite. Estou cansada, porém muito feliz e não
me arrependo nenhum minuto da escolha que fiz.
Ainda no terceiro ano do curso de Pedagogia, já me preocupava com a
escolha do tema de meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Parecia que seria
difícil, entre tantos que estudei escolher apenas um para aprofundar, vários
rodeavam minha cabeça e ia ficando cada vez mais confusa.
Terminei o terceiro ano, entrei de férias e parei um pouco de me preocupar
com a minha monografia.
10
Uma das coisas mais importantes que aprendi no curso de Pedagogia foi a
importância do interesse para que exista uma verdadeira aprendizagem. Sobre esta
questão Rogers diz:
Por aprendizagem significativa entendo uma aprendizagem que provoca uma
modificação, quer seja no comportamento do indíviduo, na orientação futura
que escolhe ou nas suas atitudes e personalidade. É uma aprendizagem
penetrante, que não se limita a um aumento de conhecimentos, mas penetra
profundamente todas as parcelas da sua existência. (ROGERS, 19881)
Aprendi também que quando fazemos ligações entre a teoria e a pratica
aquele conhecimento adquirido dificilmente será esquecido.
E foi apoiada no interesse de um fato ocorrido em minha vida, que descobri o
tema do meu Trabalho de Conclusão de Curso. O fato me causou um extremo
desconforto e passei a refletir sobre ele em relação à educação. Relato-o aqui com a
finalidade de explicitar o meu interesse pelo tema escolhido para o meu TCC e o
quanto essa escolha está articulada a minha necessidade de aprender
significativamente.
Peguei um ônibus, em direção ao centro da cidade e ele estava um pouco
cheio e com vários idosos de pé, pois os bancos estavam ocupados por outros
idosos. Eu estava na parte da frente, pois iria demorar um pouco para descer.
Percebi quando subiram no ônibus uma mulher com um menino de mais ou menos 6
anos. Esse menino estava inquieto, agitado e não parava de reclamar, pegava no
braço da mãe, choramingava... Ele repetia por diversas vezes dizendo bem alto:
---- Quero sentar, quero sentar, quero sentar, mãe quero sentar logo!
A mãe respondia em tom baixo morrendo de vergonha:
---- Filhinho, por favor, fale baixo, quem deve sentar são os idosos e não você.
E ele afirmou novamente:
---- Eu quero sentar e pronto.
Um senhor levantou de seu lugar, pois iria descer do ônibus no próximo ponto
e antes que outro idoso pudesse se sentar no lugar que estava vago, o menino se
sentou.
1 Anotações em aula
11
A mãe ficou com mais vergonha ainda e tentava tirar o menino do lugar
puxando-o pelo braço, mas ele empurrava a mãe que não conseguia retirá-lo do
lugar.
Foi chocante ver um garoto tão novo empurrando e respondendo com
ignorância ao que a mãe falava. E se já não fosse suficiente ainda tapou o ouvido e
começou a cantar para não ouvi-la. A mãe já cansada de falar, abaixou a cabeça e
desistiu. Desistiu de tirar o filho do assento, desistiu de educá-lo, desistiu de impor
limites. Este relato ressalta o fato de que faltaram limites e neste sentido, está
faltando na educação dessa criança, a questão da moral e da ética. Portanto importa
neste trabalho não só a discussão da questão dos limites, mas o quanto seu debate
integra a educação voltada para uma determinada sociedade. Uma educação que
priorize não só conteúdos tecnológicos meramente informativos, mas também uma
educação voltada para o desenvolvimento moral e ético tão carente na nossa
sociedade atual brasileira, aspectos estes que estarão presentes em todos os
momentos da vida futura da criança. Além disso, este fato é representativo de
inúmeras situações observadas por mim, por colegas e professores, daí o interesse
em transformá-lo em objeto de estudo do meu TCC.
Diante desses fatos passei a refletir constantemente sobre a importância dos
limites na educação infantil, sobre a importância da família e da escola na integração
da criança ao mundo e à sociedade, ensinando-a a conviver com os outros e
respeitá-los. Os pais carecem compreender sobre a importância dos limites quando
mostraram aos filhos a existência do outro e a necessidade de respeitá-los. A
criança aprende que pode fazer muitas coisas em sua vida, que para tudo existem
opções, mas ela precisa aprender que não pode fazer tudo e nem quando bem
entender, pois na vida existem regras...
Foi pensando no que acabei de descrever, que percebi que o tema da minha
monografia sempre esteve presente em minha vida, mas eu não havia percebido até
o momento em que os meus sentimentos foram despertados pela experiência
relatada.
Conforme está escrito na introdução do livro: Fontes para a educação infantil,
esta é uma etapa fundamental para o desenvolvimento de estruturas cognitivas e
emocionais da criança. Afirma essa obra:
12
A ciência mostra que o período que vai da gestação até o sexto ano de vida,
particularmente de 0 a 3 anos, é o mais importante na preparação das bases
das competências e habilidades no curso de toda a vida humana.
(MACHADO, 2003).
Pesquisas científicas sobre desenvolvimento infantil deixam evidentes a real
importância dos primeiros anos de vida para o desenvolvimento físico, cognitivo,
afetivo e social dos seres humanos. A educação infantil tem um papel fundamental
na formação do indivíduo e reflete em uma melhora significativa no aprendizado da
criança. Dados do IBGE de 2001 mostram que apenas 40% das 21,7 milhões de
crianças brasileiras entre 0 e 6 anos estavam matriculadas em creches ou escolas
em 2004 e cerca de 13% daquelas de 0 a 3 anos freqüentavam creches. Ou seja, a
universalização da educação não vale para todos os segmentos. Trabalhar a
democratização do ensino nos primeiros 6 anos de vida é essencial para melhorar o
índice de aprendizado dos alunos, estimular desde cedo a busca pelo conhecimento
e eliminar as diferenças de origem socioeconômica no desempenho de crianças de
1ª série.
Pesquisas como a que acabei de expor evidenciam a relevância do tema
escolhido, uma vez que a aprendizagem de regras que norteiam a convivência social
ocorrem desde os primeiros anos de vida da criança.
Objetivo geral:
• Compreender o desenvolvimento moral da criança em seu contexto familiar e
escolar.
Objetivos específicos:
• Relacionar o desenvolvimento moral e os limites sociais.
• Relacionar o desenvolvimento moral e o sentimento de vergonha.
• Refletir sobre o papel da família e do educador de educação infantil no que se
refere ao desenvolvimento moral.
13
O trabalho visa responder a seguinte questão, que se apresenta como
problema a ser investigado: Qual é a relação existente entre o desenvolvimento
moral e a falta de limites?
Para encontrar tal resposta parto de um estudo teórico, uma pesquisa
bibliográfica, destacando alguns autores como Jean Piaget, Yves de La Taille, Josep
Puig e Tânia Zagury que deram embasamento teórico sobre o desenvolvimento
moral e a falta de limites.
14
1 O desenvolvimento moral na Psicanálise, no Behaviorismo e no Cognitivismo.
O desenvolvimento da identidade, individualidade, singularidade se dá por
meio da relação com o outro. Sem a interação do outro não nos
reconheceríamos como somos, como indivíduos. (PUIG 1998:20).
Durante o século XX, três autores destacaram-se por desenvolverem teorias
sobre a moralidade. São eles: Freud, Skinner e Piaget. Explicito resumidamente os
autores Freud e Skinner, para me deter mais profundamente em Piaget. Esta
apresentação resumida ajuda-nos a compreender o quanto o mesmo tema tem
suscitado reflexões e estudos em autores das mais diferentes procedências teóricas.
Sigmund Freud nasceu em 1856, cresceu em uma família judia de classe
média, em Viena, na Austria. Sua vida sofreu influencia da 1° Guerra mundial, que
devastou a Europa e do crescente antisemitismo daquela época. Estudou medicina
na Universidade de Viena e se especializou em neurologia. Como muitos
neurologistas de sua época, atendia pessoas com problemas nervosos, como
medos irracionais, obsessões e ansiedades. No final, dedicou-se ao tratamento de
distúrbios mentais utilizando um procedimento que havia desenvolvido, denominado
Psicanálise. Por isso é considerado o pai da psicanálise. O método psicanalítico de
Sigmund Freud consistia em estabelecer relações entre tudo aquilo que o paciente
lhe mostrava, desde conversas, comentários feitos por ele, até os mais diversos
sinais dados do inconsciente. Freud ainda supõe, contrariando aqueles que dizem
que a sexualidade só surge no início da puberdade, que existe uma sexualidade
infantil, o que era um absurdo para a época. E muitos de nossos desejos sexuais
foram reprimidos quando éramos crianças. Estes desejos, sensibilidade sensitiva
que todos nós temos, são a parte inconsciente de nossa mente chamada id. É onde
armazenamos tudo o que foi reprimido, todas as nossas necessidades insatisfeitas.
"Princípio do prazer" é esta parte que existe em cada um de nós. Mas existe uma
função reguladora deste "princípio do prazer", que atua como uma censura ante aos
nossos desejos, que é chamada de ego. Precisamos desta função reguladora para
nos adaptarmos ao meio em que vivemos. Nós mesmos começamos a reprimir
nossos próprios desejos, já que percebemos que não vamos poder realizar tudo o
15
que quisermos. Vivemos em uma sociedade que é regida por leis morais, das quais
tomamos consciência desde pequenos, quando somos educados. A consciência do
que podemos ou não fazer, segundo as regras da sociedade em que vivemos, é a
parte da nossa mente denominada superego (princípio da realidade). O ego vai se
apresentar como o regulador entre o id e o superego, para que possamos conciliar
nossos desejos com o que podemos moralmente fazer.
A psicanálise se apóia sobre três pilares: a censura, o conteúdo psíquico dos
instintos sexuais e o mecanismo de transferência. A censura é representada pelo
superego, que inibe os instintos inconscientes para que eles não sejam
exteriorizados. Nem sempre isso ocorre, pode ser que eles burlem a censura, por
um processo de disfarce, manifestando-se assim com sintomas neuróticos. Existem
diversas formas de exteriorizarmos nossos instintos inconscientes uma das formas
são os atos falhos, que podem revelar os segredos mais íntimos e os sonhos. Os
atos falhos são ações inconscientes que estão em nosso cotidiano; são coisas que
dizemos ou fazemos que um dia tínhamos reprimido.
Para Freud o superego é responsável pela instância psíquica que rege o
sentimento de dever:
A moral é, portanto vista como repressora indo de encontro às tendências
“naturais” dos indivíduos. A educação moral é um processo de “fora para
dentro”, um processo de aculturação no qual o indivíduo tem pouca
participação. (PUIG 1998: 9)
Burrhus Frederic Skinner nasceu em 20 de março de 1904 na Pensilvânia.
Graduou-se em Psicologia em 1930 e fez doutorado. Skinner baseou suas teorias na
análise das condutas observáveis. Dividiu o processo de aprendizagem em
respostas operantes e estímulos de reforço, o que o levou a desenvolver técnicas de
modificação de conduta na sala de aula.
Trabalhou sobre a conduta em termos de reforços positivos (recompensas) e
foi contra a punição (castigos).
A teoria de B.F. Skinner baseia-se na idéia de que o aprendizado ocorre em
função de mudança no comportamento manifesto. As mudanças no comportamento
são o resultado de uma resposta individual a eventos (estímulos) que ocorrem no
16
meio ambiente. Uma resposta produz uma conseqüência: bater em uma bola,
solucionar um problema matemático, por exemplo. Quando um padrão particular
Estímulo-Resposta (S-R) é reforçado (recompensado), o indivíduo é condicionado a
reagir, fortalecendo um determinado tipo de resposta.
O reforço é o elemento-chave na teoria de Skinner. Um reforço é qualquer
coisa que fortaleça a resposta desejada. Pode ser um elogio verbal, uma boa nota,
ou um sentimento de realização ou satisfação crescente. A teoria também cobre
reforços negativos - uma ação que evita uma conseqüência indesejada. Também
aborda a punição, uma conseqüência que extingue determinado tipo de resposta.
Para Skinner, o comportamento moral explica-se pela eficácia dos
reforçadores sociais. A sociedade recompensa o que ela considera bom e castiga o
que ela considera ruim (PUIG 1998:9). Esses reforçadores sociais explicam a
presença ou ausência de comportamentos morais.
Tanto para Freud como para Skinner a educação moral é vista como
imposição da cultura em relação á criança e o indivíduo tem pouca participação
nesse processo.
Jean Piaget nasceu em Neuchâtel no dia 9 de Agosto de 1896 e morreu em
Genebra no dia 16 de Setembro de 1980. Estudou inicialmente biologia, na Suíça, e
posteriormente se dedicou à área de Psicologia, Epistemologia e Educação. Ficou
conhecido principalmente por organizar o desenvolvimento cognitivo em uma série
de estágios. Para Piaget, o conhecimento é gerado por meio de uma interação do
sujeito com seu meio, a partir de estruturas existentes no sujeito. Assim sendo, a
aquisição de conhecimentos depende tanto das estruturas cognitivas do sujeito
como de sua relação com os objetos. De acordo com Piaget, o desenvolvimento
cognitivo é um processo de sucessivas mudanças qualitativas e quantitativas das
estruturas cognitivas derivando cada estrutura de estruturas precedentes. Ou seja, o
indivíduo constrói e reconstrói continuamente as estruturas que o tornam cada vez
mais apto ao equilíbrio. Essas construções seguem um padrão denominado por
Piaget de ESTÁGIOS que seguem idades mais ou menos determinadas. Todavia, o
importante é a ordem dos estágios e não a idade de aparição destes.
• Estágio sensório-motor (do nascimento aos 2 anos). Comportamento
dominantemente reflexo e não diferenciado. O movimento dos objetos
começa a ser seguido pelos olhos. Cabeça movimenta-se em direção aos
17
sons. Durante o desenvolvimento deste período a criança começa a antecipar
as posições pelas quais o objeto irá passar quando em movimento, isto indica
a noção de permanencia do objeto pela criança. Os sentimentos começam a
ter um papel na determinação dos fins. Criam-se novos esquemas. Passa a
ter uma inteligência representacional. Constrói a realidade internamente.
Torna-se capaz de resolver problemas por meio da representação. Já
consegue imaginar situações sem fazê-las e entre outras coisas, inicio de
sentimentos morais.
• Estágio pré-operatório (dos 2 anos aos 7 anos) – este estágio é caracterizado
pelo desenvolvimento da linguagem e outras formas de representação e pelo
rápido desenvolvimento conceitual. A criança inicia a construção de símbolos
e a relação de causa e efeito. Nessa idade a criança é perguntadeira quer
saber de tudo o que está a sua volta. Piaget chama a criança desta idade de
egocêntrica, ou seja centrada em si mesma, não consegue se colocar,
abstratamente no lugar do outro, ela pensa que as pessoas vêem o mundo ao
seu redor como ela vê.
• Estágio operatório-concreto (dos 7 aos 12 anos) - Aspecto crucial =
Reversibilidade (capacidade de reverter o processo mentelmente). A criança
começa a construir conceitos; através da lógica consolida o conceito de
quantidade, e sabe agora o valor do dinheiro (não é mais enganada com a
quantidade, como por exemplo duas moedas de dez centavos e uma moeda
de um real, ela saberá qual é o maior valor). Seu pensamento, apesar de
lógico, ainda está preso aos conceitos concretos, não realizando esquemas
dedutivos.
• Estágio operatório-formal (dos 12 em diante) - neste estágio as estruturas
cognitivas da criança alcançam seu nível mais elevado de desenvolvimento e
18
as crianças se tornam aptas a aplicar o raciocínio lógico a todas as classes de
problemas. A criança desenvolve noções de tempo, espaço, velocidade,
ordem, causalidade, já sendo capaz de relacionar diferentes aspectos e
abstrair dados da realidade. Não se limita a uma representação imediata, mas
ainda depende do mundo concreto para chegar à abstração, desenvolve a
capacidade de representar uma ação no sentido inverso de uma anterior,
anulando a transformação observada (reversibilidade). Fase em que a criança
constrói o pensamento dedutivo realizando coisas mais complexas, o que a
criança do operatório-concreto não tinha desenvolvido. Agora ela consegue
fazer hipóteses possíveis, e ver os diferentes pontos de vista. Para Piaget a
criança agora vê o mundo de uma forma real, ela se vê como um engenheiro,
ou uma pessoa casada com filhos.
Piaget (1976) considerou o desenvolvimento cognitivo com tendo três
componentes: Conteúdo é o que a criança conhece. Refere-se aos conhecimentos
observáveis, que refletem a atividade intelectual. Função refere-se àquelas
características da atividade intelectual - assimilação (é o processo cognitivo pelo
qual uma pessoa integra um novo dado nos esquemas já existentes.) e acomodação
(é a criação de novos esquemas ou a modificação de esquemas já existentes.) - que
são estáveis e contínuas no decorrer do desenvolvimento cognitivo. Estrutura refere-
se às propriedades organizacionais inferidas - esquemas (são estruturas que se
adaptam e se modificam com o desenvolvimento mental.) - que explicam a
ocorrência de determinados comportamentos.
A teoria de Piaget requer que a criança atue sobre o meio ambiente para que
ocorra o desenvolvimento cognitivo. O desenvolvimento das estruturas cognitivas só
é assegurado quando a criança assimila e acomoda os estímulos do ambiente.
No cenário da educação brasileira, Piaget destaca-se como um autor que está
sempre presente em cursos de formação de professores. Esta presença se deve à
sua relevância como grande pesquisador do desenvolvimento infantil, no interior do
qual, este autor desenvolve sua teoria sobre a moralidade.
19
Para Piaget, ao contrário do que disseram Freud e Skinner, a criança
participa ativamente de seu desenvolvimento moral, pois é nas suas interações
sociais que ela constrói valores e regras.
Piaget descreve a moral como um: sistema de regras, e a essência de toda
moralidade deve ser procurada no respeito que o indivíduo adquire por essas regras.
(PIAGET 1994:23). Porém, o autor considera que os sentimentos morais provêm das
relações afetivas entre os pais e as crianças. Deste modo, o estudo da moralidade
na teoria de Piaget invoca, de um lado, a gênese da afetividade nas relações
interindividuais e, de outro, a compreensão de como a criança adere e entende a
regra no decurso de seu desenvolvimento. Sua teoria mobiliza simultaneamente,
afetividade e cognição e descreve a natureza da moralidade bem como sua origem.
Piaget afirma que: Os jogos infantis constituem admiráveis instituições sociais
(Piaget 1994:23), e é por meio deles, em particular pelo jogo de bolinhas que ele
analisa o processo pelo qual a criança vai desenvolvendo sua construção de regras
e subjacente a elas a moral que as rege.
A obra O Juízo Moral na Criança, principal contribuição de Piaget ao estudo
do desenvolvimento moral, partiu de pesquisas empíricas realizadas com crianças
menores de doze anos para procurar saber três temas fundamentais: as regras do
jogo, as normas morais de origem adulta e o desenvolvimento da noção de justiça.
1.1 Regras do jogo e a moral
Em relação às regras do jogo, e a partir do resultado de suas pesquisas,
Piaget estabeleceu quatro estágios. No primeiro deles, não há consciência da regra
porque não há regras do jogo propriamente ditas (anomia). No segundo estágio, as
regras são consideradas pelas crianças como sagradas, eternas e de origem adulta,
e qualquer modificação nas mesmas é interpretada sempre como uma transgressão
(heteronomia). No terceiro estágio da cooperação nascente a criança aprende o
significado de ganhar e no ultimo estágio da codificação das regras, elas têm um
caráter racional e autônomo, e são consideradas como leis surgidas por acordo
mútuo e, portanto, abertas a modificações e variações admitidas pelo grupo
(autonomia).
20
Com respeito às regras do jogo o método de pesquisa consistiu em fazer o
pesquisador jogar com a criança como se estivesse aprendendo e, durante o jogo,
pedir explicações acerca das regras. Com essa estratégia visava-se obter
informações sobre a compreensão da criança. Logo após, foi feito um interrogatório
no qual se perguntou à criança se ela poderia inventar novas regras, novos jogos e,
em caso afirmativo, se estas regras e estes jogos seriam válidos.
É muito importante, nessa primeira parte do interrogatório, que o perito
desempenhe seu papel com ingenuidade, deixando à criança uma certa
superioridade... A criança fica assim à vontade, e as informações que
fornece a respeito da maneira como joga são as mais convincentes.
(PIAGET 1994:32)
O objetivo desta interrogação foi descobrir se a criança admitia que podia,
legitimamente, mudar as regras, ou se a regra é justa porque é passível de se
converter em uso geral (mesmo sendo nova), ou porque é dotada de um valor
intrínseco e eterno. Perguntou-se, ainda, à criança se sempre se jogou assim e onde
começaram as regras do jogo, se foram inventadas, quem as inventou etc.
Todo o procedimento de investigação teve por objetivo descobrir se a criança
acreditava no valor intrínseco das regras ou no valor do consenso de aceitação, isto
é, se ela acreditava numa heteronomia (moral imposta pelo adulto) ou na autonomia
(moral com possibilidade de mudança de acordo com a situação) de determinação
das regras.
Por meio desses estudos sistemáticos, Piaget chega a estabelecer uma
correlação entre a prática e a consciência das regras e os diferentes estágios de
desenvolvimento cognitivo.
Os resultados obtidos a partir da análise das respostas são os seguintes:
Existem, do ponto de vista das regras do jogo, quatro estágios:
1. Puramente motor e individual: Característica principal deste primeiro
estágio é a anomia (ausência de normas).
Neste primeiro nível relativo à consciência, pelo fato de as regras serem
puramente motoras, ligadas, portanto apenas aos esquemas de ação, a criança não
21
considera o caráter de obrigatoriedade da regra, mesmo porque acata o jogo
inconscientemente, em função de seus desejos e hábitos motores.
Sendo a criança egocêntrica do ponto de vista intelectual e individualista do
ponto de vista social, seu jogo neste primeiro período é puramente motor e
individual, onde as regras observadas são motoras e não coletivas, dando início a
um processo de repetição, com predominância da assimilação sobre a acomodação,
a criança incorpora a regra, repete-a e não se modifica, pois não cria novos
esquemas. A ritualização das condutas às bolinhas de godê, tal como foi observada,
refere-se às repetições que causam prazer à criança e se ligam às demais
regulações elementares deste estágio sensório-motor. Contudo, não é apenas este
aspecto que deve ser destacado, mas principalmente o fato de que a criança elabora
pela imitação - de certo modo presente na ritualização - os esquemas de
representação. Dito de outra forma, a ritualização, como forma rudimentar do jogo,
permite à criança, por meio da interiorização, ampliar seus esquemas de ação em
esquemas de representação, de tal modo que o "ritual individual” se prolonga
naturalmente, num simbolismo mais ou menos complexo. Porém, tudo que é
fantasia ou símbolo individual fica incomunicado: desde que a partida se limite ao
jogo de imaginação cada um evoca suas imagens preferidas, sem se importar com
as do outro. (PIAGET 1994:37). Há domínio da subjetividade.
Deste modo, neste estágio em que não existe o jogo comum, não
observamos também regras propriamente ditas. Mas Piaget, ao referir-se ao
problema da consciência das regras, considerando a criança inconsciente delas
enquanto estrutura formal, afirma ser possível observar, no conteúdo de cada ritual,
o que foi inventado pela criança, descoberto na natureza ou imposto pelo adulto,
muito embora essas diferenciações sejam inexistentes do ponto de vista do próprio
indivíduo.
A imitação recíproca, entretanto, surgida na passagem do primeiro para o
segundo estágio, já se configura, com um início da ordenação da ação com vistas à
ação do outro.
Mesmo jogando com outras crianças, não se submete às regras, nem procura
saber quem será o vencedor. Estas condutas definem o segundo estágio do
desenvolvimento da moralidade quanto á prática das regras, estágio este que, em
função de suas características, é denominado egocêntrico.
22
2. Egocêntrico: Característica principal deste segundo estágio é a
heteronomia (obediência das normas impostas pelo adulto).
Nesse estágio, a criança é puramente egocêntrica – ela é incapaz de
considerar os sentimentos, desejos, pontos de vista do outro – e não consegue
ainda se colocar no lugar do outro. Ao se relacionar com o adulto a criança começa
a avançar nesse estágio, ela começa a perceber a si mesma e aos outros. Começa
a notar que há coisas que podem ser feitas e outras que não podem, ou seja, aos
poucos ela será capaz de entender o não e compreender os limites.
Durante o jogo, a criança, apesar de imitar o outro, não joga com o outro. Sua
conduta é individual, não manifesta interesse em competir com o adversário e joga
apenas para alcançar objetivos próprios. Acha que está de acordo com as regras
simplesmente porque as imita, pouco se importando com os resultados do
adversário. É neste sentido, então, que podemos falar do egocentrismo
característico desta fase. Este egocentrismo inicial está numa relação direta com a
chamada moral heterônoma: a ausência de moralidade no próprio sujeito. Entende-
se heteronomia como a moral da criança que é mera obediência à moral do adulto.
O certo para a criança é aquilo que é definido como certo pelo adulto. A moral vem
de fora.
Neste estágio, desde que a criança se põe a imitar as regras dos outros,
considera as regras do mesmo jogo como sagradas e intocáveis: recusa-se a mudar
as regras do jogo e entende que toda modificação, mesmo aceita pela opinião geral,
constituiria uma falta. Também está presente nesta atitude das crianças um sentido
de respeito à regra, que advém do sentimento de respeito unilateral ao adulto que
representa a autoridade. As entrevistas revelam que as crianças acreditam que as
regras são feitas por alguma autoridade (pai, Deus etc.) e por isso são eternas.
Deste modo, podemos entender o egocentrismo deste estágio como ligado ao
respeito à autoridade que os adultos, particularmente os pais, representam.
Piaget, analisando os resultados essenciais das relações afetivas unilaterais
entre a criança e os pais, afirma que um sentimento especial, origem dos
sentimentos morais, vai corresponder às valorizações que a criança reserva àqueles
que julga superiores a si, principalmente seus pais. Trata-se do respeito-sentimento
misto de afeição e temor – que estabelece a desigualdade na relação afetiva e leva
23
a criança a uma moral de obediência, caracterizada pela heteronomia. Ordens e
avisos das pessoas respeitadas produzem em quem as respeita o senso do dever,
pois são sentidos como obrigatórios. Deste modo, a primeira moral da criança é a da
obediência e o primeiro critério do bem é a vontade dos pais. Contudo, o poder das
instruções permanece ligado à presença de quem as deu, segundo Piaget. A lei
perde o efeito com o passar do tempo e seus componentes de respeito se dissociam
e se tornam mistos de afeição e hostilidade, simpatia e agressividade, ciúmes etc.
Nota-se neste estágio a possibilidade da criança jogar baseada menos em sua
subjetividade e mais, ou melhor, um pouco mais objetivamente.
3. Estágio da cooperação nascente:
Por volta dos sete, oito anos, desenvolve-se a necessidade de um
entendimento mútuo no domínio do jogo... Essa necessidade de
entendimento define o terceiro estágio. (PIAGET 1994:33).
Ainda caracterizado pela heteronomia é neste estágio que surge as primeiras
manifestações relativas à cooperação, indicativas do terceiro estágio do
desenvolvimento moral e que surgem por volta dos sete - oito anos. Aparece, nesta
época, a necessidade de se estabelecer um acordo acerca das regras do jogo.
Piaget julga ver nisto que a competição não é o primeiro móvel nem o objetivo
principal do jogo infantil. Procurando vencer, a criança se esforça antes de mais
nada por lutar com seus parceiros observando as regras comuns. O divertimento
específico do jogo deixa assim de ser muscular e egocêntrico para tornar-se social.
(PIAGET 1994:34) Isto ocorre porque os parceiros deixam de jogar "entre si"; ou
seja, estabelece-se entre os jogadores uma real cooperação. Esta ocorrência, em
grande parte, deve-se ao fato de que as crianças desconhecem detalhes das regras,
ainda que procurem compreendê-las pelo interesse crescente que têm no jogo
comum. Isto acarreta dificuldades de entrosamento entre os parceiros e é ainda
agravado pelo fato de que o egocentrismo, de certo modo ainda presente,
manifesta-se nas interpretações, completamente pessoais, que cada um faz das
regras no conjunto.
24
Nas entrevistas, Piaget (id) pôde ainda observar que as crianças neste nível,
quando questionadas sobre as regras que praticavam, davam respostas
divergentes. Este terceiro estágio caracteriza-se pelo início das relações recíprocas
entre as crianças, sucedendo à relação de submissão consentida à autoridade
reconhecida. Deste modo, o respeito unilateral da moral heterônoma se dimensiona
diferentemente, evoluindo para o respeito mútuo (reciprocidade). A obediência
restrita se amplia na possibilidade do estabelecimento de regras de brincadeiras
entre pares, desde que os componentes do grupo as aceitem, o que, como vimos no
início deste estágio, ainda representa dificuldades devidas ao egocentrismo. O
sentimento de justiça inicial, que havia determinado, ao lado do respeito, sua
obediência ao adulto, evolui para um sentimento de justiça mais amplo que envolve
a mentira como conduta moral, determinando a honestidade entre os pares como
uma conquista em relação à honestidade na relação hierárquica. Isto significa, do
ponto de vista social, que as crianças, da simples possibilidade associativa do jogo,
do final da primeira infância, já são capazes de cooperar entre si, conjugando
esforços comuns para alcançar uma finalidade (com maior ou menor proximidade,
de acordo com o seu desenvolvimento).
O simples fato de surgir a brincadeira cooperativa indica o estabelecimento
não só da reciprocidade no plano social, como também da reversibilidade no plano
do pensamento, o que mostra a conexão existente entre afetividade e cognição.
Em relação ao desenvolvimento das noções das operações, estas,
gradativamente, ultrapassam o concreto e imediato para alcançar a possibilidade do
pensamento formal sobre hipóteses meramente verbais ou simbólicas. Um
fenômeno semelhante é observado, agora, no plano das realizações do jogo, de
onde se inferem modificação na conduta social e, conseqüentemente, moral. Aos
poucos os jogos simplificados dos meninos, no terceiro estágio, vão-se complicando
devido ao aumento do conhecimento relativo às regras em todas as suas minúcias e
detalhes.
Quanto à diferença entre o terceiro e o quarto estágios, trata-se apenas de
uma diferença de grau. Os meninos de sete a dez anos, aproximadamente
(terceiro estágio), não conhecem ainda as regras em seus pormenores.
25
Procuram logo conhecer as minúcias, em virtude de seu crescente interesse
pelo jogo em comum. (PIAGET, 1994:44)
4. Codificação das regras: A principal característica deste estágio é o
aparecimento da autonomia.
O ingresso no quarto estágio de desenvolvimento se efetiva pelo
aparecimento de cooperação consistente entre os jogadores. As divergências
pessoais, resíduos do egocentrismo do segundo estágio, que ainda permaneciam no
início do terceiro, são substituídas por discussões "jurídicas" acerca dos pontos de
litígio. Estas discussões e a reflexão sobre as minúcias e a complexidade das regras
cumprem um papel fundamental: a generalização e a formalização do raciocínio.
Ao lado do prazer compartilhado no jogo comum, a criança passa a sentir
também um verdadeiro prazer em inventar regras, possíveis pontos de litígio que
são resolvidos hipoteticamente, situações imaginárias onde haveria a necessidade
de criações de novas regras etc. Diante dessas observações, Piaget afirma:
Se pensarmos bem, sobre ser o jogo do 'quadrado' apenas uma das cinco ou
dez variedades do jogo de bolinhas, ficaremos espantados ao ver a
complexidade das regras e das maneiras de se jogar o quadrado; que devem
ser guardadas na memória de um menino de 12 anos. Essas regras, com
suas sobreposições e exceções, são, sem dúvida, tão complexas quanto às
regras de ortografia corrente. A esse respeito, sentimos um certo vexame ao
comprovar a dificuldade com que a pedagogia clássica luta para fazer
penetrar a ortografia em cabeças que assimilam com tanta facilidade o
conteúdo mnemônico inerente ao jogo das bolinhas: é que a memória
depende da atividade e uma verdadeira atividade supõe o interesse. (Piaget
1994:43).
1.2 Normas morais de origem adulta
No segundo grupo de pesquisas Piaget estudou as normas morais de origem
adulta, isto é, as conseqüências que a pressão adulta exerce sobre a consciência
26
moral infantil. Buscou-se conhecer as opiniões e os juízos das crianças a propósito
das mentiras, dos desvios e dos roubos.
A respeito dos desvios e dos roubos o método consistiu em contar algumas
historias para as crianças e depois analisar suas respostas, para verificar
principalmente se a criança leva em conta a intenção ou o resultado material.
Eis duas histórias duplas que foram contadas as crianças:
I. a) Um menino, que se chama Jean, está em seu quarto. É chamado para
jantar. Entra na sala para comer. Mas atrás da porta há uma cadeira. Sobre a
cadeira há uma bandeja com quinze xícaras. Jean não pode saber que há
tudo isso atrás da porta. Entra: a porta bate na bandeja, e, bumba!, as quinze
xícaras se quebram.
b) Era uma vez um menino chamado Henri. Um dia em que sua mãe estava
ausente, foi pegar doces no armário. Subiu numa cadeira e estendeu o
braço. Mas os doces estavam muito no alto e ele não pode alcançá-los para
comer. Entretanto tentando apanhá-los, esbarrou numa xícara. A xícara caiu
e se quebrou.
II. a) Era uma vez uma menina chamada Marie. Ela queria fazer uma
surpresa agradável à sua mãe. E cortou-lhe um vestido. Mas, como não
sabia mexer em tesoura, fez um grande buraco na fazenda.
b) Uma menina chamada Marquerite foi procurar a tesoura de sua mãe, num
dia em que ela saíra. Brincou um pouco com a tesoura e, como não sabia
utilizar-se bem dela, fez um pequeno buraco em seu vestido. (PIAGET
1994:102)
No que se refere ao roubo, o intuito foi fazer com que as crianças
comparassem os roubos com intenções egoístas aos roubos bem-intencionados.
I. a) Alfred encontra um amigo muito pobre. Esse menino lhe diz que não
havia almoçado naquele dia, porque em sua casa não havia nada para
comer. Então, Alfred entra numa padaria, mas, como não tem dinheiro,
aproveita o momento em que o padeiro esta de costas para roubar um
pãozinho. Sai depressa e dá o pão ao amigo.
27
b) Henriette entra numa loja. Vê sobre um balcão uma linda fita e acha que
ficaria bem em sua roupa. Então, enquanto a vendedora está de costas,
rouba a fita e foge logo em seguida. (PIAGET 1994:102).
As questões colocadas às crianças a respeito dessas histórias
foram as seguintes:
1. As crianças são igualmente culpadas, ou então uma é
mais culpada do que a outra?
2. Qual das duas é mais vilã e por quê?
Com respeito ao estudo dos desvios e do roubo, realizado a partir de breves
historias apresentadas às crianças, Piaget comprova a existência de dois tipos de
responsabilidade. A objetiva julga a conduta em função de seus resultados;
manifesta-se predominantemente até os sete anos e depois diminui; a subjetiva
aparece por volta dos nove anos e julga os atos pela intenção e motivação do autor.
Em relação às mentiras, encontrou outra vez os dois tipos de responsabilidade.
Foi perguntado a criança se ela sabia o que era uma mentira, vejamos duas
respostas:
WEB (seis anos): “O que é uma mentira? --- Isso quer dizer
quando se dizem coisas feias que não deveriam ser ditas. --- O
que quer dizer ‘coisas feias’? Diga-me palavras feias. Você as
conhece? --- Nojento. --- É uma mentira? --- Sim. --- Por que é
uma mentira? ---Porque é um nome feio.--- Um garoto derrubou
uma xícara, mas disse que não foi ele. É uma mentira? --- Sim. ---
Por quê? --- Porque foi ele quem derrubou. (...)
RIB (sete anos): Você sabe o que é uma mentira? --- É mentir. ---
O que é mentir? --- É dizer palavras feias. --- Quando é que
dizemos mentiras? --- Quando dizemos alguma coisa que não é
verdade. --- É a mesma coisa uma palavra feia e uma mentira? ---
Não, não é a mesma coisa. --- Por que não? --- Elas não são
parecidas. (...) (PIAGET 1994:114/115)
28
Piaget constata a sucessão de duas etapas: a passagem de uma etapa de
“realismo moral” para outra de juízo autônomo. O realismo moral se caracteriza
fundamentalmente pelo caráter heteronômico do dever. Piaget chama de realismo
moral:
...a tendência da criança em considerar os deveres e os valores a
eles relacionados como subsistentes em si, independentemente da
consciência e se impondo obrigatoriamente, quaisquer que sejam
as circunstancias às quais o individuo esta preso. (PIAGET,
1994:93).
O juízo autônomo se caracteriza fundamentalmente pelo caráter autônomo
do dever.
1.3 Noção de justiça
Piaget realizou o estudo sobre a noção de justiça e para isso estudou
primeiramente o problema das punições, o da responsabilidade coletiva e o da
justiça dita “imanente”. Depois examinou os conflitos da justiça restributiva e da
justiça distributiva e após essa analise relacionou a justiça distributiva e a autoridade
para finalmente discutir e finalizar a justiça e a cooperação.
Há duas noções distintas de justiça:
Dizemos que uma sanção é injusta quando pune um inocente, recompensa
um culpado ou, em geral, não é dosada na proporção exata do mérito ou da
falta. Dizemos, por outro lado, que uma repartição é injusta quando favorece
uns à custa de outros. (PIAGET 1994:157)
Para compreender as idéias das crianças foram apresentadas a elas algumas
histórias e após feita uma pergunta. Eis duas histórias:
História I. Um menino brinca em seu quarto. Sua mãe pede-lhe para ir
comprar pão para o jantar, porque não há mais em casa. Mas, ao invés de ir
29
logo em seguida, o menino responde que isso o aborrece que ira daí a pouco
etc. Uma hora depois, ainda não foi. Finalmente, chega o jantar e não há pão
na mesa. O pai não está contente e pensa como punir o menino da forma
mais justa. Pensa em três punições. No dia seguinte, haverá uma festa, e o
menino devia, justamente, ir brincar no carrossel: A primeira punição seria,
pois, proibir-lhe esse divertimento. Uma vez que não quis comprar o pão, não
irá ao parque. A segunda punição, na qual pensa o pai, é privar de pão o
menino. Resta no armário um pouco de pão do almoço que os pais comerão,
mas uma vez que o menino não foi comprar mais pão, não há suficiente para
todos. Neste caso o menino não tem quase nada para jantar. A terceira
punição, na qual pensa o pai, é fazer ao menino a mesma coisa que ele. O
pai lhe diria isto: “Você não quis prestar um favor à sua mãe. Muito bem! Não
o punirei, mas quando você pedir um favor, não o farei, e você verá quanto é
desagradável não se prestar favor uns aos outros.” --- Qual é a mais justa
destas três punições?
História IV. Um menino quebrou um brinquedo pertencente ao irmãozinho.
Que seria preciso fazer: 1° Dar ao pequeno um dos seus próprios
brinquedos? 2° Consertá-lo à sua custa? 3° Privá-lo de todos os seus
brinquedos por uma semana? --- Qual é a mais justa destas três punições?
(PIAGET 1994:159/60).
Para compreendermos as respostas é necessário que fique claro dois
conceitos: sanção expiatória e sanção de reciprocidade.
A sanção expiatória é um tipo de punição que não possui nenhuma relação
entre o conteúdo da sanção e a natureza do ato sancionado. Pouco importa que,
para punir uma mentira, se inflija ao culpado um castigo corporal, ou que o privemos
de seus brinquedos (...): a única coisa necessária é que haja proporcionalidade entre
o sofrimento imposto e a gravidade da falta. (PIAGET 1994:161).
A sanção de reciprocidade vai ao encontro da cooperação e das regras de
igualdade. Nesta sanção há relação de conteúdo e de natureza entre a falta e a
punição e proporcionalidade entre a gravidade daquela e o rigor desta.
As respostas das crianças se dividiram entre os dois tipos de sanção.
Algumas acharam mais justas as punições que não tinham relação nenhuma com o
30
fato ocorrido, ou seja, acreditaram na sanção expiatória, já outras acreditaram que a
punição mais justa era a sanção por reciprocidade.
Posterior a essa analise foi feito o seguinte: por meio de histórias foi contada
a criança alguma falta infantil, depois duas crianças sofreram punições distintas
(para a mesma falta) de um lado, sanção expiatória severa, de outro lado, simples
explicação, apelando para a reciprocidade, mas não acompanhada de qualquer
punição. Depois foi perguntada a criança, em qual destes dois casos a reincidência
é mais provável. Eis uma história:
História II. a) “Era uma vez um menino que brincava na cozinha, enquanto
sua mãe não estava. Ele quebrou uma xícara. Quando sua mãe voltou, ele
disse: “Não fui eu. Foi o gato. Ele pulou... etc.” Sua mãe logo percebeu que
era uma mentira. Estava muito zangada e o puniu. Como?” (Deixamos à
criança o cuidado de fixar, ela mesma, a sanção.)
b) IDEM. Mas desta vez sua mãe não o puniu. Apenas explicou-lhe que não
era certo dizer mentiras...
“Alguns dias depois, os dois meninos brincavam novamente sozinhos em
suas cozinhas. Desta vez brincavam com fósforos. Quando a mãe deles
voltou, um dos dois mentiu mais uma vez. O outro disse logo o que fez. Qual
não mentiu mais, aquele que foi punido por causa da xícara ou aquele ao
qual somente foi explicado?” (PIAGET 1994:172).
As crianças com sete anos ou menos se declararam a favor da punição, já a
maioria das crianças com mais de oito anos responderam o contrário.
Em relação à responsabilidade coletiva, eis uma história:
História I. Uma mãe proibiu a seus três meninos brincar com a tesoura em
sua ausência. Mas, quando ela saiu, o primeiro disse: “E se brincássemos
com a tesoura?” O segundo foi logo procurar jornais para poder recortá-los.
O terceiro disse: “Não, mamãe proibiu. Eu não mexerei na tesoura!” Quando
a mamãe voltou, viu no chão todos os pedaços de jornal recortado.
Compreendeu que mexeram na tesoura e puniu os três meninos. Será que
foi justo? (PIAGET 1994: 181).
31
As crianças (de seis a nove anos) que foram questionadas a respeito dessa
história, afirmam que a mãe não foi justa em ter punido os três filhos, ela deveria ter
punido apenas os dois que usaram a tesoura. Em geral, para as crianças com
menos de sete anos, por ainda possuírem uma moral heterônoma tudo que o adulto
faz é “justo”, por isso essas respostas mostram uma exceção a regra geral e mostra
o inicio da uma responsabilidade coletiva.
A partir dos resultados, Piaget chegou à conclusão de que o desenvolvimento
completo do sentido de justiça depende fundamentalmente do respeito mútuo e da
solidariedade entre as crianças. A influência dos adultos e a das normas podem
reforçar ou dificultar tal desenvolvimento. Em relação ao desenvolvimento da noção
de justiça, Piaget formulou três períodos: o primeiro período é o da justiça entendida
como obediência – a justiça nessa etapa é equivalente ao conteúdo das normas
impostas pelos adultos. O segundo período é o da justiça entendida como igualdade
– o justo é um tratamento igual para todos, sem considerar as circunstâncias. O
terceiro período é o da justiça entendida como eqüidade – supera-se o igualitarismo
em favor de uma igualdade sensível às situações particulares e ao tratamento que
cada pessoa merece. Como podemos ver também nas três etapas do
desenvolvimento da noção de justiça se dá a existência dos dois modelos de juízo
moral: o juízo heteronômico e o juízo moral autônomo.
Para Piaget:
A educação moral tem como objetivo prioritário construir personalidades
autônomas. É por isso que a intervenção educativa deve estar centrada na
passagem da moral heteronômica para a moral autônoma. Para que esse
objetivo seja atingido, deve-se proporcionar experiências que favoreçam o
abandono da moral autoritária e convidem a valorizar e adotar a moral do
respeito mútuo e da autonomia. (PIAGET In PUIG 1998:45):
No livro A construção da personalidade moral, o autor Josep Maria Puig
coloca:
32
... a educação moral não é tão-só um meio de adaptação social ou de
aquisição de hábitos virtuosos; também não é apenas o desenvolvimento do
juízo moral ou o descobrimento dos próprios valores. A educação moral é
uma tarefa complexa que os seres humanos realizam com a ajuda dos seus
companheiros e dos adultos para elaborar aquelas estruturas de sua
personalidade que lhe permitirão integrar-se de maneira crítica ao seu meio
sociocultural. É um processo, portanto, de elaboração de formas de vida e de
maneiras de ser que não são dadas totalmente de antemão nem aparecem
graças ao amadurecimento de disposições prévias, mas que também não
surgem por acaso. É um processo de construção em que intervêm elementos
socioculturais preexistentes, que nos traçam um caminho, mas é também um
processo em que cada sujeito intervém de modo responsável, autônomo e
criativo. (PUIG 1998:151).
Concluo afirmando que o desenvolvimento moral da criança, segundo
Piaget pode ocorrer de duas maneiras: uma por coação e outra por cooperação.
Origem do dever e da heteronomia, a coação é, assim, irredutível ao bem e à
racionalidade autônoma. (PIAGET, 1994:294). As relações de cooperação: cuja a
essência é fazer nascer, no próprio interior dos espíritos, a consciência de normas
ideais, dominando todas as regras. (ID:294).
33
2 Ética, moral e vergonha.
Dentre diversos autores que desenvolvem trabalhos sobre a moralidade
infantil, um autor muito atual é Yves de La Taille. De descendência Francesa, La
Taille (2000) vive no Brasil desde 1972. É professor livre-docente do Instituto de
Psicologia da Universidade de São Paulo e se dedica ao estudo do desenvolvimento
moral na criança, tendo publicado vários artigos e livros.
O livro de Yves de La Taille, intitulado: Vergonha, a ferida moral, situa o
sentimento de vergonha na moralidade humana, faz uma reflexão a respeito do
papel desempenhado pelo sentimento de vergonha na ação moral e no
desenvolvimento moral da criança. O sentimento de vergonha surge por volta dos 18
meses, na mesma época em que a criança desenvolve sua identidade,
individualidade, singularidade por meio da relação com o outro. Sem a interação do
outro não nos reconheceríamos como somos, como indivíduos. O bebê ao nascer
não se reconhece. Na medida em que interage com o outro, vai juntando suas
partes numa unidade. Ao construir a unidade interna, também constrói a
organização externa e vai superando a indiferenciação. É pelo espelho que ele
constrói a integridade (a totalidade do corpo). Portanto a consciência de si parece
ser condição necessária ao surgimento da vergonha.
Para La Taille a moral é definida como: um conjunto de regras restritivas da
liberdade individual, de caráter obrigatório, cuja finalidade é garantir a harmonia do
convívio social. (LA TAILLE, 2002:16)
Se a moral é definida como um conjunto de regras destinadas a concretizar
um único ideal, o de justiça, por exemplo, então faz sentido aceitar a hipótese
de que existe um princípio diretor, um processo psicológico básico que
permite aos homens tornarem-se justos. (LA TAILLE 2002:15).
Mesmo para explicar como alguém se torna justo é necessário lançar mão de
processos psicológicos que remetem a outras virtudes. Se para alguns autores o
conceito de moral se restringe a um conjunto de direitos e deveres relacionados à
harmonia social, isso não significa que outras virtudes não devam ser estudadas. Se
34
um valor moral estiver isolado, ou seja, não relacionado com outros valores, será
considerado pouco integrado. (LA TAILLE, 2002:49)
No primeiro capítulo, intitulado: Personalidade e moral, La Taille faz uma
análise de tendências contemporâneas em psicologia que articulam o pensar e o
agir morais à construção da personalidade e alguns dos autores citados são:
Kohlberg (1981), Elliot Turiel (1983) e Charles Taylor (1989).
Em seguida apresenta o conceito de personalidade definindo-a como: um
conjunto de representações de si, os olhares e juízos alheios desempenham um
papel fundamental. Uma vez que participam, com outros fatores, da construção dos
valores associados à representações de si. (Taille 2002:71). Sendo que estas
representações sempre remetem a valores e que a busca de valores positivos é uma
das grandes motivações para as condutas humanas.
Analisa o sentimento de vergonha sob vários aspectos, entre os quais
destaca o fato de ele remeter tanto a valores negativos quanto a valores positivos:
A vergonha tem sentido positivo quando refere-se ao “ser”: quem sente
vergonha julga-se de forma negativa, porém mostra possuir e legitimar os
valores dos quais, justamente, decorre o juízo negativo. Assim, o “sem-
vergonha” é desprezado porque, mesmo agindo de forma julgada má, não
julga a si próprio de maneira negativa. (TAILLE, 2002:109)
A vergonha se configura no encontro de dois sentimentos: a inferioridade e a
exposição. A inferioridade, que traduz a relação do sujeito com a imagem que se
acreditava capaz de projetar, se manifesta de várias maneiras: pelo rebaixamento de
si, pela humilhação, pela desonra, causada por opiniões negativas que os outros
têm de sua imagem projetada; e a Indignidade, sentida a partir de uma auto-sanção
negativa imposta pelo sujeito a si mesmo.
A exposição é sentida quando o sujeito é visto por alguém que ele legitima, e
possui dois correlatos: a consciência da visibilidade por alguém legitimado e a
vulnerabilidade, advinda da ação de submeter à imagem projetada ao juízo de
outrem.
Dessa maneira, para La Taille, (id) a vergonha instaura-se no encontro da
inferioridade sentida quando a imagem projetada pelo sujeito se encontra aquém da
35
“boa imagem” que tem para si, com a visibilidade de expor essa imagem a um
sujeito legitimado.
Em resumo, podemos entender que a vergonha poderá ser vinculada ao
rebaixamento do self, por exemplo, em situações em que o sujeito se sente
humilhado pelo outro que legitima; e também vinculada à exposição pública, por
exemplo, quando existem espectadores, reais ou virtuais, na cena em que foi
exposto.
Essas primeiras reflexões mostram que a vergonha pode ser compreendida
principalmente como um sentimento intrapessoal e interpessoal, orientado
externamente, em função da consciência do olhar do outro sobre nós. De acordo
com La Taille, “o sentimento de vergonha tem origem no fato de eu me fazer objeto
do olhar, da escuta, do pensamento dos outros”. (1996:11). Mas isso não exclui o
aspecto interno deste sentimento, representado, por exemplo, pelo fato de o sujeito
poder sentir vergonha sozinho, resultado de reflexões sobre ações pessoais que
contrariaram seus valores e a imagem que tem de si. Este olhar do outro, que pode
ser real ou imaginário, de um indivíduo ou de um coletivo, guia muitas de nossas
ações cotidianas, dependendo da valoração que atribuímos a esse outro. Essa
valoração está vinculada ao sentimento de identificação que construímos com as
outras pessoas e/ou com o grupo social a que pertencemos, e aos seus ideais de
conduta. Assim, para esse sentimento aparecer dessa forma, torna-se necessário
uma relação interpessoal significativa, ainda que imaginária, quando a pessoa
poderá senti-la mesmo sem a presença do público, por estar internalizada. A
vergonha estaria, pois, vinculada a controles externos e internos do próprio sujeito.
Tudo isso evidencia a natureza reguladora do sentimento de vergonha, não
só das relações interpessoais, mas também das relações intrapessoais, do sujeito
consigo mesmo, de ser objeto para si e para os outros.
De acordo com La Taille, a pessoa que “não tem vergonha” pode ser
relacionada à pessoa imoral, por que:
Uma pessoa ‘sem vergonha’ é justamente alguém que, por um lado,
ignora e despreza o juízo dos outros (não reconhece o controle externo)
36
e, por outro, não considera condenável, aviltante, cometer certos atos
condenados pela moral. A imagem que tem de si não parece sofrer com a
realização de atos imorais. (LA TAILLE, 1996:16)
Diante do que discuti até aqui, posso assumir que existe a possibilidade de o
sentimento de vergonha ter um caráter moral, que não se subordina à culpa e que,
por isso mesmo, merece ser estudado de maneira isolada, ou seja, enquanto objeto
individualizado de um aprofundamento teórico como fez o autor.
Acaba seu trabalho apresentando 16 pesquisas com crianças de 6 a 12 anos:
oito sobre o desenvolvimento do sentimento de vergonha na criança, e as demais
sobre o desenvolvimento da legitimação de normas morais relacionadas ao direito
de segredo, a condenação da humilhação e o dever da confissão do delito.
O livro Moral e Ética: dimensões intelectuais e afetivas reúne as leituras,
pesquisas e reflexões, de Yves de La Taille e trabalha com uma nova perspectiva de
moral e ética. O autor mostra que esses conceitos surgem desde cedo na vida do
indivíduo. A inclusão das idéias desse autor justifica-se neste capitulo como
reiteração de muitas das idéias já discutidas, mas valorizo recolocá-las para
enfatizar a questão da ética.
A obra está dividida em três capítulos. O primeiro, intitulado Moral e Ética, tem
como objetivo apresentar conceitos úteis para a compreensão das ações morais.
Nele são avaliadas as relações entre razão e afetividade para que se possam
diferenciar os conceitos de moral e de ética. Para isso, La Taille (id) se utiliza de
quatro abordagens representativas da Psicologia Moral: Emile Durkheim, a de
Sigmund Freud, a de Jean Piaget e a de Lawrence Kohlberg. Os dois primeiros
autores estão ligados às questões afetivas dos comportamentos morais. Já os dois
últimos enfatizam a questão racional e aproximam a moral da igualdade, da
reciprocidade e da justiça.
Durkheim (In PUIG 1998) afirma que as condutas morais se dão pelo
sentimento do sagrado, inspirado pela sociedade, ou seja, o obedecimento aos
mandamentos de um ser superior, temido e desejado. Para Freud, (1992) a
37
consciência moral tem raízes inconscientes, que pode se explicar por forças
afetivas. Piaget, por sua vez, procurou identificar o que seria comum aos indivíduos.
No que concerne ao desenvolvimento moral, identificou dois estágios: heteronomia
(respeito às figuras de autoridade) e autonomia (separação da obediência que se
tem na heteronomia). Kohlberg (In PUIG 1998) complementou a teoria de Piaget
sobre o desenvolvimento da moral, que, para ele, ocorre devido ao desenvolvimento
da razão.
O autor ainda analisa as raízes epistemológicas das palavras ética e moral.
Ele esclarece que por moral devemos entender o fenômeno social, e por ética, a
reflexão filosófica.
Entre as virtudes abordadas na obra, apresenta-se a justiça, que inspira
igualdade, e a eqüidade, que implica tornar iguais os diferentes. O autor se refere
também à generosidade, virtude altruísta que consiste em dar ao outro o que lhe
falta, e, por fim, à honra, que exige reconhecimento e respeito do ser humano,
estabelecendo a qualidade de suas ações.
No capítulo dois, intitulado Saber fazer moral: a dimensão intelectual, o autor
mostra que o "saber fazer moral" interessa tanto à moral em si quanto à ética e,
nesse sentido, não é possível defender uma ética sem moral. Segundo La Taille,
(2006) a tarefa da razão é interpretar as ações; ela deve estar presente para
"calcular" e prever suas conseqüências. Para o agir moral, deve-se conhecer regras,
princípios e valores morais, e a ação moral depende do conhecimento e deve
considerar a consciência dos valores subjetivos rumo a um projeto de vida e de
felicidade que move as ações. A cultura em que vivemos dificulta o pensamento
crítico e renovador. O conhecimento de novas culturas aprimora nossa moral e
oferece novas oportunidades para o pensar.
O autor Yves de La Taille (id) aborda o tema do equacionamento moral
afirmando que o indivíduo deve ter conhecimento de regras, princípios e valores
morais, analisá-los e hierarquizá-los para a tomada de decisão. Para o
equacionamento moral não existe somente uma opção de moral correta, e esse
equacionamento se traduz pela reflexão. Juntamente com ele devem estar
38
presentes a sensibilidade moral e a percepção das dimensões morais que não se
apresentam com clareza. A sensibilidade moral está ligada ao espírito de justiça.
O desenvolvimento do juízo moral, exposto no livro Moral e Ética: dimensões
intelectuais e afetivas está de acordo com as teorias de Jean Piaget e Lawrence
Kohlberg. Os autores postulam que o desenvolvimento moral se dá por estágios,
que estão presentes desde a infância, nos dos traços de moralidade. São eles: a
anomia, a heteronomia e a autonomia.
A anomia corresponde ao estágio em que a criança ainda não conhece a
moralidade. A heteronomia se dá por duas vias: a compreensão das regras e sua
fonte de legitimidade. A autonomia refere-se à justiça e ao respeito mútuo. Kohlberg
(1998) retoma as idéias de Piaget e redefine os estágios em níveis pré-
convencional, convencional e pós-convencional. No nível pré-convencional, a
criança responde aos rótulos de bom ou ruim, certo ou errado, de acordo com as
conseqüências de suas ações. No nível convencional, a criança responde às
expectativas da família, de acordo com as vivências sociais. No nível pós-
convencional, ela infere as dificuldades e faz grande esforço para definir valores
próprios, independentes das autoridades.
No terceiro e último capítulo, O querer fazer moral: a dimensão afetiva, Yves
de La Taille (2002) relata que o sentimento moral de obrigatoriedade é composto e
alimentado por outros sentimentos. Esse capítulo contém duas partes: a primeira,
que fala sobre o despertar do senso moral, trabalha com o papel da afetividade
desde o surgimento da moralidade; a segunda parte retrata a construção do auto-
respeito.
Os sentimentos abordados no livro e analisados em crianças são o medo e o
amor. Tais sentimentos inspiram respeito. Assim, a criança respeita seus pais
porque sente por eles, ao mesmo tempo, medo e amor em uma relação de
autoridade. Para haver confiança em alguém é preciso considerar a moralidade que
essa pessoa possui. Dessa forma, honra e auto-respeito estão relacionados com o
merecer confiança, e esta, por sua vez, implica a dimensão moral.
39
A simpatia será abordada pelo autor em termos de sensibilidade por idéias e
sentimentos alheios e não no sentido de ser agradável. De acordo com o autor, a
simpatia não pode ser imposta, mas deve estar ligada a atos de generosidade que
permitam explicar as atitudes morais.
A indignação se refere ao conteúdo preciso da moral, a justiça. É através da
indignação que o indivíduo se coloca como sujeito de direitos.
O autor coloca a culpa como sentimento genuinamente moral. A capacidade
de sentir culpa está relacionada ao ato de assumir responsabilidades e perceber-se
como sujeito moral.
A vergonha é o último sentimento analisado. O autor considera que ela está,
ao mesmo tempo, nos planos ético e moral e é responsável pelo auto-respeito. Esse
sentimento aparece desde os dois anos de idade. Segundo La Taille, aquele que a
sente possui imagem negativa de si próprio, ou seja, sente vergonha do que é. A
vergonha é um sentimento inerente a todo ser humano; o que muda e diferencia a
vergonha de pessoa para pessoa é a experiência de senti-la.
2.1 Explicando melhor: Ética e Moral
Procurando aprofundar os conceitos de ética e moral, percebi que muitas
vezes eles se misturam e para que haja um melhor entendimento resolvi detalhar
melhor os dois conceitos para que não tenhamos dúvidas.
Define-se Moral como um conjunto de normas, princípios, preceitos,
costumes, valores que norteiam o comportamento do indivíduo no seu grupo social.
Moral e ética não devem ser confundidos: enquanto a moral é normativa, a ética é
teórica, e busca explicar e justificar os costumes de uma determinada sociedade,
bem como fornecer subsídios para a solução de seus dilemas mais comuns. Porém,
deve-se deixar claro que etimologicamente "ética" e "moral" são expressões
sinônimas, sendo a primeira de origem grega, enquanto a segunda é sua tradução
para o latim.
40
A palavra Ética vem do grego “ethos” que significa modo de ser, e a palavra
Moral tem sua origem no latim, que vem de “mores”, significando costumes.
Moral é um conjunto de normas que regulam o comportamento do homem em
sociedade, e estas normas são adquiridas pela educação, pela tradição e pelo
cotidiano. Durkheim (1998) explicava Moral como a “ciência dos costumes”, sendo
algo anterior a própria sociedade..
A ética é uma característica inerente a toda ação humana e, por esta razão, é
um elemento vital na produção da realidade social. Todo homem possui um senso
ético, uma espécie de "consciência moral", constantemente avaliando e julgando
suas ações para saber se são boas ou más, certas ou erradas, justas ou injustas.
Existem sempre comportamentos humanos classificáveis sob a ótica do certo
e errado, do bem e do mal. Embora relacionadas com o agir individual, essas
classificações sempre têm relação com as matrizes culturais que prevalecem em
determinadas sociedades e contextos históricos.
A ética está relacionada à opção, ao desejo de realizar a vida, mantendo com
os outros, relações justas e aceitáveis. Via de regra está fundamentada nas idéias
de bem e virtude, enquanto valores perseguidos por todo ser humano e cujo alcance
se traduz numa existência plena e feliz.
O homem é um ser-no-mundo, que só realiza sua existência no encontro com
outros homens, sendo que, todas as suas ações e decisões afetam as outras
pessoas. Nesta convivência, nesta coexistência, naturalmente têm que existir regras
que coordenem e harmonizem esta relação. Estas regras, dentro de um grupo
qualquer, indicam os limites em relação aos quais podemos medir as nossas
possibilidades e as limitações a que devemos nos submeter. São os códigos
culturais que nos obrigam, mas ao mesmo tempo nos protegem.
Diante dos dilemas da vida, temos a tendência de conduzir nossas ações de
forma quase automática, fazendo uso de alguma "fórmula" ou "receita" presente em
nosso meio social, de normas que julgamos mais adequadas de serem cumpridas,
por terem sido aceitas intimamente e reconhecidas como válidas e obrigatórias.
41
Fazemos uso de normas, praticamos determinados atos e, muitas vezes, nos
servimos de determinados argumentos para tomar decisões, justificar nossas ações
e nos sentirmos dentro da normalidade.
As normas de que estamos falando têm relação como o que chamamos de
valores morais. São os meios pelos quais os valores morais de um grupo social são
manifestos e acabam adquirindo um caráter normativo e obrigatório. A palavra moral
tem sua origem no latim "mos" / "mores", que significa "costumes", no sentido de
conjunto de normas ou regras adquiridas por hábito. Notar que a expressão "bons
costumes" é usada como sendo sinônimo de moral ou moralidade.
A ética também estuda a responsabilidade do ato moral, ou seja, a decisão de
agir numa situação concreta é um problema prático-moral, mas investigar se a
pessoa pôde escolher entre duas ou mais alternativas de ação e agir de acordo com
sua decisão é um problema teórico-ético, pois verifica a liberdade ou o determinismo
ao qual nossos atos estão sujeitos. Se o determinismo é total, então não há mais
espaço para a ética, pois se ela se refere às ações humanas e se essas ações estão
totalmente determinadas de fora para dentro, não há qualquer espaço para a
liberdade, para a autodeterminação e, conseqüentemente, para a ética.
42
3 A importância dos limites. A idéia de infância surgiu na sociedade capitalista na medida em que se altera
o papel social da criança na comunidade. Com grandes mudanças ocorridas no
século XX, as relações entre as pessoas se modificaram e a criança passou a ser
vista não mais como um adulto em miniatura, mas como um ser humano em
construção, que tem vontades próprias e deve ser respeitado. Com isso os
relacionamentos dentro das famílias também se modificaram e a relação entre pais e
filhos perdeu o autoritarismo dos pais em grande medida e ganhou democracia entre
ambos. Mas essa mudança de relacionamento da família de classe média não vem
acontecendo de maneira tão positiva, pois os pais ainda não se adaptaram a essa
nova maneira de educar seus filhos.
Ensinar regras e valores às crianças está cada vez mais difícil, uma vez que
as crianças passam boa parte do dia sob cuidados de babás ou outros adultos como
avós e tias. Quando a criança passa longos períodos sob os cuidados de outras
pessoas, geralmente os pais têm receio de chamar sua atenção nos momentos que
estão ao seu lado e é aí que a manha começa. Ou seja, são os filhos quem mandam
e ditam as regras. As mulheres foram inseridas no mercado de trabalho e o cuidado
dos filhos foi delegado a terceiros. Muitas crianças também passaram a ficar em
creches, escolas, pré-escolas, clube etc., e os vínculos de relacionamento entre pais
e filhos foram rompidos. Querendo receber atenção e carinho, eles então começam
a fazer uma série de exigências. Sentindo-se culpados por não lhes dedicar tempo,
os pais se rendem aos seus caprichos, numa espécie de compensação. Nesse
contexto, é quase impossível dizer “não”. (ZAGURY, 2002).
Já ouvi vários pais dizerem: Que chato dizer “não” para o meu filho. Mas eles
não sabem que esse “não”, futuramente, pode ser uma tacada certeira para que
exista uma boa relação entre pai e filho. O problema mora justamente aí. Muitos pais
acham que dizer sim ou aceitar tudo que as crianças pedem irá compensar a
ausência enquanto trabalham fora. Ou simplesmente porque dizer sim é mais fácil,
estão cansados para escutar as reclamações e choradeiras dos pequenos.
O receio de muitos pais em estabelecer limites ao filho se dá pelo medo de
frustrá-lo, de deixá-lo triste e de não corresponder à imagem de pai que a criança
tem formada. Além da culpa, o medo e a insegurança também parecem ser fatores
que pesam aos pais ao impor limites. Muitos foram tão reprimidos e lhes impuseram
43
limites tão severos, que cresceram com a idéia de que se disserem “não” aos filhos
ou impor-lhes qualquer outro limite, isso vai prejudicá-los. Mas é preciso que os pais
saibam que determinar limites para as crianças é a melhor forma de demonstrar que
estão atentos e preocupados com eles. Richard Sennet (2001) em seu livro
denominado Autoridade demonstra a importância da autoridade: A necessidade de
autoridade é fundamental. As crianças Precisam de autoridades que as orientem e
tranqüilizem. (SENNET 2001:27).
Os limites são de extrema importância para que haja o convívio em
sociedade, pois nos ajudam a nos organizar levando em consideração o outro e a
nos vigiar, ou policiar para não causarmos danos a esse outro/outros.
Aos pais parecem ter desaprendido, por exemplo, como dizer um simples
“não” de forma convincente, quando precisam negar alguma coisa aos filhos. Na
maior parte das vezes, esse “não” soa como “sim”. ( ZAGURY, 1992:25).
Não menosprezemos nossos filhos. Sejamos firmes, mas não indelicados.
Seguros, não agressivos. Apenas isso. Reocupemos o espaço necessário a que
duas personalidades convivam. Nunca uma ou somente uma. (Id:29).
Hoje em dia, no meio em que vivemos a liberalidade é grandemente
incentivada. Isso faz com que os pais tenham dificuldades para decidir, quando
devem ser severos ou não, porque a severidade passou a ter uma conotação
negativa, sendo encarada como uma forma de autoritarismo.
As atitudes dos pais não devem ser ditadas por sentimentos momentâneos ou
circunstanciais.
Estabelecer hábitos -uma certa rotina, algumas regras- é perfeitamente válido
e não traz nenhum prejuízo para as crianças; pelo contrário. Na medida em que os
pais organizam a vida familiar de forma a que todos sintam-se respeitados, só
haverá lucro para ambas as partes. Estabelecer regras requer, no entanto, uma
grande dose de paciência e determinação. Requer também muita segurança,
objetivos claros e definidos. (Id:46).
Regras são para se seguir, mas nada deve ser feito de forma rígida. Regras
devem ser aliadas e não o contrário. Em alguns momentos é necessário que
abandonemos algumas regras, mas isso deve ser pensado e refletido. Uma coisa é
ter segurança, outra é ser inflexível. Devemos ser seguros, mas flexíveis. E é
44
justamente a segurança que vai propiciar a flexibilidade. Quando temos segurança
podemos optar por modificar uma determinada situação, sem medo.
Um dos fatores que apontam as causas da falta de limites na educação das
crianças é a falta dos valores morais, e isso pode ser visto pelo enorme número de
casos de corrupção ininterrupta na política, empresas, igrejas, etc, apresentados na
mídia, onde, dificilmente a lei consegue ser cumprida. Esses fatos demonstram uma
sociedade carente de formação ética e moral e reflete a educação que as crianças
estão recebendo.
Na preocupação de não frustrar as crianças, de satisfazerem todos os seus
desejos, os pais vão perdendo o domínio da disciplina familiar, que é o respeito
básico para que a criança e mais tarde o adolescente e o jovem aceitem regras e
normas na escola e na vida, O reflexo disso é visto não tão somente dentro de casa,
mas o falso autoritarismo da criança é transportado para o mundo externo, ou seja, à
escola e também nas relações com outras crianças. É cada vez maior o número de
queixas de professores em relação à indisciplina e à falta de limites de crianças,
fruto de uma educação refém das normas e determinações do filho.
Os acessos de birra são “naturais” em crianças de dois ou três anos. Embora
se originem em desconfortos físicos que aumentam a irritabilidade da criança, as
birras ou são motivadas por uma tentativa de obter satisfações e de dominar uma
família que permite ser controlada por essas zangas, ou são o resultado de imitação
de um dos pais ou de algum outro membro da família.
O “tratamento”, ou seja, para que essa fase seja superada se faz necessário:
(1) criação de um ambiente ótimo que permita saídas convencionais para a
expressão de cólera, por parte dos pais e da criança; (2) correção da indulgência
excessiva, complacência e solicitude excessivas e superproteção, quando tais
atitudes estão presentes; (3) atenção para as formas agudas ou crônicas de
desconforto, como cansaço e fome, as quais parecem precipitar os acessos de birra;
(4) ajustamentos recreativos e escolares adequados; (5) correção de quaisquer
ciúmes existentes no seio da família, sobretudo do pai e da mãe, em relação à
criança.
45
A birra deve ser “tratada” calmamente. À criança deve ser oferecido uma mu-
dança de cenário ou de atividade, a fim de lhe permitir a renúncia ao conflito sem um
sentimento de completa derrota ou humilhação. Em nenhuma condição deve haver
qualquer recuo ou demonstração de ceder terreno, por parte dos pais, em face da
birra; o melhor procedimento é deixar a criança sozinha até se acalmar; se as birras
resultarem em grande proveito para a criança, elas podem facilmente se tornar um
padrão freqüente de comportamento.
Outra condição a ser pensada é o exagero que os pais têm com relação aos
traumas que poderão causar, caso venham a ser mais enérgicos na educação dos
seus filhos. Usar o bom senso e algumas regras para estabelecer limites na
educação infantil não arranca pedaço de ninguém. Faz-se necessária a consciência
de que para educar é preciso esforço, dedicação, perseverança e paciência; muita
paciência.
Os pais devem ser firmes e mostrar para a criança o que pode e o que não
pode ser feito, fazendo com que ela reconheça o sim e o não. Também devem ficar
bravos quando a criança faz algo errado e mostrar que ficaram felizes quando ela
acerta na sua atitude. Não há como cuidar dos filhos “sob uma redoma” onde tudo é
permitido. A sociedade vai cobrar limites e nem tudo que a criança quiser vai
conseguir, assim sendo por toda a vida. Estabelecer limites e disciplina requer
paciência e firmeza. Os pais precisam entender que poupar o filho de situações
difíceis, super protegendo-o, abrindo mão dos limites, é o primeiro passo para
problemas mais sérios na adolescência.
Segundo Yves de La Taille (2000) podemos pensar na palavra limite de
diversas maneiras, pois se pensarmos apenas em seu sentido restritivo estaremos
empobrecendo seu conceito. . Relatarei as três dimensões do limite com a finalidade
de apresentar o sentido amplo do significado de limite. Se pensarmos na palavra
limite, o que nos vem à cabeça? Acredito que o que aparece na cabeça da maioria
das pessoas é a de limite como aquilo que não deve ser ultrapassado. Mas a
palavra limite pode ser pensada de diversas maneiras e até dividida em dois grupos:
1- limites naturais, 2- limites sociais e 3 - limites construídos.
46
Segundo Yves de La Taille: ...“limite” não deve ser pensado apenas como ponto
extremo, como fim, como limitação... “Limite” significa também aquilo que pode ou
deve ser transposto. (TAILLE 2000:12).
Refletindo sobre a divisão que sugeri entre limite natural e limite social,
explicarei melhor por meio de exemplos: Quando seguramos a respiração até não
conseguirmos mais suportar, podemos dizer que chegamos ao nosso limite, pois se
continuarmos podemos perder o que temos de mais precioso: a VIDA. Esse é um
exemplo de limite natural que não deve ser transposto. Existem também limites
naturais que devem (necessariamente) ser transpostos para que ocorra o
desenvolvimento, é o caso, por exemplo, de uma criança que nos primeiros meses
de vida, ao tentar por várias vezes ficar de pé e não conseguir, percebemos aí seu
limite natural, mas com o passar do tempo e a persistência da criança, ela logo
começa a andar, eis um limite natural transposto que deu base ao desenvolvimento
da criança.
Do outro lado estão os limites sociais, criados para que exista um bom
“andamento” da sociedade. Esses limites ao contrário dos limites naturais nunca
devem ser transpostos, pois acarretam “severas” punições. Um exemplo muito claro
de um limite social é o fato de não podermos furtar algo de outra pessoa, só porque
gostamos do objeto, ou atropelar um pedestre que esta atravessando a faixa, só
porque o farol ficou verde para nós. La Taille (2000) faz uma afirmação muito
interessante sobre isso: A colocação de limites, no sentido restritivo do termo, faz
parte da educação, do processo civilizador e, portanto, a ausência total dessa
pratica pode gerar uma crise de valores, uma volta a um estado selvagem em que
vale a lei do mais forte. (p. 53).
O terceiro tipo pode ser definido como limite construído. Esse tipo de limite é
determinado por cada pessoa, como uma fronteira que não deve ser transposta,
construída para delimitar aquilo que deve ser respeitado, protegendo nossa
privacidade e intimidade. É o limite que o outro adulto e/ou criança não deve
ultrapassar para manter o respeito com o próximo.
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4 Moral x escola e família
A educação escolar tem tradicionalmente concentrado sua atenção nos
aspectos cognitivos do ser humano – naqueles aspectos relacionados com o
desenvolvimento do seu intelecto, de sua inteligência. Para quem observa uma
escola tradicional, parece que sua única preocupação é conseguir passar aos alunos
informações e conhecimentos – e, na melhor das hipóteses, desenvolver neles
algumas competências de natureza cognitiva, a maior parte delas de cunho lógico
ou lingüístico – que os alunos precisam possuir (acredita-se) para poder vir a atuar
competentemente no mundo adulto.
No entanto, tão importantes para os seres humanos quanto o seu intelecto
são sua sensibilidade, suas emoções, sua vontade – em geral tristemente ignoradas
pela educação escolar tradicional. Falar para alguns educadores em “educação da
sensibilidade”, “educação das emoções” e “educação da vontade” é arriscar-se a
receber em resposta um olhar estranho de quem imagina que está tendo contato
com um “extraterrestre”.
No entanto, a retórica pedagógica até mesmo atual freqüentemente inclui
referência à chamada “formação integral” (da criança), sugerindo que a educação
não pode se focar apenas na transmissão de informações e conhecimentos e no
desenvolvimento das competências e habilidades cognitivas do ser humano. É raro,
porém, um entendimento claro sobre em que consistiria essa formação integral. Por
isso, apesar de a expressão “formação integral” aparecer, hoje em dia, com certa
freqüência também na literatura pedagógica secular e leiga, para muitos é pouco
claro o que se tem em mente quando se fala em facetas da educação que vão além
da transmissão de informação e conhecimento e do desenvolvimento de
competências e habilidades puramente cognitivas.
Em educação, as propostas derivadas da chamada Escola Nova, das teorias
das relações humanas, entre outras, trouxeram uma prática menos autoritária,
normas menos rígidas, maior possibilidade de diálogo. Trouxeram, mais
compreensão, maior conhecimento das necessidades da criança em suas diferentes
fases de desenvolvimento e, portanto menos autoritarismo na relação entre pais e
filhos, professor e alunos.
48
Essa atitude dos pais, da mesma forma, ocorreu também na prática de muitos
dos nossos professores. A tendência Liberal Renovada Progressivista e a Tendência
Renovada não-diretiva foram as “escolas” que, dentro da Pedagogia, mais
contribuíram para alterar a relação professor-aluno e pais-filhos. Foram elas que
introduziram idéias como “atendimento às necessidades individuais”, “adequação
das necessidades individuais ao meio social”, “a escola deve retratar a vida”, dando
ênfase sobre tudo aos aspectos psicológicos antes que os pedagógicos e sociais. .
Essas idéias surgidas no campo da educação foram sem dúvida um grande
avanço, mas trouxeram algumas conseqüências indesejadas. Distorcidas pela
interpretação incorreta ou radical de alguns de seus seguidores os professores
passaram a ter dificuldades em estabelecer limites entre a liberdade que pretendiam
dar aos alunos e a autoridade que precisavam ter em determinados momentos.
Embora essa realidade possa ser interpretada à luz das condições econômicas, não
me deterei nesse aspecto porque fugiria em demasia da proposta do trabalho.
Ressalto que a realidade aqui descrita tem sido exaustivamente discutida por
autores de cunho marxista.
A crise afeta todas as relações e, por conseguinte, aquelas que unem a
família e a escola. Nesse caso, o que se verifica é a constante delegação de
responsabilidade a outrem — da família para a escola e vive-versa — e também a
constante acusação mútua de incompetência ou desleixo. Muitos professores
acusam os pais de não darem, por exemplo, limites a seus filhos, e muitos pais
acusam a escola de não ter autoridade e de não impor a disciplina.
A historia da educação mostra que nunca houve no interior da escola a
preocupação com o desenvolvimento da moral da autonomia. Isso vem sendo um
grande problema, pois os pais julgam que isso é tarefa da escola e a escola por sua
vez devolve essa tarefa para os pais que acabam não cumprindo (na maioria das
vezes) por falta de tempo e quem sofre são as crianças presas na moral da
heteronomia, sem nunca alcançar uma moral autônoma.
Não penso ser possível estabelecer hierarquia. Ambas as instituições, a
escola e a família são fundamentais para a educação moral e a formação ética.
Logo, devem trabalhar em cooperação, completando-se mutuamente.
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Sabe-se que a melhor forma, para não dizer a única, de ter sucesso na
educação moral, na formação ética e na pacificação das relações é, no seio da
escola, trabalhar a qualidade do convívio social entre seus membros (professores,
alunos, funcionários e pais). Logo, em vez de limitar-se a impor inúmeras regras, é
melhor a escola deixar claro, para todos, os princípios que inspiram à convivência
social. A elaboração de regras — que pode ser feita pela comunidade como um todo
— será derivado da apreciação desses princípios.
A moral trata de limites no sentido restritivo (deveres). A ética, por remeter a
projetos de vida, trata dos limites no sentido da superação, do crescimento, da
busca de excelência. Ora, se há excesso de limites, em breve, se a sociedade, em
vez de estimular o crescimento, valorizar a busca de uma vida que não vá além do
mero consumo e que se contente com o aqui - agora, com a mediocridade, ela vai
prejudicar a perspectiva ética e, conseqüentemente, a perspectiva moral. Uma
pessoa somente agirá moralmente se vir, nesse tipo de ação, a tradução de uma
vida que vale a pena ser vivida. Como a moral impõe restrições à liberdade, uma
pessoa somente vai aceitar tais restrições se fizerem sentido num projeto de vida
coletivo e elevado.
É interessante observar como muitos anúncios de propaganda, na televisão e
no rádio, apresentam relações sociais competitivas, rudes e violentas, e isso para
vender serviços telefônicos, carros, vídeos, etc., ou seja, objetos ou serviços nada
bélicos.
Não é tanto a exposição a cenas de violência que pode causar
comportamentos violentos, mas sim o sentido dado a elas. Se filmes mostram a
violência como recurso último, cujo uso segue certas balizas morais e cujo objetivo
é, ele mesmo, moral (lutar pela justiça), é uma coisa. Agora, se glorifica a violência
em si, se a colocam a serviço do próprio prazer, se a colocam como primeira opção
de resolver conflitos, é outra coisa. No primeiro caso, a violência é apresentada com
crítica, no segundo, não. Isso pode exercer uma influência sobre o sistema de
valores de jovens. Mas é preciso lembrar que há tantas variáveis e influências em
jogo que não se pode eleger os meios de comunicação e entretenimento como
grandes vilões. (LA TAILLE 2002).
50
O medo de ser autoritário é um sentimento importante. Mas o que é
autoritarismo? É impor regras injustas, arbitrárias. É impor regras — mesmo que
boas — negando à pessoa que deve obedecê-las a possibilidade de compreender
sua origem e sentido. Exercer autoridade é outra coisa. Para tanto, as regras
colocadas devem ser justas e devem também ser explicadas. Um bom exemplo de
relação com autoridade é a relação que temos com um médico: seguimos suas
prescrições porque o consideramos como representante de um conhecimento
legítimo, inteligível (por mais difícil que seja) e que pode nos fazer algum bem. A
relação de autoridade, seja na família, seja na sala de aula, deve seguir essa
mesma lógica: os pais ou os professores devem ser reconhecidos como pessoas
que detêm conhecimentos legítimos e necessários ao pleno desenvolvimento das
novas gerações. Assim sendo, é claro que a moral (o respeito pelo outro) e projetos
éticos de crescimento pessoal e social correspondem a valores preciosos para a
vida. A criança começará a pensar neles referenciada em figuras de autoridade e,
quando conquistar a autonomia, vai se libertar da referência à autoridade certamente
com gratidão.
Muitos podem imaginar que autonomia é o mesmo que independência. Mas
não para Piaget, pois para o autor, a autonomia é a fase final de desenvolvimento do
juízo moral (PIAGET, 1994). Uma fase em que o sujeito é capaz de construir e
respeitar regras porque compreende a sua importância para o bem estar da
comunidade. Nesta fase, a criança aprende a conviver com consensos e
divergências, aceita opiniões diferentes das suas e respeita os valores da dignidade,
do respeito mútuo, do diálogo e da solidariedade.
Mas antes do sujeito atingir este nível de moralidade, ele passa por uma fase
de anomia. Fase dos primeiros anos de vida em que a criança não compreende o
valor das regras, ou seja, não é capaz de compreender as regras nem para o seu
próprio bem estar e proteção. Um exemplo é quando elas ingerem o creme dental,
ficam penduradas na janela e colocam qualquer coisa na boca. Elas não fazem isto
por simples malcriação, é uma forma de desenvolver a inteligência, pois nesta fase a
inteligência da criança é marcada pela curiosidade e pelo desejo de explorar os
objetos e pessoas com as quais convive para conhecê-los. É uma inteligência
prática, sensório-motora, por isso, elas só construirão a noção de causalidade (que
51
podem cair no chão e se machucarem, por exemplo) se estiverem diretamente
envolvidas na ação.
Ainda na primeira infância esta fase é superada e a criança inicia um período de
heteronomia. Nesta fase ela compreende as regras, mas só as obedece porque
teme desagradar quem as construiu. Geralmente a criança pensa que Deus, os
santos, os pais e os professores foram as pessoas que criaram as regras e,
portanto, elas não podem ser desobedecidas, pois a criança não quer perder o amor
destas pessoas.
É uma fase interessante, pois ela respeita as regras apenas por medo de ser punida
ou de perder o amor dos entes queridos. E como falei anteriormente, a última etapa
seria a autonomia, uma fase desejada por todos aqueles educadores, pais e
profissionais que acreditam numa educação da conscientização, do diálogo e do
respeito mútuo.
Uma educação para o desenvolvimento da autonomia deve privilegiar a
construção coletiva das regas de convivência, pois é mais fácil respeitar as regras
construídas e não impostas. A criança deve compreender o valor da regra
estabelecida e receber uma sanção por reciprocidade sempre que a transgredir.
A sanção por reciprocidade é um castigo inteligente. Apresenta uma relação direta
como a regra transgredida. A punição é o castigo ineficiente, pois não apresenta
relação com a transgressão, constrange, ofende e machuca. A punição pode ser
representada pelas palmadas ou por castigos que não educam, apenas amedrontam
a criança e fazem com que ela apenas respeite o adulto por medo de ser punida. A
sanção ensina a respeitar a regra. A punição reforça a heteronomia, a moral de
obediência.
A autoridade não é o mesmo que autoritarismo e muitos pais, educadores e
babás, com medo de errar, perdem a sua autoridade e deixam de estabelecer limites
de suma importância na formação das crianças. Limites são necessários, pois
oferecem segurança para a criança e ajudam no desenvolvimento de um auto-
conceito de estarem sendo observadas e cuidadas.
Em muitos lares onde os pais não se entendem, impor limites é quase
impossível, e a criança é a mais prejudicada. Cada um dá ao filho o que acredita ser
52
melhor. Com isso, a criança tende a desenvolver dois tipos de comportamento: ou
elas aprenderão que obedecer é algo relativo, ou então aprenderão, desde cedo, a
conquistar o que querem por meio, principalmente da birra.
A autoridade é conquistada pelo respeito, pelo prestígio, pelo afeto, e não
apenas pelo poder. A criança elege o educador como autoridade quando ele
estabelece limites que a deixam segura, que a ensinam o que pode ou não ser feito
em determinados momentos e lugares. A autoridade envolve sentimento, desejo de
ensinar e proteger. A autoridade não é grito, não é zanga, é voz firme e capacidade
de dialogar para negociar com as crianças.
Já o autoritarismo é um instrumento de controle, é a ausência do diálogo, é
conviver com as regras como se elas fossem blocos rígidos e não diretrizes que
nortearão a nossa vivência. O autoritarismo fere, deixa profundas marcas na
formação da criança, ensinando-a a reproduzir relações de coação que nada mais
são que um estímulo para a permanência da criança na fase da heteronomia, pois
ela não é convidada a construir regras e aprender a respeitá-las.
Sanção por reciprocidade: Educa. Possui relação com o ato transgredido. Não
acarreta dor ou sofrimento para a criança.
Punição: Não educa. Acarreta dor física e psicológica. Constrangimento. Sem
relação como ato transgredido.
Portanto, todas as vezes que o diálogo fracassa e a uma criança erra ou
transgride uma regra, ela deve ser castigada. Mas é muito importante notar que o
bom castigo é aquele que tem relação com o ato transgredido, que educa, que não
leva a criança a ter dor física nem passar por situação constrangedora. O bom
castigo não dói fisicamente como na época dos nossos pais. Faz a criança refletir
sobre os seus atos.
Educar nos dias atuais significa, sobretudo, ter paciência, persistência e firmeza. As
crianças não costumam internalizar as regras de um dia para o outro, precisam de
tempo e da mediação de alguém disposto a ensinar. (idem)
53
Considerações finais
A indagação principal, o ponto de partida deste trabalho que se configurou
como indagação norteadora é: Qual é a relação existente entre o desenvolvimento
moral e a falta de limites?
A moral pode ser entendida como um conjunto de costumes e valores que
norteiam determinada sociedade. A palavra limite possui um significado muito mais
amplo do que eu imaginava, na verdade, geralmente consideramos a palavra limite
apenas em seu sentido restritivo sem percebermos, que o limite, muitas vezes, é
aquilo que deve ser ultrapassado. Segundo Yves de La Taille: ...“limite” não deve ser
pensado apenas como ponto extremo, como fim, como limitação... “Limite” significa
também aquilo que pode ou deve ser transposto. (TAILLE 2000:12).
Quando falo em falta de limites, estou me referindo apenas a falta de limites
restritivos, ou seja, os que não devem ser ultrapassados.
Se afirmo que uma criança “não possui limites”, estou dizendo que ela se
encontra na primeira fase do desenvolvimento moral a fase da anomia (ausência de
normas), pois se estivesse na fase da heteronomia (a regra vem de fora),
obedeceria aos pais.
Existe uma relação de ligação entre os limites e o desenvolvimento moral,
uma relação de simultaneidade. Posso fazer a seguinte comparação: Quando uma
criança esta na fase na anomia, ela não possui limites, nem regras. Quando esta na
fase da heteronímia conhece apenas os limites no sentido restritivo e quando chega
a fase da autonomia, conhece os diferentes tipos de limites e sabe utilizá-los.
No decorrer deste trabalho outras indagações foram surgindo e coube a mim
buscar respostas para todas elas, como por exemplo: Por que alguns pais não
conseguem ensinar aos filhos valores como justiça, compaixão? Por que algumas
crianças não escutam os pais, gritam se jogam ao chão simplesmente por não
compreenderem a palavra não e acreditarem que podem transformá-la em sim?
Como propiciar uma educação que desenvolva cidadãos que compreendam as
várias faces da palavra limite?
Educar é muito difícil! Todos concordamos com essa afirmação, e se
realmente queremos uma sociedade mais justa, harmoniosa e igualitária, devemos
seguir por esse árduo e cansativo, mas gratificante caminho. O primeiro passo é
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traçar um objetivo claro e nunca perdê-lo de vista, ou seja, se quisermos que nossos
filhos ou alunos se tornem pessoas justas, verdadeiras, alegres, queridos,
inteligentes, autônomos... devemos nos esforçar para isso.
Uma educação para o desenvolvimento da autonomia deve privilegiar a
construção coletiva das regas de convivência, pois é mais fácil respeitar as regras
construídas e não impostas.
Um objetivo específico deste trabalho foi: refletir sobre o papel da família e do
educador de educação infantil no que se refere ao desenvolvimento moral.
O bebê humano é o animal mais frágil que existe, quando nasce depende
totalmente de outra pessoa para garantir-lhe a sobrivivencia, ele não sabe nem ao
menos que existe e se confunde com o ambiente. É na família que a criança tem
suas primeiras aprendizagens, com amor e paciência (na maioria das vezes), a
família, principalmente os pais, ensinam o pequeno ser, a falar, andar, brincar e se
relacionar com outras pessoas. Quando os pais decidem colocar o filho na escola
começa uma parceria fundamental para a educação da criança. É extremamente
necessário que pais e professores dialoguem frequentemente e troquem
informações sobre a criança, para que não existam incoerências e sim
confirmações.
Se na escola a criança aprende que não deve jogar lixo no chão, mas quando
esta com a família vê seus pais jogarem, a criança fica confusa e não sabe qual é a
maneira correta de agir, mas quando vê em sua família reforços das coisas que
aprendeu na escola e vice-versa, fica muito mais fácil a interiorização e significação
dos aprendizados.
O receio de muitos pais em estabelecer limites ao filho se dá pelo medo de
frustrá-lo, de deixá-lo triste e de não corresponder à imagem de pai que a criança
tem formada. Além da culpa, o medo e a insegurança também parecem ser fatores
que pesam aos pais ao impor limites. Muitos foram tão reprimidos e lhes impuseram
limites tão severos, que cresceram com a idéia de que se disserem “não” aos filhos
ou impor-lhes qualquer outro limite, isso vai prejudicá-los. Mas é preciso que os pais
saibam que determinar limites para as crianças é a melhor forma de demonstrar que
estão atentos e preocupados com eles.
Busquei compreender neste trabalho o desenvolvimento moral da criança em
seu contexto familiar e escolar.
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Essa clareza dos diferentes tipos de limite é essencial tanto para pais como
para educadores preocupados
A colocação de limites, no sentido restritivo do termo, faz parte da educação,
do processo civilizador e, portanto, a ausência total dessa pratica pode gerar uma
crise de valores, uma volta a um estado selvagem em que vale a lei do mais forte.
(LA TAILLE 2000:53).
Outro objetivo específico deste trabalho foi: Relacionar o desenvolvimento
moral e o sentimento de vergonha.
A vergonha é um regulador moral e por meio dela mostramos que possuímos
determinados valores. Quando uma pessoa furta algo e é surpreendida, tenta
esconder o rosto e se envergonha do que fez, ou seja, sabe do erro que cometeu.
Uma pessoa nessa mesma situação, que não se envergonhasse mostraria uma falta
de valores, uma falta de moral.
Após este estudo teórico aprofundado, pude ampliar o meu olhar em relação
a educação (ato de educar, transformar o outro e ser transformado) e sua
importância na vida humana. Um dos fatores que nos distingui dos animais é o fato
de passarmos os nossos conhecimentos de geração a geração, mas o modo como
esse conhecimento é transmitido é muito complexo. Mais uma vez fica evidente o
importante papel da escola e da família, que se caracterizam como meios de
transmissão de conhecimento, ou seja, como meios de continuidade da cultura.
Conclui que o desenvolvimento moral do ser humano acontece na sua relação
com o mundo e com o outro e pode ocorrer de diversas maneiras, por imposição,
coação, que fazem com que a pessoa chegue apenas ao nível da moral
heterônoma, ou, felizmente, pela educação que proporciona um desenvolvimento
tranqüilo, sadio e propicia autonomia ao sujeito. O tornando apto a fazer escolhas e
viver de maneira harmoniosa com o próximo.
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Acessado dia: 14 de outubro de 2008 (14/10/2008)